Você está na página 1de 225

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes


Programa de Pós-Graduação em Psicologia

MEDICALIZAÇÃO DA INFANCIA E POLITICAS SOCIAIS:


PROCESSOS DE SUBMISSÃO E RESISTENCIA NA PRODUÇÃO DA ECONOMIA DA
DIFERENÇA.

Renata Monteiro Garcia

NATAL
2018
Renata Monteiro Garcia

MEDICALIZAÇÃO DA INFANCIA E POLITICAS SOCIAIS:


PROCESSOS DE SUBMISSÃO E RESISTENCIA NA PRODUÇÃO DA ECONOMIA DA
DIFERENÇA.

Tese elaborada sob a orientação da Professora


Doutora Ilana Lemos de Paiva e co-orientação da
Professora Doutora Maria de Fátima Pereira Alberto e
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito parcial para a obtenção do título
de Doutora em Psicologia.

Natal
2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
- CCHLA

Garcia, Renata Monteiro.


Medicalização da infância e políticas sociais: processos de submissão e
resistência na produção da economia da diferença / Renata Monteiro
Garcia. - 2018.
225f.: il.

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.


Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em
Psicologia. Natal, RN, 2018.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilana Lemos de Paiva.

1. Deficiência mental em crianças. 2. Patologização. 3. Prestação


Continuada (psicologia). 4. Diagnóstico. 5. Desigualdade social. I.
Paiva, Ilana Lemos de. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.973-053.2


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A tese “Medicalização da Infância e Políticas Sociais: Processos de Submissão e Resistência

na Produção da Economia da Diferença”, elaborada por Renata Monteiro Garcia, foi

considerada APROVADA por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo

Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de

DOUTORA EM PSICOLOGIA.

Natal/RN, 09 de abril de 2018.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Ilana Lemos de Paiva (Presidente) _______________________________

Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos (Interno) _______________________________

Profª. Dr. Jader Ferreira Leite (Interno) _______________________________

Profª. Drª. Ana Vladia Holanda Cruz (Externo) _______________________________

Profª. Drª. Carla Biancha Angelucci (Externo) _______________________________


Aos meus avós
Ruth, Ivone, Jayme e Helio
(In Memoriam)
Agradecimentos

Esta foi a última parte da tese a ser escrita e, apesar de não se tratar de um conteúdo

teórico, sua importância no corpo deste trabalho me parece muitíssimo relevante. Caindo em

lugar comum, mas exatamente por se tratar da verdade, uma tese não se concretiza na solidão.

Ela é atravessada pela alteridade, por uma série de encontros com tantos outros que me

possibilitaram chegar até aqui.

Minha primeira reverência é a Deus, eu o encontrei revolucionário e amoroso, me

carregando com pegadas na areia e agradeço por sua tão visível força em minha vida.

Ao Junior, que sendo eu intensidade, se faz porto que me acolhe, acalma e fermenta

um amor sagrado. O companheiro que escolhi para toda a vida, com quem aprendo sobre

generosidade, amizade, sorrisos, resistência e força. Às vezes eu desejo a certeza pacata e ele

me oferece um mundo de infinitos, coragem e atrevimento. Ele resolveu todos os problemas

que apareceram pelo caminho para que eu chegasse sã e salva até aqui. Estamos lado a lado,

na mesma trincheira há 20 anos, escutando Belchior todas as manhãs, fazendo piada da vida,

planos para a revolução e tomando cafés demorados cercados do amor que construímos para

nós. Sim meu amor, “a felicidade é uma arma quente”.

Às minhas filhas Carol e Fefê, que desde tão cedo conhecem os caminhos da

universidade e acompanham nosso cotidiano de responsabilidades acadêmicas. Moças que já

sabem que resumo não tem parágrafo e que todo trabalho tem referência. Vocês são presença,

amor e ternura, sempre nos indagando, se indignando e subvertendo. Minhas mulheres mais

amigas, lindas companheiras “leoas” que me fazem mover e ser intensa nesta vida. “Quantas

páginas ainda faltam?”. Por hoje estas bastam. Gratidão por sua compreensão quando precisei

me ausentar e por sermos espelho quando precisei continuar.

À minha orientadora Ilana, que generosamente me aceitou como sua orientanda.

Durante estes anos acalmou minhas ansiedades e nervosismos e respeitosamente me deu a


liberdade para dialogarmos, nos compreendermos e nos encontrarmos. Sua consideração ao

meu trabalho e a confiança que depositou em mim foram grandes, como ela própria é.

Aprendi muito nesses anos e espero que nossa parceria siga firme para a vida.

À minha co-orientadora Fátima, por tantos ensinamentos, teóricos e de amor. À

acolhida no Nupedia, às orientações tão cuidadosas e essenciais para os caminhos desta tese,

aos vinhos e cafés, artigos e trabalhos e a amizade para uma vida inteira. Sou toda gratidão.

À minha eterna professora Lilia Lobo, que é referência fundamental deste trabalho e

da minha vida. Sempre de portas abertas e telefone pronto, nossas longas conversas foram

potência e acontecimento. Orgulho e atrevimento ter você tão perto!

Aos professores que gentilmente aceitaram o convite para colaborar com este trabalho

em diferentes momentos de sua feitura. À Cândida Dantas e Ana Vládia pela leitura cuidadosa

na qualificação e que tanto acrescentaram às reflexões do trabalho e à Isabel Fernandes pelas

considerações na orientação coletiva da Base, pelo cuidado comigo e por sua esperança no

meu trabalho. Finalmente, à Biancha Angelucci, Jáder Leite, Ana Vládia(!) e Herculano

Campos que aceitaram o desafio de compor a banca final. Cada um de vocês tem uma

participação especial na minha vida e uma contribuição singular neste trabalho.

Aos meus pais Tânia e Helio, minha inspiração e liberdade. Este trabalho foi possível

graças a sua fé em mim e todo apoio e amor incondicional que me proporcionaram. Nas

vindas até aqui ou em nossas idas até aí, dois mil quilômetros não foram páreo para todo o

amor e suporte que me deram. Nos momentos mais difíceis vocês estavam comigo.

Aos meus irmãos Simone, Rodrigo, André e Alessandra, gratidão pelo amor, pelas

acolhidas, pela ajuda imprescindível no cuidado com as crianças durante todos esses anos e

por torcerem tanto por mim. Vocês foram fundamentais, temos tanto a comemorar!
Neste abraço apalavrado de agradecimento enlaço João e sua preocupação comigo e

com as páginas de um trabalho que lhe pareciam uma imensidão. Seus olhos de atenção me

inspiraram. A você e Júlia cantadores de uma rima tão única, “tia”, todo meu carinho.

Ao GPME, especialmente ao professor Oswaldo, que generosa e respeitosamente nos

acolhe e cuida em manter a criticidade em nossos corações e trabalhos com tanta competência

e lucidez. Foi um privilégio, certamente. Assim, agradeço também nos nomes de Ludmila,

Keyla, Pablo, Fellipe, Bel, Luana, Joyce, Dani, Fernandinha e Carmen. Fui abraçada, recebida

com todo carinho, incluída nos trabalhos e nas comemorações, compartilhei da vida e da

amizade de pessoas maravilhosas. Agradeço pela paciência e tantos ensinamentos, foram

muitos, podem acreditar.

Às moças de ouro do Nupedia: Tâmara, Leilane, Denise, Manu, Cibele, Erlayne,

Gabriela e Noêmia, pela acolhida sempre pronta, as risadas, as leituras, as manhãs de estudo e

de afeto, as viagens para Natal e por terem sido meu grupo de doutorado em João Pessoa

durante estes anos. Cada uma das mulheres deste grupo foi um pedaço de mim neste

caminhar.

Ao Lapsus e cada um de seus membros que faz nosso trabalho acontecer de forma tão

coletiva e brava! Sou grata pelos encontros acadêmicos que me proporcionaram continuar

estudando e produzindo para além da tese. Com vocês aprendo a cada dia mais sobre estar

atenta e forte. Nós somos máquina de guerra e especialistas em Karaokê. Obrigada por serem

casa e abrigo!

Ao Gepedusc, especialmente meus colegas Ivonaldo e Gilmar que mantêm vivos

projetos de que me orgulho tanto e multiplicam nossas redes de amizade e parceria. Neste

período de afastamento me levaram junto em tantas atividades que agregaram muito em meu

caminhar.
À Taty que me inspira e ensina tanto. Nessa trajetória de doutorado compartilhamos

angústias e aflições, mas também rimos, brindamos e superamos. Ela me viu com olhos de

admiração e eu colhi forças para continuar. Sororidade em ato, afeto e política. Obrigada,

querida!

À Mariana, minha amiga antes que eu mesma pudesse imaginar. Todo carinho,

solidariedade, alegria, doçura e parceria sustentados em lindos encontros, risadas e meninas

que estão crescendo juntas. Nosso calendário de festas ampliando e um amor em espiral

infinito trançando nossas famílias. Grata desde as visitas que descansavam meu coração até a

ajuda com o abstract.

A Beto e Lia que num encontro ao acaso me inquietaram sobre o amadurecer no

doutorado e mobilizaram um turbilhão em mim. Eu entendi o que vocês disseram muito

tempo depois e, agora, em meio a uma dívida imensa de cafés que nos prometemos sempre,

temos mais um laço para tricotar.

À Ludmila que foi amiga solidária nesse trilhar da escrita. Sua força e perseverança

nas horas a fio debruçadas sobre sua tese no apartamento ao lado serviram de exemplo e

inspiração. Foram três teses em um só andar do Edifício Panorama, em que a solidariedade

com o trabalho, as crianças, as plantas e até as referências bibliográficas fermentaram nossa

amizade.

À Nara, por sua fortaleza e sensibilidade, que tem o sorriso mais lindo que eu conheço

e por nos faz crer que outro mundo é possível. Obrigada por compartilharmos as dúvidas, as

angústias, as certezas e as esperanças. A melhor sócia que eu poderia ter nessa vida.

À Rebecka que é amiga-coordenadora-musa e tão librianamente presente e necessária

em nossas vidas. Certamente a astrologia não está preparada para uma sinastria como a nossa,

de uma amizade cheia de afeto e sincronias, energias combinantes e reconfortantes. Grata por
sua torcida, suas acolhidas, nossas comemorações infinitas e por dividir e multiplicar tanto

amor.

Aos queridos Isadora, Igor e Gustavo por sua doce presença, momentos de partilha,

risadas, música, poesia e suavidade. Nossos encontros sempre permeados pelas melhores

energias foram combustível para seguir mais leve.

Aos ex-alunos e sempre amigos Adriana, Aline e Joanderson que não mediram

esforços para me ouvir, receber, acompanhar e fazer a pesquisa de campo acontecer.

Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN, seu corpo docente composto

por pessoas inspiradoras e também a Cilene, Lizianne e Bruno, sempre atenciosos e

cuidadosos com as demandas na Secretaria. Tenho muito orgulho de ser aluna deste

Programa.

À Universidade Federal da Paraíba, especialmente ao Departamento de Educação, por

aprovar meu afastamento para capacitação, apostando na qualificação docente como

ferramenta essencial para a Educação Pública e de Qualidade.

Finalmente, às mulheres que aceitaram gentilmente participar desta pesquisa, abrindo

suas casas, falando de suas vidas e confiando em mim.


“Ver aquilo que temos diante do nariz
requer uma luta constante” (George Orwell)
SUMÁRIO

Lista de Siglas ....................................................................................................................... xiv


Lista de Figuras ...................................................................................................................... xv
Lista de Tabelas ..................................................................................................................... xvi
Resumo ................................................................................................................................. xvii
Abstract ................................................................................................................................ xviii
Resumè ................................................................................................................................... xix
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 20
1. A medicalização da vida e a normatização da infância.................................................. 35
1.1. Medicalização: um panorama conceitual................................................................... 35
1.2. Normatização da Infância ......................................................................................... 48
1.3. Medicalização e Infância Anormal: o que há de novo? ............................................ 61
1.4. Deficiência Mental: um acontecimento em análise .................................................. 81
2. Políticas de assistência à infância: um desenho sobre o encontro entre Educação,
Saúde e Assistência Social .............................................................................................. 94
2.1 Os caminhos da Escola ............................................................................................ 101
2.2 A medicalização nos circuitos da Saúde................................................................... 108
2.3Os acessos à Política de Assistência Social .............................................................. 111
3. A cidade, a desigualdade e as pessoas ........................................................................... 128
3.1 Porque gente é feita de histórias .............................................................................. 142
3.2 A Escola que se frequenta sem coragem ................................................................. 147
3.3 Mas se Deus resolve os problemas, para que serve a Assistência Social? .............. 155
3.4 A Funad ou mais um tijolo no muro ........................................................................ 167
3.5 No meio do caminho das políticas tinha uma pedra ................................................ 173
3.6 O BPC para além do papel ..................................................................................... 180
3.7 Ainda precisamos falar sobre a Economia da Diferença ......................................... 184
Considerações Finais ........................................................................................................... 189
Referências ........................................................................................................................... 193
Apêndices ............................................................................................................................. 208
Anexos .................................................................................................................................. 215
xiv

Lista de Siglas

AEE Atendimento Educacional Especializado


APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
BPC Benefício de Prestação Continuada
CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados
com a Saúde
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CTRT Companhia Têxtil de Rio Tinto
DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA Educação de Jovens e Adultos
FUNAD Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
LDB Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
LOAS Lei Orgânica de Assistência Social
PBF Programa Bolsa Família
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
TDAH Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
UFPB Universidade Federal da Paraíba
xv

Lista de Figuras

Figura 1. Diagnósticos e Matrículas Especiais (2010-2013) ................................................ 22

Figura 2. BPC Escola (2010-2012) ....................................................................................... 25

Figura 3. Publicações com a palavra chave medicalization (1978-2015)...............................75

Figura 4. Publicações com a palavra chave medicalization (1996-2015) ..............................77

Figura 5. Distribuição do BPC para pessoa com deficiência por faixa etária .......................120

Figura 6. Foto da praça principal e Igreja Matriz ................................................................. 127

Figura 7. Foto da entrada principal da Funad ....................................................................... 166

Figura 8. Organograma dos Setores da Funad ...................................................................... 168


xvi

Lista de Tabelas

Tabela 1. Benefícios concedidos por espécie segundo as grandes regiões ........................... 121

Tabela 2. Diagnóstico de Retardo Mental e BPC ................................................................. 122

Tabela 3. Renda das famílias entrevistadas .......................................................................... 144

Tabela 4. Organização das famílias entrevistadas ................................................................ 144

Tabela 5. Nível de Escolaridade entre adultos das famílias entrevistadas............................. 145

Tabela 6. Relação entre ano e total de matrículas regulares nas escolas da rede pública ..... 146

Tabela 7. Relação entre ano e total de matrículas especiais nas escolas da rede pública .... 147

Tabela 8. Quadro Descritivo sobre a Inclusão Escolar dos participantes da pesquisa ........ 150

Tabela 9. Relação entre Participantes e remédios utilizados ................................................ 177


xvii

RESUMO

A medicalização é uma problemática social que se atualiza em diversos aspectos da vida


cotidiana. Uma de suas vertentes mais visíveis é a incidência sobre a população infantil,
principalmente no que diz respeito ao controle de comportamentos e sua patologização. Um
levantamento preliminar realizado pela autora e que motivou a realização deste estudo,
identificou uma elevação de 100% na taxa de crianças diagnosticadas com deficiência mental,
matriculadas nas escolas públicas em um município do interior da Paraíba, no período de
2010 a 2014. Concomitantemente a isto, na mesma localidade, verificou-se também o
crescimento de 400% no acesso ao Benefício de Prestação Continuada para pessoas de 4 a 17
anos. Assim, a tese objetivou analisar as relações existentes entre o fenômeno da
multiplicação de diagnósticos de deficiência mental em crianças, a patologização da infância e
o acesso às políticas sociais naquela realidade. Para tanto, apoiou-se no materialismo-dialético
como fundamento teórico para analisar os processos históricos e políticos que possibilitaram a
emergência e desenvolvimento da problemática de pesquisa. Como percurso metodológico,
utilizou-se a pesquisa documental e a pesquisa de campo. Na primeira etapa, analisou-se
legislações e relatórios oficiais sobre a realidade local e a estrutura das políticas sociais nos
campos da saúde, educação e assistência social. Na segunda fase, realizou-se cinco entrevistas
semi-estruturadas com as responsáveis de crianças diagnosticadas com deficiência mental,
residentes no município estudado. Além disso, realizou-se um total de nove visitas a
instituições que atendem a população no campo das políticas estudadas, cujas observações
foram registradas em um diário de campo. Todo o material coletado foi categorizado e
confrontado com o substrato teórico, de forma a subsidiar as discussões e conclusões desta
tese. Concluiu-se que as complexas relações entre os diagnósticos de deficiência mental, a
patologização da infância e as políticas sociais movimentam uma rede de valores financeiros
e políticos que passamos a denominar como Economia da Diferença. Constatou-se, ainda, a
importância do Benefício de Prestação Continuada para a sobrevivência de muitas famílias e,
ao mesmo tempo, a necessidade de reflexões críticas sobre as políticas e suas implicações
com a manutenção de um modelo de desigualdade social e da ordem social vigente.

Palavras-chave: Patologização; Diagnóstico; Deficiência; Desigualdade Social; Benefício de


Prestação Continuada.
xviii

ABSTRACT

Medicalization is a social issue impacting different aspects of daily life. One of its most
noticeable dimensions is the prevalence among children, especially regarding behavior control
and its pathologization. Preliminary data collection conducted by the author, which motivated
the present study, identified an increase of 100% in the number of children enrolled at public
schools in a municipality in the interior of Paraíba who were diagnosed as mentally ill
between 2010 and 2014. Moreover, an increase of 400% in the access to the Continued Cash
Benefit Program for people between the ages of 4 and 17 was verified. This thesis aimed at
analyzing the relationship between the phenomenon of rapid increase in the number of
children diagnosed as mentally ill, the pathologization of children and the access to social
policies in this context. The study is based on dialectical materialism so as to analyze the
historical and political processes which fostered the emergence and development of these
issues. The methodology included document and field research. In the first stage, current
legislation and official reports on the local reality and the structure of social policies in the
fields of health, education and social welfare were analyzed. In the second stage, five semi-
structured interviews were conducted with the parents or guardians of the children diagnosed
with mental disability living in the municipality focused on in this study. A total of nine visits
to institutions which assist the population regarding the policies considered in this study were
carried out and the observations recorded in a field diary. The collected material was
categorized and analyzed considering the theoretical framework in order tounder pin the
discussions and conclusions of this doctoral thesis. Conclusions indicate that the complex
relationships between the diagnoses of mental disability, the pathologization of children and
social policies are shaped within a network of financial and political values which we named
as Difference Economy. The importance of the Continued Cash Benefit Program to the
survival of many families was also verified, as well as the need for critical reflections on the
policies and their implications in keeping a socially unequal model and the current social
order.

Keywords: Pathologization; Diagnosis; Disability; Social Inequality; Continued Cash Benefit


Program.
xix

RÉSUMÉ

La médicalisation est une problématique sociale qui touche différentes sphères de la vie
quotidienne. L’une de ses facettes les plus visibles est son incidence sur la population
infantile, en particulier en ce qui concerne le contrôle des comportements et leur
pathologisation. À l’origine de ce travail figure une étude préliminaire de l’auteure constatant,
pendant la période 2010-2014, une majoration de 100% du taux d’enfants diagnostiqués
comme présentant des déficiences mentales parmi les enfants inscrits dans les écoles
publiques d’une ville de l’intérieur de l’État de Paraíba. Une augmentation de 400% de
l’accès au Bénéfice de Prestation Continue pour les personnes de 4 à 17 ans est enregistrée
pour la même ville et dans le même temps. C’est pourquoi cette thèse a eu pour objectif
d’analyser les relations existantes entre le phénomène de la multiplication des diagnostiques
de déficience mentale chez les enfants, la pathologisation de l’enfance et l’accès aux
politiques sociales dans cette réalité. Pour ce faire, nous nous sommes appuyée sur le
matérialisme dialectique comme fondement théorique pour l’analyse des processus
historiques et politiques qui ont permis l’émergence et le développement de la problématique
de la recherche. Sur le plan méthodologique, nous avons eu recours à la recherche
documentaire et au travail de terrain. Dans un premier temps, nous avons analysé la
législation et les rapports officiels sur la réalité locale et la structure des politiques sociales
dans les domaines de la santé, de l’éducation et de l’assistance sociale. Dans un second temps,
nous avons réalisé cinq entretiens semi-structurés avec les responsables des enfants résidant
dans la ville étudiée et diagnostiqués comme présentant des déficiences mentales. Par ailleurs,
nous avons effectué un total de neuf visites dans les institutions qui reçoivent la population
dans le domaine des politiques étudiées ; leurs observations ont été inscrites dans un carnet de
terrain. L’ensemble des données recueillies ont été catégorisées et mises en perspective avec
la théorie, de façon à alimenter les discussions et conclusions de cette thèse. Les conclusions
montrent comment les complexes relations entre les diagnostiques de déficience mentale, la
pathologisation de l’enfance et les politiques sociales orientent un réseau de valeurs
financières et politiques que nous désignons comme « Économie de la Différence ». Sont
constatées également l’importance du Bénéfice de Prestation Continue pour la survie de
nombreuses familles, ainsi que l’importance de mener en parallèle une réflexion critique sur
les politiques et leurs conséquences sur le maintien d’un modèle d’inégalité sociale et de
l’ordre social en vigueur.

Mots-clefs: Pathologisation, Diagnostique, Inégalité Sociale, Bénéfice de Prestation Continue.


20

Introdução

O problema de pesquisa que será apresentado neste trabalho surgiu de minha prática

docente, na atividade de pesquisa com estudantes de graduação em Pedagogia em um campus

da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na região do litoral norte deste estado. A

investigação desenvolvida naquela ocasião buscava compreender a realidade da educação

inclusiva no município em que se situa a universidade, por meio de entrevistas com

professoras das escolas públicas.

O trabalho levado adiante com os alunos de graduação deu destaque às falas daquelas

professoras e demonstrou as dificuldades de lidar com as práticas inclusivas nas escolas de

ensino fundamental. As profissionais seguiam tentativas isoladas de cumprir o que os

documentos oficiais apregoam como necessário para uma educação de qualidade, enquanto a

instituição e o poder público moviam poucos esforços para a efetivação de mudanças.

Entretanto, um dado que não seria tão relevante naquele projeto, mas que nos chegou

em função da temática desenvolvida, tornou-se instigante para minhas reflexões: o aumento

de matrículas nas escolas públicas de crianças cujos laudos apontavam como resultado

diagnóstico a “deficiência mental”1.

Assim, tomada por minha trajetória acadêmica, reconhecer naqueles números algo que

não pode ser naturalizado, remontou aos estudos que me dedico desde a graduação a respeito

da história social da infância. Localizo o momento em que ao ser aceita pela professora Lilia

Lobo em seu grupo “Devir criança”, me tornei pesquisadora, ainda no terceiro período da

faculdade de Psicologia da Universidade Federal Fluminense. O mestrado, que seguiu os

contornos da temática, tentando compreender os discursos sobre a assistência à infância no


1
O termo Deficiência Mental é amplamente utilizado na realidade estudada, entretanto, a terminologia
atualizada e correta é Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais. Neste sentido, o uso de aspas tornou-se
necessário para o entendimento de que referimo-nos a uma categoria histórica e analítica. Trataremos desta
mudança de perspectiva que constitui a nova acepção do termo no ítem 1.4.
21

Brasil no início do século XX, somou ferramentas teóricas para esta trajetória, que ao longo

dos anos foi incrementada com minha prática profissional e exercício docente.

Portanto, perceber no aumento de “matrículas especiais”2 uma problemática social que

mereceria investigação mais cuidadosa, teve direta relação com o entendimento de que a

escola é uma instituição histórica, inserida em contextos sociais, culturais e políticos, cujas

produções não podem ser entendidas fora da relação com estes contextos. As práticas

relacionadas à educação inclusiva dentro da escola se inserem nesta compreensão e por

precisarem ser nomeadas e legitimadas em função da dificuldade de lidarmos com a diferença

_ na escola e fora dela_ ocupam lugar de destaque nos debates daqueles que trabalham com

uma Psicologia crítica. Afinal, o que estes números poderiam revelar sobre aquela realidade?

Buscando informações mais específicas, acessamos os números das “matrículas

especiais” no município de Mamanguape e, mais particularmente, a distribuição destes

números de acordo com o diagnóstico de cada criança matriculada. Tais dados não foram o

foco do trabalho de iniciação científica, mas conduziram a um movimento de questionamento

e inquietação que possibilitaram a elaboração de um projeto de pesquisa para o doutorado.

O crescimento dos laudos cujo resultado diagnóstico era de “deficiência mental” se

apresentava muito distinto de outras deficiências descritas naquele levantamento. Ainda que

outros quadros nosológicos apresentassem diferenças significativas em números absolutos, a

“deficiência mental” mostrou alterações que se mostravam gritantes. Tal explicação pode ser

mais bem visualizada na figura abaixo:

2
Termo utilizado nos documentos acessados junto à Secretaria de Educação do município e que por não se tratar
da forma adequada e em conformidade com as políticas atuais será usado sempre com aspas em nosso texto.
22

Matrículas Especiais nas Escolas do Município

160
140
120
100
80
60
40
20
0
Sind. Def. Def. Autism Trans.D
Def. Baixa Cegueir
Def.Me Asperge Surdez Auditiv múltipl o esintegr
Física visão a
ntal r a a infantil ativo
2010 73 1 8 0 3 3 4 0 1 0
2011 100 2 7 0 4 4 5 2 3 0
2012 126 5 12 3 3 8 14 3 7 2
2013 140 4 5 2 2 5 11 5 4 0

2010 2011 2012 2013

Figura 1. Diagnósticos e Matrículas Especiais (2010-2013)


Nota: Relação entre matrículas especiais nas escolas públicas de Mamanguape de acordo com o diagnóstico, no período entre
2010 a 2013.

A disparidade apresentada pelos números ecoava como uma problemática. A produção

de infâncias desiguais, estudada desde o tempo da graduação, permitia estranhar um quadro

nosológico com tamanho crescimento. Foi possível que este estranhamento viesse permeado

com reflexões teóricas acerca das condições histórico-materiais do contexto social, da

patologização e medicalização da infância e das políticas de assistência à infância como

prováveis norteadores da compreensão do problema e como pautas imprescindíveis a serem

exploradas nesta pesquisa.

A inserção neste campo acontece enquanto ocupo o lugar de docente da universidade,

e certamente este foi um lugar privilegiado e que facilitou a inserção em lugares e com as

pessoas a quem recorri em busca do aprofundamento da compreensão do problema e,

posteriormente, na pesquisa de campo propriamente dita. Entretanto, minha vivência naquele


23

município, até o desenvolvimento desta pesquisa, era de estrangeira, que ia e vinha nos

horários de trabalho e que pouco circulava no cotidiano da cidade. O trajeto que leva à

universidade faz circular no centro e nos principais comércios, às vezes trajetos diferentes nos

levam a ruas com casas, janelas grudadas à calçada e gente circulando. Mas suas vias nem

sempre bem calçadas e poucos atrativos para o olhar forasteiro, não eram tão convidativos

para o pausar no encontro de sua gente e de sua história.

Portanto, foi nos números que busquei mais familiaridade com aquela realidade: a

cidade se desvelou em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]

(2010): com cerca de 42 mil habitantes sua economia gira em torno do cultivo e

beneficiamento da cana-de-açúcar, agricultura, comércio local e funcionalismo público.

Entretanto, o indicador mais chamativo é de que 39,4% de seus habitantes estão abaixo da

linha da pobreza (Instituto de Desenvolvimento Estadual e Municipal da Paraíba

[IDEME/PB], 2016). Há neste parágrafo duas informações complementares: a cana-de-açúcar

e a pobreza. O cultivo e beneficiamento desta espécie vegetal estão ligados à exploração de

trabalhadores pouco qualificados e à concentração de terras e lucros em poucas

famílias/empresas. Retrato escancarado do sistema capitalista, a dinâmica do cultivo de cana

em nosso país é histórica e, ainda que não seja o único fator determinante para a desigualdade

social, é fator constituinte de uma realidade com tanta disparidade, como veremos com mais

detalhes ao longo deste trabalho.

Como era nítido o crescimento de crianças diagnosticadas com “deficiência mental”

matriculadas na rede escolar do município, importante aposta a seguir foi compreender a

origem destes laudos e que caminhos a partir de sua obtenção seriam possíveis para estas

crianças e suas famílias.

Os números precisavam de uma narrativa mais próxima da realidade e, ainda no

estágio de elaboração do projeto a ser apresentado no doutorado, foi possível uma reunião
24

com profissional que desempenhava atividades oficiais na Secretaria de Educação do

município3. Neste encontro, graças à disponibilidade da profissional e ao acesso a uma

amostra de cerca de 30 laudos encaminhados às escolas4, constatou-se o seguinte: os

documentos eram elaborados pela Fundação Estadual Centro Integrado de Apoio ao Portador

de Deficiência (FUNAD/PB), seguindo um modelo institucional que delimita um mínimo de

informações sobre o diagnóstico, resumindo-se ao nome da criança, data de nascimento, o

esclarecimento de que foi submetida a uma avaliação interdisciplinar e o diagnóstico seguido

do código na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados

com a Saúde (CID 10). Todos os laudos acessados, naquela ocasião, apontavam Deficiência

Mental, variando entre leve, moderada ou grave.

Os encaminhamentos e laudos, além de circularem no âmbito da escola e dos setores

de atendimento da FUNAD/PB (que além de diagnosticar, são responsáveis pelas indicações

terapêuticas), possibilitam que os responsáveis pelas crianças busquem acesso ao benefício de

prestação continuada, previsto na Lei Orgânica de Assistência Social (BPC/LOAS).

Portanto, outra importante comparação refere-se ao crescimento significativo do

número de BPC/LOAS concedidos a pessoas com deficiência na faixa etária entre 4 e 17

anos, matriculadas no período de 2010 a 2012 naquele município.

3
Sua função e cargo não serão descritos para preservar sua identidade.
4
No ano de 2014, em função da Nota Técnica Nº 04 / 2014 / MEC / SECADI / DPEE deixou de ser obrigatória
a entrega de laudo médico para a garantia do direito ao atendimento educacional especializado ou para
declaração no Censo Escolar. (https://goo.gl/y6BWJX)
25

BPC/Escola
250

200

150

100 BPC/Escola

50

0
2010 2011 2012

Figura 2. BPC Escola (2010-2012)


Nota: Crescimento de concessão de Benefício de Prestação Continuada a pessoas com deficiência na faixa etária entre 4 e
17 anos, matriculadas em escola pública no período de 2010 a 2012, no município de Mamanguape.

A concessão de tal benefício não depende apenas do diagnóstico de deficiência, mas

de uma comprovação de pobreza que indique a necessidade do acesso à política. Tal

comprovação se estabelece a partir da renda familiar, que deve ser menor que 1/4 do salário

mínimo para cada membro da família. (Decreto 6.214/2007)

Ainda de acordo com a profissional da Secretaria de Educação do município, a procura

por este benefício tornou-se grande, e não só direcionada a crianças, mas a pessoas de todas as

idades. Tal fato era conhecido porque o Ministério Público solicitou um levantamento de

quantas pessoas em Mamanguape utilizariam medicamentos controlados para tratar de

transtornos mentais e/ou estariam em atendimento especializado buscando um diagnóstico. O

levantamento estaria sendo realizado com a ajuda dos agentes de saúde do município e foi

disparado por dois elementos importantes: a) a grande quantidade de processos que chegam

ao âmbito do judiciário, solicitando o BPC/LOAS; b) o aumento do numero de ônibus que se

deslocam do município em direção à capital para levar pessoas em atendimento à

FUNAD/PB. Tratava-se de três ônibus da prefeitura que saem quase diariamente para atender
26

esta população. Cabe esclarecer que as pessoas que se dirigem à fundação, são aquelas que já

estão em tratamento e as que estão passando por processo de triagem/diagnóstico.

Durante este encontro, o contexto além de números, ganhou rostos e histórias que

delinearam melhor o contexto a ser investigado, mas uma das falas marcou profundamente a

importância e o desejo pela pesquisa ora proposta: “A gente trabalha com crianças muito

comprometidas e carentes. Elas não têm o mínimo de dignidade para viver, mas mantêm com

o benefício, uma família inteira.”

Ao revisitarmos alguns números sobre a população de Mamanguape, chama a atenção

pensar que quase 40% dos habitantes vivem abaixo da linha da pobreza, número maior que a

realidade do estado, representada por 30 % (IDEME/PB, 2016) e discrepante da realidade

nacional, representada por 7,4% (ONUBR, 2017). Em números absolutos representa cerca de

12 mil pessoas no município e que este também é o numero estimado de habitantes que

integram o grupo de deficientes que buscam, ou estão buscando, o BPC/LOAS.

Ainda ouvindo histórias de pessoas das comunidades ou de agentes do Sistema

Educacional, de maneira informal e não proposital (seja na universidade, nos relatos de alunos

sobre o cotidiano, seja nos locais da cidade em que moradores falam sobre a rotina) sabe-se

que é comum a prática de recomendar para a vizinha ou amiga o medicamento que o filho está

tomando e até emprestar alguns comprimidos para que outra criança se “comporte melhor” ou

fique “mais calma”. As mesmas recomendações sobre a obtenção do benefício social circulam

entre as mães5, bem como onde buscar ajuda, seja na Funad, no CAPSi da cidade vizinha, ou

com psiquiatras da rede pública.

A patologização e medicalização da infância enquanto problemáticas da Sociedade

Contemporânea emergem neste contexto de formas complexas. De maneira geral, os trabalhos

5
Utilizamos “mães” apenas para nos referirmos às cuidadoras de crianças com deficiência que em sua grande
maioria são as mulheres, mães ou avós, e por isso mesmo, as figuras que mais aparecem nos discursos do senso
comum, mas recusamos a lógica de culpabilização e estigmatização da mulher, como bem pode ser visto ao
longo do trabalho.
27

a respeito da medicalização da infância têm se voltado principalmente para o campo

educacional no que se refere aos diagnósticos do Transtorno do Déficit de Atenção e

Hiperatividade e sua relação com o medicamento metilfenidato. Sem dúvida, questões

imprescindíveis na realidade brasileira ao se levar em conta o alto consumo desta droga e suas

consequências para a saúde das crianças, o lucro e as engrenagens movidas pela indústria

farmacêutica, bem como, a articulação com os problemas no campo educacional e a

banalização do diagnóstico por profissionais da saúde, entre outras problemáticas (Moyses &

Collares, 2006 e 2010).

No que diz respeito à realidade que buscamos compreender, as questões que

perpassam e sustentam a patologização e medicalização da infância estão apoiadas na

produção da desigualdade social, ganhando contornos singulares. Os laudos, tratamentos e

medicações são direcionados às famílias pobres, que buscam por sua vez no BPC/LOAS uma

estratégia de sobrevivência.

Ao longo do trabalho tentamos discutir o conceito de medicalização, sob a perspectiva

de que problemas de ordem social, cultural e histórica transformam-se em problemas de

ordem médica com explicações biologizantes, tornando questões amplamente complexas e

situadas no tecido social, em versões de ordem meramente orgânica e individual. Ou seja,

trata-se de eficiente estratégia de controle de grupos sociais que nega direitos fundamentais e

garante por outro lado intervenções que mantém submissos e docilizados os sujeitos.

Há todo um complexo alinhamento de interesses políticos, econômicos e sociais que

estão em jogo. Nesta rede, em que os especialistas e o Estado apontam para a tutela e

submissão dos sujeitos, para a classificação e regulação dos grupos, as famílias criam

estratégias de sobrevivência.

Seria possível afirmar que existe uma relação entre o aumento de crianças

diagnosticadas com “deficiência mental”, as matrículas especiais nas escolas do município,


28

bem como o acesso ao BPC/LOAS? No centro desta problemática, as expressões

multifacetadas da “questão social”6, que de modo geral, já poderiam ser enumeradas aqui

como a desigualdade social, as estratégias de controle sobre as populações mais pobres, as

políticas sociais fragmentadas no atendimento das demandas sociais e a busca por parte destas

populações por estratégias de sobrevivência. Para que possamos compreender a dinâmica

entre medicalização, interesses econômicos, mecanismos de controle, práticas sociais e

também possíveis processos de resistência presentes nesta realidade, esse fenômeno precisa

ser investigado a partir de suas raízes.

Neste sentido, os pressupostos do materialismo histórico-dialético dirigiram a conduta

investigativa proposta por este trabalho. O conhecimento sobre o fenômeno estudado

demandou a apreensão de sua aparência, da forma como se apresenta na realidade, para que,

então, através da investigação da materialidade dos processos histórico-sociais fosse possível

a compreensão de sua gênese e seu desenvolvimento, desvelando os nexos e contradições,

nem sempre visíveis na aparência. O objeto de análise compõe uma totalidade histórica que o

constitui e, nesta dialética, é necessário situá-lo no campo singular, apreendendo a

materialidade concreta dos processos envolvidos e estabelecer suas relações com uma

determinada universalidade. A postura do investigador, nesta perspectiva, envolve a

organização do processo de conhecimento de forma crítica, compreendendo a realidade em

uma concretude situada por suas contradições e transformações históricas. Portanto, um

trabalho com vistas à transformação da realidade social em que está inserido.

Nesta tese, o problema de pesquisa baseou-se em torno de uma pergunta central:

Tomando como referência uma cidade do interior da Paraíba, quais as conexões entre, a

6
O fundamento das expressões da “questão social”, de acordo com Behring e Boschetti (2011): “se encontra nas
relações de exploração do capital sobre o trabalho. A questão social se expressa em suas refrações e, por outro
lado, os sujeitos históricos engendram formas de seu enfrentamento” (p.51).
29

patologização da infância, a medicalização da vida e as políticas públicas de assistência à

infância?

Assim, o objetivo geral do presente estudo foi analisar as relações existentes entre o

fenômeno da multiplicação de diagnósticos de deficiência mental em crianças, a

patologização da infância e as políticas de proteção social à infância em um município do

interior da Paraíba. Nesse sentido, os objetivos específicos foram: a) Caracterizar a população

infantil em idade escolar com diagnóstico de deficiência mental nos aspectos sócio-

demográficos, de inclusão escolar e de acesso ao BPC/LOAS; b) Caracterizar o processo de

elaboração do diagnóstico de deficiência mental: instituições responsáveis, demandas, etapas,

instrumentos utilizados e documentos produzidos; c) Relacionar o perfil sócio-econômico, a

trajetória de vida e os caminhos que a família da criança diagnosticada com deficiência

mental, que acessou o BPC/LOAS, percorre junto aos setores, equipamentos e serviços

disponibilizados pelas políticas públicas vigentes.

Como percurso metodológico, apostamos na pertinência de compor esta investigação

com dois procedimentos de pesquisa distintos, mas que estiveram interligados e se

complementam: pesquisa documental e pesquisa de campo, esta última composta por

entrevistas e pelo diário de campo.

No que diz respeito à pesquisa documental tratou-se de um levantamento junto a

documentos oficiais, relatórios, informes estatísticos e legislação a respeito de políticas

sociais em âmbito nacional e local, funcionamento dos equipamentos disponíveis e foco desta

pesquisa e números relativos à realidade a ser caracterizada. Com esta etapa, obtivemos uma

relação importante de dados que contemplaram parcialmente a necessidade de caracterização

do contexto em que se inserem nossas análises e que dialogaram com os dados obtidos em

outras etapas.
30

Com relação à pesquisa de campo, foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com

os responsáveis por crianças diagnosticadas com deficiência mental e que recebiam, ou

estavam solicitando através de processo formal, o BPC/LOAS. Além disso, visitas aos

equipamentos das políticas sociais que se destacavam no circuito de atendimento das

demandas pelo diagnóstico ou pelo benefício foram realizadas e as informações obtidas

sistematizadas no diário de campo.

A etapa das entrevistas será descrita a seguir e destaque-se que houve muita dificuldade

em conseguir acessar estas pessoas. A primeira possibilidade seria conseguir contatar as mães

através do “Grupo de mães de pessoas deficientes” que acontecia no CRAS da cidade

quinzenalmente. Tomei conhecimento e participei de um encontro no ano de 2016. Entretanto,

em 2017 quando o trabalho de campo deveria ser aprofundado, o CRAS estava com as

atividades suspensas em função de uma mudança de imóvel e com nova equipe e

coordenação, o que inviabilizou a estratégia inicial.

Em seguida, optou-se por buscar os contatos na Secretaria de Educação, mas em função

de questões políticas referentes à mudança de governo, a troca de profissionais atuando no

órgão dificultou o diálogo e o acesso aos contatos.

Em função das eleições municipais no ano de 2016, houve troca de gestão da cidade no

início do ano de 2017, o que ocasionou a rotatividade de muitos cargos, tanto nas Secretarias,

quanto em órgãos e serviços ligados ao poder público municipal. O novo grupo político que

assumiu o governo era oposição à antiga gestão, o que significou para esta pesquisa, que as

pessoas que ocupavam as coordenações atuais não eram tão receptivas e impunham algumas

dificuldades para minha aproximação, pois entendiam que, se havia algum contato

estabelecido em ocasião anterior, haveria vínculo com o grupo político rival.

Diante de muitas idas ao município e dos obstáculos encontrados, recorri ao grupo de

alunos que compuseram meu grupo de iniciação científica, para que me apresentassem a
31

pessoas na cidade que teriam o perfil necessário para a pesquisa. Uma de minhas ex-alunas

me acompanhou em todas as entrevistas. A primeira entrevista foi com uma vizinha de sua

rua e, ao final, pedi que esta me indicasse outra pessoa, o que se repetiu em todas as

entrevistas, garantindo o método da bola de neve.

É preciso ressaltar que estar acompanhada desta ex-aluna, reconhecida pelas

entrevistadas como membro da comunidade local, garantiu que as pessoas se sentissem à

vontade não só para abrir o portão e me receber em suas casas, mas para estabelecer um

vínculo de confiança e responder sem constrangimento às perguntas. Ao final de cada

entrevista, as colaboradoras ofereciam água, café, doce, no que interpretamos um gesto de

gentileza e acolhida em sinal de terem se sentido à vontade durante o processo.

No total, foram realizadas cinco entrevistas, utilizando-se roteiro de entrevista semi-

estruturado e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, pautado na garantia dos

parâmetros éticos em pesquisa e ambos seguem como apêndice desta tese. Neste estágio,

cuidamos para que o instrumento de pesquisa escolhido, o roteiro de entrevista semi-

estruturado, fosse capaz de elencar em seus itens a coleta de informações como: o perfil

sócio-econômico, a trajetória de vida e os caminhos que a família da criança diagnosticada

com deficiência mental, que acessou o BPC/LOAS, percorreu junto aos setores, equipamentos

e serviços disponibilizados pelas políticas públicas vigentes. Tentou-se assim, a obtenção de

dados necessários para dialogar com os demais e subsidiar o debate que contemplasse os

objetivos desta tese.

Ao longo de todo o percurso metodológico, utilizamos o diário de campo como

expediente de observação do campo de pesquisa, sistematização de informações levantadas

durante reuniões, registro dos encontros com pessoas, detalhes do cotidiano e outros aspectos

relevantes que poderiam não ser contemplados com as outras estratégias utilizadas. Diversas

inserções em instituições e reuniões com responsáveis pelas mesmas_ tais como a FUNAD,
32

cuja recepção pelos profissionais colaborou grandemente para compreender o funcionamento

da instituição, elaboração dos laudos e encaminhamento para o recebimento do BPC/LOAS_

reunião com responsáveis por setores públicos e visitas ao CRAS do município, tiveram no

registro do diário de campo estratégia fundamental para utilização de dados na pesquisa.

O procedimento de notas do diário de campo acontecia da seguinte maneira: em

primeiro lugar registro de informações relevantes durante a realização da atividade em um

caderno próprio; em segundo lugar, assim que encerrava alguma atividade, sejam entrevistas,

visitas a instituições, reunião com pessoas, participação em grupo, etc, buscava-se um local

reservado e iniciava-se uma gravação de voz com dados sobre a atividade realizada (tempo de

duração, local, objetivo, participantes e ações desenvolvidas) e, em seguida, todas as

impressões tanto sobre pequenos detalhes percebidos, quanto aos momentos mais nítidos e

ligados aos objetivos da ação propriamente dita.

A transcrição das entrevistas e do diário de campo foi concomitante ao andamento da

pesquisa, ou seja, não ficou acumulada para um momento final. Isso colaborou sobremaneira

para o exercício de investigação, pois levava a pesquisadora a se manter conectada com os

dados produzidos de forma sistemática.

Todas as informações foram lidas exaustivamente e, posteriormente, postas em relação

com o substrato teórico. A estratégia utilizada para este empreendimento foi a criação de

eixos temáticos que contemplassem o debate proposto pelos objetivos deste trabalho. Isto

pode ser claramente conferido pela divisão proposta no terceiro capítulo, cujos subitens

propõem uma contextualização do cenário sociohistórico do município, a caracterização das

famílias entrevistadas, o modo de funcionamento das políticas sociais no campo da educação,

da assistência social e da saúde, o acesso ao BPC e finalmente, a articulação desses eixos com

o problema de pesquisa proposto nesta tese de modo mais enfático.


33

Neste sentido, a construção dos capítulos teóricos foi proposta em torno dos debates

sobre a Medicalização e as Políticas Sociais.

No primeiro capítulo, tratou-se de proceder a um levantamento histórico sobre o

conceito de medicalização, em seguida o debate sobre a normatização da infância como

articulado a esta temática e finalizando com a problematização do diagnóstico de deficiência

mental, elemento estratégico no tocante ao tema da pesquisa.

No segundo capítulo, buscou-se delinear o campo das políticas sociais no que tange ao

atendimento dos direitos da criança. O desenho de como se definem estas políticas,

principalmente caracterizando os serviços que deveriam ser ofertados, servem como subsídio

para o debate empreendido nas análises do capítulo seguinte. Deu-se ênfase principal no

campo da assistência social, ao Benefício de Prestação Continuada e os dados sobre esta

realidade no Brasil e no estado da Paraíba, de modo a compreendermos que a problemática

encontrada no município estudado não é isolada e carece de mais debates.

Finalmente, no terceiro capítulo, abordou-se a realidade local, articulando-se os diversos

elementos pesquisados e os dados da pesquisa de campo, de forma a, tanto delinear o contexto

específico, quanto a de debater a problemática de forma ampliada.

O trabalho de tese, a partir das análises empreendidas sobre a complexa relação entre

medicalização da infância e políticas sociais, propôs o conceito de Economia da Diferença

como forma de caracterizar a circulação de valores políticos e econômicos presentes nas

engrenagens que movimentam aquela relação. Tal conceito foi pensado ao longo da

investigação proposta, é inédito, transversal aos aspectos estudados e será melhor definido

após a descrição das categorias elencadas no ultimo capítulo, como forma de elucidar as

descrições feitas até ali e concretizar uma linha de raciocínio que se estabeleceu ao longo do

trabalho.
34

No tocante aos resultados, esperamos que as reflexões desse trabalho possam contribuir

com uma análise crítica a respeito da lógica da patologização da infância localizando-a como

uma estratégia de controle dos comportamentos desviantes, bem como colaborar para o debate

sobre a importância das políticas sociais. Outras contribuições foram sugeridas nas

Considerações Finais de forma a concluir este trabalho, não como o encerramento de um

debate, mas como a possibilidade de ampliar as perspectivas de problematização e diálogo

sobre a temática estudada.


35

CAPÍTULO 1
_________________________________________________

A medicalização da vida e a normatização da infância.

1.1. Medicalização: um panorama conceitual

De acordo com Murgia, Odorika e Lendo (2016), há na história do conceito de

medicalização uma polissemia, já que seu estudo perpassa diferentes disciplinas como a

antropologia, a saúde pública, a economia e a bioética. Nestes campos, é possível perceber

diferentes agendas de trabalho e estratégias de pesquisa. Entretanto, é necessário afirmar que

o conceito de medicalização encontra conciliação em todos os campos em sua definição mais

geral: significa transformar um problema que antes não seria médico em uma desordem,

doença, ou enfermidade, que precisa de atenção, cuidados e intervenção médica.

Varios autores coinciden en que la clave de la medicalización es su definición, de tal

forma que un problema de índole no médica se define como problema médico, es

descrito en lenguaje médico y se entiende a través de la adopción de un marco médico,

ya que según cómo se defina un problema cambiará el marco de referencia para

intervenir sobre él. (Natella, 2008, p.11)

A definição nestes termos colabora para a apreensão de uma dimensão mais geral do

conceito, mas a partir dele, deriva-se a necessidade de compreendê-lo como um fenômeno

cultural moldado por configurações históricas, sociais, políticas e econômicas. Afinal,

compreender o conceito não trata apenas de conhecer uma história da medicina, já que, à

primeira vista, poder-se-ia supor que transformar questões não-médicas em médicas, teria
36

relação direta apenas com este campo de saber. Trata-se de compor a complexidade deste

processo com a própria produção do normal e do patológico, implicada com outros campos do

conhecimento.

A emergência do conceito de medicalização surge em meados do século XX, na

Europa e nos Estados Unidos, em um contexto de efervescência do pensamento intelectual de

esquerda, problematizador da conjuntura política e social da época e contestador da produção

científica das ciências sociais e humanas baseadas em um enfoque positivista e liberal. A

crítica se dirigia à suposta neutralidade e objetividade nos estudos acerca das relações sociais.

Nesta direção, um importante questionamento a respeito de que a normatividade sobre os

comportamentos não poderia ser compreendida como parte de uma natureza humana, mas

determinada por uma realidade histórica implicada na fabricação de certo controle social.

Na esteira deste debate, o comportamento desviante pôde ser entendido como forjado

em uma construção histórica, política e cultural, localizada, principalmente, nas práticas e

discursos da instituição médica. Algumas das principais referências que poderíamos aludir:

“O normal e o patológico” (1943) e “Novas Reflexões referentes ao Normal e ao Patológico”

(1963-1966) de Georges Canguilhem, “O nascimento da Clínica” (1963), “O poder

psquiátrico” (1973) e “Os Anormais” (1974) todos de Michel Foucault, além de “O Mito da

Doença Mental” (1960) e “A fabricação da loucura” (1970) de Thomas Szasz.

Inspirados nestas obras, pensadores de diferentes concepções teóricas trouxeram,

como foco de seus estudos, questionamentos críticos a respeito destas engrenagens de

controle social ligadas à normatização da conduta humana. Um dos principais destaques é o

Movimento da Antipsiquiatria, que de acordo com Oliveira:“(...) questionava a psiquiatria em

seu cerne, negando todas as formas de tratamento tradicional da loucura, e seus seguidores

acreditavam que a loucura é construída, fabricada pelas relações de poder e também a partir

de práticas discursivas” (2011, p. 143)


37

No contexto de efervescência destes pensamentos críticos, emerge o conceito de

medicalização, alinhado às perspectivas contestadoras e de enfrentamento aos modelos

teóricos biomédicos.

De acordo com Odroika et al (2016), a palavra medicalização, concebida como um

conceito teórico que dará corpo a uma análise problematizadora das definições médicas de

desvio e seus efeitos na sociedade, surge pela primeira vez em 1968, em um texto de Jesse

Pitts na Encyclopedia Internacional of Social Sciences. Desde então, tornou-se um conceito

sociológico recorrente na literatura, aparecendo inclusive como verbete no Dicionário de

Sociologia, sendo definido da seguinte maneira:

Medicalização é o processo social através do qual uma experiência ou condição

humana são culturalmente definidas como patológicas e tratáveis pela medicina. Em

muitas sociedades industriais, por exemplo, a obesidade, o comportamento criminoso,

o abuso de álcool e drogas, a hiperatividade infantil e o abuso sexual foram definidos

como problemas médicos que são, como resultado, cada vez mais passados aos

cuidados e tratamento de profissionais do ramo. No que interessa à sociologia, o

processo é socialmente muito importante porque concede à profissão médica

autoridade para definir as respostas sociais apropriadas a várias condições e

comportamentos e, com ela, certo grau de controle sobre as mesmas. (Dicionário de

Sociologia, Allan Johnson, 1997)

No campo da Filosofia, o termo medicalização foi utilizado pela primeira vez por Ivan

Illich (1926 – 2002) em seu livro “Nemesis Medica” (1975). Na parte II deste livro, há,

justamente, um capítulo denominado “A medicalização da vida”, ainda que todo o texto

remeta à centralidade deste conceito. Importa ressaltar que já naquele momento de

efervescência de um campo teórico-crítico, Illich elabora um importante trabalho que

apontará as relações da medicina moderna com a indústria, a tecnologia e as relações sociais,


38

estabelecendo a medicalização como ponto nodal para a compreensão dos interesses e forças

que estarão em jogo neste cenário.

O primeiro parágrafo da Introdução anuncia aquilo que Illich desenvolverá em seu

livro:

La medicina institucionalizada ha llegado a convertirse em uma grave ameanaza para

la salud. La dependencia respecto de los profisionales que atienden la salud influye em

todas lãs relaciones sociales. Em los países ricos, la colonización médica ha alcanzado

proporciones morbrosas: em los países pobres está rapidamente ocurriendo lo mismo.

Hay que reconocer sin embargo el carácter político de este proceso, al que

denominaré la “medicalizacion de la vida”. (Illich, 1975, p.9)

Esta obra tornou-se referência para os trabalhos que tratam de medicalização,

principalmente por sua referência temporal. Artigos que elaboram um panorama histórico, o

utilizam como indicação de que inaugurou o uso do termo medicalização, sem que

privilegiem necessariamente os debates que empreende neste trabalho. Entretanto, trata-se de

um texto de grande relevância, que apresenta debates contundentes e importantes ainda hoje,

contendo dados a respeito do sistema de saúde da Europa, dos Estados Unidos e da América

Latina, que podem se configurar como dados históricos e comparativos com o cenário atual.

Sua análise teórica expõe a complexidade do tema diante de uma sociedade industrializada

que transforma a saúde em um bem de consumo, mostrando as relações econômicas derivadas

daí em diversos âmbitos sociais. Da mesma forma, aponta a alienação dos indivíduos sobre os

processos de saúde como artifício necessário para a ascensão do poder médico no cotidiano da

vida das pessoas.

Sua obra tornou-se referência no campo de estudos da Saúde Coletiva na década de

1970 e subsidiou posicionamentos críticos necessários naquele campo (Nogueira, 2003).


39

O conceito de medicalização ganhou visibilidade maior nos estudos de Peter Conrad

(1945-) que em seu trabalho “Identifying Hyperactive Children: The Medicalization of

Deviant Behavior”, lançado em 1976, trouxe à tona questionamentos críticos a respeito do

diagnóstico e tratamento do TDAH como pano de fundo para a discussão da medicalização.

Outros trabalhos do autor são considerados essenciais nos estudos a respeito do tema da

medicalização e ainda hoje, é uma referência internacional para a discussão desta temática.

(Murgia et al, 2016; Faraone, Barcala, Torricelli, Bianchi & Tamburrino, 2010; Barbiani,

Junges, Asquidamine & Sugizaki2014)

Quase trinta anos mais tarde, o mesmo autor publicou o artigo “The shifting engines

of medicalization” (2005), em que desenvolve uma revisão sobre o conceito de medicalização

e de como é preciso compreendê-lo segundo as transformações históricas, ilustradas em seu

trabalho pelas mudanças ocorridas da década de 1980 aos anos 2000. O autor aponta que nos

anos 1980 é possível elencar três aspectos principais que definirão a medicalização naquele

momento: a predominância do saber médico como lugar de poder e controle das populações

através da manutenção do conhecimento médico como lugar da verdade, que ele denomina de

‘medical colonization’. Além disso, o interesse de alguns grupos e movimentos sociais que

viam na medicalização a possibilidade de controle de comportamentos e eventos tidos como

desordens químicas, tais como o alcoolismo. Por último, a organização de profissionais em

torno de especialidades que legitimavam para si a intervenção sobre certos aspectos da vida,

como, por exemplo, a obstetrícia e a supressão das parteiras, bem como a pediatria ligada não

só ao controle do processo saúde/doença, mas ao comportamento infantil.

Murgia et al (2016) e Conrad (2007) afirmam que, na década de 1990, em função do

desenvolvimento de pesquisas voltadas para fenômenos concretos de medicalização, foi

possível uma virada conceitual que ampliou a compreensão do conceito. De acordo com os

pesquisadores, é preciso entendê-lo como um processo que vai além da medicamentalização,


40

ou seja, da prescrição e uso de fármacos. Devemos incluir o controle médico sobre a vida

como a faceta preponderante, e, também, o papel dinâmico dos múltiplos atores sociais que

compõem e dinamizam este cenário.

Como já afirmado anteriormente, os contextos histórico-sociais são o pano de fundo

para que o fenômeno possa se transformar, bem como as análises sobre ele. Os trabalhos de

Illich e Conrad, desenvolvidos na década de 1970, serão revistos pelos autores em décadas

posteriores, e guardadas as dimensões epistemológicas de suas obras, ambos apontarão novos

cenários e complexificação da problemática da medicalização, tanto em função das

transformações sucedidas no período de tempo decorrido, quanto da própria revisão

conceitual que compreendem como necessária.

De acordo com Nogueira (2003), na década de 1990, Illich fez uma autocrítica das

concepções desenvolvidas em “Nemesis Médica”. Em suas novas análises, o autor concebe

uma vertente que não teria sido pensada inicialmente: a busca do corpo sadio como um

empreendimento que é construído não só pela Medicina, mas pela mídia, indústria e comércio

interessados no mercado da experimentação da saúde ideal através do corpo perfeito. Tal

processo foca no indivíduo a função de buscar incessantemente este ideal. Influenciado pelos

trabalhos de Foucault, afirma que todo o investimento sobre o corpo gera uma necessidade

obsessiva pela saúde.

Para Conrad (2007), na década de 1990, percebe-se o alargamento das pesquisas

científicas ligadas ao funcionamento do corpo humano, tais como: a genética, o

desenvolvimento de exames de imagem de alta resolução, o avanço da indústria farmacêutica

e a abordagem neoliberal nas políticas de saúde (principalmente no caso dos Estados Unidos),

marcando uma diferenciação nos processos de medicalização daquela década para a

atualidade.
41

Em trabalho desenvolvido por Clarke e colaboradores (2003), estes aspectos indicam

uma transformação dos processos de medicalização em função da complexificação e

incremento da biomedicina e das tecnologias disponíveis para intervenção no corpo e na

saúde. Nesse sentido, usam o termo biomedicalização para abranger um novo modo de

compreender o fenômeno. As justificativas para o uso desta nova perspectiva se apoiam em

cinco pilares/recortes principais: 1) a reconstituição da política econômica de um vasto setor

da biomedicina, 2) o foco na saúde de si e o risco e vigilância da biomedicina, 3) o

incremento tecnológico e científico da biomedicina, 4) transformação em como o

conhecimento biomédico é produzido, distribuído e consumido, além da gestão da informação

médica, 5) transformação de corpos, incluindo a produção de novas identidades

tecnocientíficas individuais e coletivas.

(...) [biomedicalização] compreendido por uma nova economia biopolítica da

medicina, saúde e doença, por mudanças nas formas de viver e de morrer, pela

afirmação de uma arena complexa na qual os conhecimentos biomédicos, serviços e

tecnologias são cada vez mais intrincados, e por um novo e cada vez mais acirrado

foco na otimização e no aperfeiçoamento individual por meios tecnocientificos e na

elaboração do risco e da vigilância no nível individual, grupal e da população.

(Zorzanelli, Ortega & Bezerra Junior, 2014, p. 1864).

De acordo com Conrad (2005), as mudanças apontadas nesta perspectiva não se tratam

de transformações qualitativamente diferentes, capazes de denotar outro nível do processo

medicalização. Segundo o autor, são incrementos do mesmo processo e que a abordagem da

biomedicalização, ao apontar em outras direções, perde de vista o processo central que é a

transformação de questões não médicas em questões médicas. Aquilo que se apresenta para

além deste núcleo principal deve ser compreendido como incrementos sociais.
42

Entretanto, Zorzanelli, Ortega e Bezerra Junior (2014) afirmam que a abordagem da

biomedicalização guarda debates conceitualmente próximos daqueles que propõe Conrad

(1975 e 2007). Além disso, apostam na importância de que os temas trazidos pela

biomedicalização, tais como o transplante de órgãos e o uso de células-tronco, por exemplo,

aproximam-se de interseções com o campo da bioética, condição necessária para ampliação

do debate.

Importa pensar que o processo de medicalização visto na contemporaneidade está

diretamente ligado ao sucesso que a intervenção médica obteve e continua tendo nos

processos de adoecimento do corpo. É inegável que o avanço científico proporcionou

possibilidades de prevenção e intervenção sobre doenças, e o reconhecimento deste êxito é

também parte do giro conceitual. Ou seja, o entendimento de que as pessoas não estão apenas

passivas neste processo: seja resistindo ou promovendo a medicalização, os sujeitos sociais

estão ativos nesta relação (Conrad, 2007; Calrke, 2010; Zorzanelli, Ortega & Bezerra Junior,

2014). Portanto, ao positivar a compreensão da biomedicina, é possível dimensionar não só o

exercício do controle social, mas deixar de subestimar suas capacidades curativas e a

participação dos sujeitos sociais neste processo, e só a partir daí reconhecer a hegemonia do

modelo médico e ampliar nossas reflexões sobre ele. (Murgia et al., 2016).

Seria necessário pensar (...) o cenário cultural que propicia um crescimento de

processos de medicalização por escolha, para além dos impostos pela autoridade

médica, bem como dos diferentes usos das categorias diagnósticas, em prol de

objetivos medicalizantes e desmedicalizantes. (Zorzanelli, Ortega & Bezerra Junior,

2014, p. 1864).

Segundo a análise de Conrad (2005), três aspectos serão relevantes para compreender

a mudança da organização e conhecimento médicos que delineiam esta nova face da


43

medicalização: biotecnologia, consumidores (ou padrões de consumo) e gerenciamento do

cuidado.

A biotecnologia está ligada ao modo como o desenvolvimento do conhecimento

biológico sobre o corpo humano produz novas drogas, intervenções e procedimentos. Suas

reflexões apontam que a relação entre uma doença e o uso da medicação está diretamente

ligada a produção e comercialização de remédios que a indústria consegue fazer circular

legalmente.

As pesquisas ligadas à biotecnologia, especialmente as de genética humana, implicam

na possibilidade do mapeamento de gens e, portanto, na identificação das possíveis doenças

que o indivíduo poderia desenvolver em função de sua genética. Decorre daí, a criação de um

novo status de medicalização: a virtualidade do adoecimento, que produz novas fórmulas

medicamentosas capazes de prevenir aquilo que a genética apontou como potencialidade.

Entre os processos de medicalização podem ser apontados o consumo de produtos e

intervenções ligados aos cuidados e transformações com o corpo, à disposição física e sexual,

às habilidades cognitivas e sociais. Como exemplo: as cirurgias plásticas com finalidades

estéticas, o consumo de hormônios, as substâncias psicoativas para controle da ansiedade ou

para aumento da atenção.

En la actualidad, los saberes tecnológicos asociados a la teleinformática reproducen un

ritmo vertiginoso y global, virtual y digital, intentando un programa más radical de

producción de sujetos, interviniendo directamente en los códigos genéticos o circuitos

cerebrales. Las pruebas genéticas pueden “etiquetar” a las personas con riesgo de

padecer trastornos, en tanto los tratamientos genéticos avanzan en medio de

cuestionamientos éticos. (Natella, 2008, p. 13)

Seguindo o pensamento de Conrad e Leiter (2004), pacientes tornaram-se

consumidores de tratamentos, remédios, intervenções. Ligados a este mercado estão as


44

grandes corporações farmacêuticas, as clínicas e hospitais que apostam em um público-alvo

cada vez mais disposto a investir em não sofrer, estar dentro dos padrões estéticos, manter-se

produtivo e sociável. Exemplos deste mercado e consumo em larga escala são: o consumo de

Viagra, de HGH (Hormônio do Crescimento para Crianças), as cirurgias de seios e

lipoescultura, os antidepressivos, os psicotrópicos ligados ao TDAH.

A medicalização no século XXI implica problematizar um campo complexo entre a

indústria farmacêutica, suas propagandas e articulações com o mercado de saúde; as

descobertas das pesquisas de biotecnologia; as demandas de consumo e como são fabricadas

no tecido social; a saúde como um mercado que envolve atores diversos como médicos,

hospitais, clínicas e a própria política social de saúde; a globalização como fator de

internacionalização da produção de demandas em saúde, o que envolve pensar a internet, mas

também as grandes corporações que se instalam em diversos países.

Al ritmo que el capitalismo contemporáneo iba adoptando nuevas formas, dinámicas y

escalas, el proceso de medicalización ha variado sus prácticas, saberes y estrategias,

así como las clases y cantidad de problemas que incorpora. Por lo tanto, la

medicalización es en plural, ya que ha presentado variaciones no sólo en su campo

semántico y conceptual y en las características de los procesos, políticas, técnicas y

saberes por las que se lleva a cabo, sino también en sus consecuencias respecto de la

salud, bienestar y supervivencia para los sujetos y las comunidades. (Epele, 2008, p.

84)

Assim, alerta importante de Conrad (1992) é a importância do contexto cultural. Suas

investigações e intercâmbios com pesquisadores de diferentes lugares do mundo

demonstraram que as formas de adoecimento, bem como a expansão médica em determinados

campos da vida humana são determinados pelas construções sociais de cada contexto. Um dos

exemplos a que o autor recorre é o fato de não serem constatados, na época de elaboração do
45

artigo, na Indonésia, nem na China, casos de anorexia. Aponta ainda que o modo como o

nascimento é submetido ou não aos cuidados médicos dependem de como cada cultura

construiu a abordagem sobre este processo.

De acordo com Natella (2008), quadros que não eram conhecidos há quarenta anos,

tais como: anorexia, transtorno do pânico, síndrome pré-menstrual, por exemplo, demonstram

a expansão diagnóstica e a extensão da medicalização. Tais fatos apontam que as

manifestações subjetivas são capturadas pelas redes médicas, amplamente inseridas na

dinâmica social e interpessoal das relações humanas. Em outras palavras: as transformações

sociais e históricas geram novas formas subjetivas que podem ser de sofrimento, reação e

resistência a estas novas configurações, mas dentro da lógica medicalizante são

compreendidas como fora da normalidade, etiquetadas com diagnósticos e tratáveis com as

intervenções médicas disponíveis e anunciadas pelo grande mercado.

O compromisso com uma tese que utilize o conceito de medicalização como uma

ferramenta de análise implica em considerar que há diferentes proposições desenvolvidas para

este conceito. Tomar as diferentes vozes que ampliaram esta discussão colabora para

delinearmos caminhos que se aproximem do contorno teórico necessário a este trabalho.

Assim, cabe destacar que as contribuições dos diversos autores imprimiram

importantes reflexões, sobretudo as análises de Zorzanelli, Ortega e Bezerra Junior (2014)

quando apontam que o conceito de medicalização deve estar localizado teórica, histórica,

cultural e politicamente.

Seguiremos com a compreensão de que há um processo em curso na Sociedade

Contemporânea de transformar questões pertencentes ao cotidiano, em questões de ordem

científica e mais especificamente, médicas. Compreensíveis apenas pelo olhar da ciência, tida

como capaz de explicar o funcionamento humano através de leis biológicas, quantificáveis e

diagnosticáveis. Onde a experiência da dor, do sofrimento, da pouca ou nenhuma


46

produtividade, da estética que escapa aos padrões, do envelhecimento e de questões que não

se enquadrem na ordem vigente, podem ser monitoradas, nomeadas, classificadas,

investigadas, tratadas e até transformadas através de um conhecimento especializado

disponível no fazer de certos profissionais. Em nossa sociedade, esta dinâmica está marcada

pela hegemonia médica, mas não se pode perder de vista que outros saberes sobre o ser

humano, tais como a Psicologia, estiveram (e estão) presentes no mover das engrenagens que

movimentam este conjunto de coisas.

Trata-se de uma realidade dialética, em que um conjunto de forças põe a funcionar a

dinâmica do mercado em que o próprio conhecimento médico-científico se faz produto e se

multiplica em tantos outros gêneros como medicamentos, exames, intervenções, pílulas

milagrosas, entre outros. Ainda faz circular pelos meios midiáticos, ideias, discursos e

propagandas. Compondo este tecido, subjetividades que se inclinam a este modo de produção

transformando-se não só em consumidores de serviços e gêneros disponibilizados no

mercado, mas de modelos de ser e estar que dizem respeito a comportamentos, bem-estar,

estado físico, psicológico e etc.

Os modos de subjetivação fabricados nesta complexa trama apontam para a

medicalização como estratégia de controle, vivenciada através da busca pelos padrões de

saúde. Entretanto, o acesso a estes bens de consumo não se dará da mesma maneira para todas

as pessoas. Há os que, pertencendo às classes privilegiadas, têm recursos para consumir os

produtos disponíveis no mercado, acessando as (im)possíveis formas de se colocar no padrão

social. Para os pobres, o processo político da sociedade contemporânea guarda caminhos

bastante ardilosos. Segundo Wacquant (2013), há em funcionamento “pelo menos três

estratégias principais para tratar as condições e as condutas que julgam indesejáveis, ofensivas

ou ameaçadoras” (p. 20), são elas a socialização, a medicalização e a penalização. No que

tange a esta discussão, o termo medicalização usado pelo autor aponta na mesma direção que
47

propomos neste debate, ou seja, processo em que um problema social é tratado como uma

desordem química, um problema individual, em que não se leva em conta as questões sociais

em que se inserem os sujeitos. A medicalização dirigida aos pobres encontra-se neste limiar

apontado por Wacquant, cujos efeitos precisam ser discutidos e problematizados, nas palavras

do autor:

São políticos, em primeiro lugar, na medida em que resultam das lutas pelo poder

travadas entre os agentes e as instituições no interior e em torno do campo burocrático,

para moldar e eventualmente dirigir a administração de “pessoas problemáticas” e

estados coletivos problemáticos. Em segundo lugar, a mudança na dosagem e o

objetivo da socialização, da medicalização e da penalização são políticas, uma vez que

resultam de escolhas que têm a ver com a concepção que temos de vida em comum.

(Wacquant, 2013, p. 22)

As estratégias mencionadas tratam de diferentes aspectos, mas que em sua essência

visam deslocar a atenção dos contextos socioeconômicos que produzem as desigualdades. São

formas de controle que atribuem aos indivíduos classificações sobre seus comportamentos,

tidos como desviantes. Wacquant (2013) exemplifica este estado de coisas citando o trabalho

de Arline Mathieu7, sobre como a medicalização colaborou com a remoção física dos sem-

teto em Nova York na década de 1980. Categorizar pessoas pobres, que vivem nas ruas, que

são usuárias de drogas, como doentes e incapazes de decidir sobre sua vida figura como

instrumento de “limpeza urbana” em nome da saúde pública. Os trabalhadores cujos corpos

adoecem pela exploração são medicalizados e silenciados. As crianças que resistem ao

sistema escolar e à docilização dos corpos são encaminhadas para tratamento médico. Assim,

o discurso da medicalização imprime nos sujeitos o lugar de doentes, incapazes de autonomia

e submetidos à ordem medica em nome de certa segurança social.


7
“The Medicalization of Homelessness and the Theater of Repression” Medical Anthropology Quarterly, junho
1993.
48

O tensionamento deste conjunto de forças pode se fazer presente nas resistências ao

tido como padrão e questionamentos à norma produzida; nas ocasiões em que algo falha ou

escapa ao discurso científico; quando se esbarra nas questões éticas da produção científica, ou

mesmo quando os sujeitos subvertem a norma colocando às avessas a lógica da

medicalização.

1.2.Normatização da Infância

Compreender a realidade em que estamos inseridos implica apreender os arranjos

históricos que possibilitaram as condições materiais e subjetivas que delimitam as relações

humanas que vivenciamos atualmente.

Para tratar de problemáticas sobre a infância na contemporaneidade, usar de uma única

definição sobre esta categoria seria um grande erro conceitual. Afinal, compreendê-la

necessita da questão de qual contexto se é/está criança. Diante da resposta abre-se a

possibilidade de visualizar as relações históricas e culturais de cuidado, afeto, educação,

responsabilidade que circulam entre os sujeitos que pertencem a determinadas realidades.

Estudos clássicos de autores como Ariès (1981), Costa (1999), Lobo (2008), Rizzini

(2011), Rizzini e Gondra (2014), Rizzini e Pilotti (2009), apontaram a infância como uma

categoria histórica, que deve ser compreendida de acordo com os sentidos produzidos para ela

em uma sociedade, em um dado momento da história. O modo como cada grupo social

compreende, se relaciona e atribui cuidados às crianças, diferencia-se em certos contextos

culturais, políticos e econômicos. Neste sentido, delimita-se o que é ser criança nestes

parâmetros, atribuindo-se, inclusive, a conotação do que é esperado ou não destes sujeitos, o

que é normal ou patológico.

Philippe Ariès (1981) nos confronta com cenários da Idade Média em que a infância

não era tida como uma fase diferenciada da vida adulta, a criança não possuía papel destacado
49

na vida familiar, não havia cuidados específicos para com ela. Se os índices de mortalidade

infantil eram muito grandes, a morte das crianças era encarada com naturalidade. Enfim, em

sua detalhada narração a partir de documentos, quadros, livros, tapeçarias, entre outras fontes

históricas, Ariès expõe diferentes práticas relacionadas ao cuidado com as crianças, bem

diferentes das que hoje são tidas como naturais.

A infância, enquanto etapa diferenciada da vida, cujo processo de desenvolvimento

merece atenção especial, teve sua emergência em meados do século XVIII, na Europa, em

função da mudança de paradigma que marcará a transição da Idade Média para a Sociedade

Moderna. Mudanças ocorridas nos campos econômico, político, social e filosófico

imprimiram novas formas de compreender o mundo. A dinâmica capitalista e a convicção

positivista de que a vida social poderia ser regida por uma ‘verdade absoluta’, a que somente

o conhecimento científico teria acesso, foram pilares fundamentais da nova era que se

inaugurava. (Arriès, 1981; Costa, 1999)

No contexto europeu daquele momento, todo modo de organização da vida precisou

tornar-se eficiente e lucrativo, o que possibilitou que o campo da medicina social ganhasse

força e pudesse legitimar sua inserção no meio familiar e ditar padrões sobre a criação, a

educação e a alimentação das crianças. (Donzelot, 1986).

No Brasil, as determinações sobre a infância encontraram sua emergência no início do

século XX. Naquele momento, a criança passou a ser foco de preocupações por parte dos

especialistas e do poder público por conta de três aspectos principais: a elevada taxa de

mortalidade infantil, o grande número de crianças abandonadas e a necessidade da figura do

médico para a manutenção da higiene física, mental e moral do núcleo familiar. (Rizzini,

2011; Costa, 1999)

Assim, através da apropriação da infância como objeto de saber, o discurso médico

ganhou um poderoso instrumento de intervenção na família.


50

O recorte e a circunscrição daquilo que se configurou como o tempo da infância e sua

objetivação pela medicina atenderam, então, ao objetivo maior de legitimação das

práticas de regulamentação e controle da vida cotidiana. Os médicos procuraram

apresentar-se como a autoridade mais competente para prescrever normas racionais de

conduta e medidas preventivas, pessoais e coletivas, visando produzir a nova família e

futuro cidadão. (Rago, 1997, p. 118)

A produção de novos conhecimentos no campo médico e jurídico a respeito da

infância constituiu-se a partir de um discurso nacionalista que delegou à criança uma posição

de bem econômico do país: a criança pobre seria o futuro da nação na medida em que se

tornasse um trabalhador docilizado (Rizzini & Gondra 2014).

O discurso de proteção à infância propagado neste período colocava em ação uma

demanda por políticas voltadas para a infância pobre. Afinal, a criança vista como futuro da

nação gerava preocupações de cunho econômico: por um lado representava investimento para

que se transformasse em dócil trabalhador, por outro lado, um gasto, na medida em que

poderia se tornar em um fardo para a sociedade como sujeito infrator das leis ou um

‘vagabundo’ que geraria custos aos cofres públicos. Tais discursos vão se valer de estratégias

de prevenção, educação, recuperação e repressão para concretizar seus fins. Como esclarece

Rizzini (2011): "Para se ter como moldar a criança com propósito de civilizar o país, era

preciso primeiro concebê-la como passível de periculosidade." (p. 88).

A apropriação da infância como alvo de discussão que deve ser assistido e protegido

como futuro da nação evidenciava a tentativa de um roteiro de construção de um país que não

se basearia em políticas voltadas para a base dos problemas sociais, tais como os salários

baixos, pouco ou nenhum acesso à terra, mecanismos opressivos de controle social, saúde

precária, falta de moradia e educação, mas na legitimação da entrada do especialista no núcleo


51

familiar, ditando normas e modelos a serem seguidos, docilizando as classes ditas perigosas,

com o objetivo final de preservar a ordem social, protegendo o futuro dos filhos da elite.

O projeto de reforma civilizatória que se estabeleceu após a proclamação da República

envolveu, principalmente, uma invenção da identidade nacional. Serviram a este projeto a

ideia da criança como futuro da nação e como ser moldável, para o bem ou para o mal.

Traçou-se, desta maneira, uma percepção a respeito da infância que a colocava em lugar

privilegiado com relação à construção da nação. Salvar a infância pobre de todos os perigos

que punham em risco uma boa formação física e moral tornou-se o lema daqueles que viam

na criança o futuro cidadão. Resgatá-la de todo o tipo de influência considerada negativa

significava formar uma população que construiria uma pátria condizente com os padrões de

civilização moderna ditados pela Europa. Salvar a criança era salvar o país.

O movimento que se constituiu com o objetivo de salvar a criança tem sua origem

exatamente a partir da crença de que herança e meio deletérios transformavam em

monstros, crianças já marcadas por certas inclinações inatas, acarretando

consequências funestas para a sociedade como um todo. Salvar essa criança era uma

missão que ultrapassava os limites da religião e da família e assumia a dimensão

política de controle, sob a justificativa de que havia que se defender a sociedade em

nome da ordem e da paz social. (Rizzini, 2011, p. 101)

O lugar privilegiado do discurso médico sobre a infância e a família tem uma história

no cenário brasileiro marcada por interesses políticos e econômicos de controle da população.

Devemos lembrar que o capitalismo produz um olhar sobre o corpo, objetivando-o como

força de trabalho, força de produção. Assim, também a disciplina médica investe sobre este

corpo útil, afinada com os ideais modernos de controle dos indivíduos (Foucault, 1992).

A construção de uma nova identidade nacional era perpassada pelas preocupações

eugênicas de aprimoramento racial. As articulações e fundamentos presentes nos discursos e


52

atividades de médicos e outros especialistas inspirados na Eugenia pautavam-se na

perspectiva evolucionista, amplamente divulgada e reconhecida como modelo de Ciência

Moderna.

As teorias eugênicas instrumentalizaram discursos e práticas voltadas para um suposto

melhoramento da espécie, mas se expandiram no Brasil de forma diferenciada ao que ocorreu

na Europa. O melhoramento do povo brasileiro passava pelas preocupações com a influência

do meio social e, portanto, acreditava-se, segundo esta perspectiva, que intervenções no

campo da prevenção através da higiene geral e mental deveriam ser privilegiadas.

De acordo com Kobayashi, Faria e Costa (2009), o movimento eugênico e o

movimento sanitarista eram compostos pelos mesmos membros: médicos eminentes que

ocupavam lugar de destaque em hospitais, universidade e institutos de pesquisa.

Influenciaram, assim, as políticas públicas de saúde, especialmente nas décadas de 1920 e

1930, que se basearam na noção de saneamento, numa visão nacionalista e regenerativa.

As preocupações centrais figuravam no melhoramento da raça e investiam no controle

dos corpos e do ambiente em que eles viviam, sendo os principais focos de discussão as

campanhas contra o álcool, a regulamentação do trabalho, a imigração, os exames pré-

nupciais, a esterilização e a preocupação com a infância.

Desqualificar os saberes populares foi estratégia fundamental para esvaziar os

cidadãos do conhecimento sobre si e seu cotidiano. Era necessário afirmar o saber médico

como aquele necessário a administrar a vida e mantê-la ordenada e saudável. Os discursos

técnico-científicos, no início do século XX, sejam eles médicos, pedagógicos, juristas ou

arquitetônicos, pautavam-se nos preceitos higienistas. Tratavam, de modo geral, desde os

aspectos do parto e da amamentação, cuidados com a alimentação, educação dos filhos,

cuidados higiênicos com a casa, prevenção às doenças, ao alcoolismo, até à promoção de

novas configurações arquitetônicas da cidade e introdução da figura do especialista na


53

administração pública. Higienizar a vida de modo a torná-la asséptica, controlada e produtiva.

(Costa,1999; Rizzini 2011; Garcia & Silva Junior, 2010).

Na empresa de constituição da família nuclear moderna, higiênica e privativa, a

redefinição do estatuto da criança pelo poder médico desempenhou um papel

fundamental. De uma posição secundária e indiferenciada em relação ao mundo dos

adultos, a criança foi paulatinamente separada e elevada à condição de figura central

no interior da família, demandando um espaço próprio e atenção especial: tratamento e

alimentação específicos, vestuário, brinquedos e horários especiais, cuidados

fundamentados nos novos saberes racionais da pediatria, da puericultura, da pedagogia

e da psicologia. (Rago, 1997, p. 117)

Deste modo, a figura do expert no cotidiano das pessoas e das cidades, constituiu-se na

intercessão de interesses voltados para a transformação de uma sociedade pautada nos moldes

monárquicos, coloniais e escravocratas para uma que se aproximasse do modelo europeu e

estadunidense de modernidade: novas relações marcadas pelos ideais liberais e positivistas,

principais contornos da ordem capitalista.

O processo que permitiu o caráter hegemônico à disciplina médica esteve calcado na

emergência, a partir do final do século XVIII, da ideia de hospital como instrumento

terapêutico. Este espaço não esteve sempre sob o controle destes profissionais, ao contrário,

em um momento histórico anterior, estava relegada ao médico a visita no hospital quando

solicitado por sua direção (que geralmente era coordenado por irmandades religiosas, cuja

administração e objetivo estavam ligados a uma prática caritativa de acolhimento e

amontoamento de doentes). A partir de uma produção de saber relativa à observação

sistemática e comparada nos e dos hospitais, a classe médica voltou para si a responsabilidade

da administração hospitalar (Foucault, 1977). De forma esclarecedora, Caponi (2000) relata:


54

(...) se faz possível a individuação dos doentes, pois, ao se dividir o espaço, pode ser

feita uma observação contínua, permanente e individualizada. Paralelamente, se

transforma o sistema de poder existente substituindo o pessoal religioso pelo médico,

como autoridade absoluta. Organiza-se um sistema de registros completo, que faz do

hospital não só um espaço de cura, mas também de aquisição de conhecimentos e de

produção do saber (p. 56).

A disciplinarização do espaço médico com a distribuição espacial dos indivíduos, o

controle sobre todo o desenvolvimento da doença e seu tratamento, a hierarquização das

funções técnicas, criou a possibilidade do isolamento do indivíduo e sua doença, o que em

larga escala permitiu a constatação e controle de patologias comuns a determinada população,

sua frequência e localização geográfica, por exemplo.

O hospital neste processo emerge como instituição representativa da relação de

desigualdade entre pobres e ricos. Aos primeiros restava buscar auxílio na instituição e se

submeter aos olhares e experimentações do especialista. Aos segundos, o lugar de formação

privilegiada, portanto reservada aos mais abastados, bem como a clínica como prática de

observação e controle técnico-científico dos sujeitos e populações “necessitados” (Caponi,

2000).

O poder médico toma como eixo de atuação dois extremos: o indivíduo e a população,

exercendo seu poder sobre ambos, como alvos de intervenção. O empreendimento de

organizar tais detalhes, ou seja, apreender e compreender as relações do corpo com o tempo, o

espaço e outros corpos, constituiu uma base fundamental para a Medicina e outras disciplinas

modernas, em que o Hospital e o Hospício serviram a este cometimento. A observação

minuciosa dos pequenos movimentos, das mínimas partes tornou-se ferramenta indispensável

para o cientista, implicando todo um conjunto de técnicas e processos de saber que visam uma

verdade sobre o corpo em vários níveis: análise, controle e inteligibilidade. Assim, passamos
55

de uma medicina ocupada unicamente com a cura, para uma que se torna disciplina da

prevenção (Foucault, 1977 e 1992).

Assim como a administração dos hospitais, a loucura também é reivindicada pelos

médicos brasileiros como objeto de seu interesse e cuidado. De acordo com Engel (1992), a

construção da loucura como doença mental, passível de classificação e cuidados

especializados, teve início no começo do século XIX com os estudos de Philippe Pinel (1745

– 1826), ganhou consistência através conceito de monomania criado por Jean-ÉtienneEsquirol

(1772-1840) e se ampliou com a teoria da degenerescência de Benedict Morel (1809 – 1873),

que possibilitou uma perspectiva organicista para a noção de doença mental. Entretanto,

naquele momento, a infância não constituía alvo destas preocupações da Psiquiatria. A figura

da “criança anormal”, sujeita aos acometimentos da doença mental e passível de cuidados

médicos, surgiu na Europa no final do século XIX e chegou ao Brasil, no início do século XX.

(Muller, 2005)

Durante quase todo o século XIX, vigorou a certeza de que quem enlouquecia era o

adulto, ou no máximo, o adolescente. Ainda assim, as questões da loucura, mesmo ao

considerar sua origem moral (sofrimentos, perdas, paixões), não remontavam aos

acontecimentos da infância. Uma predisposição inata, um choque recente ou ambos

desencadeavam a doença mental. Ou seja: ninguém ficava louco devido à infância e

muito menos no tempo da infância _ a loucura não era um desvio da norma da idade

infantil. (Lobo, 2008, p. 367)

Os estudos de Lobo sobre a genealogia da criança anormal no Brasil, em que se podem

elencar diversos textos de sua autoria (1992, 2000, 2007, 2008, 2016), apontam que a ideia de

uma infância que será categorizada e submetida a normas regidas pelo saber científico,

emerge no Brasil graças à influência de teorias europeias, principalmente de inspiração

francesa, sobre o desenvolvimento infantil e seus possíveis desvios.


56

A partir dos estudos da pesquisadora, destacam-se dois acontecimentos históricos que

podem dar contornos à compreensão da emergência dos saberes e práticas que incidirão sobre

a infância anormal, em meados do século XIX na Europa, e que influenciarão o cenário

brasileiro. São eles o caso de “Victor Aveyron” (Lobo, 2016) e os estudos sobre

desenvolvimento propostos por Esquirol e revistos por Séguin (Lobo, 2008).

Com relação ao caso de Victor, trata-se de um menino encontrado por camponeses,

vivendo nos bosques de Aveyron, como um garoto selvagem, no final do século XVIII. O

menino foi entregue aos cuidados de Jean-Marc GaspardItard (1774 – 1838), médico

inspirado na ideia de que seria possível, através de métodos pedagógicos, transformar a

situação selvagem do garoto. O debate estabelecido entre Itard e Pinel a respeito do

diagnóstico de Victor e de seu tratamento, ao qual cada um se colocou com versões diferentes,

gerou um importante panorama das perspectivas que se concretizavam naquele momento

histórico.

Para Pinel, o menino se equiparava aos loucos de Bicêtre. Em sua concepção baseada

no inatismo, o ser humano já nasceria com suas limitações e, portanto, não haveria cura e

consequentemente, tratamento possível para a reversão do quadro patológico.

Discordando desta posição, Itard investe na possibilidade de transformação do quadro

selvagem do menino através de intervenções pedagógicas. Durante dez anos realizou

trabalhos que denominava de “medicina moral”, escrevendo relatórios que descreviam tanto

os pontos que considerava avanços, quanto os que indicavam o insucesso de seu trabalho. As

contribuições produzidas por este modelo influenciaram Édouard Séguin (1812-1880),

médico que deu continuidade a tendência conceitual de compreender o desenvolvimento

humano como um processo. Seguindo esta normativa central sustentava, então, a

possibilidade de intervir sobre aspectos ligados à deficiência e atrasos. Seria possível atuar

naquilo que aparece como anormal, a partir do investimento sobre o que seria mais primitivo:
57

as sensações e os movimentos. Este pulo conceitual é descrito nas palavras de Lobo (2016) da

seguinte maneira:

Séguin (...) apresenta a noção de desenvolvimento não mais como uma propriedade

ou uma faculdade dos indivíduos, mas como um processo universal, sujeito às

contingências de uma velocidade ou de uma parada. Na condição de processo, o

desenvolvimento é a norma da infância, quando poderá haver variações. E o mais

importante: ao universalizar o desenvolvimento, Séguin universalizou a idiotia como

etapa do desenvolvimento humano, que todas as crianças normais rapidamente

ultrapassam, enquanto as idiotas permanecem afundadas nesta etapa da infância

normal. (p. 545)

Segundo Lobo (2000, 2008 e 2016), os cuidados e conhecimentos desenvolvidos pela

Psiquiatria e pela Pedagogia, naquele período, produziram padronização e classificações a

respeito do desenvolvimento infantil, conhecimentos que visavam estabelecer certa

normalização desta etapa da vida. A partir daí, estabeleceu-se a infância como etapa passível

de intervenções e cuidados com relação à alienação. Ela própria como suscetível às doenças

mentais, ou como alvo de práticas preventivas ao adoecimento em outras etapas da vida.

No Brasil, o surgimento do Pavilhão-Escola Bourneville, em 1903, no Hospício

Nacional de Alienados, é um marco histórico para apontar a preocupação com a infância

anormal e os cuidados médicos e pedagógicos direcionados a esta população (Müller, 1998,

Lobo, 2008, Silva, 2009).

A construção de um pavilhão direcionado apenas para crianças fez parte de uma série

de mudanças ocorridas em função de denúncias com a situação em que se encontrava o

Hospício. Com relação às crianças, tornou-se preocupante o fato de estarem misturadas com

adultos e não receberem nenhum tipo de tratamento específico.


58

Historicamente, as reivindicações por mudanças na dinâmica da instituição surgiam

tanto da sociedade, através de denúncias em jornais, posicionamentos de figuras públicas

como também da própria classe médica. As novas estratégias utilizadas nos Hospícios

franceses, visitados por médicos brasileiros, de forma individual ou em comissões,

despertavam para a necessidade de adotar estratégias mais científicas e atualizadas naquela

instituição (Silva, 2009).

O nome utilizado para nomear o Pavilhão aponta para o caráter médico-pedagógico

destinado às práticas que deveriam ser desenvolvidas no estabelecimento. A referência era o

médico Desirè Magloire Bourneville (1840-1909), um dos principais promotores da laicização

dos hospitais parisienses, responsável pela separação entre adultos e crianças no Hospital de

Bicêtre, preconizador de uma educação médico-pedagógica pautada na metodologia que

visava à aprendizagem dos hábitos mais simples aos mais complexos, ajustando as crianças

anormais às normas sociais (Müller, 1998).

O crescente número de internações que se constatou ao longo dos anos, denota o

quanto a mentalidade da patologização dos comportamentos infantis e desqualificação das

famílias nos cuidados com as crianças, tornou-se dominante naquele contexto social. Em 1904

o pavilhão abrigava em torno de 36 crianças, mas, em 1907, o administrador do Hospício

alertava para a situação de superlotação. De acordo com Lobo (2007):

A consolidação do poder médico e o sucesso das campanhas de profilaxia dirigidas à

proteção à infância ajudaram a divulgar a necessidade da internação. (...) Instaurada a

caçada aos anormais com a expansão da rede escolar, a população do hospício só

tenderia a aumentar. (p. 77)

O novo lugar estabelecido para a infância e as articulações depreendidas da noção de

anormalidade para esta categoria, derivaram não apenas o hospício, como outras instituições

objetivadas para o controle desta população.


59

Articula-se à preocupação com a infância anormal a importância da utilidade do corpo

para o trabalho e adequação ao modo de produção capitalista. Portanto, serão os motivos

econômicos preponderantes para a detecção de crianças anormais: por um lado, o uso da mão-

de-obra de seus pais e cuidadores que dispensavam tempo atendendo às crianças e impediam

aqueles sujeitos de trabalhar e produzir para o capital; por outro, atentar para a anormalidade

era evitar, no futuro, o fardo social de perigos e degenerescências (Donzelot, 1980, Lobo,

2008). Os motivos escolares e profiláticos se associavam a estes de forma secundária, dando

contornos científicos e disciplinadores através das práticas e discursos especialistas.

Portanto, o hospício não foi o único a servir a estes fins. Também a noção de

periculosidade associada à criança pobre e abandonada produziu instituições com vistas à sua

recuperação e regeneração. Para este objetivo, serviu muito bem a associação entre os

discursos médico e jurista, que produziram a categoria menor, atribuída à infância pobre, que

passou a ser objeto de assistência e proteção do Estado (Rizzini, 2011).

(...) os saberes do direito, da pedagogia e da psicologia foram convocados a compor

um cordão sanitário ao redor da infância em nome da promoção de seu

desenvolvimento, compensando possíveis deficiências de um processo considerado

evolutivo. A construção desse cordão sanitário se deu a partir da identificação de

riscos a serem evitados. (Nascimento, Coimbra & Lobo, 2012, p.98)

Esta elaboração foi possível na medida em que o crime foi tomado como

comportamento desviante. Na esteira desta lógica, o discernimento do sujeito sobre seu ato

estava em jogo. Portanto, a compreensão do desvio seria passível de verificação pelo médico,

de encaminhamento pelo juiz e de prevenção e correção através da educação.

Ao se proclamar o aspecto perigoso do menor como marca natural de uma anomalia

ou um sintoma característico de uma doença, fez-se a partilha do controle da criança

entre o juiz e o médico, especificamente o psiquiatra. A ele atribuiu-se a autoridade,


60

não apenas para determinar o tratamento e as suas condições, mas o seu a priori, ou

seja, prevenir o perigo pela detecção antecipada de fatos possíveis de ocorrer, para agir

sobre o universo das intencionalidades. (Müller, 2005, p. 427)

O início do século XX viu crescer as instituições de acolhimento e de correção da

infância pobre. Privação de liberdade e atividades pedagógicas e laborais eram as estratégias

previstas para controlar os instintos desviados das crianças apreendidas. O esquadrinhamento

da infância pobre no Brasil está marcada pela construção de categorias ligadas à anormalidade

e perigo social. (Lobo, 2008, Rizzini, 2011)

No Brasil, este mesmo período foi caracterizado por profundas transformações no

cenário histórico e social, em que um projeto de nação, calcado em ideais positivistas e

liberais, entrava em curso. Colaborou para estas mudanças a ascensão dos especialistas

ditando, a partir de preceitos científicos, os padrões sobre os modos de ser, estar e viver que

condiziam com a dinâmica produtiva instaurada naquele momento.

O investimento sobre as famílias e, especialmente as crianças, deu-se pela ordem da

desapropriação do saber popular e introdução do saber médico no cotidiano dos grupos sociais

e dos indivíduos. O controle sobre o corpo e a saúde se estabeleceu através de estratégias que

incidiram sobre a criança como “bem da nação”. Os interesses econômicos e políticos

apontavam para a necessidade de regulação das famílias pobres e, portanto, dos trabalhadores

e de seus filhos (Rizzini, 2011).

A criança anormal emerge neste cenário a partir do discurso médico hegemônico, em

distintas ordens e diferentes intervenções, que, afinal, apontarão para o mesmo objetivo que

seria controle e regulação dos indivíduos dentro da dinâmica social estabelecida (Bianchi,

2015).

À infância pobre, como elemento econômico, (para o bem ou para mal, como vimos

anteriormente) restava o controle médico, pedagógico e jurídico: seja através da escola ou de


61

instituições filantrópicas em que eram vistas como passíveis de cuidados que garantissem um

futuro trabalhador dócil e impedissem a iminência de desvios; seja através da

institucionalização da criança anormal e/ou moralmente abandonada, ou seja, um perigo e um

fardo para a sociedade (Rizzini, 2011).

É neste complexo cenário de arranjos e contornos diversos que explicitamos a

emergência da criança anormal. Conceito que não é natural, possui uma história e uma

localização no tecido social, conforme pode-se observar neste capítulo.

Compreender uma leitura crítica do fenômeno da patologização da infância permite

dar visibilidade às engrenagens que puseram a funcionar a classificação de crianças através do

discurso médico e que se atualizam na contemporaneidade através de interesses e

configurações outras e que fabricam a lógica da medicalização da infância nos dias atuais.

1.3. Medicalização e infância anormal: o que há de novo?

Há no empenho de resgatar o contexto histórico da emergência da patologização da

infância, a tentativa de verificar em que contextos sociais, políticos e econômicos este

processo ganha contornos hegemônicos de controle das condutas e padronização de

comportamentos. Longe de acreditar que a patologização do início do século XX manteve-se

a mesma, apontamos que sua emergência naquele contexto histórico marca duas posições

importantes: a primeira de que ao se tratar de algo que não é natural, pode, portanto, ser

compreendido segundo os arranjos e interesses das contradições sociais sustentadas por

determinado modelo socioeconômico. A segunda é que, ao compreendermos esta emergência

e as engrenagens que a sustentaram, podemos apreender na história as aproximações e

distanciamentos das configurações presentes na contemporaneidade.


62

A aliança médico-pedagógica foi um dos principais pilares da emergência do controle

especialista sobre a infância, tal fenômeno pôde ser observado nos contextos de países

próximos ao Brasil, como afirma Bianchi (2015):

La infancia como preocupación se ligó históricamente a explicaciones tanto

conductuales como neurológicas. Diversos autores han rastreado descripciones de

figuras de infancia subsidiarias de estas explicaciones. Entre fines del siglo XIX y la

segunda década del siglo XX, en Europa, EEUU y América Latina, y desde espacios

médicos, jurídicos y escolares se crea un “mercado de la infancia”, que redunda en la

formación de un nuevo campo, el médico-pedagógico (p. 763)

Esta constituição aprofundou-se em diferentes facetas, usando do conhecimento “psi”

como ferramenta estratégica, especialmente no interior das escolas, uma de suas principais

atuações.

A expansão das redes escolares e o surgimento das primeiras classes especiais nas

escolas públicas aconteceu na década de 1930. Os espaços do internato e do colégio foram

alvo dos olhares de especialistas que os viam como modelos de ambiente em que deveriam

crescer as crianças: cercadas das condições propícias para a infância e educadas segundo

método pedagógico ditado pelos higienistas. Local de disciplinarização do corpo e da mente, a

escola deveria ter como objetivo o corpo forte, sexual e moralmente regrado, através da

disciplina física, moral e intelectual. (Costa, 1999)

A escola tornou-se instituição estratégica na intervenção e formação de sujeitos

adequados à nova ordem social. Por isso, tornar a educação mais “científica” significou inserir

os conhecimentos psicológicos no cotidiano escolar, transformando-os em regras

pedagógicas. De acordo com Patto (2000):

E a Psicologia era feita, sobretudo, de testes e aparelhos de mensuração psicofísica,


63

tidos como instrumentos infalíveis de organização da escola, de orientação vocacional

e profissional, de classificação dos alunos para diversificar a educação. (p. 324)

Este contexto garantiu que, na instituição escolar, pudessem ser apontados os

diferentes e inadequados ao sistema. Nas palavras de Lobo (2007) “a passagem pela escola

passou a ser, então, momento áureo da detecção dos anormais mediante toda a sorte de

classificações e gradações de anormalidade, cada vez mais apuradas.” (p.78)

Os discursos psicológicos que silenciavam, e ainda silenciam, as desigualdades sociais

e atribuem aos sujeitos características individuais e patologias que justificam o fracasso

escolar, consolidaram seu espaço no ambiente escolar amparados pelos discursos e métodos

científicos desenvolvidos nas décadas anteriores. Ao mesmo tempo, deram suporte a uma

prática clínica “psi” voltada para a adaptação das diferenças e desvios entre os alunos. Além

disso, a mensuração de questões subjetivas e cognitivas, possível através dos instrumentos e

testes psicológicos, coadunou perfeitamente com os interesses das classes econômicas

privilegiadas: na medida em que explicava cientificamente o fracasso sob uma perspectiva

individualista, silenciando os processos de resistência ao sistema de opressão reproduzido na

instituição escolar (Patto, 2005).

Mas a exclusão dessas crianças não se deveu apenas às práticas dos testes psicológicos

e das seleções escolares. A precariedade generalizada das condições de funcionamento

da grande maioria das escolas no país e a degradação ainda maior que se observa

atualmente no ensino público têm, até hoje, sua contrapartida num subproduto: as

figuras do “atrasado escolar” e do “portador de distúrbios de aprendizagem” ou, em

terminologia médica ainda mais atual, o TDAH (transtorno do déficit de atenção e

hiperatividade) – uma multidão de crianças que, mesmo após anos de escolarização,

sequer consegue alfabetizar-se. (Lobo, 2007, p.78)


64

Os discursos de especialistas sobre as formas corretas de educar, cuidar e castigar as

crianças e as consequências de não seguir as regras ditadas pelos experts, exerceram, e ainda

exercem, grande influência entre pais, educadores e a população em geral. O modelo médico e

as terapêuticas associadas a ele têm ampliado cada vez mais sua jurisdição, campos de

atuação e esferas de competência. Nesta esteira, seja a Medicina, ou as especialidades

associadas ao campo da saúde, como a Psicologia, a Fonoaudiologia, a Fisioterapia, por

exemplo, ganham cada vez mais legitimidade nos processos de produção de diagnósticos,

intervenções e prescrições sobre o bem-viver (Natella, 2008). A culpabilização da família por

qualquer tipo de comportamento desviante e a naturalização da intervenção do especialista

como fórmula salvadora de todo problema tiveram sua emergência em um determinado

contexto histórico, cujo projeto societário permanece em movimento. Tal configuração se

atualiza na contemporaneidade como importante estratégia de manutenção da ordem vigente,

cobrando-se das famílias “uma postura ativa na preservação da saúde e do ambiente como se

esses bens coletivos estivessem ao alcance individual, desconsiderando os determinantes das

iniquidades em saúde” (Barbiani, Junges, Asquidamine & Sugizaki, 2014, p. 567).

Historicamente, os arranjos institucionais da escola se montaram em torno de relações

hierarquizadas, discursos de meritocracia e culpabilização da família ou do aluno quando algo

vai mal no processo de ensino-aprendizagem (Patto, 2005; Souza, 2002). Afinal, considera-se

que o sujeito-aprendiz deve ser passivo e submisso, calmo e resignado, atento e obediente. O

que se apresenta a mais ou a menos pode ser a diferença que deve ser diagnosticada, tratada e

medicalizada. De acordo com Ribeiro (2015):

O que interessa é o atendimento aos padrões pré- estabelecidos e o alcance dos

resultados idealizados, independente das características e necessidades do processo de

escolarização das crianças/adolescentes, bem como de suas múltiplas expressões e


65

manifestações. Portanto, nega-se a diversidade e riqueza das experiências dos sujeitos

em detrimento da padronização institucionalizada do sistema escolar. (p. 21)

Diversos são os trabalhos que debatem a dificuldade da Escola para lidar com a

diferença. O que os pesquisadores apontam é que neste espaço ainda predominam as

tentativas de tornar os alunos silenciosos, competentes para a realização de provas, obedientes

a regras, enfim, enquadrados em um padrão de aluno: modelo e fôrma que não comportam as

singularidades humanas e as resistências à opressão social (Patto, 2005 e 2000; Ribeiro,

2014). Nesse contexto, as diferenças são apontadas como transtornos do comportamento ou

da aprendizagem, encontrando na lógica da patologização espaço para a culpabilização do

indivíduo por suas possíveis falhas ou limites.

Reverbera, portanto, nos campos da saúde e da educação o critério intimista que baseia

qualquer reflexão ou intervenção voltadas unicamente para sujeitos e famílias, descartando as

contradições históricas que produzem as subjetividades, as normas e as próprias condições de

existência.

Exemplo desta produção histórica sobre o controle e a normatização dos

comportamentos é a reflexão sobre a patologização da infância nos tempos atuais a partir de

uma consulta minuciosa aos manuais psiquiátricos em vigor, pois revelam uma enorme gama

de classificações do comportamento infantil. A leitura dos diagnósticos disponíveis nos ditos

manuais causa um enorme estranhamento, na medida em que se dedicam a tantas diferentes

expressões subjetivas que parece que todo e qualquer comportamento está passível de ser

categorizado.

A ampla gama de sintomas presentes nos manuais bem como a forma diagnóstica

proposta por eles permitem que muitos acontecimentos cotidianos, sofrimentos

passageiros ou outros comportamentos, possam ser registrados como sintomas

próprios de transtornos mentais. A socialização do DSM-IV na formação médica geral


66

permite que clínicos de outras especialidades, que não a psiquiátrica, possam medicar

com facilidade seus pacientes. Não se trata de sugerir a manutenção do domínio

psiquiátrico nesse caso, mas de revelar a banalização do diagnóstico e o uso irrestrito

de medicações como intervenção diante da vida. (Guarido, 2007, p. 158)

Os ditos comportamentos desviantes tornam-se frequentemente alvo de diagnósticos,

discursos e práticas biomédicas que culminam, muitas vezes, com a recomendação de

terapêuticas farmacológicas. A patologização acrítica aciona, portanto, o funcionamento de

engrenagens como a medicalização da vida,o uso banalizado de drogas psicotrópicas e seus

consequentes riscos para o desenvolvimento infantil (Conselho Federal de Psicologia, 2012;

Moyses & Collares, 2010; Nascimento, Coimbra & Lobo, 2012).

A medicalização da vida implica na compreensão de que o adoecimento tem como

única causa a desordem orgânica, e que a prescrição medicamentosa seria a solução ideal para

conter o sofrimento humano. Esta lógica biopolítica transforma questões de ordem social,

política, econômica, cultural e histórica, em uma suposta relação causal orgânica, ou seja, de

ordem médica (Canguilhem, 2009; Lemos, 2014; Lobo, 2008, 2007).

Entendemos por medicalização o processo em que as questões da vida social, sempre

complexas, multifatoriais e marcadas pela cultura e pelo tempo histórico, são reduzidas

à lógica médica, vinculando aquilo que não está adequado às normas sociais a uma

suposta causalidade orgânica, expressa no adoecimento do indivíduo. (Fórum sobre a

Medicalização da Educação e da Sociedade, 2010)

As consequências destes processos que rotulam e submetem a vida de crianças e suas

famílias a uma classificação nosológica ultrapassam a dimensão individual: incidem sobre o

contexto social de forma ampla e complexa. Tais mecanismos se tornam ainda mais graves

quando direcionados a crianças e famílias pobres. (Moyses & Collares, 2002, 2006, 2013;

Ribeiro, 2014).
67

A padronização e classificação do que é tido como aceitável e dentro das normas

estabelecidas, bem como daquilo que escapa desses limites, formam um só movimento.

(Canguilhem, 2009; Ribeiro 2014). Segundo Moysés e Collares (2013, p. 44) “Vivemos a Era

dos Transtornos. Uma época em que as pessoas são despossuídas de si mesmas e capturadas-

submetidas na teia de diagnósticos-rótulos-etiquetas, antigos e novos, cosmeticamente

rejuvenescidos ou reinventados”.

Na esteira deste pensamento, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou, em

2012, a cartilha “Subsídio à campanha não à medicalização da vida” em que afirma:

Uma vez classificadas como “doentes”, as pessoas tornam-se “pacientes” e

consequentemente “consumidoras” de exames, tratamentos, terapias e

medicamentos, que transformam seu corpo e sua subjetividade em problemas, alvos

da lógica medicalizante, que deverão ser sanados individualmente. (CFP, 2012, p.17)

Associado a este processo, assistimos a indústria farmacêutica crescendo

vertiginosamente em um contexto social que, apesar de alargar discursos moralistas e ações

repressoras sobre as drogas ilegais, legitima o crescente consumo das drogas lícitas

passivamente. O nicho mercadológico criado pela relação entre mal-estar e medicamentos

impulsiona uma economia promissora para a indústria de psicofármacos e outros atores

sociais atuantes nestas engrenagens. (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2012)

Portanto, enquanto na sociedade brasileira são feitos enormes alardes em relação às

drogas ilícitas e campanhas envolvendo grandes somas de dinheiro público são

realizadas para o controle e tratamento de algumas delas, como o crack, há outra

questão de enorme importância que é o avanço na utilização das drogas lícitas. No

Brasil, por exemplo, o metilfenidato, substância dada para crianças e adolescentes com

a pretensão de diminuir o chamado “déficit de atenção” na escola, subiu de 70.000

caixas vendidas em 2000 para dois milhões de caixas em 2010, inserindo o Brasil no
68

segundo maior consumidor dessa droga no mundo, perdendo somente para os Estados

Unidos. (CFP, 2012, p. 5)

Para compreendermos esta importante denúncia, cabe ressaltar o destaque que o

Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem alcançado nos trabalhos

críticos a respeito da medicalização. Por isso, trazê-lo neste momento, apesar de não ser

objeto desta pesquisa, serve como importante elemento analisador da patologização e

medicalização da infância em nossa realidade.

O TDAH é uma das possíveis classificações do diagnóstico de Transtornos

Hipercinéticos. Conceitualmente, tal transtorno é descrito pela 10ª Revisão da Classificação

Internacional de Doenças (CID-10) da seguinte maneira: trata-se de “falta de perseverança nas

atividades que exigem um envolvimento cognitivo, e uma tendência a passar de uma atividade

a outra sem acabar nenhuma, associadas a uma atividade global desorganizada, incoordenada

e excessiva.” Entre as classificações possíveis deste Transtorno encontram-se: Síndrome de

déficit da atenção com hiperatividade, Transtorno de déficit da atenção com hiperatividade

(TDAH), Transtorno de hiperatividade e déficit da atenção, Transtorno hipercinético de

conduta, entre outros. O comportamento tido como desatento, agitado, impulsivo,

desorganizado encontra no diagnóstico a justificativa para uma intervenção clínica, na maior

parte das vezes seguida de prescrição de medicamentos psicotrópicos. É preocupante pensar

que os instrumentos de diagnóstico destes Transtornos são questionáveis, que o Brasil ocupe o

segundo lugar mundial no consumo de metilfenidato e, mais ainda, que a Escola sustente

relação direta com esta produção (Moyses & Collares, 2002 e 2006).

A gestão da demanda pelo diagnóstico de Transtornos Hipercinéticos e o modo como

este é recebido pela Escola constitui-se importante analisador da relação entre Escola, Saúde e

Sociedade. Os sintomas associados ao Transtorno Hipercinético têm relação direta com o

desempenho escolar, o que coloca os números relativos ao diagnóstico e ao tratamento na


69

berlinda de um debate sobre políticas públicas de saúde, educação e atenção à infância. Para

compreendermos estes números, tomamos como base os índices de consumo do principal

medicamento prescrito para o TDAH.

Uma das principais intervenções diante de tal diagnóstico é o uso do medicamento

metilfenidato, também conhecido pelos nomes de Ritalina e Concerta. Dados registrados

no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), coordenado

pela ANVISA, sobre a prescrição e o consumo deste medicamento no Brasil, nos anos de

2009 a 2011, apontam o crescimento de 74,8% do consumo deste medicamento entre

crianças de 6 a 16 anos. O estudo demonstra a partir de uma análise criteriosa, além de

descrições sobre o medicamento e recomendações, dados estatísticos a respeito da

prescrição e do consumo do metilfenidato, no país de modo geral, por regiões e nas

principais capitais. Chama a atenção, além da evidência do aumento do consumo do

medicamento, o fato de que há, em todos os anos pesquisados, picos de utilização do

remédio no segundo semestre, e diminuição nos meses correspondentes ao período de

férias escolares. Cabe destacar, ainda, que na seção de conclusões, o estudo ressalta a

seguinte informação acerca da movimentação do mercado de metilfenidato e o diagnóstico

de TDAH:

A partir da estimativa de gasto direto total das famílias brasileiras com a aquisição

de metilfenidato, foi verificada uma concentração de mercado para o tratamento de

TDAH com três apresentações farmacêuticas, todas de um mesmo laboratório,

assegurando 92% das vendas de metilfenidato no país. (SNGPC, 2012, p. 13)

Em outras palavras, é possível supor, a partir deste relatório, que a relação

estabelecida entre o uso do medicamento e o desempenho escolar é proporcionalmente

direta. O padrão estabelecido para o sucesso escolar quando não alcançado pelas

crianças, torna-se queixa sobre comportamento. O caminho traçado neste percurso é


70

conhecido: encaminhamento a profissionais de saúde, onde o comportamento da criança

passa ser investigado, classificado, diagnosticado e medicalizado (Guarido, 2007;

Kamers, 2013).

O principal medicamento utilizado é o metilfenidato, um estimulante do Sistema

Nervoso Central que teria como objetivo melhorar a concentração, reduzir o cansaço e

colaborar no armazenamento de mais informação em menos tempo. Entretanto, é sabido

que este medicamento pode trazer dependência química, pois tem o mesmo mecanismo

de ação da cocaína, sendo, inclusive, classificada por um órgão do Departamento de

Justiça dos Estados Unidos como um narcótico.

Neste mesmo país, o departamento de saúde, ao fazer levantamento a respeito de

publicações sobre o TDAH, no período de 1980 a 2010, avaliou que grande quantidade

de trabalhos era inconsistente ou não apresentavam metodologias adequadas, sendo,

portanto, os discursos científicos a respeito do uso do metilfenidato como tratamento,

considerados inadequados. A recomendação aponta para a orientação familiar como

melhor estratégia de cuidado com as crianças (Gardenal, 2013).

De acordo com revisão sistemática publicada pela Cochrane8 (2015), não há certeza de

que o metilfenidato tenha benefícios no tratamento do suposto "TDAH", além de estar

associado ao aumento do risco de eventos adversos, tais como problemas de sono e

diminuição do apetite.

A médica-pediatra Maria Aparecida Moysés, em entrevista a EBC, enumera as reações

adversas suscitadas pelo uso prolongado da droga:

8
Instituição não-governamental que reúne diversos pesquisadores no mundo para realizar revisões sistemáticas,
objetivando disponibilizar a melhor evidência possível sobre determinado assunto. Os profissionais de saúde
utilizam essa base de dados como apoio a tomadas de decisões.
(http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD009885.pub2/epdf/abstract)
71

As reações adversas estão em todo o organismo e, no sistema nervoso central

então, são inúmeras. Isso é mencionado em qualquer livro de Farmacologia. A

lista de sintomas é enorme. Se a criança já desenvolveu dependência química, ela

pode enfrentar a crise de abstinência. Também pode apresentar surtos de insônia,

sonolência, piora na atenção e na cognição, surtos psicóticos, alucinações e

correm o risco de cometer até o suicídio. (...) Além disso, no sistema

cardiovascular é possível ter hipertensão, taquicardia, arritmia e até parada

cardíaca. No sistema gastrointestinal, quem já tomou remédio para emagrecer

conhece bem essas reações: boca seca, falta de apetite, dor no estômago. A droga

interfere em todo o sistema endócrino, que interfere na hipófise. Altera a secreção

de hormônios sexuais e diminui a secreção do hormônio de crescimento. Logo, as

crianças ficam mais baixas e também essa droga age no peso. (2014, p.1)

No ano de 2013, o Centro de Vigilância Sanitária do estado de São Paulo publicou um

Alerta Terapêutico em Farmacovigilância chamando a atenção de profissionais da saúde e

estabelecimentos farmacêuticos sobre os cuidados na prescrição, dispensação e uso de

medicamentos que contêm a substância metilfenidato. Tal documento foi elaborado em

função da avaliação de “553 notificações de suspeitas de reações adversas associadas ao uso

do metilfenidato, recebidas no período de dezembro de 2004 a junho de 2013”. As referidas

reações adversas incluíam sintomas como atraso no desenvolvimento, depressão, eventos

cardiovasculares, entre outros.

Importante ressaltar que, em 2014, a cidade de São Paulo instituiu o Protocolo do uso

do Metilfenidato através da portaria 986/2014, conquista emblemática no percurso histórico

de luta contra a medicalização.


72

Durante a Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos (RAADH), realizada

em Brasília, no ano de 2015, foi aprovada a Recomendação 01/2015: Medicalização de

Crianças e Adolescentes. Em seu texto, destaca-se o seguinte “Que, na perspectiva de garantia

de direitos e liberdades fundamentais, é importante garantir o direito de crianças e

adolescentes a não serem excessivamente medicados.” (RAADH, 2015, p. 01).

Outra importante mobilização, desta vez trazendo o Ministério da Saúde como

signatário, é o documento “Recomendações sobre o Uso Abusivo de Medicamentos na

Infância”. Lançado no ano de 2015, seu texto faz uma importante contextualização histórica e

de dados a respeito da problemática. Além disso, aponta em suas conclusões a importância da

“publicação de protocolos municipais e estaduais de dispensação de metilfenidato, seguindo

recomendações nacionais e internacionais para prevenir a excessiva medicalização de crianças

e adolescentes.” (Ministério da Saúde, 2015, p. 08).

Na Argentina, o Observatório de Drogas lançou, em 2008, o Relatório final de

pesquisa denominado: “La medicalización de lainfancia. Niños, escuela y psicotrópicos”. A

problemática do uso de psicotrópicos associado a crianças e ao ambiente escolar também se

apresenta naquele país como uma importante preocupação.

No referido relatório, o uso do medicamento aparece relacionado ao período escolar,

assim como apontado no Brasil. Além disso, no que diz respeito ao consumo do

metilfenidato, o trabalho aponta crescimento na importação do produto, o que em termos de

comercialização significaria aumento do consumo. Há uma importante elaboração a respeito

desta relação entre os sistemas de educação e saúde na problematização do diagnóstico e

cuidados em torno do TDAH. A sistematização dos dados da extensa pesquisa produzida

naquele país, em diálogo com os trabalhos desenvolvidos por aqui, podem nos ajudar a

produzir importantes reflexões de nossa realidade.


73

Na esteira dessa luta, o uso e abuso do medicamento e as consequências negativas

derivadas de seu uso são uma importante causa a ser debatida.

A medicalização do comportamento infantil aponta a grave problemática que precisa

ser enfrentada por nossa sociedade. É muito preocupante a evidência de que o uso de

metilfenidato tenha consequências graves sobre os corpos e desenvolvimento das crianças e

que, mesmo diante da frágil sustentação científica, tanto da existência dos transtornos para o

qual a droga legal se dirige, quanto para a eficácia do uso do medicamento, mesmo assim, se

multiplicam-se diagnósticos e prescrição de receitas em larga escala.

Ressalte-se que a problematização a ser amplamente dialogada com diversos setores

da sociedade, não deve ser resumida à eficácia ou não da droga, ainda que seja parte

fundamental deste problema, mas, à necessidade de enfrentarmos as engrenagens sociais que

insistem em normatizar o comportamento infantil e utilizar as drogas prescritas como única

terapêutica para o sofrimento humano.

Um segundo evento analisador a respeito da patologização e medicalização da infância

é a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Psiquiatria do Desenvolvimento.

O importante alerta a respeito dos objetivos e interesses desta instituição foi elaborado por

Nascimento, Coimbra e Lobo (2012) que, ao se debruçarem sobre os projetos do Instituto,

convocam-nos a um posicionamento ético-político sobre a lógica que opera nestes

documentos. Investigações que podem ir desde a gestação à adolescência de sujeitos, até a

coleta de material genético de crianças e seus pais, com o intuito de investigar a relação gene-

ambiente. Este projeto implica em um dispositivo de prevenção e controle pautados na

perspectiva de que existe um padrão universal no desenvolvimento humano e que toda e

qualquer detecção de desvio do normal pode ser verificada, controlada, contornada. Ainda

prevalece uma perspectiva biologizante de que organismo apenas reage às interações com o
74

ambiente, garantindo neste discurso médico que o controle das reações poderia ser feito

através do governo do ambiente, ou do controle do organismo.

Além disso, também está presente nesta problemática a ação da indústria farmacêutica

apontada como financiadora dos projetos e sempre vinculada a estratégias de bonificação de

profissionais que prescrevem em boas quantidades seus produtos. Estão em jogo não apenas

as questões financeiras ligadas aos ganhos da indústria farmacêutica, por exemplo, mas

também o fato de que o uso das drogas lícitas torna os sujeitos mais alienados em relação ao

seu corpo, seu contexto social e sua vida.

Nascimento, Coimbra e Lobo (2012) apontam a estrita ligação dos projetos veiculados

por este Instituto às práticas eugênicas e o modo como elas se atualizam: “O levantamento de

fatores genéticos e ambientais e o acompanhamento à gestante, sob o pretexto da saúde

mental quanto à prevenção de riscos, vêm aperfeiçoando mecanismos eugênicos de controle

da vida, que recaem, sobretudo, nos filhos da pobreza.” (p. 94). Assim, repetem nos projetos a

lógica de que as escolas são aliadas na investigação junto a crianças e famílias que precisam

se submeter à pesquisa em saúde e educação para dispor do saber especialista sobre suas

vidas.

As problemáticas presentes nos analisadores aqui apresentados: o TDAH e os projetos

do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Psiquiatria do Desenvolvimento,

corroboram para problematização da patologização e medicalização da infância. Em comum.

certo modo de funcionamento das instituições escolares e de saúde, legitimado pelos

especialismos (o olhar negativo da falta), entre eles a Psicologia. Exibem um traço perverso

que é apontar uma falta na criança, que deve ser controlada e em nome do cuidado

estabelecem-se os critérios de prevenção, estigma e controle.

Diante deste cenário, pesquisadores de diferentes campos do conhecimento

construíram no Brasil, no ano de 2012, um importante espaço de debate sobre a medicalização


75

da vida: o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (FMES9), resultado de

uma intensa mobilização de diversas organizações ligadas à Psicologia, à Educação e à

Saúde10 para problematizar a lógica que transforma questões de ordem social, cultural e

histórica, como resumidas a condições orgânicas e passíveis de serem resolvidas através do

uso das drogas lícitas.

Desde sua criação, o Fórum tornou-se principal referência para profissionais e

pesquisadores. Além da coordenação nacional, há a organização de núcleos estaduais que

promovem discussões sobre temas relacionados à medicalização e a promoção de Seminários

Nacionais e Internacionais para divulgação e circulação dos principais debates, mobilizações

sociais e produções acadêmicas sobre a temática.

Vale ressaltar que a produção científica sistematizada sobre o tema também tem

ocupado espaço nos periódicos cadastrados em bases de dados renomadas. Tanto em âmbito

internacional, quanto nacional, o que se percebe com uma busca preliminar é o crescente

número de materiais que abordam a questão da medicalização.

Objetivando consubstanciar estes apontamentos, realizou-se, para fins desta tese, uma

busca na plataforma Scopus11, com o intuito de compreender os rumos da publicação

científica sobre a temática no cenário internacional. Para isto, introduziu-se o termo

medicalization no espaço de busca, utilizando-se o filtro keyword, com base no critério de que

trabalhos publicados em revistas científicas apresentam sempre uma versão do resumo como
9
medicalização.org.br
10
O Fórum foi lançado no ano de 2010, durante o I Seminário Internacional “A Educação Medicalizada:
Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos”, em São Paulo. De acordo com a descrição do site oficial do
Fórum:“Durante o lançamento do Fórum foi aprovado o Manifesto que, nesta ocasião, obteve a adesão de 450
participantes e de 27 entidades. Este documento destaca os objetivos do Fórum, suas diretrizes e propostas de
atuação.” (Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade , 2010) Entre as entidades encontram-se o
Conselho Federal de Psicologia, o Conselho Federal de Farmácia, Sindicatos, Associações, Faculdades,
Organizações da Sociedade Civil, entre outros.
11
De acordo com a Elsevier, editora da base de dados: “trata-se da maior base de dados de resumos e citações de
literatura revisada por pares, com ferramentas bibliométricas para acompanhar, analisar e visualizar a pesquisa.
Scopus contém mais de 22.000 títulos de mais de 5.000 editores em todo o mundo, abrangendo as áreas de
ciência, tecnologia, medicina, ciências sociais e Artes e Humanidades. Além disso, contém mais de 55 milhões
de registros que remontam a 1823, dois quais 84% possuem referências que datam de 1996.”
(https://www.elsevier.com/__data/assets/pdf_file/0010/245818/Scopus-Quick-Reference-Guide-PT.pdf)
76

Abstract e junto a ele, as palavras-chave (keyword). Os resultados apresentados pela

plataforma confirmaram esta ideia ao identificar trabalhos em países de diferentes

continentes.

Os resultados obtidos foram significativos, ainda que seja necessário atentar para o

fato de que se trata apenas de uma busca preliminar e que os referidos trabalhos precisariam

de leitura criteriosa para que pudéssemos ter mais precisão nas análises. Além disso, muitos

periódicos científicos que estiveram em circulação no formato impresso, não estão

disponíveis no formato digital, o que exclui possíveis produções desenvolvidas naquele

modelo. Ainda assim, os dados apresentados a seguir colaboram para a ilustração de um

cenário científico a respeito do tema.

Estes dados podem ser verificados no gráfico abaixo, retirado diretamente da

plataforma Scopus.

160 1978
1980
140 1985
1990
120
1995
100 2000
2005
80 2006
2007
60 2008
2009
40 2010
2011
20
2012
0 2013
2014
Ano de Publicação
2015

Figura 3. Publicações com a palavra chave medicalization (1978-2015)


Nota: Relação entre ano de publicação e quantidade de publicação, obtido na plataforma Scopus quando solicitada a
busca na categoria palavra-chave do termo medicalization.12

12
Dados obtidos em 28/05/2017, retirados de: https://www.scopus.com
77

Outro filtro foi adicionado nesta busca: área de conhecimento. Neste item, as primeiras

a serem enumeradas são as seguintes, com seus respectivos números de trabalhos associados:

1) Medicina (617); 2) Ciências Sociais (414); 3) Artes e Humanidades (157); 4) Psicologia

(142).

A mesma pesquisa foi realizada na plataforma BVS (Biblioteca Virtual em Saúde),

com entrada dos termos medicalization e medicalização. Os resultados obtidos foram os

mesmos para as duas palavras: 290 trabalhos listados, no período de 2007 a 2013. No caso

desta plataforma, como os trabalhos podem aparecer mais de uma vez na listagem,

consideramos relevante destacar que o período de tempo das publicações a respeito do tema,

acompanha a tendência de que tal temática ganhou mais visibilidade recentemente nas

discussões científicas.

Por fim, repetiu-se o procedimento na plataforma de busca de Banco de Teses e

Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

que diz respeito apenas à produção brasileira no nível de pós-graduação. O termo utilizado foi

medicalização e o resultado se expressa nos seguintes números: 616 trabalhos, no período de

1996 a 2016. O gráfico abaixo detalha a relação entre o ano e a quantidade de publicações:
78

100

1996
90
1997
1998
80
1999
2000
70
2001

60 2002
2003
50 2004
2005
40 2006
2007
30
2008
2009
20
2010

10 2011
2012
0 2013
Ano de Publicação 2014
2015

Figura 4. Publicações com a palavra chave medicalization (1996-2015)


Nota: Relação entre ano de publicação e quantidade de trabalhos de Pós-Graduação publicados, obtido na plataforma de
Banco de Teses e Dissertações da CAPES13, quando solicitada a busca na categoria palavra-chave do termo medicalização.
Dados obtidos em 28/05/2017, retirados de: bancodeteses.capes.gov.br/banco-teses/

Neste intervalo de tempo, a primeira aparição de um trabalho filiado a um Programa

de Pós-Graduação em Psicologia que tratasse de medicalização e infância aparece em 2009,

com o título “A vigilância punitiva: a postura dos educadores no processo de patologização e

medicalização da infância”, de autoria de Fabiola Luengo, desenvolvida na Universidade do

Estadual Paulista (UNESP).

De um modo geral, os trabalhos aparecem vinculados a programas de Educação,

Saúde Coletiva, História, Antropologia, Enfermagem, entre outros.

13
Dados obtidos em 28/05/2017, retirados de: bancodeteses.capes.gov.br/banco-teses/
79

Com relação aos Grupos de Pesquisa cadastrados no Diretório de Grupos do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aparecem 35 resultados para

a busca derivada do termo “medicalização”. Estão localizados em diversas instituições de

pesquisa e universidades, e concentram-se em diferentes regiões do país: 6 no Sul, 14 no

Sudeste, 3 no Norte e 7 no Nordeste. As áreas de conhecimento são diversas, tais como Saúde

Coletiva, Psicologia, Sociologia, Enfermagem, Fonoaudiologia, etc. Trata-se, portanto, de um

retrato do cadastramento em bases oficiais, e não necessariamente uma ilustração dos

movimentos e produções de grupos percebidos no cotidiano das relações entre pesquisadores.

Atualmente, o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade agrega um

grupo de profissionais e pesquisadores de importante destaque e contribuição para os debates

promovidos em encontros acadêmicos e científicos nos âmbitos local, regional e nacional.

Entre algumas representantes poderíamos chamar a atenção para Lygia Souza Viegas,

professora da Universidade Federal da Bahia e Marilene Proença Rabello de Souza professora

da USP. Pesquisadoras de bastante relevo, que congregam estudantes de graduação e pós-

graduação atuantes na temática, além de ocuparem funções em Associações científico-

profissionais, Conselhos, e outras entidades de notório reconhecimento. Neste sentido, cabe

sinalizar que os principais eventos a respeito da medicalização _ ligados ao Fórum, direta ou

indiretamente_ estavam divididos no eixo Salvador - São Paulo nos últimos anos.

A criação do Movimento “Despatologiza”14 no ano de 2014, está ligada a ruptura de

importantes profissionais com o Fórum, no ano de 2013, o que apontou uma cisão entre o

grupo e a emergência de uma nova Associação de caráter multidisciplinar. Maria Aparecida

Moysés (Unicamp) e Cecília Collares (Unicamp), cuja produção acadêmico-científica é uma

das mais importantes na área e historicamente reconhecidas por sua militância na temática,

lideraram e concentram em torno de sua atividade o Movimento. As ações se desenvolvem

14
https://www.despatologiza.com.br/
80

principalmente em Campinas, cidade sede da Associação, mas já encontra núcleos em Recife

e Belo Horizonte. (Carvalho, 2016)

Cabe registrar que a movimentação em torno do Fórum e do Despatologiza ganham

contornos mais estáveis na medida em que ligados a grupos de pesquisa nas universidades. A

ruptura dos grupos não significou a criação de uma oposição, ambas divulgam as atividades e

publicações da outra em suas redes sociais, por exemplo.

Importante movimento de reforço nas discussões sobre a medicalização é a

emergência da figura de Paulo Amarante, renomado professor e pesquisador da Fiocruz,

conhecido por sua atuação na Luta Antimanicomial, desenvolvendo com seu grupo de

pesquisa trabalhos e eventos acerca do tema. Ainda no ano de 2017, a realização do Seminário

Internacional “A Epidemia das Drogas Psiquiátricas”, contou com convidados como Robert

Whitaker e outros destaques internacionais e nacionais. Tal atividade não teve relação direta

com o Fórum, ainda que o mesmo tenha divulgado em suas redes sociais o evento15, mas

conta com o apoio do Despatologiza e a presença das pesquisadoras Maria Aparecida Moysés,

Cecília Collares e Biancha Angelucci (USP), mostrando novos vínculos políticos e

acadêmicos em curso entre os pesquisadores com interesse sobre o tema.

O breve panorama abordado até aqui colabora para ratificar a compreensão de que os

debates a respeito da medicalização tornaram-se mais volumosos no início deste século. Neste

sentido, atenta-se para a representação que as discussões promovidas neste campo ganham,

mostrando uma preocupação da comunidade científica com o cenário complexo e preocupante

que tal fenômeno passou a tomar.

15
O que não quer dizer que não haja relação entre o grupo do professor e o Fórum, já que Paulo Amarante foi
convidado do Seminário Regional do Fórum, realizado na Universidade Federal Fluminense no mês de setembro
do mesmo ano.
81

Nesta perspectiva, a colaboração deste trabalho à temática tentará circunscrever o

diagnóstico de deficiência mental como mais uma das facetas do processo de medicalização

da infância e as implicações históricas e políticas no contexto atual.

1.4 “Deficiência Mental”: um acontecimento em análise

A utilização do termo “Deficiência Mental” refere-se ao modo como o quadro

nosológico de Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais é conhecido e utilizado na

realidade pesquisada. Neste sentido, ao recorrermos a esta expressão, referimo-nos a uma

categoria histórica e analítica.

A “deficiência mental” serve como um dos analisadores desta tese e remonta às

fronteiras entre a problemática da medicalização e da infância anormal. O crescimento do

número de crianças diagnosticadas na cidade estudada impulsiona a necessidade de analisar a

“deficiência mental” como uma categoria que possui uma história e, portanto, deve ser

articulada com as condições que propiciaram sua emergência, rupturas e permanências.

A noção de “deficiência mental” remonta ao século XVIII e está ligado à perspectiva

funcional do desenvolvimento humano. Historicamente, está associada à categoria de idiotia

utilizada naquele momento para designar os considerados desvios do comportamento e falta

de inteligência. De acordo com Carvalho e Maciel (2003), a deficiência mental aparece

representada como um “comprometimento permanente da racionalidade e do controle

comportamental” (p. 149). Tais noções eram atribuídas a desordens no funcionamento das

estruturas orgânicas dos sujeitos que geravam déficit intelectual, social e afetivo.

No início do século XIX, tomado como de natureza psicopatológica, o idiotismo,

termo que constitui a emergência da categoria “Deficiência Mental”, foi categorizado como

uma forma de alienação mental em “Traité Médico-philosophiquesurl’alienation mental”,


82

obra clássica de Pinel datada de 1809. Diferenciado da mania, da melancolia e da demência,

dimensões atribuídas à loucura, tal categoria significava “carência ou insuficiência

intelectual” (Pessotti, 1999, p. 57).

A trajetória histórica desta classificação remonta não a uma categoria estável que

passou por um longo processo de transformação, mas ao contrário, aos usos que se fizeram

presentes em diferentes momentos históricos de uma denominação de ordem médica para

designar valor e intervenções sobre grupos de pessoas a quem eram atribuídas certas

características, especialmente crianças.

As estratégias de esquadrinhar diversos modos de ser e atribuir valoração sobre a

normalidade ou não dos comportamentos estavam associadas à perspectiva da produtividade

dos corpos e concentradas no fazer da Medicina como ciência legitimada a conduzir

diagnósticos pautados em explicações organicistas e na neutralidade científica. Isto só foi

possível na medida em que as condições socioeconômicas deram sustentação a certo processo

de individualização: o da experiência da subjetividade privatizada.

A Sociedade Moderna, que emerge sob os alicerces do Capitalismo, inaugurou formas

de sociabilidade pautadas na lógica do mercado. Os modos de viver passam a ser marcados

pela relação de exploração, pela dinâmica do lucro, da compra e venda de produtos e da

própria mão-de-obra, em que os interesses individuais se tornam mais importantes que os

coletivos. Na esteira desta dinâmica, as existências individuais deveriam ser concebidas como

investidas singulares e complexas, que necessitariam ser fragmentadas e estudadas em níveis

quase invisíveis, somente acessíveis ao conhecimento científico especializado. O foco no

indivíduo e na subjetividade como objetos da ciência constituiu-se importante artifício de

controle e submissão dos sujeitos (Figueiredo &Santi, 2004).

A valorização da produção de saber, pautada no Positivismo, promoveu a investigação

compartimentada da vida: uma ciência para cada objeto, entre estes objetos o homem. O
83

desenvolvimento das ciências humanas e sociais, neste cenário histórico, esteve atrelado à

construção de teorias e conhecimentos que visavam determinar formas de antever e conter

sujeitos e/ou grupos que pudessem ir contra a ordem social.

A eficiência da investigação científica está no uso de mecanismos que acabam por

“imobilizar” o objeto de estudo. Separar, analisar, diferenciar, enfim, utilizar

processos de decomposição que, esquartejando seu objeto de estudo em partes cada

vez menores, proporcionarão ao expert se apropriar ainda mais e melhor do todo

(Garcia, 2001, p. 18).

As Ciências Humanas e Sociais atribuem para si a tarefa de desvelar o mais íntimo de

cada individuo, esvaziando os sujeitos de um suposto saber sobre si e, mais além,

enfraquecendo-os politicamente, na medida em que é preciso saber sobre si a partir de uma

perspectiva intimista e investigando causas biológicas e individuais para o adoecer e não das

relações com o coletivo e das condições sociais, políticas e históricas de existência. O que

inaugura formas de controle e previsão asseguradas pelo papel do especialista a serviço dos

interesses hegemônicos: A pergunta passa a ser “o que eu tenho?”, ao invés de “o que fizeram

comigo?”, em que seriam possíveis críticas sobre o mundo social.

A loucura e o adoecimento atribuído ao campo da mente humana passam a ser regidos

por uma nova sensibilidade emergente na Sociedade Moderna. O controle social sobre os que

não se submetem à razão capitalista deve imperar para garantir a ordem das cidades. Os

sujeitos incapazes de trabalhar, produzir, inserir-se nas dinâmicas sociais previstas pela lógica

dominante precisam ser neutralizados (Lobo, 2008).

As classificações a respeito dos grupos ou sujeitos que precisariam ser observados e

tutelados para garantia de manutenção do sistema estavam voltadas para os pobres,

vagabundos e desempregados. De acordo com Foucault (2010):


84

Até a Renascença, a sensibilidade à loucura estava ligada à presença de

transcendências imaginárias. A partir da era clássica e pela primeira vez, a loucura é

percebida através de uma condenação ética da ociosidade e numa imanência social

garantida pela comunidade de trabalho. Esta comunidade adquire um poder ético de

divisão que lhe permite rejeitar, como num outro mundo, delimitado pelos poderes

sagrados do labor, que a loucura vai adquirir este estatuto que lhe reconhecemos. Se

existe na loucura clássica alguma coisa que fala de outro lugar e de outra coisa, não é

porque o louco vem de outro céu, o do insano, ostentando seus signos. É porque ele

atravessa por conta própria as fronteiras da ordem burguesa, alienando-se fora dos

limites sacros de sua ética. (p. 73)

Robert Castel apontava, em seu livro “Ordem Psiquiátrica: a idade de ouro do

alienismo” (1978), a trajetória da medicina mental no contexto francês para problematizar a

história da Psiquiatria como vinculada a processos políticos e de controle social que se

distanciavam da suposta lógica neutra e asséptica da ciência. O autor debatia o campo da

medicina mental como uma racionalidade que atendia a diversos interesses da lógica

administrativa e jurídica, transferindo para si uma problemática política que era a

“sequestração dos alienados”.

Ao enveredar por esta temática, Castel (1978) discorre sobre os modos como a

emergência da Psiquiatria serviu a uma série de interesses sociais de controle e tutela, dentre

eles a segregação como lócus de neutralização da loucura, representado pelo aparato asilar,

pautado na moralidade e controle da ordem segundo um modelo jurídico de “leis, obrigações

e constrições” (p. 87).

A medicina mental legitimou-se como um campo teórico que estava pautado na

observação e classificação de comportamentos, estes vistos como manifestação de sintomas.

Entretanto, a previsão e diagnóstico de qualquer sinal de adoecimento, seriam detectáveis


85

exclusivamente pela racionalidade classificatória da Psiquiatria, que elencava um conjunto de

nosografias passíveis de sua intervenção.

(...) o diagnóstico passa a ser estabelecido considerando os sintomas manifestos como

apenas uma etapa aparente de uma evolução nosológica em curso, anterior, portanto,

aqueles. Desse modo, esvaía-se gradualmente a concepção de doença mental como

manifestação visível para todos, tornando-se a mesma um fenômeno quase invisível,

sempre latente, a necessitar de especialistas que a percebessem aonde leigos ainda

nada suspeitassem de anormal. Abria-se o campo para o diagnóstico precoce, para a

proposição de intervenção profilática no espaço social aonde a doença virtualmente

viria explodir posteriormente. (Schechtman, 1981, p. 07)

A medicina mental articulou-se aos interesses dominantes que, por sua vez,

encontraram na competência médica solução para suas próprias dificuldades. Castel (1978)

demonstrou como no século XIX a experiência de novas práticas gerenciadas pelo Estado - e

abalizadas pelo ponto de vista médico - desdobraram-se na França em estabelecimentos

especiais voltados para a doença mental, denunciando que o gerenciamento da problemática

das populações marginais é essencialmente um problema político travestido de serviços de

assistência e saúde. O sequestro e isolamento de sujeitos passa a ter um subsídio técnico,

científico e jurídico sob o amparo da medicina mental. Os asilos são tomados como

instituições terapêuticas de tratamento moral cujo fim é a educação de caráter especial, o que

representava, na verdade, técnicas disciplinares de caráter coercitivo e separação do quadro

social e familiar.

O medicalizável e o administrável, como nos alerta o mesmo autor: a saúde mental

tornou-se tema de negociação de políticas. As demandas emergentes da Psiquiatria

perpassavam a administração pública através das exigências de gestão e controle dos asilos.
86

Medicalizar e administrar a loucura passaram a compor as emergências de ordem pública, sob

a tutela da Psiquiatria.

Tal modelo de ciência médica teve grande influência sobre a realidade brasileira. Lobo

(2008) alerta sobre as especificidades dos contextos históricos do Brasil e da França e que,

guardadas estas diferenças, é possível afirmar que os trabalhos desenvolvidos nos asilos

franceses com as crianças ditas idiotas serviram de inspiração para os médicos brasileiros, no

final do século XIX.

A experiência de ambos os países apontou para a não separação da figura do idiota da

loucura; a intervenção pautada em princípios educativos como prática disciplinadora e, ainda,

uma racionalidade que apontava mais para a preocupação com características morais do

comportamento, do que para a suposta falta de inteligência característica deste quadro

nosológico. De acordo com a autora: “será possível concluir que não foi a criança louca, mas

a idiota que deu origem à psiquiatrização da infância” (Lobo, 2008, p. 364).

Como ressaltamos em sessão anterior, o trabalho de GaspardItard com o menino

Victor Aveyron, inaugurou uma perspectiva médico-educacional que será desenvolvida e

ampliada por Séguin, que foi seu aluno e precursor de uma escola de reeducação para crianças

no Hospital Bicêtre, em 1842.

A proposta médico-pedagógica oferecida nos serviços é fruto de uma Psiquiatria

apoiada na ideia de humanizar os que, apresentando uma condição selvagem, podem ser

convertidos através de tratamento moral. Neste sentido, as possibilidades de tratamento não

propunham uma reversibilidade dos quadros sintomatológicos, já que se acreditava que isso

não era possível, mas a tentativa de alcançar algum controle das funções sensoriais para

autonomia destas pessoas nas atividades cotidianas. O foco no treino de comportamentos e

estimulação sensorial para adaptação funcional indicava a intervenção que se produzia em


87

função de uma normatização das condutas, de uma sociabilidade e produtividade vigentes

(Cabral, 2011).

A detecção das crianças anormais não se justificava inicialmente apenas por motivos

escolares (elas estorvavam as aulas e eram prejudiciais às outras crianças), ou

profiláticos (evitar que se tornassem parasitas ou perigosas), mas também por motivos

econômicos do uso de mão-de-obra de seus pais e parentes (LOBO, 2008, p. 239).

A possibilidade de gradação do adoecimento mental a partir do déficit intelectual, bem

como a classificação de inúmeras outras formas de apreender o comportamento e o sofrimento

infantil, foram visíveis ao longo do século XX. Além dos subsídios criados pela psicometria,

os exames de imagem e outros tipos de tecnologia médica colaboraram para a expansão da

Psiquiatria.

A emergência da Psicologia como ciência, especificamente nos primórdios da

Psicologia Experimental, proporcionou aporte teórico e instrumentos que legitimaram a

consolidação de diagnósticos.

Tais achados da psicologia experimental foram de capital importância para

impulsionar e consolidar a psiquiatria infantil que no início dos anos 1900 estava às

voltas com as questões do retardamento mental segundo uma leitura higiêncio-

pedagógica e que, diferentemente da psiquiatria do adulto que já tinha delimitado seu

objeto, patinava no empirismo, sem uma elaboração teórica que lhe emprestasse rigor

e cientificidade (Cirilo, 2008, p. 28).

Os experimentos e estudos que validavam os padrões de comportamento,

desenvolvimento e inteligência tinham como pressuposto uma perspectiva biologizante da

subjetividade humana. Traduzida em normativas e funcionalidades, as respostas que os

sujeitos deveriam dar a determinados estímulos eram passíveis de classificações e medições.


88

O teste de “Binet e Simon”16 é um claro analisador de como o tratamento estatístico

aliado a estas concepções psicológicas colaboraram, não só para consolidar a Psiquiatria

Infantil, mas para impulsionar as gradações derivadas da idiotia ou do retardo mental. O

instrumento permitia comparar o desempenho médio de crianças da mesma idade,

determinando o resultado esperado para cada faixa etária. Ao obter certos resultados, seria

possível, então, estipular o tempo de atraso mental em que se encontrava cada sujeito. O

déficit intelectual a partir dessa medição era atribuído a uma deficiência mental que por sua

vez era automaticamente ligada à constituição orgânica (Cirilo, 2008).

Belo, Caridade, Cabral e Sousa (2008) afirmam que a noção de inteligência foi o

critério determinante para o diagnóstico de “deficiência mental” durante toda a primeira

metade do século XX. No período seguinte, os estudos de Jean Piaget a respeito da

psicogênese deram subsídios para o fortalecimento de perspectivas voltadas para a interação

do sujeito-ambiente e a noções de fases evolutivas do desenvolvimento humano com ênfase

nos aspectos cognitivos.

A psicanálise também desempenhou importante influência nos estudos sobre a

infância que escapa da norma. Estudiosos como Jacques Lacan (1901-1981), Maud Manoni

(1923-1998) e Françoise Dolto (1908-1988) desenvolveram trabalhos relevantes dentro deste

espectro teórico que concorriam com as explicações organicistas sobre a “deficiência mental”.

Neste sentido, a terminologia debilidade mental foi amplamente usada na clínica psicanalítica

(Cirilo, 2008).

A respeito da terminologia e conceitualização da deficiência mental, importante

instituição de referência neste campo é a Associação Americana para Dificuldades

Intelectuais e Desenvolvimentais (AAIDD), criada em 1876 e sediada em Washington. Desde

então, desenvolve estudos, conceitos, terminologias, modelos teóricos e orientações no campo


16
Instrumento de avaliação composto por escalas de medida de idade mental, publicado na França em 1905 por
Alfred Binet e Théodore Simon, mais tarde renomeado para Quoeficiente de Inteligência (QI).
89

das políticas, práticas e direitos das pessoas com deficiência. Ao longo de mais de cem anos

elaborou diferentes versões de manuais com informações relativas a terminologias,

classificações e informações sobre “deficiência mental”. Desde 1908 a Associação já

redefiniu o termo associado à condição de “deficiência mental” dez vezes. Em 1992, o

chamado retardo mental foi designado para atribuir esta condição e, em 2007, estabeleceram-

se dificuldades intelectuais e desenvolvimentais (Belo, Caridade, Cabral, & Sousa, 2008).

Tais movimentos se devem a novas configurações histórico-sociais que possibilitaram

mudança de paradigma e a legitimação de novas abordagens e teorias.

A doença mental entra em crise dando lugar aos distúrbios mentais: a doença

refere-se ao corpo e não à mente. À mente seria mais propício considerar como

acometida por uma disfunção que se expressa fenomenologicamente em um

distúrbio de conduta (Cirilo, 2008, p. 31).

Os movimentos que defendem a nova nomenclatura para dificuldades intelectuais e

desenvolvimentais trouxeram em seu bojo a necessidade de, entre outras coisas, distanciar-se

da expressão “transtorno mental”, designada para os quadros de sofrimento psíquico. A

justificativa paira sobre a perspectiva de que: “a avaliação realizada é de facto, sobre factores

intelectuais (...) subjacentes ao constructo do funcionamento da inteligência que é mais

analítico que o da mente ou mental, que é mais global” (Belo, Caridade, Cabral, & Sousa,

2008, p. 8).

Acompanhar a mudança de nomenclatura importa para pensarmos que, ao longo da

história, diferentes formas de “tratamentos” serão dadas aos sujeitos e à categorização da

diferença, entendida como falta, doença, anormalidade. Além disso, importa reconhecer na

história os embates sobre a narrativa e a luta por direitos das pessoas com deficiência como

importantes e necessários movimentos para a transformação da realidade.


90

Para além de considerar uma linearidade entre a idiotia e a “deficiência mental”_

agora dificuldades intelectuais e desenvolvimentais_ é necessário problematizar o quanto as

contradições sociais implicam na constituição de um fenômeno que não pode ser considerado

apenas pela sua expressão individual, mas na sua implicação coletiva e política. A produção

de um diagnóstico não se faz de forma asséptica e neutra. Passa, sobretudo, pelas fronteiras

entre o normal e o patológico, construídas social e culturalmente.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, no relatório “Atlas: Global

Ressources for personswith intelectual disabilities” (2007)17, as terminologias associadas à

“eficiência intelectual são: retardo mental (76%), dificuldades intelectuais (56,8%),

incapacidade mental (39,7%), dificuldade mental (39%), dificuldades de aprendizagem

(32,2%), dificuldades desenvolvimentais (22,6%) e deficiência mental (17,2%).

Ainda segundo a Organização Mundial de Saúde, 10% da população em países em

desenvolvimento, são constituídas por pessoas com deficiência, sendo que metade destes são

pessoas com “deficiência mental”.

No caso do Brasil, o IBGE realizou, nos censos de 2000 e 2010, levantamento acerca

da categoria “deficiência mental”18. No primeiro, constatou-se que, de casos declarados de

deficiência, 8,3% possuíam “deficiência mental”19. Já no ano de 2010, este índice foi de 1,4%.

A discrepância entre os números apresentados ampara-se na metodologia utilizada em cada

período. Em 2000, seguindo a orientação da OMS, foi utilizada uma escala de gradação de

dificuldades na realização de tarefas, o que possibilitou uma inclusão mais abrangente de

possíveis diferentes quadros nosológicos. No ano de 2010, só foram considerados na categoria

de “deficiência mental” pessoas entre 0 e 18 anos.

17
Estudo realizado em 147 países, com representatividade de 95% da população mundial.
18
O termo utilizado pelo IBGE foi deficiência mental, por isso repetimos seu uso.
19
A maior proporção se encontrava na região nordeste, especialmente os estados do Rio Grande do Norte,
Paraíba e Piauí.
91

De acordo com o Atlas da OMS, o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos

Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) é um dos materiais

mais utilizados para orientar os diagnósticos entre médicos da área da saúde mental, após a

Classificação Internacional de Doenças. Publicado desde 1952, pela Associação Americana

de Psiquiatria, o DSM encontra-se, atualmente, em sua 5ª versão. Trata-se de material que

incorpora a codificação e validação de um sistema classificatório no escopo da Psiquiatria

contemporânea. Sua publicação mais recente data de 2013 e, apesar de ter influência relevante

na área da saúde e de ser considerada a “bíblia da psiquiatria”, sua existência sempre esteve

cercada controvérsias. Fato que evidencia uma de suas polêmicas é a figuração da

homossexualidade no referido manual até o ano de 1973.

O elenco de quadros nosológicos presente ao longo das edições do Manual causa

estranhamento: o DSM-I, lançado em 1952, possuía 106 categorias de desordens mentais

(expressão usada na época e que perdurou até 1980); o DSM-II, publicado em 1968, contava

com 182 categorias; o DSM-III divulgado em 1980 possuía 265, quando revisado em 1987 e

denominado DSM-III-R este número aumentou para 292 diagnósticos (nova expressão

utilizada); o DSM-IV lançado em 1994 tinha 297 transtornos (nova denominação) e sua

revisão datada de 2000 manteve o mesmo número.

A quinta versão do DSM foi lançada em 2013 e é apontada como fruto de mais de

doze anos de estudo e seu resultado estaria apoiado numa perspectiva de colaborar de forma

mais segura para aplicação em pesquisa e na prática clínica. Novos capítulos e agrupamentos

de quadros nosológicos foram implementados e o Retardo Mental que aparecia como

classificação do capítulo “Transtornos Geralmente Diagnosticados pela Primeira Vez na

Infância ou na Adolescência” (extinto na nova versão) passou a ser denominado Deficiência

Intelectual e a compor o capítulo “Transtornos do Neurodesenvolvimento” (Araujo & Lotufo,

2014)
92

A mudança se apoia na concepção de que não se trata apenas de um déficit cognitivo,

mas um déficit funcional que envolve tanto elementos intelectuais quanto adaptativos. Nesse

sentido, o teste de inteligência não poderá ser o único abalizador do diagnóstico, senão

acrescido por uma avaliação que leve em conta a adaptação do sujeito às demandas cotidianas

e sociais.

A análise negativa do DSM-V vinda de Allen Frances, psiquiatra que dirigiu a equipe

de elaboração do DSM-IV, criou uma ampliação e visibilidade das críticas dirigidas ao

material produzido e às próprias práticas medicalizantes em voga na nossa sociedade. De

acordo com entrevista para o jornal El Pais, o autor do livro “SavingNormal”(2013) afirma

que o DSM-IV produziu uma inflação de diagnósticos e que o DSM-V transformará em

hiperinflação. A numerosa relação de diagnósticos, somada a descrições pouco especificadas,

e por isso muito amplas, além do jogo de interesse do mercado das indústrias farmacêuticas

possibilitou este processo (Oliva, 2014).

No caso da deficiência mental, é possível supor que o fato de crianças

diagnosticadas com este quadro apresentarem diferentes formas subjetivas e condições de se

“adaptar” ao cotidiano, demandarão formas diversificadas de controle do comportamento para

cada demanda: agressividade, irritabilidade, falta de sono, concentração, fadiga, enfim, as

mais diversas queixas que a família, a escola, ou o próprio médico podem entender como

necessárias de sofrerem intervenção através da medicação. Sendo assim, não há uma droga

específica para o transtorno, mas podem ser associados diversos medicamentos de acordo com

os “sintomas” que precisam ser controlados.

A possibilidade de um resgate histórico a respeito da “deficiência mental” auxilia a

compreensão da problemática que se delineia hoje com relação às crianças no município de

Mamanguape. Depreende desta breve análise que os diagnósticos de “deficiência mental” não
93

podem ser problematizados sem que se leve em conta as condições materiais de vida daquela

população, relacionadas com um campo de forças mais amplo.

É necessário se posicionar criticamente diante da produção deste diagnóstico buscando

elencar o acesso às políticas disponíveis para aquele grupo social, os interesses que envolvem

o campo da medicalização e as articulações com um cenário histórico-político mais amplo.

Atualmente, as crianças e adolescentes com o diagnóstico de “deficiência mental”

podem ser incluídas em serviços e programas disponíveis nas políticas de educação, saúde e

assistência social. Compreender como estas se delineiam a partir do reconhecimento de que

crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, torna-se tema imprescindível para

compreensão da problemática da tese.


94

CAPÍTULO 2
_________________________________________________

Políticas de assistência à infância: Um desenho sobre o encontro entre

Educação, Saúde e Assistência Social

Como visto em sessão anterior, a infância é uma categoria histórica que emerge em

determinado contexto e as crianças passam a ser reconhecidas como sujeitos sociais, para as

quais devem se dirigir determinadas práticas, de acordo com os interesses políticos e

econômicos dominantes em cada cenário histórico.

(...) entendemos que as práticas sociais desenvolvidas no campo das políticas sociais

públicas correspondem, no plano ideopolitico, a representações a cerca de seus

destinatários, num complexo processo de constituição e reconhecimento social desses

sujeitos. Isto significa que a institucionalidade da vida em sociedade, ao definir as

práticas sociais que a orientam, define também o lugar dos sujeitos que vão, ao longo

de sua existência social, integrá-las (Nunes 2013, p. 107).

A reflexão sobre as políticas dirigidas à infância no Brasil pode ser pontuada a partir

do final do século XIX, quando se inicia em nosso país uma preocupação com os cuidados

acerca daqueles sujeitos e sua relação com a organização social. Não existia, até aquele

momento, uma legislação ou práticas de Estado voltadas exclusivamente para a infância, mas

as que se organizaram no início do século XX, tiveram origem nas primeiras discussões e

preocupações ali produzidas.

No cenário de uma república recém instituída, em que predominavam os interesses

liberais e positivistas de ordem social, a infância_ especialmente a pobre_ passou a ser o alvo

central nos debates políticos, acadêmicos e científicos, figurando como elemento econômico:
95

vista como investimento para o futuro, seja como mão-de-obra, para compor uma massa de

trabalhadores submetidos ao mercado e à ordem social, seja como dispêndio para o Estado, no

caso de se tornarem vagabundos ou delinquentes (Rizzini, 2011).

Os debates instituídos na época apontavam para a necessidade de proteção da infância

como futuro do país e que precisaria ser cuidada e afastada das influências que poderiam

corromper seu desenvolvimento. Para tanto, as práticas desenvolvidas estavam pautadas, por

um lado, em um modelo assistencial baseado na filantropia e concentrado na esfera privada,

preocupada com a infância pobre abandonada, tida como vítima da família e da sociedade.

Por outro lado e compondo com a primeira, medidas de controle jurídico, de responsabilidade

do Estado, voltadas para os chamados delinquentes, considerados ameaças para a vida social.

(Nunes, 2013; Scheinvar, 2002)

A materialidade destas relações, produzidas em torno da infância pobre como

preocupação social, está refletida na legislação criada em 1927, denominada Código de

Menores. A Legislação figura como um dos elementos produzidos na época e que na prática

será exercida através do trinômio vigilância, disciplina e proteção.

A impressão que se tem é que através da lei em questão procurou-se cobrir um amplo

espectro de situações envolvendo a infância e a adolescência. Parece-nos que o

legislador, ao propor a regulamentação de medidas “protectivas” e também

assistenciais, enveredou por uma área social que ultrapassava em muito as fronteiras

do jurídico. O que o impulsionava era “resolver” o problema dos menores, prevendo

todos os possíveis detalhes e exercendo firme controle sobre os menores, através de

mecanismos de “tutela”, “guarda”, “vigilância”, educação”, “preservação” e “reforma”

(Rizzini, 2009a, p. 133).

Ao longo do século XX, a categoria “menor”, tida como uma referência no trato com a

questão social da infância, sustentará a pobreza como referência para o desenvolvimento de


96

políticas voltadas para esta população, tendo a periculosidade e a prevenção como eixos

centrais de atuação. Não se trata de produzir transformações nas condições de vida ou acesso

aos bens materiais e culturais produzidos na sociedade, mas na garantia de manutenção e

controle de uma camada da população que colabore na manutenção das engrenagens do

Capital.

Portanto, as práticas de assistência dirigidas à infância se distinguirão em função da

categoria a quem se dirigem: o menor (infância perigosa) ou a criança (infância em perigo).

Durante quase um século esta distinção marcará as políticas para a infância, atingindo maior

notoriedade no Governo Vargas na criação do Departamento Nacional da Criança (1940) e do

Serviço de Assistência a Menores - SAM (1941). O primeiro voltado para proteção materno-

infantil, com programas que focavam a criança pequena, pobre e que possuía família e cujas

ações pautavam-se na higienização, assistência e capacitação para o mercado. O segundo

tinha como foco central “os abandonados e delinquentes já inseridos no circuito da exclusão

social” (Nunes, 2013, p. 110). As práticas definidoras desta tendência serão a reclusão, o

confinamento, a criminalização e a disciplinarização para o trabalho.

De acordo com Irma Rizzini (2009) “O menor permanece na esfera policial-jurídica,

sob controle do Ministério da Justiça, e a criança é exclusividade da esfera médico-

educacional, cujas ações são coordenadas pelo Ministério da Educação e Saúde.” (p. 282)

Na década de 1960, o contexto econômico expressava o aprofundamento das

desigualdades sociais e o êxodo migratório para as cidades acirrou a miséria e o número de

crianças desamparadas. No âmbito político, a tensão gerada pelo interesse do capital

monopolista, em um cenário internacional da Guerra Fria, corroborou para o golpe Militar e

instauração de uma ditadura civil-militar em nosso país. Nesta conjuntura político-autoritária

a questão do “menor” passou a ser tratada como uma questão de segurança nacional. Tal
97

lógica era sustentada pelo argumento do combate ao inimigo interno, ou seja, qualquer pessoa

ou situação que não se ajustasse à ordem vigente era considerada um perigo ao ideal de vida

trazido pelo capitalismo (Coimbra, Matos, & Torralba, 2002).

A política para a infância e a adolescência, criada naquele momento, tinha como

parâmetro a ordem, o desenvolvimento e a segurança como bens maiores da nação. Portanto,

a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), criada em dezembro de 1964, foi

amplamente influenciada pela Doutrina de Segurança Nacional. Além disso, as fortes críticas

dirigidas ao SAM, tais como abusos contra os internos, corrupção e clientelismo,

possibilitaram a emergência de um novo modelo de assistência que pudesse superar tal

histórico.

A execução da política se dava através da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

(FUNABEM), que coordenava as diversas Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor

(FEBEMs), sob um novo “arcabouço institucional”. (Nunes, 2013, p. 111).

Em 1979, foi formulado um novo Código de Menores, que também influenciado pela

Doutrina da Segurança Nacional, reforçava o punitivismo através da penalização severa como

forma de enfrentar os efeitos da exclusão social, que eram refletidos no aumento de crianças e

jovens abandonados e infratores. Não se tratava, portanto, de cuidar de sujeitos cujos direitos

básicos eram negados, mas de intervir, através do controle social da pena, no conflito

instalado. “O novo Código via as crianças como doentes sociais que, por estarem fora dos

padrões da segurança nacional, eram considerados criminosos em potencial, devendo estar

então em instituições especializadas, longe do convívio da família e da comunidade”

(Coimbra, Matos, & Torralba, 2002, p. 180-181)

Foi também na década de 1970 que a pesquisa e a análise científica na área da infância

possibilitou estudos críticos sobre as condições de vida, abandono e pobreza, subsidiando a

defesa da transformação das políticas voltadas para este grupo. Além disso, a mobilização de
98

Movimentos Sociais como a Pastoral do Menor e o Movimento em Defesa do Menor

denunciando as violências sofridas nas FEBEMs, foram significativas formas de

enfrentamento a esta política.

Com o período da abertura política e a importante articulação de movimentos sociais

para o debate da “redomocratização”, o contexto social ganha novas possibilidades de

resistência e embate que disputarão as novas produções no campo legal e das políticas sociais.

A promulgação da Constituição de 1988, denominada “Constituição Cidadã” garantiu

a incorporação de reivindicações importantes no campo democrático, como mecanismos de

participação da população na gestão, tais quais os Conselhos20 (Behring & Boschetti, 2011;

Scheinvar, 2009).

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, promulgado em 1990, contrariando a

legislação anterior, pautada na situação irregular, assentará seus alicerces na ampla política de

garantia de direitos. O reconhecimento da criança (todas as crianças) como sujeito de direitos,

em peculiar condição de desenvolvimento, afeta diretamente o modo como se concebem as

práticas que devem ser dirigidas a esta população. A exclusão da expressão “menor” desta

nova concepção imprime um caráter universal às políticas e seu formato integral, prevendo a

assistência e o cuidado como deveres da família, da comunidade e do Estado. Em seu artigo

3º a legislação afirma:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à

pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-

se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes

facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de

liberdade e de dignidade.

20
De acordo com Gomes (2003): “Os conselhos constituem-se normalmente em órgãos públicos de composição
paritária entre a sociedade e o governo, criados por lei, regidos por regulamento aprovado por seu plenário, tendo
caráter obrigatório uma vez que os repasses de recursos ficam condicionados à sua existência, e que assumem
atribuições consultivas, deliberativas e/ou de controle” (p. 10).
99

Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e

adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça,

etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e

aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou

outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.

(ECA, 1990)

As políticas de assistência à infância preveem medidas de proteção quando os direitos

da criança ou do adolescente forem ameaçados ou violados, e medidas socioeducativas para

os que cometem atos infracionais. Tais ações, articuladas no campo da garantia de direitos,

tentam romper com a lógica punitivista de disciplinarização, confinamento e repressão. Na

prática, os longos anos de institucionalização da infância pobre e as contradições impostas

pela realidade econômica e política, criam barreiras para a efetivação concreta de uma nova

perspectiva. Nas palavras de Scheinvar (2009):

Assim, tanto a Constituição Federal “cidadã” como a legislação complementar que

esta cria _ o ECA_ são a encarnação de um “dever ser” que se propõe universal, mas

que é sempre um “dever ser” em um espaço-tempo determinado, com conteúdos

concretos. As legislações são projetos políticos que se tornam hegemônicos

conjunturalmente, em um debate com muitos outros, num jogo em que a legalidade

expressa uma forma de soberania que pode ser transformada de acordo com os

interesses em disputa, por ser o espaço da legalidade um espaço de guerra. (p. 71)

O ECA é considerado uma legislação avançada e que preconiza os direitos das

crianças atendendo prerrogativas de acordos internacionais. As políticas sociais,

especialmente as dirigidas à infância, devem apoiar-se nas concepções derivadas daquela para

desenvolver suas ações. Entretanto, concordamos com Bering e Boschetti (2011) que afirmam

que:
100

A distância entre a definição dos direitos em lei e sua implementação real persiste até

os dias de hoje. Tem-se também uma forte instabilidade dos direitos sociais,

denotando a sua fragilidade, que acompanha uma espécie de instabilidade institucional

e política permanente, com dificuldades de configurar pactos mais duradouros e

inscrever direitos inalienáveis. (p. 79)

Nesse sentido, é importante compreender que as políticas sociais se concretizam em

um campo de possibilidade que se abre frente aos embates históricos entre trabalhadores e

capital. Afinal, tais embates têm sua origem na própria estrutura do sistema capitalista, na

medida em que a vida social, regida pelos interesses da exploração do capital, será também

contexto das desigualdades e problemas gerados por ele. (Yamamoto & Oliveira, 2010).

A luta cotidiana por melhores condições de vida e mais dignidade segue a contramão

dos interesses do capital, sempre focado na maior exploração possível, visando o lucro e não o

enfrentamento das desigualdades, que como visto, são estruturais. As políticas adotadas pelo

Estado são compreendidas como estratégias de enfrentamento a esta questão social, que é

tratada de forma fragmentada e setorializada, de modo que, como nos chama atenção Behring

e Boschetti (2011), há: “o reconhecimento de direitos sem colocar em xeque os fundamentos

do capitalismo.” (p. 63) Portanto, a garantia da implementação de políticas não é um processo

linear, nem tão pouco sem a presença de contradições e retrocessos.

Com relação ao campo das políticas destinadas à infância, ainda que o ECA se

mostre avançado em uma serie de normatizações para a garantia de direitos, o contexto

histórico e político de nosso país está permeado pelas contradições impostas por uma

sociedade que ainda reproduz a perspectiva da menoridade em seu cotidiano e cujas práticas

institucionais ainda se apóiam, em muito, na repressão e tutela como estratégias de controle

da infância e adolescência pobres.


101

As políticas de educação, saúde e assistência social, de maneira geral, constituem-se

para o atendimento universal, mas por vezes são instituídas com foco específico na infância,

centralizando seus interesses neste grupo. O que queremos dizer é que nossa tentativa de

traçar um desenho sobre estas políticas não tem a ousadia de descrevê-las ou debatê-las cada

uma em profundidade. O que se pretende é chamar a atenção para o fato de que: em primeiro

lugar, o ECA institui uma nova legalidade sobre o reconhecimento destes sujeitos, o que

demanda novas políticas voltadas para este grupo e, em segundo lugar, que a fragmentação

das políticas vistas sobre setores compartimentados como educação, saúde e assistência nos

possibilitariam visualizar de que maneira estas ações se encontram voltadas para a infância

como deficiência. (e em que medida se encontram no cotidiano estabelecendo estratégias de

controle)

Neste sentido, a história da elaboração e concretização das políticas de educação,

saúde de assistência social pautadas na nova legislação brasileira são marcadas pelos

importantes avanços implementados pelos princípios da universalização, descentralização e

democratização das ações, mas também pela fragmentação das políticas, descontinuidade e

insuficiência de Programas que, afinal, não são capazes de se configurar como reais

estratégias de enfrentamento à pobreza. (Yamammoto & Oliveira, 2010, Silva e Silva, 2010)

2.1 Os caminhos da escola


Atualmente, a Educação está normatizada através da Lei de Diretrizes e Bases para a

Educação Nacional [LDB] (1996), que prevê a regulamentação da educação escolar. Redigido
102

em 92 artigos e dividido em nove títulos, o documento passou por alterações ao longo dos

anos, desde sua promulgação21.

Frigotto (1997) aponta o movimento histórico de elaboração desta Lei como permeado

das contradições e lutas sociais pela educação pública, em que parlamentares de tradição

oligárquica barraram significativos avanços propostos no projeto original, construído a partir

de anos de debates com movimentos sociais. Na ocasião de seu debate e promulgação na

Assembleia Legislativa, o projeto de Lei original pautou-se nas teses de longos anos de

discussões de educadores nas Conferências Brasileiras de Educação e reuniões anuais da

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). Entretanto, o

choque de interesses com partidos ultraconservadores e as inúmeras negociações que

derivaram deste conflito, acabaram por tornar a Lei mutilada de suas principais concepções

originais.

Ao longo dos anos e transformações no contexto político-econômico do país, a LDB

passou por modificações através de decretos e Leis que a compõem como vemos hoje. Trata-

se de um complexo jogo de relações de poder que transformam a lei de acordo com as tensões

e embates entre os interesses hegemônicos e os interesses dos movimentos sociais. Será o

próprio Frigotto, que em trabalho publicado em 2003 com Ciavatta, analisando as políticas

educacionais dos anos de 1990, elucidará este processo:

O infindável processo de tramitação da LDB e as centenas de emendas e destaques

feitos pelos parlamentares da base de governo, em verdade, eram uma estratégia para

ganhar tempo e ir implantando a reforma educacional por decretos e outras medidas. O

pensamento dos educadores a sua proposta de LDB não era compatível com a

ideologia e com as políticas do ajuste e, por isso, aqueles duramente combatidos e

21
Sua última alteração ocorreu em 16 de fevereiro de 2017 através da Lei nº 13.415, da qual não faremos
menção no corpo do texto por se tratar de modificação que ocorreu durante a elaboração final deste trabalho.
Assim, optamos por manter a escrita entendendo que contemplou a realidade investigada.
103

rejeitados. Foi por isso, também, que o projeto de LDB oriundo das organizações dos

educadores, mesmo sendo coordenado, negociado e desfigurado pelos relatores do

bloco de sustentação governamental, foi rejeitado pelo governo. Todas as decisões

fundamentais foram sendo tomadas pelo alto, pelo Poder Executivo, por meio de

medidas provisórias, decretos ou por leis conquistadas no Parlamento mediante o

expediente da troca de favores. (Frigotto & Ciavatta, 2003, p. 109-110)

A partir da década de 1990, o cenário social e político de nosso país exibiu o processo

de consolidação da democracia e a estabilização e fortalecimento da economia, o que permitiu

uma importante representatividade política do Brasil no cenário internacional. Em

contrapartida, era necessária a apresentação de números, inclusive no campo da educação, que

indicassem investimento e desenvolvimento social do país.

De acordo com Patto (2005), os altos índices de repetência, analfabetismo, abandono

da escola, de jovens e crianças sem acesso à educação formal, deveriam ser transformados.

Entretanto, no Estado neoliberal, os investimentos na escola pública apenas maquiam a

realidade cotidiana. As políticas públicas para Educação elaboradas sob esta ótica

estabelecem parâmetros que estão longe de provocar uma mudança efetiva na qualidade da

escola pública.

Análises mais detidas dessa política, para além da superfície das estatísticas oficiais,

têm revelado o abismo que separa o discurso democratizante e a realidade das práticas

escolares. As metas oficiais implícitas têm sido, em primeiro lugar, diminuir os

investimentos em educação popular, torná-la mais barata aos cofres públicos, tendo

em vista ajustar a economia à lógica econômica perversa que preside na nova ordem

mundial. Em segundo lugar, fazer crescer os índices numéricos de escolaridade, não

importando a qualidade do ensino oferecido a uma maioria que integra, em número


104

cada vez maior, o contingente dos que vêm tendo seu trabalho descartado pela lógica

do capital. Em terceiro lugar, dar aos excluídos a ilusão de que estão sendo incluídos

na escola e, pela obtenção do diploma, no universo do trabalho. (Patto, 2005, p. 33)

Ao debater a articulação entre educação e a fase de vigência da acumulação

financeirizada e flexível na contemporaneidade, Antunes (2017) chama a atenção para o

entendimento de que o projeto de educação para o início do século XXI está pautado no

trabalhador flexível, que precisa desenvolver capacidades criativas e comportamentais, que

por sua vez, estejam em sintonia com a reestruturação produtiva do capital em curso na

atualidade. A descrição elaborada pelo autor colabora para compreendermos que, apesar de

verificarmos uma legislação em vigor que prima pelo reconhecimento das desigualdades, na

realidade concreta, o projeto de formação de trabalhadores para o Capital, permanece voltado

para a manutenção das desigualdades, e nas palavras de Antunes: “Não é difícil perceber que

a “educação” instrumental do século XXI, desenhada pelos capitais em sua fase mais

destrutiva, não poderá desenvolver nenhum sentido humanista e crítico”. (p. 12)

Atualmente, as problemáticas vivenciadas na Escola são de diversas ordens: a

desqualificação profissional e financeira da carreira docente que gera desmotivação e

adoecimento dos professores; os projetos políticos-pedagógicos elaborados e implantados de

forma verticalizada; as relações de poder que se reproduzem no ambiente escolar; as situações

de violência na escola e da escola; a dificuldade da instituição em tratar de temas como

sexualidade, drogas, gravidez precoce; os impasses em efetivar a inclusão; entre tantos outros

temas que, atualmente, se apresentam como desafios cotidianos, ao mesmo tempo em que são

amplamente analisados e debatidos por pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais,

inclusive da Psicologia. (Patto, 1997; Del Prette, 2003; Marinho-Araújo, 2009)


105

A escola, instituição da educação formal, não foi feita para lidar com a diferença: em

suas práticas estão presentes as tentativas de tornar os alunos silenciosos, competentes para a

realização de provas, obedientes a regras, enfim, enquadrados em um padrão de aluno:

modelo e fôrma que não comportam as singularidades humanas e as resistências à opressão

social. (Patto, 2005 e 2000) Diante desta perspectiva, cabe ressaltar que a denominada

educação inclusiva, que visa debater e implantar medidas que incluam as pessoas com

deficiência na escola, enfrenta este contexto de sucateamento da educação pública como um

todo e as condições históricas e sociais descritas até aqui.

Na perspectiva da previsão da Lei, é importante reconstituir os caminhos previstos na

política de Educação para pessoas com deficiência. Em primeiro lugar, a garantia na

Constituição Federal em seu Artigo 6º de que Educação é um direito social, e definido no Art.

205 como “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com

a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

De acordo com a legislação brasileira, o aluno com necessidades educacionais

especiais deve não só frequentar a escola, mas também ser assistido em suas necessidades e

ser respeitado por todos. Os significados desta afirmação podem ser encontrados em diversos

documentos: na Constituição Federal; na Lei 8069/1990 – Estatuto da Criança e do

Adolescente; na Lei 9394/1996 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Decreto Nº

6.949/2009 (que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007).

Tais garantias representam uma conquista histórica e o avanço nos debates nacionais e

internacionais sobre a democratização das oportunidades educacionais (Declaração de

Jomtien, 1990; Declaração de Salamanca, 1994; Declaração de Guatemala, 1999 Declaração

Internacional de Montreal sobre Inclusão, 2001; Convenção Internacional sobre os Direitos


106

das Pessoas com Deficiência, 2006 ). Na prática, o cotidiano escolar não reflete esta realidade:

a inclusão não tem sido um caminho tranquilo de se trilhar neste espaço educacional

(Machado et all, 2005; Veiga-Neto & Lopes, 2007).

Vejamos como se delineiam os caminhos propostos para estudantes com deficiência.

De acordo com as Diretrizes Educacionais da Educação Básica (Resolução CNE/CEB nº

4/2010), os estudantes com deficiência devem ser matriculados no ensino regular e frequentar

o Atendimento Educacional Especializado no turno oposto.

De acordo com Diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva

da Educação Inclusiva, a proposta do atendimento educacional especializado deveria

possibilitar “identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que

eliminem as barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando suas

necessidades específicas” (p. 15). Isto significa pensar estratégias não somente na sala de

atendimento, como na escola regular em que a criança está matriculada, promovendo a

garantia de que as crianças com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional sob a

alegação de sua deficiência.

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) deve ser oferecido como

complementar ou suplementar à escolarização, em Salas de Recursos Multifuncionais. As

instituições que oferecem este serviço são de caráter público, ou de instituições comunitárias,

confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.

No caso da esfera pública, para oferecer o AEE instituiu-se o Programa de

Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais (Portaria Normativa Nº 13/2007), que

estabelece um convênio entre o governo federal e os municípios, em que o primeiro fornece

uma série de equipamentos, de diferentes naturezas, voltados para o apoio da organização e

oferta do atendimento educacional especializado; enquanto o segundo deve garantir o espaço


107

físico, a manutenção dos equipamentos e a formação qualificada de professores para atuarem

neste ambiente.

Há neste Programa Federal uma série de critérios a serem atendidos pela instância

municipal, através da Secretaria de Educação e dos gestores de escolas, para que esta parceria

seja estabelecida, tais como: elaboração do Plano de Ações Articuladas, adequação do Projeto

Político Pedagógico, espaço físico para instalação de equipamentos, matrículas de estudantes

público alvo da educação especial em classe comum.

As diretrizes definidas para a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva

da Educação Inclusiva estão fundamentadas numa perspectiva de Direitos Humanos em que

“conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à idéia

de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão

dentro e fora da escola” (Ministério da Educação, 2008, p. 01).

A educação especial passou a ser um direito em todas as etapas e modalidades,

devendo ser oferecido na rede regular de ensino público, e podendo ser complementado em

instituições públicas ou de outra natureza, com finalidade de atendimento educacional

especializado. A Educação de Jovens e Adultos está incluída como modalidade de ensino que

deve primar por estes preceitos, principalmente, porque recebe sujeitos que historicamente

foram excluídos do ensino regular. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de

Jovens e Adultos (DCN-EJA) exprimem da seguinte maneira a importância desta modalidade:

Desse modo, a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no

circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola

de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e

qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma
108

perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Logo, não se deve

confundir a noção de reparação com a de suprimento. (DCN-EJA, 2000, p. 07)

A letra da Lei expressa a dimensão de uma escola inclusiva que possa inserir a

diversidade e promover a educação a partir das singularidades. Prevendo que tal tarefa exige

estrutura específica, estratégias educacionais diferenciadas, formação de pessoal, entre outras

demandas, há também a previsão para tais questões. A materialidade de tal exigência,

entretanto, vai de encontro ao sucateamento da educação pública e entraves burocráticos que

se colocam para a efetivação do que está no papel. Como nos alerta Demo (2003): “(...) a

escola fundamental, pública, gratuita, universal, está, à revelia, absolutamente focalizada

sobre o pobre porque é, como regra, “coisa pobre para pobre”. Com isto evita-se o que a elite

teme, ou seja, que o pobre, um dia, venha a ter a mesma oportunidade escolar que ele tem no

sistema privado.” (p. 122)

2.2 A mercantilização nos circuitos da Sáude

Uma das formas de lidar com a dificuldade de acolher a diferença na escola é o

encaminhamento de alunos para profissionais da saúde. Aqueles que escapam da norma, seja

porque não se comportam como deveriam, não aprendem no ritmo esperado ou não atendem

às expectativas da rotina escolar são incentivados a consultar médicos, fonoaudiólogos,

psicólogos, que possam diagnosticar e conferir legitimidade à queixa produzida pela escola e,

mais ainda, ser responsável pela terapêutica daquele problema.

Assim, o campo da saúde entra no circuito da produção do fracasso escolar, na medida

em que possibilita a culpabilização do indivíduo, atribuindo um diagnóstico e um tratamento

ao problema originado na instituição escolar. Reforçando um legado histórico de

cumplicidade com as práticas de domesticação e alienação produzidas na instituição.


109

Naturaliza-se, então, o rito de creditar ao aluno e sua família a busca por soluções no campo

médico sobre a dificuldade da educação formal de incluir a diferença. (Patto, 2005)

A organização da assistência pública em saúde no Brasil está formalizada em torno do

Sistema Único de Saúde (SUS). Reconhecido como um sistema diferencial por seus

princípios universalistas e igualitários, em que a saúde é definida como direito de todos e

dever do Estado, o SUS é resultado de uma intensa mobilização social iniciada na década de

1970, conhecida como Movimento pela Reforma Sanitária.

O Sistema Único de Saúde foi instituído pela Constituição Federal (1988), em que se

pode reconhecer nos artigos 196 a 200 as premissas que organizam seu caráter e atuação e,

posteriormente, sancionado pela a Lei Orgânica da Saúde, de nº 8.080, de 19 de setembro de

1990. Suas diretrizes centrais são a universalidade, a equidade e a integralidade, articuladas

em princípios organizativos de regionalização e hierarquização; descentralização e comando

único e a participação social, destaques que rompem com os sistemas nacionais adotados no

passado e criam um formato inédito de cidadania.

Essa construção do SUS rompeu com o caráter meritocrático que caracterizava a

assistência à saúde no Brasil até a Constituição de 1988, e determinou a incorporação

da saúde, como direito, numa ideia de cidadania, que naquele momento se expandia, e

que considera não apenas o ponto de vista de direitos formais, de direitos políticos,

mas principalmente a ideia de uma democracia substancial, de direitos substantivos,

que envolviam certa igualdade de bem-estar. Nesse campo, cabe lembrar, a saúde teve

papel preponderante no ideário de nossa Constituição cidadã. (Menicucci, 2014, p. 78)

Os serviços disponíveis à população em uma rede que engloba ações e serviços de

saúde estão dispostos entre a atenção básica, média e de alta complexidades, os serviços de

urgência e emergência, a atenção hospitalar, as ações e serviços das vigilâncias

epidemiológica, sanitária e ambiental e assistência farmacêutica.


110

No caso das pessoas com deficiência, o Ministério da Saúde instituiu em 2012 a Rede

de Cuidados à Pessoa com Deficiência, no âmbito do SUS. De acordo com a legislação que

dispõe sobre esta medida, o objetivo principal é:

Art. 1º Esta Portaria institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, por meio

da criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com

deficiência temporária ou permanente; progressiva, regressiva, ou estável; intermitente

ou contínua, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

No esteio desta proposta, são previstos os Centros Especializados de Reabilitação

(CER), que podem ser classificados em diferentes níveis de acordo com o tipo e quantidade

de serviços ofertados por categoria de deficiência: auditiva, intelectual, física, visual.

Os alunos encaminhados aos serviços de saúde pela escola podem procurar as

Unidades Básicas de Saúde, que são consideradas as “portas de entrada” do Sistema de Saúde.

Através deste serviço de atenção básica, as demandas são direcionadas para outros serviços,

tais como exames mais complexos ou redes de atendimento que incluam especialidades, tais

como os CER. Geralmente, como se trata de buscar diagnósticos ligados aos processos de

aprendizagem, à atenção, ao comportamento e ao desenvolvimento intelectual, é necessário

buscar consultas com profissionais que atendam a estas necessidades. Os CER que cuidam da

deficiência intelectual podem receber tais demandas.

Apesar de seu caráter integrativo e funcionamento em rede, o sistema de saúde não

possui estrutura para efetivar devolutivas à escola que possibilitem um trabalho conjunto. A

demanda encaminhada pela escola faz com que os responsáveis pelo aluno procurem o

atendimento na saúde, desde a busca por diagnóstico ao tratamento indicado, retornando com

informações na escola, como o laudo ou a receita dos remédios prescritos, sem que os campos

da educação ou da saúde, representados por seus profissionais, estabeleçam qualquer diálogo.


111

Presentifica-se a medicalização como processo que naturaliza o mal-estar como um

problema estritamente biológico, tratável pelo instrumento da medicina e seus adjacentes.

A educação e a saúde, previstos como direitos universais e delineados por importantes

conquistas sociais, estão permeados de contradições, em função dos interesses econômicos

hegemônicos. As estratégias de sucateamento e desfiguração da proposta do SUS vão de

encontro aos auspícios do neoliberalismo. O desmonte das políticas sociais passa pela

precarização e privatização dos serviços, enquanto as parcerias do Estado com setores

privados e a mercantilização dos serviços sociais se amplia cada vez mais. (Oliveira

&Yamamoto, 2014)

2.3 Os acessos à Política de Assistência Social

A história de nosso país é marcada por uma colonização com fins de exploração, cuja

organização econômica esteve pautada no escravismo e no cultivo de culturas como café e

cana-de-açúcar, concentradas em latifúndios e dependente da economia internacional.

Este cenário produziu relações sociais de grande desigualdade em que a pobreza se apresenta

como elemento estrutural. Nas palavras de Silva e Silva (2010):

(...) no Brasil, a pobreza aprofundou-se como consequência de um desenvolvimento

concentrador da riqueza socialmente produzida e dos espaços territoriais,

representados pelos grandes latifúndios no meio rural, e pela especulação imobiliária

no meio urbano. Tem raízes na formação sócio-histórica e econômica da sociedade

brasileira. (p. 157)

As políticas públicas de intervenção sobre a pobreza devem ser consideradas segundo

o momento histórico e político em que se desenvolvem, mas de um modo geral, pode-se

afirmar que, ao longo da história de nosso país, não tiveram caráter de enfrentamento real _ já
112

que isso levaria em conta o próprio enfrentamento ao sistema capitalista, gerador da

desigualdade_ mas oscilaram entre a redução ou regulação da pobreza.

De acordo com autoras como Iamamoto (2009) e Oliveira (2009) há um legado

histórico presente em nossa formação social, que marca o caráter das políticas sociais

profundamente: as relações de poder apoiadas em vínculos de dependência pessoal, tais como

o coronelismo e o clientelismo. O interesse privado se sobrepondo ao público e os usos da

coisa pública como favorecimento de pessoas ou grupos, são modos de expressão de tais

processos. As políticas sociais, tomadas neste plano, emergem como ações pontuais e

fragmentadas, elaboradas para conter e regular a pobreza extrema e interpretadas socialmente

como favores e benefícios.

Assim, as marcas de uma “cultura do atraso” persistem e são instrumentos para a

hegemonia de classes dominantes e a sua sempre renovada permanência nos espaços

de poder do Estado em todos os níveis. Essas práticas, à medida que são mantidas e

reproduzidas, contribuem para retardar a realização de direitos e a construção de uma

cultura política baseada no direito, na ética, na cidadania, nas relações democráticas

horizontais e na participação popular. (Pereira, 2009, p. 127)

Importante marco na história do país, a Constituição Federal de 1988 é resultado da

intensa disputa entre as forças populares e as hegemônicas. O cenário de mobilização popular

em torno da democratização em nosso país possibilitou marcas na Constituição que

Yamamoto e Oliveira (2010) descreveram como: “resultado da intensa mobilização popular e

do embate político-ideológico que marca a agenda pública dos anos de 1980, mescla avanços

significativos no campo social com a manutenção de traços conservadores.” (p. 11)

O principal avanço pode ser visto na ampliação e universalização dos direitos sociais a

partir da perspectiva de um padrão público universal de proteção social. Ou seja, estavam

garantidos em lei princípios que regulavam a proteção social a partir da previsão de que é um
113

direito de todos e todas, e não só do trabalhador inserido no mercado formal de trabalho, por

exemplo, a garantia à educação, à saúde, à previdência social, à assistência social, etc.

Apesar da intensa disputa de diferentes projetos políticos para o país: por um lado, a

conquista de direitos sociais, por outro, o avanço das forças neoliberais e retração do Estado, a

conquista da universalidade e da democratização dos espaços públicos, através do mecanismo

de Conselhos, são aportes essenciais para dimensionar as novas perspectivas que se constroem

a partir da Constituição, ainda que sua materialidade seja composta por rupturas e muitos

obstáculos. (Behring & Boschetti, 2011)

A Lei Orgânica da Assistência Social foi sancionada em 1993 de forma a regulamentar

o que foi assegurado na Constituição. Entretanto, nos anos seguintes, sob o governo de

Fernando Henrique Cardoso:

(...) o Brasil havia estruturado uma rede de proteção social ampla, fragmentada e com

programas que se sobrepunham e concorriam uns com os outros por financiamento. As

políticas eram focalizadas e não universais, e os recursos, insuficientes para retirar os

beneficiários dos níveis de pobreza em que se encontravam. (Yamamoto & Oliveira,

2010, p. 17)

Será a partir do governo de Lula da Silva que se implementa o Sistema Único da

Assistência Social (SUAS), em 2004. O Sistema se constitui como uma importante estratégia

para execução da política de assistência social, organizando suas ações em dois níveis de

complexidade: a proteção social básica e a proteção social especial, além de gerir os

benefícios assistenciais e o cadastro de organizações e entidades ao Sistema (MDS, 2015).

A proteção social básica é executada através do Centro de Referência de Assistência

Social (CRAS), cuja definição está prevista na LOAS, em seu artigo 6º, parágrafo 1º:

(...) a unidade pública municipal, de base territorial, localizada em áreas com maiores

índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços


114

socioassistenciais no seu território de abrangência e à prestação de serviços, programas

e projetos socioassistenciais de proteção social básica às famílias. (LOAS Lei n.

8.742/1993, art. 6º, §1º)

Os princípios definidores da política comparecem na descentralização, na medida em

que se trata de uma unidade municipal, em articulação com os poderes estadual e federal; cuja

inserção se dá através do território, compreendido não apenas como espaço físico-geográfico,

mas composto por pessoas e suas relações e usos com este lugar; gestora de programas e

ações que componham os fins da política; voltados para a família como unidade de atenção,

compreendida não apenas como núcleo composto por pessoas que possuem laços

consanguíneos, mas vínculos afetivos e de interdependência.

Com relação à proteção social especial será o Centro de Referência Especializado de

Assistência Social que desenvolverá os programas e ações neste âmbito.

O Creas é a unidade pública de abrangência e gestão municipal, estadual ou regional,

destinada à prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação

de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam

intervenções especializadas da proteção social especial. (LOAS Art. 6º, §2º)

De acordo com informações do MDS (2015), o CREAS oferta de forma obrigatória o

Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), além de

serviços como Abordagem Social, Serviço para pessoas com Deficiência, Idosas e suas

famílias e Medidas Socioeducativas em Meio Aberto.

Um dos princípios que alicerçam as políticas sociais é o do funcionamento em redes

articuladas, seja no âmbito da própria assistência, seja com outras políticas, como por

exemplo, a saúde.
115

As prerrogativas de funcionamento da política de assistência social na atualidade

caracterizam-se como um importante avanço frente aos modelos anteriores desenvolvidos no

Brasil. Entretanto, diversos autores questionam as formas como a execução desta política tem

sido feita, apontando, principalmente, a precariedade das condições para realização das ações

e as limitações dos programas para o enfrentamento real da pobreza. (Yamamoto &Oliveira,

2010; Silva, 2010; Behring &Boschetti, 2011; Dantas, 2013)

A política de assistência social também prevê a concessão de benefícios. Com relação

ao seu gerenciamento, destacamos que o CRAS é responsável pelo Programa Bolsa Família

(PBF) e colaborador na implantação do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Sobre o

primeiro, trata-se de um programa de distribuição de renda que visa atender as famílias que

vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza. Tal constatação se faz a partir dos

seguintes critérios: famílias com renda per capta de até R$85,00 mensais, ou famílias com

renda por pessoa entre R$ 85,01 e R$ 170,00 mensais, desde que tenham crianças ou

adolescentes de 0 a 17 anos. (MDS, 2015)22. O acesso é feito através de cadastramento no

Cadastro Único para programas sociais do Governo Federal, realizado pelo CRAS de seu

município. É necessário, ao ingressar no Programa, atender às condições de vínculo com

outras políticas sociais, tais como a educação e a saúde: a alegação é de que as

condicionalidades são importantes para reforçar o acesso aos direitos sociais.

No tocante ao PBF, importa ressaltar que se trata do maior programa de transferência

de renda implementado no Brasil, até então. Os resultados obtidos através dele são muito

relevantes, especialmente se pensarmos nas condições de sobrevivência imediata de diversas

famílias em condição de extrema pobreza. Entretanto, há importantes debates sobre as

condicionalidades e os resultados a longo prazo desta estratégia que, apesar de não serem

aprofundados neste trabalho, merecem menção por tratarem da importância de mantermos a

22
http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e/como-funciona/como-funciona
116

criticidade diante das ações empreendidas na realidade de famílias pobres e as estratégias de

controle da população. As críticas principais tratam da direta relação destas ações com a

lógica neoliberal e a inclusão perversa no sistema através da regulação da pobreza. A lógica

das condicionalidades é questionada na medida em que um direito não pode estar vinculado a

condições para ser garantido e, mais ainda, de que a oferta das políticas sociais feita de forma

tão precária, não garante o real acesso à condições de cidadania propostos no Programa.

(Silva e Silva, 2010, Yamamoto &Oliveira, 2010, Dantas, 2013)

(...) os programas tão somente aliviam a pobreza, são emergenciais, assistencialistas e

descontínuos, e têm funcionado para distribuir, e não redistribuir, renda entre a

população, de maneira que haja modificações positivas nos níveis de concentração da

riqueza socialmente produzida. Como produto, não tem sido possível (nem almejado)

reverter o quadro da pobreza e indigência característico da sociedade brasileira.

(Yamamoto& Oliveira, 2010, p. 19)

No que concerne ao BPC, cabe destacar que se trata de benefício ligado à atenção

básica e ao CRAS compete a responsabilidade pela orientação e encaminhamento para acesso

ao benefício, bem como acompanhamento aos beneficiários e suas famílias, pois tornam-se

reconhecidamente um grupo vulnerável que necessita dos serviços socioassistenciais. (MDS,

2016)

O Benefício de Prestação Continuada foi criado em 1993, no âmbito da LOAS, através

da seguinte definição:

O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à

pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que

comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida

por sua família. (LOAS, 1993, Art. 20)


117

A gestão do BPC cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), por meio da

Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), “que é responsável pela implementação,

coordenação, regulação, financiamento, monitoramento e avaliação do benefício”. (MDS,

2015) De acordo com Medeiros, Diniz e Squinca (2006), trata-se do segundo maior programa

não contributivo de transferência de renda no Brasil, sendo menor apenas que o Bolsa-

Família.

Além de ser direcionada para um público específico: idosos e pessoas com deficiência,

é necessário comprovar renda mensal familiar menor que um quarto (1/4) de salário mínimo

por pessoa. Portanto, a condição de pobreza surge mais uma vez como elemento norteador

para a concessão da política. O BPC é uma transferência que independe de contribuição

prévia à Seguridade Social. Além disso, a previsão da Lei é de que haja uma reavaliação das

condições que deram origem ao benefício para determinação de sua continuidade ou

suspensão.

Após seu primeiro ano de funcionamento, os números relativos ao programa

contabilizavam 346 mil beneficiários, já em 2005, este número cresceu para 2,7 milhões de

pessoas atendidas. (Medeiros, Diniz, & Squinca, 2006). No ano de 2015, alcançou cerca de 4

milhões de beneficiários (Vaitsman & Lobato, 2017).

O acesso ao Benefício acontece da seguinte maneira: é necessário agendar, através do

número de telefone 135, a primeira habilitação em uma agência da previdência social.

Entretanto, é preciso atender a alguns critérios: estar inscrito no Cadastro de Pessoa Física

(CPF) e no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico)23. No dia

determinado, comparecer com toda a documentação exigida e que é informada pelo

23
A obrigatoriedade de inscrição no CadÚnico foi determinada recentemente pelo Decreto Nº 8.805, de 7 de
julho de 2016 que pode ser acessado no sítio: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/decreto/D8805.htm . A responsabilidade pelo cadastramento de famílias no CadÚnico é das
Secretarias Municipais de Assistência Social ou dos CRAS.
118

atendimento telefônico. O sítio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)24 esclarece, na

sessão destinada a informar sobre procedimentos para a obtenção do benefício, que é possível

esclarecer dúvidas e obter informações sobre o preenchimento de formulários no CRAS. O

atendimento nas agências do INSS é feito por técnicos que avaliam a documentação para

entrada do requerimento e, se está tudo correto, há o agendamento para avaliação social e

perícia médica. Caso contrário, o requerente terá 30 dias para retornar com as exigências

atendidas, ou o processo será indeferido. Após os procedimentos de apreciação social e

médica o benefício poderá ser implementado, ou não.

Antes do Decreto Nº 8.805, de 7 de julho de 2016, não era necessário o critério de

estar inscrito no CadÚnico e, portanto, pareciam existir lacunas na coordenação e cooperação

entre o INSS e o CRAS, no que diz respeito ao BPC. Vaitsman e Lobato (2017) destacam em

seu estudo as barreiras para o acesso a este benefício por pessoas com deficiência, indicando

diversas fragilidades no processo de habilitação no que se refere às ações intersetoriais. Entre

os principais aspectos levantados: a dimensão partidária que define as relações entre a esfera

municipal e a federal, constituindo barreira para cooperação interfederativa, que poderia ser

melhor estruturada entre as agências do INSS e o CRAS. Como os municípios dispõem de

autonomia para aderir a mecanismos de gestão conjunta, de acordo com a os grupos políticos

que ocupam cada instância (municipal, estadual e federal), o diálogo e a cooperação podem

não ocorrer a favor da política como coisa pública25.

Outro aspecto seria a necessidade de maior interface entre o INSS e o CRAS que

estaria ligada a demanda de que o trabalho de habilitação do primeiro poderia ser melhor

24
https://portal.inss.gov.br/informacoes/beneficio-assistencial-ao-idoso-e-a-pessoa-com-deficiencia-bpc/
25
“A palavra pública, que sucede a palavra política, não tem identificação exclusiva com o Estado. Sua maior
identificação é com o que em latim se denomina de res publica , isto é, res (coisa), publica (de todos), e, por
isso, constitui algo que compromete tanto o Estado quanto a sociedade. (...) Quando se fala de res publica, está
se falando também de uma forma de organização política que se pauta pelo interesse comum, da comunidade, da
soberania popular e não da soberania dos que governam.” (Pereira, 2009, p. 94)
119

encaminhado com dados e colaboração do segundo. Assim, um segundo problema apontado

por Vaitsman e Lobato (2017) é o fato de que apesar da porta de entrada do BPC ser o INSS,

a população geralmente busca o CRAS atrás de informações sobre como solicitar o benefício.

Sobre esta falta de informação sobre o BPC, Medeiros, Diniz e Squinca (2006) esclarecem:

A disseminação de informações é um ponto a ser fortalecido pelo programa. Enquanto

outros programas de benefício de renda, como o Bolsa-Família e seus precedentes, são

amplamente divulgados, pouco se vê do BPC na mídia. Uma explicação possível para

esse fato pode ser que, por ter sido criado pela Constituição de 1988, o BPC não

pertence a nenhum governo específico e, portanto, não recebe a mesma atenção

política nem gera os créditos políticos que o Bolsa-Família e iniciativas similares. (p.

20)

Como prestar esta informação é uma atribuição do CRAS, mas este não possui um

papel formal sobre o processo de solicitação do Benefício, muitas vezes as assistentes sociais,

sobrecarregadas com outras funções, não procedem este atendimento como uma iniciativa

regular e, por isso, nem sempre é possível obter a ajuda necessária. Além disso, a rotatividade

nos cargos ligados ao CRAS, a formação precária, e a falta de preparo e conhecimento amplo

sobre as políticas são questões que determinam as práticas dos profissionais (assistentes

sociais e psicólogos) que atuam neste lugar.

Apesar de política em amplo processo de consolidação, com ganhos constitucionais

bastante importantes do ponto de vista dos direitos sociais, e com um forte apelo

redistributivo, o trabalho na assistência social é caracterizado historicamente por uma

desprofissionalização, por uma prática eventual e assistemática e por ações

inconsistentes. Seus profissionais têm relações empregatícias instáveis, com alta

rotatividade e baseadas em vínculos de confiança, ao invés de competência

profissional. (Yamamoto & Oliveira, 2010, p. 19)


120

O usuário pode seguir, então, um caminho espinhoso na busca pelo benefício: perdido

no preenchimento de formulário, juntando a documentação necessária ou caindo em exigência

pela falta de alguma, refazendo o deslocamento até a agência do INSS, que nem sempre está

localizada no município de sua residência. Contando que as pessoas envolvidas vivem em

situação de vulnerabilidade social e econômica, esta situação gera grande desgaste. Por isso, é

comum recorrer a um intermediário que, tendo conhecimento de toda a burocracia, colabore

no processo de solicitação do BPC, mesmo tendo que abrir mão de algumas parcelas do

benefício para pagar o “trabalho” deste agente. Os técnicos do INSS não podem impedir que

os requerentes estejam acompanhados de outras pessoas, que geralmente são apontados como

“vizinhos” ou “amigos”: “Os técnicos administrativos se queixam muito dos intermediários, a

quem os requerentes devem pagar se o benefício é deferido” (Vaitsman & Lobato, 2017, p.

353)

O terceiro aspecto diz respeito à avaliação social feita pelo INSS: a) porque poderia

ser melhor amparada por informações do CRAS; b) porque no caso de não deferimento de sua

solicitação, o CRAS poderia encaminhar o usuário para outra política e não deixá-lo

vulnerável.

A resolução destes entraves apontados pelas autoras não serão solucionados através do

Decreto 8.805/2016. Por certo, a exigência do CadÚnico visa subsidiar com mais e melhores

informações o Sistema de Avaliação do INSS, entretanto isto não garante que os mecanismos

de coordenação e cooperação superem os obstáculos descritos até aqui.

Em se tratando de um benefício para pessoas com deficiência, Medeiros, Diniz e

Squinca (2006) destacam importante dado a este respeito para nossa pesquisa:

As informações de caráter demográfico sobre a concessão de benefícios para pessoas

deficientes no ano de 2004, obtidas no processo de cadastramento dos novos


121

beneficiários processado pelo Dataprev indicam que grande parte das concessões por

deficiência ocorre entre crianças e jovens. Cerca de 42% dos benefícios foram

concedidos a pessoas em idades entre 0 e 24 anos, sendo boa parte deles concentrados

nas idades mais jovens. A população de 25 a 45 anos representa cerca de 29% das

novas concessões e a população de 46 a 64, a uma fração igual, 29%. (p. 26)

Os números em relação ao BPC foram descritos em diversos aspectos numéricos no

Boletim BPC 2015, elaborado pelo MDS (2016). No que tange a este trabalho, traremos em

destaque aqueles referentes à pessoa com deficiência para compreender alguns percentuais

ligados a esta população.

No Brasil, a quantidade de benefícios ativos para pessoas com deficiência é mais

concentrada na faixa etária de 0 a 18 anos, este grupo representa aproximadamente 22% do

total.

Figura 5. Distribuição do BPC para pessoa com deficiência por faixa etária
Nota: Gráfico retirado do Relatório BPC 2015, (MDS, 2016, p. 19)
122

A Região Nordeste é a que mais concentra quantidade de benefícios ativos para

pessoas com deficiência por região.

Tabela 1

Benefícios concedidos por espécie segundo as grandes regiões.

Nota: Quadro retirado do Relatório BPC 2015, (MDS, 2016, p. 11)

No documento ainda é possível verificar que a distribuição de benefícios ativos para

pessoa com deficiência, está distribuída segundo a classificação do CID -Classificação

Internacional de Doenças Selecionadas e que, do total geral de 772.641 pessoas com

deficiência, cerca de 45% dos diagnósticos estão concentradas na classificação de Retardo

Mental. As informações podem ser verificadas da seguinte maneira:

Tabela 2:

Diagnóstico de Retardo Mental e BPC

CID Total Porcentagem

F71 Retardo Mental Moderado 148.610 19,23%

F72 Retardo Mental Grave 116.272 15%


123

F79 Retardo Mental Ne 33.679 4,35%

F70 Retardo Mental Leve 31.914 4,13%

F73 Retardo Mental Profundo 19.937 2,58%

Nota: Elaborada a partir dos dados disponíveis no Boletim BPC 2015 (MDS, 2016 pp. 20-21)

Outra relevante informação para fins deste trabalho refere-se à evolução de benefícios

concedidos por decisão judicial a pessoas com deficiência. Quando o processo de solicitação

do benefício é indeferido no INSS, muitos usuários buscam o Sistema Judiciário para acessar

o benefício. Os “intermediários” de que falavam Vaitsman e Lobato (2017) prestam serviços

também neste campo quando cessam as possibilidades pela via comum. Neste sentido, os

números comprovam que tem sido cada vez mais utilizado este recurso. Vejamos a evolução

destes números no Brasil: em 2004, 9.497 benefícios foram concedidos via processo judicial

para pessoas com deficiência, o que representava 6,71% do total de benefícios concedidos

naquele ano. Em 2015, este número passou para 40.498, o que significa cerca de 30% de

concessões via judiciário do total de concessões daquele ano. Na Paraíba, estes números

acompanham o crescimento nacional: enquanto em 2004 foram 227 benefícios concedidos

pela Justiça para pessoas com deficiência; no ano de 2015 este número subiu para 2.307.

(MDS, 2016)

A preocupação com este cenário fez com que o próprio Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome, junto à Secretaria Nacional de Assistência Social

e o Departamento de Benefícios Assistenciais, lançasse em 2016 a Nota Técnica N.º

03/2016/DBA/SNAS/MDS sobre as concessões judiciais do BPC e sobre o processo de

judicialização do benefício. Neste documento, importantes análises são suscitadas e vão desde

a compreensão do que seja a judicialização, até as relações estabelecidas entre a Justiça e a

Assistência Social, além da apreciação de relatórios elaborados sobre o tema.


124

O conceito de judicialização utilizado no referido relatório vai de encontro ao

entendimento de que o Sistema de Justiça não está alheio, nem mesmo neutro, aos processos

sociais e históricos da sociedade em que está inserido. Ao contrário, as instâncias jurídicas ao

proferirem suas sentenças passam, cada vez mais, a se posicionar influenciando a agenda

política. A referida Nota Técnica destaca o seguinte:

O fenômeno da judicialização das políticas públicas tem ganhado relevância tanto no

contexto internacional, como no âmbito nacional. Primeiro, cabe observar que há uma

influência recíproca entre direito e política, principalmente no que se refere às normas

constitucionais. Trata-se de interação complexa e sutil que consiste no fato de questões

de relevância política, social ou moral, serem, cada vez mais, disciplinadas em

Constituições Nacionais. O fenômeno da judicialização, por sua vez, significa que

questões de relevância política e social passaram a ser decididas, em última instância,

pelo Poder Judiciário; não estando mais restritas às esferas políticas tradicionais de

promoção das políticas públicas – o Legislativo ou o Executivo (pp. 5-6)

De acordo com Faria (2004), a judicialização tornou-se um fenômeno presente no

cenário nacional principalmente a partir da elaboração da Constituição Federal de 1988, nas

palavras do autor: “o texto constitucional ficou ambíguo e sem espírito definido, sendo

impossível saber ao certo em várias matérias o que de fato é direito adquirido, o que pode ser

objeto de emenda e o que foi convertido em cláusula pétrea.” (p. 110) Desta maneira, o papel

do sistema de justiça passa a ser ampliado e suas decisões decorrem diretamente no sistema de

política e de economia.

As instâncias judiciais atuam num contexto social contraditório de interesses

antagônicos, cujos cidadãos não gozam das prerrogativas do direito da mesma forma. A

judicialização implica em conceder ao judiciário a tarefa de decisão sobre conflitos que,


125

incidindo no sistema econômico, político e mais diretamente, na vida das pessoas, não pode

ser tomado como indiferente ou imparcial. (Faria, 2004)

Assim, elemento de judicialização que materializa a delicada relação entre o judiciário

e o Sistema de Assistência Social são os critérios de elegibilidade para concessão do BPC.

Tais critérios foram tema de decisões de acórdãos do STF, mostrando a necessidade de

alterações na Lei que regulamenta tal assunto. Os ministros julgaram improcedente que a

determinação de miserabilidade fosse instituída apenas pelo cálculo da renda per capta, sob a

alegação de que outros fatores são necessários para condicionar o nível de pobreza em que

vive uma família. (Nota Técnica 03/2016)

Ainda sobre este tema, a Nota Técnica caracteriza o trânsito das ações da seguinte

maneira:

É importante ressaltar que essas ações, nos juizados especiais federais, tramitam em

média por um ano e nove meses, o que acaba por gerar importantes custos ao sistema

de Assistência Social, na forma do pagamento de benefícios em atraso. Os motivos

pelos quais os JEFs concedem o BPC variam, mas as questões “de fato” costumam ser

mais relevantes do que as “de direito”, ou seja, é mais comum que a Justiça Federal

conceda o benefício por discordar da avaliação feita pela autarquia previdenciária

sobre a situação social, o nível de renda, ou a condição de pessoa com deficiência do

eventual beneficiário, do que de qualquer divergência de entendimento sobre o

conteúdo da legislação vigente. (pp. 16-17)

O Boletim BPC 2015 (MDS, 2016) e a Nota Técnica 03/2016 (DBA, SNAS, MDS,

2016) constituem importantes referências para compreensão do panorama da concessão do

Benefício de Prestação Continuada em nosso país. As informações elencadas nos documentos

trazem à tona a necessidade de problematizarmos a política como um benefício necessário e

que precisa estar mais acessível à população.


126

Os programas de transferência de renda são estratégias de proteção social que se

constituem como transferências monetárias a famílias ou beneficiários que se encontram em

situação de pobreza crônica ou estrutural. Tais programas começaram a ser implementados

nos países da América Latina entre as décadas de 1980 e 1990, incentivados pelo Banco

Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, em função do êxito experimentado

por experiência semelhante no México. Os interesses do capital econômico em tais iniciativas

demonstram que os programas atendem a variante de crescimento econômico e importam para

a manutenção da ordem vigente. O atendimento às necessidades básicas acaba por se limitar à

sobrevivência e, de acordo com Stein (2009), tais programas são “destituídas do caráter de

direito social” (p. 201)

Ainda assim, o Benefício de Prestação Continuada segue como importante forma de

sobrevivência aos que são acolhidos por tal política. Os dados apresentados pelo Boletim BPC

(2015) demonstram a necessidade iminente do público em tela, suas características e sua

distribuição no país. Isto nos defronta com a importância de uma reflexão mais aprofundada

sobre as especificidades, das pessoas e das políticas, que os números isoladamente não podem

demonstrar. O critério de comprovação de pobreza para adesão ao BPC representa um

importante dado sobre a desigualdade social em nosso país. Da mesma maneira, a

concentração de pessoas entre 0 a 18 anos como beneficiárias, apresenta-se como importante

referência para a necessidade de repensar as políticas disponíveis para este público, a falta de

oportunidades para as pessoas com deficiência e a necessidade de programas que promovam

real transformação em suas vidas.

A manutenção da política fragmentária e calcada em sistemas burocráticos que mais

dificultam do que facilitam o acesso dos cidadãos, circunscreve-se no modelo neoliberal de

composição de um Estado menos presente nas políticas sociais. Entretanto, é necessário

esclarecer que os programas de transferência de renda assumem dupla função: por um lado,
127

aqueles que acessam o benefício passam a ter meios para consumir e suprir as necessidades

mais urgentes, por outro, isto significa movimentar um mercado, situando estes sujeitos como

agentes econômicos que se inserem num contexto mais amplo.

Este complexo cenário necessita ser problematizado nos seus diversos aspectos: há

uma movimentação de mercado, o que possibilita a manutenção da ordem capitalista e, não

necessariamente, garante a superação da pobreza e da desigualdade social. Assim, tais

políticas, reconhecidamente necessárias para o mínimo de sobrevivência de tantas famílias,

não viabilizam por si só mudanças significativas se não forem acompanhadas de outras

possibilidades de transformação social.


128

CAPÍTULO 3
____________________________________________________

A cidade, a desigualdade e as pessoas.

Figura 6. Foto da praça principal e Igreja Matriz de São Paulo e São Pedro
Nota: Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2015).

A igreja e a praça, locais privilegiados dos encontros e passagens, demarcam a história

e o presente de uma cidade que, localizada no litoral, faz as vezes de um lugarejo do interior.

Nas épocas de festa, as bandeirolas penduradas em meio aos fios, colorem o caminho

obrigatório de qualquer visitante que deseje adentrar em seu cotidiano.


129

A cidade que está na rota da grande rodovia duplicada, fica entre a capital paraibana e

a potiguar. O acesso à pista lateral fica em seguida da usina de açúcar, com sua chamativa

placa e imponente construção. O caminho é quase monocromático: vindo de uma capital ou

de outra, é a plantação de cana-de-açúcar que predomina por toda viagem. Dependendo da

época do ano, é preciso ter cuidado com as grandes queimadas que tomam os campos, a

fumaça espessa, meio cinza, meio preta, avança na estrada impedindo a visibilidade e

sufocando a respiração.

A chegada, no entanto, é fácil e previsível, a avenida principal estreita guarda duas

pistas simples cortadas por um canteiro, é só seguir a mão e depois de algumas curvas chegar

na praça principal. Depois da igreja: a cadeia, a delegacia, os bancos, a feira, o comércio e a

universidade. No caminho de volta: cemitério, escola, hospital, outra igreja, mais comércio e a

saída para a BR.

O olhar apressado pode passar despercebido pela história de ascensão e declínio

daquela que já foi a segunda maior economia do estado, durante o período da Colonização.

Pelas ruas transversais que abrigam casas e pequenos comércios, os moradores circulam e

vivenciam suas dinâmicas, principalmente a de se sentar nas calçadas ao entardecer e de

varrer suas varandas e quintais das fuligens jogadas cotidianamente pelas usinas.

O nome da cidade tem sua origem em uma designação do povo potiguara:

Maman: de beber, para beber; Gua: água; Pe: nas. Significando então, Mamanguape, “Nas

águas de beber” ou o mais popularmente difundido “No bebedouro”. O termo atribuído ao

principal rio da região nomeou o vilarejo cheio de histórias desde o século XVI.

No primeiro século da exploração europeia no Brasil, foram os franceses que,

estabelecendo relações de troca com os índios potiguar, manejaram a extração do pau-brasil

de forma ostensiva na região. Graças à aliança com a população indígena, mantiveram o

domínio local e contiveram os avanços portugueses até o final deste período.


130

Após confronto e derrota dos franceses, os portugueses visando maior controle da

região, adotaram a política da catequese, fundando na região o centro religioso da Companhia

de Jesus e instalaram alguns edifícios e engenhos.

Este processo foi interrompido com a invasão holandesa em 1633. Os conflitos

derivados dos quase 20 anos de dominação e finalmente, a retomada portuguesa da região, se

refletiu na destruição de casas, engenhos e canaviais (Andrade & Vasconcelos, 2005).

A partir de então, houve preocupação com a colonização do Brasil de forma mais

contundente. A região do nordeste recebeu incentivos ligados à cultura agrícola, mas

principalmente, em relação ao algodão e à cana-de-açúcar.

Mamanguape possuía características naturais propícias aos interesses dominantes de

exploração da terra: além de oferecer o pau-brasil, possuía boa qualidade do solo para o

plantio de culturas, as águas de rios para abastecimento das necessidades locais e a

navegabilidade do rio Mamanguape.

Tinha de tudo. A cristalina água de suas fontes, solo fértil, a melhor e mais procurada

mercadoria da época– o pau-brasil e outras madeiras de lei, que se constituíram em

produtos de um comércio exportador. Todos esses fatos atraíram novos habitantes e

até senhores-de-engenho de Pernambuco, que vieram aplicar suas fortunas no

território mamanguapense, onde implantaram os seus engenhos para a fabricação do

açúcar (Costa, 1986, p. 45)

Nesse sentido, a criação de portos na região, que garantiam o escoamento das

mercadorias, e as características acima mencionadas possibilitaram que o crescimento

econômico desse grande visibilidade à Mamanguape.

O auge de sua ascensão, no período colonial, remete à visita do imperador D. Pedro II

em 1859. A casa onde se hospedou à época, funciona hoje como Prefeitura da cidade e se

constitui como um dos poucos patrimônios históricos restantes na cidade. A igreja matriz, a
131

cadeia pública, a igreja de Nossa Senhora do Rosário e alguns poucos prédios que guardam,

ainda que de forma decadente, a fachada arquitetônica daquele tempo.

Das casas de azulejos português, herança do período em que famílias portuguesas e

italianas se fizeram presentes no desenvolvimento da região, apenas uma guarda sua forma

original. A história da cidade e das pessoas foi tomada pela decadência, pela falta de

reconhecimento ao passado, pelo descaso com as memórias populares e atropelada por um

processo de crescimento sustentado no agronegócio, que não preza pelas raízes ou

sustentabilidade regional, como veremos adiante.

Do ápice à decadência, atribui-se que a construção de uma ferrovia que ligava cidades

do interior à capital, facilitando o escoamento de mercadorias, concomitante à deterioração

dos portos ligados à Mamanguape, provocaram o declínio da região. No final do século XIX,

a cidade que não tinha nem estrada de ferro, nem porto, viu as famílias abandonarem seus

comércios e suas casas. Nas palavras de Costa (1986): “Cada comerciante que via sair outro

da cidade, no dia seguinte, também fugia dela. Desta forma, em pouco tempo estavam

fechadas as casas comerciais e as residências. Parecia ter havido uma peste na Cidade, onde

não seria mais possível a vida” (p. 167).

A região, de uma maneira geral, estruturada no espaço agrário manteve até meados do

século XX as características de monopólio fundiário, na monocultura canavieira e na

exploração do trabalho. De acordo com Targino, Moreira e Menezes (2011):

Apenas com a Abolição, o trabalho escravo foi substituído pelo trabalho dos

moradores. Como todas as terras da Zona da Mata já estavam apropriadas e a Abolição

não foi acompanhada da distribuição de terras como pretendiam alguns abolicionistas,

a mão de obra escrava não teve alternativa senão permanecer como moradores de seus

antigos senhores (p. 87)


132

A nova guinada econômica acontece na década de 1920, com a inauguração da

Companhia de Tecidos Rio Tinto. Seus tijolos vermelhos característicos, feitos do barro local,

deram forma à fábrica e às varias construções no entorno. Mamanguape tornou a ganhar

visibilidade em função do negócio tido como propício para a região.

Entretanto, o discurso oficial do promissor empreendimento foi bem confrontado por

trabalhos históricos que demonstraram os interesses políticos e econômicos em jogo na

implementação da fábrica no interior da Paraíba. A isenção fiscal por um período de trinta

anos, oferecida pelo governo do estado, somado ao distanciamento da capital e dos

movimentos operários que se fortaleciam em Recife (cidade de origem da família Lundgren,

possuidora de muitos negócios naquela cidade, idealizadora e proprietária do

empreendimento) eram elementos contingenciais para a estrutura industrial que se pretendia

(Vale, 2008).

Fundou-se a cidade-fábrica, em que a vila operária circundava as instalações da fábrica

e toda estrutura de suporte como farmácia, escola e até clube foram erguidas para a

manutenção da vida social que deveria girar em torno do trabalho fabril. Rago (1997)

demonstra de que maneira as vilas operárias na República Velha estavam submetidas à

ordenação da fábrica: “Eliminando todos os intervalos que separam a vida do trabalhador do

dia-a-dia do operário, a forma burguesa de habitação designada para o pobre instaura um novo

campo de moralização e de vigilância”. (p. 177)

O empreendimento que chegou à Mamanguape modificou o nome do vilarejo de Vila

Preguiça para Rio Tinto. E não foi apenas o nome que sofreu mudanças: a paisagem e os

moradores transformaram-se com a chegada dos negócios da família Ludgren. Pescadores,

índios e trabalhadores rurais viraram operários da fábrica. Terras indígenas foram invadidas e

exploradas para benefício dos negócios. As reivindicações da população indígena pelas terras

geraram contendas e ainda hoje há conflitos de demarcação. Portanto, diferente do que prega
133

o discurso oficial, a industrialização do litoral norte não foi uma história sem embates,

conflitos, exploração e violência (Palitot, 2011).

A aquisição de terras pela família Lundgren, associada ao ideário de industrialização

da região acirrou também as contendas entre grupos latifundiários, o que marcou

profundamente a dinâmica da região na primeira metade do século XX. Por um lado a família

pernambucana, de origem sueca, delineando um processo de industrialização e disputando

lugares de poder político com a família Fernandes de Lima, latifundiários tradicionais da

região, proprietários da Usina Monte Alegre e habituais detentores da Prefeitura de

Mamanguape.

Na década de 1940, a inauguração da usina Monte Alegre, aquela que fica às margens

da BR, na entrada de Mamanguape, foi considerada um grande avanço no desenvolvimento

industrial da região e marca de poder daquele grupo político.

A disputa se concretizava também na demanda por mão-de-obra para o trabalho. Na

época da safra muitos trabalhadores vindos do agreste e do sertão convergiam para a zona das

usinas para o trabalho ligado à cana-de-açúcar. Entretanto, como nos afirma Mendonça

(2013):

(...) bem mais intenso fora o influxo da Cia. de Tecidos Rio Tinto, que atraia famílias

inteiras das mais diversas regiões, principalmente nos períodos de seca. No ano de

1940 o distrito de Rio Tinto, superara em urbanização e densidade demográfica a sede

administrativa (p. 11).

A migração pela promessa de trabalho gerou grande fluxo de famílias para aquele

contexto, muitas delas vindas do sertão, da realidade rural, para tornarem-se operários fabris.

A demanda empresarial era de contratar famílias de pelo menos três pessoas: pai, mãe e filhos

que eram empregados segundo a lógica de atividades específicas para cada gênero e idade. A

docilização passava pela necessidade de, contratando a família, classificando suas funções e
134

dando-lhe moradia, controlar de forma mais efetiva o grupo de trabalhadores. Tais estratégias

produziram o que Vale, citando Rosilene Alvim, destaca: “Elas se transformam em famílias

de trabalhadores industriais e nesse processo, vários dramas são vividos, hierarquias

familiares e intergeracionais reconstruídas, um novo modo de vida e de trabalho lhes é

imposto.” (Vale, 2008, p. 44).

As condições de trabalho e moradia, tanto dos trabalhadores da Companhia Têxtil de

Rio Tinto (CTRT), quanto dos trabalhadores rurais submetidos à lógica do latifúndio, eram

precárias e configuravam situações de exploração e violência.

Embora formalmente livres, os moradores mantinham dependência econômica, social

e política em relação aos proprietários. Estavam subordinados a uma extrema

exploração da sua força de trabalho, bem como de todos os familiares. Tal relação

determinava o quadro de extrema pobreza em que vivia a maioria da população da

Zona da Mata (Targino, Moreira & Menezes, 2011, p. 87).

A situação de moradia obedecia à lógica de que, ao habitar na propriedade do patrão e

ser empregado por ele, os trabalhadores deveriam se submeter às determinações daquela

relação. Além de receberem muito pouco pelas suas horas de trabalho (que geralmente iam do

amanhecer ao anoitecer), deveriam consumir do barracão, de propriedade também do

latifundiário, eram proibidos de cultivar qualquer gênero ou criar animais que poderiam servir

para consumo próprio e deveriam cumprir certa jornada de trabalho extra como forma de

pagamento pela moradia. A desobediência custava não somente a expulsão de toda a família

da propriedade, quanto a própria vida do trabalhador.


135

A resistência ao contexto de exploração vivido surgiu de forma organizada com o

surgimento das Ligas Camponesas26 nos idos de 1950. Antes disso, como nos esclarece

Targino, Moreira e Menezes (2011):

(...) em um contexto de repressão e extrema violência, tinham poucas alternativas de

resistência aberta, de enfrentamento direto com os patrões. A intensidade do

crescimento quantitativo dos participantes e a expansão geográfica e política das ligas

podem também ser entendidas como a expressão de uma consciência da exploração já

presente entre os camponeses, que, até então, não havia tido a oportunidade de se

expressar pública e coletivamente. (p. 90)

A constituição da Liga Camponesa na região e sua história de luta e resistência

demarcam a luta da população rural contra esse contexto de exploração advinda do modelo

latifundiário (Mendonça, 2013). Há de se levar em conta que o núcleo da Liga Camponesa em

Mamanguape possuía o segundo maior numero de associados do estado.

O cenário de lutas e embates foi acirrado, pois a militância das Ligas surtiu muitos

efeitos e possibilitou tanto mudanças na dinâmica das relações sociais e de trabalho, quanto

visibilidade às lutas dos trabalhadores rurais. Tais forças competiam com os interesses dos

senhores de terra que secularmente viam seu poder intocado e agora, precisavam reprimir o

movimento que ameaçava seu poderio. A repressão tinha diversos contornos, desde ameaças e

confrontos à organização, até processos de violência contra as lideranças pessoalmente e suas

famílias. O poder político dos latifundiários se expressava pelas alianças com representantes

políticos no governo e influências em órgãos de repressão como a polícia e o exército, que

participaram nas estratégias e ações de combate às Ligas.

26
Não caberia neste trabalho aprofundar a importante e complexa história da Liga Camponesa no contexto
brasileiro, ou mesmo paraibano, mas precisamos destacar a imprescindível luta conduzida no embate social
travado entre trabalhadores e proprietários no cenário social em curso, onde os discursos oficiais insistem em
invisibilizar a participação da classe trabalhadora e suas lutas de resistência na construção da Sociedade.
136

O momento de maior repressão foi após o Golpe civil-militar de 1964 em que a prisão,

cassação de direitos políticos, perseguição e assassinatos dos principais líderes do movimento,

além do clima de terror imposto às bases do movimento camponês, acabaram por impor o

silêncio e o medo.

Será também na década de 1960 que a CTRT inicia um processo de decadência. A

crise ligada ao setor algodoeiro afetou grandemente a fábrica que só trabalhava com este

material. Além disso, o maquinário obsoleto não possibilitava uma produção mais rápida e de

qualidade, capaz de competir com a produção do sul. A tentativa de manter-se no mercado

através de subsídios públicos possibilitou a aquisição de uma parte de equipamentos mais

modernos, o que culminou em um processo de demissões, já que a operação das máquinas

novas exigia menos trabalhadores. A CTRT que chegou a contabilizar cerca de 15 mil

funcionários em seus quadros, demitiu por volta de 3 mil trabalhadores naquela década.

Atribui-se à falta de modernização a perda de competitividade no mercado e

consequente decadência do empreendimento. Como parte do acordo das demissões vários

funcionários receberam as casas que eram suas moradias.

A Fábrica de tecidos foi desativada no ano de 1983 e nesta mesma década a família

Lundgren vendeu parte de suas terras para serem destinadas ao cultivo da cana. Ainda assim,

continua detentora de grande parte do que existe em Rio Tinto (Silva, 2011).

As instalações da fábrica abrigam, atualmente, parte do campus Litoral Norte da

UFPB. Em seu lastro histórico, a indústria e a influência política de seus donos possibilitaram

a emancipação de Rio Tinto em 1956, antes distrito de Mamanguape (Lima, 2013).

O site oficial da cidade27 aponta como importantes fatores históricos de

desenvolvimento para a região a chegada de uma agência da Caixa Econômica Federal, a

27
http://www.mamanguape.pb.gov.br/historia/
137

iluminação da cidade com energia elétrica, o abastecimento de água e a criação da

maternidade, todos ocorridos na década de 1950.

Na década de 1970, importante marco é a construção do trecho da BR 101 que,

cruzando Mamanguape, passou a ligar João Pessoa a Natal.

Acrescente-se a este período, que o governo federal lançou o Programa Nacional do

Álcool (PROÁLCOOL), incentivando o plantio de cana-de-açúcar e a produção de álcool.

Isto favoreceu a expansão dos canaviais e a dinâmica econômica que envolve a cultura e

beneficiamento da cana, como veremos adiante (Lima, 2013).

Ainda que estes elementos demonstrem certo desenvolvimento, visto sob um olhar

crítico, é preciso ressaltar os interesses econômicos em jogo no processo histórico e que

estavam voltados para as classes mais privilegiadas, especificamente do grande produtor rural.

Os investimentos sociais para a população da região, ou a atenção às comunidades indígenas

originárias daquela terra são invisibilizadas na narrativa linear e oficial contada sobre

Mamanguape.

A comunidade indígena, por exemplo, constitui um grupo social que ao longo da

história brasileira e, especialmente na região do litoral norte, foram postos diante de um

intrincado jogo de forças, interesses e exploração sobre a terra, sobre sua identidade e sua

força de trabalho. Sobre isso, Palitot (2011), desenvolvendo estudo sobre os Potiguara na

região, esclarece que tanto a CTRT, quanto o Serviço de Proteção aos Índios, no início do

século XX, instituíram dinâmicas que implicaram no campo da sociabilidade:

A Companhia vai exercer um controle patronal e industrial sobre os índios do antigo

aldeamento de Monte-Mór, forçando a negação da identidade indígena na sua área de

atuação. O SPI vai estabelecer um regime tutelar de controle dos recursos territoriais e

populacionais na Baía da Traição, normatizando o acesso de particulares às terras,


138

através de arrendamentos, e buscando controlar a população indígena através do

regime de indianidade (Palitot, 2011, p. 38)

Os institutos de Serviço de Proteção ao Índio, no início do século XX, e,

posteriormente, a Fundação Nacional do Índio, criada na década de 1960, tinham como intuito

desenvolver políticas indigenistas de reconhecimento e garantia de direitos daquele grupo. Na

realidade, as ações destes órgãos se efetivaram como ações de tutela e exercício de poder e

controle dos recursos existentes na área indígena, o que não ocorreu sem conflitos e

contradições. (Palitot, 2011)

Se tudo que os olhos alcançam na BR 101 é plantação de cana, também na dinâmica

imposta às relações sociais e econômicas da região, o imperativo está sob à égide da produção

canavieira.

O modelo de exploração da agroindústria do açúcar e do álcool no Brasil privilegiou

assim as grandes extensões de terras e a monocultura, sustentada por grandes

contingentes de mão-de-obra humana, explorados em condições desumanas de

trabalho. (Araujo, 2013, p. 56)

De acordo com Moreira, Targino, Siva, Borges e Madeiros (2003), na década de 1960

emergiu um novo foco da industrialização no Brasil que se caracterizou pela produção voltada

para a modernização da agricultura. Tratores, equipamentos agrícolas, fertilizantes, rações e

medicamentos veterinários estão entre os itens que passaram a fazer parte de um mercado em

vias de expansão. Uma nova rede de consumo e produção voltada para a agricultura e com

incentivos do Estado instaurou novas dinâmicas do capital, mas não modificou a característica

da concentração da atividade latifundiária.

Após longo período de crise, o setor canavieiro ganhou novo fôlego com este processo

de modernização associado com a crise do petróleo. O enfrentamento desta crise concretizou-

se com a criação do Proalcool, que se constituía como uma política governamental de


139

incentivos fiscais e créditos aos diferentes propreitários dos diversos setores do processo de

produção do álcool. As condições de financiamento eram privilegiadas, já que os juros sem

correção monetária, em uma economia inflacionária, chegavam a ficar negativados para a

agroindústria.

Este cenário foi paulatinamente se modificando na década de 1980, na medida em que

a crise do petróleo foi atenuada no cenário nacional e, posteriormente, a desestruturação do

Proalcool: seja porque o motivo de sua criação perdia o sentido, seja porque juntamente com a

revisão de políticas de subsídio do governo brasileiro, que na época vivia uma grave crise, os

gastos públicos foram suprimidos, atendendo acordos com o Fundo Monetário Internacional

(FMI).

À redução drástica do crédito subsidiado e abundante, elemento primordial da política

instituída pelo Proalcool, somou-se a crise financeira e fiscal, determinando a

cobrança das dívidas do setor para os cofres tanto da União como dos estados, o que

representou um abalo forte sobretudo no segmento arcaico da atividade sucro-

alcooleira nordestina. Como consequência, assiste-se à diminuição do nível do

emprego gerado pelo setor e a precarização das relações de trabalho. (Moreira et all,

2003, p. 48)

A atividade canavieira, apesar das crises e ascensões vistas no breve percurso

histórico, ainda se mantém como negócio predominante na Zona da Mata, onde se encontra a

cidade de Mamanguape.

Da plantação à colheita e daí ao beneficiamento, no negócio da cana-de-açúcar o que

se pode constatar é a exploração da terra e do trabalhador. Ainda que os discursos oficiais

insistam em flexibilizar afirmações que apontam para a modernização como melhoria dos

processos ligados a esta produção, a realidade se mostra bastante difícil. A Comissão Pastoral

da Terra Nordeste exibe dados alarmantes sobre o assunto:


140

Apesar da roupagem moderna e ecologicamente correta divulgada pelo marketing da

indústria automobilística, é das senzalas do corte de cana de açúcar que mais se

libertam trabalhadores em situação de trabalho escravo. Somente de janeiro de 2007 a

setembro de 2009, segundo dados da comissão Pastoral da Terra 6.855 foram

libertados no setor sucroalcooleiro nas operações de fiscalização coordenada pelo

Ministério do Trabalho e Emprego. O número representa 48,8 % do universo de

14.045 trabalhadores libertados da situação de escravidão no período. (Navarro, 2009,

p. 01)

A ocupação de vastas áreas para aumento de produção tem como consequência a

destruição da fauna e da flora e o esgotamento da terra. Demonstrando em dados

comparativos, Araújo (2013) verifica que, na cidade de Mamanguape, em 1990, a área

utilizada pelo agronegócio era de 4.273 mil hectares, enquanto em 2007, passou para 6.692

mil hectares. Dados do IBGE28 indicam que este número em 2014 saltou para 9.200 hectares.

A terra sofre com as queimadas e o lançamento de agrotóxico para prevenir pragas na

plantação. Se estiver de passagem pela BR 101, ao avistar grandes braços mecânicos a rodar e

jorrando líquido na plantação de cana, imediatamente surgirá o cheiro repugnante dos

produtos utilizados. De acordo com a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (2014) “A

aplicação de venenos na agricultura se constituiu em um problema de saúde pública, pois é

feita indiscriminadamente, tanto através da fumigação aérea quanto manualmente, afetando os

trabalhadores e a população em geral.” (p. 24)

A mecanização também chegou ao processo de colheita. E os argumentos utilizados

remetem à proteção da saúde do trabalhador. Entretanto, as máquinas só são capazes de lidar

com campos lineares e a cana “de pé”, resta ao trabalhador a parte mais árdua do trabalho:

28
Paraíba – Mamanguape - Produção Agrícola Municipal – Lavoura Temporária. Visitado em 05/07/2017. Em:
<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=250890&idtema=149&search=paraiba|mamanguap
e|producao-agricola-municipal-lavoura-temporaria-2014
141

corte em áreas irregulares e da cana deitada, muito mais perigoso em termos de segurança do

trabalho, muito menos rentável para o trabalhador que ganha por produtividade. (Araújo,

2013, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, 2014)

As vagas no cultivo da cana-de-açúcar são sazonais. Principalmente durante o corte e

colheita da cana, os trabalhadores são contratados por períodos que, geralmente, não

ultrapassam os seis meses. No período seguinte, ficam desempregados e sem salários. Quando

contratados, não possuem assegurados seus direitos, a carga horária e o tipo de serviço que

exercem são cansativos e subumanos. “A intensificação do trabalho aumenta o risco de

doenças crônicas, ferimentos e mutilações. Como em geral o sistema de contratação é

terceirizado, muitos trabalhadores doentes ou mutilados não conseguem garantir seus direitos

a saúde e aposentadoria” (Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, 2014, p. 23)

Os postos de trabalho se tornam escassos durante a entressafra. Neste período, os

trabalhadores são dispensados e a inserção em nova atividade remunerada é muito difícil.

Sobre esta situação, a pesquisa de Araújo (2013) assinalou que os trabalhadores de

Mamanguape entrevistados por ela afirmam, em sua maioria, que para sobreviver precisam

das Políticas Sociais como o Bolsa-Família ou buscar pequenos serviços que chamam de

“bicos”. Também não há garantia de que serão recontratados no período da safra.

Em relatório disponibilizado pelo site do Ministério do Desenvolvimento Social29,

gerado no mês de novembro de 2017, 6.798 famílias eram beneficiárias do Programa Bolsa

Família. Isto representa 39,68% da população do município. Este dado está acima do

percentual previsto para o estado da Paraíba que é de 32,92%.

A desigualdade do município também é visível em números. Abaixo da linha da

pobreza estão 39,4% da população (IBGE, 2010). Em 2011, do número total de 9.740 crianças

pesadas pelo Programa Saúde Familiar, 1,9% encontravam-se desnutridas. Agravando ainda

29
http://mds.gov.br/bolsafamilia
142

mais este quadro, a Pesquisa de Orçamento Familiar publicada em 2008, apontou que 31,8%

das famílias pesquisadas informaram que a quantidade de alimentos consumidos no domicílio

às vezes não era suficiente, enquanto que 7,9% afirmaram que normalmente a quantidade de

alimentos não era suficiente. (IDEME, 2016)

3.1 Porque gente é feita de histórias

“Natureza da gente não cabe em certeza nenhuma”


Graciliano Ramos

É neste cenário que encontramos com cinco famílias, cujo perfil atendeu aos critérios

desta pesquisa e que gentilmente colaboraram com informações que, somadas a outras fontes,

subsidiam e ilustram os debates empreendidos.

As entrevistas ocorreram nas casas das próprias participantes, pois, como já descrito

na Introdução, a metodologia “bola de neve” implicou na indicação de pares que geralmente

eram vizinhas de bairro, o que nos fez percorrer as ruas e solicitar a entrevista através de

visitas. Como as colaboradoras nos recebiam em suas casas, aceitando prontamente nossa

presença, iniciávamos o levantamento de dados naquele mesmo local.

Atentando para os preceitos éticos em pesquisa com seres humanos, resguardaremos

informações pessoais como nomes e detalhes de relato que possam identificar as participantes,

as colaboradoras e suas famílias. Antes da entrevista, todas receberam as informações sobre

confidencialidade e possibilidade de desistência do fornecimento das informações a qualquer

tempo. Além disso, assinaram o termo de consentimento30 e receberam uma cópia em que

constavam os contatos da pesquisadora.

Em todas as famílias as pessoas que nos receberam eram mulheres, quatro mães e uma

avó, que sendo responsáveis pelos cuidados com as crianças, nos receberam e prestaram as

30
Anexado ao final deste trabalho.
143

informações solicitadas. Neste sentido, denominaremos estas mulheres de colaboradoras, na

condição de narradoras capazes de descrever as histórias e condições em que se encontra a

criança. Esta por sua vez será chamada de participante, já que se trata de sua trajetória de vida

e articulações com a política que estarão em análise e, com exceção de uma delas, todas

estiveram presentes durante a entrevista.

A primeira entrevista foi concedida pela mãe do menino que chamaremos de Bento.

Seu núcleo familiar é composto por ele, sua mãe, pai e irmã. Os dois primeiros frequentam a

EJA, seu pai tem o Ensino Fundamental incompleto e sua irmã ainda está na escola regular,

cursando o Ensino Fundamental. Moram todos na mesma residência, declarada como casa

própria, com energia elétrica, em um bairro periférico, rua sem calçamento e sem saneamento

básico. A renda da família é de um salário mínimo proveniente do trabalho do pai e do

Benefício recebido por Bento. Aos quatro anos de idade um agente de saúde sugeriu que a

mãe procurasse a Funad porque ele não falava e era muito agitado. Atendendo a

recomendação, foram até a Fundação, a criança passou pela triagem e recebeu um laudo aos

seis anos e para acessar o Benefício precisou da via judicial, o que levou cerca de cinco anos.

Bento toma quatro medicamentos diferentes: Neuleptil, Haldol, Fluoxetina e Rivotril.

A segunda entrevista foi concedida pela mãe da menina que denominaremos Ruth. A

família é composta por ela, sua mãe e seu pai, todos analfabetos. Residem em uma casa de

alvenaria com tijolo aparente, declarada como casa própria, localizada em rua sem calçamento

e sem saneamento básico. A renda da família é de um salário mínimo proveniente da

aposentadoria da mãe e do Benefício recebido por Ruth. Seu pai trabalha com função ligada

ao ciclo da cana e consegue serviços esporádicos. A colaboradora não tinha dados precisos

sobre o laudo, mas afirmou que conseguiu o Benefício quando Ruth tinha sete anos de idade e

garantiu que passou 15 anos sendo atendida na Funad e deixou de frequentar porque o médico

disse que não ia aprender mais nada. Ela toma duas medicações, mas a caixa de remédios que
144

a colaboradora mostrou para comprovar o nome está ilegível. Em seu relato afirma que pega a

receita com um médico do PSF que nunca viu Ruth.

A terceira entrevista aconteceu com a avó de Ana Maria, nome fictício da criança de

nove anos que reside com avô, avó, tio e irmão por parte de mãe. Moram todos em casa

própria, localizada em um bairro periférico, rua sem calçamento, nem saneamento básico. Os

adultos possuem Ensino Fundamental incompleto e as crianças estão na escola cursando este

mesmo nível. A renda da família é de um salário mínimo proveniente do emprego do avô que

trabalha na construção civil e o tio, apesar de trabalhar, não colabora naquele núcleo porque

atende filhos e esposa de quem se separou recentemente. Ana Maria recebeu o laudo com sete

anos e a avó, para acessar o BPC, preferiu a ajuda de um advogado para mediar a relação com

a mãe, que ainda é a responsável legal pela criança, e para acessar a Justiça, caso o INSS

negue o pedido. A menina faz uso de Risperidona.

Chamaremos de Jorge o menino de quem se tratou na quarta entrevista. Mora em

residência própria com o pai e a mãe, em bairro construído como conjunto habitacional que

fica situado do lado oposto da BR 101, em relação às outras entrevistas. Neste bairro, há

saneamento básico e as ruas são calçadas. Sua mãe tem o Ensino Fundamental completo e seu

pai incompleto. A renda atual da família vem do Benefício recebido por Jorge, já que seu pai

está desempregado. O menino foi diagnosticado na Funad com dois anos e uma nova

avaliação foi realizada recentemente, quando completou sete anos. Faz uso de Neuleptil e

Risperidona.

A última criança chamaremos de Joaquim. Ele mora na mesma rua pavimentada de

casas do conjunto habitacional, em bairro com saneamento básico, junto ao seu pai, sua mãe e

seus dois irmãos. Seus pais não concluíram o Ensino Fundamental e tanto ele quanto os

irmãos estão cursando a escola regular neste nível. A casa da família é própria e a renda

familiar é de um salário mínimo, proveniente do trabalho de agricultor do pai, além de


145

receberem o Bolsa-Família e o Benefício de Prestação Continuada. O diagnóstico de Joaquim,

diferente das outras crianças não foi elaborado pela Funad, mas por um psiquiatra durante

uma consulta em um Hospital público de João Pessoa. Então, com quatro anos o menino tinha

seu diagnóstico. O acesso ao BPC se deu via processo judicial. Joaquim faz uso de Neuleptil.

O perfil socioeconômico destas famílias pode ser descrito da seguinte maneira:

a) Renda Familiar:

No que diz respeito à renda, três famílias vivem com um salário mínimo, além de

receberem o Benefício destinado à criança com deficiência.

Uma família tem como renda um salário mínimo e outra vive apenas com o Benefício

porque os pais estão desempregados.

Tabela 3

Renda das famílias entrevistadas

Família Bento Família Ruth Família Ana Maria Família Jorge Família Joaquim

Salário Mínimo Salário mínimo Salário Mínimo Salário Mínimo

BPC BPC BPC BPC

Nota: Quadro elaborado a partir das informações coletadas durante entrevista para esta pesquisa.

b) Organização familiar

No que diz respeito a este item, todos os núcleos familiares são compostos por um

casal de adultos e as crianças. No quadro abaixo reproduzimos a quantidade de pessoas que

compõem o núcleo:

Tabela 4

Organização das famílias entrevistadas

Família Bento Família Ruth Família Ana Família Jorge Família Joaquim
Maria
Pai Pai Avô Pai Pai
146

Mãe Mãe Avó Mãe Mãe


Filho 1(Bento) Filha (Ruth) Tio Filho (Jorge) Filho 1
Filho 2 Neto Filho 2
Neta Filho 3 (Joaquim)

Nota: Quadro elaborado a partir das informações coletadas durante entrevista para esta pesquisa.

c) Nível de Escolaridade

O nível de escolaridade dos adultos responsáveis pelo núcleo familiar variou entre o

analfabetismo e o Ensino Fundamental incompleto. Apenas uma cuidadora possuía o Ensino

Fundamental completo.

Tabela 5

Nível de Escolaridade entre adultos das famílias entrevistadas

Família Bento Família Ruth Família Ana Família Jorge Família Joaquim
Maria
Pai Pai - Analfabeto Avô Ens. Fund. Pai Ens. Fund. Pai Ens. Fund.
Ens. Fund. Incompleto Incompleto Incompleto
Incompleto Mãe - Analfabeta
Avó Ens. Fund. Mãe Ens. Fund. Mãe Ens. Fund.
Mãe Incompleto Completo Incompleto
Ens. Fund.
Incompleto Filho Ens. Fund.
Incompleto

Nota: Quadro elaborado a partir das informações coletadas durante entrevista para esta pesquisa.

Portanto, a organização do núcleo familiar é composta por um casal de adultos, que na

sua grande maioria possui apenas o Ensino Fundamental incompleto, em que o trabalho

remunerado está ligado à figura masculina, enquanto às mulheres cabe o cuidado com a casa e

a família. Moram em casa própria, em bairros periféricos, a maioria sem saneamento básico.

Entre as cinco crianças com diagnóstico, todas recebem medicação controlada, quatro

acessaram o BPC e uma está em processo de submissão. Além disso, todas já foram ou

recebem atendimento pela Funad.


147

Diante deste panorama, tentaremos estabelecer algumas conexões entre a realidade

local, as políticas sociais, as vivências das famílias entrevistadas e os processos de

patologização e medicalização que colaboram para a manutenção do que chamaremos de uma

Economia da Diferença.

3.2 A escola que se frequenta sem coragem

Em um cenário de acirrada desigualdade, os índices educacionais do município não

trazem horizontes mais favoráveis. De acordo com o Censo do IBGE (2010) em 2010, 13,7%

das crianças de 7 a 14 anos não estavam cursando o ensino fundamental. A taxa de conclusão,

entre jovens de 15 a 17 anos, era de apenas 29,4%.

Dados obtidos através do Censo Escolar31 demonstram que, entre 2010 e 2014, houve

defasagem nas matrículas regulares das escolas públicas do município. Em 2010, contabiliza-

se 11.240 matrículas regulares e este número sofre queda gradativa durante o período, até

chegar a 9.792 em 2014, o que numericamente representa uma queda de aproximadamente

15%. Estes números correspondem ao conjunto de matrículas regulares nos níveis de

Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos, na

área urbana e rural. A tabela abaixo revela melhor esta equação:

Tabela 6

Relação entre ano e total de matrículas regulares nas escolas da rede pública do município

Ano Matrículas Regulares


2010 11.240
2011 10.890
2012 10.573
2013 10.258
2014 9.792
Nota: Elaborada segundo dados do Censo Escolar.

31
Os dados foram sistematizados e organizados em tabelas que se encontram em anexo neste trabalho. Fonte:
http://portal.inep.gov.br/resultados-e-resumos
148

No que se refere à educação especial, os números são surpreendentes. Enquanto em

2010 registrou-se 94 matrículas, no ano de 2014 este número chegou a 183. Numericamente

isto significou aproximadamente 95% de crescimento, indo na direção oposta do que foi

apresentado nas matrículas regulares.

Tabela 7

Relação entre ano e total de matrículas especiais nas escolas da rede pública do município

Ano Matrículas Especiais

2010 94

2011 108

2012 144

2013 163

2014 183

Nota: Elaborada segundo dados do Censo Escolar.

Apesar deste crescimento significativo, o município, até o ano de 2016, possuía apenas

uma escola (municipal) com Sala de Recursos Multifuncionais. Na cidade de Mamanguape, o

convênio com o Governo Federal para implantação das Salas de Atendimento Educacional

Especial se deu a partir de 2008, na escola Iracema Soares, localizada no centro da cidade. As

crianças com deficiência devem frequentar escolas próximas a seus bairros e no turno

contrário, em horário determinado, vão à escola municipal que mantém o serviço.

Uma visão deste estado de coisas significa pensar que, em 2010, por exemplo, havia

uma sala para o atendimento de 183 crianças com deficiência, das quais 140 diagnosticadas

com “deficiência mental”.

Sobre esta realidade, ao relatar o cotidiano escolar de sua neta Ana Maria, a

colaboradora ilustra a dinâmica de muitas destas crianças:


149

[Mas ela frequenta a escola regular?] Sim, aqui... porque foi solicitado uma cuidadora

pra ela [Aqui?] Sim, aqui na escola pública do bairro, foi solicitado através da

coordenadora das crianças especiais, acho que de toda região daqui de Mamanguape...

Então, eu contei a dificuldade que ela não ficava na escola de forma alguma, já tinha

tentado colocar, mas ela não ficava sem mim, que ela não fica. Então, ela veio estudar

há um mês atrás, porque esse tempo todo eles estavam batalhando... E eu agradeço

primeiro a Deus e depois a ela por ter conseguido uma cuidadora só pra ela, essa

professora de... o nome dela eu não sei como é, eu sei que o apelido dela é N. e ela já é

cuidadora de outras crianças... e devido ao medicamento que ela faz, que é o

Risesperidona, ela toma um comprimido de manhã e dois a noite... então, como no

outro dia ela tem dificuldade pra acordar, eu posso entrar com ela até 8h. e pegar de

10:30h. da manhã.[Então durante a semana ela vai para a escola, nesse horário que a

senhora falou, tem essa cuidadora, e em outros dois dias da semana ela vai para a sala

de recursos] Sim, que é uma hora. Na quarta ela vai de 14h as 15h e na quinta ela vai

de 15:15 as 16:15h. [No horário contrário da escola] É. Um dia que ela vai pra Funad,

ela não vai pra escola. (Colaboradora 3 – Avó de Ana Maria)

A precariedade destes preceitos se apresenta na realidade com uma criança de nove

anos que há apenas um mês consegue frequentar a escola, mesmo assim, com horário

reduzido e faltando uma vez por semana para realizar seu atendimento de saúde. Ao mesmo

tempo, é preciso questionar: a sala de atendimento educacional especial, que deveria atentar

para as especificidades e demandas de cada sujeito, pode desenvolver estas atividades com

qualidade com um grupo de 180 crianças? Se não estão atendendo as 180 crianças, para quem

fica esta responsabilidade?

No caso do menino que chamaremos de Bento, a escola não se apresentou como lugar

possível. De acordo com sua mãe, a trajetória foi interrompida na medida em que ele não
150

conseguiu desempenho suficiente e foi repetindo de ano, até estar grande demais para

compartilhar a sala com crianças menores. Segundo ela: “Porque ele ficou na 4ª série, aí não

passou de ano e ficou difícil para colocar ele com as crianças, né?! (Colaboradora 1 - Mãe de

Bento)

A escola regular não era mais lugar para acolher Bento que já tinha completado 18

anos. Sua mãe, em um esforço de garantir a educação, entendeu que o melhor seria procurar a

Educação de Jovens e Adultos (EJA). No turno da noite, seguem mãe e filho para a escola,

que de acordo com ela: “Ele frequenta sem coragem”, para se referir ao modo como ele

precisa ir “obrigado” para lá. A EJA não oferece recursos diferenciados para Bento. A mãe o

matriculou para garantir a continuidade do tratamento dele na Funad, e acabou se

matriculando também, de acordo com ela para aprender mais, já que precisa estar presente na

sala de aula com o filho. Sobre esta modalidade de educação ela diz: “É uma sala de aula

normal. Aprendizagem normal. Um colégio normal.”

No caso de Mamanguape, as crianças matriculadas na escola pública frequentam a

escola regular próxima de sua residência e, em turno contrário, a Sala de Atendimento

Educacional Especializado localizada em uma escola pública no centro da cidade, única a

oferecer tal serviço. Esta é o caso de Ana Maria, Bento e Jorge.

Uma alternativa utilizada por algumas famílias é matricular as crianças em escolas

particulares, ou na escola da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), esta

utilizada como escola regular ou como serviço auxiliar no tratamento das crianças, o que não

foi o caso de nenhum dos entrevistados na ocasião, senão pela menção da mãe de Joaquim de

que já teria utilizado o serviço desta instituição.

Em vista da realidade da inclusão escolar vivenciada pelas cinco pessoas que

entrevistamos, elaboramos um Quadro que descreve melhor as situações que encontramos:


151

Tabela 8

Quadro Descritivo sobre a Inclusão Escolar dos participantes da pesquisa

Participantes Série que frequenta Frequenta Escola Publica AEE Funad APAE

ou Particular

Bento EJA Pública Não Sim Não

Ruth Não Frequenta Não Frequenta Não Não Não

Ana Maria 1º ano Ensino Fundamental Pública Sim Sim Não

Jorge 2º ano Ensino fundamental Pública Sim Sim Não

Joaquim 1º ano Ensino Fundamental Particular Não Não Sim

Nota: Relação entre as crianças participantes da pesquisa, as séries que frequentam, se matriculadas em escola pública ou
privada, se utilizam a sala AEE e se frequentam os serviços oferecidos pela FUNAD ou pela APAE. (Dados fornecidos pelas
entrevistadas na pesquisa)

Através das entrevistas das mães de Ana Maria e Joaquim esta realidade se

exemplifica nas poucas horas que passam na escola regular, na necessidade de uma assistente

em sala de aula, na pouca expectativa de que a escola possa ser um lugar de aprendizagem e

acolhimento. As duas crianças frequentam o Ensino Fundamental na escola pública regular.

Na perspectiva da mãe de Joaquim: “ele está fazendo o 2º ano, mas não sabe de nada, é

porque tem q estar na escola, né?” A escola é vista como uma obrigação e há motivos para

isso: as crianças que recebem o BPC precisam apresentar frequência escolar, além disso, para

utilizar os serviços oferecidos pela Funad a matrícula é um requisito fundamental.

A obrigação de estar na escola é também a obrigação de acolher na escola, que muitas

vezes se traveste de precariedade. No relato da avó de Ana Maria, percebemos que a menina

frequenta apenas parcialmente a escola já que entra às oito horas e sai às dez e meia da

manhã. Em que pese este pequeno período, ainda falta uma vez por semana para frequentar as

atividades da Funad. Quando está na escola é auxiliada por uma assistente, provavelmente

porque não há preparo da equipe para receber a menina em sua singularidade, afinal, apenas
152

no mês de realização da entrevista foi que a menina, aos 9 anos, começou a frequentar a

escola. Sobre a dificuldade enfrentada, a avó relata:

Pra ela estudar eu lutei 2015 e botei, 2016 ela não ficou, só foi os dois anos, ela foi três

dias. Não fiz porque a professora não quis aceitar, porque a professora disse a mim

que ela não era cobrada pelo aprendizado dela, e sim dos outros. Então fiquei

decepcionada, fiquei magoada, fiquei triste. Até a diretora, foi até a sala da diretora,

porque ela disse que Ana Maria tinha rasgado o caderno, realmente porque ela não tem

noção. (...) a diretora perguntou se eu não poderia ficar com ela na sala pelo menos

uma hora para que a menina frequentasse a aula, mas a professora não quis. Eu ia fazer

o quê? (Entrevista com Avó de Ana Maria)

É preciso ir à escola, mesmo sem coragem. Em cada uma das histórias contadas pelas

cuidadoras, repete-se o elemento de que o campo da educação é árido e avesso às diferenças.

Espera-se que as crianças atendam a um modelo de docilização e quando não o fazem as

demandas pela patologização e medicalização surgem como saídas para justificar a exclusão

e, depois, a inserção em espaços diferenciados como a Funad, a sala de Atendimento

Educacional Especializado ou a APAE. Ainda que a política seja desenhada sob os preceitos

da inclusão nos espaços regulares de escolarização, o que se vê, como no caso emblemático

de Ana Maria, é a utilização de estratégias que servem como muletas para a lida com sua

presença na sala de aula: a ajudante para auxiliá-la (somente para ela), os horários reduzidos,

a ausência para estar na Funad. A cuidadora de Joaquim prefere que ele frequente a escola

particular porque não atribui à escola pública serviço de qualidade para seu filho. A escola

precisa de coragem para receber as pessoas com deficiência, pois as barreiras impostas para

recebê-las parecem maiores que as tentativas de acolhê-las em suas diferenças.

A dinâmica da inclusão na escola precisa ser questionada em seu aspecto mais amplo e

complexo que é a sua relação com a domesticação dos sujeitos. Na medida em que se
153

problematiza a dinâmica precária de inclusão é preciso colocar em jogo a impossibilidade da

instituição escolar de se relacionar com a diversidade e ir além, nas suas engrenagens de

normatização e docilização. Quando adquire a posição de política pública, com

características que se adéquem aos princípios estabelecidos nos tratados internacionais dos

quais o Brasil é signatário, a inclusão de pessoas com deficiência na escola esbarra com a

implementação de estratégias eficazes que garantam o acesso e permanência destas pessoas.

Não basta garantir reformas na estrutura física, ou adquirir equipamentos, se não se pode

promover capacitação técnica e política com os atores sociais da escola.

Se a instituição permanece patologizando comportamentos e encaminhando o que

considera anormal para o campo da saúde, se seus professores não encontram espaço para

discutir suas práticas e construir novas estratégias, se as diferenças que compõem a

subjetividade só podem ser aceitas e “suportadas” mediante um laudo, então sim, as políticas

de inclusão continuam falhando e sendo apenas remediadoras de uma superfície cujas raízes

são bem mais profundas. Nesse caso, os processos ligados à inclusão da diversidade ganham o

status de legitimidade proferida pelo campo da saúde, como é caso das crianças com

“deficiência mental”, ou outros diagnósticos: elas podem acessar serviços, mas que são

limitados (como no caso do tempo que podem frequentar), precarizados (como frequentar a

escola regular, mas apenas com uma cuidadora) ou mesmo sucateados (não só no que diz

respeito à estrutura física, mas à remuneração de pessoal, capacitação profissional, diálogo

com a comunidade, por exemplo). Na maioria das vezes, a escola reproduz as opressões do

sistema social em que está inserida e naturaliza tantas outras formas de violência e exclusão

presentes em seu cotidiano.

A garantia da inclusão de pessoas com deficiência se insere na lógica dos processos de

patologização e medicalização, que viabilizam a camada de legitimidade sobre a dimensão de


154

uma diferença marcada no corpo, na cognição ou no comportamento que tomamos como

tratáveis ou remediáveis.

(...) criamos a incrível abstração pessoa deficiente, a fim de designar todo o conjunto

de pessoas que aprendemos a perceber como massa amorfa, porque a todos(as) lhes

falta algo. Aprisionamos experiências distintas, organizações perceptivas variadas,

experiências com o corpo e a cognição diferentes em um mesmo conjunto que, para

nós, é homogêneo. Tornamos compulsória a necessidade de que se tratem, se

reabilitem, procurem próteses, órteses, implantes, a fim de que se tornem o mais

normais quanto for possível. Que se virem do avesso, mas que busquem ser mais como

nós! A medicalização da vida em uma de suas expressões mais exuberantes: o olhar

que recorta o corpo, torna-o objeto, passível de controle e ajustamento, visando à

normalidade. (Angelucci, 2014, 121, grifos da autora)

A criança, adornada de um laudo, é recebida pela escola como um sujeito com poucas

perspectivas de desenvolvimento, ou como quem demandará esforços extras para que alcance

algum avanço. O trabalho direcionado para a falta parece já iniciar fadado ao fracasso, que

por sua vez é atribuído ao aluno, ao indivíduo. Aconteceu e acontece com Bento, com Ana

Maria, com Jorge, com as crianças de quem a escola desiste antes mesmo de tentar, porque

espera dos “tratamentos” e das famílias que executem as devidas providências em busca da

normalidade. A produção da miséria social é política, econômica e passa pelos bancos

escolares e consultórios assépticos dos profissionais da saúde.

No trâmite inverso, a mãe de Jorge foi aconselhada pela diretora da escola a procurar

um diagnóstico, porque aos dois anos de idade alegavam que ele não era “normal”. Após

cinco meses em processo de diagnóstico, Jorge tinha deficiência de grau não especificado,

dificuldade de linguagem e traços de autismo. Dois anos de idade. Aos sete anos, após nova

avaliação, o laudo aponta deficiência intelectual moderada e autismo.


155

As cuidadoras de Jorge, Bento e Ana Maria não problematizam o discurso da escola

de que as crianças não se adaptam à rotina e deveres da instituição, pois acreditam no discurso

oficial, da educação e da saúde, de que quem vai mal são os alunos, por conta de suas

deficiências. Engrenagem competente de silenciamento e culpabilização do indivíduo e sua

família, a patologização garante a imobilidade e acomodação para quem a escola é uma

promessa. A partir desse eficiente processo as crianças e suas famílias percorrem os diferentes

espaços das políticas sociais, que possam intervir e atuar em suas demandas.

3.3 Mas se Deus resolve os problemas, para que serve a Assistência Social?

No que se refere à rede de atendimento a cidade possui um CRAS, um CREAS, três

Unidades Básicas de Saúde e um Conselho Tutelar, de acordo com o Mapa de Oportunidades

e Serviços Públicos, disponibilizado na página do MDS32. Todos estes equipamentos

funcionam na área urbana, a maioria no centro da cidade.

A aproximação inicial com esta política se deu através da Secretaria de Ação Social,

com o objetivo inicial de obter dados que esclarecessem a organização dos ônibus que

levavam os moradores do município aos serviços de atendimento na capital. Acreditávamos

que a partir da abordagem deste tema, poderíamos obter dados iniciais e dar continuidade à

pesquisa das outras informações necessárias.

A Secretaria se localiza em uma rua perpendicular à avenida principal, também se trata

de uma casa adaptada que ganhou divisórias e mobiliário para funcionar como prédio público.

Logo na entrada uma varanda com cadeiras plásticas arrumadas em filas e em seguida uma

sala composta por vários guichês de atendimento ao público. No interior, a cozinha, o

banheiro e dois cômodos organizados como escritórios. A reunião com a então secretária do

município ocorreu em seu gabinete bem mobiliado e com ar condicionado. As informações a

32
https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/mops/serv-mapa.php?s=1&codigo=250890
156

respeito dos ônibus não eram formalizadas: não havia um controle oficial de quantas e quais

pessoas utilizavam o serviço, nem quando e quantos ônibus faziam esta viagem. A secretária

achava que saiam nas terças e sextas, mas que as informações poderiam ser obtidas no CRAS

ou com a responsável pelas viagens (uma pessoa contratada pela Secretaria para cuidar deste

transporte, da lista de pessoas autorizadas a embarcar e dos horários disponíveis).

Obter dados a respeito das viagens destes ônibus não se constituiu tarefa fácil. A

concentração destas informações estava apenas com uma pessoa: nem a Secretaria, nem a

coordenação do CRAS mostraram disponibilidade em viabilizar qualquer dado, porque

afirmavam não dispor de elementos formalizados ou sistematizados sobre o assunto.

No final do Grupo vi a assistente social solicitando que as mulheres levassem cópia de

alguns documentos para elaboração de um cadastro. Questionei se ela teria uma

relação das pessoas que frequentam o ônibus e ela disse que não, pois está tentando

organizar isto, mas que as mulheres têm medo de qualquer cadastro, pois pensam que

podem perder o auxílio. Perguntei quem teria esta relação, e ela disse que não sabia,

mas que eu conversasse com a “nome da pessoa”, responsável pelo ônibus. (Diário de

Campo, Relato 5)

A pessoa responsável pela tarefa de organizar os ônibus era uma senhora, contratada

para a tarefa e que no período em que foram realizadas as visitas, sofreu um acidente durante

o trabalho que ocasionou em sua morte. O trágico fato fez com que algumas atividades do

CRAS, ligadas às famílias de pessoas com deficiência, fossem suspensas durante algum

tempo. O serviço passou a ser desempenhado por sua filha que já acompanhava as viagens e

deu prosseguimento durante algum tempo ao trabalho. Não foi possível encontrá-las para

questionar sobre a sistematização dos dados ou os modos de funcionamento dos ônibus. As

informações fragmentadas que possibilitaram a compreensão mínima sobre a questão


157

acabaram vindo das entrevistas ou reuniões realizadas com outros atores sociais, tais como

coordenadoras do CRAS.

Os ônibus com destino à Funad, em João Pessoa, saíam nas terças e sextas-feiras. Para

acessar este serviço era necessário fazer contato com a responsável do ônibus que organizava

tanto os que já faziam tratamento, quanto àqueles que precisavam passar pelo processo de

triagem na Funad. Os ônibus deveriam seguir com os assentos preenchidos, mas durante

entrevistas, há relatos de que algumas vezes as pessoas vão em pé por conta da lotação

excessiva.

(...) é porque são muita gente dia de terça-feira, então, o certo é ir três ônibus, então

como só foram dois ônibus, a gente tivemos, mães, que ir em pé (...) porque eu nem

posso, já até adverti isso lá, porque eu tenho um problema sério nesse meu joelho,

nessa perna minha, que adquiri derrame e bursite nela, eu não posso viajar em pé.

(Colaboradora 1 – Mãe de Bento)

O serviço disposto sobre as viagens do ônibus, na forma como se apresenta,

caracteriza uma forma de clientelismo dentro da política de assistência social. A cidade não

dispõe dos serviços públicos de diagnóstico e tratamento, possíveis na capital através da

Funad. Por isso, disponibiliza os ônibus para que os cidadãos possam acessar tais serviços. O

fato de que todo o processo que envolve os ônibus está concentrado em uma pessoa, em que

os critérios e trâmites de acesso e permanência não são sistematizados e formalizados,

consequentemente não estão sob o controle da gestão pública, e sim, sob os cuidados de uma

pessoa em particular, apontam o clientelismo presente como estratégia de favorecimento e

privatização da prática da assistência social.

Apesar dos avanços e conquistas da Política Social após a promulgação da

Constituição Federal, a manutenção de algumas características históricas se fazem presentes

no cotidiano da política. As ações de âmbito clientelista ainda permanecem como formas de


158

uso da coisa pública, através da tutelação e com interesses eleitoreiros. Na prática, os serviços

que deveriam ser reconhecidos como direitos, passam a ser geridos como benevolência e,

portanto, tomados como favorecimento que deve ser creditado e cobrado em forma de

submissão política-eleitoreira. (Behring & Boschetti, 2011; Dantas, 2013)

A assistência é a política que mais vem sofrendo para se materializar como política

pública e para superar algumas características históricas como (...) manutenção e

mesmo reforço do caráter filantrópico, com forte presença de entidades privadas na

condução de diversos serviços, sobretudo os dirigidos às pessoas idosas e com

deficiência; e permanência de apelos e ações clientelistas. (Behring & Boschetti, 2011,

p. 161-162)

Ainda que não formalizadas, existiam condicionalidades para usufruir dos serviços de

ônibus disponibilizados: o primeiro era ter vínculo com algum dos serviços da Funad (tiragem

ou tratamento), e o segundo, frequentar o grupo de familiares de pessoas com deficiência

atendidas pelo serviço, promovido quinzenalmente pelo CRAS.

O trajeto de pesquisa, sempre surpreendente, levou-nos a informações impensáveis. A

primeira passagem em busca de dados sobre o ônibus foi na Secretaria de Ação Social, que

nos encaminhou para o CRAS e as relevantes informações que destacaremos para fins deste

trabalho.

O Centro de Referência de Assistência Social do município está localizado na zona

urbana, no centro da cidade. No período de realização desta pesquisa, a sede funcionava em

uma casa adaptada, localizada em uma rua residencial, transversal à avenida principal e muito

próxima à Secretaria de Ação Social.

A primeira visita realizada foi imediatamente após a reunião com secretária do

município e por encaminhamento da mesma. Foi possível nos reunirmos com a coordenadora

do CRAS e outra profissional, ambas formadas em Psicologia. Na sala da coordenação, um


159

imenso rosário pendurado na parede; no pulso, a coordenadora trazia mais um símbolo

religioso da fé católica e várias vezes se referiu à pesquisadora como “irmãzinha”.

O relato das profissionais a respeito do grupo de familiares de pessoas com deficiência

apontou que o grupo não é constante e, apesar da frequência quinzenal, a quantidade de

pessoas oscila bastante, em ocasiões já teriam agrupado 46 pessoas e em outras apenas seis.

Atribuem esta diferença ao caráter dado a cada encontro: quando se trata de uma

comemoração com sorteio de brindes e premiação há mais participantes. Descreveram que de

modo geral, entendem que o grupo deve ter como função melhorar a autoestima das

cuidadoras de pessoas com deficiência, pois são pessoas muito atribuladas que não têm tempo

para si mesmas. Sobre esta realidade, destacamos um trecho do Diário de Campo:

As psicólogas pareceram mais sensíveis à questão da pobreza, do sofrimento social

destas mães, ainda que a fala delas seja muito pautada na dor e na dificuldade de

cuidar de uma criança com deficiência como questão isolada de outros determinantes.

Mas reconhecem que a pobreza é um fator recorrente e que muitas vezes as mães vão

para o grupo para se queixar da dinâmica do ônibus: de quando tem ou não, de quando

são avisadas ou não, de quando não conseguem se comunicar com a responsável pelo

ônibus, etc. A psicóloga insistiu diversas vezes que o objetivo do grupo é a autoestima,

elevar a autoestima. Ou seja, as mães parecem demandar um grupo que trate de suas

vivências, de seus problemas, desses impasses. Pelo que entendi as psicólogas

compreendem esses encontros como necessários para falar do sofrimento não como

causa social que afeta o coletivo, mas como algo da ordem de um sofrimento psíquico

individual, onde fortalecer a autoestima deve ser o caminho necessário a ser trilhado.

(Diário de Campo, relato 4)

O trabalho do psicólogo(a) no campo da Assistência Social deve se pautar na garantia

dos direitos sociais, tendo em vista que a política está voltada para o enfrentamento de
160

situações de vulnerabilidade social, em que é necessário fortalecer os vínculos sociais e

comunitários de sujeitos e famílias atendidos pelos programas de nível de atenção básica. De

acordo com as Referências Técnicas para atuação do(a) Psicólogo(a) no CRAS/SUAS:

(...) as práticas psicológicas não devem categorizar, patologizar e objetificar as pessoas

atendidas, mas buscar compreender e intervir sobre os processos e recursos

psicossociais, estudando as particularidades e circunstâncias em que ocorrem. Tais

processos e recursos devem ser compreendidos de forma indissociada aos aspectos

histórico-culturais da sociedade em que se verificam, posto que se constituem

mutuamente. (CREPOP, 2007, p. 17)

O atendimento em grupo pautado na categoria “autoestima” acaba por desconsiderar o

contexto sócio-histórico e focaliza no indivíduo a necessidade de investir em afeto e confiança

em si próprio. Esta categoria, isolada de outras discussões e pautas, responsabilizam

unicamente o sujeito por sua vida e individualizam o sofrimento e as condições em que estão

inseridas as mulheres atendidas pelo programa. O que não contribui para o papel primeiro da

Psicologia inserida no CRAS e sustentado pelos princípios já expostos neste texto.

Entretanto, a perspectiva adotada pelas profissionais não é experiência isolada.

Oliveira, Dantas, Solon e Amorim (2011) apontam que o fazer profissional do psicólogo no

âmbito do CRAS ainda é permeado pela falta de clareza sobre as formas de atuação que

intervenham nas situações de pobreza e desigualdade social. A lógica “particularista e

individualizante” (p. 148) não é exclusividade da Psicologia, mas herança histórica da própria

Assistência Social.

Além disso, a prática desenvolvida pelas psicólogas no CRAS do município de

Mamanguape esbarra naquilo que Dantas, Oliveira e Yamamoto (2010) apontam sobre a

necessidade de construção de “teorias e técnicas inovadoras de trabalho” para os


161

psicólogos(as) que atuam com populações pobres. De acordo com estudo desenvolvido pelos

autores ficou evidente que:

(...) é a existência de lacunas decorrentes da dificuldade de articulação da pobreza com

o desenvolvimento e estruturação da sociedade capitalista, que impede uma

compreensão mais ampla do fenômeno, bem como o reconhecimento das limitações

no entendimento da questão e das possibilidades de construção de um conhecimento

que transforme efetivamente o saber/fazer, e não se restrinja à adaptação de teorias e

técnicas psicológicas. (p. 110)

Ainda que não estivesse previsto a priori, participar de um dos encontros deste grupo

tornou-se necessário para uma aproximação mais efetiva com a realidade investigada. Então,

a convite da coordenadora, estive presente no que elas denominam “Grupo de Mães”, no mês

de novembro. A chegada antecipada ao horário marcado, fez com que pudéssemos nos reunir

com o grupo de trabalho do CRAS, durante um café organizado na cozinha da instituição.

Nesta época, as eleições já tinham acontecido e o grupo político que se encontrava na

prefeitura há alguns anos perdeu as eleições para o grupo de oposição, implicando na

reconfiguração de espaços e equipes que funcionavam no município, inclusive no CRAS.

Ainda que o novo grupo só fosse tomar posse no início do ano, a transição de gestão estava

em processo e as funcionárias daquele equipamento relatavam que nenhuma delas ficaria para

o próximo ano. Da assistente social à servente, todas eram contratadas e seriam dispensadas,

apenas uma das psicólogas era concursada e seria transferida para outro serviço.

O trabalho precário é um obstáculo para o desenvolvimento das políticas públicas,

compromete a relação dos trabalhadores com o sistema e prejudica a qualidade e a

continuidade de serviços essenciais.(CREPOP/CFP, 2007, p. 31)

A atividade agendada para as 9 horas da manhã só teve início às 9:45h. Neste intervalo

de tempo, doze mulheres foram chegando esporadicamente e sentando numa sala próxima à
162

recepção, onde cadeiras brancas de plástico estavam arrumadas em forma de semicirculo. Elas

cochichavam de como estavam com calor, reclamando do atraso e de como aquela situação

parecia injusta, já que diziam para elas que aquela atividade era obrigatória e necessária para

manter a “vaga” no ônibus, mas que várias pessoas não compareciam e tudo continuava igual.

A facilitadora do grupo foi a assistente social, já que as duas psicólogas, principais

responsáveis pela função, estavam ausentes. A primeira atividade foi uma prece de

agradecimento, em seguida a proposta era um leve alongamento que foi recebido em meio a

resmungos, por outro lado, foram respondidos pela profissional com falas de ordem e a

justificativa de que tinham que cuidar de seus corpos já que são cuidadoras de outros. Em

meio a este enfrentamento nada sutil, uma demanda da recepção fez com que a profissional

saísse da sala por alguns minutos. Ao retornar, sugeriu uma dinâmica que envolvia ficar de pé

e fazer movimentos, que foi executada, mas ao final, solicitando que as pessoas se

posicionassem sobre o sentido da atividade, não teve retorno e desenvolveu um discurso sobre

a necessidade de diante dos problemas termos paciência e fé, conforme relato do Diário de

Campo:

A assistente social tentou fazer uma fala sobre o que poderia ser aprendido sobre

aquela dinâmica, mas como nenhum debate foi promovido, rapidamente aquela tarefa

perdeu o sentido. Além disso, seu discurso foi enfático sobre o fato de que todas as

pessoas têm problemas, de que aquele era um grupo de pessoas que cuidavam de

filhos com deficiência, que tinham um cotidiano muito difícil, mas que todas tinham

que ter paciência e fé. Então, lançou a pergunta: “quem vai resolver nossos

problemas?” E ela mesma respondeu: “Deus!” (Diário de Campo, Relato 5)

A pergunta que dá título a esta seção deriva da presença constante dos elementos de fé

impostos pelas profissionais no ambiente de trabalho, local de ofício público e que, portanto,

deveria ser laico. Espaço de acolhimento de pessoas que vivenciam a desigualdade social em
163

formas perversas e que encontram nas paredes, no corpo e nas palavras a moral religiosa que

aponta o sofrimento como remissão dos pecados. Se Deus resolve nossos problemas, qual o

papel da política social?

Retomamos Oliveira, Dantas, Solon e Amorim (2011) para destacar o papel da

formação nesta relação:

O trabalho com famílias visando à sua emancipação, organização e conscientização

sobre seus direitos, exige um tipo de abordagem que não é apenas coletiva, é política.

Essa postura não pode ser orientada por meio de manuais; faz parte de uma formação

que, de fato, passa distante dos bancos acadêmicos ou das capacitações. (p. 147)

A atuação com vistas ao enfrentamento das desigualdades sociais, ou no mínimo, para

o acolhimento de pessoas que vivem situações de desamparo, pobreza e discriminação,

especialmente no âmbito das políticas públicas sociais, deve pautar-se no reconhecimento de

“princípios e práticas democráticas” e consequentemente na “defesa intransigente dos direitos

humanos” (Iamamoto, 1998, p. 141). Trata-se, portanto, da necessidade de uma formação

pautada em princípios políticos que necessita do reconhecimento de que a origem das

desigualdades sociais se encontra na dimensão histórica, política, econômica e cultural de

nossa Sociedade.

Os posicionamentos religiosos precisam permanecer, portanto, no âmbito da vida

privada, já que suas premissas escapam à compreensão da produção social e acabam por

dispor lógicas de conformismo, resignação e individualização, vínculos e determinações

estabelecidos com um plano espiritual, que não condizem com os princípios estabelecidos

para a atuação no SUAS, nem com as referências propostas pelos Conselhos de Profissão da

Psicologia e do Serviço Social.

Ademais, é preciso considerar a diversidade de credos religiosos e reconhecer o direito

à participação e respeito às diferenças neste escopo. Quando um profissional, ocupando um


164

lugar hierárquico em espaço público, expõe símbolos de seu credo no espaço de trabalho, ou

declara que Deus resolve todos os problemas, nega princípios democráticos de afirmação das

diferenças e de possibilidade de construção de novas formas de resistência e enfrentamento às

situações de desigualdade.

O grupo seguiu com apresentações pessoais, da pesquisadora e das pessoas presentes.

Verificou-se que todas as mulheres são responsáveis/acompanhantes de pessoas com

deficiência, entre crianças e adultos, moram em bairros pobres e afastados do centro, mas

vinham caminhando durante alguns quilômetros embaixo do sol quente para chegar no

CRAS, não sabiam relatar o diagnóstico da pessoa de quem cuidavam, respondendo na

maioria das vezes que era um “problema mental”. O grupo foi encerrado e concluído com um

lanche modesto oferecido pelo CRAS.

Sobre a composição e caracterização deste grupo, que no caso descrito é apelidado de

“Grupo de Mães”, Medeiros, Diniz e Squinca (2006) alertam que cuidar de crianças ou de

idosos é uma função exercida, principalmente, por mulheres, uma vez que na sociedade

brasileira a atribuição do cuidado é naturalizada para o gênero feminino. Isto implica em dizer

que muitas acumulam a função de gerenciamento da casa, tarefas de manutenção do lar,

assistência às pessoas mais “frágeis” da família, além de serem responsáveis pela busca de

habilitação do benefício.

As colaboradoras desta pesquisa durante a entrevista expressam literalmente esta

problemática: “Eu não posso trabalhar com ele. Eu não posso sair pra trabalhar e ele necessita,

né? “ (Colaboradora 1 – Mãe de Bento), ou “Se não fosse ele (o benefício) eu ia ter que

trabalhar, ia ter que deixar ele, acho que uso meu tempo mais pra ele, me dedicar a ele (...)”

(Colaboradora 4 – Mãe de Jorge), ou “Se por um acaso eu morrer, com quem ele vai ficar?”

(Colaboradora 5 – Mãe de Joaquim).


165

Assim, à vulnerabilidade econômica e social desta parcela da população, pode-se

somar a questão gênero. Cabe ressaltar que os autores ainda chamam a atenção para o fato de

que as atividades desempenhadas por estas mulheres restringem sua participação no mercado

formal de trabalho e os direitos sociais que poderiam advir deste. Em trabalho dedicado ao

tema do cuidado, os mesmos autores afirmam:

A combinação de uma estrutura social pouco sensível à deficiência com um quadro de

extrema desigualdade, em que o salário formal ou informal das cuidadoras é igual ou

inferior ao benefício, facilita a saída das mulheres do mercado de trabalho para o

cuidado permanente dos filhos deficientes. Em um contexto social pouco sensível à

inclusão do deficiente, de pouca valorização do cuidado como um princípio coletivo

de bem-estar e de quase total ausência de escolas ou instituições preparadas para os

deficientes, a exigência do recorte de renda converte-se em um incentivo pernicioso à

saída das mulheres do mercado de trabalho formal. (Medeiros, Diniz & Squinca,

2006a, p. 91)

As mulheres e famílias que vão ao CRAS procuram o atendimento de seus direitos

através das políticas. É necessário que os projetos e programas destinados a esta parcela da

população possibilitem que a caminhada quente e árdua, da vida e do caminho até o CRAS,

esteja mais implicada com os princípios de autonomia e emancipação.

Com a mudança de gestão do município, a sede do CRAS foi transferida para um

prédio reformado pela prefeitura localizado na avenida principal do Centro. Tal mudança não

se fez tranquilamente. O período de transição de sede durou mais de seis meses e o grupo de

mães de pessoas com deficiência foi suspenso neste período.

A mudança de gestão também trouxe outras alterações: a equipe de profissionais foi

dispensada, as técnicas contratadas foram demitidas e a única concursada seria transferida

para outra função, já que exercia a coordenação do CRAS, considerado cargo de confiança e,
166

portanto, de interesse político-partidário. Este quadro não é situação isolada e sobre isso

Iamamoto (1998) destaca que:

Os assistentes sociais funcionários públicos vêm sofrendo os efeitos deletérios da

Reforma do Estado no campo do emprego e da precarização das relações de trabalho,

tais como a redução dos concursos públicos, demissão dos funcionários não estáveis,

contenção salarial (...), tercerização acompanhada de contratação precária, temporária,

com perdas de direitos, etc. (p. 124)

A organização do serviço público com estas características não se resume apenas aos

assistentes sociais, mas a todo corpo técnico que, de acordo com um modelo de

funcionamento de Estado, acaba submetido a estas condições de trabalho (Oliveira &

Yamamoto, 2010). Tal modelo, garante a manutenção de postos que empregam trabalhadores

a serviço do grupo político que está no poder e a manutenção dos interesses hegemônicos.

Enquanto o novo prédio ainda estava em construção, o CRAS manteve apenas

serviços básicos. O “Grupo de Mães” estava suspenso e tinha previsão de retorno apenas para

o meio do ano, o que inviabilizou outras visitas.

Este recorte sobre o campo da assistência social, no que concerne ao nível municipal,

desenha um quadro de relações de forças presentes no cotidiano das pessoas que participam

deste contexto. O modo como as ações neste campo se organizam denunciam o que trabalhos

anteriores já sinalizavam sobre a precariedade e os interesses em jogo na política social.

Entretanto, convém ressaltar também os modos de resistência impressos pelas usuárias do

serviço diante da máquina burocrática que insiste em submetê-las à sua (des)ordem. Diante da

imposição da participação no “Grupo de Mães” elas faltam; se fazem presentes, mas se opõem

a seguir as regras; participam do grupo, mas buscam obter “favores” por sua tolerância; não

entregam papeis solicitados ou adiam as solicitações das profissionais. As estratégias de

sobrevivência perpassam a capacidade de reinventar o jogo conduzido pelas forças


167

hegemônicas, retorcer as teias da submissão resignada imposta aos que vivenciam a

desigualdade no dia a dia, na pele, na fome, na alma.

3.4 A FUNAD ou Mais um tijolo no muro

Figura 7. Foto da entrada principal da Funad


Nota: Retirada do site Conexão Boa Notícia(novembro/2017): http://www.conexaoboasnoticias.com.br/funad-
realiza-6a-mostra-de-arte-inclusiva-do-estado-da-paraiba/

Instituída a partir da Lei 5.208 do ano de 1989, a Fundação Centro Integrado de Apoio

ao Portador de Deficiência, é um órgão ligado ao Governo do Estado, cujos fins e objetivos

são descritos na legislação de sua fundação da seguinte maneira:

Art. 5º Constituem finalidade e objetivos básicos da Fundação:


I – planejar e coordenar, a nível estadual, a reabilitação dos portadores de deficiências;
II – prestar atendimento às pessoas portadoras de deficiência física, mental, visual,
auditiva e múltipla visando ao desenvolvimento de suas potencialidades;
III – desenvolver pesquisa científica relacionada às áreas de sua atividade;
IV – promover a formação de pessoal técnico especializado;
V – celebrar convênios, acordos, contratos e ajustes com entidades públicas ou
privadas, nacionais e estrangeiras que objetivem a reabilitação das pessoas portadoras
de deficiência;
VI – manter intercâmbio técnico–científico com outras entidades nacionais e
estrangeiras, visando ao desenvolvimento e aprimoramento de suas atividades de
reabilitação e habilitação das pessoas portadoras de deficiência;
VII – prestar assistência técnica a entidades públicas ou privadas que desenvolvam
atividades ligadas à reabilitação de pessoas portadoras de deficiência;
168

VIII – criar, organizar, administrar e manter unidades de atendimento a pessoas


portadoras de deficiência, objetivando a interiorização do atendimento;
IX – desenvolver outras atividades.

O efetivo funcionamento da instituição se deu no mês de abril de 1991 e, segundo

dados divulgados na imprensa, na ocasião da comemoração de seus 20 anos, a Funad

completou o número de 24 mil atendimentos prestados.

A Fundação está ligada ao governo do estado através da Secretaria de Educação e

possui um quadro de aproximadamente 400 funcionários, distribuídos em atividades diversas,

entre eles, especialistas de várias áreas: psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas,

pedagogos, assistentes sociais, médicos, entre outros, que formam equipes multidisciplinares

nos diferentes setores disponíveis.

Atualmente, a Funad está dividida em diferentes serviços que por sua vez, estão

segmentados de acordo com o campo de atuação: Educação, Saúde, Inclusão Social e Outros

Serviços. De acordo com o sítio oficial da Fundação, a classificação está agrupada da seguinte

maneira: na área da Educação estão os setores de Assessoria Educacional Especial (AEE); o

Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS) e a Escola Estadual de

Educação Especial Ana Paula Ribeiro Barbosa (EEEEAPRB); no campo da Saúde estão

Coordenadoria de Atendimento à Pessoa com Deficiência Física (CODAFI); Coordenadoria

de Atendimento à Pessoa com Deficiência Auditiva (CODAPA); Coordenadoria de

Atendimento à Pessoa com Deficiência Visual (CODAVI); Serviço Especializado de

Reabilitação Intelectual (CODAM/SERI); na Inclusão Social ficam Núcleo de Vivência e

Artes (NVA), Núcleo de Educação Física e Desporto (NED), Coordenadoria de Treinamento,

Produção e Ensino Profissionalizante (CORPU) Central de Interpretação de Libras (CIL); e

por fim a sessão de Outros Serviços que inclui: Centro de Referência em Esclerose Múltipla

(CREM), Hidroterapia e Atividades Aquáticas e Bebê de Alto Risco.


169

O acesso a qualquer dos serviços e programas oferecidos pela Funad acontece a partir

da Coordenadoria de Triagem e Diagnóstico que, como o próprio nome sinaliza, recepciona as

demandas, elabora o diagnóstico e direciona os encaminhamentos. De forma


f a compreender

melhor o fluxo da organização, elaborou-se


elaborou se este organograma com as informações

disponibilizadas pelo sítio oficial da Fundação.

AEE
Educação NAAS
EEEEAPRBL
CODAFI
CODAPA
CORDI Saúde CODAVI
Coordenadoria de
Triagem e CODAM/SERI
Diagnóstico
Funad NVA NED
Inclusão Social CORPU CIL

CREM
NEP Outros Hidroterapia
Nucleo de Educação Serviços Bebê de alto risco
Permanente

Figura 8.. Organograma dos Setores da Funad


Nota: Elaborado a partir de informações do sítio oficial da
d Funad, acessado de: http://funad.pb.gov.br/a-funad
http://funad.pb.gov.br/a

Após
pós a criação da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência pelo Ministério da

Saúde, no ano de 2012, que estabeleceu a criação, ampliação e articulação de pontos de

atendimento à população com deficiência,


deficiên a Funad recebeu recursos, através da Portaria

835/2012 , que se destinava à reforma, ampliação e aquisição de equipamentos necessários ao

melhoramento dos serviços oferecidos à população. No ano de 2013, foi habilitada, então,

pelo Ministério da Saúde,


Saúde através da Portaria 496/2013, como Centro Especializado de

Reabilitação Nível IV, pois oferece serviço de habilitação e reabilitação


reabilitação nas quatro áreas da

deficiência: física, mental, visual e auditiva.


170

Mesmo ligada à Secretaria de Educação por seus interesses de pesquisa científica,

formação de pessoal técnico e atendimento educacional, conjuga interesses da área da saúde,

o que reflete a manutenção de recebimento de incentivos financeiros do Ministério da Saúde.

A Funad é um equipamento que atende à população de todo estado da Paraíba, pois é

uma referência no atendimento a pessoas com deficiência e o único deste porte no estado.

Neste sentido, é rotineira a chegada de ônibus, microônibus, vans e carros menores

pertencentes a prefeituras do interior que trazem semanalmente pessoas para atendimento.

A estrutura física é composta por um imenso prédio de dois andares que comporta os

diversos setores, auditórios, refeitório; um prédio anexo que se refere à Escola Estadual

Especial Ana Paula Ribeiro Barbosa Lira, além do ginásio e da piscina.

Para fins desta pesquisa foram realizadas três visitas à instituição em diferentes

ocasiões. Sobre a dimensão física destacamos trechos do Diário de Campo que ilustrem nossa

percepção:

Reparei que, na verdade, a porta lateral é mais movimentada, pois os setores de

atendimento para triagem ficam daquele lado. Andei por todo o piso térreo. Apesar de

comportar auditórios e setores de diversos tipos, ainda resta um pátio central amplo,

que abriga um palco e muito espaço de circulação. Era meio da tarde e há um

refeitório em que se fazia uma pequena fila de mulheres e crianças. No palco e em

torno dele outro grupo que conversava, mas não tinha lugar que eu pudesse sentar para

ficar próxima. Fui na direção das escada e percebi adultos e jovens que passavam ou

se sentavam por perto. Sentei também naquele espaço. Olhei para cima, as salas

indicavam salas de aula de Libras. As pessoas à minha volta conversavam na

linguagem dos sinais e naquela parte não via crianças. Demorei-me quase meia hora

tentando entender o movimento e para onde as pessoas iam. (Diário de Campo, Visita

2)
171

As salas de atendimento que pude ver têm bom tamanho e muitos brinquedos.

Descemos para o térreo e fomos visitar o setor de triagem. A distribuição espacial é

bem parecida, porém, as especialidades variaram um pouco, pois neste há

neurologista, cardiologista, fisioterapeuta, assistente social. (Diário de Campo, Visita

3)

O início do vínculo com a instituição acontece pelo Setor de Triagem e Diagnóstico.

As pessoas procuram a secretaria e se inscrevem para o atendimento inicial, tendo como

condição para elegibilidade no serviço serem usuárias do SUS. Há uma fila de espera que

pode demorar entre um e dois meses, devido a grande procura. O referido setor é composto

por médico, psicólogo, fisioterapeuta e assistente social. O trabalho de diagnóstico leva em

média seis meses e, de acordo com as conclusões elaboradas, a pessoa (criança, jovem ou

adulto) recebe um laudo com o diagnóstico e é encaminhada para outros setores da instituição,

onde pode escolher permanecer ou não. Conforme o diagnóstico, há esclarecimentos

específicos de assistentes sociais sobre direitos no campo da educação, profissionalização,

saúde e assistência social. Com relação ao interesse específico desta pesquisa, obtivemos a

informação, na segunda visita à Funad (Diário de Campo, visita 2), de que as crianças cujos

diagnósticos e perfil social se adéquam ao possível acesso ao BPC, são orientadas a esse

respeito.

O fluxo de demandas da instituição é muito alto, o Setor de Triagem e Diagnóstico,

sendo a porta de entrada para todos os outros serviços, recebe uma demanda muito alta para

um serviço que necessitaria de um ritmo de trabalho condizente com o atendimento de

anamnese e levantamento de informações, debate dos casos na equipe, elaboração de

relatórios e produção de laudos.

Durante participação num evento acadêmico-científico, encontrei ao acaso um

profissional que compunha a equipe do setor. Ao longo de uma conversa informal sobre o
172

trabalho com as crianças, ele proferiu a seguinte frase: “Parece uma fábrica de diagnóstico”.

As crianças entram uma após a outra durante todo o turno do horário de trabalho. Se

contarmos que a Fundação contabiliza um media de cinco mil usuários por mês33, que há filas

de espera para o atendimento em vários setores e que é a única instituição deste porte no

estado é possível situar a afirmação do profissional.

Há três elementos que chamam a atenção e deveriam ser problematizados: as

condições de trabalho dos profissionais, sua postura política diante da “fabricação” dos laudos

e a naturalização da demanda que chega àquele lugar. Não é possível pensar um sem o outro e

ao mesmo tempo sem levar em conta estes elementos como parte de um contexto mais amplo

e que vem sendo discutido ao longo deste trabalho.

A fabricação de infâncias anormais estampa nosso tempo histórico como marca de

uma engrenagem da medicalização, tornando problemas que são de ordem social em sintomas

individuais, de natureza orgânica e passíveis de tratamentos paliativos. Neste cenário, os

diversos quadros nosológicos impressos nos manuais médicos dão conta de classificar cada

pequeno gesto, comportamento, ritmo de aprendizagem ou desenvolvimento em sintoma de

um transtorno passível de enquadramento, medicação e terapia.

A medicalização como processo que imprime marcas no cotidiano, perpassa a

velocidade com que o trabalho de profissionais deve ser realizado, em processo fabril de

produtividade e desempenho. Tanto mais fácil se a formação e postura política permitem que

adotem de forma acrítica os padrões impostos pelas demandas do público, da instituição e do

Estado que, muitas vezes, são as suas próprias. Tanto mais fácil se a técnica imperar deixando

os papéis das entrevistas, os testes e instrumentos reinarem sobre o aval que marcará aquele

par de letras e números que definem o rótulo, digo, diagnóstico.

33
Este dado consta em material de apresentação da Funad, produzido e cedido pela coordenação do Núcleo de
Educação Permanente (NEP) da Fundação.
173

Não se quer dizer com isso que os profissionais do setor são culpados pelo processo de

patologização. Assim como as assistentes sociais do CRAS, a quem nos referimos na sessão

anterior, são atores sociais que movimentam esta contraditória realidade. Sua atuação

profissional precisa ser pensada não de modo personalístico, mas como situado num

complexo emaranhado de produções sociais, constituído historicamente. É preciso situar os

interesses hegemônicos, problematizar a formação profissional, a atuação política dos

especialistas, a função da instituição na produção da demanda e seus encaminhamentos, a

precariedade das condições de trabalho, a falta de outras políticas e equipamentos de acesso à

saúde e educação, entre tantos outros fios que compõem esta intricada problemática.

O processo de diagnóstico leva alguns meses, as crianças passam por diversos

profissionais, mas por eles também passam diversas crianças. Elas não aprendem, não se

comportam, não se adéquam, dizem a escola, dizem as famílias. A naturalização dos

Transtornos de Atenção e Hiperatividade, de autismo e de Dificuldades Intelectuais e

Desenvolvimentais faz circular, seja no discurso dos especialistas, seja no discurso do senso

comum, uma obviedade sobre o que não é normal em uma criança. Tanto que a própria

Fundação tem um setor e serviços específicos para estes dois últimos diagnósticos: A

CODAM, que significa Coordenadoria de Deficiência Mental, mas que, oficialmente, fez a

alteração para SERI, Serviço Especializado de Reabilitação Intelectual, em função da própria

mudança de nomenclatura sugerida pelo DSM para deficiência intelectual e que abrange a

oferta de terapias para autismo. Dispõem dos serviços de estimulação precoce, orientação e

apoio à família, atividades de vida diária e atendimento psicológico e psicopedagógico.

3.5 No meio do caminho das políticas tinha uma pedra

Acessar as políticas públicas através de seus serviços e equipamentos não é uma tarefa

fácil. Associado à crescente dinâmica de demanda pelo diagnóstico e tratamento no campo da


174

saúde, há a necessidade de inclusão na escola, no que diz respeito ao campo educacional e a

busca pelo acesso ao BPC no campo da Assistência Social. Afinal, tratando-se da garantia de

um salário mínimo mensal para pessoa idosa ou com deficiência, por não ter condições de se

manter financeiramente ou tê-las providas por seu grupo familiar, surge como possibilidade

de acréscimo à pouca ou nenhuma renda de muitas famílias. Para além disso, há outros

direitos que deveriam ser providos a estas crianças e suas famílias que acabam ganhando

menos visibilidade em função do benefício se mostrar como paliativo imediato frente ao

quadro de pobreza enfrentado por estas pessoas.

No que diz respeito ao campo da saúde, as Colaboradoras (3) e (5) relatam a

dificuldade de conseguir realizar marcação para procedimentos e exames na esfera pública.

No primeiro caso, o médico de Ana Maria solicitou uma tomografia em 2014 e, mesmo dando

entrada com a solicitação junto à Secretaria Municipal de Saúde, a menina ainda não teve o

exame marcado. A cuidadora narra que já fez o procedimento duas vezes, mas que não obteve

sucesso. Em suas palavras:

O neuro daqui que eu fui, por incrível que pareça, me pediu esse exame em 2014,

quando eu cheguei que eu levei ela lá e até hoje nunca saiu: a tomografia.(...)

E outra coisa pior: essa tomografia que ela tem que ser sedada... quatro anos

esperando, vai fazer agora (...) É municipal, é pela prefeitura, mas ainda não... e se eu

tivesse o benefício dela, claro que eu já teria feito esse exame, eu não estaria pedindo a

ninguém.(...) tá tudo aqui, desde 2014 e quando eu passei em 2016, a neuro me deu

novamente, de lá da Funad, no caso... é... são duas que foi solicitada e infelizmente o

município não solicitou pra mim ainda não... (Colaboradora 3 – Cuidadora de Ana

Maria)
175

Situação semelhante vivenciada pela Cuidadora (1) que necessita de consulta e

medicação para um problema de glaucoma e não obtém retorno de sua solicitação na

Secretaria de Saúde. De acordo com ela:

Eu que já tenho problema de saúde, que eu tô com um glaucoma profundo, não tenho

nem condições de tá fazendo tratamento. Desde 2014 que já botei diversas vezes pra

Secretaria de Saúde papel desse problema meu e até agora não veio nada. Em janeiro

desse ano eu botei um encaminhamento prá lá, to esperando até agora e eu não posso

nem mesmo que eu tenha condições, eu não posso comprar o colírio sem a orientação

do médico. Então eu tenho que ir pra João Pessoa, pra isso eu tenho que vir na

Secretaria, pra me encaminharem, e isso aí até agora não aconteceu. Quer dizer, tá

uma coisa muito parada assim pra gente, pra perecer e sofrendo. (Colaboradora 1 –

Cuidadora de Bento)

As dificuldades vividas pela Colaboradora (5) se aproximam desta mesma realidade,

mas sua narrativa relata a possibilidade do descumprimento das vias legais, o que pode ser

prejudicial ao acesso igualitário a um direito que é para todos:

Já eu tive assim... eu tive um pouco de dificuldade, só não tive mais por causa de uma

menina que trabalhava na Secretaria e foi ela que me ajudou. (...) Demorou um

pouco... e eu ainda dou graças a Deus que a menina me ajudou, a menina do posto que

ela tinha conhecimento lá dentro e me ajudou, que ela falou com a menina lá dentro e

ela me ajudou a entrar na consulta. (Colaboradora 5 – Cuidadora de Joaquim)

A possibilidade de fazer contato com alguém conhecido, que agiliza o trâmite da

solicitação de consulta ou exame, acaba gerando a lógica de favorecimento, criando condições

desiguais em um processo que já é lento e dificultoso.

Tal característica se apresentou também no âmbito da solicitação do BPC. A

Colaboradora (5) descreve da seguinte maneira:


176

Aquela coisa... quando você tem um conhecimento, aí vai pra frente, se você não tem

conhecimento, aí fica difícil. Aí pronto, eu não tinha conhecimento lá dentro, né? A

menina que me ajudou, ela queria também fazer tipo um empréstimo, ela ia me ajudar

lá dentro também, só que ela queria fazer um empréstimo, assim, ela queria três mil

reais. Aí eu disse não, é melhor eu fazer tudo certinho e ir com a verdade.

(Colaboradora 5 – Cuidadora de Joaquim)

De acordo com o relato, a pessoa mencionada não trabalha mais no setor porque

mudou a gestão da prefeitura. O que nos leva a suposição de que não seria funcionária

pública.

Diante das dificuldades de acessar os serviços públicos, a Colaboradora (4) diante da

necessidade de um acompanhamento com médico psiquiatra, solicitado pela própria Funad,

alega que procurou atendimento público, mas descreve que estas consultas são realizadas na

Clínica-Escola de uma faculdade particular localizada na região da Grande João Pessoa.

Quando perguntada se o atendimento era particular ela respondeu:” Não, é não, é público

mesmo, sabe?!” A instituição em questão realiza atendimentos pelo SUS quando os usuários

são encaminhados pelas Unidades Básicas de Saúde. Do contrário, realizam atendimentos a

preços populares, como no caso da Colaboradora (5), que afirma levar Jorge a consultas

mensalmente, pagando o preço de 30 reais. Em suas palavras: “Aí eles cobram uma taxazinha,

mas é coisinha pouca, 30 reais por consulta. Aí todos os meses eu vou.”

O fato da Clínica-Escola estabelecer um convênio com o SUS, não a caracteriza como

uma instituição pública, mas o desconhecimento por parte da cuidadora de Jorge, e de grande

parte da população, não é à toa: o setor privado acaba absorvendo boa parte do público do

SUS, tanto através dos convênios estabelecidos, em que verbas públicas são destinadas a estas

instituições para arcar com o serviço prestado, quanto pela oferta de atendimento que

cumpriria uma função social ofertada a preços mais acessíveis. A parcela da população que se
177

vê diante de situações como as narradas pelas Colaboradoras (1) e (3), que esperam longos

períodos pela realização de um exame, percebem nestes serviços uma alternativa satisfatória

ao insucesso de suas demandas no setor público.

Tal situação se tipifica no quadro de desmonte das políticas públicas, no contexto

neoliberal de transferência da responsabilidade para setores privados ou organizações sem fins

lucrativos, de serviços que deveriam ser providos pelo Estado, sem que se desconfigure

completamente a previsão constitucional das políticas sociais. De acordo com Behring e

Boschetti (2011), citando Soares, tal desmonte pode ser denominado de “descentralização

destrutiva” (p. 163) e se constitui como um retrocesso histórico. Segundo a análise das

autoras:

Na saúde, o principal paradoxo é que o Sistema Único de Saúde, fundado nos

princípios de universalidade, equidade, integralidade das ações, regionalização,

hierarquização, descentralização, participação dos cidadãos e complementariedade do

setor privado, vem sendo minado pela péssima qualidade dos serviços, pela falta de

recursos, pela ampliação dos esquemas privados que sugam os recursos públicos e

pela instabilidade do financiamento. A proposta de saúde pública e universal parece

estar, na prática, sofrendo um processo de privatização passiva (Behring & Boschetti

2011, p. 163-164)

A precarização no campo da saúde aparece no discurso da Cuidadora (2) quando relata

que sua filha recebia visitas mensais da médica da Unidade Básica de Saúde que fazia a

consulta e receitava os remédios, mas desde que houve troca de profissional, ela mesma vai

até a Unidade e pega a receita, elaborada como cópia das anteriores, com o médico que sequer

conhece a paciente.

A medicalização aparece, assim, como uma das facetas da precarização da saúde. O

profissional de medicina ao naturalizar a demanda por medicação e desconsiderar a


178

necessidade de conhecer sua paciente, atualiza as engrenagens que desumanizam a relação de

cuidado e atenção, preceitos básicos da política de saúde.

Nesse sentido, a prescrição de remédios para crianças diagnosticadas parece uma

regra. Todas as Participantes eram medicadas com remédios controlados.

Tabela 9

Relação entre Participantes e remédios utilizados

Bento Ruth Ana Maria Jorge Joaquim


Participante 1 Participante 2 Participante 3 Participante 4 Participante 5

Neuleptil A colaboradora Risperidona Neuleptil Neuleptil


Aldol não soube dar o Risperidona
Fluoxetina nome da
Rivotril medicação,
apenas que era de
uso controlado

O remédio denominado Neuleptil tem como substância principal a periciazina,

caracterizado como neuroléptico, ou mais comumente chamado antipsicótico. A bula descreve

que sua indicação é para tratamento de “distúrbios do caráter e do comportamento” e que seria

eficaz em diversos sintomas ligados a esta característica tais como agressividade,

negatividade, indiferença, oposição, entre outros. As advertências e precauções são inúmeras

e vão desde aumento de açúcar no sangue ou intolerância à glicose, até risco de ataque de

arritmias ventriculares graves, acidente vascular cerebral, casos de tromboembolismo venoso.

Por sua vez, a Risperidona é a substância principal que dá nome ao medicamento. A

descrição indica que se trata de um antipsicótico com efeito sobre transtornos relacionados ao

pensamento ou às emoções. A bula descreve diversas formas de administração com outros

medicamentos que devem ser cuidados por conta dos riscos colaterais, além disso, aumento de

açúcar no sangue. O uso prolongado pode causar contraturas involuntárias no rosto e estado

de confusão mental.
179

A medicação prescrita, além dos efeitos colaterais graves e que exigem atenção e

cuidado, são drogas desenvolvidas para psicoses e adaptadas para os quadros de “deficiência

mental”, que como vimos anteriormente, não têm uma medicação específica. Como se trata de

intervir sobre os ditos quadros sintomatológicos, a medicação é utilizada por sua intervenção

em situações específicas tais como agressividade e irritabilidade, por exemplo.

As Colaboradoras atribuem papel importante à medicação porque se trata de

terapêutica que deixa os filhos mais calmos, ou fazem dormir e que sem a medicação eles não

estariam sob controle. De acordo com suas palavras:

“Ela tava dormindo, porque eu dei o medicamento a ela que ela tava bem estressada.”

(Colaboradora 3 – cuidadora de Ana Maria)

“Ela está mais agitada, tem dia que dorme, dia que não dorme, se acorda às 3 horas da

madrugada e aí não quer dormir mais. Toma duas qualidade de remédio, mas não tem

jeito não...” (Colaboradora 2 – cuidadora de Ruth)

“Ele às vezes, se eu passar da hora de dar o remédio a ele, aí ele se aborrecer, tiver

uma raiva, ele quer chutar eu, chuta a porta, dá murro na geladeira, grita com a gente,

só isso... (...) Ele é normal com o Neuleptil (...) já eu tenho um pouco de receio de dar

esse Risperidona que ele é mais forte, né?! Mas só que ele fica tranquilo, né?!”

(Colaboradora 5 – cuidadora de Joaquim)

“O Rivotril foi passado agora, o médico passou. Aí ele toma assim... às vezes a noite

ele não dopa direto assim... pra dormir, ele fica querendo ficar a noite acordado. Aí eu

vou e já dou um Rivotril a ele.” (Colaboradora 1 – cuidadora de Bento)

A prescrição de remédios controlados e cujos riscos devem ser pesados por seus

efeitos e, sobretudo, por suas contra-indicações, são a terapêutica utilizada com pessoas em

desenvolvimento, a quem deveria ser proporcionado acesso a esporte, lazer, cultura e


180

socialização que garantisse outras experiências, mais propícias ao crescimento saudável e

menos adoecedoras.

Todas as Colaboradoras foram unânimes em afirmar que desconhecem a oferta por

parte da Política Social de projetos, atividades, serviços ou programas disponíveis na cidade

para as crianças. Apontaram, de maneira geral, a necessidade de atividades de lazer e esporte

que são ausentes no município. A falta de espaços públicos para convivência, praças com

brinquedos e atividades físicas foram levantadas por algumas delas como possibilidades que

deveriam ser oferecidas.

3.6 O BPC para além do papel

Diante das dificuldades encontradas para acessar as políticas sociais, o Benefício de

Prestação Continuada se apresenta como uma possibilidade de acréscimo à renda e, portanto,

elemento de sobrevivência para estas famílias.

O BPC ganha conotações diversas na fala das Colaboradoras, mas quatro foram

unânimes em afirmar que graças ao Benefício é possível comprar remédios e roupas para os

filhos com deficiência. A única entrevistada que não recebe o BPC, mas está em processo de

solicitação, aponta que o Benefício serviria para pagar por escola e serviços de saúde

privados, o que coaduna com a Colaboradora (5) que além dos remédios e roupas citados

anteriormente, afirma usar o benefício para pagar uma escola particular para o filho.

Quando perguntadas sobre o significado do BPC para si e para sua família, as quatro

Colaboradoras que recebem o benefício deram respostas enfáticas: “Muita Coisa!”

(Colaboradoras 1 e 2) ; “Tudo!” (Colaboradora 3); “Ajuda muito a gente. Representa muito!”

(Colaboradora 5).

Além disso, como já mencionado em item anterior, o recebimento do Benefício é

percebido como garantia de uma monetarização que compensaria o fato das cuidadoras não
181

desempenharem atividades remuneradas, em função de serem responsáveis pelo cuidado com

a criança.

Situação mais grave é sinalizada pela Colaboradora (4) que afirma sobre o BPC: “A

gente tá vivendo desse salário.” Situação semelhante a da Colaboradora (2), cujo companheiro

depende do ciclo da Cana e vive de serviços esporádicos e remuneração precária.

Acessar o Benefício não constituiu tarefa simples para duas Colaboradoras, foi

necessário processo judicial para garantir o recebimento. Já as cuidadoras de Ruth e Jorge

(Colaboradoras 2 e 4) afirmam ter acessado através de procedimento junto ao INSS, sem

problemas. Já a Colaboradora (3) constituiu advogado antes mesmo de solicitar o benefício, o

profissional cuidará de todo o procedimento. Em suas palavras: “Não, eu não fui no INSS

ainda não... Eu botei logo um advogado, porque assim, caso vier negado eles já botam na

federal”.

Os critérios de elegibilidade no BPC configuram-se como elementos de dissonância na

relação entre a Política Social e o Sistema Judiciário. Ainda que não haja discordância sobre a

legislação em si e a garantia do direito, a referência à comprovação biomédica das

incapacidades e/ou à renda surgem como variáveis a serem debatidas no campo jurídico

quando não são reconhecidas no campo pericial do INSS.

A definição de deficiência esbarra, por um lado, nos preceitos do discurso médico, que

a reconhece como lesão grave ou incapacitante e, por outro, a perspectiva de justiça

distributiva, que prevê que a deficiência está em relação direta com a sociedade e as

condições em que o sujeito deficiente se insere, o que justificaria ações de reparação de

desigualdade.

Seguimos, portanto, concordando com Medeiros, Diniz e Squinca (2006a) que a

avaliação das políticas sociais a respeito da elegibilidade para recebimento do Benefício

precisaria problematizar o fato de que pessoas com deficiência precisam ser vistas sob
182

aspectos que levem em consideração não somente variáveis de caráter absoluto, mas a

complexa interação entre corpo, habilidades e sociedade. O modo como cada sujeito

experimenta as restrições de habilidades dependerá das condições sociais impostas ao seu

corpo e sua subjetividade, o que definirá sua experiência de deficiência. Isto significa dizer,

por exemplo, que sujeitos que vivenciam a diferença subjetiva em formas definidas por nossa

sociedade como deficientes, estarão mais vulneráveis a esta experiência quando submetidos a

situações de pobreza, dificuldade de acesso a educação e à saúde, que dificultam sua inserção

no mercado de trabalho ou condições de vida digna. E isto não pode se amparar apenas na

equação de renda familiar per capta de ¼ do salário mínimo, pois a pobreza deve ser definida

para além destes parâmetros, nem pelo aval do perito médico, através da definição biológica

de deficiência, quando esta só existe na relação com aspectos sociais, que definem a limitação

e obstacularização do sujeito e suas interações.

A medicalização se faz presente na medida em que o laudo médico é definidor da

condição de deficiência do sujeito. Os elementos que determinam o limiar entre o normal e

patológico são tomados como um fazer científico, portanto neutro e objetivo, capaz de

catalogar as faltas e lesões que determinam o que está fora da norma. A definição construída

sob aspectos puramente biológicos desconsidera o modo como a experiência do que se

convencionou fora do padrão pode estar atrelada aos elementos de realidade em que cada

sujeito está inserido: vivências de sofrimento e/ou vulnerabilidade, ou, ao contrário, inserção e

acesso sem dificuldades.

O acesso ao benefício somente é possível por uma avaliação pericial biomédica que

define o corpo deficiente: o deficiente não é aquele que considera sua “lesão grave ou

incapacitante para a vida independente e o trabalho”, mas sim aquele que o discurso

médico reconhece como tal. É somente após a perícia biomédica que um corpo com

lesões ascende à categoria de corpo deficiente para as políticas sociais do Estado. E


183

nesse processo de transformação de um corpo com lesões em um corpo deficiente é

que o discurso biomédico da perícia adquire poder normativo sobre a deficiência.

(Medeiros, Diniz & Squinca, 2006a, p. 87)

Outro elemento a ser problematizado é a exigência da comprovação de pobreza

familiar. Quando apoiado na renda da família, e não na capacidade de autonomia e

independência para inserção no trabalho e ausência de renda da pessoa com deficiência, a

política apoia-se na compensação familiar, aproximando-se mais de uma política de

transferência do que de um benefício no campo dos direitos individuais. As considerações de

Mioto (2009) a este respeito vão de encontro a esta constatação, naquilo que a autora

denomina de “processo de familiarização” das políticas sociais. De acordo com a autora “(...)

assiste-se o atrelamento da possibilidade de provisão de bem-estar das famílias à renda que

conseguem obter no mercado e, portanto, é ela que vai determinar a qualidade de vida dos

indivíduos enquanto membros de uma família.” (p. 141) As consequências disto são políticas

que se voltam apenas para as famílias mais desassistidas, com foco emergencial na renda, o

que implica, em primeiro lugar, em não se combater a desigualdade em sua raiz e, em

segundo lugar, no reforço dos papeis de gênero tradicionais, já que estabelecida desta forma,

foca no deficiente que depende de cuidados da sua família pobre, o que faz as mulheres

assumirem os cuidados e abrirem mão de trabalhos remunerados e sua inclusão no sistema

previdenciário para garantir o benefício e o cuidado com os filhos.

As famílias e suas condições de vida não podem passar por transformações se a

elegibilidade para obter um benefício é determinada apenas pela situação de pobreza e

deficiência na forma como são aplicadas hoje.

Tanto no aspecto da medicalização, quanto da política no formato do BPC, as famílias

estão imersas na naturalização da patologização, o que as insere na engrenagem que

movimenta os interesses hegemônicos do Capital, em que os comportamentos considerados


184

anormais são contidos em quadros nosológicos, tratamentos e medicamentos, fazendo circular

certa economia, e das políticas que mantêm as condições de desigualdade através de ações

que não produzem transformações efetivas do cenário de vulnerabilidade, e no caso do BPC

ainda move monetariamente o tal mercado. Isto vai de encontro ao que Montaño e Durigueto

(2011) afirmam: “(...) na atualidade, o volume de desempregados cumpre novas funções

econômicas e políticas: é objeto de políticas sociais, tornando-se tanto consumidores como

cumprindo uma função política ligada ao clientelismo (massa de manobra para ampliar o

caudal eleitoral)” (p. 95).

Esta naturalização possibilita que as famílias recorram na justiça quando entendem

que, sendo pobres e com uma criança diagnosticada e possuidora de um documento que atesta

sua deficiência: o laudo, deveriam ter o direito de acessar o benefício. Fortalece esse

entendimento a oferta de profissionais que auxiliam nos processos burocráticos que as pessoas

desconhecem e temem. Assim, seja no âmbito do judiciário, ou mesmo no INSS, estes

“intermediários”, de que falavam Vaitsman e Lobato (2017), dos quais tratamos em capítulo

anterior, obtém ganhos mantendo o interesse na patologização da criança e no acesso ao

benefício.

O Benefício atende às necessidades urgentes de famílias pobres que cuidam de

crianças cujas demandas demarcam uma medicalização da vida, o que torna suas realidades

mais vulneráveis ainda. Sua importância na manutenção da vida destas pessoas é inegável,

entretanto, é preciso considerar as problematizações apresentadas para que seja possível

superar algumas contradições presentes neste cenário.

3.7 Ainda precisamos falar sobre a Economia da Diferença

A complexa realidade que buscamos compreender está composta de diversos

alinhamentos de forças que precisaram ser detalhados e analisados ao longo deste trabalho.
185

Em nossa compreensão, a manutenção desta intrincada problemática se dá em função de um

mercado que funciona eficientemente a favor de interesses hegemônicos. Neste sentido,

apostamos no entendimento de que há uma Economia da Diferença, ou seja, uma circulação

de valores, econômicos e políticos, em torno da patologização da infância.

A diferença instituída pela produção de uma infância anormal é sustentada pelas

explicações no campo de certa ciência, que insiste em apontar esquemas orgânicos

disfuncionais para diagnosticar, e drogas fabricadas em larga escala como terapêutica.

Estrutura-se um mercado amplo para produção e consumo das drogas criadas por

Indústrias/Laboratórios multinacionais. Se este alerta já tem sido necessária e amplamente

debatido na relação com o TDAH e o metilfenidato, está posto que a “deficiência mental”

como diagnóstico que possui critérios amplos e variáveis, possibilita um elenco de

medicamentos voltados para a diversidade de comportamentos e emoções a serem contidos.

No caso da pesquisa em tela, o Neuleptil e a Risperidona, classificados como antipsicóticos,

fizeram a vez entre as drogas prescritas para crianças. “deficiência mental” e doença mental,

que historicamente vêm ganhando tentativas de diferenciação, seja nos manuais psiquiátricos,

seja entre pesquisadores de outras áreas, são diagnósticos que compartilham da mesma

prescrição medicamentosa. Ainda que não concordemos com tais processos de patologização

em nenhuma de suas formas, é necessário apontar a contradição posta neste fenômeno.

Incrementando formas de silenciamento ao comportamento divergente, a

patologização da infância é tomada na escola como processo natural: as crianças que não se

adaptam e não condizem com os padrões devem ser encaminhadas a profissionais de saúde

para avaliação e diagnóstico por suas faltas ou excessos. O caminho inverso, que é da chegada

de crianças com diagnósticos na escola, estipula estratégias e procedimentos que garantam sua

permanência, não necessariamente a inclusão: manter as cuidadoras (mães ou avós) nas salas

de aula, garantir auxiliares nos períodos em que a criança está na escola, estabelecer horários
186

reduzidos, entre outras. A sala de Recursos Multifuncionais, projetada para apoiar a oferta de

Atendimento Educacional Especializado, funciona em uma escola no centro da cidade e

programa atendimentos semanais para os estudantes. Os limites deste trabalho não

possibilitaram conhecer detalhadamente as articulações empreendidas por este projeto, mas a

tomar pelo crescente numero de matrículas especiais no período de 2010 a 2014,

reconhecemos a importância de que, no campo da educação, é necessária uma transformação

no que diz respeito ao processo de inclusão. Com isso queremos dizer que é preciso repensar,

inclusive, a inclusão como processo permeado por entraves, obstáculos e contradições

presentes na própria essência da instituição escolar.

As demandas por diagnóstico tornam-se banalizadas por um processo social que,

obviamente é composto pela escola, mas não só por ela. A normatização da infância é tecida

em longos fios históricos e se atualiza nos contextos políticos e econômicos que possibilitam

estratégias de submissão dos corpos e subjetividades. Uma criança diagnosticada vale algo.

Vale a(s) consulta(s) pelo diagnóstico, os remédios a serem consumidos diariamente, os

exames que comprovam (ou não) a marca orgânica da falta (mesmo que ela não esteja lá), os

tratamentos com especialistas tantos, a desculpa da escola de que quem falha é o sujeito, a

culpa da família que precisa se submeter a toda esta série de estratégias para cuidar de seu

filho.

Há também outros ganhos, se a família comprovar sua pobreza, as pessoas com

deficiência podem solicitar o Benefício de Prestação Continuada. Importante política de

beneficiamento daqueles que não têm condições de garantir uma renda mínima pela inserção

no mercado de trabalho, o benefício surge como garantia de dignidade básica para famílias

que se vêem diante da necessidade de suprir as demandas de uma criança com deficiência. Em

torno disto se estabelece uma rede de interesses e valores.


187

Os “intermediários” que estabelecem ganhos diante da dificuldade de algumas famílias

de lidar com os processos no INSS ou na Justiça são uma superfície visível desta rede.

Para além disto, uma cidade com 39,4% de pessoas vivendo abaixo da linha da

pobreza, que têm seus ganhos sustentados por empregos temporários, esporádicos e

precarizados, passa a contar com a monetarização de famílias que ganham o benefício

mensalmente e precisam comprar remédios, fraldas, comida etc., fazendo circular a economia

local.

A elas são ofertados serviços públicos que, por garantia das políticas, deveriam

promover emancipação e autonomia, numa perspectiva de transformação das desigualdades

sociais. Entretanto, as marcas históricas e os interesses políticos e econômicos, se fazem

presentes no cotidiano, e se materializam na precarização de tais serviços.

A contratação de pessoas por vias alheias a do concurso público, a atuação de

profissionais (contratados ou concursados) reforçando o clientelismo e a política de favor, a

falta de formação crítica de profissionais para atuação no campo das políticas sociais,

aparecem como alguns dos fatores que dificultam o funcionamento dos serviços e

equipamentos de forma qualificada. A política fragmentada se fragiliza ainda mais diante

destes elementos.

A manutenção destas engrenagens garante práticas de tutela e submissão das pessoas

atendidas, exemplo categórico é a manutenção do “Grupo de Mães” que se articula em função

da garantia da mobilidade (ônibus) para o tratamento das pessoas com deficiência com

encontros quinzenais que pouco se articulam com a perspectiva democrática de promoção de

autonomia e emancipação, já que estão pautados na categoria individualizante da melhoria da

autoestima.

As famílias resistem e sobrevivem. A resistência se faz presente nas tentativas de não

se submeter a tudo, de faltar aos encontros do “Grupo de Mães”, de diante das negativas da
188

escola frequentar a sala de aula para que o filho seja incluído, de procurar saber sobre os

remédios, de trocar informações com as vizinhas e outras mães sobre a concessão do

benefício e até de saber os caminhos da narrativa que precisam estar presentes no consultório

médico.

Eficaz estratégia de sobrevivência, driblar os caminhos de submissão impostos pelas

normativas do manual psiquiátrico, das leis e das políticas. A insubmissão que se materializa

no dia a dia e produz algum tipo de contradição na realidade vivida.

Na prática, é necessário mais que isto para a efetivação de uma mudança deste estado

de coisas. Entretanto, nesta rede, onde os especialistas e o Estado apontam para a tutela e

submissão dos sujeitos, para a classificação e regulação dos grupos, as famílias tentam criar

suas próprias estratégias de sobrevivência.


189

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.


As leis não bastam.
Os lírios não nascem da lei.
(Carlos Drummond de Andrade)

Os estudos no campo da medicalização vêm sendo realizados de forma cada vez mais

ampliada em nosso país, subsidiando os movimentos acadêmicos e sociais na busca por dar

visibilidade a esta questão de forma crítica e propositiva. As dimensões deste debate

extrapolam o campo da educação e da saúde, congregando diferentes grupos e temáticas: a

infância, o parto humanizado, a sexualidade, a estética imposta aos corpos, entre tantos temas

em destaque na atualidade, como pautas fundamentais no encontro dos interesses do campo

da medicalização.

Cabe ressaltar que as possibilidades de debate extrapolam uma única abordagem

teórica, mas o posicionamento crítico diante das problemáticas impostas neste campo são

comuns. Em nosso trabalho foi proposta uma investigação apoiada no materialismo-dialético

em que, a partir de um recorte da realidade, buscamos, nos processos históricos e políticos, a

materialidade da origem e desenvolvimento do objeto de pesquisa investigado. Tal estratégia

possibilitou uma análise das complexas relações entre os diagnósticos de “deficiência

mental”, a patologização da infância e as políticas sociais.

A produção de diagnósticos de “deficiência mental” foi compreendida a partir de uma

leitura histórica tanto sobre a patologização da infância, quanto pela própria origem do

conceito nosológico, articulando a compreensão de que critérios abrangentes sobre faltas de

habilidades para a vida social, acadêmica, ou seja, dificuldades intelectuais e

desenvolvimentais acabam sendo estabelecidos a partir de uma lógica normatizante, que

estigmatiza e é construída a partir de padrões estabelecidos socialmente, pautadas em

referências de eficiência e produtividade atreladas às instituições capitalistas, mais


190

especificamente a escola e a fábrica34. Ao receber um diagnóstico e ser submetida a

tratamentos e medicação controlada, a criança está com seu desenvolvimento atrelado ao

rótulo de inadequação e falta de inteligência, culpabilização por qualquer falta e as reações

adversas causadas pelas drogas controladas que lhe são impostas. Sua sensibilidade e

interações com a vida que a cercam são suplantadas por um agir que a condicionará ao lugar

da deficiência.

O lugar e os cuidados atribuídos à criança deficiente e sua família compõem, então,

um complexo jogo de forças e interesses que movimentarão o que denominamos de Economia

da Diferença. Ao fazer circular valores financeiros e políticos sobre a patologização da

infância, entendemos que engrenagens são postas a funcionar para a manutenção dos

interesses hegemônicos do sistema Capitalista.

As políticas sociais, tão caras ao enfrentamento das desigualdades, acabam por

colaborar com este estado de coisas na medida em que os serviços no campo da educação,

saúde e assistência social colaboram como engrenagens bem articuladas na estigmatização e

tutela das crianças e famílias atendidas.

Há também um importante mercado atrelado à patologização da infância que se

beneficia seja através dos “intermediários” que atuam nos sistemas públicos de acesso ao

Benefício; seja através da venda de exames, tratamentos e medicamentos; além da circulação

de valores em uma cidade pobre, cujos habitantes se utilizam deste benefício para sobreviver.

A banalização com que são tratadas as formas de atribuir falta ou desvio no

comportamento das crianças acaba fazendo circular uma compreensão no senso comum de

que um diagnóstico ou a medicação controlada não se constituem elementos estranhos na

dinâmica social.

34
Aqui compreendida como instituição que representa o espaço formal do trabalho.
191

Todos estes elementos dispostos nas análises desta tese cumpriram a árdua tarefa de

contribuir com o aprofundamento do debate sobre a medicalização e as políticas sociais,

especialmente no que se refere à infância. O problema de pesquisa investigado partiu de um

contexto local, mas que pode ser reconhecido com o retrato de uma realidade mais ampla,

cujos aspectos estudados evidenciam aproximação com uma problemática que invade outros

campos e territórios.

Longe de atingirmos o esgotamento do debate, mas ao contrário, pensando a

construção da tese como a possibilidade de abertura para a ampliação de novos diálogos,

apontamos a contribuição de Wacquant (2013) ao sinalizar que junto aos processos de

socialização e punitivismo, a medicalização pode ser pensada como a legitimação de

estratégias de controle, submissão e contenção, que num paralelo aos usos da prisão, mantém

uma poderosa economia financeira e política de assujeitamento dos pobres. Modo de desviar a

atenção das raízes socioeconômicas dos problemas sociais, reduzindo-os a uma forma de

tratamento individual. O aprofundamento destas contribuições parece-nos um horizonte

importante a ser explorado para a compreensão e o enfrentamento deste estado de coisas.

A preocupação com a patologização da infância segue como elemento fundamental

para a construção de novas estratégias de resistência no campo da medicalização. Como visto

ao longo deste trabalho, tal lógica tem se disseminado nas políticas sociais no campo da

saúde, educação e assistência social, sendo urgente desafiarmos a elaboração de novos

caminhos. Tal embate deve somar e contribuir também para a problematização da

medicalização em contextos como a socioeducação e o acolhimento institucional, cujo

cotidiano tem sido permeado por tal processo, escamoteando as complexas relações sociais

que os constroem.

A respeito das políticas sociais é preciso reconhecê-las como produto de conquistas

históricas e essenciais no tensionamento da Questão Social. Entretanto, em tempos sombrios,


192

em que vivenciamos um Golpe de Estado e os retrocessos políticos com a perda de tantos

direitos, manter a criticidade acadêmica parece a postura acertada na legitimação da luta pela

transformação social. Não é papel da universidade, nem das políticas sociais a mudança

necessária nas condições de desigualdade impostas pelo modelo capitalista, mas qualificar o

debate e apontar possíveis estratégias de resistência são essenciais na colaboração para tal

embate.

Neste sentido, a atuação profissional nos equipamentos e serviços das políticas ocupa

papel fundamental na construção de fissuras deste sistema. A formação e capacitação dos

técnicos-especialistas que trabalham na educação, saúde e assistência social ocupam lugar

estratégico para a constituição de uma perspectiva crítica e fundamentada em aspectos sociais,

políticos, culturais e econômicos que se diferenciem da lógica individualista e culpabilizante

presente nos dias atuais.

Há movimentos históricos que vêm empreendendo importante força nos horizontes

comunitários e de articulação coletiva que são fundamentais para a transformação desejada: a

luta antimanicomial, a medicina social, os movimentos sociais contra a medicalização da vida,

por exemplo, e toda forma que envolva a possibilidade de reforçar o front das lutas que

apontem para o coletivismo, a atuação em rede e o protagonismo social.

Este trabalho caminhou na perspectiva de aprofundar a compreensão sobre a temática

da medicalização da infância e sua articulação com as políticas, acreditando que uma postura

crítica diante desta realidade proporciona ferramentas para reflexão e produção de novos

caminhos. Trilhá-los, no entanto, só é possível no diálogo com outras reflexões e práticas que

se encontrem na contra-mão dos interesses hegemônicos e articulando-se fortemente na

construção de novos horizontes. A tese fica, então, como convite e ingresso aos novos

diálogos que possam ser fomentados.


193

REFERÊNCIAS
Angelucci, Carla Biancha (2014). Medicalização das Diferenças Funcionais – Continuismos
nas Justificativas de uma Educação Especial Subordinada aos Diagnósticos. Nuances:
estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 25, n. 1, p. 116-134, jan./abr. 2014.
Recuperado de: http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/view/2745/2521

Andrade, Isabel de Souza Leão e Vasconcelos, Severina Maria Oliveira de. (2005).
Mamanguape 150 anos: uma cidade histórica 1855-2005. João Pessoa, PB: Unigraf.

Antunes, Ricardo (2017). Da educação utilitária fordista à da multifuncionalidade liofilizada.


Em: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Org.), 38ª
Reunião Nacional da ANPEd. Anais (pp. 1-15). São Luís: Autor. Recuperado de:
http://38reuniao.anped.org.br/sites/default/files/resources/programacao/trabalhoencom_3
8anped_2017_gt11_textoricardoantunes.pdf

Araujo, Adelina Almeida Moreira de. (2013) Caldo de Cana, bagaço de gente: desproteção e
degradação do trabalho na agroindústria canavieira. (Dissertação de Mestrado)
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. Recuperado de:
http://tede.biblioteca.ufpb.br/bitstream/tede/7228/1/arquivototal.pdf

Araújo, Álvaro Cabral, & Lotufo Neto, Francisco. (2014). A nova classificação Americana
para os Transtornos Mentais: o DSM-5. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva, 16(1), 67-82. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
55452014000100007&lng=pt&tlng=pt.

Arriés, Philippe. (1981) História Social da Criança e da Família. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed.
LTC.

Barbiani, Rosangela, Junges, José Roque, Asquidamine, Fabiane e Sugizaki, Eduardo (2014).
Metamorfoses da medicalização e seus impactos na família brasileira. Physis Revista
de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 24 [ 2 ]: 567-587, 2014.

Barbiani, Rosangela, Junges, José Roque, Asquidamine, Fabiane, &Sugizaki, Eduardo.


(2014). Metamorfoses da medicalização e seus impactos na família brasileira. Physis:
Revista de Saúde Coletiva, 24(2), 567-587. Recuperado de:
https://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312014000200013

Belo, Chantal; Caridade, Helena; Cabral, Luisa; Sousa Raquel (2008). Deficiência Intelectual:
Terminologia e Conceptualização. Revista Diversidades. N. 22, out – dez 2008.
Funchal, Portugal. Recuperado de: http://www.madeira-
edu.pt/Portals/7/pdf/revista_diversidades/revistadiversidades_22.pdf#page=4

Behring, Elaine e Boschetti, Ivanete (2011). Política Social: fundamentos e história. (9ed.)
São Paulo: Cortez.
194

Bianchi, Eugenia (2013). Infancia, normalización y salud mental. Em: História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro02abr.-jun. 2013, p.653-673 v.22, n.3, jul.-set.
2015, p.761-779. Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v22n3/0104-5970-
hcsm-22-3-0761.pdf

Bianchi, Eugenia. (2015). "El futuro llegó hace rato". Susceptibilidad, riesgo y peligrosidad
en el diagnóstico y tratamiento por TDAH en la infancia. Revista de Estudios Sociales,
(52), 185-199. Recuperado de: https://dx.doi.org/10.7440/res52.2015.13

Cabral, Fernanda (2011). Inclusão Escolar no Ensino fundamental: estudo das relações
sociais entre os alunos com e sem deficiência intelectual. (Dissertação de Mestrado)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Recuperado de:
https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/10293/1/Fernanda%20Araujo%20Cabral.pdf

Caponi, Sandra (2000) Da compaixão à solidariedade: uma genealogia da assistência


médica. Rio de Janeiro: Ed Fiocruz.

Canguilhem, Georges (2009) O normal e o patológico. (6ed.) Rio de Janeiro: Forense


universitária.

Carvalho, Diana Lúcia Teixeira de (2016) Despatologiza. Em: Métodos e Pesquisa em


Administração, v. 1, n. 1, p. 62-71, 2016. Recuperado de:
periodicos.ufpb.br/index.php/mepad/article/download/28963/15415

Carvalho, Erenice Natália Soares de & Maciel, Diva Maria Moraes de Albuquerque. (2003).
Nova concepção de deficiência mental segundo a American Association on Mental
Retardation-AAMR: sistema 2002. Temas em Psicologia, 11(2), 147-156. Recuperado
de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2003000200008&lng=pt&tlng=pt.

Castel, Robert (1978). A ordem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo. Edições Graal:
Rio de Janeiro.

Chizzotti, Antonio (2006). Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis,


RJ: Vozes.

Cirilo, Marisa Assunção (2008). Deficiência Mental e Discurso Pedagógico Contemporâneo.


(Dissertação de Mestrado). Faculdade de Educação. Universidade de São Paulo: São
Paulo. Recuperado de: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-
13032009-150325/pt-br.php

Cochrane Library (2013). Methylphenidate for children and adolescents with attentiondeficit
hyperactivity disorder (ADHD) (Review). Recuperado de:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD009885.pub2/epdf/abstract
195

Coimbra, Cecília, Matos, Mayalu, Torralba, Ruth (2002) Especialistas do Juizado e a


Doutrina de Segurança Nacional. Em: Pivetes – A produção de infâncias desiguais.
Nascimento, Maria Lívia (org.) Rio de Janeiro: Oficina do Autor, Niteroi: Intertexto.

Conrad, Peter (1975). The Discovery of hyperkinsnesis: notes on the medicalization of


deviant behavior. Social Problems, vol. 23, n. 1 (oct., 1975), pp. 12-21. Recuperado
de:
https://www.researchgate.net/publication/11690657_The_Discovery_of_Hyperkinesis
_Notes_on_the_Medicalization_of_Deviant_Behavior

Conrad, Peter (1992). Medicalization_and_Social_Control. Annu. Ver. Sociol. 1992, 18: 209
– 32. Recuperado de:
https://www.researchgate.net/publication/234838406_Medicalization_and_Social_Con
trol

Conrad, Peter (2005). The shifting engines of medicalization. Journal of health and social
behavior, 2005, vol. 46 (March) pp. 3-14. Recuperado de:
http://psychopathology.fiu.edu/articles/conrad_05.pdf

Conrad, Peter (2007). The medicalization of society : on the transformation of


humanconditions into treatable disorders. Maryland, The Johns Hopkins University
Press. Recuperado de: http://www.easewellbeing.co.uk/downloads/Peter-Conrad-The-
Medicalization-of-Society.pdf

Conrad, Peter e Leiter, Valerie (2004). Medicalization, Markets and Consumers. Journal of
Health and social behavior, 2004, vo. 45 (Extra issue): pp. 158-176. Recuperado em
24 de abril de 2017 de:
https://www.researchgate.net/publication/7956552_Medicalization_Markets_and_Con
sumers

Conselho Federal de Psicologia. (2012) Cartilha de Subsídio à campanha não à


medicalização da vida. Recuperado de: http://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/2012/07/Caderno_AF.pdf. Acesso em 01/10/2014.

Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas [CREPOP] (2007).


Referência técnica para atuação do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS / Conselho
Federal de Psicologia (CFP). Brasília, DF.

Costa, Adailton Coelho (1986). Mamanguape a Fênix paraibana. Campina Grande: Grafset
LTDA.

Costa, Jurandir Freire. (1999).Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de Janeiro: Graal.

Dantas, Candida Maria Bezerra, Oliveira, Isabel Fernandes de, & Yamamoto, Oswaldo
Hajime. (2010). Psicologia e pobreza no Brasil: produção de conhecimento e atuação
do psicólogo. Psicologia & Sociedade, 22(1), 104-111. Recuperado de:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
71822010000100013&lng=pt&tlng=pt. 10.1590/S0102-71822010000100013.
196

Dantas, Candida Maria Bezerra (2013). A ação do psicólogo na assistência social:


interiorização da profissão e combate a pobreza. (Tese de Doutorado). Programa de
Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.

Decreto Nº 8.805 (7 de julho de 2016). Altera o Regulamento do Benefício de Prestação


Continuada, aprovado pelo Decreto no 6.214, de 26 de setembro de 2007. Brasília,
DF. Recuperado de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/decreto/D8805.htm

Decreto Nº 6214 (26 de setembro de 2007). Regulamenta o benefício de prestação continuada


da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de que trata a Lei nº
8.742, de 7 de dezembro de 1993, e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, acresce
parágrafo ao art. 162 do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, e dá outras
providências. Câmara dos Deputados. Brasília: DF.

Del Prette, Zilda (2003). Psicologia Escolar e Educacional, saúde e qualidade de vida:
explorando fronteiras. Campinas, SP: Ed. Alínea.

Demo, Pedro. (2003). Pobreza da pobreza. Rio de Janeiro: Vozes.

Diniz, Debora, Squinca, Flávia, & Medeiros, Marcelo. (2007). Qual deficiência? Perícia
médica e assistência social no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 23(11), 2589-2596.
Recuperado de: https://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2007001100006

Donzelot, Jacques. (1986) A Polícia das Famílias. Rio de Janeiro: Ed. Graal.

Dicionário de Sociologia Allan Johnson (1997). Tradução Ruy Jungmann, consultoria Renato
Lessa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Engel, Magali (1992). Notas sobre a construção da loucura como doença mental. Em: Anuário
do Laboratório de Subjetividade e Política, Departamento de Psicologia da UFF, Ano
I. Niterói: EDUFF.
Epele, Maria (2008). Usos y abusos de la medicalización en el consumo de drogas: Sobre
economías, políticas y derechos. Em: Cannellotto, Adrián e Luchtenberg, Erwin
(coord.) Medicalización y sociedad. Lecturas críticas sobre um fenômeno em
expansión. Buenos Aires: Observatorio Argentino de Drogas. Recuperado de:
http://www.observatorio.gov.ar/media/k2/attachments/MedicalizacinZyZSociedad.ZL
ecturasZCrticasZsobreZunZFenmenoZenZExpansin.ZAoZ2008.-.pdf

Faraone, Silvia, Barcala, Alejandra, Torricelli, Flavia, Bianchi, Eugenia e Tamburrino, María
Cecilia. (2010). Discurso médico y estrategias de marketing de la industria
farmacéutica en los procesos de medicación de la infancia en Argentina. Interface -
Comunic., Saude, Educ., v.14, n.34, p.485-97, jul./set. 2010. Recuperado de:
http://www.scielo.br/pdf/icse/2010nahead/aop1110
197

Faria, José Eduardo (2004). O sistema brasileiro de Justiça: experiência recente e futuros
desafios. Em: Estudos Avançados 18 (51), 2004. Recuperado de:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200006

Figueiredo, Luis Claudio & Santi, Pedro Luiz Ribeiro (2004). Psicologia – uma (nova)
introdução; uma visão histórica da psicologia como ciência. 2ª ed, São Paulo: EDUC.

Fórum sobre a Medicalização da Educação e da Sociedade (2010). Medicalização.


Recuperado em 23 janeiro de 2015 de: http://medicalizacao.org.br/manifesto-do-
forum-sobre-medicalizacao-da-educacao-e-da-sociedade/

Foucault, Michel. (1977) O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

____________. (1992). Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal.

____________.(1999). A Verdade e as Formas Jurídicas. Rio de Janeiro: Nau.

____________. (2000) Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 23ª ed. Petrópolis: Vozes.

Frigotto, Gaudêncio (1997). Educação e formação humana: ajuste neoconservador e


alternativa democrática. Gentili, Pablo e Silva, Tomaz Tadeu. Neoliberalismo,
qualidade total e educação: visões críticas. (5ed) Ed. Vozes, Petrópolis, RJ.

Frigotto, Gaudêncio, & Ciavatta, Maria. (2003). Educação básica no Brasil na década de
1990: subordinação ativa e consentida à lógica do mercado. Educação &
Sociedade, 24(82), 93-130. Recuperado de:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302003000100005

Garcia, Renata Monteiro & Silva Junior, Nelson Gomes (2010).Moncorvo Filho e Algumas
Histórias do Instituto de Proteção e Assistência à Infância. In: Estudos e Pesquisa em
Psicologia, UERJ, RJ, Ano 10, N. 2, pp.613-632. Disponível em:
http://www.revispsi.uerj.br/v10n2/artigos/pdf/v10n2a19.pdf. Acesso em: 01/10/2014

Garcia, Renata Monteiro (2003) A Ciência, a infância e o progresso da nação: Moncorvo


Filho e as práticas de assistência a infância no século XX. (Dissertação de Mestrado)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Gardenal, Isabel (2013). A ritalina e os riscos de um genocídio do futuro. São Paulo, Portal
Unicamp. Recuperado de:
http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2013/08/05/ritalina-e-os-riscos-de-um-
genocidio-do-futuro

Gomes, Eduardo Granha Magalhães (2003). Conselhos Gestores De Políticas Públicas:


Democracia, Controle Social e Instituições. (Dissertação de Mestrado). Fundação
Getúlio Vargas: São Paulo.
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:DneZpHTtx2cJ:bibliotecadigi
tal.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2384/98327.PDF%3Fsequence%3D1+&cd=
5&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br
198

Guarido, Renata. (2007). A medicalização do sofrimento psíquico: considerações sobre o


discurso psiquiátrico e seus efeitos na Educação. Educação e Pesquisa, 33(1), 151-
161. https://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022007000100010

Iamamoto, Marilda Villela (2009). Estado, classes trabalhadoras e política social no Brasil.
Em Boschetti, Ivanete (org). Política Social no Capitalismo: tendências
contemporâneas. 2ª Ed., São Paulo: Cortez.

Illich, Ivan (1975). Nemesis Medica. La expropriación de la salud. Barcelona: Barral


Editores. Recuperado de: https://www.ivanillich.org.mx/Nemesis.pdf

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. Censo Demográfico 2010. Recuperado


de: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=250890

Instituto de Desenvolvimento Estadual e Municipal [IDEME] (2014).Anuário Estatístico do


Estado da Paraíba. João Pessoa: IDEME. Recuperado de:
http://ideme.pb.gov.br/servicos/anuarios-online

Instituto de Desenvolvimento Estadual e Municipal [IDEME] (2016).Acompanhamento


Municipal dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - Mamanguape. João Pessoa:
IDEME. Recuperado em 29 junho 2017 de: http://ideme.pb.gov.br/objetivos-do-
milenio/mamanguape.pdf

Kamers, Michele. (2013). A fabricação da loucura na infância: psiquiatrização do discurso e


medicalização da criança. Estilos da Clinica, 18(1), 153-165. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
71282013000100010&lng=pt&tlng=pt

Kobayashi, Elisabete, Faria, Lina, & Costa, Maria Conceição da. (2009). Eugenia e Fundação
Rockefeller no Brasil: a saúde como proposta de regeneração nacional. Sociologias,
(22), 314-351. Recuperado de: https://dx.doi.org/10.1590/S1517-45222009000200012

Lei Nº 8.069 (13 de julho de1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e
dá outras providências. Brasília, Distrito Federal: Presidência da República.
Recuperado de: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1990/lei-8069-13-julho-1990-
372211-publicacaooriginal-1-pl.html

Lei Nº 8.742 (7 de dezembro de 1993). Dispõe sobre a organização da Assistência Social e


dá outras providências. Brasília, Distrito Federal: Presidência da República.
Recuperado de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742compilado.htm

Lei Nº 9.394 (1996). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, Distrito
Federal: Presidência da República. Recuperado de:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm

Lemos, Flávia Cristina Silveira. (2014). A medicalização da educação e da resistência no


presente: disciplina, biopolítica e segurança. Psicologia Escolar e Educacional, 18(3),
485-492. Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
85572014000300485&script=sci_abstract&tlng=pt
199

Lima, Elaine (2013). Levantamento do Quadro Natural do Município de Mamanguape – PB.


(Monografia de Graduação). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.

Lobo, Lilia Ferreira (1992). Deficiência: prevenção, diagnóstico e estigma. Em: Maria Beatriz
S Leitão; Regina Benevides de Barros; Heliana Conde. (Org.). Grupos e Instituições
em análise. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.

Lobo, Lilia Ferreira (2000). A criança anormal no Brasil: uma história genealógica. Em:
Crianças desvalidas, indígenas e negras no Brasil: cenas da colônia, do império e da
república.Rizzini, Irma (org.)Rio de Janeiro: USU Ed. Universitária.

Lobo, Lilia Ferreira (2007). Psiquiatrização da infância no Brasil: Bourneville – primeiro


pavilhão-escola para creançasanormaes do Hospício Nacional de Alienados. Em:
Práticas Psi inventando a vida. Arantes, Esther; Nascimento, Maria Lívia; Fonseca
Tania Galli(Orgs.). Niterói: EDUFF.

Lobo, Lilia Ferreira (2008). Os Infames da História: pobres, escravos e deficientes no Brasil.
Rio de Janeiro: Lamparina.

Lobo, Lilia Ferreira (2016). O acontecimento Victor de Aveyron: esboço de uma genealogia
da psiquiatrização da infância. Revista Educação Especial. v. 29, n. 56, p. 537-550,
set./dez. 2016. Santa Maria Recuperado de: http://dx.doi.org/10.5902/1984686X22489

Machado, Roberto (1978) Danação da Norma: a Medicina Social e a Constituição da


Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Graal.

Machado, A. M., Veiga Neto, A., Neves, M., Silva, M. V., Prieto, R., Ranña, W. et. al.
(2005). Psicologia e direitos humanos: educação inclusiva, direitos humanos na
escola. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Marinho-Araújo, Claisy (2009). Psicologia Escolar: novos cenários e contextos de pesquisa,


prática e formação. Campinas: Ed. Alínea.

Medeiros, Marcelo; Diniz, Débora; Squinca, Flávia.(2006) Transferências de renda para a


população com deficiência no Brasil: uma análise do benefício de prestação
continuada. Brasília: IPEA. Recuperado de:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1184.pdf

Medeiros, Marcelo; Diniz, Débora; Squinca, Flávia (2006a). Deficiência, Cuidado e Justiça
Distributiva. Em: Costa, Sérgio; Fontes, Malu; Squinca, Flávia. (Org.). Tópicos em
Bioética. Brasília: Letras Livres (pp. 82-94). Recuperado de:
http://www.mds.gov.br/suas/revisoes_bpc/biblioteca-virtual-do-beneficio-de-
prestacao-continuada-da-assistencia-
social/textos_pessoa_com_deficiencia/1diniz_debora._defici_cuida_justica_distr.pdf

.
Mendonça, Aldo Silva (2013). Luta Camponesa e Processo Identitário em Mamanguape-Pb:
O Caso De Itapecirica. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal da Paraíba:
200

Rio Tinto, PB. Recuperado de: http://www.cchla.ufpb.br/ppga/wp-


content/uploads/2014/04/Aldo-Silva-de-Mendon%C3%A7a.pdf

Menicucci, Telma Maria Gonçalves (2014). História da reforma sanitária brasileira e do


Sistema Único de Saúde: mudanças, continuidades e a agenda atual. Em: História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro v.21, n.1, jan.-mar. 2014, p.77-92
Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v21n1/0104-5970-hcsm-21-1-
00077.pdf

Ministério da Educação (2000). Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de


Jovens e Adultos. Brasília, DF. Recuperado de:
http://confinteabrasilmais6.mec.gov.br/images/documentos/parecer_CNE_CEB_11_2
000.pdf

Ministério da Educação (2008). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da


Educação Inclusiva. Brasília, Distrito Federal: MEC. Recuperado de:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=166
90-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-
05122014&Itemid=30192

Ministério da Educação (15 de agosto de 2001). Diretrizes Nacionais para a Educação


Especial na Educação Básica. Brasília, DF. Recuperado de:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB017_2001.pdf

Ministério da Saúde (2008). Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência.


Secretaria de Atenção à Saúde, Brasília: DF. Recuperado de:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_pessoa_deficienci
a.pdf -

Ministério da Saúde [MS] (25 de abril, 2012). Portaria 835/2012. Institui incentivos
financeiros de investimento e de custeio para o Componente Atenção Especializada da
Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Brasília, DF. Recuperado de:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0835_25_04_2012.html

Ministério da Saúde [MS] (24 de abril, 2012). Portaria739/2012. Institui a Rede de Cuidados
à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF.
Recuperado de:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0793_24_04_2012.html

Ministério da Saúde [MS] (2015). Recomendações sobre o uso abusivo de medicamentos na


infância. Recuperado de:
http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/outubro/01/Recomenda----es-
para-Prevenir-excessiva-Medicaliza----o-de-Crian--a-e-Adolescentes.pdf
201

Ministério do Desenvolvimento Social [MDS] (2015). O que é Assistência Social.


Recuperado de: http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social/o-que-e

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome [MDS] (2016). Boletim BPC 2015.
Brasília: Distrito Federal. Recuperado de:
http://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/assistencia_social/boletim_BPC_2015.p
df

Mioto, Regina Cália (2009). Família e políticas sociais. Boschetti, Ivanete, Behring, Elaine,
Santos, Silvana e Mioto, Célia. Política Social no Capitalismo: tendências
contemporâneas. (2ed.) São Paulo: Cortez.

Montaño, Carlos e Durigueto, Maria Lúcia (2011). Estado, Classe e Movimento Social. 3 ed.
São Paulo: Cortez.

Moreira, Emília; Targino, Ivan; Borges, Utaiguara; Silva, Richarde; Medeiros, Vamberto
(2003). Zona da Mata Paraibana: Reestruturação do Setor Sucroalcooleiro, Reforma
Agrária e Paisagem Rural. Cadernos do Logepa. V. 2, N. 1, Jan-Jun 2003, pp. 45-56,
João Pessoa. Recuperado de: periodicos.ufpb.br/index.php/logepa/article/view/10317

Moysés, Maria Aparecida e Collares, Cecília (2002, agosto). Rotular, classificar, diagnosticar:
a violência dos laudos. Jornal do GTNM-RJ, p. 34.

Moysés, Maria Aparecida e Collares, Cecília (2006) Medicalização: elemento de


desconstruçãodos direitos humanos. In: CRP-RJ (Org.). Direitos Humanos: O que
temos a ver com isso? Rio de Janeiro: CRP-RJ. Recuperado do CRPRJ
(ConselhoRegional de Psicologia do Rio de Janeiro)
de:http://www.crprj.org.br/documentos/2006-palestra-aparecida-moyses.pdf.

Moysés, Maria Aparecida e Collares, Cecília (2010). Dislexia e TDAH: uma análise a partir
da ciência médica. Em: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo; Grupo
InterinstitucionalQueixa Escolar (Orgs.). Medicalização de Crianças e Adolescentes:
conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos. São
Paulo: Casa do Psicólogo.

Moysés, Maria Aparecida A.; Collares, Cecília A. L. (2013). Medicalização: o obscurantismo


reinventado. In: Collares, Cecília; Moysés, Maria Aparecida; Ribeiro, Mônica Cintrão
(Org.). Novas capturas, antigos diagnósticos na era dos transtornos: memórias do II
Seminário internacional educação medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos
transtornos. Mercado de Letras, Campinas, SP. (p. 41-64)

Müller, Tânia Mara Pedroso(1998). A primeira escola especial para creanças anormaes no
Distrito Federal – o Pavilhão Bouneville do Hospício Nacional de Alienados (1903-
1920); uma leitura foucaultiana. (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Educação
da UERJ, Rio de Janeiro.
202

Müller, Tânia Mara Pedroso (2005). Os conceitos de criança e de anormal e as práticas


decorrentes de atendimento institucional no Brasil: uma análise genealógica.
Childhood & Philosophy – ajournal of the international council of philosophical
inqury with children. v. 01, n. 2, p.01-20, jul/dez 2005. Recuperado de: http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/childhood/article/view/20464/14790

Murgia, Adriana, Odorika, Tereza e Lendo, Léon (2016). El estúdio de los processos de
medicalización emAmerica Latina. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 23, n.3,
jul-set. 2016, Rio de Janeiro. Recuperado em 25 abril de 2017 de:
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v23n3/0104-5970-hcsm-S0104-
59702016005000009.pdf

Nações Unidas no Brasil [ONUBR] (2017). Número de pobres no Brasil terá aumento de no
mínimo 2,5 milhões em 2017, aponta Banco Mundial. Recuperado de:
https://nacoesunidas.org/numero-de-pobres-no-brasil-tera-aumento-de-no-minimo-25-
milhoes-em-2017-aponta-banco-mundial/

Nascimento, Maria Livia, Coimbra, Cecília Maria Bouças, & Lobo, Lilia Ferreira. (2012).
Anotações iniciais sobre a psiquiatria do desenvolvimento: "é de pequeno que se torce
o pepino". Revista Psicologia Política, 12(23), 87-103. Recuperado de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-
549X2012000100007&lng=pt&tlng=pt.

Natella, Graciela (2008). La creciente medicalización contemporânea: Prácticas que la


sostienen, prácticas que la resisten em el campo de salud mental. Em: Cannellotto,
Adrián e Luchtenberg, Erwin (coord.) Medicalización y sociedad. Lecturas críticas
sobre um fenômeno em expansión. Buenos Aires: Observatorio Argentino de Drogas.
Recuperado de:
http://www.observatorio.gov.ar/media/k2/attachments/MedicalizacinZyZSociedad.ZL
ecturasZCrticasZsobreZunZFenmenoZenZExpansin.ZAoZ2008.-.pdf

Navarro, C. (2009). A escravidão nos ciclos de cana-de-açúcar. Comissão Pastoral da Terra


nordeste II. Recife. Recuperado de:
https://www.cptne2.org.br/index.php/publicacoes/noticias/trabalho-escravo/2500-a-
escravidao-nos-ciclos-de-cana-de-acucar

Nogueira, Roberto Passos (2003). A segunda crítica social da Saúde de Ivan Illich.
InterfaceComunic, Saúde, Educ, v7, n12, p.185-90, fev 2003. pp. 185-190.
Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
32832003000100022

Nota Técnica N. 3 (21 de março de 2016). Nota Técnica sobre as concessões judiciais do
BPC e sobre o processo de judicialização do benefício. Brasília: Distrito Federal:
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Recuperado de:
203

http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/NotaT
ecnica_n03_Judicializacao_BPC.PDF

Nunes, Deise Gonçalves (2013). Reconhecimento social da infância no Brasil: da menoridade


à cidadania. Em: Educação da infância: história e política. Vasconcellos, Vera Maria
(org.) Niterói: Editora da UFF.

Observatório Argentino de Drogas (2008). La medicalización de la infancia. Niños, escuela y


psicotrópicos. Instituto de Investigaciones Gino Germani, Facultad de Ciencias Sociales,
Universidad de Buenos Aires. Recuperado de:
http://www.observatorio.gov.ar/media/k2/attachments/LaZMedicalizacinZdeZlaZInfancia
.ZNiosZEscuelaZyZPsicotrpicos.ZAoZ2008.-_1.pdf

Oliva, M. P. (2014). Transformamos problemas cotidianos em transtornos mentais. El País.


Entrevista Allen Frances. Set. 2014. Recuperado de:
https://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/26/sociedad/1411730295_336861.html

Oliveira, Iris Maria (2009) Cultura Política, direitos e política social. Em: Boschetti, Ivanete
(org). Política Social no Capitalismo: tendências Contemporâneas. 2ª Ed., São Paulo,
Cortez.

Oliveira, Isabel Fernandes & Yamamoto, Oswaldo Hajime(2014) Definindo o campo de


estudo: as políticas sociais brasileiras. Em: Psicologia e políticas sociais: temas em
debate. Oliveira, Isabel Fernandes &Yamammoto, Oswaldo Hajime(orgs.) Belém: ED.
UFPA.

Oliveira, Isabel Fernandes de, Dantas, Candida Maria Bezerra, Solon, Avrairan Fabrícia
Alves Caetano, & Amorim, Keyla Mafalda de Oliveira. (2011). A prática psicológica
na proteção social básica do SUAS. Psicologia & Sociedade, 23(spe), 140-149.
Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
71822011000400017&script=sci_abstract&tlng=pt

Oliveira, William Vaz de. (2011). A fabricação da loucura: contracultura e


antipsiquiatria. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 18(1), 141-
154. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702011000100009

Organização Mundial da Saúde (2007). Atlas: Global Ressources for personswith intelectual
disabilities. Recuperado de:
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/96353/1/9789241563505_eng.pdf

Palitot, Estêvão (2011). A Multidão Potiguara: Poder Tutelar e Conflito na Baía da Traição ao
Longo do Século XX. Raízes, v.31, n.1, jan-jun 2011 (pp. 25 -44). Recuperado de:
http://www.ufcg.edu.br/~raizes/artigos/Artigo_259.pdf
204

Patto, Maria Helena (1997). Introdução à Psicologia Escolar. (3ed.) São Paulo: Casa do
Psicólogo.

Patto, Maria Helena (2000). A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e


rebeldia. 2a ed. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Patto, Maria Helena (2005). Exercícios de Indignação: escritos de educação e psicologia. São
Paulo: Casa do Psicólogo.

Pereira, Ptyara (2009). Discussões conceituais sobre política social como política pública e
direito da cidadania. Em Boschetti, Ivanete (org). Política Social no Capitalismo:
tendências contemporâneas. 2ª Ed., São Paulo: Cortez.

Pessotti, I. (1999). Os nomes da loucura. São Paulo: Editora 34.

Portaria N. 13 (24 abril de 2007). Dispõe sobre a criação do "Programa de Implantação de


Salas de Recursos Multifuncionais". Brasília: Distrito Federal: Ministério da
Educação. Recuperado em 01 julho de 2017 de:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=993
5-portaria-13-24-abril-2007&category_slug=fevereiro-2012-pdf&Itemid=30192

RAADH. Recomendação 01/2015 do Mercosul no âmbito da XXVI Reunião de Altas


Autoridades em Direitos Humanos. Jul. 2015. Recuperado de:
http://medicalizacao.org.br/raadh2015/

Rago, Luzia Margareth. (1997). Do Cabaré ao Lar: a utopia da sociedade disciplinar. 3ª ed.
Rio de janeiro: Paz e Terra.

Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (2014). Empresas transnacionais e produção de


agrocombustíveis no Brasil. São Paulo: Ed. Outras Expressões. Em:
https://www.social.org.br/Empresas_transnacionais_e_producao_de_agrocombustiveis
_no_Brasil.pdf

Resolução Nº 4 (2010). Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação


Básica. Brasília: Distrito Federal: Ministério da Educação. Recuperado de:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_10.pdf

Ribeiro, Maria Izabel Souza (2014). A medicalização da educação na contramão das diretrizes
curriculares nacionais da educação básica. Revista Entreideias, Salvador, v. 3, n. 1, p.
13-29, jan./jun. 2014. Recuperado de:
https://portalseer.ufba.br/index.php/entreideias/article/view/7047/8368

Ribeiro, Maria Izabel Souza (2015). A Medicalização na Escola: uma crítica ao diagnóstico
do suposto Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). (Tese de
205

Doutorado). Universidade Federal da Bahia. Salvador. Recuperado de:


https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/17307/1/Tese_Doutorado_Maria_Izabel_Souz
a_Ribeiro.pdf

Rizzini, Irene & Pilotti, Francisco (2009) A arte de governar crianças: a história das políticas
sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 2ªed. São Paulo: Cortez.

Rizzini, Irene (2009a). Crianças e Menores: do pátrio poder ao pátrio dever. Um histórico da
legislação para a infância no Brasil. Rizzini, Irene & Pilotti, Francisco (2014) A arte
de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à
infância no Brasil. 2ªed. São Paulo: Cortez.

Rizzini, Irene. (2011). O Século Perdido: Raízes Históricas das Políticas Públicas para
Infância no Brasil.3ª ed. São Paulo: Cortez.

Rizzini, Irma (2009). Meninos desvalidos e menores transviados: a trajetória da assistência


pública até a Era Vargas. Rizzini, Irene & Pilotti, Francisco (2014) A arte de governar
crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no
Brasil. 2ªed. São Paulo: Cortez.

Rizzini, Irma & Gondra, José Gonçalves. (2014). Higiene, tipologia da infância e
institucionalização da criança pobre no Brasil (1875-1899). Revista Brasileira de
Educação, 19(58), 561-584. Recuperado de:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
24782014000800003&lng=pt&tlng=pt. 10.1590/S1413-24782014000800003

Scheinvar, Estela (2002). Idade e proteção: fundamentos legais pra acriminalização da


criança, do adolescente e da família (pobres). Nascimento, Maria Lívia. PIVETES: a
produção de infâncias desiguais. Niterói, Rio de Janeiro: Intertexto/ Oficina do Autor.

Scheinvar, Estela (2009). O feitiço da política pública: escola, sociedade civil e direitos da
criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Lamparina, FAPERJ.

Schetman, Alfredo (1981). Psiquiatria e infância: um estudo sobre o desenvolvimento da


psiquiatria no Brasil. (Dissertação de Mestrado) Instituto de Medicina Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. (mimeo)

Silva, Izabela Cristina Medeiros (2016). Direitos Sociais pela Via Judicial: Considerações
sobre a Judicialização do BPC. (Trabalho de Conclusão de Curso). Graduação.
Departamento de Serviço Social. UFSC.

Silva, Renata (2009) Medicina, educação e psiquiatria para ainfância: o Pavilhão-Escola


Bourneville no início do século XX. Em: Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo,
v. 12, n. 1, p. 195-208, março de 2009. Recuperado de:
http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v12n1/a13v12n1.pdf

Silva, Fernanda (2011). Uma nova Realidade Econômica na Cidade de Rio Tinto. (Trabalho
de Conclusão de Curso de Graduação). Universidade Estadual da Paraíba. Guarabira,
206

PB. Recuperado de:


http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/978/1/PDF%20-
%20Fernanda%20Sergio%20Santana%20da%20Silva.pdf

Silva e Silva, Maria Ozanira (2010). Pobreza, desigualdade e políticas públicas:


caracterizando e problematizando a realidade brasileira. Em: Revista Katalisis, UFSC,
Santa Catarina, vol. 13, n. 2, jul-dez, 2010, pp. 155-163.

Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados [SNGPC] (2012). Prescrição e


Consumo de Metilfenidato no Brasil: Identificando riscos para o monitoramento e
controle sanitário. Boletim de Farmacoepidemiologia do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Produtos Controlados. Ano 2, n. 2, jul/dez. 2012. Recuperado de:

Souza, Marilene Proença (2002). Problemas de aprendizagem ou problemas de escolarização?


Repensando o cotidiano escolar à luz da perspectiva histórico-crítica em psicologia.
Em: Oliveira, M. K;Souza, D. T. R. Rego, T. C. Psicologia, educação e temáticas da
vida contemporânea. São Paulo: Moderna, p. 177-195

Stein, Rosa Helena (2009). Seguridade social na América Latina. Em: Boschetti, Ivanete,
Behring, Elaine, Santos, Silvana e Mioto, Célia. Política Social no Capitalismo:
tendências contemporâneas. (2ed.) São Paulo: Cortez.

Targino, Ivan; Moreira, Emilia; Menezes, Marilda (2011). As Ligas Camponesas na Paraíba
um Relato a Partir da Memória dos seus Protagonistas. Ruris. Volume 5, Número 1,
Março 2011. Recuperado de:
https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ruris/article/view/962

Vaitsman, Jeni, Lobato, Lenaura de Vasconcelos (2017) Benefício de Prestação Continuada


(BPC) para pessoas com deficiência: barreiras de acesso e lacunas intersetoriais.
Ciência e Saude Coletiva, 22 (11), pp. 3527-3536. Recuperado em 16 dez. 2017, de:
http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n11/1413-8123-csc-22-11-3527.pdf

Vale, Eltern Campina (2008) Tecendo Fios, Fazendo História: A atuação operária na cidade-
fábrica Rio Tinto (Paraíba, 1959-1964). (Dissertação de Mestrado). Universidade
Federal do Ceará, Fortaleza. Recuperado de:
http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/2854/1/2008_dis_ecvale.pdf

Veiga-Neto, Alfredo, & Lopes, Maura Corcini. (2007). Inclusão e


governamentalidade. Educação & Sociedade, 28(100), 947-963. Recuperado
de: https://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302007000300015

Wacquant, Loïc (2013) Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Trad.
Sérgio Lamarão. 3.ed. revista e ampliada, 1. Reimpressão. Rio de Janeiro: Revan.

Yamamoto, Oswaldo Hajime, & Oliveira, Isabel Fernandes de. (2010). Política Social e
Psicologia: uma trajetória de 25 anos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(spe), 9-24.
Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
37722010000500002
207

Zorzanelli, Rafaela Teixeira, Ortega, Francisco, & Bezerra Júnior, Benilton. (2014). Um
panorama sobre as variações em torno do conceito de medicalização entre 1950-
2010. Ciência & Saúde Coletiva, 19(6), 1859-1868. https://dx.doi.org/10.1590/1413-
81232014196.03612013
208

Apêndice 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


209

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Este é um convite para você participar da pesquisa: “A economia da diferença nas


políticas de assistência à infância”, que tem como pesquisadora responsável Renata Monteiro
Garcia. Este trabalho está sendo desenvolvido em nível de doutorado, junto à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
Esta pesquisa pretende analisar a relação entre o crescimento de diagnósticos de
deficiência mental em crianças, a patologização da infância e o acesso às políticas de proteção
social à infância.
O motivo que nos leva a fazer este estudo é contribuir com uma análise crítica a respeito
da lógica da patologização da infância, além de questionar as políticas de assistência à
infância e suas implicações com a manutenção de um modelo de desigualdade social e
manutenção da ordem vigente.
Caso você decida colaborar, você participará de uma entrevista semi estruturada, com
duração média de meia hora e, se você autorizar, o áudio será gravado para posterior
transcrição e análise das respostas. Caso você não se sinta à vontade, por motivo de qualquer
natureza, por uma ou mais perguntas, você tem o direito de não respondê-las.
Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para Renata
Monteiro Garcia, no telefone (83) 98610-7144.
Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer
fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.
Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão utilizados apenas em
atividades acdêmico-científicas, tais como congressos ou publicações científicas, não havendo
divulgação de nenhum dado que possa lhe identificar.
Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local
seguro e por um período de 5 anos.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a
pesquisadora responsável Renata Monteiro Garcia.
210

Consentimento Livre e Esclarecido

Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão
coletados nessa pesquisa, concordo em participar da pesquisa “A economia da diferença nas
políticas de assistência à infância”, e autorizo a divulgação das informações por mim
fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum dado possa me
identificar.

Paraíba, ___ de _________de______.

_______________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

_______________________________________

Assinatura do pesquisador responsável


211

Apêndice 2 – Instrumento de Pesquisa


Roteiro de EntrevistaSemi-estruturado
212

Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado

1. Perfil Sócio-Econômico
Nome do entrevistado: __________________________________________________
Idade: ___________________ Parentesco com a criança: ______________________

Nome da criança diagnosticada: ________________________________________


Idade: ____________

Bairro: _____________________ Residência: ( ) própria ( ) alugada ( ) outros

A casa possui: energia elétrica ( ) água ( ) esgoto ( )


Quantas pessoas moram nesta residência? ____________________________
( ) Criança Idade: ___ Escolaridade: ________
( ) Mãe Idade: ___ Escolaridade: ________ Ocupação: __________________
( ) Pai Idade: ___ Escolaridade: ________ Ocupação: __________________
( ) Irmão Idade: ___ Escolaridade: ________ Ocupação: __________________
( )Irmã Idade: ___ Escolaridade: ________ Ocupação: __________________
( ) Avô Idade: ___ Escolaridade: ______ ( ) Tio Idade: ___ Escolaridade: _____
( ) Avó Idade: ___ Escolaridade: ______ ( ) Tia Idade: ___ Escolaridade: _____
( ) Outros

Qual a renda familiar?


( ) Menos de um salário mínimo ( ) Um salário mínimo
( ) Entre um e dois salários mínimos ( ) Entre dois e três salários mínimos
( ) Mais que três salários mínimos ( ) Outros: _______________
213

2. Trajetória de vida

1) Fale sobre o nascimento da criança: Quando ela nasceu, como estava a organização familiar?
Já havia outros filhos? Moravam na mesma casa que residem hoje?
2) Como foi o processo que levou a desconfiança de que a criança teria algum “problema”?
3) Com que idade foi diagnosticada? _________________
4) Durante o processo de diagnóstico: Quais especialistas? Quais instituições?
5) Teve dificuldade para acessar a rede de saúde ou de assistência social para conseguir o
diagnóstico?
6) Houve mudança na rotina da família durante esse processo?
7) Toma medicação? ( ) Sim ( ) Não
Qual? Com que frequência? ____________________________________________
___________________________________________________________________
8) Onde você obtém o medicamento? _______________________________________
9) Frequenta a escola? ( ) Sim ( ) Não
( ) Pública ( ) Particular
10) Faz algum tipo de acompanhamento com profissional de saúde?
( ) Sim ( ) Não
11) Qual? Onde? Com que frequência?
12) A criança frequenta alguma atividade extra-curricular? (reforço escolar, atividade física,
atividade cultural, etc) Onde?

3. Relação com Políticas Sociais

13) Na sua família, existe alguém, ou a própria criança, que é beneficiário de algum programa
social? (Ex: benefício de prestação continuada, bolsa-família, aluguel-social)?
14) A criança ou alguém da família frequenta algum tipo de projeto, reunião, ou atividade junto
ao CRAS, CREAS, NASF, etc...? (Em caso positivo) Qual seria?
14.a) O que você acha desta atividade?
15) Sua família teve acesso ao BPC/LOAS?
16) Como ficou sabendo do BPC/LOAS?
17) Quais documentos foram necessários para acessar o benefício?
18) Quais lugares precisaram ir para conseguir o benefício?
214

19) Houve alguma pessoa ou profissional em especial que tivesse ajudado?


20) Quanto tempo levou do diagnóstico à obtenção do benefício?
22) Você precisa fazer confirmação de cadastro nos programas que participa? Como
acontece?
21) O que este benefício representa para você e sua família?

* Há mais alguma coisa sobre sua realidade que você ache importante ou gostaria de falar
para completar as informações que me deu?
215

Anexo – Dados Quantitativos


Sistematização de dados sobre matrículas nas escolas do município
216

Tabela comparativa de dados das matrículas especiais e regulares no município de Mamanguape, no período de 2010 a 201435.

Ano Regulares Especiais Deficiência Mental


2010 11.240 94 73
2011 10.890 108 100
2012 10.573 144 126
2013 10.258 163 140
2014 9.792 183 ?
∑ = 2014 – 2010 = ∑ = 2014-2010 = ∑ = 2014-2010=
- 1706 = -15,18% +89 = + 94,68% +67 = +91,78%

Relação entre as matrículas: 2010 0,83 mat. Especiais para cada mat. Regular

2014
1,90 mat. Especiais para cada mat. Regular
Aumento de 128% nesta relação

35
Dados obtidos na Secretaria de Educação de Mamanguape e no Censo Escolar disponível no site do Ministério da Educação
217

Levantamento de Matrícula Escolar/ Educação Especial – Censo Escolar


Ano - 2010
Matrícula inicial
Unidades da
Federação Educação Especial (Alunos de Escolas Especiais, Classes Especiais e Incluídos)
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE
Estadual Urbana 0 0 0 0 8 0 2 0 0 0 0 0 0 0
Estadual Rural 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Municipal Urbana 0 0 0 0 65 0 1 0 0 0 6 0 0 0
Municipal Rural 0 0 0 0 11 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Estadual e
Municipal 0 0 0 0 85 0 3 0 0 0 6 0 0 0

Total: 94

Def. Mental 84
Sind. Asperger 01
Def. Fisica 08
Surdez 00
Baixa Visão 03
Def. Auditiva 03
Def. Multipla 04
Autismo 00
Transt. Desinteg. 01
218

Levantamento de Matrícula Escolar/ Educação Especial – Censo Escolar


Ano - 2011
Matrícula inicial
Unidades da
Federação Educação Especial (Alunos de Escolas Especiais, Classes Especiais e Incluídos)
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE
Estadual Urbana 0 0 0 0 4 0 4 0 0 0 0 0 0 0
Estadual Rural 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Municipal Urbana 0 0 6 0 64 0 5 0 0 0 9 0 0 0
Municipal Rural 0 0 0 0 13 0 0 0 0 0 1 0 0 0
Estadual e
Municipal 0 0 6 0 83 0 9 0 0 0 10 0 0 0

Total: 108

Def. Mental 100 Def. Auditiva 04


Sind. Asperger 02 Def. Multipla 05
Def. Fisica 07 Autismo 02
Surdez 00 Transt. Desinteg 03
Baixa Visão 04
219

Levantamento de Matrícula Escolar/ Educação Especial – Censo Escolar


Ano - 2012
Matrícula inicial
Unidades da
Federação Educação Especial (Alunos de Escolas Especiais, Classes Especiais e Incluídos)
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE

Estadual Urbana 0 0 0 0 4 0 5 0 1 0 0 0 0 0

Estadual Rural 0 0 0 0 3 0 2 0 0 0 0 0 0 0

Municipal 0 0 4 0 85 0 11 1 0 0 11 0 0 0
Urbana
Municipal Rural 0 0 0 0 17 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Estadual e 0 0 4 0 109 0 18 1 1 0 11 0 0 0
Municipal

Total:
144

Def. Mental: 126 Def. Auditiva: 08


Sind. Asperger: Def. Multipla: 14
05 Autismo: 03
Def. Fisica: 12 Transt. Desinteg.: 07
Surdez: 03 Cegueira: 02
Baixa Visão: 03
220

Levantamento de Matrícula Escolar/ Educação Especial – Censo Escolar


Ano - 2013
Matrícula inicial
Unidades da
Federação Educação Especial (Alunos de Escolas Especiais, Classes Especiais e Incluídos)
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE

Estadual Urbana 0 0 0 0 5 0 12 0 1 0 2 0 0 0

Estadual Rural 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Municipal 0 0 5 1 25 62 12 3 0 0 12 0 0 0
Urbana
Municipal Rural 0 0 0 0 20 0 0 0 0 0 1 0 0 0

Estadual e 0 0 5 1 52 62 24 3 1 0 15 0 0 0
Municipal

Total 163 Def. Auditiva: 05


Def. Mental: 140 Def. Multipla: 11
Sind. Asperger: Autismo 05
04 04 Transt. Desinteg. 04
Def. Fisica: 05 Cegueira 00
Surdez: 02
Baixa Visão: 02
221

Levantamento de Matrícula Escolar/ Educação Especial – Censo Escolar


Ano - 2014

Matrícula inicial
Unidades da
Federação Educação Especial (Alunos de Escolas Especiais, Classes Especiais e Incluídos)
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE

Estadual Urbana 0 0 0 0 9 0 11 1 4 0 2 0 0 0

Estadual Rural 0 0 0 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0

Municipal 0 0 4 0 12 67 8 11 0 0 19 0 0 0
Urbana
Municipal Rural 0 0 0 0 16 14 0 0 0 0 1 0 0 0

Estadual e 0 0 4 0 38 82 20 13 4 0 22 0 0 0
Municipal

Total: 183
222

Levantamento de Matrícula Regular – Censo Escolar


Ano - 2010

Matrícula inicial
Unidades da
Federação Ensino Regular EJA
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE
Estadual Urbana 0 0 0 0 273 0 2.100 0 1.591 0 0 0 0 0
Estadual Rural 0 0 0 0 456 0 238 0 0 0 0 0 0 0
Municipal Urbana 0 55 526 0 2.517 0 875 0 0 0 865 0 0 0
Municipal Rural 0 19 377 46 934 0 280 0 0 0 88 0 0 0
Estadual e
Municipal 0 74 903 46 4.180 0 3.493 0 1.591 0 953 0 0 0
Total: 11240
223

Levantamento de Matrícula Regular – Censo Escolar


Ano - 2011

Matrícula inicial
Unidades da
Federação Ensino Regular EJA
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE
Estadual Urbana 0 0 0 0 238 0 1.966 26 1.694 0 0 0 0 0
Estadual Rural 0 0 0 0 413 0 244 0 0 0 0 0 0 0
Municipal Urbana 0 28 497 34 2.269 0 736 0 0 0 1.001 0 0 0
Municipal Rural 0 32 352 43 974 0 262 0 0 0 81 0 0 0
Estadual e
Municipal 0 60 849 77 3.894 0 3.208 26 1.694 0 1.082 0 0 0
Total: 10890
224

Levantamento de Matrícula Regular – Censo Escolar


Ano - 2012
Matrícula inicial
Unidades da
Federação Ensino Regular EJA
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE

Estadual Urbana 0 0 0 0 173 0 1.743 0 1.658 0 0 0 0 0

Estadual Rural 0 0 0 0 390 0 279 0 0 0 0 0 0 0

Municipal 0 36 476 35 2.257 73 807 34 0 0 925 0 0 0


Urbana
Municipal Rural 0 21 301 49 978 0 254 0 0 0 84 0 0 0

Estadual e 0 57 777 84 3.798 73 3.083 34 1.658 0 1.009 0 0 0


Municipal
225

Levantamento de Matrícula Regular – Censo Escolar


Ano - 2013
Matrícula inicial
Unidades da
Federação Ensino Regular EJA
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE

Estadual Urbana 0 0 0 0 140 0 1.118 66 1.632 0 397 0 154 0

Estadual Rural 0 0 0 0 372 0 285 0 0 0 0 0 0 0

Municipal 0 29 451 60 930 1.268 737 95 0 0 806 0 0 0


Urbana
Municipal Rural 0 19 321 51 963 0 250 0 0 0 124 0 0 0

Estadual e 0 48 772 111 2.405 1.268 2.390 161 1.632 0 1.327 0 154 0
Municipal

Total: 10268
226

Levantamento de Matrícula Regular – Censo Escolar


Ano - 2014
Matrícula inicial
Unidades da
Federação Ensino Regular EJA
Municípios Educação Infantil Ensino Fundamental EJA Presencial
Dependência Médio
Administrativa Creche Pré- escola Anos Iniciais Anos Finais Fundamental Médio
Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral
MAMANGUAPE

Estadual Urbana 0 0 0 0 138 0 954 239 1.642 0 190 0 159 0

Estadual Rural 0 0 0 0 129 155 32 226 0 0 48 0 0 0

Municipal 0 26 477 47 673 1.365 278 515 0 0 723 16 0 0


Urbana
Municipal Rural 0 13 358 62 766 217 127 89 0 0 128 0 0 0

Estadual e 0 39 835 109 1.706 1.737 1.391 1.069 1.642 0 1.089 16 159 0
Municipal

Total: 9792

Você também pode gostar