Você está na página 1de 181

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes


Programa de Pós-Graduação em Psicologia

EFEITOS DO CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA EM


MEIO ABERTO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PERSPECTIVA DE
ADOLESCENTES EGRESSOS EM NATAL-RN

Allana de Carvalho Araújo

Natal
2017
i

Allana de Carvalho Araújo

EFEITOS DO CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA EM


MEIO ABERTO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PERSPECTIVA DE
ADOLESCENTES EGRESSOS EM NATAL-RN

Dissertação elaborada sob orientação da Prof. Dr. Ilana


Lemos de Paiva e apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Psicologia.

Natal
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA

Araújo, Allana de Carvalho.


Efeitos do cumprimento de medida socioeducativa em meio
aberto: uma análise a partir da perspectiva de adolescentes
egressos em Natal-RN / Allana de Carvalho Araújo. - 2017.
180f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande


do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa
de Pós-Graduação em Psicologia.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilana Lemos de Paiva.

1. Políticas públicas. 2. Adolescente em conflito com a lei.


3. Problemas sociais. 4. Direitos humanos. I. Paiva, Ilana Lemos
de. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 343.91-053.6(813.2)


ii

Desconfiai do mais trivial,


na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.

(Bertolt Brecht – Nada é impossível de mudar)


iii

Agradecimentos

À vida, por ter permitido a caminhada até a construção deste trabalho e, com ela, tantas

outras construções e desconstruções.

À UFRN, que me acolheu desde o início da minha trajetória acadêmica até aqui, e que

“me falou que o mal é bom, e o bem, cruel”.

Ao CNPQ, por ter proporcionado condições materiais para a realização deste estudo.

A Ilana, por ter apostado neste trabalho e por ter caminhado comigo nesses dois anos.

A Maria de Lurdes Trassi e Ana Vládia Holanda Cruz, pelas contribuições significativas

feitas a este trabalho durante as qualificações.

A Isabel Fernandes e Ana Vládia Holanda Cruz, por terem aceitado participar da banca

de defesa desta dissertação e pelas valiosas contribuições.

Aos professores e demais funcionários do PPGPsi, gratidão pelo apoio e pelo

comprometimento com a formação de todos os pós-graduandos.

A Severina e Júnior, mãe e pai, ouro de mina. Obrigada pelo amor incondicional de

sempre, pelo cuidado que não cessa, pela paciência, pela compreensão e pela confiança.

Obrigada por tornarem mais essa conquista possível.

A Mayara, que, dentre um sem número de qualidades, é minha irmã, amiga,

companheira, mestre jedi, mediadora dos meus conflitos de forma não-violenta, inspiração,

orgulho. Gratidão por tudo, inclusive por, muitas vezes, apostar mais em mim do que eu mesmo.

Sou muito grata pela sua existência, e por ela afetar direta e positivamente a minha, e tudo o

que eu faço – inclusive esta dissertação. Todo agradecimento que eu pudesse te fazer aqui,

ainda seria pouco.

A Felipe, por tanto amor, companheirismo, cumplicidade, paciência e compreensão.

Sou muito grata à vida pelo nosso encontro, pela convivência e pelos aprendizados diários.

Obrigada pela leveza e por ter levado esse mestrado como um projeto nosso.
iv

A Jane, pelo acompanhamento importante durante esses dois anos (e além deles), pelo

amparo, pelo cuidado e por conhecer de perto as faces não-escritas deste trabalho.

A toda a equipe da I Vara da Infância e da Juventude de Natal – especialmente a

Neurizete, Paula, Marisa, Klesida, Simone, Isa e Flor –, pela acolhida aberta, paciente e

despretensiosamente solícita. Vocês foram peças fundamentais neste trabalho.

Aos adolescentes e familiares que, de alguma maneira, participaram desta pesquisa.

Gratidão pela disponibilidade e por tanto aprendizado proporcionado em encontros de poucas

horas.

A Fábio, Luna, Mariana, Nara, Rebecka e Roberta, presentes do mestrado para a vida!

Vocês trouxeram leveza e sorriso fácil pra o dia-a-dia nesses dois anos. Gratidão pela amizade

despretensiosa! Sigamos!

A Amanda e Alessandra, as pilhas alcalinas. Gratidão pelo sorrir e pelo sofrer junto.

Nossos poucos encontros valem muito!

Ao Núcleo Socioeducativo do OBIJUV, que muito engrandeceu este estudo por meio

das discussões e do trabalho conjunto. Muitas das problematizações e inspirações que

constituem este trabalho nasceram dos encontros do Núcleo. Especialmente, a Daniela

Rodrigues, pela pessoa inspiradora que é e que sempre suscita movimento; e a Anna Luiza, pela

amizade e pelo carinho construídos.

Gratidão!
v

Sumário
Lista de siglas ..........................................................................................................................vii
Resumo ..................................................................................................................................... ix
Abstract ..................................................................................................................................... x
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1: A INFÂNCIA E A ADOLESCÊNCIA COMO ALVO DA
INTERVENÇÃO DO ESTADO ............................................................................................ 15
1.1 Trajetória das políticas sociais de atendimento a crianças e adolescentes no Brasil:
do “menor” ao adolescente autor de ato infracional ....................................................... 15
1.2 Sistema socioeducativo para quem? Reflexões sobre Estado, políticas sociais e
criminalização da juventude pobre ................................................................................... 26
CAPÍTULO 2: A POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO.................... 40
2.1 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo ........................................................ 40
2.1.1 Violações de direitos no sistema socioeucativo.................................................... 48
2.2 Medidas socioeducativas executadas em meio aberto ............................................... 52
2.2.1 Violações de direitos e outros desafios na execução das medidas em meio
aberto. .............................................................................................................................. 58
2.3 Plano Individual de Atendimento ............................................................................... 63
CAPÍTULO 3: OS ADOLESCENTES EGRESSOS DO SISTEMA
SOCIOEDUCATIVO ............................................................................................................. 69
3.1 O que se espera para o adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa
.............................................................................................................................................. 69
3.1.1 A falácia da ressocialização. ................................................................................. 73
3.1.2 A crença na ressocialização pelo trabalho e pelo estudo. ................................... 76
3.1.3 A ressocialização sustentada na ideia de “novos projetos de vida”. ................. 85
3.2 Como estão os egressos do atendimento socioeducativo? ......................................... 88
CAPÍTULO 4: MÉTODO...................................................................................................... 94
4.1 Pesquisa documental .................................................................................................... 94
4.2 Participantes da pesquisa ............................................................................................. 96
4.3 Entrevistas ..................................................................................................................... 97
4.4 Aspectos éticos............................................................................................................. 100
4.5 Procedimentos de análise de dados ........................................................................... 100
CAPÍTULO 5: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ................................. 103
5.1 Caracterização do funcionamento do atendimento socioeducativo em meio aberto
em Natal-RN...................................................................................................................... 103
5.1.1 Perfil dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio
aberto no município de Natal. ..................................................................................... 112
5.2 Análise da situação processual do cumprimento de medida socioeducativa ........ 114
vi

5.3 Perfil dos adolescentes que iniciaram e finalizaram o cumprimento de medida


socioeducativa em meio aberto em 2015 ......................................................................... 122
5.4 Os adolescentes entrevistados e a vivência no pós-medida ..................................... 126
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 151
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 156
APÊNDICES ......................................................................................................................... 166
vii

Lista de siglas

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNJ Conselho Nnacional de Justiça

CONANDA Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adoelscente

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FUNABEM Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor

FUNDAC Fundação Estadual da Criança e do Adolescente

IBAM Instituto Brasileiro de Administração Municipal

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LA Liberdade Assistida

PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e

Indivíduos

PAIF Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família

PIA Plano Individual de Atendimento

PNAS Política Nacional de Assistência Social

PNBEM Política Nacional de Bem-Estar do Menor

PSC Prestação de Serviços à Comunidade

SAM Serviço de Assistência ao Menor

SCFV Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

SEMTAS Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social

SDH/PR Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

SGD Sistema de Garantia de Direitos


viii

SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

SUAS Sistema Único de Assistência Social

TALE Termo de Assentimento Livre e Esclarecido

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

VIJ Vara da Infância e da Juventude


ix

Resumo

Os egressos do sistema socioeducativo não só convivem com os mesmos desafios pré-existentes

ao cumprimento de medida, como, por vezes, lidam com estigma e o preconceito relacionados

ao cometimento do ato infracional. Apesar disso, inexiste, nacionalmente, um atendimento

sistemático voltado ao egresso. Nesta pesquisa, investigou-se as contribuições proporcionadas

pelo cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto ao egresso em Natal. Para tanto,

a construção dos dados foi realizada em duas etapas: pesquisa documental e entrevista com os

adolescentes. A primeira visou caracterizar o cumprimento de medida socioeducativa em meio

aberto no município para compreender o contexto no qual os adolescentes estiveram inseridos.

As entrevistas buscaram investigar mudanças e permanências na vida dos egressos

proporcionadas pelo cumprimento de medida socioeducativa. Na análise dos resultados, foram

feitas articulações entre os dados obtidos nas duas etapas. Identificou-se que a experiência

socioeducativa, no município, tem sido reduzida à responsabilização. A duração processual

vem sendo bem maior que a esperada, gerando um quantitativo de adolescentes remanescentes

vinculados ao serviço. Há indicativos de que diferentes manifestações de violência permanecem

atravessando a vida dos adolescentes no pós-medida. Nesse cenário, os entrevistados relatam

não associar o atendimento socioeducativo à garantia de direitos nem a mudanças positivas em

suas vidas e, no geral, sentem-se injustiçados. Esses dados estão associados ao funcionamento

precário tanto do atendimento socioeducativo, como de outros serviços do Sistma de Garantia

de Direitos da criança e do adolescente.

Palavras-chave: políticas públicas; adolescente em conflito com a lei; problemas sociais;

direitos humanos.
x

Abstract

Adolescents who have participated of socio-educational measures, not only deal with the same

pre-existing challenges while in this program, but sometimes they suffer to the stigma and the

prejudice related with having committed an infraction. Nevertheless, does not exist, nationally,

a systematic care for the former participant. In this research, it was investigated the

contributions provided by the fulfillment of a socio-educative measure without freedom

restraint in the city of Natal. To do so, the data collection was separated in two stages:

documentary research and interviews with adolescents. The first one aimed to characterize the

fulfillment of socio-educational measures in a service without freedom restraint in Natal, to

understand the context in which the adolescents were inserted. The interviews sought to

investigate changes and permanence in the lives of these adolescents provided by the fulfillment

of socio-educational measures. In the analysis of the results, joints have been made between the

data obtained in these two steps. It was identified that socio-educational experience in the

municipality has been reduced to accountability. The procedural duration has been much higher

than expected, generating a number of remaining adolescents linked to the service. This study

shows signs that different manifestations of violence continue to permeate the lives of

adolescents in the post-measure. In this scenario, the adolescents do not make associations

between the socio-educational service with the guarantee of their rights nor with positive

changes in their lives and, in general, feel wronged. These data are associated with the

precarious functioning of both the socio-educational service and other services of the Child and

Adolescent Rights Guarantee System.

Keywords: public policy, adolescent in conflict with the law; social issues; human rights.
11

INTRODUÇÃO

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) é a política pública

responsável pelo atendimento, acompanhamento, proteção e responsabilização do adolescente

autor de ato infracional no Brasil. Seu funcionamento estrutura-se em torno da ideia de

socioeducação, a qual, partindo do entendimento de que a educação tem caráter fortemente

social, prioriza a afirmação e efetivação dos direitos humanos e o compromisso com a

emancipação e autonomia de cada sujeito em sua relação com a sociedade (Bisinoto, 2015).

Para o adolescente autor de ato infracional, o sistema socioeducativo prevê não só a

responsabilização como medida punitiva, mas também que sejam asseguradas condições para

promoção do seu desenvolvimento como pessoa (por exemplo, que sejam garantidos seus

direitos).

Entretanto, o SINASE vem enfrentando dificuldades na implementação do atendimento

socioeducativo (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013a; Secretaria

de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013b; Silva & Oliveira, 2015). Tem-se,

por exemplo: dificuldade em realizar um trabalho articulado dentro do próprio SINASE ou

entre este e outros serviços do Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente;

insuficiência de recursos humanos e materiais; carência na formação e capacitação dos

profissionais; ausência de projeto político-pedagógico em grande parte das unidades

socioeducativas; violações dos direitos dos adolescentes em cumprimento de medida,

principalmente de internação.

Esses e outros desafios tem implicado em consequências diretas na qualidade do

atendimento e acompanhamento socioeducativo e nas reais contribuições destes na vida dos

usuários do serviço. Pesquisas com adolescentes egressos (Araújo, 2015; Evangelista, 2008;

Gonçalves, 2015; Marinho, 2013; Queiroz, 2010; Volpi, 2001) apresentam que, após
12

finalizarem o cumprimento de medidas socioeducativas, os egressos têm encontrado, de modo

geral, os mesmos desafios que já enfrentavam antes de cometerem ato infracional, além das

dificuldades advindas do fato de terem feito parte de unidades socioeducativas, como

preconceito e discriminação. Ou seja, as influências da medida socioeducativa para o sujeito

que a cumpre têm rumado por caminhos distintos – e, por vezes, contrários – aos previstos pelo

SINASE.

Diante desse quadro, este estudo insere-se na temática do adolescente autor de ato

infracional, especificamente naquele que não está mais ligado a uma unidade de atendimento

socioeducativo, mas que já finalizou o cumprimento de medida – aqui chamado “egresso”. O

tipo de medida socioeducativa aqui estudada é a executada em meio aberto, a qual, de acordo

com SINASE, deve ser prioritária frente àquelas de privação e restrição de liberdade.

A pesquisa aqui apresentada investigou como estão os jovens egressos que cumpriram

medida socioeducativa em meio aberto em Natal/RN, no ano de 2015, e quais as contribuições

do processo socioeducativo para a vida dessas pessoas. Para isso, utilizou-se, como ferramentas

metodológicas, da pesquisa documental e de entrevistas individuais com os egressos.

Por meio deste estudo e no papel de pesquisadora, não se pretende falar por nenhum

dos participantes da pesquisa. A intenção foi apreender falas silenciadas e proporcionar um

espaço de visibilidade ao traduzi-las de forma compreensiva a pessoas que, até então, não as

ouviam. Mesmo teorias voltadas à valorização da experiência do oprimido não costumam

avaliar criticamente o papel histórico assumido pelo intelectual (Spivak, 2014). Assim,

concordando com Spivak, tem-se que a intenção deste estudo foi oportunizar espaços em que

essas falas sejam ouvidas. Além disso, os discursos dos entrevistados refletem o

funcionamento da política pública de atendimento socioeducativo e permitem analisar sua

efetividade, seus desafios e suas conquistas.


13

As questões que levaram à realização deste estudo foram produzidas no decorrer de um

percurso próprio da autora, em sua formação como psicóloga, na área dos direitos humanos e

de políticas públicas, que conduziram a uma aproximação temática com o campo das medidas

socioeducativas. Através de um vínculo de estágio em um Centro de Referência em Direitos

Humanos, a autora pôde participar do planejamento e da execução de uma intervenção em

unidade de privação de liberdade feminina para adolescentes.

A experiência de estágio gerou questões diversas, dentre elas, o que, de fato, o processo

socioeducativo estaria produzindo na vida das adolescentes. Essa ideia foi readequada nos

moldes de uma pesquisa acadêmica e resultou na realização do estudo aqui apresentado. A

mudança de foco do atendimento socioeducativo do meio fechado para o meio aberto ocorreu

devido a, após pesquisa bibliográfica, ter-se percebido que poucas pesquisas se voltavam a

estudar os egressos deste último âmbito.

Os referenciais teóricos que ancoram este trabalho estão organizados em três capítulos

iniciais. O primeiro, “A infância e a adolescência como alvo de intervenção do Estado”, inicia

com um breve resgate histórico do atendimento voltado para adolescentes autores de ato

infracional no Brasil, até chegar aos atuais Estatuto da Criança e do Adolescente e Sistema de

Garantia de Direitos. Nesse percurso, explicita-se os aspectos contextuais principais que

embasaram cada uma dessas práticas.

Em seguida, são discutidos o papel do Estado e o das políticas sociais na intervenção

voltada às crianças e aos adolescentes pobres. Emergem, daí, discussões sobre a criminalização

dos jovens pobres e negros no Brasil e a associação entre juventude e violência.

No segundo capítulo, a política de atendimento socioeducativo é discutida mais

detalhadamente, sendo apresentados princípios e características do SINASE, incluindo as

lamentáveis violações de direitos que ocorrem nos serviços. Trata-se, também, de aspectos

específicos ao atendimento socioeducativo em meio aberto e da contextualização de seu


14

funcionamento na política setorial de assistência social. Por fim, é apresentado o Plano

Individual de Atendimento como ferramenta pedagógica essencial na organização e na

condução do atendimento socioeducativo.

O terceiro capítulo aborda o tema específico deste estudo: os egressos do sistema

socioeducativo. É feita uma discussão sobre o que consta nos documentos e normas sobre o

assunto e qual a atual realidade nacional de atendimento ao egresso. Em seguida, são

brevemente analisados alguns aspectos que atravessam o entendimento de ressocialização. No

final do capítulo, apresenta-se um panorama geral da realidade dos adolescentes no momento

pós-medida socioeducativa, feito a partir de um levantamento bibliográfico que contemplou

pesquisas empíricas realizadas com egressos.

Na continuidade do trabalho, o capítulo quatro descreve as características

metodológicas da pesquisa, o qual inclui a especificação sobre as duas etapas deste estudo –

pesquisa documental e entrevistas –, os critérios de definição dos participantes, os aspectos

éticos e os procedimentos de análise de dados. Por fim, são apresentados e discutidos os

resultados deste estudo.


15

CAPÍTULO 1: A INFÂNCIA E A ADOLESCÊNCIA COMO ALVO DA

INTERVENÇÃO DO ESTADO

1.1 Trajetória das políticas sociais de atendimento a crianças e adolescentes no Brasil:

do “menor” ao adolescente autor de ato infracional

Antes de adentrar na discussão sobre as especificidades do modo de funcionamento do

SINASE e sobre os egressos desse sistema, será discutido, de maneira breve, como,

historicamente, se deu a atenção à criança e ao adolescente considerado em conflito com a lei

no Brasil. Essa contextualização é imprescindível para que se compreenda as bases que

fomentaram a construção do modelo vigente de responsabilização do adolescente e que

reforçam seu atual modo de funcionamento. Além disso, é, também, essencial para entender

quem são os adolescentes que chegam, hoje, a esse sistema e alguns elementos que sustentam

o modo como eles são vistos e interpretados atualmente.

Os modos de lidar com a infância e a adolescência historicamente refletem e são reflexo

de diferentes entendimentos sobre esses sujeitos. Pode-se dizer que, durante os mais de três

séculos em que o Brasil foi colônia de Portugal, as ações de atenção à infância pobre no país

eram, quase todas, de caráter religioso (Arantes, 2011). Não existia a noção de direitos de

crianças e adolescentes e tampouco a questão da responsabilização desses sujeitos tinha maior

expressão.

Mendez (2006) identifica que, até o início do século XX, as pessoas consideradas

“menores de idade”, ao infringirem leis penais, eram tratadas, basicamente, da mesma forma

que os adultos que estivessem em situação semelhante. As únicas exceções diziam respeito às

pessoas de sete a dezoito anos, que tinham diminuídas em um terço suas penas, e aos menores

de sete anos, que, com base na tradição do direito romano, eram considerados incapazes e
16

tinham seus atos equiparados aos de animais não-humanos. Por isso, o autor caracteriza esse

período como “penal indiferenciado”.

No início do século XX, com o princípio da República no Brasil, o país passa por

transformações decorrentes do processo de urbanização e a medicina ganha, progressivamente,

espaço na vida social. Entram em cena conhecimentos médicos sobre higiene, controle e

prevenção de doenças infecto-contagiosas e epidemias, os quais tinham na figura do higienista

a sua autoridade. Mas, para além do meio médico, o movimento higienista penetra em toda a

sociedade brasileira, aliando-se a especialistas de diversas áreas, como pedagogos, arquitetos,

urbanistas e juristas.

O cerne do higienismo no Brasil esteve ligado ao darwinismo social, a teorias racistas e

à eugenia, colocando-se abertamente contra negros e mestiços, por mais que estes

representassem a maior parte da população brasileira. Suas propostas visavam ao “saneamento

moral” do país, que pode ser traduzido como a limpeza social para eliminação da pobreza e de

todo os males a ela atribuídos. Para o movimento higienista, os vícios e as virtudes eram, em

grande parte, heranças familiares. Ou seja, deveriam ser tomadas medidas contra as pessoas

consideradas provenientes de famílias “com moral duvidosa” – leia-se, os pobres (Coimbra &

Nascimento, 2003).

Nesse ínterim, são definidos e evidenciados padrões de normalidade e patologia, de

doença e cura e de diagnóstico e prevenção, a partir dos quais a higiene médica intervém na

intimidade das famílias e instaura práticas disciplinares. São disseminados, então, padrões para

a normalização das condutas na esfera física, psíquica e sexual, por meio de valores típicos e

exclusivos do universo burguês. Era criada, com isso, a figura do indivíduo polido, contido e

idealmente reprimido (Costa, 1989).

É por esse viés higienista que se ampliam os olhares voltados à criança e ao adolescente,

sobretudo aos que viviam em situação de pobreza. Novas práticas cotidianas de controle são
17

recomendadas a esse público, com base em dispositivos normativos médicos, sociais e

assistenciais, em nome da preservação da segurança. Em consequência, os atos que infringissem

essas regras de higienização passariam a ser punidos (Passeti, 1995).

O entendimento de que há parâmetros de normalidade a serem socialmente seguidos

está intimamente relacionado à ideia de que é possível moldar o comportamento de uma pessoa

e transformá-la a partir desses padrões. Ou seja, em uma dimensão mais ampla, passa-se a

entender que, a depender do tratamento dado a alguém enquanto criança, poder-se-ia

transformá-la em um “homem de bem” ou em um ser “degenerado e vicioso”. Investir na

infância passa a ser sinônimo de investir no adulto em que ela se tornará – e, logo, no progresso

da nação constituída por esses adultos. A criança passa, daí, a ser alvo de investimento social e

político, pois zelar por ela correspondia a zelar pela ordem e pela paz social (Rizzini, 2011).

Nesse contexto, a infância torna-se alvo de vigilância do Estado, passando a ser

concebida como objeto de proteção e de defesa, no intento estatal de prevenir a sociedade de

um mal futuro. Surge a necessidade de se pensar em um sistema de proteção à infância e à

adolescência, principalmente àquelas que poderiam oferecer algum tipo de perigo à ordem

social. As ações centrais nesse intuito consistiam em retirar crianças e adolescentes dos meios

considerados atentatórios à moral, como as ruas, e levá-los a instituições, onde, reclusos, eles

se distanciariam dos perigos até então oferecidos. O modelo de atendimento asilar assumia a

internação como forma de “recuperação” dessas crianças e adolescentes para o convívio na

ordem social.

Acompanhando o debate internacional sobre sistemas de proteção à infância e

convencido da necessidade de salvar a criança para salvar a nação, o Brasil inicia, nas primeiras

décadas dos anos 1900, a formalização dos modelos de atendimento assistenciais propostos

pelo Estado. Em 1927, é instituído o Código de Menores, o qual buscou organizar e direcionar

as ações de tutela e coerção do Estado para com os chamados menores. Esse Código incorporou
18

tanto a visão higienista de proteção do meio e do indivíduo, quanto uma visão jurídica

repressiva e moralista (Faleiros, 2011).

Dentre outras disposições, o Código permitia intervir no abandono físico e moral dos

menores e retirar o pátrio poder 1 nos casos em que fosse julgado pertinente; internar os

socialmente abandonados; e repreender e instituir a liberdade vigiada aos jovens autores de

infração penal (Perez & Passone, 2010). Essa legislação tinha como característica o enfoque

corretivo, voltado para as práticas disciplinares e punitivas, mantendo a internação como

principal proposta de intervenção, com o objetivo declarado de reeducar e readaptar a criança

e o adolescente à sociedade.

No capítulo referente aos “menores delinquentes”, artigo 86, inciso 4º, o Código dispõe

que “Si o menor não tiver sido preso em flagrante, mas a autoridade competente para a

instrucção criminal achar conveniente não o deixar em liberdade, procederá de accôrdo com os

§§ 2º e 3º”. Isso implica que todas as crianças e adolescentes de que tratava o Código de

Menores eram passíveis, em alguma medida, de serem sentenciadas como irregulares e

enviadas às instituições cabíveis, mesmo que fosse por uma simples suspeita ou por sua

aparência física.

Ou seja, o Estado passa a poder declarar como “irregular” parte da população e tomar

para si o papel de lidar diretamente com essa irregularidade. E quem eram as crianças e

adolescentes de que tratavam o Código? Ora, tendo em vista que as situações consideradas

“irregulares” não eram comuns às classes média e alta, o Código de Menores direcionava suas

orientações, então, para os filhos das famílias mais pauperizadas, tendo respaldo legal para

criminalizar as estratégias de sobrevivência dessas famílias.

1
Durante a vigência do Código Civil de 1916, o homem (pai) era detentor de poder absoluto e exclusivo sobre os
filhos, situação que designava o termo “pátrio poder”. A partir do Código Civil de 2002, esse termo foi substituído
por “poder familiar” e passa a abranger os direitos e deveres atribuídos aos pais visando a garantia de direitos e de
bens dos filhos durante a infância e a adolescência. O poder familiar é instituído no interesse dos filhos e da família,
não em proveito dos pais.
19

Com o Código de Menores de 1927, o termo “menor” passa a ter nomenclatura jurídica

(baseada na faixa etária) e começa a ser popularizado e incorporado na linguagem comum.

Entretanto, pelo caráter das intervenções do Código e pela seletividade da aplicação das

mesmas a apenas uma classe social específica, esse termo passa não a designar qualquer pessoa

em uma mesma faixa de idade, mas a apenas diferenciar um segmento – o pobre – do resto da

população (Coimbra & Nascimento, 2003). O “menor” passa a denominar uma categoria de

infância e adolescência pobre e marginal que representava perigo para a futura sociedade. Por

trazer consigo esse entendimento, o Código de 1927 manifesta uma oscilação constante entre,

por um lado, a defesa à criança e ao adolescente e, por outro, a defesa da sociedade contra essa

criança e esse adolescente, os quais configuravam ameaça à ordem pública (Rizzini, 2002).

A formalização de um sistema de atendimento voltado para o menor segue durante o

governo de Getúlio Vargas. Em 1941, é criado o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), na

tentativa de centralizar, sistematizar e orientar a assistência a esse público. Até então, as

questões relativas aos menores vinham sendo tratadas, principalmente, pela esfera jurídica,

através dos Juízos de Menores. O SAM surge, então, como órgão centralizador da organização

e do controle dessas ações de assistência, retirando-as da alçada dos juízes.

Esse Serviço apresentava princípios e propostas baseadas na educação e formação

profissional como vias de combater a criminalidade e “recuperar” os menores. Em termos

práticos, permaneceu com o modelo básico de atuação voltado à internação dos menores

“desvalidos” e “transviados” (Rizzini, 2011, p. 264). À despeito de sua proposta, o SAM

revelou-se uma instituição violadora dos direitos de seus usuários, marcada pela prática de

corrupção e maus tratos, como uso de violência física e psicológica.

Com a assunção do golpe civil-militar em 1964, o SAM foi extinto, mas seu patrimônio

material e suas ações cotidianas foram incorporados por uma nova estratégia com propósito

semelhante: a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), que introduziu a rede da


20

Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM). Seguindo esse novo modelo, em

cada estado da federação foi criada uma Fundação de Bem-Estar do Menor (FEBEM), unidade

física responsável por receber os adolescentes autores de ato infracional e aqueles cujos

vínculos familiares estavam rompidos ou fragilizados.

A PNBEM partia do pressuposto de que o cometimento de atos contrários à ordem

vigente era decorrente de uma absorção falha dos valores universais da sociedade por parte do

sujeito. O papel das instituições era, portanto, corrigir e reeducar os menores, integrando-os ao

mercado de trabalho (Cabral & Sousa, 2004). Porém, assim como o SAM, a FUNABEM acabou

por reproduzir os mesmos modelos anteriores de atendimento, baseados na repressão e na

punição.

No ano de 1979, um novo Código de Menores é instituído, mas permaneceu

considerando a criança e o adolescente como objetos de intervenção, ao invés de sujeitos de

direitos. O Código de 1979 também teve caráter repressivo e retrógrado (Rizzini, 2002) e

reforçou a ideia do “menor em situação irregular”, contribuindo para reafirmar o rótulo em

torno da parcela de crianças e adolescentes pobres e para diferenciá-los do resto da população.

Especificamente, eram considerados em situação irregular os menores privados de condições

essenciais a sua subsistência, vítimas de maus-tratos, em “perigo moral”, “com desvio de

conduta” e os autores de “infração penal” (artigo 2º da Lei 6.697/79, o Código de Menores de

1979).

Apesar do caráter repressivo do Código de 1979, seu surgimento se deu em um contexto

político nacional de resistências populares contra a ditadura e em prol da expansão de direitos

sociais, políticos e trabalhistas. Ao longo da década de 1970 e, principalmente, na de 1980,

ganham força vários movimentos que tiveram papel essencial no processo de abertura política

do Brasil e na luta por direitos, como as “Diretas Já”, o novo sindicalismo e o movimento pela

anistia.
21

No contexto da atenção à população infanto-juvenil, são criadas entidades não-

governamentais, como a Pastoral do Menor (1979), que apresentaram alternativas comunitárias

de cuidado a esse público. Um movimento significativo nesse âmbito foi o Movimento

Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que surgiu em 1985 e “buscava através

do engajamento e da participação das próprias crianças, a conquista e a defesa de seus direitos

de cidadania” (Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, 1994, como citado em

Cavalcante, 2014, p. 34). Essa e outras entidades, junto a ativistas dos direitos da criança e do

adolescente e a alguns juristas, construíram uma mobilização da sociedade e de alguns setores

do Estado em prol da implementação da doutrina da proteção integral (Faleiros, 2004).

Ademais, no cenário internacional, a preocupação com a proteção integral à criança e

ao adolescente já era pauta em discussão e sustentava a necessidade de construção de proteção

especial e diferenciada para esse público. Esse novo paradigma vinha sendo defendido e

reforçado por documentos internacionais, como a Declaração de Genebra de 1924, a Declaração

Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1948), a Convenção Americana sobre os

Direitos Humanos (Pacto de São José, de 1969) e as Regras Mínimas das Nações Unidas para

Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras de Beijing (1985) (Correa, 2007).

Essa nova doutrina materializa-se em lei, no Brasil, primeiramente, no artigo 227 da

então nova Constituição Federal, de 1988, que dispõe ser dever da família, da sociedade e do

Estado o cumprimento de uma série de direitos da criança, do adolescente e do jovem. Afirma,

ainda, que assegurar esses direitos é prioridade absoluta e que esse público deve ser colocado a

salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Além desse, os dois artigos constitucionais seguintes trazem outras mudanças na atenção a esse

público: o 228 dispõe que são penalmente inimputáveis as pessoas menores de 18 anos e que

elas devem estar sujeitas à legislação especial; e o artigo 229 prevê que é dever dos pais assistir,

criar e educar os “filhos menores”.


22

Desse contexto emerge o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8069/1990,

instituído como instrumento legal que visa dispor sobre a atenção à criança e ao adolescente no

Brasil. A partir do ECA e da Constituição de 1988, a responsabilidade legal pela garantia dos

direitos desse público no Brasil passa a ser dividida entre a família, a comunidade, a sociedade

e o poder público em geral. Passam a ser direitos considerados fundamentais de toda criança e

adolescente, segundo o Estatuto, o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade,

à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e proteção no trabalho e à

convivência familiar e comunitária.

Tem-se, então, uma redefinição do lugar e da representação da criança e do adolescente

na sociedade. Se, antes, eles eram objetos de intervenção do Estado apenas em situações de

irregularidade, agora, passam à condição de sujeitos de direitos que se encontram em situação

peculiar de desenvolvimento e que devem ser considerados com prioridade absoluta.

Em consonância com essa proposta, o ECA não mais adota o termo “menor” em seu

texto legal, substituindo-o por designações que, de fato, possam representar todo o público a

que se destina – como “infância”, “criança” e “adolescente”. Ademais, o Estatuto passa a

diferenciar as crianças e os adolescentes vítimas de violações de direitos daqueles que

cometeram atos infracionais, impossibilitando legalmente a reclusão e a destituição do poder

familiar por motivos de condição socioeconômica.

No intuito de respaldar as normativas do ECA, o Conselho Nacional dos Direitos da

Crinça e do Adolescente (CONANDA) publicou a Resolução 113/2006, instituindo o Sistema

de Garantia dos Direitos (SGD) da criança e do adolescente. Este consiste na articulação e

integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil em prol da promoção,

defesa e controle da efetivação dos direitos infanto-juvenis nas três esferas de governo (federal,

estadual e municipal/distrital). O funcionamento do SGD propõe zelar pela integralidade da

atenção a partir da organização de diferentes políticas sociais em objetivos comuns e pelo


23

compartilhamento de responsabilidades. Ou seja, o trabalho integrado, articulado, dinâmico e

intersetorial deve ser a base de toda e qualquer política voltada ao atendimento da criança e do

adolescente, de modo que o funcionamento inadequado de um dos integrantes do Sistema tende

a acarretar consequências em sua totalidade.

O Estatuto inaugura um sistema de responsabilização voltado para adolescentes que

cometeram atos infracionais, o chamado Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

(SINASE), o qual será discutido de forma mais aprofundada no próximo capítulo deste estudo.

Entende-se por ato infracional a conduta tipificada legalmente como crime ou

contravenção penal e praticada por criança ou adolescente. Quando da prática por crianças, são

aplicadas medidas protetivas a elas e seus pais ou responsáveis. Já no caso de atos praticados

por adolescentes, são aplicadas medidas socioeducativas 2, as quais se pretendem ser modos de

responsabilização do adolescente e de engajamento do mesmo em um processo social e

educativo 3 . Tais medidas, a depender das circunstâncias de vida do adolescente e do

cometimento do ato infracional, podem ser de seis diferentes tipos: advertência, obrigação de

reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e

privação de liberdade.

Passados quase 27 anos de vigência do ECA, há mudanças positivas consideráveis na

vida de crianças e adolescentes brasileiros. Porém, permanecem muitos desafios na

concretização de alguns direitos e na abrangência do Estatuto. Mesmo sendo uma lei com

pretensões universais ao público a que se destina, o cumprimento do ECA, como o dos Códigos

de Menores, permanece não atendendo a todos de uma mesma maneira, sendo mais precarizado

2
Importante esclarecer que as medidas de proteção são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos no ECA
forem ameaçados ou violados (artigo 98 do Estatuto). Logo, os adolescentes que cometeram ato infracional e que
estão nessa situação também devem receber medida protetiva, além da socioeducativa.
3
Vale ressaltar que, mesmo muitas vezes considerado um documento provocador de uma mudança paradigmática
no âmbito dos direitos da criança e do adolescente, o ECA permanece assentando-se em bases estruturantes da
Justiça Retributiva, que submete os processos infracionais de adolescentes a rituais de condenação, baseados na
punição (Araújo & Silva, 2015).
24

àqueles que estão em situação de maior vulnerabilidade. Por exemplo, como aponta o

documento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) publicado em comemoração

aos 25 anos do ECA, mais de três milhões de crianças e adolescentes estão, hoje, fora da escola

e esse grupo é formado, principalmente, por pobres, negros, indígenas e quilombolas (Fundo

das Nações Unidas para a Infância, 2015).

Esse mesmo documento apresenta os homicídios sistemáticos de adolescentes como

uma trágica face das violações de direitos que permanecem ocorrendo mesmo durante a

vigência do ECA. Apesar de ter se tornado referência mundial na redução da mortalidade

infantil, o Brasil, desde o Estatuto, dobrou o número de homicídios de pessoas com até 19 anos,

ocupando, atualmente, o segundo lugar no ranking dos países com maior número de homicídios

de adolescentes.

Nas três últimas décadas, a mortalidade de crianças e adolescentes por causas naturais

(enfermidades e deterioração da saúde) tem diminuído de forma contínua e acentuada.

Entretanto, a participação das causas externas (acidentes, homicídios, suicídios etc.) tem

crescido lenta, mas continuamente, dentre os motivos das mortes desse público. Na faixa etária

entre 16 e 17 anos, os homicídios representam quase metade da mortalidade e há tendência de

aumentar ainda mais sua frequência no futuro. Por um lado, o declínio nas taxas de mortes por

causas naturais pode ser explicado por fatores como a ampliação do acesso da população a

serviços de saúde, saneamento básico e educação no país; por outro, as causas externas crescem

associadas a um problema que tem sido a maior causa de letalidade dos adolescentes e jovens

brasileiros: a violência urbana (Waiselfisz, 2015).

As vítimas dos homicídios têm cor, classe social e endereço: são, em sua maioria,

pessoas negras e pobres que vivem nas zonas periféricas e regiões metropolitanas dos grandes

centros urbanos. Como agravante desse fato, não se conhecem os autores da maior parte dos

casos de assassinatos de adolescentes devido à falta de investigação, o que reforça a impunidade


25

aos agressores e a violência contra os adolescentes. No relatório produzido pelo Fundo das

Nações Unidas para a Infância (2015), é mencionado que, segundo a Associação Brasileira de

Criminalística, entre 92% e 95% dos homicídios em geral cometidos no Brasil não são

solucionados. Ademais, os homicídios de meninos negros e pobres da periferia, por mais que

sejam cotidianos, não causam a mesma comoção que a morte de meninos brancos e isso

contribui para a naturalização do problema, bem como para a associação generalizada e

equivocada dos assassinatos a conflitos entre facções rivais e por tráfico de drogas.

O Mapa da Violência publicado em 2016, ao trazer dados sobre homicídios ocasionados

por armas de fogo no Brasil, apresenta que, apesar de a população jovem de 15 a 29 anos

representar, aproximadamente, 26% dos brasileiros em 2014, ela correspondeu a 60% das

vítimas por armas de fogo daquele ano. O número de homicídios por armas de fogo dentre a

população nessa faixa etária cresceu, de 1980 a 2014, em 699,5%. O pico da concentração de

mortalidade nas idades jovens é aos 20 anos de idade, mas a escalada da violência começa aos

13 anos, quando se quadruplica a incidência da letalidade em relação aos 12 anos e passa a

crescer de forma contínua até a idade de 20 anos.

Esse documento também reforça a cor das vítimas dos homicídios. Entre 2003 e 2014,

as taxas de homicídios por armas de fogo com vítimas brancas caíram 27%, enquanto que,

dentre os negros, esse índice aumentou em 9,9%. A “vitimização negra”4 do país duplicou nesse

período, de modo que, hoje, morrem 2,6 vezes mais negros que brancos vitimados por armas

de fogo no Brasil (Waiselfisz, 2016). No caso específico dos adolescentes, a taxa de homicídios

entre os negros é quase quatro vezes maior que a taxa entre os brancos (Datasus, 2013 como

citado em Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2015).

4
O Mapa da Violência de 2016 entende a “vitimização negra” como sendo “a relação entre as taxas de homicídio
por armas de fogo de brancos e as taxas de homicídios por armas de fogo de negros” (Waiselfisz, 2016, p. 60). O
índice positivo indica o porcentual a mais de mortes de negros que de brancos, e o índice negativo, o contrário.
26

Esses dados apresentam apenas uma das faces que explicitam como o Estatuto da

Criança e do Adolescente, dentre tantas outras leis, não abrange da mesma maneira a toda a

população infanto-juvenil. Como pressuposto teórico da pesquisa aqui apresentada, tem-se o

entendimento de que essa cobertura desigual do ECA não é algo sem propósito, fruto de um

desenrolar natural da história. Compreende-se, ao invés disso, que a seletividade de público

assumida pelas políticas sociais é uma das facetas de um projeto de sociedade que visa

reproduzir desigualdades sociais ao atender os interesses de apenas uma parcela da população.

Esse projeto garante, por exemplo, que, apesar de diferentes adolescentes cometerem atos

infracionais, alguns deles (os pobres, negros e de periferia) pareçam mais merecedores de

responsabilização que outros, sejam mais estigmatizados por isso e sejam os que, de fato, são

direcionados ao sistema socioeducativo. É o que será discutido no tópico a seguir.

1.2 Sistema socioeducativo para quem? Reflexões sobre Estado, políticas sociais e

criminalização da juventude pobre

Neste estudo, parte-se do entendimento de que o Estado, expressando as contradições

das relações sociais e de produção vigentes, expressa, também, os interesses da estrutura de

classe inerente a essas relações.

No final do século XIX, por exemplo, quando da transição do capitalismo concorrencial

para o financeiro, as modificações na dinâmica e no ordenamento econômico implicam em

incidências necessárias na estrutura social e política das sociedades. O capitalismo monopolista

passa a necessitar de uma instância extra-econômica que pudesse garantir e sustentar a sua

existência e esse papel é assumido pelo Estado, que, consequentemente, tem seu funcionamento

redirecionado. Passa a ser papel do Estado, a serviço dos monopólios, propiciar o conjunto de

condições necessárias à acumulação e à valorização do capital monopolista (Netto, 2005).


27

E que condições seriam essas? Passa a ser função estatal essencial a preservação, a

manutenção e o controle da força de trabalho, ocupada e excedente, bem como a regulação de

suas possibilidades de consumo. Para tal, era necessário que, para continuar exercendo sua

função econômica, o Estado agisse em prol da generalização e institucionalização de direitos e

garantias cívicas e sociais.

Assim, o capitalismo monopolista cria condições para que o Estado por ele capturado

seja “permeável a demandas das classes subalternas, que podem fazer incidir nele seus

interesses e suas reivindicações imediatas” (Netto, 2005, p. 29). Nessas circunstâncias, o Estado

burguês passa a intervir contínua e sistematicamente nas expressões dos problemas políticos,

sociais e econômicos que são decorrentes do surgimento da classe operária no processo de

constituição da sociedade capitalista – ou melhor, nas expressões do que se chama de “questão

social”5. Lança-se mão, então, de políticas sociais, no intuito de administrar as consequências

da “questão social”6.

As políticas sociais, apesar de terem como funcionalidade essencial a preservação e o

controle da força de trabalho no sentido de assegurar as condições adequadas ao

desenvolvimento monopolista, acabam por oferecer um mínimo respaldo à imagem do Estado

como social. Porém, não consideram a “questão social” a partir da totalidade processual em que

ela se insere, já que isso significaria remetê-la à relação capital-trabalho e, consequentemente,

questionar a ordem social vigente.

5
No entendimento aqui exposto, a “questão social” consiste na manifestação da contradição capital-trabalho no
cotidiano da vida social. Ela é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo, de sua dinâmica societária. A cada
novo estágio de desenvolvimento desse modo de produção, ela instaura expressões sócio-humanas diferenciadas
e mais complexas, decorrentes da intensificação das relações de exploração. (Netto, 2005)
6
Apesar disso, é importante salientar que, como explicitado por Netto (2005), não se deve entender a
funcionalidade da política social no âmbito do capitalismo monopolista como uma “decorrêcia natural” do Estado
burguês. A vigência do monopólio coloca a possibilidade dessa insurgência, mas a concretização das políticas
sociais é contingenciada, também, pela luta de classes. Segundo o autor, “não há dúvidas de que as políticas sociais
decorrem fundamentalmente da capacidade de mobilização e organização da classe operária e do conjunto dos
trabalhadores, a que o Estado, por vezes, responde com antecipações estratégicas” (Netto, 2005, p.33).
28

Sendo assim, a intervenção estatal sobre a “questão social” se realiza de forma

fragmentada e parcializada, de modo que a política social deve constituir-se, necessariamente,

em políticas sociais, no plural. As sequelas da “questão social” são recortadas na intervenção

estatal e enfrentadas como problemáticas particulares – políticas de combate à fome, de

combate ao desemprego, política educacional, habitacional etc. Assim, as prioridades no campo

social são definidas a partir de políticas setorizadas.

Se as políticas sociais não dão respostas ao fenômeno da desigualdade social em si, elas

apenas repõem sobre novas bases o processo de produção e reprodução do capitalismo, mas

não o superam. Por isso, concorda-se aqui com Lacerda Jr (2015) que essas políticas são

incapazes de produzir emancipação às pessoas que dela se utilizam. Isso associa-se a algo para

que Demo (1990) chama a atenção: na prática, é incoerente que o Estado planeje sua própria

superação e, por isso, de modo geral, as políticas sociais não preveem a auto-sustentação das

comunidades. Pelo contrário, buscam criar dependência por parte da população, domesticá-la,

e esconder o efeito de desmobilização que operam com isso.

Com base nisso, Pedro Demo (1990) apresenta o conceito de “pobreza política”, cujo

significado diz respeito à “dificuldade de formação de um povo capaz de gerir seu próprio

destino” (Cruz, 2010, p.112). Esse termo anuncia a existência de um grupo de pessoas que, de

modo naturalizado, é marginalizado e privado de direitos, pois vive em estado de manipulação

e dependência sem que tenha consciência disso – ou seja, é coibido de organizar-se em defesa

de seus direitos. O caráter político da pobreza, logo, diz respeito não apenas à falta de acesso

satisfatório a recursos capazes de suprir necessidades básicas, mas também ao fato de serem

minadas as possibilidades de organização social para reversão desse quadro.


29

Mesmo assim, é importante apostar na defesa das políticas sociais como uma forma

necessária de resistência à ofensiva neoliberal7. É certo que, via políticas sociais, abre-se apenas

o espaço para a reforma, em vez da transformação de um modelo societário propriamente dita.

Porém, a partir delas é possível estabelecer condições que podem viabilizar mudanças sociais

significativas (Demo, 1990).

No atual contexto de neoliberalismo, além das características de fragmentação e

parcialização, as políticas sociais sofrem a influência da regressão do gasto público no setor

social 8 e são “refuncionalizadas” 9 , o que significa dizer que passam por um processo de

precarização e privatização dos serviços. A precarização se dá por duas vias: pela

descentralização, na qual a responsabilidade pela oferta dos serviços é transferida aos níveis

locais de governo, o que contribui para a deterioração e para os poucos financiamentos dos

serviços; e pela focalização, a qual realiza um corte discriminatório na oferta dos serviços

sociais básicos, passando a ser necessário atestar “condição de pobreza” para utilizá-los.

Por sua vez, a privatização dos serviços transforma-os em mercadorias, inserindo-os em

uma lógica de consumo mais que de direitos, e devolve-os, total ou parcialmente, ao cargo da

filantropia, transferindo para o âmbito da sociedade civil parte da responsabilidade pela oferta

deles (Yamamoto, 2007). As consequências desse processo se traduzem em um atendimento

7
Os pilares do neoliberalismo são a minimização do Estado (garantidor de direitos sociais e políticos; mas a
maximização do Estado à serviço do capital) e a liberdade de mercado. Diante da necessidade de liberalizar os
mercados, o projeto neoliberal tem, como um de seus desdobramentos, a (contra)reforma do Estado, ou seja, o
esvaziamento de conquistas sociais, trabalhistas, políticas e econômicas desenvolvidas anteriormente. Para os
neoliberais, os gastos sociais contribuem com a condução a uma situação geral de crise econômica e política, sendo
necessária a redução da intervenção estatal no financiamento e na operacionalização das políticas sociais. Propõe-
se, nesse contexto, a substituição das políticas sociais por programas de combate à pobreza, trocando a
universalidade pela focalização das ações (Montaño & Duriguetto, 2011).
8
É necessário ressaltar que, concordando-se com Yamamoto e Oliveira (2010), considera-se inadequado interpretar
os governos de Luís Inácio Lula da Silva (como também o de Dilma Rousseff) como meras continuidades dos
governos anteriores (de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso), de caráter abertamente
neoliberal. São inegáveis as modificações positivas nas condições de vida de parte da população, especialmente
as que, historicamente, têm seus direitos violados mais frequente e sistematicamente. Entretanto, no tocante às
políticas sociais, não houve, nesses governos, uma ruptura com a priorização de programas focalizados e
compensatórios em detrimento dos universalistas e redistributivos.
9
Como discutido por Montaño (2002) e por Yamamoto (2007).
30

segmentado que proporciona serviços de qualidades diferenciadas a depender da capacidade de

pagamento do usuário (Yamamoto & Oliveira, 2010).

Como acréscimo a essas questões, Wacquant (1999) apresenta uma outra característica

associada à lógica neoliberalista e à decadência do Estado keynesiano10: o fortalecimento das

forças repressivas estatais é concomitante e complementar à retração dos gastos públicos

sociais.

Em seu livro “Punir os pobres” (Wacquant, 2003), o autor, a partir de uma análise da

realidade carcerária dos Estados Unidos desde a década de 1970 até o final da de 1990, explica

que a diminuição nos gastos com políticas sociais gerara, naquele país, um fluxo crescente de

famílias e indivíduos sem acesso a empregos e sem condições mínimas de vida nas periferias

das cidades. Essas pessoas, muitas vezes, lançavam mão de meios considerados ilegais para

complementação de renda e suprimento de suas necessidades básicas e, em resposta a isso, o

Estado passou a desenvolver suas funções repressivas e usá-las em substituição às caritativas

para punir tais sujeitos.

Nessa lógica, o Estado passa a punir mais e por mais tempo atos que antes não eram

passíveis de penas. Disseminam-se teorias que sustentam a penalização em massa, como a

“teoria das janelas quebradas”11, a qual defendia enfaticamente a necessidade de se punir os

pequenos delitos para prevenir futuras infrações mais graves. A partir desse entendimento, a

10
O Estado keynesiano é caracterizado por intervir na economia a partir da assunção de papel protagônico no
sistema de regulação social. Em prol da sustentação das condições para acumulação capitalista, o Estado passa a
se ocupar: da criação das condições gerais de produção (como os meios de transporte e de comunicação); da
repressão às ameaças ao modo de produção e acumulação (via polícia, sistema judiciário e penitenciário, por
exemplo); e da integração das classes subalternas e da legitimação da ordem (mediante o desenvolvimento da
lógica vinculante da democracia). Sendo assim, o Estado keynesiano, por exemplo, ocupa-se em oferecer políticas
sociais (visando recompor a população como força de trabalho) e manter as condições de consumo em massa,
retirando parcialmente a responsabilidade do capitalista com os custos de reprodução da força de trabalho
(Montaño & Duriguetto, 2011).
11
A Broken windows theory foi formulada em 1982 por James Q. Wilson e George Kelling e sustenta que é
impedindo ou punindo as pequenas infrações cotidianas que se previne as grandes patologias criminais. Essa teoria,
apesar de servir de álibi ao programa da tolerância zero, que se espalhou dos Estados Unidos para a Europa e a
América Latina, nunca foi comprovada empiricamente (Wacquant, 1999).
31

atividade policial é reorganizada com base no programa da “tolerância zero”: eleva-se

massivamente o orçamento policial e aumenta-se o seus poderes e liberdades no agir “para

perseguir agressivamente a pequena delinquência e reprimir os mendigos e os sem-teto nos

bairros deserdados” (Wacquant, 1999, p.16).

A reorganização policial que se embasa nessa proposta tem o objetivo de refrear o medo

das classes médias e superiores a partir da perseguição permanente dos pobres nos espaços

públicos, como se a presença destes já fosse, por si só, um indício de criminalidade. Amplia-se

a sensação de insegurança e, ao mesmo tempo, faz-se parecer que se está lutando

incessantemente contra ela. Diante da necessidade de encontrar novos perigos que justifiquem

a intervenção policial, busca-se, desesperadamente, por um inimigo, o qual é personalizado nos

“pequenos passadores de droga, as prostitutas, os mendigos, os vagabundos e os pichadores.

Em suma, o subproletariado que suja e ameaça” (Wacquant, 1999, p.17).

Opera-se, então, uma “política estatal de criminalização das consequências da miséria

de Estado” (Wacquant, 2003, p. 27), em que este pune parte da sociedade por uma problemática

que ele mesmo contribuiu para causar. Para isso, transformam-se os serviços sociais em

serviços de vigilância e de controle das “novas classes perigosas” (Wacquant, 2003, p. 28) e

usa-se o encarceramento como recurso maciço e sistemático, aumentando-se a duração da

detenção e o volume dos condenados à prisão. Tem-se, pois, uma nova forma de governar a

miséria, em que “a criminalização da marginalidade e a ‘contenção punitiva’ das categorias

deserdadas faz as vezes de política social” (Wacquant, 2003, p.19). Ou seja, ao “menos Estado”

social sucede o “mais Estado” policial e penal.

Nessa lógica, a pobreza é identificada, automaticamente, como classe perigosa e agente

do crime, assim como as regiões onde habita são consideradas áreas “de risco”. Com base nisso,

justifica-se uma diferenciação de determinada parte da população enquanto “outro” inferior,


32

que merece um tratamento repressivo e punitivo porque, aparentemente, é dele que provêm

todas as mazelas sociais. Como afirma Zaffaroni:

A essência do tratamento diferenciado que se atribui ao inimigo consiste em que o

direito lhe nega sua condição de pessoa. Ele é considerado sob o aspecto de ente daninho

ou perigoso. Por mais que a ideia seja matizada, quando se propõe estabelecer a

distinção entre cidadãos (pessoas) e inimigos (não-pessoas), faz-se referência a certos

seres humanos que são privados de certos direitos individuais, motivo pelo qual

deixaram de ser considerados pessoas (Zaffaroni, 2007, p.18).

O encarceramento em larga escala alimenta uma indústria cultural do medo dos pobres,

a qual é amplamente difundida pela mídia e contribui para uma verdadeira demonização de

grupos sociais periféricos. Wacquant fala sobre os habitantes dos guetos estadunidenses algo

que se assemelha ao que ocorre, também, no Brasil, em relação a alguns grupos sociais:

Sua demonização permite que seja simbolicamente isolado e descartado, justificando

assim uma política de Estado que combina medidas punitivas, como os programas de

trabalho forçado, a “Guerra às drogas” (que é acima de tudo uma guerrilha contra os

viciados e os traficantes das áreas de gueto) e políticas penais que levaram à duplicação

da população prisional (...) É principalmente a “sensação de animosidade, de

desconfiança e de desprezo” inspirada pelos negros do gueto no restante da sociedade

norte-americana, que serve para consolidar essa categoria (Wacquant, 2008, p.50).

Apesar de as análises de Wacquant basearem-se na experiência e na história

estadunidense, esse modelo de encarceramento em massa e de leis penais cada vez mais rígidas

tem servido de inspiração e tem se concretizado no Brasil. O cenário brasileiro tem a agravante

peculiaridade da tradição de controle dos miseráveis pela força, a qual remonta à escravidão e

aos conflitos agrários.


33

Aqui, a intervenção da força policial vem cumprindo, historicamente, o papel de

conceder o aval do Estado em penalizar a miséria e, a partir disso, tornar invisível e assentar a

dominação étnico-racial. A violência policial apoia-se num viés hierárquico e paternalista de

cidadania que opõe os “cultos” e os “marginais”, de modo que a manutenção da ordem de classe

e a manutenção da ordem pública se confundem. Assim, o conjunto de classes sociais tende a

identificar a defesa dos direitos do homem com tolerância à “bandidagem” (Wacquant, 1999).

Esses processos descritos por Wacquant desmantelam a compreensão sobre causa e

consequência de problemas sociais e atribuem à pobreza a responsabilidade por eles. Tem-se,

pois, uma criminalização da pobreza mediante práticas sociais e estatais que buscam dar conta

do excedente da miséria que não está sendo administrada por políticas sociais.

O pensamento neoliberal afirma a separação, de modo estanque, dos aspectos

econômicos dos sociais, fazendo parecer que o crescimento econômico deve acontecer a

despeito da distribuição de bens, riquezas e da educação. Nessa lógica, a dimensão social é

também separada da individual, de modo que a responsabilidade por situações macroestruturais

(como o desemprego e a fome, por exemplo) é atribuída a um suposto fracasso dos indivíduos.

No âmbito dos adolescentes autores de atos infracionais, tem-se um exemplo da

individualização de questões macroestruturais quando se leva em conta o tratamento que esses

sujeitos recebem. Diante da apuração de um ato infracional, não se prioriza questionar que

circunstâncias conjunturais, sociais ou institucionais da ordem social vigente contribuíram para

aquele ato. Não é dada prioridade para o entendimento de que o ato infracional, como o crime,

é um sintoma de um conjunto de situações cotidianas que os jovens experimentam e

que, se vamos além das aparências e das explicações causa-efeito, podem revelar

precariedades institucionais (escola, família), fracasso de instituições reguladoras da

convivência social (o sistema de justiça) e ambivalências da sociedade brasileira

(Malvasi & Teixeira, 2010, p.74-75).


34

A ação padrão, por outro lado, é tomar aquele evento como problema de polícia e

explicá-lo como sendo resultado de “patologias”, “desestrutura familiar”, “envolvimento com

drogas”, “ausência do pai” e/ou “pobreza”, por exemplo, ao mesmo tempo em que se atribui o

rótulo de “delinquente” ao adolescente. Como consequência, a resposta do Estado não se dá

com políticas públicas que garantam o exercício de direitos, mas com as que tratam os

“desviantes”, porque neles reside a origem do problema12 (Malvasi & Teixeira, 2010).

Tem-se, pois, que a ausência de uma análise crítica e de uma visão de totalidade dos

fatos acaba por contribuir para individualizar as expressões da “questão social”. Culpabiliza-se

e criminaliza-se o sujeito pela situação em que se encontra, transferindo-se a responsabilidade

pela proteção social do Estado para a família e para os indivíduos.

No caso das medidas socioeducativas, que, da forma como vem funcionando, reforçam

a associação entre pobreza e criminalidade, Sartório (2007) chama a atenção para a ocorrência

da “judicialização da questão social”. Nesse processo, a “questão social” configura-se como

pano de fundo para a questão jurídica: por trás da inserção do adolescente no sistema de justiça,

estão materializadas (e negligenciadas), no próprio ato infracional, as mediações da “questão

social” – por exemplo, nos casos de envolvimento de adolescentes em furtos de natureza

patrimonial, no tráfico de drogas e na permanência deles em situação de rua. Apesar disso,

priorizam-se os rituais jurídicos que viabilizam a responsabilização do adolescente, sem que

seja dada maior atenção ao seu contexto de vida e às contingências envolvidas no cometimento

do ato infracional.

O discurso de criminalização da pobreza vem sendo cotidiana e deliberadamente

reforçado pela mídia, especialmente no que se refere à culpabilização de adolescentes e jovens

pobres pelos altos índices de violência no país. Njaine e Minayo (2002), analisando o discurso

12
Em relação ao SINASE, apesar de seu texto legal ser afirmativo quanto às garantias dos direitos dos adolescentes
e ao desenvolvimento de sua cidadania, seu modo de funcionamento tem reproduzido a lógica punitiva de
culpabilização do indivíduo, como será discutido no próximo capítulo.
35

da imprensa do Rio de Janeiro sobre rebeliões de adolescentes em privação de liberdade,

apontam que os meios de comunicação, ao referirem-se a crianças e adolescentes, centram-se

muito mais na “delinquência” que na “vitimização” dos mesmos e tendem a forjar uma imagem

negativa e preconceituosa, especialmente sobre os últimos.

As autoras apresentam que, ao noticiarem sobre adolescentes autores de atos

infracionais, as matérias jornalísticas, de um modo geral, são carregadas de preconceito e

discriminação, legitimam a ação repressora e violenta contra eles e pouco ouvem os

adolescentes ou revelam as problemáticas sociais e institucionais que permeiam tais eventos. O

estudo denuncia o tratamento descontextualizado na abordagem das notícias indicando que, em

seus conteúdos, há pouca informação sobre o ECA e as medidas socioeducativas; os

adolescentes são apresentados como pessoas irrecuperáveis, e não como pessoas em

desenvolvimento; e que os atos infracionais cometidos contra a pessoa são exacerbados,

quando, na verdade, eles representam a menor parcela dos atos praticados.

Njaine e Vivarta (2006) acrescentam que, de modo geral, os jornalistas reproduzem a

prática de tratar o fenômeno a partir do fato violento em si, desconsiderando as causas e o

contexto, sendo isso agravado quando se trata de redações que mantêm a figura do repórter

policial ou nas chamadas editorias de polícia. Esse cenário acaba por, em nome da

espetacularização das informações, distorcer os fatos e produzir verdades não condizentes com

o que ocorre na realidade, o que se faz totalmente irresponsável quando se considera a

abrangência do papel da mídia:

Além de influenciar comportamentos, os meios de comunicação contribuem

concretamente para a construção de políticas públicas, na medida em que agenda

debates na sociedade e, consequentemente, nas instâncias governamentais. Ao

determinarem quais temas terão destaque nas discussões na esfera da sociedade, tornam-

se o fiel da balança com poder, por exemplo, para fazer prevalecer políticas públicas de
36

segurança com perfil repressivo ou preventivo. Portanto, muito mais que fomentador do

comportamento violento de um cidadão, a mídia deve ser entendida como instrumento

de controle social que contribui (ou não) para que o Estado assuma definitivamente seu

papel à frente dessas questões (Njaine & Vivarta, 2006, p. 73).

Exemplo disso consiste na contradição entre o clamor com que a mídia costuma

apresentar os atos infracionais apresentados por adolescentes – como se eles fossem os

principais responsáveis pelos altos índices de violência no Brasil – e a constatação, a partir de

dados empíricos, da baixa porcentagem que esses atos representam no contexto geral do país.

Dados do ano de 2012 mostram que a quantidade de adolescentes responsabilizada por atos

infracionais representa apenas uma pequena parcela da população total de adolescentes

brasileiros: só 0,10% cumpriam medida privativa e restritiva de liberdade naquele ano e 0,41%,

medidas em meio aberto (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014).

Os atos contra a pessoa (homicídio, latrocínio, lesão corporal e estupro) cometidos por

adolescentes representavam, em 2013, apenas 12,7% do total de infrações, apesar de, no geral,

serem os mais veiculados na mídia. Na verdade, são o roubo, o furto e o tráfico de drogas os

atos que apresentam maior incidência (67%), com destaque para o primeiro (Silva & Oliveira,

2015). Ademais, o Ministério da Justiça divulgou em sítio virtual do Portal Brasil, em 03 de

junho de 2015, que os adolescentes são responsáveis por apenas 0,9% dos atos contra a lei

praticados no Brasil. O percentual chega a ser ainda menor, 0,5%, quando se consideram

homicídios e tentativas de homicídio (Cidadania e Justiça, para. 1).

Por outro lado, conforme já mencionado neste trabalho, a população jovem de 15 a 29

anos corresponde a 60% das vítimas por armas de fogo, segundo dados de 2014 (Waiselfisz,

2016), e os adolescentes negros apresentam taxa de homicídio quase quatro vezes maior do que

os brancos. Ao mesmo tempo, a média de investigação de homicídios no Brasil é de apenas 5%

a 8% (Observatório de Favelas & Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2011, como citado
37

em Silva & Oliveira, 2015), o que configura uma realidade de impunidade aos que vitimam

esses jovens. Apesar de os homicídios representarem quase a metade da mortalidade de

adolescentes na faixa etária de 16 e 17 anos de idade e existir a tendência de esses dados

agravarem-se ainda mais no futuro (Waiselfisz, 2015), não são esses índices alarmantes os

amplamente divulgados pela mídia para provocar indignação na opinião pública.

Ou seja, como afirma Fefferman:

Ocorre uma escamoteação dos dados da realidade, promovendo a violência como um

produto rentável e aguçando a sensação de medo, tendo como consequência uma

exigência quase que popular para o recrudescimento da intervenção punitiva. O

sensacionalismo e o que é espetacular tornam-se ingredientes imprescindíveis para a

efetivação dessa cultura. Os meios de comunicação tornam-se banais e as informações

são distorcidas, também com o propósito de mascarar a realidade. A frequência com que

são apresentadas tais cenas cria por um lado uma sensação de insegurança e, por outro,

uma banalização e naturalização desses fatos (Fefferman, 2013, p.63).

A autora indica que, assim, o medo é utilizado como estratégia para legitimar práticas

autoritárias, disciplinadoras e de controle das classes populares, que são as apontadas como

culpadas por semear a desordem social e moral da cidade. As características que tipificam a

figura do “criminoso” são, nessa lógica, as mesmas que caracterizam a pobreza como condição

de vida.

Apesar da associação ideológica entre pobreza e violência, sabe-se que, na verdade,

adolescentes pertencentes a todas as classes sociais cometem atos infracionais. Contudo,

aqueles que cumprem medidas socioeducativas são, sobretudo, os pobres, negros, moradores

de periferias dos centros urbanos e que possuem acesso precário a direitos básicos, como saúde

e educação, ofertados por serviços também precarizados. Ou seja, a seletividade do sistema

socioeducativo (como ocorre no penitenciário) como política social assegura o recorte de um


38

público-alvo que é, justamente, o que vive as consequências diretas dos processos de

desigualdade social e inclusão perversa13, circunstâncias de vida estas que estão diretamente

atravessadas por manifestações da “questão social”. Aliás, é também esse o público que

constitui a maior parcela de vítimas de homicídios por armas de fogo no país.

Segundo Silva e Oliveira (2015), apesar de não haverem dados recentes, informações

do Ministério da Justiça em pesquisa conjunta com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(IPEA), em 2003, mostraram que: mais de 60% dos adolescentes que cumpriam medida de

privação de liberdade eram negros, 51% não frequentavam a escola, 49% não trabalhavam

quando cometeram o ato infracional e 66% viviam em famílias consideradas extremamente

pobres. As autoras identificam que “o fenômeno contemporâneo do ato infracional juvenil está

associado não à pobreza ou à miséria em si, mas, sobretudo, à desigualdade social, e à

dificuldade no acesso às políticas sociais de proteção implementadas pelo Estado” (Silva &

Oliveira, 2015, p. 15). Ainda, complementam que uma diferença entre os adolescentes

provenientes de famílias abastadas e os de famílias pobres é que aqueles

possuem mais recursos para se defenderem, sendo mais raro terminarem sentenciados

[...], ao passo que os adolescentes mais pobres, além de terem seu acesso à justiça

dificultado, ainda são vítimas de preconceitos de classe social e de raça, comuns nas

práticas judiciárias (Silva & Oliveira, 2015, p. 16).

A sensação de insegurança e o espetáculo da violência encobrem questões como a

desigualdade social, o desrespeito ao direito ao trabalho e ao salário justo e a

desresponsabilização do Estado perante os direitos dos cidadãos. Além disso, direcionam o

13
A ideia de “inclusão perversa”, diferentemente da de “exclusão”, reforça que, na sociedade capitalista, a aparente
negação de parcelas populacionais (por meio de sua exploração e opressão) é, na verdade, condição de existência
dessa ordem social, que se ampara na desigualdade (Sawaia, 1999). Essa inclusão é perversa porque se dá por
meio de insuficiências e de privações a determinado grupo populacional, as quais são necessárias para manter o
circuito reprodutivo da economia.
39

tratamento dos atos infracionais como “casos de polícia”; reforçam a intervenção punitiva via

encarceramento como fator principal para remediar a situação; e fortalecem argumentos

falaciosos como o da suposta necessidade da redução da idade penal para solucionar a

problemática da violência14. Por esse tipo de abordagem dos meios de comunicação, junto à já

mencionada abstenção do Estado em proporcionar políticas de proteção social a uma classe

social específica, fala-se não apenas em criminalização da pobreza, mas, mais especificamente,

em criminalização da juventude pobre e negra.

São esses adolescentes – os pobres, negros, moradores de periferia – os principais alvos

do sistema de atendimento socioeducativo, a despeito de não serem eles os únicos a cometerem

atos infracionais. Diante dessa constatação, é inevitável retornar ao que fora discutido no tópico

anterior – sobre o histórico de atendimento a crianças e adolescentes no Brasil – e perceber que

a lógica da diferenciação no tratamento estatal e social a essa população se perpetua mesmo

após o ECA. Mesmo com a proposta de mudança de paradigma inaugurada pelo Estatuto, da

situação irregular para a proteção integral, os “menores” ainda figuram nas reportagens

policialescas e na apreensão sociocultural sobre esses adolescentes. E isso tem consequência

direta sobre o modo como vem funcionando o sistema socioeducativo no país, como será

discutido no capítulo que segue.

14
No período de construção deste trabalho, o debate sobre a redução da maioridade penal voltou à tona, com a
proposição da substituição dos 18 pelos 16 anos. O mote da discussão foi a votação da Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 171/93, a qual estabelece que os adolescentes maiores de 16 anos que cometam atos
infracionais equivalentes a crimes hediondos passem a ser julgados de acordo com o Código Penal. Em agosto de
2015, a PEC foi aprovada na Câmara dos Deputados, devendo ser votada, a partir de então, no Senado. A PEC
171 vem sendo amplamente divulgada na mídia como uma solução para a redução da violência, em concordância
com a lógica de criminalização da juventude pobre e negra e com a culpabilização falaciosa dos jovens como
principais responsáveis pelos altos índices de violência no país. Pesquisa do instituto DataFolha, publicada
virtualmente em 24/04/2015 na seção “Opinião pública”, apontou que 87% da população era favorável à aprovação
da proposta.
40

CAPÍTULO 2: A POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

2.1 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

Vinte e dois anos decorreram desde a promulgação do ECA até a aprovação de uma lei

que respaldasse o atendimento socioeducativo ao adolescente autor de ato infracional no país.

Foi em 2012 que a chamada Lei do SINASE (Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012) foi

promulgada, sendo, através dela, pormenorizada a execução do atendimento socioeducativo e

definidas as atribuições dos entes federados e dos demais agentes nesse processo. Hoje, o

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo consiste na política social voltada para o

acolhimento, proteção e responsabilização do adolescente autor de ato infracional.

A construção do SINASE teve por base diferentes normas internacionais e foi fruto de

um processo longo de discussões. Por iniciativa do Conselho Nacional dos Direitos da Criança

e do Adolescente (CONANDA) e após um amplo diálogo com diversos atores do Sistema de

Garantia de Direitos, o SINASE foi instituído como norma de referência em 2006, pela

Resolução n. 119 do CONANDA. Apesar de já haver, aí, a conformidade com o ECA na

previsão da garantia da proteção integral aos adolescentes autores de ato infracional e no

reconhecimento destes como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, a resolução

não era suficiente para abarcar normatizações relativas à atividade de juízes e demais atores do

SGD. Era necessária maior legitimidade e estabilidade legal ao SINASE, o que foi obtido

mediante instituição de uma lei federal, seis anos depois, em 2012 (Paiva & Cruz, 2014).

O SINASE, como lei, em seu artigo 1º, demarca que as medidas socioeducativas

possuem três objetivos: 1) a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas

do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; 2) a integração social

do adolescente e a garantia de seus direitos, mediante cumprimento de seu Plano Individual

de Atendimento; e 3) a desaprovação da conduta infracional. Tendo isso em vista, é notável


41

que a proposta das medidas socioeducativas mostra-se contrária ao modo de funcionamento

puramente punitivo e asilar que imperou durante os Códigos de Menores.

Apesar de ainda adotar a responsabilização como medida punitiva, a proposta do

SINASE é eminentemente pedagógica. A ideia é garantir que, ao mesmo tempo em que o

adolescente é responsabilizado pelo ato infracional cometido, sejam asseguradas condições que

promovam o seu desenvolvimento como pessoa e cidadão: seus vínculos familiares e

comunitários devem ser fortalecidos, seu direito à educação, à saúde, ao esporte e ao lazer

devem ser respeitados e sua profissionalização, desenvolvida. A garantia desses direitos deve

respaldar e possibilitar a interrupção da trajetória infracional.

Porém, a noção de “socioeducação” que embasa as medidas ainda é imprecisa. Ela surge

no ECA não na sua forma substantiva, mas adjetivando termos como “atendimento

socioeducativo” ou “política socioeducativa”. Desse modo, existe uma lacuna teórica quanto à

compreensão do que significa, de fato, esse termo e de como ele pode amparar a materialização

de intervenções consistentes e promotoras do desenvolvimento dos adolescentes. Abre-se

margem, então, para a execução de práticas arbitrárias e divergentes entre si sob o mesmo rótulo

de “socioeducação”, inclusive as ações de caráter meramente punitivo e/ou as de cunho

preponderantemente técnico-burocráticas (Bisinoto et al., 2015).

Concorda-se, aqui, com Pinto e Silva (2014) no entendimento de que a socioeducação

vai além da responsabilização do adolescente. Ela consiste na preparação para o convívio social

e, nesse sentido, deve abranger e fazer parte do processo de formação de toda e qualquer criança

e adolescente, independentemente de ter sido cometimento ato infracional. Para todas as

crianças e adolescentes reserva-se o direito a saúde, escolarização, profissionalização,

convivência familiar e comunitária, espiritualidade, cultura, esporte e lazer – e isso não é

diferente para os autores de ato infracional. A socioeducação está, pois, alinhada à compreensão
42

desse adolescente como sujeito de direitos e pessoa em situação peculiar de desenvolvimento

inaugurada no ECA.

No mesmo sentido, Bisinoto et al. (2015) afirmam que

A socioeducação, portanto, situa-se nesse vasto campo da educação social, apoiando-se

na concepção de uma educação fortemente social, pautada na afirmação e efetivação

dos direitos humanos, com compromisso com a emancipação e autonomia de cada

sujeito em sua relação com a sociedade. A socioeducação se orienta por valores de

justiça, igualdade, fraternidade, entre outros, tendo como objetivo principal o

desenvolvimento de variadas competências que possibilitem que as pessoas rompam e

superem as condições de violência, de pobreza e de marginalidade que caracterizam sua

exclusão social (Bisinoto et al, 2015, p. 581-582).

Em consonância com esse entendimento, o termo “socioeducação” é, hoje, aplicado para

além do âmbito dos adolescentes responsabilizados por atos infracionais – por exemplo, no

contexto do acolhimento institucional para crianças e adolescentes. Realizar uma prática

efetivamente socioeducativa no âmbito do SINASE implica, então, contemplar, para além do

processo judicial, a participação e o envolvimento do adolescente em uma ampla rede de

atendimento intersetorial que possa exercer influência sobre a sua vida, mediar reflexões acerca

de sua identidade e favorecer a elaboração de um projeto de vida que não mais envolva a quebra

do pacto de convivência com o coletivo (Bisinoto et al., 2015).

Sobre isso, inclusive, a resolução do CONANDA sobre o SINASE aborda que:

O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que contribua na

sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de se

relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua

circunstância e sem reincidir na prática de atos infracionais. Ele deve desenvolver a

capacidade de tomar decisões fundamentadas, com critérios para avaliar situações


43

relacionadas ao interesse próprio e ao bem-comum, aprendendo com a experiência

acumulada individual e social, potencializando sua competência pessoal, relacional,

cognitiva e produtiva.

Os parâmetros norteadores da ação e gestão pedagógicas para as entidades e/ou

programas de atendimento que executam a internação provisória e as medidas

socioeducativas devem propiciar ao adolescente o acesso a direitos e às oportunidades

de superação de sua situação de exclusão, de ressignificação de valores, bem como o

acesso à formação de valores para a participação na vida social, vez que as medidas

socioeducativas possuem uma dimensão jurídico-sancionatória e uma dimensão

substancial ético-pedagógica (Secretaria Especial dos Diereitos Humanos, 2006, p. 46).

Ou seja, a dimensão ético-pedagógica das medidas socioeducativas requer o pleno

funcionamento do SGD, o qual deve amparar a vida do sujeito antes, durante e após o

cumprimento de medida.

Assim sendo, o chamado “atendimento socioeducativo” encontra-se em um conflito

conceitual: se a socioeducação é algo que abarca toda a infância e a adolescência e o seu acesso

aos diversos direitos, por que são as medidas voltadas para uns adolescentes, os que cometem

ato infracional, as consideradas socioeducativas? Mesmo compreendendo a possibilidade de

um viés de não eximir esses adolescentes do direito à socioeducação, entende-se, também, que

isso acabou por atrelar uma visão pejorativa à proposta da socioeducação e faz pensa-la,

intuitivamente, a partir de um viés punitivo, em que a educação se associa à obrigatoriedade e

à sanção.

A prática do SINASE é permeada por um princípio central na garantia da qualidade do

atendimento socioeducativo e da promoção dos direitos do adolescente: a incompletude

institucional. Isso quer dizer que seu funcionamento deve ocorrer de modo correlacionado com

diferentes políticas públicas, integrando a rede de serviços intersetorial – por exemplo, saúde,
44

educação, assistência social, segurança pública e justiça. Dentro do SGD coexistem diversos

subsistemas que tratam de situações peculiares e que se comunicam e se influenciam entre si.

O SINASE é apenas um desses subsistemas e, portanto, deve funcionar como uma referência

que irá viabilizar a inserção e o trânsito dos adolescentes nos diferentes equipamentos sociais

intersetoriais (Teixeira, 2006). Mesmo os centros de privação de liberdade são incapazes de

suprir sozinhos todas as necessidades dos adolescentes, sendo necessária permanente

articulação com os serviços externos à instituição.

Aliás, sobre a articulação com os serviços e programas dos demais subsistemas do SGD,

é importante salientar que a responsabilidade do programa de atendimento socioeducativo vai

além do encaminhamento formal do adolescente para outros equipamentos sociais – por

exemplo, mediante fornecimento de endereço e instruções ou viabilização de transporte. É

imprescindível que a equipe de atendimento socioeducativo forneça suporte para a manutenção

do adolescente em outros serviços, através, por exemplo, do contato com a equipe do local em

que ele foi incluído e do seu acompanhamento direto (Escola Nacional de Socioeducação,

2015a).

Além do diálogo intersetorial dos diferentes subsistemas do SGD, o funcionamento do

atendimento socioeducativo é constituído pelas ações, programas e serviços promovidos nas

diferentes esferas de governo, estaduais/distrital e municipais. Cada um desses sistemas

integram o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo de acordo com suas

competências previstas em lei.

O funcionamento interno dos serviços de atendimento socioeducativo são guiados por

planos de atendimento, os quais devem incluir, além de um diagnóstico da situação do SINASE

em cada esfera (nacional, estadual, distrital e municipal), as diretrizes, os objetivos, as metas,

as prioridades, as ações intersetoriais e as formas de financiamento e gestão das ações de


45

atendimento pelos dez anos seguintes à elaboração dos planos15. Além dos planos nacionais,

estaduais e municipais, cada programa de atendimento socioeducativo deve elaborar um projeto

político-pedagógico e tê-lo registrado documentalmente sob domínio de toda a equipe técnica.

A partir dele, é possível que as práticas institucionais de diferentes profissionais tenham o

mesmo foco, as mesmas prioridades e possam ser avaliadas e monitoradas em conjunto

(Secretaria dos Direitos Humanos, 2006).

A execução das medidas socioeducativas devem ser regidas por nove princípios,

segundo a lei 12.594/2012. A legalidade, um deles, além de firmar que o adolescente não pode

receber tratamento mais gravoso que o adulto, garante que os adolescentes não podem fazer ou

deixar de fazer coisa alguma senão em virtude da lei. O princípio da excepcionalidade da

intervenção judicial e da imposição de medidas evita a banalização da ação do Estado em

situações cotidianas do adolescente e de sua família, bem como a sobreposição de uma medida

socioeducativa a outra que já esteja sendo cumprida pelo adolescente. Esse mesmo princípio

favorece a utilização de meios de autocomposição de conflitos, como a mediação e a

conciliação. O princípio da prioridade a práticas ou medidas restaurativas busca substituir

a punição do adolescente pela restauração da paz entre as partes, sempre que se entenda que

essa seja a estratégia que melhor atenda ao objetivo de integração social do adolescente.

O princípio da proporcionalidade em relação ao ato cometido desautoriza aplicações

de medidas desproporcionais à situação do adolescente e salienta que a ofensa cometida não é

o único e nem o principal fator considerado na determinação da medida socioeducativa a ser

cumprida, tendo em vista o objetivo socializador da mesma. Este objetivo também é resgatado

e reforçado no princípio do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no

processo socioeducativo e no da brevidade da medida a ser cumprida. Seguindo esta última,

15
O Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo vigente foi publicado no ano 2013.
46

o cumprimento deverá ter curta duração, com vistas à emancipação do socioeducando o mais

rápido possível.

A individualização da medida socioeducativa é princípio que respeita a dignidade do

adolescente e a isonomia, tratando-o de forma personalizada conforme suas singularidades. A

não discriminação do adolescente também é princípio que decorre da dignidade da pessoa

humana, além de assegurar o respeito aos direitos fundamentais. Por fim, o princípio da mínima

intervenção prevê que as ações estejam restritas ao necessário para que se cumpram os

objetivos da medida. Esses princípios listados devem embasar a execução de todas as medidas

socioeducativas, apresentadas pelo ECA e pelo SINASE, independentemente de suas diferenças

operacionais.

As medidas distinguem-se em seis tipos, podendo ser cumpridas em meio aberto –

situações em que o adolescente permanece residindo em sua comunidade e em seu ambiente

familiar – ou em privação/restrição de liberdade. O primeiro grupo (as que ocorrem em meio

aberto) abarca a advertência, a obrigação de reparar o dano 16 , a prestação de serviço à

comunidade e a liberdade assistida. Já dentre as que privam ou restringem a liberdade do

adolescente, há o regime de semiliberdade e a internação em estabelecimento educacional.

Coerente com a primazia do caráter pedagógico frente ao sancionatório, bem como com

o reconhecimento da essencialidade da convivência familar e comunitária ao desenvolvimento

do adolescente, é dada prioridade à aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto frente

às executadas em meio fechado. A estas últimas, é resguardado o caráter de excepcionalidade.

Essa estratégia está embasada na constatação de que aumentar o rigor da medida não implica

16
A advertência e a obrigação de reparar o dano foram aqui classificadas como medidas de meio aberto
simplesmente por sua aplicação não acarretar privação ou restrição da liberdade do adolescente. Entretanto, elas
se diferenciam da liberdade assistida e da prestação de serviço à comunidade por serem de execução imediata, ou
seja, não exigem um programa de atendimento para sua efetivação e são executadas sob a supervisão do próprio
juiz que prolatou a sentença (conforme indicado nos artigos 38 e 39 da lei do SINASE). Desse modo, suas
execuções não estão incluídas nos programas municipais de atendimento socioeducativo em meio aberto e,
portanto, elas não foram consideradas como alvo da construção e discussão dos dados desta pesquisa.
47

em incluir socialmente os adolescentes que a cumprem (Secretaria Especial dos Direitos

Humanos & Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2006). Além disso,

o SINASE prevê que os programas de meio aberto devem funcionar, prioritariamente, de forma

municipalizada, garantindo a articulação entre políticas intersetoriais no âmbito local e o

estabelecimento de redes de apoio nas comunidades.

Segundo dados do Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito com a Lei de

201217 (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013a), a porcentagem

de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas privativas de liberdade naquele ano era de

apenas 0,10% da população de brasileiros entre 12 e 21 anos, enquanto que a parcela que

cumpria liberdade assistida ou prestação de serviço à comunidade era 0,41% do total de

adolescentes. Os programas de meio aberto ampliaram-se desde 2010: houve aumento, de 2010

para 2012, de mais de 34% no número de adolescentes em cumprimento de medidas em meio

aberto. Havia, em 2011, uma proporção de um adolescente privado de liberdade para cada 4,5

cumprindo medida no meio aberto, de acordo com o Censo Suas 2012 e o Levantamento

Nacional de 2011 (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013b).

A decisão e a aplicação de medida socioeducativa, conforme previsto no ECA,

considera, primordialmente, a condição especial de pessoa em desenvolvimento, de modo que

não estabelece vínculo de uma ou outra medida a um ou outro tipo de ato infracional praticado.

Apesar disso, o ECA, em seu artigo 122, define três situações em que a medida de internação

pode ser aplicada: quando se tratar de ato cometido mediante grave ameaça ou violência à

pessoa; quando houver reiteração no cometimento de outras infrações graves; ou quando houver

descumprimento reiterado e injustificado de medida anteriormente imposta.

17
No momento de escrita deste texto, o Levantamento Anual de 2013 era o documento mais recentemente
publicado com esse conteúdo, e não o de 2012. Porém, o levantamento de 2013 restringe-se a dados referentes à
restrição e à privação de liberdade, não tratando das medidas socioeducativas em meio aberto. Para facilitar a
comparação entre os dados dos dois tipos de medidas, optou-se pela utilização das informações referentes ao ano
anterior.
48

A escolha, feita pelo juiz, da medida socioeducativa que se aplica a cada caso deve levar

em conta a capacidade do adolescente em cumpri-la, as circunstâncias envolvidas, a gravidade

da infração e a prevalência do caráter pedagógico.

2.1.1 Violações de direitos no sistema socioeucativo.

Apesar do disposto no ECA, na resolução 119/2006 do CONANDA e na lei do SINASE,

o atendimento socioeducativo vem funcionando de modo irregular em diversos aspectos. Um

fator que atravessa transversalmente as violações de direitos contra adolescentes em

cumprimento de medidas é a já mencionada cultura de criminalização do adolescente pobre,

em que se atribui a este a responsabilidade pelo aumento dos índices de violência no Brasil. A

mídia tem papel essencial na demonização dessas pessoas ao incitar o clamor social pela

repressão e pela punição árbitrárias no lidar com a juventude.

Da mesma forma que o sistema penal, o socioeducativo, do modo como tem funcionado,

obedece a uma seletividade à serviço do Estado penal. Conforme já mencionado, apesar de

adolescentes de diferentes classes sociais cometerem atos infracionais, são os negros, pobres e

que possuem baixa escolaridade que constituem, majoritariamente, a população que cumpre

medida socioeducativa. E é esse mesmo público o que representa a maioria das vítimas de

homicídios por armas de fogo no país. Dessa maneira, a associação direta entre pobreza e

violência é reafirmada e vê-se no adolescente pobre autor de ato infracional a personificação

do inimigo público, aquele que, por ser entendido como perigoso, não merece nenhum direito,

mas todos os deveres, a serem cumpridos da forma mais severa possível.


49

Essa lógica imperante reforça a existência de estigmas18 e preconceitos tanto contra o

adolescente, como contra o sistema que lhe responsabiliza, esvaziando de sentido o adjetivo

“socioeducativo” que lhe caracteriza. Como descreve Soares (2004),

O estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato estereotipado e a

classificação que lhe impomos. Quem está ali na esquina não é o Pedro, o Roberto ou a

Maria, com suas respectivas idades e histórias de vida, seus defeitos e suas qualidades,

suas emoções e seus medos, suas ambições e seus desejos. Quem está ali é o “moleque

perigoso” ou a “guria perdida”, cujo comportamento passa a ser previsível. Lançar sobre

uma pessoa um estigma corresponde a acusá-la simplesmente pelo fato de existir. Prever

seu comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como aquilo

que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil.

Quer dizer, o preconceito arma o medo que dispara a violência, preventivamente

(Soares, 2004, p.133).

Diante desse quadro, a lógica que sustenta a intervenção estatal para com esses

adolescentes tem sido a da coação, mesmo que travestida de uma face educativa e

ressocializadora. Grande parte desses sujeitos só passa a ser visível para o Estado quando da

prática do ato infracional (Fórum da Criança e do adolescente do Ceará, 2010, como citado em

Medeiros, 2015) e, ao ingressar nos espaços socioeducativos, depara-se com um círculo vicioso

de violência e intolerância, pois muitas características dessas intituições os fazem ter a certeza

de que são o “lixo da humanidade” (Soares, 2004, p.145). Está dada, a partir daí, a profecia que

se autocumpre: o adolescente que, ao longo de sua existência, foi punido e humilhado por suas

18
Segundo Erving Goffman, o termo estigma designa “a situação do indivíduo que está inabilitado para aceitação
social plena” (Goffman, 2008, p. 7). Isso porque o indivíduo apresenta uma característica que destoa do que era
previsto pelas outras pessoas em uma relação, o que a torna depreciativa. Goffman afirma que, nas relações sociais,
tende-se a inferir uma série de imperfeições na pessoa-alvo a partir da “imperfeição” original, mesmo que as
imperfeições inferidas não tenham nenhuma relação causal direta com a outra.
50

condições de vida, encontra na sociedade e nas instituições socioeducativas (ironia!) o reforço

à ideia de que é perigoso e que não lhe restam muitas outras alternativas além da infração.

Nessa lógica, o processo socioeducativo tem se mostrado violador de direitos em

diversas instâncias. Exemplo disso é a penalização do adolescente de forma mais severa do que

o previsto em lei. Apesar de pequena porcentagem dos atos infracionais cometidos por

adolescentes serem de alta gravidade, existe uma quantidade desproporcional de pessoas

privadas de liberdade.

Os principais atos infracionais cometidos pelos sujeitos que estão na internação não se

configuram como de grave ameaça ou violência contra a pessoa: são o roubo, o furto e o tráfico

de drogas, os quais não são uma justificativa direta para a privação de liberdade e, pelo

contrário, poderiam levar à aplicação de medidas em meio aberto. Isso sugere que, apesar do

gradativo aumento da quantidade de adolescentes cumprindo medidas em meio aberto frente

aos que cumprem restrição e privação de liberdade, estas ainda têm sido ampla e

desnecessariamente aplicadas, o que implica que os princípios da brevidade e da

excepcionalidade estão sendo desrespeitados (Silva & Oliveira, 2015).

Na execução das medidas, diversos aspectos favorecem a precarização do serviço

prestado, o que costuma resultar em falhas não na dimensão da responsabilização do

adolescente, mas na de sua proteção integral. Para ilustrar, alguns aspectos apresentados no

marco situacional do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo são: fragilidade na

articulação e insuficiência da atuação integrada do Sistema de Garantia de Direitos; atuação

pouco expressiva da Defensoria Pública; insuficiência de pessoal nas várias instâncias (sistema

de justiça e execução de medidas); carência na formação e capacitação dos profissionais que

atuam no âmbito das medidas socioeducativas; compreensão insuficiente quanto às condições

de vida do adolescente e às contingências do cometimento do ato infracional; insuficiência de

recursos orçamentários; e ausência de projeto político-pedagógico em grande parte das


51

unidades socioeducativas (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República,

2013b).

Nas unidades de privação de liberdade, o quadro aparece ainda mais grave. O

documento Panorama Nacional – A execução das medias socioeducativas de internação,

elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (2012), apresenta um quadro geral de superlotação

de unidades em diversos estados do país. Além disso, constata a ausência de advogados e

médicos e a presença instalações físicas impróprias, sem espaços destinados à realização de

atividades consideradas obrigatórias para a concretização dos direitos fundamentais do

adolescente, como a saúde, a educação e o lazer.

O mesmo documento apresenta que os internos de estabelecimentos socioeducativos

convivem, muitas vezes, com violações à sua integridade física. O CNJ aponta ocorrência de

situações de abuso sexual contra os adolescentes e de mortes por homicídios dentro das

unidades, além dos óbitos por doenças preexistentes e por suicídio. Ademais, os adolescentes

entrevistados relataram já ter sofrido agressão física por parte tanto de funcionários do serviço,

como de policiais. Esse quadro torna clara a situação alarmante de insegurança em que os

adolescentes em cumprimento de medida vivem quando estão sob tutela do Estado.

As medidas socioeducativas em meio aberto também vêm apresentando funcionamento

irregular e violando os direitos dos adolescentes. Esse quadro será especificamente discutido a

seguir, após apresentação do funcionamento do meio aberto no âmbito da Assistência Social.

É possível constatar um verdadeiro “padrão nacional” (Zamora, 2008, p.8) de maus

tratos contra os adolescentes, independentemente da medida cumprida, bem como de tolerância

diante das violações de seus direitos. Como descreve Zamora (2008, p.8), “a questão do jovem

em conflito com a Lei e do sistema socioeducativo é o coração do conflito entre a doutrina de

proteção e os restos da doutrina de situação irregular, vinda dos antigos paradigmas dos códigos

de menores”.
52

2.2 Medidas socioeducativas executadas em meio aberto

A execução de medidas socioeducativas em meio aberto é, conforme previsão legal,

responsabilidade da gestão municipal. A municipalização é uma diretriz da política de

atendimento disposta já no ECA, em seu artigo 88, e reforçada na Resolução 119/2006 do

CONANDA e na lei 12.594/2012. Ela consiste em atender e acompanhar o adolescente nos

limites geográficos do município no qual reside, na intenção de fortalecer o vínculo com sua

família e a sua participação comunitária. Nos municípios, o cumprimento da Liberdade

Assistida (LA) e da Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) está setorizado na Assistência

Social19.

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) centra-se na garantia da proteção

social a todos que dela necessitem. A proteção social visa reduzir e prevenir as situações de

vulnerabilidades e riscos pessoais e sociais, de impedimento de satisfação das necessidades

básicas, de negação da dignidade humana e de violação de direitos. Para isso, abarca um

conjunto de programas, projetos, serviços e benefícios socioassistenciais.

A PNAS está organizada em um sistema público, descentralizado e participativo

denominado Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O SUAS funciona de modo

hierarquizado e organizado em níveis de proteção: Proteção Social Básica e Proteção Social

Especial, podendo esta última ser de média e alta complexidade.

19
É imprescindível considerar que a localização da execução das medidas em meio aberto em tal setor não é
arbitrária ou neutra. É preciso ter em vista que a assistência social, no Brasil, é historicamente marcada por práticas
clientelistas e caritativas e seu atendimento era relegado à população pauperizada sob a ótica do favor em
detrimento do direito (Benelli, 2014). Mesmo após a Constituição Federal de 1988 e a instituição da assistênca
social como política da Seguridade Social, essas ambiguidades (teóricas e práticas) não acabaram. Considerando
isso juntamente ao fato de que o sistema socioeducativo, da mesma forma que o penal, atua de forma seletiva,
priorizando algumas adolescências como alvo do atendimento em detrimento de outras, e que essas adolescências
são, justamente, as que se encontram em situações mais graves de vulnerabilidade social, é possível problematizar
o porquê de o atendimento socioeducativo estar setorizado na Assistência Social e não em outra área, como na
Educação, por exemplo.
53

A Proteção Social Básica objetiva prevenir situações de violação de direitos e de

vulnerabilidade social, tendo por foco de ação o fortalecimento de vínculos familiares e

comunitários e por unidade física de referência o Centro de Referência em Assistência Social

(CRAS). Os casos em que já se apresenta(m) direito(s) violado(s) ou situação de risco social

ficam à cargo da Proteção Social Especial, a qual tem por unidade pública o Centro de

Referência Especializada em Assistência Social (CREAS).

A Proteção Social Especial abarca serviços que requerem flexibilidade nas soluções

protetivas a indivíduos e famílias e exigem relação estreita com o SGD, gestão compartilhada

com outros órgãos e ações e interlocução direta com o Poder Judiciário e o Ministério Público.

Esse nível de proteção social é organizado em média e alta complexidade. A primeira atende a

indivíduos e famílias que, apesar de terem seus direitos violados, mantêm seus vínculos

familiares e comunitários. Já a segunda busca oferecer proteção integral aos que se encontram

com vínculos rompidos, sob ameaça ou sob medida protetiva de acolhimento (Secretaria

Nacional de Assistência Social, 2016). É na média complexidade que se situa o Serviço de

Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de LA e de PSC,

o qual é ofertado, então, no CREAS.

A Resolução nº 18/2014 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) ressalta

a necessidade desse serviço funcionar de forma integrada a outros da Proteção Social Especial

e aos da Proteção Social Básica. De acordo com essa normativa, não há a possibilidade de o

CREAS ofertar, exclusivamente, o serviço de medidas em meio aberto, tendo em vista que o

atendimento socioeducativo deve estar, necessariamente, alinhado à rede socioassistencial.

Especificamente, o documento cita quatro componentes principais da rede com os quais as

medidas em meio aberto devem se articular: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à

Família (PAIF), Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos


54

(PAEFI), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e Programa Nacional

de Promoção do Acesso ao Mundo do Trabalho (Acessuas Trabalho).

O PAIF e o PAEFI são os serviços mediante os quais o CRAS e o CREAS,

respectivamente, realizam o trabalho social com as famílias que referenciam, buscando

fortalecer o papel protetivo das mesmas, garantir seu acesso a políticas públicas e prevenir

violações de direitos (PAIF) ou atuar no contexto em que essas violações já ocorreram (PAEFI).

No CREAS, a equipe profissional responsável pelo PAEFI é distinta daquela que trabalha com

o serviço de medidas em meio aberto. Sendo assim, a obrigatoriedade da articulação entre este

serviço e o PAIF e o PAEFI visa favorecer “a qualificação do trabalho técnico, ao proporcionar

a circulação de informações entre as equipes, resultando em intervenções mais precisas e

alinhadas às demandas dos adolescentes e de suas famílias” (Secretaria Nacional de Assistência

Social, 2016, p. 56-57).

O SCFV é um serviço da Proteção Social Básica que oferta atividades de convivência e

socialização a públicos que se encontram em diferentes fases da vida. Nos grupos de

adolescentes, a participação daqueles em cumprimento de medidas socioeducativas é prioritária

e deve possibilitar a construção de novos vínculos sociais e a ampliação de vivências nos vários

âmbitos da vida, como cultura, esporte e educação formal. Por sua vez, o Acessuas Trabalho,

também ofertado na Proteção Social Básica, visa mobilizar, fortalecer e articular a

aprendizagem e a profissionalização de adolescentes em cumprimento de medida e de suas

famílias, diminuindo as dificuldades provenientes das situações de vulnerabilidade social e

pessoal a que essas pessoas podem estar submetidas.

Assim, nesse modelo assistencial, o adolescente em cumprimento de qualquer medida

socioeducativa e sua família são definidos como usuários da política de assistência social. Esse

entendimento está em conformidade com o pressuposto de que as medidas não possuem apenas

caráter sancionatório, uma vez que sua operacionalização conta com o reconhecimento do
55

adolescente e sua família como sujeitos de direitos que necessitam de referência, apoio e

segurança (Escola Nacional de Socioeducação, 2015a). O trabalho social com famílias pode,

então, ir além do tempo do cumprimento de medida pelo adolescente, caso a avaliação técnica

da equipe, juntamente à família, seja favorável à continuidade do acompanhamento (Secretaria

Nacional de Assistência Social, 2016).

Reconhece-se, pois, que muitos adolescentes que cometeram ato infracional vivem em

condições de vulnerabilidade e que ambas as situações, apesar de frequentemente interligadas,

devem ser diferenciadas e não podem ser sobrepostas. As medidas socioeducativas não tratam,

especificamente, das condições de vulnerabilidade; estas devem ser objeto de ação de políticas

básicas e das de caráter protetivo, agindo, de preferência, antes e como profilaxia do ato

infracional (Teixeira, 2006).

As medidas em meio aberto, por não requisitarem a retirada do adolescente do convívio

social, permitem que o caráter pedagógico dialogue com o momento presente da vida do sujeito

em seu contexto familiar e comunitário – ao contrário da privação e da restrição de liberdade,

que causam, em alguma medida, uma ruptura em sua trajetória social. Essas medidas pretendem

que o adolescente se organize de acordo com os padrões de convivência coletiva e que elabore,

junto à equipe profissional que o acompanha e à sua família, um projeto de percurso existencial

de interrupção da prática de ato infracional, o qual deve contemplar seu presente e seu futuro

(Teixeira, 2006).

Em consonância com o já comentado sobre a incompletude institucional, o sentido de

uma proteção social extrapola a atuação de uma única política social e requer o funcionamento

integrado de um conjunto de serviços, programas, projetos e políticas que atendam aos diversos

direitos e necessidades básicas da vida social. Nesse entendimento, a proteção social não

compete exclusivamente à Assistência Social, mas a uma série de setores outros, como saúde,

emprego, previdência, habitação e transporte. Ou seja, a plena realização dos programas de


56

meio aberto está vinculada em direta proporção ao grau de funcionamento, comprometimento

e articulação dos protagonistas do SGD. Confundir o entendimento de proteção social com o

de Assistência Social extrai do primeiro sua potencialidade e complexidade enquanto conjunto

amplo de direitos sociais (Conselho Federal de Serviço Social, 2007).

Os objetivos do serviço de proteção ao adolescente em cumprimento de medida em meio

aberto são definidos na Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, aprovado pela Resolução

nº 109/09 do CNAS. São eles: prover atenção socioassistencial e acompanhamento aos

adolescentes; contribuir para o acesso a direitos por meio de sua inserção em outros serviços e

programas; criar condições para o desenvolvimento de sua autoconfiança e capacidade de

reflexão sobre suas possibilidades de autonomia, bem como para a (re)construção de projetos

de vida que incluam a ruptura com o ato infracional; criar oportunidades de desenvolvimento

de habilidades e competências e de ampliar o universo cultural e informacional do adolescente;

e fortalecer seus vínculos familiares e comunitários. Para tanto, adolescente, família e equipe

técnica devem estar instrumentalizados pelo Plano Individual de Atendimento, que será

explicitado mais à frente neste trabalho. O acompanhamento social ao adolescente deve ser

realizado de forma sistemática, com frequência mínima semanal.

Adentrando em cada uma das medidas socioeducativas em meio aberto, o cumprimento

da medida de Liberdade Assistida

tem como objetivo estabelecer um processo de acompanhamento, auxílio e orientação

ao adolescente. Sua intervenção e ação socioeducativa devem estar estruturadas com

ênfase na vida social do adolescente (família, escola, trabalho, profissionalização e

comunidade) possibilitando, assim, o estabelecimento de relações positivas que é base

de sustentação do processo de inclusão social a qual se objetiva. Desta forma o programa

deve ser o catalisador da integração e inclusão social desse adolescente (Secretaria


57

Especial dos Direitos Humanos & Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente, 2006, p.44).

Para tanto, o adolescente deve ser acompanhado de modo individualizado por um

técnico de referência, o qual deve participar da vida daquele por meio de visitas domiciliares,

acompanhamento de sua situação de escolaridade e trabalho e pensando junto alternativas frente

aos obstáculos próprios de sua realidade. Nesse sentido, o programa de LA abarca, em seu

atendimento, não apenas o adolescente, mas também sua família (Saraiva, 2010).

É papel do técnico de referência da LA promover socialmente o adolescente e sua

família, orientando-os e inserindo-os em programa de auxílio e assistência social, caso seja

necessário. Ele também deve supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do

adolescente e auxiliar no seu processo de profissionalização e inserção no mercado de trabalho.

A medida implica em restrição de direitos, uma vez que, apesar de o adolescente se

manter no meio familiar e comunitário, acarreta limitação da liberdade devido ao necessário

acompanhamento sistemático por um técnico de referência. A execução da LA deve contar com

equipe composta por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, de modo a garantir o

atendimento psicossocial e jurídico ao adolescente. Ela é fixada pelo prazo mínimo de seis

meses, devendo ser continuamente reavaliada no prazo máximo de seis meses.

A Prestação de Serviço à Comunidade consiste na realização de "serviços de relevância

comunitária pelo adolescente, buscando uma ação pedagógica que privilegie a descoberta de

novas potencialidades direcionando construtivamente seu futuro" (Secretaria Especial de

Direitos Humanos, 2006, p.43). Segundo o artigo 117 do ECA, é a “realização de tarefas

gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses” a qual deve estar em

conformidade com as aptidões do adolescente e não deve ultrapassar jornada de oito horas

semanais, de modo a não prejudicar o horário escolar ou a jornada normal de trabalho. Esses

serviços não devem envolver atividades violentas e discriminatórias (artigo 5 do ECA) ou


58

vexatórias ou constrangedoras (artigo 18). As ativididades desenvolvidas visam, para além da

responsabilização, “à vivência de valores de coletividade, ao convívio com ambientes de

trabalho e ao desenvolvimento de estratégias para a solução de conflitos de modo não violento”

(Secretaria Nacional de Assistência Social, 2016, p.33).

Tendo em vista esses aspectos, a efetividade da PSC pode ser avaliada considerando-se

o seu impacto social, seu apelo educativo, socializante e de solidariedade e o reflexo na rotina

do adolescente e do seu núcleo familiar. Pode-se afirmar que a PSC apresenta forte apelo

comunitário, uma vez que põe a sociedade (através da instituição acolhedora para prestação de

serviços) como co-participante e co-responsável pelo processo de responsabilização do

adolescente (Ferreira, 2006).

É importante salientar que, na PSC, o caráter educativo da medida socioeducativa não

pode ser reduzida à prestação de serviços. A educação ultrapassa essa atividade, pois se constrói

e se efetiva na relação dialógica entre socioeducador e socioeducando. Não adianta fazer

projetos ou propostas enquanto procedimentos técnicos se não há, como suporte, uma relação

de acolhimento e de crença nas potencialidades do outro por parte de ambos os lados (Teixeira,

2006).

2.2.1 Violações de direitos e outros desafios na execução das medidas em meio

aberto.

Diante do quadro geral de violações de direitos no sistema socioeducativo, a proposta

da articulação entre proteção social integral e responsabilização nas medidas em meio aberto

faz estas serem reconhecidas como “uma luz no fim do túnel”, de acordo com a Nota Técnica

do IPEA sobre o atendimento socioeducativo e a redução da idade penal (Silva & Oliveira,

2015). Porém, a despeito das previsões legais, o SINASE vem enfrentando dificuldades na

implementação do atendimento em meio aberto como política da Assistência Social, conforme


59

indica a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2013b), em documento

sobre diretrizes e eixos operativos para o Sistema.

Nesse documento, é apontado, dentre outros desafios: falta de articulação e interlocução

tanto com as políticas setoriais, quanto entre as diferentes áreas que compõem o SINASE; falta

de compreensão sobre as diferenças entre medidas protetivas e medidas socioeducativas; falta

de qualificação dos municípios para implementação da política; insuficiência de recursos para

o cofinanciamento da implementação das medidas em meio aberto; implantação insuficiente ou

uso inadequado do Plano Individual de Atendimento; ausência e/ou insuficiência de políticas

de inclusão que sejam atraentes para adolescentes e jovens e que evitem a reincidência; ausência

de práticas restaurativas; e estrutura e pessoal insuficientes para garantir um serviço em meio

aberto com a qualidade almejada.

Algumas queixas também tem sido apontadas por operadores do sistema socioeducativo

sobre a realização da LA e da PSC (Araújo & Vidal, 2014). Ambas as medidas têm sido

executadas com dificuldades em aspectos estruturais e de recursos humanos, uma vez que não

há suplementação de profissionais às equipes mínimas dos CREAS e os poucos profissionais

têm de se dividir entre uma vasta demanda.

As dificuldades também permeiam o caráter educativo das medidas: a LA é avaliada

por alguns operadores como sendo “branda demais”, como se a sanção não fosse suficiente para

que o adolescente se sinta penalizado. Em relação à PSC, as autoras apresentam que o caráter

sancionatório tem se sobreposto ao pedagógico: os serviços prestados por adolescentes tem se

configurado como tarefas vexatórias e humilhantes, aproximando-se muito mais de um castigo

que de uma medida socioeducativa.

Ademais, há a compreensão de que o Plano Individual de Atendimento (PIA) não

necessita ser construído nos casos de PSC, o que resulta no não acompanhamento de outras

esferas da vida do adolescente durante o processo socioeducativo. Por fim, o número de


60

instituições que aceita receber adolescentes autores de ato infracional para o cumprimento da

medida é baixo, devido, principalmente, ao preconceito para com este jovem.

Pesquisas tem apresentado, ainda, que, mesmo nas medidas socioeducativas em meio

aberto, o caráter sacionatório tem prevalecido sobre o pedagógico. Membros da equipe técnica

de referência e do próprio Poder Judiciário, muitas vezes, reproduzem discursos e ações que

reforçam a culpabilização nas diversas etapas do atendimento e acompanhamento do

adolescente (Munhoz, 2014; Tonon, 2014). Assim, as atividades realizadas no cumprimento de

medida não fazem sentido para os adolescentes e se tornam algo que é feito apenas por

obrigação, resumindo-se à sanção (Tonon, 2014).

Além disso, o serviço de medidas em meio aberto ainda não se consolidou totalmente

como parte do SUAS. Dados do Censo SUAS 2014 (Brasil, 2015) mostram que, considerando

uma média nacional, apenas 77,8% dos CREAS ofertam o serviço de medidas socioeducativas

em meio aberto.

Dados do Censo do ano anterior 20 , apresentados no Levantamento Anual dos/as

Adolescentes em Conflito com a Lei (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República, 2013a), apresentam a distribuição percentual por região dos CREAS que realizavam

o Serviço. De acordo com esses dados, a região Sul apresentava maior porcentual de CREAS

executando LA e PSC, chegando a 88,6% das unidades. Em seguida, o Centro-Oeste possuía

porcentagem de 87,8%, o Sudeste, 78,6% e o Norte, 77% das unidades. Por último, a região

Nordeste ainda não havia atingido 60% da totalidade dos CREAS dispondo dos serviços de

meio aberto, apresentando apenas 59,2% dos Centros, segundo os dados.

Esse mesmo documento aponta que a execução das medidas de LA e PSC ainda não

estão totalmente vinculadas aos CREAS, sendo esses serviços ofertados também por outras

20
Foram utilizados dados do Censo SUAS 2013 devido ao fato de o Censo realizado em 2014, apesar de apresentar
uma média nacional dos CREAS que ofertam o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de
Medida Socioeducativa em Meio Aberto, não ter feito a discriminação porcentual dos centros por região.
61

unidades públicas (14,9%), por entidades privadas (6,5%) ou na própria sede do órgão gestor

da Assistência (30,4%) – de modo que apenas 48,4% do total dos serviços está ocorrendo nos

CREAS (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013a).

Em relação ao funcionamento do meio aberto nesses centros de referência, o Censo de

2014 (Brasil, 2015) mostra que, em menos da metade dos CREAS, o adolescente é

acompanhado com frequência semanal. No caso da LA, 49,3% dos CREAS realizam esse

serviço com frequência semanal, enquanto que 28,7% o fazem quinzenalmente e 12,9%,

mensalmente. Em relação à PSC, apenas 38% dos CREAS apresentam frequência semanal,

35% quinzenal e 17,3%, mensal – contrariando a exigência formal de ocorrência semanal.

As atividades realizadas mais frequentemente pelos CREAS nos âmbitos da LA e da

PSC têm coincidido. As respostas dadas ao Censo pelas unidades mostram a prevalência do

atendimento individual ao adolescente (realizada por 98,6% dos CREAS21 na LA e em 98,0%

na PSC), a visita domiciliar (97,5% na LA e 96,1% na PSC), a elaboração e encaminhamento

de relatório para a Justiça da Infância e da Juventude ou Ministério Público (95,8% na LA e

96,8% na PSC), o atendimento à família do adolescente em cumprimento de medida (95,0% na

LA e 93,7% na PSC), o encaminhamento do adolescente para o sistema educacional (94,7% na

LA e 93,3% na PSC) e a construção do PIA (91,9% na LA e 91,5% na PSC) (Brasil, 2015).

Além disso, uma ação específica da execução da PSC, o encaminhamento do

adolescente para os locais de prestação de serviços comunitários, também apresenta alta

frequência (93,4%) – como era esperado, já que consiste em requisito para o cumprimento da

PSC. Aliás, no tocante aos principais lugares onde o adolescente presta serviço à comunidade,

21
É importante deixar claro que o número de CREAS que responderam às perguntas geradoras desse dado não
coincide com o número total de CREAS que ofertam o serviço de medidas socioeducativas em meio aberto no
Brasil. De um total de 1846 unidades, 1723 responderam sobre a medida de LA e 1711, sobre a de PSC. A pouca
sistematização desses dados compromete a obtenção de uma compreensão geral do cenário brasileiro do
atendimento ao meio aberto e conduz à reflexão sobre por que motivo(s) dados tão importantes fazem-se ausentes
em um censo nacional.
62

encontram-se a rede socioassistencial pública (apontada por 71,6% dos CREAS 22 ), a rede

educacional (apontada por 60,8%) e a de saúde (apontada por 40,0%). A categoria “outras

unidades da administração pública”, na qual se enquadram, por exemplo, o corpo de bombeiros

e a sede da administração municipal, foi indicada por 41,8% dos CREAS, enquanto que a rede

socioassistencial privada só esteve contemplada na resposta de 21,1% das unidades (Brasil,

2015).

O mesmo Censo apresenta, ainda, dados sobre as parcerias estabelecidas entre os

CREAS e a rede intersetorial na inserção dos adolescentes em cumprimento da medida

socioeducativa na rede. Os principais parceiros dos CREAS nesse processo têm sido os serviços

da área da educação (mencionados por 86,2% dos CREAS), seguidos dos da saúde (76,7% dos

CREAS) e dos de esporte e lazer (56,3%). Em seguida, citados por menos da metade dos

CREAS, apresentam-se os serviços de trabalho/orientação ou qualificação profissional

(48,6%), os de cultura (45,0%) e os grupos ou atividades desenvolvidas por iniciativas da

sociedade civil organizada (27,0%). A porcentagem de 2,5% dos CREAS relataram não contar

com parceiros da rede.

Fica evidente que a educação e a saúde são os principais parceiros dos CREAS para a

inserção dos adolescentes em cumprimento de LA e PSC na rede intersetorial. Tal fato é algo

positivo, quando se considera que essas são políticas fundamentais na garantia de direitos

básicos para a vida.

Entretanto, áreas como o esporte e o lazer, o trabalho/orientação ou qualificação

profissional e a cultura também são de extrema importância para o desenvolvimento individual

e social do adolescente e, mesmo assim, ainda possuem uma articulação insuficiente com os

CREAS. Aliás, os percentuais de articulação dessas dimensões com os Centros têm se mantido

22
Em relação a esse dado, aplica-se a mesma observação da nota anterior. Nesse caso, as porcentagens foram
feitas com base no número de 1711 respostas.
63

mais baixos desde 2010, como aponta o Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito

com a Lei (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013a). Essas áreas

podem ter papel significativo no processo de sociabilidade e no projeto de vida do adolescente,

os quais são elementos fundamentais à socioeducação e à pretensa reinserção social, prevista

como sendo um dos objetivos conquistados ao final do atendimento socioeducativo.

2.3 Plano Individual de Atendimento

Corroborando a proposta educativa do cumprimento de medidas, todo adolescente, ao

ingressar nos programas de execução, deve passar por um momento de construção de planos,

metas e compromissos a serem cumpridos e que nortearão seu processo socioeducativo. Essas

pactuações dizem respeito não apenas à sua responsabilização ou às ações setorizadas da

Assistência Social, mas incluem as várias esferas possíveis de sua vida. Por se tratar de um

plano construído para guiar o atendimento e o acompanhamento socioeducativo no caso

específico de cada adolescente, esse instrumento é formalmente denominado Plano Individual

de Atendimento (PIA).

O PIA deve funcionar como uma ferramenta e um procedimento pedagógicos

indissociável ao cumprimento da medida socioeducativa, que organiza, direciona e conduz a

intervenção educacional. Ele deve refletir e traduzir as necessidades atuais do adolescente,

dizendo respeito não só ao seu presente, mas também ao seu futuro.

Apesar de dispor sobre a vida do adolescente – e exatamente por isso –, o PIA requer

participação de muitos outros atores sociais em sua efetivação. Tem-se por base que o

adolescente necessita do suporte de, pelo menos, sua família ou responsáveis, da equipe técnica

de referência que o acompanha no processo socioeducativo e de todos os agentes e serviços do

SGD para que possa ter garantidas as condições básicas para executar seus objetivos.
64

Por ser um plano e por ser individual, o PIA está sujeito ao caráter dinâmico que esses

dois aspectos supõem. Ele pode variar conforme variem os interesses e as decisões do

adolescente, ou seja, deve ser um instrumento flexível e requer, por isso, diálogo e avaliação

contínuos entre socioeducador e socioeducando para redefinição de metas. Sendo assim, apesar

de, após a lei do SINASE, o PIA ser uma exigência legal documental para o cumprimento de

medidas socioeducativas e que deve ser homologado pelo Poder Judiciário em um prazo pré-

determinado, ele jamais deve ser entendido como um formulário em que constam metas rígidas

escritas; ele é, na verdade, uma oportunidade de discutir com o adolescente sua vida presente e

futura, suas escolhas e as consequências delas (Teixeira, 2014).

Por isso, esse plano não deve ser estritamente construído e finalizado em um tempo

delimitado; apesar da necessidade de responder documentalmente ao Judiciário (em quinze

dias, no caso das medidas em meio aberto, e em trinta, no das medidas em meio fechado), esse

instrumento pode e deve ser revisitado e reformulado, desde que para atender às decisões

conjuntas do adolescente, dos profissionais que o acompanham e de sua família.

A efetividade do Plano só é possível se houver participação ativa e contínua do

adolescente em sua construção e execução. Isso depende do estabelecimento de vínculos de

confiança entre o adolescente e os profissionais que o acompanham, do mesmo modo que

requer compromisso de todos para ser realizado. Se efetivo, o PIA – e, portanto, as metas e

compromissos do adolescente – não se conclui com o cumprimento das medidas

socioeducativas, mas se desdobra para além desse período e orienta o adolescente em sua vida

posteriormente (Teixeira, 2014).

Para ser construído, o PIA tem como condição a realização de estudo de caso. Essa deve

ser a etapa inicial da elaboração do Plano, pois permite uma compreensão do sujeito em seu

contexto familiar e comunitário e possibilita visualizar suas necessidades, urgências de

encaminhamentos, aptidões e competências, interesses, sentimentos e desejos. Podem


65

participar do estudo de caso representantes da equipe de execução das medidas socioeducativas

ou agentes de diferentes setores responsáveis pela garantia de direitos do adolescente (Escola

Nacional de Socioeducação, 2015b).

A documentação do PIA não requer formulários próprios; requer, antes, registros

precisos sobre o que fora planejado, as suas etapas e o acompanhamento de sua execução. A

operacionalização desse Plano exige seguir um cronograma, estabelecer e mobilizar a rede de

serviços e programas fundamentais para atender às necessidades do adolescente e acompanhar

a avaliação permanente dos objetivos, interesses e dificuldades (Escola Nacional de

Socioeducação, 2015b). Nessa lógica, o PIA está aliado ao entendimento de que a

socioeducação ultrapassa a esfera infracional e a responsabilização e supõe, antes de tudo, o

adolescente como sujeito de direitos e pessoa em situação peculiar de desenvolvimento.

A medida socioeducativa possui um caráter sancionatório o qual consiste em um desafio

para a elaboração do PIA. Seu aspecto pedagógico esbarra no fato de que o cumprimento de

medida socioeducativa é dado sob determinação judicial, monitorado pelo Poder Judiciário e

consiste em ação estipulada em lei. Essa característica de sanção tem que, de alguma maneira,

ser considerada e acompanhar o aspecto pedagógico, fazendo com que o adolescente

compreenda a seriedade daquilo que está estipulado na lesgilação e se aproprie de seus direitos

e deveres (Saraiva, 2009, como citado por Teixeira, 2014).

Outro limite que a operacionalização do PIA – e do próprio atendimento e

acompanhamento socioeducativo – encontra é o funcionamento incipiente da rede

socioassistencial e intersetorial. A carência de programas, serviços especializados e propostas

inclusivas para atender os adolescentes, a dificuldade em estabelecer parcerias e o trabalho

desarticulado entre os diversos serviços de garantias de direitos, muitas vezes, impossibilitam

o cumprimento das metas pactuadas pelo adolescente junto à equipe de referência.


66

Nessas situações, é gerado um impasse: por um lado, o adolescente não atingiu os

compromissos firmados no PIA e, provavelmente, isso será levado em conta pelo Poder

Judiciário quando do julgamento sobre a continuidade ou não do cumprimento da medida; por

outro, o adolescente não pode ser responsabilizado se o alcance das metas não foi obtido por

falhas das políticas públicas na disponibilização de oferta, acesso e permanência aos serviços

(Escola Nacional de Socioeducação, 2015c).

Sobre isso, é preciso problematizar qual entendimento sobre a responsabilização do

adolescente que se sustenta por trás do PIA que está sendo construído. Diante do desafio da

ação coletiva para operacionalização do Plano, é importante refletir até que ponto esse

instrumento não está contribuindo para circunscrever o agir socioeducativo ao adolescente,

como se fosse ele o único responsável pelo não cumprimento das metas. Quando se parte dessa

perspectiva, está-se distanciando a responsabilização do agir coletivo, contextual e

contingenciado. É imprescindível compreender a responsabilização não como uma ação

individual de sanção do adolescente pelo ato infracional, mas, sim, como processo coletivo e

relacional que supõe o engajamento e o compromisso numa existência em comum e que sugere

a necessidade de pensar a posição dos sujeitos no espaço público23.

No intuito de garantir os direitos dos adolescentes, é necessário que a equipe de

referência da execução de medidas socioeducativas planeje as intervenções levando em conta

os equipamentos públicos existentes e o trabalho da rede, para, daí, redefinir estratégias para o

enfrentamento das metas não alcançadas. Faz-se imprescindível considerar que:

O encaminhamento para a rede de serviços e programas não se efetiva caso seja

meramente burocrático. Encaminhamento bem-sucedido significa contato

23
Essa reflexão foi feita pela professora Maria Cristina Gonçalves Vincentin, no “1º Simpósio Desafios da
Socioeducação: responsabilização e integração social de adolescentes autores de atos infracionais”, no qual a
pesquisadora esteve presente. O evento foi realizado sob iniciativa do Fórum Permanente do Sistema
Socioeducativo de Belo Horizonte e ocorreu na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 18 de março de
2016.
67

interinstitucional de parceria estabelecida e somente os protocolos intersecretariais não

se mostram suficientes. As parcerias exigem contato frequente para conhecer alterações

e mudanças de serviços e ofertas; e, principalmente, exigem a possibilidade de discussão

dos encaminhamentos, principalmente aqueles casos mais difíceis e complexos. Então,

no estabelecimento das parcerias não há desresponsabilização pelo adolescente

encaminhado; o bom encaminhamento significa, também, acompanhamento. E a rede

se articula de modo diferente a cada novo caso com suas peculiaridades (Teixeira, 2014,

p.116).

Outro risco em que a elaboração e operacionalização do PIA incorre é a mecanização

desse instrumento, ou seja, torná-lo algo estático e com função apenas formal e normatizadora,

perdendo de vista seu caráter dinâmico e singular. Isso pode refletir uma intervenção

profissional engessada que não aprofunda o conhecimento sobre a situação real do adolescente

e que acaba por se reduzir a ações pontuais que não contemplam o contexto de vida e as

expectativas do mesmo. Por vezes, as próprias dificuldades internas à instituição, como a não

compreensão sobre o caráter pedagógico do PIA e a ausência de membros para a composição

da equipe multidisciplinar, comprometem a qualidade técnica e operacional do Plano (Tonon,

2014).

No que diz respeito especificamente às medidas socioeducativas em meio aberto, o PIA

encontra uma dificuldade a mais: o prazo para a realização do estudo de caso e do próprio Plano

costuma ser inferior ao das demais medidas, tendo em vista que tendem a durar menos tempo24.

Após a chegada do adolescente ao serviço, há um prazo pré-determinado de quinze dias para

entrega do Plano ao Poder Judiciário. O PIA requer tempo para ser construído e a delimitação

de duas semanas inviabiliza a participação e o protagonismo efetivos do adolescente no

24
Apesar de, teoricamente, ser a internação a medida socioeducativa sujeita ao princípio da brevidade.
68

processo. Desse modo, é possível que o documento enviado à Justiça seja apenas uma versão

inicial e simplificada das metas do adolescente, não sendo condizente com suas reais propostas

e com o desenrolar do seu processo socioeducativo.

Ademais, por vezes, o tempo para efetivação das propostas elencadas no PIA é de

apenas seis meses – tempo máximo de duração da PSC e mínimo da LA –, o que, nem sempre,

corresponde ao tempo de apropriação e cumprimento dos compromissos (Tonon, 2014). Isso

requer que o programa de execução das medidas em meio aberto se prontifique a realizar

procedimentos ágeis e preestabelecidos para dar início ao fluxo de atendimento tão logo o

adolescente ingresse (Teixeira, 2014). Requer, também, que a equipe técnica do serviço de

medidas socioeducativas trabalhe de modo articulado com outros serviços, comprometendo-se

com a referência e a continuidade do atendimento no período pós-medida.

Os principais entraves à operacionalização do PIA no meio aberto dizem respeito,

majoritariamente, à sua elaboração e são, dentre outros: o fato de ele ainda não ser utilizado na

totalidade dos casos; o prazo de quinze dias ser considerado insuficiente; a dificuldade em

envolver as famílias e os demais setores da rede de atendimento na elaboração do Plano; o fato

de o PIA ainda não estar incorporado no cotidiano dos operadores do SGD; e o fato de sua real

função ainda não ter sido apreendida por todos os envolvidos no atendimento e no

acompanhamento propriamente dito (Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2014a)

– o que o faz ser utilizado, por vezes, como instrumento de tutela e/ou disciplinamento, ao invés

de estímulo ao protagonismo e à autonomia do adolescente.


69

CAPÍTULO 3: OS ADOLESCENTES EGRESSOS DO SISTEMA

SOCIOEDUCATIVO

Após feita uma caracterização sobre o funcionamento do atendimento e

acompanhamento socioeducativo e sobre alguns dos principais desafios postos para sua

execução, este capítulo tem por finalidade discutir a situação do adolescente que finaliza o

cumprimento de medida socioeducativa e se desvincula do Sistema. Inicialmente, foram feitas

considerações sobre o que o SINASE e a sociedade preveem para o adolescente após o

cumprimento de medida. Para isso, foram discutidas previsões formais (que constam nos

documentos sobre o SINASE) e trabalhos acadêmicos relacionados ao tema da ressocialização.

Em seguida, foi feito um levantamento sobre como estão os adolescentes egressos após

finalizarem o cumprimento de medidas. Como referências, foram utilizados trabalhos

acadêmicos que estudaram empiricamente as situações de egressos tanto do meio aberto, como

do fechado.

3.1 O que se espera para o adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa

Visando possibilitar que, após o desligamento institucional, o adolescente possua seus

direitos básicos garantidos e que isso favoreça a interrupção da trajetória infracional, o SINASE

prevê, em seus documentos legais, a existência de atenção diferenciada voltada para o egresso25.

Isso, inclusive, está em consonância com o entendimento de que a socioeducação não se resume

ao cumprimento de medida – pelo contrário, ultrapassa a responsabilização e atravessa toda a

vida do adolescente.

25
Neste estudo, considera-se egresso toda pessoa que cumpriu medida socioeducativa nos moldes atuais de
vigência do SINASE e que, finalizada a medida socioeducativa, saiu do Sistema. Como será apresentado neste
tópico de discussão, alguns documentos usam o termo “egresso” para fazer referência aos adolescentes que
finalizaram o cumprimento apenas da medida de internação. Para fins deste estudo, porém, considera-se, também,
os que cumpriram medidas socioeducativas em meio aberto.
70

As referências feitas ao atendimento ao egresso são, entretanto, tímidas e pouco

específicas. A lei 12.594/12, por exemplo, faz menção breve em dois momentos: primeiro,

prevê ações de acompanhamento ao adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa

como requisito obrigatório para a inscrição de programa de atendimento socioeducativo em

âmbito municipal e estadual (art. 11, V, Lei 12.594/12). Depois, no artigo 25, apresenta que a

verificação da “situação do adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa,

tomando por base suas perspectivas educacionais, sociais, profissionais e familiares” deve ser

um dos objetivos da avaliação dos resultados da execução de medidas.

A resolução do CONANDA de 2006 aponta que o “atendimento estruturado e

qualificado aos egressos” (Secretaria Especial dos Direitos Humanos & Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente, 2006, p.21) é um dos desafios atuais do Sistema. Em

momentos posteriores do texto, cita a realização de programas voltados para egressos como

sendo uma atividade restrita às entidades que executam medidas de internação e internação

provisória. Chega a caracterizar, inclusive, na parte de “acompanhamento técnico” das

“dimensões básicas do atendimento socioeducativo”, o acompanhamento para egressos da

internação como sendo opcional.

No Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, o atendimento ao egresso é citado

como algo básico à política, porém, em algumas situações limitadas. Aparece como diretriz do

SINASE a garantia do direito dos egressos à educação, “considerando sua condição singular

como estudantes e reconhecendo a escolarização como elemento estruturante do sistema

socioeducativo” (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013b, p.10).

Porém, avançando na leitura do texto, quando é feito um marco situacional geral, o atendimento

ao egresso volta a ser citado como uma atividade específica dos serviços em meio fechado,

sendo situado como algo que vem funcionando ainda de modo insuficiente, especialmente no

que diz respeito ao meio sociofamiliar do adolescente.


71

Ainda neste último documento, os egressos voltam a ser citados em tópicos de um dos

eixos operativos dos Planos Socioeducativos, que versam sobre qualificação do atendimento.

Nesse momento, são mencionadas a necessidade de garantir o Serviço de Convivência e

Fortalecimento de Vínculos a esses adolescentes, atender suas famílias a partir dos profissionais

da Rede SUAS, acompanhar as trajetórias escolares e inseri-los em cursos de educação

profissional e tecnológica.

Nos Levantamentos Nacionais do Atendimento Socioeducativo publicados desde 2009

até 201226 tampouco são trazidos dados sobre os programas voltados a adolescentes egressos

ou sobre a situação dos mesmos após o cumprimento das medidas socioeducativas. Esses

Levantamentos são realizados anualmente, desde 1996, pela Secretaria de Direitos Humanos

da Presidência da República (SDH/PR) e visam realizar uma caracterização do atendimento

socioeducativo a cada ano e comparações no decorrer do tempo, de modo a avaliar seu

desenvolvimento.

A publicação Panorama Nacional – As Medidas Socioeducativas de Internação, do

Conselho Nacional de Justiça (2012), aponta que apenas 18,44% dos estabelecimentos de

execução de medidas socioeducativas no Brasil realizam algum acompanhamento aos

adolescentes egressos, e que, quando comparados os percentuais em cada estado, as

disparidades são visíveis. No Centro-Oeste, não há registros de nenhum programa que realize

esse acompanhamento e no Nordeste e no Norte, menos de 10% dos programas o fazem. Na

região Sul o quadro se diferencia, ainda que menos da metade (46%) dos programas façam

acompanhamento do adolescente no pós-medida.

26
Estão sendo considerados os Levantamentos até 2012 porque apenas esses foram publicados por completo e
disponibilizados virtualmente no site da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Quando da
realização deste trabalho, o documento referente ao ano de 2013 havia sido publicado apenas parcialmente e, por
isso, suas informações não foram consideradas aqui.
72

Da mesma forma, o documento Análise da dinâmica de funcionamento dos programas

de atendimento de medida socioeducativa em meio aberto (Instituto Brasileiro de

Administração Municipal, 2014a), que analisa o funcionamento do atendimento em meio aberto

nas vinte e sete capitais brasileiras, aponta que mais da metade dos serviços e programas

nacionais não realizam nenhuma atividade de acompanhamento aos adolescentes após o

encerramento da medida socioeducativa.

Considerando a relevância de todos os documentos acima especificados para as políticas

públicas de promoção, defesa e proteção de direitos de adolescentes autores de atos infracionais,

o caráter ainda incipiente do atendimento ao egresso traz um apontamento importante: na

prática, o processo de socioeducação vem demonstrando dificuldade na continuidade do

acompanhamento ao adolescente – ou, ao menos, no registro formal dessa atividade – na

transição entre o término da responsabilização e o período posterior ao desligamento

institucional.

Neste estudo, parte-se do entendimento de que “acompanhamento ao egresso” não

consiste, necessariamente, na existência de unidades, serviços ou programas específicos

voltados para esses adolescentes. Até porque dispositivos específicos para egressos poderiam,

inclusive, reforçar o estigma e a marginalização em torno desses sujeitos e servir como

instrumentos de controle da vida dos mesmos por parte do Estado. Entende-se, sim, que o

atendimento ao adolescente que finalizou o cumprimento de medida socioeducativa deve ser

feito em seu núcleo familiar a partir dos serviços que compõem a rede de atenção

socioassistencial e intersetorial, respeitando o funcionamento em rede dos serviços que

compõem as políticas públicas e o princípio da incompletude institucional.

A necessidade, aqui salientada, de atenção especial no atendimento ao egresso refere-se

à importância da interlocução entre os serviços; à continuidade das metas e compromissos do

adolescente que vinham sendo consideradas no PIA mediante articulação e responsabilização


73

da rede socioassistencial e intersetorial; à continuidade, também, do suporte profissional que o

adolescente e sua família podem necessitar no momento de transição em que aquele deixa de

frequentar o serviço; ao cuidado no atendimento para que sejam garantidos todos os direitos do

adolescente e de sua família. Enfim, refere-se ao reconhecimento de que esse momento pode

requerer cuidado e amparo profissional, principalmente quando ocorre em meio a uma realidade

de funcionamento precário do Sistema de Garantia de Direitos.

Atentar para essas garantias, inclusive, está diretamente relacionado a possibilitar que,

de fato, como é previsto no processo socioeducativo via PIA, seja dada continuidade à educação

formal do adolescente, haja o desenvolvimento de sua profissionalização, de sua convivência

familiar e comunitária, de seu acesso e desfrute à cultura, ao esporte e ao lazer. Enfim, que se

consolide o objetivo final esperado em uma medida socioeducativa, costumeiramente

denominado ressocialização27.

3.1.1 A falácia da ressocialização.

Analisando a forma de funcionamento dos serviços de atendimento socioeducativo,

Volpi (2001) faz uma interessante observação. Ele nota que, hoje, mesmo após a superação

legal da doutrina da situação irregular, o funcionamento dos programas de atendimento voltados

àqueles que têm seus direitos violados e aos que violam o direito de outrem não rompe com

uma perspectiva funcionalista. O autor chama a atenção para o fato de que, por trás da

concepção funcional desses programas, existe a crença de que “a sociedade é um todo

harmônico, cujo equilíbrio se mantém pelo cumprimento dos papeis e expectativas que lhe são

atribuídos pela cultura, pela religião e pelos chamados aparelhos ideológicos do Estado” (Volpi,

27
Apesar de o uso desse termo remeter a um período de ausência e posterior retorno ao convívio social e isso
acontecer apenas quando de medidas de privação e restrição de liberdade – e não no meio aberto, objeto deste
estudo –, optou-se por utilizar esse termo considerando-se que, no fim das contas, ele se refere a objetivos a serem
alcançados (por exemplo, a manutenção do sujeito na educação formal e no mercado de trabalho)
independentemente do tipo de medida cumprida.
74

2001, p.38). Ou seja, se um sujeito teve seu direito violado ou violou o de outra pessoa, foi

porque ele rompeu com esse cenário de expectativas e, nesse caso, uma intervenção deve ser

feita no sentido de retomar uma situação anterior de normalidade.

Nesse sentido, os programas que se propõem a tal utilizam como estratégias categorias

baseadas no “re”: “recolocação familiar, reestruturação da família, reeducação, ressocialização,

recomposição dos vínculos familiares, reajuste de conduta” (Volpi, 2001, p. 38) – sempre

reforçando a ideia de um “voltar a ser”. Seguindo esse raciocínio, e considerando

especificamente a ressocialização, a prática de ato infracional por adolescente se daria, então,

por uma falha no seu processo de socialização e seria necessário refazer esse processo para

reintegrá-lo à sociedade ajustado ao que se espera dele.

O contraditório é que, nessa concepção, parte-se do princípio de que apenas a pessoa

que está sendo responsabilizada deve mudar, enquanto que a sociedade, lugar em que ele

aprendeu e desenvolveu suas crenças, permanece inalterada. Por essa contradição, Lourenço

(2009) afirma que a ressocialização é um conceito “fantasma”, desprovido de sentido, pois “o

indivíduo não pode determinar unilateralmente um processo complexo de interação social”

(Lourenço, 2009, p. 3).

A ideia de ressocialização aparece, comumente, de forma falaciosa, como estando

sustentada em princípios do respeito à pessoa e à liberdade humana, como que atendendo a uma

preocupação com o respeito aos direitos humanitários daqueles que cometeram alguma

ilegalidade. Com base nisso, alega-se uma mudança de foco no objetivo do serviço que visa a

ressocialização: antes punitivo, agora busca a “recuperação” do sujeito, a fim de torná-lo

novamente apto ao respeito às leis e, por isso, ao convívio social.

Marinho (2013) explica a ressocialização como uma política voltada às classes

populares que, em vez de propiciar a ascensão destas, apenas as reconduz a possibilidades

limitadas de vida. E acrescenta que, por esse conceito conter, em si, o desconhecimento das
75

bases que o sustentam, constitui-se em ideologia. A autora considera, então, o que ela chama

de “ideal ressocializador” como mais um dos desafios enfrentados na concretização dos

objetivos propostos pelo sistema socioeducativo.

Nesse mesmo sentido, Vera Malaguti Batista afirma

O certo é que, a partir dos 1970, a Criminologia Crítica constitui-se como saber que

deslegitima o sistema penal como solução à conflitividade social. A partir daquelas

leituras, já não se podia crer nas ilusões “re”: reeducação, ressocialização, reintegração.

Pelo contrário, a clientela do sistema penal foi sempre a dos dessocializados,

desintegrados, desclassificados. A prisão surge como grande fracasso nos objetivos

explícitos, mas sempre com sucesso, para diferenciar, arrumar e controlar as

ilegalidades. A justiça penal é construída para o controle diferencial das ilegalidades

populares (Batista, 2010, p. 195).

O argumento de Batista descortina o cerne da questão, já previamente discutido neste

trabalho: o sistema penal (e o socioeducativo, do modo como vem funcionando) não atua à

serviço da pessoa que está sendo responsabilizada pela infração, mas, sim, de um Estado penal

que se vale do aparato repressivo para dar vazão à parcela da população que ele criminaliza.

Ou seja, não é para solucionar conflitos sociais ou ressocializar pessoas que o sistema penal

serve, tanto que não é isso que ele vem operando historicamente. Seu objetivo real – e não

declarado abertamente – vem sendo cumprido com êxito: exercer controle violento e seletivo

sobre a população por meio da gestão das ilegalidades.

Como lembra Kilduff (2010), o cárcere, em seu início, esteve ligado ao surgimento da

sociedade capitalista e tinha como finalidade transformar camponeses em modernos

funcionários das fábricas através de atividades disciplinadoras que capacitassem os

trabalhadores a serem úteis ao sistema produtivo. É aí que as concepções de “reeducação” e

“reabilitação” têm origem e sentido, quando a nascente burguesia precisou dispor de meios que
76

contribuíssem para adaptar o proletariado ao estilo monótono, rotineiro e mecânico do trabalho

moderno.

Já hoje, no Brasil, o ideal da ressocialização, convive lado a lado com a noção de

“tolerância zero”. A coexistência desses dois entendimentos possibilita a seguinte contradição:

ao mesmo tempo em que se defende a redução da idade de responsabilização penal à qualquer

custo, no intento de aumentar o rigor da punição ao adolescente que comete ato infracional,

também se afirma a crença de que o adolescente pode aprender algo que transforme

positivamente sua vida durante o cumprimento de uma medida socioeducativa. Quer dizer,

sabe-se que a medida de responsabilização é meramente punitiva e repressiva, mas, mesmo

assim, reproduz-se o discurso falacioso sobre sua capacidade de reeducar.

Outra contradição nesse âmbito é que, apesar do discurso vigente ser favorável à

ressocialização, apenas 18,44% dos estabelecimentos de execução de medidas socioeducativas

no Brasil realizam algum acompanhamento aos egressos, segundo o CNJ (2012). E a

seletividade do sistema socioeducativo está explícita quando se considera que os jovens

brasileiros que passam por medidas de ressocialização no país são, em sua maioria, de classe

média baixa e estão nos níveis iniciais de escolaridade (Brasil, 2012 como citado por Ferraz,

Zuchetti, Moura & Sanfelice, 2015).

3.1.2 A crença na ressocialização pelo trabalho e pelo estudo.

As “ilusões re-” – para usar a expressão cunhada por Batista (2010) – atualmente,

sustentam-se na ideia de que o trabalho e a educação formal, aliados ao processo de

responsabilização, podem operar transformações na vida dos sujeitos que cometeram atos

ilegais. Tanto é que a atual legislação penal brasileira reconhece a remissão de parte da pena
77

mediante ocupação laboral e estudo28. A associação entre punição corretiva e trabalho é antiga,

havendo registros sobre essa relação desde o século XVI (Lemgruber, 1999, como citado em

Julião, 2009). Ela provem de um entendimento igualmente antigo e até hoje vigente que associa

o ócio à delinquência. Como explica Lemgruber,

A valoração do trabalho como meio de obtenção de liberdade conjuga-se com a

importância que tem essa atividade para o trabalhador por garantir sua subsistência, e

nessa interseção se confundem os interesses do trabalhador na prisão com os daquele

que se encontra no meio livre. Porém, a aproximação de interesses é relativizada quando

percebemos que a condição de subsistência difere da do senso comum, porquanto seu

caráter utilitário não se vincula ao lucro nem ao consumo (ao menos não

exclusivamente), mas à possibilidade de afastá-los da realidade e de lhes ocupar o tempo

livre. O tempo ocioso pode se converter no pior inimigo do recluso, não só porque no

entender das autoridades sugere vadiagem e fracasso do tratamento ressocializador, mas

também porque favorece o envolvimento em ilegalidades (Lemgruber, 2004, p. 353).

A partir da negação do ócio, a associação entre reinserção social e trabalho pressupõe

que se está sendo dada a oportunidade aos indivíduos que cumprem penas/medidas

socioeducativas, improdutivos, de se tornarem produtivos economicamente, o que é

comumente avaliado como algo positivo. Apostando nessa ideia, a quase unanimidade de

gestores e agentes operadores de execução penal de medidas socioeducativas acredita que a

ociosidade corrompe e, por isso, deve ser eliminada à qualquer custo (Julião, 2009).

Com o termo “à qualquer custo” entenda-se que, em prol da ocupação do tempo dos

sujeitos, não importa a existência ou não de propostas teórico-metodológicas que justifiquem

ou embasem determinada atividade: acredita-se ser melhor desenvolvê-la do que deixar os

Artigo 126 da Lei 7.210/1984: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir,
28

por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.”


78

indivíduos na ociosidade. Por essa desarrazoada ocupação de tempo, quando avaliados os

projetos implementados em inúmeros serviços penais e socioeducativos brasileiros, identifica-

se, muitas vezes, a inadequação da proposta política a uma estratégia pedagógica teoricamente

defendida pelo Estado. Por esse mesmo motivo, independentemente de haver avanços nas

discussões sobre implementação de políticas educacionais, laborativas e de capacitação

profissional voltadas para a reinserção social, continua-se a investir em práticas já denunciadas

e avaliadas negativamente, com a mera finalidade de tirar os sujeitos do ócio, mesmo que essas

atividades nada acrescentem a eles (Julião, 2009).

A inserção social medidante o lugar de trabalhador remonta à ideia de que não importa

o emprego que se tenha ou quanto se ganhe, trabalhar deve ser a melhor e a única opção. Isso

representa um estímulo (ou imposição) estrito a atividades para as quais se exige baixa

qualificação. No sistema penitenciário, o trabalho destinado aos internos costuma estar

relacionado ao esforço físico em vez do intelectual, não remunera adequadamente, não cumpre

condições básicas de trabalho (como higiene e segurança), bem como não garante nem mesmo

seguro contra acidentes trabalhistas (Julião, 2009). Seguindo uma lógica semelhante, as

atividades de profissionalização desenvolvidas no sistema socioeducativo, comumente, não

consistem em trabalhos que os adolescentes julguem como possibilidades quando do

desligamento institucional (Araújo, 2015; Baquero, Lemes & Santos, 2011; Gonçalves, 2015;

Queiroz, 2010; Volpi, 2001), bem como não contribuem para que os adolescentes encontrem

caminhos outros que não o da informalidade.

Em pesquisa realizada em unidades de internação no Brasil, o CNJ apresenta que apenas

61% do total de estabelecimentos pesquisados garantem o direito dos adolescentes de

participarem de cursos profissionalizantes (Conselho Nacional de Justiça, 2012). Nos serviços

de meio aberto, a dificuldade na inserção dos adolescentes em cursos de profissionalização,

trabalho e renda também é apontada em estudo feito pelo IBAM (2014a) em âmbito nacional.
79

Os desafios colocados ao ingresso ou à permanência do adolescente no mercado de trabalho

são os baixos níveis de escolaridade destes (e, em contrapartida, a exigência do empregador por

maior escolaridade) e o preconceito para com eles, devido ao histórico de cumprimento de

medida socioeducativa.

Somadas a esses obstáculos, pode-se apontar tendências macroestruturais que têm

dificultado o acesso da população jovem ao primeiro emprego e a sua permanência no posto de

trabalho. Aspectos como o aumento do déficit objetivo de oportunidades de emprego, a

precarização crescente das condições de trabalho e o desemprego crônico (Blanch, 2014) tem

afetado setores da juventude contemporânea, de modo que as qualificações profissionais e até

mesmo o aumento da escolaridade parecem não mais garantir a estabilidade ocupacional

(Paulino, 2016).

A população juvenil vem sendo a mais afetada pelo desemprego, pelo déficit de trabalho

considerado digno, pelos baixos salários e pela informalidade, como mostra Paulino (2016) em

levantamento bibliográfico feito em sua pesquisa com jovens que nem estudam e nem

trabalham. O segmento juvenil pertencente a famílias que sobrevivem com rendas baixas está

ainda mais propenso a esse quadro. Santos (2008) apresenta que esses jovens convivem em um

círculo vicioso: abandonam os estudos para se inserirem em atividades produtivas, quase

sempre precárias, informais e com baixa remuneração. Porém, justamente por possuírem baixa

qualificação, permanecem por pouco tempo nesses trabalhos, o que configura uma alternância

entre períodos de atividade, desemprego e inatividade.

Da mesma forma que nas condições de trabalho, um quadro de precariedade também

pode ser visto em relação à educação formal no sistema socioeducativo. O adolescente, ao

ingressar no sistema, encontra-se, muitas vezes, fora da escola e não inclui a retomada dos

estudos como um de seus objetivos – apesar de essa ser uma das metas a serem cumpridas via

PIA e, por isso, poder ser decisiva na avaliação do juiz pela progressão ou não da medida
80

socioeducativa. A última série cursada por grande parte dos adolescentes antes de parar de

frequentar a escola é a quinta ou sexta série do Ensino Fundamental (atualmente denominados

sexto ou sétimo ano) e poucos chegam a cursar o Ensino Médio (Conselho Nacional de Justiça,

2012).

O gráfico a seguir mostra que, se a taxa de distorção idade/ano de escolaridade dos

adolescentes no Brasil na educação básica é alta, ela é muito mais preocupante dentre os

adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. No caso, os dados referem-se aos que se

encontram em unidades de internação:

Figura 1. Taxa de distorção idade-série.


Fonte: Ministério da Educação (2014)

Do mesmo modo, as taxas de reprovação e de abandono dos adolescentes internos são,

no geral, mais elevadas do que a média nacional. Esse fato se diferencia no Ensino Médio, mas

o baixo número de adolescentes privados de liberdade que chegam a cursar esse nível de

escolaridade torna incoerente estabelecer uma comparação em relação à população geral.


81

Figura 2. Taxas de rendimento.


Fonte: Ministério da Educação (2014)

Nas unidades de internação, a realidade escolar é ainda mais precária, tendo em vista

que as escolas que funcionam internamente aos serviços precisam abarcar os distintos níveis

em que os inúmeros adolescentes internos se encontram. A alternativa é, muitas vezes, ministrar

aulas multisseriadas, na tentativa de contemplar a todos ao mesmo tempo – o que, muitas vezes,

sequer é reconhecido pelas secretarias de educação (Volpi, 2001).

De modo semelhante, o baixo nível de escolarização é uma característica frequente,

também, entre os adolescentes que cumprem medidas em meio aberto (Instituto Brasileiro de

Administração Municipal, 2014a), os quais, frequentemente, encontram-se fora da escola desde

antes do cometimento do ato infracional. Para alguns adolescentes, a educação formal aparece

como uma experiência repetitiva, enfadonha e que não conduz a um caminho progressivo que

vise a um ganho futuro, ou sequer a um fim.


82

Apesar das inúmeras dificuldades que a escola encontra na efetivação de seus serviços,

ela continua sendo reconhecida, idealizadamente, como veículo de mobilidade social.

Prevalece, ainda, a crença de que a educação formal possui poder transformador na vida das

pessoas e que ela é a via única de acesso a lugares sociais considerados de sucesso (Evangelista,

2008).

Comumente, a escola é entendida como a instituição-meio para se chegar ao mercado

de trabalho, para possibilitar o domínio de novos conhecimentos e para desenvolver uma

sociabilidade que ultrapasse a instrução. Entretanto, estudos mostram que, especialmente para

jovens provenientes de famílias pobres, a escola, em seu formato atual, não se adequa à

realidade, aos interesses e às necessidades de seus estudantes, esvaziando de sentido o

engajamento e a participação do jovem na educação formal (Baqueiro, Lemes & Santos, 2011;

Gomes & Conceição, 2014). Nessa lógica, a reprovação, a repetência e a evasão escolar podem

ser entendidas antes como produções do próprio sistema, do que, propriamente, fracasso do

estudante (Freire, 2000; Gadotti, 1992). Sobre esse quadro geral, Volpi observa que “a escola

ainda é para as classes sociais mais abastadas o símbolo da legitimação social, enquanto para

os excluídos constitui-se apenas uma promessa” (Volpi, 2001, p. 105).

Souza (2011) explica o funcionamento precário da escola voltado a uma classe social

determinada – a que ele denomina, provocativamente, “ralé”29 – a partir da má-fé institucional.

29
Em seu livro “Ralé brasileira: quem é e como vive”, Jessé Souza denomina ralé “uma classe inteira de indivíduos
não só sem capital cultural ou econômico em qualquer medida significativa, mas desprovida, esse é o aspecto
fundamental, das precondições sociais, morais e culturais que permitem essa apropriação” (Souza, 2011, p.21,
grifo do autor). O autor parte do entendimento de que classes sociais diferenciam-se entre si não só por definição
econômica, mas, também, por distinções imateriais, como a herança afetiva familiar, o capital cultural e o habitus
(conceito advindo da teoria do sociólogo Pierre Bourdieu). Porém, apesar das distinções existentes, os pressupostos
da classe média são universalizados para todas as classes, como se suas condições de vida fossem as mesmas. Isso
permite, por exemplo, que se legitime a lógica da meritocracia como justa – e, por isso, também, a lógica da
dominação social de uma classe por outra. Assim, as características próprias das vivências de uma classe (a ralé)
são desconsideradas e desclassificadas, prejudicando, por exemplo, seu acesso a direitos, como a inserção e a
permanência na educação formal e no mercado de trabalho. É com base nessas considerações que o autor,
provocativamente, denomina “ralé” esse grupo de indivíduos, para chamar a atenção “para nosso maior conflito
social e político: o abandono social e político, ‘consentido por toda a sociedade’, de toda uma classe de indivíduos
‘precarizados’ que se reproduz há gerações enquanto tal” (Souza, 2011, p.21).
83

Esta seria um padrão de funcionamento da instituição que sustenta a existência de uma oposição

entre o objetivo que ela declara ter e o que realmente se opera através dela. Para o autor, a má-

fe se articula tanto no âmbito do Estado, como no das relações cotidianas entre indivíduos.

Em relação ao primeiro, ele explica que apesar dos discursos e metas oficiais do Estado

pregarem o direito de todos à educação pública gratuita e de qualidade, não é nesse sentido que,

historicamente, as ações do Estado vem se direcionando. Através de métodos tradicionais de

ensino e avaliação segregadores, baseados na retenção de informações vazias de significado

para a maior parte da população, a escola, historicamente, vem segregando e selecionando a

parte da população a qual acolhe. Esse sistema de ensino beneficia apenas as classes que

possuem, por seu processo de socialização familiar, reforço a algumas disposições que facilitam

o entrosamento com esse tipo de educação, como a priorização do autocontrole, da

concentração, da disciplina, do sentimento de dever ou responsabilidade moral para com os

estudos, do cálculo prospectivo. Faz parte da má-fé institucional da escola pressupor todos esses

requisitos como “naturais” a todos os seres humanos, como se eles não exigissem, para sua

construção, um tipo de socialização familiar específica.

Sobre o outro nível da má-fé, o micropolítico, o autor explica que, nas relações de poder

entre os indivíduos, estes podem mobilizar de forma diferente os recursos materiais e

simbólicos que as instituições oferecem, a depender do lugar que ocupam na hierarquia social.

A partir disso, a escola individualiza o desempenho, escondendo e negando as desiguais

precondições sociais de competição dos sujeitos e reforçando a ideologia do mérito. Ademais,

ao oferecer condições de trabalho precárias (como os baixos salários aos funcionários, a falta

de material, a burocracia e a pouca qualificação oferecida aos profissionais), a própria

instituição tem grande parcela de responsabilidade na violência simbólica que a equipe

profissional pode acabar dispensando aos alunos. Assim, o autor conclui que
84

A crueldade da má-fé institucional está em garantir a permanência da ralé na escola,

sem isso significar, contudo, sua inclusão efetiva no mundo escolar, pois sua condição

social e a própria instituição impedem a construção de uma relação afetiva positiva com

o conhecimento. (Souza, 2011, p. 301)

Na condição de sujeitos que cumpriram ou estão cumprindo medida socioeducativa, os

adolescentes enfrentam barreiras adicionais na educação formal. Cruz (2010) apresenta que, ao

tomar conhecimento de que o adolescente esteve envolvido em algum ato infracional, a

disposição do corpo técnico-pedagógico da escola para com ele é alterada, sendo atravessada

pela estigmatização, independetemente de sua história de vida particular. A equipe técnica e

profissional passa a classificar a existência de dois públicos diferentes na escola: o dos

“marginais, bandidos, drogados” e o daqueles que “não estão nessa prática” (Cruz, 2010, p.

235). E, ao primeiro grupo, é associada a crença de que pode “corromper” ou “contaminar” os

colegas na escola (Cruz, 2010, p. 251).

Julião (2009) observa que o reforço às atividades da educação formal para as pessoas

em cumprimento de pena/medida socioeducativa atende a duas demandas da sociedade: coibir

a ociosidade desses sujeitos e dar a eles a oportunidade de, finalizado o período de

responsabilização, dispor de uma opção para o exercício de alguma atividade profissional.

Nesse entendimento, a ação de substituir a ociosidade dessas pessoas pela presença em salas de

aula, na realidade, não constitui concessão de privilégios, mas uma estratégia para atender aos

interesses produtivos da própria sociedade.

Aliás, o entendimento do estudo e do trabalho quando do cumprimento de

penas/medidas socioeducativas como “oportunidades” merece algumas ressalvas. Como já

exposto, as atividades relativas tanto à profissionalização, como à educação formal tem sido

oferecidas de modo precarizado, com uma série de dificuldades e sem muitas garantias de

retornos futuros a seus participantes. Bardagi, Arteche e Neiva-Silva (2005) apresentam que a
85

escolha profissional e o exercício do trabalho nem sempre ocorre de modo organizador ou

favorável. O sentido do trabalho para jovens em situação de vulnerabilidade social, muitas

vezes, gira em torno da subsistência e possui uma função moral disciplinadora, de modo que

trabalhar, nesses casos, não faz parte de um projeto de vida e não se relaciona a um senso de

identidade.

Entender que, mesmo sob essas condições, essas atividades laborais devem ser vistas

como oportunidades que devem ser “abraçadas” e não podem ser “desperdiçadas” é

desconsiderar que o trabalho e a educação de qualidade são direitos de qualquer sujeito e

naturalizar a violação dos mesmos. É, assim, regredir a uma lógica caritativa de concessão de

favores (em detrimento de direitos) a uma parte específica da população.

Feitas essas considerações, é possível afirmar que não só a ideia da ressocialização, em

si, é falaciosa; também o é a crença de que o trabalho e a educação formal, nas condições em

que vem funcionando, são capazes de operar transformações efetivas na vida dos egressos dos

sistemas socioeducativo e penal.

3.1.3 A ressocialização sustentada na ideia de “novos projetos de vida”.

Além da educação formal e do trabalho, um outro aspecto que é comumente relacionado

à ideia de ressocialização na literatura acadêmica sobre o acompanhamento socioeducativo

consiste na construção de novos projetos de vida durante o cumprimento de medida

socioeducativa. Esses projetos seriam oportunidades de o adolescente pensar sua vida presente

e futura e visualizar possibilidades (diferentes da infração) para si, a curto e longo prazo.

Em defesa desses projetos, Costa e Assis (2006) indicam que os contextos de

vulnerabilidades a que, comumente, estão expostos os adolescentes autores de atos infracionais

têm relação direta com a falta de perspectivas para o futuro e de pensar projetos de vida para

si. Assim, a construção de projeto de vida por adolescentes poderia, para essas autoras, ser um
86

fator protetivo durante o cumprimento de medida socioeducativa, uma vez que, planejando o

futuro, o adolescente é estimulado a preservar-se e a interessar-se em buscar maior

conhecimento sobre sua realidade, seus próprios limites e possibilidades. Inclusive, o

adolescente poderia planejar, mais diretamente, a fase que está por vir após o desligamento

institucional.

Para as autoras, a ideia de construção de projetos de vida está ancorada no fato de o

adolescente autor de ato infracional demandar novos patamares de vida que não somente o da

não-reincidência. Fixar-se apenas no ato infracional cometido não implica em modificar

circunstâncias que predispõem o jovem a novas situações de vulnerabilidade; tampouco implica

em comprometimento dos profissionais com a construção de novos modos de vida com e para

o adolescente. Ou seja, deter-se na adoção de padrões de correção de condutas não alcança as

reais dimensões do cuidado que devem ser levadas em conta no processo socioeducativo. É

necessário que o período de cumprimento de medida ponha em prática não apenas a

responsabilização, mas a proteção social do adolescente e de sua família (Costa & Assis, 2006).

Gomes e Conceição (2014) também concordam que projetos de vida no contexto

socioeducativo são importantes porque tendem a reforçar o sentimento de mudança e

impulsionar a agir no sentido de distanciar-se da trajetória infracional. Porém, essas autoras,

assim como Sehn, Porta e Siqueira (2014), chamam a atenção para o importante fato de que,

comumente, existe uma lacuna entre as condições objetivas de vida dos jovens e os seus planos

para o futuro, o que pode fazer parecer (e ser) impossível a efetivação das mudanças previstas.

Os projetos de vida não conseguem se realizar se não há, na realidade dos adolescentes, acesso

a e disponibilidade dos recursos (materiais, afetivos etc.) necessários.

Assim, para além de possibilitar planejar o futuro, é imprescindível que o período de

cumprimento de medida ofereça suporte e condições mínimas necessárias para que os

adolescentes executem e deem continuidade a seus planos e para que sejam amparados em suas
87

dificuldades. Planejar o futuro e executar tais projetos requer reconhecer, pois, que planos

individuais estão diretamente ligados a aspectos sociais e estruturais e que eles incluem a

participação ativa da comunidade socioeducativa e a necessária efetivação do funcionamento

da rede socioassistencial e intersetorial, em conformidade com o princípio da incompletude

institucional. Um plano desse tipo não alcança, e nem deve alcançar, apenas o adolescente, mas

todo o seu contexto relacional, de modo a, de fato, aumentar suas possibilidades de lidar com

situações de vulnerabilidade e violência30.

Gomes e Conceição (2014) apresentam, ainda, uma problematização importante: ao

realizarem pesquisa com adolescentes que cumpriam LA sobre suas trajetórias de vida, os

participantes indicaram uma diferenciação qualitativa entre passado, presente e futuro. Para

eles, o passado é significado como um período marcado por erros e culpa e que merece ser

esquecido; o presente configura-se como um tempo de estigma, moratória e culpa ligados ao

cometimento de ato infracional; e o futuro é idealizado, por abarcar soluções mágicas

dissociadas das ações do presente. Considerando isso, as autoras questionam-se se o período de

cumprimento de medida socioeducativa vem alcançando, de fato, seu papel de ressocialização

e desculpabilização, tendo em vista que as mudanças a que ele visa permanecem distantes,

projetadas em um futuro “milagroso”.

Diante desse questionamento, cabe pensar se há, na prática, uma ruptura entre a

condição de egresso do cumprimento de medida socioeducativa e a de adolescente que cometeu

ato infracional. A realidade a seguir apresentada mostra que essas duas situações se configuram

em uma relação de continuidade, em que as dificuldades e barreiras vinculadas à condição de

cumprimento de medida, como o estigma, permanecem existindo após finalizado o período de

responsabilização pelo ato infracional. Da mesma forma, as dificuldades anteriormente

30
Apesar de os estudos aqui considerados não mencionarem o Plano Individual de Atendimento como associado à
construção de projetos de vida, é importante reafirmar que, neste trabalho, entende-se que essa seja uma das
funções primordiais desse instrumento, como já explicitado anteriormente.
88

existentes e que, muitas vezes, contribuíram de algum modo para o cometimento do ato

infracional, também permanecem, fazendo o futuro milagroso ser sempre um futuro,

aparentemente inalcançável.

3.2 Como estão os egressos do atendimento socioeducativo?

Como aponta Prado (2014), apesar de vários estudos se debruçarem sobre o atendimento

e o acompanhamento socioeducativos e sobre a efetividade destes em relação à chamada

reintegração social do adolescente, esse universo de pesquisa necessita de investigações que

acompanhem o jovem em seu retorno à vida no período pós-medida. Só assim é possível refletir

sobre a efetividade ou não das políticas públicas que devem garantir os direitos básicos ao

adolescente. A importância desses estudos se faz premente quando se considera algo que a

mesma autora afirma: após a medida socioeducativa, o adolescente apresenta uma nova

identidade atribuída socialmente, pois já não é apenas um adolescente, mas sim um egresso de

um serviço de responsabilização, com toda a conotação pejorativa que isso possa conter.

No intuito de fazer uma caracterização geral das situações em que se encontram os

egressos de medidas socioeducativas, foram buscados estudos empíricos que contataram esses

adolescentes/jovens e questionaram, diretamente, sobre suas experiências durante e após o

cumprimento de medidas. A maior parte dos estudos encontrados dizem respeito a egressos da

privação de liberdade (Baquero et al., 2011; Brandemarti, 2009; Evangelista, 2008; Ferraz,

2013; Gonçalves, 2015; Lavoratti, Krainski, Moreira, & Ribeiro, 2011; Marinho, 2013; Volpi,

2001), sendo poucos relacionados ao meio aberto (Araújo, 2015; Gonçalves, 2015; Queiroz,

2010).

Um primeiro dado significativo encontrado é que, quando da busca pelos egressos, os

pesquisadores depararam-se com uma realidade de pessoas já falecidas e outras que haviam

reincidido no ato infracional, voltando a ser responsabilizadas fosse no sistema socioeducativo,


89

fosse no penal (a depender da idade). Essa realidade expressa que, desde a etapa inicial dos

estudos empíricos, já é possível constatar que a violência permanece atravessando a vida desses

sujeitos no pós-medida.

Após o desligamento institucional, grande parte dos adolescentes retorna ao convívio

na residência de suas famílias (nuclear ou extensa), voltando a residir nas áreas periféricas das

cidades, em bairros com precária infra-estrutura de atendimento em serviços públicos. Ou seja,

esses adolescentes (e suas famílias) apresentam, muitas vezes, acesso restrito à promoção de

direitos básicos à sua sobrevivência.

Os egressos provem de famílias que convivem com baixa renda mensal e,

majoritariamente, eles não conseguem contribuir financeiramente nesse montante, tendo em

vista que, quando não estão desempregados, recebem salários baixos. Assim, acabam por

permanecer na dependência financeira dos pais ou parentes, total ou parcialmente.

Em relação à convivência comunitária e à reinserção social (nos casos de privação de

liberdade), os egressos enfrentam dificuldades significativas. Finalizado o cumprimento de

medida socioeducativa, essas pessoas encontram uma realidade caracterizada pela falta de

emprego, por ameaças e perseguição policial nas ruas e por estigmas e preconceitos devido à

condição de egresso. No caso específico dos que saem da privação de liberdade, passam a

conviver com a sensação de solidão e insegurança, não encontrando mais muitas das pessoas

de referência que outrora havia na comunidade (Evangelista, 2008).

Esses adolescentes/jovens encontram suporte social significativo, muitas vezes, apenas

em suas famílias e na religião. Ferraz (2013) chama a atenção para o fato de que essas pessoas

lidam não apenas com a precarização das políticas públicas em geral, mas com a inexistência

de políticas de atendimento voltadas ao egresso, que poderiam servir de apoio social nesse

momento peculiar. Apesar dessa autora analisar o contexto específico da cidade de Osório (Rio

Grande do Sul), relatório elaborado pelo CNJ (2012) aponta que existem poucas iniciativas de
90

atendimento ao egresso no país. A autora complementa que, frequentemente, essas pessoas

ficam desassistidas e só voltam a ser alvo de ação por parte do Estado quando, posteriormente,

reincidem no ato infracional.

No que se refere ao ensino formal, a maior parte dos adolescentes/jovens deixa de

frequentar a escola após o desligamento institucional e apresenta escolaridade concentrada nos

primeiros anos de estudo, havendo defasagem na relação entre série e idade. Mesmo entre os

adolescentes que continuam estudando, a maioria não consegue alcançar o Ensino Médio.

Quando comparados à situação em que grande parte dos adolescentes se encontra antes mesmo

de iniciar o cumprimento de medidas socioeducativas, os dados demonstram a continuidade de

uma estadia precária no ensino formal ao longo da adolescência.

Dentre os motivos apontados nos estudos sobre egressos que podem levar estes a

abandonarem a escola estão: o medo de frequentar a instituição por causa da presença de

inimigos nas ruas ou na própria escola; o cometimento de outros atos infracionais, que os

afastam do convivío comunitário; o estigma, seja em relação ao receio por sofre-lo, seja pela

recusa da escola em aceitá-lo na instituição; a gravidez precoce; a falta de condições financeiras

para arcar com o transporte público que permitiria o acesso à escola; o desinteresse proveniente

do fato de muitos estarem desnivelados e não quererem estudar com pessoas de outra faixa

etária; e a necessidade de trabalhar para garantir a sobrevivência ou complementar a renda

familiar, o que faz a inserção no mercado de trabalho ser priorizada frente aos estudos. Há,

ainda, a inadequação das grades curriculares escolares, que não se encontram adaptadas à

realidade desses adolescentes e que, portanto, tornam sem sentido a persistência na educação

formal.

O baixo grau de escolarização, junto ao estigma sofrido pela condição de egresso, os

deixam em desvantagem quanto à inclusão no mercado de trabalho formal. Dentre os

adolescentes/jovens que não estão desempregados, estão os inseridos no trabalho formal ou


91

informal, quase sempre caracterizados pelo desempenho de tarefas de pouca qualificação

escolar e profissionalizante e pela baixa remuneração. No geral, além das condições precárias

de vida que dificultam a obtenção de um emprego, os adolescentes não tiveram oportunidade

de, durante o cumprimento de medidas socioeducativas, aprender um ofício que julgassem

como possibilidade de atuação após o desligamento institucional.

Os egressos da internação apresentam avaliações ambíguas quanto às unidades de

privação de liberdade em que estiveram e às contribuições que estas trouxeram para suas vidas.

Em parte, os adolescentes expressam insatisfação com a qualidade do atendimento prestado:

acusam ter sofrido violações de direitos e preconceitos, terem sido cotidianamente tratados de

forma violenta, estarem cercados por julgamentos e comentários negativos e não consideram

ter tido as oportunidades necessárias para as mudanças de vida almejadas pelo ideal de

ressocialização. Os egressos igualam a medida socioeducativa cumprida a penas e alegam o

sentimento de injustiça e a sensação de tempo perdido, como ilustra a fala de um entrevistado

em um dos estudos: “Lá o tempo só passa. O que eles te ensinam é só para passar o tempo”

(Ferraz et al., 2015, p.35)

Outra parte avalia positivamente as relações feitas na instituição, tanto com técnicos,

como com outros adolescentes, e afirma que ter cumprido medida socioeducativa foi um “mal

necessário”. As pesquisas que apontam este último argumento mostram que os adolescentes

entenderam a internação como uma oportunidade de proteção frente a vulnerabilidades a que

estavam expostos, como o uso de substâncias ilícitas e as rixas com inimigos. Estudo referente

ao meio aberto também apresentou o cumprimento de medida socioeducativa entendido como

medida de proteção, em que um adolescente afirmou que foi possível ocupar o tempo ocioso e

isso o impediu de estar nas ruas “fazendo coisas erradas” (Queiroz, 2010, p. 26).

Em relação a isso, é importante problematizar qual o papel que a medida socioeducativa

deve exercer para o adolescente. Apesar de ser imprescindível a proteção à vida, essa não é a
92

real função do sistema socioeducativo e, se está cabendo a este tal papel de proteção, é

necessário e urgente reavaliar como está se dando o funcionamento da rede de serviços

socioassistencias e intersetoriais, a fim de identificar ineficácias e desvios de funções.

Um fato importante a ser considerado é que, como nota Marinho (2013), quando os

adolescentes indicam mudanças em suas vidas que foram geradas pela experiência de

cumprimento da internação, não incluem dentre elas, por exemplo, o alcance de oportunidades

provenientes de aprendizados profissionais ou educacionais proporcionados durante a medida.

Isso reforça a vinculação do cumprimento da medida meramente à proteção da vida do

adolescente e induz pensar uma outra contradição: se, por um lado, o cumprimento da

internação possibilitou a manutenção da integridade física, por outro, a própria medida tem

gerado os danos sociais com os quais pretende acabar, como o preconceito e a estigmatização

(Marinho, 2013).

Sobre suas perspectivas de futuro, egressos do meio fechado e aberto expressam a

intenção de finalizar os estudos e conseguir um emprego que garanta o seu sustento

(Evangelista, 2008; Queiroz, 2010; Ferraz, 2013). Outros adolescentes apresentam, como

possibilidade para o futuro, dar continuidade à trajetória infracional (Baquero et al., 2011). Parte

dos adolescentes demonstra preocupação em relação ao seu futuro, por não terem segurança

sobre suas condições de vida, enquanto outra parte apresenta satisfação pelo término da medida

socioeducativa e crença de que sua vida irá melhorar.

Após o cumprimento de medida socioeducativa é esperada uma mudança

comportamental do adolescente – a chamada “reeducação” –, a qual não encontra bases

objetivas em que se ancorar, tendo em vista que as condições de vida do sujeito permanecem

as mesmas. Isso tem implicações diretas no possível insucesso da interrupção da trajetória

infracional ao final do cumprimento da medida socioeducativa.


93

Diante da permanência das condições objetivas (precárias) de vida, é atribuída à família

o dever moral de lidar com os problemas que o adolescente encontrar (Prado, 2014). Isso indica,

por um lado, a necessidade de a equipe técnica do serviço estar atenta à garantia de direitos

sociassistenciais e intersetoriais, também, da família do adolescente que cumpre medida, para

que ela tenha condições de se co-responsabilizar no processo socioeducativo do adolescente.

Por outro, indica uma estratégia de desresponsabilização do Estado, ao não garantir os direitos

previstos ao adolescente e à sua família e, depois, repassar à esta suas obrigações.

Por fim, no tocante aos desafios encontrados pelos adolescentes após o desligamento

institucional, são citados, dentre outros, dificuldade em conseguir emprego, enfrentamento de

preconceito e discriminação, renda familiar insuficiente para manter a si e a sua família e, diante

desse quadro, a possibilidade de reincidência.

Aliado a isso, é importante lembrar que os adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas são, em sua maioria, pobres, negros, moradores de bairros periféricos e

possuem baixa escolarização. Ou seja, como observa Marinho (2013), em grande parte, os

muitos desafios encontrados no pós-medida já existiam desde antes da sanção judicial, dadas

as múltiplas vulnerabilidades a que os adolescentes já estavam expostos. Essa situação supõe a

necessidade de atenção especial ao adolescente, a qual deve ser ofertada através de ações

efetivas da rede socioassistencial e intersetorial, com abordagens diferenciadas a depender de

cada situação.

Feita uma caracterização geral da situação dos adolescentes brasileiros no pós-medida,

serão apresentados, a seguir, os dados construídos no presente estudo sobre a realidade de

alguns egressos do meio aberto em Natal/RN, bem como a trajetória metodológica para se

chegar a esses resultados.


94

CAPÍTULO 4: MÉTODO

A construção dos dados deste estudo foi realizada em duas etapas, sendo feita, em uma

delas, pesquisa documental e, na outra, entrevistas. A primeira teve por intuito caracterizar o

cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto em Natal, como forma de conhecer e

compreender o contexto no qual estiveram inseridos os egressos. Teve, também, o propósito de

acessar os Planos Individuais de Atendimento dos participantes da pesquisa e identificar as

metas e os compromissos nele contemplados, a fim de analisar suas contribuições na vida do

adolescente.

Já as entrevistas foram utilizadas como meio de investigar as contribuições

proporcionadas pelo cumprimento de medida socioeducativa aos egressos quanto às diretrizes

do SINASE no que diz respeito à educação formal, à profissionalização, aos seus projetos de

vida futura, à sua trajetória infracional e ao acesso de sua família à rede socioassistencial e

intersetorial. Tendo em vista os aspectos considerados nas entrevistas, as informações

acessadas mediante os PIAs serviram como complementação às falas dos entrevistados.

4.1 Pesquisa documental

Buscando ter acesso a dados que permitissem conhecer e caracterizar o atendimento

socioeducativo em meio aberto em Natal, foi submetido, inicialmente, ofício à Secretaria

Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS) – órgão gestor da execução das medidas

em meio aberto – solicitando autorização para essa atividade. Porém, após três meses de

aguardo processual, a SEMTAS informou, via ligação telefônica, que o ofício havia sido

recusado, sob a justificativa de que o órgão estava passando por um momento de

“reordenamento interno” e, por isso, não poderia receber demandas externas naquele período.
95

Diante disso, pensando em outras possíveis instituições que poderiam viabilizar o acesso

aos dados necessários à pesquisa, recorreu-se à 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ª VIJ) –

responsável pela execução das medidas socioeducativas –, comarca de Natal, como nova

possibilidade para apreciação do ofício. No período de quinze dias, a 1ª Vara avaliou o

documento positivamente e foi dado início às atividades de campo da pesquisa.

À princípio, as atividades na 1ª VIJ se resumiram a apreciar os processos que haviam

sido arquivados recentemente, como forma de conhecer o conteúdo desses documentos e outras

informações que neles constassem e que poderiam contribuir com este estudo, para além dos

dados previamente pensados.

No tocante à caracterização da execução de medidas em meio aberto no município de

Natal, obteve-se acesso a relatório de inspeção do Conselho Nacional de Justiça31 (CNJ). As

informações desse documento descrevem aspectos fundamentais do funcionamento do serviço

e foram utilizadas e analisadas na apresentação dos resultados deste estudo, junto a trabalhos

acadêmicos e outros documentos que contextualizam a realidade das medidas em meio aberto

em Natal.

Ainda na 1ª VIJ, teve-se acesso aos processos arquivados de todos os adolescentes

egressos de medidas socioeducativas em Natal e, consequentemente, foi possível analisar os

PIAs referentes aos participantes da pesquisa. Na apreciação dos PIAs, atentou-se para as metas

registradas e para os resultados vinculados a elas ao final do cumprimento de medida.

Considerando a centralidade do PIA como instrumento pedagógico, o acesso a esse documento

31
O Conselho Nacional de Justiça foi criado em 2004 pela Emenda Constitucional 45 com o intuito de funcionar
como um órgão moralizador e de controle do sistema de Justiça. Atualmente, atua, também, no planejamento
estratégico do Poder Judiciário.
No âmbito do sistema socioeducativo local, o CNJ realiza, semestralmente, inspeções a estabelecimentos e
entidades de atendimento ao adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas e essas visitas subsidiam a
construção de relatórios institucionais sobre as condições de funcionamento de cada unidade. Os documentos aos
quais se teve acesso para fins desta pesquisa referem-se às visitas feitas no mês de junho e outubro de 2015 ao
Serviço de Proteção a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – Liberdade
Assistida (LA) e Prestação de Serviço (PSC) de Natal-RN.
96

apresentou elementos que ilustraram como se deu o processo socioeducativo de cada

adolescente, uma vez que permitiu visualizar aspectos relacionados ao estabelecimento e ao

cumprimento das metas.

4.2 Participantes da pesquisa

Como critério de inclusão para participação da pesquisa, considerou-se os processos

iniciados e finalizados no ano de 2015. Ou seja, definiu-se como participantes deste estudo os

adolescentes que haviam começado e terminado o cumprimento de medida socioeducativa

nesse ano. Esse parâmetro foi escolhido por possibilitar acessar informações atualizadas sobre

como o atendimento socioeducativo vem se dando na cidade e sobre quem são, hoje, os

adolescentes egressos desse serviço32.

Abarcando apenas os processos ajuizados e arquivados no ano de 2015, havia um total

de 64 documentos, os quais poderiam ter sido arquivados por diversos motivos, não apenas pela

finalização de cumprimento de medida. Por isso, acessou-se, via sistema virtual de atividades

da 1ª VIJ, os motivos de arquivamento de cada um desses 64 processos – que serão apresentados

na seção de resultados deste trabalho – e encontrou-se, dentre eles, apenas 20 casos em que a/o

adolescente havia, de fato, finalizado satisfatoriamente a medida socioeducativa. As 20 pessoas

referentes a esses casos foram selecionadas como participantes da pesquisa.

32 Até o momento em que foi iniciada a pesquisa documental, o universo de possíveis participantes deste trabalho
não era conhecido. Haviam sido definidos alguns critérios de inclusão dos participantes, considerando os objetivos
da pesquisa e o documento legal do SINASE, por exemplo: estavam incluídas pessoas de ambos os sexos,
masculino e feminino; residentes em Natal; e que houvessem ingressado no sistema socioeducativo, pelo menos,
a partir de 2012 (considerando que o marco legal do SINASE se deu nesse ano).
Ao solicitar-se à 1ª VIJ o número de processos arquivados – considerando que, quando da finalização do
cumprimento de medida socioeducativa, os processos são arquivados – desde o ano de 2012, encontrou-se o
número de 956 casos entre 2012 e 2015. Diante da quantidade de documentos levantados, foi estabelecido o outro
parâmetro de seleção dos participantes, que acabou por basear este estudo: a inclusão apenas dos adolescentes que
iniciaram e finalizaram o cumprimento de medida socioeducativa em 2015.
97

4.3 Entrevistas

Recorreu-se aos processos desses(as) 20 adolescentes em busca de seus contatos

telefônicos para, a partir deles, convidar a participar da pesquisa. Na etapa da realização das

ligações telefônicas, novos desafios surgiram: após várias tentativas, os números de nove,

dos(as) 20 adolescentes, não davam acesso a essas pessoas, pois as chamadas iam direto para a

caixa postal, ou os números “não existiam”, ou estavam sendo usados por pessoas que diziam

não conhecer os(as) adolescentes.

Além disso, em cinco dos 20, os titulares das linhas telefônicas eram familiares dos(as)

adolescentes, os quais, em alguns casos, não residiam e/ou tinham pouco contato com estes(as),

o que dificultou, quando não impossibilitou, o acesso aos/às jovens. Em alguns casos, inclusive,

após a pesquisa ser apresentada via telefonema, os familiares passavam a não mais atender às

ligações seguintes. Nessas situações, após diversas tentativas em que as chamadas não eram

atendidas, entendeu-se como uma recusa implícita em manter o contato e, logo, permitir a

participação do(a) adolescente na pesquisa.

Outro caso que impossibilitou o acesso a dois possíveis participantes foi o fato de não

terem sido informados números telefônicos nos processos. Apesar de ter-se acesso, via

documentos, aos endereços de todos(as) os(as) adolescentes, optou-se por não utilizar a ida às

casas dessas pessoas como estratégia de acesso a elas, por se considerar que essa via poderia

ser percebida como invasiva para os(as) adolescentes e que poderia gerar desconfiança e

desconforto aos mesmos.

Dois outros casos específicos impossibilitaram a convocação aos adolescentes a

participarem da pesquisa: um adolescente não residia mais em Natal, pois havia ido estudar em

outro município; e outro estava servindo ao quartel e não possuía tempo disponível para contato

com a pesquisadora.
98

Ao final de um mês de ligações telefônicas realizadas quase que diariamente, conseguiu-

se contato com apenas cinco adolescentes, dos quais dois aceitaram participar e foram

entrevistados e os outros três se recusaram a realizar a entrevista.

Diante da dificuldade de encontrar mais participantes para a pesquisa dentre as 20

pessoas consideradas, pensou-se a seguinte estratégia: se, mesmo após o cumprimento de

medida socioeducativa, o(a) adolescente e sua família devem permanecer sendo acompanhados

por outros serviços da rede socioassistencial, essas famílias, provavelmente, estariam

referenciadas no PAIF ou no PAEFI e, portanto, os CRAS ou CREAS poderiam ter contatos

telefônicos atualizados que permitiriam acesso aos(às) adolescentes. Isso poderiam eliminar o

obstáculo encontrado a partir dos números errados/inexistentes/fora da área de serviço.

Sendo assim, recorreu-se aos CRAS e CREAS do munícipio, em busca dessas

informações. Além disso, visitou-se o serviço executor das medidas socioeducativas em meio

aberto de Natal, com o mesmo intuito de buscar novos contatos telefônicos dos adolescentes,

ou mesmo de facilitar o acesso a essas pessoas a partir dos profissionais que os conheceram

durante o cumprimento de medida.

Através das visitas institucionais, foram obtidos novos números referentes a dez

adolescentes. Apesar de alguns desses contatos também já estarem desatualizados, essas novas

informações possibilitaram o acesso a mais quatro pessoas, das quais duas aceitaram realizar a

entrevista e uma recusou-se.

Por fim, obteve-se, então, o seguinte quadro:


99

Tabela 1

Contato com os adolescentes

Entrevistas realizadas 4
Recusa em participar da pesquisa 4
Números errados/não existentes/chamada encaminhada para a caixa postal 4
Telefone não informado no processo e não obtido posteriormente 1
Familiares usuários da conta telefônica – impossibilidade de acesso aos 5
adolescentes
Outros casos 2
Total 20

As quatro entrevistas foram realizadas individualmente e aconteceram em locais

previamente acordados e considerados convenientes para a entrevistadora e para os(as)

entrevistados(as). Sugeria-se, inicialmente, a realização na própria UFRN, como forma de

identificar a atividade à instituição, e lá ocorreu uma das entrevistas. As outras três entrevistas

ocorreram na praça de alimentação de um centro comercial próximo à universidade, por

preferência dos(as) próprios(as) adolescentes.

As entrevistas tiveram como guia um roteiro semiestruturado de perguntas que continha

seis blocos temáticos de questões: (1) caracterização sociodemográfica, (2) educação formal,

(3) trabalho e profissionalização, (4) acesso familiar à rede socioassistencial e intersetorial, (5)

cumprimento da medida socioeducativa e (6) condições presentes e projetos para o futuro.

Esses aspectos foram definidos com base nas leituras feitas para a fundamentação

teórica deste trabalho, nas quais tais fatores são apresentados como sendo significativos durante

e ao fim do cumprimento de medida socioeducativa. Além disso, eles são, também, direta ou

indiretamente, aspectos contemplados nas metas dos PIAs dos adolescentes. Tendo isso em

vista, entendeu-se como importante investigá-los na situação de pós-medida. Ao mesmo tempo,

o caráter semiestruturado do roteiro de entrevista possibilitou a emergência de aspectos outros

não considerados previamente.


100

As entrevistas aconteceram entre os meses de maio e agosto de 2016, período em que

foram feitos os contatos com todos os 20 adolescentes considerados inicialmente. As conversas

foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas, para realização da análise das

informações. Foram entrevistados dois adolescentes do sexo masculino e dois do feminino e

todos haviam cumprido medida socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade no ano

de 2015.

4.4 Aspectos éticos

O presente estudo foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital

Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e recebeu

aprovação em 29 de março de 2016, mediante parecer de número 1.467.530.

Foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) nos casos em que

os(as) entrevistados(as) tinham mais de 18 anos, e, para os casos dos menores de 18 anos, o

TCLE (para os pais/responsáveis) e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE)

foram garantidos. Em todos os casos, as entrevistas foram gravadas em áudio apenas após

permissão concedida e assinada no Termo de Autorização de Gravação de Voz. Todos esses

documentos foram lidos em voz alta junto aos(às) participantes da pesquisa antes do início da

entrevista, bem como foram assinadas duas cópias de cada documento: uma para posse do(a)

entrevistado(a), outra para a pesquisadora.

4.5 Procedimentos de análise de dados

Os dados da pesquisa documental e as transcrições das entrevistas foram objeto de

leitura exaustiva e aprofundada, buscando compreender o conteúdo emergido, a incidência e a

qualidade de cada informação. A organização e apresentação dos conteúdos foram direcionadas


101

tendo por base os referenciais teóricos que sustentaram este estudo, os quais foram explicitados

nos capítulos teóricos iniciais.

Buscou-se, para além da apresentação descritiva das informações, concatenar os dados

obtidos na pesquisa documental e nas entrevistas. As associações entre os dados dessas duas

etapas não parte da ideia simplificada de que a vida do adolescente no pós-medida foi

inteiramente redefinida pelo cumprimento de medida em meio aberto; mas, sim, parte do fato

de que a experiência socioeducativa pode ser significativa para essas pessoas e que, atrelada a

ela, há uma série de previsões quanto à garantia de direitos que podem influenciar a vida do

adolescente e de sua família.

A análise construída a partir dos dados buscou problematizar o fenômeno estudado

tendo por base, principalmente, os seguintes pressupostos: o de que aspectos que atravessam o

sistema socioeducativo consistem em desdobramentos e expressões da “questão social”; a

criminalização da juventude pobre a negra; a visão hegemônica na sociedade capitalista que

lida com os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas pela via da repressão e

segregação; a fragilidade do Estado e das políticas públicas e sociais, tanto na execução do

atendimento socioeducativo, como no funcionamento e articulação de todo o Sistema de

Garantias de Direitos da criança e do adolescente; e as implicações de todos esses aspectos na

realidade dos egressos de medidas socioeducativas.

Para tanto, foram apresentadas interlocuções entre a realidade mostrada a partir da

literatura já existente na área e os dados encontrados na pesquisa, dando enfoque às

aproximações, aos distanciamentos e às complementações entre os dois conteúdos. A partir

dessas articulações, a discussão foi dividida em quatro tópicos principais, a saber: (1)

caracterização do funcionamento do atendimento socioeducativo em meio aberto em Natal-RN;

(2) análise da situação processual do cumprimento de medida socioeducativa; (3) perfil dos
102

adolescentes que iniciaram e finalizaram o cumprimento de medida socioeducativa em meio

aberto em 2015; e (4) os adolescentes entrevistados e a vivência no pós-medida.


103

CAPÍTULO 5: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

5.1 Caracterização do funcionamento do atendimento socioeducativo em meio aberto em

Natal-RN

Conforme previamente mencionado, a caracterização aqui apresentada foi construída a

partir de informações provenientes de diferentes fontes: de relatórios de inspeção produzidos

pelo CNJ a partir de visitas ao serviço de atendimento socioeducativo em meio aberto em Natal,

em junho e outubro de 2015; dos documentos do Instituto Brasileiro de Administração

Municipal (IBAM, 2014a; IBAM, 2014b), que dispõem sobre o funcionamento do meio aberto

nas 27 capitais brasileiras; de trabalhos acadêmicos recentes (Ferreira, 2016; Freire, 2015) que

analisam o funcionamento desse mesmo serviço; e do plano decenal de atendimento

socioeducativo do município de Natal (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do

Adolescente, 2016), que estava em processo de construção e finalização durante o período de

realização deste estudo.

À princípio, é importante contextualizar que a municipalização do serviço de medidas

socioeducativas em meio aberto de Natal teve início no ano de 2007, quando a gestão e a

execução dessas medidas passaram para a responsabilidade da SEMTAS. Até então, elas eram

executadas pela Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (FUNDAC), órgão vinculado

à Secretaria Estadual de Trabalho, Habitação e Assistência Social e que, hoje, permanece sendo

responsável pela execução das medidas socioeducativas de privação e de restrição de liberdade.

Desde que a municipalização foi implementada, em 2007, o atendimento socioeducativo

em meio aberto tem sido realizado por equipe multidisciplinar, a qual desenvolve o trabalho de

acompanhamento, orientação e apoio aos adolescentes, e tem acontecido em um espaço físico

específico para esse fim (Ferreira, 2016). Em 2009, a Tipificação dos Serviços

Socioassistenciais definiu que o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento


104

de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto deve acontecer nos CREAS, em seus espaços e

territórios de atuação. Apesar disso, o Serviço de Natal ainda não se adequou totalmente a esse

formato e encontra-se em um processo gradual de integração da execução da LA e da PSC aos

CREAS de cada região administrativa da cidade.

No ano de 2015 – no qual os participantes deste estudo cumpriram medidas

socioeducativas –, a execução do meio aberto ocorria, para todas as regiões, centralizada na

mesma unidade pública. Ou seja, os adolescentes que residiam em qualquer zona da cidade

tinham um único local de referência, onde recorriam à equipe técnica.

Já no momento de escrita deste estudo, os casos de cumprimento de medidas em meio

aberto correspondentes às regiões sul e leste da cidade já ocorriam nos CREAS, enquanto que

os referentes às zonas norte e oeste contavam com uma unidade física separada e específica

para esse fim. Neste último caso, a articulação com os CREAS se dava por meio de

encaminhamentos dos dados das famílias aos serviços referentes à região administrativa onde

residiam33.

A divisão de acordo com as zonas administrativas está embasada nas discrepâncias entre

as demandas de cada localidade. A maior parte dos adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa reside nas zonas oeste e norte da cidade, ao passo que poucos moram nas regiões

sul e leste. Por exemplo, em 2013, 71,03% dos casos acompanhados eram referentes a

residentes das zonas norte e oeste, número que permaneceu seguindo o mesmo padrão em 2014

(70,53%) (Conselho Municipal dos Direitos da Crinaça e do Adolescente, 2016). Tal

33 É necessário salientar que, no ano de 2016, o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de
Medida Socioeducativa em Meio Aberto de Natal começou a passar por um processo de reordenamento nos modos
de organização de seu funcionamento. Foi a partir desse momento que as equipes que referenciam as zonas sul e
leste foram direcionadas aos respectivos CREAS, bem como foram modificadas as estratégias pedagógicas das
oficinas de Liberdade Assistida.
É fato que essas e outras mudanças propostas no reordenamento podem vir a alterar algumas características do
funcionamento do serviço, tornando desatualizada a descrição feita neste trabalho. Entretanto, é imprescindível
apresentar o formato como o serviço vinha acontecendo em 2015, para retratar a realidade que os adolescentes
participantes deste estudo vivenciaram quando do cumprimento das medidas socioeducativas.
105

característica não é aleatória: essas duas regiões concentram o maior número de habitantes e os

bairros mais pobres de Natal, tendo, ambas, rendimento nominal médio mensal inferior a um

salário mínimo (Nunes et al., 2015).

No mês de outubro de 2015, o serviço apresentava um total de 342 adolescentes

vinculados, dos quais 154 cumpriam LA e 188, PSC. Existiam, também, 379 medidas

suspensas, por diferentes motivos: em 149 casos, estava sendo aguardado parecer do judiciário;

em 77 casos, os adolescentes completaram maioridade penal naquele semestre; em 57, estava

sendo aguardado posicionamento do juiz; e em 138 casos houve descumprimento de medida34.

A cada ano, uma média de 440 novos adolescentes entram no serviço de atendimento

socioeducativo em meio aberto de Natal (Natal, 2014 como citado por Ferreira, 2016). Somados

aos remanescentes dos anos anteriores (tanto os que estão em cumprimento, como os que estão

com medida suspensa), o serviço abarca uma quantia de cerca de 800 adolescentes vinculados.

No mês de outubro de 2015, por exemplo, havia 72135 adolescentes.

Com base em informações de processos do ano de 2014, pode-se afirmar que a medida

socioeducativa mais aplicada é a LA (cuja frequência é correspondente a 46% dos casos),

seguida da PSC (31% das medidas aplicadas) e, por fim, da LA cumulada com a PSC, que

corresponde a 3% das determinações (Ferreira, 2016). É possível identificar um padrão de

aplicação das medidas socioeducativas de LA e PSC. A LA é mais frequentemente aplicada em

situações nas quais os adolescentes estão em situação de maior vulnerabilidade (como quadros

de dependência química, reincidência na prática de atos infracionais e evasão escolar) e que

34
Os dados aqui considerados foram extraídos de relatório de inspeção do CNJ, já mencionado. Porém, pesquisa
que investigou à análise de efetividade do serviço de medidas em meio aberto de Natal, desenvolvida por Ferreira
(2016), apresenta dados relativos ao mesmo serviço no mesmo período (outubro/2015) que diferem daqueles
obtidos pelo CNJ. Segundo Ferreira (2016), havia, no Serviço, 420 processos ativos. Além destes, existia um total
de 415 processos suspensos, por motivos diversos: 136 jovens estavam em situação de descumprimento da medida
socioeducativa, 101 não haviam sido encontrados e 178 aguardavam a extinção da medida após sua finalização.
Considerando que a análise documental realizada por Ferreira (2016) teve por base os registros do próprio serviço
de medidas socioeducativas, constata-se divergência entre os dados lá registrados e os obtidos pela Justiça.
35
Novamente, esse dado é proveniente do relatório do CNJ e diverge do apresentado por Ferreira (2016), que é de
835 adolescentes, apesar de ambos referirem-se ao mesmo serviço e ao mesmo período.
106

cometeram atos infracionais considerados mais gravosos, como aqueles análogos a roubo e

tráfico de drogas (Ferreira, 2016; Freire, 2015).

A equipe que desenvolve a execução das medidas em meio aberto era composta, em

outubro de 2015, por 40 funcionários (Ferreira, 2016), dentre os quais: uma coordenadora; seis

assistentes sociais; quatro psicólogos; dezesseis socioeducadores; três pedagogos; um terapeuta

ocupacional; um arte educador; um recepcionista; uma copeira; dois auxiliares de serviços

gerais; dois vigias; e dois motoristas36.

Os socioeducadores são responsáveis por acolher, acompanhar e orientar os

adolescentes e suas famílias. Eles também realizam encaminhamentos dos adolescentes às

instituições parceiras (nos casos de cumprimento de PSC), inserção dos mesmos em oficinas

(na LA) e acompanhamento durante as medidas. Além disso, participam das audiências na Vara

da Infância e da Juventude e contribuem com os estudos da equipe psicossocial sobre cada

família e com a elaboração dos relatórios finais de cumprimento de medida. A organização do

serviço se dava de modo que cada socioeducador era responsável pelos adolescentes residentes

de uma determinada zona administrativa da cidade.

Os psicólogos e assistentes sociais, por sua vez, compõem o que se denomina equipe

psicossocial e são responsáveis pelo atendimento inicial, de acompanhamento e final aos

adolescentes e suas famílias. Nesses momentos, esses profissionais preenchem o Prontuário do

Sistema Único de Assistência Social e guiam o processo de construção e acompanhamento do

PIA, além identificarem demandas e encaminharem os adolescentes e suas famílias para outros

serviços da rede de atendimento socioassistencial e intersetorial. A equipe psicossocial realiza,

ainda: visitas domiciliares, visitas institucionais, registro de informações que compõem as

36
No caso, nessa época, ainda não havia ocorrido o reordenamento do serviço por região administrativa, de modo
que a configuração citada se refere à equipe responsável pela totalidade dos atendimentos socioeducativos em
meio aberto em Natal.
107

estatísticas sobre a execução das medidas socioeducativas, elaboração de projetos, supervisão

de estágios e demais atribuições próprias das profissões específicas (Ferreira, 2016).

Porém, um estudo, ainda não publiccado, que investigou a implementação do PIA em

alguns serviços de meio aberto no RN apresentou que, na realidade, a organização do trabalho

da equipe no serviço de Natal não vinha ocorrendo conforme o prescrito (Araújo, Rodrigues &

Freire, 2016). Alegando dificuldades em lidar com a grande demanda de adolescentes, os

profissionais da equipe psicossocial não conseguiam fazer o acompanhamento efetivo do plano

individual de cada um, uma vez que, no tempo que tinham, era possível dar conta apenas da

realização dos atendimentos iniciais e finais.

O acompanhamento do adolescente durante o cumprimento da medida, bem como de

seus planos e metas estabelecidos para o processo socioeducativo, ficava à cargo dos

socioeducadores, por mais que não fossem estes os formalmente encarregados pela construção

do PIA. Ou seja, a parte da equipe que pactuava as metas e os compromissos com os

adolescentes no início do processo não era a mesma que os acompanhava no decorrer do

cumprimento de medida. A equipe psicossocial era chamada ao acompanhamento dos casos

apenas quando surgiam demandas em que os socioeducadores necessitavam de auxílio. Quando

isso não acontecia, o contato daquela com o adolescente se resumia ao início e ao término do

cumprimento de medida.

Essa fragmentação do trabalho tem consequência direta na efetividade do PIA,

instrumento pedagógico essencial no atendimento e acompanhamento socioeducativo. As

metas e os compromissos pactuados, não sendo postos como foco central do processo, perdem

sua continuidade e, fatalmente, são tratadas apenas como algo que tem que ser feito para que

seja apresentado à Justiça no prazo de 15 dias. Esvai-se o sentido basilar do Plano, que é o de

pôr a vida do adolescente como centro do processo socioeducativo.


108

Nos casos de PSC, essa dificuldade ocorria de modo ainda mais evidente. O adolescente

que cumpria PSC não era inserido em nenhuma outra atividade pedagógica além da prestação

de serviços e não havia momentos de integração entre os adolescentes das diferentes medidas

socioeducativas. Desse modo, a medida da PSC resumia-se à atividade de responsabilização,

ou melhor, à realização de serviços, independentemente de ela apresentar ou não um caráter

pedagógico para o sujeito. Como os adolescentes em cumprimento de PSC não precisavam,

necessariamente, frequentar a unidade base do serviço, ocorria de seu contato com a equipe

resumir-se ao atendimento inicial e final (Araújo, Rodrigues & Freire, 2016). Entre esses dois

encontros, o que havia era apenas um socioeducador monitorando sua presença na instituição

em que prestava serviço.

Nesse modo de funcionamento, a hierarquização do trabalho compromete diretamente

os fins principais da socioeducação: executar um atendimento que garanta os direitos básicos e

o cumprimento das metas pactuadas em conjunto. Para o adolescente, a medida socioeducativa

tende a significar, nesse modelo, a responsabilização pura e simples, assumindo um efeito muito

mais punitivo que socioeducador.

No que se refere às atividades desenvolvidas em cada tipo de medida socioeducativa,

relatório do CNJ apresenta que existiam, para o cumprimento de Liberdade Assistida, cinco

oficinas pedagógicas em funcionamento no segundo semestre de 2015. Cada uma apresentava

um tema diferente, podendo ser: letramento (produção de texto), xadrez, alfabetização,

cidadania e musicalidade e flauta (estes dois últimos conteúdos ocorrendo juntos).

As oficinas eram realizadas pela equipe pedagógica e cada uma possuía um projeto

básico no qual se ancorava. As oficinas de xadrez e música, por exemplo, tinham por objetivo

“valorizar e estimular o raciocínio lógico através de exercícios lúdicos, que promovam a

melhoria da autoestima, a disciplina, o desenvolvimento cognitivo dos socioeducandos e das

capacidades de comunicação e aprendizado” (Ferreira, 2016, p.128). Já as de letramento e


109

alfabetização poderiam auxiliar o adolescente no desenvolvimento da leitura e da escrita, de

modo complementar às atividades escolares.

Quanto à PSC, o relatório de inspeção aponta que existiam 98 entidades cadastradas

como parceiras para prestação de serviços, dentre elas: CRAS, CREAS, Unidades Básicas de

Saúde, escolas (principalmente, aquelas onde adolescentes que estão cumprindo medida

estudam), Organizações Não-Governamentais e fóruns do Tribunal de Justiça. Nessa

configuração, a realidade de Natal reflete a nacional: na prática, as parcerias para execução de

PSC têm ocorrido mais frequentemente na área da saúde e na educação, ocorrendo poucas

vinculações nos setores de cultura, esporte, lazer e trabalho (Secretaria de Direitos Humanos,

2013a).

Cada instituição parceira dispõe de um profissional de referência responsável pelo

acompanhamento ao adolescente na rotina institucional durante o tempo de cumprimento da

PSC. Além disso, um socioeducador deve permanecer em contato com esse adolescente, bem

como em diálogo constate com o profissional de referência da instituição parceira, no intuito

de acompanhar a frequência e o desempenho nas atividades e nas relações com os funcionários

e com a comunidade. Entretanto, como já indicado, o contato dos socioeducadores de Natal

com a instituições parceiras ocorria com menos frequência que o esperado (Araújo, Rodrigues

& Freire, 2016).

As atividades ofertadas pelas instituições para a PSC devem estar de acordo com a

escolarização atingida pelos adolescentes. Devido ao fato de, na maioria das vezes, estes não

ultrapassarem o Ensino Fundamental, os serviços prestados vinham sendo, geralmente,

atividades como de auxílio na limpeza e na organização de estruturas do ambiente institucional.

Nos casos em que o adolescente apresentava escolarização mais avançada, eram

disponibilizadas atividades como digitação, atendimento ao público e apoio aos funcionários

em atividades burocráticas.
110

Conforme já mencionado, não existiam atividades integrativas entre adolescentes que

cumpriam medidas socioeducativas distintas. No geral, as oficinas de LA ocorriam na unidade

física centralizada do serviço de medidas socioeducativas em meio aberto, o qual os

adolescentes frequentavam, no mínimo, semanalmente. Já a PSC resumia-se às atividades

desempenhadas pelo adolescente na instituição parceira.

Ao término da LA e da PSC, a equipe psicossocial realizava um atendimento final com

o adolescente, no qual era feita uma avaliação do cumprimento da medida e eram dadas as

orientações consideradas pertinentes a cada caso. Depois disso, o contato entre adolescente e

equipe era finalizado. Até o ano de 2015 o serviço não garantia a continuidade do

acompanhamento de todos os adolescentes na rede socioassistencial após o cumprimento de

medida. Segundo relatado por funcionária do serviço em conversa informal com a

pesquisadora, apenas naquele ano iniciou-se a prática de encaminhar os adolescentes egressos

aos CRAS e CREAS (a depender do caso) para acompanhamento no pós-medida.

No final de 2015, o projeto político-pedagógico (PPP) e o regimento interno da unidade

de atendimento em meio aberto ainda se encontravam em processo de construção. A

coordenadora do serviço previa que o PPP ficasse pronto até meados de 2016. Também em

2016 ocorreu a construção e a publicação do Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do

município de Natal.

Adentrando nos principais desafios do serviço de medidas em meio aberto de Natal,

uma questão que é mencionada em todas as fontes de informações consideradas para fins desta

caracterização é a articulação precária da rede de proteção social ao adolescente e a sua família.

Prevalece uma comunicação deficiente entre os diversos serviços da rede socioassistencial e

intersetorial, com destaque para a dificuldade de articulação com instituições que ofereçam

cursos profissionalizantes e com instituições parceiras para cumprimento de PSC (Ferreira,

2016; Freire, 2015; Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2014a). Ademais, a


111

maioria dos serviços que compõem a rede de atendimento ao adolescente autor de ato

infracional funciona com estrutura física precária e com insuficiência de recursos humanos e

materiais (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2016).

No que se refere à dificuldade de parcerias para o cumprimento de PSC, o entrave

encontra-se no preconceito e no estigma voltados aos adolescentes, por terem cometido ato

infracional. Já no tocante aos cursos profissionalizantes, os poucos projetos disponibilizados

são, muitas vezes, relacionados a atividades que não parecem atrativas aos adolescentes, ou não

representam possibilidade de inserção no mercado formal de trabalho (Freire, 2015), ou, ainda,

exigem nível de escolarização superior ao que a maioria dos adolescentes apresenta.

Os adolescentes que cumprem medidas em meio aberto em Natal apresentam a mesma

característica nacional quanto ao acesso e permanência na educação formal. Segundo dados de

relatório de inspeção do CNJ 37, há alto índice de evasão escolar e baixa escolaridade dentre os

adolescentes. Oitenta por cento cursavam o Ensino Fundamental, poucos estavam no Ensino

Médio e apenas dois adolescentes estavam matriculados no Ensino Superior, encontrando-se

no início do curso de graduação.

Outro desafio na execução do Serviço é a grande quantidade de adolescentes sob

responsabilidade de uma pequena equipe técnica. Mesmo que dividindo igualmente a

quantidade de adolescentes pela quantidade de socioeducadores – e desconsiderando que as

demandas por região administrativa são bastante diferentes entre si –, cada um dos

socioeducadores seria responsável por mais que o limite de adolescentes definido na resolução

do CONANDA de 2006, que é de 20 pessoas por técnico de referência. Associado a isso, e

segundo relatório do CNJ, a coordenação do serviço assumiu que o trabalho, que deveria

ocorrer interdisciplinarmente, acabava por ser realizado de modo multidisciplinar, não

37
Relatório referente à visita institucional feita em 22 de junho de 2015.
112

havendo, pois, diálogo suficiente entre os profissionais das diferentes áreas para a realização de

atendimento e acompanhamento mais efetivos.

São elencadas dificuldades, também, para a operacionalização do PIA. Dentre elas,

foram citadas o tempo, considerado curto, para preenchimento e envio do Plano ao Poder

Judiciário e a falta de qualificação por parte dos técnicos para preencherem o formulário

(Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2014a; Araújo, Rodrigues & Freire, 2016).

Os desafios referentes ao tempo para construção do PIA e aos poucos profissionais

integrando a execução do meio aberto, vale salientar, já foram apontados em outras pesquisas

e em outros territórios e não caracterizam a realidade apenas do município de Natal (Tono,

2014; Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2014a). Pelo contrário, essas e outras

dificuldades são espelhos da realidade nacional: em nenhuma das 27 capitais brasileiras, a

municipalização do atendimento em meio aberto está efetivamente implementada (Instituto

Brasileiro de Administração Municipal, 2014a).

5.1.1 Perfil dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio

aberto no município de Natal.

Considerando os dados referentes ao atendimento e ao acompanhamento

socioeducativos em meio aberto nos anos de 2013 e 2014, é possível traçar um perfil atual dos

adolescentes que cumprem medidas em Natal, com base nas informações apresentadas no plano

municipal decenal de atendimento socioeducativo (Conselho Municipal dos Direitos da Criança

e do Adolescente, 2016).

A maioria dos adolescentes natalenses que cumprem medida socioeducativa em meio

aberto é do sexo masculino (parcela que correspondeu a 85% do total em 2013 e 78,8% em

2014), possui entre 15 e 17 anos (69,2% em 2013 e 68% em 2014) e se autodeclara pardo

(62,2% em 2013 e 60,3% em 2014). Na maioria dos casos, os adolescentes que cumprem
113

medida em meio aberto estão sendo responsabilizados por ato infracional pela primeira vez e o

ato de maior incidência é o análogo ao crime de roubo (que correspondeu a 40,6% dos casos

em 2013 e 46,2% em 2014). A maioria dos adolescentes declara ser usuário de substâncias

psicoativas (54,9% em 2013 e 50,8% em 2014), sendo a maconha a mais utilizada.

Maior parte dos adolescentes que chegam ao serviço de medidas socioeducativas não

está frequentando a escola (56,7% em 2013 e 61,2% em 2014). Aqueles que permanecem

estudando, por sua vez, não conseguem concluir o 9º ano do Ensino Fundamental, o que ainda

chega a ultrapassar a média nacional – que é de estudo até o 6º ou 7º ano, segundo dados do

Conselho Nacional de Justiça (2012). Além disso, a interrupção da trajetória escolar é

frequente.

Entre os adolescentes, há índice significativo dos que exercem trabalho informal (27,8%

em 2013 e 32,4% em 2014), bem como daqueles que, apesar de já terem desempenhado algum

trabalho anteriormente, estavam desempregados durante o período em que cumpriam medida

socioeducativa (35,2% em 2013 e 32,4% em 2014). Ao mesmo tempo, é inexpressivo o número

de adolescentes que possui vínculo formal de trabalho (1,8% em 2013 e 3,7% em 2014) e é

significativo o número relativo aos que nunca trabalharam (35,2% em 2013 e 31,5% em 2014).

A maior parte dos adolescentes se declara solteiro (85,7% em 2013 e 83,1% em 2014)

e reside em casa própria junto à mãe e outros familiares. No tocante à renda, as famílias

sobrevivem com até dois salários mínimos e não recebem benefícios sociais.

Consideradas essas características, é possível constatar que o cenário natalense parece

não diferir do nacional, quanto ao perfil dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa

em meio aberto. Na pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal

(2014a), em que se analisou o funcionamento dos programas de meio aberto, cada uma das 27

capitais do país traçou um perfil dos adolescentes em cumprimento de medida e as


114

características mais frequentemente mencionadas38 foram: sexo masculino, negros, vivência

em situação de pobreza, uso de substâncias psicoativas e baixa escolaridade. Além disso, outras

duas características citadas com frequência foram o fato de esses adolescentes não terem seus

direitos básicos garantidos ao longo da vida e de suas famílias terem uma figura feminina (seja

a mãe ou a avó do adolescente) como provedora econômica e referência afetiva.

5.2 Análise da situação processual do cumprimento de medida socioeducativa

Como já descrito anteriormente, no percurso metodológico deste estudo, buscou-se,

junto à I Vara da Infância e da Juventude, a quantidade de processos iniciados e finalizados em

2015 para compor o quadro de possíveis participantes da pesquisa e foi encontrado o número

de 64 processos. Diante desse quantitativo, fez-se necessário investigar quantos desses

processos haviam realmente sido finalizados por motivo de cumprimento de medida

socioeducativa. Por indicação de outros estudos acadêmicos, esperava-se que outras causas

levassem à extinção de medida, como falecimento, cometimento de infração após a maioridade

penal ou por ter o adolescente completado a idade de 21 anos.

O que não se esperava, e que se configura como um dado preocupante, é que apenas 20

– menos de um terço do total – desses processos foram arquivados, de fato, por finalização do

cumprimento de medida. A abaixo indica os motivos de arquivamento de todos os 64 processos

considerados:

38
Fala-se, aqui, em “aspectos mais frequentemente mencionados” – e não em “perfil nacional” – porque, segundo
o próprio IBAM (2014b), os dados fornecidos pelos serviços de medidas socioeducativas em meio aberto das 27
capitais brasileiras são imprecisos e devem ser utilizados “com cautela” (Instituto Brasileiro de Administração
Municipal, 2014b, p.64). O Instituto alerta que nem todos os serviços por ele consultados tinham sistematizadas
as informações requeridas sobre o perfil dos adolescentes em cumprimento de medida. Sendo assim, o próprio
IBAM optou por apenas apresentar algumas características mais evidentes, sem assumir a estruturação de um perfil
nacional. As características aqui mencionadas foram retiradas das respostas enviadas pelos serviços para o IBAM,
as quais constam no documento publicado.
115

Tabela 2

Motivos de arquivamento dos processos

Motivo de arquivamento do processo Quantidade de


processos
Cumprimento de medida socioeducativa 20
Unificação de medidas socioeducativas 37
Condenação por crime 2
Litispendências 2
Delegações de competência 2
Falecimento 1
Total 64

Os números relativos aos motivos de arquivamento, apesar de representarem apenas

uma pequena fração dos processos abertos desde 2012 (início da vigência da lei do SINASE),

apresentam dados significativos para a compreensão do funcionamento do atendimento

socioeducativo local. Além da pequena quantidade de cumprimentos finalizados, fato

igualmente grave consiste no número de unificação de medidas.

A unificação ocorre quando existe mais de um processo contra um mesmo adolescente.

Nesses casos, em virtude do caráter pedagógico da medida socioeducativa, não faz sentido

atribuir várias medidas a um mesmo adolescente e unificam-se os processos em uma única,

julgada mais adequada para o caso do sujeito e a partir da qual ele possa ser responsabilizado e

acompanhado.

Tendo isso em vista, o considerável número (mais da metade) de processos arquivados

por unificação de medida indica uma quantidade expressiva, também, de casos de reincidência

de adolescentes no ato infracional. Disso emerge a necessária problematização sobre se o

atendimento socioeducativo tem tido, de fato, a possibilidade de contribuir com a interrupção

da trajetória infracional, considerando as dificuldades relacionadas à precarização de seu

funcionamento acima mencionadas. Isso encaminha para uma outra preocupação: a de que,

aparentemente, o atendimento socioeducativo ou está contribuindo, ou não está impedindo, que


116

o adolescente, ao entrar no sistema, nele permaneça, acumulando diferentes infrações à lei e

responsabilizações.

A reincidência também pode ser identificada em outros dois casos dentre os 64

processos arquivados: nas situações em que houve extinção devido à condenação por crime.

Nesses casos, os jovens cometeram atos infracionais enquanto cumpriam medida

socioeducativa, mas como já tinham completado 18 anos, passaram a ser responsabilizados no

sistema penitenciário.

Casos como esses, analisados em um cenário de precarização do funcionamento do

sistema socioeducativo e de um nível considerável de reincidência, fazem pensar até que ponto

esse sistema não acaba por funcionar como o ingresso em um processo de punição que,

posteriormente, apenas se torna mais violento – no caso, no sistema penitenciário.

A situação de extinção do processo por motivo de falecimento do adolescente preocupa,

ainda mais, quando considerado junto aos outros dados. Diante de uma situação de permanência

dos jovens na trajetória infracional, é ingênuo supor os casos de morte como se dando por

motivos aleatórios, independentes da realidade de violência em que se inserem.

Por fim, é importante explicitar os quatro casos de arquivamento restantes. A situação

de litispendência diz respeito à existência de mais de um processo que, apesar de ocorrerem em

paralelo, são relativos ao mesmo caso e possuem as mesmas partes. Ao serem identificados os

dois processos iguais, há extinção do segundo processo aberto.

Já a situação de delegação de competência consiste em outorgar a outrem atribuições –

no caso, o processo – que, incialmente, estavam sob responsabilidade de um outro juízo. Nos

dois casos aqui considerados, isso ocorreu porque os adolescentes em questão tinham passado

a residir em outras unidades federativas e, por isso, os processos contra eles foram transferidos

para as devidas comarcas.


117

Conforme mencionado anteriormente, o número de adolescentes acompanhados pelo

serviço de execução de medidas socioeducativas em meio aberto em Natal é bastante

expressivo, chegando a mais de 700 adolescentes, quando somados a quantidade que se vincula

ao serviço a cada ano aos remanescentes dos anos anteriores. Tendo isso em vista, e

considerando que apenas 20 adolescentes iniciaram e finalizaram o cumprimento de medida em

2015, fica evidente que essas pessoas conseguiram cumprir com o referido processo

socioeducativo em um tempo bem mais breve do que costuma acontecer na cidade.

Ora, se uma média de 440 adolescentes ingressam no serviço ao ano, para que se some

mais de 700 pessoas é preciso que cerca de 300 sejam remanescentes dos anos anteriores, o que

indica que, dentre outras situações, a medida não está sendo cumprida em um ano. Passou-se a

pensar, então, se características em comum aos 20 adolescentes poderiam ter contribuído para

que os mesmos finalizassem a medida em menos tempo.

Diante desse dado, questionou-se qual a porcentagem que essas 20 pessoas representam

diante do total de adolescentes que começaram a cumprir medida em meio aberto em 2015, na

intenção de melhor compreender o contexto estudado. Solicitados os dados à 1ª Vara da

Infância e da Juventude de Natal, obteve-se um total de 260 processos relativos à Liberdade

Assistida e 230 relativos à Prestação de Serviço à Comunidade, totalizando 490 adolescentes

que devem ter iniciado cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto em Natal, de

janeiro a dezembro de 2015.

Tem-se, então, o seguinte cenário: dos 490 processos relativos ao meio aberto, apenas

64 foram extintos no mesmo ano, sendo que, destes, só 4,08% do total de processos (o que

corresponde a 20 adolescentes) o foram por finalização do cumprimento de medida

socioeducativa. Como fator agravante, vale mencionar que quase metade desses processos
118

contemplavam aplicação de PSC (46,93%), ou seja, deveria ter prazo de execução de até seis

meses39. A tabela abaixo pode facilitar a visualização do cenário:

Tabela 3

Situação do cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto em Natal/RN em 2015

Adolescentes que iniciaram cumprimento de medida em 2015 490


(100%)
Adolescentes da PSC, que deveriam ter a medida finalizada em até seis meses 230
(46,93%)
Adolescentes que iniciaram e finalizaram o cumprimento de medida em 2015 20
(4,08%)

Sendo assim – e considerando que, dos 64 processos extintos, pelo menos 37 são de

casos de reincidência, em que o adolescente permanecerá por mais tempo no sistema

socioeducativo –, tem-se um número de mais de 400 pessoas que, provavelmente, tornaram-se

remanescentes no serviço em 2016. Diante de toda essa situação, é premente questionar: que

aspectos estão relacionados ao fato de os adolescentes não conseguirem cumprir medida

socioeducativa no prazo inicialmente estabelecido?

Algumas possíveis respostas podem ser encontradas em discussões feitas em trabalhos

acadêmicos sobre a realidade atual do cumprimento de medida em meio aberto em Natal. Freire

(2015), ao analisar a situação processual de 1097 adolescentes, os quais ingressaram na

execução de medida em meio aberto de 2010 a 2013, aponta que mais da metade esteve em

descumprimento de medida socioeducativa, situação que retarda o tempo em que se permanece

no sistema socioeducativo.

39
Não se deixou de considerar que as medidas de PSC que começaram a ser cumpridas a partir da metade de 2015
não necessariamente seriam finalizadas até o fim daquele ano, já que poderiam chegar a durar seis meses. Mesmo
assim, considera-se que esse aspecto não deve ter sido definidor do pequeno número de adolescentes que, de fato,
finalizaram a medida em 2015, tendo em vista os fatores que podem estar associados ao retardo no cumprimento
de medida, discutidos na continuidade do texto.
119

Dentre as razões para o descumprimento, a autora cita algumas, como rejeição à medida,

inimizades nos locais de cumprimento, ameaça de morte, dependência química, mudança de

endereço de residência do adolescente (distanciando-se do serviço e dificultando o

cumprimento da medida), greve dos servidores responsáveis pela execução do atendimento

socioeducativo e reincidência no ato infracional.

No tocante especificamente à reincidência, a autora aponta um índice preocupante:

através da análise dos processos de 2010 a 2013, constatou-se que 34,82% dos adolescentes

possuíam certidão de reincidência em seus respectivos processos. Dentre os motivos que

associa à essa questão, a autora situa que a precarização e a desarticulação da rede

socioassistencial e intersetorial de proteção ao adolescente, os quais deveriam amparar

basilarmente o sistema socioeducativo, possuem relação direta com a reincidência. Ela chama

atenção para as “falhas demonstradas no sistema socioeducativo, que levam o adolescente a

voltar ao ciclo vicioso de condutas infracionais pela impossibilidade de mudança apresentada

por sua família e meio social” (Freire, 2015, p. 74).

O índice local de reincidência, apesar de preocupante, ainda é inferior às taxas referentes

ao cenário nacional e regional. Uma pesquisa do CNJ com adolescentes em cumprimento de

medida socioeducativa de internação40 apresenta que, entre os entrevistados, em todo o país,

43,3% já haviam cometido outro ato infracional anteriormente. O índice relativo à região

Nordeste é ainda maior: 54% (Conselho Nacional de Justiça, 2012).

Ferreira (2016) e Freire (2015) chamam atenção para a quantidade de óbitos de

adolescentes que estavam em cumprimento de LA e PSC em Natal. A primeira autora indica

que, de 2008 a outubro de 2015, foram registradas 142 mortes, tendo sido 13 só em 2015, até

aquele momento, e sendo a maioria de vítimas de homicídios.

40
Não foi encontrado relatório ou pesquisa que apresentasse a taxa de reincidência nacional referente a todo o
sistema socioeducativo, tampouco a relativa, especificamente, às medidas em meio aberto.
120

O número significativo de óbitos de adolescentes em Natal também é apresentado pelo

documento “Homicídios na Adolescência no Brasil” (Melo & Cano, 2014). Segundo esse

relatório, que traz dados do ano de 2012, o índice de homicídio na adolescência41 na cidade era

de 5,35, o que representava o sexto maior índice entre as capitais brasileiras. O estado do Rio

Grande do Norte também ocupou o sexto lugar dentre as unidades federativas, apresentando

índice de 5,80. Tais dados mostram que os contextos municipal e estadual são mais violentos

para os adolescentes que a média do Brasil, que era de 3,32 naquele ano.

O Mapa da Violência de 2016 endossa essa realidade ao apontar que, no decênio 2004-

2014, a taxa de homicídio por armas de fogo por 100 mil habitantes no Rio Grande do Norte

cresceu 379,8%, fazendo o estado passar de 18º para 4º lugar no ordenamento decrescente das

unidades federativas por índice de homicídio. Em Natal, a taxa cresceu 441,1% no mesmo

período. Vale realçar, ainda, que enquanto as taxas nacionais de homicídio de pessoas brancas

diminuiu 27,1%, a de negros aumentou 9,9% (Waiselfisz, 2016).

As vítimas do aumento da violência configuram um grupo de pessoas muito específico:

jovens (particularmente, entre 15 e 29 anos), negros, do sexo masculino (Waiselfisz, 2016).

Esse perfil corresponde, não fortuitamente, com as características dos adolescentes que

cumprem medidas socioeducativas, escancarando a situação imperante de criminalização e

violência massiva contra a juventude negra. Tem-se, pois, que o aumento expressivo da

violência no contexto local acomete, particularmente, a vida desse grupo de pessoas.

Outro aspecto que pode estar associado ao prolongamento do tempo em que os

adolescentes permanecem no sistema socioeducativo, e que já fora acima mencionado, é a

grande demanda de adolescentes para uma equipe técnica e psicossocial considerada

insuficiente. Por exemplo, devido à pouca quantidade de salas para realização de várias

41
O índice de homicídios na adolescência tem por objetivo estimar a mortalidade por homicídio de pessoas na faixa
etária de 12 a 18 anos. Ele expressa, “para cada grupo de adolescentes que completaram 12 anos, o número deles
que não completará 19 anos, pois será vítima de homicídio nesse percurso” (Melo & Cano, 2014, p.9).
121

atividades de LA ao mesmo tempo, adolescentes são convidados pela equipe a aguardar alguns

meses para, só então, iniciarem o cumprimento de medida (Araújo, Rodrigues & Freire, 2016).

Além disso, o tempo de tramitação processual na Justiça também pode contribuir para

que o processo socioeducativo se prolongue. Isso ocorre, por exemplo, quando há longo tempo

decorrido entre a fase de conhecimento e a execução processual ou entre a proposição da ação

e a designação de audiências. Esses são alguns dos casos de tempos mortos processuais, isto é,

de tempo em que a morosidade processual advém de paralisação, sem que haja alguma utilidade

que a justifique.

Segundo os dados do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça,

referentes às atividades do ano de 2015, a taxa de congestionamento42 da Justiça Estadual do

Rio Grande do Norte na fase de execução de processos foi de 92%, índice ainda mais elevado

do que a alta média nacional, que era de 88,1% naquele ano (Conselho Nacional de Justiça,

2016).

Do mesmo modo, o índice de atendimento à demanda43 referente à Justiça Estadual local

também indica que o tempo de tramitação dos processos está sendo mais longo que o previsto,

o que pode ter implicações diretas no prolongamento do tempo em que o adolescente permanece

vinculado ao sistema socioeducativo. O índice referente à execução no estado é de 50%,

quando, segundo o próprio CNJ, o ideal é que esse indicador permaneça superior a 100%, para

evitar aumento dos casos pendentes.

Analisados alguns dos possíveis aspectos associados ao retardo da permanência dos

adolescentes no sistema socioeducativo em meio aberto, passa-se a questionar o dado oposto:

42
A taxa de congestionamento é o “indicador que mede o percentual de casos que permaneceram pendentes de
solução ao final do ano-base, em relação ao que tramitou (soma dos pendentes e dos baixados)” (Conselho
Nacional de Justiça, 2016, p.53).
43
O índice de atendimento à demanda consiste no “indicador que verifica se o tribunal foi capaz de baixar processos
pelo menos em número equivalente ao quantitativo de casos novos” (Conselho Nacional de Justiça, 2016, p.53).
Índices menores que 100% sinalizam que o total de processos baixados é menor que o de casos novos, o que
implica no acúmulo de casos pendentes e, logo, no aumento da taxa de congestionamento.
122

existem aspectos em comum aos 20 adolescentes que podem estar relacionados ao fato de eles

terem conseguido cumprir medida em tempo mais curto que os demais?

Durante o processo de pesquisa documental que constituiu este estudo, bem como

durante as entrevistas, foi observado que algumas características dos adolescentes considerados

como possíveis participantes da pesquisa divergiam, em alguns aspectos, do perfil geral dos

adolescentes que cumprem medida socioeducativa em meio aberto em Natal e no Brasil. Diante

disso, surgiu a curiosidade de, mediante as informações que constam nos processos arquivados,

identificar um perfil específico desses 20 adolescentes, considerando os mesmos elementos

utilizados para caracterizar o perfil geral de adolescentes do sistema socioeducativo, como

escolaridade e condição socioeconômica.

5.3 Perfil dos adolescentes que iniciaram e finalizaram o cumprimento de medida

socioeducativa em meio aberto em 2015

Dentre os adolescentes que iniciaram e finalizaram o cumprimento de medida em 2015,

a divisão por sexo é quase equitativa: há um total de nove pessoas do sexo feminino e onze do

masculino. Esse dado contrasta com a realidade de uma maioria significativa de adolescentes

do sexo masculino que compõem os serviços no âmbito local e nacional.

Freire (2015) apresenta que, entre 2010 e 2013, a porcentagem de adolescentes do sexo

feminino que compunha o serviço de Natal esteve por volta de 25% do público total. Em

pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal com os serviços de

medidas em meio aberto das 27 capitais do país, foi encontrada a proporção nacional de uma

adolescente do sexo feminino, para cada dez pessoas cumprindo medida socioeducativa

(Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2014b). Nesse cenário, apesar de a maior

parte do público vinculado ao SINASE ser de meninos, as meninas apresentaram-se em número


123

expressivo dentre aqueles que conseguiram cumprir em menos tempo, pelo menos no universo

contemplado neste estudo.

Apesar de a pesquisa documental ter possibilitado afirmar que a LA é a medida

socioeducativa que ocorre com maior frequência no atendimento em meio aberto em Natal, 18

dos 20 adolescentes aqui considerados cumpriram PSC e apenas dois, LA. Esse dado reflete

um viés assumido na pesquisa de campo: como os participantes dea pesquisa foram restritos

àqueles que iniciaram e terminaram o cumprimento de medida em 2015, era provável que a

maior parte dos sujeitos encontrados tivessem cumprido medida de duração mais breve – no

caso, a PSC. Como já mencionado, enquanto a LA dura, no mínimo, seis meses, este é o prazo

máximo de duração da PSC. Apesar disso, vale salientar que, considerando a quantidade de

adolescentes que começaram a cumprir medida em meio aberto em 2015, é possível que, em

doze meses, uma quantidade muito maior tivesse finalizado o cumprimento.

O ato infracional de maior incidência dentre os 20 adolescentes não foi o roubo (ato

mais frequentemente cometido em Natal e no Brasil44), mas lesões corporais leves e injúria –

que, juntos, caracterizam 10 dos 20 casos. Considerando o Código Penal Brasileiro, em que os

crimes e as respectivas penas são tipificados e a partir do qual os atos infracionais são

classificados, aos crimes de injúria (art. 140) e lesão corporal (art. 129) são atribuídas penas

menos gravosas do que ao crime de roubo (art. 157), o que leva a crer que este é considerado

mais grave do que os outros dois. Ou seja, os atos infracionais que aparecem como mais

frequentemente cometidos no grupo dos 20 adolescentes aqui referidos destoam daquele mais

44
A análise apresentada pelo IBAM (2014b), sobre o funcionamento dos serviços de meio aberto no Brasil, aponta,
na verdade, que o ato infracional mais frequente, dentre os cometidos pelos adolescentes que cumprem LA e PSC,
é o análogo ao tráfico de entorpecentes, ficando o roubo em segundo lugar. Porém, conforme já mencionado, o
próprio Instituto alerta para a imprecisão dos dados que apresenta, tendo em vista que nem todos os serviços por
ele consultados tinham sistematizadas as informações requeridas sobre o perfil dos adolescentes em cumprimento
de medida. Por isso, é alertado que os dados apresentados no documento devem ser afirmados “com cautela”
(Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2014b, p.64). Sendo assim, optou-se por utilizar o dado
publicado por Silva e Oliveira (2015), que converge com o que é apresentado pela Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República (2013a) ao afirmar que é o roubo o ato infracional mais incidente no Brasil.
124

incidente no município tanto em relação ao bem jurídico atingido, como em gravidade

(montante de pena).

Dezesseis dos 20 adolescentes declararam não fazer uso de substâncias psicoativas. Os

outros quatro usavam maconha e estavam abstinentes quando do atendimento socioeducativo.

De modo contrário, no cenário nacional, o uso de drogas é aspecto frequentemente citado

quando se trata do perfil do adolescente em cumprimento de medida em meio aberto (Instituto

Brasileiro de Administração Municipal, 2014a).

Para além do uso, o envolvimento com as drogas tem estado associado, muitas vezes,

ao ato infracional cometido. Por exemplo, o ato análogo ao tráfico de drogas configura como o

segundo mais frequente na tipificação dos atos (Secretaria de Direitos Humanos, 2013a). Além

disso, outros tipos, como roubos e homicídios, também estão, por vezes, associados

indiretamente ao envolvimento com o tráfico.

Como aponta Soares (2004), o tráfico de drogas é uma das dinâmicas criminais que mais

organicamente se articula à rede do crime organizado e mais se expande pelo país, tiranizando

comunidades pobres e recrutando seus filhos. Esse autor explica que o envolvimento no tráfico,

assim como a posse da arma, possibilita a conquista (muitas vezes, inédita) de visibilidade e

reconhecimento ao jovem. Além disso, garante-lhe retorno financeiro para consumir bens que

lhe atribuem valor social e que, antes, dificilmente seriam adquiridos.

No contexto midiático, o envolvimento com drogas é sempre utilizado como elemento

que justifica a culpabilização do adolescente e de sua família. Muitas vezes, esse aspecto

aparece como explicação até de sua morte, quando se atribui o motivo do óbito a “acerto de

contas” e, sem mais esclarecimentos, não há a preocupação sobre se haverá ou não investigação

sobre o caso. Aceita-se facilmente a morte em massa desses jovens.

Ainda em contraste com o perfil de Natal e do Brasil, apenas cinco adolescentes estavam

com a trajetória escolar interrompida quando chegaram ao serviço de medidas socioeducativas,


125

ou seja, a maioria estava estudando regularmente. Destes, um havia finalizado e sete estavam

cursando o Ensino Médio, nível escolar que não é frequentemente alcançado pelos adolescentes

em cumprimento de medida em Natal. Os 12 restantes estavam no Ensino Fundamental, dentre

os que haviam e os que não haviam interrompido a trajetória escolar.

Em relação à trabalho, o perfil dos 20 adolescentes é semelhante ao que configura a

realidade municipal. Seis pessoas apresentavam vínculo informal, duas, vínculo formal e

quatro, apesar de já terem tido experiência de trabalho anteriormente, estavam desempregados

quando do cumprimento de medida socioeducativa. Oito adolescentes declararam nunca ter

trabalhado.

Todos os 20 adolescentes são primários, quer dizer, não possuíam histórico de

responsabilização por cometimento de outros atos infracionais anteriormente. Não houve

nenhum caso de reincidência entre eles, o que contrasta com o nível significativo em que isso

ocorre localmente, como fora apresentado com base nos motivos de arquivamento dos

processos e em referências bibliográficas. Consoante com o perfil municipal, a maioria reside

nas regiões administrativas norte e oeste da cidade, mora com a mãe e outros familiares e possui

renda familiar mensal de até três salários mínimos.

Traçado esse perfil, é possível perceber que as características desses 20 adolescentes se

assemelham ao padrão de todos os que cumprem medida em meio aberto em Natal no que diz

respeito à região administrativa de residência, à configuração familiar com que vive, à renda

mensal, à situação de trabalho e ao fato de o ato infracional que levou ao cumprimento de

medida ter sido o único cometido por eles até então. Porém, as características de sexo,

escolarização, uso de substâncias psicoativas, ato infracional cometido e medida socioeducativa

cumprida destoa da média natalense e dos achados de outros estudos locais – no caso, Araújo

(2015) e Evangelista (2009) –, bem como da realidade de outras localidades do país – como em

Gonçalves (2015) e Marinho (2013) –, conforme já exposto.


126

Por outro lado, aspectos que destoaram do perfil geral podem denotar a vivência do

adolescente em situação de menor vulnerabilidade – no caso, a não exposição ao uso de

substâncias ilícitas, o não afastamento da educação formal45, a gravidade do ato praticado e o

cometimento de infração como situação pontual. Considera-se que esses elementos podem ter

relação com o fato dos participantes da pesquisa terem conseguido cumprir medida em menos

tempo do que a maioria dos adolescentes.

5.4 Os adolescentes entrevistados e a vivência no pós-medida

Um dado significativo para análise da vivência no pós-medida e que marcou o percurso

metodológico desta pesquisa consiste na dificuldade em acessar os adolescentes um ano após o

cumprimento de medida socioeducativa. Para realizar essa discussão, retoma-se, aqui, a Tabela

1, que ilustra a situação final de contato com os adolescentes:

Tabela 1

Contato com os adolescentes

Entrevistas realizadas 4
Recusa em participar da pesquisa 4
Números errados/não existentes/chamada encaminhada para a caixa postal 4
Telefone não informado no processo e não obtido posteriormente 1
Familiares usuários da conta telefônica – impossibilidade de acesso aos 5
adolescentes
Outros casos 2
Total 20

45
Sabe-se que a permanência na educação formal não significa, necessariamente, um fator protetivo para o
adolescente, principalmente quando se leva em conta o modo precário e descontextualizado como o ensino escolar
vem funcionando. No caso, não se admite que o estudo, em si, seja capaz de diminuir situações de vulnerabilidade
na vida do adolescente; mas, sim, que o abandono escolar está frequentemente associado à outras vivências que
denotam vulnerabilidades, como a necessidade de trabalhar para complementação de renda familiar, o
envolvimento com drogas e a gravidez na adolescência. A associação entre permanência na educação formal e
menor vulnerabilidade, feita no parágrafo, parte desta premissa.
127

Conforme já mencionado, ao final das tentativas de contato com 20 adolescentes, apenas

oito puderam ser acessados – incluindo os que aceitaram e os que recusaram a participação na

pesquisa. Nesse total, aliás, já se inclui os contatos obtidos após visita a serviços da rede

socioassistencial, a fim de se conseguir números telefônicos atualizados. Não fosse essa

estratégia, só se teria obtido acesso direto a cinco dos 20 adolescentes.

Longe de ser uma dificuldade especificamente local, estudos realizados com egressos

em outras cidades brasileiras também demonstraram dificuldade em acessar esses adolescentes,

encontrando, quando da busca por eles, casos de troca de número telefônico e endereço, morte

e reincidência, com consequente retorno ao sistema socioeducativo ou passagem para o sistema

prisional (Beretta, 2010; Marinho, 2013; Prado, 2014).

Outras pesquisas realizadas com egressos em Natal também encontraram esse desafio.

Evangelista (2008), que realizou seu trabalho com egressos da privação de liberdade, apesar de

ter desenvolvido seu estudo há quase dez anos, encontrou uma realidade semelhante à atual: os

destinos dos adolescentes eram desconhecidos pelas instituições onde haviam cumprido medida

socioeducativa; seus endereços mudavam com frequência; e grande parte dos adolescentes já

havia morrido. Já Araújo (2015), que retrata, em sua pesquisa, a vida de adolescentes egressos

do meio aberto, encontrou realidade semelhante ao deparar-se com o fato de que um dos seus

possíveis participantes de pesquisa havia sido assassinado.

A troca constante de contatos telefônicos é algo bastante comum dentre os adolescentes

em cumprimento de medida socioeducativa em Natal, conforme indicam relatos de práticas dos

profissionais – tanto do serviço de execução de medidas socioeducativas, como dos CRAS e

CREAS – em conversas informais com a pesquisadora. Estes atribuem como causa principal

desse fato a necessidade de os adolescentes não serem encontrados facilmente, pois, muitas

vezes, estão sofrendo ameaças ou sendo perseguidos. Trocar de telefone e de endereço são,

então, formas de proteger-se e de manter-se vivo.


128

Considerando que o período de busca pelos adolescentes ocorreu cerca de um ano após

o cumprimento da medida, a frequência de telefones inexistentes, errados ou cuja chamada fora

encaminhada para caixa postal (oito casos, inicialmente) denota uma preocupação sobre se

esses adolescentes também teriam mudado de contato para protegerem-se de ameaças. Apesar

de não ser possível afirmar que esta tenha sido a real causa, a constância com que isso ocorre

dentre esses adolescentes faz crer que seja uma explicação provável. E a preocupação advém

do fato de que eles, apesar de já terem passado pelo atendimento socioeducativo e terem sido

responsabilizados, permanecem desprotegidos.

Os casos dos adolescentes que chegam ao sistema socioeducativo costumam demandar

não só responsabilização, mas também proteção. A trajetória infracional pode estar associada a

situações de vulnerabilidade que nem sempre podem ser superadas pelas condições de vida do

adolescente e de funcionamento da rede de garantia de direitos, mas que põem em risco sua

proteção. E, se é uma realidade o “sumiço” ou o desconhecimento do paradeiro desses

adolescentes (não só em Natal, mas em outras cidades brasileiras), há motivos para supor que

o sistema socioeducativo está se ocupando da responsabilização, enquanto negligencia a

proteção desse público e a garantia dos direitos básicos que assegurariam sua integridade física

e a manutenção de sua vida. Com ação punitiva eminente, o sistema socioeducativo se faz

descumpridor de seus próprios objetivos e tem sido incapaz de contribuir para a interrupção da

trajetória infracional.

No momento inicial de busca pelos números telefônicos, foram encontrados dois

processos sem nenhum registro de contato. Isso faz pensar que os adolescentes possam estar na

situação anteriormente descrita de desproteção, ou que não possuíam aparelho telefônico móvel

ou fixo, ou, ainda, que o tinham, mas preferiram não disponibilizar. Fato é que esse aspecto

deve ter sido um obstáculo à comunicação da equipe profissional da execução de medida

socioeducativa com o adolescente; mas não apenas desse serviço, como também de outros da
129

rede socioassistencial e intersetorial, inclusive no período posterior ao atendimento

socioeducativo, o que pode ter implicações diretas na garantia dos direitos desse adolescente.

No que se refere aos casos de recusa em participar da pesquisa, os motivos denotam

uma postura de esquiva em lidar com o assunto, demonstrando desconforto. Assim como

aconteceu com Evangelista (2009) e Ferraz (2013), os adolescentes acessados nesta pesquisa

não entendiam, de imediato, a razão de estarem sendo procurados para falar sobre o

atendimento socioeducativo, quando eles já haviam sido responsabilizados e “já estavam

sossegados” – para usar o termo expresso por um deles. Alguns adolescentes e mesmo alguns

de seus familiares pensaram, inicialmente, que a pesquisadora fosse alguém do próprio serviço

de medida socioeducativa, que os estivesse buscando devido à alguma pendência institucional

que deveria ser atendida.

Seguem as respostas desses adolescentes ao convite para participação:

Não tenho interesse em participar não, porque... isso foi uma coisa muito injusta comigo,

e eu não quero participar. (Antônio, maio/2016)

O que eu tinha pra dizer, eu já disse lá. Eu gostei, achei justo com o que eu fiz, me

trataram bem... não quero participar [da pesquisa] não. Tô sossegado, graças a Deus.

(Francisco, junho/2016)

Nos outros dois casos, os adolescentes haviam previamente aceitado realizar a

entrevista, mas, depois, mudaram de ideia e cessaram o contato direto com a pesquisadora,

tendo sido suas mães as informantes sobre a recusa. Em um dos casos, a mãe avisou que a filha

havia desistido de participar da pesquisa, pois “não queria mais tocar nesse assunto”.

No outro caso, a pesquisadora mantinha contato com o adolescente via telefone da mãe

deste e, em determinado momento, a chamada passou a não ser mais atendida. Entrando em

contato posterior via rede social vinculada ao número de telefone móvel – Whats App –, a mãe
130

informou que o adolescente desistiu de participar da pesquisa, e, ao ser perguntada pelo motivo

para tal, ela não respondeu.

No intuito de discutir sobre a realidade atual de vida dos adolescentes após o

cumprimento de medida socioeducativa, serão apresentadas, a seguir, breves caracterizações

das condições em que cada um dos quatro entrevistados encontravam-se à época de realização

deste estudo.

José46 tinha 17 anos e residia com seus pais na região administrativa sul de Natal. Sua

família vivia com uma faixa de renda mensal situada entre cinco e dez salários mínimos. Ele

estava estudando o último ano do Ensino Médio em uma escola pública e se via, no futuro,

ingressando em uma universidade, para, então, graduar-se e trabalhar na área escolhida.

Enquanto isso, José trabalhava prestando serviço administrativo, buscando ganhar renda extra

à familiar para uso próprio. Por ter cometido ato infracional análogo à lesão corporal leve, ele

cumpriu medida socioeducativa de PSC durante quatro meses, situação em que, também,

realizou serviço administrativo.

João tinha 15 anos e residia na zona oeste da cidade. Morava com o pai e a avó e sua

família vivia com uma renda mensal de dois salários mínimos. Sua trajetória escolar vinha

sendo contínua e, à época da entrevista, ele cursava o 8º ano do Ensino Fundamental em uma

escola pública. João nunca havia trabalhado, mas dizia ter muita vontade de começar a

trabalhar. Desejava, para o seu futuro, graduar-se em Direito e, por adorar praticar esportes,

dizia querer ser, também, jogador de futebol e lutador de UFC (sigla de Ultimate Fighting

46
Os nomes que identificam os adolescentes entrevistados neste estudo são fictícios, por motivo ético de sigilo
sobre as identidades dos mesmos. Os nomes atribuídos consistem naqueles considerados os mais populares do
Brasil, segundo o projeto “Nomes no Brasil”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
em 2016, com base nos dados do Censo realizado em 2010. O propósito dessa atribuição é salientar que a realidade
dos entrevistados nessa pesquisa pode representar a de tantos outros brasileiros e brasileiras, em relação a seu
(in)acesso a políticas sociais de qualidade, a suas dificuldades de alcance e diálogo com a Justiça, e mesmo a sua
condição de vida como egressos do sistema socioeducativo. É provável que, justamente por serem José, João,
Maria, Ana, Antônio e Francisco, e não outros, vivam essa realidade.
131

Championship). Realizou atividades administrativas durante três meses na PSC, a qual cumpriu

por ter sido acusado de roubo.

Maria, 18 anos, estava cursando o último nível do Ensino Médio e tinha o sonho de

ingressar em uma universidade para estudar Psicologia. Pretendia graduar-se, “viajar o mundo

todo” (palavras dela), casar e ter filhos. Morava com os pais e mais seis irmãos em um bairro

na zona leste da cidade, onde viviam com um salário mínimo. Durante o cumprimento de PSC,

a qual foi atribuída após Maria ter sido acusada por ato análogo a furto qualificado, participou

de uma oficina de fabricação artesanal de vassouras, durante dois meses.

Por fim, Ana, 18 anos, morava com sua mãe e seus três irmãos em uma cidade da Região

Metropolitana de Natal, onde residiam com um salário mínimo mensal. Quando fora acusada

de cometer ato análogo à lesão corporal leve, ela residia na zona leste da capital. Devido ao ato

infracional, cumpriu serviços administrativos durante três meses. À época da entrevista, Ana

cursava o 2º ano do Ensino Médio em uma escola pública e vislumbrava para si, no futuro,

ingressar em uma universidade, mas ainda não havia se decidido quanto ao que iria cursar: se

Educação Física, Dança, Engenharia de Petróleo ou Geografia.

Já de início, é possível perceber que os entrevistados apresentam uma realidade que

destoa do que é mostrado em outras pesquisas (inclusive localmente), no que diz respeito à

escolarização. Ao contrário do que aparece no perfil geral descrito acima, nenhum dos

entrevistados deste estudo teve sua trajetória escolar interrompida antes, durante ou depois o

cumprimento de medida socioeducativa – até o momento de realização das entrevistas. Suas

metas em seus PIAs referentes à trabalho e profissionalização seguiram, inclusive, a prioridade

da continuidade dos estudos escolares: o trabalho e a profissionalização foram colocados como

secundários, estando o foco na escolarização.

Três dos entrevistados já estavam em vias de finalizar o Ensino Médio, quando alcançar

esse nível de escolaridade não é uma realidade para a maioria dos adolescentes que cumprem
132

medida socioeducativa em Natal. E o prosseguimento na educação formal – mais

especificamente, no Ensino Superior –, foi, inclusive, resposta unânime entre os entrevistados,

quando perguntados sobre quais eram seus planos para o futuro.

Quando questionados sobre o que pensavam sobre ir à escola ou sobre o que ela

simbolizava para eles, responderam:

Eu vejo a escola como um meio de formar, como um meio de... até a universidade

também. (José, maio/2016)

Eu vou lá pra aprender! [...] Eu acho importante, que a pessoa vai crescer como, sem

estudo? (João, junho/2016)

Ah, muitas coisas, e uma das coisas é a minha realização, né. O meu sonho, que é estudar

e me formar, né, na Psicologia. [...] Então a escola pra mim é uma realização, entendeu?

Dos meus planos futuros. (Maria, julho/2016)

Pra ter um futuro melhor. Porque a gente só tem um futuro melhor se ir pra a escola. Se

eu quiser ter um trabalho futuramente melhor... as coisa melhor futuramente, tem que

ter a escola. Tem que frequentar a escola. (Ana, agosto/2016)

Em seus discursos, é possível identificar que à educação formal é atribuída a via única

para obtenção de sucesso futuro na vida e o veículo de mobilidade social. Entretanto, é

importante considerar que, por trás desse entendimento geral da escola como caminho para o

sucesso, existe o engano de se imaginar que a educação formal representa “o ponto zero da

competição social por recursos escassos” (Souza, 2011, p. 82), como se todas as pessoas

pudessem ser preparadas a partir de chances iguais e, por isso, valesse a lógica da meritocracia.

O discurso hegemônico da escola como remédio para todos os males, comumente, não

leva em conta as precondições sociais do sucesso escolar e tampouco a má-fé institucional que

a rege, e, por isso, encobre e mascara a gênese profunda de injustiças e desigualdades sociais.
133

Como alerta Jessé Souza, “por mais importante que seja a escola [...] tomada isoladamente, ela

apenas legitima desigualdades que começaram muito antes dela” (Souza, 2011, p. 83).

Por exemplo, apesar de os entrevistados neste estudo ou os participantes de outras

pesquisas (Baquero et al., 2011; Evangelista, 2008) com adolescentes em situação de

vulnerabilidade reproduzirem esse mesmo discurso generalizado sobre a educação formal, é

provável que eles estejam em desvantagem em relação a outras pessoas quando da competição

por uma vaga no ensino superior ou de trabalho – principalmente, se as famílias desses outros

puderam arcar com escolas que apresentem maior qualidade de ensino ou com capital cultural

que favorecesse um entrosamento afetivo maior com a escola.

Para os entrevistados, o desejo por trabalhar antes de finalizar os estudos escolares

surgiu como necessidade de ganhar dinheiro, seja para complementar a renda familiar mensal,

seja para uso próprio. Apenas um entrevistado estava trabalhando e os outros três, apesar não o

estarem, afirmaram que gostariam de trabalhar. Como o principal intuito declarado do trabalho,

em todos os casos, era conseguir uma renda extra, os entrevistados disseram que aceitariam

trabalhar em diferentes âmbitos, não se restringindo a nenhum tipo/área de trabalho em

específico.

Nesse sentido, o emprego atualmente requerido por eles tem, ao que parece, caráter

diferente daquele que eles vislumbram em seus projetos de vida e que devem se dar em suas

respectivas áreas de formação superior: o primeiro gira em torno da subsistência, do

autossustento ou da independência financeira, enquanto o segundo, relaciona-se a um senso de

identidade e constitui-se enquanto projeto de vida idealizado.

Paulino (2016), ao realizar levantamento bibliográfico sobre estudos que investigaram

o sentido do trabalho para jovens, aponta que, de modo geral, as concepções sobre o trabalho

para esse público estão associadas, principalmente, à dimensão econômica dessa atividade.

Pesquisas que contemplaram jovens que vivem com baixa renda, como as desenvolvidas por
134

Borges (2010) e Dutra-Thomé, Telmo e Koller (2010), apontam que, para essas pessoas, o

trabalho está associado ao sustento e ao consumo, de modo que a subsistência se sobressai

frente a outros aspectos, como a identificação e realização pessoal com a função desempenhada.

Um dos blocos de perguntas que constituiu a entrevista teve como tema o acesso do

adolescente e de sua família à rede socioassistencial e intersetorial de direitos, o qual gerou

questões importantes para analisar o entendimento dos adolescentes sobre seus direitos e a

garantia ou não destes. Uma das perguntas questionava “como é, atualmente, o seu acesso e o

da sua família a direitos básicos, como saúde, educação, trabalho, moradia, cultura e lazer”.

Três dos entrevistados responderam, imediatamente, que era “normal”.

Para entender o que seria “normal”, vale analisar as condições objetivas de vida desses

adolescentes: eles residem em bairros (ou partes de bairros) com precário acesso a serviços da

rede pública de garantia de direitos e, considerando a renda mensal de suas famílias, é provável

que não consigam pagar pela totalidade de serviços privados que supram a falta daqueles. Nesse

sentido, então, a compreensão de funcionamento “normal” da rede de direitos deve incluir o

acesso e a qualidade precários dos serviços. Apesar disso, apenas uma adolescente reconheceu

essas dificuldades em seu cotidiano:

A saúde não, né. Porque, pra poder pegar uma ficha [para atendimento na Unidade

Básica de Saúde], querendo ou não, se arrisca. Porque tem que ir logo cedo, enfrentar

uma fila imensa. Sem falar que não é dentro do posto de saúde, é fora. Aí, já levando

pra a segurança, que é no meio da rua e, hoje em dia, todo canto tá perigoso. Então, a

saúde e a segurança não tá lá essas coisas. Aí pronto... [...] aí na minha escola, eu já não

tenho o que reclamar, porque é uma ótima escola. É ótima minha escola. Faz três anos

que eu estudo e eu não tenho o que reclamar não. [...] o que eu queria, no momento, é

um trabalho, que... todas as escolas tinha que pelo menos ter um cadastro em alguma

coisa de empregos, entendeu, pra jovens, que assim, se precisassem, entendeu,


135

procurassem a diretoria e explicassem a situação, pra eles vê o que, entendeu,

disponibilizar. Mas, fora isso, tá tudo... bem. (Maria, julho/2016)

Tem-se, pois, uma aparente habituação ao modo como são garantidos (total ou

limitadamente) ou violados os direitos básicos, associada a uma possível ausência de análise

sobre a promoção desses direitos, ou melhor, sobre se eles poderiam acontecer de uma maneira

diferente da que vem ocorrendo. Há a naturalização da prestação insuficiente de direitos por

não haver uma realidade concreta qualitativamente melhor a servir como paradigma.

Esse fato está diretamente associado ao entendimento, já mencionado neste estudo, de

que as políticas sociais, funcionando de modo precarizado e fragmentado, não têm como cerne

a superação do fenômeno da desigualdade social em si. Desse modo, essas políticas, por mais

que proponham o funcionamento em rede em prol da garantia integral dos direitos sociais,

acabam por, na prática, criar dependência por parte da população e esconder o efeito de

desmobilização que operam com isso. Configura-se, desse modo, o quadro de “pobreza

política” (Demo, 1990), que consiste na marginalização e naturalização da privação de direitos

para um grupo de pessoas, as quais, não tendo consciência disso, são coibidas de organizarem-

se em defesa de seus direitos.

Os adolescentes também foram perguntados se, diante de alguma demanda explicitada

por eles ou por seus familiares, foram encaminhados para algum serviço que suprisse essa

necessidade. Durante a medida, uma das entrevistadas foi encaminhada a um CRAS após ter

demonstrado interesse em realizar curso profissionalizante. Os outros três adolescentes

afirmaram não ter passado por nenhum encaminhamento, apesar de, no PIA de um dos

adolescentes, constar que a equipe fez um encaminhamento a uma Unidade Básica de Saúde

diante de queixa de dores na coluna.

As perguntas sobre a existência ou não de encaminhamentos buscaram investigar, a

partir do fluxo de atendimento, o acesso do adolescente e de sua família aos seus direitos quando
136

da identificação de demandas. Entretanto, foi possível perceber que a pergunta não era

facilmente compreendida pelos entrevistados.

Isso leva a crer, por um lado, que uma formulação inadequada da estrutura e do sentido

da pergunta possa ter comprometido o entendimento. De todo modo, o enunciado vinha sempre

acompanhado de um exemplo, como na fala transcrita a seguir, feita durante uma das

entrevistas: “Tipo assim, você estava com algum problema de saúde e declarou isso, ou com

alguma necessidade de complemento de renda e declarou isso e eles foram e encaminharam

vocês para outro serviço que atendesse a essa necessidade”.

Por outro lado, entende-se que a dificuldade na compreensão da pergunta também pode

advir da não associação desse tipo de prática (encaminhamento para a rede socioassistencial e

intersetorial) ao cumprimento da medida socioeducativa, ou melhor, da garantia de direitos e

suprimento de necessidades à responsabilização por ato infracional.

Essa não associação, inclusive, é de ordem prática, quando se considera a realidade do

atendimento socioeducativo em Natal à época de realização deste estudo: devido à quantidade

insuficiente de profissionais compondo a equipe psicossocial, o contato desta com o adolescente

resumia-se, muitas vezes, ao atendimento inicial e final, o que impossibilitava o

acompanhamento sistemático do PIA do adolescente, de suas necessidades e,

consequentemente, da garantia de seus direitos. Em consonância com esses dados, todos os

adolescentes afirmaram não perceberem mudanças para si ou para suas famílias em relação ao

acesso a direitos, comparando o período anterior ao cumprimento de medida ao momento

posterior.

Quando da finalização da medida socioeducativa, uma adolescente afirmou ter sido

convidada, por iniciativa de um CRAS, a participar de atividades nesse Centro relativas ao

período pós-medida. Já os outros três entrevistados disseram não terem sido encaminhados para

nenhum serviço e afirmaram que o contato com a rede socioassistencial foi rompido após o
137

término da medida. Converge com isso o fato, já mencionado, de que, até 2015, não havia a

prática de encaminhar os adolescentes para serem acompanhados pelos CRAS ao término da

medida, sendo isto instituído naquele ano. Da mesma forma, não havia, na rede

socioassistencial da cidade, um acompanhamento sistemático aos egressos, apenas ações

pontuais desenvolvidas em alguns serviços, como o caso citado de uma das adolescentes.

Sobre esse caso, inclusive, vale ressaltar a fala da mãe da adolescente (presente durante

a entrevista) que revela sua interpretação sobre o acompanhamento oferecido pelo CRAS no

pós-medida:

Entrevistadora: Aí, no caso, eles falaram pra você ir no CREAS47, ou, depois, o CREAS

que ligou pra vocês?

Ana: Eles que ligaram.

Mãe de Ana: Ligou pra ir pra essa reunião, pra a pessoa ficar sendo assistida, como se

a pessoa precisasse!

Entrevistadora: Ah, entendi.

Mãe de Ana: Entendeu? Pra voltar a ser gente, como se a pessoa fosse bicho!

Ana: Eu num sou animal!

Mãe de Ana: E voltar a ser gente. Pra eles dizer como a pessoa tem que agir na

sociedade, que o que fez é errado.

Ana: É porque... o problema deles é porque eles acham que todo mundo tem que ser

igual a eles! Se uma pessoa – isso é a lógica de todo mundo –, se uma pessoa bater em

você, você num vai apanhar! Você num vai fazer assim [expõe a face, como que

oferecendo para que batam] e apanhar, você vai agredir também. Aí eles quer que a

47
Durante a entrevista, Ana informou que fora algum profissional de um CREAS que entrou em contato
convidando a participar de uma atividade no serviço. Entretanto, posteriormente à entrevista, foi verificado, no
PIA dessa adolescente, que o serviço de medidas socioeducativas realizou o encaminhamento a um CRAS, e não
a um CREAS.
138

gente apanhe e vá lá na delegacia depois dizer que apanhou. Mas não, isso não existe

não. Eles tão muito mal informado!

Essa fala explicita o entendimento de que o acompanhamento do adolescente no pós-

medida pode funcionar como uma forma de controle do mesmo através de uma prática

moralizadora baseada no binômio certo x errado. Essa compreensão leva à importante

problematização sobre a necessidade e a real função de uma atividade especificamente voltada

para adolescentes egressos do sistema socioeducativo.

Quando a trajetória infracional e a medida socioeducativa não possuem mais

centralidade na vida do adolescente, uma atividade desse tipo pode funcionar como uma

repetição desnecessária de um assunto desconfortável para o adolescente e um reforço de um

lugar pejorativo destinado a ele. Tal situação pode corroborar com estigmas e preconceitos

sobre o sujeito, bem como com discursos moralizadores por parte de profissionais envolvidos.

A depender de cada caso, é possível que seja suficiente a ação efetivamente articulada e

dinâmica da rede socioassistencial e intersetorial, para que sejam supridas as necessidades dos

adolescentes e suas famílias e sejam minimizadas as situações de vulnerabilidade que poderiam

contribuir para o cometimento de um novo ato infracional.

Ações especificamente voltadas para o pós-medida podem ser adequadas, por outro

lado, nos casos em que o adolescente ainda se encontra em situações de vulnerabilidade

relacionadas ao ato infracional como, por exemplo, quando permanece sofrendo ameaças ou

perseguições. Nesses casos, pode ser importante um acompanhamento construído pelos

serviços socioassistenciais e/ou intersetoriais visando, especificamente, atender às demandas e

às singularidades de cada caso, bem como garantir os direitos básicos do sujeito.

No caso específico de Ana, é afirmado, em seu PIA, que o técnico que a acompanhou

durante a PSC sugeriu que ela participasse “de grupos com temáticas relacionadas à cidadania”,

o que, provavelmente, motivou o contato do CRAS com a adolescente. Apesar de não estar
139

claro, no documento, qual o conteúdo estruturante de grupos como esses ou qual seu propósito,

cabe problematizar o que teria justificado a sugestão de encaminhamento de uma adolescente,

no pós-medida, para um grupo sobre “cidadania”.

Sendo este um termo que abrange amplo e controverso significado, o motivo do

encaminhamento pode, por um lado, pretender oportunizar a discussão sobre o exercício de

direitos 48. Por outro, pode seguir o viés controlador e coercitivo de pretender ensinar como se

deve agir, como fora interpretado por Ana e sua mãe.

É importante salientar que a própria medida socioeducativa já apresenta a proposta de

discutir o exercício da cidadania e a participação social do adolescente. Porém, no caso de Ana,

isso não ocorreu, já que fora cumprida PSC e esta, no modo como vinha funcionando, não

incluía atividade socioeducativa para o adolescente além da própria prestação de serviços.

Nesse caso, a atividade sugerida para o pós-medida estaria assumindo um papel que a própria

medida socioeducativa deveria ter exercido.

Retomando a discussão sobre a não associação entre o cumprimento de medida e o

acesso a direitos, os entrevistados demonstraram desconhecimento sobre aspectos básicos do

atendimento socioeducativo. Por exemplo, ao serem perguntados se haviam cumprido LA ou

PSC, só responderam com segurança após a pesquisadora explicar em que consistia cada um

desses tipos de medida socioeducativa. No receio de intitular, alguns adolescentes explicaram

a atividade que realizaram, para que a pesquisadora pudesse tirar suas próprias conclusões e

identificar de que tipo se tratava.

Tampouco pareciam familiarizados com o termo “medida socioeducativa”, bem como

com outros elementos característicos desse atendimento. Dois dos entrevistados demonstraram

48
Por exemplo, segundo o entendimento de Thomas Humphrey Marshall (1963), no qual os direitos de cidadania
englobam, ao menos, direitos civis, políticos e sociais e a garantia de acesso à jurisdição. Para esse autor, cidadania
diz respeito ao status partilhado entre os membros de uma comunidade que lhes garante igualdade no respeito a
seus direitos e obrigações.
140

não saber, ao certo, qual a real função da figura do socioeducador, atrelando seu papel,

exclusivamente, ao controle da frequência em que estavam indo à instituição onde realizavam

PSC. Ademais, termos comumente relacionados ao Código Penal e à cultura menorista foram

utilizados pelos adolescentes, como o uso da expressão “pagar pena” (para descrever o modo

de responsabilização) e o termo “menores infratores” (para se referir ao público alvo do sistema

socioeducativo – ou seja, a si mesmos).

Quando da leitura do TCLE/TALE anteriormente às entrevistas, a pesquisadora

informava que o documento autorizava o acesso ao PIA e os adolescentes demonstravam não

compreender o que seria aquilo. Ao menos, não o identificavam pelo nome ou pela sua

proposta, explicitada por escrito e oralmente, de ser um plano de atendimento construído a partir

de metas para a vida. O PIA passava a ser identificado apenas quando a pesquisadora comentava

que, provavelmente, no primeiro atendimento, as profissionais haviam feito perguntas ao

adolescente sobre diversos temas, e citava alguns deles como exemplo. Cita-se, para ilustrar, a

compreensão de um adolescente sobre a construção do PIA no atendimento inicial:

eles fizeram uma entrevista, mas foi mais como se fosse um raio-x, sabe? Como se fosse

uma pesquisa. [...] aí depois me encaminharam pra o PSC. (José, maio/2016)

José demonstra compreender o PIA antes como um instrumento à serviço do trabalho

da equipe técnica (“uma pesquisa” para auxiliá-la em suas ações), do que, propriamente, à

serviço de seus interesses e de seus planos para o presente e o futuro. Resultado semelhante foi

encontrado em pesquisa (ainda não publicada) realizada em alguns municípios do Rio Grande

do Norte sobre o funcionamento do PIA no meio aberto. Os adolescentes de um dos municípios,

participantes de um grupo focal, também demonstraram não reconhecer o PIA como ferramenta

central e direcionadora do atendimento socioeducativo. Ou melhor, deixaram evidente que não

reconhecem a realização de um plano com metas para suas vidas como sendo o cerne do

cumprimento de medida socioeducativa (Araújo, Rodrigues & Freire, 2016).


141

Tais observações indicam que, provavelmente, esses adolescentes não foram

informados sobre a que atendimento estavam sendo submetidos, qual era a proposta, quais eram

as etapas do processo e quais eram suas possibilidades, seja no contato com a Justiça (durante

as audiências), seja no cumprimento da medida socioeducativa. Sendo assim, o principal (e,

talvez, o único) aspecto a que associam o atendimento socioeducativo é a responsabilização

pelo ato infracional, o caráter punitivo do processo, o qual deveria ser apenas um dos vieses

desse atendimento e estar, inclusive, embasado em uma prática educativa.

Restrepo e Hincapíe (2012) apresentam que, historicamente, o ocultamento de direitos

e a consequente não apropriação das pessoas sobre eles vêm sendo reproduzidos e reforçados

pela recorrente encriptação da linguagem no conteúdo das leis. Para os autores, a predominância

de uma linguagem tecno-legal em textos que dispõem sobre direitos da coletividade vem

proporcionando que apenas um seleto grupo de experts no assunto possam se apropriar do que

dispõem as leis, enquanto que o conteúdo se mantém indecifrável para todo aquele que não

compartilhe da linguagem específica da área. Desse modo, além de estas perderem seu

propósito político, acabam por servir como uma forma de reprodução do racismo, de

privatização da política, do direito e da cultura, e de onipotência do poder de pequena parcela

da população.

Nos casos relatados, entende-se que a não apropriação dos adolescentes sobre os seus

direitos pode advir, em parte, dessa encriptação na linguagem própria da Justiça e da política

socioeducativa. Porém, percebe-se que, aqui, esse processo é ainda mais danoso, pois vem

acompanhado e agravado pela inexistência do diálogo nas diversas fases da execução do

atendimento e do acompanhamento socioeducativos e pela não informação sobre os propósitos,

princípios, e garantias legais que constituem a política.

É provável que essa falta de apropriação sobre em que consiste o atendimento em que

se inseriu esteja associado aos sentidos atribuídos pelos adolescentes ao cumprimento de


142

medida. Os entrevistados foram perguntados sobre o que esperavam que a medida lhes

proporcionasse antes de cumpri-la e, de acordo com os relatos, apenas um adolescente esperou

algo positivo para si – no caso, conseguir um emprego. Nos outros casos, considerava-se a

medida socioeducativa como sendo algo pejorativo, unicamente punitivo e de que os

adolescentes deveriam se “livrar” o quanto antes, pois não poderiam extrair nada de positivo

daquela situação:

Na realidade, eu esperava que fosse até pior do que realmente foi. Eu esperava que eles

me colocassem pra trabalhar com algo relacionado a serviços gerais, limpeza... mas me

colocaram nesse ramo administrativo, fui... nesse sentido, atendeu às minhas

expectativas até um pouco mais. (José, maio/2016)

Eu esperava que quando eu terminasse eles ia mandar eu pra algum emprego, assim, e

tal... algum emprego, trabalhar, mas num mandou nada. (João, junho/2016)

Na verdade, eu não esperava nada. [...] eu num tive, sabe, num pensei em nada não. Só

quis fazer pra, digamos assim, me livrar. (Maria, julho/2016)

O que eu pensava foi, eu já sabia desse serviço que acontecia, aí eu fiquei pensando,

porque a mulher ia querer que eu limpasse banheiro, pensei logo nisso. Aí, realmente, o

que eu pensei tava certo. [...] eu decidi pagar pra não ser presa, né. (Ana, agosto/2016)

Já quando perguntados o que acharam do cumprimento de medida, dois adolescentes

avaliaram positivamente, atribuindo à PSC um caráter de experiência e de aprendizado relativos

ao trabalho realizado:

O mais importante é que eu aprendi a... eu mal, eu sabia mais ou menos mexer lá no

computador, aí eu aprendi várias coisas lá que me ensinaram, eu achei legal... deu pra

fazer amizade... (João, junho/2016)

Ah, como eu disse, foi uma coisa nova, uma experiência, né. Porque nunca... foi um

projeto que eu nunca pensei em fazer um projeto de produzir vassouras, porque hoje em
143

dia se colocar pra mim fazer uma vassoura, eu sei fazer. É só ter os materiais e as

máquinas, eu sei fazer. [...] eu não vi pontos negativos, assim, sabe? Só positivos. [...]

Até quando eu terminei, eu senti a falta, porque eu acordava cedo, aí quando eu

terminei... quando chegava no dia – eu acho que era na quarta e na sexta – eu acordava

cedo pensando que eu tinha, sabe, o projeto. E foi isso, foi uma experiência, digamos,

bacana, entendeu. (Maria, julho/2016)

Já para os outros dois adolescentes o fato de terem achado a medida socioeducativa

aplicada injusta parece ter se sobreposto aos possíveis aspectos positivos que ela viesse a ter:

Foi uma experiência bem humilhante, assim... porque no PSC, as pessoas veem você...

não veem você como uma pessoa comum. Todo mundo ali sabe que você tá ali por um

motivo, todo mundo sabe que você tá ali porque fez algo errado. Aí, de certa forma, as

pessoas acabam se afastando mais de você. E isso é chato. [...] a equipe e todo esse

aparato não pode fazer nada em relação à pessoa querer repetir ato ou não. Foi uma

escolha minha. (José, maio/2016)

Eu achei horrível. Não gostei. Porque não foi justo eu ter pago essa pena por uma coisa

que eu nem fiz. [...] A atividade foi boa. Porque, por causa do diretor da escola né, que

eu fiquei lá. Que disse que eu ficasse com os papeis da secretaria. Pronto. Porque se

fosse pela mulher [a socioeducadora], eu tava era lavando banheiro, limpando o chão...

era isso. [...] pra mim, é como eu já disse, não adiantou de nada. [...] porque, pra mim,

eu fiquei do mesmo jeito! [...] Não teve... pra mim, não fez eu refletir em nada não.

Fiquei do mesmo jeito, só fiquei com raiva, mais raiva ainda, né? (Ana, agosto/2016)

No geral, os adolescentes disseram ter achado proveitosa a experiência do trabalho em

si, mas, ao que parece, o exercício de prestar um serviço não teve o caráter reflexivo e formativo

que é previsto. O atendimento socioeducativo não proporcionou, pois, uma integração entre a

responsabilização do adolescente e uma atividade eminentemente capaz de “desenvolver a


144

capacidade de tomar decisões fundamentadas, com critérios para avaliar situações relacionadas

ao interesse próprio e ao bem-comum, aprendendo com a experiência acumulada individual e

social, potencializando sua competência pessoal, relacional, cognitiva e produtiva” (Secretaria

Especial de Direitos Humanos, 2006, p. 46).

Em suas falas, os adolescentes expressam que o cumprimento de medida socioeducativa

não proporcionou uma discussão ou reflexão sobre a prática do ato infracional e que, pelo

contrário, para alguns, reforçou a sensação de humilhação ou raiva. Apenas Maria afirma que

a realização da PSC provocou reflexão sobre o acontecido, mas, como para José, isso parece

ter advindo antes da consequência punitiva e estigmatizadora do cumprimento de medida, do

que, propriamente, de um caráter educativo:

[A medida socioeducativa me fez pensar no sentido de que] Tudo que a gente for fazer,

ou pensar em fazer, a gente deve, digamos, pensar no lado negativo. Porque eu vi um

lado muito negativo em relação, é... tinha camisa, sabe? Tinha que ir de calção e com a

camisa. Querendo ou não, eu tinha vergonha de chegar numa parada de ônibus e uma

pessoa chegasse assim “Maria tu faz o que? Isso é um curso?”, sabe? O que eu vi de

lado negativo foi isso, entendeu? Aí eu falava “É, é um curso”, mas eu falava, sabe, da

produção de vassouras e tal, eu só não... [dizia o porquê de estar indo]. [...] quando a

gente diz que a gente tá fazendo, tá participando de uma... eles já vê com outros olhos,

entendeu? Já vê como uma coisa grave, entendeu? De grau alto, assim, mesmo, sabe?

Nunca vê como uma coisa leve não, sempre vê com coisa, sabe, então... [...] Eu num

sentia, assim, à vontade de falar isso. Porque, hoje em dia, tem muitas pessoas mal-

informadas, né, e quando a gente fala isso, ela já pensa que você fez algo muito grave,

né. (Maria, julho/2016)

Sobre isso, todos os entrevistados afirmaram que omitiram a informação de que estavam

cumprindo medida socioeducativa para o máximo de pessoas possível, provavelmente por


145

receio de sofrerem estigma. No geral, só suas famílias e pessoas com quem tinham relação mais

íntima souberam do fato. Três dos adolescentes disseram que passaram por situação de estigma

associado ao cumprimento de medida socioeducativa durante a sua realização, apesar de

afirmarem que isso não permaneceu acontecendo após o término do atendimento

socioeducativo.

Quando perguntados diretamente sobre se associavam o acontecimento de algo

importante em suas vidas ao atendimento socioeducativo, os entrevistados indicaram, de modo

geral, que a experiência na PSC não trouxe nenhuma mudança significativa:

Eu acho que a única coisa importante que aconteceu foi eu ter saído do PSC. (José,

maio/2016)

Importante? Agora pegou! Importante... depois do... Ah, nada importante não... (João,

junho/2016)

Não. [a vida continuou] que nem antes (Maria, julho/2016)

Nada. (Ana, agosto/2016)

Deve-se ressaltar que, com esse questionamento, não se admite que é de

responsabilidade apenas do sistema socioeducativo contribuir com transformações na vida dos

adolescentes que por ele passem. Até porque, conforme já discutido, ele é apenas um dos

subsistemas que compõem o Sistema de Garantia de Direitos e, sendo regido pela incompletude

institucional, é incapaz de, sozinho, atender a todas as demandas que possam surgir na vida do

adolescente e de sua família. Com essa pergunta admite-se, justamente, que nesse processo, que

se pretende socioeducativo, as possíveis demandas e vulnerabilidades associadas ao

cometimento do ato infracional e ao cumprimento da medida socioeducativa poderiam ter sido

atendidas e isso ter sido significativo na vida dos adolescentes.

Por fim, um entendimento apresentado por três dos quatro entrevistados foi de que o

cumprimento de medida socioeducativa foi, de alguma maneira, injusta. Seguem alguns relatos:
146

Eu acho que... eu acho que eles exageraram. Eu acho que o que eu fiz num, num... foi

errado, mas acho que foi leve demais pra ser punido com uma medida socioeducativa.

[...] Eu acho que uma advertência era suficiente. (José, maio/2016)

A mulher lá me confundiu, porque eu num fiz [o ato infracional]. A mulher me

confundiu, aí pensou que foi eu, aí pronto. Eu não fiz nada, mas mesmo assim eu tive

que cumprir, [por]que o que o Direito lá falar né, se num obedecer... [...] Foi, injusto!

(João, junho/2016)

Eu acho, sinceramente, que isso não educa ninguém. Porque, se você quer educar uma

pessoa, você vai tentar, é, mostrar o seu lado melhor pra a pessoa, você vai ser educado.

Eles são tudo ignorante, só fala gritando com a pessoa. Isso causa revolta! Aí a pessoa

chega e fala mais alto ainda. Aí eles diz logo que a pessoa é um bicho. [...] [Após

questionada se, em algum momento do processo, alguém havia lhe perguntado o que ela

estava achando da PSC, a adolescente respondeu:] Não. Me perguntou no final, se eu

achei justo, e eu disse que não. Que não foi justo o que aconteceu, porque isso não foi...

foi uma discussão só, que chegou a fazer isso, de a pessoa ter que pagar a pena. Porque,

por mim, se fosse pelo tempo, eu acho que era pra mim ter pago um mês. Mas eles

queria que passasse mais tempo pra ver se a pessoa aprendia, aí botou três meses, uma

vez na semana, durante quatro horas. [...] Eu não gostava não, dava raiva. (Ana,

agosto/2016)

José afirma que reconhece que cometeu algo errado, mas que achou a PSC humilhante

e, por isso, desnecessária, tendo sido mais adequada uma advertência, segundo sua percepção.

João alega que não cometeu ato infracional, mas que fora confundido com o real autor e que se

sentiu no dever de cumprir a medida socioeducativa, porque “se não obedecer”, algo pior

poderia acontecer. Já Ana admite que cometeu lesão corporal, mas relata ter se sentido

injustiçada, porque considera que sua versão sobre o fato ocorrido não foi ouvida. Ela afirma
147

que a parte classificada como vítima fizera o mesmo que ela, e que, inclusive, provocou-a, o

que desembocou no ato infracional que levou ao cumprimento da medida.

Independentemente e para além das diferentes versões dos fatos e do que possa ter

acontecido, os adolescentes afirmaram ter opiniões contrárias ao que fora decidido para eles e

sobre eles. Ao mesmo tempo, disseram não terem tido oportunidade de participação ativa em

diálogos e decisões durante o desenrolar do atendimento socioeducativo.

Esse cenário resulta na não compreensão, por parte do adolescente, sobre com que

propósito e como se dá o processo socioeducativo, bem como na sensação de injustiça, os quais

são conflitantes com a proposta de “cidadania”, “participação” e “ressignificação de valores”

pressupostos na ideia da socioeducação (Secretaria Especial dos Direitos Humanos & Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2006, p. 46). Como afirma Ferraz (2013,

p.20), “é peculiar no jovem egresso, a sensação de que foi injustiçado, que recebeu uma pena e

não cumpriu medida socioeducativa”.

Isso ficou evidente nos discursos de Ana e sua mãe, que, na entrevista e em conversas

informais, disseram ter sido destratadas por representante do Ministério Público com quem

tiveram contato. Elas relataram, inclusive, ocorrência de tratamento diferenciado quando

contrataram o serviço de um advogado. Tanto Ana como seu irmão haviam sido acusados pelo

mesmo ato infracional, cometido na mesma ocasião. Na audiência de Ana, não fora contratado

serviço de advogado e ela e sua mãe sentiram que não foram ouvidas e que não tiveram direito

à voz. Já na de seu irmão, que ocorreu posteriormente, a mãe dos adolescentes decidiu buscar

um advogado e disse ter percebido diferença no tratamento, conforme apontam os relatos a

seguir:

Ele [o promotor] falou comigo, aí disse “Você pode falar”, aí quando eu começava a

falar, ele mandava eu calar a boca. Aí eu fiquei com raiva, me estressei logo, aí eu disse

“Não mande eu calar a boca não”. E também, eles querem ser certo, mas pra dialogar
148

com a pessoa, eles não sabem dialogar. [...] A pessoa, a pessoa quando passa por isso é

muito humilhada, porque [...] quando eu tava na frente do promotor, ele disse que se eu

não pagasse... eu disse que eu não queria pagar, porque eu não achei justo pagar [...]. Aí

ele disse que, se eu não pagasse a pena, eu ia ser presa no CEDUC49 durante cinco meses

[...]. Foi, aí por isso eu decidi pagar, pra não ser presa, né. Aí foi por isso que eu paguei.

Mas se não fosse... se minha mãe tivesse levado advogado pra mim, eu não teria pagado.

Ela levou pra o meu irmão, aí meu irmão não pagou e eu paguei. (Ana, agosto/2016)

Mãe de Ana: Ele [representante do Ministério Público] pergunta e a gente não tem o

tempo de falar, ele não deixa. Aí quando foi com o advogado, aí ele foi e leu tudo

novamente, perguntou o que é que tinha acontecido, entendeu? Ou seja, tem que ter um

advogado na frente pra ele poder lhe ouvir. Aí eu olhei pra cara dele, menina, me deu

vontade de dizer que ele era bem santinho! [...] A justiça, na verdade, é injusta!

Ana: Me deu vontade até de fazer Direito, pra ser promotora também e pra ferrar ele,

pra ser logo juíza!

Além disso, Ana e sua mãe relataram que, na audiência da adolescente, não havia

defensor público presente e que as duas não foram questionadas, em nenhum momento, se

seriam acompanhadas por advogado. Ou seja, no caso dessa adolescente, não impera apenas a

sensação de injustiça, mas também sua constatação explícita.

Diante desses relatos, ressalta-se a importância de se adotar e priorizar procedimentos

pautados na relação dialógica e participativa entre as partes para que, de fato, efetive-se um

processo que possa ser chamado “socioeducativo”. A Justiça Restaurativa se configura em uma

opção diante desse quadro. Ela consiste em um modo de fazer justiça que se diferencia do

49
CEDUC é a sigla referente a Centro Educacional, nome dado às unidades de cumprimento de medida
socioeducativa de internação no Rio Grande do Norte.
149

modelo tradicional retributivo, eminentemente, por envolver vítimas, ofensores e comunidade

em um esforço comum de restaurar uma situação que sofreu interferência de um dano. Seu

objetivo é oferecer uma experiência reparadora para todos os envolvidos.

O processo penal (e, da mesma forma, o socioeducativo) é um sistema adversarial em

que o resultado é imposto por instâncias (leis, juízes e júris) alheias ao conflito básico e em que

vítimas, ofensor e representantes da comunidade raramente participam do processo de modo

substancial. A Justiça Restaurativa, por outro lado, prioriza processos colaborativos e inclusivos

e, na medida do possível, desfechos que tenham sido alcançados por consenso, ao invés de

decisões impostas (Zehr, 2012).

A Justiça Restaurativa promove o engajamento e a participação das partes afetadas pelo

crime e que tem legítimo interesse no caso e na sua resolução. Parte-se do princípio de que

essas partes precisam receber informações umas sobre as outras e envolver-se na decisão do

que é necessário para que, de fato, se faça justiça em cada caso específico. Isso pode ocorrer,

por exemplo, na forma de diálogo direto entre as partes – como nos encontros entre vítima e

ofensor, em que estes partilham relatos e chegam a um consenso sobre o que pode ser feito –,

ou através de trocas indiretas, por intermédio de representantes (Zehr, 2012).

No entendimento baseado nesse paradigma de justiça, a punição não constitui real

responsabilização:

A verdadeira responsabilidade consiste em olhar de frente para os atos que praticamos,

significa estimular o ofensor a compreender o impacto de seu comportamento, os danos

que causou – e instá-lo a adotar medidas para corrigir tudo o que for possível. (Zehr,

2012, p. 27)

Esse processo de responsabilização passa pelo reconhecimento e pelo atendimento das

necessidades não só das vítimas, mas também dos próprios ofensores. Entende-se que, para que

ocorra a reparação do dano requerida, é necessário considerar os fatores negativos que


150

contribuíram para o comportamento socialmente nocivo do ofensor, estimular uma experiência

de transformação pessoal e estimular e apoiar a vida em comunidade (Zehr, 2012).

Até o momento de construção deste trabalho, a Justiça Restaurativa ainda não se

configurava como um modo instituído de lidar com os conflitos gerados por atos infracionais

cometidos por adolescentes em Natal. Caso já o fosse, é possível que José, João, Ana e tantos

outros adolescentes pudessem ter tido espaço para expressão sobre os sentidos que o ato

infracional cometido teve para cada um e para as vítimas e sobre o que achavam dos rumos

tomados no processo socioeducativo. Neste caso, é possível, também, que tivessem finalizado

o cumprimento de medida socioeducativa com uma visão mais positiva da Justiça, e não com

o entendimento de que esta é uma instituição que funciona a partir da humilhação e da coação.
151

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo investigou as contribuições que a vinculação ao sistema socioeducativo

pode ter proporcionado ao adolescente, partindo da perspectiva do egresso do atendimento em

meio aberto. Para tanto, buscou-se conhecer a realidade de adolescentes que já cumpriram

medidas socioeducativas e que, hoje, vivem os possíveis efeitos desse evento. Além disso, foi

feita uma caracterização do funcionamento do serviço de medidas socioeducativas em Natal,

no intuito de conhecer o cenário em que essas pessoas estiveram inseridas durante o

cumprimento.

Pressupôs-se, como cerne dessa pesquisa, que a fala daqueles que vivem a prática de

determinada política social na condição de usuários é essencial e reveladora quando se deseja

compreender os atravessamentos políticos nela institucionalizados. Para além do que está

prescrito como normas operacionais de um serviço ou do que se afirma sobre sua prática, os

reais produtos de um fazer ficam marcados, principalmente, nas vidas que dele se utilizaram.

Ao longo da construção desta pesquisa, encontrou-se uma política social que, na prática,

é incoerente com o próprio adjetivo que lhe caracteriza – “socioeducativa”. Além de estudos

que mostram a precarização do funcionamento do sistema socioeducativo e seu papel de agente

violador de direitos, encontrou-se, nas falas dos próprios entrevistados, a constatação de que

esse sistema, de fato, não vem servindo aos propósitos que declara.

As várias dificuldades que permeiam o atendimento e o acompanhamento

socioeducativo o fazem falhar, principalmente, em garantir a integralidade dos direitos dos

sujeitos e em fazer valer a co-responsabilização de todos os agentes envolvidos em prol da

formação cidadã do adolescente. Apesar disso, a dimensão da responsabilização punitiva

mantém-se garantida, funcionando, por vezes, como o único objetivo a ser preservado na

execução das medidas socioeducativas.


152

Nessa lógica de funcionamento, não é tão significativo que o SGD funcione de modo

precarizado, que o adolescente finalize o cumprimento de medida sem ser sequer informado

sobre os propósitos deste, que o tempo processual ultrapasse o previsto – desde que, no final

das contas, o adolescente tenha cumprido a carga horária da medida de responsabilização que

lhe fora determinada. Essa perspectiva desvirtua o sentido basilar da socioeducação e de seus

instrumentos pedagógicos fundamentais. O PIA, por exemplo, pode passar de um plano

dinâmico e flexível de pactuação de metas e compromissos do adolescente, para uma

ferramenta de controle sobre a vida e os hábitos do sujeito e de sua família, que passam a ser

submetidos a julgamentos de valor.

Saem, desse sistema, adolescentes que se sentem injustiçados, humilhados e que não

associam o atendimento socioeducativo a resultados positivos para si e à garantia de seus

direitos. Aliás, grande parte dos adolescentes, na verdade, sequer sai. Permanecem no sistema

socioeducativo por muito mais tempo do que o previsto: por vezes, até que não se tenha mais

notícia; outras, até passar para o sistema penitenciário. Não podem contar com os recursos que,

em tese, contribuiriam para sua saída da trajetória infracional e que a política de atendimento

socioeducativo prevê em seus documentos.

Este estudo apresentou que os adolescentes que conseguem sair do sistema

socioeducativo no tempo inicialmente previsto encontram-se em situações de vida em que há

menos vulnerabilidades. A consumação do processo socioeducativo parece associar-se mais às

condições individuais do adolescente, do que, propriamente, ao suporte que a rede de garantia

de direitos deveria promover durante o atendimento e o acompanhamento.

No pós-medida, os adolescentes permanecem convivendo com os mesmos desafios já

existentes anteriormente, somados ao estigma e ao preconceito, conforme indicam pesquisas

com egressos, e à sensação de injustiça, como encontrado neste estudo. A inexistência de um

atendimento voltado ao egresso é uma realidade nacional e local.


153

Compreendendo o SGD – e, mais especificamente, a política de Assistência Social – em

sua literalidade, pode-se afirmar que o acompanhamento ao egresso do sistema socioeducativo

está previsto no funcionamento da rede de garantia de direitos, tendo em vista que programas,

projetos, serviços e benefícios devem se articular em prol da proteção social. Sendo assim, não

seria necessária a existência de um componente dessa rede que se ocupasse, exclusivamente,

dessa demanda, já que deveria haver, para isso, a co-responsabilização da totalidade de suas

partes.

Entretanto, como encontrado neste estudo e nos outros citados, não é isso que tem

acontecido com os egressos do sistema socioeducativo. Finalizada a medida, suas vidas

permanecem atravessadas pela violência, que acarreta em risco ou consumação de mortes,

sofrimento de ameaças, reincidência e necessidade de esconder-se para preservar sua

integridade física e a de sua família.

As consequências da situação de violência em que o adolescente está envolvido não

cessam com a responsabilização deste, entretanto, ao que parece, é só até aí que a atuação das

políticas sociais tem alcançado. A seletividade do sistema socioeducativo aplica-se não apenas

à seleção do público que será responsabilizado, mas ao que será feito ou não a esse público, o

que deve ser promovido (a punição) e o que pode ser negligenciado (seus direitos básicos).

Por isso, entende-se que serviços, programas ou projetos que se voltem a atender o

egresso podem ter uma importante função como paliativos, atuando, por exemplo, na proteção

de sua vida e na de sua família, na prevenção de outras situações de vulnerabilidades e na

interlocução e mobilização de outros componentes do SGD. Por outro lado, sabe-se que a

existência de um dispositivo com esse fim pode contribuir para que se institucionalize uma

abordagem moralizante e preconceituosa para com o adolescente que saiu do sistema

socioeducativo – como bem denunciaram a entrevistada Ana e sua mãe.


154

Entende-se que o modo precarizado de funcionamento do SGD (ou melhor, de seus

subsistemas) tenha afetado diretamente as respostas concedidas pelos adolescentes nas

entrevistas, assim como a recusa/aceitação em participar da pesquisa, e mesmo a dificuldade

em encontrar participantes. Os adolescentes continuariam precisando se esconder e fugir de

ameaças, caso o SGD funcionasse efetivamente? Continuariam entendendo o atendimento

socioeducativo apenas como forma de responsabilização? Atribuiriam os mesmos sentidos ao

processo socioeducativo?

Indo mais além, é importante frisar que o Estatuto da Criança e do Adolescente assenta-

se em bases estruturantes da Justiça Retributiva, que submete os processos infracionais de

adolescentes a rituais de condenação, baseados na punição (Araújo & Silva, 2015). Do mesmo

modo, o SINASE, ainda que priorize o paradigma restaurativo em um de seus princípios, admite

e reconhece perspectivas outras que não a prioritária – no caso, a retributiva. Sendo assim,

mesmo que o SGD e o SINASE funcionassem, efetivamente, de acordo com o que é prescrito,

eles seriam insuficientes para envolver, de fato, o sujeito com as diferentes repercussões do seu

ato (por exemplo, com as pessoas afetadas e os danos causados), já que isso não é possível no

paradigma retributivo.

Conforme a compreensão restaurativa de justiça, enquanto o adolescente não for

participante ativo do processo, ele não poderá entender-se como agente responsável por seus

atos e pelas consequências destes. Nesse caso, a responsabilização é, meramente, punição e é

insuficiente para o alcance de efeitos transformadores em relação ao ato cometido e para a

efetiva reparação dos danos. A proposta da socioeducação, então, só será consistente se

superado o paradigma retributivo.

Entende-se que a realidade dos egressos do sistema socioeducativo, no que diz respeito

à precarização do acesso a direitos básicos, assemelha-se à situação em que vive grande parte

dos brasileiros e brasileiras que apresentam situação socioeconômica semelhante.


155

No período de conclusão deste estudo, o país vem passando por uma fase de

recrudescimento do conservadorismo político, com consequências reais e alarmantes para a

maior parte da população – principalmente, para os que mais sofrem as consequências negativas

da desigualdade social. Dentre outras medidas, a atual aprovação da chamada “PEC 55”, que

institui teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos, atesta irrefutavelmente a baixa

prioridade dada aos direitos sociais. Essa proposta consiste em um “retrocesso social” que terá

“impactos severos”, principalmente, para “os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis,

aumentando os níveis de desigualdade em uma sociedade já extremamente desigual”50. Nesse

cenário, fica o desafio e a necessidade premente de não permitir que continuem sendo

naturalizadas violações e retrocessos de direitos.

50
Os termos reproduzidos entre aspas foram retirados de nota publicada pela Organização das Nações Unidas sobre
a PEC 55, em 9 de dezembro de 2016, como pode ser conferido no link: https://nacoesunidas.org/brasil-teto-de-
20-anos-para-o-gasto-publico-violara-direitos-humanos-alerta-relator-da-onu/
156

REFERÊNCIAS

Arantes, E. M. M. (2011). Rostos de crianças no Brasil. In I. Rizzini, & F. Pilloti (Orgs.), A arte
de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à
infância no Brasil (pp. 153-202). São Paulo: Cortez, 3ª ed.

Araújo, K. I. F. (2015). “Escritores da Liberdade”: histórias reais de jovens que cumpriram


medidas socioeducativas em meio aberto no município de Natal/RN (Dissertação de
Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal). Recuperado de
https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/21084/1/KeillhaIsraelyFernandesDe
Araujo_DISSERT.pdf

Araújo, A. C., Rodrigues, D. B., & Freire, A. L. L. L. A. (2016). [Pesquisa sobre a


implementação do Plano Individual de Atendimento nos serviços de medidas
socioeducativas em meio aberto no Rio Grande do Norte]. Dados brutos não publicados.

Araújo, M. C., & Silva, L. J. R. (2015). Noção de outro e a subalternidade na Justiça Juvenil
Restaurativa: pode o subalterno Falar? In A. G. S. Orsini, A. S. Maillart & N. Santos
(Coords.), Formas consensuais de solução de conflitos [Recurso eletrônico on-line] (pp.
339-356). Florianópolis: CONPEDI. Recuperado de
http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/ex6xsd57/5QxDLPC7QwV9iPvx.pdf

Araújo, F. C., & Vidal, M. A. M. (2014). Medidas socioeducativas em meio aberto: disputas
entre discursos e práticas. In I. L. Paiva, C. Souza, & D. B. Rodrigues (Orgs.), Justiça
Juvenil: teoria e prática no sistema socioeducativo (pp. 125-140). Natal: EDUFRN.

Baquero, R. V. A., Lemes, M. A., & Santos, E. A. (2011). Histórias de vida de jovens egressos
de medidas socioeducativas: entre a margem e a superação. Educação, 34(3), 341-350.
Recuperado de
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/7618/6784

Bardagi, M. P., Arteche, A. X., & Neiva-Silva, L. (2005). Projetos sociais com adolescentes
em situação de risco: discutindo o trabalho e a orientação profissional como estratégias de
intervenção. In C. S. Hutz (Ed.), Violência e risco na infância e na adolescência: pesquisa
e intervenção (pp. 101-145). São Paulo: Casa do Psicólogo.

Batista, V. M. (2010). Adeus às ilusões “re”. In C. M. B. Coimbra, L. S. M. Ayres, & M. L.


Nascimento, PIVETES: Encontros entre a Psicologia e o Judiciário (pp. 195-199).
Curitiba: Juruá.

Behring, E. R., & Boschetti, I. (2008). Política Social: fundamentos e história. São Paulo:
Cortez.

Benelli, S. J. (2014). Entidades assistenciais socioeducativas: a trama institucional. Petrópolis,


RJ: Vozes.

Beretta, R. C. S. (2010). Um dos desafios da questão social: adolescentes em cumprimento de


medida socioeducativa em Araraquara-SP (Tese de doutorado, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, São Paulo). Recuperado de
157

http://200.145.6.238/bitstream/handle/11449/106124/beretta_rcs_dr_fran.pdf?sequence=1
&isAllowed=y

Bisinoto, C., Oliva, O. B., Arraes, J., Galli, C. Y., Amorim, G. G., & Stemler, L. A. S. (2015).
Socioeducação: origem, significado e implicações para o atendimento socioeducativo.
Psicologia em Estudo, 20(4), 575-585. doi:
http://dx.doi.org/10.4025/psicolestud.v20i4.28456

Blanch, J. M. (2014). La juventude NINI, un agujero negro psicossocial. Revista Psicologia:


Organizações e Trabalho, 14(4), 355-366. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v14n4/v14n4a03.pdf

Borges, R. C. P. (2010). Jovem-aprendiz: Os sentidos do trabalho expressos na primeira


experiência profissional (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis. Recuperado de
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/93666/280625.pdf?sequence=1&i
sAllowed=y

Brandemarti, H. (2009). A trajetória de vida de adolescentes que cometeram ato infracional:


um estudo sobre jovens egressos da FEBEM de Ribeirão Preto/SP (Dissertação de
Mestrado, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, São Paulo).
Recuperado de
http://200.145.6.238/bitstream/handle/11449/98519/brandemarti_h_me_fran.pdf?sequenc
e=1&isAllowed=y

Brasil. (2015). Censo SUAS 2014 – Resultados Nacionais, Centros de Referência


Especializados de Assistência Social, CREAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome.

Cabral, S. H., & Sousa, S. M. G. (2004). O histórico processo de exclusão/inclusão dos


adolescentes autores de ato infracional no Brasil. Psicologia em Revista, Belo Horizonte,
10(15), 71-90.

Cavalcante, C. P. S. (2014). Fundamentos dos cuidados com crianças e adolescentes: um olhar


sobre o Rio Grande do Norte entre 1964 e 1988 (Dissertação de mestrado). Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal. Recuperado de
https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/19815/1/CarmemPlacidaSousaCava
lcante_DISSERT.pdf

Conselho Federal de Serviço Social. (2007). Parâmetro para atuação de assistentes sociais e
psicólogos(as) na Política de Assistência Social. Brasília: CFP/CFESS. Recuperado de
http://www.cfess.org.br/arquivos/CartilhaFinalCFESSCFPset2007.pdf

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2016). Plano Municipal


Decenal de Atendimento Socioeducativo. Natal: Autor.

Coimbra, C. M. B., & Nascimento, M. L. (2003). Jovens pobres: o mito da periculosidade. In


P. C. P. Fraga, & J. A. S. Iulianelli (Orgs.), Jovens em tempo real (pp. 19-37). Rio de
Janeiro: DP&A.
158

Conselho Nacional de Justiça (2010). Projeto Justiça ao Jovem [Relatório acerca das unidades
de privação de liberdade do sistema socioeducativo brasileiro/2010]. Brasília: Autor.
Recuperado de http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-ao-
jovem/rn_relatorio_rio_grande_do_norte.pdf

Conselho Nacional de Justiça. (2012). Panorama Nacional – A execução das medidas


socioeducativas de internação [Programa Justiça ao Jovem]. Brasília: Autor. Recuperado
de http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-
judiciarias/Publicacoes/panorama_nacional_doj_web.pdf

Conselho Nacional de Justiça. (2016). Justiça em Números 2016: ano-base 2015. Brasília:
Autor. Recuperado de
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be3dbbff344931a933579915
488.pdf

Correa, V. B. D. (2007). Ressocializar ou manter a ordem social: dilema dos atores envolvidos
na aplicação e execução das medidas socioeducativas privadas de liberdade (Dissertação
de mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Recuperado de
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/SOCIOLOGI
A/2009/23_B15C3915d01.pdf

Costa, J. F. (1989). Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Edições Graal.

Costa, C. R. B. S. F. & Assis, S. G. (2006). Fatores protetivos a adolescentes em conflito com


a lei no contexto socioeducativo. Psicologia & Sociedade, 18(3), 74-81. Recuperado de
http://www.scielo.br/pdf/psoc/v18n3/a11v18n3.pdf

Cruz, A. V. H. (2010). O adolescente em conflito com a lei e a escola: criminalização e inclusão


perversa (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
Recuperado de
https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/17447/1/AnaVHC.PDF

Demo, P. (1990). Pobreza política. São Paulo: Cortez.

Dutra-Thomé, L., Telmo, A. Q., & Koller, S. H. (2010). Inserção laboral juvenil: Contexto e
opinião sobre definições de trabalho. Paidéia, 20(46), 175-185. Recuperado de
http://www.scielo.br/pdf/paideia/v20n46/04.pdf

Escola Nacional de Socioeduação (2015a). Metodologia do Atendimento Socioeducativo.


[Material didático correspondente ao Eixo Três do curso online “Núcleo Básico”,
ministrado pela Escola Nacional de Socioeducação, Edição 01/2015].

Escola Nacional de Socioeduação (2015b). Orientações pedagógicas do SINASE. [Material


didático correspondente ao Eixo Quatro do curso online “Núcleo Básico”, ministrado pela
Escola Nacional de Socioeducação, Edição 01/2015].

Escola Nacional de Socioeduação (2015c). Atendimento Socioeducativo e Intersetorialidade.


[Material didático correspondente ao Eixo Cinco do curso online “Núcleo Básico”,
ministrado pela Escola Nacional de Socioeducação, Edição 01/2015].
159

Evangelista, D. O. (2008). Barreiras da sobrevivência: angústias e dilemas de jovens infratores


pós-institucionalização (Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Natal). Recuperado de
http://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/13694/1/DalmoOE.pdf

Faleiros, E. T. S. (2011). A criança e o adolescente. Objetos sem valor no Brasil Colônia e no


Império. In I. Rizzini, & F. Pilloti (Orgs.), A arte de governar crianças: a história das
políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil (pp. 203-222). São
Paulo: Cortez, 3ª ed.

Faleiros, V. P. (2004). Infância e adolescência: trabalhar, punir, educar, assistir, proteger.


Revista Ágora: Políticas Públicas e Serviço Social, ano 1, nº1.

Fefferman, M. (2013). Criminalizar a juventude: uma resposta ao medo social. In I. L. Paiva,


M. A. Bezerra, G. S. N. Silva, & P. D. Nascimento (Orgs.), Infância e juventude em
contextos de vulnerabilidades e resistências (pp. 57-75). São Paulo: Zagodoni.

Ferraz, A. L. (2013). A reinserção social dos jovens egressos da Fundação de Atendimento


Socioeducativo no município de Osório/RS (Dissertação de mestrado, Universidade
Feevale, Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul). Recuperado de
http://biblioteca.feevale.br/Dissertacao/DissertacaoAndreiaFerraz.pdf

Ferraz, A. L., Zucchetti, D. T., Moura, E. P. G., & Sanfelice, G. R. (2015). “Antiga FEBEM,
FASE aqui não!”. (Re)Ações coletivas e movimentos conservadores. Revista Prâksis,
Novo Hamburgo, 12(2), 30-41. Recuperado de
http://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistapraksis/article/view/388/347

Ferreira, L. A. M. (2006). Execução das medidas socioeducativas em meio aberto: prestação de


serviços à comunidade e liberdade assistida. In: ILANUD, ABMP, SEDH, & UNFPA
(Orgs.), Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização (pp.
397-426). São Paulo: ILANUD.

Ferreira, V. R. (2016). A política pública de atendimento socioeducativo no município do Natal:


uma avaliação de efetividade (Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal). Recuperado de
http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/bitstream/123456789/21488/1/VivianeRodriguesFerr
eira_DISSERT.pdf

Freire, P. (2000). Cuidado, Escola?! Desigualdade, domesticação e algumas saídas. São Paulo:
Brasiliense, 36ª edição.

Freire, V. K. S. (2015). Medidas socioeducativas em meio aberto: um olhar além dos atos
infracionais praticados pelos adolescentes da cidade de Natal (Trabalho de Conclusão de
Curso, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Natal).

Fundo das Nações Unidas para a Infância. (2015). ECA 25 anos: avanços e desafios para a
infância e a adolescência no Brasil. Brasília: Autor. Recuperado de
https://www.unicef.org/brazil/pt/ECA25anosUNICEF.pdf

Gadotti, M. (1992). Escola vivida, escola projetada. São Paulo: Papirus.


160

Gomes, C. C., & Conceição, M. I. G. (2014). Sentidos da trajetória de vida para adolescentes
em medida de liberdade assistida. Psicologia em Estudo, 19(1), 47-58. Recuperado de
http://www.scielo.br/pdf/pe/v19n1/06.pdf

Gonçalves, R. T. (2015). A juventude fora da CASA: os jovens egressos do Centro de


Atendimento Socioeducativo ao adolescente – Fundação CASA (Dissertação de mestrado,
Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo). Recuperado de
http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/128067/000850296.pdf?sequence=1&i
sAllowed=y

Instituto Brasileiro de Administração Municipal (2014a). Pesquisa Análise da dinâmica de


funcionamento dos programas e da execução do serviço de atendimento aos adolescentes
em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto (Liberdade Assistida – LA –
e Prestação de Serviço à Comunidade – PSC). Rio de Janeiro: IBAM. Recuperado de
http://www.ibam.org.br/media/arquivos/estudos/analise_medida_socioeducativa.pdf

Instituto Brasileiro de Administração Municipal (2014b). Relatório quantitativo: pesquisa


“Análise da dinâmica de funcionamento dos programas e da execução do serviço de
atendimento aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio
aberto (Liberdade Assistida — LA e Prestação de Serviços à Comunidade – PSC)”. Rio de
Janeiro: IBAM.

Julião, E. F. (2009). A ressocialização através do estudo e do trabalho no sistema penitenciário


brasileiro (Tese de Doutorado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Recuperado de http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1345

Kilduff, F. (2010). O controle da pobreza operado através do sistema penal. Revista Katálysis,
Florianópolis, 13(2), 240-249. Recuperado de
https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/S1414-
49802010000200011/15117

Lacerda Júnior, F. (2015). Podem as políticas públicas emancipar? In A. F. Lima, D. C.


Antunes, & M. C. A. Calegare (Orgs.), Psicologia Social e os atuais desafios ético-
políticos no Brasil (pp. 110-127). Porto Alegre: ABRAPSO. Recuperado de:
http://www.abrapso.org.br/download/download?ID_DOWNLOAD=461

Lavoratti, C., Krainski, L. B., Moreira, B., & Ribeiro, M. M. (2011). A inclusão educacional
dos adolescentes egressos de medidas socioeducativas. Trabalho publicado no 3º
Congresso Internacional de Educação, realizado pelo Instituto Sul Americano de Pós-
Graduação, Ensino e Tecnologia, Ponta Grossa, Paraná. Recuperado de
http://www.isapg.com.br/2011/ciepg/download.php?id=67

Lemgruber, J. (2004). Sistema penitenciário. In Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de


Segurança Pública, Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Serviço Social da Indústria
& Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Acordo de cooperação técnica),
Arquitetura institucional do Sistema Único de Segurança Pública (pp. 312-367). Rio de
Janeiro: SESI-RJ. Recuperado de
http://www.dhnet.org.br/redebrasil/executivo/nacional/anexos/arquiteturainstitucionaldos
istemaunicodesegurancapubl.pdf
161

Liberati, W. D. (2006). Execução de medida socioeducativa em meio aberto: prestação de


serviços à comunidade e liberdade assistida. In: ILANUD, ABMP, SEDH, & UNFPA
(Orgs.), Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização (pp.
367-395). São Paulo: ILANUD.

Lourenço, C. L. (2009). Ressocialização e seu fracasso: diagnóstico do sistema prisional


brasileiro. Revista Areópago Jurídico, n.9, 131-135. Recuperado de
http://www.faimi.edu.br/revistajuridica/downloads/numero9/ressocializacao.pdf

Malvasi, P. A., & Teixeira, M. L. T. (2010). Violentamente pacíficos: desconstruindo a


associação juventude e violência. São Paulo: Cortez.

Marinho, F. C. (2013). Jovens egressos do sistema socioeducativo: desafios à ressocialização


(Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, Brasília). Recuperado de
http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/13460/1/2013_FernandaCamposMarinho.pdf

Marshall, T. H. (1963). Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar.

Medeiros, F. C. (2015). A inserção da família no processo socioeducativo de adolescentes em


privação de liberdade (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal. Recuperado de
https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/20147/1/FernandaCavalcantiDeMed
eiros_DISSERT.pdf

Melo, D. L. B., & Cano, I. (2014). Índice de homicídios na adolescência: IHA 2012. Rio de
Janeiro: Observatório de Favelas. Recuperado de http://prvl.org.br/wp-
content/uploads/2015/01/IHA_2012.pdf

Mendez, E. G. (2006). Evolución histórica del derecho de la infancia: ¿Por que una historia de
los derechos de la infancia? In ILANUD, ABMP, SEDH, & UNFPA (Orgs.), Justiça,
Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização (pp. 7-23). São Paulo:
ILANUD.

Ministério da Educação (2014). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo: Lei n°


12594/12 GT Interministerial - Portaria 990/2012. [Material informativo elaborado pelo
Ministério da Educação referente à escolarização e à profissionalização de adolescentes
que cumprem medidas socioeducativas] Recuperado de
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15710-
ap-10-sinase-fabio-meirelles-secadi&Itemid=30192

Montaño, C. (2002). Terceiro setor e questão social. São Paulo, SP: Cortez.

Montaño, C., & Duriguetto, M. L. (2011). Estado, classe e movimento social. São Paulo:
Cortez.

Munhoz, S. R. (2014). O governo dos adolescentes assistidos: a liberdade tutelada oferecida


nas medidas socioeducativas em meio aberto. Teoria & Sociedade, 22(1), 168-190.

Netto, J. P. (2005). Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 4ª ed.
162

Njaine, K., & Minayo, M. C. S. (2002). Análise do discurso da imprensa sobre rebeliões de
jovens infratores em regime de privação de liberdade. Ciência & Saúde Coletiva, 7(2):
285-297. Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/csc/v7n2/10248.pdf

Njaine, K., & Vivarta, V. (2006). Excessos e avanços. In: H. Oliveira (Org.), Direitos negados:
a violência contra a criança e o adolescente no Brasil (pp. 71-95). Brasília: UNICEF.
Recuperado de http://www.unicef.org/brazil/pt/Cap_04.pdf

Nunes, D. S. S. N., Lopes Junior, F., Tavares, E., Araújo, C. V. S., Morais, A. L. S. M., Costa,
M. C., . . . Gomes, L. A. R. (2015). Anuário Natal 2015. Natal: SEMURB. Recuperado do
sítio virtual da Prefeitura Municipal do Natal: http://natal.rn.gov.br/semurb/paginas/ctd-
102.html

Paiva, I. L., & Cruz, A. V. H. (2014). A Psicologia e o acompanhamento de adolescentes em


conflito com a lei. In I. F. Oliveira & O. H. Yamamoto (Orgs.), Psicologia e Políticas
Sociais: temas em debate (pp. 175-214). Belém: Ed.UFPA.

Passetti, E. (1995). Violentados: crianças, adolescentes e justiça. São Paulo: Imaginário.

Paulino, D. S. (2016). Os significados do trabalho para jovens nem-nem e suas estratégias de


inserção no mercado de trabalho (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal.

Perez, J. R. R., & Passone, E. F. (2010). Políticas sociais de atendimento às crianças e aos
adolescentes no Brasil. Cadernos de Pesquisa, 40(140), 649-673. Recuperado de
http://www.scielo.br/pdf/cp/v40n140/a1740140.pdf

Prado, A. C. G. C. (2014). O jovem egresso do sistema socioeducativo e seu acesso a políticas


sociais: como prossegue a história? (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual
Paulista, Franca, São Paulo. Recuperado de http://www.franca.unesp.br/Home/Pos-
graduacao/ServicoSocial/Dissertacoes/dissertacao-anihelen-prado.pdf

Queiroz, J. B. (2010). As medidas socioeducativas de liberdade assistida e prestação de


serviços à comunidade na ótica dos egressos do Serviço Integrado Socioeducativo ao
Adolescente – SINTA (Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Estadual da Paraíba,
Campina Grande). Recuperado de
http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/2788/1/PDF%20-
%20Janaina%20Bezerra%20de%20Queiroz.pdf

Restrepo, R. S., & Hincapíe, G. M. (2012). La Constitución encriptada: Nuevas formas de


emancipación del poder global. Revista de Derechos Humanos y Estudios Sociales, n.8,
97-120. Recuperado de
http://www.derecho.uaslp.mx/Documents/Revista%20REDHES/N%C3%BAmero%208/
Redhes8-05.pdf

Rizzini, I. (2002). A criança e a lei no Brasil: revisitando a história (1822-2000). Brasília:


Unicef.

Rizzini, I. (2011). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no
Brasil. São Paulo: Cortez, 3ª ed
163

Rizzini, I. (2011). Meninos desvalidos e menores transviados: a trajetória da assistência pública


até a Era Vargas. In I. Rizzini, & F. Pilloti (Orgs.), A arte de governar crianças: a história
das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil (pp. 225-286). São
Paulo: Cortez, 3ª ed.

Santos, A. C. (2008). Trajetórias juvenis para ganhar a vida (Tese de doutorado não
publicada). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

Saraiva, J. S. (2009). Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral:


uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do
Advogado.

Saraiva, J. B. C. (2010). Compêndio de Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional.


Porto Alegre: Livraria do Advogado.

Sartório, A. T. (2007). Adolescente em conflito com a lei: uma análise dos discursos dos
operadores jurídico-sociais em processos judiciais (Dissertação de mestrado).
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. Recuperado de
http://repositorio.ufes.br/bitstream/10/2600/1/tese_635_.pdf

Sawaia, B. (1999). Exclusão ou inclusão perversa? In B. Sawaia (Org.), As artimanhas da


exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social (pp. 7-13). Petrópolis, RJ:
Editora Vozes.

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (2013a). Levantamento Anual


dos/as Adolescentes em Conflito com a Lei. Brasília: Autor. Recuperado de
http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/pdf/levantamento-sinase-2012

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (2013b). Plano Nacional de


Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e eixos operativos para o SINASE. Brasília: Autor.
Recuperado de http://www.abmp.org.br/media/files/Plano_Decenal_Final%20(11-
2013).pdf

Secretaria Nacional de Assistência Social. (2016). Caderno de orientações técnicas: serviço de


medidas socioeducativas em meio aberto. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome. Recuperado de: http://conpas.cfp.org.br/wp-
content/uploads/sites/8/2014/11/orientacoesTecnicas_MSE_MeioAberto.pdf

Secretaria Especial dos Direitos Humanos, & Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE. Brasília:
CONANDA. Recuperado de http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-
imprensa/publicacoes/sinase.pdf

Sehn, A. S., Porta, D. D., & Siqueira, A. C. (2015). “Tocar a vida para frente”: possibilidades
de plano para o futuro de adolescentes que cometeram ato infracional. Adolescência &
Saúde, 12(1), 28-34. Recuperado de
http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=479

Silva, E. R. A., & Oliveira, R. M. (2015). Nota técnica – O adolescente em conflito com a lei e
o debate sobre a redução da maioridade penal: esclarecimentos necessários. Brasília:
164

IPEA. Recuperado de
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/150616_ntdisoc_n20

Soares, L. E. (2004). Juventude e violência no Brasil contemporâneo. In R. Novaes, & P.


Vannuchi (Orgs.), Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação (pp.
130-159). São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo.

Souza, J. (2011). A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG.

Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG.

Teixeira, M. L. T. (2006). Evitar o desperdício de vidas. In ILANUD, ABMP, SEDH, &


UNFPA (Orgs.), Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e
responsabilização (pp. 427-447). São Paulo: ILANUD.

Teixeira, M. L. T. (2014). Plano Individual de Atendimento (PIA) – O presente e o futuro do


adolescente em cumprimento de medida socioeducativa. In I. L. Paiva, C. Souza, & D. B.
Rodrigues (Orgs.), Justiça Juvenil: teoria e prática no sistema socioeducativo (pp. 101-
123). Natal: EDUFRN.

Tonon, A. S. (2014). A operacionalização do plano individual de atendimento junto às medidas


socioeducativas em meio aberto (Dissertação de mestrado). Universidade Estadual de
Londrina, Londrina, Paraná). Recuperado de
http://www.bibliotecadigital.uel.br/document/?view=vtls000200259

Volpi, M. (2001). Sem liberdade, sem direitos: a experiência de privação de liberdade na


percepção dos adolescentes em conflito com a lei. São Paulo: Cortez.

Wacquant, L. (1999). As prisões da miséria. [Versão eletrônica]. Recuperado de


https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&u
act=8&ved=0ahUKEwjX5InQl4HSAhXH3SYKHVaRDwIQFggaMAA&url=http%3A%
2F%2Ffiles.femadireito102.webnode.com.br%2F200000039-
62f056357d%2FAs%2520Prisoes_da_Miseria%2520Loic_Wacquant.pdf&usg=AFQjCN
G95XoAZA6cuIo0RNoOxelZ90cA2w&sig2=vHtEsYEYxxe8JWAeshIBVQ&bvm=bv.1
46496531,d.eWE

Wacquant, L. (2003). Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Revan.

Wacquant, L. (2008). As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo.

Waiselfisz, J. J. (2015). Mapa da Violência 2015: adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil. Rio


de Janeiro: FLACSO Brasil. Disponível em:
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015_adolescentes.pdf

Waiselfisz, J. J. (2016). Mapa da Violência 2016: homicídios por armas de fogo no Brasil.
Brasília: FLACSO Brasil. Disponível em:
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf
165

Yamamoto, O. H. (2007). Políticas sociais, “terceiro setor” e “compromisso social”:


perspectivas e limites do trabalho do psicólogo. Psicologia & Sociedade, 19(1), 30-37.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v19n1/a05v19n1.pdf

Yamamoto, O. H., & Oliveira, I. F. (2010). Política social e Psicologia: uma trajetória de 25
anos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, número especial, 9-24. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a02v26ns.pdf

Zamora, M. H. (2008). Adolescentes em conflito com a lei: um breve exame da produção


recente em Psicologia. Polêmica, Revista Eletrônica, 7-20. Recuperado de
http://memoriasindicaldegase.com.br/pdf/estudos/08zamor_psicologia.pdf

Zaffaroni, E. R. (2007). O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan.

Zehr, H. (2012). Justiça Restaurativa. São Paulo: Palas Athena.


166

APÊNDICES

Apêndice A – Roteiro semi-estruturado de entrevista

Parte 1:
Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
Data de nascimento: __________________
Em que bairro reside?________________________

Escolaridade:
( ) Não alfabetizado
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Superior incompleto

Faixa de renda mensal da família


( ) Menos de 1 salário mínimo
( ) De 1 a 3 salários mínimos
( ) De 3 a 5 salários mínimos
( ) De 5 a 10 salários mínimos
( ) De 10 a 15 salários mínimos
( ) Mais de 15 salários mínimos
Número de residentes na casa: ______

Medida socioeducativa:
( ) Liberdade Assistida
( ) Prestação de Serviço à Comunidade
( ) Liberdade Assistido e Prestação de Serviço à Comunidade
- No caso de PSC: qual o serviço prestado?
- No caso de LA: de qual oficina participou?
167

Parte 2:
Educação formal
- Você está estudando atualmente?
- Se sim, em que ano/período se encontra? Escola pública ou privada?
- Se não, em que ano/período e quando parou de estudar? Pretende retornar à
escola/faculdade? Explique.
- Enquanto cumpria LA/PSC, você frequentava a escola? Se sim, em que ano estava?
- O que você pensa sobre ir à escola? O que a escola simboliza pra você?

Trabalho e profissionalização
- Durante o cumprimento de medida, você participou de algum curso de profissionalização ou
emprego? Qual?
- Você trabalha atualmente? Se sim, o que faz?
- Se não trabalha: gostaria de trabalhar? Em que?
- Se trabalha: o tipo de trabalho que você faz está relacionado à algum tipo de profissionalização
que você recebeu durante a LA/PSC? Se não, você tem interesse em trabalhar com algo
relacionado a algum tipo de profissionalização que recebeu durante a LA/PSC?
- Você contribui, por meio de sua atividade, para o sustento de seu núcleo familiar ou do grupo
com quem vive?

Acesso familiar à rede socioassistencial e intersetorial


- Durante o cumprimento de medida, você e sua família foram encaminhados pra algum
programa ou serviço que lhes garantisse algum direito? Por exemplo, acesso a alguma unidade
de saúde, a algum benefício de renda, a algum programa de profissionalização.
- Quando você finalizou o cumprimento de LA/PSC, você e sua família foram encaminhados
para serem acompanhados por algum profissional/serviço? Por exemplo, CRAS ou CREAS,
assistente social ou psicólogo.
- Como é, atualmente, o seu acesso e o da sua família a direitos básicos, como saúde, educação,
trabalho, moradia, cultura e lazer? Vocês estão inseridos em algum programa socioassistencial
ou são acompanhados por algum profissional em algum serviço? Por exemplo, algum assistente
social ou psicólogo de algum CRAS ou CREAS.
168

- Você considera que houve mudanças para você e sua família em relação ao acesso a esses
direitos comparando o período anterior à você cumprir LA/PSC e o momento posterior?
Comente.

Medida socioeducativa
- O que você achou da medida socioeducativa que cumpriu? Comente sobre sua experiência
cumprindo LA/PSC.
- Você considera que ter cumprido LA/PSC contribuiu para que acontecessem mudanças
positivas na sua vida e na da sua família? E mudanças negativas? Comentar.
- A medida socioeducativa te fez pensar sobre o ato infracional que te levou ao cumprimento
de LA/PSC? Comente.
- O que você esperava que a medida socioeducativa lhe proporcionasse? Isso aconteceu?

Condições do presente e projetos pra o futuro


- Lembrando da época em que você estava cumprindo LA/PSC, antes de ser liberado, você
possuía algum projeto a cumprir (algum projeto que tenha sido pensado junto à equipe
profissional e à sua família)? Qual? Foi possível concretizá-lo?
- O que aconteceu na sua vida que você considera importante após o cumprimento da medida
socioeducativa? Você vê alguma conexão entre o acontecimento e o cumprimento da medida?
- O cumprimento da medida possibilitou oportunidades de pensar o futuro, de fazer projetos de
vida para além da atividade semanal desenvolvida? Se sim, como foi? Quem esteve envolvido
nisso?
- Se sim, você acha que está conseguindo colocar em prática o que planejou para si? Comente.
- Quais seus planos para o futuro?
169

Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (para os jovens


entrevistados)

Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa: “Jovens egressos do sistema
socioeducativo em Natal: o que ficou do cumprimento de medida em meio aberto na perspectiva desses
sujeitos?”, que tem como pesquisadora responsável Allana de Carvalho Araújo.
Esta pesquisa pretende investigar quais as repercussões que o cumprimento de uma medida
socioeducativa em meio aberto teve na vida de quem a cumpriu, depois de a medida ter sido finalizada.
O que motiva este estudo é a constatação de que o sistema socioeducativo não tem funcionado como
deveria. Diante disso, surgiu a pergunta sobre que consequências o atendimento socioeducativo, da
forma como está acontecendo, tem gerado na vida daqueles que cumpriram medida socioeducativa.
Caso você decida participar, você fará parte de uma entrevista. Essa entrevista não terá
perguntas prontas, pra que pareça mais com uma conversa e você possa ficar mais à vontade sobre o
que deseja falar ou não. Mas, apesar de não haver perguntas, a pesquisadora responsável irá indicar
os temas que serão conversados. Esses temas serão referentes às ações principais que guiam o
atendimento socioeducativo, por exemplo, a convivência com a família e com a comunidade, o acesso
a profissionalização, à escola, à cultura e lazer. A intenção é entender como o cumprimento de medida
socioeducativa influenciou nesses pontos na sua vida. A entrevista durará cerca de quarenta minutos.
O que conversarmos será gravado em áudio, mas ninguém mais além da pesquisadora responsável
irá ter acesso. Haverá outro documento, além deste, pedindo autorização à você para a gravação de
voz. A entrevista será previamente marcada de acordo com a sua disponibilidade e irá acontecer em
local seguro e reservado, de modo que ninguém possa ouvir a conversa.
Além da entrevista, sua participação inclui que a pesquisadora possa ter acesso ao seu Plano
Individual de Atendimento (PIA), construído à época em que você cumpria medida socioeducativa. O
PIA é importante porque permitirá entender, objetivamente, que metas e compromissos guiavam o
atendimento socioeducativo de que você participou, ou seja, permite entender melhor como esse
atendimento funcionou. Essas informações serão complementares à entrevista. Você não estará
presente nessa etapa da pesquisa, mas, como há dados pessoais seus no PIA, é necessário que você
autorize o acesso. A pesquisadora terá acesso a esse documento na I Vara da Infância e da Juventude
de Natal, pois é lá que ele está arquivado.
Durante a realização da entrevista a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que você
corre é semelhante àquele sentido num exame físico ou psicológico de rotina. Mas, caso você se sinta
desconfortável ao ter que falar sobre algum assunto que seja abordado na entrevista ou pelas reflexões
que a conversa pode gerar, a entrevista será interrompida. Você poderá conversar com a pesquisadora
responsável, caso se sinta à vontade, e pode optar por desistir da entrevista. Caso haja necessidade e
as consequências não sejam contornáveis nesse momento, a pesquisadora poderá te encaminhar para
assistência psicológica gratuita que será prestada no Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA), na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
170

No caso do acesso da pesquisadora ao seu PIA, não há riscos físicos ou psicológicos diretos
à você, pois ocorrerá apenas uma análise da pesquisadora a documentos que lhe dizem respeito. A
pesquisadora garante que manterá sigilo sobre todo e qualquer dado pessoal presente nos
documentos.
Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da
pesquisa, sem nenhum prejuízo para você. Poderá, também, se recusar a falar sobre qualquer tema
que seja assunto da entrevista, caso julgue constrangedor. Não é previsto que você venha a ter
despesas ou danos em decorrência da sua participação, mas, se vierem a ocorrer, o valor gasto será
reembolsado pela pesquisadora ou você será indenizado pelo dano.
Os benefícios pessoais que essa pesquisa trará à você não serão diretos e imediatos ao
participar da pesquisa. Porém, a partir das reflexões geradas nas entrevistas, você ajudará a entender
melhor como o serviço que você frequentou está funcionando e como ele está repercutindo na vida de
quem passou por ele. Isso poderá ajudar a pensar como esse atendimento pode melhorar, beneficiando
outros adolescentes que, no futuro, vão cumprir medida socioeducativa como você cumpriu.
Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em
congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe
identificar. Eles serão guardados pela pesquisadora responsável por essa pesquisa em local seguro e
por um período de 5 anos.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a pesquisadora
responsável Allana de Carvalho Araújo. Caso haja dúvidas durante todo o período da pesquisa, elas
poderão ser esclarecidas perguntando diretamente à pesquisadora ou ligando para Allana de Carvalho
Araújo (84 99984-0375). Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê
de Ética em Pesquisa Do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (CEP/HUOL), telefone 3342-5003. Pode, também, entrar em contato via e-mail
cep_huol@yahoo.com.br, ou via endereço Av. Nilo Peçanha, 620, Petrópolis, CEP 59.012-300.
A utilização deste documento para realização da pesquisa atende à Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde, a qual aprova diretrizes e normas reguladoras para pesquisas
envolvendo seres humanos.
171

Consentimento Livre e Esclarecido


Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão
coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela trará para
mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da pesquisa “Jovens egressos
do sistema socioeducativo em Natal: o que ficou do cumprimento de medida em meio aberto na
perspectiva desses sujeitos?”, e autorizo a divulgação das informações por mim fornecidas em
congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum dado possa me identificar.

Natal, _____ de _______________ de 2016.

_________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressão
datiloscópica do
participante
172

Declaração do pesquisador responsável

Como pesquisadora responsável pelo estudo “Jovens egressos do sistema socioeducativo em


Natal: o que ficou do cumprimento de medida em meio aberto na perspectiva desses sujeitos?”, declaro
que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos metodologicamente e
direitos que foram esclarecidos e assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo
e confidencialidade sobre a identidade do mesmo.
Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei
infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde –
CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.

Natal ____ de _______________ de 2016.

_____________________________________________________
Allana de Carvalho Araújo
Assinatura do pesquisador responsável
173

Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (para os responsáveis pelo


adolescente entrevistado)

Esclarecimentos

Estamos solicitando a você a autorização para que o adolescente pelo qual você é responsável
participe da pesquisa: “Jovens egressos do sistema socioeducativo em Natal: o que ficou do
cumprimento de medida em meio aberto na perspectiva desses sujeitos?”, que tem como pesquisador
responsável a mestranda Allana de Carvalho Araújo.
Esta pesquisa pretende investigar quais as repercussões que o cumprimento de uma medida
socioeducativa em meio aberto teve na vida de quem a cumpriu, depois de a medida ter sido finalizada.
O que motiva este estudo é a constatação de que o sistema socioeducativo não tem funcionado como
deveria. Diante disso, surgiu a pergunta sobre que consequências o atendimento socioeducativo, da
forma como está acontecendo, tem gerado na vida daqueles que cumpriram medida socioeducativa.
Caso você decida autorizar, o adolescente irá participar de uma entrevista. Essa entrevista não
terá perguntas prontas, pra que pareça mais com uma conversa e que o adolescente fique mais à
vontade. Mas, apesar de não haver perguntas, a pesquisadora responsável irá indicar os temas que
serão conversados. Esses temas serão referentes às ações principais que guiam o atendimento
socioeducativo, por exemplo, a convivência com a família e com a comunidade, o acesso a
profissionalização, à escola, à cultura e lazer. A intenção é entender como o cumprimento de medida
socioeducativa influenciou nesses pontos na vida do adolescente. A entrevista durará cerca de
quarenta minutos. Ela será gravada em áudio, mas ninguém mais além da pesquisadora irá ter acesso.
Haverá outro documento, além deste, pedindo autorização para a gravação de voz. A entrevista será
previamente marcada de acordo com a sua disponibilidade e a do adolescente e irá acontecer em local
seguro e reservado, de modo que ninguém possa ouvir o que for conversado.
Além da entrevista, sua autorização inclui que a pesquisadora possa ter acesso ao Plano
Individual de Atendimento (PIA) do adolescente, construído à época em que ele cumpria medida
socioeducativa. O PIA é importante porque permitirá entender, objetivamente, que metas e
compromissos guiavam o atendimento socioeducativo de que ele participou, ou seja, permite entender
melhor como esse atendimento funcionou. Essas informações serão complementares à entrevista. O
adolescente não estará presente nessa etapa da pesquisa, mas, como há dados pessoais no PIA, é
necessário que você autorize o acesso. A pesquisadora terá acesso a esse documento na I Vara da
Infância e da Juventude de Natal, pois é lá que ele está arquivado.
Durante a realização da entrevista a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que o
adolescente corre é semelhante àquele sentido num exame físico ou psicológico de rotina. Mas, caso
ele se sinta desconfortável ao ter que falar sobre algum assunto que seja abordado na entrevista ou
pelas reflexões que a conversa pode gerar, a entrevista será interrompida. Ele poderá conversar com
a pesquisadora responsável, caso se sinta à vontade, e pode optar por desistir da entrevista. Caso haja
necessidade e as consequências não sejam contornáveis nesse momento, a pesquisadora poderá
174

encaminha-lo para assistência psicológica gratuita que será prestada no Serviço de Psicologia Aplicada
(SEPA), na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
No caso do acesso da pesquisadora ao PIA, não há riscos físicos ou psicológicos diretos ao
adolescente, pois ocorrerá apenas uma análise da pesquisadora a documentos que lhe dizem respeito.
A pesquisadora garante que manterá sigilo sobre todo e qualquer dado pessoal presente nos
documentos.
Você tem o direito de recusar sua autorização, em qualquer fase da pesquisa, sem nenhum
prejuízo para você e para o adolescente. Ele poderá, também, se recusar a falar sobre qualquer tema
que seja assunto da entrevista, caso julgue constrangedor. Não é previsto que vocês venham a ter
despesas ou danos em decorrência da participação, mas, se vierem a ocorrer, o valor gasto será
reembolsado pela pesquisadora ou o adolescente será indenizado pelo dano.
Os benefícios pessoais que essa pesquisa trará ao adolescente não serão diretos e imediatos
ao participar da pesquisa. Porém, a partir das reflexões geradas nas entrevistas, ele ajudará a entender
melhor como o serviço que você frequentou está funcionando e como ele está repercutindo na vida de
quem passou por ele. Isso poderá ajudar a pensar como esse atendimento pode melhorar, beneficiando
outros adolescentes que, no futuro, vão cumprir medida socioeducativa como ele cumpriu.
Os dados que o adolescente irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas
em congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa
identifica-lo. Eles serão guardados pela pesquisadora responsável por essa pesquisa em local seguro
e por um período de 5 anos.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a pesquisadora
responsável Allana de Carvalho Araújo. Caso haja dúvidas durante todo o período da pesquisa, elas
poderão ser esclarecidas perguntando diretamente à pesquisadora ou ligando para Allana de Carvalho
Araújo (84 99984-0375). Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê
de Ética em Pesquisa Do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (CEP/HUOL), telefone 3342-5003. Pode, também, entrar em contato via e-mail
cep_huol@yahoo.com.br, ou via endereço Av. Nilo Peçanha, 620, Petrópolis, CEP 59.012-300.
A utilização deste documento para realização da pesquisa atende à Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde, a qual aprova diretrizes e normas reguladoras para pesquisas
envolvendo seres humanos.
175

Consentimento Livre e Esclarecido

Eu, ____________________________________________, representante legal do


adolescente ____________________________________________, autorizo sua participação na
pesquisa “Jovens egressos do sistema socioeducativo em Natal: o que ficou do cumprimento de medida
em meio aberto na perspectiva desses sujeitos?”.
Esta autorização foi concedida após os esclarecimentos que recebi sobre os objetivos,
importância e o modo como os dados serão coletados, por ter entendido os riscos, desconfortos e
benefícios que essa pesquisa pode trazer para ele(a) e também por ter compreendido todos os direitos
que ele(a) terá como participante e eu como seu representante legal.
Autorizo, ainda, a publicação das informações fornecidas por ele(a) em congressos e/ou
publicações científicas, desde que os dados apresentados não possam identificá-lo(a).

Natal, _____ de _______________ de 2016.

_____________________________________________
Assinatura do representante legal Impressão
datiloscópica do
representante legal
176

Declaração do pesquisador responsável

Como pesquisador responsável pelo estudo “Jovens egressos do sistema socioeducativo em


Natal: o que ficou do cumprimento de medida em meio aberto na perspectiva desses sujeitos?”, declaro
que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos metodologicamente e
direitos que foram esclarecidos e assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo
e confidencialidade sobre a identidade do mesmo.
Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei
infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde –
CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.

Natal, ____ de ________________ de 2016.

________________________________________________
Allana de Carvalho Araújo
Assinatura do pesquisador responsável
177

Apêndice D – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (para os adolescentes


entrevistados)

Você está sendo convidado a participar da pesquisa “Jovens egressos do sistema


socioeducativo em Natal: o que ficou do cumprimento de medida em meio aberto na perspectiva desses
sujeitos?”, coordenada pela pesquisadora Allana de Carvalho Araújo. As pessoas responsáveis por
você permitiram que você participe.
Queremos saber quais as repercussões que o cumprimento de uma medida socioeducativa
teve na sua vida, agora que você já finalizou a medida.
Você só precisa participar da pesquisa se quiser, a escolha é um direito seu e não terá nenhum
problema se desistir. Os participantes dessa pesquisa são adolescentes como você, ou são pouco mais
velhos, que também já cumpriram medida socioeducativa em meio aberto.
A pesquisa será feita no local que for mais conveniente para você e para seus responsáveis e
que será combinado com antecedência com a pesquisadora responsável pela pesquisa. Iremos
conversar um pouco sobre como foi o cumprimento de medida socioeducativa para você e quais os
efeitos dele na sua vida hoje. A entrevista deve durar cerca de quarenta minutos. Será usado gravador
de voz, para registrar nossa conversa, que será uma entrevista. Ele é considerado seguro e a
pesquisadora se compromete em não deixar ninguém ter acesso à conversa que for gravada.
Por ser uma conversa sobre algo que você viveu, há o risco de vocês se sentir desconfortável
com algo que venha a pensar durante a conversa sobre sua experiência cumprindo medida
socioeducativa. Você pode se recusar a falar sobre qualquer tema que seja assunto da entrevista, caso
julgue constrangedor. Caso se sinta mal e queira parar a entrevista, não haverá problema nenhum. O
gravador de voz será desligado e, caso você queira, pode falar com a pesquisadora sobre como se
sente e ela pode tentar te ajudar. Caso aconteça algo errado, você pode me procurar pelo telefone que
irei te informar e que informei a seus responsáveis.
Além da participação na entrevista, sua autorização inclui que a pesquisadora possa ter acesso
ao seu Plano Individual de Atendimento (PIA), construído à época em que você cumpria medida
socioeducativa. O PIA é importante porque permitirá entender que metas e compromissos guiavam o
atendimento socioeducativo de que você participou, ou seja, permite entender melhor como esse
atendimento funcionou. Essas informações serão complementares à entrevista. Você não estará
presente nessa etapa da pesquisa, mas, como há dados pessoais seus no PIA, é necessário que você
seja informado. A pesquisadora terá acesso a esse documento na I Vara da Infância e da Juventude
de Natal, pois é lá que ele está arquivado.
O acesso da pesquisadora ao PIA não causa riscos físicos ou psicológicos diretos à você, pois
será feita apenas uma análise da pesquisadora a documentos que lhe dizem respeito. A pesquisadora
garante que manterá sigilo sobre todo e qualquer dado pessoal presente nos documentos.
Há coisas boas que podem acontecer: essa entrevista pode ajudar a entender melhor como o
serviço que você frequentou está funcionando e o que ele está gerando na vida de adolescentes como
você. Isso pode ajudar a pensar formas melhores de funcionamento e mudar o que não estava legal,
178

beneficiando outros adolescentes que, no futuro, vão cumprir medida socioeducativa como você
cumpriu.
Se você morar longe do local onde for feita a entrevista, nós daremos a seus pais dinheiro
suficiente para transporte, para também acompanhar a pesquisa.
Ninguém saberá que você está participando da pesquisa; não falaremos a outras pessoas, nem
daremos a estranhos as informações que você nos der. O seu nome não estará identificado em nenhum
lugar. Os resultados da pesquisa vão ser publicados para outros pesquisadores lerem e ajudarem a
pensar em outras maneiras de o atendimento socioeducativo funcionar. Os resultados vão ser
apresentados, também, nos lugares em que o atendimento socioeducativo é feito, para que os
profissionais também possam pensar nisso. Espera-se que essa pesquisa leve a uma reflexão e, quem
sabe, a um aprimoramento de como o sistema socioeducativo tem acontecido.

CONSENTIMENTO PÓS INFORMADO

Eu _________________________________________ aceito participar da pesquisa “Jovens egressos


do sistema socioeducativo em Natal: o que ficou do cumprimento de medida em meio aberto na
perspectiva desses sujeitos?”.
Entendi as coisas ruins e as coisas boas que podem acontecer.
Entendi que posso dizer “sim” e participar, mas que, a qualquer momento, posso dizer “não” e
desistir e que ninguém vai ficar com raiva de mim.
Os pesquisadores tiraram minhas dúvidas e conversaram com os meus responsáveis.
Recebi uma cópia deste termo de assentimento e li e concordo em participar da pesquisa.
Natal, _______de _____________________ de 2016.

_________________________________________ _________________________________________
Assinatura do adolescente Allana de Carvalho Araújo
Assinatura do pesquisador
179

Apêndice E – Termo de autorização para Gravação de Voz

Eu, __________________________________________, depois de entender os riscos e


benefícios que a pesquisa intitulada “Jovens egressos do sistema socioeducativo em Natal: o que ficou
do cumprimento de medida em meio aberto na perspectiva desses sujeitos?” poderá trazer e, entender
especialmente os métodos que serão usados para a coleta de dados, assim como, estar ciente da
necessidade da gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por meio deste termo, a pesquisadora
Allana de Carvalho Araújo a realizar a gravação de minha entrevista sem custos financeiros a nenhuma
parte.
Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida mediante o compromisso da pesquisadora acima citada
em garantir-me os seguintes direitos:
1. poderei ler a transcrição de minha gravação;
2. os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações para a pesquisa
aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas, congressos e
jornais;
3. minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação das informações
geradas;
4. qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser feita mediante
minha autorização;
5. os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade da pesquisadora
coordenadora da pesquisa Allana de Carvalho Araújo, e após esse período, serão destruídos e,
6. serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento e/ou
solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista.

Natal, ____ de ________________ de 2016.

______________________________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa

_____________________________________________________________________
Allana de Carvalho Araújo
Assinatura e carimbo do pesquisador responsável

Você também pode gostar