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Natal
2017
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Natal
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA
Agradecimentos
À vida, por ter permitido a caminhada até a construção deste trabalho e, com ela, tantas
À UFRN, que me acolheu desde o início da minha trajetória acadêmica até aqui, e que
Ao CNPQ, por ter proporcionado condições materiais para a realização deste estudo.
A Ilana, por ter apostado neste trabalho e por ter caminhado comigo nesses dois anos.
A Maria de Lurdes Trassi e Ana Vládia Holanda Cruz, pelas contribuições significativas
A Isabel Fernandes e Ana Vládia Holanda Cruz, por terem aceitado participar da banca
A Severina e Júnior, mãe e pai, ouro de mina. Obrigada pelo amor incondicional de
sempre, pelo cuidado que não cessa, pela paciência, pela compreensão e pela confiança.
companheira, mestre jedi, mediadora dos meus conflitos de forma não-violenta, inspiração,
orgulho. Gratidão por tudo, inclusive por, muitas vezes, apostar mais em mim do que eu mesmo.
Sou muito grata pela sua existência, e por ela afetar direta e positivamente a minha, e tudo o
que eu faço – inclusive esta dissertação. Todo agradecimento que eu pudesse te fazer aqui,
Sou muito grata à vida pelo nosso encontro, pela convivência e pelos aprendizados diários.
Obrigada pela leveza e por ter levado esse mestrado como um projeto nosso.
iv
A Jane, pelo acompanhamento importante durante esses dois anos (e além deles), pelo
amparo, pelo cuidado e por conhecer de perto as faces não-escritas deste trabalho.
Neurizete, Paula, Marisa, Klesida, Simone, Isa e Flor –, pela acolhida aberta, paciente e
horas.
A Fábio, Luna, Mariana, Nara, Rebecka e Roberta, presentes do mestrado para a vida!
Vocês trouxeram leveza e sorriso fácil pra o dia-a-dia nesses dois anos. Gratidão pela amizade
despretensiosa! Sigamos!
A Amanda e Alessandra, as pilhas alcalinas. Gratidão pelo sorrir e pelo sofrer junto.
Ao Núcleo Socioeducativo do OBIJUV, que muito engrandeceu este estudo por meio
Rodrigues, pela pessoa inspiradora que é e que sempre suscita movimento; e a Anna Luiza, pela
Gratidão!
v
Sumário
Lista de siglas ..........................................................................................................................vii
Resumo ..................................................................................................................................... ix
Abstract ..................................................................................................................................... x
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1: A INFÂNCIA E A ADOLESCÊNCIA COMO ALVO DA
INTERVENÇÃO DO ESTADO ............................................................................................ 15
1.1 Trajetória das políticas sociais de atendimento a crianças e adolescentes no Brasil:
do “menor” ao adolescente autor de ato infracional ....................................................... 15
1.2 Sistema socioeducativo para quem? Reflexões sobre Estado, políticas sociais e
criminalização da juventude pobre ................................................................................... 26
CAPÍTULO 2: A POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO.................... 40
2.1 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo ........................................................ 40
2.1.1 Violações de direitos no sistema socioeucativo.................................................... 48
2.2 Medidas socioeducativas executadas em meio aberto ............................................... 52
2.2.1 Violações de direitos e outros desafios na execução das medidas em meio
aberto. .............................................................................................................................. 58
2.3 Plano Individual de Atendimento ............................................................................... 63
CAPÍTULO 3: OS ADOLESCENTES EGRESSOS DO SISTEMA
SOCIOEDUCATIVO ............................................................................................................. 69
3.1 O que se espera para o adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa
.............................................................................................................................................. 69
3.1.1 A falácia da ressocialização. ................................................................................. 73
3.1.2 A crença na ressocialização pelo trabalho e pelo estudo. ................................... 76
3.1.3 A ressocialização sustentada na ideia de “novos projetos de vida”. ................. 85
3.2 Como estão os egressos do atendimento socioeducativo? ......................................... 88
CAPÍTULO 4: MÉTODO...................................................................................................... 94
4.1 Pesquisa documental .................................................................................................... 94
4.2 Participantes da pesquisa ............................................................................................. 96
4.3 Entrevistas ..................................................................................................................... 97
4.4 Aspectos éticos............................................................................................................. 100
4.5 Procedimentos de análise de dados ........................................................................... 100
CAPÍTULO 5: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ................................. 103
5.1 Caracterização do funcionamento do atendimento socioeducativo em meio aberto
em Natal-RN...................................................................................................................... 103
5.1.1 Perfil dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio
aberto no município de Natal. ..................................................................................... 112
5.2 Análise da situação processual do cumprimento de medida socioeducativa ........ 114
vi
Lista de siglas
LA Liberdade Assistida
Indivíduos
Resumo
ao cumprimento de medida, como, por vezes, lidam com estigma e o preconceito relacionados
pelo cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto ao egresso em Natal. Para tanto,
a construção dos dados foi realizada em duas etapas: pesquisa documental e entrevista com os
feitas articulações entre os dados obtidos nas duas etapas. Identificou-se que a experiência
vem sendo bem maior que a esperada, gerando um quantitativo de adolescentes remanescentes
suas vidas e, no geral, sentem-se injustiçados. Esses dados estão associados ao funcionamento
direitos humanos.
x
Abstract
Adolescents who have participated of socio-educational measures, not only deal with the same
pre-existing challenges while in this program, but sometimes they suffer to the stigma and the
prejudice related with having committed an infraction. Nevertheless, does not exist, nationally,
a systematic care for the former participant. In this research, it was investigated the
restraint in the city of Natal. To do so, the data collection was separated in two stages:
documentary research and interviews with adolescents. The first one aimed to characterize the
understand the context in which the adolescents were inserted. The interviews sought to
investigate changes and permanence in the lives of these adolescents provided by the fulfillment
of socio-educational measures. In the analysis of the results, joints have been made between the
data obtained in these two steps. It was identified that socio-educational experience in the
municipality has been reduced to accountability. The procedural duration has been much higher
than expected, generating a number of remaining adolescents linked to the service. This study
shows signs that different manifestations of violence continue to permeate the lives of
adolescents in the post-measure. In this scenario, the adolescents do not make associations
between the socio-educational service with the guarantee of their rights nor with positive
changes in their lives and, in general, feel wronged. These data are associated with the
precarious functioning of both the socio-educational service and other services of the Child and
Keywords: public policy, adolescent in conflict with the law; social issues; human rights.
11
INTRODUÇÃO
emancipação e autonomia de cada sujeito em sua relação com a sociedade (Bisinoto, 2015).
responsabilização como medida punitiva, mas também que sejam asseguradas condições para
promoção do seu desenvolvimento como pessoa (por exemplo, que sejam garantidos seus
direitos).
de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013b; Silva & Oliveira, 2015). Tem-se,
principalmente de internação.
usuários do serviço. Pesquisas com adolescentes egressos (Araújo, 2015; Evangelista, 2008;
Gonçalves, 2015; Marinho, 2013; Queiroz, 2010; Volpi, 2001) apresentam que, após
12
geral, os mesmos desafios que já enfrentavam antes de cometerem ato infracional, além das
que a cumpre têm rumado por caminhos distintos – e, por vezes, contrários – aos previstos pelo
SINASE.
Diante desse quadro, este estudo insere-se na temática do adolescente autor de ato
infracional, especificamente naquele que não está mais ligado a uma unidade de atendimento
tipo de medida socioeducativa aqui estudada é a executada em meio aberto, a qual, de acordo
com SINASE, deve ser prioritária frente àquelas de privação e restrição de liberdade.
A pesquisa aqui apresentada investigou como estão os jovens egressos que cumpriram
do processo socioeducativo para a vida dessas pessoas. Para isso, utilizou-se, como ferramentas
Por meio deste estudo e no papel de pesquisadora, não se pretende falar por nenhum
espaço de visibilidade ao traduzi-las de forma compreensiva a pessoas que, até então, não as
avaliar criticamente o papel histórico assumido pelo intelectual (Spivak, 2014). Assim,
concordando com Spivak, tem-se que a intenção deste estudo foi oportunizar espaços em que
essas falas sejam ouvidas. Além disso, os discursos dos entrevistados refletem o
percurso próprio da autora, em sua formação como psicóloga, na área dos direitos humanos e
de políticas públicas, que conduziram a uma aproximação temática com o campo das medidas
A experiência de estágio gerou questões diversas, dentre elas, o que, de fato, o processo
socioeducativo estaria produzindo na vida das adolescentes. Essa ideia foi readequada nos
mudança de foco do atendimento socioeducativo do meio fechado para o meio aberto ocorreu
devido a, após pesquisa bibliográfica, ter-se percebido que poucas pesquisas se voltavam a
Os referenciais teóricos que ancoram este trabalho estão organizados em três capítulos
com um breve resgate histórico do atendimento voltado para adolescentes autores de ato
infracional no Brasil, até chegar aos atuais Estatuto da Criança e do Adolescente e Sistema de
voltada às crianças e aos adolescentes pobres. Emergem, daí, discussões sobre a criminalização
lamentáveis violações de direitos que ocorrem nos serviços. Trata-se, também, de aspectos
socioeducativo. É feita uma discussão sobre o que consta nos documentos e normas sobre o
metodológicas da pesquisa, o qual inclui a especificação sobre as duas etapas deste estudo –
INTERVENÇÃO DO ESTADO
SINASE e sobre os egressos desse sistema, será discutido, de maneira breve, como,
reforçam seu atual modo de funcionamento. Além disso, é, também, essencial para entender
quem são os adolescentes que chegam, hoje, a esse sistema e alguns elementos que sustentam
de diferentes entendimentos sobre esses sujeitos. Pode-se dizer que, durante os mais de três
séculos em que o Brasil foi colônia de Portugal, as ações de atenção à infância pobre no país
eram, quase todas, de caráter religioso (Arantes, 2011). Não existia a noção de direitos de
expressão.
Mendez (2006) identifica que, até o início do século XX, as pessoas consideradas
“menores de idade”, ao infringirem leis penais, eram tratadas, basicamente, da mesma forma
que os adultos que estivessem em situação semelhante. As únicas exceções diziam respeito às
pessoas de sete a dezoito anos, que tinham diminuídas em um terço suas penas, e aos menores
de sete anos, que, com base na tradição do direito romano, eram considerados incapazes e
16
tinham seus atos equiparados aos de animais não-humanos. Por isso, o autor caracteriza esse
No início do século XX, com o princípio da República no Brasil, o país passa por
espaço na vida social. Entram em cena conhecimentos médicos sobre higiene, controle e
a sua autoridade. Mas, para além do meio médico, o movimento higienista penetra em toda a
urbanistas e juristas.
à eugenia, colocando-se abertamente contra negros e mestiços, por mais que estes
moral” do país, que pode ser traduzido como a limpeza social para eliminação da pobreza e de
todo os males a ela atribuídos. Para o movimento higienista, os vícios e as virtudes eram, em
grande parte, heranças familiares. Ou seja, deveriam ser tomadas medidas contra as pessoas
consideradas provenientes de famílias “com moral duvidosa” – leia-se, os pobres (Coimbra &
Nascimento, 2003).
doença e cura e de diagnóstico e prevenção, a partir dos quais a higiene médica intervém na
intimidade das famílias e instaura práticas disciplinares. São disseminados, então, padrões para
a normalização das condutas na esfera física, psíquica e sexual, por meio de valores típicos e
exclusivos do universo burguês. Era criada, com isso, a figura do indivíduo polido, contido e
É por esse viés higienista que se ampliam os olhares voltados à criança e ao adolescente,
sobretudo aos que viviam em situação de pobreza. Novas práticas cotidianas de controle são
17
está intimamente relacionado à ideia de que é possível moldar o comportamento de uma pessoa
e transformá-la a partir desses padrões. Ou seja, em uma dimensão mais ampla, passa-se a
infância passa a ser sinônimo de investir no adulto em que ela se tornará – e, logo, no progresso
da nação constituída por esses adultos. A criança passa, daí, a ser alvo de investimento social e
político, pois zelar por ela correspondia a zelar pela ordem e pela paz social (Rizzini, 2011).
adolescência, principalmente àquelas que poderiam oferecer algum tipo de perigo à ordem
social. As ações centrais nesse intuito consistiam em retirar crianças e adolescentes dos meios
considerados atentatórios à moral, como as ruas, e levá-los a instituições, onde, reclusos, eles
se distanciariam dos perigos até então oferecidos. O modelo de atendimento asilar assumia a
ordem social.
convencido da necessidade de salvar a criança para salvar a nação, o Brasil inicia, nas primeiras
décadas dos anos 1900, a formalização dos modelos de atendimento assistenciais propostos
pelo Estado. Em 1927, é instituído o Código de Menores, o qual buscou organizar e direcionar
as ações de tutela e coerção do Estado para com os chamados menores. Esse Código incorporou
18
tanto a visão higienista de proteção do meio e do indivíduo, quanto uma visão jurídica
Dentre outras disposições, o Código permitia intervir no abandono físico e moral dos
menores e retirar o pátrio poder 1 nos casos em que fosse julgado pertinente; internar os
infração penal (Perez & Passone, 2010). Essa legislação tinha como característica o enfoque
e o adolescente à sociedade.
No capítulo referente aos “menores delinquentes”, artigo 86, inciso 4º, o Código dispõe
que “Si o menor não tiver sido preso em flagrante, mas a autoridade competente para a
instrucção criminal achar conveniente não o deixar em liberdade, procederá de accôrdo com os
§§ 2º e 3º”. Isso implica que todas as crianças e adolescentes de que tratava o Código de
enviadas às instituições cabíveis, mesmo que fosse por uma simples suspeita ou por sua
aparência física.
Ou seja, o Estado passa a poder declarar como “irregular” parte da população e tomar
para si o papel de lidar diretamente com essa irregularidade. E quem eram as crianças e
adolescentes de que tratavam o Código? Ora, tendo em vista que as situações consideradas
“irregulares” não eram comuns às classes média e alta, o Código de Menores direcionava suas
orientações, então, para os filhos das famílias mais pauperizadas, tendo respaldo legal para
1
Durante a vigência do Código Civil de 1916, o homem (pai) era detentor de poder absoluto e exclusivo sobre os
filhos, situação que designava o termo “pátrio poder”. A partir do Código Civil de 2002, esse termo foi substituído
por “poder familiar” e passa a abranger os direitos e deveres atribuídos aos pais visando a garantia de direitos e de
bens dos filhos durante a infância e a adolescência. O poder familiar é instituído no interesse dos filhos e da família,
não em proveito dos pais.
19
Com o Código de Menores de 1927, o termo “menor” passa a ter nomenclatura jurídica
Entretanto, pelo caráter das intervenções do Código e pela seletividade da aplicação das
mesmas a apenas uma classe social específica, esse termo passa não a designar qualquer pessoa
em uma mesma faixa de idade, mas a apenas diferenciar um segmento – o pobre – do resto da
população (Coimbra & Nascimento, 2003). O “menor” passa a denominar uma categoria de
infância e adolescência pobre e marginal que representava perigo para a futura sociedade. Por
trazer consigo esse entendimento, o Código de 1927 manifesta uma oscilação constante entre,
por um lado, a defesa à criança e ao adolescente e, por outro, a defesa da sociedade contra essa
criança e esse adolescente, os quais configuravam ameaça à ordem pública (Rizzini, 2002).
questões relativas aos menores vinham sendo tratadas, principalmente, pela esfera jurídica,
através dos Juízos de Menores. O SAM surge, então, como órgão centralizador da organização
práticos, permaneceu com o modelo básico de atuação voltado à internação dos menores
revelou-se uma instituição violadora dos direitos de seus usuários, marcada pela prática de
Com a assunção do golpe civil-militar em 1964, o SAM foi extinto, mas seu patrimônio
material e suas ações cotidianas foram incorporados por uma nova estratégia com propósito
cada estado da federação foi criada uma Fundação de Bem-Estar do Menor (FEBEM), unidade
física responsável por receber os adolescentes autores de ato infracional e aqueles cujos
vigente era decorrente de uma absorção falha dos valores universais da sociedade por parte do
sujeito. O papel das instituições era, portanto, corrigir e reeducar os menores, integrando-os ao
mercado de trabalho (Cabral & Sousa, 2004). Porém, assim como o SAM, a FUNABEM acabou
punição.
direitos. O Código de 1979 também teve caráter repressivo e retrógrado (Rizzini, 2002) e
1979).
ganham força vários movimentos que tiveram papel essencial no processo de abertura política
do Brasil e na luta por direitos, como as “Diretas Já”, o novo sindicalismo e o movimento pela
anistia.
21
Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que surgiu em 1985 e “buscava através
Cavalcante, 2014, p. 34). Essa e outras entidades, junto a ativistas dos direitos da criança e do
especial e diferenciada para esse público. Esse novo paradigma vinha sendo defendido e
Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1948), a Convenção Americana sobre os
Direitos Humanos (Pacto de São José, de 1969) e as Regras Mínimas das Nações Unidas para
então nova Constituição Federal, de 1988, que dispõe ser dever da família, da sociedade e do
ainda, que assegurar esses direitos é prioridade absoluta e que esse público deve ser colocado a
Além desse, os dois artigos constitucionais seguintes trazem outras mudanças na atenção a esse
público: o 228 dispõe que são penalmente inimputáveis as pessoas menores de 18 anos e que
elas devem estar sujeitas à legislação especial; e o artigo 229 prevê que é dever dos pais assistir,
instituído como instrumento legal que visa dispor sobre a atenção à criança e ao adolescente no
Brasil. A partir do ECA e da Constituição de 1988, a responsabilidade legal pela garantia dos
direitos desse público no Brasil passa a ser dividida entre a família, a comunidade, a sociedade
e o poder público em geral. Passam a ser direitos considerados fundamentais de toda criança e
na sociedade. Se, antes, eles eram objetos de intervenção do Estado apenas em situações de
Em consonância com essa proposta, o ECA não mais adota o termo “menor” em seu
texto legal, substituindo-o por designações que, de fato, possam representar todo o público a
defesa e controle da efetivação dos direitos infanto-juvenis nas três esferas de governo (federal,
intersetorial deve ser a base de toda e qualquer política voltada ao atendimento da criança e do
(SINASE), o qual será discutido de forma mais aprofundada no próximo capítulo deste estudo.
contravenção penal e praticada por criança ou adolescente. Quando da prática por crianças, são
aplicadas medidas protetivas a elas e seus pais ou responsáveis. Já no caso de atos praticados
por adolescentes, são aplicadas medidas socioeducativas 2, as quais se pretendem ser modos de
cometimento do ato infracional, podem ser de seis diferentes tipos: advertência, obrigação de
privação de liberdade.
concretização de alguns direitos e na abrangência do Estatuto. Mesmo sendo uma lei com
pretensões universais ao público a que se destina, o cumprimento do ECA, como o dos Códigos
de Menores, permanece não atendendo a todos de uma mesma maneira, sendo mais precarizado
2
Importante esclarecer que as medidas de proteção são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos no ECA
forem ameaçados ou violados (artigo 98 do Estatuto). Logo, os adolescentes que cometeram ato infracional e que
estão nessa situação também devem receber medida protetiva, além da socioeducativa.
3
Vale ressaltar que, mesmo muitas vezes considerado um documento provocador de uma mudança paradigmática
no âmbito dos direitos da criança e do adolescente, o ECA permanece assentando-se em bases estruturantes da
Justiça Retributiva, que submete os processos infracionais de adolescentes a rituais de condenação, baseados na
punição (Araújo & Silva, 2015).
24
àqueles que estão em situação de maior vulnerabilidade. Por exemplo, como aponta o
documento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) publicado em comemoração
aos 25 anos do ECA, mais de três milhões de crianças e adolescentes estão, hoje, fora da escola
e esse grupo é formado, principalmente, por pobres, negros, indígenas e quilombolas (Fundo
uma trágica face das violações de direitos que permanecem ocorrendo mesmo durante a
infantil, o Brasil, desde o Estatuto, dobrou o número de homicídios de pessoas com até 19 anos,
ocupando, atualmente, o segundo lugar no ranking dos países com maior número de homicídios
de adolescentes.
Nas três últimas décadas, a mortalidade de crianças e adolescentes por causas naturais
Entretanto, a participação das causas externas (acidentes, homicídios, suicídios etc.) tem
crescido lenta, mas continuamente, dentre os motivos das mortes desse público. Na faixa etária
aumentar ainda mais sua frequência no futuro. Por um lado, o declínio nas taxas de mortes por
causas naturais pode ser explicado por fatores como a ampliação do acesso da população a
serviços de saúde, saneamento básico e educação no país; por outro, as causas externas crescem
associadas a um problema que tem sido a maior causa de letalidade dos adolescentes e jovens
As vítimas dos homicídios têm cor, classe social e endereço: são, em sua maioria,
pessoas negras e pobres que vivem nas zonas periféricas e regiões metropolitanas dos grandes
centros urbanos. Como agravante desse fato, não se conhecem os autores da maior parte dos
aos agressores e a violência contra os adolescentes. No relatório produzido pelo Fundo das
Nações Unidas para a Infância (2015), é mencionado que, segundo a Associação Brasileira de
Criminalística, entre 92% e 95% dos homicídios em geral cometidos no Brasil não são
solucionados. Ademais, os homicídios de meninos negros e pobres da periferia, por mais que
sejam cotidianos, não causam a mesma comoção que a morte de meninos brancos e isso
equivocada dos assassinatos a conflitos entre facções rivais e por tráfico de drogas.
por armas de fogo no Brasil, apresenta que, apesar de a população jovem de 15 a 29 anos
representar, aproximadamente, 26% dos brasileiros em 2014, ela correspondeu a 60% das
vítimas por armas de fogo daquele ano. O número de homicídios por armas de fogo dentre a
população nessa faixa etária cresceu, de 1980 a 2014, em 699,5%. O pico da concentração de
mortalidade nas idades jovens é aos 20 anos de idade, mas a escalada da violência começa aos
Esse documento também reforça a cor das vítimas dos homicídios. Entre 2003 e 2014,
as taxas de homicídios por armas de fogo com vítimas brancas caíram 27%, enquanto que,
dentre os negros, esse índice aumentou em 9,9%. A “vitimização negra”4 do país duplicou nesse
período, de modo que, hoje, morrem 2,6 vezes mais negros que brancos vitimados por armas
de fogo no Brasil (Waiselfisz, 2016). No caso específico dos adolescentes, a taxa de homicídios
entre os negros é quase quatro vezes maior que a taxa entre os brancos (Datasus, 2013 como
4
O Mapa da Violência de 2016 entende a “vitimização negra” como sendo “a relação entre as taxas de homicídio
por armas de fogo de brancos e as taxas de homicídios por armas de fogo de negros” (Waiselfisz, 2016, p. 60). O
índice positivo indica o porcentual a mais de mortes de negros que de brancos, e o índice negativo, o contrário.
26
Esses dados apresentam apenas uma das faces que explicitam como o Estatuto da
Criança e do Adolescente, dentre tantas outras leis, não abrange da mesma maneira a toda a
entendimento de que essa cobertura desigual do ECA não é algo sem propósito, fruto de um
assumida pelas políticas sociais é uma das facetas de um projeto de sociedade que visa
Esse projeto garante, por exemplo, que, apesar de diferentes adolescentes cometerem atos
infracionais, alguns deles (os pobres, negros e de periferia) pareçam mais merecedores de
responsabilização que outros, sejam mais estigmatizados por isso e sejam os que, de fato, são
1.2 Sistema socioeducativo para quem? Reflexões sobre Estado, políticas sociais e
passa a necessitar de uma instância extra-econômica que pudesse garantir e sustentar a sua
existência e esse papel é assumido pelo Estado, que, consequentemente, tem seu funcionamento
redirecionado. Passa a ser papel do Estado, a serviço dos monopólios, propiciar o conjunto de
E que condições seriam essas? Passa a ser função estatal essencial a preservação, a
suas possibilidades de consumo. Para tal, era necessário que, para continuar exercendo sua
Assim, o capitalismo monopolista cria condições para que o Estado por ele capturado
seja “permeável a demandas das classes subalternas, que podem fazer incidir nele seus
interesses e suas reivindicações imediatas” (Netto, 2005, p. 29). Nessas circunstâncias, o Estado
burguês passa a intervir contínua e sistematicamente nas expressões dos problemas políticos,
da “questão social”6.
como social. Porém, não consideram a “questão social” a partir da totalidade processual em que
5
No entendimento aqui exposto, a “questão social” consiste na manifestação da contradição capital-trabalho no
cotidiano da vida social. Ela é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo, de sua dinâmica societária. A cada
novo estágio de desenvolvimento desse modo de produção, ela instaura expressões sócio-humanas diferenciadas
e mais complexas, decorrentes da intensificação das relações de exploração. (Netto, 2005)
6
Apesar disso, é importante salientar que, como explicitado por Netto (2005), não se deve entender a
funcionalidade da política social no âmbito do capitalismo monopolista como uma “decorrêcia natural” do Estado
burguês. A vigência do monopólio coloca a possibilidade dessa insurgência, mas a concretização das políticas
sociais é contingenciada, também, pela luta de classes. Segundo o autor, “não há dúvidas de que as políticas sociais
decorrem fundamentalmente da capacidade de mobilização e organização da classe operária e do conjunto dos
trabalhadores, a que o Estado, por vezes, responde com antecipações estratégicas” (Netto, 2005, p.33).
28
Se as políticas sociais não dão respostas ao fenômeno da desigualdade social em si, elas
apenas repõem sobre novas bases o processo de produção e reprodução do capitalismo, mas
não o superam. Por isso, concorda-se aqui com Lacerda Jr (2015) que essas políticas são
incapazes de produzir emancipação às pessoas que dela se utilizam. Isso associa-se a algo para
que Demo (1990) chama a atenção: na prática, é incoerente que o Estado planeje sua própria
superação e, por isso, de modo geral, as políticas sociais não preveem a auto-sustentação das
comunidades. Pelo contrário, buscam criar dependência por parte da população, domesticá-la,
Com base nisso, Pedro Demo (1990) apresenta o conceito de “pobreza política”, cujo
significado diz respeito à “dificuldade de formação de um povo capaz de gerir seu próprio
destino” (Cruz, 2010, p.112). Esse termo anuncia a existência de um grupo de pessoas que, de
e dependência sem que tenha consciência disso – ou seja, é coibido de organizar-se em defesa
de seus direitos. O caráter político da pobreza, logo, diz respeito não apenas à falta de acesso
satisfatório a recursos capazes de suprir necessidades básicas, mas também ao fato de serem
Mesmo assim, é importante apostar na defesa das políticas sociais como uma forma
necessária de resistência à ofensiva neoliberal7. É certo que, via políticas sociais, abre-se apenas
Porém, a partir delas é possível estabelecer condições que podem viabilizar mudanças sociais
social 8 e são “refuncionalizadas” 9 , o que significa dizer que passam por um processo de
descentralização, na qual a responsabilidade pela oferta dos serviços é transferida aos níveis
locais de governo, o que contribui para a deterioração e para os poucos financiamentos dos
serviços; e pela focalização, a qual realiza um corte discriminatório na oferta dos serviços
sociais básicos, passando a ser necessário atestar “condição de pobreza” para utilizá-los.
uma lógica de consumo mais que de direitos, e devolve-os, total ou parcialmente, ao cargo da
filantropia, transferindo para o âmbito da sociedade civil parte da responsabilidade pela oferta
7
Os pilares do neoliberalismo são a minimização do Estado (garantidor de direitos sociais e políticos; mas a
maximização do Estado à serviço do capital) e a liberdade de mercado. Diante da necessidade de liberalizar os
mercados, o projeto neoliberal tem, como um de seus desdobramentos, a (contra)reforma do Estado, ou seja, o
esvaziamento de conquistas sociais, trabalhistas, políticas e econômicas desenvolvidas anteriormente. Para os
neoliberais, os gastos sociais contribuem com a condução a uma situação geral de crise econômica e política, sendo
necessária a redução da intervenção estatal no financiamento e na operacionalização das políticas sociais. Propõe-
se, nesse contexto, a substituição das políticas sociais por programas de combate à pobreza, trocando a
universalidade pela focalização das ações (Montaño & Duriguetto, 2011).
8
É necessário ressaltar que, concordando-se com Yamamoto e Oliveira (2010), considera-se inadequado interpretar
os governos de Luís Inácio Lula da Silva (como também o de Dilma Rousseff) como meras continuidades dos
governos anteriores (de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso), de caráter abertamente
neoliberal. São inegáveis as modificações positivas nas condições de vida de parte da população, especialmente
as que, historicamente, têm seus direitos violados mais frequente e sistematicamente. Entretanto, no tocante às
políticas sociais, não houve, nesses governos, uma ruptura com a priorização de programas focalizados e
compensatórios em detrimento dos universalistas e redistributivos.
9
Como discutido por Montaño (2002) e por Yamamoto (2007).
30
Como acréscimo a essas questões, Wacquant (1999) apresenta uma outra característica
sociais.
Em seu livro “Punir os pobres” (Wacquant, 2003), o autor, a partir de uma análise da
realidade carcerária dos Estados Unidos desde a década de 1970 até o final da de 1990, explica
que a diminuição nos gastos com políticas sociais gerara, naquele país, um fluxo crescente de
famílias e indivíduos sem acesso a empregos e sem condições mínimas de vida nas periferias
das cidades. Essas pessoas, muitas vezes, lançavam mão de meios considerados ilegais para
Nessa lógica, o Estado passa a punir mais e por mais tempo atos que antes não eram
pequenos delitos para prevenir futuras infrações mais graves. A partir desse entendimento, a
10
O Estado keynesiano é caracterizado por intervir na economia a partir da assunção de papel protagônico no
sistema de regulação social. Em prol da sustentação das condições para acumulação capitalista, o Estado passa a
se ocupar: da criação das condições gerais de produção (como os meios de transporte e de comunicação); da
repressão às ameaças ao modo de produção e acumulação (via polícia, sistema judiciário e penitenciário, por
exemplo); e da integração das classes subalternas e da legitimação da ordem (mediante o desenvolvimento da
lógica vinculante da democracia). Sendo assim, o Estado keynesiano, por exemplo, ocupa-se em oferecer políticas
sociais (visando recompor a população como força de trabalho) e manter as condições de consumo em massa,
retirando parcialmente a responsabilidade do capitalista com os custos de reprodução da força de trabalho
(Montaño & Duriguetto, 2011).
11
A Broken windows theory foi formulada em 1982 por James Q. Wilson e George Kelling e sustenta que é
impedindo ou punindo as pequenas infrações cotidianas que se previne as grandes patologias criminais. Essa teoria,
apesar de servir de álibi ao programa da tolerância zero, que se espalhou dos Estados Unidos para a Europa e a
América Latina, nunca foi comprovada empiricamente (Wacquant, 1999).
31
A reorganização policial que se embasa nessa proposta tem o objetivo de refrear o medo
das classes médias e superiores a partir da perseguição permanente dos pobres nos espaços
públicos, como se a presença destes já fosse, por si só, um indício de criminalidade. Amplia-se
incessantemente contra ela. Diante da necessidade de encontrar novos perigos que justifiquem
de Estado” (Wacquant, 2003, p. 27), em que este pune parte da sociedade por uma problemática
que ele mesmo contribuiu para causar. Para isso, transformam-se os serviços sociais em
serviços de vigilância e de controle das “novas classes perigosas” (Wacquant, 2003, p. 28) e
detenção e o volume dos condenados à prisão. Tem-se, pois, uma nova forma de governar a
deserdadas faz as vezes de política social” (Wacquant, 2003, p.19). Ou seja, ao “menos Estado”
do crime, assim como as regiões onde habita são consideradas áreas “de risco”. Com base nisso,
que merece um tratamento repressivo e punitivo porque, aparentemente, é dele que provêm
direito lhe nega sua condição de pessoa. Ele é considerado sob o aspecto de ente daninho
ou perigoso. Por mais que a ideia seja matizada, quando se propõe estabelecer a
seres humanos que são privados de certos direitos individuais, motivo pelo qual
O encarceramento em larga escala alimenta uma indústria cultural do medo dos pobres,
a qual é amplamente difundida pela mídia e contribui para uma verdadeira demonização de
grupos sociais periféricos. Wacquant fala sobre os habitantes dos guetos estadunidenses algo
que se assemelha ao que ocorre, também, no Brasil, em relação a alguns grupos sociais:
assim uma política de Estado que combina medidas punitivas, como os programas de
trabalho forçado, a “Guerra às drogas” (que é acima de tudo uma guerrilha contra os
viciados e os traficantes das áreas de gueto) e políticas penais que levaram à duplicação
norte-americana, que serve para consolidar essa categoria (Wacquant, 2008, p.50).
estadunidense, esse modelo de encarceramento em massa e de leis penais cada vez mais rígidas
tem servido de inspiração e tem se concretizado no Brasil. O cenário brasileiro tem a agravante
peculiaridade da tradição de controle dos miseráveis pela força, a qual remonta à escravidão e
conceder o aval do Estado em penalizar a miséria e, a partir disso, tornar invisível e assentar a
cidadania que opõe os “cultos” e os “marginais”, de modo que a manutenção da ordem de classe
identificar a defesa dos direitos do homem com tolerância à “bandidagem” (Wacquant, 1999).
pois, uma criminalização da pobreza mediante práticas sociais e estatais que buscam dar conta
do excedente da miséria que não está sendo administrada por políticas sociais.
econômicos dos sociais, fazendo parecer que o crescimento econômico deve acontecer a
(como o desemprego e a fome, por exemplo) é atribuída a um suposto fracasso dos indivíduos.
sujeitos recebem. Diante da apuração de um ato infracional, não se prioriza questionar que
aquele ato. Não é dada prioridade para o entendimento de que o ato infracional, como o crime,
que, se vamos além das aparências e das explicações causa-efeito, podem revelar
A ação padrão, por outro lado, é tomar aquele evento como problema de polícia e
drogas”, “ausência do pai” e/ou “pobreza”, por exemplo, ao mesmo tempo em que se atribui o
com políticas públicas que garantam o exercício de direitos, mas com as que tratam os
“desviantes”, porque neles reside a origem do problema12 (Malvasi & Teixeira, 2010).
Tem-se, pois, que a ausência de uma análise crítica e de uma visão de totalidade dos
fatos acaba por contribuir para individualizar as expressões da “questão social”. Culpabiliza-se
No caso das medidas socioeducativas, que, da forma como vem funcionando, reforçam
a associação entre pobreza e criminalidade, Sartório (2007) chama a atenção para a ocorrência
pano de fundo para a questão jurídica: por trás da inserção do adolescente no sistema de justiça,
seja dada maior atenção ao seu contexto de vida e às contingências envolvidas no cometimento
do ato infracional.
pobres pelos altos índices de violência no país. Njaine e Minayo (2002), analisando o discurso
12
Em relação ao SINASE, apesar de seu texto legal ser afirmativo quanto às garantias dos direitos dos adolescentes
e ao desenvolvimento de sua cidadania, seu modo de funcionamento tem reproduzido a lógica punitiva de
culpabilização do indivíduo, como será discutido no próximo capítulo.
35
muito mais na “delinquência” que na “vitimização” dos mesmos e tendem a forjar uma imagem
contexto, sendo isso agravado quando se trata de redações que mantêm a figura do repórter
policial ou nas chamadas editorias de polícia. Esse cenário acaba por, em nome da
espetacularização das informações, distorcer os fatos e produzir verdades não condizentes com
determinarem quais temas terão destaque nas discussões na esfera da sociedade, tornam-
se o fiel da balança com poder, por exemplo, para fazer prevalecer políticas públicas de
36
segurança com perfil repressivo ou preventivo. Portanto, muito mais que fomentador do
de controle social que contribui (ou não) para que o Estado assuma definitivamente seu
Exemplo disso consiste na contradição entre o clamor com que a mídia costuma
dados empíricos, da baixa porcentagem que esses atos representam no contexto geral do país.
Dados do ano de 2012 mostram que a quantidade de adolescentes responsabilizada por atos
brasileiros: só 0,10% cumpriam medida privativa e restritiva de liberdade naquele ano e 0,41%,
Os atos contra a pessoa (homicídio, latrocínio, lesão corporal e estupro) cometidos por
adolescentes representavam, em 2013, apenas 12,7% do total de infrações, apesar de, no geral,
serem os mais veiculados na mídia. Na verdade, são o roubo, o furto e o tráfico de drogas os
atos que apresentam maior incidência (67%), com destaque para o primeiro (Silva & Oliveira,
junho de 2015, que os adolescentes são responsáveis por apenas 0,9% dos atos contra a lei
praticados no Brasil. O percentual chega a ser ainda menor, 0,5%, quando se consideram
anos corresponde a 60% das vítimas por armas de fogo, segundo dados de 2014 (Waiselfisz,
2016), e os adolescentes negros apresentam taxa de homicídio quase quatro vezes maior do que
a 8% (Observatório de Favelas & Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2011, como citado
37
em Silva & Oliveira, 2015), o que configura uma realidade de impunidade aos que vitimam
agravarem-se ainda mais no futuro (Waiselfisz, 2015), não são esses índices alarmantes os
são distorcidas, também com o propósito de mascarar a realidade. A frequência com que
são apresentadas tais cenas cria por um lado uma sensação de insegurança e, por outro,
A autora indica que, assim, o medo é utilizado como estratégia para legitimar práticas
autoritárias, disciplinadoras e de controle das classes populares, que são as apontadas como
culpadas por semear a desordem social e moral da cidade. As características que tipificam a
figura do “criminoso” são, nessa lógica, as mesmas que caracterizam a pobreza como condição
de vida.
aqueles que cumprem medidas socioeducativas são, sobretudo, os pobres, negros, moradores
de periferias dos centros urbanos e que possuem acesso precário a direitos básicos, como saúde
desigualdade social e inclusão perversa13, circunstâncias de vida estas que estão diretamente
atravessadas por manifestações da “questão social”. Aliás, é também esse o público que
Segundo Silva e Oliveira (2015), apesar de não haverem dados recentes, informações
(IPEA), em 2003, mostraram que: mais de 60% dos adolescentes que cumpriam medida de
privação de liberdade eram negros, 51% não frequentavam a escola, 49% não trabalhavam
pobres. As autoras identificam que “o fenômeno contemporâneo do ato infracional juvenil está
dificuldade no acesso às políticas sociais de proteção implementadas pelo Estado” (Silva &
Oliveira, 2015, p. 15). Ainda, complementam que uma diferença entre os adolescentes
possuem mais recursos para se defenderem, sendo mais raro terminarem sentenciados
[...], ao passo que os adolescentes mais pobres, além de terem seu acesso à justiça
dificultado, ainda são vítimas de preconceitos de classe social e de raça, comuns nas
13
A ideia de “inclusão perversa”, diferentemente da de “exclusão”, reforça que, na sociedade capitalista, a aparente
negação de parcelas populacionais (por meio de sua exploração e opressão) é, na verdade, condição de existência
dessa ordem social, que se ampara na desigualdade (Sawaia, 1999). Essa inclusão é perversa porque se dá por
meio de insuficiências e de privações a determinado grupo populacional, as quais são necessárias para manter o
circuito reprodutivo da economia.
39
tratamento dos atos infracionais como “casos de polícia”; reforçam a intervenção punitiva via
problemática da violência14. Por esse tipo de abordagem dos meios de comunicação, junto à já
social específica, fala-se não apenas em criminalização da pobreza, mas, mais especificamente,
atos infracionais. Diante dessa constatação, é inevitável retornar ao que fora discutido no tópico
após o ECA. Mesmo com a proposta de mudança de paradigma inaugurada pelo Estatuto, da
situação irregular para a proteção integral, os “menores” ainda figuram nas reportagens
direta sobre o modo como vem funcionando o sistema socioeducativo no país, como será
14
No período de construção deste trabalho, o debate sobre a redução da maioridade penal voltou à tona, com a
proposição da substituição dos 18 pelos 16 anos. O mote da discussão foi a votação da Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 171/93, a qual estabelece que os adolescentes maiores de 16 anos que cometam atos
infracionais equivalentes a crimes hediondos passem a ser julgados de acordo com o Código Penal. Em agosto de
2015, a PEC foi aprovada na Câmara dos Deputados, devendo ser votada, a partir de então, no Senado. A PEC
171 vem sendo amplamente divulgada na mídia como uma solução para a redução da violência, em concordância
com a lógica de criminalização da juventude pobre e negra e com a culpabilização falaciosa dos jovens como
principais responsáveis pelos altos índices de violência no país. Pesquisa do instituto DataFolha, publicada
virtualmente em 24/04/2015 na seção “Opinião pública”, apontou que 87% da população era favorável à aprovação
da proposta.
40
Vinte e dois anos decorreram desde a promulgação do ECA até a aprovação de uma lei
Foi em 2012 que a chamada Lei do SINASE (Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012) foi
definidas as atribuições dos entes federados e dos demais agentes nesse processo. Hoje, o
A construção do SINASE teve por base diferentes normas internacionais e foi fruto de
um processo longo de discussões. Por iniciativa do Conselho Nacional dos Direitos da Criança
Garantia de Direitos, o SINASE foi instituído como norma de referência em 2006, pela
não era suficiente para abarcar normatizações relativas à atividade de juízes e demais atores do
SGD. Era necessária maior legitimidade e estabilidade legal ao SINASE, o que foi obtido
mediante instituição de uma lei federal, seis anos depois, em 2012 (Paiva & Cruz, 2014).
O SINASE, como lei, em seu artigo 1º, demarca que as medidas socioeducativas
do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; 2) a integração social
adolescente é responsabilizado pelo ato infracional cometido, sejam asseguradas condições que
comunitários devem ser fortalecidos, seu direito à educação, à saúde, ao esporte e ao lazer
devem ser respeitados e sua profissionalização, desenvolvida. A garantia desses direitos deve
Porém, a noção de “socioeducação” que embasa as medidas ainda é imprecisa. Ela surge
no ECA não na sua forma substantiva, mas adjetivando termos como “atendimento
socioeducativo” ou “política socioeducativa”. Desse modo, existe uma lacuna teórica quanto à
compreensão do que significa, de fato, esse termo e de como ele pode amparar a materialização
margem, então, para a execução de práticas arbitrárias e divergentes entre si sob o mesmo rótulo
vai além da responsabilização do adolescente. Ela consiste na preparação para o convívio social
e, nesse sentido, deve abranger e fazer parte do processo de formação de toda e qualquer criança
diferente para os autores de ato infracional. A socioeducação está, pois, alinhada à compreensão
42
inaugurada no ECA.
além do âmbito dos adolescentes responsabilizados por atos infracionais – por exemplo, no
atendimento intersetorial que possa exercer influência sobre a sua vida, mediar reflexões acerca
de sua identidade e favorecer a elaboração de um projeto de vida que não mais envolva a quebra
sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de se
relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua
cognitiva e produtiva.
acesso à formação de valores para a participação na vida social, vez que as medidas
funcionamento do SGD, o qual deve amparar a vida do sujeito antes, durante e após o
cumprimento de medida.
conceitual: se a socioeducação é algo que abarca toda a infância e a adolescência e o seu acesso
aos diversos direitos, por que são as medidas voltadas para uns adolescentes, os que cometem
um viés de não eximir esses adolescentes do direito à socioeducação, entende-se, também, que
isso acabou por atrelar uma visão pejorativa à proposta da socioeducação e faz pensa-la,
à sanção.
institucional. Isso quer dizer que seu funcionamento deve ocorrer de modo correlacionado com
diferentes políticas públicas, integrando a rede de serviços intersetorial – por exemplo, saúde,
44
educação, assistência social, segurança pública e justiça. Dentro do SGD coexistem diversos
subsistemas que tratam de situações peculiares e que se comunicam e se influenciam entre si.
O SINASE é apenas um desses subsistemas e, portanto, deve funcionar como uma referência
que irá viabilizar a inserção e o trânsito dos adolescentes nos diferentes equipamentos sociais
Aliás, sobre a articulação com os serviços e programas dos demais subsistemas do SGD,
do adolescente em outros serviços, através, por exemplo, do contato com a equipe do local em
que ele foi incluído e do seu acompanhamento direto (Escola Nacional de Socioeducação,
2015a).
atendimento pelos dez anos seguintes à elaboração dos planos15. Além dos planos nacionais,
A execução das medidas socioeducativas devem ser regidas por nove princípios,
segundo a lei 12.594/2012. A legalidade, um deles, além de firmar que o adolescente não pode
receber tratamento mais gravoso que o adulto, garante que os adolescentes não podem fazer ou
situações cotidianas do adolescente e de sua família, bem como a sobreposição de uma medida
socioeducativa a outra que já esteja sendo cumprida pelo adolescente. Esse mesmo princípio
a punição do adolescente pela restauração da paz entre as partes, sempre que se entenda que
essa seja a estratégia que melhor atenda ao objetivo de integração social do adolescente.
cumprida, tendo em vista o objetivo socializador da mesma. Este objetivo também é resgatado
15
O Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo vigente foi publicado no ano 2013.
46
o cumprimento deverá ter curta duração, com vistas à emancipação do socioeducando o mais
rápido possível.
humana, além de assegurar o respeito aos direitos fundamentais. Por fim, o princípio da mínima
intervenção prevê que as ações estejam restritas ao necessário para que se cumpram os
objetivos da medida. Esses princípios listados devem embasar a execução de todas as medidas
operacionais.
Coerente com a primazia do caráter pedagógico frente ao sancionatório, bem como com
Essa estratégia está embasada na constatação de que aumentar o rigor da medida não implica
16
A advertência e a obrigação de reparar o dano foram aqui classificadas como medidas de meio aberto
simplesmente por sua aplicação não acarretar privação ou restrição da liberdade do adolescente. Entretanto, elas
se diferenciam da liberdade assistida e da prestação de serviço à comunidade por serem de execução imediata, ou
seja, não exigem um programa de atendimento para sua efetivação e são executadas sob a supervisão do próprio
juiz que prolatou a sentença (conforme indicado nos artigos 38 e 39 da lei do SINASE). Desse modo, suas
execuções não estão incluídas nos programas municipais de atendimento socioeducativo em meio aberto e,
portanto, elas não foram consideradas como alvo da construção e discussão dos dados desta pesquisa.
47
Humanos & Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2006). Além disso,
o SINASE prevê que os programas de meio aberto devem funcionar, prioritariamente, de forma
apenas 0,10% da população de brasileiros entre 12 e 21 anos, enquanto que a parcela que
adolescentes. Os programas de meio aberto ampliaram-se desde 2010: houve aumento, de 2010
aberto. Havia, em 2011, uma proporção de um adolescente privado de liberdade para cada 4,5
cumprindo medida no meio aberto, de acordo com o Censo Suas 2012 e o Levantamento
não estabelece vínculo de uma ou outra medida a um ou outro tipo de ato infracional praticado.
Apesar disso, o ECA, em seu artigo 122, define três situações em que a medida de internação
pode ser aplicada: quando se tratar de ato cometido mediante grave ameaça ou violência à
pessoa; quando houver reiteração no cometimento de outras infrações graves; ou quando houver
17
No momento de escrita deste texto, o Levantamento Anual de 2013 era o documento mais recentemente
publicado com esse conteúdo, e não o de 2012. Porém, o levantamento de 2013 restringe-se a dados referentes à
restrição e à privação de liberdade, não tratando das medidas socioeducativas em meio aberto. Para facilitar a
comparação entre os dados dos dois tipos de medidas, optou-se pela utilização das informações referentes ao ano
anterior.
48
A escolha, feita pelo juiz, da medida socioeducativa que se aplica a cada caso deve levar
em que se atribui a este a responsabilidade pelo aumento dos índices de violência no Brasil. A
mídia tem papel essencial na demonização dessas pessoas ao incitar o clamor social pela
Da mesma forma que o sistema penal, o socioeducativo, do modo como tem funcionado,
adolescentes de diferentes classes sociais cometerem atos infracionais, são os negros, pobres e
que possuem baixa escolaridade que constituem, majoritariamente, a população que cumpre
medida socioeducativa. E é esse mesmo público o que representa a maioria das vítimas de
homicídios por armas de fogo no país. Dessa maneira, a associação direta entre pobreza e
do inimigo público, aquele que, por ser entendido como perigoso, não merece nenhum direito,
adolescente, como contra o sistema que lhe responsabiliza, esvaziando de sentido o adjetivo
classificação que lhe impomos. Quem está ali na esquina não é o Pedro, o Roberto ou a
Maria, com suas respectivas idades e histórias de vida, seus defeitos e suas qualidades,
suas emoções e seus medos, suas ambições e seus desejos. Quem está ali é o “moleque
perigoso” ou a “guria perdida”, cujo comportamento passa a ser previsível. Lançar sobre
uma pessoa um estigma corresponde a acusá-la simplesmente pelo fato de existir. Prever
que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil.
Diante desse quadro, a lógica que sustenta a intervenção estatal para com esses
adolescentes tem sido a da coação, mesmo que travestida de uma face educativa e
ressocializadora. Grande parte desses sujeitos só passa a ser visível para o Estado quando da
prática do ato infracional (Fórum da Criança e do adolescente do Ceará, 2010, como citado em
Medeiros, 2015) e, ao ingressar nos espaços socioeducativos, depara-se com um círculo vicioso
de violência e intolerância, pois muitas características dessas intituições os fazem ter a certeza
de que são o “lixo da humanidade” (Soares, 2004, p.145). Está dada, a partir daí, a profecia que
se autocumpre: o adolescente que, ao longo de sua existência, foi punido e humilhado por suas
18
Segundo Erving Goffman, o termo estigma designa “a situação do indivíduo que está inabilitado para aceitação
social plena” (Goffman, 2008, p. 7). Isso porque o indivíduo apresenta uma característica que destoa do que era
previsto pelas outras pessoas em uma relação, o que a torna depreciativa. Goffman afirma que, nas relações sociais,
tende-se a inferir uma série de imperfeições na pessoa-alvo a partir da “imperfeição” original, mesmo que as
imperfeições inferidas não tenham nenhuma relação causal direta com a outra.
50
à ideia de que é perigoso e que não lhe restam muitas outras alternativas além da infração.
diversas instâncias. Exemplo disso é a penalização do adolescente de forma mais severa do que
o previsto em lei. Apesar de pequena porcentagem dos atos infracionais cometidos por
privadas de liberdade.
Os principais atos infracionais cometidos pelos sujeitos que estão na internação não se
configuram como de grave ameaça ou violência contra a pessoa: são o roubo, o furto e o tráfico
de drogas, os quais não são uma justificativa direta para a privação de liberdade e, pelo
contrário, poderiam levar à aplicação de medidas em meio aberto. Isso sugere que, apesar do
aos que cumprem restrição e privação de liberdade, estas ainda têm sido ampla e
adolescente, mas na de sua proteção integral. Para ilustrar, alguns aspectos apresentados no
pouco expressiva da Defensoria Pública; insuficiência de pessoal nas várias instâncias (sistema
2013b).
elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (2012), apresenta um quadro geral de superlotação
convivem, muitas vezes, com violações à sua integridade física. O CNJ aponta ocorrência de
situações de abuso sexual contra os adolescentes e de mortes por homicídios dentro das
unidades, além dos óbitos por doenças preexistentes e por suicídio. Ademais, os adolescentes
entrevistados relataram já ter sofrido agressão física por parte tanto de funcionários do serviço,
como de policiais. Esse quadro torna clara a situação alarmante de insegurança em que os
irregular e violando os direitos dos adolescentes. Esse quadro será especificamente discutido a
diante das violações de seus direitos. Como descreve Zamora (2008, p.8), “a questão do jovem
proteção e os restos da doutrina de situação irregular, vinda dos antigos paradigmas dos códigos
de menores”.
52
limites geográficos do município no qual reside, na intenção de fortalecer o vínculo com sua
Social19.
social a todos que dela necessitem. A proteção social visa reduzir e prevenir as situações de
19
É imprescindível considerar que a localização da execução das medidas em meio aberto em tal setor não é
arbitrária ou neutra. É preciso ter em vista que a assistência social, no Brasil, é historicamente marcada por práticas
clientelistas e caritativas e seu atendimento era relegado à população pauperizada sob a ótica do favor em
detrimento do direito (Benelli, 2014). Mesmo após a Constituição Federal de 1988 e a instituição da assistênca
social como política da Seguridade Social, essas ambiguidades (teóricas e práticas) não acabaram. Considerando
isso juntamente ao fato de que o sistema socioeducativo, da mesma forma que o penal, atua de forma seletiva,
priorizando algumas adolescências como alvo do atendimento em detrimento de outras, e que essas adolescências
são, justamente, as que se encontram em situações mais graves de vulnerabilidade social, é possível problematizar
o porquê de o atendimento socioeducativo estar setorizado na Assistência Social e não em outra área, como na
Educação, por exemplo.
53
ficam à cargo da Proteção Social Especial, a qual tem por unidade pública o Centro de
A Proteção Social Especial abarca serviços que requerem flexibilidade nas soluções
protetivas a indivíduos e famílias e exigem relação estreita com o SGD, gestão compartilhada
com outros órgãos e ações e interlocução direta com o Poder Judiciário e o Ministério Público.
Esse nível de proteção social é organizado em média e alta complexidade. A primeira atende a
indivíduos e famílias que, apesar de terem seus direitos violados, mantêm seus vínculos
familiares e comunitários. Já a segunda busca oferecer proteção integral aos que se encontram
com vínculos rompidos, sob ameaça ou sob medida protetiva de acolhimento (Secretaria
a necessidade desse serviço funcionar de forma integrada a outros da Proteção Social Especial
e aos da Proteção Social Básica. De acordo com essa normativa, não há a possibilidade de o
CREAS ofertar, exclusivamente, o serviço de medidas em meio aberto, tendo em vista que o
fortalecer o papel protetivo das mesmas, garantir seu acesso a políticas públicas e prevenir
violações de direitos (PAIF) ou atuar no contexto em que essas violações já ocorreram (PAEFI).
No CREAS, a equipe profissional responsável pelo PAEFI é distinta daquela que trabalha com
o serviço de medidas em meio aberto. Sendo assim, a obrigatoriedade da articulação entre este
e deve possibilitar a construção de novos vínculos sociais e a ampliação de vivências nos vários
âmbitos da vida, como cultura, esporte e educação formal. Por sua vez, o Acessuas Trabalho,
socioeducativa e sua família são definidos como usuários da política de assistência social. Esse
entendimento está em conformidade com o pressuposto de que as medidas não possuem apenas
caráter sancionatório, uma vez que sua operacionalização conta com o reconhecimento do
55
adolescente e sua família como sujeitos de direitos que necessitam de referência, apoio e
segurança (Escola Nacional de Socioeducação, 2015a). O trabalho social com famílias pode,
então, ir além do tempo do cumprimento de medida pelo adolescente, caso a avaliação técnica
Reconhece-se, pois, que muitos adolescentes que cometeram ato infracional vivem em
devem ser diferenciadas e não podem ser sobrepostas. As medidas socioeducativas não tratam,
especificamente, das condições de vulnerabilidade; estas devem ser objeto de ação de políticas
básicas e das de caráter protetivo, agindo, de preferência, antes e como profilaxia do ato
social, permitem que o caráter pedagógico dialogue com o momento presente da vida do sujeito
que causam, em alguma medida, uma ruptura em sua trajetória social. Essas medidas pretendem
que o adolescente se organize de acordo com os padrões de convivência coletiva e que elabore,
junto à equipe profissional que o acompanha e à sua família, um projeto de percurso existencial
de interrupção da prática de ato infracional, o qual deve contemplar seu presente e seu futuro
(Teixeira, 2006).
uma proteção social extrapola a atuação de uma única política social e requer o funcionamento
integrado de um conjunto de serviços, programas, projetos e políticas que atendam aos diversos
direitos e necessidades básicas da vida social. Nesse entendimento, a proteção social não
compete exclusivamente à Assistência Social, mas a uma série de setores outros, como saúde,
aberto são definidos na Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, aprovado pela Resolução
adolescentes; contribuir para o acesso a direitos por meio de sua inserção em outros serviços e
reflexão sobre suas possibilidades de autonomia, bem como para a (re)construção de projetos
de vida que incluam a ruptura com o ato infracional; criar oportunidades de desenvolvimento
e fortalecer seus vínculos familiares e comunitários. Para tanto, adolescente, família e equipe
técnica devem estar instrumentalizados pelo Plano Individual de Atendimento, que será
explicitado mais à frente neste trabalho. O acompanhamento social ao adolescente deve ser
Especial dos Direitos Humanos & Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
técnico de referência, o qual deve participar da vida daquele por meio de visitas domiciliares,
aos obstáculos próprios de sua realidade. Nesse sentido, o programa de LA abarca, em seu
atendimento, não apenas o adolescente, mas também sua família (Saraiva, 2010).
atendimento psicossocial e jurídico ao adolescente. Ela é fixada pelo prazo mínimo de seis
comunitária pelo adolescente, buscando uma ação pedagógica que privilegie a descoberta de
Direitos Humanos, 2006, p.43). Segundo o artigo 117 do ECA, é a “realização de tarefas
gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses” a qual deve estar em
conformidade com as aptidões do adolescente e não deve ultrapassar jornada de oito horas
semanais, de modo a não prejudicar o horário escolar ou a jornada normal de trabalho. Esses
Tendo em vista esses aspectos, a efetividade da PSC pode ser avaliada considerando-se
o seu impacto social, seu apelo educativo, socializante e de solidariedade e o reflexo na rotina
do adolescente e do seu núcleo familiar. Pode-se afirmar que a PSC apresenta forte apelo
comunitário, uma vez que põe a sociedade (através da instituição acolhedora para prestação de
pode ser reduzida à prestação de serviços. A educação ultrapassa essa atividade, pois se constrói
projetos ou propostas enquanto procedimentos técnicos se não há, como suporte, uma relação
de acolhimento e de crença nas potencialidades do outro por parte de ambos os lados (Teixeira,
2006).
aberto.
da articulação entre proteção social integral e responsabilização nas medidas em meio aberto
faz estas serem reconhecidas como “uma luz no fim do túnel”, de acordo com a Nota Técnica
do IPEA sobre o atendimento socioeducativo e a redução da idade penal (Silva & Oliveira,
2015). Porém, a despeito das previsões legais, o SINASE vem enfrentando dificuldades na
tanto com as políticas setoriais, quanto entre as diferentes áreas que compõem o SINASE; falta
de inclusão que sejam atraentes para adolescentes e jovens e que evitem a reincidência; ausência
Algumas queixas também tem sido apontadas por operadores do sistema socioeducativo
sobre a realização da LA e da PSC (Araújo & Vidal, 2014). Ambas as medidas têm sido
executadas com dificuldades em aspectos estruturais e de recursos humanos, uma vez que não
por alguns operadores como sendo “branda demais”, como se a sanção não fosse suficiente para
que o adolescente se sinta penalizado. Em relação à PSC, as autoras apresentam que o caráter
necessita ser construído nos casos de PSC, o que resulta no não acompanhamento de outras
instituições que aceita receber adolescentes autores de ato infracional para o cumprimento da
Pesquisas tem apresentado, ainda, que, mesmo nas medidas socioeducativas em meio
aberto, o caráter sacionatório tem prevalecido sobre o pedagógico. Membros da equipe técnica
de referência e do próprio Poder Judiciário, muitas vezes, reproduzem discursos e ações que
medida não fazem sentido para os adolescentes e se tornam algo que é feito apenas por
Além disso, o serviço de medidas em meio aberto ainda não se consolidou totalmente
como parte do SUAS. Dados do Censo SUAS 2014 (Brasil, 2015) mostram que, considerando
uma média nacional, apenas 77,8% dos CREAS ofertam o serviço de medidas socioeducativas
em meio aberto.
República, 2013a), apresentam a distribuição percentual por região dos CREAS que realizavam
o Serviço. De acordo com esses dados, a região Sul apresentava maior porcentual de CREAS
porcentagem de 87,8%, o Sudeste, 78,6% e o Norte, 77% das unidades. Por último, a região
Nordeste ainda não havia atingido 60% da totalidade dos CREAS dispondo dos serviços de
Esse mesmo documento aponta que a execução das medidas de LA e PSC ainda não
estão totalmente vinculadas aos CREAS, sendo esses serviços ofertados também por outras
20
Foram utilizados dados do Censo SUAS 2013 devido ao fato de o Censo realizado em 2014, apesar de apresentar
uma média nacional dos CREAS que ofertam o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de
Medida Socioeducativa em Meio Aberto, não ter feito a discriminação porcentual dos centros por região.
61
unidades públicas (14,9%), por entidades privadas (6,5%) ou na própria sede do órgão gestor
da Assistência (30,4%) – de modo que apenas 48,4% do total dos serviços está ocorrendo nos
2014 (Brasil, 2015) mostra que, em menos da metade dos CREAS, o adolescente é
acompanhado com frequência semanal. No caso da LA, 49,3% dos CREAS realizam esse
serviço com frequência semanal, enquanto que 28,7% o fazem quinzenalmente e 12,9%,
mensalmente. Em relação à PSC, apenas 38% dos CREAS apresentam frequência semanal,
PSC têm coincidido. As respostas dadas ao Censo pelas unidades mostram a prevalência do
frequência (93,4%) – como era esperado, já que consiste em requisito para o cumprimento da
PSC. Aliás, no tocante aos principais lugares onde o adolescente presta serviço à comunidade,
21
É importante deixar claro que o número de CREAS que responderam às perguntas geradoras desse dado não
coincide com o número total de CREAS que ofertam o serviço de medidas socioeducativas em meio aberto no
Brasil. De um total de 1846 unidades, 1723 responderam sobre a medida de LA e 1711, sobre a de PSC. A pouca
sistematização desses dados compromete a obtenção de uma compreensão geral do cenário brasileiro do
atendimento ao meio aberto e conduz à reflexão sobre por que motivo(s) dados tão importantes fazem-se ausentes
em um censo nacional.
62
encontram-se a rede socioassistencial pública (apontada por 71,6% dos CREAS 22 ), a rede
educacional (apontada por 60,8%) e a de saúde (apontada por 40,0%). A categoria “outras
e a sede da administração municipal, foi indicada por 41,8% dos CREAS, enquanto que a rede
2015).
socioeducativa na rede. Os principais parceiros dos CREAS nesse processo têm sido os serviços
da área da educação (mencionados por 86,2% dos CREAS), seguidos dos da saúde (76,7% dos
CREAS) e dos de esporte e lazer (56,3%). Em seguida, citados por menos da metade dos
sociedade civil organizada (27,0%). A porcentagem de 2,5% dos CREAS relataram não contar
Fica evidente que a educação e a saúde são os principais parceiros dos CREAS para a
inserção dos adolescentes em cumprimento de LA e PSC na rede intersetorial. Tal fato é algo
positivo, quando se considera que essas são políticas fundamentais na garantia de direitos
e social do adolescente e, mesmo assim, ainda possuem uma articulação insuficiente com os
CREAS. Aliás, os percentuais de articulação dessas dimensões com os Centros têm se mantido
22
Em relação a esse dado, aplica-se a mesma observação da nota anterior. Nesse caso, as porcentagens foram
feitas com base no número de 1711 respostas.
63
mais baixos desde 2010, como aponta o Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito
com a Lei (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013a). Essas áreas
ingressar nos programas de execução, deve passar por um momento de construção de planos,
metas e compromissos a serem cumpridos e que nortearão seu processo socioeducativo. Essas
Assistência Social, mas incluem as várias esferas possíveis de sua vida. Por se tratar de um
de Atendimento (PIA).
Apesar de dispor sobre a vida do adolescente – e exatamente por isso –, o PIA requer
participação de muitos outros atores sociais em sua efetivação. Tem-se por base que o
adolescente necessita do suporte de, pelo menos, sua família ou responsáveis, da equipe técnica
SGD para que possa ter garantidas as condições básicas para executar seus objetivos.
64
Por ser um plano e por ser individual, o PIA está sujeito ao caráter dinâmico que esses
dois aspectos supõem. Ele pode variar conforme variem os interesses e as decisões do
adolescente, ou seja, deve ser um instrumento flexível e requer, por isso, diálogo e avaliação
contínuos entre socioeducador e socioeducando para redefinição de metas. Sendo assim, apesar
de, após a lei do SINASE, o PIA ser uma exigência legal documental para o cumprimento de
medidas socioeducativas e que deve ser homologado pelo Poder Judiciário em um prazo pré-
determinado, ele jamais deve ser entendido como um formulário em que constam metas rígidas
escritas; ele é, na verdade, uma oportunidade de discutir com o adolescente sua vida presente e
Por isso, esse plano não deve ser estritamente construído e finalizado em um tempo
dias, no caso das medidas em meio aberto, e em trinta, no das medidas em meio fechado), esse
instrumento pode e deve ser revisitado e reformulado, desde que para atender às decisões
requer compromisso de todos para ser realizado. Se efetivo, o PIA – e, portanto, as metas e
socioeducativas, mas se desdobra para além desse período e orienta o adolescente em sua vida
Para ser construído, o PIA tem como condição a realização de estudo de caso. Essa deve
ser a etapa inicial da elaboração do Plano, pois permite uma compreensão do sujeito em seu
precisos sobre o que fora planejado, as suas etapas e o acompanhamento de sua execução. A
para a elaboração do PIA. Seu aspecto pedagógico esbarra no fato de que o cumprimento de
medida socioeducativa é dado sob determinação judicial, monitorado pelo Poder Judiciário e
consiste em ação estipulada em lei. Essa característica de sanção tem que, de alguma maneira,
compreenda a seriedade daquilo que está estipulado na lesgilação e se aproprie de seus direitos
compromissos firmados no PIA e, provavelmente, isso será levado em conta pelo Poder
outro, o adolescente não pode ser responsabilizado se o alcance das metas não foi obtido por
falhas das políticas públicas na disponibilização de oferta, acesso e permanência aos serviços
adolescente que se sustenta por trás do PIA que está sendo construído. Diante do desafio da
ação coletiva para operacionalização do Plano, é importante refletir até que ponto esse
como se fosse ele o único responsável pelo não cumprimento das metas. Quando se parte dessa
individual de sanção do adolescente pelo ato infracional, mas, sim, como processo coletivo e
relacional que supõe o engajamento e o compromisso numa existência em comum e que sugere
os equipamentos públicos existentes e o trabalho da rede, para, daí, redefinir estratégias para o
23
Essa reflexão foi feita pela professora Maria Cristina Gonçalves Vincentin, no “1º Simpósio Desafios da
Socioeducação: responsabilização e integração social de adolescentes autores de atos infracionais”, no qual a
pesquisadora esteve presente. O evento foi realizado sob iniciativa do Fórum Permanente do Sistema
Socioeducativo de Belo Horizonte e ocorreu na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 18 de março de
2016.
67
se articula de modo diferente a cada novo caso com suas peculiaridades (Teixeira, 2014,
p.116).
desse instrumento, ou seja, torná-lo algo estático e com função apenas formal e normatizadora,
perdendo de vista seu caráter dinâmico e singular. Isso pode refletir uma intervenção
profissional engessada que não aprofunda o conhecimento sobre a situação real do adolescente
e que acaba por se reduzir a ações pontuais que não contemplam o contexto de vida e as
expectativas do mesmo. Por vezes, as próprias dificuldades internas à instituição, como a não
2014).
encontra uma dificuldade a mais: o prazo para a realização do estudo de caso e do próprio Plano
costuma ser inferior ao das demais medidas, tendo em vista que tendem a durar menos tempo24.
entrega do Plano ao Poder Judiciário. O PIA requer tempo para ser construído e a delimitação
24
Apesar de, teoricamente, ser a internação a medida socioeducativa sujeita ao princípio da brevidade.
68
processo. Desse modo, é possível que o documento enviado à Justiça seja apenas uma versão
inicial e simplificada das metas do adolescente, não sendo condizente com suas reais propostas
Ademais, por vezes, o tempo para efetivação das propostas elencadas no PIA é de
apenas seis meses – tempo máximo de duração da PSC e mínimo da LA –, o que, nem sempre,
requer que o programa de execução das medidas em meio aberto se prontifique a realizar
procedimentos ágeis e preestabelecidos para dar início ao fluxo de atendimento tão logo o
adolescente ingresse (Teixeira, 2014). Requer, também, que a equipe técnica do serviço de
majoritariamente, à sua elaboração e são, dentre outros: o fato de ele ainda não ser utilizado na
totalidade dos casos; o prazo de quinze dias ser considerado insuficiente; a dificuldade em
de o PIA ainda não estar incorporado no cotidiano dos operadores do SGD; e o fato de sua real
função ainda não ter sido apreendida por todos os envolvidos no atendimento e no
– o que o faz ser utilizado, por vezes, como instrumento de tutela e/ou disciplinamento, ao invés
SOCIOEDUCATIVO
acompanhamento socioeducativo e sobre alguns dos principais desafios postos para sua
execução, este capítulo tem por finalidade discutir a situação do adolescente que finaliza o
cumprimento de medida. Para isso, foram discutidas previsões formais (que constam nos
Em seguida, foi feito um levantamento sobre como estão os adolescentes egressos após
acadêmicos que estudaram empiricamente as situações de egressos tanto do meio aberto, como
do fechado.
direitos básicos garantidos e que isso favoreça a interrupção da trajetória infracional, o SINASE
prevê, em seus documentos legais, a existência de atenção diferenciada voltada para o egresso25.
Isso, inclusive, está em consonância com o entendimento de que a socioeducação não se resume
vida do adolescente.
25
Neste estudo, considera-se egresso toda pessoa que cumpriu medida socioeducativa nos moldes atuais de
vigência do SINASE e que, finalizada a medida socioeducativa, saiu do Sistema. Como será apresentado neste
tópico de discussão, alguns documentos usam o termo “egresso” para fazer referência aos adolescentes que
finalizaram o cumprimento apenas da medida de internação. Para fins deste estudo, porém, considera-se, também,
os que cumpriram medidas socioeducativas em meio aberto.
70
específicas. A lei 12.594/12, por exemplo, faz menção breve em dois momentos: primeiro,
âmbito municipal e estadual (art. 11, V, Lei 12.594/12). Depois, no artigo 25, apresenta que a
tomando por base suas perspectivas educacionais, sociais, profissionais e familiares” deve ser
qualificado aos egressos” (Secretaria Especial dos Direitos Humanos & Conselho Nacional dos
momentos posteriores do texto, cita a realização de programas voltados para egressos como
sendo uma atividade restrita às entidades que executam medidas de internação e internação
como algo básico à política, porém, em algumas situações limitadas. Aparece como diretriz do
SINASE a garantia do direito dos egressos à educação, “considerando sua condição singular
Porém, avançando na leitura do texto, quando é feito um marco situacional geral, o atendimento
ao egresso volta a ser citado como uma atividade específica dos serviços em meio fechado,
sendo situado como algo que vem funcionando ainda de modo insuficiente, especialmente no
Ainda neste último documento, os egressos voltam a ser citados em tópicos de um dos
eixos operativos dos Planos Socioeducativos, que versam sobre qualificação do atendimento.
Fortalecimento de Vínculos a esses adolescentes, atender suas famílias a partir dos profissionais
profissional e tecnológica.
até 201226 tampouco são trazidos dados sobre os programas voltados a adolescentes egressos
ou sobre a situação dos mesmos após o cumprimento das medidas socioeducativas. Esses
Levantamentos são realizados anualmente, desde 1996, pela Secretaria de Direitos Humanos
desenvolvimento.
Conselho Nacional de Justiça (2012), aponta que apenas 18,44% dos estabelecimentos de
disparidades são visíveis. No Centro-Oeste, não há registros de nenhum programa que realize
região Sul o quadro se diferencia, ainda que menos da metade (46%) dos programas façam
26
Estão sendo considerados os Levantamentos até 2012 porque apenas esses foram publicados por completo e
disponibilizados virtualmente no site da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Quando da
realização deste trabalho, o documento referente ao ano de 2013 havia sido publicado apenas parcialmente e, por
isso, suas informações não foram consideradas aqui.
72
nas vinte e sete capitais brasileiras, aponta que mais da metade dos serviços e programas
institucional.
voltados para esses adolescentes. Até porque dispositivos específicos para egressos poderiam,
instrumentos de controle da vida dos mesmos por parte do Estado. Entende-se, sim, que o
feito em seu núcleo familiar a partir dos serviços que compõem a rede de atenção
adolescente e sua família podem necessitar no momento de transição em que aquele deixa de
frequentar o serviço; ao cuidado no atendimento para que sejam garantidos todos os direitos do
adolescente e de sua família. Enfim, refere-se ao reconhecimento de que esse momento pode
requerer cuidado e amparo profissional, principalmente quando ocorre em meio a uma realidade
Atentar para essas garantias, inclusive, está diretamente relacionado a possibilitar que,
de fato, como é previsto no processo socioeducativo via PIA, seja dada continuidade à educação
familiar e comunitária, de seu acesso e desfrute à cultura, ao esporte e ao lazer. Enfim, que se
denominado ressocialização27.
Volpi (2001) faz uma interessante observação. Ele nota que, hoje, mesmo após a superação
àqueles que têm seus direitos violados e aos que violam o direito de outrem não rompe com
uma perspectiva funcionalista. O autor chama a atenção para o fato de que, por trás da
harmônico, cujo equilíbrio se mantém pelo cumprimento dos papeis e expectativas que lhe são
atribuídos pela cultura, pela religião e pelos chamados aparelhos ideológicos do Estado” (Volpi,
27
Apesar de o uso desse termo remeter a um período de ausência e posterior retorno ao convívio social e isso
acontecer apenas quando de medidas de privação e restrição de liberdade – e não no meio aberto, objeto deste
estudo –, optou-se por utilizar esse termo considerando-se que, no fim das contas, ele se refere a objetivos a serem
alcançados (por exemplo, a manutenção do sujeito na educação formal e no mercado de trabalho)
independentemente do tipo de medida cumprida.
74
2001, p.38). Ou seja, se um sujeito teve seu direito violado ou violou o de outra pessoa, foi
porque ele rompeu com esse cenário de expectativas e, nesse caso, uma intervenção deve ser
Nesse sentido, os programas que se propõem a tal utilizam como estratégias categorias
recomposição dos vínculos familiares, reajuste de conduta” (Volpi, 2001, p. 38) – sempre
por uma falha no seu processo de socialização e seria necessário refazer esse processo para
que está sendo responsabilizada deve mudar, enquanto que a sociedade, lugar em que ele
aprendeu e desenvolveu suas crenças, permanece inalterada. Por essa contradição, Lourenço
sustentada em princípios do respeito à pessoa e à liberdade humana, como que atendendo a uma
preocupação com o respeito aos direitos humanitários daqueles que cometeram alguma
ilegalidade. Com base nisso, alega-se uma mudança de foco no objetivo do serviço que visa a
limitadas de vida. E acrescenta que, por esse conceito conter, em si, o desconhecimento das
75
bases que o sustentam, constitui-se em ideologia. A autora considera, então, o que ela chama
O certo é que, a partir dos 1970, a Criminologia Crítica constitui-se como saber que
leituras, já não se podia crer nas ilusões “re”: reeducação, ressocialização, reintegração.
trabalho: o sistema penal (e o socioeducativo, do modo como vem funcionando) não atua à
serviço da pessoa que está sendo responsabilizada pela infração, mas, sim, de um Estado penal
que se vale do aparato repressivo para dar vazão à parcela da população que ele criminaliza.
Ou seja, não é para solucionar conflitos sociais ou ressocializar pessoas que o sistema penal
serve, tanto que não é isso que ele vem operando historicamente. Seu objetivo real – e não
declarado abertamente – vem sendo cumprido com êxito: exercer controle violento e seletivo
Como lembra Kilduff (2010), o cárcere, em seu início, esteve ligado ao surgimento da
“reabilitação” têm origem e sentido, quando a nascente burguesia precisou dispor de meios que
76
moderno.
custo, no intento de aumentar o rigor da punição ao adolescente que comete ato infracional,
também se afirma a crença de que o adolescente pode aprender algo que transforme
positivamente sua vida durante o cumprimento de uma medida socioeducativa. Quer dizer,
Outra contradição nesse âmbito é que, apesar do discurso vigente ser favorável à
brasileiros que passam por medidas de ressocialização no país são, em sua maioria, de classe
média baixa e estão nos níveis iniciais de escolaridade (Brasil, 2012 como citado por Ferraz,
As “ilusões re-” – para usar a expressão cunhada por Batista (2010) – atualmente,
responsabilização, podem operar transformações na vida dos sujeitos que cometeram atos
ilegais. Tanto é que a atual legislação penal brasileira reconhece a remissão de parte da pena
77
mediante ocupação laboral e estudo28. A associação entre punição corretiva e trabalho é antiga,
havendo registros sobre essa relação desde o século XVI (Lemgruber, 1999, como citado em
Julião, 2009). Ela provem de um entendimento igualmente antigo e até hoje vigente que associa
importância que tem essa atividade para o trabalhador por garantir sua subsistência, e
caráter utilitário não se vincula ao lucro nem ao consumo (ao menos não
livre. O tempo ocioso pode se converter no pior inimigo do recluso, não só porque no
que se está sendo dada a oportunidade aos indivíduos que cumprem penas/medidas
comumente avaliado como algo positivo. Apostando nessa ideia, a quase unanimidade de
ociosidade corrompe e, por isso, deve ser eliminada à qualquer custo (Julião, 2009).
Com o termo “à qualquer custo” entenda-se que, em prol da ocupação do tempo dos
Artigo 126 da Lei 7.210/1984: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir,
28
se, muitas vezes, a inadequação da proposta política a uma estratégia pedagógica teoricamente
defendida pelo Estado. Por esse mesmo motivo, independentemente de haver avanços nas
e avaliadas negativamente, com a mera finalidade de tirar os sujeitos do ócio, mesmo que essas
A inserção social medidante o lugar de trabalhador remonta à ideia de que não importa
o emprego que se tenha ou quanto se ganhe, trabalhar deve ser a melhor e a única opção. Isso
representa um estímulo (ou imposição) estrito a atividades para as quais se exige baixa
relacionado ao esforço físico em vez do intelectual, não remunera adequadamente, não cumpre
condições básicas de trabalho (como higiene e segurança), bem como não garante nem mesmo
seguro contra acidentes trabalhistas (Julião, 2009). Seguindo uma lógica semelhante, as
desligamento institucional (Araújo, 2015; Baquero, Lemes & Santos, 2011; Gonçalves, 2015;
Queiroz, 2010; Volpi, 2001), bem como não contribuem para que os adolescentes encontrem
trabalho e renda também é apontada em estudo feito pelo IBAM (2014a) em âmbito nacional.
79
são os baixos níveis de escolaridade destes (e, em contrapartida, a exigência do empregador por
medida socioeducativa.
precarização crescente das condições de trabalho e o desemprego crônico (Blanch, 2014) tem
(Paulino, 2016).
A população juvenil vem sendo a mais afetada pelo desemprego, pelo déficit de trabalho
considerado digno, pelos baixos salários e pela informalidade, como mostra Paulino (2016) em
levantamento bibliográfico feito em sua pesquisa com jovens que nem estudam e nem
trabalham. O segmento juvenil pertencente a famílias que sobrevivem com rendas baixas está
ainda mais propenso a esse quadro. Santos (2008) apresenta que esses jovens convivem em um
sempre precárias, informais e com baixa remuneração. Porém, justamente por possuírem baixa
qualificação, permanecem por pouco tempo nesses trabalhos, o que configura uma alternância
ingressar no sistema, encontra-se, muitas vezes, fora da escola e não inclui a retomada dos
estudos como um de seus objetivos – apesar de essa ser uma das metas a serem cumpridas via
PIA e, por isso, poder ser decisiva na avaliação do juiz pela progressão ou não da medida
80
socioeducativa. A última série cursada por grande parte dos adolescentes antes de parar de
sexto ou sétimo ano) e poucos chegam a cursar o Ensino Médio (Conselho Nacional de Justiça,
2012).
adolescentes no Brasil na educação básica é alta, ela é muito mais preocupante dentre os
adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. No caso, os dados referem-se aos que se
no geral, mais elevadas do que a média nacional. Esse fato se diferencia no Ensino Médio, mas
o baixo número de adolescentes privados de liberdade que chegam a cursar esse nível de
Nas unidades de internação, a realidade escolar é ainda mais precária, tendo em vista
que as escolas que funcionam internamente aos serviços precisam abarcar os distintos níveis
aulas multisseriadas, na tentativa de contemplar a todos ao mesmo tempo – o que, muitas vezes,
também, entre os adolescentes que cumprem medidas em meio aberto (Instituto Brasileiro de
antes do cometimento do ato infracional. Para alguns adolescentes, a educação formal aparece
como uma experiência repetitiva, enfadonha e que não conduz a um caminho progressivo que
Apesar das inúmeras dificuldades que a escola encontra na efetivação de seus serviços,
Prevalece, ainda, a crença de que a educação formal possui poder transformador na vida das
pessoas e que ela é a via única de acesso a lugares sociais considerados de sucesso (Evangelista,
2008).
sociabilidade que ultrapasse a instrução. Entretanto, estudos mostram que, especialmente para
jovens provenientes de famílias pobres, a escola, em seu formato atual, não se adequa à
engajamento e a participação do jovem na educação formal (Baqueiro, Lemes & Santos, 2011;
Gomes & Conceição, 2014). Nessa lógica, a reprovação, a repetência e a evasão escolar podem
ser entendidas antes como produções do próprio sistema, do que, propriamente, fracasso do
estudante (Freire, 2000; Gadotti, 1992). Sobre esse quadro geral, Volpi observa que “a escola
ainda é para as classes sociais mais abastadas o símbolo da legitimação social, enquanto para
Souza (2011) explica o funcionamento precário da escola voltado a uma classe social
29
Em seu livro “Ralé brasileira: quem é e como vive”, Jessé Souza denomina ralé “uma classe inteira de indivíduos
não só sem capital cultural ou econômico em qualquer medida significativa, mas desprovida, esse é o aspecto
fundamental, das precondições sociais, morais e culturais que permitem essa apropriação” (Souza, 2011, p.21,
grifo do autor). O autor parte do entendimento de que classes sociais diferenciam-se entre si não só por definição
econômica, mas, também, por distinções imateriais, como a herança afetiva familiar, o capital cultural e o habitus
(conceito advindo da teoria do sociólogo Pierre Bourdieu). Porém, apesar das distinções existentes, os pressupostos
da classe média são universalizados para todas as classes, como se suas condições de vida fossem as mesmas. Isso
permite, por exemplo, que se legitime a lógica da meritocracia como justa – e, por isso, também, a lógica da
dominação social de uma classe por outra. Assim, as características próprias das vivências de uma classe (a ralé)
são desconsideradas e desclassificadas, prejudicando, por exemplo, seu acesso a direitos, como a inserção e a
permanência na educação formal e no mercado de trabalho. É com base nessas considerações que o autor,
provocativamente, denomina “ralé” esse grupo de indivíduos, para chamar a atenção “para nosso maior conflito
social e político: o abandono social e político, ‘consentido por toda a sociedade’, de toda uma classe de indivíduos
‘precarizados’ que se reproduz há gerações enquanto tal” (Souza, 2011, p.21).
83
Esta seria um padrão de funcionamento da instituição que sustenta a existência de uma oposição
entre o objetivo que ela declara ter e o que realmente se opera através dela. Para o autor, a má-
fe se articula tanto no âmbito do Estado, como no das relações cotidianas entre indivíduos.
Em relação ao primeiro, ele explica que apesar dos discursos e metas oficiais do Estado
pregarem o direito de todos à educação pública gratuita e de qualidade, não é nesse sentido que,
parte da população a qual acolhe. Esse sistema de ensino beneficia apenas as classes que
possuem, por seu processo de socialização familiar, reforço a algumas disposições que facilitam
estudos, do cálculo prospectivo. Faz parte da má-fé institucional da escola pressupor todos esses
requisitos como “naturais” a todos os seres humanos, como se eles não exigissem, para sua
Sobre o outro nível da má-fé, o micropolítico, o autor explica que, nas relações de poder
simbólicos que as instituições oferecem, a depender do lugar que ocupam na hierarquia social.
ao oferecer condições de trabalho precárias (como os baixos salários aos funcionários, a falta
profissional pode acabar dispensando aos alunos. Assim, o autor conclui que
84
sem isso significar, contudo, sua inclusão efetiva no mundo escolar, pois sua condição
social e a própria instituição impedem a construção de uma relação afetiva positiva com
adolescentes enfrentam barreiras adicionais na educação formal. Cruz (2010) apresenta que, ao
disposição do corpo técnico-pedagógico da escola para com ele é alterada, sendo atravessada
“marginais, bandidos, drogados” e o daqueles que “não estão nessa prática” (Cruz, 2010, p.
Julião (2009) observa que o reforço às atividades da educação formal para as pessoas
Nesse entendimento, a ação de substituir a ociosidade dessas pessoas pela presença em salas de
aula, na realidade, não constitui concessão de privilégios, mas uma estratégia para atender aos
exposto, as atividades relativas tanto à profissionalização, como à educação formal tem sido
oferecidas de modo precarizado, com uma série de dificuldades e sem muitas garantias de
retornos futuros a seus participantes. Bardagi, Arteche e Neiva-Silva (2005) apresentam que a
85
vezes, gira em torno da subsistência e possui uma função moral disciplinadora, de modo que
trabalhar, nesses casos, não faz parte de um projeto de vida e não se relaciona a um senso de
identidade.
Entender que, mesmo sob essas condições, essas atividades laborais devem ser vistas
como oportunidades que devem ser “abraçadas” e não podem ser “desperdiçadas” é
naturalizar a violação dos mesmos. É, assim, regredir a uma lógica caritativa de concessão de
si, é falaciosa; também o é a crença de que o trabalho e a educação formal, nas condições em
que vem funcionando, são capazes de operar transformações efetivas na vida dos egressos dos
socioeducativa. Esses projetos seriam oportunidades de o adolescente pensar sua vida presente
e futura e visualizar possibilidades (diferentes da infração) para si, a curto e longo prazo.
têm relação direta com a falta de perspectivas para o futuro e de pensar projetos de vida para
si. Assim, a construção de projeto de vida por adolescentes poderia, para essas autoras, ser um
86
fator protetivo durante o cumprimento de medida socioeducativa, uma vez que, planejando o
adolescente poderia planejar, mais diretamente, a fase que está por vir após o desligamento
institucional.
adolescente autor de ato infracional demandar novos patamares de vida que não somente o da
em comprometimento dos profissionais com a construção de novos modos de vida com e para
reais dimensões do cuidado que devem ser levadas em conta no processo socioeducativo. É
responsabilização, mas a proteção social do adolescente e de sua família (Costa & Assis, 2006).
assim como Sehn, Porta e Siqueira (2014), chamam a atenção para o importante fato de que,
comumente, existe uma lacuna entre as condições objetivas de vida dos jovens e os seus planos
para o futuro, o que pode fazer parecer (e ser) impossível a efetivação das mudanças previstas.
Os projetos de vida não conseguem se realizar se não há, na realidade dos adolescentes, acesso
adolescentes executem e deem continuidade a seus planos e para que sejam amparados em suas
87
dificuldades. Planejar o futuro e executar tais projetos requer reconhecer, pois, que planos
individuais estão diretamente ligados a aspectos sociais e estruturais e que eles incluem a
institucional. Um plano desse tipo não alcança, e nem deve alcançar, apenas o adolescente, mas
todo o seu contexto relacional, de modo a, de fato, aumentar suas possibilidades de lidar com
realizarem pesquisa com adolescentes que cumpriam LA sobre suas trajetórias de vida, os
participantes indicaram uma diferenciação qualitativa entre passado, presente e futuro. Para
eles, o passado é significado como um período marcado por erros e culpa e que merece ser
e desculpabilização, tendo em vista que as mudanças a que ele visa permanecem distantes,
Diante desse questionamento, cabe pensar se há, na prática, uma ruptura entre a
ato infracional. A realidade a seguir apresentada mostra que essas duas situações se configuram
30
Apesar de os estudos aqui considerados não mencionarem o Plano Individual de Atendimento como associado à
construção de projetos de vida, é importante reafirmar que, neste trabalho, entende-se que essa seja uma das
funções primordiais desse instrumento, como já explicitado anteriormente.
88
existentes e que, muitas vezes, contribuíram de algum modo para o cometimento do ato
aparentemente inalcançável.
Como aponta Prado (2014), apesar de vários estudos se debruçarem sobre o atendimento
acompanhem o jovem em seu retorno à vida no período pós-medida. Só assim é possível refletir
sobre a efetividade ou não das políticas públicas que devem garantir os direitos básicos ao
adolescente. A importância desses estudos se faz premente quando se considera algo que a
mesma autora afirma: após a medida socioeducativa, o adolescente apresenta uma nova
identidade atribuída socialmente, pois já não é apenas um adolescente, mas sim um egresso de
um serviço de responsabilização, com toda a conotação pejorativa que isso possa conter.
egressos de medidas socioeducativas, foram buscados estudos empíricos que contataram esses
cumprimento de medidas. A maior parte dos estudos encontrados dizem respeito a egressos da
privação de liberdade (Baquero et al., 2011; Brandemarti, 2009; Evangelista, 2008; Ferraz,
2013; Gonçalves, 2015; Lavoratti, Krainski, Moreira, & Ribeiro, 2011; Marinho, 2013; Volpi,
2001), sendo poucos relacionados ao meio aberto (Araújo, 2015; Gonçalves, 2015; Queiroz,
2010).
pesquisadores depararam-se com uma realidade de pessoas já falecidas e outras que haviam
fosse no penal (a depender da idade). Essa realidade expressa que, desde a etapa inicial dos
estudos empíricos, já é possível constatar que a violência permanece atravessando a vida desses
sujeitos no pós-medida.
na residência de suas famílias (nuclear ou extensa), voltando a residir nas áreas periféricas das
esses adolescentes (e suas famílias) apresentam, muitas vezes, acesso restrito à promoção de
vista que, quando não estão desempregados, recebem salários baixos. Assim, acabam por
medida socioeducativa, essas pessoas encontram uma realidade caracterizada pela falta de
emprego, por ameaças e perseguição policial nas ruas e por estigmas e preconceitos devido à
condição de egresso. No caso específico dos que saem da privação de liberdade, passam a
conviver com a sensação de solidão e insegurança, não encontrando mais muitas das pessoas
em suas famílias e na religião. Ferraz (2013) chama a atenção para o fato de que essas pessoas
lidam não apenas com a precarização das políticas públicas em geral, mas com a inexistência
de políticas de atendimento voltadas ao egresso, que poderiam servir de apoio social nesse
momento peculiar. Apesar dessa autora analisar o contexto específico da cidade de Osório (Rio
Grande do Sul), relatório elaborado pelo CNJ (2012) aponta que existem poucas iniciativas de
90
ficam desassistidas e só voltam a ser alvo de ação por parte do Estado quando, posteriormente,
primeiros anos de estudo, havendo defasagem na relação entre série e idade. Mesmo entre os
adolescentes que continuam estudando, a maioria não consegue alcançar o Ensino Médio.
Quando comparados à situação em que grande parte dos adolescentes se encontra antes mesmo
Dentre os motivos apontados nos estudos sobre egressos que podem levar estes a
inimigos nas ruas ou na própria escola; o cometimento de outros atos infracionais, que os
afastam do convivío comunitário; o estigma, seja em relação ao receio por sofre-lo, seja pela
para arcar com o transporte público que permitiria o acesso à escola; o desinteresse proveniente
do fato de muitos estarem desnivelados e não quererem estudar com pessoas de outra faixa
familiar, o que faz a inserção no mercado de trabalho ser priorizada frente aos estudos. Há,
ainda, a inadequação das grades curriculares escolares, que não se encontram adaptadas à
realidade desses adolescentes e que, portanto, tornam sem sentido a persistência na educação
formal.
escolar e profissionalizante e pela baixa remuneração. No geral, além das condições precárias
privação de liberdade em que estiveram e às contribuições que estas trouxeram para suas vidas.
acusam ter sofrido violações de direitos e preconceitos, terem sido cotidianamente tratados de
forma violenta, estarem cercados por julgamentos e comentários negativos e não consideram
ter tido as oportunidades necessárias para as mudanças de vida almejadas pelo ideal de
em um dos estudos: “Lá o tempo só passa. O que eles te ensinam é só para passar o tempo”
Outra parte avalia positivamente as relações feitas na instituição, tanto com técnicos,
como com outros adolescentes, e afirma que ter cumprido medida socioeducativa foi um “mal
necessário”. As pesquisas que apontam este último argumento mostram que os adolescentes
estavam expostos, como o uso de substâncias ilícitas e as rixas com inimigos. Estudo referente
medida de proteção, em que um adolescente afirmou que foi possível ocupar o tempo ocioso e
isso o impediu de estar nas ruas “fazendo coisas erradas” (Queiroz, 2010, p. 26).
deve exercer para o adolescente. Apesar de ser imprescindível a proteção à vida, essa não é a
92
real função do sistema socioeducativo e, se está cabendo a este tal papel de proteção, é
Um fato importante a ser considerado é que, como nota Marinho (2013), quando os
adolescentes indicam mudanças em suas vidas que foram geradas pela experiência de
cumprimento da internação, não incluem dentre elas, por exemplo, o alcance de oportunidades
adolescente e induz pensar uma outra contradição: se, por um lado, o cumprimento da
internação possibilitou a manutenção da integridade física, por outro, a própria medida tem
gerado os danos sociais com os quais pretende acabar, como o preconceito e a estigmatização
(Marinho, 2013).
(Evangelista, 2008; Queiroz, 2010; Ferraz, 2013). Outros adolescentes apresentam, como
possibilidade para o futuro, dar continuidade à trajetória infracional (Baquero et al., 2011). Parte
dos adolescentes demonstra preocupação em relação ao seu futuro, por não terem segurança
sobre suas condições de vida, enquanto outra parte apresenta satisfação pelo término da medida
objetivas em que se ancorar, tendo em vista que as condições de vida do sujeito permanecem
o dever moral de lidar com os problemas que o adolescente encontrar (Prado, 2014). Isso indica,
por um lado, a necessidade de a equipe técnica do serviço estar atenta à garantia de direitos
Por outro, indica uma estratégia de desresponsabilização do Estado, ao não garantir os direitos
Por fim, no tocante aos desafios encontrados pelos adolescentes após o desligamento
preconceito e discriminação, renda familiar insuficiente para manter a si e a sua família e, diante
possuem baixa escolarização. Ou seja, como observa Marinho (2013), em grande parte, os
muitos desafios encontrados no pós-medida já existiam desde antes da sanção judicial, dadas
necessidade de atenção especial ao adolescente, a qual deve ser ofertada através de ações
cada situação.
alguns egressos do meio aberto em Natal/RN, bem como a trajetória metodológica para se
CAPÍTULO 4: MÉTODO
A construção dos dados deste estudo foi realizada em duas etapas, sendo feita, em uma
delas, pesquisa documental e, na outra, entrevistas. A primeira teve por intuito caracterizar o
adolescente.
do SINASE no que diz respeito à educação formal, à profissionalização, aos seus projetos de
vida futura, à sua trajetória infracional e ao acesso de sua família à rede socioassistencial e
Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS) – órgão gestor da execução das medidas
em meio aberto – solicitando autorização para essa atividade. Porém, após três meses de
aguardo processual, a SEMTAS informou, via ligação telefônica, que o ofício havia sido
“reordenamento interno” e, por isso, não poderia receber demandas externas naquele período.
95
Diante disso, pensando em outras possíveis instituições que poderiam viabilizar o acesso
aos dados necessários à pesquisa, recorreu-se à 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ª VIJ) –
responsável pela execução das medidas socioeducativas –, comarca de Natal, como nova
sido arquivados recentemente, como forma de conhecer o conteúdo desses documentos e outras
informações que neles constassem e que poderiam contribuir com este estudo, para além dos
e foram utilizadas e analisadas na apresentação dos resultados deste estudo, junto a trabalhos
acadêmicos e outros documentos que contextualizam a realidade das medidas em meio aberto
em Natal.
PIAs referentes aos participantes da pesquisa. Na apreciação dos PIAs, atentou-se para as metas
31
O Conselho Nacional de Justiça foi criado em 2004 pela Emenda Constitucional 45 com o intuito de funcionar
como um órgão moralizador e de controle do sistema de Justiça. Atualmente, atua, também, no planejamento
estratégico do Poder Judiciário.
No âmbito do sistema socioeducativo local, o CNJ realiza, semestralmente, inspeções a estabelecimentos e
entidades de atendimento ao adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas e essas visitas subsidiam a
construção de relatórios institucionais sobre as condições de funcionamento de cada unidade. Os documentos aos
quais se teve acesso para fins desta pesquisa referem-se às visitas feitas no mês de junho e outubro de 2015 ao
Serviço de Proteção a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – Liberdade
Assistida (LA) e Prestação de Serviço (PSC) de Natal-RN.
96
iniciados e finalizados no ano de 2015. Ou seja, definiu-se como participantes deste estudo os
nesse ano. Esse parâmetro foi escolhido por possibilitar acessar informações atualizadas sobre
como o atendimento socioeducativo vem se dando na cidade e sobre quem são, hoje, os
de 64 documentos, os quais poderiam ter sido arquivados por diversos motivos, não apenas pela
finalização de cumprimento de medida. Por isso, acessou-se, via sistema virtual de atividades
na seção de resultados deste trabalho – e encontrou-se, dentre eles, apenas 20 casos em que a/o
32 Até o momento em que foi iniciada a pesquisa documental, o universo de possíveis participantes deste trabalho
não era conhecido. Haviam sido definidos alguns critérios de inclusão dos participantes, considerando os objetivos
da pesquisa e o documento legal do SINASE, por exemplo: estavam incluídas pessoas de ambos os sexos,
masculino e feminino; residentes em Natal; e que houvessem ingressado no sistema socioeducativo, pelo menos,
a partir de 2012 (considerando que o marco legal do SINASE se deu nesse ano).
Ao solicitar-se à 1ª VIJ o número de processos arquivados – considerando que, quando da finalização do
cumprimento de medida socioeducativa, os processos são arquivados – desde o ano de 2012, encontrou-se o
número de 956 casos entre 2012 e 2015. Diante da quantidade de documentos levantados, foi estabelecido o outro
parâmetro de seleção dos participantes, que acabou por basear este estudo: a inclusão apenas dos adolescentes que
iniciaram e finalizaram o cumprimento de medida socioeducativa em 2015.
97
4.3 Entrevistas
telefônicos para, a partir deles, convidar a participar da pesquisa. Na etapa da realização das
ligações telefônicas, novos desafios surgiram: após várias tentativas, os números de nove,
dos(as) 20 adolescentes, não davam acesso a essas pessoas, pois as chamadas iam direto para a
caixa postal, ou os números “não existiam”, ou estavam sendo usados por pessoas que diziam
Além disso, em cinco dos 20, os titulares das linhas telefônicas eram familiares dos(as)
adolescentes, os quais, em alguns casos, não residiam e/ou tinham pouco contato com estes(as),
o que dificultou, quando não impossibilitou, o acesso aos/às jovens. Em alguns casos, inclusive,
após a pesquisa ser apresentada via telefonema, os familiares passavam a não mais atender às
ligações seguintes. Nessas situações, após diversas tentativas em que as chamadas não eram
atendidas, entendeu-se como uma recusa implícita em manter o contato e, logo, permitir a
Outro caso que impossibilitou o acesso a dois possíveis participantes foi o fato de não
terem sido informados números telefônicos nos processos. Apesar de ter-se acesso, via
documentos, aos endereços de todos(as) os(as) adolescentes, optou-se por não utilizar a ida às
casas dessas pessoas como estratégia de acesso a elas, por se considerar que essa via poderia
ser percebida como invasiva para os(as) adolescentes e que poderia gerar desconfiança e
participarem da pesquisa: um adolescente não residia mais em Natal, pois havia ido estudar em
outro município; e outro estava servindo ao quartel e não possuía tempo disponível para contato
com a pesquisadora.
98
se contato com apenas cinco adolescentes, dos quais dois aceitaram participar e foram
medida socioeducativa, o(a) adolescente e sua família devem permanecer sendo acompanhados
telefônicos atualizados que permitiriam acesso aos(às) adolescentes. Isso poderiam eliminar o
informações. Além disso, visitou-se o serviço executor das medidas socioeducativas em meio
aberto de Natal, com o mesmo intuito de buscar novos contatos telefônicos dos adolescentes,
ou mesmo de facilitar o acesso a essas pessoas a partir dos profissionais que os conheceram
Através das visitas institucionais, foram obtidos novos números referentes a dez
adolescentes. Apesar de alguns desses contatos também já estarem desatualizados, essas novas
informações possibilitaram o acesso a mais quatro pessoas, das quais duas aceitaram realizar a
Tabela 1
Entrevistas realizadas 4
Recusa em participar da pesquisa 4
Números errados/não existentes/chamada encaminhada para a caixa postal 4
Telefone não informado no processo e não obtido posteriormente 1
Familiares usuários da conta telefônica – impossibilidade de acesso aos 5
adolescentes
Outros casos 2
Total 20
identificar a atividade à instituição, e lá ocorreu uma das entrevistas. As outras três entrevistas
seis blocos temáticos de questões: (1) caracterização sociodemográfica, (2) educação formal,
(3) trabalho e profissionalização, (4) acesso familiar à rede socioassistencial e intersetorial, (5)
Esses aspectos foram definidos com base nas leituras feitas para a fundamentação
teórica deste trabalho, nas quais tais fatores são apresentados como sendo significativos durante
e ao fim do cumprimento de medida socioeducativa. Além disso, eles são, também, direta ou
indiretamente, aspectos contemplados nas metas dos PIAs dos adolescentes. Tendo isso em
de 2015.
Foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) nos casos em que
os(as) entrevistados(as) tinham mais de 18 anos, e, para os casos dos menores de 18 anos, o
foram garantidos. Em todos os casos, as entrevistas foram gravadas em áudio apenas após
documentos foram lidos em voz alta junto aos(às) participantes da pesquisa antes do início da
entrevista, bem como foram assinadas duas cópias de cada documento: uma para posse do(a)
tendo por base os referenciais teóricos que sustentaram este estudo, os quais foram explicitados
obtidos na pesquisa documental e nas entrevistas. As associações entre os dados dessas duas
etapas não parte da ideia simplificada de que a vida do adolescente no pós-medida foi
inteiramente redefinida pelo cumprimento de medida em meio aberto; mas, sim, parte do fato
de que a experiência socioeducativa pode ser significativa para essas pessoas e que, atrelada a
ela, há uma série de previsões quanto à garantia de direitos que podem influenciar a vida do
tendo por base, principalmente, os seguintes pressupostos: o de que aspectos que atravessam o
dessas articulações, a discussão foi dividida em quatro tópicos principais, a saber: (1)
(2) análise da situação processual do cumprimento de medida socioeducativa; (3) perfil dos
102
Natal-RN
pelo CNJ a partir de visitas ao serviço de atendimento socioeducativo em meio aberto em Natal,
Municipal (IBAM, 2014a; IBAM, 2014b), que dispõem sobre o funcionamento do meio aberto
nas 27 capitais brasileiras; de trabalhos acadêmicos recentes (Ferreira, 2016; Freire, 2015) que
socioeducativas em meio aberto de Natal teve início no ano de 2007, quando a gestão e a
execução dessas medidas passaram para a responsabilidade da SEMTAS. Até então, elas eram
à Secretaria Estadual de Trabalho, Habitação e Assistência Social e que, hoje, permanece sendo
em meio aberto tem sido realizado por equipe multidisciplinar, a qual desenvolve o trabalho de
específico para esse fim (Ferreira, 2016). Em 2009, a Tipificação dos Serviços
de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto deve acontecer nos CREAS, em seus espaços e
territórios de atuação. Apesar disso, o Serviço de Natal ainda não se adequou totalmente a esse
mesma unidade pública. Ou seja, os adolescentes que residiam em qualquer zona da cidade
aberto correspondentes às regiões sul e leste da cidade já ocorriam nos CREAS, enquanto que
os referentes às zonas norte e oeste contavam com uma unidade física separada e específica
para esse fim. Neste último caso, a articulação com os CREAS se dava por meio de
encaminhamentos dos dados das famílias aos serviços referentes à região administrativa onde
residiam33.
A divisão de acordo com as zonas administrativas está embasada nas discrepâncias entre
socioeducativa reside nas zonas oeste e norte da cidade, ao passo que poucos moram nas regiões
sul e leste. Por exemplo, em 2013, 71,03% dos casos acompanhados eram referentes a
residentes das zonas norte e oeste, número que permaneceu seguindo o mesmo padrão em 2014
33 É necessário salientar que, no ano de 2016, o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de
Medida Socioeducativa em Meio Aberto de Natal começou a passar por um processo de reordenamento nos modos
de organização de seu funcionamento. Foi a partir desse momento que as equipes que referenciam as zonas sul e
leste foram direcionadas aos respectivos CREAS, bem como foram modificadas as estratégias pedagógicas das
oficinas de Liberdade Assistida.
É fato que essas e outras mudanças propostas no reordenamento podem vir a alterar algumas características do
funcionamento do serviço, tornando desatualizada a descrição feita neste trabalho. Entretanto, é imprescindível
apresentar o formato como o serviço vinha acontecendo em 2015, para retratar a realidade que os adolescentes
participantes deste estudo vivenciaram quando do cumprimento das medidas socioeducativas.
105
característica não é aleatória: essas duas regiões concentram o maior número de habitantes e os
bairros mais pobres de Natal, tendo, ambas, rendimento nominal médio mensal inferior a um
vinculados, dos quais 154 cumpriam LA e 188, PSC. Existiam, também, 379 medidas
suspensas, por diferentes motivos: em 149 casos, estava sendo aguardado parecer do judiciário;
A cada ano, uma média de 440 novos adolescentes entram no serviço de atendimento
socioeducativo em meio aberto de Natal (Natal, 2014 como citado por Ferreira, 2016). Somados
aos remanescentes dos anos anteriores (tanto os que estão em cumprimento, como os que estão
com medida suspensa), o serviço abarca uma quantia de cerca de 800 adolescentes vinculados.
Com base em informações de processos do ano de 2014, pode-se afirmar que a medida
seguida da PSC (31% das medidas aplicadas) e, por fim, da LA cumulada com a PSC, que
situações nas quais os adolescentes estão em situação de maior vulnerabilidade (como quadros
34
Os dados aqui considerados foram extraídos de relatório de inspeção do CNJ, já mencionado. Porém, pesquisa
que investigou à análise de efetividade do serviço de medidas em meio aberto de Natal, desenvolvida por Ferreira
(2016), apresenta dados relativos ao mesmo serviço no mesmo período (outubro/2015) que diferem daqueles
obtidos pelo CNJ. Segundo Ferreira (2016), havia, no Serviço, 420 processos ativos. Além destes, existia um total
de 415 processos suspensos, por motivos diversos: 136 jovens estavam em situação de descumprimento da medida
socioeducativa, 101 não haviam sido encontrados e 178 aguardavam a extinção da medida após sua finalização.
Considerando que a análise documental realizada por Ferreira (2016) teve por base os registros do próprio serviço
de medidas socioeducativas, constata-se divergência entre os dados lá registrados e os obtidos pela Justiça.
35
Novamente, esse dado é proveniente do relatório do CNJ e diverge do apresentado por Ferreira (2016), que é de
835 adolescentes, apesar de ambos referirem-se ao mesmo serviço e ao mesmo período.
106
cometeram atos infracionais considerados mais gravosos, como aqueles análogos a roubo e
A equipe que desenvolve a execução das medidas em meio aberto era composta, em
outubro de 2015, por 40 funcionários (Ferreira, 2016), dentre os quais: uma coordenadora; seis
instituições parceiras (nos casos de cumprimento de PSC), inserção dos mesmos em oficinas
(na LA) e acompanhamento durante as medidas. Além disso, participam das audiências na Vara
serviço se dava de modo que cada socioeducador era responsável pelos adolescentes residentes
Os psicólogos e assistentes sociais, por sua vez, compõem o que se denomina equipe
PIA, além identificarem demandas e encaminharem os adolescentes e suas famílias para outros
36
No caso, nessa época, ainda não havia ocorrido o reordenamento do serviço por região administrativa, de modo
que a configuração citada se refere à equipe responsável pela totalidade dos atendimentos socioeducativos em
meio aberto em Natal.
107
da equipe no serviço de Natal não vinha ocorrendo conforme o prescrito (Araújo, Rodrigues &
individual de cada um, uma vez que, no tempo que tinham, era possível dar conta apenas da
seus planos e metas estabelecidos para o processo socioeducativo, ficava à cargo dos
socioeducadores, por mais que não fossem estes os formalmente encarregados pela construção
isso não acontecia, o contato daquela com o adolescente se resumia ao início e ao término do
cumprimento de medida.
metas e os compromissos pactuados, não sendo postos como foco central do processo, perdem
sua continuidade e, fatalmente, são tratadas apenas como algo que tem que ser feito para que
seja apresentado à Justiça no prazo de 15 dias. Esvai-se o sentido basilar do Plano, que é o de
Nos casos de PSC, essa dificuldade ocorria de modo ainda mais evidente. O adolescente
que cumpria PSC não era inserido em nenhuma outra atividade pedagógica além da prestação
de serviços e não havia momentos de integração entre os adolescentes das diferentes medidas
necessariamente, frequentar a unidade base do serviço, ocorria de seu contato com a equipe
resumir-se ao atendimento inicial e final (Araújo, Rodrigues & Freire, 2016). Entre esses dois
encontros, o que havia era apenas um socioeducador monitorando sua presença na instituição
tende a significar, nesse modelo, a responsabilização pura e simples, assumindo um efeito muito
relatório do CNJ apresenta que existiam, para o cumprimento de Liberdade Assistida, cinco
As oficinas eram realizadas pela equipe pedagógica e cada uma possuía um projeto
básico no qual se ancorava. As oficinas de xadrez e música, por exemplo, tinham por objetivo
como parceiras para prestação de serviços, dentre elas: CRAS, CREAS, Unidades Básicas de
Saúde, escolas (principalmente, aquelas onde adolescentes que estão cumprindo medida
PSC têm ocorrido mais frequentemente na área da saúde e na educação, ocorrendo poucas
vinculações nos setores de cultura, esporte, lazer e trabalho (Secretaria de Direitos Humanos,
2013a).
PSC. Além disso, um socioeducador deve permanecer em contato com esse adolescente, bem
com a instituições parceiras ocorria com menos frequência que o esperado (Araújo, Rodrigues
As atividades ofertadas pelas instituições para a PSC devem estar de acordo com a
escolarização atingida pelos adolescentes. Devido ao fato de, na maioria das vezes, estes não
em atividades burocráticas.
110
o adolescente, no qual era feita uma avaliação do cumprimento da medida e eram dadas as
orientações consideradas pertinentes a cada caso. Depois disso, o contato entre adolescente e
equipe era finalizado. Até o ano de 2015 o serviço não garantia a continuidade do
coordenadora do serviço previa que o PPP ficasse pronto até meados de 2016. Também em
município de Natal.
uma questão que é mencionada em todas as fontes de informações consideradas para fins desta
intersetorial, com destaque para a dificuldade de articulação com instituições que ofereçam
maioria dos serviços que compõem a rede de atendimento ao adolescente autor de ato
infracional funciona com estrutura física precária e com insuficiência de recursos humanos e
encontra-se no preconceito e no estigma voltados aos adolescentes, por terem cometido ato
são, muitas vezes, relacionados a atividades que não parecem atrativas aos adolescentes, ou não
representam possibilidade de inserção no mercado formal de trabalho (Freire, 2015), ou, ainda,
relatório de inspeção do CNJ 37, há alto índice de evasão escolar e baixa escolaridade dentre os
adolescentes. Oitenta por cento cursavam o Ensino Fundamental, poucos estavam no Ensino
demandas por região administrativa são bastante diferentes entre si –, cada um dos
socioeducadores seria responsável por mais que o limite de adolescentes definido na resolução
segundo relatório do CNJ, a coordenação do serviço assumiu que o trabalho, que deveria
37
Relatório referente à visita institucional feita em 22 de junho de 2015.
112
havendo, pois, diálogo suficiente entre os profissionais das diferentes áreas para a realização de
foram citadas o tempo, considerado curto, para preenchimento e envio do Plano ao Poder
Judiciário e a falta de qualificação por parte dos técnicos para preencherem o formulário
(Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2014a; Araújo, Rodrigues & Freire, 2016).
integrando a execução do meio aberto, vale salientar, já foram apontados em outras pesquisas
2014; Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2014a). Pelo contrário, essas e outras
socioeducativos em meio aberto nos anos de 2013 e 2014, é possível traçar um perfil atual dos
adolescentes que cumprem medidas em Natal, com base nas informações apresentadas no plano
e do Adolescente, 2016).
aberto é do sexo masculino (parcela que correspondeu a 85% do total em 2013 e 78,8% em
2014), possui entre 15 e 17 anos (69,2% em 2013 e 68% em 2014) e se autodeclara pardo
(62,2% em 2013 e 60,3% em 2014). Na maioria dos casos, os adolescentes que cumprem
113
medida em meio aberto estão sendo responsabilizados por ato infracional pela primeira vez e o
ato de maior incidência é o análogo ao crime de roubo (que correspondeu a 40,6% dos casos
em 2013 e 46,2% em 2014). A maioria dos adolescentes declara ser usuário de substâncias
Maior parte dos adolescentes que chegam ao serviço de medidas socioeducativas não
está frequentando a escola (56,7% em 2013 e 61,2% em 2014). Aqueles que permanecem
estudando, por sua vez, não conseguem concluir o 9º ano do Ensino Fundamental, o que ainda
chega a ultrapassar a média nacional – que é de estudo até o 6º ou 7º ano, segundo dados do
frequente.
Entre os adolescentes, há índice significativo dos que exercem trabalho informal (27,8%
em 2013 e 32,4% em 2014), bem como daqueles que, apesar de já terem desempenhado algum
de adolescentes que possui vínculo formal de trabalho (1,8% em 2013 e 3,7% em 2014) e é
significativo o número relativo aos que nunca trabalharam (35,2% em 2013 e 31,5% em 2014).
A maior parte dos adolescentes se declara solteiro (85,7% em 2013 e 83,1% em 2014)
e reside em casa própria junto à mãe e outros familiares. No tocante à renda, as famílias
sobrevivem com até dois salários mínimos e não recebem benefícios sociais.
não diferir do nacional, quanto ao perfil dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa
(2014a), em que se analisou o funcionamento dos programas de meio aberto, cada uma das 27
em situação de pobreza, uso de substâncias psicoativas e baixa escolaridade. Além disso, outras
duas características citadas com frequência foram o fato de esses adolescentes não terem seus
direitos básicos garantidos ao longo da vida e de suas famílias terem uma figura feminina (seja
2015 para compor o quadro de possíveis participantes da pesquisa e foi encontrado o número
socioeducativa. Por indicação de outros estudos acadêmicos, esperava-se que outras causas
O que não se esperava, e que se configura como um dado preocupante, é que apenas 20
– menos de um terço do total – desses processos foram arquivados, de fato, por finalização do
considerados:
38
Fala-se, aqui, em “aspectos mais frequentemente mencionados” – e não em “perfil nacional” – porque, segundo
o próprio IBAM (2014b), os dados fornecidos pelos serviços de medidas socioeducativas em meio aberto das 27
capitais brasileiras são imprecisos e devem ser utilizados “com cautela” (Instituto Brasileiro de Administração
Municipal, 2014b, p.64). O Instituto alerta que nem todos os serviços por ele consultados tinham sistematizadas
as informações requeridas sobre o perfil dos adolescentes em cumprimento de medida. Sendo assim, o próprio
IBAM optou por apenas apresentar algumas características mais evidentes, sem assumir a estruturação de um perfil
nacional. As características aqui mencionadas foram retiradas das respostas enviadas pelos serviços para o IBAM,
as quais constam no documento publicado.
115
Tabela 2
uma pequena fração dos processos abertos desde 2012 (início da vigência da lei do SINASE),
Nesses casos, em virtude do caráter pedagógico da medida socioeducativa, não faz sentido
julgada mais adequada para o caso do sujeito e a partir da qual ele possa ser responsabilizado e
acompanhado.
por unificação de medida indica uma quantidade expressiva, também, de casos de reincidência
funcionamento acima mencionadas. Isso encaminha para uma outra preocupação: a de que,
responsabilizações.
processos arquivados: nas situações em que houve extinção devido à condenação por crime.
sistema penitenciário.
sistema socioeducativo e de um nível considerável de reincidência, fazem pensar até que ponto
esse sistema não acaba por funcionar como o ingresso em um processo de punição que,
ainda mais, quando considerado junto aos outros dados. Diante de uma situação de permanência
dos jovens na trajetória infracional, é ingênuo supor os casos de morte como se dando por
paralelo, são relativos ao mesmo caso e possuem as mesmas partes. Ao serem identificados os
no caso, o processo – que, incialmente, estavam sob responsabilidade de um outro juízo. Nos
dois casos aqui considerados, isso ocorreu porque os adolescentes em questão tinham passado
a residir em outras unidades federativas e, por isso, os processos contra eles foram transferidos
expressivo, chegando a mais de 700 adolescentes, quando somados a quantidade que se vincula
ao serviço a cada ano aos remanescentes dos anos anteriores. Tendo isso em vista, e
2015, fica evidente que essas pessoas conseguiram cumprir com o referido processo
Ora, se uma média de 440 adolescentes ingressam no serviço ao ano, para que se some
mais de 700 pessoas é preciso que cerca de 300 sejam remanescentes dos anos anteriores, o que
indica que, dentre outras situações, a medida não está sendo cumprida em um ano. Passou-se a
pensar, então, se características em comum aos 20 adolescentes poderiam ter contribuído para
Diante desse dado, questionou-se qual a porcentagem que essas 20 pessoas representam
diante do total de adolescentes que começaram a cumprir medida em meio aberto em 2015, na
que devem ter iniciado cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto em Natal, de
Tem-se, então, o seguinte cenário: dos 490 processos relativos ao meio aberto, apenas
64 foram extintos no mesmo ano, sendo que, destes, só 4,08% do total de processos (o que
socioeducativa. Como fator agravante, vale mencionar que quase metade desses processos
118
contemplavam aplicação de PSC (46,93%), ou seja, deveria ter prazo de execução de até seis
Tabela 3
Sendo assim – e considerando que, dos 64 processos extintos, pelo menos 37 são de
remanescentes no serviço em 2016. Diante de toda essa situação, é premente questionar: que
acadêmicos sobre a realidade atual do cumprimento de medida em meio aberto em Natal. Freire
execução de medida em meio aberto de 2010 a 2013, aponta que mais da metade esteve em
no sistema socioeducativo.
39
Não se deixou de considerar que as medidas de PSC que começaram a ser cumpridas a partir da metade de 2015
não necessariamente seriam finalizadas até o fim daquele ano, já que poderiam chegar a durar seis meses. Mesmo
assim, considera-se que esse aspecto não deve ter sido definidor do pequeno número de adolescentes que, de fato,
finalizaram a medida em 2015, tendo em vista os fatores que podem estar associados ao retardo no cumprimento
de medida, discutidos na continuidade do texto.
119
Dentre as razões para o descumprimento, a autora cita algumas, como rejeição à medida,
através da análise dos processos de 2010 a 2013, constatou-se que 34,82% dos adolescentes
basilarmente o sistema socioeducativo, possuem relação direta com a reincidência. Ela chama
43,3% já haviam cometido outro ato infracional anteriormente. O índice relativo à região
que, de 2008 a outubro de 2015, foram registradas 142 mortes, tendo sido 13 só em 2015, até
40
Não foi encontrado relatório ou pesquisa que apresentasse a taxa de reincidência nacional referente a todo o
sistema socioeducativo, tampouco a relativa, especificamente, às medidas em meio aberto.
120
documento “Homicídios na Adolescência no Brasil” (Melo & Cano, 2014). Segundo esse
relatório, que traz dados do ano de 2012, o índice de homicídio na adolescência41 na cidade era
de 5,35, o que representava o sexto maior índice entre as capitais brasileiras. O estado do Rio
Grande do Norte também ocupou o sexto lugar dentre as unidades federativas, apresentando
índice de 5,80. Tais dados mostram que os contextos municipal e estadual são mais violentos
para os adolescentes que a média do Brasil, que era de 3,32 naquele ano.
O Mapa da Violência de 2016 endossa essa realidade ao apontar que, no decênio 2004-
2014, a taxa de homicídio por armas de fogo por 100 mil habitantes no Rio Grande do Norte
cresceu 379,8%, fazendo o estado passar de 18º para 4º lugar no ordenamento decrescente das
unidades federativas por índice de homicídio. Em Natal, a taxa cresceu 441,1% no mesmo
período. Vale realçar, ainda, que enquanto as taxas nacionais de homicídio de pessoas brancas
Esse perfil corresponde, não fortuitamente, com as características dos adolescentes que
violência massiva contra a juventude negra. Tem-se, pois, que o aumento expressivo da
insuficiente. Por exemplo, devido à pouca quantidade de salas para realização de várias
41
O índice de homicídios na adolescência tem por objetivo estimar a mortalidade por homicídio de pessoas na faixa
etária de 12 a 18 anos. Ele expressa, “para cada grupo de adolescentes que completaram 12 anos, o número deles
que não completará 19 anos, pois será vítima de homicídio nesse percurso” (Melo & Cano, 2014, p.9).
121
atividades de LA ao mesmo tempo, adolescentes são convidados pela equipe a aguardar alguns
meses para, só então, iniciarem o cumprimento de medida (Araújo, Rodrigues & Freire, 2016).
Além disso, o tempo de tramitação processual na Justiça também pode contribuir para
que o processo socioeducativo se prolongue. Isso ocorre, por exemplo, quando há longo tempo
e a designação de audiências. Esses são alguns dos casos de tempos mortos processuais, isto é,
de tempo em que a morosidade processual advém de paralisação, sem que haja alguma utilidade
que a justifique.
Rio Grande do Norte na fase de execução de processos foi de 92%, índice ainda mais elevado
do que a alta média nacional, que era de 88,1% naquele ano (Conselho Nacional de Justiça,
2016).
também indica que o tempo de tramitação dos processos está sendo mais longo que o previsto,
o que pode ter implicações diretas no prolongamento do tempo em que o adolescente permanece
quando, segundo o próprio CNJ, o ideal é que esse indicador permaneça superior a 100%, para
42
A taxa de congestionamento é o “indicador que mede o percentual de casos que permaneceram pendentes de
solução ao final do ano-base, em relação ao que tramitou (soma dos pendentes e dos baixados)” (Conselho
Nacional de Justiça, 2016, p.53).
43
O índice de atendimento à demanda consiste no “indicador que verifica se o tribunal foi capaz de baixar processos
pelo menos em número equivalente ao quantitativo de casos novos” (Conselho Nacional de Justiça, 2016, p.53).
Índices menores que 100% sinalizam que o total de processos baixados é menor que o de casos novos, o que
implica no acúmulo de casos pendentes e, logo, no aumento da taxa de congestionamento.
122
existem aspectos em comum aos 20 adolescentes que podem estar relacionados ao fato de eles
Durante o processo de pesquisa documental que constituiu este estudo, bem como
durante as entrevistas, foi observado que algumas características dos adolescentes considerados
como possíveis participantes da pesquisa divergiam, em alguns aspectos, do perfil geral dos
adolescentes que cumprem medida socioeducativa em meio aberto em Natal e no Brasil. Diante
disso, surgiu a curiosidade de, mediante as informações que constam nos processos arquivados,
a divisão por sexo é quase equitativa: há um total de nove pessoas do sexo feminino e onze do
masculino. Esse dado contrasta com a realidade de uma maioria significativa de adolescentes
Freire (2015) apresenta que, entre 2010 e 2013, a porcentagem de adolescentes do sexo
feminino que compunha o serviço de Natal esteve por volta de 25% do público total. Em
medidas em meio aberto das 27 capitais do país, foi encontrada a proporção nacional de uma
adolescente do sexo feminino, para cada dez pessoas cumprindo medida socioeducativa
expressivo dentre aqueles que conseguiram cumprir em menos tempo, pelo menos no universo
socioeducativa que ocorre com maior frequência no atendimento em meio aberto em Natal, 18
dos 20 adolescentes aqui considerados cumpriram PSC e apenas dois, LA. Esse dado reflete
um viés assumido na pesquisa de campo: como os participantes dea pesquisa foram restritos
àqueles que iniciaram e terminaram o cumprimento de medida em 2015, era provável que a
maior parte dos sujeitos encontrados tivessem cumprido medida de duração mais breve – no
caso, a PSC. Como já mencionado, enquanto a LA dura, no mínimo, seis meses, este é o prazo
máximo de duração da PSC. Apesar disso, vale salientar que, considerando a quantidade de
adolescentes que começaram a cumprir medida em meio aberto em 2015, é possível que, em
O ato infracional de maior incidência dentre os 20 adolescentes não foi o roubo (ato
mais frequentemente cometido em Natal e no Brasil44), mas lesões corporais leves e injúria –
que, juntos, caracterizam 10 dos 20 casos. Considerando o Código Penal Brasileiro, em que os
crimes e as respectivas penas são tipificados e a partir do qual os atos infracionais são
classificados, aos crimes de injúria (art. 140) e lesão corporal (art. 129) são atribuídas penas
menos gravosas do que ao crime de roubo (art. 157), o que leva a crer que este é considerado
mais grave do que os outros dois. Ou seja, os atos infracionais que aparecem como mais
frequentemente cometidos no grupo dos 20 adolescentes aqui referidos destoam daquele mais
44
A análise apresentada pelo IBAM (2014b), sobre o funcionamento dos serviços de meio aberto no Brasil, aponta,
na verdade, que o ato infracional mais frequente, dentre os cometidos pelos adolescentes que cumprem LA e PSC,
é o análogo ao tráfico de entorpecentes, ficando o roubo em segundo lugar. Porém, conforme já mencionado, o
próprio Instituto alerta para a imprecisão dos dados que apresenta, tendo em vista que nem todos os serviços por
ele consultados tinham sistematizadas as informações requeridas sobre o perfil dos adolescentes em cumprimento
de medida. Por isso, é alertado que os dados apresentados no documento devem ser afirmados “com cautela”
(Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2014b, p.64). Sendo assim, optou-se por utilizar o dado
publicado por Silva e Oliveira (2015), que converge com o que é apresentado pela Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República (2013a) ao afirmar que é o roubo o ato infracional mais incidente no Brasil.
124
(montante de pena).
Para além do uso, o envolvimento com as drogas tem estado associado, muitas vezes,
ao ato infracional cometido. Por exemplo, o ato análogo ao tráfico de drogas configura como o
segundo mais frequente na tipificação dos atos (Secretaria de Direitos Humanos, 2013a). Além
disso, outros tipos, como roubos e homicídios, também estão, por vezes, associados
Como aponta Soares (2004), o tráfico de drogas é uma das dinâmicas criminais que mais
organicamente se articula à rede do crime organizado e mais se expande pelo país, tiranizando
comunidades pobres e recrutando seus filhos. Esse autor explica que o envolvimento no tráfico,
assim como a posse da arma, possibilita a conquista (muitas vezes, inédita) de visibilidade e
reconhecimento ao jovem. Além disso, garante-lhe retorno financeiro para consumir bens que
que justifica a culpabilização do adolescente e de sua família. Muitas vezes, esse aspecto
aparece como explicação até de sua morte, quando se atribui o motivo do óbito a “acerto de
contas” e, sem mais esclarecimentos, não há a preocupação sobre se haverá ou não investigação
Ainda em contraste com o perfil de Natal e do Brasil, apenas cinco adolescentes estavam
ou seja, a maioria estava estudando regularmente. Destes, um havia finalizado e sete estavam
cursando o Ensino Médio, nível escolar que não é frequentemente alcançado pelos adolescentes
realidade municipal. Seis pessoas apresentavam vínculo informal, duas, vínculo formal e
trabalhado.
nenhum caso de reincidência entre eles, o que contrasta com o nível significativo em que isso
ocorre localmente, como fora apresentado com base nos motivos de arquivamento dos
nas regiões administrativas norte e oeste da cidade, mora com a mãe e outros familiares e possui
assemelham ao padrão de todos os que cumprem medida em meio aberto em Natal no que diz
respeito à região administrativa de residência, à configuração familiar com que vive, à renda
medida ter sido o único cometido por eles até então. Porém, as características de sexo,
cumprida destoa da média natalense e dos achados de outros estudos locais – no caso, Araújo
(2015) e Evangelista (2009) –, bem como da realidade de outras localidades do país – como em
Por outro lado, aspectos que destoaram do perfil geral podem denotar a vivência do
cometimento de infração como situação pontual. Considera-se que esses elementos podem ter
relação com o fato dos participantes da pesquisa terem conseguido cumprir medida em menos
cumprimento de medida socioeducativa. Para realizar essa discussão, retoma-se, aqui, a Tabela
Tabela 1
Entrevistas realizadas 4
Recusa em participar da pesquisa 4
Números errados/não existentes/chamada encaminhada para a caixa postal 4
Telefone não informado no processo e não obtido posteriormente 1
Familiares usuários da conta telefônica – impossibilidade de acesso aos 5
adolescentes
Outros casos 2
Total 20
45
Sabe-se que a permanência na educação formal não significa, necessariamente, um fator protetivo para o
adolescente, principalmente quando se leva em conta o modo precário e descontextualizado como o ensino escolar
vem funcionando. No caso, não se admite que o estudo, em si, seja capaz de diminuir situações de vulnerabilidade
na vida do adolescente; mas, sim, que o abandono escolar está frequentemente associado à outras vivências que
denotam vulnerabilidades, como a necessidade de trabalhar para complementação de renda familiar, o
envolvimento com drogas e a gravidez na adolescência. A associação entre permanência na educação formal e
menor vulnerabilidade, feita no parágrafo, parte desta premissa.
127
oito puderam ser acessados – incluindo os que aceitaram e os que recusaram a participação na
pesquisa. Nesse total, aliás, já se inclui os contatos obtidos após visita a serviços da rede
Longe de ser uma dificuldade especificamente local, estudos realizados com egressos
encontrando, quando da busca por eles, casos de troca de número telefônico e endereço, morte
Outras pesquisas realizadas com egressos em Natal também encontraram esse desafio.
Evangelista (2008), que realizou seu trabalho com egressos da privação de liberdade, apesar de
ter desenvolvido seu estudo há quase dez anos, encontrou uma realidade semelhante à atual: os
destinos dos adolescentes eram desconhecidos pelas instituições onde haviam cumprido medida
socioeducativa; seus endereços mudavam com frequência; e grande parte dos adolescentes já
havia morrido. Já Araújo (2015), que retrata, em sua pesquisa, a vida de adolescentes egressos
do meio aberto, encontrou realidade semelhante ao deparar-se com o fato de que um dos seus
CREAS – em conversas informais com a pesquisadora. Estes atribuem como causa principal
desse fato a necessidade de os adolescentes não serem encontrados facilmente, pois, muitas
vezes, estão sofrendo ameaças ou sendo perseguidos. Trocar de telefone e de endereço são,
Considerando que o período de busca pelos adolescentes ocorreu cerca de um ano após
encaminhada para caixa postal (oito casos, inicialmente) denota uma preocupação sobre se
esses adolescentes também teriam mudado de contato para protegerem-se de ameaças. Apesar
de não ser possível afirmar que esta tenha sido a real causa, a constância com que isso ocorre
dentre esses adolescentes faz crer que seja uma explicação provável. E a preocupação advém
do fato de que eles, apesar de já terem passado pelo atendimento socioeducativo e terem sido
não só responsabilização, mas também proteção. A trajetória infracional pode estar associada a
situações de vulnerabilidade que nem sempre podem ser superadas pelas condições de vida do
adolescente e de funcionamento da rede de garantia de direitos, mas que põem em risco sua
adolescentes (não só em Natal, mas em outras cidades brasileiras), há motivos para supor que
proteção desse público e a garantia dos direitos básicos que assegurariam sua integridade física
e a manutenção de sua vida. Com ação punitiva eminente, o sistema socioeducativo se faz
descumpridor de seus próprios objetivos e tem sido incapaz de contribuir para a interrupção da
trajetória infracional.
processos sem nenhum registro de contato. Isso faz pensar que os adolescentes possam estar na
situação anteriormente descrita de desproteção, ou que não possuíam aparelho telefônico móvel
ou fixo, ou, ainda, que o tinham, mas preferiram não disponibilizar. Fato é que esse aspecto
socioeducativa com o adolescente; mas não apenas desse serviço, como também de outros da
129
socioeducativo, o que pode ter implicações diretas na garantia dos direitos desse adolescente.
uma postura de esquiva em lidar com o assunto, demonstrando desconforto. Assim como
aconteceu com Evangelista (2009) e Ferraz (2013), os adolescentes acessados nesta pesquisa
não entendiam, de imediato, a razão de estarem sendo procurados para falar sobre o
sossegados” – para usar o termo expresso por um deles. Alguns adolescentes e mesmo alguns
de seus familiares pensaram, inicialmente, que a pesquisadora fosse alguém do próprio serviço
Não tenho interesse em participar não, porque... isso foi uma coisa muito injusta comigo,
O que eu tinha pra dizer, eu já disse lá. Eu gostei, achei justo com o que eu fiz, me
trataram bem... não quero participar [da pesquisa] não. Tô sossegado, graças a Deus.
(Francisco, junho/2016)
entrevista, mas, depois, mudaram de ideia e cessaram o contato direto com a pesquisadora,
tendo sido suas mães as informantes sobre a recusa. Em um dos casos, a mãe avisou que a filha
havia desistido de participar da pesquisa, pois “não queria mais tocar nesse assunto”.
No outro caso, a pesquisadora mantinha contato com o adolescente via telefone da mãe
deste e, em determinado momento, a chamada passou a não ser mais atendida. Entrando em
contato posterior via rede social vinculada ao número de telefone móvel – Whats App –, a mãe
130
informou que o adolescente desistiu de participar da pesquisa, e, ao ser perguntada pelo motivo
das condições em que cada um dos quatro entrevistados encontravam-se à época de realização
deste estudo.
José46 tinha 17 anos e residia com seus pais na região administrativa sul de Natal. Sua
família vivia com uma faixa de renda mensal situada entre cinco e dez salários mínimos. Ele
estava estudando o último ano do Ensino Médio em uma escola pública e se via, no futuro,
Enquanto isso, José trabalhava prestando serviço administrativo, buscando ganhar renda extra
à familiar para uso próprio. Por ter cometido ato infracional análogo à lesão corporal leve, ele
cumpriu medida socioeducativa de PSC durante quatro meses, situação em que, também,
João tinha 15 anos e residia na zona oeste da cidade. Morava com o pai e a avó e sua
família vivia com uma renda mensal de dois salários mínimos. Sua trajetória escolar vinha
sendo contínua e, à época da entrevista, ele cursava o 8º ano do Ensino Fundamental em uma
escola pública. João nunca havia trabalhado, mas dizia ter muita vontade de começar a
trabalhar. Desejava, para o seu futuro, graduar-se em Direito e, por adorar praticar esportes,
dizia querer ser, também, jogador de futebol e lutador de UFC (sigla de Ultimate Fighting
46
Os nomes que identificam os adolescentes entrevistados neste estudo são fictícios, por motivo ético de sigilo
sobre as identidades dos mesmos. Os nomes atribuídos consistem naqueles considerados os mais populares do
Brasil, segundo o projeto “Nomes no Brasil”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
em 2016, com base nos dados do Censo realizado em 2010. O propósito dessa atribuição é salientar que a realidade
dos entrevistados nessa pesquisa pode representar a de tantos outros brasileiros e brasileiras, em relação a seu
(in)acesso a políticas sociais de qualidade, a suas dificuldades de alcance e diálogo com a Justiça, e mesmo a sua
condição de vida como egressos do sistema socioeducativo. É provável que, justamente por serem José, João,
Maria, Ana, Antônio e Francisco, e não outros, vivam essa realidade.
131
Championship). Realizou atividades administrativas durante três meses na PSC, a qual cumpriu
Maria, 18 anos, estava cursando o último nível do Ensino Médio e tinha o sonho de
ingressar em uma universidade para estudar Psicologia. Pretendia graduar-se, “viajar o mundo
todo” (palavras dela), casar e ter filhos. Morava com os pais e mais seis irmãos em um bairro
na zona leste da cidade, onde viviam com um salário mínimo. Durante o cumprimento de PSC,
a qual foi atribuída após Maria ter sido acusada por ato análogo a furto qualificado, participou
Por fim, Ana, 18 anos, morava com sua mãe e seus três irmãos em uma cidade da Região
Metropolitana de Natal, onde residiam com um salário mínimo mensal. Quando fora acusada
de cometer ato análogo à lesão corporal leve, ela residia na zona leste da capital. Devido ao ato
infracional, cumpriu serviços administrativos durante três meses. À época da entrevista, Ana
cursava o 2º ano do Ensino Médio em uma escola pública e vislumbrava para si, no futuro,
ingressar em uma universidade, mas ainda não havia se decidido quanto ao que iria cursar: se
destoa do que é mostrado em outras pesquisas (inclusive localmente), no que diz respeito à
escolarização. Ao contrário do que aparece no perfil geral descrito acima, nenhum dos
entrevistados deste estudo teve sua trajetória escolar interrompida antes, durante ou depois o
Três dos entrevistados já estavam em vias de finalizar o Ensino Médio, quando alcançar
esse nível de escolaridade não é uma realidade para a maioria dos adolescentes que cumprem
132
Quando questionados sobre o que pensavam sobre ir à escola ou sobre o que ela
Eu vejo a escola como um meio de formar, como um meio de... até a universidade
Eu vou lá pra aprender! [...] Eu acho importante, que a pessoa vai crescer como, sem
Ah, muitas coisas, e uma das coisas é a minha realização, né. O meu sonho, que é estudar
e me formar, né, na Psicologia. [...] Então a escola pra mim é uma realização, entendeu?
Pra ter um futuro melhor. Porque a gente só tem um futuro melhor se ir pra a escola. Se
eu quiser ter um trabalho futuramente melhor... as coisa melhor futuramente, tem que
Em seus discursos, é possível identificar que à educação formal é atribuída a via única
importante considerar que, por trás desse entendimento geral da escola como caminho para o
sucesso, existe o engano de se imaginar que a educação formal representa “o ponto zero da
competição social por recursos escassos” (Souza, 2011, p. 82), como se todas as pessoas
pudessem ser preparadas a partir de chances iguais e, por isso, valesse a lógica da meritocracia.
O discurso hegemônico da escola como remédio para todos os males, comumente, não
leva em conta as precondições sociais do sucesso escolar e tampouco a má-fé institucional que
a rege, e, por isso, encobre e mascara a gênese profunda de injustiças e desigualdades sociais.
133
Como alerta Jessé Souza, “por mais importante que seja a escola [...] tomada isoladamente, ela
apenas legitima desigualdades que começaram muito antes dela” (Souza, 2011, p. 83).
provável que eles estejam em desvantagem em relação a outras pessoas quando da competição
por uma vaga no ensino superior ou de trabalho – principalmente, se as famílias desses outros
puderam arcar com escolas que apresentem maior qualidade de ensino ou com capital cultural
surgiu como necessidade de ganhar dinheiro, seja para complementar a renda familiar mensal,
seja para uso próprio. Apenas um entrevistado estava trabalhando e os outros três, apesar não o
estarem, afirmaram que gostariam de trabalhar. Como o principal intuito declarado do trabalho,
em todos os casos, era conseguir uma renda extra, os entrevistados disseram que aceitariam
específico.
Nesse sentido, o emprego atualmente requerido por eles tem, ao que parece, caráter
diferente daquele que eles vislumbram em seus projetos de vida e que devem se dar em suas
o sentido do trabalho para jovens, aponta que, de modo geral, as concepções sobre o trabalho
para esse público estão associadas, principalmente, à dimensão econômica dessa atividade.
Pesquisas que contemplaram jovens que vivem com baixa renda, como as desenvolvidas por
134
Borges (2010) e Dutra-Thomé, Telmo e Koller (2010), apontam que, para essas pessoas, o
frente a outros aspectos, como a identificação e realização pessoal com a função desempenhada.
Um dos blocos de perguntas que constituiu a entrevista teve como tema o acesso do
questões importantes para analisar o entendimento dos adolescentes sobre seus direitos e a
garantia ou não destes. Uma das perguntas questionava “como é, atualmente, o seu acesso e o
da sua família a direitos básicos, como saúde, educação, trabalho, moradia, cultura e lazer”.
Para entender o que seria “normal”, vale analisar as condições objetivas de vida desses
adolescentes: eles residem em bairros (ou partes de bairros) com precário acesso a serviços da
rede pública de garantia de direitos e, considerando a renda mensal de suas famílias, é provável
que não consigam pagar pela totalidade de serviços privados que supram a falta daqueles. Nesse
acesso e a qualidade precários dos serviços. Apesar disso, apenas uma adolescente reconheceu
A saúde não, né. Porque, pra poder pegar uma ficha [para atendimento na Unidade
Básica de Saúde], querendo ou não, se arrisca. Porque tem que ir logo cedo, enfrentar
uma fila imensa. Sem falar que não é dentro do posto de saúde, é fora. Aí, já levando
pra a segurança, que é no meio da rua e, hoje em dia, todo canto tá perigoso. Então, a
saúde e a segurança não tá lá essas coisas. Aí pronto... [...] aí na minha escola, eu já não
tenho o que reclamar, porque é uma ótima escola. É ótima minha escola. Faz três anos
que eu estudo e eu não tenho o que reclamar não. [...] o que eu queria, no momento, é
um trabalho, que... todas as escolas tinha que pelo menos ter um cadastro em alguma
Tem-se, pois, uma aparente habituação ao modo como são garantidos (total ou
sobre a promoção desses direitos, ou melhor, sobre se eles poderiam acontecer de uma maneira
não haver uma realidade concreta qualitativamente melhor a servir como paradigma.
que as políticas sociais, funcionando de modo precarizado e fragmentado, não têm como cerne
a superação do fenômeno da desigualdade social em si. Desse modo, essas políticas, por mais
que proponham o funcionamento em rede em prol da garantia integral dos direitos sociais,
acabam por, na prática, criar dependência por parte da população e esconder o efeito de
desmobilização que operam com isso. Configura-se, desse modo, o quadro de “pobreza
para um grupo de pessoas, as quais, não tendo consciência disso, são coibidas de organizarem-
por eles ou por seus familiares, foram encaminhados para algum serviço que suprisse essa
necessidade. Durante a medida, uma das entrevistadas foi encaminhada a um CRAS após ter
afirmaram não ter passado por nenhum encaminhamento, apesar de, no PIA de um dos
adolescentes, constar que a equipe fez um encaminhamento a uma Unidade Básica de Saúde
partir do fluxo de atendimento, o acesso do adolescente e de sua família aos seus direitos quando
136
da identificação de demandas. Entretanto, foi possível perceber que a pergunta não era
Isso leva a crer, por um lado, que uma formulação inadequada da estrutura e do sentido
da pergunta possa ter comprometido o entendimento. De todo modo, o enunciado vinha sempre
acompanhado de um exemplo, como na fala transcrita a seguir, feita durante uma das
entrevistas: “Tipo assim, você estava com algum problema de saúde e declarou isso, ou com
Por outro lado, entende-se que a dificuldade na compreensão da pergunta também pode
advir da não associação desse tipo de prática (encaminhamento para a rede socioassistencial e
adolescentes afirmaram não perceberem mudanças para si ou para suas famílias em relação ao
posterior.
período pós-medida. Já os outros três entrevistados disseram não terem sido encaminhados para
nenhum serviço e afirmaram que o contato com a rede socioassistencial foi rompido após o
137
término da medida. Converge com isso o fato, já mencionado, de que, até 2015, não havia a
medida, sendo isto instituído naquele ano. Da mesma forma, não havia, na rede
pontuais desenvolvidas em alguns serviços, como o caso citado de uma das adolescentes.
Sobre esse caso, inclusive, vale ressaltar a fala da mãe da adolescente (presente durante
a entrevista) que revela sua interpretação sobre o acompanhamento oferecido pelo CRAS no
pós-medida:
Entrevistadora: Aí, no caso, eles falaram pra você ir no CREAS47, ou, depois, o CREAS
Mãe de Ana: Ligou pra ir pra essa reunião, pra a pessoa ficar sendo assistida, como se
a pessoa precisasse!
Mãe de Ana: Entendeu? Pra voltar a ser gente, como se a pessoa fosse bicho!
Mãe de Ana: E voltar a ser gente. Pra eles dizer como a pessoa tem que agir na
Ana: É porque... o problema deles é porque eles acham que todo mundo tem que ser
igual a eles! Se uma pessoa – isso é a lógica de todo mundo –, se uma pessoa bater em
você, você num vai apanhar! Você num vai fazer assim [expõe a face, como que
oferecendo para que batam] e apanhar, você vai agredir também. Aí eles quer que a
47
Durante a entrevista, Ana informou que fora algum profissional de um CREAS que entrou em contato
convidando a participar de uma atividade no serviço. Entretanto, posteriormente à entrevista, foi verificado, no
PIA dessa adolescente, que o serviço de medidas socioeducativas realizou o encaminhamento a um CRAS, e não
a um CREAS.
138
gente apanhe e vá lá na delegacia depois dizer que apanhou. Mas não, isso não existe
medida pode funcionar como uma forma de controle do mesmo através de uma prática
centralidade na vida do adolescente, uma atividade desse tipo pode funcionar como uma
lugar pejorativo destinado a ele. Tal situação pode corroborar com estigmas e preconceitos
sobre o sujeito, bem como com discursos moralizadores por parte de profissionais envolvidos.
A depender de cada caso, é possível que seja suficiente a ação efetivamente articulada e
dinâmica da rede socioassistencial e intersetorial, para que sejam supridas as necessidades dos
Ações especificamente voltadas para o pós-medida podem ser adequadas, por outro
relacionadas ao ato infracional como, por exemplo, quando permanece sofrendo ameaças ou
No caso específico de Ana, é afirmado, em seu PIA, que o técnico que a acompanhou
durante a PSC sugeriu que ela participasse “de grupos com temáticas relacionadas à cidadania”,
o que, provavelmente, motivou o contato do CRAS com a adolescente. Apesar de não estar
139
claro, no documento, qual o conteúdo estruturante de grupos como esses ou qual seu propósito,
direitos 48. Por outro, pode seguir o viés controlador e coercitivo de pretender ensinar como se
isso não ocorreu, já que fora cumprida PSC e esta, no modo como vinha funcionando, não
Nesse caso, a atividade sugerida para o pós-medida estaria assumindo um papel que a própria
PSC, só responderam com segurança após a pesquisadora explicar em que consistia cada um
a atividade que realizaram, para que a pesquisadora pudesse tirar suas próprias conclusões e
com outros elementos característicos desse atendimento. Dois dos entrevistados demonstraram
48
Por exemplo, segundo o entendimento de Thomas Humphrey Marshall (1963), no qual os direitos de cidadania
englobam, ao menos, direitos civis, políticos e sociais e a garantia de acesso à jurisdição. Para esse autor, cidadania
diz respeito ao status partilhado entre os membros de uma comunidade que lhes garante igualdade no respeito a
seus direitos e obrigações.
140
não saber, ao certo, qual a real função da figura do socioeducador, atrelando seu papel,
PSC. Ademais, termos comumente relacionados ao Código Penal e à cultura menorista foram
utilizados pelos adolescentes, como o uso da expressão “pagar pena” (para descrever o modo
compreender o que seria aquilo. Ao menos, não o identificavam pelo nome ou pela sua
proposta, explicitada por escrito e oralmente, de ser um plano de atendimento construído a partir
de metas para a vida. O PIA passava a ser identificado apenas quando a pesquisadora comentava
adolescente sobre diversos temas, e citava alguns deles como exemplo. Cita-se, para ilustrar, a
eles fizeram uma entrevista, mas foi mais como se fosse um raio-x, sabe? Como se fosse
da equipe técnica (“uma pesquisa” para auxiliá-la em suas ações), do que, propriamente, à
serviço de seus interesses e de seus planos para o presente e o futuro. Resultado semelhante foi
encontrado em pesquisa (ainda não publicada) realizada em alguns municípios do Rio Grande
participantes de um grupo focal, também demonstraram não reconhecer o PIA como ferramenta
reconhecem a realização de um plano com metas para suas vidas como sendo o cerne do
informados sobre a que atendimento estavam sendo submetidos, qual era a proposta, quais eram
as etapas do processo e quais eram suas possibilidades, seja no contato com a Justiça (durante
pelo ato infracional, o caráter punitivo do processo, o qual deveria ser apenas um dos vieses
e a consequente não apropriação das pessoas sobre eles vêm sendo reproduzidos e reforçados
pela recorrente encriptação da linguagem no conteúdo das leis. Para os autores, a predominância
de uma linguagem tecno-legal em textos que dispõem sobre direitos da coletividade vem
proporcionando que apenas um seleto grupo de experts no assunto possam se apropriar do que
dispõem as leis, enquanto que o conteúdo se mantém indecifrável para todo aquele que não
compartilhe da linguagem específica da área. Desse modo, além de estas perderem seu
propósito político, acabam por servir como uma forma de reprodução do racismo, de
da população.
Nos casos relatados, entende-se que a não apropriação dos adolescentes sobre os seus
direitos pode advir, em parte, dessa encriptação na linguagem própria da Justiça e da política
socioeducativa. Porém, percebe-se que, aqui, esse processo é ainda mais danoso, pois vem
É provável que essa falta de apropriação sobre em que consiste o atendimento em que
medida. Os entrevistados foram perguntados sobre o que esperavam que a medida lhes
algo positivo para si – no caso, conseguir um emprego. Nos outros casos, considerava-se a
adolescentes deveriam se “livrar” o quanto antes, pois não poderiam extrair nada de positivo
daquela situação:
Na realidade, eu esperava que fosse até pior do que realmente foi. Eu esperava que eles
me colocassem pra trabalhar com algo relacionado a serviços gerais, limpeza... mas me
Eu esperava que quando eu terminasse eles ia mandar eu pra algum emprego, assim, e
tal... algum emprego, trabalhar, mas num mandou nada. (João, junho/2016)
Na verdade, eu não esperava nada. [...] eu num tive, sabe, num pensei em nada não. Só
O que eu pensava foi, eu já sabia desse serviço que acontecia, aí eu fiquei pensando,
porque a mulher ia querer que eu limpasse banheiro, pensei logo nisso. Aí, realmente, o
que eu pensei tava certo. [...] eu decidi pagar pra não ser presa, né. (Ana, agosto/2016)
ao trabalho realizado:
O mais importante é que eu aprendi a... eu mal, eu sabia mais ou menos mexer lá no
computador, aí eu aprendi várias coisas lá que me ensinaram, eu achei legal... deu pra
Ah, como eu disse, foi uma coisa nova, uma experiência, né. Porque nunca... foi um
projeto que eu nunca pensei em fazer um projeto de produzir vassouras, porque hoje em
143
dia se colocar pra mim fazer uma vassoura, eu sei fazer. É só ter os materiais e as
máquinas, eu sei fazer. [...] eu não vi pontos negativos, assim, sabe? Só positivos. [...]
terminei... quando chegava no dia – eu acho que era na quarta e na sexta – eu acordava
cedo pensando que eu tinha, sabe, o projeto. E foi isso, foi uma experiência, digamos,
aplicada injusta parece ter se sobreposto aos possíveis aspectos positivos que ela viesse a ter:
Foi uma experiência bem humilhante, assim... porque no PSC, as pessoas veem você...
não veem você como uma pessoa comum. Todo mundo ali sabe que você tá ali por um
motivo, todo mundo sabe que você tá ali porque fez algo errado. Aí, de certa forma, as
pessoas acabam se afastando mais de você. E isso é chato. [...] a equipe e todo esse
aparato não pode fazer nada em relação à pessoa querer repetir ato ou não. Foi uma
Eu achei horrível. Não gostei. Porque não foi justo eu ter pago essa pena por uma coisa
que eu nem fiz. [...] A atividade foi boa. Porque, por causa do diretor da escola né, que
eu fiquei lá. Que disse que eu ficasse com os papeis da secretaria. Pronto. Porque se
fosse pela mulher [a socioeducadora], eu tava era lavando banheiro, limpando o chão...
era isso. [...] pra mim, é como eu já disse, não adiantou de nada. [...] porque, pra mim,
eu fiquei do mesmo jeito! [...] Não teve... pra mim, não fez eu refletir em nada não.
Fiquei do mesmo jeito, só fiquei com raiva, mais raiva ainda, né? (Ana, agosto/2016)
si, mas, ao que parece, o exercício de prestar um serviço não teve o caráter reflexivo e formativo
que é previsto. O atendimento socioeducativo não proporcionou, pois, uma integração entre a
capacidade de tomar decisões fundamentadas, com critérios para avaliar situações relacionadas
não proporcionou uma discussão ou reflexão sobre a prática do ato infracional e que, pelo
contrário, para alguns, reforçou a sensação de humilhação ou raiva. Apenas Maria afirma que
a realização da PSC provocou reflexão sobre o acontecido, mas, como para José, isso parece
[A medida socioeducativa me fez pensar no sentido de que] Tudo que a gente for fazer,
lado muito negativo em relação, é... tinha camisa, sabe? Tinha que ir de calção e com a
camisa. Querendo ou não, eu tinha vergonha de chegar numa parada de ônibus e uma
pessoa chegasse assim “Maria tu faz o que? Isso é um curso?”, sabe? O que eu vi de
lado negativo foi isso, entendeu? Aí eu falava “É, é um curso”, mas eu falava, sabe, da
produção de vassouras e tal, eu só não... [dizia o porquê de estar indo]. [...] quando a
gente diz que a gente tá fazendo, tá participando de uma... eles já vê com outros olhos,
entendeu? Já vê como uma coisa grave, entendeu? De grau alto, assim, mesmo, sabe?
Nunca vê como uma coisa leve não, sempre vê com coisa, sabe, então... [...] Eu num
sentia, assim, à vontade de falar isso. Porque, hoje em dia, tem muitas pessoas mal-
informadas, né, e quando a gente fala isso, ela já pensa que você fez algo muito grave,
Sobre isso, todos os entrevistados afirmaram que omitiram a informação de que estavam
receio de sofrerem estigma. No geral, só suas famílias e pessoas com quem tinham relação mais
íntima souberam do fato. Três dos adolescentes disseram que passaram por situação de estigma
socioeducativo.
Eu acho que a única coisa importante que aconteceu foi eu ter saído do PSC. (José,
maio/2016)
Importante? Agora pegou! Importante... depois do... Ah, nada importante não... (João,
junho/2016)
adolescentes que por ele passem. Até porque, conforme já discutido, ele é apenas um dos
subsistemas que compõem o Sistema de Garantia de Direitos e, sendo regido pela incompletude
institucional, é incapaz de, sozinho, atender a todas as demandas que possam surgir na vida do
adolescente e de sua família. Com essa pergunta admite-se, justamente, que nesse processo, que
Por fim, um entendimento apresentado por três dos quatro entrevistados foi de que o
cumprimento de medida socioeducativa foi, de alguma maneira, injusta. Seguem alguns relatos:
146
Eu acho que... eu acho que eles exageraram. Eu acho que o que eu fiz num, num... foi
errado, mas acho que foi leve demais pra ser punido com uma medida socioeducativa.
confundiu, aí pensou que foi eu, aí pronto. Eu não fiz nada, mas mesmo assim eu tive
que cumprir, [por]que o que o Direito lá falar né, se num obedecer... [...] Foi, injusto!
(João, junho/2016)
Eu acho, sinceramente, que isso não educa ninguém. Porque, se você quer educar uma
pessoa, você vai tentar, é, mostrar o seu lado melhor pra a pessoa, você vai ser educado.
Eles são tudo ignorante, só fala gritando com a pessoa. Isso causa revolta! Aí a pessoa
chega e fala mais alto ainda. Aí eles diz logo que a pessoa é um bicho. [...] [Após
questionada se, em algum momento do processo, alguém havia lhe perguntado o que ela
achei justo, e eu disse que não. Que não foi justo o que aconteceu, porque isso não foi...
foi uma discussão só, que chegou a fazer isso, de a pessoa ter que pagar a pena. Porque,
por mim, se fosse pelo tempo, eu acho que era pra mim ter pago um mês. Mas eles
queria que passasse mais tempo pra ver se a pessoa aprendia, aí botou três meses, uma
vez na semana, durante quatro horas. [...] Eu não gostava não, dava raiva. (Ana,
agosto/2016)
José afirma que reconhece que cometeu algo errado, mas que achou a PSC humilhante
e, por isso, desnecessária, tendo sido mais adequada uma advertência, segundo sua percepção.
João alega que não cometeu ato infracional, mas que fora confundido com o real autor e que se
sentiu no dever de cumprir a medida socioeducativa, porque “se não obedecer”, algo pior
poderia acontecer. Já Ana admite que cometeu lesão corporal, mas relata ter se sentido
injustiçada, porque considera que sua versão sobre o fato ocorrido não foi ouvida. Ela afirma
147
que a parte classificada como vítima fizera o mesmo que ela, e que, inclusive, provocou-a, o
Independentemente e para além das diferentes versões dos fatos e do que possa ter
acontecido, os adolescentes afirmaram ter opiniões contrárias ao que fora decidido para eles e
sobre eles. Ao mesmo tempo, disseram não terem tido oportunidade de participação ativa em
Esse cenário resulta na não compreensão, por parte do adolescente, sobre com que
pressupostos na ideia da socioeducação (Secretaria Especial dos Direitos Humanos & Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2006, p. 46). Como afirma Ferraz (2013,
p.20), “é peculiar no jovem egresso, a sensação de que foi injustiçado, que recebeu uma pena e
Isso ficou evidente nos discursos de Ana e sua mãe, que, na entrevista e em conversas
informais, disseram ter sido destratadas por representante do Ministério Público com quem
contrataram o serviço de um advogado. Tanto Ana como seu irmão haviam sido acusados pelo
mesmo ato infracional, cometido na mesma ocasião. Na audiência de Ana, não fora contratado
serviço de advogado e ela e sua mãe sentiram que não foram ouvidas e que não tiveram direito
à voz. Já na de seu irmão, que ocorreu posteriormente, a mãe dos adolescentes decidiu buscar
seguir:
Ele [o promotor] falou comigo, aí disse “Você pode falar”, aí quando eu começava a
falar, ele mandava eu calar a boca. Aí eu fiquei com raiva, me estressei logo, aí eu disse
“Não mande eu calar a boca não”. E também, eles querem ser certo, mas pra dialogar
148
com a pessoa, eles não sabem dialogar. [...] A pessoa, a pessoa quando passa por isso é
muito humilhada, porque [...] quando eu tava na frente do promotor, ele disse que se eu
não pagasse... eu disse que eu não queria pagar, porque eu não achei justo pagar [...]. Aí
ele disse que, se eu não pagasse a pena, eu ia ser presa no CEDUC49 durante cinco meses
[...]. Foi, aí por isso eu decidi pagar, pra não ser presa, né. Aí foi por isso que eu paguei.
Mas se não fosse... se minha mãe tivesse levado advogado pra mim, eu não teria pagado.
Ela levou pra o meu irmão, aí meu irmão não pagou e eu paguei. (Ana, agosto/2016)
Mãe de Ana: Ele [representante do Ministério Público] pergunta e a gente não tem o
tempo de falar, ele não deixa. Aí quando foi com o advogado, aí ele foi e leu tudo
novamente, perguntou o que é que tinha acontecido, entendeu? Ou seja, tem que ter um
advogado na frente pra ele poder lhe ouvir. Aí eu olhei pra cara dele, menina, me deu
vontade de dizer que ele era bem santinho! [...] A justiça, na verdade, é injusta!
Ana: Me deu vontade até de fazer Direito, pra ser promotora também e pra ferrar ele,
Além disso, Ana e sua mãe relataram que, na audiência da adolescente, não havia
defensor público presente e que as duas não foram questionadas, em nenhum momento, se
seriam acompanhadas por advogado. Ou seja, no caso dessa adolescente, não impera apenas a
pautados na relação dialógica e participativa entre as partes para que, de fato, efetive-se um
processo que possa ser chamado “socioeducativo”. A Justiça Restaurativa se configura em uma
opção diante desse quadro. Ela consiste em um modo de fazer justiça que se diferencia do
49
CEDUC é a sigla referente a Centro Educacional, nome dado às unidades de cumprimento de medida
socioeducativa de internação no Rio Grande do Norte.
149
em um esforço comum de restaurar uma situação que sofreu interferência de um dano. Seu
que o resultado é imposto por instâncias (leis, juízes e júris) alheias ao conflito básico e em que
substancial. A Justiça Restaurativa, por outro lado, prioriza processos colaborativos e inclusivos
e, na medida do possível, desfechos que tenham sido alcançados por consenso, ao invés de
crime e que tem legítimo interesse no caso e na sua resolução. Parte-se do princípio de que
essas partes precisam receber informações umas sobre as outras e envolver-se na decisão do
que é necessário para que, de fato, se faça justiça em cada caso específico. Isso pode ocorrer,
por exemplo, na forma de diálogo direto entre as partes – como nos encontros entre vítima e
ofensor, em que estes partilham relatos e chegam a um consenso sobre o que pode ser feito –,
responsabilização:
que causou – e instá-lo a adotar medidas para corrigir tudo o que for possível. (Zehr,
2012, p. 27)
necessidades não só das vítimas, mas também dos próprios ofensores. Entende-se que, para que
configurava como um modo instituído de lidar com os conflitos gerados por atos infracionais
cometidos por adolescentes em Natal. Caso já o fosse, é possível que José, João, Ana e tantos
outros adolescentes pudessem ter tido espaço para expressão sobre os sentidos que o ato
infracional cometido teve para cada um e para as vítimas e sobre o que achavam dos rumos
tomados no processo socioeducativo. Neste caso, é possível, também, que tivessem finalizado
o cumprimento de medida socioeducativa com uma visão mais positiva da Justiça, e não com
o entendimento de que esta é uma instituição que funciona a partir da humilhação e da coação.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
meio aberto. Para tanto, buscou-se conhecer a realidade de adolescentes que já cumpriram
medidas socioeducativas e que, hoje, vivem os possíveis efeitos desse evento. Além disso, foi
cumprimento.
Pressupôs-se, como cerne dessa pesquisa, que a fala daqueles que vivem a prática de
prescrito como normas operacionais de um serviço ou do que se afirma sobre sua prática, os
reais produtos de um fazer ficam marcados, principalmente, nas vidas que dele se utilizaram.
Ao longo da construção desta pesquisa, encontrou-se uma política social que, na prática,
é incoerente com o próprio adjetivo que lhe caracteriza – “socioeducativa”. Além de estudos
violador de direitos, encontrou-se, nas falas dos próprios entrevistados, a constatação de que
esse sistema, de fato, não vem servindo aos propósitos que declara.
mantém-se garantida, funcionando, por vezes, como o único objetivo a ser preservado na
Nessa lógica de funcionamento, não é tão significativo que o SGD funcione de modo
precarizado, que o adolescente finalize o cumprimento de medida sem ser sequer informado
sobre os propósitos deste, que o tempo processual ultrapasse o previsto – desde que, no final
das contas, o adolescente tenha cumprido a carga horária da medida de responsabilização que
lhe fora determinada. Essa perspectiva desvirtua o sentido basilar da socioeducação e de seus
ferramenta de controle sobre a vida e os hábitos do sujeito e de sua família, que passam a ser
Saem, desse sistema, adolescentes que se sentem injustiçados, humilhados e que não
direitos. Aliás, grande parte dos adolescentes, na verdade, sequer sai. Permanecem no sistema
socioeducativo por muito mais tempo do que o previsto: por vezes, até que não se tenha mais
notícia; outras, até passar para o sistema penitenciário. Não podem contar com os recursos que,
em tese, contribuiriam para sua saída da trajetória infracional e que a política de atendimento
está previsto no funcionamento da rede de garantia de direitos, tendo em vista que programas,
projetos, serviços e benefícios devem se articular em prol da proteção social. Sendo assim, não
dessa demanda, já que deveria haver, para isso, a co-responsabilização da totalidade de suas
partes.
Entretanto, como encontrado neste estudo e nos outros citados, não é isso que tem
cessam com a responsabilização deste, entretanto, ao que parece, é só até aí que a atuação das
políticas sociais tem alcançado. A seletividade do sistema socioeducativo aplica-se não apenas
à seleção do público que será responsabilizado, mas ao que será feito ou não a esse público, o
que deve ser promovido (a punição) e o que pode ser negligenciado (seus direitos básicos).
Por isso, entende-se que serviços, programas ou projetos que se voltem a atender o
egresso podem ter uma importante função como paliativos, atuando, por exemplo, na proteção
interlocução e mobilização de outros componentes do SGD. Por outro lado, sabe-se que a
existência de um dispositivo com esse fim pode contribuir para que se institucionalize uma
processo socioeducativo?
Indo mais além, é importante frisar que o Estatuto da Criança e do Adolescente assenta-
adolescentes a rituais de condenação, baseados na punição (Araújo & Silva, 2015). Do mesmo
modo, o SINASE, ainda que priorize o paradigma restaurativo em um de seus princípios, admite
e reconhece perspectivas outras que não a prioritária – no caso, a retributiva. Sendo assim,
mesmo que o SGD e o SINASE funcionassem, efetivamente, de acordo com o que é prescrito,
eles seriam insuficientes para envolver, de fato, o sujeito com as diferentes repercussões do seu
ato (por exemplo, com as pessoas afetadas e os danos causados), já que isso não é possível no
paradigma retributivo.
participante ativo do processo, ele não poderá entender-se como agente responsável por seus
Entende-se que a realidade dos egressos do sistema socioeducativo, no que diz respeito
à precarização do acesso a direitos básicos, assemelha-se à situação em que vive grande parte
No período de conclusão deste estudo, o país vem passando por uma fase de
maior parte da população – principalmente, para os que mais sofrem as consequências negativas
da desigualdade social. Dentre outras medidas, a atual aprovação da chamada “PEC 55”, que
institui teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos, atesta irrefutavelmente a baixa
prioridade dada aos direitos sociais. Essa proposta consiste em um “retrocesso social” que terá
“impactos severos”, principalmente, para “os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis,
cenário, fica o desafio e a necessidade premente de não permitir que continuem sendo
50
Os termos reproduzidos entre aspas foram retirados de nota publicada pela Organização das Nações Unidas sobre
a PEC 55, em 9 de dezembro de 2016, como pode ser conferido no link: https://nacoesunidas.org/brasil-teto-de-
20-anos-para-o-gasto-publico-violara-direitos-humanos-alerta-relator-da-onu/
156
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APÊNDICES
Parte 1:
Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
Data de nascimento: __________________
Em que bairro reside?________________________
Escolaridade:
( ) Não alfabetizado
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Superior incompleto
Medida socioeducativa:
( ) Liberdade Assistida
( ) Prestação de Serviço à Comunidade
( ) Liberdade Assistido e Prestação de Serviço à Comunidade
- No caso de PSC: qual o serviço prestado?
- No caso de LA: de qual oficina participou?
167
Parte 2:
Educação formal
- Você está estudando atualmente?
- Se sim, em que ano/período se encontra? Escola pública ou privada?
- Se não, em que ano/período e quando parou de estudar? Pretende retornar à
escola/faculdade? Explique.
- Enquanto cumpria LA/PSC, você frequentava a escola? Se sim, em que ano estava?
- O que você pensa sobre ir à escola? O que a escola simboliza pra você?
Trabalho e profissionalização
- Durante o cumprimento de medida, você participou de algum curso de profissionalização ou
emprego? Qual?
- Você trabalha atualmente? Se sim, o que faz?
- Se não trabalha: gostaria de trabalhar? Em que?
- Se trabalha: o tipo de trabalho que você faz está relacionado à algum tipo de profissionalização
que você recebeu durante a LA/PSC? Se não, você tem interesse em trabalhar com algo
relacionado a algum tipo de profissionalização que recebeu durante a LA/PSC?
- Você contribui, por meio de sua atividade, para o sustento de seu núcleo familiar ou do grupo
com quem vive?
- Você considera que houve mudanças para você e sua família em relação ao acesso a esses
direitos comparando o período anterior à você cumprir LA/PSC e o momento posterior?
Comente.
Medida socioeducativa
- O que você achou da medida socioeducativa que cumpriu? Comente sobre sua experiência
cumprindo LA/PSC.
- Você considera que ter cumprido LA/PSC contribuiu para que acontecessem mudanças
positivas na sua vida e na da sua família? E mudanças negativas? Comentar.
- A medida socioeducativa te fez pensar sobre o ato infracional que te levou ao cumprimento
de LA/PSC? Comente.
- O que você esperava que a medida socioeducativa lhe proporcionasse? Isso aconteceu?
Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa: “Jovens egressos do sistema
socioeducativo em Natal: o que ficou do cumprimento de medida em meio aberto na perspectiva desses
sujeitos?”, que tem como pesquisadora responsável Allana de Carvalho Araújo.
Esta pesquisa pretende investigar quais as repercussões que o cumprimento de uma medida
socioeducativa em meio aberto teve na vida de quem a cumpriu, depois de a medida ter sido finalizada.
O que motiva este estudo é a constatação de que o sistema socioeducativo não tem funcionado como
deveria. Diante disso, surgiu a pergunta sobre que consequências o atendimento socioeducativo, da
forma como está acontecendo, tem gerado na vida daqueles que cumpriram medida socioeducativa.
Caso você decida participar, você fará parte de uma entrevista. Essa entrevista não terá
perguntas prontas, pra que pareça mais com uma conversa e você possa ficar mais à vontade sobre o
que deseja falar ou não. Mas, apesar de não haver perguntas, a pesquisadora responsável irá indicar
os temas que serão conversados. Esses temas serão referentes às ações principais que guiam o
atendimento socioeducativo, por exemplo, a convivência com a família e com a comunidade, o acesso
a profissionalização, à escola, à cultura e lazer. A intenção é entender como o cumprimento de medida
socioeducativa influenciou nesses pontos na sua vida. A entrevista durará cerca de quarenta minutos.
O que conversarmos será gravado em áudio, mas ninguém mais além da pesquisadora responsável
irá ter acesso. Haverá outro documento, além deste, pedindo autorização à você para a gravação de
voz. A entrevista será previamente marcada de acordo com a sua disponibilidade e irá acontecer em
local seguro e reservado, de modo que ninguém possa ouvir a conversa.
Além da entrevista, sua participação inclui que a pesquisadora possa ter acesso ao seu Plano
Individual de Atendimento (PIA), construído à época em que você cumpria medida socioeducativa. O
PIA é importante porque permitirá entender, objetivamente, que metas e compromissos guiavam o
atendimento socioeducativo de que você participou, ou seja, permite entender melhor como esse
atendimento funcionou. Essas informações serão complementares à entrevista. Você não estará
presente nessa etapa da pesquisa, mas, como há dados pessoais seus no PIA, é necessário que você
autorize o acesso. A pesquisadora terá acesso a esse documento na I Vara da Infância e da Juventude
de Natal, pois é lá que ele está arquivado.
Durante a realização da entrevista a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que você
corre é semelhante àquele sentido num exame físico ou psicológico de rotina. Mas, caso você se sinta
desconfortável ao ter que falar sobre algum assunto que seja abordado na entrevista ou pelas reflexões
que a conversa pode gerar, a entrevista será interrompida. Você poderá conversar com a pesquisadora
responsável, caso se sinta à vontade, e pode optar por desistir da entrevista. Caso haja necessidade e
as consequências não sejam contornáveis nesse momento, a pesquisadora poderá te encaminhar para
assistência psicológica gratuita que será prestada no Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA), na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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No caso do acesso da pesquisadora ao seu PIA, não há riscos físicos ou psicológicos diretos
à você, pois ocorrerá apenas uma análise da pesquisadora a documentos que lhe dizem respeito. A
pesquisadora garante que manterá sigilo sobre todo e qualquer dado pessoal presente nos
documentos.
Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da
pesquisa, sem nenhum prejuízo para você. Poderá, também, se recusar a falar sobre qualquer tema
que seja assunto da entrevista, caso julgue constrangedor. Não é previsto que você venha a ter
despesas ou danos em decorrência da sua participação, mas, se vierem a ocorrer, o valor gasto será
reembolsado pela pesquisadora ou você será indenizado pelo dano.
Os benefícios pessoais que essa pesquisa trará à você não serão diretos e imediatos ao
participar da pesquisa. Porém, a partir das reflexões geradas nas entrevistas, você ajudará a entender
melhor como o serviço que você frequentou está funcionando e como ele está repercutindo na vida de
quem passou por ele. Isso poderá ajudar a pensar como esse atendimento pode melhorar, beneficiando
outros adolescentes que, no futuro, vão cumprir medida socioeducativa como você cumpriu.
Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em
congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe
identificar. Eles serão guardados pela pesquisadora responsável por essa pesquisa em local seguro e
por um período de 5 anos.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a pesquisadora
responsável Allana de Carvalho Araújo. Caso haja dúvidas durante todo o período da pesquisa, elas
poderão ser esclarecidas perguntando diretamente à pesquisadora ou ligando para Allana de Carvalho
Araújo (84 99984-0375). Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê
de Ética em Pesquisa Do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (CEP/HUOL), telefone 3342-5003. Pode, também, entrar em contato via e-mail
cep_huol@yahoo.com.br, ou via endereço Av. Nilo Peçanha, 620, Petrópolis, CEP 59.012-300.
A utilização deste documento para realização da pesquisa atende à Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde, a qual aprova diretrizes e normas reguladoras para pesquisas
envolvendo seres humanos.
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_________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressão
datiloscópica do
participante
172
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Allana de Carvalho Araújo
Assinatura do pesquisador responsável
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Esclarecimentos
Estamos solicitando a você a autorização para que o adolescente pelo qual você é responsável
participe da pesquisa: “Jovens egressos do sistema socioeducativo em Natal: o que ficou do
cumprimento de medida em meio aberto na perspectiva desses sujeitos?”, que tem como pesquisador
responsável a mestranda Allana de Carvalho Araújo.
Esta pesquisa pretende investigar quais as repercussões que o cumprimento de uma medida
socioeducativa em meio aberto teve na vida de quem a cumpriu, depois de a medida ter sido finalizada.
O que motiva este estudo é a constatação de que o sistema socioeducativo não tem funcionado como
deveria. Diante disso, surgiu a pergunta sobre que consequências o atendimento socioeducativo, da
forma como está acontecendo, tem gerado na vida daqueles que cumpriram medida socioeducativa.
Caso você decida autorizar, o adolescente irá participar de uma entrevista. Essa entrevista não
terá perguntas prontas, pra que pareça mais com uma conversa e que o adolescente fique mais à
vontade. Mas, apesar de não haver perguntas, a pesquisadora responsável irá indicar os temas que
serão conversados. Esses temas serão referentes às ações principais que guiam o atendimento
socioeducativo, por exemplo, a convivência com a família e com a comunidade, o acesso a
profissionalização, à escola, à cultura e lazer. A intenção é entender como o cumprimento de medida
socioeducativa influenciou nesses pontos na vida do adolescente. A entrevista durará cerca de
quarenta minutos. Ela será gravada em áudio, mas ninguém mais além da pesquisadora irá ter acesso.
Haverá outro documento, além deste, pedindo autorização para a gravação de voz. A entrevista será
previamente marcada de acordo com a sua disponibilidade e a do adolescente e irá acontecer em local
seguro e reservado, de modo que ninguém possa ouvir o que for conversado.
Além da entrevista, sua autorização inclui que a pesquisadora possa ter acesso ao Plano
Individual de Atendimento (PIA) do adolescente, construído à época em que ele cumpria medida
socioeducativa. O PIA é importante porque permitirá entender, objetivamente, que metas e
compromissos guiavam o atendimento socioeducativo de que ele participou, ou seja, permite entender
melhor como esse atendimento funcionou. Essas informações serão complementares à entrevista. O
adolescente não estará presente nessa etapa da pesquisa, mas, como há dados pessoais no PIA, é
necessário que você autorize o acesso. A pesquisadora terá acesso a esse documento na I Vara da
Infância e da Juventude de Natal, pois é lá que ele está arquivado.
Durante a realização da entrevista a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que o
adolescente corre é semelhante àquele sentido num exame físico ou psicológico de rotina. Mas, caso
ele se sinta desconfortável ao ter que falar sobre algum assunto que seja abordado na entrevista ou
pelas reflexões que a conversa pode gerar, a entrevista será interrompida. Ele poderá conversar com
a pesquisadora responsável, caso se sinta à vontade, e pode optar por desistir da entrevista. Caso haja
necessidade e as consequências não sejam contornáveis nesse momento, a pesquisadora poderá
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encaminha-lo para assistência psicológica gratuita que será prestada no Serviço de Psicologia Aplicada
(SEPA), na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
No caso do acesso da pesquisadora ao PIA, não há riscos físicos ou psicológicos diretos ao
adolescente, pois ocorrerá apenas uma análise da pesquisadora a documentos que lhe dizem respeito.
A pesquisadora garante que manterá sigilo sobre todo e qualquer dado pessoal presente nos
documentos.
Você tem o direito de recusar sua autorização, em qualquer fase da pesquisa, sem nenhum
prejuízo para você e para o adolescente. Ele poderá, também, se recusar a falar sobre qualquer tema
que seja assunto da entrevista, caso julgue constrangedor. Não é previsto que vocês venham a ter
despesas ou danos em decorrência da participação, mas, se vierem a ocorrer, o valor gasto será
reembolsado pela pesquisadora ou o adolescente será indenizado pelo dano.
Os benefícios pessoais que essa pesquisa trará ao adolescente não serão diretos e imediatos
ao participar da pesquisa. Porém, a partir das reflexões geradas nas entrevistas, ele ajudará a entender
melhor como o serviço que você frequentou está funcionando e como ele está repercutindo na vida de
quem passou por ele. Isso poderá ajudar a pensar como esse atendimento pode melhorar, beneficiando
outros adolescentes que, no futuro, vão cumprir medida socioeducativa como ele cumpriu.
Os dados que o adolescente irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas
em congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa
identifica-lo. Eles serão guardados pela pesquisadora responsável por essa pesquisa em local seguro
e por um período de 5 anos.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a pesquisadora
responsável Allana de Carvalho Araújo. Caso haja dúvidas durante todo o período da pesquisa, elas
poderão ser esclarecidas perguntando diretamente à pesquisadora ou ligando para Allana de Carvalho
Araújo (84 99984-0375). Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê
de Ética em Pesquisa Do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (CEP/HUOL), telefone 3342-5003. Pode, também, entrar em contato via e-mail
cep_huol@yahoo.com.br, ou via endereço Av. Nilo Peçanha, 620, Petrópolis, CEP 59.012-300.
A utilização deste documento para realização da pesquisa atende à Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde, a qual aprova diretrizes e normas reguladoras para pesquisas
envolvendo seres humanos.
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Assinatura do representante legal Impressão
datiloscópica do
representante legal
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Allana de Carvalho Araújo
Assinatura do pesquisador responsável
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beneficiando outros adolescentes que, no futuro, vão cumprir medida socioeducativa como você
cumpriu.
Se você morar longe do local onde for feita a entrevista, nós daremos a seus pais dinheiro
suficiente para transporte, para também acompanhar a pesquisa.
Ninguém saberá que você está participando da pesquisa; não falaremos a outras pessoas, nem
daremos a estranhos as informações que você nos der. O seu nome não estará identificado em nenhum
lugar. Os resultados da pesquisa vão ser publicados para outros pesquisadores lerem e ajudarem a
pensar em outras maneiras de o atendimento socioeducativo funcionar. Os resultados vão ser
apresentados, também, nos lugares em que o atendimento socioeducativo é feito, para que os
profissionais também possam pensar nisso. Espera-se que essa pesquisa leve a uma reflexão e, quem
sabe, a um aprimoramento de como o sistema socioeducativo tem acontecido.
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Assinatura do adolescente Allana de Carvalho Araújo
Assinatura do pesquisador
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Assinatura do participante da pesquisa
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Allana de Carvalho Araújo
Assinatura e carimbo do pesquisador responsável