Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CDD 21 – 574.507
Observação: Material educativo público para livre reprodução, desde que citada a fonte.
INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO EDIFES
Rua Barão de Mauá, 30, Bairro Jucutuquara, Vitória -
Jadir Pella
Reitor Espírito Santo. CEP: 29040-860 Tel. +55(27) 3198-0934
E-mail: editora@ifes.edu.br
Adriana Pionttkovsky Barcellos
Pró-Reitora de Ensino
COMISSÃO CIENTÍFICA
André Romero da Silva Jair Ronchi Filho
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação Marcia Moreira de Araújo
Renato Tannure Rotta de Almeida Mariluza Sartori Deorce
Pró-Reitor de Extensão e Produção
Ailton Krenak
A S A UTORAS
A Désirée Gonçalves Raggi, Maria da Penha Kopernick Del Maestro (Penny), Maria Raquel Passos, Ricardo
Bodart de Andrade e Soler Gonzalez, pelas produções textuais que compõem este produto educativo.
Aos membros da banca da defesa da dissertação de mestrado, Jair Ronchi Filho, Mariluza Sartori Deorce e
Marcia Moreira de Araújo, pelas contribuições e validação deste e-book.
À equipe Secretaria Municipal de Educação de Serra pelo apoio no desenvolvimento da formação de profes-
sores.
A todas as pessoas (e foram várias) que de algum modo contribuíram para a realização do curso de formação
e para elaboração deste material textual.
Impossível descrever a gratidão pelas generosas contribuições que resultaram na produção deste e-book!
Imensa é a nossa alegria!
PRIMEIRAS PALAVRAS
Este material educativo é resultado da pesquisa intitulada “Entrelaçando os fios Educação Ambiental, Saúde
Mental e trabalho em educação pelas redes de conversações” desenvolvida no Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Humanidades (PPGEH) do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), Campus Vitória, que tem
como objetivo geral compreender de forma crítica as relações entre a Educação Ambiental e a saúde mental
dos professores do município da Serra – ES.
Essa pesquisa integra o Grupo de Pesquisa “Educação, Cultura, Natureza e Movimentos Descoloniais”, regis-
trado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e desenvolveu-se por meio
do acompanhamento da Formação “Educação Ambiental e Saúde Mental no contexto da formação continuada:
criando estratégias de enfrentamento ao adoecimento mental de trabalhadores da educação” destinada aos
profissionais da educação, atividade de extensão realizada em parceria entre o Ifes Campus Centro-Serrano e
a Secretaria Municipal de Educação da Serra – ES. A formação contou com palestrantes que estudam a temá-
tica da promoção da saúde dos trabalhadores da educação e outros que abordam a Educação Ambiental críti-
ca e/ou complexa.
A pesquisa é de grande relevância neste momento atual da humanidade, pois coloca em análise temas como a
crise civilizatória, a produção de conhecimento a partir da opção de separar a Natureza da Cultura pelos seres
humanos e o que esta crise e este modo de pensar e criar conhecimento provoca nas relações dos humanos e
dos não humanos. Além disso, também pretendeu sensibilizar seu público-alvo com o que nos alertou Ailton
Krenak: “Há um ambiente que percebemos como natureza e outro que é interior, em cada um de nós. O estra-
go que fazemos do lado de fora aparecem primeiro do lado de dentro”. Neste sentido, este e-book foi pensado
como contribuição para criar redes solidárias de afeto e de produção de críticas potentes para um novo modo
de ser, sentir, pensar e ser no e com a Natureza, para a afirmação da vida, de todos os modos de vida.
Profª Drª Katia Gonçalves Castor
APRESENTAÇÃO
Este e-book, intitulado “Tecendo fios para a produção de saúde no trabalho em educação” foi elaborado com
base nas vivências, experimentações, tramas, conversações e narrativas insurgidas na formação que promo-
veu discussões articulando Educação Ambiental, saúde mental e trabalho em educação tomando-se por base a
perspectiva das Redes de Conversações. Contudo, este material não tem a pretensão de esgotar as
discussões e resultados oriundos da pesquisa ou descrever passo a passo os encontros do curso de formação
realizado.
Deste modo, a aposta é que o e-book se constitua um material textual que possa inspirar práticas formativas
destinadas aos profissionais da educação e, por meio da ressignificação de seu conteúdo, disparar movimentos
de discussão e problematização acerca da relação trabalho-saúde-ambiente, contribuindo, assim, para a
produção de conhecimento.
Não cabe a este material educativo determinar como realizar os encontros formativos, pois acreditamos que
cada profissional tem autonomia para criar, organizar e realizar os encontros em formatos múltiplos que se
adequem a sua realidade e a da sua unidade de ensino. Contudo, sugerimos que as temáticas sejam trabalha-
das em encontros coletivos presenciais, visto que acreditamos na potência das discussões e problematizações.
Além disso, também torcemos para que possam desencadear possibilidades de intervenção e experimentação,
constituindo-se movimentos de ação criativa na busca de outros modos de vida, trabalho e saúde nos espaços
escolares.
Assim, o e-book foi organizado em tópicos compostos por imagens, produções escritas e sugestões de leitura,
música e vídeos, por entendermos que são elementos importantes para disparar discussões e reflexões acerca
da relação saúde-ambiente-trabalho. Salientamos que os tópicos não possuem uma ordem pré-estabelecida e
podem ser lidos independente uns dos outros.
A seguir indicaremos a relação de todos eles, apresentando o nome da cada um e também um breve resumo:
- Formação: trama de conversações, encontros e experimentações: apresenta a concepção de forma-
ção que apostamos e o aporte teórico das Redes de Conversações. O subtópico “Apresentação da proposta de
formação realizada” mostra como a formação foi organizada e o subtópico “O desenrolar da trama formativa”
aborda, de modo resumido, como foi realizada a formação “Educação Ambiental e Saúde Mental no contexto da
formação continuada: criando estratégias de enfrentamento ao adoecimento mental de trabalhadores da educa-
ção”, bem como, apresenta algumas vivências e experimentações, como também alguns projetos elaborados e
desenvolvidos nas unidades de ensino de Serra- ES pelos profissionais da educação que participaram da
formação. Vale destacar que esse tópico também é composto por textos de cinco formadores, produzidos a partir
de suas experiências com a proposta formativa mencionada.
- Os modos de vida que temos tecido: realiza um diálogo tendo como foco a crise socioambiental que viven-
ciamos, além de articular a Educação Ambiental, saúde e trabalho como possibilidade para pensarmos como
temos fabricado nossos modos de existência.
- Pelas linhas que tecem saúde: reúne o subtópico “A Saúde como possibilidade de criação de outros modos
de vida”, que enfoca a saúde como possibilidade de criação de outros modos de vida, e também o subtópico “A
medicalização da vida” que aborda como temos patologizado a nossa existência pelas vias da medicalização.
- Considerações, mas sem ponto final: sem a pretensão de esgotar a discussão, o e-book se encerra com
uma breve reflexão, com a intenção de convidar você leitor a adentrar as discussões aqui propostas, a fim de
tecer tramas formativas repletas de encontros, conversações e coletividade e, a apostar na potência de agir
como possibilidade de criar outros fios de vida docente.
Boa leitura!
As Autoras
SUMÁRIO
A medicalização da vida........................................................................................................ 81
A nosso ver, podemos partir das concepções trazidas Assim, na busca por desencadear composições poten-
por ambas autoras tomando-as como complementa tes, apostamos na formação de professores em aproxi-
res ou, mais que isso, como inter-relacionadas. Tristão mação com as redes de conversações (CARVALHO,
(2008) indica a relevância e necessidade de se estabe- 2009), metodologia que possibilita encontros e espaços -
tempos formativos em rede e que contribui para que Quem melhor para narrar, problematizar e produzir
os profissionais da educação, se coloquem em relação conhecimentos acerca de seus processos de trabalho,
para tecer diálogos e compartilhar saberes entre si. envolvendo a relação trabalho-saúde-ambiente, que
Mas o que seria uma rede de conversações? não os próprios trabalhadores? Nessa perspectiva, de
Uma rede de conversações envolve discursos, textos,
reconhecê-los como protagonistas do processo forma-
narrativas, imagens, sons, encontros, silêncios e silenci- tivo, buscamos afirmar e considerar suas experiên-
amentos, visto que, numa rede de conversações, inse- cias, conforme a definição de experiência apresenta-
rem-se tanto a luta pelo discurso, o silêncio repressivo,
como a passagem do diálogo para a multiplicidade e a
da por Larrosa (2017, p. 68):
heterologicidade [...] na conversação, a participação dá A experiência é o que nos acontece, não o que aconte-
lugar à pluralidade e à polifonia, assumindo um estado ce, mas sim o que nos acontece. Mesmo que tenha a
descentrado, de tal modo que é a pluralidade e não o ver com a ação, mesmo que às vezes aconteça na
EU ou o Outro que será foco do encontro. Entretanto, a ação, não se faz a experiência, mas sim se sofre, não é
conversação não acontece sem ser criada e sustenta- intencional, não está do lado da ação e sim do lado da
da pela participação ativa, que combina em si duas paixão. Por isso a experiência é atenção, escuta, aber-
dimensões: a poética da participação e a sociabilidade, tura, disponibilidade, sensibilidade, exposição 14
articulando vozes, assuntos em participação criativa de
modo que tornem possível a multiplicidade partilhada - Nesse sentido, buscamos estabelecer redes de
conversação recriadamente aberta e inacabada
(CARVALHO, 2017, p. 65) conversações, ampliando as potencialidades de cons-
trução de conhecimento pelo afeto, trocas de experi-
As redes de conversações ganham papel fundamental
ências, bons encontros...
nesse contexto de formação de professores. Afinal,
compreendemos a formação enquanto processualidade que O que pode uma formação? Nossa intenção ao reali-
se dá no/com/pelo coletivo, espaçotempo propício a zarmos essa indagação, de inspiração espinosiana, é
experimentações, con- fazer disparar o pensamento em busca de “possíveis”
Sobre redes de conversações
trovérsias, concordân- a serem inventados, articulados, experimentados, na
leia CARVALHO, Janete M.
cias, tensões, compar- Cotidiano escolar como co- tentativa de criação de outros modos de vida para
tilhamento de saberes, munidade de afetos. Petrópo- enfrentar o que nos faz padecer em adoecimento, ou
lis, RJ: DP et al., 2009.
discordâncias... seja, o que impede a nossa potência de vida.
Nesse sentido, nos referimos às possibilidades de Após dialogarmos acerca do aporte teórico-
criação, inventividade e escapes que possam servir de metodológico no qual nos baseamos para desenvolver
inspiração ou, ainda, se constituam em ferramentas a formação de professores, apresentaremos, a seguir,
para disparar movimentos de discussão e problemati- a proposta de formação e o modo como ela foi organi-
zação acerca da relação trabalho-saúde-ambiente, e zada para dar vasão às discussões e às experimenta-
assim, nos permitir confrontar o que nos é imposto e ções.
também encontrar meios para fugir do que nos sufoca
e adoece.
Referências
Portanto, apostamos na formação de professores pe-
CARVALHO, J. M. Cotidiano escolar como comunidade de
la via das redes de conversações (CARVALHO, 2009), afetos. Petrópolis, RJ: DP et Alii, Brasilia, DF: CNPq, 2009.
enquanto ferramenta potente para que os próprios _________. Potência das redes de conversações na formação
professores, com base em suas experiências e em continuada com os professores. In: SUSSEKIND, M. L e GAR-
CIA, A. Universidade-escola: diálogos e formação de profes-
suas práticas docentes, pudessem discutir e analisar sores. Petrópolis: DPetrus et alii, 2011. 15
seus próprios processos de trabalho, e desse modo, ________. A formação de professores como redes de conver-
mobilizar saberes e, coletivamente, se articularem sações: por um devir-docência. In: OLIVEIRA, I.B; REIS, G.
para criar táticas de enfrentamento aos adoecimentos. (Orgs). Pesquisas com formação de professorxs: rodas de conversa
e narrativas de experiências. Petrópolis, RJ: DP et Alii, 2017. P. 63 - 82.
DELEUZE, G. Conversações. 3ª ed, Rio de Janeiro: Ed. 34, 2013.
LARROSA, J. Tremores: escritos sobre experiência. 1ª ed. 3ª
reimp. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
PRATES, Maria Riziane C. A força revolucionária das experi-
mentações: políticas de amizade, alegria e grupalidade nos
currículos e na formação de professores da educação infantil.
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Es-
pírito Santo, Centro de Educação, Vitória, ES, 2016. 220p.
TRISTÃO, M. A Educação Ambiental na formação de profes-
sores: redes de saberes. 2ª edição. São Paulo: Annablume;
Vitória: Facitec, 2008.
Apresentação da proposta de formação realizada às 12h, para a atividade externa.
Divulgação: realizada pela Gerência de Formação da
1. Identificação
Secretaria Municipal de Serra/ES. O pré-requisito para
Formação: Educação Ambiental e Saúde Mental no a inscrição considerou os profissionais da educação
contexto da formação continuada, criando estratégias municipal da prefeitura de Serra.
de enfrentamento ao adoecimento mental de trabalha- Certificação: emitida pelo Ifes, via diretoria de exten-
dores em educação do Município de Serra/ES. são, aos participantes que obtiveram 75% da carga
Público-alvo: 30 Profissionais da Educação da Rede horária total do curso.
Municipal de Serra/ES
2. Breve resumo da proposta
Período: 18 de março a 10 de junho de 2019.
A proposta de formação, parte integrante da
Local: Centro de Formação “Professor Pedro Valadão pesquisa intitulada “Entrelaçando os fios Educa-
Perez” (1º ao 6º encontro), Unidade de Conservação ção Ambiental, saúde mental e trabalho em 16
Refúgio da Vida Silvestre Municipal da Mata Paludosa, educação pelas redes de conversações”, consti-
em Jardim Camburi (7º encontro - atividade externa); e tuiu-se um espaçotempo de encontro visando
Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio estabelecer movimentos de composição e
“Clotilde Rato” (8º ao 10º encontro). conversações com profissionais da educação do
Carga horária: 60 horas subdivididas em: município de Serra/ES, para problematização
acerca da relação trabalho-saúde-ambiente e
10 encontros de 4 horas cada;
suas implicações no cotidiano escolar.
20 horas para elaboração e desenvolvimento de
um projeto de intervenção. A formação consistiu em um curso de extensão, pro-
posto pelo Instituto Federal do Espírito Santo, Campus
Periodicidade: Encontros quinzenais às segundas-feiras.
Centro-Serrano, desenvolvido em parceria com a Se-
Horário: Noturno de 18h às 22h e um sábado, de 8h cretaria Municipal de Educação da Serra.
3. Objetivos da Formação sações, apostamos na potência do encontro, do agir,
Compor redes de conversações acerca da relação do problematizar em busca da criação de outros
Educação Ambiental, Saúde mental e trabalho em modos de viver, trabalhar, sentir, expressar; a partir
educação, numa perspectiva problematizadora e das fissuras que nos possibilite escapar do que nos é
complexa. imposto pelos atropelamentos cotidianos, daquilo que
nos adoece, cala e paralisa.
Partir da análise da organização do trabalho em
educação vivenciado pelos participantes para criação Organizada em encontros presenciais ministrados de
de táticas, objetivando a produção de saúde nos espa- 18 às 22 horas, a formação propiciou a abordagem de
ços escolares de modo coletivo e dialogado. diversas temáticas acerca da relação Educação Am-
biental, Saúde mental e trabalho em educação; tam-
Fomentar, orientar e acompanhar o projeto de inter-
bém foi reservado um momento para a atividade não
venção a ser desenvolvido pelos participantes da
presencial destinada ao desenvolvimento de projetos
formação, em suas respectivas unidades de ensino,
visando a criação de táticas para produção de saúde
que consistiram em experimentações realizadas pelos 17
professores como possibilidade de intervenção em
nos espaços escolares.
seus cotidianos escolares.
Profissionais da área da educação e da psicologia,
4. Metodologia
aos quais nomeamos de formadores, foram convida-
O movimento formativo ocorreu por meio de instru- dos tendo em vista a aproximação que tinham com as
mentos metodológicos como conversações, textos, temáticas abordadas. A intenção foi o compartilhamen-
imagens, elementos poéticos relacionados às lingua- to de saberes e experiências, além da possibilidade de
gens artísticas (música, pinturas, dança, entre outros), mediar, propor, provocar, tensionar e fazer pensar,
narrativas, experimentações e produções desenvolvi- questões nas redes de conversações estabelecidas
das pelos participantes. com os professores participantes da pesquisa. A se-
Realizada de forma dialógica pelas redes de conver- guir, apresentaremos o grupo de formadores:
O S FORMADORES (por ordem alfabética)
Désirée Gonçalves Raggi - Doutora em Educação pela Universidad Del Norte, revalidado pela Universida-
de Federal de Pernambuco - UFPE (2010). Mestra em Pedagogia Profissional pelo Instituto Superior
Pedagógico para La Educación Tecnica e Profesional Hector P. Zaldivar (2003) Cuba, revalidado pela
Universidade Federal de Goiás (2009). Graduada em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa
(1979) e em Formação Especial de 2º grau pela Universidade de Passo Fundo (1983). Tem experiência
em Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional, PROEJA e formação de professores. 18
Eliana Aparecida de Jesus Reis - Mestra pelo Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional
em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGMPE/Ufes). Professora da Educação Bá-
sica na rede municipal de ensino de Serra - ES. Atua no cargo de Gerente de Ensino Fundamental da
Secretaria Municipal de Educação de Serra - ES. Participa do Grupo de Pesquisa Currículos, Cotidia-
nos, Culturas e Redes de Conhecimento, na Ufes.
Esmeraldina Sobral Santos - Mestra em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito
Santo (2013); Especialista em Gestão Educacional Integrada e em Educação Especial pelo Centro de
Estudos Avançados em Pós-Graduação e Pesquisa (CESAP). Especialização em Psicodrama, com foco
sócio-educacional pela PROFINT - SE (2011). Graduação em Psicologia e Licenciatura em Psicologia
pela Universidade Federal de Sergipe (2007).
Jomar da Rocha Farias Zahn - Mestra em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espíri-
to Santo (2019). Graduação em Psicologia pela Universidade Estácio de Sá (2010), MBA em Desenvol-
vimento Gerencial Avançado com Ênfase em Gestão de Pessoas, Especialista em: Neuropsicologia,
Terapia de Família, Psicopedagogia e Arteterapia e Educação. Possui formação em Impactos da Vio-
lência na Escola, pela Fundação Oswaldo Crus (FIOCRUZ). Atua como colaboradora do Núcleo de Es-
tudos e Pesquisa em Subjetividade e Políticas (NEPESP) e no Programa de Formação e Investigação
em Saúde do Trabalho (PFIST), na UFES.
19
Keli Lopes Santos - Mestra pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional da Universidade Federal do
Espírito Santo (Ufes). Especialista em Psicologia Social e da Saúde. Graduada em Psicologia pela Ufes (2009). Atua
nas áreas das Políticas Públicas de Assistência Social, Saúde e Educação. Coordena curso de Psicologia da Escola
Superior São Francisco de Assis em Santa Teresa - ES. Atua como Psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) no município de Santa Maria de Jetibá e como psicóloga clínica particular. Desenvolve atividades de Educa-
ção Permanente para profissionais de nível fundamental, médio e superior na área das políticas públicas de Saúde,
Assistência Social e Educação.
Magda Simone Tiradentes - Possui Mestrado Profissional em Letras pelo Instituto Federal do Espírito
Santo (Ifes) - 2014. Graduada em Letras-Português/Inglês pelo Centro de Ensino Superior Anísio Tei-
xeira (2003). Pós-graduada em Psicopedagogia (2008). Experiência na docência de Língua Portuguesa
(Ensino fundamental), atua na Secretaria de Educação da Serra com a Formação Continuada de Pro-
fessores de Língua Portuguesa.
Maria da Penha Kopernick Del Maestro (Penny) - Mestre em Educação e graduada em Ciências Bio-
lógicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Professora na Prefeitura Municipal de Vitória.
Como docente atuou no Departamento de Didática e Prática de Ensino da Ufes e nos cursos de pós-
graduação em Gestão e Educação Ambiental. Consultora de programas e projetos de Educação Ambien-
tal. Focalizadora de Danças Circulares Sagradas relacionando dança, educação e meio ambiente.
Maria Raquel Ardisson Passos - Mestranda em Ensino de Humanidades no Instituto Federal do Espírito
Santo (IFES); Possui Pós Graduação em Educação Musical pelo Instituto de Educação Superior de
Afonso Cláudio (2013), Licenciatura em Música (Ufes/ 2012) e em Educação Artística (Ufes/ 2001); Mu-
sicista, com registros nos álbuns DEMONSTRAÇÃO (2002); CANTOS DO MEU CANTO (2006); SE-
GUIR SEMPRE (2015); Professora da área de Arte-Educação/ Música nas Redes Públicas de Ensino de
Cariacica e Vitória/ ES. Integrante do CEBI/ ES e Movimento Estadual de Fé e Política/ ES.
20
Ricardo Bodart de Andrade - Psicólogo pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Especia-
lista em Terapia Familiar Sistêmica (Crescent/FDV), Mestre em Psicologia Institucional (PPGPSI - Ufes)
e especialista em Atenção Primária em Saúde pelo CET-FAESA. Experiência em Psicoterapia Clínica;
Redução de Danos; Assessoria Sindical; Educação Inclusiva; técnico em Assistência Social, Saúde
Mental na Atenção Primária em Saúde. Atua como Psicólogo no Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia (Ifes).
Soler Gonzalez - Doutor em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Professor Adjunto do Centro de Educação (Ufes). Professor permanente do Programa de pós
-graduação do mestrado profissional em Educação (PPGME/Ufes). Líder do Grupo de Pes-
quisa Territórios de aprendizagens autopoiéticas - CNPq. Coordenador do projeto de ensino,
pesquisa e extensão Narradores da maré.
O desenrolar da proposta formativa Encontros/
Temáticas
carga horária
A seguir realizaremos uma breve apresentação do Abertura do Curso
1º Encontro
desenvolvimento da formação. Para tanto, não se trata 18/03/19 - 4h Dinâmica: Educação Ambiental, Saúde Mental e Ludici-
dade: um diálogo possível.
aqui de uma descrição completa e minuciosa, porque, 2° Encontro
Ecociranda: dançando sustentabilidades
como dissemos anteriormente, a proposta do e-book 25/03/19 - 4h
não é determinar o modo como realizar os encontros 3º Encontro
Perspectivas de educações ambientais
formativos, pois acreditamos que cada profissional 01/04/19 - 4h
tem autonomia para criar, organizar e desenvolver os 4º Encontro Saúde Mental dos profissionais da educação: produzin-
8/04/19 - 4h do saúde no contexto escolar
encontros em formatos múltiplos que se adequem a
5º Encontro Saúde Mental e Linhas Libertárias: tecnologias leves do
sua realidade e a da sua unidade de ensino. 15/04/19 - 4h cuidado-de-si.
Propusemos um exercício de repensarmos e refletir- Mesmo diante das tensões e relações de poderes em
mos sobre nossas práticas docentes cotidianas, nos- nossas vidas e no fazer docente, a vida resiste e insis-
sas relações com os educandos. Repensarmos nosso te, apesar do cenário necrófilo e antiecológico que es-
compromisso ético, político e pedagógico com tamos vivendo atualmente, tentando em vão silenciar
os educandos, reconhecendo-os como sujeitos da a subjetividade humana e a nossa condição ontológica
de sermos mais, e, assim, encontramos também ale-
grias, descobertas, amor, sonhos, afetos e amizades.
Portanto, nossa aposta com o encontro de formação
constituiu em criarmos um espaço coletivo, dialógico
e de aprendizagem no momento da formação, com a
participação de todas e todos, narrando suas ecolo-
gias, aprendendo e dialogando com a própria
história, e trazendo ao coletivo suas perspectivas
ecológicas cotidianas.
Agradecemos a oportunidade e até breve!
Notas
29
1 BARCHI, Rodrigo. Educação Ambiental e (eco)governamentalidade.
Ciência e Educação. Bauru, v. 22, n. 3, p. 635-650, 2016. Imagens do 3º Encontro de Formação
O “indivíduo” é feito de ideias! Somos gerados nas ins- Completam esse quadro violento (i) a subjugação das
tituições sociais. A Instituição (LOURAU, 2004; 2004a) ciências ao poder do dinheiro e (ii) o desserviço das
é um conjunto de regras, são jeitos de pensar/fazer/ religiões desencorajando o pensamento autônomo.
sentir/afetar/ser afetado que produzem outros jeitos de Ambos fragilizam o Espírito Humano na busca crítica e
pensar fazer, sentir, afetar e ser afetado. ‘Educação’, honesta e no compromisso com a verdade. Compro-
‘casamento’, ‘família’, ‘polícia’, ‘justiça’ são exem- metimentos entre cientistas e agências que financiam
plos de instituições e são elas que modulam a subjeti- suas pesquisas e as promessas de salvação num “pós
vidade humana individual pensante. Diferentemente -vida” em troca da obediência dizimista de fiéis, fermentam o
das espécies de abelhas, cupins e formigas, a huma- obscurantismo intelectual e o encolhimento filosófico:
na pode trazer à Vida o fator “(auto)consciência”, pois destroem as liberdades! Constroem subumanidades!
a invenção social humana produz sujeitos individuais As Teologias da Prosperidade escancaram essa troca 32
passíveis de reinvenção-de-si: : “[...] matéria é neces- negativa prometendo o paraíso na Terra, e aí, também
sidade, consciência é liberdade” (BERGSON, 2009). por essa via, o capitalismo selvagem e cretino pulveri-
A humanidade faliu? zou-se dominando nanotecnologicamente o mundo ínti-
Perceba as condições sociais e ambientais das na- mo das subjetividades dos indivíduos; você, sua
ções. Percebe você uma geopolítica internacional esposa (marido), sua mãe, seus(uas) filho(a)s, vizi-
vampiresca, truculenta, patrimonialista, anti- nhos, seus estudantes, seus colegas de trabalho,
humanista, armamentista e destruidora? Se conside- “todos” desejam os prêmios da única globalização
rarmos que os ímpetos da enganação ardilosa real: a informação de um padrão ideal de consumo,
(camuflagens), do ataque surpresa (traição) e da so- com seus produtos e serviços, prontos para serem
brevivência a qualquer custo (fins justificando os mei- mostrados, possuídos e logo substituídos pela próxi-
os) já estão na programação genética na Natureza em ma novidade mais cara, mais bonita, mais “isso”, mais
geral, podemos afirmar sem errar muito que a espécie “aquilo”. Desejamos esse paraíso e sofremos quando
não alcançamos... Se a Humanidade faliu, você não precisa necessaria-
mente falir junto!!! Você individualmente pode reinven-
O Estado é uma organização criminosa4! Sobrevivendo psi-
tar sua micropolítica quotidiana, sua ecologia mental7.
quicamente nas resultantes práticas entre “contratos negati-
Para tanto, oferecemos ao seu tirocínio os desafios de
vos” das políticas canalhas, das religiões impositivas, das mí-
(1) singularizar o próprio viver, de (2) perceber seu
dias corporativas e das ciências vendidas, está você!
Coeficiente de Liberdade; de (3) se perceber diante
Milhares estão iludidos pela artificial conexão entre do rebanho humano e também de (4) perceber e superar
felicidade e consumo de bens e serviços. Embora o a Síndrome de Desconexão.
consumo seja importante na cidadania, a artimanha de
reduzi-la à condição de consumidor(a) – e ao consu- Singularização: alienação x invenção
mismo exagerado – produz seres que desejam (e de- Existem dois extremos dentro dos quais podemos vi-
sesperadamente buscam) sinais externos de afirma- venciar nossa subjetividade: (1) de forma alienada,
ção, aceitação pelo grupo, beleza e poder. aceitando sem crítica as subjetividades vindas da so-
Assim, em meio à batalha, milhares de pessoas, inde- ciedade, ou (2) inventivamente, filtrando as subjetivi- 33
pendentemente da classe social a que pertençam, dades recebidas. As subjetivações8 são mais amplas
alienam-se da reinvenção e da gestão autônoma e pe- que as sensações individuais. Podemos, então, geren-
culiar das ecologias ambientais, sociais e mentais5; ciar essas subjetivações com alguma autonomia, mo-
destituem-se de sua humanidade! Estacionando psi- dular essas ideias forjadas socialmente e experimentá
quicamente nas subjetividades que vêm de fora, -las em nossas existências particulares variando entre
muitos irmãos e irmãs, quase completamente fora do dois opostos: uma relação...
escolher autônomo (crítico), faliram6! [...] de alienação e opressão, na qual o indivíduo
se submete à subjetividade tal como a recebe,
(Re) inventando seu ciclo subjetivo ou uma relação de expressão e criação, na qual
o indivíduo se reapropria dos componentes da
Nada é tão potente quanto a liberdade! Nem o subjetividade, produzindo um processo que eu
amor! Este apenas o é depois daquela. Quando chamaria de singularização (GUATTARI;
um sentimento existe livre para não existir e para ROLNIK, 2005: p. 42).
ir, estamos diante de algo profundo e verdadeiro.
O resto é escravidão! (Tradob). Você deseja iniciar ou sofisticar seu processo de singu-
larização? Se sim, você necessariamente estudará a Qual o seu coeficiente de liberdade?
subjetividade capitalística, pois essa é a principal
Ao ser uma pesquisadora de si mesma a consciência
“invasora de mentes”9. Se, e somente se, você distin-
humana tende a descartar o supérfluo e cuidar do
guir o capitalismo selvagem em você, poderá criar e movi-
essencial. Se você que lê essas linhas ousar esse esfor-
mentar-se em espaços (im) possíveis no seu conjunto vivo
ço intelectual e emocional de autopesquisa, tenderá a
individual para uma insurgência subjetiva libertária.
ampliar o coeficiente de liberdade12 em você, ou seja,
Se houver essa batalha micropolítica, estará no cam- vivenciar e produzir mais liberdades em seu Ciclo
po de suas ações10, contrapondo e/ou complementan- Recursivo Subjetivo na rede social e, durante as
do as ações “do” mundo “externo”, campo que gera batalhas quotidianas, tender a:
seu Ciclo Recursivo Subjetivo (CRS)11.
1. Distinguir Princípios Vitais e democráticos;
Acessar a dimensão da luta micropolítica – dormente
2. Distinguir as fontes e contextos das verdades;
na maioria humana – é superar a dependência de
esperar as agendas externas para agir, liberdade que 3. Produzir análises considerando seus interesses; e 34
somente é possível ao destrinchar a matéria-prima do
4. Perceber a resultante prática disso tudo em sua vida.
capitalismo em você. Isso significa pesquisar a si
mesma(o), atentando para o fato de que... O que você tem feito das ações “do” mundo consigo?
Suas ações nascem de motivos vitais? Quais conceitos
(01) a produção de subjetividades capitalísticas é a
(verdades) embasam suas ações teóricas e práticas?
indústria de base dos sistemas sociais capitalistas (e
Você já expôs suas verdades a análises históricas, éti-
socialistas burocráticos);
cas, democráticas e vitais? Você vive bem nas institui-
(02) há pontos de ruptura nesse complexo industrial ções sociais e com as verdades que acredita? Já per-
da subjetivação; e, cebeu quais suas implicações13 com os diferentes te-
mas da Vida? Pesquisa a si mesmo(a) ou segue viven-
(03) tais pontos são focos de resistência política da
do atropeladamente?
maior importância, pois minam a raiz do sistema
(GUATTARI; ROLNIK, 1986: 45-53). Você, por exemplo, acredita que precisa “salvar” os
estudantes e que a escola ou você individualmente produzidos socialmente. Mestres e Mestras anônimos
tem que “dar conta”? Você acredita que formará estu- (as) tornam-se fontes vitais de bem, dignidade e bele-
dantes libertários sem ousar liberdades em sua vida za, criando inventivamente novos modos de existir
ou contando a eles uma mentira meritocrática (re-existência), destoando do rebanho humano,
segundo a qual “tudo depende do esforço individual de ousando movimentos de singularização. Hoje, 2019,
cada um”? há ao menos sete faces de rebanhamento das liberda-
des humanas. A crueldade das tramas sociobiopsíqui-
Você considera que a tensão que sobrecarrega um
cas atuais produzem milhares de seres:
docente e o conduz ao esgotamento psíquico é
responsabilidade apenas dele(a)? Você discute Demo- 1.passivos na fé infantilizada15;
cracia? Usa de meios democráticos nessa discussão? 2.viciados em consumo emocional;
A média de seus atos é democrática? Você percebe
as forças coletivas que geram as condições gerais de 3.dominados por ideologias acríticas;
trabalho na escola e modelam os currículos? Talvez 4.infectados por corrupções e tráficos diversos; 35
você já exerça uma percepção mais contextual e his-
5. robotizados pela mídia repetidora do capital financeiro;
tórica da Educação Pública e não deseje “salvar” indi-
vidualmente, mas, sim, já vislumbre táticas e estraté- 6.ralés, invisíveis à dignidade e alvos de pena e/ou
gias de esclarecimentos e fortalecimentos junto aos desprezo; e
seus colegas e estudantes, liberando, por assim dizer,
7.famintos, inutilizados psiquicamente e à beira da
sua potência de agir. Qual o coeficiente de liberdade
morte física.
em você?
Como você está diante dessas sete situações huma-
O rebanho humano e você
nas concretas? Está incluso(a) em uma ou duas des-
Viver é difícil! Viver bem é mais delicado ainda! O sas populações? Conhece alguém que toda semana
atual nível de cretinice tem deixado muitas pessoas se alimenta emocionalmente do vídeo constrangido do
cansadas! Aqui e ali, no entanto, anti-heroínas e anti- Domingão, assistindo a macacos de auditório e a fa-
heróis, superam as modulações de controle e danos mosos dizendo nada, dançando e competindo? Quantos
irmãos e irmãs esperam o comando de um líder reli- O viés da confirmação: à tendência à conformidade
gioso – bem ou mal intencionado(a) – para seguir Algumas Escolas de Psicologia reconhecem a tendên-
com suas vidas? Você é um deles? Segue você em cia de o psiquismo individual humano buscar confirmar
dívidas buscando as novidades da propaganda, dese- os padrões que ele já acredita. Outro aspecto do viés de
jando-as, comprando-as e depois deixando-as subutili- confirmação é o conjunto de condições que o torna
zadas ou sem uso? Você defende “com unhas e forte e que também é seu efeito: a conformidade -
dentes” alguma doutrina ou verdade por admiração a desejamos fazer igual e geralmente o fazemos!
algum influenciador(a) carismático(a) (artista, político,
Tendemos a pensar e agir conforme a média das pessoas
líder religioso, personalidade da internet, Coach, autor
(conformidade) porque é mais fácil e, muitas vezes, é
famoso) e intimamente não acredita muito naquilo,
o que nos foi dado a conhecer. Pensar diferente do
praticando (ou desejando praticar) ao contrário no seu
seu grupo gera problemas de aceitação, muitas vezes
dia a dia?17
rompendo laços de solidariedade. O benefício de agir
Se você respondeu sim a algumas dessas perguntas igual, o medo de agir diferente e a admiração a gran- 36
ou se ficou em dúvida razoável diante delas, o seu des influenciadores(as) podem levar à conformidade.
CRS18 está enferrujado e você passa longe de de-
Há conformidades que são, no entanto, inevitáveis ao
safios existenciais similares aos quatro descritos
próprio convívio em sociedade, mas há muitos hábitos
anteriormente (página 34).
e crenças passíveis de serem inteligentemente deses-
Como você está diante do rebanho humano? Você tabilizados por você: já explicou a si mesmo(a) porque
percebe algo passível de mudança em você? Deseja vive nos moldes que vive sem incluir nessa explicação
mudar? O que deseja fazer diferente? Está bem como uma figura externa a você ou um argumento que se
está e sente-se satisfeita(o) reclamando dos outros e justifique pela “normalidade”?19
do mundo? Se decidir pesquisar seu Ciclo Subjetivo,
Superando a Síndrome de desconexão
há dois outros conceitos importantes a serem conside-
rados: (1) o Viés de Confirmação; e (2) a Síndrome de O Viés de Confirmação e a tendência à conformidade, den-
Desconexão. tre outras variáveis, produzem a Síndrome de Desconexão20.
Trata-se de um fenômeno inerente à vida social que pesquisador(a) de si e da realidade “externa”, pode se
gera dois processos desconectivos: (1) numa direção, fazer honestamente, dentre outras perguntas, estas 12:
gera e mantém indivíduos ignorantes sobre os efeitos
1. Quais verdades principais guiam meu quotidiano e
sociais de seus atos pessoais quotidianos produzem meu sentir?
(desconexão centrífuga); e (2), na direção oposta
2. Elas já foram expostas cientifica, lógica e vitalmente
(centrípeta), gera e mantém sujeitos “esquecidos” do
ou estão imaculadas?
fluxo e elementos constitutivos (pré-individuais) de
sua própria condição individual; ou seja, ignoram que 3. Sigo os mesmos padrões espirituais conhecidos há
são produzidos e como. muitos e muitos anos?
4. Quais minhas fontes principais de saúde psíquica,
O efeito prático dessa doença sindrômica é a produ-
corporal e de liberdade?
ção de populações alienadas, ignorantes de que a vi-
5. Quais meus principais hábitos mentais, emocionais,
da é inventada e que, por isso, pode ser reinventada.
físicos e financeiros?
Talvez seja novidade para você o fato de que depen- 37
de de você livrar-se do padrão de dependência dos 6. Esses hábitos melhoram minha vida e produzem si-
parâmetros estabelecidos. Alguns autores chamam tuações desejadas?
esse padrão de Capitalismo Mundial Integrado (CMI)21. 7. Meus desejos alimentam meu poder de agir corporal
e mentalmente?
É possível romper a Síndrome de Desconexão reco-
nectando ideias, corpo, poder de agir e quotidiano: os 8. Eu reafirmaria minhas escolhas se voltasse 10/20
anos no tempo?
encontros que eu gero potencializam meu corpo,
minha alegria, vivificam minha casa, meus amores e 9. O que desejo mudar em meus modos de viver hoje e
meu trabalho? Quais os elementos históricos do hoje? amanhã?
Quais as dimensões da Vida? Uso as mesmas verda- 10. Quais os caminhos possíveis para realizar tais mudanças?
des de 30 anos atrás? Indagações desse tipo tornam 11. Sou coerente com as mudanças que desejo no
você candidato(a) a decifrador(a) do mundo! mundo?
No exercício vital de reconexões, você, candidato(a) a 12. O que ainda posso fazer de melhor por mim hoje?
Conclusão: exercícios de complexidade22 autoajuda, na meritocracia mentirosa, nas falas man-
sas de autoridades carismáticas, nos memes de inter-
Seja a mudança que você quer ver no mundo.
(Mahatma Gandhi) net, no “ouvi dizer”, nas fake news, enfim, no senso
comum social mediano.
Muitos dissabores que vivenciamos vêm de crenças,
ignorâncias e equívocos que aprendemos a estabelecer São também (re)inventadas quando decidimos nos
como verdades, inclusive para sobreviver. Algumas cuidar melhor, quando fortalecemos vínculos de soli-
dessas crenças implicam, muitas vezes, nos colocar dariedade, quando ousamos pensar diferente e abrir
em situações e tensões danosas ao nosso processo mão de algumas verdades, mesmo destoando da mé-
de saúde-doença quotidiano23. dia do grupo. Você individualmente pode reinventar
seu Ciclo Recursivo com o mundo!
Para o(a) leitor(a) candidato(a) a decifrante da reali-
dade, uma das estratégias para superar algumas À educadora e ao educador de si mesmo persistirá o
dessas situações e tensões negativas pode ser a de esforço de filtrar as subjetividades socialmente
expor-se a exercícios de complexidade. O Exercício recebidas, rever ênfases, misturar elementos, recom- 38
de Complexidade é uma disposição ativa de pensar biná-los, refinar e reinventar seus códigos pessoais de
algo considerando sua geração histórica e em rede, convívio, tudo isso de tal sorte que possa vencer igno-
procurando diferentes lentes e posicionamentos de râncias e viver melhor no seu presente-futuro e dos
análise, indagações singulares que fragilizem suas seus...
certezas e evidenciem suas ignorâncias ignoradas. Talvez o capitalismo que conhecemos seja inevitável
Pode ser um exercício de complexidade, por exemplo, por ter infectado a humanidade atual por dentro, cor-
partir “do zero”, como se soubéssemos “nada” de algo rompendo a própria produção média de subjetividades
que desejamos perceber de modo singular. individuais. Não se trata necessariamente de lutar
Subjetividades (ou subjetivações) são (re)produzidas contra o capitalismo, mas reinventar o viver e até viver
a todo instante nas mídias corporativas, nas ciências dignamente; vivemos dignamente quando estamos em
convencionais vendidas ao dinheiro, nas chantagens dia conosco mesmo e com nossos princípios.
das religiões impositivas, em manuais imbecis de Você pode, por sua conta e risco, mudar seu mundo
singularmente, sendo a mudança que deseja ver no Notas referente ao texto
mundo social. A Humanidade muda muito lentamente 1 No Brasil, por exemplo, 06 empresas de mídia (5 famílias e 01
igreja) controlam os conteúdos escritos e imagéticos que temos
e a atual faliu! No entanto, a condição e destino da acesso, 05 bancos manipulam cerca de 85% do movimento fi-
consciência humana são da ordem da liberdade, da nanceiro, cerca de 50% da arrecadação nacional fica retido para
pagar esses mesmos bancos em forma de juros e rolagens de
mudança, da reinvenção de si e nós individualmente dívidas – cujas ilegalidades podem chegar a 80% dos emprésti-
podemos reinventar prioridades, o uso do tempo, do mos – e 05 brasileiros (cinco!) detém a riqueza das 100 milhões
de pessoas mais pobres! Que liberdades há nesse contexto
quintal de casa, do silêncio, redimensionar os alvos indecente?
de seu carinho de todo dia, pensar o impensável... E 2 Espécies que formam sociedades complexas, mas de um
você? modo geneticamente programado.
Confiança e Ousadia na reinvenção vital (im)possível 3 Importa lembrar, no entanto, que as igrejas pentecostais e
neopentecostais cumpriram e cumprem um papel motivador
consigo mesmo(a)! E aí? Qual vai ser a sua? decisivo para milhões de brasileiros(as). Desamparados dos
suportes sociais que deveriam ser providos direta e indiretamen-
te pelo Estado (saneamento básico, emprego, moradia, educa-
ção, assistência em saúde, transporte digno, segurança...), 39
Ciclo recursivo subjetivo centenas de milhares de irmãos e irmãs se refugiam nos
templos, cooptando-se mentalmente. Milhares de corações e
mentes que poderiam ser produzidos arejados e libertários por
uma cidadania digna e pungente – se as condições sociais
assim permitissem – acolhem-se nos Templos protegendo-se da
humilhação de terem seus direitos diariamente negados.
4 Cf. Eduardo Marinho em entrevista ao Programa Pânico Jo-
vem Pan (2019).
5Cf. Félix Guattari (2005) em As Três Ecologias.
6 Há subjetividades carreadas de mortandades (subjetividades
belicosas), há subjetividades passivas (salvacionistas) e há
aquelas subjugadas aos ditames liberais do mercado capitalista
(capitalísticas). Tais subjetivações se misturam, geram híbridos
e há aquelas que se pretendem totais e eternas: essas estão na
Fonte: autor do texto - Ricardo Bodart base de sustentação do capitalismo. Se a ideia de que falimos
coletivamente é estranha para você estude a crise mundial de
2008 a partir de falcatruas nos EUA, o golpe jurídico parlamentar
de 2016 no Brasil, os recentes rompimentos de barragens em com o passado e o futuro – em suma, ela fabrica a relação do
Minas Gerais e a flagrante indulgência para com os responsá- homem com o mundo e consigo mesmo. Aceitamos tudo isso
veis, a crescente desigualdade social, a recente reforma traba- porque partimos do pressuposto de que está é “a” ordem do
lhista que expõe e empobrece o pobre, a atual regressividade mundo, ordem que não pode ser tocada sem que se comprome-
de impostos (taxando os pobres e livrando os muito ricos), a ta a própria ideia de vida organizada” (GUATTARI; ROLNIK,
obscena dívida pública brasileira, as duas bombas atômicas 2005: p. 51).
conhecidas na 2ª Guerra, as políticas de desestabilização
estadunidense no Iraque (2003), no Brasil (2016) e na Venezu- 10 Cf. seta arredondada na área hachurada “você” (e suas
ela (2019), sempre objetivando o controle do petróleo (hoje, ações) na Figura 1 (p. 39).
2019, o Brasil importa gasolina dos EUA e mantém cerca de 11 Cf. Figura 1 (p. 39). Seguindo a mesma lógica conceitual até
30% suas refinarias ociosas). Veja, ainda, Sodoma e Gomorra, aqui, a ideia de um Ciclo Recursivo Subjetivo é um modo de
a recente campanha de fakenews (pós-verdade) no Brasil esclarecer como percebemos o conjunto individual em ação. O
(2016-2019), os vazamentos da “Vaza-Jato”, a Guerra do diagrama de duas setas voltadas para si (recursivas) indica o
Paraguai, etc, etc, etc, etc. Vivemos em guerra desde sempre! modo como produzimos e reproduzimos o jeito pessoal de cada
7 Para aprofundar nas ideias de micropolítica e ecologia um, um círculo que se retroalimenta à modo de um redemoinho
mental: Guattari (2005) e Guattari e Rolnik (2005). Nesse texto, (subjetividade individual) dentro de um rio caudaloso (sociedade
os termos ‘micropolítica’, ‘ecologia mental’, ‘subjetividade’, e instituições sociais).
‘ego’, ‘mente’, ‘consciência’ e ‘modos de pensar-sentir-fazer’ 12 O conceito coeficiente de liberdade, ora forjado, é similar ao
são considerados sinônimos. conceito coeficiente de transversalidade produzido pela Filosofia 40
8 Subjetivações ≈ subjetividades ≈ processos de subjetivação da Diferença. O coeficiente de transversalidade indica a fluidez
≈ produção de subjetividades ≈ forno social modulador de (liberdade) com que ideias, temas e conhecimentos diferentes
jeitos de viver o corpo, o trabalho, a espiritualidade, o futuro, o do padrão conseguem surgir e circular numa conversa, numa
desejo de vida melhor... teoria, num debate, num ambiente. Uma conversa com um bom
coeficiente de transversalidade permite que diferentes opiniões sejam
9 “A ordem capitalística é projetada na realidade do mundo e ditas, ouvidas e discutidas. O coeficiente de liberdade de uma
na realidade psíquica. Ela incide nos esquemas de conduta, de sociedade ou num CRS indica se ali se vivencia e/ou se produz
ação, de gestos, de pensamento, de sentido, de sentimento, liberdade(s), seja ela econômica, intelectual, afetiva
de afeto, etc. Ela incide nas montagens da percepção, (sentimental), emocional, física, expressiva... Uma subjetivação,
da memorização, ela incide na modelização das instâncias individual ou coletiva, terá um alto coeficiente de liberdade se
intra-subjetivas – instâncias que a psicanálise reifica nas cate- permitir/produzir/ampliar diversos tipos de liberdade, especial-
gorias de Ego, Superego, Ideal de Ego, enfim, naquela parafer- mente aquelas necessárias e suficientes para a uma vida humana digna.
nália toda. […] A ordem capitalística produz os modos das rela-
ções humanas até suas representações inconscientes: os mo- 13 “A implicação é um nó de relações; não é ‘boa’ (uso volunta-
dos como se trabalha, como se é ensinado, como se ama, co- rista) nem ‘má’ (uso jurídico-policialesco). A sobreimplicação, por
mo se transa, como se fala, e não pára por aí. Ela fabrica a re- sua vez, é a ideologia normativa do sobretrabalho, gestora da
lação com a produção, com a natureza, com os fatos, com o necessidade do ‘implicar-se’. O útil ou necessário para a ética, a
movimento, com o corpo, com a alimentação, com o presente, pesquisa e a ética da pesquisa não é a implicação – sempre
presente em nossas adesões e rechaços, referências e não a nova classe média ou nova classe trabalhadora? (2010); A To-
referências, participações e não-participações, sobremotiva- lice da Inteligência Brasileira (2015); A Radiografia do Golpe: en-
ções e desmotivações, investimentos e desinvestimentos libidi- tenda como e porque você foi enganado (2016), A Elite do Atra-
nais...–, mas a análise dessa implicação” (LOURAU, 2004: so: da escravidão à lava jato (2017).
190). Exemplos: (1) pessoa filiada à religião Católica 17 Exemplos: (1) defender a ideologia do Partido dos Trabalha-
(implicação) de forma acrítica pode não ver os crimes de abu- dores e não ser solidário com os(as) próprios(as) colegas de tra-
sos e pedofilias praticados por padres católicos balho; (2) defender a ideologia do ambientalismo e ser consumi-
(sobreimplicação); (2) pessoas ricas financeiramente no mer- dor contumaz de carne bovina em churrascos, ingerindo muito
cado financeiro (implicação) não conseguem discutir aberta- além do que seu corpo precisa, ignorando que o principal proble-
mente a regulamentação do mercado pelo Estado ma ambiental planetário é o cultivo de gado bovino para abate;
(sobreimplicação); (3) um militante de um partido autoidentifi- (3) defender uma ideologia religiosa e frequentemente falar mal
cado como “de esquerda” (implicação) provavelmente não dis- dos outros e criar situações constrangedoras para pessoas que
cutirá livremente a necessidade de uma articulação sofisticada pensam diferente de você; ou ainda (4) defender uma ideologia
entre Estado e iniciativa privada (sobreimplicação). doutrinária e por causa disso estar frequentemente em “maus
14 Bendassolli, 2011 e Clot, 2010. lençóis”, privando-se de cuidados essenciais, sejam alimentares,
sejam afetivos – há quem subjuga-se a um líder, segue a
15 Fé na vida ≠ fé religiosa + alguma crítica ≠ espiritualidade + “cartilha” desse líder, vive buscando superar e alcançar limites e
independência de religiões ≠ fé cega = acriticidade ≠ fé caren- problemas propostos externamente por esse líder e sofre conti-
te de ações ≠ fé num líder religioso ≠ fé intolerante = funda- nuamente com pensamentos e sentimentos de desvaloriza- 41
mentalismo ≠ fé ingênua pueril ≠ fé + ignorância das escrituras ção de si mesmo, triste por não ser bom ou boa o suficiente.
≠ fé + conhecimento teológico profundo ≠ ....
18 Cf. figura 1.
16 Ralé é um conceito inventado pelo sociólogo Jessé Souza
(SOUZA, 2016), que explica as classes sociais como instituições 19 É o famoso “todo mundo faz assim”.
de manutenção de privilégios. Para o autor as classes sociais 20 Stange; Andrade; Aragão, 2008.
– a Luta de Classes – não são definidas pela renda, ou seja,
pelo dinheiro que as pessoas têm (ou não) no “bolso”. Souza 21 O Capital Mundial Integrado (GUATTARI, 2005) é o sistema
reconhece que o ser humano é feito de ideias e que o primeiro planetário dominante que ‘dá o tom’ da exploração e distribuição
“forno” formativo é a instituição familiar. A ralé é aquela classe de riquezas, da exploração do homem pelo homem, da produ-
invisível, abandonada abaixo da linha da dignidade humana, ção tecnológica, bem como da produção do viver. “Ele” estava
alvo de pena e/ou desprezo, lados da mesma moeda do isola- presente nos elementos sensoriais e mentais antes de você di-
mento social. Além da ralé, as classes sociais diferenciadas zer “eu”, assim como sons aleatórios, perfumes, cores e a pró-
por Jessé de Souza são a (1) elite do dinheiro, a (2) classe pria sensação tátil da mãe carinhosa com o bebê.
média e (3) os trabalhadores precarizados e as manobras e
necessidades da elite é que moldam e controlam as demais. 22 Conclusão inspirada no capítulo “Princípios do início, do co-
Outras obras do autor: A construção Social da Subcidadania: meço, do Meio” da dissertação de Mestrado “Políticas Inclusivas
para uma sociologia política da modernidade periférica (2003); no Chão-de-Escola: usinagens e rebeldias no front-da-
A Ralé Brasileira: quem é e como vive (2009), Os Batalhadores: batalha” (ANDRADE, 2009).
23 Bendassolli, 2011 e Clot, 2010. Os estudos em Saúde do BERGSON, H. (2009). A energia espiritual. Apresentação
Trabalhador consideram saúde como um processo dinâmico oficial. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
de negociação com a vida e não um estado estático de ausên-
cia de doenças: processo saúde-doença. CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Belo Horizonte: Fabrefac-
tum, 2010. 368 p. Tradução de Guilherme João de Freitas Tei-
24 O que é visível é percebido como forma provisória em per- xeira e Marlene Machado Zica.
manente produção nos movimentos e faíscas dos jogos de sa-
ber-poder: complexamente constituídas. Na Educação Pública GUATTARI, F. (2005). As três ecologias. Campinas: Papirus, 2005.
oferecida aos pobres, os movimentos de resistência, diferença
e recusa destes, tendem a ser silenciados sob o rótulo de GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do dese-
‘fracasso’. Nossas maneiras de viver/fazer (escola, família, in- jo. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
clusão, fracasso escolar) são alinhavadas complexamente, nu- GOMES, C. (2019). Desafios do Brasil. Palestra ministrada
ma mistura de fluxos e segmentaridades da cidade, diluídas na pelo político cearense Ciro Gomes no dia 18 de outubro de 2019
concretude das ruas, das práticas jurídicas, da mídia, enfim, em Balneário de Camboriú, Santa Catarina. Disponível em: https://
em toda produção material e imaterial pelo Estado, ciência, por www.youtube.com/watch?v=M1jSePWdF44. Acesso: 23 out. 19.
organismos financeiros, pelos movimentos sociais....
LOURAU, R. (2004). Implicação e sobreimplicação In: ALTOÉ,
Referências S. (Orgs.) René Lourau: Analista Institucional em Tempo Inte-
gral. SP, Hucitec: 2004 (287 p.). p. 186-198.
ANDRADE, R. B. Políticas inclusivas no chão da escola: 42
usinagens e rebeldias no front da batalha. Dissertação _______. (2004a). Uma apresentação da análise institucional In:
(Mestrado em Psicologia Institucional) - Universidade Federal ALTOÉ, S. (Orgs.) René Lourau: Analista Institucional em Tem-
do Espírito Santo, Fundação de Apoio à Pesquisa, Espírito po Integral. SP, Hucitec: 2004 (287 p.). p. 128-139.
Santo, 2009. Orientador: Ana Lúcia Coelho Heckert.
PÂNICO JOVEM PAN. (2019). Eduardo Marinho – Pânico –
AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA (2019). Associação sem Fins 10/10/19. Entrevista do artista plástico Eduardo Marinho à equi-
Lucrativos que busca realizar, de forma cidadã, a auditoria da pe do programa Pânico da Jovem Pan. Disponível em: https://
dívida pública brasileira, interna e externa, federal, estaduais e www.youtube.com/watch?v=6y7pCJ1AXZw. Acesso em: 16 out. 2019 .
municipais. Fonte: https://auditoriacidada.org.br. Acesso: 21
out. 19; SOUZA, Jessé de. (2016). A Radiografia do golpe: entenda
BAPTISTA, L. A. (1999). A Atriz, o Padre e a Psicanalista – os como e porque você foi enganado. Leya Casa da Palavra, 2016. 144 p.
Amoladores de Facas In: BAPTISTA, L. A. (1999). A Cidade STANGE, J.M.; ANDRADE, R.B.; ARAGÃO, M.A.A. (2008). Psi-
dos Sábios: reflexões sobre a dinâmica social nas grandes cologia, Revolução e Emancipação Social: reflexões sobre a
cidades. São Paulo: Summus editorial, 1999. pp. 45 a 50. prática do Psicólogo da Educação. Anais do IV Colóquio Fran-
BENDASSOLLI, Pedro F.; SOBOLL, Lis Andrea P. (Orgs.) co-brasileiro de Filosofia da Educação: Filosofia, experiência,
(2011). Clínicas do trabalho: novas perspectivas para com- aprendizagem realizado na Universidade do Estado do Rio de
preensão do trabalho na atualidade. 1ª edição. São Paulo: Janeiro – UERJ. (CD-ROM, UERJ: 2008).
Atlas, 2011. (Coleção Ensino da Psicologia).
6° Encontro: Produção de Saúde: desafios no tra- Habitando o espaço formativo de outro modo
balho em educação (Formadoras: Esmeraldina
Santos e Jomar da Rocha Zahn).
Esse encontro consistiu num movimento de análise
mais profundo acerca dos processos de trabalho
docente, que enfocou principalmente a relação saúde
x trabalho, no sentido de buscar táticas de produção
de saúde no trabalho em educação.
Para tanto, foram realizados três momentos: primeiro, Experimentação com argila - produção individual
para disparar as conversações, o grupo assistiu ao
videoclipe da música “Another Brick In The Wall”, da
banda Pink Floyd, que aborda temáticas importantes
como o sistema educacional, o autoritarismo e socie- 43
dade normatizadora, e logo após, ao curta-metragem
“Alike”; no segundo momento, através de um novo
modo de habitar o espaço, houve um momento de
escuta do grupo sobre os vídeos assistidos, seguido
de leituras relacionadas às concepções de saúde que
provocaram conversações acerca de possibilidades
de se produzir saúde nos espaços escolares; no
terceiro, houve o manuseio de argila num movimento
de criação individual que culminou em uma ação cole-
tiva, com o objetivo de evidenciar a importância do
trabalho coletivo. O encontro foi finalizado com
conversações acerca da importância de criação de tá-
ticas de produção de saúde no trabalho em educação. Fonte: arquivo da pesquisadora (2019).
Em se tratando da discussão acerca da produção de
A importância da articulação coletiva
saúde no trabalho em educação, é importante eviden-
ciar a necessidade da articulação coletiva para escapar
de modos de vida adoecedores, e apostar na criação
de dispositivos que potencializem um trabalho inventi-
vo, e, ainda, considerar que as situações conflituosas e
problemáticas vivenciadas cotidianamente no trabalho
docente não podem ser vistas somente como causado-
ras de adoecimentos, mas como “possibilidades de se
opor à servidão, à obediência e à impotência para criar outros
modos de vida/trabalho” (RONCHI-FILHO, 2013, p.23)1.
Notas
Fonte: arquivo da pesquisadora (2019) 44
RONCHI-FILHO, Jair. Cartografando fazeres em um centro de
educação infantil: experimentações com uma comunidade ampliada de
pesquisa. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do
Espírito Santo, Centro de Educação, Vitória, ES - 170f.
46
Conversação: A escrita de si
Justificativa: O trabalho docente muitas vezes provo- Justificativa: Em 2019, a nova gestão de um Centro
ca um estado de estresse e esgotamento diário. A roti- Municipal de Educação Infantil trouxe novas propostas
na atarefada, a desvalorização e a indisciplina dos alu- e outra metodologia de trabalho, impactando na rela-
nos são elementos que podem contribuir para o afas- ção entre os docentes, afetando a cumplicidade entre a
tamento dos professores da sala de aula. equipe, gerando estresse e mal-estar.
Objetivo: Fortalecer o vínculo de amizade e promover Objetivo: Estimular atitudes para a ampliação dos mo-
a melhoria de possíveis situações de stress ou exces- mentos coletivos (planejamentos, eventos, etc.) e a
sivo gasto de energia mental, através de um momento melhoria da convivência entre os profissionais, tornan-
para compartilhamento das questões vividas nas ativi- do o ambiente de trabalho mais agradável e dialógico.
dades de um Centro Municipal de Educação Infantil. Ações realizadas: lanches coletivos quinzenais, co-
Ações realizadas: encontros na sala de arte, ao som memoração aos aniversariantes (abraço, cantar com
de música da dança circular, para saborear chá com as crianças, cartão, “festinha”, etc.); realização de vi- 66
produtos naturais servidos em saquinhos de tecidos vências e brincadeiras de grupo nas Atividades Extra
conhecidos como “fuxicos”, e assim, compartilhar as Classe; musicalizar os ambientes, partilha das ativida-
questões vivenciadas nas atividades semanais. des pedagógicas.
Ações do Projeto Coletivar
Encontro do Projeto Chá com fuxico
Fonte: Arquivo da prof.ª Ormi Regina Drago (2019). Fonte: Arquivo da prof.ª Marcilene Fraga (2019).
Projeto Colorido Afetivo (Prof.as Celeney Stofel e Maria Projeto MotivAção (Prof.as Adiane Lasaro, Larissa Freire e
Auxiliadora Binicá) Rosemari Braz)
Justificativa: Tanto a estrutura física quanto as relações inter- Justificativa: A importância de se fortalecer um ambiente com
pessoais que se estabelecem no espaço escolar necessitam mais diálogo, empatia e união e, assim, evitar adoecimentos.
ser agradáveis para favorecer o desenvolvimento pessoal e Objetivo: Motivar os professores a realizar reflexões sobre o
profissional dos trabalhadores, contribuindo para evitar o problema com foco na solução, buscando assim um ambiente
adoecimento. agradável e mais favorável ao diálogo e a democracia.
Objetivo geral: Promover uma campanha pela qualidade
Ações realizadas: Entrega de mensagens anônimas de cu-
das relações interpessoais no ambiente de trabalho usando
nho motivacional durante o período de realização do projeto;
as cores da natureza como dispositivo para refletir sobre seu
momento de confraternização, onde ocorreu a apresentação
comportamento e favorecimento de possíveis mudanças.
do projeto para o grupo e dos responsáveis pelas mensagens
Atividades realizadas: elaboração de painel de cores para motivacionais anônimas, enfatizando-se a importância do diá-
acolher a opinião dos professores acerca das questões dis- logo coletivo, da escuta e troca de experiência para minimizar o 67
cutidas; levantamento de questões reflexiva/s problematiza- impacto da rotina intensa vivenciada .
doras ; reunião coletiva para conversa e vivência reflexiva.
Diálogo coletivo do Projeto MotivAção
Ações do Projeto Colorido Afetivo
Fonte: arquivo das Prof.as Celeney Stofel e Maria Auxiliadora Binicá (2019). Fonte:
Momento Prof.a Larissa
Arquivodedarealização do Projeto
Freire (2019).
Projeto Olha a corrente que pega gente, nessa corrente a Os projetos desenvolvidos pelos professores participantes da
gente aprende (Profª Ana Dayse Muniz) pesquisa, em suas unidades de ensino, são claros exemplos
de ações que contribuíram para a potência do agir coletivo,
Justificativa: A necessidade de trabalhar a harmonização,
tendo em vista que os profissionais se colocaram em movi-
relaxamento e percepção do outro e do coletivo, por meio de
mento de pensar acerca de seus processos de trabalho, princi-
reflexões acerca das relações vivenciadas na escola com
palmente no que tange ao adoecimento mental, e buscaram
uma turma de 1° Ano do ensino fundamental.
empreender ações que se constituíram táticas que objetivaram
Objetivo: Trabalhar o respeito ao próximo e às diferenças. aumentar a potência de vida no espaço educativo.
Atividades realizadas: Momentos desenvolvidos com Assim, finalizarmos a apresentação do desenrolar dos encon-
alunos, na quadra ou no auditório, em que formavam uma tros formativos constituídos em meio a experimentações e re-
roda de conversa para refletir sobre os acontecimentos, des de conversações; a seguir, exploraremos um pouco mais
sentimentos e atitudes vivenciadas no contexto escolar e, as dimensões abordadas na pesquisa por meio de textos ela-
posteriormente, realizavam a dança circular. borados com base nas vivências, experimentações, conversa-
68
ções e narrativas insurgidas no processo formativo. Desse mo-
Realização do Projeto na escola
do, temos a intenção de disparar movimentos de discussão e
problematização acerca da relação trabalho-saúde-ambiente e
convidamos você a tecer essas discussões conosco.
Segundo Amarante (2016), o trabalho é uma dimensão O regime colonial-capitalístico tem moldado os nossos
pela qual o capitalismo mais se reinventa através de modos de ver, sentir, pensar, agir e também operado
seus artifícios de controle, pois reduz o através da propagação do ideário de consumo exacer-
trabalho à categoria de produto finalizado, bado, consequentemente conectado à intensificação
isto é, restringe o processo de trabalho a da exploração da natureza e das relações humanas.
resultados já pensados, formatados, limi- Diante dessa situação, o que fazer? Estamos sem
tando ao máximo as possibilidades que saída? Guattari (2012) nos indica pistas ao dizer que a 71
desvirtuem do que foi previamente definido. problemática é da ordem da produção de existência
E o exercício do magistério não escapa a essa consta- humana ante os novos contextos históricos.
tação. É fato que a desvalorização do magistério, a As relações da humanidade com o socius, com a
violência, a ausência de recursos e as precárias condi- psique e com a “natureza” tendem, com efeito, a
se deteriorar cada vez mais, não só em razão de
ções de trabalho, entre outras questões relacionadas à nocividades e poluições objetivas, mas também
prática docente, tem sobrecarregado os trabalhadores pela existência de fato de um desconhecimento e
de uma passividade fatalista de indivíduos e dos
da educação, limitando seu poder de agir (CLOT, poderes com relação a essas questões conside-
2006), desencadeando, inclusive, adoecimentos. radas em seu conjunto (GUATTARI, 2012, p. 23).
Contudo, segundo Rolnik (2018), a base da economia O autor afirma que não haverá verdadeira resposta à
capitalista não se limita somente ao sequestro da força crise sem uma revolução, de ordem planetária, que
de trabalho, mas se ancora na apropriação da vida e de envolva as dimensões política, social e cultural com a
finalidade de repensar e reorientar os objetivos da e, para isso, nos aliamos a Castor (2014) que nos
produção de bens materiais e imateriais; e nos convida sugere a Educação Ambiental, sob o fio condutor
a desenvolver o pensamento transversal a fim de se da dimensão da complexidade, como uma área de
criar novos paradigmas, ou seja, outros modos de vida conhecimento privilegiada para a junção dos saberes,
através da articulação ético-politicamente de três capaz de “contribuir para pensarmos como temos fa-
registros ecológicos – meio ambiente, relações sociais bricado nossos modos de existência, se para a potên-
e subjetividade humana. cia de afirmação da vida ou para o aniquilamento dela
e dos múltiplos modos de nos relacionarmos entre nós,
Assim, dar vasão a essa lógica diferente seria enfocar
com a cultura e com a natureza” (CASTOR, 2014, p. 95).
a “existência em vias de, ao mesmo tempo, se consti-
tuir, se definir e se desterritorializar” (GUATTARI, 2012, Lógicas ligadas diretamente ao projeto epistemológico
p. 27-28), de tal modo que permitisse a ruptura com as da sociedade ocidental moderna, historicamente
totalizações e com a ordem natural como as coisas disseminaram uma concepção de Educação Ambiental
são/estão (como o regime colonial-capitalístico nos faz naturalista, conservacionista e utilitarista, tendo como 72
parecer tão natural), a fim de traçar outras formas objetivos o capital, o consumo, o progresso, às custas
existenciais que potencializem a vida. da aniquilação da vida.
Logo, a partir da perspectiva transversal, apresentada Em contraposição a essa concepção hegemonicamente
por Guattari (2012), é que entendemos ser necessário difundida em nossa sociedade atual, Tristão (2008)
articular as dimensões ambiente-saúde-trabalho, na afirma que a rede de relações que compõem o conhe-
tentativa de nos implicarmos numa lógica diferente cimento da Educação Ambiental se define pela
para pensar o processo de produção de saúde nos confluência de diversos campos, dentre eles o das
ambientes escolares, agindo como um catalizador de ciências naturais e o das ciências sociais.
um processo de ressingularização, isto é, a reinvenção
Assim, a autora afirma que a base epistemológica da
dos modos de vida, ou ainda, a invenção de novos
Educação Ambiental está ancorada em uma teia de
modos relacionais.
articulações, em que a produção do conhecimento se
Assim, nos colocamos a pensar saídas e possibilidades dá em redes, numa articulação complexa e multirreferencial
da qual participam sujeitos, objetos, teoria, prática, Além disso, segundo a perspectiva de Clínica da Ativi-
sistemas vivos e não vivos. dade, o trabalho enquanto atividade exerce uma
Do mesmo modo, nos articulamos à concepção de função psicológica específica na vida pessoal do
saúde definida por Canguilhem (2009), como a trabalhador (CLOT, 2006). Deste modo, quando a
possibilidade de criar outras normas de vida. Assim, atividade é impedida acaba por gerar sofrimento e,
pela linha de potencialização da vida, ou melhor, da consequentemente, adoecimento.
produção de modos de vida potentes, buscamos Podemos dizer que o adoecimento surge mediante
percorrer outros caminhos, criando táticas, escapando
“dificuldades que o organismo encontra para dar
por linhas de fuga (DELEUZE; GUATTARI, 2011).
respostas às demandas que seu meio lhe im-
Amarante (2016) afirma que é necessário nos colocar- põe” (CAPONI, 2003, p. 57), o que pode vir a produzir
mos em posição de resistência e insistir em outra padecimento, dor e sofrimento.
noção de trabalho. A autora salienta que a resistência
se dá pela criação de outras lógicas, pelas vias da No entanto, para a Clínica da Atividade, o trabalho não
73
experimentação descodificada, ou seja, que escape às se trata de algo individual, mas envolve a dimensão
lógicas estritamente regulamentadas, normatizadas. coletiva, que consequentemente, contribui para o
desenvolvimento dos processos subjetivos, extrapolan-
Nesse sentido, tomamos como base pressupostos
do, portanto, a concepção de simples encontro de pes-
teóricos da Clínica da Atividade1 (CLOT, 2006), tendo
soas comumente relacionada ao sentido de coletivo.
em vista que se trata de uma perspectiva que concebe
trabalho enquanto atividade: Assim, as clínicas do trabalho associam a organização
Para mim, a atividade é contribuir para uma do trabalho aos processos de produção de subjetivida-
história que não é minha e criar entre as coisas de, ressaltam a atuação coletiva para criação de táti-
uma relação que não foi construída. A atividade cas de intervenção e apostam no trabalhador enquan-
não é operação (gesto visível, detalhe etc.), mas to principal agente de intervenção para alcançar
sim o que é feito e o que ainda não foi feito. O
sonho é parte da atividade. Inclui o que eu fiz e o
mudanças necessárias frente às condições, relações
que eu não fiz. [...]. A atividade é uma colisão de sociais, divisão de tarefas e conteúdo do trabalho
possíveis (CLOT, 2006). (BARROS E AMADOR, 2017).
Desse modo, é imprescindível repensar nossos modos AMARANTE, Ana Helena As coisas não tem paz: sobre trabalho e
acontecimento. In: AMADOR, F. S; BARROS, M. E. B.; FONSECA. T.
de trabalho para que possamos reinventar outros, as- M. G. Clínicas do trabalho e paradigma estético. Porto Alegre, Editora
sim como apostar na potência do plano coletivo como da UFRGS, 2016, p. 33-46.
possibilidade de resistência e, com Deleuze (2013), BARROS, Maria Elizabeth Barros; AMADOR, Fernanda Spanier. Clíni-
concordamos haver a necessidade de também acreditar cas do trabalho: abordagens e contribuições da análise institucional ao
problema clínico do trabalho. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, n.
no mundo e no processo de criação, pois: 26, v. 3, p. 55-69, set/dez 2017.
Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 6ª ed./ 2ª impres-
perdemos completamente o mundo, nos desa- são. Ed Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
possaram dele. Acreditar no mundo significa prin-
CAPONI, Sandra. A saúde como abertura ao risco. In: Promoção da
cipalmente suscitar acontecimentos, mesmo pe-
saúde: conceitos, reflexões e tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.
quenos, que escapem ao controle, ou engendrar
novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou CASTOR, K. G. Gira Mundos: a Educação Ambiental no mito e o mito
volumes reduzidos. [...] É ao nível de cada tenta- na Educação Ambiental. Tese (Doutorado em Educação) – Universida-
tiva que se avalia a capacidade de resistência ou, de Federal do Espírito Santo, Centro de Educação, Vitória, 2014.
ao contrário, a submissão a um controle. Neces-
CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. 2ª ed. Petrópolis: Vo-
sita ao mesmo tempo de criação e povo
zes, 2007.
74
(DELEUZE, 2013, p. 222).
Notas DELEUZE, Gilles.; Conversações. 3ª ed, Rio de Janeiro: Ed. 34, 2013.
1 A Clínica da Atividade, concepção cunhada por Clot (2007), DELEUZE, Gilles.; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizo-
compõe As clínicas do Trabalho, que por sua vez, reúnem vá- frenia, v. 1. 2ª ed. Tradução: Aurélio Guerra Neto, Ana Lúcia Oliveira,
Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 2011.
rias abordagens teóricas com um objetivo comum de estudar a
relação entre trabalho e subjetividade, mas que se dividem por GUATARRI, F. As três ecologias. 21ª ed. Campinas, São Paulo: Papi-
teorias com especificidades e particularidades conceituais, sen- rus, 2012. Tradução Maria Cristina F. Bittencourt.
do elas: a Clínica da Atividade, a Psicossociologia, a Psicodinâ- NAJMANOVICH, D. O sujeito encarnado: questões para a pesquisa
mica do Trabalho e a Ergologia (AMADOR E FONSECA, 2011). no/do cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
ROLNIK, S. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetina-
Referências da. 2ª ed. São Paulo: n-1 edições, 2018.
AMADOR, Fernanda Spanier; FONSECA, Tania Maria G. Atividade: o TRISTÃO, Martha. A Educação Ambiental na formação de professo-
trabalho sob o signo do inacabamento. In: IROSEMBERG, D. S.; RON- res: redes de saberes. 2ª edição. São Paulo: Annablume; Vitória: Faci-
CHI-FILHO. R; BARROS, M. E. B. (orgs). Trabalho Docente e Poder tec, 2008.
de Agir: clínica da atividade, devires e análises. Vitória: EDUFES, 2011.
PELAS LINHAS QUE TECEM SAÚDE
A Saúde como possibilidade de criação de midade da Teoria Bioestatística, cunhada por Cris-
outros modos de vida topher Boorse1, que relaciona a saúde ao cumprimento
efetivo do funcionamento “normal” dos órgãos, enfo-
O que é saúde? Existe saúde específica para o cando assim, sua função biológica.
“corpo” e para a “mente”? A saúde é um campo espe- O funcionamento “normal”, para a perspectiva bioesta-
cífico da medicina? Saúde é ausência de doença? tística, trata-se do resultado de experimento de com-
Essas são algumas questões que nos ajudarão a dis- paração entre corpos; nessa perspectiva, o padrão de
cutir esse campo amplo que é a saúde. funcionamento dos corpos é estabelecido por meio de
A concepção de saúde mais difundida atualmente é a dados estatísticos, indicando que qualquer desvio do
da Organização Mundial de Saúde (OMS), que define corpo a esse padrão “normal” reflete uma anormalida-
a saúde como “um estado de completo bem-estar físi- de, ou seja, uma doença. Desta maneira, a concepção
co, mental e social, e não consiste apenas na ausên- de saúde baseada na perspectiva bioestatística está
cia de doença ou de enfermidade” (CONSTITUIÇÃO vinculada à definição de normalidade e, consequente-
76
DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1946). mente, à ausência de doença.
A saúde como “estado completo de bem-estar”, nos Conceber a saúde como ausência de doença é pensá-
induz a pensá-la como um estado perfeito e estável, la de modo muito restrito, tendo em vista que “a doen-
ou também, como algo inalcançável. Além disso, essa ça não é uma variação da dimensão da saúde; ela é
concepção fica restrita ao campo individual, isto é, nos uma nova dimensão da vida” (CANGUILHEM, 2009, p. 73).
induz a pensar que o indivíduo é o único responsável Uma alternativa a essa concepção de saúde reducio-
pela busca de sua a própria saúde e por se manter saudável. nista, biologizante e determinista, seria pensá-la levan-
do-se em consideração a sua relação com o meio físi-
Essa definição também dá margem para um pensa-
co, social e cultural, como também a sua dimensão
mento dualista: ou se está saudável ou doente; ou se
coletiva e política (MORSCHEL et al, 2011).
está normal ou anormal. A respeito dessa relação que
associa saúde ao estado normal do corpo, Caponi Recorremos aos estudos de Canguilhem (2009),
(2003) toma como exemplo a definição de saúde-enfer- que aposta na definição de saúde como a possibilidade
de criação de outras normas de vida, mostrando que que é construída por cada sociedade.
o indivíduo não é mero ser passivo e alheio a sua
Tendo em vista que “Toda doença é uma realidade
condição existencial ou dependente da estatística para
criada no seio da sociedade” (ILLICH, 1975, p. 127),
determinar seu estado enquanto ser.
essa constatação também se aplica à definição de
O homem só se sente em boa saúde - que é, doença mental. As bases históricas e conceituais em
precisamente, a saúde - quando se sente mais
do que normal, isto é, não apenas adaptado ao torno dessa questão estão relacionadas à concepção
meio e às suas exigências, mas, também, nor- de loucura e são encontradas desde a Idade Clássica,
mativo, capaz de seguir novas normas de vida
(CANGUILHEM, 2009, p. 79).
conforme nos aponta Foucault (2017), em sua obra
“História da Loucura na Idade Clássica”. Esse autor
Desse modo, a definição de saúde não se reduz ao
busca nos discursos de saberes de determinadas
equilíbrio, conformidade ou capacidade de adapta-se
épocas - Idade Clássica, Idade Média, Renascimento
ao meio ambiente, pelo contrário, ela supera essas
e Modernidade – os modos como cada uma dessas
limitações, pois a saúde “é uma maneira de abordar a
sociedades se relacionavam e vivenciavam a loucura 77
existência com uma sensação não apenas de pos-
(PROVIDELLO; YASUI, 2013).
suidor ou portador, mas também, se necessário, de
criador de valor, de instaurador de normas vi- Deste modo, Foucault “traça uma trajetória do que é
tais” (CANGUILHEM, 2009, p. 79), o que permite nos conhecido hoje como doença mental e mostra como
colocarmos numa posição de atuação e não de pas- essa doença mental se diferenciou das concepções de
sividade, mesmo quando nos encontramos adoecidos. loucura de outrora” (PROVIDELLO; YASUI, 2013, p.
1517), o que nos faz concluir que essas concepções
As contribuições de Canguilhem (2009) nos ajudam a
(loucura, doença mental, saúde, etc...) partem de cria-
desconstruir esse entendimento de saúde associada
ções forjadas nas sociedades de cada época.
ao funcionamento normal dos órgãos, sendo possível
escapar desse modo de conceber e produzir saúde Assim, nos instiga discutir como foram criados esses
restrito a dados estatísticos, enquadramento em nor- discursos acerca da loucura/doença mental que se
mas e correção de desvios. Até mesmo porque, a con- fazem presente hoje e, para isso, recorremos a Torre e
cepção de normal não se trata de algo natural, visto que Amarante (2001), que afirmam:
A história da loucura nos séculos XVIII e XIX é Por meio do conceito de alienação4, a loucura passa a
quase sinônimo da história de sua captura pelos configurar uma esfera pertencente ao campo da ciên-
conceitos de alienação e, mais tarde, de doença
mental. Esse processo tem seu significado vincu-
cia, mais precisamente o da medicina, que estabelece
lado à criação de um novo modelo de homem ou o tratamento do alienado pela reeducação moral, já
de um novo sujeito na modernidade (TORRE e que ele se constitui um erro, ou seja, um desvio das
AMARANTE, 2001, p. 74). normas. Desvio este que o torna incapaz, um ser fora
De acordo com Torre e Amarante (2001), o que se da realidade, e, portanto, perigoso para si e para a so-
esperava dos indivíduos na nova sociedade moderna, ciedade, necessitando ficar isolado para obter sua cura.
pautada na racionalidade científica, cartesiana, meca- Segundo Foucault (2017), a loucura ao ser submetida
nicista, matematizada, dualista e adepta ao modo de ao processo de isolamento (asilamento), medicaliza-
produção capitalista de base liberalista, é que fossem ção e patologização, acaba por se transformar em
eficientes e produtivos. doença mental. Nessa perspectiva, a medicina, mais
especificamente a psiquiatria, passa a explorar o cor- 78
Esse um novo modelo de homem, forjado por uma
po para além de seus aspectos físicos:
concepção de indivíduo enquanto sujeito da razão,
constitui-se um novo “modo-indivíduo”, ao passo que [...] a distinção entre o corpo anatomopatológico,
o corpo neurológico e a ausência de corpo que
aqueles desprovidos de razão, foram, então, conside-
caracteriza a psiquiatria. Nas últimas décadas do
rados indivíduos da desrazão (loucos). século XIX, o corpo deixa de ser pensado exclu-
sivamente em termos de tecidos e órgãos; come-
Nesse contexto, como a sociedade se relaciona com o ça-se a falar de um corpo com potencialidades,
indivíduo considerado como desprovido de razão? com funções precisas, com comportamentos de-
sejáveis (CAPONI, 2012, p.22).
Classificado como fora das normas2, a ele se impõe
o confinamento em manicômio, pois longe de se ade- Essa caracterização da psiquiatria pela ausência de
quar ao modelo padrão de indivíduo exigido pela corpo nos faz pensar a sua relação com o ideário bi-
Modernidade, é considerado um alienado3, termo que nário difundido na sociedade moderna, que concebe o
passa a ser tomado, principalmente pela medicina, corpo apartado da mente (marca promulgada por Des-
como sinônimo de erro (TORRE e AMARANTE, 2001). cartes), demarcando claramente essa cisão quando
enfoca o sofrimento enquanto objeto de sua intervenção. estados de angústia, dificuldades de aprendizagem ou
[...] o discurso médico deixa de se interrogar por
sentimentos de fracasso (CAPONI, 2012).
sintomas e lesões orgânicas e começa a se pre-
ocupar com um sofrimento que não pode ser lo- Robert Whitaker (2017) mostra que a doença mental,
calizado em determinado órgão ou tecido, um a qual se refere como “praga incapacitante”, tem tido
sofrimento que toma o homem em seu conjunto,
um sofrimento a que damos o nome confuso de
um crescimento exponencial. Esse autor apresenta
‘doença mental’ ou de ‘transtorno psiquiátri- fundamentos que mostram o aumento vertiginoso de
co’ (CAPONI, 2012, p. 21). pessoas (incluindo crianças e adoles-
A concepção de doença mental, portanto, foi sendo centes) diagnosticadas com algum
forjada pela medicina, e, assim, o “status de doença transtorno mental que, ao serem sub-
repousa inteiramente no julgamento psiquiátri- metidas a tratamento psiquiátrico e
co” (ILLICH, 1975, p. 127), o que desencadeia o es- ao fazerem uso de medicamentos
treitamento da relação entre psiquiatria e o poder psicofármacos, não conseguem al-
de normatização dos indivíduos. cançar a cura, ficando ainda mais de- 79
Desde que a dor se torna o objeto de manipula- pendentes dessas práticas medicali-
ção, vê-se nela sobretudo a reação de um zantes, quando não incapacitadas.
organismo; pode-se verificá-la, medi-la e provocá
-la. Esse amolecimento, essa coisificação da Whitaker (2017) indica que o número de crianças diag-
experiência subjetiva é que torna a dor matéria
de diagnóstico e posterior tratamento mais que nosticadas com doença mental grave que as tornam
ocasião, para aquele que a sofre, de aceitar sua incapacitadas, sofreu um aumento de 35 vezes num
cultura, sua ansiedade e suas crenças. A profis-
são médica decide quais são as dores autênti- período compreendido entre 1987 a 2007, ou seja,
cas, quais as que são imaginadas ou simuladas. essa explosão aconteceu num intervalo extremamente
A sociedade reconhece este julgamento profis-
sional e adere a ele (ILLICH, 1975, p. 106).
curto de 20 anos.
Logo, a psiquiatria ao se dedicar a estabelecer causas Logo, necessitamos problematizar essas questões,
para o sofrimento humano busca medir, quantificar e pois a saúde não é um campo específico da medicina
localizar danos no cérebro, na tentativa de que esses e não podemos nos furtar a essa discussão, tendo em
possíveis danos expliquem os desvios de conduta, vista que essas questões também estão relacionadas
à produção de saúde no ambiente escolar e, conse- inspira a pensar táticas para enfrentar essa problemática
quentemente, abarca a discussão acerca da saúde do desencadeada pelo poder e o saber psiquiátricos, pro-
trabalhador da educação. cessualmente instituídos em nossa sociedade e em
nossas vidas. Dando continuidade a esse pensa-
Retomando as questões colocadas no início deste tex-
mento, a seguir, temos a intenção de discutir acerca de
to, cabe então reafirmarmos que apostamos na defini-
um dispositivo pelo qual esses saberes-poderes se
ção de saúde segundo Canguilhem (2009), ou seja,
emaranham pela sociedade: a medicalização da vida.
entendemo-la como possibilidade de criar outras nor-
mas de vida. Deste modo, a saúde não se trata de au- Notas
sência de doença ou um estado de bem-estar restrito 1 Professor de filosofia da biologia e filosofia da medicina na
ao indivíduo, bem como foge da perspectiva dualista, Universidade de Delaware, localizada nos Estados Unidos da
América (EUA), que por volta da década de 1970 desenvolveu a
isto é, não trata de modo apartado o corpo da mente. Teoria Bioestatística da Saúde (TBS) e tem recebido críticas por
ser considerada uma teoria naturalista da saúde
Assim, a nosso ver, a saúde mental e também a doen- 2 Deste modo denotamos que a concepção de “normal” não é
ça mental, são concepções forjadas na sociedade, algo definido pela natureza, mas algo construído, inventado.
80
com um claro interesse e objetivo: a de expansão do Nós enquanto sociedade inventamos os modos de ser normal
saber-poder da medicina, mais especificamente da psi- (anormal).
quiatria, que vai adquirindo mais força num contexto 3 Segundo Torres e Amarante (2001) alienado é o que está fora
de si, fora da realidade, o que possui juízo alterado. Esse termo
impregnado por ideários da Modernidade, disseminan- deriva do conceito de alienação compreendido como um
do a concepção de saúde restrita a dados estatísticos, distúrbio das paixões humanas que torna o sujeito incapaz de
partilhar do pacto social.
a enquadramento em normas e a correção de desvios.
4 Conceito compreendido com base em Torres e Amarante
Afinal, “nós não temos unidades de medida, mas so- (2001) como um distúrbio das paixões humanas que torna o su-
jeito incapaz de partilhar do pacto social.
mente multiplicidades ou variedades de medi-
da” (DELEUZE E GUATARRI, 2011, p. 24). Nessa pers-
Referências
pectiva, a vida escapa, caça jeito de fluir por outras
CAPONI, Sandra. A saúde como abertura ao risco. In: Promo-
vias. Canguilhem (2009), quando nos propõe en- ção da saúde: conceitos, reflexões e tendências. Rio de Janei-
xergar a saúde sob um outro ângulo, também nos ro: Fiocruz, 2003.
_________. Sandra. Loucos e degenerados: uma genealogia A Medicalização da vida
da psiquiatria ampliada. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012.
CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 6ª ed./ O Grito, obra de Edvard Munch
2ªimpressão. Ed Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
DELEUZE, Gilles.; GUATARRI, Félix. Mil platôs: capitalismo e
esquizofrenia, v. 1. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
FOUCAULT. Michel. História da loucura na idade clássica.
11ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2017. Tradução: José Teixeira
Coelho Neto.
ILLICH, Ivàn. A expropriação da saúde: nêmesis da medicina.
3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975b.
MORSCHEL, Aline. et al. A relação “saúde e trabalho” e clínica
da atividade. In: ROSEMBERG, D. S.; RONCHI-FILHO. R;
BARROS, M. E. B. (orgs). Trabalho docente e poder de agir:
clínica da atividade, devires e análises. Vitória: EDUFES, 2011. 81
Fonte: www.culturagenial.com
PROVIDELLO, Guilherme Gonzaga Duarte; YASUI, Silvio. A
loucura em Foucault: arte e loucura, loucura e desrazão. Histó- Essa imagem corresponde à versão do ano de 1983
ria, Ciências, Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.4,
out.-dez. 2013,p.1515-1529. Disponível em: <http://www.scie da obra “O grito”, criada pelo pintor Edvard Munch.
lo.br/pdf/hcsm/v20n4/0104-5970-hcsm-20-04-01515.pdf>. Aces- Considerada uma obra de arte expressionista que sim-
so em 20 de mai 2019 boliza o sentimento de angústia e desespero, temas
TORRE, Eduardo Henrique G.; AMARANTE, Paulo. Protagonis- que assim como a solidão,
mo e subjetividade: a construção coletiva no campo da saúde
a doença e a morte, Sobre Edvard Munch
mental. Revista Ciência & Saúde Coletiva 6(1):73-85. 2001.
Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/csc/2001.v6n1/ acompanharam Munch ao acesse: www.culturageni
73-85/> Acesso: 20 de mai 2019 longo de toda sua vida de al.com/quadro-o-grito-de-
edvard-munch/
WHITAKER, Robert. Anatomia de uma epidemia: pílulas má- produção artística.
gicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença
mental. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz, 2017. Angústia, sofrimento, dor, sentimentos capturados com
por Munch, são elementos inerentes à existência hu- visando transpor o que é da ordem social, política e
mana, assim como a alegria, amor, perseverança, etc. cultural para o que é da ordem médica, com a promes-
A vida está repleta de situações potentes, afetuosas, sa de solução definitiva para as doenças incuráveis,
criativas e também indesejáveis e perturbadoras. Mas incluindo os sofrimentos psíquicos.
é fato que as situações difíceis, desestabilizadoras e
A relação entre medicalização e sofrimento psíquico
indesejáveis são as que temos mais dificuldade em lidar.
ocorre com a disseminação do discurso de que “os
Como enfrentar os desafios da vida sem sucumbir ao problemas ora chamados problemas mentais podem e
sofrimento e ao padecimento? Longe de pretendermos devem ser curados por drogas” (FREITAS e AMARAN-
responder a essas questões de forma prescritiva, elas TE, 2015, p. 14, grifos dos autores).
atuarão como gatilhos disparadores para pensarmos
Nesse contexto, ocorre a propagação das psicotera-
acerca da medicalização, alternativa à qual muitos têm
pias e o surgimento de medicamentos psicofármacos,
recorrido para lidar com esses componentes e experi-
considerados pela população uma solução definitiva
ências da nossa existência. 82
para problemas psíquicos tidos até então como incurá-
Freitas e Amarante (2015) esclarecem que a medicali- veis, fortalecendo, assim, a aliança entre a indústria
zação se trata de um fenômeno moderno que assume farmacêutica e a psiquiatria. Assim,
uma polissemia de sentidos. Para além de ser com- A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, a so-
preendido como o uso de medicamentos ou o exercí- ciedade é afetada pelo impacto do que passou a
cio da medicina, Freitas e Amarante (2015) nomeiam ser considerada uma verdadeira revolução tera-
pêutica: o surgimento das terapias com antibióti-
esse fenômeno de medicalização da existência ou cos e hormônios, a descoberta de vacinas e,
medicalização da vida cotidiana e o definem como o muito particularmente, a consagração triunfal da
indústria farmacêutica (FREITAS e AMARANTE,
processo de patologização dos desafios e sofrimentos 2015, p. 17).
decorrentes das diversas experiências físicas e/ou Além da problemática desencadeada pela aliança
emocionais inerentes à existência humana. entre a indústria farmacêutica e psiquiatria, os referi-
De acordo com Freitas e Amarante (2015) a medicali- dos autores indicam outras problemáticas decorrentes
zação se respalda em bases científicas e ideológicas, da medicalização, como: a perda de autonomia dos
sujeitos e a transformação de comportamentos sociais Ainda nos tempos atuais o poder da medicina continua
em doenças mentais. a se expandir, buscando ditar modos de vida e exercer
o controle social1, além de moldar as subjetividades2.
Tendo em vista que, ao longo dos anos, a sociedade
Não seria esse um claro exemplo de elemento consti-
passa a recorrer cada vez mais à medicina como artifí-
tutivo da “sociedade do controle” como nos sinaliza
cio para solução de seus problemas, sejam eles de
Deleuze (2013, p. 220), quando afirma que “estamos
origem física, psíquica ou existencial, acaba por criar
entrando nas sociedades de controle, que funcionam
uma relação de dependência em que o discurso medi-
não mais por confinamento, mas por controle contínuo
calizante e as práticas discursivas afins, pautados nu-
e comunicação instantânea”?
ma perspectiva biomédica, vão se naturalizando e se
entranhando na rotina cotidiana, ganhando uma evi- O poder, ou melhor, as práticas ou relações de poder,
dência nunca antes experimentada (FREITAS E AMA- como afirma Foucault (2010), também se aplicam à
RANTE, 2015). medicina que operam via diagnósticos, tratamentos,
Também em Deleuze (2013) percebemos uma aproxi- ações preventivas, promessas de cura dos desvios e 83
submissão dos indivíduos ao papel de “doentes”, con-
mação com essa questão:
tribuindo para a diminuição de sua autonomia.
Existe um problema muito importante na medici-
na, que é a evolução das doenças. Com certeza Assim, nesse contexto de exercício de poder medicali-
há novos fatores externos, novas formas microbi- zante da vida, os “doentes” vão sendo produzidos em
anas ou viróticas, novos dados sociais[...] A des-
massa:
coberta das doenças de “estresse”, onde o mal
não é mais engendrado por um agressor, mas Produzir doentes e construir seu papel na socie-
por reações de defesa não específicas que se dade são mecanismos fundamentais para a re-
precipitam ou se esgotam. Depois da guerra, as produção econômica e política do sistema, pois
revistas de medicina estavam cheias de discus- tal produção gera lucros e garante poderes não
sões sobre o estresse das sociedades modernas apenas aos profissionais da saúde, mas também
e a nova classificação de doenças se podia ex- para outros agentes políticos-econômicos
trair daí [...] É impressionante que esse novo (FREITAS; AMARANTE, 2015, p.19. Grifo dos autores).
estilo de doença coincida com a política ou a es-
tratégia mundiais (DELEUZE, 2013, p. 170-171). Nesta perspectiva de produção de “doentes”, reflexo da
medicalização para garantir a reprodução econômica interesse visivelmente econômico, encarrega-se de
e política do sistema, os comportamentos tidos criar cada vez mais drogas inovadoras e produzir cada
como indesejáveis e desviantes das normas sociais, vez mais patologias e consequentemente, novos doentes.
são transformados em doenças mentais. Com base no
Em relação à propagação do uso de medicamentos,
modelo biomédico, as ditas doenças mentais são justifi-
encontramos já em 1969, estudos acerca da utilização
cadas pela existência de desequilíbrios químicos no cérebro,
de ansiolíticos que apontavam para problemáticas que
disfunções psíquicas e/ou forças psíquicas inconscientes.
foram se intensificando ao longo dos anos, conforme
As tradicionais fronteiras entre normalidade e o podemos ver a seguir:
patológico foram desaparecendo: novos compor-
tamentos e formas de sofrimento psíquico pas- Pesquisas da época indicavam que nada menos
sam a ser incorporados ao campo da assistência que 15 a 25% da população já haviam feito uso
em saúde, novos fenômenos começam a consti- de algum tipo de drogas tranquilizantes. Estudos
tuir o campo da psiquiatria, assim como novas sobre o uso dessas drogas demonstram que
apenas cerca de um terço das prescrições eram
profissões são criadas para a intervenção nos
comportamentos e experiências psíquicas
destinadas a pessoas com transtornos mentais 84
de fato diagnosticados. A maior parte das pres-
(FREITAS e AMARANTE, 2015, p.31).
crições era para pessoas com situações de mal-
Essa situação de enquadramento de comportamentos estar social, de crises naturais da vida. [...] o uso
dessas drogas está muito associado às mulhe-
sociais como categorias relacionadas aos transtornos
res, que seriam mais propensas a experiências
e distúrbios mentais, pode ser claramente percebida de ansiedade/depressão. De cada três prescri-
pela expansão do quantitativo de diagnósticos incor- ções, duas são feitas para mulheres (FREITAS e
porados ao CID – 10 (Classificação Internacional de AMARANTE, 2015, p. 101).
Doenças)3e ao DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico Além de nos chamar a atenção o fato de que para a
dos Transtornos Mentais)4. época os dados de aumento do consumo de drogas
Na busca pelo tratamento e solução para os acometi- pela população serem alarmantes, também nos preo-
mentos mentais, propaga-se o uso de antipsicóticos, cupa o fato de ter-se identificado o maior uso de
antidepressivos e ansiolíticos, impulsionado pela ali- ansiolíticos entre mulheres.
ança entre medicina e indústria farmacêutica que, com A situação é grave e tem raízes profundas que perpas-
sam as dimensões sócio-históricas e culturais. sociedade vão acontecendo a passos lentos, conforme
nos mostra o trecho abaixo, extraído da obra “As três
Vivemos numa sociedade patriarcal, com predominân-
ecologias”, que apesar de ter sido publicado há 30
cia e valorização do masculino. Considerando que a
anos permanece bastante atual:
constituição da sociedade ocidental sofreu forte
influência de três vertentes (grega, judaica e cristã), de Em escala global, a condição feminina está longe
modo que à mulher foi relegado o papel de subalterna, de ter melhorado. A exploração do trabalho
feminino, correlativa à do trabalho das crianças,
frágil, submissa, dotada de capacidade inferior deno-
nada tem a invejar aos piores períodos do século
tando ser desnecessário o seu acesso ao conheci- XIX! E, no entanto, uma revolução subjetiva as-
mento (CHASSOT, 2004). cendente não parou de trabalhar a condição
feminina durante estas duas últimas décadas.
Somos levadas a nos constituir a partir dessa concep- Ainda que a independência sexual das mulheres,
ção de mulher socialmente construída como ser bioló- relacionada com a disponibilidade dos meios de
gico e intelectualmente inferior, como se fosse algo natu- contracepção e aborto, tenha crescido de forma
ral, perpetuando, assim, o ideário misógino e machista. bastante irregular, ainda que o crescimento dos 85
integrismos religiosos não cesse de gerar uma
O perfil de cidadão forjado pelo projeto da modernida- minoração de seu estado, alguns indícios levam
de - homem, branco, letrado e heterossexual, dissemi- a pensar que transformações de longa duração
[...] estão de fato em curso (designação de
nado e afirmado fortemente até nossos tempos atuais, mulheres para a chefia de estado, reivindicação
exclui todos os demais, inferiorizando e discriminando de paridade homem-mulher nas instâncias
todos (não só as mulheres, como também negros, representativas etc) (GUATTARI, 2012, p. 14).
índios etc.) que escapam a esse perfil (CHASSOT,
De fato, a mulher assume outros papéis na sociedade,
2004). Portanto, não é de se estranhar que nós
principalmente a partir do período de modernização,
mulheres tenhamos o nosso lugar de fala (e também
momento que adentra mais fortemente o mercado de
de ser, atuar, sentir...) impedido, desconsiderado, in-
trabalho, ocupando profissões, como é o exemplo do ma-
fantilizado.
gistério5. Contudo, é sabido que o acesso à esfera pú-
As mudanças em relação à condição feminina na blica e ao mundo do trabalho desencadeia um acúmulo
de atividades pelas mulheres, tendo em vista que per- desses medicamentos e, consequentemente, para o
manece como feminina a “obrigação” em realizar as fenômeno da dependência por mulheres.
atividades domésticas.
A utilização em larga escala de medicamentos, a qual
Além da sobrecarga feminina decorrentes da atuação grande parte da população também é submetida, nos
no mercado de trabalho e na esfera doméstica, nos faz questionar a sua naturalização. O consumo indis-
intenta também problematizar a “cultura do cuidar” ser criminado de medicamentos fortalece cada vez mais
propagada como papel exclusivamente feminino e ine- o consumismo fármaco e nos levam a pensar nos
vitavelmente atravessa o campo da profissão do ma- danos e riscos incalculáveis aos quais os usuários
gistério. Ainda hoje, permanece o ideário de exigência estão expostos, tendo em vista que o discurso da em-
de perfil profissional adotado no século XIX de uma presa farmacológica visa ressaltar que com o avanço
“[...] dedicação quase maternal a seus alunos” (LOURO tecnológico os riscos e danos podem ser considerados
1986 apud NOGUEIRA; SCHELBAUER, 2007, p. 83). mínimos.
Somado a todo esse contexto, Carvalho e Dimenstein A promessa de cura rápida, quase que milagrosa, e a 86
(2004) apontam outra questão relacionada ao uso possibilidade de controle dos sintomas pelo uso pro-
abusivo de ansiolíticos pelas mulheres: o fato de longado dos medicamentos, faz dessa alternativa a
serem grandes consumidoras dos serviços de bens e primeira mais utilizada na cultura ocidental, mesmo
saúde, mas que recebem um atendimento6 voltado com fortes indícios de ocorrência de dependência,
para aspectos físicos e biológicos, inadequados à recaída com a interrupção do tratamento, efeitos
resolução dos seus problemas de saúde. colaterais e a falta de comprovação de eficácia desses
medicamentos (FREITAS E AMARANTE, 2015).
As autoras afirmam que, de modo geral, parte dos pro-
fissionais da saúde reduz a saúde da mulher a uma Mediante esses apelos e disseminação de estratégias
questão reprodutiva e acabam desconsiderando seus cultivadas pela medicalização, como escapar? Acredi-
modos de existência singulares e a diversidade de tamos que não há receita ou método. Pensando nas
maneiras de pensar e agir delas, fatores que contri- dificuldades em encontrarmos respostas para as
buem consideravelmente para o uso indiscriminado imprevisibilidades, atribulações e sofrimentos que
são inerentes à nossa existência, encontramos em Notas
Ronchi-Filho (2010), uma pista que nos ajuda a pensar 1 A medicina como agente de controle social foi uma concepção propos-
uma alternativa, pois esse autor apresenta a saúde ta pelo sociólogo norte americano Talcott Parsons, uns dos pioneiros nos
estudos da medicalização cujos principais estudos datam das décadas
sob uma perspectiva afirmativa, nos inspirando a 1950-1960 (SILVA, 2018).
também assumi-la como 2 Deleuze diz que “não há sujeito, mas uma produção de subjetivida-
de” (2013, p.145), conceito cunhado por Foucault que se relaciona à pro-
[...] potência de criação dos organismos, como
dução dos modos de existência ou estilos de vida.
capacidade de criação de novas normas de vida,
como possibilidade de descolamento de formas 3 Vale destacar que, de acordo com Silva (2018), os fatores
desencadeadores de doenças relacionados aos campos da saúde
estabelecidas, quando essas já não trabalham
mental e do trabalho, foram incluídos somente a partir da sexta edição
mais pela expansão da vida, e como construção
do CID, no ano de 1948.
de novas formas de viver. Essa concepção traz a
saúde como capacidade de transformar o meio, 4 Silva (2018) indica o aumento de códigos inseridos no Manual Diag-
não como uma essência acircunstancial, com nóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. Constavam 180 códigos
no DSM-II, atualizado em 1968; já no DMS-V, última versão do manual
atributos biologicamente predefinidos. Sob esse
datada de 2014, a quantidade subiu para 450 códigos. Esse manual di- 87
mesmo prisma, cabe pensar que as discussões
vide opiniões entre estudiosos: alguns afirmam que ele tem o papel de
sobre saúde devem envolver vários saberes, des- uniformizar as informações e contribuir para a adoção de procedimen-
tacadamente o saber que cada um porta. tos, enquanto outros o consideram um método reducionista de diagnós-
(RONCHI-FILHO, 2010, p.93). tico, que não condiz com a complexidade humana (FERREIRA, 2013).
Apostamos que caminhos sejam possíveis para nos 5 Segundo Nogueira e Schelbauer (2007) o processo conhecido por fe-
minização do magistério iniciou-se no final do século XIX em vários paí-
desvencilharmos desse processo de medicalização da ses ocidentais, e deu-se por vários fatores como as relações econômi-
existência. Talvez reconhecermos a sua complexidade, cas e políticas, as reivindicações femininas por direitos ao acesso à ins-
que envolve as dimensões social, política, cultural e trução e ao de trabalho remunerado, bem como à modernização da so-
ciedade e ao processo de higienização da família. Atualmente, 81,5%
econômica, e nos colocarmos a discuti-lo em outras dos profissionais da educação básica brasileira são do sexo feminino,
esferas como os espaçostempos de formação, a partir segundo do último Censo do Professor de 2009, realizado pelo Instituto
de uma perspectiva afirmativa de saúde como nos Nacional de estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
apresenta Ronchi-Filho (2010), seja uma alternativa 6 A prática de atendimentos na saúde pública brasileira, segundo Carva-
lho e Dimenstein (2004) está pautada em moldes neoliberais, configu-
que nos coloque em movimento de busca por novos
rando-se um atendimento de assistência individual e curativo, de caráter
modos de vida e trabalho em educação. biologizante e mecanicista.
Referências
CARVALHO, Lúcia de Fátima; DIMENSTEIN, Magda. O modelo de
atenção à saúde e o uso de ansiolíticos entre mulheres. Estudos
de psicologia. Natal, v. 9, n. 1, p. 121-129, 2004. Disponível em<http://
www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S1413294X2004000100
014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 nov. de 2019. Sugestão de Leitura
ILLICH, Ivàn. A expropriação da saúde: nêmesis da medici-
CHASSOT, Attico. A CIÊNCIA É MASCULINA? É, sim senho- na. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975b.
ra!... Revista Contexto & Educação, v. 19, n. 71-72, p. 9-28, 21 maio
2013. Disponível em: https://revistas.unijui.edu.br/index.php/ MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso; COLLARES, Cecília Aze-
contextoeducacao/article/view/1130. Acesso em: 20 de out. 2019] vedo Lima. O lado escuro da dislexia e do TDAH. A exclusão
dos incluídos: uma crítica da psicologia da educação à patolo-
DELEUZE, Gilles. Conversações. 3ª ed, Rio de Janeiro: Ed. 34, 2013. gização e medicalização dos processos educativos. Maringá:
FERREIRA, Carolina Mendes Bento. Nova edição de manual aumenta EDUEM, p. 103-153, 2011.
número de transtornos mentais. Cienc. Cult., São Paulo , v. 65, n. 4, p. WHITAKER, R. Transformando crianças em pacientes psiquiá-
16-17, 2013. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php? tricos: fazendo mais mal do que bem. In: CAPONI, S.; VAS-
script=sci_arttext&pid=S0009-67252013000400008&lng=en&nrm=iso>. QUEZ-VALENCIA, M. F. e VERDI, M. (orgs.) Vigiar e medi-
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições car: estratégias de medicalização da infância. São Pau- 88
Graal, 2010. lo: LiberArs, 2016. (p. 13 – 28)
GUATTARI, Félix. As três ecologias. 21ª ed. Campinas, São Paulo: Desmedicalizar a vida: desafios e possibilidades, pa-
Papirus, 2012. Tradução Maria Cristina F. Bittencourt. lestra ministrada por Maria Aparecida Affonso Moysés,
no I Colóquio Processos de Despatologização na Edu-
NOGUEIRA, Juliana Keller e SCHELBAUER, Analete Regina. Femini- cação e Saúde, na Universidade Federal do Rio Gran-
zação do magistério no Brasil: o que relatam os parecerem do primeiro de do Sul (UFRGS) - 2018. Disponível em: https://
congresso da instrução do Rio de Janeiro. Revista IISTEDBR On-line. www.youtube.com/watch?v=b5BdEckwnr8
Campinas, n. 27. P.78 - 94, set.2007.Disponível em: http://
Experiências viáveis e seguras de desmedicaliza-
www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/27/art07_27.pdf.
ção. Palestra de Robert Whitaker no Seminário Interna-
RONCHI-FILHO, Jair. Cartografando fazeres em um centro de cional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas,
educação infantil: experimentações com uma comunidade ampliada de Consequências e Alternativas, realizado na ENSP/
pesquisa. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Fiocruz (2017). Disponível em: http://www.ensp.fiocruz.
Espírito Santo, Centro de Educação, Vitória, ES - 170f. br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/42877
SILVA, Livia. M. Medicalização e síndrome de burnout: um
olhar sobre o adoecimento. Rio de Janeiro: Multifoco, 2018.
CONSIDERAÇÕES,
MAS SEM PONTO FINAL...
Problematizar os modos de vida que temos construído O mal-estar está instalado. Aqui fazemos uma cone-
e que, consequentemente, nos constituem, foi a linha xão com Rolnik (2018), quando esta fala que não de-
que perpassou toda a escrita deste ebook, elaborado vemos interpretar o mal-estar como algo negativo que
com base no processo formativo “Educação Ambiental vem nos adoecer. Uma alternativa, segundo a autora,
e Saúde Mental no contexto da formação continuada: seria entendê-lo como algo que nos desestabiliza,
criando estratégias de enfrentamento ao adoecimento mas que também nos impulsiona a buscar outras pos-
mental de trabalhadores da educação” e destinado sibilidades de se viver/existir, ideia que converge com
aos profissionais da rede de ensino municipal de Serra/ES. o pensamento de Preciado (2018, p.17):
A nossa aposta na formação, com base nas Redes de A condição de resistência micropolítica é
“sustentar o mal-estar” que gera nos processos
Conversações (CARVALHO, 2009), possibilitou
de subjetivação a introdução de uma diferença,
“intercambiar as experiências” (LARROSA, 2017) uma ruptura, uma mudança. É preciso reivindicar
constituindo-se um espaçotempo propício para discus- o mal-estar que tais rupturas supõem: resistir à
tendência da subjetividade colonial-capitalística
sões acerca da relação ambiente-saúde-trabalho, na 90
que, reduzida ao sujeito, interpreta o mal-estar
tentativa de impulsionar o pensamento e criar possibi- como ameaça de desagregação e o transforma
lidades e táticas para produção de saúde no trabalho em angústia, em sintoma que deve ser diagnosti-
em educação. cado de acordo com um manual de doenças
mentais, tratado com medicamento e, finalmente,
Assumimos, ainda, que as discussões estabelecidas soterrado em favor da reprodução da norma.
numa formação ancorada pelas Redes de Conversa- Segundo Rolnik (2018) a conversão do mal-estar em
ções, permitiram que os próprios professores, com angústia e sua consequente patologização reitera e
base em suas práticas profissionais e vivências cotidi- naturaliza a redução da complexidade dos processos
ana, pudessem discutir e analisar seus próprios de subjetivação ao “sujeito”, cancelando de modo
processos de trabalho, e dessa maneira, produzir violento as possibilidades de “criação transfiguradora”.
conhecimentos, e também se articular, de modo coleti-
Assim, recorremos à possibilidade de pensar trans-
vo, para a criação de táticas de enfrentamento aos
versalmente em articulação ético-estético-política
adoecimentos.
envolvendo as três ecologias (meio ambiente, rela- Ao trazermos a concepção de saúde para a discussão
ções sociais e subjetividade humana), apresentadas recorremos a Canguilhem (2009), que a define como
por Guattari (2012), como alternativa para buscar possibilidades de construção de outras normas de
outros modos de vida, tendo em vista que somos per- vida, problematizamos a concepção de saúde frag-
passados pelas múltiplas linhas de formas e forças, mentada e individualizada que corrobora para a
que coengendradas ao sistema colonial-capitalístico patologização de aspectos da existência humana.
em sua versão financeirizada, neoliberal e globalitária
Ao tecer essas discussões, fomos percebendo a im-
(ROLNIK, 2018), impedem nossa potência de vida.
portância de nos enredarmos pelas análises dos pro-
Nesse contexto, as discussões se deram de modo a cessos de trabalho que nos permitem evidenciar as
articular a dimensões - Educação Ambiental, saúde e dificuldades e os impedimentos do poder de agir dos
trabalho em Educação. A Educação Ambiental comple- trabalhadores (CLOT, 2007).
xa que “reconhece a complexidade do mundo na
Tudo isso nos impulsionou a pensar “um pouco de
constante tentativa de religar, de associar o que este- 91
possível, senão eu sufoco” como nos diz Deleuze
ve disjunto” (TRISTÃO, 2008, p. 96), nos permitiu perce-
(2013). A vida não é linear, tampouco previsível. Exigir
ber o quanto nos concebemos apartados da natureza
previsibilidade da vida é deixar-se em estado latente
por estarmos impregnados de uma lógica reducionista:
de desassossego e angústia.
Fomos, durante muito tempo, embalados com a
história de que somos a humanidade. Enquanto Em se tratando da produção de saúde no trabalho em
isso, [...] fomos nos alienando desse organismo educação, pensamos a saúde numa perspectiva afir-
de que somos parte, a Terra, e passamos a pen- mativa enquanto possibilidade de criação de normas
sar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a de vida e um potente dispositivo que nos permite pen-
humanidade. Eu não percebo onde tem alguma
sar e buscar táticas, ou seja, trilhar possíveis.
coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O
cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo Nunca é demais lembrar que neste e-book falamos de
pensar é natureza. (KRENAK, p. 2019, 16/17).
vida, de modos de vida, e também de produção de
existência. Nós, a humanidade, vamos viver em ambientes
artificiais produzidos pelas mesmas corporações
Assim, pensar o adoecimento e o sofrimento para que devoram florestas, montanhas e rios. Eles in-
além de uma representação ideal de mundo e da vida, ventam kits superinteressantes para nos manter
nesse local, alienados de tudo, e se possível to-
em que eles inexistam, importante seria pensá-los
mando muito remédio. Porque, afinal, é preciso
como algo inerente à vida e que necessitam ser com- fazer alguma coisa com o que sobra do lixo que
preendidos, mas que não podem anular nossa potên- produzem, e eles vão fazer remédio e um monte
cia de agir em busca de saídas. O fato é que estamos de parafernálias para nos entreter.
lidando cada vez mais com subjetividades adoecidas: Desafios, impedimentos, coletividade, experimenta-
O esgotamento dos recursos naturais provavel- ções, adoecimentos, possiblidades, táticas, foram ele-
mente está muito menos avançado do que o esgo- mentos que coengrendrados, compuseram este mate-
tamento dos recursos subjetivos, dos recursos vi- rial textual. A luta não cessa e a necessidade de se
tais que atinge nossos contemporâneos. Se nos
reorganizar, deslocar o pensamento e criar outras
satisfazemos tanto em detalhar a devastação do
ambiente, é também para cobrir a assustadora ruí- normas de trabalho e de vida, também não. Resumin- 92
na das subjetividades. Cada maré negra, cada do, talvez seja isso: buscar saídas para o adoecimento
planície estéril, cada extinção de espécies é uma e o sofrimento, ao contrário de querer que eles não
imagem das almas em farrapos, um reflexo de
nossa ausência de mundo, de nossa importância
existam; colocarmo-nos em movimento para mudança
para habitá-lo. (COMITÊ DO INVISÍVEL, 2016, p. ao invés de paralisar e aceitar a “vida como ela é”,
37-38 ) afinal, assim como Guimarães Rosa, acreditamos que
Caberia, portanto, pensar que o que está em jogo é o “Viver é um rasgar-se e remendar-se”, processo de
modo como vamos viver neste planeta daqui em dian- urdidura sem fim.
te (GUATTARI, 2012), perante a todo esse mal-estar As dificuldades, sobrecargas e impedimentos com os
que o sistema colonial-capitalístico instaura em tem- quais os professores se defrontam a cada dia são legí-
pos atuais, e cada vez mais tem aceleradamente criado timos, demandando um exercício contínuo para se li-
outros mal-estares, como nos mostra Krenak (2019, p. 20): bertar dos modos usuais de pensar, falar e realizar as
suas atividades laborais. Referências
Talvez uma pista fosse se atentar às composições CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 6ª ed./
2ªimpressão. Ed Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
potentes que também coexistem no complexo mundo
CARVALHO, J. M. Cotidiano escolar como comunidade de
educativo. Mais do que se atentar, é preciso se enve- afetos. Petrópolis, RJ: DP et Alii, Brasilia, DF: CNPq, 2009.
redar pelas análises coletivas dos processos de traba- CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. 2ª ed. Petrópolis: Vo-
lho, e assim deixar fluir a potência do coletivo na zes, 2007.
busca por outros modos de vida e trabalho. COMITÊ INVISÍVEL. Aos nossos amigos: crise e insurreição.
Ed. Antipáticas, São Paulo: n-1 edições, 2016, p. 37-38. In:
Desse modo, finalizamos esta escrita, mas sem dar ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição: notas para uma vida
um ponto final à trama tecida, pois desejamos que as não cafetinada. 2ª ed. São Paulo: n-1 edições, 2018.
discussões aqui fomentadas possam enredar outras DELEUZE, Gilles.; Conversações. 3ª ed, Rio de Janeiro: Ed.
34, 2013.
tramas formativas repletas de encontros, conversa-
GUATTARI, Félix. As três ecologias. 21ª ed. Campinas, São
ções e coletividade. Paulo: Papirus, 2012. Tradução Maria Cristina F. Bittencourt.
93
Portanto, só nos resta cogitar, desejar... que essas KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 1ª ed.
escritas heterogêneas transitem e componham outras São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
experiências, emanem intensidades vibrantes, como LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. 1ª ed. 3ª
reimp. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. Tradução: Cristina Antu-
as que experenciamos nos encontros de formação, e, nes/João Wanderley Geraldi.
desse modo, contribuam para a potência de agir dos PRECIADO. Paul B. La izquierda bajo la piel. Um prólogo para
trabalhadores da educação, como possibilidade de Suely Rolnik. In: ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição: no-
tas para uma vida não cafetinada. 2ª ed. São Paulo: n-1 edi-
criar outros fios de vida docente. Aos leitores deste ções, 2018.
e-book, desejamos bons encontros, conversações, fa-
ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição: notas para uma vida
zeres e vidas potentes! não cafetinada. 2ª ed. São Paulo: n-1 edições, 2018.
TRISTÃO, Martha. A Educação Ambiental na formação de
professores: redes de saberes. 2ª edição. São Paulo: Anna-
blume; Vitória: Facitec, 2008.
P ROFESSORES ( AS ) PARTICIPANTES DA FORMAÇÃO (por ordem alfabética)