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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes


Programa de Pós-Graduação em Psicologia

TRAJETÓRIAS DE VIDA DE ADOLESCENTES DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO NO RN E


O ENVOLVIMENTO EM FACÇÕES

Lauriston de Araújo Carvalho

Natal/RN
2020
Lauriston de Araújo Carvalho

TRAJETÓRIAS DE VIDA DE ADOLESCENTES DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO NO RN E


O ENVOLVIMENTO EM FACÇÕES

Tese de Doutorado a ser apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Psicologia do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial
para obtenção do Grau de Doutor em Psicologia.
Orientadora: Profa. Dra. Ilana Lemos de Paiva.

Natal/RN
2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes - CCHLA

Carvalho, Lauriston de Araújo.

Trajetórias de vida de adolescentes do sistema socioeducativo


no RN e o envolvimento em facções / Lauriston de Araújo
Carvalho. - 2020.
235f.: il.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e


Artes, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2020.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilana Lemos de Paiva.

1. Facção - Tese. 2. Materialismo histórico - Tese. 3.


Socioeducação - Tese. 4. Adolescência - Tese. I. Paiva, Ilana
Lemos de. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA
CDU 159.9

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A tese “ Trajetórias de vida de adolescentes do sistema socioeducativo no RN e o envolvimento em


facções”, elaborada por Lauriston de Araújo Carvalho, foi considerada APROVADA por todos os
membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como
requisito parcial à obtenção do título de DOUTOR EM PSICOLOGIA.

Natal/RN, 07 de agosto de 2020.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Drª. Ilana Lemos De Paiva (Presidente)____________________________________________

Prof. Dr. Fellipe Coelho Lima (UFRN)_________________________________________________

Prof. Drª. Ana Vládia Holanda Cruz (UNIFANOR WYDEN)______________________________

Prof. Dr. Nelson Gomes De Sant''''ana E Silva Junior (UFPB)______________________________

Prof. Dr. Pedro Henrique Antunes Da Costa (UNB)______________________________________


“Veja bem, a gente sobrevive da miséria desses
meninos. A gente só ganha salário e come por causa da
miséria desses meninos e, é por isso, que eu sou por
eles, custe o que custar!’’.
(Fala espontânea de uma senhora, ex-educadora e,
agora, cozinheira do CEDUC – Pitimbu)
“ Que Deus conforte o coração dos familiares e amigos
neste momento de dor. Que a luz e o amor divino
pairem sobre a alma de quem sofre esta imensurável
perda, os console e lhes dê serenidade para atravessar
esta tempestade.’’
(A Dadi e Pepeu – in memoriam – e à suas mães)
AGRADECIMENTOS

Primeiramente à Deus, por ter me mostrado o caminho das setas lá em 2014, em Vitória-ES.
Por ter protegido a minha vida nesses quatro anos de doutorado, nas viagens semanais pela Br entre
João Pessoa-PB e Natal-RN, depois de acordar às 4h da manhã, cansado, precocupado, muitas vezes
frustrado. Só Deus mesmo para interceder e não ter deixado que acontecesse nada comido nessas
viagens.
Aos meus pais, Edna e Otávio, pelo apoio incondicional, mesmo às vezes não explícita, às
minhas escolhas profissionais.
Aos meus amigos Dabas, Guilherme e Mariana, que me ofereceram abrigo nas suas casas e
corações durante quase toda a jornada do doutorado, sem pedir nada em troca. Serei eternamente
grato a vocês; estou aqui pra sempre para o que vocês precisarem; sem vocês não seria possível ir
até o fim desse doutorado. Obrigado, amigos.
Aos meus outros amigos, muitos amigos, amigos de verdade, que ao invés de cita-los
individualmente, vou colocar o nome dos grupos de whatsapp para que todos sejam contemplados e
eu não esqueça de ninguém: A negada toda; Sorrisão lindo; Obijuv; Bonsdrinks com os Dabas; Só
os belos; PetroDeltas; Infiltrados; Doutorandxs Obijuv; Pós-Ufrn 2016.
À minha orientadora Ilana, que topou o desafio da minha orientação na primeira vez que nos
vimos. Pela paciência e delicadeza nas suas colocações, mesmo nas vezes em que eu faltei com o
programa. Muito obrigado, pró!
À Natal, UFRN, o Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSI) da UFRN, ao
Obijuv e todos os meus colegas de programa.
Aqui só queria deixar registrado que quando a gente chega, seja em qualquer lugar, a gente
não chega sozinho. Muita gente fez parte desse processo, direta e indiretamente. Muitas nem sabem
o quanto foram fundamentais. Deixo aqui meu eterno agradecimento a todas essas pessoas que
tiveram por perto nesses anos e me ajudaram a terminar o doutorado.

É isso, obrigado a todos. Tou pronto para o próximo desafio. Vamos pra cima. É noiz papito!!
SUMÁRIO

Lista de tabelas.....................................................................................................................................7

Lista de figuras.....................................................................................................................................8

Lista de siglas e abreviaturas................................................................................................................9

Gírias e outras nomenclaturas............................................................................................................12

Resumo...............................................................................................................................................16

Abstract...............................................................................................................................................17

Introdução...........................................................................................................................................18

Objetivos............................................................................................................................................24
Objetivo geral.........................................................................................................................25
Objetivos específicos..............................................................................................................25

Capítulo 1 - Aspectos teóricos pertinentes à criminologia crítica e à organização e surgimento das


facções no sistema penitenciário........................................................................................................26
1.1. A criminologia crítica e a questão criminal....................................................................26
1.2. A relação do Estado com o Crime na produção de violência: as facções como produto
da política de encarceramento...............................................................................................35

Capítulo 2 – Considerações sobre a institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil até a


promulgação do ECA........................................................................................................................62
2.1. As significações sociais sobre a infância e adolescência no Brasil e os processos de
institucionalização ao longo da história................................................................................62

Capítulo 3 – Considerações metodológicas.......................................................................................72


3.1. Contextualização do campo de pesquisa: CEDUC-PITIMBU........................................72
3.2. Inserção do pesquisador no campo de pesquisa.............................................................82
3.3. Participantes....................................................................................................................86
3.3.1. O perfil dos adolescentes que residem nos alojamentos destinados ao Sindicato-RN.....
................................................................................................................................................88
3.3.2. O perfil dos adolescentes que residem nos alojamentos destinados ao PCC..................
................................................................................................................................................95
3.4. Coleta de dados.............................................................................................................104
3.4.1. As entrevistas em profundidade..................................................................................107
3.4.2. As entrevistas com as famílias....................................................................................111
3.4.3. Análise dos Planos Individuais de Atendimento (PIA)...............................................114
3.5. Análise de dados............................................................................................................115
3.6. Questões éticas...............................................................................................................118

Capítulo 4 – As trajetórias de vida dos adolescentes no sistema socioeducativo do RN e seus


envolvimentos com as facções.........................................................................................................120
4.1.Indícios de surgimento das chamadas facções nos territórios nas cidades de Natal e
Parnamirim...........................................................................................................................121
4.2. A aproximação dos adolescentes com as facções..........................................................137
4.3. Especificidades do recrutamento antes do ingresso no sistema socioeducativo...........149
4.4. As dinâmicas relacionais entre os adolescentes no CEDUC-Pitimbu e a constituição da
rivalidade entre as facções.................................................................................................. 158
4.5. As relações estruturais entre Estado e Igreja e a via de “saída” da facção: a roda
girando em seu eixo..............................................................................................................188
4.6. “Parece que lá só mora monstro’’: os processos de criminalização e os mecanismos de
governabilidade estatais no RN............................................................................................195

Capítulo 5 – Considerações Finais..................................................................................................203

Apêndice...........................................................................................................................................221

Anexo...............................................................................................................................................232

Referências bibliográficas................................................................................................................233
Lista de Tabelas

Tabela 01 – Categorias temáticas em ordem decrescente dos estudos nacionais e em língua


estrangeira sobre a criminologia crítica nos últimos cinco anos (2013-2017)...................................23

Tabela 02 – Estudos sobre o PCC.......................................................................................................47

Tabela 03 – Categorias temáticas dos estudos nacionais da Psicologia sobre o sistema


socioeducativo nos últimos cinco anos (2014-
2018)...................................................................................................................................................62

Tabela 04 – CRONOGRAMA de coleta de dados.............................................................................78

Tabela 05 – Rotina diária das atividades do CEDUC-Pitimbu.........................................................126

Tabela 06 – Organização do grupo PCC segundo os participantes da pesquisa...............................205


Lista de figuras

Figura 01 – Objetivos da pesquisa......................................................................................................22

Figura 02 - Objetivos da pesquisa e a coleta de dados.......................................................................83

Figura 03 – Localização no mapa da comunidade do Mosquito......................................................145

Figura 04 – Comunidade do Mosquito.............................................................................................146

Figura 05 – Etapas do processo de entrada nas facções do Sindicato-RN e PCC...........................154

Figura 06 – Estrutura funcional do PCC segundo Dias (2011)........................................................182

Figura 07 – o ciclo de passagem do adolescente egressos pela unidade socioedudcativa e sua


cooptação pela facção.......................................................................................................................185
Lista de siglas e abreviaturas

ADA Amigo dos Amigos

CEDUC Centro Educacional

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

CDPS Centro de Detenção Provisória

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CRBC Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade

CV Comando Vermelho

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do


Adolescente

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FCBIA Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência

FDN Família do Norte

FUNDAC Fundação Estadual da Criança e do Adolescente

FUNDASE Fundação de Atendimento Socioeducando do Estado do


Rio Grande do Norte

FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

INFOPEN Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias

MV Máfia Vermelha
OBIJUV Observatório da População Infantojuvenil em
Contextos de Violência

PCC Primeiro Comando da Capital

PEDH Programa Estadual de Direitos Humanos

PEP Penitenciária Estadual de Parnamirim

PETI Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do


Trabalho Infantil

PIA Plano Individual de Atendimento

PGC Primeiro Grupo Catarinense

PM Polícia Militar

PPP Parceiria Público-Privada

RDD Regime Disciplinar Diferenciado

SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

SAP Secretaria de Administração Penitenciária

SESED Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa


Social

SDC Sindicato do Crime

SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

TIA Torcida Independente do América


TGA Torcida Garra Alvinegra

TMV Torcida Máfia Vermelha

TUSP Torcida Uniformizada do São Paulo

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UPP Unidades de Polícia Pacificadora


Gírias e outras nomenclaturas

Andar pelo certo Fazer coisas lícitas e de valores reconhecídos. No


contexto das facções, é usado para se referir que o seu
grupo milita por questões morais reconhecídas, como
não assaltar trabalhor ou ser conivente com estupro.

As linhas Relativo ao PCC, quando liga-se para os responsáveis


para a resolução de algum conflito.

Cagueta Significa informar algo de alguém,contar algo que não


era para ser contado. É ser dedo-duro, fofoqueiro.

Cantar uma tese Refere-se a uma ideia sobre algo ou a uma narrativa
para falar sobre algo.

Caveira Facção dissidente do PCC do estado do Rio Grande do


Norte e que tem origem na cidade de Mossoró.

Companheiros No contexto do PCC, são pessoas que estão próximas à


facção, convivem com seus integrantes, mas não foram
são da facção porque não foram batizados.

Cebola Foneticamente se fala “Cibola’’. Nomeclatura do PCC


para denominar aquele que é responsável por gerenciar
os recursos da facção.

Da massa Nomenclatura para dizer que aquele sujeito não


pertence a nenhuma facção. É neutro.

Decretar Usado para se referir a um acerto de contas da facção


com um indivíduo, quando este geralmente faz algo que
não deveria fazer; represália da facção a um indivíduo.

Enquadrar O mesmo que “Decretar’’. Represália da facção a um


indivíduo.

Entrar para a crença Quando alguém torna-se evangélico.

Fumar um Referente a fumar maconha.

Geral da cadeia Nomenclatura do PCC que se refere aos responsáveis


por fazer a gestão dos integrantes nos presídios, para a
resolução de conflitos.

Geral do continente Nomenclatura do PCC que se refere aos responsáveis


por comandar a facção entre países.

Geral do estado Nomenclatura do PCC que se refere aos responsáveis


por comandar a facção em nível estadual.

Geral do país Nomenclatura do PCC que se refere aos responsáveis


por comandar a facção em nível nacional.

Geral da rua Nomenclatura do PCC que se refere aos responsáveis


por comandar a facção nas comunidades.

Geral da tranca Nomenclatura do PCC que se refere aos responsáveis


por prestar assistência a quem está preso, com dinheiro,
envio de advogado, médico, etc.

Irmãos Como são chamados entre si os integrantes da facção


do PCC.

Laranjada Nomenclatura associada a alguma dificuldade, a algo


difícil. Exemplo: “Sai de casa no horário de pico e
fiquei preso no engarrafamento. Foi uma laranjada’’.

O Salve Nomenclatura para referir-se que a facção irá realizar


uma grande ação envolvendo a todos. Na ação da
facção contra o estado em 2002, o ato foi denominado
como um “salve geral’’.

O Disciplina Nomenclatura de organização do PCC que se refere ao


responsável por disciplinar a comunidade. Sua função é
a resolução de conflitos na comunidade e aplicação
sanções. É o juiz de direito de determinada comunidade
– assim foi feita a analogia por um dos adolescentes
entrevistados.

O Sintonia Nomenclatura do PCC que se refere aos responsáveis


por organizar todos os integrantes da facção. Quando
vão fazer alguma ação em nível estadual, nacional, são
eles que deixam todos informados. São geralmente
compostos por homens e mulheres. Segundo um
adolescente, os homens resolvem problemas dos
homens, e as mulheres resolvem problemas das
mulheres.

Puxar um chiclete Sinônimo de linha. Quando o sujeito quer ligar para as


linhas para resolução de algum conflito, usa-se a
expressão “puxar um chiclete’’ ou “puxar as linhas’’.

Paiol das armas Responsável por guarda e vigília de todo o armamento


da facção numa determinada localidade.

Pecêco/Pecêcu Apelido que indivíduos dos Sindicato-RN chamam os


indivíduos do PCC.

Sossego Termo para se referir que está tudo tranquilo, está tudo
em paz. É usado em inúmeros contextos e geralmente é
usando da seguinte forma:“está sossego; é sossego’’.
Isso se refere a algo ou a alguma coisa que vai bem.

Vulgo Apelido ou nome fictício de alguém.


Resumo.
No estado o Rio Grande do Norte as facções estão presentes no sistema socioeducativo.
Percebemos o impacto do conflito desses grupos na gestão das unidades e nos adolescentes, por
meio de marcas identitárias de pertencimento. Por se tratar de um fenômeno recente no estado, o
presente trabalho buscou analisar as trajetórias de vida dos adolescentes internos do Centro
Educacional Pitimbu – CEDUC Pitimbu – na cidade de Parnamirim/RN, entendendo como se dá as
vinculações dessas trajetórias com as facções. Os dados foram analisados a partir de uma
perspectiva crítica, à luz do materialismo histórico e dialético. Os resultados produzidos dão conta
de apresentar os primeiros indícios de surgimento das facções em territórios das cidades de Natal-
RN e Parnanamirim-RN, que se dá na estreita relação com as torcidas organizadas (Garra e Máfia) e
na presença de um tipo específico de indivíduo, caracterizado como novatos do bairro, com sotaque
paulista, tatuados, zangados e que andavam em grupos. Esses fatos nos dão pistas para refletir sobre
a inserção desses grupos no RN, como facilitadores da apróximação e ingresso de adolescentes,
como também do acirramento do conflito na unidade socioeducativa. A péssima relação entre os
adolescentes internos se motivaria pelas diferenças grupais originárias pelo domínio dos territórios
nas disputas do monopólio do tráfico de drogas. Os adolescentes carregariam consigo a herança
histórica do conflito, estimulada pelo bairro em que residem, e que é levada para dentro da unidade.
O fato de residir em determinado bairro já seria condição suficiente para filia-lo a uma facção. A
isso demos o nome de filações compulsórias. Pudemos identificar que esse adolescente que passa
pelo sistema socioeducativo a sua trajetória de vida está sob a influência dos atores socais, o Estado,
a facção eigreja. Observamos que as relações entre esses atores não é conflituosa entre si, mas
influências que se sucedem por meio do entrelaçamento de dispositivos disciplinares, no
“podamento” dos comportamentos desviantes. O dados mostram também as formas de agir das
forças de segurança do estado nas comunidades do RN, como instrumentos da gestão da pobreza
face às novas formas de governabilidade do capitalismo contemporâneo. O contexto da comunidade
do Mosquito encontra base nos constructos teóricos do Estado de Exceção permanente, nas políticas
do deixar morrer, que se dirigem ao jovem, negro e pobre perpassado pelas significações da
criminalização da negritude e pobreza. Esses jovens a quem a letalidade se incide mais fortemente
são os os homo sacer, os indignos de vida.

Palavras-chave: facção; materialismo histórico; socioeducação; adolescência.


Abstract
In the state of Rio Grande do Norte factions are present in the socio-educational system. The impact of
the conflict of these groups on the management of the units and on adolescents, through identity marks
of belonging. The present work aimed to analyze the life trajectories of the adolescents interned at
Centro Educacional Pitimbu - CEDUC Pitimbu - in the city of Parnamirim / RN, understanding how the
links between these trajectories and factions. The data were analyzed from a critical perspective, in the
light of historical and dialectical materialism. The results produced show the first signs of the
emergence of the factions in the cities of Natal-RN and Parnanamirim-RN, through the relationship with
the organized fans (Garra and Mafia) and with a type of individual, novices from the neighborhood, São
Paulo accent, tattooed, angry and who walked in groups. These facts show the insertion of these groups
in the RN, proximity and admission, as well as the intensification of the conflict in the socio-educational
unit. The terrible relationship between adolescents would be motivated by the group differences that
originated in the domination of territories in the monopoly disputes of drug trafficking. Adolescents
would carry with them the historical legacy of the conflict, stimulated by the neighborhood in which
they live, and which is taken into the unit. Living in a certain neighborhood is a condition for joining a
faction. Are compulsory affiliations. We also identified that the adolescent from the socio-educational
system, their life trajectory is under the influence of social actors, the State, the church faction. The
relationships between these actors are not in conflict with each other, but influences that follow through
the intertwining of disciplinary devices, in the "pruning" of deviant behaviors. The data also show the
ways of acting by the state security forces in the communities of RN, as instruments of poverty
management through the new forms of governance of contemporary capitalism. The Mosquito
community has a theoretical reference in the State of Permanent Exception, policies of letting die, which
address the young, black and poor through the meanings of the criminalization of blackness and poverty.
These young people to whom lethality is most strongly affected are the homo sacer, the unworthy of
life.
Keywords: faction, historic materialism, socioeducation, adolescence
Introdução.
O presente trabalho refere-se a um relato de pequisa sobre as trajetórias de vida de
adolescentes internos no sistema socioeducativo do estado do Rio Grande Norte (RN) e suas
relações com as facções. O disparador da pesquisa se deu no contexto do Centro Educacional
(CEDUC) na cidade de Caicó-RN, no ano de 2017, e a presente tese se desenvolveu no CEDUC-
Pitimbu, na cidade de Parnamirim-RN no ano de 2018.
O interesse pelo estudo decorre da importância de aprofundar discussões e ser ponto de luz
na obscuridade de objetos sociais vivos em nosso contidiano, que fazem parte do imaginário social
da população e, por conseguinte, do próprio pesquisador. São exemplos desses objetos sociais a
criminalização da pobreza, o extermínio da juventude pobre, negra e periférica, as violências
cometidas pelo Estado, as facções, o sistema socioeducativo e as sucessivas tentativas de
desmantelamento do ECA.
É nesse sentido que o sujeito pesquisador, quando vai a campo, não vai isento de
julgamento, conhecimento, ou mesmo distanciamento em relação ao objeto. As suas intenções
deixam-se transparecer já no momento inicial do recorte do objeto a ser estudado, como explicam
Fernandes e Moreira (2013).
Nos últimos anos, as disputas por rotas de tráfico de drogas e o avanço da facção PCC no
Norte e no Nordeste estão entre os principais motivos dos conflitos entre as facções. No ano de
2015, o líder do PCC foi morto por membros do Sindicato-RN, dentro de um presídio na cidade de
Natal-RN, atitude entendida como o estopim para o racha definitivo entre as duas facções.
No ano de 2017, o PCC foi protagonista da maior chacina do sistema prisional do RN,
contabilizando 26 óbitos de membros do Sindicato-RN. Em represália a este fato e transferência de
220 integrantes da facção da penitenciária de Alcaçuz, na cidade Nísia Floresta-RN, o Sindicato-RN
ordenou ataques a ônibus, delegacias e prédios públicos em todo o RN, fazendo com que o Estado
pedisse o reforço de 1.800 homens das Forças Armadas para o reestabelecimento da ordem pública
e a incolumidade das pessoas e do patrimônio público.
Essas facções, que primeiro se organizaram no sistema penitenciário, também estão
presentes nas unidades de privação de liberdade do sistema socioeducativo no RN. A debilidade do
sistema socioeducativo no estado levou à interdição de algumas unidades de privação de liberdade
pela justiça, no ano de 2012. Dois anos depois, a 3ª Vara da Infância e Juventude, a pedido do
Ministério Público Estadual, determinou a intervenção sobre a Fundação Estadual da Criança e do
Adolescente (FUNDAC), empreendendo esforços, através de diversos atores sociais, para a
reestruturação do sistema socioeducativo, realizando ações que focaram desde a estrutura física das
unidades, recursos humanos, até outros componentes fundamentais para a execução das medidas
socioeducativas.
20
Nesse período, o Observatório da População Infantojuvenil em Contextos de Violência
(OBIJUV), em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a
FUNDAC - hoje denominada Fundação de Atendimento Socioeducando do Estado do Rio Grande
do Norte (FUNDASE) -, realizaram as primeiras atividades do projeto Nova concepção
socioeducativa nas unidades de restrição e privação de liberdade do Rio Grande do Norte. Este
projeto tinha como objetivo mapear e sistematizar informações acerca do sistema socioeducativo no
RN, no que diz respeito à proposta de socioeducação nas unidades de privação e restrição de
liberdade, e como resultado, construir uma nova proposta socioeducativa, que fosse inovadora e em
consonância com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
O projeto possuia duas etapas: (a) Coleta de Dados: demarcação do perfil do trabalho
atualmente desenvolvido nas unidades de efetivação das medidas socioeducativas, (b) Discussão
desses dados coletados com as comunidades socioeducativas, visando o desenvolvimento de
documentos que norteassem novas práticas e rotinas pedagogicamente fundadas.
Dentre os vários momentos que comportaram a etapa da coleta de dados, em março de 2017,
foi concretizada a imersão nas unidades socioeducativas. Esse momento consistia em visitas dos
pesquisadores às unidades de privação e restrição de liberdade com objetivo de observar as
particularidades de cada unidade, com ênfase nas relações interpessoais, estrutura física,
documentos produzidos, a execução das medidas socioeducativas, rede socioassistencial e as
relações com a gestão e o sistema de Justiça. Para além de acompanhar a rotina das unidades, os
pesquisadores procuraram acompanhar adolescentes que se dirigiam às audiências com juízes e
promotores, conversaram com atores do Ministério Público e do Judiciário, das redes de saúde e de
educação.
Em tempo integral, organizados em duplas ou trios em cada unidade, os membros da equipe
do projeto estiveram presentes no cotidiano das instituições durante uma semana, em horário
noturno e fins de semana. As imersões foram divididas em três etapas. A primeira, nas unidades do
CEDUC Pitimbu, CEDUC Nazaré e Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente (CIAD)
Natal; a segunda, no CEDUC Mossoró, CEDUC Santa Delmira e Centro Integrado de Atendimento
ao Adolescente (CIAD) Mossoró; e a terceira, no CEDUC Padre João Maria e CEDUC Caicó.
Em novembro de 2018 as unidades socioeducativas da Fundação de Atendimento
Socioeducativo (Fundase/RN) ganharam uma nova nomenclatura. O Centro Educacional (CEDUC),
passou a se chamar Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) e o Centro Integrado de
Atendimento ao Adolescente (CIAD) passou a se chamar de Centro de Atendimento Socioeducativo
Provisório (CASEP). Como a pesquisa fora realizada na época das antigas nomeclaturas, optamos
por mante-las neste texto e atualiza-las em trabalhos futuros advindos desta teste. Assim, o presente
trabalho tem como ponto de partida a experiência de imersão nesta última unidade CEDUC Caicó-
21
RN e depois concretizada no CEDUC Pitimbu-RN.
É nesse contexto de vivência do cotidiano e coleta de informações das unidades
socioeducativas que foi iniciada e desenvolvida a presente pesquisa. Diante de tantas indagações
fruto das imersões, o fenômeno das chamadas facções criminosas nos sobressaiu. Já naquele
período pudemos constatar o estabelecimento desses grupos dentro do sistema socioeducativo, que
influenciava diretamente na logistica de funcionamento das atividades e gestão das unidades.
Sobre essa realidade pudemos verificar que as facções PCC e Sindicato-RN eram as mais
presentes nas unidades. Havia uma distribuição dos jovens nos alojamentos a partir das suas
identificações com as facções. Jovens de facções rivais eram colocados em espaços separados. Os
adolescentes recém-chegados à unidade eram destinados ao alojamento da chamada “adaptação”.
Nesse período era descoberta qual a filiação grupal a que o adolescente pertencencia e, então, era
encaminhado para o seu respectivo alojamento.
A gestão e a equipe técnica – com os meios que dispõem – tentavam se adaptar a essa
realidade, por exemplo, na execução das atividades ofertadas para os jovens. Em nenhuma hipótese
os jovens residentes em alojamentos rivais poderiam se encontrar nos corredores das unidades, nem
participar de atividades num mesmo espaço, o que poderia colocar em risco a segurança da unidade.
As atividades eram ofertadas primeiro para um grupo e, depois, para outro grupo. Uma mesma
atividade era ofertada inúmeras vezes, em virtude dos grupos e subgrupos. Desse modo, havia uma
grande demanda de trabalho para os educadores e outros profissionais para que fossem executadas
todas as atividades.
No centro dessa problemática estavam os adolescentes internos das unidades. As referências
às facções estavam por toda a parte, desde a preliminar autoidentificação com as facções que
culminava na separação dos alojamentos, as marcas simbólicas expressas em desenhos nas paredes
dos dormitórios e nas roupas, até às músicas ouvidas e cantadas que remetiam aos grupos e seus
líderes. Alguns adolescentes marcavam o próprio corpo com os símbolos das facções, algo
semelhante à automutilação com artefatos precários em forma de tatuagem, que deixam a pele em
carne viva.
As normas das facções impedem o ingresso de adolescentes, porém, pode ser observado nas
unidades o forte sentimento de pertencimento e desejo em adentrar nesses grupos. A partir disso,
pretendemos com a presente pesquisa aprofundar o conhecimento sobre a realidade dos
adolescentes que desejam pertencer a uma facção ou que já são membros, de modo a conhecer as
trajetórias de vida que se encontram com o chamado crime organizado, bem como os fatores que
possivelmente contribuem para a entrada e permanência dos mesmos nesses grupos.
O fenômeno das facções no sistema socioeducativo acontece em praticamente todas as
unidades do estado do RN. Essa realidade que fora encontrada no CEDUC-Caicó, também é
22
encontrada na unidade CEDUC-Pitimbu, na cidade de Parnamirim, e é nesta unidade que se
realizou a presente pesquisa, como dissemos. Os dados obtidos por meio da imersão de outros
pesquisadores no CEDUC-Pitimbu, a partir do projeto citado, deram-nos indícios da presença da
facção nesta unidade e, portanto, garantia da exequividade da pesquisa.
Alguns estudos sobre as trajetórias de jovens são referências para a presente pesquisa.
Santos et al. (2012), ao investigarem as trajetórias de vida de jovens assassinados em Natal-RN, a
partir de entrevistas com seus familiares, verificaram nos seus contextos de vida as variáveis
determinantes da evasão escolar, as condições socioeconômicas precárias, a violência relacionada à
guerra às drogas e, também, a ausência de políticas públicas destinadas aos jovens daquela
localidade. Tavares e Menandro (2008), com o conhecimento das trajetórias de vida de internos do
sistema carcerário capixaba, identificaram a baixa escolaridade e falta de profissionalização como
fatores preponderantes na vida dos internos, que perpassam suas percepções sobre o estar
encarcerado, atravessado por sentidos e desrespeito, arrependimento e sofrimento.
Com foco voltado para a escolarização, o estudo de Bazon, Silva e Ferrari (2013) traz dados
interessantes sobre como o processo educacional é experenciado pelos adolescentes no sistema
socioeducativo, marcado muito fortemente pela descontinuidade na qualidade das vivências
escolares, de início positiva, e que se tornaram negativas, com diretas implicações na formação
escolar desses jovens. Nessa mesma concepção, a tese de doutorado de Souza (2017) investiga os
processos de criminalização e escolarização nas trajetórias de vida de adolescentes internos,
indicando a incompatibilidade da privação de liberdade com uma educação transformadora,
tornando-se inadiável a implementação de um projeto de educação escolar que busque a
transformação social.
A experiência de vida pregressa mediada pela violência estrutural e institucionalizada em
diversos contextos e grupos, como a polícia, o tráfico, escola e a própria sociedade, que muitas
vezes vê o adolescente na imagem do traficante cruel e irrecuperável, marcam as suas histórias de
vida e se fazem presentes nos seus cotidianos, colocando-se, assim, como um desafio imediato o
entendimento dessa nova realidade, agora como membros de facções. Para isso, propomo-nos a
explorar as dimensões sociais de criminalização e sua interface com as práticas de recrutamento das
facções, o desejo e sentimento de pertencimento ao grupo, como também as formas que essa
adolescência se expressa dentro das facções, apontando o papel desempenhado por esses
adolescentes e jovens.
Em meio a vários atores sociais que participam desse processo e que poderiam contribuir
para o entendimento desse fenômeno social, decidimos dar evidência aos adolescentes. Estes são
centrais nessa problemática e quase sempre sua voz é abafada pela mídia, Estado, especialistas,
técnicos, etc., que falam em seu nome.
23
Vale destacar que temos a preocupação de não narrar as ações da facção com
sensacionalismo típico dos veículos de comunicação, com a amplificação e espetacularização de
tais ações. Entendemos que há um enfoque excessivo no indivíduo/grupo, sem historicidade e
descontextualizado das questões econômicas, sociais e culturais que os produzem, encobrindo as
origens dos processos e a dinâmica das relações.
A presente tese de doutorado parte de uma questão que está posta na contemporaneidade,
que é o envolvimento de adolescentes nas chamadas facções vinculadas ao tráfico de drogas, tendo
como contexto o sistema socioeducativo do RN. A compreensão das trajetórias de vida desses
adolescentes, dentro desses grupos, é essencial para a proposição de políticas públicas mais
sensíveis e próximas dessa realidade, com o objetivo de minorar a violência e, mais
especificamente, o extermínio da população jovem, negra e das periferias das grandes cidades.
Dessa forma, temos a seguinte problemática de pesquisa: dado o fenômeno recente das
facções no sistema socioeducativo do RN, como se dá a vinculação, permanência e ruptrura dos
adolescentes, durante as suas trajetórias de vida, com as chamadas facções? Como objetivo geral
visamos, então, analisar as trajetórias de vida dos adolescentes no sistema socioeducativo do RN e
suas vinculações, permanências e ruptura com as facções. Nos objetivos específicos nos propomos
a: (a) entender as especificidades da vinculação dos adolescentes pelas facções antes de ingressarem
no sistema socioeducativo e dentro dele; (b) analisar se/como os processos de criminalização nas
trajetórias de vida dos adolescentes contribuem para o seu recrutamento pelas facções; (c)
compreender as dinâmicas relacionais entre os adolescentes de facções diferentes no interior do
CEDUC-Pitimbu; (d) Investigar como se dá o processo de ruptura com a facção pelos adolescentes.
Esquematicamente os objetivos estão dispostos na figura 01 a seguir.

A figura 01 mostra os objetivos desta tese de doutorado tendo como eixo principal a
trajetória de vida dos adolescentes. Os objetivos foram dispostos em ordem temporal, iniciando-se

24
com a vinculação dos adolescentes às facções antes do ingresso no sistema socioeducativo, até o
detalhamento dos procedimentos de ruptura com a facção. Entendemos que a vinculação, a partir
dos processos de criminalização, poderia apresentar especificidades antes do ingresso do
adolescente no sistema socioeducativo e durante a sua permanência na unidade.
Além da Introdução, esta tese conta com cinco capítulos e seus subtópicos, que tentam
abarcar os objetos de estudo concernentes a este trabalho. Os capítulos são: Capítulo 1 – Aspectos
teóricos pertinentes à criminologia crítica e o surgimento, organização das facções no sistema
penitenciário; Capítulo 2 – Considerações sobre a infância e adolescência e formas de
institucionalização no Brasil até o sistema socioeducativo; Capítulo 3 – Considerações
metodológicas; Capítulo 4 – As trajetórias de vida dos adolescentes e os fatores que contribuem
para a sua entrada e permanência nas facções; Capítulo 5 – Considerações finais.
O capítulo 1 trata da fundamentação teórica da criminologia crítica como ponto de partida
para compreender a questão criminal e a relação do Estado como produtor da violência, tendo as
facções como produto da política de segurança pública. Para isso, realizamos uma revisão de
literatura sobre os constructos crime e criminoso, diferenciando-os do tratamento dado pela
criminologia tradicional (discussão que se encontra no subtópico A criminologia crítica e a questão
criminal), conjuntamente à relação da política econômica neoliberal e a ascensão do Estado penal,
que são os sustentáculos para uma política de segurança pública mais repressiva, que encarcera em
massa e potencializa o surgimento e estabelecimento de inúmeras facções dentro e fora do sistema
penitenciário. O capítulo também traz uma revisão bibliográfica nos Periódicos Capes e Scielo, no
período entre 2013-2017, sobre os principais temas abordados pela criminologia crítica e suas áreas
de pesquisa (subtópico A relação do Estado com o Crime na produção de violência: as facções
como produto da política de encarceramento).
O capítulo 2 se ocupa do percusso histórico sobre as diversas significações da
criança/adolescente e os processos de institucionalização, até os dias de hoje, com o sistema
socioeducativo. Apresenta as respostas que o Estado brasileiro vem dando às crianças e aos
adolescentes que cometeram atos infracionais para, assim, fazer possível articulações com o
momento em que as facções adentram no sistema socioeducativo e passam a recrutar jovens
(subtópico As significações sociais sobre a infância e adolescência no Brasil e os processos de
institucionalização ao longo da história). O capítulo se encerra com a revisão bibliográfica sobre a
produção científica nacional em Psicologia, ressaltando os estudos considerados mais relevantes
para esta pesquisa, com vistas a tecer aproximações entre os saberes da psicologia e o campo de
estudo desta pesquisa.
O Capítulo 3 diz respeito à trajetória metodológica percorrida, com combinação de dados de
naturezas distintas para se aproximar do fenômeno das facções no CEDUC-Pitimbu, conjuntamente
25
às trajetórias de vida dos adolescentes que cumprem medida de internação. O período de imersão
nas unidades socioeducativas foi utilizado como ponto de partida para a observação participante.
Essas estratégias metodológicas serviram para a inserção do pesquisador no campo de pesquisa,
para posterior análise dos Planos de Atendimentos Individuais (PIAs), entrevistas em profundidade
com os adolescentes e entrevistas com suas famílias. Todos esses dados gerados foram analisados à
luz do materialismo histórico e dialético.
O capítulo descreve ainda o campo de pesquisa, o CEDUC-Pitimbu. O relato se inicia com
trâmites burocráticos percorridos para autorizar a realização da pesquisa na unidade. As conversas
com diversos atores da FUNDAC, gestão do CEDUC-Pitimbu e, também, com a secretaria de Pós-
Graduação em Psicologia da UFRN são descritos de forma a mostrar todos os meandros longos e
cansativos para, enfim, poder executar a pesquisa. Comentamos também sobre as primeiras
aproximações com o campo de pesquisa; a primeira visita à unidade; a reunião da gestão técnica e
exposição dos objetivos e atividades da tese; os acordos para agendamento de horário para análise
de documentos, entrevistas com os adolescentes e suas famílias. Finalizamos o capítulo com as
impressões, sentimentos, percepções sobre as dinâmicas relacionais entre os profissionais da
unidade, entre os profissionais e os adolescentes, e entre os próprios adolescentes, como também,
sobre a estrutura da unidade.
O último capítulo da tese, Capítulo 4, aborda as trajetórias de vida dos adolescentes internos
do CEDUC-Pitimbu em busca dos fatores que contribuíram para a entrada nas facções. Para isso,
traçamos um itinerário, desde o surgimento das facções nos seus territórios, localizados na cidade
de Natal e Parnamirim, perpassando pelas formas de como se deu a aproximação dos adolescentes
com as facções, os processos de filiação.
Num primeiro momento, fizemos entrevistas com os familiares dos internos sobre os
indícios de surgimento das facções nos territórios na cidade de Natal e Parnamirim. Produzir dados
sobre essa questão torna-se importante porque, a partir da bibliografia encontrada, a filiação dos
adolescentes nesses grupos tem íntima relação com os territórios onde residem. Assim, por
residirem há mais tempo nesses territórios, os familiares conseguem descrever com mais riqueza de
detalhes o aparecimento das facções e, assim, nos dar elementos para entender os fatores puderam
contribuir para a entrada dos jovens nesses grupos.
Depois disso, expomos, por meio do relato dos adolescentes, como se deu a aproximação
com as facções, com destaque para as ações e omissões do Estado. Logo após, detalhamos os
trâmites para o ingresso nas facções do PCC e Sindicato-RN.
Em um segundo momento, discorremos sobre as dinâmicas relacionais entre os adolescentes
no interior do CEDUC-Pitimbu, com destaque para a rivalidade entre as facções. Baseado nos
dados coletados, percebemos que a rivalidade entre os adolescentes na unidade se dava pouco no
26
âmbito das relações interpessoais e mais nas relações intergrupais. Assim, buscamos entender
elementos de sentido dos adolescentes sobre a caracterização da sua própria facção e da facção
rival, intercalando com a conjuntunra dos seus territórios.
Por fim, detalhamos também as relações estruturais entre Estado, facção e igreja e o
exercício dos seus controles disciplinares e biopolíticos. Aliado a isso aparecem os processos de
criminalização nas trajetórias de vida como ponte para analisar os mecanismos de governabilidade
estatais nas comunidades periféricas do RN.

27
Capítulo 1 – Aspectos teóricos pertinentes à criminologia crítica e a organização e
surgimento das facções no sistema penitenciário

1.1. A Criminologia Crítica e a questão criminal


O saber criminológico aparece em distintas épocas históricas com novas roupagens para a
questão criminal. Zaffaroni, Batista e Slokar (2003) retornam ao século XVIII para apontar a
inquisição como responsável pela construção dos primeiros manuais criminológicos na
comprovação da existência do mal no corpo dos sujeitos, nas práticas de confissão e implantação de
procedimentos de poderes punitivos. Essa lógica ideativa provocou demandas jurídicas que logo
revelaram intencionalidades políticas de centralização do poder junto às estruturas do Estado,
denunciando os primeiros movimentos do capital.
A criminologia como ciência surge na virada do século XIX para o XX na Europa Ocidental.
Potencializado pela filosofia positivista na junção do discurso médico-jurídico, a criminologia vai
fundamentar a base do conhecimento sobre o crime e criminoso, influenciando diretamente nas
práticas do Estado e suas agências punitivas até os dias de hoje.
No Brasil, o saber criminológico estabeleceu-se no final do século XIX e influenciou
diretamente na construção do Código Penal de 1940, contribuindo para a incorporação da noção de
periculosidade do sujeito. A implementação do discurso criminológico sobressai ao Código Penal e
instaura uma nova normatividade na sociedade brasileira, que atravessou desde a escolarização, à
medicalização, por exemplo, acompanhada de refinadas estratégias de controle social (Rauter,
2003).
É nesse ponto que se estabelece a questão da criminalidade na criminologia tradicional. A
prerrogativa positivista de individualizar sintomas da chamada delinquência, de procurar dentro do
indivíduo os aspectos psicológicos e físicos que diferenciam o criminoso e o não-criminoso,
desconsidera aspectos econômicos, históricos, sociais, que determinam o que é o crime e aqueles
que vão ser alcançados pelo filtro do Estado penal (Bastista, 2012).
Dessa forma, diferentemente da criminologia tradicional, a questão criminal a partir da
criminologia crítica apresenta historicidade, interpreta as relações do Estado com os campos
econômico, político e social (Baratta, 2004). O Estado e as agências punitivas, manifestados na
concepção liberal burguesa, representam os interesses das classes dominantes, os protegem e
dirigem formas de criminalização para as classes subalternas.
Batista (2007) e Zaffaroni, Batista e Slokar (2003) problematizam a questão criminal
articulada aos processos produtivos de acumulação de capital e das práticas punitivas que encobrem
a conflitividade social. A questão criminal se relacionaria, então, com a necessidade de ordem de
uma determinada classe social em consonância à acumulação do capital, na qual, o Estado e as
28
agências punitivas vão gerir as “classes perigosas”. Batista (2003) relata o desenrolar desses
processos em diferentes épocas na história e nos oferece exemplos, como o sistema de exploração
feudal com a expulsão dos camponeses, o crescimento das cidades e mercados, novas e crescentes
necessidades de armamentos e mercadorias para empresa guerreira e as burocracias nascentes.
Trazendo para um contexto mais atual, é Wacquant (2003) quem demonstra como se dá a
relação da política econômica neoliberal e a ascensão do Estado penal nas décadas de 1980 e 1990
na América do Norte e em países emergentes. A recessão econômica, o desmonte da rede de
assistência social e o excedente de miséria implicaram em um redimensionamento do Estado das
agências punitivas para o gerenciamento das classes pobres por meio de políticas públicas precárias
que dão conta da questão social e práticas punitivas (Yamamoto, 2007).
O desmonte das políticas de assistência social e o progressivo deslocamento do sistema
penal para o centro das atuações políticas são marcas peculiares do neoliberalismo norte-americano,
e que respingam nos demais países da Europa e América-Latina (Wacquant, 2003). A ascensão do
Estado penal e policial, em lugar do Estado-providência, paulatinamente, construiu novas formas
de controle e vigilância dos pobres e das “classes perigosas’’, tendo como expressão emblemática a
política de hiperencarceramento no fim do século XXI.
Dessa forma, mais do que práticas punitivas, a gestão da miséria vai se utilizar de certos
saberes que servirão de base para a criminalização de certos grupos indesejáveis. Contudo, a
criminalização se distingue da criminalidade em si. Segundo Cruz (2014), a criminalização seria a
articulação de discursos preconcebidos sobre determinados sujeitos considerados propensos a
cometer determinados delitos a partir da raça, renda, enquanto que a criminalidade está mais
próxima das atitudes delituosas contra pessoas, ao patrimônio, por exemplo, caracterizando-se como
uma transgressão à lei e a responsabilização dos envolvidos (Baratta, 2005).
O discurso do medo é um tipo de saber utilizado em processos de criminalização,
disseminado em distintas épocas históricas e em determinados contextos. No caso do Brasil, os
trabalhos de Tomaz (2009) e Batista (2003) vão mostrar como o medo foi usado pelas classes
abastadas e brancas brasileiras para coibir as insurreições escravas no século XIX. O levante Malê,
ocorrido na Bahia, gerou uma onda de medo capaz de legitimar medidas violentas no âmbito da
justiça, da política e dos policiais contra toda a população negra e escrava, como por exemplo, a
pena de morte para qualquer ofensa física de escravo contra o senhor, o feitor ou seus familiares; a
punição com multa ou 4 dias de prisão aos donos de tendas, botequins ou tavernas que permitissem
a demora de escravos para as compras; a punição com prisão em se tratando de manifestações
culturais, os lundus, batuques e algazarras, e 8 dias de prisão a quem alugasse casas a escravos.
O Estado, a partir da narrativa do medo, identificaria as ameaças à sociedade e apontaria as
medidas cabíveis para a resolução desses conflitos. Tais narrativas foram úteis ao processo de
29
acumulação do capital da época, como forma de postergar a abolição da escravidão e garantir a
continuidade do lucrativo comércio de escravos (Tomaz, 2009).
Determinados saberes também vão fundamentar práticas de criminalização da pobreza,
incindindo principalmente na população jovem e negra. Para Coimbra e Nascimento (2003), os
discursos recaem sobre essa população por não estar inserida no mercado de trabalho e, por isso,
são descartáveis para o modo de consumo capitalista, estabelecendo-se, então, numa associação
entre periculosidade, criminalidade e não-humanidade inerentes à natureza desses jovens.
Aliado a isso, o discurso positivista, nosológico, encontra no indivíduo a essência da
delinquência. As características físicas (face, conjuntura ósseo craniana), comportamentais
(vadiagem, vivência do ócio) e da cultura (prática do samba, capoeira e mais recentemente o funk),
são usadas como justificativa para identificar os potenciais criminosos. Como exemplo desses
saberes científicos, têm-se a Antropometria, que fazia medições ósseas para comprovar a
inferioridade de determinados segmentos sociais, o Darwinismo Social com o aperfeiçoamento de
raças e a Antropologia Criminial, proposta por Cesare Lombroso, com a distinção do criminoso
nato e os perigosos sociais.
Na prática, esse processo de criminalização é bastante perceptível em abordagens policiais
em flagrante por meio da “atitude suspeita”, exemplificada empiricamente na tese de doutorado de
Marques de Jesus (2016). O agente policial teria a habilidade, o olho treinado para reconhecer
aquele sujeito que poderia ser um potencial criminoso, chamado de tirocínio policial. Os critérios
para a abordagem seriam os mais variados, baseados no que estaria “fora do lugar”, no “fora do
normal”, atentando para a idade do sujeito, vestimentas suspeitas, tatuagens, para os locais onde o
sujeito se encontrava no momento da abordagem (bairros periféricos, favelas), apontando para
marcadores sociais de raça e condição socioeconômica.
A criminalização e seletividade teriam marcas estruturais nas sociedades capitalistas, tendo
como ator importante nesse processo o Estado Penal. Essa realidade se confirma e apronfunda
quando em meio a crises econômicas, o avanço do Estado-mínimo, requisita do Estado penal por
mais vigilância, repressão das estratégias de sobrevivência dos sobrantes da lógica do capital,
levando a grandes levas de encarcerados (Wacquant, 2003).
Dito isso, a questão criminal do crime e criminoso relacionados ao Estado e os movimentos
do capital transportados para tempos atuais, fato recente no Brasil, ocorreu com a Copa do Mundo e
Olimpíadas nos anos 2013 e 2014. Naquele momento, houve uma desapropriação em larga escala
de casas populares, em vários estados brasileiros, para a construção dos estádios de futebol, além de
intervenções militares com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em algumas favelas
localizadas em pontos estratégicos do parque olímpico e do corredor hoteleiro, especificamente na
cidade do Rio de Janeiro.
30
Naquela época, o país vivia um momento de intensas manifestações populares em vários
estados da federação que destacavam a conjuntura política, na qual, esses megaeventos foram alvos
dessas manifestações. Além dessas manifestações serem reprimidas com extrema violência, chegou
a ser aprovado, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 2016/2015 que classificava como
terrorismo atos de manifestação nesses eventos, apresentando-se como um claro ato político do
Estado contra as manifestações, com o objetivo de velar a conflitividade e garantir os processos de
acumulação do capital com a realização dos eventos.
Os estudos de Santos de Moraes e Chaves de Moraes (2016) e Leal (2015) mostram que
para garantir a realização desses megaeventos houve um processo de criminalização sistemático dos
movimentos sociais, desempenhado pelo ordenamento jurídico na identificação dos opositores ao
sistema. O uso de intrumentos por meio dos mandados de prisão para aqueles que se opusessem à
ordem social, os projetos de leis, decisões judiciais, tendo como pano de fundo os grandes veículos
midiáticos, relevam a postura opressora e ideológica da função do Estado na criminalização de
certos grupos sociais que se rebelam contra o curso austero de acumulação do capital.
A questão criminal na Criminologia Crítica aparece associada a uma série de temáticas, em
tempos históricos distintos e contextos diversos. Para entender empiricamente essa questão, é
conveniente, nesse momento, fazer uma revisão dos seus estudos nos últimos cinco anos,
apesentando os principais temas que vêm sendo abordados, as áreas que apresentam maior número
de pesquisas, como também aquelas que apresentam escassez.
A revisão foi realizada na base de dados dos Periódicos Capes e Scielo, no perído entre
2013-2017, período escolhido com base no ano da redação desse trabalho, com os descritores
criminologia e criminologia crítica, nos quais, foram considerados artigos científicos, teses e
dissertações nacionais e em língua estrangeira, que tinham como objetivo geral a análise dos
fenômenos sociais a partir da Criminologia Crítica. Vale dizer que a Criminologia Crítica acabou
entrando como categoria porque abarca estudos de questões teóricas e filosóficas que não se
enquandram em nenhuma das demais categorias. Dito isso, com base nos objetivos e resultados, os
estudos foram submetidos à análise temática de conteúdo, identificados pela autoria/ano de
publicação e apresentados quantitativamente em ordem decrescente por meio da frequência de
estudos em cada categoria, como expostos na Tabela 01.

31
Fonte: Elaborado pelo autor.

Após a leitura inicial de um universo de 216 estudos, foram contabilizados 55 que tinham
como objetivo geral a análise dos fenômenos sociais a partir da criminologia crítica, categorizados
em 12 temáticas: criminologia crítica; sistema prisional e socioeducativo; gênero/feminismo;
violência; direito; análise das instituições; saúde mental; educação; mídia; migrantes; movimentos
sociais e população indígena. A seguir, será discutida cada categoria temática juntamente com uma
breve descrição dos estudos.
A categoria Criminologia Crítica possui o maior número de publicações (n=14) nestes
últimos cinco anos. A maioria dos estudos traz discussões teóricas e filosóficas sobre a
crimonologia mediante vários aspectos, além de contribuições de autores de outros áreas do
32
conhecimento.
Pátio (2017), Sá e Magalhães (2016), respectivamente, discutem a herança positivista na
criminologia crítica, mais especificamente nas teses de doutorado da Faculdade de Medicina da
Bahia (FAMEB). Zilio (2015) abarca a perspectiva histórica da criminologia positiva para entender
uma política criminal realista e alternativa para servir de base crítica ao direito penal na América-
Latina.
O trabalho interdisciplinar com outras áreas do conhecimento também aparece em alguns
estudos. Budó (2015) e Cappi (2014) trazem contribuições de Gramsci e Louvain à criminologia
crítica. Carlen (2015), a partir de textos de Pat Carlen que analisa da obra de Jock Young, indica a
relação ideológica na seleção de objetos de estudo na criminologia, destacando o urgente
desenvolvimento de uma criminologia crítica em tempos politicamente adversos. Noutro trabalho,
Sozzo e Fonseca (2014) realizam uma entrevista com o próprio Jock Young focando no presente
momento acadêmico da Criminologia Crítica e seu aporte teórico para o entendimento dos
fenômenos sociais atuais.
Outros estudos teóricos discutem conceitos diretamente ligados à Criminologia Crítica.
Beiras (2016) destaca os conceitos de violência estrutural, memória coletiva e dano social como
ferramentas fundamentais para restabelecer uma criminologia crítica global. Os autores Mello, et al.
(2015) trazem discussões sobre crenças inconscientes da estrutura etiológica, riscos subjetivistas de
recomposição da seletividade e reação social, estimulando uma reflexão metodológica da prática
investigativa na Criminologia Crítica. Giamberardino (2015) trabalha a crítica da construção social
dos conceitos de crime, desvio e crítica da economia política da pena, ponderando o futuro da
criminologia no Brasil. Já Filho e Oliveira (2014) investigam as concepções do delito penal na
formação do pensamento criminológico crítico materialista e seus institutos, tendo como base a
teoria do etiquetamento.
Nessa linha de estudos, algumas pesquisas trabalham conceitos da criminologia crítica
aplicada à realidade da América-Latina. Ojeda (2016) e Salo de Carvalho (2014) fazem uma análise
das políticas criminais alternativas contemporâneas e a atitude dos criminólogos críticos no
enfrentamento das graves e sistemáticas violações aos direitos humanos emergentes na era do
populismo punitivo. Discutem, assim, o exercício do controle social na criminologia crítica
remetendo a governos de esquerda na América-Latina. Já Ayos (2014) identifica as estratégias
teóricas utilizadas para construir formas de intervenção que colocaram em marcha as políticas de
prevenção social do delito na Argentina contemporânea. O autor problematiza, então, as teorias da
Sociologia positivista de Enrico Ferri, a escola de Chicago com os trabalhos de Frederic Thrasher e,
por último, os autores da chamada Criminologia Realista de esquerda nos trabalhos de Jock Young,
Roger Matthews e John Lea.
33
Em relação à categoria Sistema prisional e socioeducativo, de modo geral, os estudos trazem
discussões sobre a relação do Estado, instituições penais e grupos sociais (idosos,
crianças/adolescentes, mulheres), expondo suas realidades no contexto de aprisionamento, além dos
impactos econômicos neoliberais nos processos de seletividade, encarceramento e criminalização de
certos perfís. Ambos os trabalhos de Souza da Silva (2014) e Rudnicki (2014) mostram a violação
de direitos humanos institucionalizada na prisão, resultante da omissão do Estado e a conivência das
instituições públicas fiscalizadoras, que têm mutias vezes seus trabalhos sabotados, impedidos de
serem realizados. A dissertação de mestrado de Wacheleski (2015) mostra a realidade da situação de
encarceramento de idosos em Porto Alegre/RS, expondo a sobrecarga punitiva e cristalização de
suas características na instituição, semelhante aos estudos de Souza da Silva (2014) e Rudnicki
(2014).
Souza e Silva (2017), a partir da análise da implementação da política da infância e
adolescência no Brasil, especialmente no sistema socioeducativo vinculado a um Estado neoliberal,
expõem as influências do modelo econômico capitalista no projeto socioeducativo contemporâneo,
alertando para a necessidade de entender essas instituições e suas políticas de base por meio de um
sistema sociopolítico mais amplo. Matos (2016) apresenta o efeito neoliberal no sistema penal a
partir da análise sobre o trabalho prisional destacando suas ambivalências. Nessa direção, Sobrinho
(2014) investiga os impactos econômicos no sistema penal brasileiro, concluindo que as
transformações discursivas no campo das políticas criminais sofrem importantes interferências do
modelo econômico, modulando as práticas de encarceramento com interesses privados e aumento
dos índices de encarceramento, além da permanente seletividade da atuação do sistema penal.
Referindo-se às mulheres no contexto de aprisionamento, Cortina (2015) destaca as altas
taxas do aprisionamento feminino no Brasil e sua relação com o tráfico de drogas, no qual o perfil
das mulheres presas atende à seletividade do sistema penal do seguinte perfil de mulher: jovens,
mães, em vulnerabilidade social, com relatos de abuso de drogas e chefes de famílias
monoparentais. Carvalho e Mayorga (2017), tomando como referência a realidade local do estado
de Minas Gerais, problematizam conceitos de seletividade e controle das instituições penais, os
quais forjam naturalizações e encobrem processos sócio-históricos que contribuem para a captura de
determinadas mulheres e as condenam à privação da liberdade. No contexto Colombiano, na cidade
Bogotá, Amezquita (2015) discute as práticas punitivas cotidianas no presídio feminino, no período
de 1890-1929, nas quais a normatividade penal, a religião e controle social daquela época
convergem para um mesmo cenário contemporâneo.
Nessa linha de estudos, a categoria Gênero/feminismo traz pesquisas que dizem respeito à
condição da mulher dentro cárcere, além das nuances da constituição teórica de uma criminologia
feminista. Novaes (2017) e Samaranch (2017) sinalizam avanços metodológicos entre os campos da
34
Criminologia Crítica e feminismo através da intervenção penal em casos de violência de gênero.
Rodriguez (2017) aponta um possível marco conceitual sobre a situação de mulheres migrantes
encarceradas, a partir da sociologia das imigrações e a criminologia feminista. Calvo (2016)
introduz possíveis intersecções teóricas sobre as trajetórias de vida de mulheres encarceradas que
consomem drogas, indagando sobre a articulação da desigualdade habitual que se apresenta nesses
espaços com aspectos estruturais e individuais. Damasceno de Andrade (2016) traz elementos para a
construção de uma Criminologia Crítica de cunho feminista, assinalando a ausência das mulheres
nas produções científicas criminológicas; pontua considerações sobre o surgimento da criminologia
feminista que elabora críticas ao sistema penal, mas também atua no sentido de legitimá-la,
propondo a formulação de uma criminologia que acolha as experiências femininas sem, todavia,
clamar pela expansão do controle penal.
Os estudos da categoria Violência fazem uma análise dos homicídios em diferentes
contextos. Tavares et al. (2016), na cidade de Betim/MG, de 2006 a 2011, demonstram a associação
da vulnerabilidade social e homicídio, explorando dados da distribuição espacial das taxas de
homicídios segundo os índices de vulnerabilidade social e de qualidade de vida urbana. Moura e
Pilau (2015) apresentam dados de homicídios ocorridos na cidade de Pelotas, nos anos de 2012 e
2013, concluindo que as mortes produzidas demonstram a realização de um processo denominado
de “autofágico”, com a colaboração dos próprios presos que cumpre o papel solidário às instâncias
formais genocidas de controle punitivo institucionalizado. Numa outra linha de estudo sobre
violência, a dissertação de mestrado de Elias (2014) aborda a importância da implementação de
políticas públicas previstas na Lei Maria da Penha como possibilidade de coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher. Freitas (2013), munido de 200 documentos jurídicos
enquadrados na Lei Maria da Penha, revela as constituições subjetivas dos operadores do Direito e
suas intenções, discutindo criticamente os fundamentos básicos que orientam a cultura jurídica,
como igualdade de direitos, consenso, objetividade, neutralidade e transparência.
A categoria Direito apresenta estudos com discussões dentro desta área de conhecimento.
Alves de Freitas, Mandarino e Rosa (2017) e Carvalho (2016), numa abordagem crítica do
garantismo jurídico-penal, apresentam reflexões sobre a efetividade das garantias individuais, o
reflexo dessa problemática no acesso à justiça penal brasileira e a adesão ao garantismo que
representou uma resposta à crítica promovida contra o Movimento do Direito Alternativo.
Sepúlveda (2016) demarca teoricamente a criminologia crítica, a ciência política e o direito penal
para discutir o uso do poder em processos criminais através da mídia e modelagem da opinião
pública. Divan (2015) apresenta possibilidades de pontos de encontro do viés criminológico para a
conceituação da “justa causa para ação penal”, a fim de estabelecer pontos de encontro possíveis
entre a criminologia-crítica e a sistemática processual penal brasileira.
35
Análises mais pormenorizadas do poder judiciário, legislativo e da segurança pública, de
modo geral, aparecem na categoria Instituições. Nos estudos de Budó (2016a) e Budó (2016b),
através da apropriação do discurso médico pelo legislativo e judiciário no caso do amianto no Brasil
e no mundo, a autora aponta as tentativas de blindagem discursiva que ultrapassa a ciência a serviço
do capital. Pereira de Andrade (2013) problematiza o paradigma punitivo de segurança pública
vigente no Brasil e sua transformação, demonstrando a necessidade de ultrapassar conceitos
fundamentais e de senso comum que lhe dão sustentação: criminalidade (identificada com
criminalidade de rua e da pobreza), violência (identificada com esta criminalidade) e segurança
pública (identificada com segurança contra esta criminalidade). Gonçalves (2015) problematiza a
atuação seletiva das políticas no Brasil, correlacionando os índices de encarceramento com as taxas
de desemprego.
Os estudos em Saúde mental tratam da análise social dos transtornos mentais e substâncias
psicoativas. Guareschi e Weigert (2015) discorrem sobre a prática corrente de punir pessoas com
transtornos mentais no Brasil através das medidas de segurança, observando como estas práticas
estão até hoje estabelecidas no ordenamento jurídico brasileiro e como se constitui essa lógica
estatal que se volta àqueles que são considerados “loucos” e “infratores”. Silva (2015) analisa a
conformação do objeto da psicopatia e suas consequentes repercussões, e o estudo dos autores
Jurubeba, et al. (2016) debatem a descriminalização da maconha sob o enfoque da audiência de
custódia como ferramentas contra a prisão cautelar.
A categoria Educação traz discussões sobre o ensino da Criminologia crítica nos cursos de
Direito. Morais da Rosa (2015) se propõe a discutir a proposta de ensino conjunto de Direito,
processo penal, enquanto que Rocha e Noronha (2016) debatem o conteúdo e a pedagogia de ensino
do componente curricular criminologia crítica nos dias atuais, propondo revisões nas estruturas
curriculares nos cursos de Direito.
Os estudos que tratam da Mídia (Dias & Morigi, 2015; Azevedo & Fernandes, 2015) tratam
da segurança pública e a criminalização da juventude em jornais impressos. Já os estudos que
tratam das migrações na criminologia crítica, o estudo de Huerta (2017) aborda o massacre de
migrantes no México contemporâneo como exemplos de uma governabilidade “necropolítica” das
migrações na “mesoamérica”, manifestada nas disputas de controle territorial e crimes para aqueles
que desobedecem as leis de acesso e permanência no território norteamericano. Rojas (2016) busca
compreender o controle punitivo do Estado sobre os fluxos migratórios no Chile, denominado de
“crimigración”, e sua influência na regulação econômica pelo Estado em relação ao mercado de
trabalho.
Os estudos que tratam das manifestações sociais focam nas manifestações populares
ocorridas no Brasil nos anos de 2013 e 2014, época dos megaeventos sediados no país. Leal (2015)
36
analisa essas manifestações populares e os embates com as agências de controle social em
consonância com o projeto de poder burguês-classista, retomando o conceito de criminoso por
Alessandro Baratta. Nessa perspectiva, Moraes e Moraes (2016) ressaltam a criminalização dos
movimentos sociais para garantir os megaeventos sediados no país e suas funções do ordenamento
jurídico, correlacionando-o com o processo de identificação de opositores ao sistema.
Finalmente, os estudos que tratam da temática indígena abordam os conceitos de dano social
e ambiental associados com a indústria da palma no Pacífico Sul colombiano em terras habitadas
por comunidades indígenas e afro colombianas (Mol, 2016), enquanto que a pesquisa de Santelli e
Brito (2014) aponta a estigmatização, rotulação, marginalização e a criminalização dos Indígenas do
Mato Grosso do Sul.
A partir da revisão de literatura, podemos observar a diversidade de temas trabalhados pela
Criminologia Crítica. A questão criminal nos estudos aparece nas várias formas de criminalização
em tempos históricos e contextos específicos e, também, em diversos atores sociais, como os
indígenas, os movimentos sociais, as mulheres, a juventude negra e pobre, etc. Embora apareçam
estudos que dão conta das agências punitivas e os aspectos que envolvem o aprisionamento, são
perceptíveis os escassos trabalhos com ênfase no sistema socioeducativo e que tratam das facções
como produto das prisões. Nesse sentido, no tópico seguinte serão discutidas, com base nos
referenciais da Criminologia Crítica, as facções no Brasil como produto da política de
encarceramento em massa e sua relação com o Estado na produção da violência.

1.2. A relação do Estado com o Crime na produção de violência: as facções como produto
da política de encarceramento
Para Batista (2003), a prisão nas sociedades capitalistas contemporâneas exercem efeitos
contrários à reeducação e reinserção social do condenado. Na Revolução Industrial os dispositivos
de controle para os contingentes de miseráveis selecionavam sujeitos para o seu disciplinamento e
assujeitamento, no qual, a prisão ligada à fábrica “se converte na principal pena do mundo
ocidental” (Batista, 2003, p.26).
A prisão reproduz a realidade social e aprofunda a desigualdade social. Historicamente, a
prisão e o sistema penal foram concebidos como instrumentos para o controle dos “desviantes”, que
além do adestramento da mão de obra desqualificada, seria “a de uma máquina de infligir dor para
certos comportamentos entre certas classes sociais e também entre os resistentes de cada ordem
social” (Batista, 2011, p.91).
No contexto brasileiro, as “facções criminosas” 1 são produtos do sistema carcerário,

1
O termo “facções criminosas” foi colocado entre aspas de forma a problematizar o conceito de facções próximo ao
37
resultantes de uma política de encarceramento em massa (Bastista, 2011). Este autor aprofunda o
conceito de crime organizado e o apresenta como uma categoria ainda difusa que carece de uma
maior objetividade. A demarcação dos limites da conceituação crime organizado aparece em razão
da grande pluralidade de agentes, que surgem e desaparecem em tempos e contextos históricos
distintos, como também das condutas lícitas e ilícitas que se mesclam, principalmente daquelas
pouco consideradas pela grande mídia e chamada de “delinquência organizada”, aquela que existe
em simbiose à atividade lícita, atuante nas sociedades contemporâneas e que se refina com o passar
dos anos.
Tal distanciamento entre “crime organizado” e “facção criminosa” decorre de um aspecto
qualitativo e não quantitativo referente a tipos de práticas delituosas, lucros centrais no interior
desses grupos (Shimizu, 2011). Essas práticas disseminadas massivamente pelos meios de
comunicação de massa, absorvidas pela população geral e captadas pelo filtro seletivo penal,
possuem recortes étnicos, socioeconômicos e históricos nem sempre percebidos, mas a que se deve
dar a devida atenção ao serem analisados. A este respeito, Lima (2008) e Biondi, (2017) comentam
o seguinte:
No que diz respeito ao crime organizado, entende-se que esta terminologia não pode ser
aplicada ao fenômeno que ocorre no sistema prisional brasileiro, em especial o paulista. O
que existe no país são facções ou organizações criminosas que, apesar de demonstração de
força, logística e extensão de domínio, não vêm a estabelecer características suficientes para
se enquadrar naquela categoria. Some-se a isso as dificuldades em se obter uma definição
unívoca em território nacional, onde os estudiosos do assunto emitem juízos de valor
pessoais acerca do assunto, geralmente na expectativa de que seu posicionamento seja mais
absorvido como regra em comparação às outras concepções sobre o tema (Lima, 2008,
p.246).

A característica mais marcante do PCC é que sua presença não está atrelada à de seus
integrantes. Ele não se restringe à soma de seus membros. Uma prisão onde não há “irmãos”
(membros do PCC) pode, mesmo assim, ser uma “cadeia do Comando” e ter o PCC atuando
intensamente ali. Isso torna inadequado o conceito de “crime organizado” – intimamente
relacionado a uma composição de indivíduos em torno de negócios ilícitos – para lidar com
o PCC (Biondi, 2017, p.558).

conceito forjado de crime organizado demasiadamente utilizado pela grande mídia, presente no imaginário social e até
mesmo em algumas pesquisas científicas como grupos bastante organizados, que desafiam o Estrado democrático de
direito, deliquentes irrecuperáveis, responsáveis por toda a corrupção e violência existente no país, como expõe
Zaffaroni (1996).
38
Para Masi (2014), historicamente há dois modelos de crime organizado, o primeiro de
característica nacional em relação a etnias estrangeiras (estruturado no modelo americano e europeu
do sistema capitalista globalizado), e outro inspirado no discurso italiano, que tem origem na máfia
siciliana. O modelo americano tem origem nas instituições de controle social e tem como atuação a
produção de estigmas a grupos étnicos (naquela época os italianos eram o principal alvo), por meio
do discurso de que o comportamento criminoso não seria uma característica da comunidade
americana, mas sim dos estrangeiros. Já a referência de organização criminosa italiana (máfia
italiana), o estigma dirigia-se ao camponês em luta contra o latifúndio e como característica
marcante a sua inserção no circuito financeiro internacional para lavagem do dinheiro do tráfico de
drogas.
Em virtude das modernas tecnologias com o vasto campo das condutas delitivas conhecidas
tradicionalmente, Zaffaroni (1996) situa a noção de crime organizado no âmbito econômico, como
resultante do própria dinâmica do mercado na economia capitalista. Descartando qualquer
associação ao estereótipo do mafioso, traficante, o autor explica que o crime organizado é um
fenômeno de “mercado desorganizado”, ou indisciplinado, que se abre à disciplina produzida pela
atividade empresarial lícita ou pouco lícita. Essas organizações cumpririam a função econômica de
ocupar espaços do capitalismo que carecem de regulação, disciplinando-o, quanto a atividades que
o Estado não se ocupa.
Nessa direção, Masi (2014) também analisa a criminalidade organizada inserida no contexto
da globalização por meio de recentes alterações político-criminais sobre o tratamento das novas
modalidades delitivas, fugindo da “delinquência” como uma questão marginal. A criação de zonas
de livre comércio em todo o mundo produziria a fluidez econômica das fronteiras necessárias de
redução de controle pelo Estado, permitindo que grupos criminosos aproveitassem as brechas que o
novo espaço mundial impõe. A esse respeito o autor comenta:

O abandono do controle cambial, com a dinamização das trocas cambiárias; a


abertura dos sistemas financeiros, em razão das conversões cambiais livres; o
aumento da competitividade internacional, facilitando a aceitação dos agentes de
transações pouco discretas; e a informatização do sistema são reformas financeiras
que determinaram o aumento da complexidade das práticas ilícitas a partir da década
de 90 do séc. XX, com a lavagem de capitais aparecendo como complemento natural
e necessário dessas atividades (Masi, 2014, p.172).

Por conseguinte, a ausência de um poder regulador no plano internacional agravaria as


dificuldades do enfrentamento dessa criminalidade específica gerada pela globalização. Surge então
39
o mercado de bens e serviços ilegais que coexiste com o mercado legal, no qual, economicamente a
ilicitude de determinadas mercadorias agregam valor a elas e ao seu mercado como um todo e
estruturalmente a organização criminosa adquire grande capacidade adaptativa às demandas do
mercado para explorar campos diversos, como o tráfico de armas, drogas, pessoas, a pedofilia, etc.,
em que a globalização e integração econômica “geraram a aparição de uma nova concepção do
delito, centrada particularmente nos elementos de organização, transnacionalidade e poder
econômico, completamente distintos da ideia de delinquência como fenômeno marginal” (Masi,
2014, p.172).
Nessa direção, Batista (2011) chama a atenção para o fortalecimento das facções como
resultante dos estreiros laços da política econômica neoliberal com o processo de encarceramento
em massa. O resultado da legitimação da cultura da “prisionização” no Brasil, juntamente às más
condições de abrigamento, torturas sistemáticas dos agentes do Estado, consiste na formação e na
consolidação das ditas facções dentro dos presídios. Consoante com a autora, no presente estudo,
quando nos referirmos às facções, estaremos aludindo a esses grupos formados dentro do sistema
carcerário brasileiro.
Dessa forma, são as prisões, a partir da realidade do sistema carcerário brasilero, que
produzem as facções criminosas. Os exemplos mais emblemáticos são o Comando Vervelho (CV),
na década de 1960 e 1970 e o Primeiro Comando da Capital (PCC), na década de 1990.
O dossiê sobre as facções criminosas em território nacional (Lacerda, 2017) mostra que cada
estado da federação tem pelo menos um grupo organizado atuando dentro das prisões. A Família do
Norte (FDN) na região amazônica, o Primeiro Grupo Catarinense (PGC) e mais recentemente, o
Sindicato-RN, “Sindicato do Crime” no estado do Rio Grande do Norte, são exemplos de grupos
emergentes dentro das prisões com a finalidade inicial da boa convivência entre os presos, o
controle da violência fora dos presídios e o domínio do tráfico de drogas.
As facções no sistema penitenciário, e mais recentemente no sistema socioeducativo, podem
ser explicadas também atráves das políticas econômicas e seletividade do Estado penal (Wacquant,
(2003), potencializado pelas políticas de segurança pública adotadas pelo Estado brasileiro nas
décadas de 1990 e 2000, com ênfase para o estado de São Paulo. Dessa forma, o surgimento e
expansão das facções devem também ser compreendidos como efeitos das opções políticas do
Estado que as produzem e reforçam (Dias, 2017; Júnior, 2014; Feltran, 2012; Batista, 2011).
Dias (2017) apresenta os atores estatais que estão diretamente responsáveis pela atual
situação do sistema carcerário e, como consequência, a produção das facções:

Aqueles atores responsáveis por formular as leis com vistas a punir determinados segmentos
da população, intensificando a penalidade para determinandos tipos penais em detrimento de
40
outros, ao mesmo tempo em que não se efetiva penalidade alguma para o descumprimento
pelo próprio Estado de prerrogativas constitucionais das quais a população prisional é
portadora [...] outra parte desses atores é responsável direta por deter a prerrogativa não só
de impor a permanência nas prisões aos indivíduos que lá se encontram, mas, ainda, de
mantê-los presos sem julgamento – caso de uma parte expressiva da população carcerária
[...] uma terceira parte dentre esses atores é responsável direta pela precariedade,
insalubridade, pela violência imposta dentro dos estabelecimentos, pelas péssimas condições
desses locais, pela promiscuidade e pela corrupção em larga escala que envolve as práticas
dentro e fora das unidades prisionais (nas licitações para obras, alimentação, itens de higiene
etc.) (Dias, p.5-6).

A autora refere-se, nessa passagem, à atuação dos legisladores, juízes e dos administradores
das prisões. A atuação conjunta desses três segmentos é central e articula-se com outros segmentos
estatais – polícia militar, polícia civil, ministério público – e outros não estatais como a mídia, com
espetacularização da violência que forma o imaginário social, constituindo uma engrenagem de
muitas décadas.
Como exemplo mais concreto da atuação desses atores, que será mais detalhada a seguir,
podemos citar: 1. Encarceramento em massa da população pobre, negra e jovem.; 2. Precarização
do sistema penitenciário; 3. A construção de presídios no interior dos estados, 4. Intercâmbio de
presos entre cidades e estados, 5. A não regulamentação de algumas drogas.
Há diferenças importantes entre os estados brasileiros sobre o encarceramento massivo,
trabalho da justiça, as políticas estatais em segurança pública, que culminam na expansão das
facções. Porém, esta expansão das facções no sistema penitenciário, o fortalecimento da sua atuação
em direção ao interior dos estados e a dimensão nacional alcançada possui um marco histórico que
precisa ser resgatado e enfocado que se confunde com as políticas que foram implementadas nos
estados do Rio de Janeiro e São Paulo, ao menos nos últimos vinte anos.
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciarias – Infopen (2014),
o perfil da população carcerária brasileira é composto majoritariamente por jovens entre 18 e 29
anos, 61,6% de negros, aqueles que respondem ou foram condenados por crime de tráfico de drogas
com 28%, outros, 25% por roubo, 13% por furto e apenas 10% por homicídio. Essa juventude
lançada à criminalização em virtude das estratégias de sobrevivência do comércio varejista de
drogas, estereotipado, legitimado pela mídia como criminoso e organizado, são, então, as grandes
massas que superlotam o sistema carcerário brasileiro.
O Brasil conta com uma população carcerária de um pouco mais de 622 mil e 1.436
unidades prisionais (INFOPEN, 2014). Contrariando a tendência das grandes potências econômicas
41
mundiais na redução do contingente carcerário, houve aumento exponencial de 232.755 presos no
ano 2000 para 622.202 em 2014, figurando na quarta colocação entre os países com maior número
de apenados e com um sistema carcerário dos mais precários.
Dados do Ministério da Saúde, do ano de 20162, avaliam que a taxa de mortalidade criminal
(óbitos resultantes de crimes) das pessoas privadas de liberdade é de 95,23 por 100 mil habitantes,
enquanto que entre a população em geral, a taxa era é de 29,1 mortes por 100 mil habitantes. Os
dados acima das médias nacionais se repetem com a tuberculose (chance 28 vezes maior do que a
população em geral) e HIV/AIDS com prevalência de 1,3% por 100 mil habitantes, enquanto entre
a população em geral era de 0,4%.
Contudo, o aparente sucesso do grande encarceramento não diminuiu a violência na
sociedade e, por outro lado, potencializou os seus efeitos com a produção das chamadas facções
criminosas. Segundo estudo feito pelo Deutsche Welle Brasil em 2017 3 , com o levantamento e
cruzamento de relatórios de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), mapeamentos
divulgados por estudiosos do tema, dados dos serviços de inteligência da Polícia Federal e
secretarias de segurança pública estaduais, concluiu que há, pelo menos, 83 facções existentes no
país disputando poder dentro das prisões e o monopólio do tráfico de drogas em suas regiões.
Vale apenas salientar que, desde o fim dos anos 1970, começaram a surgir nas prisões
brasileiras grupos que passaram a controlar a população carcerária. No caso do estado do Rio de
Janeiro, vários grupos como Falange Jacaré, Falange Coréia etc. formavam-se pela a união dos
presos de forma a resistir às sistemáticas torturas e precárias condições das prisões; porém, a
convivência entre os presos políticos e os presos comuns permitiu uma maior organização e união
entre os presos, ausentes noutros grupos. Começavam-se aí os primeiros contornos do CV (Lima,
2011).
Não nos aprofundaremos aqui especificamente sobre o CV, pois, não identificamos sua
presença no sistema socioeducativo do RN. O aprofundamento será dado ao PCC posteriormente.
Fato importante ocorreu na década de 1980 com a migração das cadeias para os morros
cariocas. Dias (2017) explica que esse evento possibilitou ao CV organizar o comércio varejista de
drogas no Rio de Janeiro, assumindo uma dinâmica ainda não encontrada no controle do território
das favelas daquela cidade. O controle passou a ser efetivado por grupos armados contra grupos
rivais, bem como nas disputas com as polícias, o que provou uma corrida armamentista presente até
os dias de hoje.
No estado de São Paulo, ao fim da década de 1980 e início de 1990, a violência criminal

2
Disponível em: http://www.justica.gov.br/noticias/populacao-carceraria-brasileira-chega-a-mais-de-622-mil-detentos
3
Disponível em: http://www.dw.com/pt-br/brasil-tem-pelo-menos-83-fac%C3%A7%C3%B5es-em-
pres%C3%ADdios/a-37151946
42
continuava a aumentar e as condições precárias do cárcere eram problemas a serem enfrentados.
Neste momento, foi criada uma série de medidas como: a criação de um Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD); a agilidade nos processos criminais; a construção de novas plantas de prisões
antirrebelião; o reforço aos Centros de Detenção Provisória e a equiparação do tráfico de
entorpecentes a crime hediondo (Feltran, 2012).
A respeito deste último, a lei tornava inafiançáveis os crimes de sequestro, estupro e tráfico
de drogas. Segundo Redígolo (2012), a lei agravou o encarceramento em massa por inserir os
indivíduos no regime fechado por um tempo muito maior e por enquadrar novos crimes na
categoria.
Contudo, foi a implementação de um programa de construção de novos presídios no interior
do estado, que provocou o encarceramento massivo da população, e também a distribuição
geográfica das prisões foram o terreno fértil para a constituição do PCC (Júnior, 2014; Redígolo,
2012). O processo de interiorização das unidades prisionais tinha como objetivo resolver ou
diminuir a tensão concentrada na capital, o problema da superlotação dos presídios e a possibilidade
de “humanização” das condições do cárcere.
A tentativa de “humanização” do sistema carcerário foi acompanhada da transferência das
funções prisionais da Secretaria de Segurança Pública (SSP) para a Secretaria de Administração
Penitenciária (SAP). No SSP os presos eram tutelados pela polícia civil em locais inadequados (as
cadeias, delegacias, etc.) com a iminência de rebeliões, já a SAP construiu unidades prisionais mais
adequadas no interior do estado e treinou os profissionais concursados para lidar com os presos e
que não eram policiais.
Dias (2011) mostra como esse momento aconteceu na prática:

No caso da gestão Covas, em que pese seu comprometimento com a contenção dos
abusos das forças de segurança, a orientação política mais “humanista” esteve
fortemente atrelada a uma política de expansão de vagas no sistema prisional, com
impactos importantes na sua conformação social e nos problemas que adviriam desse
conjunto de elementos (DIAS, 2011, p. 97).

A expansão do sistema não foi acompanhada da humanização que prometia. A SAP agia “a
partir de uma diretriz de controle do abuso de poder dos guardas sobre os presos [...] em momentos
de crise como nas rebeliões, a ideia de humanização era sempre a primeira a ser esquecida” (Dias,
2011, p.98).
A iniciativa de interiorização ganhou força e celeridade com o Massacre do Carandiru,
ocorrido em 2 de outubro de 1992, que teve a execução de 111 presos durante a ocupação policial.
43
Esse momento é considerado emblemático e fundamental na concretização de dois marcos na
segurança pública. O primeiro deles é a emergência da fundação do PCC em 1993 em resposta ao
massacre e, o segundo, a mudança tanto nas políticas estatais, quanto nas políticas de gestão da
violência produzida pelo crime em São Paulo (Feltran, 2012).
Em 1997, no governo Mário Covas, é lançado o Programa Estadual de Direitos Humanos –
PEDH, que abrangia o sistema penitenciário. O plano visava resolver o déficit de vagas prisionais
com a construção de estabelecimentos prisionais, que incluía a redução da quantidade de presos
recolhidos em distritos policiais e cadeias públicas do estado de São Paulo:

O panorama que se visualizava levava à certeza de que se fazia urgente reduzir,


drasticamente, o déficit de vagas prisionais existente, com a criação de vagas tanto para
presos provisórios quanto para condenados (nos regimes fechado e semiaberto). Posto isso,
para presos que aguardavam julgamento foram criados os Centros de Detenção Provisória;
para os condenados no regime fechado mais penitenciárias e, para os condenados no regime
semiaberto os Centros de Progressão Penitenciária e os Centros de Ressocialização.
(Rodrigues, 2011, p.8).

Ainda segundo Rodrigues, (2011), os governos de Mário Covas e de Geraldo Alckmin


criaram juntos mais vagas no sistema penitenciário do que os 100 anos anteriores. Em números,
foram criadas mais de 70.000 novas vagas no sistema penitenciário, enquanto que dos anos 1947 a
1994, somam 18.770. Ao todo, são 104 unidades espalhadas pelo interior do estado.
A sensação de segurança da população não diminuiu com as sucessivas medidas tomadas na
área da segurança pública que obtém como resposta novamente a construção de novas unidades. A
esse respeito, Dias (2011) comenta:

O ritmo vertiginoso de construção de presídios em São Paulo, especialmente após o ano de


1998 e acentuando-se a partir de 2001, só foi possível com a liberação de vultosas verbas
federais destinadas, o que pode ser compreendido a partir da centralidade na transição do
primeiro aos segundos governos de Covas e de FHC. Essa centralidade estava ligada à
profunda instabilidade do sistema, provocada pelas fugas diárias, pelos resgates
cinematográficos, pela ampliação das rebeliões e motins, e do alto número de presos mortos
que lhe é resultante (DIAS, 2011, p.128).

Feltran (2012) comenta que todo esse episódio de construção de novos presídios e
interiorização destes, tem como efeito suprimir da cena pública o conflito que o estrutura; “De um
44
lado, saciava-se a demanda por punição dos pobres, vistos como causa da desordem; de outro,
atendia-se à demanda difusa por modernização da segurança, eivada pelas palavras de direitos e
cidadania” Feltran (2012, p.239).
A demanda cada vez maior por encarceramento da população correlaciona duas variáveis, o
aumento das prisões e, consequentemente, a diminuição da violência. Essa correlação bastante
presente no imaginário social e também na grande mídia de massa, não leva em consideração os
abismos socais existentes, o desmantelamento da rede de assistência social, a seletividade do Estado
penal, como as políticas repressivas estatais que são fundamentais nos índices de violências e
extermínio de uma população jovem, pobre e negra, que são os sobrantes do consumo na economia
capitalista. Este grupo, embora seja quem sofra com a violência, é muitas vezes eleito o inimigo
interno a ser combatido.
A construção de unidades carcerárias em pequenos municípios no interior dos estados
geralmente não considera o que uma prisão significa para o município que a recebe. A unidade
prisional pode impactar diretamente na assistência social, na saúde, na segurança etc., gerando
ainda tensões que excedem à capacidade local de gerenciar os conflitos.
É esperado que a instalação de um presídio num município, muitas vezes rural e pacato,
provoque um novo padrão de comportamento na vida das pessoas. O aumento populacional com o
contra fluxo de pessoas advindo da capital agora para o município, a rotina dos dias de visita, ou
mesmo, efeitos estruturais com a sobrecarga da rede de esgoto da cidade podem ser fatores que
causem certa resistência por parte da população (Sinhoretto, Silvestre & Melo, 2013).
Júnior (2014) avalia que a opção política para o recebimento de unidades prisionais nos
municípios do interior do estado teve sustentação por causa da estagnação econômica. A instauração
das unidades coincide com as áreas mais pobres no interior do estado, pouco conectados às
demandas e fluxos econômicos nacionais e internacionais.
Ainda segundo o autor, havia a necessidade de conseguir adesão dos prefeitos dos pequenos
municípios. Parte dos prefeitos de municípios estagnados economicamente consideraram que a
nova realidade pudesse ser um gerador de emprego, renda e outros benefícios.
Santos (2014) aponta a necessidade de estabelecer critérios para definir a cidade que irá
receber um presídio. Seguindo as Diretrizes Básicas para construção de estabelecimentos penais,
editado pelo Ministério da Justiça, em 2006, o autor sugere os seguintes critérios:

A facilidade de acesso; A presteza das comunicações e a conveniência


socioeconômica, ou seja, o aproveitamento dos serviços básico e de comunicações
existentes (meios de transportes, rede de distribuição de água, de energia e serviço de
esgoto) e das reservas disponíveis (hídricas, vegetais, minerais), bem como as
45
peculiaridades do entorno; Não devem ser situados em zona central da cidade ou em
bairro eminentemente residencial; Deverão ser localizados de modo a facilitar o
acesso e a apresentação dos processados em juízo; As áreas metropolitanas e os
centros regionais deverão ser prioritários na escolha de locais para construção de
estabelecimentos penais de maior porte (Santos, 2014, p.33).

Tendo as cadeias do estado de São Paulo como espaço de criação, o PCC surge no ano de
1993, como plano para apoderar-se do presidio Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, o Piranhão.
Fato curioso é que antes de se autodenominar uma facção, a organização era um time de futebol de
nome “Comando Capital”, pois seus representantes eram os únicos vindos da cidade de São Paulo
capital, assim chamados de “os da capital”. O PCC se apresenta então, através de um estatuto bem
definido, organograma complexo e hierarquizado, a facção tem abrangência nacional (Furukawa,
2008; Marques, 2010) e, ao passo dos anos, avança sobre os presídios do Norte e Nordeste
brasileiro agravando as disputas com as facções locais pelo controle do tráfico de drogas.
Para a emergência dessa facção Dias (2011) aponta como ponto de partida a precariedade do
sistema penitenciário. A negação de direitos, sobrevivência em condições subumanas, as constantes
torturas pelos agentes do Estado, as consequências do massacre do Carandiru deram sustentação ao
discurso do PCC para a união dos presos a objetivos comuns e formação de redes de solidariedade.
Além disso, o encarceramento em massa, a alocação das lideranças políticas num único local a
partir da SPF e a transferência de lideranças para outros estados foram as principais políticas
estatais no âmbito da segurança pública que contribuíram para expansão e consolidação do PCC.
Essas medidas de segurança serão mais bem descritas posteriormente.
Contudo, Nagashi Furukawa, ex-secretário de Segurança Pública e ex-secretário de
Administração Penitenciária do estado São Paulo, aponta aspectos positivos na distribuição de
presos para outros presídios, como explica em entrevista:

Quando não havia certeza de “quem era inimigo de quem” dentro dos presídios e entre as
facções, ocorria um maior número de mortes. No momento em que os grupos se tornaram
mais facilmente identificáveis e foram separados, levados para penitenciárias diferentes, o
número de embates entre eles diminuiu e, consequentemente, o número de homicídios
também caiu. Mas há um outro dado também importante a ser mencionado e que diz respeito
à separação que fizemos dos presos por tipos de crime. Os autores de crimes sexuais foram
separados e levados para três ou quatro presídios diferentes. A partir daí, quase não houve
mais homicídios de autores de crimes sexuais nas penitenciárias de São Paulo. Antes, eles
ficavam junto aos outros presos, mas depois passaram a ser “protegidos”, digamos, em
46
penitenciárias específicas. Além disso, o fato de procurar separar de forma muito clara quem
é de uma facção criminosa de quem é de outra trouxe bons resultados. Houve quem dissesse
que isso era “reconhecer oficialmente a existência das facções”; e eu retrucava: “não é
melhor reconhecer o que obviamente existe e, com esse reconhecimento, evitar a
consequência mais grave de todas: os homicídios dentro das prisões?”. Todas essas medidas,
enfim, melhoraram o funcionamento dos presídios. Ou seja, o trabalho de gerenciamento
entre as áreas da Secretaria da Segurança Pública e da Secretaria da Administração
Penitenciária foi um pouco mais afinado, o que contribuiu, a meu ver, de forma significativa
para a queda no número de homicídios, embora, nem de longe, tenha sido a principal causa,
mas que contribuiu, contribuiu. (Furukawa, 2008, p.40)

Como dissemos anteriormente, outros acontecimentos de ordem social, política e econômica


foram responsáveis também para a expansão e consolidação do PCC dentro e fora do sistema
prisional. Dias (2017) se refere a dois acontecimentos especificamente, que são os eventos
ocorridos em 2001 – a megarrebelião – e os ataques às forças de segurança do estado em 2006. A
respeito das rebeliões ocorridas em 2001, as reportagens da época noticiavam a megarrebelião da
seguinte forma:

Uma rebelião simultânea em 24 presídios de São Paulo deixou ontem pelo menos 8 mortos e
22 feridos. Cerca de 27 mil presos – quase a metade dos 60 mil condenados que cumprem
pena no Estado – começou a dominar, por volta das 12h, penitenciárias em 19 cidades. Foi a
maior rebelião na história do país [...] O motim estourou primeiro em seis penitenciárias, a
maioria na capital. Os 7.200 presos da Casa de Detenção e 2.500 da Penitenciária do estado,
ambos no Carandiru, assumiram o controle dos pavilhões e mantiveram funcionários e
familiares de detentos reféns [...] Em série, outros presídios foram estourando a partir disso.
A revolta surpreendeu o governo do estado, que mantinha a PM de prontidão por causa das
transferências. "Nunca tínhamos tido rebelião em dia de visitas. Eles não respeitaram as
visitas", disse o secretário Nagashi Furukawa, da Administração Penitenciária. 4 (Folha de
São Paulo, 19 de Fevereio, 2001)

Não há notícia de uma rebelião tão grande registrada na história penal brasileira. Cerca de 25
mil detentos espalhados em todo o estado de São Paulo se rebelaram por mais de oito horas
em um protesto organizado pelo Primeiro Comando da Capital, quadrilha que age dentro das

4
Recuperado em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1902200101.htm
47
penitenciárias paulistas [...] No Carandiru, maior penitenciária da América Latina e segunda
maior cadeia do mundo, mais de oito mil presidiários fizeram mais de sete mil pessoas como
reféns. Entre os reféns, estavam perto de 1750 crianças, diversos agentes penitenciários e até
mesmo a cantora Simony que, grávida, foi visitar o marido, o rapper Afro-X5 (Portal Terra,
18 de fevereiro, 2001)

O Brasil viveu, a partir do meio-dia de domingo (duas da tarde em Lisboa), até ao começo
da tarde de ontem, o maior motim da sua história penitenciária, marcada por grandes,
trágicas e constantes rebeliões. Nenhum, porém, se assemelhou a este, que envolveu 29
prisões de 19 cidades do estado de São Paulo, e que tinha como única reivindicação o
cancelamento da transferência, para cadeias no interior do estado, de cinco líderes do
Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa que pretende dominar – e,
aparentemente, domina – a população carcerária de São Paulo [...] A transferência dos
líderes do PCC foi determinada pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo
precisamente para tentar conter a crescente influência dessa organização no comando da
vida carcerária do estado. Por isso, o governador em exercício de São Paulo, Geraldo
Alkmin (o titular, Mário Covas, está de baixa para o tratamento de um cancro), avisou, logo
no início da rebelião, que a reivindicação do Primeiro Comando da Capital não seria
atendida 6 (Público, 20 de fevereiro de 2011)

Como se pode ver nas reportagens, as rebeliões do ano de 2001, episódio conhecido como a
“a megarrebelião”, foram as maiores já realizadas no país até então. Foram 24 presídios de São
Paulo, em 19 cidades do estado, com a mobilização de pelo menos 25 mil presos.
Esse evento se constitui um marco importante para a facção, uma vez que traz o seu
reconhecimento, em nível nacional, com a demonstração de atuação para fora dos muros do cárcere.
Frente a esse evento, a principal e única resposta do governo foi a criação e construção de uma
penitenciária para o cumprimento da pena no regime do RDD.
O RDD está inscrito no Artigo 52 da Lei N°7.210 das execuções penais e se caracteriza pelo
rigor disciplinar. Dentre algumas características desse regime, como exemplo, inclui-se o
isolamento de 23 horas diárias e 1 hora de banho de sol, etc. Logo em seguida, transcrevemos a
literalidade desta lei:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando

5
Recuperado em: https://www.terra.com.br/noticias/especial/pcc/pcc3.htm
6
Recuperado em: https://www.publico.pt/2001/02/20/jornal/dominado-o-maior-motim-da-historia-do-brasil-154949
48
ocasione subversão da ordem ou disciplina interna, sujeita o preso provisório, ou condenado,
sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes
características: (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por
nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; (Incluído pela
Lei nº 10.792, de 2003)

II - recolhimento em cela individual; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
(Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. (Incluído pela
Lei nº 10.792, de 2003)

§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou


condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança
do estabelecimento penal ou da sociedade. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o


condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a
qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando. (Incluído pela Lei nº
10.792, de 2003).

Em relação ao evento que ocorreu em 2006, Dias (2007) comenta que é a partir daí que se
tem uma condição favorável para a expansão do PCC para outros estados brasileiros, num processo
de nacionalização das atividades econômicas, dos discursos e das práticas. Vejamos como as
reportagens da época noticiaram esse evento:

Maior ataque do PCC faz 32 mortos em SP. No maior ataque já realizado contra as forças de
segurança de São Paulo, a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) provocou a
morte de 32 pessoas, feriu gravemente outras 32, bombardeou delegacias, metralhou carros e
bases da Polícia Militar e de Guardas Municipais, e ainda promoveu 22 rebeliões em
presídios da Grande São Paulo e do interior do estado. Os atentados e motins começaram
49
sexta-feira, logo após o governo de São Paulo finalizar a transferência de 765 detentos,
subordinados aos líderes do PCC, para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (620 km de
SP), transformada em uma prisão especial para os membros da facção criminosa 7 (Folha de
São Paulo, 14 de Maio, 2006).

Ataques do PCC deixam pelo menos três policiais mortos em SP. Dois policiais civis e um
militar foram mortos nesta noite na capital paulista em uma série de ataques atribuídos à
facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Os atentados foram uma resposta à
transferência de líderes da facção para São Paulo e de 765 criminosos perigosos de várias
prisões do estado para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. Até as 23h, foram
registrados 12 atentados contra alvos da polícia, com três mortos e cinco feridos na capital e
Grande São Paulo. Os alvos foram delegacias, bases e viaturas das Policiais Civis e
Militares. Os alvos das Polícia Civil foram as seguintes delegacias: 55.º DP (Parque São
Rafael); 58.º DP (Vila Formosa); 74.º (Parque Taipas) e Delegacia Central de Barueri” 8
(Estadão, 12 de Maio, 2006)

São Paulo volta à calma; saldo dos 251 ataques do PCC é de 115 mortos. A cidade de São
Paulo começou a voltar à normalidade nesta terça-feira, após um dia de pânico e boataria
que fecharam as portas do comércio e de escolas, em meio à onda de violência iniciada pela
facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) na sexta-feira. Balanço apresentado
pela Polícia Civil paulista, no início da tarde, mostrou que, ao todo, ocorreram 251 ataques
desde sexta-feira, com 115 mortos. A reação policial fica clara no quadro das baixas:
enquanto o número de PMs mortos aumentou de 22 (dado das 14h de segunda) para 23, o
número de criminosos e suspeitos mortos subiu de 38 para 71. Os presos são 115. A
suspensão dos ataques e o encerramento de dezenas de rebeliões em presídios foi ordenado
pelo próprio PCC. Por telefone celular, segundo apurou a “Folha de S. Paulo”, líderes do
PCC determinaram a presos e membros do que estão fora das cadeias que interrompessem a
onda de violência. O secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, admitiu
nesta terça-feira que o PCC apresentou condições para pôr fim à série de ataques, e que
houve uma reunião entre representantes do governo e o líder Marcola; mas voltou a negar
que tenha havido acordo entre as partes. Furukawa disse que a proposta chegou ao governo
por meio da advogada e ex-delegada Iracema Vaseiaveco. Ela teria dito que o PCC

7
Recuperado em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200601.htm
8
Recuperado em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,ataques-do-pcc-deixam-pelo-menos-tres-policiais-mortos-
em-sp,20060512p27256
50
encerraria as ações se tivesse certeza da integridade física de Marcola, e se houvesse
garantia de que não haveria revanche contra presos da facção 9 (Portal Uol, 16 de Maio,
2006).

As rebeliões nas unidades prisionais neste ano de 2006 adquiriram uma extensão superior ao
dobro do ano 2001, no estado de São Paulo e fora dele, nos estados de Mato Grosso do Sul e do
Paraná, com o agravante da reivindicação dos ataques às forças de segurança. Os acontecimentos de
2006 ficaram conhecidos como os “ataques de maio de 2006”, “crimes de maio de 2006”, e
expressou a hegemonia adquirida pelo PCC dentro e fora das prisões, e ao que tudo indica, como
mostram as reportagens, somente foi encerrada com a pactuação de uma trégua, “acordo”, entre a
facção e o Estado, por iniciativa do primeiro e veementemente negado pelo segundo, embora este
confirme a realização de reuniões com membros da facção para tratar do assunto.
A seguir, com a Tabela 04, descreveremos uma série de estudos sobre as facções do PCC e
Sindicato do Crime para nos dar uma dimensão teórica de como a literatura científica tem tratado o
assunto. Os estudos foram buscados nos portais Periódicos Capes e Scielo em todos os anos.

9
Recuperado em: https://noticias.uol.com.br/ultnot/especial/2006/05/16/ult2643u178.jhtm
51
A categoria Segurança Pública é composta por 15 estudos e trata do PCC no sistema
penitenciário e sua influência na segurança pública. Além de trazerem o debate sobre as medidas
tomadas na área da segurança pública direcionadas às questões relativas à facção, majoritariamente
os estudos têm como foco o contexto do estado de São Paulo.
A subcategoria Administração de Conflitos (n=04) apresenta as possibilidades de negociação
entre os agentes estatais e a facção, tanto na mediação de motins, rebeliões no sistema prisional,
quanto fora do presídio. O estudo de Sinhoretto (2014) mostra que o Estado apresenta duas
principais formas de negociação com as facções, que são complementares, uma mais repressiva,
militarizada, que se utiliza da letalidade policial e investigação sigilosa, e outra baseada na
judicialização e no direito penal. Godói (2015) atenta para as variadas formas de comunicação que
se estabelecem entre a facção dentro e fora da prisão, como possibilidade de entendimento da
expansividade e conflitividade nos espaços urbanos.
52
Para Dias (2011), o PCC se constitui como instância reguladora de conflitos do cotidiano
prisional, baseado num discurso de união dos presos diante de um inimigo comum, que seria o
Estado. Feltran (2012) complementa esse dado ao afirmar que, a gestão da conflitividade no estado
de São Paulo é feita pelo Estado e por grupos criminais. A este último, por exemplo, a diminuição
dos motins, rebeliões nos presídios e a queda na taxa de homicídios naquele estado, nos anos 2000,
se deram pelas intervenções do PCC para a garantia da fluidez nos negócios do tráfico de drogas.
Esse poder de intervenção só é alcançado depois das medidas estatais na segurança pública de
expansão do encarceramento, a criação do RDD e a transformação do tráfico de drogas em crime
hediondo.
A subcategoria Política Penitenciária (n=05) apresenta a reforma do sistema penitenciário
por meio da privatização de presídios, debatendo-se sobre a gestão privada dos presídios em meio a
interferências das facções, neste caso o PCC, além das transformações do sistema prisional paulista
ao longo dos séculos e sua forma de atuação nos anos 1990 e 2000. A dissertação de mestrado de
Santos (2017) problematiza a privatização de unidades prisionais como forma de suprimir as
necessidades do sistema penitenciário brasileiro. A proposta de terceirização e privatização, que se
inicia com atividades-meio (oferta de serviços de alimentação, saúde e limpeza), passa a atividades-
fim em 2013 quando é inaugurada a primeira penitenciária totalmente privada do país no estado de
Minas Gerais, cidade de Ribeirão das Neves, na Parceria Público-Privada (PPP). Trazendo uma
série de dados comparativos entre os estados sobre a realidade carcerária brasileira, o autor chama a
atenção para a sobreposição dos interesses econômicos advindos do massivo aprisionamento em
detrimento do coletivo, que perpassa a seletividade criminal margeada pela estratificação social e as
relações obscuras entre o Estado e o “crime organizado”.
Nessa perspectiva, Araújo (2017) apresenta a investida política de privatizações de presídios
no Estado do Rio Grande do Norte no ano de 2016. A autora debate a inaplicabilidade desse modelo
em unidades femininas em meio à inserção das facções nesse meio, à incongruência com o Estado
Democrático de Direito e à transferência do Poder de Polícia; em particular, a Lei 11.079/2004 e a
dignidade da pessoa humana.
Rodrigues (2011) constrói o percurso histórico das transformações do sistema prisional
paulista ao longo dos séculos. O percurso inicia-se a partir da segunda metade do Século XIX, com
as precárias edificações de taipa que serviam de cadeia no início da colonização, até meados da
década de 1990, com o Programa Estadual de Direitos Humanos, com os Centros de
Ressocialização, de Detenção Provisória, de Progressão Penitenciária.
Já Cruz, Souza e Batitucci (2013) avaliam que a política penitenciária no estado de São
Paulo é voltada para repressão, com as medidas de, por exemplo, o recrudescimento das ações da
“sociedade dos cativos” e a implantação do RDD, embora nos anos 1980 houvesse um breve
53
período de tentativa de humanização. As contradições do sistema prisional são evidentes com a
responsabilização do Estado pela custódia dos agressores, ao passo que falha na de garantia de suas
necessidades básicas, na qual, a inclusão social e garantia de direitos dos encarcerados ainda são as
principais estratégias para efetiva expansão do sistema carcerário. Nesse sentido, Dias (2009) reflete
como o direito oficial, na sua execução do sistema penitenciário, deixa brechas que são ocupadas
por instâncias informais, como o caso do PCC, no qual, baseia-se a sua prática num modelo
violento de poder e outro mais racional, por meio de decisões coletivas.
A subcategoria Segurança Pública (n=03) agrega estudos que versam sobre a atuação dos
atores estatais no campo da segurança pública. Lima, Sinhoretto e Bueno (2015) acrescentam que
há um abismo entre os princípios democráticos postos na Constituição de 1988 e as práticas das
polícias, dos ministérios públicos e do Judiciário, que, paradoxalmente, instâncias estatais –
especialmente as polícias militares – são responsáveis pela gestão da vida da população.
A entrevista do ex-secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, Nagashi
Furukawa, explica o distanciamento entre o direito e a prática de juízes: “por falta de compreensão
dos juízes em relação à dimensão do problema, por falta de engajamento nesse problema. Sem ideia
do drama que vive o administrador público, o juiz aplica o Direito a cada caso individualmente, sem
se preocupar em ter uma visão de conjunto” (FURAKAWA, 2008, p.26). De forma distinta,
Mingardi (2007) considera que somente o aparelho repressivo do estado não é suficiente para lidar
com a problemática das facções dentro dos presídios brasileiros. A falta de mecanismos mais
sofisticados de informação, como uma estrutura de análise de informações criminais que na sua
falta mobiliza o Estado a fatos que não existem, e o trabalho conjunto do dia a dia da polícia com o
Ministério Público, são pensados como fundamentais no trato do poder público com essas
organizações.
Encarceramento em Massa (n=02) e Interiorização das Prisões (n=02) são subcategorias que
dizem respeito a problematizações das medidas tomadas pelo Estado, na área de segurança pública,
mediante ao fenômeno do PCC. Dias (2017) explica a medida de encarceramento em massa tomada
pela política de segurança pública no estado de São Paulo, que abrange a sua influência a territórios
cada vez mais amplos, tanto nos presídios quanto nos espaços urbanos. Silvestre e Melo (2013)
contribuem com a compreensão desse fenômeno ao abordar seus desdobramentos, sobretudo na
relação entre administração do presídio, os internos e seus familiares, como dispositivo de
segurança no controle da conflitividade no cotidiano na prisão.
Júnior (2014) faz análise minuciosa sobre o processo histórico e contextual da construção
massiva e interiorização de presídios no estado de São Paulo, a partir dos anos 1990, além de trazer
questões sobre as relações burocráticas com prefeitos de pequenos municípios da época, a punição
das famílias dos presos e os dias de visitação. Por sua vez, Santos (2014) avalia os impactos sociais
54
causados na vida das pessoas de cidades interioranas com a construção de presídios, apontando
resistências, novos padrões de comportamento com o aumento populacional (presos, seus
familiares, amigos, dias de visita), além da observação do aumento do registro de crimes contra o
patrimônio.
Passando agora para a categoria geral, PCC: organização/estrutura/atuação/formação, esta,
como visto anteriormente, apresenta subcategorias sobre a atuação, organização e surgimento do
PCC. Na categoria Atuação (n=08), Hirata e Grillo, (2017) esboçam comparações da atuação das
facções nas cidades de São Paulo – PCC – e Rio de Janeiro – CV e Amigo dos Amigos (ADA). O
ponto de partida são os mercados do varejo das drogas, as práticas criminosas, bem como as forças
de ordem, que são de maneiras distintas, nas duas cidades em questão. A facção em São Paulo,
historicamente, é produzida pela política de encarceramento em massa, ao passo que na cidade do
Rio de Janeiro, é atravessada pelas políticas de enfrentamento e ocupação militar dos programas das
Unidades de Polícias Pacificadoras (UPPs).
Essas questões influenciam diretamente no trato com as policiais e na forma de se vender a
droga no varejo. A relação com as polícias aciona no Rio de Janeiro contornos por confrontos por
regiões mais lucrativas, e em São Paulo são mais evidentes as negociações nos presídios seguidas
de demonstrações de força. Em relação ao varejo da droga, as vendas no Rio de Janeiro são
extensivas, fracionárias e densas, já no caso paulista é restrito, compacto e fluido. A hierarquia local
e as alianças laterais do CV e da ADA são impulsionadas pela amizade. O PCC tem como
característica a horizontalidade das relações e da supralocalidade, também com demonstrações de
força, via chacinas.
Ruotti (2016) investiga a legitimidade adquirida pelo PCC nas periferias por meio da
mediação de conflitos. A prerrogativa para matar é dada pelos “debates” ou “tribunais do crime”
como demonstração de força. Lima (2008) ressalta que a motivação para o surgimento de facções
no sistema prisional configura-se como uma resposta da população carcerária ao Estado. As
arbitrariedades dos agentes estatais contribuíram para a “união” dos presos, e a sua organização
guarda íntima relação com o direito de resistência. O Estado se ampara no direito penal na busca de
solução para a criminalidade no interior dos presídios, mas que na prática tem o efeito reverso,
como o “maior levante de criminosos contra as instituições estatais (e privadas) paulistas,
principalmente os órgãos policiais” Lima, (2008, p.244); é o caso da implantação do RDD e a
transferência e concentração de presos fora do estado num único lugar.
Biondi (2014), em sua tese de doutorado, defende a ideia de que o PCC é constituído de
vários outros movimentos, pessoas, relações afetivas, ideias, lutas, entre outros, não havendo um
objetivo comum por meio do qual todas as instâncias e pessoas que compõem o grupo concorram
para ele. A tese traz diversas outras questões a respeito da hierarquia, seu ritmo, relações entre
55
membros da facção e pessoas externas, as leis, entre outras, que já foram abordadas em outros
momentos nesta pesquisa por outros trabalhos. Alvarez, Salla e Dias (2013) avaliam que a formação
dos grupos que se impõe à massa carcerária tem como consequência direta a obstrução à existência
de mecanismos de comunicação e representação de presos, legitimados pelas autoridades. Através
da sua pesquisa de campo, os autores mostram que a resistência por permitir canais de
democratização política causa a retenção de demandas legítimas que são apropriadas pelas facções,
no caso o PCC, e formaram a base de apoio ideológico que lhe dão sustentação como instância de
representação da população carcerária.
Cano e Alvadia (2006), com seu grupo de pesquisa, analisaram as ocorrências de 564 mortos
e 110 feridos entre os dias 12 a 21 de maio de 2006, evento conhecido pelos ataques do PCC às
forças de segurança de São Paulo e a civis. Os dados apontaram que os ataques aumentaram o
número de mortes por armas de fogo e fosse 3 a 4 vezes superior ao número esperado para esse
período. Embora os ataques fossem direcionados a agentes públicos, o número de civis mortos é
maior, e o perfil das vítimas segue aquele dos homícidios por armas de fogo no país: jovens, sexo
masculino, com pouca escolaridade e sem antecedentes criminais.
As teses de doutorado de Brandão (2011) e Oliveira (2010) destoam dos demais estudos por
sair do contexto de São Paulo, e alertar sobre a expansão do PCC no estado do Rio Grande do
Norte. O primeiro estudo tem como propósito compreender as redes sociais no sistema prisional na
presença de “grupos organizados”; de forma semelhante, o segundo estudo investiga os repertórios
linguísticos no cotidiano do presídio, apontando que a linguagem é um caminho para se entender a
sociabilidade e práticas sociais de facções no uso de poder não institucionalizados.
No caso da organização do PCC, referente à categoria Organização (n=04), Biondi (2017)
enxerga no seu estudo que a presença da facção não está atrelada à de seus integrantes, não se
restringindo à presença dos seus membros, esquivando-se do conceito de “crime organizado”,
relacionado a uma composição de indivíduos em torno de negócios ilícitos. Nesse caminho,
partindo do pressuposto de que as condutas delitivas evoluem com o Direito Penal, Masi (2014)
reclama em seu estudo para que a conceituação da criminalidade organizada seja inserida no
contexto atual da globalização contextualizada ao brasileiro, levando-se em conta o refinamento
tecnológico e não somente as condutas delitivas clássicas, como furto, roubo, apropriação indébita.
Adorno e Salla (2007) tomam como ponto de partida os ataques em 2006, protagonizados
pelo PCC, para discutir a emergência desta facção no sistema penitenciário paulista, analisando o
cenário internacional e contexto brasileiro, antecedentes históricos, enraizamento do crime na
sociedade e papel das políticas públicas penitenciárias. O trabalho de Dias (2011) aponta dois eixos
como condições necessárias para a expansão e consolidação do PCC no sistema prisional paulista e
posteriormente, uma dimensão nacional.
56
O primeiro eixo apontado por Dias (2011) tem como ponto de partida a precariedade do
sistema penitenciário. A negação de direitos, a sobrevivência em condições subumanas, as
constantes torturas pelos agentes do Estado são os elementos do cotidiano que criaram um ideário
de união entre os presos. O massacre do Carandiru também serviu como amostra de que já não se
podia negociar com Estado.
Essas questões deram sustentação ao discurso do PCC para a união dos presos a objetivos
comuns e formação de redes de solidariedade. A partir da consciência de classe – percepção da
situação social e histórica da experiência do encarceramento –, a luta por direitos e das opressões
sofridas viria da superação das diferenças individuais e luta contínua contra o Estado e a sociedade.
Juntamente a isso, o PCC torna-se um mediador de conflitos dentro das prisões, e
posteriormente, nos territórios sob seu controle ou influência. E essa capacidade de mediar conflitos
constitui um marco da hegemonia alcançada pelo PCC em São Paulo, dentro e fora das prisões e
que permite uma mudança significativa nas práticas, estrutura e na sua organização.
Nesse momento, há uma relação simbiótica entre o PCC e o Estado. O segundo garante a
manutenção do encarceramento massivo e precariedade das prisões –, enquanto que o primeiro
exerce a “gestão” da população carcerária, mantendo a estabilidade do funcionamento das prisões.
Dias (2017) também explica que se torna funcional para o Estado a manutenção dessa relação,
porque se mantém uma política de encarceramento mesmo em épocas de poucos recursos.
No que se refere ao segundo eixo, as principais políticas estatais no âmbito da segurança
pública são: o encarceramento em massa, a alocação das lideranças políticas num único local a
partir da SPF e a transferência de lideranças para outros estados.
Em maior ou menor grau ao estado de São Paulo, as crescentes taxas de encarceramento
acontecem em todas as regiões do país. Juntamente a isso ocorre a deterioração das condições
prisionais, podendo-se incluir também a ausência do Estado em exercer o controle nesses espaços,
criando condições favoráveis para que o PCC disseminasse seus ideais por outros presídios fora do
estado.
Esse quesito vai se aprofundar quando a administração prisional de São Paulo optou pela
transferência das lideranças do PCC para os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul. Além de
terem se tornado os estados com maior presença ostensiva da facção, é possível supor também a
partir disso que a facção assumiu um maior controle de drogas ilícitas, haja vista que aqueles
estados fazem com países que são conhecidos pelas portas de entrada de drogas ilícitas em território
nacional, que são Paraguai e Bolívia.
A criação do Sistema Penitenciário Federal (SPF), inspirado nas supermax norte-americanas,
é o início da disseminação do PCC em âmbito nacional. Artigo 3º, decreto nº 6.977/2009 descreve o
perfil a ser abrigado pela SPF: pessoas cuja integridade física esteja sob risco; lideranças de
57
organizações criminosas; membros de quadrilhas com práticas reiteradas de crimes; envolvidos em
incidentes de fuga, violência ou grave indisciplina no sistema prisional de origem; estar submetido
ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).
O SPF, que se caracteriza pelo rigor disciplinar de suas unidades, possibilitou a reunião das
lideranças das facções e membros de outros grupos menores num único espaço. O Estado teria
proporcionado a centralização de um “Comitê”, no qual estratégias, organização, alianças, num
âmbito nacional foram construídas nesse momento.
Como dissemos anteriormente, outros acontecimentos de ordem social, política e econômica
foram responsáveis também para a expansão e consolidação do PCC dentro e fora do sistema
prisional. Dias (2017) se refere a dois acontecimentos especificamente, que são os eventos
ocorridos em 2001 – a megarrebelião – e os ataques às forças de segurança do estado em 2006.
As rebeliões nas unidades prisionais. no ano de 2006. adquiriram uma extensão superior ao
dobro do ano 2001 no estado de São Paulo e fora dele, nos estados de Mato Grosso do Sul e do
Paraná, com o agravante da reivindicação dos ataques às forças de segurança. Os acontecimentos de
2006 ficaram conhecidos como os “ataques de maio de 2006”, “crimes de maio de 2006”, e
expressou a hegemonia adquirida pelo PCC dentro e fora das prisões, que somente foi encerrada
com a pactuação de uma trégua, “acordo”, entre a facção e o Estado, por iniciativa do primeiro e
veementemente negado pelo segundo, embora confirme a realização de reuniões com membros da
facção para tratar do assunto.
Biondi e Marques (2010), encenando um “embate” entre presos pertencentes ao PCC e do
Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), descrevem o surgimento do PCC
nas prisões. O primeiro sujeito (pertencente à cadeia do CRBC), diz que o surgimento do
“comando” tinha a esperança de eliminar certos males da prisão, como a extorsão, matanças entre
presos. Naquela época inicial, ainda possuíra estatuto, e por uma série de variáveis, muitos
membros se desvirtuaram dos propósitos do grupo, o que faz com que mude de prisão, em
dissidência, e forme outra facção, agora rival do PCC.
O segundo sujeito (pertencente à prisão em que o PCC é maioria) compreende o surgimento
do “comando”, também como possibilidade de eliminação dos males da prisão e, mais ainda, o fim
das opressões do Estado; porém, relata que o poder teria subido à cabeça dos fundadores e passaram
a praticar as mesmas opressões que se propunham combater. Percebemos que a partir disso houve
vários dissidentes que decidiram formar um novo “comando”, vendo nesse movimento como não
digno, uma espécie de acovardamento e, por isso, seriam considerados agora como inimigos.
A categoria seguinte exibe estudos relativos à identidade do preso. Esta categoria tem o
menor número de trabalhos, com três estudos (MARQUES, 2013; REDÍGOLO, 2012; BRAGA,
2008), e mostra os processos de estabilidade e de mudança da identidade de sujeitos em contexto de
58
cárcere, alguns deles pertencentes ao PCC.
Marques (2013), em seu estudo de caso de um membro do PCC, investiga o ato da
conversão ao pentecostalismo. Aqui é preciso diferenciar brevemente as igrejas petencostais das
neopentecostais, pois, será retomado na análise do subtópico 4.5. As relações estruturais entre
Estado e Igreja e a via de “saída” da facção: a roda girando em seu eixo.
As igrejas do movimento pentecostal começaram a surgir nos Estados Unidos no início do
século XX e no Brasil começaram a aparecer por volta de 1940. A representante mais conhecida
desse movimento é a Igreja Assembléia de Deus. Já as igrejas neopentecostais começaram a surgir
na década 1980, adotando outras práticas e entendimentos bíblicos das igrejas pentecostais, como a
crença da palavra pós-bíblica dos dons do Espírito Santo, incluindo glossolalia (falar em línguas),
cura e realização de profecias. A representante mais conhecida desse movimento é a Igreja
Universal do Reino de Deus.
Voltando ao estudo, Marques (2013) mostra que apesar da conversão, sendo agora um
“irmão” da igreja, o sujeito não deixou de ser um “irmão” do PCC. Com a proximidade com um
membro da facção, o autor alerta para cuidados sobre o papel do pesquisador no campo. Já
Redígolo (2012) discute a estigmatização e segregação dos presos, membros do PCC, e de seus
familiares, estimuladas principalmente pela atuação do Estado, mídia, agentes de segurança e a
população em geral. Braga (2008), em sua dissertação, analisa como a identidade do preso é
influenciada pelas regras do cárcere e demandas institucionais. Discute-se, assim, como o processo
de encarceramento implica a absorção de valores e hábitos próprios do contexto prisional, trazendo
implicações para a identidade do preso e sua ressocialização.
No caso específico do estado do Rio Grande do Norte, o estudo de Menezes (2016), a partir
da observação da ocupação dos espaços no presídio de Alcaçuz, identifica a organização do PCC
nesses espaços como poder paralelo (do PCC) ao poder final do Estado, principalmente na
mediação de conflitos e homicídios no interior desse ambiente com outras facções, como por
exemplo, o Sindicato do Crime ou Sindicato RN.
A facção Sindicato-RN fora criada em meados do ano 2013, por dissidência do PCC, em
virtude principalmente da obrigação de pagamento de recursos arrecadados advindos do estado de
São Paulo. O “Sindicato do crime”, nome popularmente conhecido, tem o controle de 28 das 32
unidades prisionais do estado e controla a maior parte do tráfico de drogas na região metropolitana
da cidade de Natal e no interior do estado, contando com aproximadamente três mil integrantes.
Essa facção conta também com aliados de outras facções de outros estados, como o Comando
Vermelho (CV) (Rio de Janeiro), a Família do Norte (Amazonas) e Al-Qaeda (Paraíba), que tentam

59
impedir o avanço do PCC para o Norte do país e o seu consequente monopólio10.
O lema da facção é "Humildade, paz e liberdade" e conta com várias músicas que exaltam
seus líderes. Possui estatuto de 16 artigos que prevê a proibição do uso de crack e rivotril entre seus
membros, e rito de batismo de seus novos integrantes. Segundo reportagem da Uol Notícias
Cotidiano, do dia 24 de janeiro de 2017, a facção é estruturada tendo como referência o PCC e é
organizada da seguinte forma: (a) líderes e fundadores do grupo são chamados de "final" ou "linha
final" (cabendo a eles as últimas decisões); (b) conselho que ajuda os líderes nas decisões, (c)
líderes das comunidades, chamados "quadro geral da quebrada"; (d) os responsáveis pela segurança
da comunidade, "linha de frente da quebrada"; (e) "vaqueiros", pessoas que lidam com questões
operacionais do tráfico; (f) aqueles que guardam o armamento, chamados de “chefe do paiol".
Mais especificamente na cidade de Natal-RN pode-se verificar que as facções PCC e
Sindicato-RN são as mais presentes no sistema penitenciário e também no sistema socioeducativo.
Dentro dos Centros Educacionais (CEDUCs), percebe-se da parte dos adolescentes o manifesto
sentimento de pertencimento e desejo de adentrar nesses grupos, como há aqueles que são
pertencentes a estes grupos, o que demanda maior conhecimento sobre esse público nas suas
trajetórias de vida que acabam por coincidir com as facções. Dessa forma, no capítulo seguinte será
discutido teoricamente a adolescência, no contexto do sistema socieducativo e das facções.

10
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/01/24/sindicato-do-rn-conheca-a-faccao-
que-desafia-pcc-e-estado.htm
60
Capítulo 2 – Considerações sobre a infância e adolescência: formas de institucionalização no
Brasil até o sistema socioeducativo

Apresentaremos agora, a partir da literatura científica, as respostas que o Estado brasileiro


vem dando às crianças e aos adolescentes que cometeram atos infracionais. Construímos o percusso
histórico do vários mecanismos institucionalização até chegarmos ao momento de hoje, com a
concretização do sistema socioeducativo.

2.1. As significações sociais sobre a criança e a adolescência no Brasil e os processos de


institucionalização ao longo da história
A iniciativa de se fazer um percurso histórico sobre as diversas significações da infância e a
juventude no Brasil, e também sobre os diversos processos de institucionalização, busca debater
esses temas e trazê-los para a contemporaneidade. É a partir do delineamento histórico dessas
narrativas que podemos compreender as respostas que o Estado vem dando às crianças e aos
adolescentes, e mais especificamente, àqueles que cometeram atos infracionais, seja com a medida
de internação, seja com as medidas que aliam o fator educativo e o sancionatório.
Apesar de quase duas décacas de implementação do ECA, as razões que levam ao
abrigamento parecem ainda serem as mesmas do século XIX, com pequenas diferenças. Desde
muito antes, meandros do período colonial, o Brasil adota medidas de internação de crianças e
adolescentes com objetivos educacionais e de assistência social, em resposta ao crescimento
desordenado dessa população aliado ao crescimento das cidades, vistas cada vez mais como
perigosas, que perpassam os sentidos sociais construídos atribuídos à infância de determinada época
histórica (Jimenez & Frasseto, 2015).
Rizzini e Rizzini (2004), em seu estudo sobre instituições asilares para crianças no Brasil
nos dois últimos séculos, explicam que os jesuítas eram os principais agentes educacionais do
século XVIII. Os jesuítas adotavam práticas diferentes direcionadas às crianças pequenas das
aldeias indígenas e vilarejos e aos filhos de famílias abastadas, para aqueles as instituições asilares
tinham função educacional básica (escrita e leitura) e os filhos de famílias ricas a formação
religiosa. O funcionamento de ambas as instituições seguia o modelo do monastério de vivência da
vida religiosa, com absoluta restrição de contato com o mundo exterior, sendo que para o público
feminino era imposta com mais rigor.
Nesse período, é criada pelo governo imperial a Companhia de Aprendizes Marinheiros e
Escolas/Companhias de Aprendizes dos Arsenais de Guerra e a Companhia de Aprendizes
Marinheiros, que recebiam meninos órfãos e recolhidos nas ruas pelas polícias das capitais
brasileiras. Rizzini & Rizzini, (2004) trazem um dado alarmante: o número de meninos enviados
61
aos navios de guerra foi maior do que o de homens recrutados e voluntários. Já as meninas órfãs e
pobres contavam com a proteção dos recolhimentos femininos, administrados por religiosos que
substituíam a tutela do pai e ofereciam os meios educacionais para moldar as futuras mães, para
assim ocupar um lugar na sociedade.
Vale destacar o modo como os jesuítas da época significavam a criança e o adolescente a
partir de um recorte étnico. As crianças indígenas eram “papéis em branco” que precisavam ser
escritas, antes que os maus costumes as contaminassem, enquanto que as crianças europeias eram
vistas pela mística do mito da criança-santa ou pela imagem semelhança de Jesus. O exercício da
catequese era usado como forma de conservar a docilidade, obediência e negação da cultura
indígena, além de meio de exploração da força de trabalho indígena (Henick & Faria, 2015).
Outro mecanismo de amparo de crianças abandonadas marcante dessa época, que vai ter
uma longa trajetória de uso, de 1700 até 1940, é a Roda dos Expostos (Peixoto, 2011). Este
instrumento de madeira, concebido pelas Santas Casas, era usado para acolher crianças recém-
nascidas e rejeitadas pelos pais, para que não fossem deixadas na rua. No entanto, as Santas Casas
começaram a ser fechadas, pois passaram a ser consideradas contrárias aos interesses do Estado,
vistas como forma de assistencialismo responsável pelas mortes prematuras de crianças.
Com o fechamento dessas instituições, caberia ao Estado implantar uma política de proteção
e assistência à criança. Em 1927, passa a vigorar o código de menores denominado de Código de
Mello Mattos, destinado a todos aqueles menores de 18 anos. Imbuído de uma atmosfera ideológica
médico-higienista, a criança e o adolescente, que até então eram vistos como de objeto da caridade,
passam a ser instrumentos das políticas públicas do Estado.
Segundo Mendes e Costa (1994), o Estado possuía absoluta ingerência sobre sujeitos
enquadrados na ampla categoria da situação irregular. Dentro desta categoria caberiam, por
exemplo, crianças que não tinham pais, ou apenas um deles, as que faziam parte de famílias
“desestruturadas” ou que não tinham condições de prover a subsistência da sua prole, bastando que
fosse entendida pela autoridade a situação de risco social, condição fundamental para o potencial
cometimento de crimes futuros. O exercício desse poder arbitrário tirou diversas crianças do
convívio das suas famílias e comunidade, prática compreendida como de gerência da pobreza
(Ciarallo & Almeida, 2009).
Por trás das arbitrariedades estatais, há discursos técnico-científicos que dão base à
construção da figura do “menor” em risco social com “aptidão para a criminalidade”. A prática
desses discursos se dava através da Justiça de Menores, como também nas ações policiais, numa
trama de saberes alusivos à psiquiatria, psicologia, ciências sociais e à medicina higienista que
identificava, encaminhava e transferia aqueles designados como menores delinquentes (Rizzini &
Rizzini, 2004).
62
Em 2004, ao investigar as ações desenvolvidas pelo poder judiciário para com os
adolescentes em conflito com a lei, Ciarallo e Almeida (2009) apontam que tais práticas ainda estão
ancoradas em modelos baseados no Código de Menores. A terminologia “menor” usada para
designar os adolescentes, a ideia de que o futuro dos adolescentes deveria ser delegado ao Estado,
são sentidos e práticas existentes no antigo código, mas ainda presentes nos dias de hoje.
Apesar do termo “menor” ainda ser utilizado, Gonçalves e Garcia (2007) salientam que a
mudança terminológica jurídico-normativa para adolescente em conflito com a lei reduziu a
diferença entre segmentos sociais e atenuou as discriminações que recaíam sobre crianças e jovens.
Para os autores, a releitura do termo incidiu principalmente na mudança do paradigma conceitual
vigente de menor carente, delinquente, de origem popular ou de famílias consideradas
desestruturadas e de práticas excludentes, principalmente de órgãos públicos que tinham como
função básica corrigir desvios de conduta, e adotar a concepção de cidadania ampliada.
Zaluar (2012) discutiu que o adolescente que comete alguma infração deixa de ser percebido
como vítima de um sistema social em que este é vulnerável a violências físicas, verbais e simbólicas
para ser concebido e nomeado como causador e responsável dos episódios cotidianos de violência
urbana. A estes episódios, Marcondes Filho (2001) nomeia de violência reativa. O resultado de tal
inversão é que os adolescentes deixam de ser vítimas para se tornarem atores produtores de
violência, o que gera uma onda de exigências por penas mais duras como forma de resolver a
questão.
No fim do período do primeiro Código de Menores é criado o Serviço de Assistência ao
Menor (SAM) inaugurando um novo modelo. Este modelo vigorou entre os anos 1942 e 1964
transformando o que era posto em prática pelo tipo correcional-repressivo, e mais tarde, sendo
substituído pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) passando agora para o
modelo assistencialista (Potengy, 2007).
Apesar da prerrogativa revisão do antigo código, foram mantidas as diretrizes do
assistencialismo, da arbitrariedade e da repressão. Silva (1998) explica que as iniciativas
propunham o interesse do jovem, por exemplo, substituindo a nomenclatura de presos para
internados, de medidas de punição para proteção, porém, na prática o que se percebia era a
manutenção das antigas práticas repressivas e assistencialistas (Ciarallo e Almeida, 2009).
O percurso histórico da institucionalização de jovens no Brasil começa a trilhar outros
caminhos na década de 1980. As medidas de abrigamento, tal qual vinham sendo empregadas, são
mais veementemente questionadas quanto à sua eficácia na busca de alternativas que levassem em
conta causas estruturais, contexto social e histórico do processo de desenvolvimento político-
econômico do país, tais como a má distribuição de renda e a desigualdade social. Nesse quesito,
Rizzini & Rizzini (2004) mostram como determinados pontos já começaram a ser questionados:
63
Crescia o entendimento de que o tema era cercado de mitos, como o de que as
crianças denominadas de menores – institucionalizadas ou nas ruas – eram
abandonadas; o mito de que se encontravam em “situação irregular” (Código de
Menores: 1979), ou de que a grande maioria fosse composta por delinquentes
(Rizzini & Rizzini, 2004, p.47).

A pressão política de movimentos sociais provocou mudanças na legislação infanto-juvenil


em meio ao processo de redemocratização política no país, culminando na Constituição Federal de
1988. A nova Constituição garantia as bases legais para a consolidação futura de um novo
paradigma de atendimento e proteção integral à criança e ao adolescente, o Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, apresentando mudanças estruturais na política de atendimento à infância e à
adolescência.
No início da década de 1990 ocorreram diversos esforços para implementação do ECA,
como da reformulação de leis sobre a internação. As iniciativas visavam à garantia dos direitos da
criança e do adolescente, principalmente transformando as medidas de privação de liberdade para
medida socioeducativa de caráter provisório e excepcional, sendo substituída a FUNABEM para a
Fundação Centro Brasileiro para a Infância e a Adolescência (FCBIA) (Jimenez & Frasseto, 2015).
Tempos depois, em 13 de julho de 1990, o ECA foi promulgado na Lei Federal n. 8069/90,
representando rupturas históricas ao apresentar a criança e o adolescente como pessoas em
desenvolvimento, sujeitos de direito e destinatários de proteção integral. O ECA vai além na busca
de universalizar a garantia de direitos a todos, independentemente das variáveis socioeconômicas ou
em risco social, marcando a passagem da doutrina1 da situação irregular reservando-lhes
indistintamente o status de prioridade nacional (Ciarallo & Almeida, 2009).
Neto e Grillo (1995) explicam que as medidas aplicadas pelo ECA têm finalidades diferentes
das penas previstas pelo Código Penal. A razão disso é a garantia da manutenção do vínculo
familiar e o caráter pedagógico das medidas socioeducativas. As penas aplicadas podem também
possibilitar a internação dos adolescentes autores de atos infracionais, porém, somente aos atos
cometidos mediante grave ameaça ou violência contra pessoa ou pela reiteração no cometimento de
outras infrações graves.
Nessa direção, Carvalho e Weigert (2012) apontam a possibilidade de construção de um
modelo de medidas próprio de justiça juvenil com mecanismos legais autônomos. Comparando-se o
direito penal e as medidas socioeducativas que são aplicados aos adolescentes em conflito com a lei,
entende-se como alternativa a prestação de serviço à comunidade, sendo necessária a reflexão de
modelos e políticas que priorizam o encarceramento e o poder punitivo.
64
Peixoto (2011) expõe que, nos anos 2000, a justiça brasileira vem buscando ampliar sua
abrangência em âmbito nacional para sanar suas lacunas infraconstitucionais, deixadas pelas leis
infanto-juvenis. São aprovados instrumentos da política garantista de direitos juvenis, por parte da
União, como o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes, o PETI – Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção
ao Trabalhador Adolescente, como também o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do
Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária e, ainda, o SINASE –
Sistema Nacional Socioeducativo.

O SINASE (Lei n.12.594, 2012) apresenta os objetivos das medidas socioeducativas ao


jovem que cometer ato infracional. Segundo a lei, os objetivos são:

I - a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato


infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação;

II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e


sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento;

III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença


como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos,
observados os limites previstos em lei.

O ECA (Lei nº 8.069), no seu capítulo IV – Verificada a prática de ato infracional, indica
que a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: advertência;
obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em
regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional. Como nos interessa no
presente estudo as medidas em meio aberto, semiliberdade e internação, segue uma breve descrição
destas.
A adoção da liberdade assistida será aplicada sempre que se afigurar a medida mais
adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Será designada uma pessoa
capacitada para acompanhar o adolescente com o objetivo de promovê-lo socialmente e à sua
família, supervisionar a sua frequência e o seu aproveitamento escolar e diligenciar no sentido da
profissionalização.
O regime de semiliberdade é entendido como transição para o meio aberto, com a
possibilidade de atividades externas à unidade. Nesse tipo de medida a criança e o adolescente
65
cumprem atividades externas, e à noite, dormem na unidade, sendo obrigatória a sua escolarização e
a profissionalização.
Já a medida de internação constitui como a medida privativa da liberdade. É aplicada esta
medida quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa,
reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento de outra medida
anteriormente tomada. A internação não poderá exceder três anos devendo sua manutenção ser
reavaliada a cada seis meses. Constituem-se direitos assegurados, não contemplados em legislação
anteriores, a internação na mesma localidade ou próxima do domicílio de seus pais ou responsável,
a correspondência com familiares e amigos, e a obrigatoriedade da escolarização e
profissionalização.
No caso específico da presente pesquisa, no estado do Rio Grande do Norte, o sistema
socioeducativo de restrição/privação de liberdade é administrado, desde 1994, pela Fundação da
Criança e do Adolescente (FUNDAC). Atualmente, o estado dispõe de oito unidades entre
internação masculina, feminina e semiliberdade, localizadas nos municípios de Natal, Parnamirim,
Caicó e Mossoró. As facções que coexistem dentro do sistema socioeducativo apresentam uma
especificidade de organização nos espaços urbanos das cidades com disputas de territórios entre os
grupos.
Nesse sentido, Sobrinho e César (2008) trazem em seu estudo as interfaces das facções com
as torcidas organizadas de futebol no RN e revelam as disputas dos bairros da cidade de Natal-RN,
paralelamente ao desenvolvimento da cidade. As duas maiores torcidas do Rio Grande do Norte,
Torcida Máfia Vermelha (TMV) e Torcida Garra Alvinegra (TGA) que completaram 25 anos de
existência no ano de 2016, explicam em certa medida, o processo de territorialização das facções
através das torcidas de futebol, tendo como particularidade as disputas de pontos do tráfico de
drogas e rivalidades entre os grupos.
O estudo de Brito (2018) expõe a presença da facção num bairro da periferia também na
cidade de Natal-RN e a forma como aquele intefere na vida cotidiana dos jovens. A facção regularia
a vida social do bairro na imposição de um código de conduta com sanções violentas
e cooptação de jovens ao comércio ilegal de drogas, tendo como coautor dessa regulação da vida
social a polícia militar e suas investidas violentas na prerrogativa de combate ao crime. Nesse
ínterim estão os jovens pobres, negros e moradores da periferia no fogo cruzado entre o crime e a
polícia.
Dessa forma, semelhante a pesquisa de Assunção (2009), o processo de territorialização nos
dá lastro para pensar a cidade e seus espaços como construção cotidiana simbólica/material, de
sujeitos que interagem e reconfiguram esses espaços, dialogando sempre com o contexto
econômico, político e social do momento. As trajetórias de vida de crianças e adoelscentes nas
66
medidas de meio aberto e internação é um caminho essencial a ser trilhado para compreensão das
respostas que o Estado vem dando aos jovens que cometeram atos infracionais imbricados nos
processos de territorialização das facções, podendo assim ajudar na construção de práticas mais
contextualizadas. No tópico seguinte, iremos descrever como a psicologia vem construindo
conhecimento sobre o sistema socioeducativo e, mais especificamente, sobre as medidas de meio
aberto, semiliberdade e internação.
A seguir, iremos detalhar as produções nacionais em psicologia, consideradas as mais
relevantes para esta pesquisa, sobre o sistema socioeducativo nos últimos cinco anos. Considera-se
tal revisão bibliográfica apropriada para assim começarmos a apontar aproximações entre a
psicologia e o campo de estudo desta pesquisa, a partir de estudos mais recentes.
A revisão priorizou estudos nacionais nos últimos cinco anos (2014-2018), nas bases de
dados Scielo e Periódicos Capes. Para a busca dos artigos foram utilizados os descritores
socioeducativo e socioeducação sendo encontrados 47 estudos, que após privilegiar estudos
nacionais e de psicologia, o número de artigos contemplados foi de 13, como pode ser observado na
Tabela 03.

A análise inicial dos artigos coletados abrange estudos teóricos e empíricos. Há uma maior
quantidade de estudos empirícos em relação aos téoricos e uma diversidade de metodologias de
coleta de dados e atores envolvidos no sistema socioeducativo, como análises documentais,
entrevistas com o corpo técnico e gestão das unidades socieducativas, além de entrevistas com os
67
próprios adolescentes em medidas de internação e semiliberdade. Quantitativamente, há oito
estudos que tratam da medida de internação, dois que tratam do meio aberto e três estudos que
focam em outros atores sociais, profissionais, que estão inseridos no sistema socioeducativo. A
seguir será feita uma breve descrição dos estudos abordandos seus objetivos e principais resultados
No que se refere aos estudos que tratam da medida socioeducativa de internação; vale
destacar que a citação dos estudos não obedece a uma ordem cronológica– dos mais recentes aos
mais antigos –, alguns estudos trazem o relato de práticas de servidores, técnicos e gestão no
sistema socioeducativo que remetem ao antigo Código de Menores e a violação de direitos de
crianças e adolescentes em regime de internação.
Nesse sentido, Melo e Valenca (2016), analisando sentenças proferidas por magistrados do
TJCFT, discutiram as representações sociais sobre as trajetórias dos adolescentes em cumprimento
de medida socioeducativa de internação, sendo constatada a ênfase na descrição das “trajetórias
perdidas”, que dá ênfase a atributos da pobreza, que fundamenta as medidas de internação,
remetendo ao antigo Código de Menores. Scisleski, et al. (2015), que discutem administração das
medidas socioeducativas de internação, mostram que a proteção integral, preconizada pelo ECA,
não atinge todos, e os adolescentes internos continuam tendo seus direitos violados. Os autores
trazem dados de pareceres técnicos, que dão subsídios aos sistemas protetivos e socioeducativos, o
conteúdo encontrado neles responsabiliza unicamente os adolescentes pelo cometimento do ato
infracional, de forma descontextualizada e sem levar em consideração o processo de socialização
em que os adolescentes estão inseridos, perpetuando também a lógica do antigo Código de
Menores.
A pesquisa de Paiva, Gomes e Valença (2016) aponta para a fragilidade do sistema
socioeducativo no estado do Rio Grande do Norte que culmina nas violações de direitos humanos a
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, indicando a necessidade de uma
rigorosa atuação dos órgãos componentes da rede de proteção, a exigência de políticas públicas
condizentes com o SINASE e o ECA, além do empoderamento de adolescentes e suas famílias,
além de acionar o sistema americano de direitos humanos. Já Scisleski, et al. (2014), em Campo
Grande – Mato Grosso do Sul, problematizam a forma como vem sendo operacionalizada a
tecnologia disciplinar das medidas socioeducativas de internação direcionadas aos adolescentes,
entendendo que tais tecnologias assemelham-se a dispositivos de controle e não como um método
socioeducativo, que alia o educativo e o sancionatório da medida.
Araujo, Ferreira e Caetano (2016) focalizam a discussão no direito à visita íntima dos
adolescentes privados de liberdade, comparando o antes e o depois da implementação legal desse
direito. Os autores mostram a necessidade de se ampliar concepções sobre sexualidade humana que
por ora se apresentam de fragmentadas, já que a visita íntima pode repercutir positivamente na vida
68
do socioeducando, quando executada dentro dos pressupostos ético-legais.
A nova modalidade de resolução de conflito pela Justiça Restaurativa é retratada por Ferrão,
Santos e Dias (2016). Em seus relatos de experiência com a prática profissional em psicologia numa
unidade de internação socioeducativa no interior do estado do Rio Grande do Sul, indicam que há
um processo de efetivação de práticas restaurativas, principalmente as atividades de Círculo de
Compromisso (mais evidenciadas na unidade do estudo). Os autores concluem que as dificuldades
para a implementação de práticas restaurativas perpassam a recente preferência por esse modelo no
contexto socioeducativo de internação e por não ter sido criado no cenário brasileiro.
A partir de revisão bibliográfica, Coscioni, et al. (2017) apresentam pesquisas empíricas
sobre o cumprimento de medida socioeducativa de internação no Brasil. Majoritariamente, é
constatado nos estudos questões de ordem estruturais e de conteúdo das medidas, como o clima
organizacional coercitivo. Características positivas também foram encontradas como o estímulo do
relacionamento dos adolescentes com seus familiares e funcionários, que favorece a aprendizagem e
proteção.
Tema ainda não abordado nos outros estudos até o momento, Santos e Menandro (2017)
discutem a prática profissional do psicólogo nas medidas socioeducativas. Os autores refletem sobre
a prática profissional do psicólogo nas medidas de internação face ao reordenamento do Sistema
Socioeducativo, no qual o redirecionamento preconizado pelo SINASE não aparece de forma nítida
para os profissionais e destacam a necessidade de uma mudança na identidade profissional para
além do modelo clínico-privado.
Em relação aos estudos em meio aberto, estes apresentam estratégias pedagógicas para
facilitar a inclusão nas escolas de adolescentes que cometeram ato infracional, além de trabalhar
com significações do conceito de trabalho com adolescentes que prestam a medida prestação de
serviços à comunidade. A partir do relato de orientadoras educacionais, Seabra e Oliveira (2017)
exploraram as estratégias pedagógicas adotadas para promover a inclusão de adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa em regime aberto nas escolas do Distrito Federal,
apontando os impasses de insuficiência de estratégias pedagógicas que atendam às especificidades
dos alunos, a precária interlocução entre atores do atendimento socioeducativo e a escola. O estudo
de Rodrigues e Oliveira (2018), a partir da metodologia da pesquisa-intervenção, trabalha com as
significações sobre o conceito de trabalho relativo à prestação de serviço à comunidade com
adolescentes do meio aberto, chamando a atenção para que o acompanhamento de adolescentes não
se restrinja ao atendimento individual, mas viabilize a interação entre eles como oportunidade de
partilha de experiências e de construção conjunta de saberes, superando a ideia do cumprimento da
medida como mero contato do profissional com o sujeito atendido.
Outros estudos apresentam foco em outros atores do sistema socioeducativo, para além dos
69
adolescentes, temas variados e discussões teóricas. Bisinoto, et al. (2015) partem de uma reflexão
teórica sobre a socioeducação numa concepção de educação social com compromisso ético e
político, para apresentar a importância de que profissional e gestores indaguem-se acerca das
concepções que têm e que orientam suas intervenções. Lazzarotto (2014) apresenta o relato de
experiência na defensoria interdisciplinar de adolescentes em conflito com a lei com reflexões sobre
os saberes (direito, psicologia, pedagogia) que produzem práticas reguladoras da vida de
adolescentes no contexto de atendimento socioeducativo, numa perspectiva de judicialização da
vida contemporânea.
Feijó, et al. (2017) expõem a prevalência de estresse ocupacional de servidores do sistema
socioeducativo. A pesquisa foi feita com 221 servidores entre trabalhadores que lidam diretamente
com jovens em cumprimento de medida socioeducativa e profissionais da sede administrativa,
evidenciando que fatores como violência, regime de trabalho, ter contato com jovens que cumprem
medida socioeducativa e horas extras estão fortemente associados ao estresse, o que demanda
intervenções nos processos de trabalho para diminuir o risco de adoecimento.
Como se pode observar, as produções científicas que tratam da infância e adolescência em
relação às facções são escassas. No âmbito do conhecimento da psicologia, e que façam referência
ao sistema socioeducativo, talvez a literatura seja inexistente. Os relatos científicos sobre a presença
de crianças e adolescentes nas facções se dão não como pertecentes a esses grupos, mas como
sujeitos que trabalham no tráfico de drogas que são de domínio das facções.
Dessa forma, o tráfico de drogas nos dá pistas para entender as trajetórias de vida de jovens
e o envolvimento em facções, por exemplo, a partir dos estudos de Coimbra & Koller (2017);
Hirata e Grillo (2017); Picanço e Lopes (2016); Gonçalves (2015); Abramovay, et al. (2010); Faria
e Barro (2011); Ferffermann (2006). Contudo, a interface com o sistema socioeducativo e os fatores
que contribuem para a entrada e permanência dos mesmos nas facções, entendendo os processos de
criminalização nas suas vidas e territorialização na cidade de Natal-RN, ainda são pouco
investigados e, por conseguinte, procuraremos nos aprofundar no presente trabalho, a partir da
metodologia que será descrita a seguir.

70
Capítulo 3 – Considerações metodológicas

Nessa seção, introduziremos o percurso histórico de surgimento e organização da unidade


socioeducativa CEDUC-Pitimbu e, também, alguns fatos relevantes, como a situação dos
educadores recém-contratados e a posse da nova direção, que assumiu no mês de julho do ano de
2018. Esses aspectos tornam-se relevantes para o entendimento da dinâmica do campo de pesquisa
e posterior aproximação e inserção do pesquisador.

3.1. Contextualização do campo de pesquisa: o CEDUC-PITIMBU.


A partir da Lei nº 4.306, de 13 de novembro de 1973, Decreto nº 7.819 de 1980, foi
instituída a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor. Ao vigorar a Lei nº 6.682, de 11 de agosto
de 1994, altera-se a denominação e seus objetivos, passando a denominar-se Fundação Estadual da
Criança e do Adolescente (FUNDAC). É regida por estatuto próprio, possui autonomia
administrativa, financeira e patrimonial.
A FUNDAC no Rio Grande do Norte é responsável pela execução dos programas
socioeducativos, em conjunto com o poder executivo de alguns municípios. Cabe àquela a execução
das medidas restritivas e privativas de liberdade (Semiliberdade, Internação Provisória e Internação)
e aos municípios a incumbência das medidas em meio aberto, de Prestação de Serviços à
Comunidade (PSC) e de Liberdade Assistida (LA).
A FUNDAC tem abrangência em todo o estado e tem instalações físicas nos municípios de
Natal, Parnamirim, Caicó e Mossoró. O quadro de servidores é composto de 829 servidores efetivos
e 85 servidores comissionados, que atendem a adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa de restrição e privação de liberdade. Dentre as suas principais atividades estão11:

- Planejar e executar as Medidas Socioeducativas de Semiliberdade e Internação, bem como


o Atendimento Inicial e a Internação Provisória do adolescente em conflito com a lei;

- Atender de forma integral o adolescente, sob nossa responsabilidade, na perspectiva do


exercício da cidadania e da sua inclusão sociofamiliar e comunitária, de acordo com os
dispositivos legais e parâmetros voltados à defesa e garantia dos direitos fundamentais;

- Fortalecer o núcleo familiar nas suas funções de sobrevivência, de provisão de afeto e de

11
Recuperado em:
http://www.fundac.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=20542&ACT=&PAGE=0&PARM=&LBL=A+Fund
a%E7%E3o
71
cidadania, com vistas à convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente
atendidos na FUNDAC;

- Articular e desenvolver ações de apoio à política estadual e municipal de atendimento ao


adolescente, em convergência com o público alvo da Instituição;

- Promover e apoiar a formação e o aperfeiçoamento de recursos humanos específicos ao


atendimento ao adolescente em conflito com a lei;

- Promover ações articuladas com órgãos públicos das esferas federal, estadual e municipal e
com instituições da sociedade civil que atuam na área de promoção, proteção e defesa dos
direitos do adolescente para o cumprimento de sua finalidade;

- Desenvolver estudos e pesquisas, bem como promover cursos e seminários sobre o


atendimento, a promoção, a proteção e a defesa dos direitos do adolescente com autoria de
ato infracional.

Dessa forma, o sistema socioeducativo do RN é administrado pela Fundac desde 1994 e


gerencia oito unidades entre internação masculina, feminina e semiliberdade. As unidades estão
distribuídas nas cidades de Natal, Parnamirim, Caicó e Mossoró e compõem seis Centros
Educacionais (CEDUCs) e dois Centros Integrados de Atendimento ao Adolescente (CIAD),
responsáveis pelo Pronto Atendimento (PA) e a internação provisória dos adolescentes. No que se
refere à unidade em que nos fazemos presente, o CEDUC-Pitimbu executa a medida socioeducativa
de internação masculina (art.122 – ECA) com capacidade de atendimento de 36 adolescentes e
capacidade Judicial de 26.
Em relatório produzido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (2013), é exibido em
números o cumprimento das medidas socioeducativas no país. Neste relatório, foram agrupados
dados coletados nas inspeções realizadas pelo Ministério Público em março de 2012 e março de
2013, em 88,5% das unidades de internação e de semiliberdade.
A constatação do relatório é que há um abismo entre o que é proposto pelo SINASE/ECA e
o colocado em prática, especificamente as medidas restritivas de liberdade. Segundo esse relatório,
“os espaços que deveriam ser de ressocialização mais se assemelham a presídios e penitenciárias,
com altos índices de superlotação, em alguns estados, e pouquíssimas oportunidades de formação
educacional e profissional“ (p.5)
Em relação à região Nordeste, Maranhão e Alagoas apresentam os quadros mais críticos de
72
superlotação nas unidades de internação, seguidos pelo Ceará, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e
Bahia. Juntamente com o estado do Piauí, no Rio Grande do Norte não se verifica superlotação,
com os menores índices do país.
Contudo, no caso do RN, apesar dos dados apontarem a inexistência de superlotação, o
mesmo relatório ressaltou o colapso do sistema socioeducativo nos anos 2012-2013, que levou à
interdição de todas as unidades (algumas parcialmente) e impediu o ingresso de novos adolescentes
no sistema. Além disso, as inspeções feitas nas unidades constataram a precariedade das instalações
e dos atendimentos, demonstrando a incapacidade de ressocialização e organização dos projetos de
vida dos jovens que lá estão. Contudo, em 2018, pode-se perceber que a realidade do CEDUC-
Pitimbu é bastante diferente daquela que fora apontada pelo relatório do Conselho Nacional do
Ministério Público em 2013.
O CEDUC-Pitimbu está localizado na cidade de Panamirim pertencente à Região
metropolitana de Natal, distando desta 12 km. As principais ressalvas dizem respeito ao prédio estar
assentado numa área de dificil acesso, distante da área urbana da cidade e próximo a uma unidade
prisional, a Penitenciária Estadual de Parnamirim (PEP).
Ao atravessar a cidade de Parnamirim, chega-se numa área de mata e terra, com
pouquíssimas casas próximas. Para se chegar até a unidade é preciso passar por um longo caminho
de estrada de terra, com bastantes buracos. A enorme quantidade de buracos faz com que veículos
tenham que andar a uma velocidade muito baixa. Assim, a distância da unidade do perímetro urbano
pode prejudicar o estabelecimento do diálogo com a comunidade próxima, desfavorecendo a
integração social do adolescente.
Além disso, o CEDUC está próximo à unidade prisional, com a qual dividem a mesma
parede, estando em desacordo com o SINASE - Lei N° 12.594/2012. A esse respeito a lei diz que é
vedada a edificação de unidades socioeducacionais em espaços contíguos, anexos, ou de qualquer
outra forma integrados a estabelecimentos penais.
Em relação à lotação, a unidade está condizente com as normas do SINASE. No período de
realização da pesquisa, entre os meses de julho e dezembro do ano de 2018, havia 46 adolescentes
na unidade, passando para 56 em meados de outubro. Por falta de recursos materiais e humanos, o
total de adolescente geralmente permanece nesse quantitativo. A capacidade total da unidade é de
76 adolescentes.
Embora não seja possível visualizar uma superlotação, a Resolução de n.º 46/96, do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) observa que deve haver
um número de até 40 adolescentes em cada unidade de atendimento de internação. No caso de haver
mais de uma unidade num mesmo espaço, o número de adolescentes internos não deve ultrapassar o
quantitativo de 90 na sua totalidade.
73
Os educadores da unidade relatavam que a juíza da Vara da Infância de Parnamirim é atenta
para que o quantitativo de adolescente não aumente e superlote a unidade. Ciente das limitações
materiais/humanas da unidade e, também, preocupada com o excesso de trabalho dos profissionais
da unidade, a juíza diminuia o quantitativo de pessoas quando começavam a surgir problemas.
Em relação aos alojamentos dos adolescentes, estes eram separados por pavilhões da
seguinte forma:
Parte superior da unidade: três pavilhões (pavilhões 01, 02 e 03). Cada pavilhão com 12
camas.

Parte inferior da unidade: três pavilhões (pavilhões 04, 05 e 06). Cada um com 12 camas.

À vista disso, o número de adolescentes por alojamento está condizente com Resolução do
CONANDA (n.º 46/96), que estabelece o quantitativo não superior a 15. O pavilhão 04 é o único
destinado ao PCC. Esse pavilhão está localizado na parte inferior da unidade e fica próximo à
quadra poliesportiva. Todos os demais pavilhões são destinados aos adolescentes do Sindicato-RN.
Em relação à rotina diária da unidade, segue a seguinte ordem descrita na Tabela 05:

Nos dias de visita das famílias, que acontece às quinta-feiras, a rotina da unidade é
modificada. As visitas acontecem geralmente às nove horas da manhã e vão até o meio-dia. À
74
medida que as famílias vão chegando à unidade, há o controle dos adolescentes que serão retirados
dos alojamentos. A depender de quem são os meninos que serão retirados e o quantitativo, a
logística vai se modificando para melhor atender à demanda daquele momento.
Por exemplo, houve dias em que havia muitos meninos residentes nos alojamentos do
Sindicato-RN e pouquíssimos do PCC que receberiam visitas. O dia de visitas aconteceu em
praticamente todas as salas na parte superior da unidade e na área comum da parte inferior. Noutro
dia de visita havia poucos meninos dos alojamentos do Sindicato e também do PCC; assim,
colocaram todos os do primeiro grupo no refeitório e, os do segundo grupo, na sala de aula que fica
localizada na parte inferior da unidade.
Em relação às revistas dos visitantes, o manual de segurança é explícito nesse sentido, ao
vedar práticas de revista em que o sujeito seja despido, mesmo que parcialmente, e que faça
esforços repetitivos, a exemplo dos agachamentos para buscar objetos introduzidos nas genitais.
Porém, revistas de familiares parcialmente vestidos acontecem na unidade, com profissionais
homens e mulheres destinados especificamente para esse fim, munidos de fardamento e luvas de
plásticos. A versão de gestão técnica, para que aconteçam essas revistas mesmo indo de encontro ao
manual de segurança, é que há uma precarização no orçamento da unidade e que, por isso, não há
instrumentos para a realização da revista da forma como determina o manual, com detectores de
metais, etc.
Para dar exemplo, o que se pode perceber é que a unidade, de fato, passava por um momento
de crise financeira. Como exemplo disso, havia um aviso na recepção para que os educadores não
tomassem café ao chegarem ao plantão, apenas durante, como forma economia. Além disso, apesar
da contratação de educadores durante a pesquisa, houve a dispensa de outros; e o resultado foi a
perda de uma equipe de educadores, o que equivale a aproximadamente 12 profissionais.
Para agravar a situação, a juíza da Vara da infância de Parnamirim tinha aumentado em dez
o número de adolescentes na unidade. Como já dito anteriormente, em julho de 2018, havia 46
adolescentes e passou a abrigar 56 no mesmo ano. Vale salientar que esse número é rotativo,
considerando que há adolescentes próximos do cumprimento da medida sócioeducativa, e outros
dez adolescentes em fuga e que podem retornar à unidade a qualquer momento.
Outra situação que merece destaque é a condição dos educadores recentemente contratados,
via concurso público e por contrato temporário. Dentre esses profissionais, via concurso público,
estavam os profissionais da psicologia, assistência social, pedagogia e parte da chefia técnica,
enquanto que os educadores foram via contrato.
Esse fato é relevante porque esses profissionais ainda estavam se adaptando à rotina da
unidade. O conhecimento dos adolescentes, as rivalidades grupais, ainda são pouco conhecidas,
diferentemente de outros profissionais que já trabalham na unidade.
75
Em relação especificamente aos educadores contratados, via contrato temporário, havia uma
situação bastante delicada que precisa ser mencionada. Esses profssionais foram contratados há no
máximo cinco meses, da data da presente pesquisa, para um período de trabalho de um ano,
podendo ser prorrogado por mais um ano. O regime de trabalho, oferecido pelo estado do RN, faz
com que esses profissionais trabalhem por até três meses para então receberem o primeiro salário.
Nas primeiras visitas à unidade, muitos educadores estavam trabalhando sem a assinatura do
contrato. Da assinatura do contrato até o recebimento do primeiro salário, adiciona-se mais um mês
para recebimento do salário, ou seja, alguns educadores vão trabalhar até quatro meses sem receber
salário.
Alguns desses educadores moravam em outros estados. Havia, por exemplo, um educador
que morava na cidade de Campina Grande, na Paraíba, e deslocava-se até Paranamirim toda
semana. A distância entre as duas cidades, a depender do caminho que se escolhe ir, é de 245km.
É sabido do alto grau de estresse que a atividade de educador proporciona, os baixos salários
da função e, no contexto do CEDUC-Pitimbu, o atraso no pagamento dos salários, o que faz com
que alguns educadores “paguem para trabalhar”. Essa situação nos faz refletir sobre a saúde mental
desses trabalhadores devido a alta carga de estresse e os seus desempenhos na oferta das atividades
socioeducativas.
Podendo haver uma relação direta ou não, mas todos os adolescentes participantes da
pesquisa relataram sobre o mau relacionamento que tinham com os novos educadores. Tentando
reproduzir literalmente a fala de Paul (o participante será apresentado mais adiante) sobre assunto,
ele diz “...os educadores novos são ruins, eles chegam gritando com nós, mandando baixar a
cabeça e virar pra parede... ficam querendo mandar em tudo... quem eles pensam que são?”.
É possível que a mudança de direção na gestão da unidade tenha agravado essa situação. A
implementação de uma nova lógica de atuação na unidade tinha causado resistência de alguns
educadores à mudança, o que por vezes é comentado informalmente por pessoas também da gestão
técnica. A mudança da direção merece um detalhamento maior, pois tinha influência direta no
comportamento dos adolescentes e, consequentemente, nesta pesquisa.
A nova direção assumiu no mês de julho do ano de 2018. Essa direção tem o perfil mais
rígido e disciplinar. O novo diretor, responsável pela unidade, é um ex-militar, coronel da reserva.
A sua gestão estava sendo bastante criticada pelos adolescentes considerando seus abusos
disciplinares. Os educadores e gestão técnica, em geral, aprovavam os métodos de atuação da nova
gestão.
O principal ponto de discordância da nova gestão, pelos adolescentes, é a implementação do
Manual de Segurança Socioeducativa. Esse manual (PORTARIA Nº 079/2017-GP de 2017) é um
documento elaborado pela FUNDAC-RN que dispõe sobre normas e procedimentos básicos de
76
segurança preventiva e interventiva nas unidades socioeducativas desta fundação. Destacaremos
alguns pontos desse Manual mais lembrados pela equipe técnica, educadores e adolescentes, e que
têm gerado divergência.
Uma primeira situação bastante citada pelos adolescentes, quando comparada a atuação da
nova gestão e as gestões anteriores, é o deslocamento dos adolescentes na área interna da unidade.
Na nova gestão, ao retirar os adolescentes do alojamento para uma atividade socioeducativa, por
exemplo, os educadores em grupo de quatro componentes vão até o alojamento e pedem para que os
adolescentes virem para parede. Após isso, saem em fíla indiana, com as mãos para trás, cabeça
baixa; e ao chamar o educador, deve chamá-lo de Senhor. O Manual de Segurança, na Subseção II -
Deslocamentos dentro das Unidades de Socioeducação (p.2-4), diz o seguinte:

Art. 6º. O deslocamento deverá ser realizado em pequenos grupos, compostos de no mínimo
01(um) e no máximo 04 (quatro) socioeducandos, considerando a proporção de 02 (dois)
agentes socioeducativos para cada socioeducando, garantindo a capacidade de resposta da
equipe.

Parágrafo Único. Em todas as situações de deslocamento de grupos, os socioeducandos


devem caminhar em fila indiana, em silêncio, dirigindo-se diretamente ao seu destino,
mantendo conduta previamente orientada.

Art. 8º. Os socioeducandos devem ser acompanhados por agentes Socioeducativosem em


todas as suas atividades no interior da unidade, respeitando seus momentos de privacidade, e
nas atividades externas, excetuando-se os casos de semiliberdade.

Art. 9º. Durante a circulação dos socioeducandos no interior da unidade, não será permitida
a comunicação de qualquer modo com o meio externo, salvo em atividades pedagógicas e
para comunicar-se com familiares, quando previamente autorizado.

A partir do relato dos adolescentes e ao que é apresentado no manual de segurança, percebe-


se que não há um grande distanciamento. O que foi relatado é o que parece estar sendo
implementado. Enquanto que essa forma de atuação se torna uma queixa para os adolescentes, ela é
bem aceita pela maioria dos educadores e parte da gestão técnica.
A nova gestão também restringia os espaços dos adolescentes, que ficavam mais livres no
interior da unidade. Na frente dos seus alojamentos há uma área comum, em que os adolescentes
ficavam juntos com outros. Na nova gestão, não há mais o acesso a esse espaço e ficam a maior
77
parte do dia nos seus alojamentos.
Havia também relatos, por parte dos adolescentes, de abusos de alguns educadores nos dias
de visitas com as famílias, quando não dão a devida privacidade. Segundo os adolescentes, os
educadores ficam próximos a eles e suas familias, podendo ouvir toda a conversa. Isso é uma queixa
recorrente por quase todos os adolescentes participantes da pesquisa.
Além disso, há queixas do uso da violência física por parte dos novos educadores para com
os adolescentes. O Manual de Segurança é bastante claro e detalhado nesse sentido, estabelencendo
os contextos em que deverão ser usada a força física. A esse respeito, na Seção II - Dos requisitos
para o uso diferenciado das medidads de segurança interventiva, o Manual de Segurança diz:

Art. 83. O uso diferenciado da força dentro da unidade de socioeducação somente será
autorizado em casos excepcionais.

§1º São considerados casos excepcionais:

I. Quando o recurso a outros métodos de controle se revelar inoperante;

II. Em caso de legítima defesa, de tentativa de fuga, evasão e de resistência física ativa ou
passiva a uma ordem baseada na lei ou nos regulamentos da unidade;

III. Quando o socioeducando oferecer grave ameaça a sua integridade física, à integridade
física de terceiros ou ao patrimônio público.

Dessa forma, há casos excepcionais para o emprego da força, como quando os métodos até
então empregados forem inoperantes, por legítima defesa, fuga, evasão, resistência ou quando o
socioeducando oferecer grave ameaça. Ainda na secção, estabelece-se quem será competente para
dar a autorização para o uso diferenciado da força:

§2º. O uso de procedimentos e instrumentos diferenciados de força dentro das unidades


socioeducativas deverá ser autorizado pela Gerência da Unidade, devidamente
fundamentado nos casos previstos no parágrafo anterior, oportunidade em que deverá
consultar a equipe técnica da unidade e informar o ocorrido à presidência da Fundação.

§3º. Em caso de tumulto geral e perda do controle e do senso de hierarquia, a Gerência da


Unidade deverá acionar à presidência da Fundação, que assumirá o comando da situação,
78
com apoio do Núcleo de Segurança.

Assim sendo, é da gerência da unidade a competência para tal autorização. Contudo, tal
autorização é concedida seguindo alguns príncípios, para que não haja abusos. A Secção I – Dos
Princípios para o uso diferenciado das medidas de segurança interventiva, discorre sobre esses
princípios:

Art. 81. O emprego da força dentro das unidades de socioeducação deverá ser realizado de
forma diferenciada, observando os seguintes princípios:

I. Legalidade: O uso da força somente é permitido para atingir um objetivo legítimo,


devendo-se, ainda, observar a forma estabelecida em lei e neste Manual de Segurança
Socioeducativa;

II. Necessidade: O uso da força somente deve ocorrer de forma excepcional e quando outros
meios forem ineficazes para atingir o objetivo desejado;

III. Proporcionalidade: O uso da força deve ser empregado proporcionalmente à resistência


oferecida, e os meios utilizados não devem causar lesão, dor ou humilhação, devendo ser
empregados de forma restritiva e para cessar ou neutralizar a injusta agressão a outros ou a si
mesmo ou que cause sérios danos materiais;

IV. Conveniência: Mesmo que, em um caso concreto, o uso da força seja legal, necessário e
proporcional, é preciso observar se não coloca em risco outras pessoas ou se é razoável e de
bom-senso lançar mão desse meio. Por exemplo, num local com grande concentração de
socioeducandos, o uso da força não é conveniente, pois traz riscos no sentido de provocar
uma reação dos demais.

Os prinpícios citados aludem para a reflexão sobre a natuza do emprego da força dentro das
unidades de socioeducação. Destaca-se para que se a razão do emprego da força for mudada, é
preciso fazer uma nova avaliação sobre a necessidade do uso da força, nessa nova situação.
Os meninos da unidade também reclamavam da demora para entrega de seus objetos
pessoais. Apenas parte dos objetos é entregue, enquanto que a outra parte fica retida pela gestão da
unidade. O Manual, no seu artigo 29, diz que todos os objetos devem ser devidamente lacrados e
guardados em guarda-volumes, ficando sob responsabilidade da unidade e entregue aos
79
adolescentes. Contudo, a demora da entrega, segundo a gestão técnica, diz respeito à própria logíca
da unidade que encontra dificuldades para atender a todos, e o volume de objetos entregue pelos
familiares é bastante grande, tornando-se inviável a entrega de todos os objetos de uma só vez.
Outra situação, que é bastante lembrada nas queixas dos adolescentes, são as revistas
realizadas pelos educadores. Os meninos dizem que há revistas a todo o momento. Há revistas
periódicas tanto nos seus alojamentos, quanto neles próprios quando saem para as atividades e
retornam das mesmas. Sobre esse assunto, na Seção III – Das revistas nas unidades de
socioeducação (p.5-6) do Manual de Segurança, diz o seguinte:

Art. 21. A vistoria estrutural realizada pelos agentes socioeducativos deverá ocorrer
diariamente e em horários variados, nos seguintes locais e objetos:
I. Salas de aula, alojamentos, banheiros coletivos, refeitórios, salas de convivência,
salas de oficinas e salas de verificação;

II. Corredores de acesso às oficinas e às salas de aula;

III. Salas de atendimento técnico;

IV. Colchões, cobertores, lençóis, travesseiros, toalhas e outros objetos mantidos


junto aos socioeducandos em seu alojamento;

V. Demais locais necessários à manutenção da segurança interna da unidade.

O que se deve observar na revista? O art. 24 traz o seguinte:


I. Observar a estrutura física na sua parte externa, detectando falhas ou depredações;

II. Conferir refletores e a iluminação interna e externa (danificações e/ou


substituições);

III. Conferir as condições de uso dos objetos, equipamentos e dispositivos de


segurança da unidade;

IV. Conferência das condições dos muros e áreas externas da unidade; e.

V. Demais locais necessários à manutenção da segurança externa da unidade.


80
A vistoria estrutural visa coibir e localizar objetos que sejam vedados pelo Regimento
Interno e por este Manual, além de detectar falhas ou depredações na estrutura física da área de
segurança. A sua periodicidade, como exposto nos artigo 21, deve ser realizada diariamente e,
quando for o caso, mais de uma vez no mesmo dia.
No que diz respeito especificamente aos alojamentos, o Art. 23 diz que devem ser
vistoriados antes e depois da realização das atividades, para a verificação de objetos danificados e
desaparecidos ou outros que possam de algum modo comprometer a segurança da comunidade
socioeducativa, bem como para contagem de instrumentos utilizados. Em relação às revistas nos
socioeducandos, o Artigo 25 explica que deve se fazer a revista na entrada e saída na unidade e em
seus alojamentos, de forma minuciosa, em local reservado e apropriado.

3.2. Inserção do pesquisador no campo de pesquisa.

O nosso primeiro contato com o campo de pesquisa inicia-se em julho de 2018. Durante
todo aquele mês ocorreram ligações telefônicas e contatos presenciais com orgãos governamentais
do estado para a autorização da realização da pesquisa.
O primeiro contato se deu com a FUNDAC-RN, na época. Meses depois, a nomenclatura
muda e torna-se Fundação de Atendimento Socioeduativo do Estado do Rio Grande do Norte –
FUNDASE. Esse contato inicial se deu por telefone, sendo enviado à presidência desse orgão
público a carta de anuência de autorização, via e-mail, para realização da pesquisa no CEDUC-
Pitimbu.
Tal carta de anuência foi enviada à secretaria de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSI) da
UFRN. Em papel timbrado confeccionado por essa instituição, foi então enviado à FUNDASE.
Por quase todo o mês de julho estivemos imersos nesse processo da autorização. Depois de
autorizado pela FUNDASE, o ofício foi enviado para o CEDUC-Pitimbu para, assim, conseguir a
autorização. Mais telefonemas se sucederam.
Esse trâmite se faz necessário, porque segundo o Manual de Segurança Socioeducativa,
PORTARIA Nº 079/2017-GP de 201, da FUNDASE, é estabelecido que:

§2º. O acesso de visitantes vinculados às instituições de ensino básico, técnico, superior e de


instituições nacionais e internacionais, com objetivo de visita técnica e/ou pesquisa, somente
será autorizado após registro e permissão da Presidência da Fundação.

81
No mês de julho, o CEDUC-Pitumbu estava passando por mudanças na direção. Vários
profissionais migraram para outros cargos e, assim, aprender no dia a dia o ofício das suas novas
funções.
Esse fato dificultou a viabilização da autorização para a realização da pesquisa. Contudo,
conseguimos agendar uma reunião com a equipe técnica para exposição dos objetivos desta
pesquisa, metodologia de atuação, dúvidas que surgissem e conhecimento deste pesquisador pela
equipe técnica da instituição. Até aquele momento a equipe não conhecia pessoalmente o
pesquisador.
No dia 25 de julho de 2018, aconteceu o primeiro encontro do pesquisador com a equipe
técnica da instituição. Participaram deste encontro, além do pesquisador, duas pessoas responsáveis
pela chefia técnica, a assistente social, a pedagoda e a psicóloga.
O pesquisador foi muito bem recebido por todos os profissionais da unidade. Ao chegar à
unidade foi recebido pela recepcionista, que já fora educadora no passado no próprio Pitimbu, que
gentilmente pediu para aguardar na recepção, enquanto daria ciência à chefia técnica da chegada do
pesquisador à unidade.
O encontro aconteceu na sala da chefia técnica. O espaço bastante amplo, com ar-
arcondiconado, computadores, mesas e cadeiras em perfeito estado de conservação.
A chefia técnica se apresentou e apresentou todos os participantes pelo nome, profissão e
funções que desempenhavam na intituição. A iniciativa de que toda a equipe técnica participasse do
encontro, diz respeito à possibilidade de que todos estivessem cientes das atividades que o
pesquisador iria desempenhar e pudesse acompanhá-lo. A circulação de pessoas nos espaços do
CEDUC-Pitimbu é bastante controlada e limitada, seguindo o Manual de Segurança; dessa forma,
há um esforço para que os profissionais saibam quem são as pessoas que estão naqueles espaços e
as funções que desempenham ali.
A chefia técnica foi a responsável por guiar todo o encontro. Apresentou as pessoas ali
presentes, expôs a dinâmica que a instituição estava vivenciando naquele momento (com a mudança
de direção) e apresentou os objetivos daquele encontro, passando a palavra para este pesquisador.
O pesquisador expôs os objetivos principais da pesquisa que pretendia ser desenvolvida ali.
Algo que merece destaque desse momento é que, fora relatado pelos participantes do encontro que o
estado do RN nega a existência das facções no sistema socioeducativo e o conflito entre os jovens
dos alojamentos rivais, e que essa negligência dificulta o trabalho de todos os profissionais, pois
nenhum apoio é dado nesse sentido, e esses profissinais têm que saber lidar no dia a dia com esse
fenômeno à sua maneira.
Vários profissionais, por residirem no estado do RN há muito tempo e estarem trabalhando
no socioeducativo, também há bastante tempo, fizeram relatos importantíssimos sobre o prelúdio
82
das facções no estado. Na visão desses profissionais as facções começaram a aparecer em pequenos
grupos criados nas periferias das cidades, que tinham como função mediar as relações entre os
jovens de diferentes bairros. Algo como pequenas gangues, com nomes e formas de atuação
definidas, e que vão ser incorporadas às facções posteriormente.
Outra questão demandada pelos profissionais foi a possibilidade de se fazer algum trabalho
com as famílias dos adolescentes, que são pertencentes às facções. Foi colocada a importância que a
família exerce no acompanhamento dos adolescentes quando internos da unidade, e que seria
fundamental entender como a família se coloca diante da facção e do adolescente pertencente a ela.
Ficou acordado também que os psicólogos da unidade iriam acompanhar toda a execução da
pesquisa na unidade. Eventualmente também participariam das atividades e que todas as atividades
proprostas seriam reportadas à chefia técnica para que tomasse conhecimento das ações que
desempenharíamos alí.
O pesquisador também solicitou à chefia técnica o acompanhamento da construção de
alguns Planos Individuais de Atendimento (PIA). O pedido foi autorizado prontamente e de forma
colaborativa. A partir disso, houve o fechamento do encontro e o pesquisador trocou telefones
pessoais com a chefia técnica e com a psicóloga (esta que iria acompanhá-lo).
As idas do pesquisador à unidade aconteceram seguindo o manual de segurança,
principalmente em relação às seguintes diretrizes:

§4º. Toda autorização será precedida de identificação e apresentação do motivo do ingresso


nas dependências físicas junto à portaria e à Gerência das unidades socioeducativas.

§1º. O ingresso e a saída ocorrerão, obrigatoriamente, pela porta principal junto à portaria.

§2º. Quando da saída do visitante, o servidor recolherá o crachá fornecido e anotará o


horário.

§3º. Se uma mesma pessoa entrar e sair diversas vezes, no mesmo período/dia, todas as
movimentações deverão ser devidamente registradas, realizando-se os procedimentos de
revista correspondentes.

Art. 51. Os visitantes em geral somente terão acesso à unidade quando a visita for
previamente programada, devendo ser encaminhado e acompanhado por servidor designado
pela Gerência.

83
Art. 52. Todos os visitantes, ao acessarem a unidade socioeducativa, deverão ser orientados
sobre as normas de segurança, em conformidade com este Manual, o Regimento Interno e a
Proposta Pedagógica das unidades socioeducativas.

Um ponto a ser destacado refere-se às revistas nos visitantes da unidade. O manual diz que
todos os visitantes deverão ser submetidos à revista. Assim, cogitou-se, num primeiro momento, a
revista no pesquisador, o que foi descartada, pois este se comprometeu com a direção da unidade
mediante o conhecimento e o respeito a todos os procedimentos estabelecidos no manual de
segurança, em especial àqueles sobre a porte de instrumentos, objetos que não fazem parte da
pesquisa, no interior da unidade.
As visitas do pesquisador à unidade aconteceram de forma periódica, por vezes semanais,
durante os meses de julho e dezembro de 2018. A relação das atividades que foram desenvolvidas
pelo pesquisador está descrita na Tabela 04 – Cronograma de Coleta de dados.
O pesquisador em todos os momentos foi muito bem acolhido por todos os profissionais da
unidade. Todos os profissionais, sem exceção, foram bastante solícitos frente às atividades, pedidos
e demais demandas para a realização da pesquisa.

3.3. Participantes.
Fizeram parte da pesquisa adolescentes do sexo masculino em regime de privação de
liberdade, na unidade socioedutiva CEDUC-Pitimbu, e seus familiares. Os participantes estão
distribuídos da seguinte forma: cinco adolescentes residentes em alojamentos destinados à facção
do Sindicato-RN e seus familiares; cinco adolescentes residentes em alojamentos destinados à
facção do PCC e seus familiares. Além disso, foram analisados os Planos de Antendimento
Individual (PIA) de cada adolescente.
O número de adolescentes da pesquisa foi pensado a partir da organização da unidade
socioeducativa e o trabalho com trajetórias de vida. O CEDUC-Pitimbu é divido por alojamentos
designados às facções Sindicato-RN e PCC.
Aos primeiros são atribuídos os alojamentos de toda a parte superior com três pavilhões e 12
camas cada, além de dois pavilhões com 12 camas cada, na parte inferior. Nesses pavilhões
continham 38 adolescentes no início da pesquisa e, durante, passou a ter 48. Em menor quantidade,
ao PCC é remetido apenas um pavilhão com 12 camas na parte inferior. Esse pavilhão comporta
oito adolescentes. Apesar do aumento do quantitativo de adolescentes no decorrer da pesquisa,
nenhum deles foi destinado àquele pavilhão, permanecendo assim com o número de oito
adolescentes. Dessa forma, no intituito de tornar igualitário o quantitativo de adolescentes
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residentes em alojamentos designados a ambas as facções, levando-se em consideração a
organização da unidade e o trabalho com trajetórias de vida, estabelecemos o número de dez
adolescentes e seus familiares.
Estabelecido o número de participantes, a escolha dos adolescentes se deu a partir dos
seguintes critérios:
Bairro onde reside – optamos por fazer um recorte mais contextutalizado, circunscrito à
cidade de Natal e região metropolitana. Escolhemos adolescentes que residem na cidade de
Natal e Parnamirim e as cidades distantes da capital e região metropolitana, ou mesmo fora
do estado do Rio Grande do Norte, não participaram desta pesquisa.
Estar na unidade socioeducativa há pelo menos cinco meses – esse critério, a partir do
tempo de permanência na unidade, dá margem ao adolescente ter uma vivência na unidade
socioeducativa do Pitimbu e, assim, participar das dimâmicas relacionais entre as facções no
interior da unidade.
Receber visitas periódicas da família – essa condição permite que a pesquisa tenha outra
fonte de dados complementar.

A partir disso, a escolha se concretizava com o desejo manifesto do adolescente em


participar da pesquisa. Assim, descrevemos a seguir minimamente o perfil de cada adolescente que
participou da pesquisa. A intenção é apresentar algumas características, elementos das suas
trajetórias de vida, impressões gerais das entrevistas, já trazendo alguns resultados da pesquisa.

3.3.1. O perfil dos adolescentes que residem nos alojamentos destinados ao Sindicato-RN

1. Nome fictício: John

Idade: 17 anos.

Tempo na unidade: há cinco meses na unidade. É sua segunda internação na unidade.

Local onde reside: Parnamirim-RN.

Alojamento que reside: Sindicato –RN

Impressões gerais da entrevista:


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A entrevista com John foi realizada no dia 12 de agosto de 2018, às 11 horas da manhã. O
local da entrevista foi a sala de aula, que fica próxima à quadra poliesportiva. Essa sala foi
escolhida por ser próxima ao alojamento de John e, assim, facilitar o deslocamento do adolescente.
A sala de aula onde foram realizadas as entrevistas é bastante ampla e ventilada. Contudo, a
ventilação é natural e consta apenas de ventiladores de teto. Assim, por conta do calor, é preferível
abrir todas as jenelas ao invés de fechá-las para ligar os ventiladores. A sala encontrava-se um tanto
suja, empoeirada e com alguns sacos pláticos espalhados. Estruturalmente, é composta de carteiras
para os alunos, quadro, mesa e cadeira dos professores, pouco conservadas.
Ao lado da sala de aula, dividindo a mesma parede, fica o alojamento dos educadores. É
ampla, possui várias camas, ar condicionado e uma mesa de pebolim, para os momentos de lazer. A
sala aparentava estar limpa e, no momento, não havia nenhum educador dormindo no local.
Na frente dessas duas salas, sala de aula e alojamento dos educadores, há um espaço amplo,
onde ficam grande parte dos educadores. Quando não estão nas suas rondas, o educadores ficam
nesse espaço conversando. Esse espaço fica em frente às janelas e porta da sala de aula, onde
realizamos a entrevista.
Como forma de prevenir que o adolescente ficasse constrangido de falar sobre qualquer
assunto, por receio dos educadores ouvirem, fechamos a porta e janelas. Apesar do calor, quase que
de imediato, a entrevista aconteceu sem maiores problemas.
A entrevista durou aproximadamente 45 minutos. Estavam na sala apenas o pesquisador e o
adolescente. As demais pessoas, a gestora técnica (que nos acompanhava na pesquisa) e os
educadores permaneceram do lado de fora da sala.
John aparentava estar tranquilo no momento da entrevista. Diz que estava dormindo no
momento em que foi chamado. É bastante comum estarem dormindo, por se tratar de um dia de
domingo de manhã e, que geralmente não há atividades programadas para os adolescentes.
Na entrevista foi possível conversar sobre diversos asssuntos. Não houve nenhum momento
em que John relutasse ou não se sentisse à vontade para falar de algo específico.
O adolescentes deu detalhes sobre o cotidiano da unidade. Descreveu o processo de entrada
e permanência na facção, como também as regras estabelecidas por estes, que serão descritas no
capítulo seguinte.
Apesar de dar detalhes sobre a facção, John fez questão de dizer que não era filiado à facção
e que pertencia à “massa”, ou seja, aquele grupo de pessoas que não é filiada a nenhuma facção.
Porém, a gestão técnica confirma o seu pertencimento, baseada em certas atividades desempenhadas
e, também, por ele próprio declarar pertencer em outras oportunidades.
Além disso, John fala que sempre sua mãe, avó e esposa vêm visitá-lo, apesar de que esta
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última reside em outro estado. Finalizamos a entrevista pedindo permissão para conversar com seus
familiares sobre os assuntos tratados nesta entrevista, o que foi concedida por ele.

2. Nome fictício: Ringo.

Idade: 16 anos.

Tempo na unidade: há sete meses na unidade. É o seu primeiro período de internação.

Local onde reside: Felipe Camarão-Natal.

Alojamento que reside: Sindicato –RN.

Impressões gerais da entrevista:

A entrevista com Ringo foi realizada no dia 12 de agosto de 2018, às 11 e 45 da manhã, logo
após a entrevista com John. O local da entrevista também foi a sala de aula, que fica próxima à
quadra poliesportiva, e foi escolhida por ser próxima ao alojamento de Ringo. As características
estrutrurais desse local já foram detalhadas no tópico anterior.
Também fechamos a porta e janelas da sala, de modo a prevenir que educadores ouvissem o
que estava sendo falado e, assim, pudesse influenciar na entrevista. A partir disso, a entrevista
ocorreu normalmente.
A entrevista durou aproximadamente 45 minutos. Estavam na sala apenas o pesquisador e o
adolescente. As demais pessoas, a gestora técnica (que nos acompanhava na pesquisa) e os
educadores, permaneceram do lado de fora da sala.
Tomamos cuidado para a entrevista não se estender. Começamos tarde e poderia atrapalhar a
hora do almoço dos educadores e adolescentes. Contudo, não houve problemas nesse sentido.
Na entrevista foi possível conversar sobre diversos asssuntos, inclusive aqueles relacionados
à facção. Ringo também fez questão de afirmar que, embora soubesse detalhes de como funciona a
facção, não era filiado ao grupo. Porém, em outros momentos da entrevista, relatando casos
pessoais, sem perceber fala coisas do tipo “Ah! Quando eu fiz tal coisa pra facção, eles me
ajudaram em outra situação”, ou seja, mesmo sem querer aponta para o seu vínculo com o grupo.
Finalizamos a entrevista pedindo permissão para conversar com seus familiares sobre os
assuntos tratados nesta entrevista, o que foi concedida por ele. No caso de Ringo, é a sua mãe que o
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visita com frequência.

3. Nome fictício: Paul.

Idade: 14 anos.

Tempo na unidade: há dois meses na unidada do Pitimbu. Antes disso, passou sete dias no CIAD-
Natal, fugiu com vinte e três dias, retornou ao CIAD-NATAL permanecendo mais trinta e oito dias;
e agora está no CEDUC-Pitimbu.

Local onde reside: Bairro das Quintas-Natal.

Alojamento que reside: Sindicato –RN.

Impressões gerais da entrevista:


A entrevista com esse adolescente foi realizada no dia 19 de agosto de 2018. O local da
entrevista foi a sala da gestão técnica destinada aos assuntos jurídicos, composta por cadeiras, mesa,
armário e ar condicionado em bom estado de conservação.
A entrevista durou aproximadamente uma hora. Estavam na sala apenas o pesquisador e o
adolescente. As demais pessoas, o psicólogo (que nos acompanhava na pesquisa) e os educadores,
permaneceram do lado de fora da sala.
O adolescente se apresentou para entrevista tranquilo e à vontade. Estava bastante falante e,
ao mesmo tempo, “bravo”, “firme” nas suas colocações, mas sem ser ameaçador.
Por causa da sua pouca idade, imaginávamos que não seria maduro o suficiente para
argumentar sobre temas mais delicados sobre sua trajetória de vida e sobre as facções. Mesmo
assim, decidimos arriscar a fazer uma entrevista inicial. Para a nossa grata surpresa, foi a entrevista
mais serena, bem-humorada e mais rica em diversidade de temas e detalhes.
A entrevista transcorreu muito bem. Muitos temas foram debatidos, entre eles estão o
cotidiano no CEDUC-Pitimbu, o mau relacionamento com os educadores, os pontos negativos da
nova gestão do CEDUC, e outros mais relacionados às facções, como as diferenças entre o
Sindicato-RN e o PCC, como faz para entrar e sair da facção, o que pode e não pode fazer numa
facção.
Paul fala abertamente que pertence à facção. Quando questionado sobre a sua idade, por ser
muito novo e, segundo as regras facção, não poder participar do grupo até completar 18 anos,
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concorda com tal constatação e retruca que tem seu padrinho e a referência, mas que realmente
ainda não teve o seu batismo. Ou seja, não está vinculado de fato à facção, mas exerce todas as
atividades de alguém que pertence ao grupo.
Nos dias de visita, sua mãe e tia têm presença frequente. Quando as duas não podem estar
presentes ao mesmo tempo, sempre uma delas está.

4. Nome fictício: Pete.

Idade: 17 anos.

Tempo na unidade: Há seis meses na unidade.

Local onde reside: Felipe Camarão-Natal.

Alojamento que reside: Sindicato –RN.

Impressões gerais da entrevista:


A entrevista com esse adolescente foi realizada no dia 19 de agosto de 2018. O local da
entrevista foi a sala da gestão técnica destinada aos assuntos jurídicos, composta por cadeiras, mesa,
armário e ar condicionado em bom estado de conservação.
A entrevista durou aproxidamanete 30 minutos.Talvez tenha sido a entrevista mais curta.
Estavam na sala apenas o pesquisador e o adolescente. As demais pessoas, o psicólogo (que nos
acompanhava na pesquisa) e os educadores, permaneceram do lado de fora da sala.
O adolescente se apresentou para entrevista bastante tranquilo e à vontade. Antes da
entrevista conta que estava dormindo e foi chamado pelos educadores para uma atividade, mas que
não sabia qual.
Em todo o momento da entrevista aparentou estar “aéreo”, distraído, sem conseguir articular
bem as ideias e entender as perguntas que lhes eram feitas. Perguntas do tipo, você gosta da comida
daqui do CEDUC? Eram respondidas que sim e, logo depois, perguntava: “Qual era mesmo a
pergunta?”.
Após a entrevista, comentando com o psicólogo sobre esse jeito distraído do adolescente, ele
confirmou esse comportamento do adolescente. Comentou da dificuldade da equipe na construção
do seu PIA, porque muita coisa não sabia responder e que tinha que recorrer a sua família, em dias
de visita, para complementar os dados desse documento.
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Apesar disso, a entrevista transcorreu normalmente. Teve um período de duração
relativamente mais curto do que as entrevistas com os demais adolescentes, porque os assuntos se
esgotaram mais rapidamente.
Sua mãe e avó são as referências familiares. Dificilmente faltam nos dias de visita e revezam
para estarem presentes, ora a mãe e avó aparecem no dia de visita; ora apenas a mãe, ora apenas a
avó.

5. Nome fictício: George.

Idade: 18 anos.

Tempo na unidade: Há dez meses na unidade.

Local onde reside: Felipe Camarão-Natal.

Alojamento que reside: Sindicato –RN.

Impressões gerais da entrevista:


A entrevista com George foi realizada no dia 19 de agosto de 2018. O local da entrevista foi
a sala da gestão técnica destinada aos assuntos jurídicos, composta por cadeiras, mesa, armário e ar
condicionado em bom estado de conservação.
A entrevista durou cerca de uma hora. Estavam na sala apenas o pesquisador e o
adolescente. As demais pessoas, o psicólogo (que nos acompanhava na pesquisa) e os educadores,
permaneceram do lado de fora da sala.
O adolescente se apresentou para a entrevista também bastante tranquilo e à vontade. A
conversa fluiu bem, passando por várias temáticas e se posicionando.
George argumenta as diferenças entre as gestões do Pitimbu – passadas e a atual. A gestão
atual é conhecida por ser mais “linha dura” em algumas atitudes, por exemplo, fazer com que todos
encostem na parede para tirar um adolescente do alojamento, ou colocar os adolescentes de cabeça
baixa e mãos para trás para se descolar no espaço comum da unidade, do lado de fora do
alojamento.
Fala que a comida é boa. Porém, com a nova administração vem em pouca quantidade e não
pode mais repetir.
A relação com os educadores recentemente contratados também é relatada como algo
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bastante negativo. Essa questão vai perpassar quase todos os relatos dos adolescentes entrevistados
e vai ser mais bem detalhada em outro momento.
No que diz respeito à sua relação com a facção, George afirma pertencer ao Sindicato-RN.
Diz que quem domina o seu bairro é o Sindicato, e que apenas os bairros Japão e Mosquito
pertencem ao PCC.
É sabido por notícias de jornal e por profissionais conhecidos que trabalham na assistência
social,que a comunidade do Mosquito constantemente sofre tentativas de invasões pelo Sindicato.
Sobre esse episódio, George comenta algo como: “É...apenas Japão e Mosquisão são dos Pecêco,
mas Mosquito jájá é nossa, nois tá tentando invandir lá e acho que já é nossa”. George é o primeiro
a dizer “Nós” quando se refere à facção, entendido por nós como demonstração da sua identificação
e pertencimento a esse grupo.
Diferententemente dos outros jovens, o comportamento de George demonstra ser bastante
“frio”. Seu gestual é limitado a ficar de braços cruzados, sentado na cadeira, e as respostas são
curtas, não desenvolvendo uma resposta mais elaborada. O seu olhar pronfundo, fixo, também
chama a atenção.
Algo interessante a se relatar, também, é que possivelmente o pai deste jovem pertença à
facção do Sindicato-RN. Esse fato foi relatado pela gestão técnica e não pelo adolescente, no
momento da entrevista.
Nesta primeira entrevista não houve a abertura necessária para perguntar mais a fundo sua
relação com o pai e a relação deste com a facção, o que foi conseguido nas outras entrevistas.
Espera-se que nas próximas entrevistas com o adolescente e o com pai, no dia de visita, seja
possível coletar mais informações a respeito.

3.3.2. O perfil dos adolescentes que residem nos alojamentos destinados ao PCC
Agora iremos apresentar os adolescentes residentes nos alojementos destinados ao PCC. O
trabalho com estes adolescentes iniciou-se no mês de outubro de 2018.
Algumas considerações sobre o contexto da unidade, nesse período, precisam ser destacadas.
O clima da unidade naquele mês era de tensão e ansiedade por parte dos educadores, fato que
influenciava na retirada dos adolescentes do alojamento. Havia uma prerrogativa de tirar apenas um
ou dois adolescentes durante o dia para a realização das entrevistas, contudo, nada que impedisse a
realização da pesquisa. Alguns fatores concorreram para que essa nova situação surgisse.
O primeiro diz respeito à redução drástica do contingente de educadores da unidade. Para se
ter uma ideia, no dia 06 de outubro de 2018, dia em que realizamos as primeiras entrevistas com os
meninos residentes nos alojamentos do PCC, a equipe formada por educadores caiu perto da
metade. A equipe formada por 15 educadores – quantitativo que seria o ideal, foi reduzida para oito
91
naquele dia.
Juntamente a isso, naquele mês de outubro houve um aumento em dez adolescentes na
unidade. Esta, que no início da pesquisa comportava 46 adolescentes, no mês de outubro já contava
com 56. Todos esses novos adolescentes foram alocados nos alojamentos do Sindicato-RN.
Dessa forma, o aumento do quantitativo de adolescentes e a redução do número de
educadores ocasionou um clima mais tenso entre os educadores, fazendo com que estes ficassem
mais alerta, planejassem com mais cuidado a retirada dos adolescentes e fossem comedidos sobre a
quantidade e momento de retirada dos adolescentes dos alojamentos.
Naquele momento, havia dez adolescentes nos alojamentos destinados ao grupo do PCC.
Escolhemos cinco nomes para as entrevistas individuais. O perfil em linhas gerais desses
adolescentes com o nome fictício para ser garantido o sigilio dos mesmos, serão mais bem descritos
a seguir.

1. Nome fictício: Moraes.

Idade: 18 anos.

Tempo na unidade: está na unidade desde julho de 2017.

Local onde reside: Planalto (Parnamirim) e antigamente residia na comunidade do Mosquito


(Natal).

Alojamento que reside: PCC.

Impressões gerais da entrevista:


A entrevista com Moraes aconteceu no dia 06 de outubro de 2018. O local da entrevista foi
a sala de aula próxima à quadra poliesportiva, que embora apresentasse bastante suja, fisicamente
demonstrava estar bastante conservada.
Essa entrevista foi realizada pela manhã. Foi a primeira entrevista que seria realizada
naquele dia, no qual, realizaríamos mais duas entrevistas, uma com Pepeu e outra com Galvão, que
serão detalhadas nos substópicos a seguir. A entrevista com Moraes fluiu muito bem e durou cerca
de uma hora. Encerramos antes do previsto para dar tempo de realizar as outras entrevistas.
Moraes estava bastante tranquilo e, por vezes, engraçado. Tudo o que lhe foi perguntado, o
adolescente respondeu. A entrevista foi bastante produtiva por causa da riqueza de detalhes trazida
pelo adolescente sobre a organização da facção, aspectos da sua trajetória de vida, processos de
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entrada no grupo, como também das recorrentes invasões que a comunidade do Mosquito estava
sofrendo naquela época pelo Sindicato-RN, e das ações da polícia.

2. Nome fictício: Pepeu.

Idade: 18 anos.

Tempo na unidade: há cinco meses na unidade. É a sua segunda internação na unidade, que teve
início em 2017; evadiu-se e foi encontrado em outra cidade; foi transferido novamente para a
unidade do Pitimbu.

Local onde reside: Planalto (Parnamirim) e antigamente residia na comunidade do Mosquito


(Natal).

Alojamento que reside: PCC.

Impressões gerais da entrevista:


A entrevista com Pepeu aconteceu no dia 06 de outubro de 2018. O local da entrevista foi a
sala de aula próxima à quadra poliesportiva, que embora apresentasse bastante suja, fisicamente
demonstrava estar bastante conservada.
A entrevista foi realizada pela manhã, logo após a entrevista com Moraes. A entrevista fluiu
muito bem, durou cerca de uma hora e teve que ser encerrada por causa da hora do almoço que já
estava próxima.
Pepeu é bastante extrovertido, expressa-se bem, conversa sobre diversos assuntos, inclusive
a política nacional. É bastante engraçado, conta piadas sobre tudo, inclusive de atuações dentro da
facção que quase o levaram à morte. Embora extrovertido, os educadores alertaram que não se
deveria dar a total confiança ao adolescente, pois, a qualquer momento, poderia tentar uma fuga,
como já tentou outras vezes.
Na entrevista, Pepeu usava óculos emprestado de outro adolescente da unidade e disse que
usava, mesmo não precisando, para aparentar ser uma pessoa séria. Dentre todos os adolescentes da
pesquisa, é o que aparenta demonstrar mais orgulho de pertencer à facção. Numa parte da
entrevista, por exemplo, canta um grito de guerra da facção.
Ele vestia a camisa da unidade com inscrição no peito feita à lápis, PCC, e embaixo, o
número 1533. Ele explica que esse número significa o nome da facção a partir das letras do
93
alfabeto: 15 é décima quinta letra do alfabeto P, e 3 é a terceira letra do alfabeto C = PCC.
Além disso, trouxe informações bastante detalhadas sobre o funcionamento da organização,
desde a relação com outros países, até a atuação das lideranças nos bairros. Todas essas questões
serão melhor discutidas nos tópicos A aproximação dos adolescentes com as facções:
especificidades do recrutamento antes do ingresso no sistema socioeducativo e As dinâmicas
relacionadas entre os adolescentes no interior do CEDUC-Pitimbu: a rivalidade entre os grupos.
Em relação à sua trajetória de vida, conta detalhes do processo de entrada e batismo na
facção. Relata que esta o mandou que morasse com seu primo numa casa na comunidade do
Mosquito, e que iria para outro estado do Sudeste a mando da facção para se juntar a outras
lideranças.
Fato jocoso a mencionar, já no fim da entrevista, Pepeu pergunta o que o pesquisador achava
sobre quem iria ganhar as eleições para presidente do país – no dia seguinte a essa entrevista seriam
as eleições presidenciais – e se achava que o candidato de extrema direta poderia sair vitorioso.
Percebendo a sua inquietação, foi perguntado o motivo da preocupação e o que ele achava daquilo
tudo. Ele respondeu o seguinte:

PEPEU:Porque se ele ganhar, ele vai colocar os “de menor“ na cadeia mesmo? E o que vai
acontecer com a gente, a gente vai pro presídio mesmo?

PESQUISADOR: A redução da maioridade penal? Rapaz, ele é defensor disso mesmo, mas pra isso
passar, é preciso passar pela câmara, pelo senado, demora um pouco...agora no caso de vocês, que
já estão no socioeducativo, não sei se são afetados, porque a lei não retroage para prejudicar uma
pessoa, apenas pra beneficiar.

PEPEU: Hum, entendi. Ele é um otário! Ele só quer lascar com a gente, mas se isso acontecer vai
ser até bom, porque a gente vai pro presídio.

PESQUISADOR: Você prefere o presídio do que aqui?

PEPEU: Prefiro o presídio, lá tem as linhas, os irmão, tá todo mundo lá.

Ao fim da entrevista, perguntamos se poderíamos entrevistar a sua família no dia de visita,


ao que o adolescente consentiu na condição de, ao falar com sua mãe, não comentar sobre as
ameças porque ainda a deixa bastante emocionada. Pepeu conta que sua estada no bairro Planalto e
Mosquito rendeu algumas ameças por suas atuações na facção e, por isso, teve que se mudar de
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bairro. A sua condição para A condição foi prontamente atendida por nós.
Pepeu veio a falecer no transcurso desta pesquisa. A descrição de fato já fora relatado na
introdução desta tese.

3. Nome fictício: Galvão.

Idade: 14 anos.

Tempo na unidade: Está na unidade desde de janeiro de 2017.

Local onde reside: Belo Horizonte, na cidade de Mossoró.

Alojamento que reside: PCC e Caveira.

Impressões gerais da entrevista:


A entrevista com Galvão foi realizada no dia 06 de outrubro de 2018. O local da entrevista
foi a sala de aula próxima à quadra poliesportiva.
Segundo os educadores e a equipe técnica, Galvão mantém uma relação de ambivalência
com as facções, ora se diz do PCC, ora se diz da Caveira. Esta última tem origem na cidade de
Mossoró e não é nosso objetivo aprofundarmos análises sobre esse grupo, haja vista que a sua
origem é em outra cidade; a dimâmica de organização da unidade não leva em consideração essa
facção por ter apenas Galvão como representante dela. Porém, sua inserção se dá nas duas facções
citadas e nunca no Sindicato; dessa forma, achamos interessante o seu relato sobre esses três
grupos.
No dia da entrevista, os adolescentes que não tiveram visita na quinta-feira, realizavam
ligações telefônicas para seus parentes no sábado. Eram 18 adolescentes para realizar as ligações, os
quais eram retirados dos alojamentos três por vez. Entre uma ligação e outra realizávamos as
entrevistas.
Galvão chegou à entrevista bastante tranquilo e disposto a falar. A conversa fluiu bem,
passando por várias temáticas delicadas, não se abstendo de falar de nenhuma delas.
Dentre os principais temas destacados pelo adolescente, podemos destacar os seguintes:
detalhes sobre o surgimento e organização da facção Caveira; como se dá a entrada e saída da
facção; quais as características daqueles pertencentes à Caveira, PCC e Sindicato; aspectos da
organização do Pitimbu frente às facções; aspectos particulares da sua trajetória de vida e inserção
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nas facções Caveira e PCC; elementos que favorecem a entrada e permanência dos adolescentes de
Mossoró nas facções, entre outras coisas.

4. Nome fictício: Paulinho.

Idade: 18 anos.

Tempo na unidade: Está na unidade há cinco meses.

Local onde reside: cidade de Serrinha-RN.

Alojamento que reside: Da massa.

Impressões gerais da entrevista:


A primeira entrevista com Paulinho aconteceu no dia 14 de outubro de 2018. O local da
entrevista foi a sala da gestão técnica, pois facilitava a sua reitrada do alojamento no trânsito pela
unidade, já que estava numa sala adaptada para a sua morada e mais outros dois.
A situação deste adolescente na unidade é bastante particular, por isso o escolhemos para
participar da pesquisa. Essa situação foi contada por dois educadores e um integrante da gestão
técnica, que nos acompanhavam naquele dia, após analisarmos vários PIAs.
Paulinho não estava em nenhum alojamento referente às facções, pois nenhuma destas o
aceitava e planejavam a sua execução. De forma urgente, a equipe técnica providenciou uma sala
para o seu abrigamento que era a sala detinada às oficinas e, que assim, foi adaptada em alojamento.
Na época dessa entrevista estavam morando, além de Paulinho, mais dois adolescentes com uma
situação semelhante a daquele.
Pois bem, a situação é a seguinte: Paulinho ao chegar da unidade, foi colocado no
alojamento destinado ao PCC. Lá alocado, “contaram a tese” que ele era estuprador e, por isso,
fazia sozinho as tafarefas domésticas de todo o alojamento, constantemente era espancado por
outros adolescentes do seu alojamento e teve seu cabelo e sobrancelhas raspadas. Paulinho nega
veemente que é estuprador.
Os educadores e a equipe técnica acham que toda essa situação acontece porque Paulinho,
apesar de já ter 18 anos, é bastante ingênuo, indefeso, é do interior do estado, não pertence a
nenhuma facção, não sabe se expressar muito bem e tem porte físico inferior aos demais, pequeno e
franzino. Como os outros garotos iriam provavelmente matá-lo, resolveram tirá-lo do alojamento e
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alocá-lo em outro, agora destinado ao Sindicato-RN.
No alojamento do Sindicato-RN, as constantes violações aconteceram igualmente. A
diferença era que agora o decreto de morte já estava anunciado, restando apenas questões
burocráticas para executá-lo. Assim, a equipe técnica providenciou um novo alojamento, separado
das duas facções, para alocar Paulinho. O seu alojamento era a sala destinada às oficinas.
Nesse novo alojamento moravam Paulinho e mais outros dois adolescentes. Estes
adolescentes também não eram aceitos por nenhuma facção dentro da unidade. A “tese contada
sobre eles” é que um é acusado de roubar celular (o que é proibido pelas duas facções) e o outro é
“cagueta”.
Dessa forma, três foram os motivos principais que nos fizeram escolher Paulinho para
participar da pesquisa. O primeiro, entender a “tese contada” de que ele era estuprador, apesar de
negá-la e, assim, buscar elementos que mostrem as formas de lidar com essa situação pelas facções;
o segundo, por não ser aceito por nenhuma facção, extrair de Paulinho como ele percebe essas duas
facções no CEDUC Pitimbu, características semelhantes e distoantes entre as duas e, por ser “da
massa”, e não pertencer a nenhuma facção, como estes grupos interagem e percebem esses
integrantes neutros, dentro do contexto do CEDUC. O segundo e terceiro motivos serão discutidos
ao longo dos subtópicos seguintes, já o primeiro iremos fazê-lo agora.
Paulinho conta que é natural de Serrinha, interior do estado do Rio Grande do Norte. Por não
ter nenhuma unidade socioeducativa na sua cidade, foi encaminhado para a mais próxima, que fica
na cidade de Parnamirim, o CEDUC-Pitimbu. Conta que lá não existe nenhuma facção e veio
descobri-las ao chegar no Pitimbu, tendo que escolher entra o PCC e Sindicato-RN para se instalar.
Escolheu o PCC por ter menos adolescentes no grupo e, assim, ser melhor de conhecer e se
relacionar.
Ao ser perguntado por que as duas facções não o queriam por perto, conta que nos primeiros
dias conseguia se relacionar bem com os demais, que os integrantes do PCC queriam convertê-lo
para a facção, e que essa “fama” de estuprador surgiu do nada, e não sabe explicar como começou.
O surgimento desse boato vai ser explicado por Dadi, participante da pesquisa, filiado ao
PCC. Dadi conta que morava no mesmo alojamento que Paulinho. Diz que essa “tese” de
estuprador passou a existir por causa da seguinte situação que será retratada no diálogo a seguir:

PESQUISADOR: Mas, veja só, vocês ficam dizendo que Paulinho é estuprador, mas ele nega, diz
que não é não, por que você acha que ele é?

DADI: Porque ele é, ele gosta de homem, fica “bolinando” com a gente lá no alojamento, foi daí
que começou a surgir isso.
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PESQUISADOR: Ah! Então ele não é estuprador, ele é só gay, não é não?

DADI: Gay? (Fala indignado) Gay tenta dar em cima do cara quando o cara tá acordado, aí se
você quiser...gostar, você fica com ele...Paulinho não, Paulinho é safado e fica “bolinando” com
nós quando estamos dormindo, ele enfiou o dedão no cu do boy quando ele tava dormindo (nesse
momento Dadi e o Pesquisador riem da situação), isso é coisa de estuprador, transar com a
pessoa quando a pessoa não quer, por isso ele é estuprador, entendeu?

Isto posto, o boato sobre Paulinho ser estuprador advém dessa situação inusitada, um tanto
jocosa no momento da entrevista, em que aquele pretendia ter relações sexuais com os outros
garotos do alojamento, sem o consentimento destes no momento em que estavam dormindo. Esse
ato foi entendido como uma atitude que só um estuprador teria. A partir disso, o boato se espalhou
para os demais alojamentos incluindo os do Sindicato, não aceitando Paulinho quando este foi para
lá.
Por fim, dá detalhes, na sua percepção, o que diferencia e tem de comum entre as duas
facções. Por exemplo, acha que o Sindicato é mais presente do que o PCC, pois oferta advogados de
defesa para os adolescentes vinculados àquele grupo, o que não viu fazer de forma semelhante com
os adolescentes do PCC.
Paulinho aparentava estar bastante tranquilo e à vontade. Tinha acabado de acordar, escovou
os dentes e foi chamado para a entrevista. A conversa fluiu bem, passando por várias temáticas
delicadas, não se abstendo de falar de nenhuma delas. Dentre os principais temas que tratamos
foram os seguintes: o boato do estupro; a sua relação com ambas as facções; diferenças e
semelhanças de ambas as facções; a sua trajetória no crime e a aproximação de outros adolescentes
das facções; e, por fim, o cotidiano do CEDUC-Pitimbu.

5. Nome fictício: Dadi.

Idade: 18 anos.

Tempo na unidade: Está na unidade há nove meses.

Local onde reside: Planalto-Parnamirim.

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Alojamento que reside: PCC.

Impressões gerais da entrevista:

A entrevista com Dadi foi realizada no dia 14 de outrubro de 2018. O local da entrevista foi
a sala de aula próxima à quadra poliesportiva, que diferente das outras vezes, estava limpa e
estruturalmente demonstrava estar bastante conservada. A entrevista aconteceu nesse local porque
os alojamentos destinados ao PCC são próximos a essa sala.
Dadi é bastante descontraído, extrovertido e fala alto. Fala muito rápido e com bastante
gírias, fato que levou o pesquisador a interromper seu relato para que o mesmo explicasse o
significado das gírias.
Dentre os principais temas que tratamos na entrevista podemos citar: o boato sobre o
estupro; o cotidiano do CEDUC-Pitimbu; a sua relação com a facção do PCC no seu bairro Planalto
e dentro do CEDUC; o surgimento da facção no bairro Planalto; os motivos que levam o
adolescente a entrar numa facção; a relação dos integrantes da facção com a polícia; a sua trajetória
de vida no crime e aproximação com a facção; a sua relação com a facção do Sindicato-RN.
O pesquisador pediu autorização ao adolescente para que pudesse conversar com sua família
nos dias de visita, que foi concedida de imediato. Sua mãe, sua namorada e filhas são as pessoas
que o visita; contudo, apenas sua mãe apareceu nos dias em que o pesquisador faria a entrevista.
Dessa forma, a sua mãe foi o membro da família entrevistado.
No dia 23 de outubro aconteceu uma tragédia no CEDUC-Pitimbu. Dadi veio a falecer
eletrocutado acidentalmente. Esse fato está descrito na introdução desta tese.

3.4. Coleta de dados.


Para a coleta, priorizamos a triangulação de dados, de modo a abarcar o máximo da
complexidade dos objetos aqui investigados. As diversas fontes de dados, que são independentes, se
complementam e robustecem a produção de dados, análises sobre as trajetórias de vida dos
adolescentes e sua interface com as facções, tendo o sistema socioeducativo como contexto.
Segundo Flick (2009), a triangulação diz respeito à combinação de abordagens qualitativas
ou abordagens qualitativas e quantitativas. As diversas perspectivas metodológicas não sobressaem
umas as outras, todas possuem o mesmo valor e complementam-se, levando em conta suas
limitações em prol da compreensão de um tema específico.
Tuzzo & Braga (2016) ressaltam que a triangulação não se apresenta como caminho
engessado a ser seguido por todos os pesquisadores. É preciso imaginação, criatividade, a partir dos
objetivos da pesquisa, para explorar novas análises e problemáticas.
99
Apostolidis (2006) concorda nesse sentido ao dizer que é difícil definir um único tipo de
triangulação e, assim, apresentar formalmente as etapas a serem realizadas por todos os
pesquisadores. Essa metodologia representa cursos específicos com base nas opções teóricas e
epistemológicas dos pesquisadores, sempre correlacionada com os objetivos da pesquisa.
Neste sentido, triangulação é principalmente uma estratégia de pesquisa indutiva. A partir de
um determinado fenômeno observado no campo, definem-se os objetivos e as diferentes operações
teóricas, metodológicas e / ou de produção de dados.
Embora não haja um padrão engessado a ser seguido, a estratégia de triangulação não aponta
para a falta de uma sistematização metodológica. Pelo contrário, confere às pesquisas
(principalmente àquelas de abordagens qualitativas) o rigor metodológico, a validade e a
profundidade das análises.
Apostolidis (2006), a partir de Janesick (1998), explicita que, de forma geral, a triangulação
pode assumir uma forma específica de diálogo entre diferentes áreas do conhecimento. A partir da
psicologia, por exemplo, busca-se sua intersecção com a Antropologia, História, Sociologia. A
operacionalização dessa estratégia deve preservar a independência das disciplinas, de modo que
uma não se sobreponha a outra. Além desta maneira, a triangulação pode ser realizada de quatro
outras formas, são elas: por dados (diferentes fontes de dados); por pesquisador (vários
pesquisadores para a coleta e análise dos dados); por teoria (teorias distintas para interpretação dos
dados) e, por fim, a de método (diferentes métodos e técnicas para um mesmo fenômeno). Dentre
estas estratégias, a que nos interessas aqui é a triangulação por dados.
Nesse sentido, foram utilizadas quatro modalidades principais de fonte de dados: 1) Inserção
no cotidiano da unidade socioeducativa em seus diversos espaços; 2) Análise do Plano Individual
de Atendimento (PIA); 3) Entrevistas em Profundidade com os adolescentes; 4) Entrevista com as
famílias dos adolescentes. O tempo cronológico de coleta de cada uma dessas atividades está
descrita na Tabela 04:

100
Assim, a coleta de dados foi temporalmente dividida dessa forma:

1. Num primeiro momento deu-se a observação da realidade cotidiana da unidade atentando


para os seguintes pontos: interações entre profissionais, entre os profissionais e adolescentes,
entre os próprios adolescentes; estrutura física da unidade;

2. Num segundo momento analisamos o Plano Individual de Atendimento (PIA). Este


documento nos serviu como fonte de informação para a escolha dos adolescentes que
participaram da pesquisa e, também, como complemento de dados sobre as suas trajetórias
de vida;

3. Num quarto momento foram realizadas Entrevistas em Profundidade com os adolescentes


perpassando diversos temas transvessais às suas trajetórias de vida, processos de
criminalização, questões relativas às facções e aos objetivos da pesquisa;

4. Por fim, de forma complementar, realizamos entrevistas com as famílias dos adolescentes
da pesquisa para ter acesso às trajetórias de vida dos meninos, como também às inserções
das facções em seus bairros, no contexto onde residem.

Embora se estabeleça uma ordem sequencial de coleta de dados, no campo de pesquisa essa
ordem respeitou a dinâmica da unidade e dos sujeitos de pesquisa. Em determinados momentos, por
exemplo, as entrevistas com as famílias ocorreram primeiro do que as entrevistas em profundidade
com os adolescentes, já em outros momentos ocorreram de forma intercalada, entrevista com
familiares, depois com o adolescente e novamente com os familiares.

101
Os dados coletados com esses diferentes atores sociais visaram reunir informações a respeito
de cada objetivo específico da pesquisa. A relação entre coleta de dados e os objetivos da pesquisa
será exposta na figura abaixo.

A figura 02 apresenta a relação dos objetivos da pesquisa com a coleta de dados (quadros
pintados em amarelo). A Observação participante e a Análise dos PIAs dão suporte para as
Entrevistas em profundidade com os adolescentes. Esta última foi a principal fonte de obtenção de
informações e subsidiou todos os objetivos. A Entrevista com as famílias dos adolescentes tornou-se
essencial, pois, trouxe elementos históricos de surgimento e inserção das facções nos territórios da
cidade de Natal e Parnamirim, além de processos de criminalização vivenciados pelos adolescentes
nas suas trajetórias de vida. O detalhamento mais acurado e contextualizado dessas questões se dará
na análise dos dados presente nos capítulos subsequentes. Na seção seguinte, detalharemos cada
técnica de coleta de dados.

3.4.1. As entrevistas em profundidade.


As entrevistas em profundidade fizaram parte do terceiro momento da coleta de dados. Essa
foi a etapa da coleta mais importante da pesquisa, pois foi a principal ferramenta de acesso às

102
informações pertinentes ao objetivo geral e específicos desta pesquisa.
Adapando-se à rotina da unidade, majoritariamente as entrevistas com os adolescentes
aconteciam nos dias das ligações telefônicas aos seus familiares, e funcionava da seguinte forma: 18
adolescentes precisavam fazer as ligações telefônicas. Três adolescentes eram retirados dos
alojamentos por vez e ficavam esperando a sua vez na área comum, com cadeiras, em frente à sala
da gestão técnica. Enquanto um adolescente realizava a ligação, os demais esperavam do lado de
fora da sala. A cada retirada de três adolescentes dos alojamentos era deslocado um efetivo de três
ou quatro educadores.
As entrevistas eram realizada nesse ínterim. Entre a retirada de um grupo e outro, de três
adolescentes, fazíamos uma entrevista individual com aqueles meninos que havíamos acordado com
a gestão técnica e educadores que participariam da pesquisa. Para isso, era preciso bastante
organização e atenção, pois muitas vezes o alojamento ficava num lugar mais distante da unidade,
ou o adolescente que residia num alojamento de uma determinada facção, não poderia passar pela
frente do alojamento da facção rival; ou mesmo, o quantitativo de educadores que deveria ser
deslocado para essa atividade. Para as entrevistas individuais eram deslocados dois ou três
educadores.
As inserções do pesquisador na unidade, antes das entrevistas, tornava-o conhecido por
alguns adolescentes. Porém, para a realização efetiva das entrevistas era preciso criar um vinculo de
confiança e, ao mesmo tempo, ofertar um espaço acolhedor para que os adolescentes se expussem
de forma autêntica e não dessem “respostas feitas”, normativas sobre temas mais delicados e
pessoais. Assim, o pesquisador tomava precauções e traçava algumas estratégias antes, durante e
após as entrevistas.
Antes das entrevistas: em algum outro momento em que estivesse no mesmo espaço que o
adolescente, o pesquisador tinha o cuidado e o respeito de falar com ele, perguntar como foi o seu
dia; o que estava fazendo antes de chegar alí; o que comeu no almoço e se a comida estava boa,
enfim, “puxava conversa” sobre o seu cotidiano. Essa atitude sutil e importante no processo
socioeducativo, por vezes não era adotada por alguns profissionais que adentravam naquele espaço,
cumprimentava a todos, menos o adolescente que estava ali.
Durante as antrevistas também havia o respeito e o cuidado para “puxar conversa” antes de
entrar na sala das entrevistas. Durante a entrevista, o humor era colocado de forma honesta, natural
e servia para “quebrar o gelo”, fazendo com que o adolescente se sentisse mais a vontade. Várias
entrevistas foram guiadas dessa forma:

PESQUISADOR: e aí, como é que tava o almoço? Tava bom?

103
ADOLESCENTE: tava bom!

PESQUISADOR: deixa de coisa, eu almocei aqui e a carne tava uma merda!

ADOLESCENTE: (o adolescente gargalhava) é mesmo viu, tava um merda!

Essa situação causava uma reversão de expectativa no adolescente. É possível que este visse
o pesquisador como mais um profissional. Porém, a partir do momento em que o pesquisador falava
num linguajar parecido com o seu; emitia opiniões verdadeiras sobre a rotina da própria unidade e
conduzia a entrevista de forma descontraída, influenciavam positivamente o adolescente, deixando-
o mais a vontade.
Outra questão que ocorria era a construção do vínculo com o adolescente. É sabido que não
é permitida a entrada de diversos objetos na unidade, principalmente quando próximos aos
adolescentes. O pesquisador ia para as entrevista de posse apenas de um caderno e uma caneta.
Porém, também levava no seu bolso um confeito, um Halls. Durante a entrevista o pesquisador
tirava-o do bolso e oferecia ao adolescente. Este ficava extremamente agradecido. Criava-se, então,
um ambiente acolhedor e vínculo entre o pesquisador e adolescente.
Após as entrevistas: apesar da curiosidade de alguns profissionais da unidade, o pesquisador
tinha o cuidado de não comentar o que fora falado pelos adolescentes nas entrevistas. Nos dias de
visita, o pesquisador circulava por entre as famílias, para que os adolescentes o chamasse,
apresentasse aos seus familiares e conversassem despretensiosamente. Isto também ajudava a
construir um ambiente acolheador e de confiança com o adolescente.
Para a realização das entrevistas em profundidade, o pesquisador esteve dotado do roteiro de
entrevistas aberto. O roteiro de entrevista (em anexo) é dividido nas seguintes partes:
1. Exposição do objetivos e contextualização da pesquisa, aspectos éticos de sigilo dos
dados e uso apenas para fins científicos;

2. IDENTIFICAÇÃO – quem é que se apresenta para a entrevista, o bairro onde reside e o


tempo que reside;

3. EIXO I – Aspectos introdutórios sobre o CEDUC-PITIMBU com perguntas sobre o


cotidiano da unidade – dinâmica Diário de adolescente para adolescentes: aspectos sobre a
vida no sistema socioeducativo;

4. EIXO II – Aspectos sobre as facções no bairro (território) que fazem referência ao


104
surgimento da facção no bairro, primeiras aproximações com os adolescentes,
relacionamento com outras pessoas do bairro – nesse momento são feitas as primeiras
tentatívas de conversação sobre as trajetórias de vida do adolescente e sua filiação à facção,
questões que envolvem a entrada e permanência do adolescente na facção;

EIXO III – Aspectos sobre a trajetória de vida do adolescente, que dizem respeito à vivência
da sua infância e adolescência no bairro, e suas relações com a família, escola, polícia,
preconceito, buscando fazer aproximações com processos de criminalização.

EIXO IV – Dinâmica para estimular a discussão sobre diversos processos de criminalização


e sua interface com as facções. Para a realização da dinâmica, usa-se machetes de
reportagens dentro de um saco plático e, pede-se para que o adolescente tire uma notícia por
vez, leia e comente sobre o que acha dela.

No ato da entrevista, buscamos a todo momento o cuidado no trato com temas delicados,
seja sobre os fatos da vida do próprio adolescente, seja sobre a facção. O pesquisador de forma
empática direcionava o contexto das perguntas a terceiros, ao grupo, e não diretamente ao
adolescente. Nesse movimento, ao falar de uma realidade que não era a sua, o adolescente falava de
si mesmo e, esse era, então, o momento de trazer o contexto das perguntas para a realidade do
próprio adolescente.
Se perguntássemos diretamente quais motivos que o levaram a entrar numa facção,
provavelmente obteríamos uma resposta com pouco detalhe, uma resposta mais normativa, “mais
aceita” para o pesquisador, ou mesmo como um “não sei” e, até mesmo, a negação do ingresso no
grupo. Assim, de forma mais prática, ao invés de perguntar ao adolescente os motivos que o
levaram a entrar na facção, perguntávamos assim: para você, quais os motivos que os adolescentes
do seu bairro entram numa facção? Assim, tiramos do contexto particular do adolescente o sujeito
da pergunta.
Essa técnica é denominada de Descontextualização Normativa (Menin, 2006). Com a
técnica é possível desvendar certas representações, valores, crenças que estão escondidas por causa
da sua contraproducência às normais sociais vigentes, tomando como referência os grupos em que o
sujeito está inserido. Segundo Meni, (2006), na prática, a técnica de descontextualização normativa
consiste em preparar:

“ [...] o receptor das respostas do sujeito, ou seja, a quem o sujeito responde ao questionário;
e que pode ser ou alguém do grupo de referência do próprio sujeito, com seus mesmos
105
valores, ou alguém com outros valores. Postula-se que será mais fácil ao sujeito responder,
expressando suas ideias desviantes, contra-normativas, em face de uma pessoa menos
próxima e que não partilha do mesmo sistema de referência do sujeito” (Menin, 2006, p.44).

Dessa forma, a técnica busca reduzir a pressão colocada sobre o sujeito da pesquisa por meio
da presença do pesquisador e a exposição de ideias contra-normativas. Direciona-se, então, o
contexto das perguntas para uma situação mais distante do grupo de referência do participante,
permitindo-lhe, assim, “exprimir mais livremente seu pensamento através da redução dos riscos de
julgamento negativo da parte de seus interlocutores” (Menin, 2006, p.44).
Além da apresentação inicial para o adolescente, iniciava-se a entrevista com a dinâmica do
diário sobre a vivência na unidade socioeducativa. Tal qual o roteiro de entrevista da dinâmica,
começando com a seguinte questão: “Qual seria a primeira coisa que um adolescente deveria saber
sobre a unidade socioeducativa quando ele chegasse aqui?”.
Depois de debater a respeito, continuava-se com o questionamento: “Se você pudesse
explicar para um adolescente que chegasse aqui, as piores coisas da unidade, quais seriam? Quais
seriam os pontos negativos? E os positivos? O que tem de bom aqui?”
O conector para falar sobre as facções muitas vezes acontecia quando era pedido para que
explicassem como foram os seus trajetos de entrada na unidade socioeducativa: “Foi recebido por
quem? Qual alojamento ficou? Como se decidiu isso? ” – inevitalmente falava-se sobre as facções,
pois, os alojamentos da unidade, como mencionado são divididos por facções.
Já no fim da entrevista, depois de perceber o adolescente mais à vontade, finalizávamos com
a dinâmica das reportagens. A dinâmica funcionava dessa forma: o objetivo era estimular a
discussão de processos de criminalização nas trajetórias de vida dos adolescentes e sua interface
com as facções. Para isso, com recortes de reportagens dentro de uma sacola, pedia-se para que o
adolescente tirasse uma notícia por vez, lesse e comentasse sobre o que achava, se concordava ou
não, se aquele fato estava presente na realidade da sua comunidade. As reportagens estão no Anexo
2.
Finalizávamos a entrevista quando percebíamos cansaço do adolescente e a repetição dos
relatos sobre os temas que eram propostos. Repetíamos a entrevistas com o mesmo adolescente
quando entendíamos que determinados temas não haviam sido esgotados. Ao final, perguntávamos
se podíamos entrevistar também as suas famílias, o que era aceito prontamente.
As entrevistas tinham duração em média entre 40 minutos e uma hora com cada adolescente
e não houve gravação das entrevistas. Achamos mais prudente não gravar as entrevistas, pois o
relato de temas abordados são delicados e a sua gravação poderia criar um ambiente constrangedor,
impedindo o desenrolar da entrevista. Além disso, o relato sobre as facções, por si só, pode
106
comprometer os participantes da pesquisa.
Os registros das entrevistas foram feitos em diário de campo logo após a realização de cada
entrevista. Após ocorrer entrevista, registrava-se as principais ideias sobre cada tópico discutido,
buscando-se transcrever com fidedignidade o relato do adolescente, respeitando suas ideias,
posicionamentos, linguajar. O registro das entrevistas será melhor detalhado no tópico sobre a
análise dos dados.

3.4.2. As entrevistas com as famílias.


O relato das famílias dos adolescentes para esta pesquisa foi fundamental, pois foi um meio
complementar de acesso às trajetórias de vida dos meninos e entendimento da inserção das facções
nos territórios. Entendemos que o envolvimento dos jovens com as facções tem uma variável
primordial, que é o domínio das facções nos territórios, nos bairros da cidade de Natal-RN e região
metropolitana.
Além disso, as famílias se relacionam e percebem as facções de maneiras diferentes dos
adolescentes. Cada componente familiar, a depender do papel que possui dentro do núcleo familiar,
percebe as facções distintamente dos adolescentes; por exemplo, os pais que são mais maduros,
mais articulados do que os adolescentes, vivenciaram todo o processo de chegada das facções em
seus bairros e possuem outras preocupações de cuidado para com os seus filhos e, por isso, outra
forma de entendimento sobre o fenômeno das facções.
As entrevistas com as famílias se davam no dia de visita. O dia de visita na unidade
socioeducativa do Pitimbu acontece às quintas-feiras, no horário da manhã. A partir das sete horas,
as famílias já começam a chegar à unidade e a se organizar para que às nove horas possam ocorrer
as visitas.
Há um carro cedido pela Fundase que busca as famílias em certos lugares na cidade de
Natal-RN e região metropolitana, e as levam até o CEDUC. Alguns profissionais da unidade, que
residem longe da unidade, também fazem beneficício do veículo e vão até a unidade junto com os
familiares.
Já na unidade, as famílias ficam acolhidas numa sala do prédio da gestão técnica, à espera de
serem chamadas para encontrar os adolescentes. Muitas crianças são levadas pelos familiares para o
dia de visita. Essas crianças, desde recém-nascidos a crianças de aproximadamente 10 anos,
possuem diversos graus de parentesco com os adolescentes, são filhos, irmãos e primos. No
momento da organização das famílias, que leva um tempo considerável até o encontro com o
adolescente, as crianças ficam nos colos das mães, inquietas, sem ter um espaço ou algo para
brincar, se distrair, ou seja, pouco se pensou no acolhimento dessas crianças.
Diante disso, de forma, também, a amenizar o cansaço até o CEDUC e tornar o ambiente da
107
unidade menos inóspito, providenciamos, com atitudes simples, o acolhimento dessas crianças.
Colocamos à disposição das crianças lápis de cor, giz de cera, folhas em branco e para colorir, além
de alguns brinquedos (carros e bonecas).
Esse acolhimento improvisado funcionou muito bem. Muitas crianças ficavam agitadas,
chorosas e passaram a ficar mais calmas e a interagir com as pessoas. Uma criança, num certo
momento, disse que não queria ir embora, porque preferia ficar na unidade brincando.
Depois do acolhimento, as familias vão sendo chamadas, aos poucos, para o encontro com o
adolescente. Às famílias são dadas fichas em papel com o nome do adolescente e o local que devem
se dirigir para a visita. Esse trânsito é feito pelos educadores, que levam os familiares até o local
sinalizado.
A visita é, geralmente, dividia em três espaços ao mesmo tempo: 1. Numa sala que fica na
parte superior da unidade; 2. Noutro espaço que fica na parte inferior da unidade, em frente ao
alojamento dos educadores. Esses dois primeiros espaços são destinados aos adolescentes
pertencentes ao Sindicato-RN. A lógica é que os adolescentes que ficam na parte superior,
permaneçam na parte superior, e os da inferior, permaneçam na parte inferior; 3. Num espaço
comum, também da parte inferior da unidade, dentro do prédio do alojamento – esse é o espaço dos
alojamentos do PCC. Os meninos ficavam dentro do seu prédio, onde ficavam seus alojamentos,
porque são em menor número e por questão de logística, para não transitar por toda a unidade e,
assim, evitar o confronto com os adolescentes do Sindicato-RN.
Contudo, na visita do dia 30 de agosto de 2018, os dois primeiros espaços citados
anteriormente foram transferidos para o refeitório. O terceiro espaço foi transferido para onde fica o
espaço dois. Essa mudança ocorreu por uma questão de logística, porém, ouvindo alguns
educadores e equipe técnica, houve um grande trânsito de adolescentes e famílias pela unidade, o
que não deveria acontecer. Essa mudança de local não ocorreu nas visitas seguintes.
Em meio ao acolhimento e organização das fichas para as familias, a equipe técnica, muito
solícita, tentava encontrar tempo e espaço para que o pesquisador se encontrasse com as familias
dos adolescentes da pesquisa e, assim, realizasse as entrevistas. Nesse meio, “para não atrapalhar” e
respeitar o momento íntimo de visita, buscava interagir naturalmente com as famílias e ajudar na
logística da visitação.
O roteiro de entrevistas das famílias (Anexo) segue o mesmo padrão do roteiro das
entrevistas em profundidade, porém com algumas especificidades. Buscamos, no primeiro momento
da entrevista, as percepções sobre o CEDUC-Pitimbu e só depois adentrar em assuntos mais
delicados, como a inserção da facção no bairro onde reside, e o possível envolvimento do
adolescente nesses grupos.
O roteiro de entrevista é dividido nas seguintes partes: 1. Exposição do objetivos e
108
contextualização da pesquisa, aspectos éticos de sigilo dos dados e uso apenas para fins científicos;
2. IDENTIFICAÇÃO – quem é que se apresenta para a entrevista, o bairro onde residem e o tempo
que residem; 3. EIXO I – Aspectos introdutórios sobre o CEDUC-PITIMBU com perguntas sobre o
dia de visita e a unidade; 4. EIXO II – Aspectos sobre as facções que fazem referência ao
surgimento da facção no bairro (terrritório), primeiras aproximações com os adolescentes,
relacionamento com outras pessoas do bairro – nesse momento se faz as primeiras tentatívas de
conversação sobre as trajetórias de vida do adolescente e sua filiação à facção, questões que
envolvem a entrada e permanência do adolescente na facção; EIXO III – Aspectos sobre a trajetória
de vida do adolescente, que dizem respeito à vida adolescente no bairro, na sua infância e
adolescência, e suas relações com a família, escola, polícia, preconceito, etc., buscando fazer
aproximações com processos de criminalização.
De início, o movimento das perguntas do roteiro de entrevista eram sempre na terceira
pessoa. Quando se encontrava abertura, o pesquisador fazia a pergunta na primeira pessoa do
participante, para que este contasse sobre a sua própria história.
Vale saliantar que se trata de um roteiro de entrevista aberto. As perguntas, os temas
discutidos não apresentam uma ordem rígida estabelecida e são apresentados respeitando o tempo
da entrevista. Dessa forma, as perguntas presentes em cada Eixo do roteiro podem variar a ordem,
discutindo primeiro, por exemplo, as perguntadas do Eixo II e depois do Eixo I.
Sobre a não gravação das entrevistas com gravadores e celulares com aplicativos, como
explicamos anteriormente o relato de determinados temas são delicados e a sua gravação poderia
criar um ambiente constrangedor. Além disso, o Manual de Segurança Educativa, que dispõe sobre
normas e procedimentos básicos de segurança preventiva e interventiva nas unidades
socioeducativas, na subseção Do controle de acesso e uso de objetos e materiais (proibidos e
autorizados), veda aos visitantes o porte de telefones celulares e/ou objetos eletrônicos em geral.

3.4.3. Análise dos Planos Individuais de Atendimento (PIA).


A análise desses documentos nos serviram, inicialmente, como fonte de informação para a
escolha dos adolescentes que participaram da pesquisa, e também como complemento de dados
sobre a trajetória de vida dos adolescentes.
A análise dos PIAs também nos trouxe informações importantes sobre as trajetórias de vida
dos adolescentes. Os dados ali contidos nos ajudaram a melhor entender sobre suas trajetórias, a
partir de eventos relevantes na sua vida. Esses eventos, muitas vezes traumáticos em suas vidas,
estão rodeados de significações que podem ser exploradas no universo dos processos de
criminalização, que acabam por aproximar o adolescente da facção.
Entendemos a importância do sigilo contido nesses documentos. Ali estão presentes
109
informações extremamente pessoais do adolescente, da sua família e, também, de terceiros e por
isso, deve-se ter um cuidado a mais sobre o sigilo e respeito das informações ali existentes.
Assim, determinadas informações que possam identificar a identidade do participante da
pesquisa, ou de terceiros próximos, serão omitidas na descrição dos resultados e análise. Essas
informações serão usadadas nas entrevistas com adolescentes como elemento disparador de
discussão sobre determinado tema, situação, questão que atendam aos objetivos da pesquisa.
Nem todos os PIAs estavam finalizados. Por estarem na unidade num tempo relativamente
curto, os PIAs de alguns ainda estavam sendo construídos.
Embora seja preciso apontar algumas ressalvas, os PIAs do CEDUC-Pitimbu seguem as
normas estabelecidas pela Lei N° 12.594/2012 do SINASE, o Regimento Interno das Unidades de
Atendimento ao Adolescente (PORTARIA Nº 270/15-GP), e outros documentos de referência para a
sua cosntrução. Dentre as normas seguidas em consonância com esses documentos, podemos citar
as seguintes:
- Os PIAs foram elaborados sob a responsabilidade da equipe técnica: atribuição comum a
todos os técnicos especializados que atuam na medida de internação;

- Os PIAs foram construídos com a participação efetiva do adolescente: a sua participação


levou em consideração sua história de vida, seus interesses, suas dificuldades e a prática do
ato infracional situada no contexto de sua biografia;

- Os pais e responsáveis foram ouvidos.

Em relação às ressalvas para a construção dos PIAs, podemos citar:


- A não participação de Educadores no processo de construção dos PIA: os educadores
devem apropriar-se das metas estabelecidas pelos setores para orientação e diagnóstico
polidimensional do socioeducando. A equipe técnica formada era composta de psicólogo,
assistente social e pegadogo;

- Alguns PIAs de adolescentes que já estavam na unidade há pelo menos cinco meses, ainda
estavam em construção: os PIAs deverão ser elaborados no prazo de até 45 dias da data do
ingresso do adolescente no programa de atendimento.

No contexto da unidade do Pitimbu, é entendível o atraso na contrução dos PIAs. A grande


quantidade de adolescentes na unidade em contraponto aos poucos profissionais que ali trabalham, a
rotatividade de adolescentes; alguns permanecem meses na unidade - e, por isso, seus PIAs ficam
110
incompletos -, são fatores que contribuem para o atraso da construção desses documentos.

3.5. Análise de dados


O início da sistematização e análise dos dados ocorreu simultaneamente ao período de
coleta. O Diário de Campo, referente aos registros da observação participante, contava com
anotações descritivas e analíticas constituindo o corpus desta pesquisa. Além das observações feitas
também se registrou as entrevistas em profundidade com os adolescentes, entrevistas com as
famílias e, também, foram levadas em consideração as conversas informais com os diversos atores
dentro da unidade.
O tratamento dos dados partiu de categorias apreendidas (os blocos de discussão) de forma
indutiva no contexto (Creswell, 2007). Foi realizada a leitura exaustiva de todo o corpus e,
posteriormente, a codificação blocos de discussão – temáticas gerais de análise sobre os dados
obtidos, que são eles:

- Os primeiros indícios de surgimento das facções nos territórios na cidade de Natal e


Parnamirim;

- A aproximação dos adolescentes com as facções; os processos de criminalização nas


trajetórias de vida dos adolescentes e o recrutamento pelas facções;

- Os trâmites para entrada na facção, mais especificamente sobre as especificidades do


recrutamento antes do ingresso no sistema socioeducativo;

- As dinâmicas relacionais entre os adolescentes no interior do CEDUC-Pitimbu: a


rivalidade entre os grupos;

- O que pensam os adolescentes que estão nos alojamentos destinados ao Sindicato-RN e do


PCC sobre si e sobre o outro?;

- A saída da facção.

Por sua vez, tais blocos de discussão foram construídos no momento de análise tendo como
referência os dados empíricos e o quadro analítico do pesquisador. Cada bloco de discussão foi
111
embasado com a descrição dos diálogos das entrevistas. Embora as entrevistas não fossem
gravadas, os episódios, fatos particulares foram registrados e transcritos em formato de diálogo, o
mais fiel possível, respeitando o vocabulário de cada participante e do próprio pesquisador, de
modo a conferir fidedignidade ao que foi vivenciado no decorrer das entrevistas.
Os dados foram analisados numa perspectiva crítica, à luz do materialismo histórico e
dialético, que entende o fenômeno na sua historicidade e contexto social de produção (Gonçalves,
2005). A escolha desse método de análise implica uma postura que vai de encontro ao fazer ciência
das ciências tradicionais positivistas e busca superar a dicotomia objetividade/subjetividade,
indivíduo/sociedade, para uma visão integradora do sujeito/objeto, produto do seu contexto e de sua
historicidade, e em constante processo de transformação dialética das relações e condições materiais
existentes.
A sociedade, compreendida como totalizadora burguesa, é vista como um corpo social
sujeita à transformação a partir de uma visão dialética de construção da realidade pelos sujeitos que
são ativos nesse processo:

Na concepção materialista o sujeito e objeto têm existência objetiva e real e, na visão


dialética, formam uma unidade de contrários, agindo um sobre o outro. Assim, o sujeito é
ativo porque é racional, mas não só. Antes de mais nada o sujeito é sujeito da ação sobre o
objeto, uma ação de transformação do objeto. A ação do sujeito transforma o objeto e o
próprio sujeito. E essa ação do sujeito é necessariamente situada e datada, é social e histórica
(Gonçalves, 2005, p.93).

Nesse sentido, Sílvia Lane, a partir da leitura da obra marxiana, compara a análise da
realidade social ao funcionamento dos organismos biológicos na sua totalidade e solidariedade
funcional:

Temos que considerar a sociedade como uma totalidade tal como a totalidade orgânica,
dotada de leis estruturais, especificidade e solidariedade funcional entre as partes; além
disso, tal como os organismos vivos, a sociedade é pensada como totalidade dotada de
história, que nasce e caduca como os seres vivos, isto é, não é imutável, sofre
transformações (Lane, 2004, p.21).

Dessa forma, o método materialista histórico-dialético visa à captação e reprodução do


movimento do real do objeto. A análise dos dados coletados e elaborações teóricas sobre os objetos
aqui investigados dizem respeito a uma busca de reprodução real do objeto, a partir de condições
112
materiais, objetivas onde elas ocorrem, isso quer dizer ir além do âmbito empírico que se
manifestam (Pasqualini & Martins, 2015).
O mundo empírico diz respeito à superficialidade por onde a realidade se mostra. Os objetos
captados empiricamente são representações na consciência dos sujeitos, em que a sua essência não
aparece revelada. A revelação da sua natureza da realidade e seus objetos estaria na exposição das
suas mediações, em sua processualidade e totalidade concreta.
No caso desta tese, a partir do conhecimento teórico dos participantes, os relatos dos
adolescentes sobre as suas trajetórias de vida e a fala dos seus familiares sobre o surgimento das
facções nos seus bairros, referem-se ao movimento aparente dos objetos (facções; ceduc; igreja),
como estes “aparecem” empiricamente para esses sujeitos. Esse é o ponto de partida para a
compreensão da essência desses objetos, como se movimentam concretamente na sociedade.
Metaforicamente seria o ato de “descascar cebolas”. A cebola como a gente a vê, é o objeto
como se mostra, sua aparência fenomênica, superficial, mas não é o objeto de fato. A medida que se
vai descascando a cebola, passando pelos seus gomos, desloca-se em direção ao seu centro, à sua
essência, como ela é. Para se chegar a essência dos objetos, utilizamos a ferramenta da dialética do
singular-universal-particular de Georg Lukács (Pasqualini & Martins, 2015).
Diante da realidade, nós a apreendemos pelos nossos sentidos. É o que se consegue ver,
sentir, cheirar, conversar, trocar experiências, tornar familiar aquilo que ainda é desconhecido. Tal
apreensão empirica trata-se de uma ocorrência singular aparente, ideial, baseadas nas experiências
pessoais do sujeito com o objeto. O caminho a se percorrer é em direção ao concreto.
O concreto é o lugar onde estão as leis gerais (semelhante, mas não igual aos objetos
naturais) que determinam o comportamento do objeto, revelados no âmbito histórico e da sua
produção contextual. Assim, a descoberta da concretude, para além do aspecto singular, daria-se na
revelação das leis gerais, suas relações causais e múltiplas mediações que as determinam. Uma
análise dialética dos objetos nessa perspectiva esmiúça os aspectos singulares do objeto conectados
ao âmbito universal.
A universalidade refere-se à identificação e compreensão de quais são os objetos conectados
a uma mesma universalidade. Isso remete a uma totalidade social na qual o indivíduo está inserido,
que, no nosso caso, seria a totalidade da sociedade burguesa, o modo de produção capitalista e seus
aspectos de produção contextuais-sociais e tempo histórico.
Já o particular seria a mediação entre o singular e o universal. As mediações, também
chamadas de determinações, são pontes (objetos sociais, circunstâncias, constradições) que
garantem a manutenção do funcionamento dos elementos presentes no singular e universal
(Almeida, 2001 citado por Pasqualini & Martins, 2015). A universalidade se materializa no singular
pela mediação da particularidade, no qual, o particular condicionaria o modo de ser do singular.
113
Isso quer dizer que pretendemos ultrapassar a aparência dos fenômenos, na forma superficial
de como se manifestam, e apontar as suas determinações fundamentais, compreendendo-os em sua
totalidade. Ou seja, entender como os objetos se movimentam dentro da nossa estrutura social.
A historicidade evidenciada no processo dialético dá margem à explicitação de um conjunto
de ideias como produto de um momento histórico que representa as contradições da base material
da sociedade e que expressam os interesses concretos de determinados grupos sociais. Nesse
sentido, trazemos para o centro da análise os processos de criminalização da juventude negra, pobre
e periférica, através das diversas formas de controle do Estado que se materializam mais
evidentemente na “guerra às drogas” e o processo de encarceramento em massa.

3.6. Questões éticas


A realização desta pesquisa foi embasada em legislação pertinente por meio do ECA e
Código de Ética do Profissional Psicólogo (Resolução CFP N°010/05). Considerando que, de certo
modo, toda pesquisa é intrusiva, na qual informações particulares são frequentemente reveladas
(Creswell, 2007), algumas medidas foram tomadas para minorar os impactos da pesquisa e garantia
dos direitos dos participantes:
1) Para a unidade socioedutiva e os adolescentes, os objetivos, a coleta e a forma de
publicização da pesquisa foram apresentados verbalmente e por escrito (somente no caso da
unidade com o uso do Termo de Consentimento e Livre Esclarecido – TCLE), de forma que
fossem claramente entendidos;

2) O adolescente foi convidado a participar da pesquisa e deu permissão para prosseguir com
o estudo por espontânea vontade;

3) Na parte que lhe disser respeito, as transcrições das entrevistas em profundidade poderiam
ser disponibilizadas para o adolescente sempre que solicitadas;

4) Prezou-se a todo o momento pelo anonimato dos adolescentes. De modo a garantir a


segurança e sigilo, todos foram tratados com pseudônimos, tanto nas transcrições dos dados
quanto na confecção de artigos para publicação;

5) Devolutiva dos dados da pesquisa à unidade e aos adolescentes, resguardando a


confidencialidade dos participantes.

114
A execução da pesquisa só fora iniciada medidante autorização de todas as instituições
envolvidas, resgitrado em documento assinado pela secretaria da Pós-Graduação em Psicologia
(PPGPSI) da UFRN e pelo CEDUC Pitimbu, são eles: Carta de Anuência; Termo de Concessão;
Termo de Confidencialidade.

115
Capítulo 4 – As trajetórias de vida dos adolescentes no sistema socioeducativo do RN e seus
envolvimentos com as facções

Essa secção busca apresentar as trajetórias de vida dos adolescentes no sistema


socioeducativo do RN e seus envolvimentos com as facções, Sindicato-RN e PCC, nas cidades de
Natal e Parnamirim. A partir das narratívas dos adolescentes, conexo às falas de membros das suas
famílias, entendemos que há especificidades do recrutamento antes do ingresso na unidade
socioeducativa. Nesse sentido, esse capítulo vai seguir a seguinte linha temporal:
1. Inicialmente, apontaremos os primeiros indícios de surgimento das facções nos
territórios dos adolescentes localizados nas cidades de Natal e Parnamirim. Descrever
este ponto é necessário porque as facções surgem nos territórios de maneiras distintas e,
dessa forma, os recrutamentos também têm nuances distintas. Esse momento é
majoritariamente composto pelas falas dos membros das familias dos adolescentes.
2. Num segundo momento, demonstraremos os fatores que contribuíram para a
aproximação dos adolescentes da pesquisa com as facções. Descreveremos processos de
criminalização, questões particulares dos adolescentes, fatores familiares, primeiros atos
infracionais, convivência com pessoas envolvidas com as chamadas facções criminosas e
que contribuíram para a aproximação com as facções. Essa fase é constituída das
narratívas dos adolescentes e seus familiares.
3. Por fim, retrataremos como se dão as dinâmicas relacionais entre os adolescentes no
interior do CEDUC-Pitimbu. Compartilhamos relatos da chegada do adolescente à
unidade, a sua recepção, os critérios de escolha de moradia nos alojamentos destinados
às facções, como também, o relacionamento com a gestão e a equipe técnica. Esse
momento é composto majoritariamente pelas falas dos adolescentes.

É importante dizer que, as análises feitas sobre as facções e suas conexões com os territórios
são baseadas na observação participante, documentos e nos relatos dos participantes desta pesquisa,
inseridos no contexto da unidade socioeducativa CEDUC-Pitimbu. Dessa forma, é preciso ter
cautela com a generalizações desses dados para outros contextos e outras situações.
Cada subtópico apresentado se dá a partir da exposição dos diálogos das entrevsitas. Os
trechos que estão entre parênteses e em negrito correspondem aos apontamentos dos pesquisadores.
Há um conjunto de palavras que aqui são tratadas como sinônimas, são elas: Territórios,
bairros e, a depender do contexto, “quebradas”; CEDUC-Pitimbu, CEDUC, Pitimbu, unidade
socioeducativa ou unidade; Sindicato-RN, Sincato do Crime ou apenas Sindicato.
De modo a não se tornar repetitivo e cansativo, ao discutir sobre determinado tema, não
116
colocamos os trechos de todas as entrevistas, apenas aquela que contempla a discussão. Como
veremos a seguir, os relatos saturam sobre os temas, não havendo a necessidade de colocar na
íntegra a entrevista de todos os participantes.

4.1.Indícios de surgimento das facções nos territórios nas cidades de Natal e Parnamirim
Neste subtópico, exporemos os primeiros indícios de surgimento das facções nos territórios,
localizados nas cidades de Natal e Parnamirim. A partir dos dados coletados, entendemos que a
lógica de surgimento das facções nos territórios acontecem de formas distintas, a depender do
contexto. No entanto, há padrões sobre as formas como surgiram e, assim, delimitamos em dois
conjuntos de territórios, são eles: 1) Parnamirim, Felipe Camarão; 2) Planalto e 3) Mossoró.
Para isso, lançaremos mão das narrativas dos familiares dos adolescentes. Os relatos
daqueles são fundamentais porque residem há mais tempo nos territórios, vivenciaram
temporalmente os processos de mudança com a aentrada das facções.
Ademais, os adolescentes, quando perguntados a esse respeito, a grande maioria não sabia
responder. Isso pode ter acontecido porque quando as facções começaram a surgir em Natal e região
metropolitana, os adolescentes eram crianças, pré-adolescentes e não acompanharam o processo.
Buscamos reproduzir os diálogos segundo os diários de campo. Como já dito anteriormente,
aquele fora construído logo após as entrevistas, visando trazer um relato mais aproximado do que
fora vivenciado nas entrevistas.
Em relação ao primeiro grupo (Parnamirim, Felipe Camarão), o pai e a mãe de John contam
que residem em Parnamirim há pelo menos 25 anos. Acreditam que há cinco, seis anos começaram
a perceber os primeiros indícios de facções no seu bairro. O diálogo será reproduzido a seguir:

PESQUISADOR: ...e em relação às facções, se vocês pudessem me dizer, por exemplo, quais foram
os primeiros indícios que vocês começaram a perceber das facções nos seus bairros? Em que ano
mais ou menos tudo começou? Como vocês moram há 25 anos no bairro, houve um tempo em que
não existia facção e depois passou a existir...quando foi e como foi que passou a existir?

PAI DE JOHN: Bom...esse negócio de facção é complicado...eu não sei se você sabe, mas eu já fui
do crime, fazia uns assaltos, traficava drogas, essas coisas...hoje graças a Deus estou convertido
ao Senhor e vivo pra isso agora...mas naquele tempo que eu era do crime...bota aí uns 15 anos
atrás...eu não via essa história de facção, ninguém falava disso, essa coisa é mais recente, é de
agora....

PESQUISADOR: Mais recente quanto?Dá pra precisar um ano, por exemplo?


117
PAI DE JOHN: Uns cinco, seis anos pra cá...

MÃE DE JOHN: É! uns cinco, seis anos pra cá...

A mãe de John não fala muito nessa entrevista. Quem responde as peguntas quase sempre é
o pai de John. Contudo, a mãe consente sobre o que é falado pelo pai.

PESQUISADOR: O que aconteceu há uns cinco, seis anos?

PAI DE JOHN: Uns novatos com sotaque de paulista começaram a aparecer lá no bairro, no
condomínio que a gente mora... a gente morava num condomínio popular... aí apareceram esses
meninos paulistas, tatuados com a cara mal encarada...

PESQUISADOR: John tinha quantos anos na época?Era quase uma criança, não era?

MÃE DE JOHN: Era, ele tinha 11, 12 anos por aí.

PAI DE JOHN: Era, por aí... eu viajava muito nessa época, ela (a mãe de John) trabalhava o dia
todo, e aí John ficava sozinho lá no condomínio com os meninos de lá... quando chegou esses
paulistas, ele cemeçou a andar com eles e aí deu no que deu.

O relato do pai de John é bastante pertinente porque vivenciou essa transição da entrada das
facções no bairro , e por ter vivenciado o que ele chamou de “mundo do crime”. A forma como
surgiram, data de meados dos anos 2012-2013, quando jovens “novatos”, tatuados, mal encarados,
com sotaque paulista apareceram no bairro e no condomínio onde morava, e começaram a conviver
com outros garotos daquele local, incluindo o próprio John, na época com 11, 12 anos de idade.
Embora, não esteja reproduzido no diálogo (será reproduzido no subtópico seguinte), o pai
diz que hoje tenta evangelizar os jovens que estão no “mundo do crime”. Conta que vai até a boca
de fumo para convidar os jovens para a pregação. Aqueles que não vão, ele insiste indo até a boca
para chamá-los.
Os relatos do pai e mãe de John sobre o surgimento das facções em Parnamirim,
assemelham-se aos relatos de outros familiares de adolescentes em outros bairros da cidade de
Natal. A seguir descreveremos os relatos sobre o surgimento das facções no bairro Felipe Camarão.
A família de Pete, mãe e namorada, comentam esse assunto. A primeira reside em Felipe
118
Camarão há dez anos, enquanto que a segunda reside no bairro desde que nasceu.

PESQUISADOR: Inicialmente... há quanto tempo a senhora reside no bairro?

MÃE DE PETE: Eu sempre morei em Natal, mas nesse bairro agora (Felipe Camarão), moro lá há
uns dez anos... antes eu morava em outro bairro, mas tou querendo mudar de novo pra (omitimos o
nome do bairro que possívelmente irão mudar porque pode dar indícios sobre a identidade de
Pete e sua mãe),por causa desses problemas com Pete, tou só esperando ele sair daqui pra a gente
ver isso...

PESQUISADOR: Lá nesse bairro que a senhora pretende ir, é reduto de alguma facção?

MÃE DE PETE: Pois é, aí é que tá o problema, dizem que lá não é dominado por nenhuma facção,
mas Pete disse que é do PCC... ele falou,“Mainha, se a gente for pra lá, os cara lá vão me
decretar”, aí eu falo, “E eu lá tenho nada a ver com facção Pete, quero viver minha vida em paz”...
Aí ele fica olhando, assim, calado.

PESQUISADOR: Hum, entendi... pois, então, como a senhora já reside no bairro há uns dez anos,
e sempre morou aqui em Natal, houve um momento em que não existia facção e depois começou a
ter, qual foi a época mais ou menos, e os primeiros indícios que a senhora começou a perceber a
presença das facções?

MÃE DE PETE: Olhe, assim, a gente começou ver mais essas coisas pela televisão, porque passa
lá direto, eu nem sabia que existia isso... mas, lá no bairro mesmo, acho que começou há uns cinco
anos, por aí.

PESQUISADOR: Hum, e como a senhora viu, de fato, que ali era coisa da facção, quando
começou a perceber os movimentos da facção?

MÃE DE PETE: Ah! Eu comecei a ver os meninos nas esquinas, umas turminhas juntas nas
esquinas, uns caras tatuados.

PESQUISADOR: Ali a senhora acha que era a presença de fato das facções?

MÃE DE PETE: Era, porque Pete começou a andar com esses meninos e acabou depois entrando
119
na facção.

Depois disso, a entrevista continuou sobre outros assuntos, e a mãe de Pete sugeriu que o
pesquisador entrevistasse a Consuelo (nome fictício), sua namorada. Segundo a mãe, a namorada é
pertencente à facção e influenciou Pete a, também, se filiar. A jovem estava na unidade naquele dia
para visitar Pete e concordou em participar da entrevista. Sobre o surgimento das facções no bairro,
diz o seguinte.

CONSUELO: Rapaz, dizer assim, quando começou, eu não sei dizer não, mas foram esses dias aí...

PESQUISADOR: Esses dias quando, esse ano? Ou anos atrás?

CONSUELO: Anos atrás, sei lá, uns quatro anos, por aí.

PESQUISADOR: E como começou no bairro, você sabe? Como surgiram, quais foram as primeiras
coisas que começaram a surgir que você disse que ali era coisa de facção?

CONSUELO: Ah! Acho que começou a aparecer uns caras tatuados, com tatuagens de palhaço,
“fulano” mesmo (omitimos a nome do rapaz para não revelar a sua identidade), tem uma
grandona, assim, na perna, que deve ser influência deles.

A Consuelo apresenta uma narrativa semelhante aos pais de Pete e John. Contudo,
complementa com outras características do sujeitos “novatos” no bairro, que são as tatuagens de
palhaço. Esta caracterísca também vai estar presente no relato da mãe de Ringo, referente à Felipe
Camarão, como podemos ver a seguir.

PESQUISADOR: A senhora tem muito tempo que mora em Natal?

MÃE DE RINGO: Tem, muito tempo mesmo, por volta de uns 30 anos.

PESQUISADOR: 30 anos? Nossa, muito tempo, mas sempre morou em Felipe Camarão?

MÃE DE RINGO: Morei em outros lugares que não aqui em Natal, mas aqui em Natal, sempre lá...

PESQUISADOR: Hum, entendi, eu queria saber o seguinte... como a senhora mora há muito tempo
120
em Felipe Camarão, houve um tempo em que não existia facção e de uma hora pra outra passou a
existir, quais foram as primeiras coisas que a senhora começou a ver diferente no bairro, que
atestavam que ali se tratava das facções?

MÃE DE RINGO: Hum... (a mãe de Ringo pensa bastante na resposta, algo que chama a
atenção), eu não sei muito dessas coisas de facção, mas acho que começou a aparecer lá no bairro
uns caras todos tatuados com umas tatuagens de palhaço...

PESQUISADOR: Hum, tatuagem de palhaço?

MÃE DE RINGO: É! Tatuagem de palhaço, eu sei porque dava pra ver as tatuagens nas pernas,
nas costas deles quando tavam sem camisa, eu acho horrível! (a mãe de Ringo ri).

PESQUISADOR: (com o clima mais descontraído, questionamos) A senhora sabe o que significa
essas tatuagens de palhaço?

MÃE DE RINGO: Sei!

PESQUISADOR: Poderia dizer, o quê?

MÃE DE RINGO: Ah! Tem a ver com a polícia, neh? Quem matou ou vai matar policial, esses
negócios.

PESQUISADOR: Hum, entendi! E quando começou isso, a senhora saberia precisar um ano em
que essas coisas começaram a aparecer?

MÃE DE RINGO: Acho que uns cinco anos atrás, por aí.

O relato do familiar de Ringo se assemelha aos anteriores por trazer um certo personagem
tatuado, como precursor da chegada das facções. Acrescenta-se à característica da tatuagem de
palhaço, a mensagem que deseja transmitir com o desenho, que é a ideia de que mataram ou
desejam matar policiais.
A tatuagem de palhaço está presente no imaginário dos policiais da cidade de Natal e
Parnamirim e é usada recorrentemente nas abordagens das pessoas nas comunidades. A descoberta
dessas tatuagens, pelo policial, pode levar a represálias mais violentas contra o sujeito. É o alerta
121
que Brito (2018) faz ao descrever uma interpelação policial de um jovem negro na comunidade Mãe
Luiza, na cidade de Natal:

em uma noite qualquer, a viatura do Batalhão de Operações Especiais surgiu na rua onde ele
estava e todas as pessoas correram a fim de se esconder, mas ele [Brown] não. Ele
permaneceu na rua. “Não devia nada. Não tinha para quê correr.”, disse ele. Um policial
mandou ele apoiar as mãos na parede com as pernas abertas para iniciar o procedimento de
revista (ou baculejo). Enquanto Brown era revistado, o policial perguntou o que ele fazia
naquela rua e onde ficava a “boca de fumo”. “Vamos, boy. Diga aí onde fica a boca de fumo.
Tá com medo de morrer, é? Pode dizer! Não tenha medo não. Tem tatuagem de palhaço
aí?!”, disse Brown sobre as palavras do agente de segurança. Demonstrei não entender a
pergunta sobre a tatuagem de palhaço. E logo Brown e João me explicaram que a tatuagem
de palhaço significa “matador de policial”. “Um palhaço tipo o coringa”, disse João, que
continuou “Mas o cara pode ter a tatuagem e nem saber desse significado. Assim como
você” [...] Ao final da revista, já tendo checado se Brown teria “passagem pela polícia”, o
policial se despede de Brown alertando-o que caso o veja de novo por ali não seria bom para
ele. Ou seja, um caso evidente de ameaça. Um anúncio individual de um toque de recolher –
Diário de campo, dia 07 de julho de 2016 (Brito, 2018, p.160).

Além da possibilidade de uma postura mais agressiva do policial, caso houvesse a tatuagem
de palhaço por quaisquer motivo, incluindo o estético, questiona-se o que levaria o policial a supor
que Brown (aquele que foi alvo da revista) saberia onde ficaria a Boca de Fumo. Além de diversos
processos de criminização que incidem sobre esse jovem, por meio da sua condição social, cor de
pele, vestimentas, etc., o autor conclui que “estar na rua à noite é uma fonte de perigo para o jovem
da periferia, e o agente causador desta ameaça é o próprio Estado” (Brito, 2018, p. 161).
Dessa forma, o surgimento das facções em Parnamirim e Felipe Camarão traz um certo
padrão. A priori, há um tempo histórico determinado de surgimento, que seria em meados de 2012 e
2013, (presente nas falas como há uns cinco ou seis anos atrás) e, também, há a construção da
imagem de um tipo específico de indivíduo, que deu início ao surgimento às facções, caracterizado
como novatos no bairro, com sotaque paulista, tatuados (às vezes com tatuagens de palhaço),
aparentemente zangados e que andavam em grupos, juntando-se nas esquinas das ruas.
O contexto de surgimento do PCC no estado de São Paulo é o sistema penitenciário, dentro
das prisões. Nesse contexto, vários fatores contribuíram para impulsionar a mobilização e expansão
da facção nos presídios do estado, e posteriormente, alcançando os territórios da cidade pelo tráfico
de drogas, fundamentalmente os bairros mais pobres e periféricos (Dias, 2017; Biondi, 2014; Dias,
122
2011; Rodrigues, 2011; Biondi & Marques, 2010).
A vinda do PCC ao RN se dá no processo de “nacionalização” da facção. Para Dias (2007), a
nacionalização acontece em 2006 (episódio dos ataques da facção às forças de segurança do
estado); a partir disso, houve uma condição favorável para a expansão do PCC para outros estados
brasileiros, num processo de nacionalização das atividades econômicas, dos discursos e das
práticas.
Esse fato nos dá pistas sobre a inserção da facção no estado do Rio Grande do Norte pelo
sistema penitenciário e domínio de territórios. No caso do primeiro, a publicação que nos fornece
informações sobre a presença da facção no estado é o estudo de Menezes (2016), que data de 2011,
quando discute a autoria de ataques aos transportes coletivos, na cidade de Natal-RN. A esse
respeito o autor comenta:

Na época, esses ataques foram atribuidos à atuação da facção criminosa PCC, que teria
coordenado os ataques. Todavia, alguns analistas de segurança pública defendem a tese de
que não necessariamente existia uma célula do PCC no RN, mas de que os bandidos teriam
uma rede de conexão muito importante e durante os ataques se colocam como PCC,
inclusive em pichações, visando a intimidação das pessoas (Menezes, 2011, p.153).

Dessa forma, a presença do PCC no sistema penitenciário do RN, em 2011, não é


confirmada e restam apenas indícios. Tal presença poderá ser percebida alguns anos depois na
própria pesquisa, em meados de 2015-2016, época de realização da pesquisa, que visualizava
também a presença do Sindicato-RN.
No caso da presença do PCC nos territórios, os dados coletados nesta pesquisa nos dão o
indicatívo de que sua presença é percebida apenas em meados de 2012 e 2013, coincidindo com a
época de dissidência e surgimento da facção Sindicato-RN. Até então, apenas o PCC dominava os
territórios e outras facções menores coexistiam à sua presença. Porém, se o PCC já estava presente
nesses territórios, por que 2012-2013 é lembrado com frequência como o período de surgimento das
facções?
A nossa primeira hipótese é que a presença do PCC, em aliança com as facções menores,
possibilitou um “período de paz”, de poucos conflitos. Esse aspecto tornava a presença das facções
pouco perceptível aos moradores dos territórios e, assim, sua presença passou a não ser lembrada
anterior a 2013.
Essa conjectura se justifica, pois é sabido que o PCC, nas suas atuações, é mediador de
conflitos nos presídos e territórios, influenciando até mesmo nas taxas de criminalidade em algumas
localidades. Nesse sentido, Santos, Jorge e Souza (2017) apontam como o PCC passou a promover
123
a gestão da violência nas periferias na capital São Paulo, contribuindo assim para a redução da taxa
de homicídios entre os anos 2001 e 2010:

Na virada do século, a taxa de homicídios da capital paulista iniciou um movimento de


queda acentuada, reduzindo 74% entre 2001 e 2010 (BRASIL, 2015a). Entre as principais
hipóteses para explicar o fenômeno, destaca-se a atuação de uma facção criminosa nas
prisões e no espaço urbano – em especial nas periferias – denominada Primeiro Comando da
Capital (PCC); que assumiria a prerrogativa de gerir a violência nos territórios sob seu
controle, interrompendo os ciclos de vingança homicidas (Santos, Jorge, & Souza, 2017,
p.107).

Para os autores, a atuação da facção nos presídios e espaços urbanos influenciou diretamente
nas taxas de homicídios, na qual a gestão da violência envolveria dois aspectos mais evidentes:
Primeiro, haveria um mecanismo de regulação no território que faz com que criminosos e
moradores das periferias “vigiassem” o padrão de conduta (o chamado proceder) e, segundo,
quando, por acaso, ocorre um desvio de conduta, a autoridade punitiva é acionada através dos
debates, responsável pela resolução de conflitos nos territórios comandados pelo PCC. O
adolescente Moraes exemplifica essa atitude como “ligar nas linhas”, ou “puxar um chiclete”, que
significa pedir para que o Disciplina (no caso do território) ou o Cadeia (no caso do presídio)
resolva a “laranjada”.
Para Feltran (2010), a precarização da rede de proteção social, em 2001, propiciou ao PCC a
sua consolidação nas periferias de São Paulo como expressão do seu poder político-jurídico. Não
por acaso, a política neoliberal de fragilização do estado de bem-social e a ascensão do Estado
penal, no fim das décadas de 1980 e 1990, apontada por Waquant (2003), conjuntamente às
políticas de encarceramento em massa e interiorização dos presídios, contribuiu para o surgimento e
assentamento do PCC no estado paulista.
Ainda segundo Feltran (2010), a legitimidade que a facção passa a assumir nas periferias é
estimulada pela morosidade e as injustiças da burocracia estatal. A legitimidade é estabelecida pelo
retorno às periferias dos jovens (agora batizados) que estavam presos, instalando o comando, e a
percepção, por parte da população dessas periferias, de que a justiça estatal, além de ineficiente, é
profundamente desigual.
Biondi (2007) comenta que o controle num território independe da presença de alguém
batizado pela facção. Cita como exemplo, na situação hipotética, quando num presídio não houver
um membro batizado da facção, ele pode ser comandado por membros da família, que atuam como
seus representantes até a chegada de algum deles ao local.
124
No contexto da cidade de Natal, no RN, mais especificamente na comunidade de Mãe Luiza,
essa aparente tranquilidade é apontada como reflexo da regulação promovida pela facção ali
estabalecida. No caso, a facção que domina esta comunidade é o Sindicato-RN. A esse fato Brito
(2018) comenta:

A pretensa tranquilidade esconde, contudo, a face violenta por detrás deste ambiente. E é
possível afirmar isso se assume-se como pressuposto que a tranquilidade daquela noite, que
transcorreu sem registrar sequer um furto, mesmo com dois eventos ocorrendo ali – o que
implica um maior fluxo de pessoas – é fruto da regulação promovida pela facção criminosa
que, ao reivindicar o monopólio do comércio ilegal de drogas em Mãe Luíza, estabelece um
certo código moral a ser seguido – código este que prevê sanções – o que implica em um
maior fluxo de pessoas – é fruto da regulação promovida pela facção criminosa que, ao
reivindicar o monopólio do comércio ilegal de drogas em Mãe Luíza, estabelece um certo
código moral a ser seguido – código este que prevê sanções para práticas como furtos,
assaltos e estupros. Neste sentido, a tranquilidade visível naquele momento era fruto da
violência que não podia ser apreendida pela visão (Brito, 2018, p.138-139).

Em outro trecho, o autor mostra, por meio de um diálogo com uma pessoa da comunidade (e
participante da pesquisa), a quem se deve a tranquilidade na comunidade:

Brown, que é morador de Mãe Luíza, inicia falando que Mãe Luíza hoje é um bairro
tranquilo, mas que essa tranquilidade não se deve à política de segurança que foi
implementada lá. “Quem impõe a ordem é a facção”, diz ele. Até o momento, não figurava
entre minhas “hipóteses” que a regulação da segurança no bairro fosse feita por uma facção
criminosa. Fiquei surpreso com esse ente, para mim ainda abstrato, denominado pelo meu
interlocutor apenas como facção [...] “O Ronda é só fachada. Uma forma do governo dizer
que faz alguma coisa pela segurança”, diz ele – Diário de campo, dia 07 de julho de 2016.
(Brito, 2018, p.141).

A facção nessa comunidade exerce a gestão do seu cotidiano por meio da violência expressa
em sanções disciplinares, que são baseadas em certas regras que todos os moradores devem seguir.
Numa dada situação, a facção espalhou cartazes colados em postes em toda a comunidade, nos
quais, o conteúdo dizia respeito a oito regras a serem levadas em consideração pelos moradores. A
esse respeito, o autor comenta:

125
Desde as primeiras inserções em campo, foi possível identificar a existência dessas regras,
através do próprio relato dos moradores. Há de se supor que não havia razões para que as
polícias não as conhecessem, contudo, com a “viralização” da fotografia do tal cartaz colado
em um poste nos grupos de WhatsApp da cidade, o governo do Estado e a polícia militar
reagiram com mais espetáculo (Brito, 2018, 169).

Nesse cenário, a polícia tem um papel decorativo na gestão da segurança. Outro trecho do
estudo evidencia essa questão, a partir de uma situação em que dois moradores se relacionam com a
polícia local.

Em uma das situações narradas por Brown, a polícia parou pela manhã, em Mãe Luíza, um
ônibus onde ele estava com o seu pai, um homem de setenta anos, e pediu para que todos os
homens do ônibus descessem para serem revistados. Na ocasião, incomodado por ver seu pai
passar por aquela situação, Brown conta que contestou o policial acerca da
necessidade/legitimidade daquela ação e por este motivo foi ameaçado de ser preso. (Diário
de campo, dia 07 de julho de 2016). (Brito, 2018, p.141)

Assim, questiona-se essa e outras ações policiais sobre o objetivo e a possibildiade de êxito
de tal abordagem policial. Ou seja, admite-se que o objetivo realmente consistiria em zelar pela
manutenção da segurança pública, mas o mais provável é de que se tratava de uma
espetacularização da questão da segurança e, assim, expondo o papel decorativo da polícia.
Já a nossa segunda hipótese é que, a partir da dissidência, o PCC e Sindicato-RN começaram
a disputar membros e o controle do tráfico de drogas e, consequentemente, os territórios para os
seus grupos, gerando intensos conflitos. É nesse período que se tornaram frequentes os ataques
entre ambos os grupos e as suas aparições nos noticiários televisivos – fato mencionado por
algumas famílias dos adolescentes.
Vale salientar que, embora não apareça nos dados da pesquisa, por meio das conversas com
educadores, gestão técnica e pessoas que de forma indireta lidam com membros de facções, a partir
de 2013 houve um processo acelerado de batismo de novos membros em ambas as facções. A busca
por fortalecer-se fez com que ambas as facções deixassem de lado certos pré-requisitos dos seus
estatutos, como o impedimento de ingresso de menores de 18 anos.
No que se refere ao bairro Planalto – cidade de Parnamirim, aparentemente, as facções
aparecem interligadas às torcidas organizadas. Os relatos vão aparecer nas entrevistas de Moraes,
Dadi e seus familiares. Assim, o relato de Moraes sobre as facções no Planalto coincide, também,
com a sua aproximação e entrada nesses grupos pelas torcidas de futebolda seguinte forma:
126
PESQUISADOR: Pra você, se você pudesse me dizer, por que você acha que os outros
adolescentes, jovens, do Planalto, mais ou menos da sua idade, entram na facção?

MORAES: Assim, eu acho que é tipo uma escadinha, começou com essa coisa de briga de torcidas
organizadas lá no bairro, que já foram dividindo em grupos, e aí cada um escolhia um lado.

PESQUISADOR: Quais torcidas organizadas? De quais times?

MORAES: Do ABC e do América, tem a Máfia e tal. Aí os boy escolhiam um lado, ali do lado da
travessa, da principal, de um lado era o América e do outro o ABC; aí quem era do América não
podia passar pro outro lado, e quem era do ABC não podia passar pro lado de cá, senão levava
pau!

PESQUISADOR: Ah! Então as facções surgiram daí? Das torcidas organizadas?

MORAES: Foi! Foi o que virou a ser depois, aí muita gente da torcida organizada do ABC
começou a virar PCC e aí começou a ficar mais forte essa rivalidade, eles até já se matavam, criou
uma disputa mesmo entre eles dentro do bairro.

PESQUISADOR: Com você aconteceu dessa forma também? Foi por causa da torcida organizada
que você acabou entrando na facção?

MORAES: Foi, foi por aí, porque eu já andava com os boy do ABC lá no bairro, “fumar um” com
eles, aí a gente entrou nas torcidas organizadas, aí depois que virou PCC foi um pulo.

PESQUISADOR: Então é por aí que os meninos entram também?

MORAES: Acho que é, é o que eu vejo, lá no Planalto acho que é assim, começou com as torcidas
organizadas no bairro, começou a dividir, depois virou a facção, aí todo mundo já tava dentro.

Esse aspecto de surgimento da facção no Planalto vai ser acompanhado por Dadi em
entrevista, na qual, a sua entrada na facção também se cruza com as torcidas organizadas, e diz o
seguinte:

127
PESQUISADOR: E no Planalto, já que você mora lá, como foi que surgiram as facções?

DADI: Surgiu pelas torcidas organizadas, tá sabendo não? Tem a Máfia (referente à Torcida
Máfia Vermelha, TMV, do time América do Norte), tem a Garra (referente à Torcida Garra
Alvinegra do time ABC). Os boy tudo saiam aqui de comboio pro estádio, saía brigando daqui até
lá, e quando voltava também (Dadi gargalhava nesse momento).

PESQUISADOR: Você era dessas torcidas?

DADI: Era, eu era da torcida do ABC.

PESQUISADOR: E o time do ABC, como tá hoje? (em tom descontraído).

DADI: (rindo ele responde) Tá f* deve estar na quarta divisão, eu nem acompanho mais esse
negócio.

PESQUISADOR: E foi assim que você entrou na facção?

DADI: Foi, já tava lá dentro, também já tava no crime, aí começou a virar facção e aí estamos aí.

Como pode ser visto nos diálogos com Moraes e Dadi, o aparecimento das facções no
Planalto se dá se forma imbricada nas torcidas organizadas dos times ABC Futebol Clube e América
de Natal. Ao que parece, o percurso histórico desses grupos organizados de times de futebol foi um
fator importante de aproximação dos adolescentes com as facções do PCC e Sindicato, em que estes
grupos já se faziam presentes nos territórios.
As primeiras torcidas organizadas do estado datam do fim do século XX. Na cidade de
Natal-RN, a Torcida Garra Alvinegra, pertencente ao time ABC Futebol Clube considerada como a
mais antiga do estado do Rio Grande do Norte, foi fundada em 03 de janeiro de 1991, por camelôs
que trabalhavam na Avenida Rio Branco na Cidade Alta.
Segundo o domínio da torcida organizada na rede social Facebook 12, essa torcida é uma
entidade recreativa, na qual sua essência é promover a festa nas arquibancadas em jogos do ABC
Futebol Clube. Seus objetivos, a sua luta nas palavras dos torcedores, seriam a favor da festa na
arquibancada, contra o futebol moderno e a favor da inclusão sociocultural de jovens brasileiros. O

12
https://www.facebook.com/garraalvinegra.
128
morcego é o mascote do time, em referência ao estádio Maria Lamas Farache (o Frasqueirão), que
aloja muitos deles na marquise.
A Garra figurava em 2017 como a única torcida organizada ligada ao ABC. A torcida
mantém-se com recursos próprios, financeiramente independente do clube. Segundo o domínio
http://www.organizadasbrasil.com, a torcida tem predomínio sobre alguns bairros na cidade de
Natal-RN e fora do estado, como por exemplo, na zona sul, leste, oeste, sendo a zona norte da
capital a maior concentração, com mais de 15 bairros.
A torcida Máfia Vermelha (TMV), também conhecida como Grêmio Recreativo Cultural
Torcida Máfia Vermelha, ligada ao clube América Futebol Clube, foi fundada em 08 de dezembro
de 1991 e também é originária de uma outra torcida – a Torcida Independente do América (TIA),
que depois da sua extinção os membros mais jovens fundaram a TMV. O seu símbolo é uma
caveira.
A escolha do nome teria sido uma decisão desses membros para contrapor à facção
abecedista (Sobrinho & César, 2008). Ainda segundo estes autores, a TMV conta com 2.200
associados, número este questionado por um dos seus membros, o qual relata que “o número seria
maior, só que muitos dos membros, temerosos, não querem ser reconhecidos” (Sobrinho & César,
2008, p.8).
Sobrinho e César (2008) nos apontam reflexões sobre torcidas organizadas no Estado do RN
e sua interlocução nos espaços urbanos. A partir de um histórico de violência entre esses grupos
dentro e fora dos estádios, revelam-se nuances de disputas por território paralelas ao
desenvolvimento da cidade ao passar dos anos.
Segundo os autores, em seu prelúdio, quando esses grupos começaram a se organizar nos
bairros, os conflitos intergrupais foram aumentando. As torcidas passaram a se dividir por bairros,
seguindo as táticas de guerrilha, organizadas por comandos, reconhecidas no Estádio Machadão por
faixas, cada grupo no seu local determinado:

Na medida em que os conflitos vão aumentando e o grupo rival busca o revide, as


torcidas passaram a se dividir por bairros, seguindo as táticas de guerrilha,
organizadas por comandos, reconhecidas no Estádio Machadão por faixas, cada
grupo no seu local determinado (Sobrinho & César, 2008, p.8).

Noutro estudo, Cesar (2006) mostra como as torcidas se dividiam dentro do Estádio
Machadão e nos bairros. Por exemplo, os bairros 22º comando do Tirol, no caso o Alecrim, é
pertencente à torcida Garra, 10º comando e, quem seria residente de Neópolis estaria no 1º
comando da Garra. A torcida da Máfia, no bairro, seria contra em Neópolis.
129
Em reportagem do Globosport (22/03/2016), entre 2008 e 2016, no estado do RN, cinco
torcedores foram assassinados em brigas envolvendo torcidas organizadas, segundo dados da
Polícia Militar (PM). Dois desses casos aconteceram no ano de 2013 após o jogo entre ABC e ASA,
pela Série B do Campeonato Brasileiro.
Segundo Murad (2017), a partir de 1990, o país figurava na terceira posição com maior
número de óbitos causados por conflitos entre torcidas organizadas, atrás apenas de Argentina e
Itália. Ao passar dos anos, os números resultantes da violência nesses países diminuíram enquanto
que no Brasil aumentou. A partir de dados divulgados do seu estudo, o autor mostra que entre 2010
e 2014 foram registrados 94 mortes ligadas a rixas entre torcidas; apenas 3% dos processos
acabaram em condenação.
Palhares et al., (2012) investigam o comportamento agressivo das torcidas organizadas e
seus desdobramentos ao que deveria ser destinado ao lazer. No seu estudo, por meio de uma revisão
bibliográfica em livros e teses, mostram que diversos fatores poderiam afetar mudança no
comportamento individual, contribuindo para manifestações agressivas com consequências diretas
para a diminuição do público nos estádios. Dentre esses fatores, ressaltam-se presença de um grupo,
composição das torcidas, da violência integrante da sociedade, da mídia, da má organização
esportiva e da impunidade. Para Palhares e Schwarts, (2015), para além das agressões físicas, a
violência é resultante de outros tipos de fatores, pouco discutidos e que ficam em segundo plano,
como por exemplo, a precariedade de infraestrutura física e dos serviços dentro dos estádios, a má
gestão e organização futebolística e ineficiência de serviços públicos.
Já Lima, Moura, e Antunes (2014) averiguaram que as rivalidades surgem de influências
históricas e sociais distintas. Ressaltam que a disputa por espaços dentro dos estádios é uma das
principais razões que contribuem para a afirmação da rivalidade entre as torcidas e que pode causar
conflitos, pois a divisão, por não possuir critérios oficiais e lógicos, acaba sendo construída de
modo subjetivo pelas diferentes torcidas.
Nesse cenário, segundo Murad (2017), como resultante desse tipo de violência, algumas
torcidas se organizaram e vincularam-se ao crime organizado, tráfico de drogas e ao mercado
paralelo de armas. Há duas cidades que exemplificam esse tipo de relação com as torcidas
organizadas, as facções e o domínios de territórios; são elas a cidade do Rio de Janeiro e São Paulo.
Na cidade do Rio de Janeiro, durante o ano 2005, as torcidas de determinados times de
futebol passaram a apresentar ligações com a divisão territorial da cidade e com o tráfico de drogas.
O perfil dos jovens, na sua grande maioria, tinha idades entre 14 e 25 anos, grande parte
desempregados ou na informalidade, predomínio de homens com cerca de 10% a 15% de mulheres,
ligação com crime organizado, tráfico de drogas e gangues urbanas.
Na cidade de São Paulo, algumas torcidas de times de expressão nacional apresentam a
130
ligação estreita com o PCC. Determinadas torcidas tinham essa especificidade de apresentarem
ligações com as facções por meio tráfico de drogas e a divisão territorial da cidade13. Levando-se
em consideração a escassa literatura científica sobre o assunto e os manuscritos que não tivemos
acesso, podemos recorrer a outras fontes de dados, como os sites da internet dos times e torcidas
organizadas14.
No que se refere à facção Caveira, o surgimento desta na cidade de Mossoró-RN acontece de
maneira distinta aos contextos que foram descritos. Para esse aspecto temos, a fala de Galvão que
irá nos municiar. Para o surgimento da facção Caveira em Mossoró, o adolescente conta o seguinte:

PESQUISADOR: Como você veio parar aqui no Pitimbu, já que você é lá de Mossoró?

GALVÃO: Eu fui transferido. Eu tava cumprindo lá, aí eu dei fuga, me pegaram de novo e aí me
transferiram pra cá, mas da primeira vez eu fui pego por outra coisa, que eu já paguei.

PESQUISADOR: E aqui, você se identificou com alguma facção?

GALVÃO: Assim, me colocaram aqui nos alojamentos do PCC, mas eu não sou PCC, sou Caveira,
aí eles tornaram meus amigos aqui.

PESQUISADOR: E eles aceitaram de boa?

13
Há uma escassa literatura científica sobre as torcidas organizadas de futebol e seus domínios nos territórios, no estado
do RN. Contudo, há um grupo de estudos a que ainda não foi possível ter acesso por inúmeros fatores, como extravio,
não reedição dos livros, por exemplo. No curso de história da UFRN, por exemplo, não foi possível ter acesso às
seguintes monografias: Futebol e Economia no Rio Grande do Norte (1972 a 1982): Ascensão e Crise (2002), de Múcio
Luiz Correia; Futebol e Identidade Nacional (2008), de José Petrúcio Rodrigues de Azevedo; Controle Social e Futebol
no Rio Grande do Norte (1970-1982), de Ítalo de Brito Siqueira; Xarias e Canguleiros: a reinvenção das identidades
pelos clubes de futebol (2008), de Nycolas Edwardo Gorgônio Nacimento, e a monografia do curso de ciência sociais:
Iram Hermenegildo César. A violência no Futebol: facções de torcidas organizadas no Estádio Machadão em Natal/RN.
Monografia em Ciências Sociais. Natal, 2006. 49f. Os seguintes livros e capítulos também não foram possíveis de ter
acesso: Arrais, R., Andrade, A., Marinho, M. (2008). O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal:
EDUFRN, e Lopes, E. (2006). Da bola de pito ao apito afinal: memória do futebol natalense. Natal: [s. N.].

14
como www.futebolriogradedonorte.com.br; www.americadenatal.com.br e www.organizadasbrasil.com e as redes
socais https://www.facebook.com/garraalvinegra, são grandes aliados em oferecer informações sobre as torcidas
organizadas no estado.

131
GALVÃO: Sossego.

PESQUISADOR: A gente já sabe mais ou menos como surgiu o PCC aqui no RN, como é que
surgiu a Caveira lá em Mossoró?

GALVÃO: Assim, tá ligado, era tudo PCC, todo mundo era PCC, aí começou um bonde a andar
todo mundo junto.

PESQUISADOR:Espera, como assim um bonde? Tipo um grupo de pessoas?

GALVÃO: É, tipo isso, aí esse bonde se reunia pra assaltar, fazer as paradas.

PESQUISADOR: Hum, e se tava todo mundo junto por que separou?

GALVÃO: Aí esse bonde começou a ter atrito com outros PCC de lá, uns boy começou a ser sujeira
com um e com outro, um começou a matar o outro, eu mesmo já tretei com os caras lá, ai
resolveram separar. Esses do bonde que já tavam junto, ficaram junto e expulsou os PCC de lá e ai
formou a Caveira.

PESQUISADOR: Você tava nessa época que separou? E sabe qual o ano que vocês formaram a
Caveira?

GALVÃO: Não, não tava não. Quando eu entrei já tava formado, também não sei que ano
aconteceu isso, mas não faz muito tempo não.

A partir deste relato, percebe-se que a facção Caveira surge também por dissidência do PCC.
Contudo, muitas das práticas deste último, não foram adotadas como o Sindicato-RN adotou, como
veremos nos tópicos seguintes. A Caveira surge na cidade de Mossoró-RN, quando determinado
bonde de dentro do PCC começa a entrar em choque com este. A Caveira expulsa dos seus
territórios os integrantes do PCC e forma uma nova facção. É preciso dizer que a cidade de Mossoró
é tomada em seu contexto mais amplo. Na cidade há diversos territórios e, assim, o surgimento das
facções pode apresentar especificidades nesses territórios, devendo ser melhor investigado em
pesquisas futuras.
Dessa forma, segundo o relato dos adolescentes e seus familiares, o surgimento das facções
no Planalto se dá por meio das torcidas organizadas (Garra e Máfia) que disputam espaços na
132
cidade e, tempos depois, evoluem para a facção PCC e Sindicato-RN. Processo distinto ocorre na
cidade de Mossoró e em Paranamirim e Felipe Camarão, nos quais o surgimento das facções traz
um tempo histórico determinado (meados de 2012 e 2013) e um personagem responsável. Este
personagem aparecerá em outros relatos, como instrumento facilitador de apróximação e entrada
dos adolescentes às facções, o que será descrito a seguir.

4.2. A aproximação dos adolescentes com as facções


Os fatores que permitem a aproximação seguem determinados padrões de acontecimento e
se assemelham a elementos do tópico anterior. As aproximações com as facções vão ser baseadas
nas trajetórias de vida dos adolescentes da pesquisa.
As trajetórias serão reconstituídas a partir dos relatos dos próprios adolescentes, como
também de seus familiares. Compostos geralmente por seus pais, os familiares trazem vivências
fidedignas sobre as trajetórias de vida dos adolescentes participantes da pesquisa e, por isso, são
fundamentais neste momento.
Além das trajetórias de vida, os adolescentes e seus familiares trazem relatos de terceiros,
que são os jovens dos seus territórios. Isso acontece primeiro, por causa da importância de se ter
experiências territoriais a respeito desse tema e, também, por causa da técnica de
Descontextualização Normativa (Menin, 2006).
Como já dito anteriormente, a técnica permite minimizar a pressão do contexto da entrevista
e do entrevistador sobre temas delicados, alocando a discussão desses temas num contexto mais
distante de seu próprio. No caso das entrevistas com os familiares, para não se falar de fatos
particulares num primeiro momento, se faz a pergunta sobre o que quer saber sobre terceiros ou o
grupo. Isso possibilita que o entrevistado sinta-se mais à vontade para falar, e depois fale dele
próprio, num contexto mais próximo do seu.
Dito isso, tal qual a secção anterior, exporemos os diálogos das entrevistas segundo o diário
de campo, buscando retratar fidedignamente o que foi abordado nas entrevistas. Na entrevista com
Paul, ele diz o seguinte a respeito dos motivos dos adolescentes do seu bairro entrarem numa
facção:

PESQUISADOR: Me diz o seguinte, falando dos meninos da tua idade lá do teu bairro, do que você
consegue ver, por que você acha que eles entram para a facção?

PAUL: Os meninos lá... rapaz, acho que vão pela cabeça dos outros.

133
PESQUISADOR: Como assim, vai pela cabeça dos outros, explica melhor como é isso.

PAUL: É, assim, eles tão lá, começa a andar com os boy da facção, aí tem o padrinho, arruma um e
depois a referência, quando vê já tá dentro.

PESQUISADOR: Quem é o padrinho e quem é a referência?

PAUL: O padrinho é aquele amigo dele... que vai botar ele pra dentro... e a referência é cara lá de
dentro lá... que tudo que ele fizer vai falar com o cara lá.

PESQUISADOR: A referência é a liderança?

PAUL: É, mas pode não ser também, é só um cara que vai servir de referência pra ele.

Depois que falamos sobre o contexto do bairro, perguntamos ao adolescente sobre a sua
própria trajetória de vida no que se refere à sua aproximação e entrada na facção. Ele responde da
seguinte forma:

PESQUISADOR: E você, uma pergunta bem pessoal agora, não precisa responder se você não
quiser, você é da facção?

PAUL: Sou!

PESQUISADOR: E por que você decidiu entrar pra facção?

PAUL: Ah! Eu já tava no crime e aí decidi ficar. Como eu te disse, comecei a andar com uns boy
que eram facção... mas eu nem pensava em entrar... aí eu já tava no crime e decidi entrar.

PESQUISADOR: Tá sendo bom, depois que entrou?

PAUL: Tá... tá sossego.

PESQUISADOR: E o que mudou na tua vida depois que entrou? Tipo, antes da facção e depois da
facção... o que mudou?

134
PAUL: Mudou muita coisa não, tá a mesma coisa.

Paul fala que, por já estar no “mundo do crime”, a sua entrada na facção foi consequência.
Depois disso, adentramos no assunto sobre as diferenças entre as facções a partir de sua decisão de
entrar na facção Sindicato-RN e não no PCC. Nosso questionamento era o seguinte, já que estava
no mundo do crime e a entrada na facção era iminente, quais foram os critérios que o fez escolher o
Sindicato-RN? Paul respondeu o seguinte:

PESQUISADOR: E por que você decidiu entrar nessa facção, o Sindicato-RN, e não na outra, por
exemplo, o PCC?

PAUL: Oxe, tá viajando! (o adolescente solta uma gargalhada).

PESQUISADOR: Oxente, por que não? (em tom descontraído).

PAUL: (volta a ficar sério e continua)... Assim, porque eu sou do bairro que quem domina lá é nós
(o Sindicato-RN), e também eu decidi andar pelo certo.

PESQUISADOR: Como assim o certo?

PAUL: Assim, existe o certo e o errado. O certo é o Sindicato porque é a maior facção daqui... não
assalta ônibus, não rouba celular, pouco dinheiro, se for roubar moto só acima de 125, então o
errado são os “Pecêco” que faz essas coisas.

PESQUISADOR: 125 o que, cilindradas?

PAUL: É!

A partir desse trecho, duas coisas chamam a atenção. A primeira é que a decisão de filiação a
uma facção está necessariamente vinculada ao bairro onde se reside e, a segunda, é que há
diferenças conceituais entre as duas facções (Sindicato-RN e PCC). O Sindicato seria a maior
facção e “correria pelo certo”, enquanto que o PCC pelo errado, pois aquele preservaria certos
valores morais do crime, como não assaltar ônibus, não roubar celular, não roubar pouco dinheiro e
moto, apenas acima de 125 cilindradas – essa discussão será melhor explorada do subtópico O que
pensam os adolescentes do Sindicato-RN e do PCC sobre si e sobre o outro?
135
O familiar de Paul relata sobre a entrada dos jovens do bairro na facção no mesmo sentido
que Paul. Contudo, a mãe nos dá detalhes sobre a entrada de Paul e sua decisão de mudar de bairro
por causa da facção.

PESQUISADOR: A senhora disse que o surgimento das facções é recente, mas que não sabe dizer
quando... a senhora saberia dizer se tem meninos do bairro pertecentes às facções?

MÃE DE PAUL: Tem... tem muitos.

PESQUISADOR: Andando lá pelo bairro, vivendo o tempo que a senhora viveu lá, na sua opinião,
por que você acha que os meninos entram numa facção?

MÃE DE PAUL: Ah! Acho que eles entram pela cabeça dos outros... o meu menino mesmo, ele diz
que é de facção, essas coisas, mas eu acho ele tão imaturo, criança ainda, que às vezes nem levo a
sério... eu falo: “Paul tu tá andando com negócio de facção mesmo?”, e ele diz “... e eu não tou
mainha”, aí eu não sei.

PESQUISADOR: É, exatamente, eu o entrevistei, eu achei ele bem brincalhão, bem criança mesmo.

MÃE DE PAUL: Pois é!

PESQUISADOR: Mas a senhora... para a senhora mesmo, acha que ele realmente pertence a uma
facção? Ele disse pra mim que pertencia.

MÃE DE PAUL: Ah! Eu acho que sim, assim, a gente mudou de bairro uma vez por causa disso. A
gente morava em (omitimos o nome do bairro para não revelar a identidade dos participantes), e
ele andava com uns meninos lá do bairro que era envolvido em crime, aí eles combinaram de fazer
um assalto num ponto de ônibus, ele uns rapazes lá, mais uns dois... aí uma das pessoas que foram
assaltadas era esposa do chefão lá da facção, aí procuraram saber quem foi que tinham feito o
assalto e descobriram que foi Paul e os meninos que tavam com ele, o chefão lá mandou matar,
mas aí ele assumiu a culpa e devolveu as coisas da mulher e o chefão deixou ele.

PESQUISADOR: E os outros que estavam com ele?

MÃE DE PAUL: Não sei se assumiram a culpa também.


136
PESQUISADOR: Hum, e o chefão lá deixou Paul pra lá?

MÃE DE PAUL: Deixou, mas eu não acreditei, eu já não me sentia segura, nem por mim e nem por
ele mesmo, aí eu decidi mudar de bairro.

Como pode ser observado, tanto Paul quanto a sua mãe entendem que a aproximação dos
jovens com as facções se dá pela convivência com outras pessoas pertencentes à facção, e por isso,
acabam ingressando por “ir pela cabeça dos outros”. Aliado a isso, estar no “mundo do crime” é um
fato importante que contribui para a entrada desses jovens nas facções. Esses elementos também
vão aparecer nos relatos dos familiares de John – estavam presentes seu pai e sua mãe.

PESQUISADOR: Vocês poderiam dizer, pelo que percebem dos jovens nos seus bairros, por que
vocês acham que os jovens de lá entram para uma facção?

PAI DE JOHN: Eu acho que vai acontecendo aos poucos, começam com alguns delitos, pequenos
assaltos, ou vai até a boca de fumo para comprar drogas e aí passa a conviver com aquelas
pessoas, pegam uma amizade... como eles são muito imaturos, acabam sendo influenciados por
maiores e acabam entrando pra facção.

PESQUISADOR: Hum, entendi.

PAI DE JOHN: No caso de John, dele ter entrado na facção, acho que a gente (referindo-se ao pai
e a mãe de John) temos uma parcela de culpa... porque veja só, como eu te disse, eu viajava muito
e a mãe dele trabalhava o dia todo, e aí ele ficava sozinho com esses meninos que já roubavam,
porque a gente sabia, mas não sabia o que fazer... acho que também o fato de eu já ter sido do
crime, acabou que serviu pra ele entrar.

PESQUISADOR: Porque o senhor é pai e é uma referência pra ele.

PAI DE JOHN: Isso, uma referência, aí acabou influenciando mais ainda ele entrar na facção.
Hoje eu tento usar a experiência que eu tenho pra dar conselho a ele e também a outras jovens lá
do bairro, porque como eu sou um homem de Deus agora, tou sempre querendo levar eles para a
igreja e uns gostam de ir, e eu fico sempre cobrando; quando eles não vão, eu vou até a boca de
fumo chamar “por que é que você não foi?”, “o que é que tá acontecendo?”, “tá acontecendo
137
alguma coisa?”, aí eles acabam voltando.

O relato dos pais de John demonstra a especificidade da sua dinâmica familiar. Segundo o
relato, o pai que pertencia ao “mundo do crime” era a referência do filho e acabou por influenciar a
sua entrada na facção. Juntamente a isso, os pequenos delitos, a ida até a boca de fumo para
comprar drogas ilícitas (no caso a maconha) possibilitou a conviência de John com outros
indivíduos do mundo do crime, alguns deles pertencentes à facção, e isso facilitou a sua entrada no
grupo.
O familiar de Pete, representado pela sua mãe, dá relatos semelhantes aos familiares de
John, referente aos motivos que levam os jovens a entrarem na facção. A mãe de Pete adiciona
outros elementos mais particulares da trajetória de vida de Pete, como a influência da sua namorada
que é pertencente à facção, segundo a mãe.

MÃE DE PETE: ... dos meninos do bairro eu não saberia dizer, porque eu não conheço, mal saio de
casa, minha vida é só de casa para o trabalho. Se você me ver como eu sou dentro de casa, você
acha que não tem ninguém lá dentro, é tudo fechado, no escuro (a mãe de Pete dá risadas). Mas, eu
posso falar de Pete, no caso dele acho que foi uma “escadinha”, ele começou a conviver com uns
meninos que “não davam pra coisa boa”, um povo mal encarado, todo cheio de tatuagem, depois
aos poucos começou a usar droga, coisa que ele nunca tinha feito, e depois a assaltar. Por já estar
com esses meninos, e acho que esses meninos são de facção, ele deve ter acabado entrando.

PESQUISADOR: Hum... engraçado, quando ele fala que é de facção, eu não vejo tanta firmeza.

MÃE DE PETE: É, exatamente, é influência dos outros, ele tem uma namorada que andava com
esses meninos quando ele conheceu ela, ela deve ser da facção, se não for, com certeza ela sabe
falar sobre isso, ela era uma boa pessoa pra você entrevistar.

PESQUISADOR: Mas como eu vou encontrar com ela?

MÃE DE PETE: Ela tá aqui hoje (dia de visita), tá lá com ele, se você quiser depois da visita eu
posso falar com ela pra vim falar aqui com você.

PESQUISADOR: Ah! Então tudo bem, eu gostaria muito. Muito obrigado!

Ao fim da entrevista, a mãe de Pete sai da sala e vai até o refeitório chamar a namorada.
138
Pouco tempo depois, a Consuelo vem até a sala onde estávamos, e iniciamos a entrevista. Embora
tenha negado pertencer à facção, a Consuelo diz conviver com outros jovens filiados à facção e
comenta sobre os motivos daqueles entrarem na facção.

PESQUISADOR: Sobre os meninos entrarem na facção, por que você acha que eles entram?

CONSUELO: Olha, pelo que eu vejo lá no bairro, dos meninos que andam por lá, acho que é por
status sabe.

PESQUISADOR: Reconhecimento.

CONSUELO: É, reconhecimento, querem ser respeitados lá pelos outros meninos, que a liderança
conheça eles, essas coisas.

PESQUISADOR: Tem mulher que pertence à facção lá?

CONSUELO: Tem! Mas olhe, eu não sou de facção não viu (em tom descontraído).

PESQUISADOR: Não, sem problemas, e as meninas, é a mesma coisa dos meninos? Por que você
acha que elas entram na facção?

CONSUELO: Ah! Acho que é a mesma coisa, por status.

Dessa forma, a Consuelo entende que os jovens entram na facção por status, reconhecimento
no grupo de amigos e pela liderança da facção. Segundo ela, os jovens querem ser respeitados. Este
reconhecimento e respeito por parte do grupo, não se distingue por gênero e se estende para garotos
e garotas, mas as suas funções dentro da facção são diferentes. Essa discussão será apresentada no
subtópico: O que pensam os adolescentes do Sindicato-RN e do PCC sobre si e sobre o outro? que
discute as diferenças entre as facções Sindicato-RN e PCC.
No que diz respeito a outro familiar dos adolescentes da pesquisa, a mãe de Ringo foca na
trajetória de vida do adolescente para descrever os fatores que levam os jovens a entrarem nas
facções. No caso de Ringo, a “revolta” para com os pais é o principal fator.

MÃE DE RINGO: Eu acho assim, não posso dizer pelos outros neh! Mas no caso de Ringo, acho
que foi mais por revolta, comigo e com o pai dele.
139
PESQUISADOR: Como assim?

MÃE DE RINGO: Quando ele era bem mais novo, eu me separei do pai dele e fui morar em outro
estado, e Ringo ficou com o pai dele. Só que o pai dele casou de novo e abandonou ele... ele ficou
de um lugar pra outro na família e ninguém queria ele, e eu não podia fazer nada né! Tinha
conseguido um emprego lá e não podia sair, mas depois eu decidi voltar por causa dele (nesse
momento da entrevista a mãe se emociona e chora com o relato).

PESQUISADOR: Quando a senhora voltou, ficou tudo bem com ele?

MÃE DE RINGO: Não, ele tinha mudado muito, ficou mais sério, deixou de ser carinhoso... aí,
acho que isso acabou aproximando ele das más influências. Quando cheguei, ele já tava andando
com esses meninos que a gente vê que não dá pra boa coisa, daí acabou entrando (na facção).

A partir do que foi dito, os relatos sobre as aproximações às facções dos adolescentes da
pesquisa, e dos jovens do bairro seguem determinados padrões de acontecemimento e se inter-
relacionam. Os principais motivos que aproximam os adolescentes das facções acontecem
numa“escadinha”, como relata a mãe de Pete.
O adolescente, por influência de amigos e pessoas do bairro vai até a boca de fumo para
comprar drogas (geralmente a maconha). Esse evento o aproxima de pessoas ligadas à facção, que
são os “novatos” e, possivelmente, os jovens ligados aos grupos organizados de futebol. Depois o
adolescente começa a praticar pequenos delitos. Por influência de pessoas ligadas à facção e por já
estarem no mundo do crime, culmina na sua entrada na facção.
Outro fator que influencia na entrada da facção são as questões de ordem grupal e
identitária. O status, respeito e reconhecimento do grupo de amigos e, também, à referência da
facção, impulsionam o adolescente a entrar neste grupo.
A partir de agora traremos a situação da comunidade do Mosquito. O relato de aproximação
do adolescente com a facção é discrepante em relação ao padrão que fora exposto até o momento e
o contexto territorial da comunidade apresenta especificidades que merecem ser destacadas.
No ano de 2018, a comunidade do Mosquito foi local de constantes disputas por facções e
confrontos com a polícia, no momento em que estávamos realizando esta pesquisa. Para termos
uma ideia a respeito, apresentamos alguns trechos de reportagens da época sobre a situação do
Mosquito, como também, a sua localização na cidade de Natal-RN.
A comunidade do Mosquito é relativamente pequena e fica localizada às margens do Rio
140
Potengi, vizinha à Ponte de Igapó, na zona norte da cidade. As Figuras 03 e 04 mostram como a
comunidade está inserida na cidade.

Figura 03 – Localização no mapa da comunidade do Mosquito.

Fonte: https://google.com.br/maps/place/, 21 de agosto, 2018.

Figura 04 – Comunidade do Mosquito

141
Fonte: 190rn, 15 de fevereiro, 2017

A comunidade é dominada pelo PCC, e no primeiro semestre do ano de 2018, sofreu com
diversas tentativas de invasões da facção rival, Sindicato-RN, e da polícia. Alguns trechos de
reportagens dão um panorama do clima que estava sendo vivenciado.

“A comunidade do Mosquito, próximo à ponte de Igapó, sofreu mais uma tentativa de


invasão neste sábado (30), e voltou a ocorrer na madrugada de domingo. Segundo relatos da
PM, cerca de 15 homens armados entraram no local, invadiram e depredaram residências”
(Tribuna do Norte, 01 de julho de 2018);

“Nove pessoas morreram assassinadas na Comunidade do Mosquito entre 1º de janeiro e 30


de junho de 2018. O número é igual ao total de vítimas registrado em todo o ano de 2017. Se
comparado com o mesmo período do ano passado, os primeiros seis meses, quando apenas
uma morte foi registrada, os casos representam um aumento de 800%. O levantamento é do
Observatório da Violência Letal Intencional (Obvio), órgão que acompanha a situação da
violência no estado” (Portal G1, 03 de Julho de 2018).

142
Em meio às tentativas de invasão da facção e o confronto com policiais, os moradores
reagiam deixando a comunidade. O Portal G1 traz em sua matéria jornalística sobre esse momento:

“Durante e após o tiroteio, moradores da Comunidade do Mosquito foram vistos deixando a


localidade com mudança. Famílias inteiras saíram de lá, carregando colchões, ventiladores e
outros aparelhos. A polícia foi acionada e realizou incursões no local. Foram apreendidas
munições de espingarda e também de fuzil. Ninguém foi preso” (Portal G1, 03 de Julho de
2018).

Segundo especialistas ouvidos por essas reportagens, as tentativas de invasões e confronto


com policiais acontecem por causa do tráfico de drogas. Por ser uma comunidade ribeirinha, é uma
região ideal para o escoamento de drogas, armas e ainda para facilitar possíveis fugas.
Há dois grupos que atuam na comunidade do Mosquito e exercem a sua autoridade na gestão
daquele espaço: a polícia e a facção. A dupla relação de autoridade na comunidade é também
encontrada na comunidade Mãe Luiza, na cidade de Natal.

“Não há apenas um agente violento a interferir no cotidiano da juventude de Mãe Luíza, mas
dois: a polícia e os ditos membros da facção. A atuação da facção implica na implementação
de mecanismos de gestão da vida social no bairro, como a imposição de uma cartilha a ser
seguida pelos moradores, que define, entre outras questões, a delimitação de territórios do
bairro que apenas podem ser acessados com a presença de alguém que possua a
“consideração dos caras”, a realização de “gerais do morro” para julgar delitos e a punição
dos desviantes, inclusive através de necropráticas. (Brito, 2018, p.162)

Segundo Brito (2018), a presença da facção naquele território implica a possibilidade de


ações violentas da facção rival, na disputa por expandir seu território de atuação no comércio ilegal
de drogas, semelhante à comunidade do Mosquito, como visto nas resportagens. O autor expõe o
sentimento de um morador da comunidade Mãe Luiza diante dos ataques entre facções e a polícia.

Ao ser questionado se “tá tendo alguma movimentação estranha da polícia aí esses dias,
man?”, Brown respondeu “da polícia sempre...” [...] Os caras sentaram o dedo na
companhia... (se referindo a uma ação do Sindicato do Crime contra o posto policial do
bairro); “E [...] agora aqui tá meio apreensivo quanto a uma possível tomada de controle por
parte do PCC, que até então jurou matar moradores jovens ao qual eles desconfiar que faz
143
parte da facção inimiga”; “Resumindo, todos no caso somos alemão pra eles” - Diário de
campo, 18 de janeiro de 2017 (Brito, 2018, p.163-164).

“Ninguém mais confia em ninguém. Pra todo mundo, todo mundo é suspeito, todo mundo é
inimigo. Inclusive para a polícia.”, diz ele. “Eu tento parecer o mais natural possível, mesmo
tatuado, para não parecer que eu sou um suspeito em potencial, tá ligado?!”. [...] Todo
mundo tá com medo de sair de casa hoje, por esse tiroteio” (Brito, 2018, p.165).

O acirramento entre a polícia e a facção produz consequências adversas para a população


daquela comunidade. Constituem-se como bodes expiatórios para os diversos agentes de controle
sobre aquela localidade: são percebidos pela polícia como potenciais membros da facção e, por sua
vez, pela facção dominante, quando são vistos como membros de uma facção rival.
As atuações arbitrárias da polícia se correlacionam com a aproximação e entrada dos
adolescentes na facção. Tais arbitrariedades despertam sentimentos de revolta nos jovens daquelas
localidades e a facção os recrutam, como uma via de vingança.

PESQUISADOR: Isso aonde, no Planalto ou Mosquito?

PEPEU: Nos dois, mas no Mosquito é mais. Muito boy lá entra na facção revoltado, porque a
referência diz que lá ele vai poder se vingar, tipo, o cara leva um tapa na cara de graça sem ter
feito nada, bate num morador amigo seu, assim, do nada, é f* fica revoltado mesmo.

PESQUISADOR: Você acha que os meninos lá no bairro entram por causa disso, por revolta?

PEPEU: É, pelo que eu vejo é, pelo menos no PCC, aí eles “ficam de cima” (nesse contexto é estar
mais preparado, no mesmo nível que os policiais para enfrentá-los) e agora podem ir pra cima.

PESQUISADOR: E no seu caso, você entrou por quê? Se você se sentir à vontade pra responder.

PEPEU: Eu entrei porque já tava no crime, muita inimizade no bairro, tinha uns bicho querendo
me pegar, e eu também vacilei com uns lá, e pra não ficar sozinho, sem ninguém, meus amigos
também já tavam dentro, acabei entrando.

PESQUISADOR: Hum, pra você, o que mudou na sua vida antes e depois da facção, assim, como
era a sua vida antes e depois que entrou?
144
PEPEU: Assim, mudou que agora tenho os irmão, eles me ajudam com coisa que eu preciso, por
exemplo, agora eu precisei do advogado pra me defender, eu falei com o “geral da tranca” e o
advogado veio, ou quando você quer resolver uma bronca sua com alguém, você liga pro
“Sintonia”, e aí, Sintonia! Como é que é! E resolver a bronca pra você.

A partir desse ponto da entrevista, perguntamos como se dá organização do PCC, e Pepeu a


descreve com detalhes. Esse assunto será debatido no tópico O que pensam os adolescentes do
Sindicato sobre si e sobre os adolescentes do PCC.
A revolta, por parte dos jovens com as atuações arbitrárias da polícia para com os
moradores da comunidade do Mosquito, encontra amparo na facção do PCC, que é quem domina
esta comunidade. Isso parece ser coerente, pois o PCC surge com uma pauta de união dos presos
contra torturas, assassinatos e todos os tipos de arbitrariedades do Estado, como explica Dias
(2011).

O PCC surgiu em 1993, com um discurso sobre dois pilares: de um lado, postulava a luta
contra a opressão do Estado e pela garantia dos direitos dos presos; e de outro, mas também
como forma de atingir o primeiro objetivo, afirmava a necessidade de união e solidariedade
entre a população carcerária (Dias, 2011, 204).

Assim, o adolescente encontra amparo na facção para as frustrações resultantes das atuações
estatais e, nesse caso, da atuação arbitrária da polícia na comunidade do Mosquito. Essa forma de
agir vai aproximar o adolescente da facção e facilitar a sua entrada. Os trâmites para a entrada na
facção serão discutidos no subtópico seguinte.

4.3. Especificidades do recrutamento antes do ingresso no sistema socioeducativo.


Apresentaremos, neste tópico, como se dão os trâmites para a entrada numa facção, a partir
das falas dos entrevistados. De antemão, tanto no Sindicato-RN, quanto no PCC, o meio de entrada
no grupo se assemelha. Esse aspecto se diferencia do grupo Caveira, como veremos adiante.
O subtópico é embasado pelas falas dos adolescentes. Estes, além de descreverem as etapas
que devem ser passadas para a entrada na facção, vivenciadas por eles próprios, descrevem,
também, como esse processo ocorre com jovens dos seus bairros.
A entrada no grupo em ambas as facções (PCC e Sindicato-RN) se assemelham, contudo,
colocamos trechos de adolescentes pertencentes a ambas as facções. Dessa forma, começaremos
145
com Pete, que é pertencente ao Sindicato-RN.

PESQUISADOR: Como é que faz pra entrar numa facção?

PETE: É só querer entrar.

PESQUISADOR: Como assim, qualquer um é pode entrar?

PETE: É, qualquer um, qualquer um pode entrar se quiser.

PESQUISADOR: (de forma descontraída) E como faz pra entrar? Por exemplo, eu... eu sou de
João Pessoa, mudei aqui pra Parnamirim e quero entrar numa facção, como eu faço, vou procurar
quem?

PETE: Você tem que fazer a presença para os caras, fazer algo pra eles.

PESQUISADOR: Como assim, fazer o quê, o que seria a presença?

PETE: É... fazer o que eles mandarem, uma coisa grande, pra mostrar... assim, mostrar que você
cola com eles e aí você é batizado.

PESQUISADOR: Hum, tipo, um assalto, ou sei lá, matar alguém da outra facção?

PETE: É, isso aí.

PESQUISADOR: Foi assim contigo?

PETE: Foi... a gente assaltou um posto de gasolina (apesar de ter respondido sobre esse evento
particular, não quis insistir no assunto).

Logo depois, a conversa envereda por outros assuntos. A entrevista com John é
complementar e dá outros detalhes sobre o processo de entrada na facção.

PESQUISADOR: [...] Lá em João Pessoa tem facção, mas não é como aqui, acho que aqui as
facções são maiores, sempre tá aparecendo na televisão, e aí, eu vindo de João Pessoa, querendo
146
entrar numa facção, como faria? (Situação colocada num contexto descontraído).

JOHN: Tem que começar a andar com a rapaziada.

PESQUISADOR: Qual rapaziada, de onde?

JOHN: Rapaziada lá de dentro (referindo-se à facção) aí você passa um tempo andando com eles,
uns seis meses por aí... e aí faz um assalto grande, aí já tá dentro.

PESQUISADOR: Seis meses é um tempão, não é não?

JOHN: É, tipo, os outros caras lá têm que saber quem você, vai pegando confiança aos poucos.

PESQUISADOR: E falando de você, uma pergunta pessoal, se você não quiser responder não
precisa, você poderia dizer o que você teve que fazer pra entrar na facção?

JOHN: De boa... a gente roubou uma loja que vendia joias e uma pessoa lá acabou morrendo.

A entrevista de John é mais detalhista por indicar um tempo necessário de convívio com
outros membros da facção. O convívio serve para conhecimento de outros membros da facção em
relação ao novo membro e construção do vínculo de confiança entre eles.
Moraes e Pepeu, que são vinculados ao PCC, descrevem dois personagens fundamentais
nesse processo, que são o Padrinho e a Referência. São estes que vão ser o elo do novato com os
demais integrantes da facção.

MORAES: Depois que você passa um tempo convivendo com os irmãos, o padrinho é quem vai
fazer o “meio campo” pra você entrar, e também tem a referência.

PESQUISADOR: Espera, calma, quem é esse padrinho e a referência?

MORAES: O padrinho é quem vai ficar colado com você, caso você precise de um conselho, vai
andar com você, ensinar o que deve ser feito, a referência é uma pessoa maior lá dentro que vai te
colocar dentro, o Padrinho passa a visão o Referência, e ele coloca pra dentro.

Nota-se que a forma de falar sobre a facção começa a mudar, comparando-se os adolescentes
147
do Sindicato-RN e PCC. Estes últimos tratam os outros integrantes como “irmãos”, aspecto bem
característico de tratamento entre os pares de quem é do PCC. Pepeu dá continuidade a essa
temática e relata sobre a fotografia que é passada para o grupo e o batismo, incluindo o seu próprio:

PEPEU: Pra a referência lhe botar pra dentro, eles passam uma foto nas linhas, pega sua foto, fala
com o pessoal que tá na linha e joga ela nos grupos de Whatsapp, pra você ficar conhecido entre os
irmãos.

PESQUISADOR: Depois disso o cara já tá dentro?

PEPEU: Já! Aí você já tem que tá batizado.

PESQUISADOR: O que seria o batismo?

PEPEU: Colar com os irmãos, fazer algo pra mostrar pro que der e vier.

PESQUISADOR: Você poderia dizer o que você fez?

PEPEU: Posso, sossego, eu com uns irmãos assaltamos umas joalheria. Eu caí por causa disso,
mas eu já paguei.

Como se pode ver, o processo de entrada nas facções PCC e Sindicato-RN seguem algumas
etapas. Estas etapas não são percebidas na facção Caveira, descrita por Galvão, pois tal processo
aparenta ser mais “flexível”, “menos burocrático” que os demais grupos. Assim, sobre esse assunto
Galvão diz:

PESQUISADOR: A gente já sabe mais ou menos como acontece essa entrada na facção lá no PCC
e Sindicato; como é na Caveira?

GALVÃO: Rapaz, é só querer colar com a gente e está tudo certo.

PESQUISADOR: Então, qualquer um pode entrar se quiser?

GALVÃO: Pode, assim, só não pode vacilar com os parceiros, ser sujeira, de resto, pode entrar, é
só querer colar.
148
PESQUISADOR: Mas, tipo, nas outras facções tem todo um processo pra entrar, tem que conviver
com o pessol lá de dentro, ser batizado e tal, aqui na Caveira não é assim não?

GALVÃO: Não, não é não, tem isso não.

Segundo o relato de Galvão, basta “querer colar com a gente e está tudo certo”. Esse
processo “menos burocrático” de entrada, talvez se explique pela própria forma de surgimento dessa
facção. A facção Caveira surge despretensiosamente por meio de um “bonde”, um grupo de pessoas
que não necessariamente pertenciam às facções até então existentes, que se reuniam para realizar
delitos. Houve um momento histórico em que esses grupos começaram a se chocar na cidade de
Mossoró-RN, havendo necessidade de se organizarem para maior proteção. Dessa forma, por não
descenderem necessariamente das facções PCC e Sindicato-RN, a facção Caveira vai ter sua própria
metodologia para ingresso no grupo.
O CV, por exemplo, também vai se diferenciar do PCC sobre o ingresso dos seus
componentes. Por questões contextuais, próprias da cidade do Rio de Janeiro, o ingresso vai se dar
de forma voluntária de acordo com sua territorialidade. A esse respeito, Dias (2011) explica:

No CV, a identificação dos indivíduos com a organização se dá de forma automática e


voluntária, de acordo com o local onde ele reside ou onde está preso. Neste sentido, não se
tem uma diferenciação entre os que pertencem efetivamente à organização e aqueles que,
trabalhadores ou não do tráfico, não pertencem aos seus quadros. Uma vez que determinada
favela ou presídio é controlada pelo CV, todos que ali se encontram são automaticamente
identificados com a referida facção, tanto que os inúmeros conflitos do tráfico nestes locais,
não há qualquer distinção entre os moradores em termos de seu envolvimento efetivo com a
facção (Dias, 2011, p. 252).

A partir do que relata Dias (2011), podemos ver também a força da territorialização na
constatação da filiação do indivíduo como pertencente a uma facção. O bairro onde reside, ou
mesmo o presídio onde está cumprindo a pena, são condições essenciais que vão estereotipar aquele
indivíduo como pertencente à facção, mesmo que este indivíduo não seja de fato pertencente.
Já as facções PCC e Sindicato-RN se assemelham nesse processo de entrada da facção. Isso
ocorre porque o Sindicato-RN é uma dissidência do PCC e, com isso, preservou inúmeras
características deste grupo, como por exemplo, a adoção de um estatuto para organização das suas
práticas. O processo de entrada de um novo membro (Novato) nessas facções está colocado a seguir
149
na figura 05 - Etapas do processo de entrada nas facções do Sindicato-RN e PCC:

Dessa forma, no caso do PCC e Sindicato-RN, segundo os relatos dos adolescentes desta
pesquisa, qualquer pessoa que deseje, pode entrar numa facção. Para entrar é preciso conviver com
integrantes da facção por um período, em média de seis meses, para que os membros do grupo
possam ter confiança no novo membro.
Essa “flexibilidade” para se filiar ao grupo não era vista em outros tempos, tornando o
processo mais criterioso. Ainda segundo Dias (2011), no PCC, a filiação ocorreria mediante seleção
baseada em critérios estritos que credenciariam o sujeito a fazer parte do grupo, o que colocava esse
sujeito num patamar superior em relação às oportunidades de poder disponíveis em determinados
contextos.
Segundo a Figura 08, quem vai acompanhar o novato nesse processo são os Padrinhos e as
Referências. O primeiro vai ter uma atuação mais próxima do novato, numa função de tutor.
Segundo Paul e Moraes, o Padrinho é aquele que “vai ficar colado com você, caso você precise de
um conselho, vai andar com você, ensinar o que deve ser feito” e “depois que você passa um tempo
convivendo com os irmãos, o padrinho é quem vai fazer o “meio campo” pra você entrar”.
Segundo Lampe e Johansen (2003), citados por Dias, (2011), o Padrinho tem total
responsabilidade pelas atitudes do novo integrante. O que quer dizer que determinadas infrações
cometidas pelo novato, o Padrinho poderá ser responsabilizado.

“O padrinho se vincula diretamente à pessoa por ele convidada para fazer parte da
organização e, neste sentido, ele se constitui como o seu fiador, avalizando a capacidade do
seu afilhado de pertencer ao Partido. Isso implica a sua (co) responsabilização em eventuais

150
infrações do afilhado à disciplina do Comando e, a depender do caso, o padrinho poderá até
mesmo ser excluído da organização. Desta forma, o padrinho se constitui como um elo entre
o Comando e o seu novo integrante, o que confere a esta relação um grau maior de
credibilidade, mediante transferência da confiança que o padrinho deposita no seu afilhado
para a relação dele com a organização” (Lampe & Johansen, 2003, p.7 citado por Dias,
2011).

Nesse sentido, a responsabilização do Padrinho sobre as atitudes do novato reforça o caráter


de seletividade para ingresso na facção, na qual “apenas os melhores são escolhidos”. Por “melhor”
entende-se as carcterísticas intelectuais de planejamento, articulação, negociação, oratória e,
também, a vida pregressa do sujeito no crime, incluindo aí suas benfeitorias à facção e seu histórico
nos crimes da sua especialidade, como assaltos a banco, carro-forte, joalheria, mansões, etc. (Dias,
2011).
Já a Referência é aquela figura dentro da facção responsável por colocar o novo integrante
para dentro do grupo. A Referência pode ser a liderança da facção num território, que segundo
Moraes, a Referência “é uma pessoa maior lá dentro (dentro da facção) que vai te colocar dentro,
o Padrinho passa a visão para a Referência, e ele coloca pra dentro”. Mais especificamente, o
conhecimento do novo membro para os demais é feito por meio de fotografia. A fotografia é tirada
por celular e repassada para grupos de Whatsapp relacionados à facção.
Esse fato é de conhecimento da equipe técnica da unidade. Em alguns casos, no dia de visita,
celulares e pendrives são encontrados com familiares para esse tipo ação, e que são imediatamente
barrados de entrar na unidade.
Depois da convivência com outros integrantes da facção e disponibilização da fotografia do
novo integrante nos grupos de Whatsapp para o conhecimento dos demais, chega a hora do batismo.
Este é feito quando o indivíduo realiza um grande assalto ou mata um indíviduo importante da
facção rival ou mesmo alguém que a facção deseje eliminar.
Dias (2011) conceitua o que seria o batismo, ressaltando que essa prática possa ter sofrido
transformações ao passar dos anos. A partir dos dados que aqui dispomos, podemos acrescentar que
essa prática possa sofrer alterações, também, a depender dos contextos, territórios, que se leva em
consideração. Assim, a respeito do início da formação do PCC, Dias (2011) esclarece:

Tudo indica que, no decorrer dos 15 anos de existência do PCC, essa prática passou por
transformações. No início, relatos dão conta de que havia um ritual de sangue, no qual o
novo integrante do grupo e o seu padrinho picavam o dedo, derramavam gotas de sangue em
um copo com água e, em seguida, ambos bebiam a mistura. Em outros relatos, é apontada a
151
presença de sangue de animais, pombas ou ratos, que teria que ser bebido pelo novo
integrante [...] a presença do sangue nos rituais de batismo simboliza a possibilidade de uso
da violência, constituindo-se ameaça ao novo integrante em caso de traição. Por fim, o
sangue é o símbolo do pacto eterno, ao qual o novato está ligado até o fim da sua vida, e cuja
ruptura pode levá-lo à morte [...] se a presença do sangue não é comum a todos os relatos de
batismo, a leitura do estatuto do PCC é. Em todas as narrativas sobre os rituais de entrada na
organização, os novos adeptos declaram que lhes é dada uma cópia do estatuto do PCC para
lerem em voz alta, jurando obediência aos 16 itens contidos no documento e fidelidade ao
seu padrinho (Dias, 2011, p.168).

Em relação à presente pesquisa, embora a presença dos pactos de sangue não esteja presente
no batismo do novo integrante, seja no PCC, seja no Sindicato-RN, ou mesmo na Caveira, no
contexto do estado do Rio Grande do Norte, podemos perceber que esse processo demarca o
integrante até o fim da sua vida, como veremos no subtópico A saída da facção. Neste momento
nos basta refletir sobre o batismo, sobre o qual Dias (2011) conceitua como etapa de transformação
do companheiro em irmão, que influencia na estrutura e dinâmica do grupo.

A demarcação precisa dos integrantes do PCC é realizada através de um processo de filiação


à organização, que se dá através do batismo, e cujo resultado é a transformação do
companheiro em irmão. Este processo tem consequências importantes para a estrutura e a
dinâmica do PCC, assim como na sua composição política e econômica e que extrapolam o
objetivo meramente simbólico de representação do ingresso a uma irmandade,
concomitantemente a desfiliação “oficializada” de outros agrupamentos sociais –
considerando os efeitos sociais mais amplos da filiação como firmação de um compromisso
com o crime (Dias, 2011, p. 252).

No RN, para o PCC e Sindicato-RN, a prática de um grante assalto ou provocar a morte de


alguém de interesse da facção, como batismo, serve para comprovar que o novo integrante merece
estar na facção e o que lhe for pedido será atendido. É como se o batismo representasse a “prova de
fogo” que o novo integrante não fraquejará diante de situações perigosas, dramáticas, da facção.
Esse aspecto também vai aparecer nos dados de Dias (2011).
As etapas de entrada no PCC e Sindicato-RN no RN se assemelham ao que Santos, Jorge e
Souza (2017) já haviam mostrado sobre a entrada no PCC em São Paulo. Embora essas práticas
possam variar conforme o tempo histórico e, a depender do contexto, ainda assim, preservam
algumas características e apresentam semelhanças:
152
O ingresso de um detento no PCC geralmente ocorre em duas etapas. Num primeiro
momento, um indivíduo inserido no convívio de um presídio comandado pela facção
criminosa passa a ser considerado um membro da família ou primo. Dependendo da sua
conduta, ou seja, do seu proceder, ele pode ser convidado por membros do Comando a
ingressar no PCC como irmão. Para que isso aconteça é preciso que ele tenha a indicação de
no mínimo dois irmãos, que serão seus padrinhos de batismo e responsáveis pelas suas ações
futuras na facção. Com o batismo, o primo é alçado ao status de irmão (Santos, Jorge, &
Souza, 2017, p.109).

A esse respeito, Dias (2011) complementa:

O processo de ingresso de um novo membro ao PCC não ocorre de forma


compulsória. Ao contrário. Em primeiro lugar, é necessário que o novo integrante
seja convidado por um irmão, isto é, por alguém que já faça parte da organização e
que passará a ser o seu padrinho. De acordo com vários relatos, um aspirante a
ingressar no PCC nunca deverá se oferecer para tal; deverá sempre, esperar o
convite, esforçando-se para demonstrar aos irmãos que ele possui as qualidades que
o credenciam a fazer parte da Família (Dias, 2011, p. 254).

O trecho acima retrata o prelúdio do PCC, no qual o sistema penitenciário é o contexto que
se apresenta. Como aspectos semelhantes desse contexto no RN, no ingresso às facções, podemos
citar: o convívio com pessoas ligadas à facção; a indicação de dois “irmãos” para ingresso na
facção. Num primeiro momento, o novo integrante é considerado membro da família ou primo. No
RN, os “irmãos” que fazem a indicação serão o Padrinho e a Referência, e novo integrante é
chamado de “companheiro”, que quer dizer que aquela pessoa convive com membros da facção,
mas ainda não faz parte do grupo; por fim, o status alcançado de “irmão”. Vale destacar que a
nomenclatura “irmão” está presente apenas nos relatos do adolescente do PCC. No Sindicato-RN, a
partir das entrevistas que fizemos, os adolescentes não se referem aos seus pares como “irmãos”.
A leitura do estatuto como pré-requisito para entrada no PCC é apontada por Dias (2011).
Esse pré-requisito não aparece nos relatos dos adolescentes da pesquisa, embora todos eles
demonstrem conhecer o conteúdo de tal documento.
Finalizando o processo de batismo e, portanto, de entrada na facção, há a apuração dos
dados biográficos do novato que o transmitirá para o Sintonia da área, que também o transmitirá
para o Sintonia do Livro (Dias, 11). Os Padrinhos devem repassar ao Disciplina o local de batismo e
153
o nome do novato, a Quebrada onde o novato reside e as unidades prisionais por onde passou.
Essas infomações são repassadas aos níveis superiores operacionais, até chegar aos Sintonias e,
assim, confirma-se a entrada definitiva do novo integrante à facção. Uma vez pertencentes,
discutiremos a seguir como se relacionam esses adolescentes filiados no interior do CEDUC-
Pitimbu.

4.4. As dinâmicas relacionais entre os adolescentes no CEDUC-Pitimbu e a constituição


da rivalidade entre as facções.
A partir do que foi dito até agora, a respeito das primeiras percepções das famílias sobre o
surgimento das facções nos bairros, e como e por que os adolescentes entram nesses grupos,
apresentaremos agora como se dão as dinâmicas relacionais entre os adolescentes residentes nos
alojamentos destinados às facções no interior da unidade socioeducativa CEDUC-Pitimbu.
Queremos com isso, também, apontar como a unidade se organiza frente à realidade de adolescentes
que se autodeclaram pertencentes às facções e como interagem com os adolescentes que se
declaram não pertencer a nenhuma facção, os “da massa”.
Finalizando o subtópico, mostraremos o que os adolescentes que se autodeclaram pertencer
à facção pensam a respeito de si próprios, enquanto pertencentes a uma facção, e sobre aqueles que
são da facção oposta. Entendemos que a rivalidade entre as facções se dá, também, num âmbito
grupal e, por isso, buscamos compreender aspectos que dão sustentação às interrelações grupais
inseridas no contexto da unidade socioeducativa, a partir das caracterizações dos adolescentes de
ambas as facções.
No que se refere à organização do CEDUC-Pitimbu frente à realidade das facções, a unidade
é dividida por alojamentos pertencentes às facções Sindicato-RN e PCC. Aos primeiros são
destinados os alojamentos de toda a parte superior, com três pavilhões e 12 camas cada, além de
dois pavilhões com 12 camas cada na parte inferior. Nesses pavilhões continham 38 adolescentes no
início da pesquisa e, durante, passou a ter 48.
Em menor quantidade, ao PCC é destinado apenas um pavilhão com 12 camas na parte
inferior. Esse pavilhão comporta oito adolescentes. Apesar do aumento do quantitativo de
adolescentes no decorrer da pesquisa (de 46 para 56), nenhum deles foi destinado àquele pavilhão,
permanecendo assim com o número de oito adolescentes. Esquematicamente, a distribuição dos
alojamentos se apresenta assim:

Parte superior da unidade: três pavilhões (pavilhões 01, 02 e 03). Cada pavilhão com 12
camas. Todos destinados ao Sindicato-RN.

154
Parte inferior da undiade: três pavilhões (pavilhões 04, 05 e 06). Cada um com 12 camas.
Dois pavilhões destinados ao Sindicato-RN e um palvilhão destinado ao PCC.

No decorrer da pesquisa criaram mais um alojamento para alocar adolescententes com


problemas de relacionamento com outros adolescentes. A sala destinada a oficinas e as demais
atividades socioeducativas foi transformada em alojamento. Em outubro de 2018, lá residiam três
adolescentes, dois estavam lá porque praticaram estupro (havia a dúvida da veracidade desse fato) e
outro era “cagueta”. Quem tem um histórico de prática de estupro e aquele que é cagueta,
geralmente são repelidos pelas facções.
A equipe técnica diz que, há alguns anos, havia um alojamento destinado para os “da
massa”, que também era composto por evangélicos. Contudo, com o passar do tempo, os
adolescentes desse alojamento foram aos poucos sendo convertidos às facções, principalmente para
o Sindicato-RN, que é maioria na unidade. Assim, a função desse alojamento, de separar os não-
membros de facção foi perdida, e a divisão por facções perdurou na unidade.
Um desses adolescentes que é acusado de um suposto estupro, é participante desta pesquisa,
o Paulinho. Como estava decidido que iria participar da pesquisa, não nos interessava por
“desvendar” o caso, mas analisar como isso refletia no comportamento dos outros meninos. Já que o
adolescente não fora aceito por nenhuma facção, nos interessava saber como se dava a sua relação
com as duas facções e suas percepções sobre esses grupos.
Dessa forma, perguntamos a Paulinho e a outros adolescentes, que residiam com ele no
alojamento, sobre a possibilidade daquele ter cometido estupro e temos forte indícios de que se trata
de uma boataria e um caso de relações homoafetivas. Esse fato já foi descrito com detalhes no
tópico Perfil dos adolescentes pertencentes ao PCC, no subtópico pertencente a Paulinho.
No que se refere às práticas relacionais na unidade, a dinâmica Diário de adolescente para
adolescentes: aspectos sobre a vida no sistema socioeducativo nos serviu de ferramenta para esse
momento. Perguntávamos quais as primeiras coisas que um adolescente novato, recém-chegado
precisaria saber o cotidiano da unidade. Os adolescentes deram respostas variadas, como a
qualidade da comida, os tipos de atividades que são ofertadas, etc., porém, apresentaremos apenas
aquelas repostas a respeito das dinâmicas relacionais no interior da unidade.
Esse momento é composto majoritariamente pelas falas dos adolescentes. A seguir, o
diálogo de Paul sobre as dinâmicas relacionais entre os adolescentes a partir da chegada na unidade.

PESQUISADOR: Então, pra tornar a convivência, a vida mais fácil do menino que tá chegando
aqui na unidade, se você pudesse dizer pra ele sobre a vida aqui dentro da unidade, qual a primeira
coisa que você diria pra ele?
155
PAUL: (Demorou um pouco pensando) Acho que escolher qual alojamento que vai ficar.

PESQUISADOR: Como assim?

PAUL: Porque você tem que ficar do lado dos seus parceiros e não colar com os outros.

PESQUISADOR: Mas se ele não conhece ninguém aqui, ele tá chegando agora, como que ele vai
saber quem são os parceiros dele?

PAUL: Ah! Tem que dizer de onde ele é primeiro, aí ele vai saber pra onde ir, assim, se ele for de
um lugar que quem comanda é o Sindicato, tem que colar com os boy que são do Sindicato, se
colar com os Pecêco, a facção decreta ele.

PESQUISADOR: Hum, entendi... e se ele não se identificar com nenhuma facção, como é que faz?

PAUL: Aí ele é da massa.

PESQUISADOR: Da massa quer dizer o quê?

PAUL: Que não é de nenhuma facção.

PESQUISADOR: Mas tem alojamento aqui que é só da massa?

PAUL: Tem não, ou é um ou outro.

PESQUISADOR:E aí, como é que faz?

PAUL: Tinha que fazer né (alojamento só pra quem é da massa), mas tem que ver de onde ele é, se
ele for de um bairro do Sindicato, ele tem que colocar com quem é do Sindicato.

PESQUISADOR: Entendi, e os os meninos lá da outra facção... vão saber que o cara é da massa?

PAUL: Acho que não, pra eles vai ser tudo Sindicato se tiver com nós.

156
O trecho separado da entrevista de Paul mostra o momento da chegada do adolescente na
unidade e o cuidado da sua escolha sobre qual alojamento deveria ficar. A decisão do alojamento
perpassa pela sua filiação à facção, que por sua vez perpassa pelo lugar onde reside, que acontece
da seguinte forma: nesse momento, não importa se o adolescente declara não ser pertecente à
facção, o bairro onde reside automaticamente o credencia como filiado ao grupo. É uma filiação
compulsória.
A possibilidade de se declarar numa posição neutra, chamados “os da massa”, esbarra no
impasse de não haver alojamentos destinados especificamente para esse grupo. As opções são o
Sindicato-RN ou o PCC. Uma vez estando num destes alojamentos, mesmo declarando não
pertencer a nenhuma facção, o adolescente é visto pelos outros da facção rival como pertecente à
facção.
Dessa forma, a chegada do adolescente e sua estada nos alojamentos, por causa das facções,
implica o seguinte: 1. Ao se declarar pertencente a uma facção, o adolescente é destinado aos
alojamentos dessa facção; 2. Quando declara não ser de facção, o bairro onde reside
compulsoriamente determina sua facção e, assim, o alojamento que vai residir será aquele que
coaduana com a facção que domina o seu bairro; 3. Uma vez estando num alojamento destinado a
uma facção, a facção oposta o vê como membro, ocorrendo, assim, uma segunda filiação
compulsória.
Denominar-se como “da massa” também pode causar alguns problemas. Não é uma decisão
simples. O adolescente John, por exemplo, ao asseverar como desse grupo e por estar nos
alojamentos destinados ao Sindicato (que são a maioria dos alojamentos da unidade), foi perseguido
e agredido por adolescentes do prórprio Sindicato-RN, para que tomasse uma posição de apoio a
este grupo. Esse fato foi lembrado pelo próprio John e depois por sua família.

PAI DE JOHN: Assim, a gente tem problemas com John aqui porque ele não é de facção nenhuma e
os outros querem obrigar que ele seja. John não é nenhum santo, e até já meio que entrou na
facção, mas hoje eu sei que ele não quer mais isso. Há um tempo atrás, ele já veio pra cá
(referência ao Pitimbu) não é a primeira passagem dele por aqui, aí os meninos queriam matar
ele, chegaram a agredir ele e iriam matar ele, pra que ele fosse da facção, fizesse as coisas com
eles e John não queriam e aí ele fugiu, porque iriam matar ele. Chegaram até colocar ele num
lugar separado mas não teve jeito... mas graças a Deus ele é um menino bom e já já está saindo
daqui.

Esse fato a respeito de John foi corroborado, também, pela gestão técnica. Na época, ainda
havia alojamento destinado para os “da massa”, onde John foi alocado por um breve período até
157
fugir da unidade.
Retomando, depois da chegada do adolescente na unidade, procura-se a sua inserção nos
alojamentos da unidade. O trecho da entrevista de Ringo, a seguir, mostra em qual momento, como,
quem faz e como se dá a descoberta da facção do adolescente e o insere nos alojamentos da
unidade.

PESQUISADOR: Esse negócio de ser da massa, não ser da massa, ser de outra facção ou não,
deve ser uma confusão danada aqui dentro, não é não?

RINGO: É... mais ou menos, porque você fica um tempo separado pra saber onde você vai ficar.

PESQUISADOR: Fica separado onde?

RINGO: Fica lá na Cafua (alojamento que é usado para correção disciplinar).

PESQUISADOR: Vixe! deve ser complicado ficar lá na Cafua, não é não? Eu já vi a Cafua lá de
Caicó e era bem tensa.

RINGO: Nada, a daqui é sossego, o ruim é que você fica sozinho lá, sem ninguém.

PESQUISADOR: Hum, menos mal... e vocês ficam lá um tempo e quem é que decide qual
alojamento que vocês vão?

RINGO: Não sei quem é, mas a gente diz a eles lá, assim, o psicólogo,...(menciona o nome de
outras pessoas da gestão técnica) diz de onde a gente é, quando faz aquela entrevista lá com eles
(referindo-se à construção do PIA), e aí eles já sabem onde deve colocar a gente.

PESQUISADOR: Ah! Isso deve ser na construção do PIA, que eles levantam o histórico de vocês.

RINGO: É, isso aí... aí eles sabem de onde nós é e já coloca no lugar certo... às vezes também tem
gente que tem treta com outras pesssoas que tão aqui, aí já fala pra eles pra ficar esperto.

Esse pequeno trecho expõe o lugar onde o adolescente reside, até ser colocado nos
alojamentos comuns, e como se dá a descoberta da sua filiação grupal, mesmo declarando não ser
de nenhuna facção. A constatação é feita pela equipe técnica com o levantamento do histórico do
158
adolescente na construção do PIA e, então, é descoberto o bairro onde reside e a facção que domina
aquele território.
A respeito disso, a equipe técnica também dá relatos semelhantes. O adolescente passa um
período na cafua para ir se adaptando à rotina da unidade e ser levantado o seu histórico. Esse
tempo é de 45 dias da data do ingresso do adolescente na unidade e é estabelecido pelo SINASE
(Lei N° 12.594/2012) para a construção dos PIAs.
A facção a que pertence (se este se autodeclarar pertencente), o bairro onde reside e as
inimizades com adolescentes, que já estão na unidade, são questões levantadas sobre o adolescente
novato e que vai determinar para qual alojamento será destinado. Há casos também em que o
adolescente diz que quer ficar no mesmo alojamento de um amigo ou familiar que esteja na
unidade.
Dessa forma, o adolescente não tem escolha: a partir do seu bairro de origem, é imputado
como sendo de uma facção e carrega consigo toda a rivalidade histórica entre os grupos. Essa
rivalidade inicia-se fora da unidade e é reafirmada no interior dela, com a separação dos
alojamentos por facção.
A questão da territorialidade que definine a filiação do sujeito à facção, é apontada também
por Brito (2018), na cidade de Natal-RN. No seu estudo, o interlocutor da pesquisa conta sua
história pessoal, segundo a qual estava de saída de seu bairro de origem (comunidade Mãe Luiza,
dominada pelo Sindicato-RN) para outra comunidade, situação de outros moradores também, pois
estava difícil viver naquela localidade com as atuações da facção e da polícia, cada vez mais
violentas. A troca de tiros entre ambas deixava a população em fogo cruzado e tornava esta mesma
população como suspeita, seja pela facção (como membros de facção oposta na disputa pelo
comércio varejista de drogas), seja pela polícia (como possíveis membros de uma facção):

Contudo, aquilo que Ice Blue imaginava deixar para trás ao sair de Mãe Luíza, o
acompanhou. Ao realizar sua mudança para outro bairro – onde era possível pagar o aluguel
–, também localizado na periferia e marcado pela presença do tráfico de drogas, descobriu
que lá, havia “embriões” da facção rival à do bairro onde ele morou. Dada esta situação, a
experiência de Ice Blue no novo bairro teve como uma de suas marcas a iminência com o
perigo, tendo ele, inclusive, que evitar estar na rua durante à noite a fim de se preservar. De
acordo com ele, “mesmo que você diga "eu não tô", você tá sim [vinculado à facção]. Só por
estar lá. Isso é o que mais me irrita nisso. Você tem que se policiar no que você vai falar,
postar na net, em tudo (Brito, 2018, p.170-171).

Nesse caso, a vinculação do sujeito à facção se dá de forma imediata, quando da descoberta


159
do seu bairro de origem, independente da vontade do sujeito. Brito (2018) denomina de “becos sem
saída” os diversos processos de criminalização a que são submetidos os jovens, negros e moradores
das grandes periferias urbanas, e estes “não podem escapar”. Aqui adicionamos mais um elemento
ao conjunto desses processos criminalizantes, que é a filiação compulsória à facção a partir do
bairro onde se reside.
A partir do que foi dito, é perceptível que a rivalidade entre os grupos dentro da unidade não
era construída pelos próprios adolescentes, mas de uma “herança” de outros que aqueles
carregavam consigo. Assim, no decorrer da pesquisa, para nós ainda estava pouco nítido o porquê
daqueles adolescentes não conseguirem se relacionar de uma forma menos violenta, de forma que
não poderiam estar no mesmo espaço participando das mesmas atividades na unidade.
Os trechos de entrevistas a seguir dão pistas sobre essa questão. A rivalidade entre os grupos
é colocada, na entrevista, no âmbito pessoal das relações, de modo que os próprios adolescentes não
consigam explicar o porquê de não conseguirem se relacionar bem.

PESQUISADOR: Me diga uma coisa, você conhece os adolescentes lá do pavilhão de baixo?


(referência ao pavilhão que fica na parte inferior da unidade e é destinado aos adolescentes
pertencentes ao PCC).

PAUL: Conheço... assim, não sou amigo deles lá, mas conheço.

PESQUISADOR: Já viu o rosto deles? Reconhece por nome?

PAUL: Sei, sei quem são.

PESQUISADOR: E o que eles fizeram pra tu ou para os outros meninos daqui do Sindicato?

PAUL: Ah! Não fizeram nada não.

PESQUISADOR: (Em tom descontraído) E por que então vocês têm raiva deles, que vocês não
podem nem jogar bola juntos?

PAUL: (O adolescente dá gargalhada) Eles são safados! Eles já mataram um de nós!

PESQUISADOR: Quem matou? Os adolescentes do PCC daqui já mataram um de vocês?

160
PAUL: Não, eles não!

PESQUISADOR: Então, por que eles são safados e vocês têm raiva deles?

PAUL: ah! Porque eles são Pecêco! (o adolescente demonstra não saber bem o que falar e começa
a refletir sobre essas questões).

Nesse momento, a entrevista adentra por outras temáticas. A entrevista de Ringo é


complementar nesse sentido.

PESQUISADOR: O que os meninos lá do PCC fizeram pra você e para os outros meninos do
Sindicato aqui?

RINGO: Fizeram nada não, eles são sossego, não mexem com nós e nós não mexe com eles.

PESQUISADOR: E por que vocês têm raiva um do outro, não podem fazer uma atividade juntos,
não podem jogar bola, nem nada, que vocês brigam entre vocês?

RINGO: É, não pode botar junto não, se botar a gente se mata.

PESQUISADOR: Então, por que vocês têm raiva um do outros?

RINGO: Não é raiva não.

PESQUISADOR: (Em tom descontraído) Então, vou colocar vocês pra jogarem bola juntos, fazer
um clássico aqui no CEDUC, um Palmeiras e Corinthians, Sindicato contra o PCC.

RINGO: (O adolescente ri de tão é absurda que é a ideia) Você é louco? Não dá não, Deus me
livre! Ficar andando com esses boy do PCC, Deus me livre.

PESQUISADOR: Oxente! Deus me livre por quê?

RINGO: Se os caras lá da Quebrada me verem com os Pecêcu, vão achar que sou amigo deles e aí
a facção me decreta.

161
Esses trechos das entrevistas são bastante reveladores sobre a natureza das relações entre os
adolescentes no interior da unidade. Ao ser colocada no âmbito pessoal, a rivalidade minimamente
desaparece. Não há questões a tratar pessoalmente.
Como pode ser visto, questionamos se eles (John e Ringo pertencentes ao Sindicato-RN)
conheciam os meninos do PCC. A resposta foi assertiva dos dois adolescentes dizendo que sabiam
seus nomes e conheciam seus rostos.
Logo após, questionamos o porquê de não se relacionarem bem, quais os motivos que
faziam sentir raiva um do outro, uma vez que não fizeram nada de mal diretamente a um dos
adolescentes. Os meninos não conseguiram argumentar o porquê de sentirem raiva dos outros
meninos da outra facção. Essas respostas são semelhantes também em relação aos meninos do PCC
sobre os do Sindicato.
Como não conseguiram dizer o porquê de sentirem raiva um dos outros e já que gostavam de
jogar futebol, em tom de brincadeira falamos que iríamos promover uma partida de futebol entre as
duas facções dentro do CEDUC. Os meninos de ambas as facções gargalhavam do tamanho absurdo
e diziam de forma veemente que “se o pessoal lá da quebrada me ver com eles, a facção vai me
decretar”.
Nesse instante, pudemos vislumbrar o quanto a rivalidade entre esses grupos se relaciona
com a territorialidade. A filiação desses garotos com as facções já começa dos bairros onde residem,
uma vez que esses bairros são dominados por determinada facção. Mesmo que não queiram e não
desejem filiar-se, considera-se como uma traição à facção ou às pessoas do bairro, a “amizade” com
pessoas de outro bairro ou de outra facção.
Essa traição é paga com o “enquadre” ou o “decreto” da facção ao adolescente. O enquadre
ou o decreto é uma gíria para se referir a uma represália, ação disciplinar, que a facção dá a
qualquer pessoa.
Dias (2011) explica que o uso da disciplina em membros do PCC, por eventuais contatos
com inimigos, é uma prática realizada pela facção desde o seu surgimento. O contato com
adversários exigia medidas punitivas, que não apenas repreendesse o erro, mas que servisse de
exemplo para os demais membros. A esse respeito, a autora comenta:

[...] o eventual contato com indivíduos considerados inimigos ou adversários, representa o


rompimento radical e imediato com qualquer possibilidade de cooperação e exigia uma
punição que, não apenas castigasse o suposto erro, mas, sobretudo, se constituísse como
exemplo e afirmação do poder que então se estabelecia. Nesse contexto, não havia
possibilidade de um erro, uma transgressão, uma traição ou um inimigo qualquer, ficar
impune. O perdão a uma suposta falta era extremamente raro, reservado a casos
162
especialíssimos (Dias, 2011, p. 267-268).

Como o relacionamento entre membros de facções rivais é rechaçado, nos dá mais indícios
para supor que a rivalidade acirrada entre as duas facções (PCC e Sindicato-RN), dentro da unidade
socioeducativa, surge em grande parte por uma questão anterior à entrada do adolescente na
unidade, e é levada para a dinâmica da unidade. A negação dessa territorialidade é considerada uma
traição pela facção que pode levar o adolescente à morte.
Em conversas com profissionais do CEDUC Padre João Maria, que é destinado a mulheres
em medida de internação, a rivalidade entre as facções parece não ser acirrada. As meninas de
ambas as facções convivem nos mesmos espaços, apesar das filiações de facções opostas. As razões
para que isso aconteça demanda estudos posteriores.
Torna-se clara, então, que a péssima relação que os adolescentes têm uns com os outros se
motiva também pelas diferenças grupais, originárias na constituição desses grupos ao passar dos
anos: o domínio de territórios pelas disputas do monopólio do tráfico de drogas. Esses sujeitos
carregam consigo a herança histórica da rivalidade entre os grupos, estimulada e solidificada pelo
seu bairro de origem. Como as diferenças se dão no âmbito grupal, nos falta entender quais são os
elementos que os diferenciam como grupo.
Dessa forma, procuramos saber como os adolescentes caracterizavam a si próprios e seu
grupo e caracterizavam aqueles do grupo rival. Investigamos elementos de sentido que ajudassem a
construir, no imaginário dos adolescentes, aspectos que caracterizassem a facção, o sujeito
pertencente à sua própria facção e à facção rival, haja vista que são esses elementos que podem nos
ajudar a entender as relações intergrupais.
A respeito da caracterização da facção, buscando amplificar aspectos que as diferenciam,
resgataremos um trecho da entrevista de Paul já colocada nesta pesquisa, noutro momento. O
contexto da fala é o da sua entrada na facção, na qual descreve algumas características que
diferenciam sua facção (Sindicato-RN) da outra (o PCC):

PESQUISADOR: E por que você decidiu entrar nessa facção, o Sindicato-RN, e não a outra, por
exemplo, o PCC?

PAUL: (Volta a ficar sério e continua)... Assim, porque eu sou do bairro que quem domina lá é nós
(o Sindicato-RN), e também eu decidi andar pelo certo.

PESQUISADOR: Como assim, o certo?

163
PAUL: Assim, existe o certo e o errado. O certo é o Sindicato porque é a maior facção daqui... não
assalta ônibus, não rouba celular, pouco dinheiro, se for roubar moto só acima de 125, então o
errado são os “Pecêco” que faz essas coisas.

O Sindicato seria a maior facção e “correria pelo certo”, enquanto que o PCC “correria pelo
errado”. Correr pelo certo significa que a facção preservaria certos valores morais no crime, como
não assaltar ônibus, não roubar celular, não roubar pouco dinheiro e moto, apenas acima de 125
cilindradas.
No decorrer das entrevistas foi perguntado aos adolescentes quem são os adolescentes do
seu grupo e quem são os adolescente do outro grupo? Os adolescentes do Sindicato-RN
responderam dessa forma sobre o PCC:

PESQUISADOR: Pra você, quem são os adolescentes do PCC?

JOHN: Como assim, daqui do CEDUC?

PESQUISADOR: É, quem são esses meninos, quais as características deles?

JOHN: Eles são do bairro do Mosquito, do Japão.

PESQUISADOR: Quem vem de lá é do PCC?

JOHN: É, lá quem domina são os pecêcu.

PESQUISADOR: E quem são eles, quais são as características deles?

JOHN: Eles são os pilantras, estuprador, que fica roubando trabalhador.

PESQUISADOR: Todos eles fazem isso?

JOHN: Sei não, mas a facção lá deixa fazer essas coisas.

PESQUISADOR: E ao contrário, quem são os do Sindicato?

JOHN: Nós é a maioria, nós domina tudo aqui.


164
PESQUISADOR: A maioria dos bairros, você quer dizer?

JOHN: É, a maioria dos bairros, é tudo nosso.

PESQUISADOR: E as características de quem é do Sindicato?

JOHN: Nós não faz essas coisas, nós respeita e se fizer a facção decreta.

PESQUISADOR: Não faz o que?

JOHN: Não estupra ninguém, não rouba celular, moto só se for acima de 125.

A entrevista de Paul complementa o que foi dito por John. Reproduziremos o trecho da
entrevista.

PESQUISADOR: Como assim o certo?

PAUL: Como eu te falei, existe o certo e o errado, eu decidi andar pelo certo.

PESQUISADOR: E os do PCC são os errados?

PAUL: É, eles são os errados, eles estupram, eles matam sem ver de que, eles são filhos da p*
(nomeia um palavrão).

PESQUISADOR: E sobre as características, quem são os do PCC e os do Sindicato?

PAUL: Acho que é a mesma coisa, sei lá, é tudo da quebrada, assim é a mesma coisa.

Para os adolescentes do Sindicato, quem é pertencente a este grupo “corre pelo certo”,
enquanto o outro grupo, o PCC, “correria pelo errado”. Correr pelo certo, ou andar pelo certo, que
são sinônimos, é um jargão que vai estar presente em quase todos os realatos daqueles pertencentes
ao Sindicato, para se diferenciar daqueles do grupo rival.
Correr pelo certo significa que a facção preserva certos valores morais do crime, como já
dito (não assaltar ônibus, não roubar celular, não roubar pouco dinheiro e moto, apenas acima de
165
125 cilindradas), porém, o relato de Paul adiciona a não compactuação com o estupro. A não
concordância com a prática de estupro vai servir para a diferenciação do grupo oposto, contudo, vai
estar presente também nas falas dos adolescentes do PCC, para se diferenciarem do Sindicato-RN.
Além desses valores, outra diferenciação por parte dos membros do Sindicato, é a questão
territorial. Nesse contexto, ser maioria na dominância dos territórios constitui uma vantagem e,
assim, um ponto positivo a ser lembrado e comparado ao PCC. No jogo das interrelações grupais,
na busca em diferenciar-se do outro grupo externo e rival, é essencial ressaltar aspectos positivos do
seu grupo para, assim, apontar os negativos do outro e colocá-lo num patamar inferior.
A questão territorial torna-se fundamental na diferenciação entre os grupos, porque é
decisiva na filiação dos membros, como aspectos da criminalização do jovem e morador da
periferia. Como já vimos em inúmeras situações distintas, o fato de o sujeito apenas residir num
determinado território dominado por certa facção, é condição suficiente para torná-lo membro desta
facção aos olhos de outros, como a polícia, a facção rival ou mesmo para a gestão técnica no
sistema socioeducato do RN, na alocação do adolescente num alojamento.
Da mesma forma como fizemos anteriormente, agora perguntamos aos adolescentes do PCC
o que eles pensam sobre os adolescentes do Sindicato-RN e sobre si próprios. Apresentaremos
também aqui o relato de Paulinho e Galvão que não são pertencentes às facções; contudo, o
primeiro por uma situação particular residiu em alojamentos de ambas as facções e, esse último, é
pertencente à Caveria e, assim, ambos adolescentes têm percepções de ambas as facções (Sindicato
e PCC).
Como já dito anteriormente, não iremos nos aprofundar sobre a facção Caveira. Esta facção
tem origem em outro contexto (na cidade de Mossoró) e conta com apenas um representante no
CEDUC-Pitimbu, não influenciando na dinâmica de organização da unidade e, nem sequer foi
mencionada pelos adolescentes do Sindicato e PCC.
Dessa forma, ao perguntar para os meninos do PCC sobre o que pensam sobre os meninos
do Sindicato, Pepeu respondeu da seguinte forma:

PESQUISADOR: Mas me diga, o que você acha dos meninos lá do Sindicato?

PEPEU: São tudo uns traíras, porque não sei se você sabe, mas eles colavam com nós antigamente.

PESQUISADOR: Sei, por que você acha que eles saíram?

PEPEU: Porque começaram a ser traíra, a matar os irmãos e pá.

166
PESQUISADOR: E hoje, tem diferença entre o Sindicato e o PCC? Por exemplo, eu que sou de
João Pessoa e quero entrar numa dessas facções, qual a diferença entre elas pra eu escolher em
qual entrar?

PEPEU: Tem, muita! A gente corre pelo certo e eles pelo errado.

PESQUISADOR: Que seria o quê?

PEPEU: Assim, nós é mais organizado, cada um tem sua função, sabe da sua função, lá no
Sindicato eles são mais bagunçados... é, também aqui tem mais disciplina, se alguém começar a ser
a sair da linha, não respeitar a facção, a facção decreta logo, assim, não pode estuprar ninguém,
ficar roubando na quebrada, essas coisas, lá no Sindicato eles estupram, aqui não pode.

PESQUISADOR: Eles dizem que quem estupra são vocês e quem rouba trabalhador são vocês.

PEPEU: É mentira, eu nunca vi. Agora de roubar trabalhador, já vi os boy roubar mesmo, mas são
poucos e a facção não gosta, quase não acontece.

Para complementar essa ideia, Moraes continua:

MORAES: A gente corre pelo certo e eles pelo errado.

PESQUISADOR: Engraçado, porque quando falo com os meninos do Sindicato, eles dizem a
mesma coisa, que correm pelo certo e vocês pelo errado.

MORAES: É, quem tem boca fala o que quer, mas você acha certo? Os caras lá mata a família da
gente, tortura a família da gente, faz isso tudo de quem eles não gosta, eles são safados!

PESQUISADOR: Hum, entendi. Se você pudesse dizer quais as diferenças entre um e outro, quais
seriam?

MORAES: Assim, diferença não tem muita porque são tudo da quebrada. A diferença mesmo é que
moram em bairro diferente e que eles quiseram ficar fazendo coisa errada, por isso sairam.

PESQUISADOR: Os bairros do PCC são quais?


167
MORAES: Tem o Mosquito, Japão, Belo Horizonte, mais alguns.

PESQUISADOR: E o resto é tudo Sindicato?

MORAES: É!

Como podemos perceber, “correr pelo certo” também aparece nas entrevistas com os
meninos do PCC. Esse jargão no contexto desta facção tem significados semelhantes aos do
Sindicato, pois são valores a serem seguidos no crime, principalmente em relação à prática de
estupro e ao roubo de pessoas da comunidade. Os adjetivos que são usados pelo PCC para
diferenciar-se do Sindicato-RN são usados por este para se diferenciar do PCC. Assim, os
elementos que as diferenciam são os mesmos que as tornam semelhantes.
A organização e a disciplina são elementos ressaltados apenas pelos adolescentes do PCC
para se diferenciarem do Sindicato, e que tem relação com ao “correr pelo certo”. Essas qualidades
dizem respeito à atenção e firmeza ao cumprimento das normas estabelecidas pela facção. No
âmbito das relações intergrupais, essas qualidades são ressaltadas, também, como forma de
amplificar aspectos positivos do ingroup (PCC) em relação ao outgroup (Sindicato-RN), na
afirmação do nós e eles, expresso em significações do tipo “nós somos organizados” versus “eles
não são organizados”; “nós temos disciplina” versus “eles não têm disciplina”.
Em tom mais descontraído, perguntamos a Moraes se não tinha medo de pertencer ao PCC,
em meio a uma maioria que pertence ao Sindicato. Além do Sindicato dominar a maioria dos
territórios na cidade de Natal e região metropolitana, é maioria também no CEDUC-Pitimbu, no
qual, a proporção é de 48 adolescentes do Sindicato para oito do PCC e, também, na Penitenciária
Estadual de Parnamirim (PEP), ao lado do CEDUC, onde dividem a mesma parede que os separam,
em cujas instalações, todos os detentos são pertencentes ao Sindicato. Diante desse cenário, Moraes
responde o seguinte.

PESQUISADOR: (Em tom descontraído) Tu não tem medo não? Porque os caras são maioria na
rua, são maioria aqui no CEDUC, se os caras fizerem uma rebelião podem entrar aqui..

MORAES: (Neste momento rindo) São maioria aí no presídio do lado também. É tudo Sindicato aí.

PESQUISADOR: Sério? Lá também? Tu não tem medo não bicho, dos caras sendo maiorias
pegarem vocês?
168
MORAES: Medo não tenho não, se acontecer aconteceu, tamo na vida é pra isso mesmo.

No âmbito das relações grupais, podemos verificar indícios de favoritismo grupal em ambas
as facções. Os elementos destacados servem para caracterízar o seu próprio grupo e o grupo rival,
de modo a ressaltar aspectos positivos do endogrupo em detrimento ao exogrupo. Contudo, os
mesmos elementos citados pelo Sindicato para definir o PCC são usados por este para definir o
Sindicato.
O jargão “andar pelo certo” é usado por ambas as facções para defirnir a si própria e a outra.
Tal jargão diz respeito aos valores morais a serem seguidos pelo crime, como não assaltar ônibus;
não roubar celular; pouco dinheiro; moto somente acima de 125 cilindradas e não cometer estupro.
Esses valores vão estar presentes no estatudo do PCC, explícito no item 8, quando diz que os
integrantes do Partido [PCC] tem que dar bom exemplo a ser seguido e, por isso, o Partido não
admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do sistema (Souza, 2007). Esses valores são
resguardados pela ação incisiva disciplinar da facção a quem “sai da linha”, que aparece com mais
clareza no PCC.
Sobre essas formas disciplinares das facções nos bairros na cidade de Natal, a namorada de
Pete, Consuelo dá detalhes a esse respeito. A liderança do bairro é quem determina o que deve ser
feito. O contexto é o bairro Felipe Camarão.

CONSUELO: A liderança... a facção lá não deixa roubar no bairro...não pode, se roubar eles
decretam o cara.

PESQUISADOR: Por que não pode?

ADOLESCENTE: Ah! Vai roubar morador de lá é? Não pode não... eles não deixam.

PESQUISADOR: Se alguém da facção acabar roubando... o que acontece?

CONSUELO: Aí ele dá tiro na mão pra não roubar mais.

PESQUISADOR: E se for uma pessoa que não é da facção, acontece o quê?

CONSUELO: Acontece a mesma coisa... pra todo mundo.

169
PESQUISADOR: Você já viu isso acontecer?

CONSUELO: Na hora não, mas sei quem já levou... e também não pode ficar falando da facção, na
rua, tipo assim... que aí a facção também decreta.

PESQUISADOR: “Ave Maria, inclusive eu...se eu ficar procurando saber da facção? (Em tom de
brincadeira).

CONSUELO: Não, você não, você não é da facção (A adolescente dá risada).

Como se pode perceber, a liderança não deixa roubar no bairro, pois “decreta” com um tiro
na mão de quem o fizer. Além disso, também os membros da facção não podem a todo o momento
falar da facção, como se estivessem “fofocando”, porque é passível de ser decretado.
Comportamento semelhante da facção acontece também na comunidade Mãe Luiza, na
cidade de Natal-RN. Brito, (2018) expõe um caso de um sujeito que foi pego roubando na
comunidade.

Tupac também falou que a facção do bairro, o Sindicato do Crime, possui um forte controle
sobre o território, talvez maior que a própria polícia, de acordo com ele. Ele me mostrou, no
seu celular, um vídeo de um homem que foi pego roubando na comunidade no dia anterior
(28/08) e, como punição, aplicada por membros do Sindicado do Crime, teve dois dedos
decepados – Diário de campo, 17 de agosto de 2016 (Brito, 2018, p.162).

A sanção disciplinar, direcionada à população “desviante” da comunidade, revela o


agressivo controle sobre o território que esse grupo exerce. Tal controle é disputado pelo braço
ostensivo do Estado, na figura da polícia, na qual, em determinados momentos a facção se faz mais
presente.
Noutro relato, Brito (2018) apresenta a resolução de dois conflitos. O primeiro, o de um
sujeito era adicto e um outro, acusado de estupro:

Brown também me conta que, não faz muito tempo que um “nóia” e um homem acusado de
estupro foram mortos em Mãe Luíza. Questiono sobre o porquê mataram o “nóia”. Sempre
imaginei uma relação de interdependência entre estes e os vendedores ilegais de drogas.
Brown não me explica com clareza o porquê do homicídio, mas afirma que os “nóias”, ou
seja, aqueles sujeitos em situação de pobreza e com uma relação problemática com o uso de
170
drogas não possuem um bom relacionamento com o tráfico. Imagino que, pelo nível de
adicção, causem algum tipo de problema, inclusive pela prática de pequenos furtos – Diário
de campo, 12 de novembro de 2016. (Brito, 2018, p.163)”.

O relato, tirado de um diário de campo, conta um fato relativo às mortes de duas pessoas
pela facção. No caso, um sujeito era usuário de drogas e causava problemas para a facção, o outro
sujeito era acusado de estupro. Para os dois casos, a ação disciplinar foi a morte.
A proibição do estupro e os roubos nas comunidades têm raízes históricas e está presente
desde o surgimento do PCC. Para estabelecer o seu domínio no sistema penitenciário, pregava-se a
necessidade de união, solidariedade, visando à proibição da violência sexual, como também, os
altíssimos índices de roubos e homicídios nas comundidades (Dias, 2011).
Tomando como base o estudo de Brito (2018), podemos perceber como a questão da
territorialidade também está presente. Assim sendo, a territorialidade aqui talvez seja um dos
elementos centrais na diferenciação de ambas as facções. Essa característica, quando ressaltada em
ambos os grupos, aponta para o que mais elas têm em comum, que são as origens e o
estabelecimento nas periferias das grandes cidades.
Os territórios, que são as periferias das grandes cidades, vão determinar também as
características do sujeito pertencente às facções. Para os adolescentes, de ambas as facções, com
exceção de “correr pelo certo ou não”, não há diferenças entre aqueles pertencentes ao Sindicato e
ao PCC, “são todos da quebrada”, segundo os próprios adolescentes.
Sobre isso, inicialmente, esperávamos que aparecessem, nos relatos dos adolescentes, os
mesmos sujeitos com sotaque paulistano, responsáveis pelo surgimento das facções em alguns
territórios, que apereceram nos dados expostos no tópico 5.1.Os primeiros indícios de surgimento
das facções nos territórios na cidade de Natal e Parnamirim. Além disso, o PCC tem origem no
estado de São Paulo. No entanto, no relato dos adolescentes, não apareceu essa característica.
Isso nos leva a crer que aqueles que são pertencentes às facções do Sindicato e PCC, no
contexto de Natal e Parnamirim, têm as mesmas origens. As suas origens, nesse caso, são 1.residir
nas periferias da cidade; 2. serem naturais da própria região, ou seja, não advirem de outros estados
como São Paulo, 3. estarem em meio aos acirramentos grupais das facções, que em grande parte
surgem em meio à disputa do tráfico de drogas nos territórios.
Dessa forma, o que, na prática, diferencia e tornam rivais ambas facções são os territórios
dominados por elas. Esse fenômeno tem origem nas disputas pelo mercado varejista de drogas e que
vai possibilitar a dominância dos territórios por grupos distintos e, assim, significações que as
diferenciam e sustentam essa rivalidade.
A filiação de uma pessoa a uma facção, por razões de residir em determinado território, vai
171
fazer com que ela carregue toda a carga histórica de rivalidade entre esses grupos, juntamente com
os estereótipos que as diferenciam. Assim, a rivalidade entre as facções, no contexto do CEDUC-
Pitimbu, geralmente não tem um aspecto pessoal, mas um aspecto grupal, de pertencimento aos
grupos (as facções), que tem raízes na própria constituição histórica e contextual desses grupos nos
territórios.
No caso de Galvão, representante da facção Caveira, as distinções também seguem essas
linhas de raciocínio, corroborando ao que foi dito. Para ele, não há diferenças muito explícitas entre
ambas as facções (Sindicato e PCC), embora reconheça que o PCC seja mais organizado e
disciplinador.

PESQUISADOR: Você que tá de fora, quais as diferenças entre o PCC e o Sindicato?

GALVÃO: Acho que não tem diferença não, é tudo a mesma coisa.

PESQUISADOR: Ué, se são a mesma coisa por que existem duas facções?

GALVÃO: Sei não, mas diferença mesmo acho que o PCC tá mais em cima, é mais organizado, se
você fizer alguma coisa errada eles já tão ali em cima, no Sindicato acho que é diferente.

PESQUISADOR: E na Caveira, é organizada também?

GALVÃO: Oh! Aí é que desorganizado mesmo (Dá uma gargalhada).

Paulinho, que estava residindo num alojamento improvisado, por causa do boato de que teria
cometido estupro, descreve suas percepções de ambas as facções. Vale ressaltar que esse
adolescente residiu no alojamento das duas facções no Pitimbu.
Nesse contexto, para Paulinho, a diferença entre o Sindicato-RN e o PCC é que, no primeiro,
os adolescentes são “mais ruins”, mais violentos que o segundo. Ressalta-se que Paulinho teve a
sobrancelha e a cabeça raspadas pelos adolescentes pertencentes ao PCC.

PESQUISADOR: Você que já passou pelas duas facções, digo, já morou com os meninos das duas
facções, qual é a diferença entre elas?

PAULINHO: Assim, diferença mesmo, acho que assim, os caras do Sindicato são mais ruins, eles
são maiores, aí acho que é isso.
172
PESQUISADOR: Tipo, mais violentos do que os meninos do PCC?

PAULINHO: É! Isso!

PESQUISADOR: Mas quem fez isso com você foram os meninos do PCC, não? (Apontando para o
cabelo da cabeça e sobrancelhas que haviam sido raspadas pelos meninos do PCC).

PAULINHO: É, foram, mas eles são mais limpeza.

Noutro momento da entrevista, Paulinho descreve outras diferenças entre as facções. Para
ele, o Sindicato-RN se faz “mais presente” na vida dos meninos do que o PCC, pois os ajudam com
advogados.

PESQUISADOR: E em relação à facção mesmo, qual a diferença de uma pra outra? Por exemplo,
o PCC é diferente do Sindicato por isso ou o Sindicato é diferente do PCC por isso.

PAULINHO: Acho que eles são mais presentes, assim, uns caras lá precisaram de advogados e a
facção mandou advogado pra eles, foi o que eles disseram.

PESQUISADOR: Hum, no PCC não é assim não?

PAULINHO: Acho que não, não é o que eu vejo lá, os caras lá são mais lascados, são mais
humildes e não vejo a facção fazendo nada por eles.

Assim, segundo Paulinho, há algumas diferenças a apontar entre o Sindicato-RN e o PCC.


Para ele, em relação ao primeiro, os adolescentes são mais violentos e a facção os ajuda
financeiramente, diferentemente do PCC. Contudo, embora os adolescentes do Sindicato-RN sejam
mais violentos, para Paulinho, as características dos membros de ambas as facções não apresentam
diferenças.

PESQUISADOR: Pra você, por exemplo, quem é o adolescente que está no Sindicato e o
adolescente que está no PCC? Quem são eles, quais as características deles?

PAULINHO: Assim, tem os bairros neh, eu não sou daqui (Paulinho é do interior do estado, da
173
cidade de Serrinha), aí não sei, mas são dos bairros, fora isso, não tem diferença não, é tudo das
favelas.

Essa fala de Paulinho corrobora algumas questões já descritas nesta pesquisa. A primeira diz
respeito à filiação na facção, por questões de territorialidade; e a segunda é referente ao estereótipo
daquele sujeito pertencente à facção, pertencente às favelas, ou seja, às comunidades
subalternizadas.
Em meio ao que foi exposto, vale ressaltar que, quando estávamos em imersão na unidade
socioeducativa de Caicó, primeiro semestre de 2017, era nítido o orgulho dos adolescentes em
pertencer à facção. Esse orgulho transparecia nas suas próprias falas quando autodeclaravam
pertencer à facção, nos desenhos com símbolos da facção nas suas camisas, paredes dos alojamento,
ou mesmo, com a automutilação com instrumentos rudimentares, a qual marcava a própria pele com
símbolos referentes às facções.
No CEDUC-Pitimbu, entre julho e dezembro de 2018, ou seja, em outro contexto e um ano
após à imersão em Caicó, encontramos uma realidade um tanto distinta. Os alojamentos das
unidades ainda eram separados por facção, mas a exposição desse orgulho de pertencer à facção
(Identidade Social) não era tão visível. Não havia as constantes declarações de que pertenciam às
facções, não havia desenhos, nem mesmo apareciam nas entrevistas individuais – com exceção de
um adolescente, especificamente, que iremos falar mais adiante. Dessa forma, em relação a esse
“não orgulho” aparente de pertencer à facção, duas hipóteses podemos indicar.
A primeira, e mais óbvia, é que se trata de realidades distintas e, no caso do Pitimbu, esse
fenômeno do orgulho do pertencimento à facção é menor do que se comparado aos adolescentes de
Caicó. E a segunda hipótese, também crível, é que a mudança de direção na unidade influenciou
diretamente nesse fenômeno.
A nova direção, representada por um coronel da reservada, é conhecida por ser mais rígida e
recebe críticas por isso por parte dos adolescentes. O diretor segue à risca o Manual de Segurança,
no qual consta em seus artigos toda uma forma disciplinar de trato dos educadores para com os
adolescentes e, como estes devem se comportar – a disciplina empregada nos adolescentes pelo
Manual já foi descrita no tópico 4.3.Dinâmicas relacionais no interior da unidade.
Queremos dizer com isso que, essa disciplina imposta pode ter influenciado na forma com
que os adolescentes se expressam na unidade. Além dos poucos espaços de diálogo disponíveis e
diversas atividades socioeducativas que não estimulam a livre expressão e autonomia (a exemplo da
atividade de vagonite), realidade já encontrada nas unidades, temos agora uma forma disciplinar
que diz em quais momentos e espaços o adolescente pode falar, como deve andar ou como deve se
comportar. Não estamos discutindo se essas formas de disciplina são ruins ou boas, mas que o medo
174
de possíveis represálias pode fazer com que esses adolescentes se contenham ao se expressar,
mesmo que seja sobre sua identificação com a facção. Contudo, dentre todos os participantes da
pesquisa e aqueles que víamos nos dias de visita, ou mesmo participando das atividades
socioeducativas, apenas um adolescente demonstrava efetivamente o orgulho de pertencer à facção;
seu nome é Pepeu.
Logo de imediato, Pepeu se apresentou para a entrevista com a camisa do CEDUC com os
dizeres, na altura do peito, PCC – 1533. Noutra entrevista, Pepeu tinha na camisa outro desenho,
mais elaborado, com cores chamativas, com o nome do PCC coberto de chamas de fogo. O seu
corpo é coberto por tatuagens e uma Carpa – espécime de peixe – tatuada, virada para cima, que
significa que o sujeito ainda é “irmão”, na condição de soldado da facção e ainda não atingiu os pré-
requisitos necessários para se tornar uma liderança, numa posição de comando. O estudo de Dias
(2011) dá mais detalhes a esse respeito das funções dos “irmãos” dentro da facção.

Dos irmãos é esperado que saibam negociar – seja com o diretor da prisão, seja para
apaziguar conflitos entre a população carcerária ou do bairro, seja entre o devedor e o credor
na prisão, seja para aumentar a venda de drogas para o PCC. Deles é esperado que possuam
maleabilidade, capacidade argumentativa e discursiva e discernimento para resolver da
melhor maneira os inúmeros conflitos interpessoais de todos os tipos que eventualmente
surjam nas localidades onde exercem a função política de mediação e regulação. Em suma,
espera-se que eles sejam bons administradores para desempenhar eventuais atividades
comerciais no âmabito do braço econômico do Comando; e um bom gorvernante para o
exercício das funções políticas também centrais para o PCC. Quanto mais o irmão
demonstrar as capacidades mencionadas, mais rápido ele crescerá na hierarquia do Comando
e mais será conceituado e respeitado, interna e externamente (Dias, 2011, p.255).

Além dessas marcas corporais, Pepeu fala de seus líderes, o “organograma” da facção com
seus cargos e funções, as músicas e o grito de guerra com relativa exaltação, fazendo sempre o
contraponto a outras facções, com maior foco no Sindicato. Ao diferenciar o PCC do Sindicato,
aquele é mais organizado. Assim, descreveu todo o organograma da facção, que se organizava pelas
lideranças mais importantes às menos importantes, e tipos de funções. Assim, segundo Pepeu, a
facção se organiza da seguinte forma:

PESQUISADOR: Espera, deixa eu anotar que é muita informação (Em tom descontraído, Pepeu
diverte-se com a quantidade das informações e complexidade com que fala da facção).

175
PEPEU: Primeiro tem o Geral do Continente – que é quem comanda a facção entre os países, tem
a Colômbia, os Estados Unidos, Uruguai, tem mais outros.

PESQUISADOR: Paraguai também? (pergunto porque este país é conhecido pelo tráfico de
drogas).

PEPEU: Acho que não, não lembro. Depois tem o Geral do País – que comanda as coisas da
facção no país, o Geral dos estados....

PESQUISADOR: Depois o Geral das cidades?

PEPEU: Não, esse não, depois é o Geral da Rua – que comanda a facção nas quebradas, aí nas
quebradas tem o Disciplina que, assim, quando tem algum problema com morador, alguma
confusão, ele é quem resolve, ele é tipo o Juiz, quem tiver errado ele dá um tiro na mão, ou mata...
tem o Paiol das Armas – que é quem cuida das armas da facção, o “Cibola” que cuida dos
dinheiros, ele recebe também, é como se fosse um banco, você vai depositando lá todo mês R$ 100
conto, aí depois, se você precisar, eles te dão pra pagar advogado, ou dão pra sua família...

PESQUISADOR: Eles dão dinheiro mesmo? Já te deram?

PEPEU: Já, esse último advogado que veio me defender quem pagou foi eles.

PESQUISADO: Entendi (Enquanto o adolescente ia falando, tentava anotar todas as informações


no diário de campo).

PEPEU: Aí depois tem o Tranca, esse é quem vai mandar o advogado, tipo assim, você liga para
as linhas, aí você diz “Ô, tou precisando disso e aquilo, tou precisando de advogado”, aí eles vão
falar com o Tranca e vai resolver sua situação. Também ele manda médico, dentista, o que você
precisar e, depois, tem o Sintonia, que é que fica nas linhas pra resolver os conflitos entre os
irmãos, se um irmão começar uma treta com o outro, o Sintonia vai avaliar e resolver da melhor
forma.

PESQUISADOR: Como é esse Sintonia, explica melhor.

PEPEU: O Sintonia é um homem e uma mulher pra resolver a situação, eles ficam no telefone
176
direto. O Sintonia tem em tudo que é canto, no Geral do país por exemplo, cada um tem um homem
uma mulher. A mulher para resolver problema de mulher e homem pra resolver os problemas dos
homens. O Sintonia também deixa todo mundo ligado quando for rolar algum Salve, ele que
organiza para que todos os irmãos fiquem ligados, tá ligado?

PESQUISADOR: Os irmãos quem são?

PEPEU: É todo mundo que é da façcão.

O relato de Pepeu é bastante extenso e mostra como se dá a organização do grupo do PCC,


numa espécie de “organograma” no qual estão delimitados os cargos e as funções. Dessa forma,
colocamos numa tabela como se dá tal organização do grupo do PCC, a partir dos relatos de Moraes
e Pepeu, abaixo na Tabela 06.

É importante que se diga que, embora a Tabela 06 mostre uma organização hierárquica, o
PCC se organiza em rede por associações, segundo Biondi (2007). A igualdade entre os irmãos é
um valor central e qualquer imposição ou obrigação é vista como desrespeito, que segundo a autora:

177
O que está na base da tensão entre a igualdade e a liderança no PCC é a inexistência de
obrigações. Para meus interlocutores, seguir a disciplina do Comando nada tem de obrigação
ou de imposição. Corresponde a correr lado-a-lado, ser um aliado, estar na mesma sintonia.
Nesse sentido, os irmãos não são pessoas dotadas de individualidade, de desejos e
manifestações próprias; eles são, idealmente, meros operadores do PCC. É por isso que ele
não pode tomar decisões isoladas e deve sempre buscar um consenso, mesmo que, para isso,
repasse as decisões de assuntos considerados importantes para a avaliação das torres. Não se
trata, entretanto, de uma transferência que apenas deslocaria o ponto de individualização
para outras instâncias hierárquicas. Mesmo porque os intervenientes negam a existência de
hierarquia nessas relações e veem essa dinâmica em outros termos: cuidado para não tomar
decisões isoladas, busca de consenso, representatividade. Não sem dificuldades para se livrar
do fantasma da hierarquia. Para decidir, por exemplo, para quem deveria ser enviada uma
importante informação para as torres (Biondi, 2007, p.228).

Para exemplificar como se dá a organização do PCC, apresentaremos, a seguir, a Figura 07.


É possível identificar todas as funções existentes e como se relacionam.

Figura 06 - Estrutura funcional do PCC segundo Dias (2011)

178
Fonte: Elaborado por Dias (2011).

A Figura 06 apresenta semelhança com a organização do PCC, citada por Moraes e Pepeu.
As diferenças podem ocorrer em razão dos anos e, também, por questões contextuais que o estado
do RN pode apresentar distinções em relação ao estado de São Paulo.
Depois de dizer que o PCC era mais organizado, Pepeu diz que é mais disciplinado do que o
Sindicato. Fala que as “trairagens” são punidas, que os integrantes se tratam como “irmãos” e que
tem várias músicas para se cantar. Na entrevista, tenta se lembrar de alguma e não consegue, mas
lembra do grito de guerra que constantemente canta junto com os outros na unidade, que diz assim:

“E aí Pavilhão?
E aí!
Pai nosso que estais nos céus,
Santificado seja o Vosso nome.
Venha a nós o Vosso Reino.
Seja feita a Vossa vontade,
Assim na Terra como no Céu,
O pão nosso de cada dia nos dai hoje.
Perdoai as nossas ofensas,
Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.
E não nos deixeis cair em tentação,
Mas livrai-nos do mal.
Amém!
(repete-se a oração três vezes)
Fé em Deus porque ele é justo,
Se Deus é por nós, quem será contra nós,
1533 – PCC: Paz, Justiça, Liberdade e União pra todos!”

Além disso, Pepeu fala de algumas lideranças e cita várias vezes o Marcola. Fala que esta
liderança fundou o PCC, comanda a facção nacionalmente e é bastante inteligente, pois lê muito e
fala seis linguas diferentes.
A partir do que foi dito até agora, podemos ponderar que a distinção entre as facções, no
campo das significações dos adolescentes sobre as características que as diferenciam, recai
novamente na territorialidade. Isso nos ajuda a entender melhor as relações entre as facções no
contexto do CEDUC-Pitimbu.
179
É possível perceber o quanto a rivalidade entre as facções dentro do CEDUC-Pitimbu revela
traços grupais e pouco das relações interpessoais dos adolescentes. É possível conjecturar que tal
rivalidade inicia-se fora da unidade e tem origem na terroritorialidade, ou seja, na constituição e
domínio das facções nas comunidades da cidade.
O domínio de territórios pelas facções condiciona a filiação compulsória dos adolescentes
que lá residem. Nesse momento, não importa se são ou não pertencentes à facção, o fato de
residirem nessas comunidades impõe as suas filiações aos olhos de diversos atores sociais, inclusive
da própria facção. A “amizade” entre adolescentes de facções opostas, mesmo que declaramente não
pertencentes, ou a “negação dessa territorialidade” é vista pela facção como uma traição e é paga
com uma ação disciplinar, represália – o decreto.
O fato de agora pertencerem à facção e serem “vigiados” para que se comportem como
membros, faz com que esses sujeitos assumam toda a rivalidade já construída entre esses grupos.
Contudo, como pudemos perceber pelos dados obtidos nesta pesquisa, as facções e os membros que
as compõem têm mais semelhanças do que diferenças no âmbito das suas características.
É isso que nos leva a supor que a distinção entre as facções recai novamente na
territorialidade. É a dominância do território pela facção que vai ser fundamental para a filiação dos
membros e fator de rivalização entre os grupos. A rivalização leva à construção de estereótipos
negativos entre si, com o passar dos anos, que são absorvidos pelos adolescentes e levados para
dentro da unidade.
Assim, uma vez pertencente à facção, resta-nos saber como se dão os trâmites de ruptura
com a facção. Esse assunto será tratado no tópico seguinte.

4.5. As relações estruturais entre Estado e Igreja e a via de “saída” da facção: a roda girando em
seu eixo.
Este último subtópico faz parte da última etapa do percurso temporal que perpassa a
vinculação do adolescente com a facção e sua passagem pela unidade socioeducativa. Aqui iremos
expor a situação particular de alguns egressos quando deixam a unidade e são cooptados pela
faccção. Logo depois, iremos descrever as possibilidades de ruptura com a facção desvelando suas
relações com o Estado, como também a aparição em cena de novo ator social importante nessa
relação, a igreja.
A situação de alguns egressos quando deixam a unidade socioeducativa nos foi apresentada
em conversas informais com a equipe técnica das unidades do Pitimbu e Caicó, que demonstraram
ter realidades semelhantes. Segundo as equipes dessas unidades, algumas histórias de vida dos
adolescentes que passam por essas unidades apresentam o seguinte cenário: o jovem quando está
180
próximo ao término da medida de internação se vê sem uma renda básica, com uma lista de “richas”
(inimigos) e sem apoio social da família que se encontra em condições de extrema vulnerabilidade
social.
Para dar exemplo, numa determinada situação, a equipe técnica, quando fora realizar a
reinserção de um adolescente em sua família, encontrou a mãe na calçada sob o efeito de álcool. A
mãe estava com o filho de cinco anos de idade de lado e, parte da sua casa, tinha acabado de ser
queimada por traficantes da região, por acerto de uma dívida.
A facção se aproveita de histórias de vida como essa. Oferece ao adolescente egresso uma
renda básica para ele e sua família (esta por meio de cestas básicas) e proteção contra os inimigos,
na condição de fazer “alguns poucos trabalhos para o grupo”, somente quando este precisar. Esses
trabalhos se iniciam de forma gradativa de menor potencial agressivo para os maiores de idade,
como levar a droga de um lugar para o outro, até o homicídio de alguém.
Para também exemplificar com outro caso real, a facção havia encomendado o sequestro de
uma pessoa. Porém, não havia conseguido o que queria e decidira por executar o refém. A facção
deu a ordem para o adolescente egresso, que estava em sua casa no momento, ir até o local do
sequestro e fazer a execução. A facção decidira pelo adolescente porque passaria menos tempo no
sistema socioeducativo, do que um adulto no sistema prisional, e seria resguardado pelos advogados
da facção.
Dito isso, temos uma primeira relação imbricada entre a unidade socioeducativa, facção e
alguns adolescentes egressos. Um ciclo que se repete ao seu redor:

181
Como é possível ver na figura 07, o adolescente passa pelo sistema socioeducativo e ganha a
sua liberdade. Agora egresso, pelas condições de vulnerabilidade expostas acima, o adolescente é
cooptado pela facção, comete o ato infracional e torna a voltar ao sistema socioeducativo.
Nessa relação entre a unidade socioeducativa e a facção, aparece um novo ator em cena, a
igreja. Segundo os adolescentes, há duas formas de saída da facção (semelhante a ambas as
facções), são elas: (a) em caso de morte; (b) tornar-se membro de uma igreja evangélica.
A primeira forma é de amplo conhecimento, devido os altos índices de letalidade juvenil no
nosso estado. Já a segunda requer maior atenção porque se constrói e organiza uma teia de
significações sobre o porquê filiar-se, especificamente, a uma igreja evangélica, e a partir disso
apontar reflexões sobre as relações dialéticas estruturantes entre a facção, a igreja e o Estado, e a
cooptação dos jovens por esses atores sociais. A respeito desses motivos, seguem trechos das
entrevistas de John e Paul.

PESQUISADOR: No caso, por exemplo, dos meninos lá do bairro entrarem na facção e, depois, se
arrependeram, sei lá, pode sair?

JOHN: Poder sair, pode, mas não é tão fácil assim.

182
PESQUISADOR: Como é que faz pra sair?

JOHN: Só morrendo mesmo ou começar a andar pelo certo, entrar pra uma igreja.

PESQUISADOR: Entrar em qual igreja, qualquer uma?

JOHN: Não, uma igreja evangélica.

PESQUISADOR: Pode ser uma igreja católica? Ou sei lá, começar a ser espírita?

JOHN: Não, tem que ser evangélica.

PESQUISADOR: Ué, por que tem que ser evangélica e não outra?

JOHN: Ah! Não sei!

Esse excerto de entrevista foi retirado da entrevista com John. Talvez, neste momento, não
quisesse dar mais detalhes sobre essa questão, por já estar “farto” de conversar a respeito, ou
mesmo não soubesse responder. O que se coloca é que a entrevista se encerrou neste momento.
Contudo, a entrevista de Paul acrescenta sobre esse assunto e é mais completa do que as
outras. O trecho da entrevista será reproduzido a seguir.

PESQUISADOR: E se caso o cara queira adotar outra religião, o espiritismo, o candomblé, ele
pode?

PAUL: Não, tem que ser a igreja evangélica, não pode ser qualquer uma.

PESQUISADOR: Nem a igreja católica? Porque se a gente for ver, as duas pregam o cristianismo.

PAUL: É... não sei, mas eu acho que não, tem que ser a evangélica.

PESQUISADOR: Hum, sei, acho que entendi... o que eu não entendi, é por que tem que entrar
numa igreja pra sair da facção? Por que tem que ser uma igreja?

PAUL: É porque o cara quando entrar (na igreja), ele vai começar a andar pelo certo, não vai
183
mais ser do crime, nem nada.

PESQUISADOR: Ah! Entendi, se ele entrar numa igreja, ele vai se converter e não vai mais
praticar crime.

PAUL: É!

PESQUISADOR: E em outra igreja, ou outra religião, ele também não pararia de cometer mais
crimes?

PAUL: Hum, não sei, acho que não.

A condição de filiar-se a uma igreja evangélica foi questionada várias vezes em todas as
entrevistas. Por que filiar-se a uma igreja evangélica? Mais ainda, e se for a outras religiões, por
exemplo, a igreja católica, espiritismo, candomblé, etc., é possível sair da facção? Em todos os
casos, as respostas indicaram que apenas a filiação a uma igreja evangélica torna o indivíduo livre
da filiação à facção.
A conversão à igreja evangélica não é por acaso, ou por questões meramente religiosas. Há
um fator pragmático de impulsionar o sujeito a “não ser mais do mundo crime”, ou seja, não
cometer mais crimes quando, agora, convertido. O comportamento “desviante” aceito na facção, e
não mais aceito quando convertido à igreja, também se estende a outras áreas, como a diversão com
bebidas alcoólicas e outras drogas. Esse aspecto está presente na fala de Ringo.

PESQUISADOR: Então, necessariamente o cara tem que entrar numa igreja evangélica.

RINGO: É, porque aí ele deixa de roubar, de matar, de farrar, como fazia antes.

PESQUISADOR: Até deixar de ir pra festas o cara tem que parar?

RINGO: (Ringo gargalha nesse momento) É, não pode mais, tem que parar com tudo, de beber, de
usar droga, essas coisas.

PESQUISADOR: Rapaz, difícil hein! Deixar de beber e tal quando o cara vai para uma festa (Em
tom descontraído).

184
RINGO: Tem que deixar, se não deixar e ele começar a andar pelo errado de novo, a facção
decreta ele.

Para sair da facção o sujeito deve parar com todas as atividades “ilícitas”, inclusive aquelas
relacionadas às de “farras” 15. O “andar pelo errado”, jargão que já apareceu nesta pesquisa em
outros contextos, aqui se refere às atividades ilícitas como roubos, furtos e venda de drogas,
enquanto que a de “farra” diz respeito às idas às festas, consumo e abuso de álcool e outras drogas.
Ao ser questionado sobre os comportamentos em festa do uso álcool e outras drogas, muitas
respostas dos adolescentes diziam “não faz sentido alguém deixar a facção e continuar se
comportando da mesma forma quando pertencia a ela”.
Porém, caso o sujeito peça para sair da facção, filie-se a uma igreja evangélica e torne a
adotar os antigos hábitos (ilícitos e de “farra”) seja expulso da congregação, a facção o decretará. A
disciplina da facção nesse sentido é rígida e impede que o “desviante” adote os antigos hábitos.
Podemos ver que aqui se encadeia uma relação dialética estruturante entre facção, a igreja e
o Estado (representado pelo sistema socioeducativo) como universos que orbitam ao redor do jovem
para o disciplinamento dos seus comportamentos que consideram desviantes. Os comportamentos
considerados desviantes por cada um desses atores são:
FACÇÃO: comportamentos descritos no seu estatuto; assaltar ônibus; roubar trabalhador,
celular e moto (apenas acima de 125 cilindradas); estupro. Facções de outros estados: não
usar rivotril; Crack.

IGREJA: ingestão de bebidas alcoólicas; cigarro; drogas ilícitas; ir para festas.

ESTADO: por causa da medida de privação de liberdade, todos os comportamentos listados


anteriormente; outros comportamentos descritos Manual de Seguraça: andar em fila indiana;
cabeça baixa e mãos para trás; chamar o educador de Senhor.

Esses atores guardam similaridades no entendimento dos tipos de comportamentos tidos


como desviantes, o método disciplinar punitivo e o propósito corretivo de tais comportamentos. A
disciplina no caso do jovem que “saia da linha”, o Estado o encarcera, a facção o decreta e a igreja
declara a sua expulsão e, consequentemente, o decretamento pela facção.
Dessa forma, o propósito da “podação” dos comportamentos desviantes para o “bem do
adolescente” esconde o ajustamento desses jovens às rotinas, valores e práticas de cada um desses

15
O termo “farrar” é uma gíria popular nordestina que significa algo próximo ao aproveitar, “curtir” uma festa.
185
atores sociais. Esconde-se o processo de administração das vidas desses jovens e cooptação das
suas subjetividades.
A seu modo, cada um desses atores sociais utilizam dos seus métodos físicos e subjetivos
para docilizar e cooptar os jovens às suas rotinas e suas práticas. As facções possuem seu estatuto,
suas formas de atuação dentro do sistema socioeducativo e nos bairros, que já foi bastante discutido
nessa tese. As medidas de internação, as técnicas de controle nas unidades socioeducativas têm o
poder de internalizar nos adolescentes a rotina da unidade, seus valores e práticas, a tal ponto dos
adolescentes considerarem a internação como algo positivo para si próprios, como aparece nos
estudos de Monteiro e Pinto (2015) e Lustosa, (2013). É bastante sabido as formas de atuação das
igrejas pentecostais no comportamento dos jovens quanto à interdição ao consumo de álcool, tabaco
e outras drogas, como também a relacionamentos extraconjugais e homossexuais (Mariano, 2004).
Mais especificamente sobre as semelhanças entre a igreja e a facção, ambas funcionam sob aspectos
ideológicos; autorizam a migração de membros; atuam com acolhimento como porta de entrar para
o ingresso de pessoas; possuem ritos punitivos; são perpassadas por questões pecuniárias e
funcionam como empresas.
No CEDUC-Pitimbu, por exemplo, há uma igreja evangélica que constantemente realiza
trabalhos com os adolescentes da unidade e, ao que parece, é uma experiência exitosa com grande
adesão pelos adolescentes. Há duas igrejas na unidade, ambas evangélicas, que realizam atividades
distintas na unidade.
A igreja Universal realiza um trabalho de acolhimento às famílias nos dias de visita. A igreja
proporciona uma mesa de café da manhã e é bastante organizada, com seus membros de camisetas,
banners personalizados para aquela unidade, com os dizeres: “Assistência ao familiar do
jovem/Socioeducativo-RN”.
Esse trabalho de acolhimento ameniza o clima por vezes pesado da unidade. Esse instante se
torna um momento de conversação, descontração entre os familiares e entre os familiares e
profissionais da unidade. O acolhimento, também, transforma-se num espaço de brincadeiras para
as crianças trazidas pelos familiares.
A outra igreja também evangélica, a Batista, realiza atividades diretamente com os
adolescentes nos fins de semana. As atividades contemplam todos os adolescentes, de ambas as
facções; os adolescentes praticam esportes, há música, dança e, também, o culto com a pregação. As
facções participam das atividades separadamente. Para ambas as facções, o que se pode perceber é
que as atividades das igrejas são bem aceitas.
É conhecida a boa aceitação das igrejas pentecostais no sistema penitenciário e nas periferias
urbanas. Em razão das vulnerabilidades sociais, atravessadas pela pobreza e violência, permite a
expansão desse tipo de religão mais plurarista, baseada na “teologia da prosperidade e de mercado”
186
dentro dos presídios e periferias das grandes cidades (Cunha, 2008).
No Brasil, as igrejas evangélicas identificadas com o neopentecostalismo têm como
principal expressão a Igreja Universal. Do ponto de vista comportamental, a Universal é a mais
inflexível quanto aos desígnios da religão, acompanhando de perto o cumprimento dos seus dogmas
pelos fiéis e, para aqueles que não a cumprem, é indicada a saída da igreja (Mariano, 2004).
O trabalho dessas igrejas evangélicas com apenados no sistema penitenciário também não é
recente. A expansão desses trabalhos nas prisões acontece de forma mais incisiva na década de 1990
no Brasil, no mesmo momento em que se tem a proliferação e expansão dessas igrejas em território
nacional (Kronbauer, 2009).
Assim sendo, levando em conta os relatos dos adolescentes desta pesqusia, a via de saída da
facção pela igreja evangélica pode ter explicação em duas razões principais, a fácil aceitação das
camadas mais populares a essas igrejas, dentro e fora dos presídios, e porque não haveria uma
ruptura na saída da facção e conversão à igreja. Para Lobo (2004), no contexto dos presídios, a boa
aceitação desses trabalhos com os presos tem justificativas na própria estrutura precária das
unidades prisionais. A vagareza no andamento dos processos dos apenados, as condições de
sobrevivência e impunidade, como também a superlotação seriam condições favoráveis para o
sucesso dessas atividades.
O êxito, por causa de questões de vulnerabilidades sociais, dentro e fora do sistema
penitenciário, é também apontado por Melo (2007) e Conten, (1996). A adesão de massas mais
pobres ao pentecostalismo, nas comunidades ou dentro das prisões, possui atravessamentos das
opressões econômicas e abandono social, o que faz com que o fiel que está solto, ou preso, encontre
na igreja uma alternativa interventiva para a mudança de vida.

Parece que o detento adere ao pentecostalismo assim como as massas mais pobres e
desfavorecidas das cidades também aderem. O fiel que está preso parece não ser diferente do
fiel que está solto, suas necessidades podem diferenciar-se em alguns aspectos, mas os
quesitos opressão econômica e carência educacional, os tornam parecidos. Tanto na
penitenciária como na rua, existem pessoas que sofrem do abandono social e econômico,
que buscam uma intervenção para a situação em que vivem. Esta ajuda aparece na pregação
da igreja pentecostal, cujo discurso do pastor lhes promete a solução desses problemas, não
apenas pelas práticas religiosas, mas também pelas práticas assistencialistas, pela amizade,
pela disposição em ouvi-los, etc. (Melo, 2007, p.4).

Esse aspecto se justifica, pois o pentecostalismo exacerba a pobreza à imagem e semelhança


de Jesus Cristo (Corten, 1996). A alienação, a partir do exercício da religião, faz com que o sujeito
187
encontre na crença, na fé, a justificativa para a sua situação de vida. A religião seria o “suspiro da
cultura oprimida”. Nesse sentido, é necessário criar condições para que o sujeito seja crítico da sua
própria prática religiosa, deslocando as justificativas para os problemas sociais na doutrina
religiosa, para as estruturas da própria sociedade, tornando lúcidas as diversas mediações que
contribuem para a manutenção da opressão de certos grupos sociais.
No contexto do RN, ao analisar o trabalho com presos no presídio de Alcaçuz, Oliveira
(2012) afirma que os evangelizadores procuravam trabalhar a autoestima dos presos, de forma a
mostrar-lhes que os crimes cometidos encontravam amparo na igreja/religião, na forma de perdão e
amor de Deus. Esse tipo de abordagem proporciona a amenização do sofrimento dentro da prisão,
aumento de autoestima e organização dos seus projetos de vida, assim, “a conversão religiosa
proporciona a aceitação, o perdão, o conhecimento de uma nova forma de conduzir a mudanças nas
formas de se vestir, de se expressar em linhas gerais, de interpretar os estímulos exteriores”
(Oliveira, 2012, p. 78).
Em relação à segunda razão - que utiliza as igrejas pentecostais como a via de saída da
facção -, pode-se explicar por não haver uma ruptura na passagem de um grupo ao outro. É uma
sucessão em que a influência da facção ainda consegue alcançar o sujeito.
Marques (2013) indica que há uma continuidade da influência da facção na vida do sujeito
mesmo convertido à uma igreja neopentecostal. Ao se inserir no campo de pesquisa, o autor percebe
que diversos indivíduos da igreja mantinham relações estreitas com o PCC. A proximidade dessas
relações entre esses dois lugares, aparentemente discrepantes, possibilitou reflexões para a pesquisa
que estava sendo realizada, pois a conversão, da facção para a igreja, “deixou de ser analisada
exclusivamente como uma via que exigia rupturas e comportamentos ascéticos, e passou a ser
compreendida também como uma extensão da vida anterior à conversão” (Marques, 2013, p.4).
Essa interralação aparentemente contraditória, que não era vista em tempos passados,
começa a absorver ares de normalidade com o passar dos anos, uma vez que a conversão à religião
pentecostal de sujeitos advindos do mundo do crime revela um fenômeno social, aparentemente
recente, e uma complexidade que deve levar em conta o contexto em que se apresenta. Assim,
Abumanssur (2014) comenta:

Pentecostalismo e crime já foram palavras que se referiam a universos absolutamente


distintos e sem pontos de tangência. Na verdade, eram signos que representavam mundos
antagônicos e excludentes. O criminoso só era admitido numa igreja pentecostal no contexto
de um processo de conversão no qual ele deveria refazer as suas opções de vida e mudar o
seu comportamento. Tanto para o criminoso quanto para o crente seria inadmissível que uma
pessoa participasse desses dois mundos de forma concomitante. Essa realidade vem
188
mudando, nos últimos anos, nas periferias de São Paulo e de outras grandes metrópoles.
(Abumanssur, 2014, p.100).

Abumanssur (2014) também afirma que, pertencenter a uma igreja pentecostal não exclui a
partipação do sujeito na facção. Para o autor, a conversão à igreja pode não estar ligada a uma
mudança de significado de antigas práticas, de uma transformação íntima do indivíduo, mas
principalmente as vantagens adquiridas com tal conversão, como a inserção do sujeito em novas
sociabilidades em contextos onde a igreja obtém um papel importante, como nas comunidades. A
esse respeito o autor comenta:
Essa afiliação será percebida como conversão se o conceito que o indivíduo faz de si for
negativo. Portanto, sociologicamente falando, não faz nenhuma diferença se a afiliação é
fruto de uma transformação íntima do indivíduo ou não. E faz menos diferença ainda se essa
transformação for súbita e radical ou lenta e gradual. Tais transformações pessoais devem
ser entendidas na lógica do campo de trocas simbólicas que sustentam o poder local, ou seja,
só se lançará mão do discurso sobre transformação pessoal, com a consequente crítica
implícita do passado pecaminoso, se tal discurso apresentar alguma vantagem no processo
de inserção e participação do novo adepto no grupo. Nos grupos onde a atitude sectária é
mais acentuada, a conversão é mais desejada e esperada. Quanto menos sectário for o grupo,
menor é a cobrança por uma conversão. À medida que o pentecostalismo se torna um
componente da cultura da periferia, menos clara vai se tornando, pois, a conversão.
(Abumanssur, 2014, p.116).

O contexto onde se reside é fundamental nessa questão. Embora convertido, o sujeito


mantém-se residindo na sua comunidade e, como é de se esperar, participa da rotina daquele lugar,
incluindo com a manutenção dos antigos laços de amizade. A fala de um interlocutor na pesquisa de
Marques (2013) ilustra bem essa questão.

Quando você se converte você não deixa de trocar ideias com parceiros. Não tem essa de
não cumprimentar, trocar ideia. Isso não existe. Imagine, eu sempre morei aqui, conheço
todo mundo, todo mundo me conhece, aí eu entro na igreja e paro de desenrolar com os
irmãos do partido? Não é porque você se converteu que você vai se fechar. O seu particular é
com Deus (Marques, 2013, p. 75).

Isso mostra que a facção, tal qual como a igreja, apresenta uma rede de sociabilidade em
muitas comunidades, influenciando de forma intensa na vida dos moradores. A rede de
189
sociabilidade, com alguns grupos estruturados ou não, possui valores, regras explíticas ou não, e
percebe esse sujeito, de vida pregressa no mundo crime, de diferentes formas e, por vezes, de
maneira estereotipada.
Teixeira (2009), por exemplo, discute a dificuldade de desvinlação de ex-detentos ao mundo
crime por causa de diversos atores sociais. Apesar de optarem pela conversão na igreja evangélica,
levando uma vida religiosa e “correndo pelo certo” e, assim, apresentando uma ruptura, a vida
passada ainda sobressai nos relacionamentos futuros com outros atores sociais como a própria
igreja, amigos e polícia.
Perpassado pelos limites da nossa pesquisa, que se concentra no contexto da unidade
socioeducativa, não há como fazer conjecturas sobre as íntimas relações entre o sujeito convertido à
igreja e as facções nas comunidades do RN. Tal análise poderá ser feita em pesquisas futuras.
Contudo, pelos dados que aqui dispomos, apontamos que há sim a influência dos atores socais
(Estado (Ceduc), a facção e a igreja) nas trajetórias de vida dos jovens desta pesquisa e a forma
como se dá a relação entre eles.
Observamos que a relação desses atores sociais nas trajetórias de vida do jovem não é
conflituosa entre si, mas influências que se sucedem. Em tempos distintos nas suas trajetórias de
vida, esses jovens vão “passando de instituição para instituição” de forma sucessiva e não por
ruptura. O entrelaçamento dessas instituições é tamanho que é complexo entender o limite de um e
o começo do outro, pois, as facções e a igreja estão dentro do sistema socioeducativo, e quando os
jovens estão nos seus bairros há a presença estável da igreja, facção e o Estado na sua forma penal.
Uma vez em seus domínios, o jovem fica preso a uma teia de controle que se estende por vários
âmbitos da sua vida.
O que temos aqui é uma relação estrutural entre Estado, igreja e facção a partir do
entrelaçamento dos controles disciplinares comportamentais, biopolíticos e de governalibilidade
exercido nos jovens. Cada um a seu modo, esses atores sociais mobilizam-se, revezam-se, agem
conjuntamente para intervir à sua maneira na vida do jovem, desde o sistema socioeducativo aos
seus territórios.
O controle disciplinar se inicia no controle dos seus corpos, no “podamento” dos
comportamentos desviantes dos indivíduos. Porém, não é qualquer indivíduo, mas aqueles
indivíduos que carregam marcas criminalizadoras da cor de pele preta e residentes das periferias
urbanas.
O manejo de seus comportamentos se estende até os seus territórios na administração das
suas vidas que esconde o seu movimento real, concreto: a gestão das populações dessas
comunidades periféricas (controle biopolítico). Diferente dos modelos tradicionais de poder que
ameaçam com a morte, a biopolítica aplicada à população administra a vida dos indivíduos, tratando
190
a vida como campo do poder (Foucault, 1978).
Esses controles são a base de um projeto de governabilidade baseado no Estado
providência, que nunca se concretizou no Brasil. O cenário aponta para cada vez mais a
precarização das políticas de proteção social e o estabelecimento do Estado punitivo que utiliza-se
do hiperencarceramento para manter preso às suas instituições esses indivíduos, de modo a
controlar as suas vidas e consequentemente gestão social da juventude das comunidades pobres.
As últimas partes das entrevistas com os adolescentes relatam o “arrependimento” daqueles
que desejam voltar à facção. Uma vez convertido à igreja, caso o sujeito se “arrependa”, o processo
de volta à facção não é fácil. Uma vez arrependido, a volta nem sempre é aceita pelos integrantes
que avaliam a situação. O relato de Moraes, pertencente ao PCC, explica esse ponto:

PESQUISADOR: Me diga uma coisa, caso o cara saia da facção, sei lá, por algum motivo, e
depois queira voltar pra facção, ele pode?

MORAES: Poder... pode, mas não é tão fácil assim não.

PESQUISADOR: Por quê?

MORAES: Porque quando ele sai, ele deixe de ser um irmão, mas a facção ainda fica de olho nele,
e quando ele quer voltar quer se tornar irmão de novo...

PESQUISADOR: Entendi, mas e aí, como é que faz?

MORAES: Vai analisar cada caso, cada caso é um caso, tá ligado não? Por que ele saiu... como
era ele na facção... se era ponta firme, colava mesmo com nós, aí depois não colova mais, aí tem
que ver.

PESQUISADOR: Ele teria que se batizar de novo?

MORAES: Eu acho que não, não sei, mas quando entra ele não é mais irmão, ele fica sendo
companheiro da gente, que anda com a gente, faz as paradas, mas não é da facção mesmo, e aí só
depois que ele entra e se torna um irmão.

A partir do relato, o processo de volta à facção não é de imediato. Faz-se uma avaliação da
postura do sujeito, as ações na facção, como também, dos motivos que o levaram a deixá-la.
191
Quando, enfim, decidem pela sua aproximação com o grupo, o sujeito volta na forma de
“companheiro” e não como um “irmão”.
A diferença entre “irmãos” e “companheiros”, para o PCC, já foi discutida nesta pesquisa
em outro momento. Contudo, vale dizer que os membros do PCC, aqueles que foram batizados, são
chamados de “irmãos”, enquanto que os “companheiros” não integram os quadros da organização,
mas se encontram nos espaços controlados pela facção; para isso, “a demarcação precisa dos
integrantes do PCC é realizada através de um processo de filiação à organização, que se dá através
do batismo, e cujo resultado é a transformação do companheiro em irmão” (Dias, 2011, p.252).
Dessa forma, a saída da facção submetida à filiação a igrejas evangélicas, pode ter respaldo
em inúmeras razões. A semelhante rigidez de ambos os grupos para o cumprimento de seus
desígnios, juntamente às questões sociais estruturais que atravessam, são elementos que podem
justificar a boa aceitação das camadas populares, de apenados ou não, às igrejas evangélicas, como
também uma alternativa para a saída da facção.

4.6. “Parece que lá só mora monstro’’: os processos de criminalização e os mecanismos de


governabilidade estatais no RN.
Nesse último subtópico, apresentaremos os processos de criminalização que perpassaram as
trajetórias de vida dos adolescentes, que nos servirá de ponte para conectar aos mecanismos de
governabilidade estatais no RN. A ponte tem nome e endereço: a comunidade de Mosquito.
Os episódios relatados no Mosquito é a expressão máxima da imprudência estatal do uso
desproporcional da força e letalidade para com os jovens negros das periferias urbanas. As ações
policiais a pretexto de combater as facções escondem a intenção escusa da gestão dessas
comunidades pobres em prol de uma governalidade armada.
Para entendimento dessa governabilidade é preciso fazer um breve recorte histórico da
chegada das facções nos bairros do RN. Para isso, retomaremos alguns eventos já expostos noutro
momento desta tese.
A vinda do PCC para o Nordeste se dá por um processo de sua nacionalização, em virtude,
grande parte, das medidas de segurança pública adotadas pelo Estado. No início da década de 1990,
o cenário do sistema penitenciário se apresentava pela precarização dos presídios e torturas
sistemáticas da população carcerária que deram força para a mobilização e organização da facção.
As medidas de segurança de interiorização das penitenciárias e a relocação de lideranças em
presídios de segurança máxima em vários pontos do país, inclusive em regiões fronteiriças,
momento em que se deu a aproximação com o tráfico de drogas, deram à facção a potência de ação
192
necessária de enfrentamento ao Estado e seu estabelecimento no interior do país. Esses fatos
culminaram em 2006 com o confronto do PCC às forças do Estado, fato que resultou na sua
popularização e nacionalização (Dias, 2017; Biondi, 2014; Dias, 2011; Rodrigues, 2011; Biondi &
Marques, 2010).
Esses fatos nos dão indícios sobre a chegada dessa facção no Nordeste e sua inserção RN
pelo sistema penitenciário e domínio dos territórios nos anos de 2011 e 2015/2016, como mostra o
estudo de Menezes (2016). Os relatos dos familiares da presente pesquisa mostram que a presença
da facção nos bairros se dá em meados de 2013 (ocasião da dissidência de membros do PCC e
surgimento do Sindicato-RN) e acontece de diferentes formas em Parnamirim, Felipe Camarão e
Mossoró com o aparecimento de um novo sujeito no bairro, os “novatos”, e no Planalto pela
simbiose com as torcidas organizadas de futebol.
Pela ação do Estado, por meio das políticas de segurança mencionadas, a facção consegue
alcançar os territórios do RN pelo domínio do tráfico de drogas ilíticas. O domínio dos territórios é
a chave que engendra a rivalidade dos grupos que é absorvida pelos adolescentes dentro do sistema
socioeducativo, com consequências diretas na gestão das unidades.
A rivalidade tem raízes na própria constituição histórica e contextual desses grupos nos
territórios. Residir num bairro específico já seria condição suficiente para o sujeito ser membro de
determinada facção aos olhos da polícia, da facção rival e da gestão técnica no sistema
socioeducativo. A negação da territorialidade pelo adolescente é considerada uma traição pela
facção. É o que chamamos de filações compulsórias.
Posto isso, enfatiza-se aqui a omissão do Estado na rede de proteção de assistência social
para com os jovens, motivo pelo qual leva as facções estabelecerem-se nos territórios, proximar-se e
cooptar os adolescentes. A partir da sua negligência, o Estado expõem os adolescentes das periferias
urbanas à letalidade. São as políticas de deixar morrer (Mbembe, 2016). A falta de políticas de uma
rede de proteção social se configuram aqui como uma primeira estratégia estatal de controle das
periferias no RN em prol de uma governabilidade.
Para o sujeitos da pesquisa, o que sobra é a individualização e absorção da culpa pelos
motivos que levam os jovens a entrarem nas facções. As famílias trazem a questão para o âmbito da
dinâmica familiar, a revolta do adolescente com seu pai, o fato de um membro da família já ter sido
do mundo do crime ou mesmo a ausência da mãe na criação do filho por estar trabalhando. Já os
adolescentes significam que a sua entrada se dá pela “escadinha”, as questões grupais e identitárias
de pertencimento.
A partir das trajetórias de vida aqui expostas, os adolescentes do sistema socioeducativo
estão sempre em disputa pelo Estado, facção e também pela igreja. Observamos que as relações
entre esses atores não é conflituosa entre si, mas influências que se sucedem e mantém o jovem
193
preso a uma teia de controle que se estende por vários âmbitos da sua vida.
Há então o enlace de controles disciplinares comportamentais, biopolíticos e de
governalibilidade exercido nos jovens. Porém, não é sob qualquer jovem que se exercem esses
controles, mas especificamente aos jovens negros e residentes das periferias urbanas.
É sobre esses jovens, que carregam essas marcas criminalizadoras, que se investe toda a
força punitiva estatal e sustenta os mecanismos de governabilidade no RN. Entendemos as marcas
criminalizadoras como um encadeamento de significados pré-construídos sobre determinados
grupos/sujeitos, que os percebem como potenciais criminosos (Cruz, 2014).
Esse perfil de jovem aparecerá nas falas de Moraes e Pepeu referindo-se à forma como o
Estado, por meio da polícia, atua na comunidade do Mosquito. O relato diz respeito às investidas
da polícia na comunidade.

PESQUISADOR: Mas o policial chega atirando em qualquer um? E se fosse a mãe de alguém, uma
senhorinha?

MORAES: Em qualquer um, eles chegam nas casas do povo, bate em todo mundo, mulher, homem,
velho, quebram tudo, não tão nem aí, parece que lá só mora monstro.

PESQUISADOR: Por que você acha que eles fazem isso?

MORAES: Porque aqueles filhos da p* (fala um palavrão) são safados, principalmente quando
estão atrás de alguém, eles botam pra f* em morador pra encontrar quem eles querem.

Esse assunto é complementado na fala de Pepeu a partir da dinâmica com reportagens. A


reportagem em questão trazia o título: “No Rio, negro e morador de favela têm mais medo da
polícia. Diz Datafolha. Acusação injusta também varia segundo a cor da pele ou o local onde vive
no Rio”.

PESQUISADOR: O que você acha, concorda com essa reportagem, não concorda, acha que faz
parte da realidade lá na quebrada, o que você acha a respeito?

PEPEU: É, eu concordo, porque se a polícia chegar no Mosquito, ver um negro e um branco, a


polícia bate em cima logo do neguinho.

PESQUISADOR: Você se acha negro ou branco?


194
PEPEU: Sei lá, meio termo (solta uma gargalhada. O adolescente tem uma cor de pele que
poderia ser considerada parda), mas o policial tem que ver que nem todo negro é bandido, tem
muito trabalhador também, a maioria neh! Aí quando eles chegam na quebrada, esculacham todo
mundo, quer nem saber se é negro, se é velho, aí fica todo mundo revoltado.

A partir dessas falas podemos ver as ações policiais com base na criminalização da
pobreza. A gestão da miséria pelo aparelho estatal repressivo permite que a polícia invada casas de
moradores em busca de informações de possíveis bandidos e, “esculache” arbitrariamente qualquer
pessoa, pois todos naquela localidade são suspeitos e potenciais criminosos. Essas ações policiais
são entendidas por Moraes como parte da representação construída do morador da comunidade,
objetificada na figura de “monstros”.
Embora essas atuações se dirijam a qualquer pessoa, há um perfil de sujeito em que a
letalidade se incide mais fortemente, que é a do jovem e negro, comentada por Pepeu. A
disseminação de significados da criminalização desse perfil é absorvida até mesmo pelo próprio
adolescente, quando reflete que “o policial tem que ver que nem todo negro é bandido, tem muito
trabalhador também, a maioria neh!”.
Então, é nos jovens, negros e das periferias urbanas que a letalidade vai incidir mais
severamente, os chamados “indignos de vida”, por Zaccone (2015) e homo sacer (Agamben, 2002).
A construção do inimigo interno a ser eliminado pelas forças estatais, representado no jovem, negro,
morador das periferias urbanas, traficante de drogas, agora membro de facção, tornam essas vidas
matáveis, vidas sem valor de vida, o excedente de miséria que não interessa à ordem do capital,
despidas de direitos e cidadania. É sobre esse modus operandi de governabilidade estatal que
estamos apontando em como ela se apresenta em algumas comunidades do RN e será melhor
detalhada a seguir.
Como pode se ver na entrevista Pepeu, há a introjeção de um estigma que classifica o
negro como bandido no trecho que diz: “porque se a polícia chegar no Mosquito, ver um negro e
um branco, a polícia bate em em cima logo do neguinho [...] mas o policial tem que ver que nem
todo negro é bandido, tem muito trabalhador também, a maioria neh! Esse estigma se soma ao da
pobreza, pois, na comunidade do Mosquito, todos são reconhecidos como bandidos, não
importando a sua cor ou idade: “Aí quando eles chegam na quebrada, esculacham todo mundo,
quer nem saber se é negro, se é velho, ai fica todo mundo revoltado”.
Descrito o perfil por onde a letalidade incide, apresentaremos agora os mecanismos de
governabilidade armada no RN pelas ações policiais no Mosquito. Os relatos sobre esse assunto
advêm da dinâmica com reportagens, presente no Eixo IV do roteiro de entrevista com os
195
adolescentes. De forma resumida, a dinâmica consistia em recortes de reportagens sobre a atuação
da polícia em comunidades, a guerra entre facções, etc., (as reportagens estão no tópico Anexo) que
ficavam dentro de um saco plástico e o adolescente tirava uma reportagem por vez e, pedia-se que
falasse a respeito, se concordava com aquilo ou não, se fazia parte da sua realidade ou não.
Dentre todas as reportagens, a que mais chamou a atenção de Moraes foi a que trazia a
seguinte manchete:

“Adolescente morre em confronto na Comunidade do Mosquito. Um adolescente de 17 anos


foi morto em confronto com a Polícia Militar na madrugada desta sexta-feira na
comunidade do Mosquito, Zona Norte de Natal. Em noite marcada por confrontos e
tentativas de invasão, a PM também encontrou um cadáver”.

Ao ler essa manchete, Moraes que estava descontraído, agora se continha, passou um tempo
refletindo e falou:

MORAES: Parceiro, vendo a data dessa reportagem aqui, acho que conhecia esse boy que morreu,
acho que sei quem é.

PESQUISADOR: Pow, cara, sério? Te peço desculpas porque não era a intenção trazer algo de
alguém que você conheça.

MORAES: Não, tá sossego! Acho que é XXX (fala o nome do possível adolescente da reportagem)
eu lembro que ele caiu nessas épocas aí.

PESQUISADOR: Você era amigo dele?

MORAES: Não amigo, mas conhecia lá da quebrada, que eu me lembro, disseram que ele não tava
armado e os caras mataram ele.

PESQUISADOR: Hum, isso acontece muito lá?

MORAES: Oh! Direto. Oh parceiro, nem tudo que se passa no jornal é verdade. A polícia chega lá
à noite e começa a meter bala no mangue. Começa a meter bala pra dentro do mangue, Pow! Pow!
Pow! Pow! (imita o som de armas atirando) pra ver se acerta alguém que tá lá.

196
PESQUISADOR: Mas por que eles estariam no mangue à noite?

MORAES: Quando a polícia entra lá no Mosquito, todo mundo sai correndo, entra dentro das
casas, foge do jeito que dá, tem uns que vão pra dentro do mangue, e aí eles não querem nem saber
quem é, mete bala mesmo.

PESQUISADOR: Rapaz, complicado hein! Difícil mesmo.

MORAES: Já reparou que o policial anda com uma arma aqui (Moraes levanta da cadeira pra
mostrar o lugar que estava se referindo, que é na região do abdômem, ao lado, na sua direita).

PESQUISADOR: Não, nunca reparei, por quê?

MORAES: Essa arma é pra ele dar o flagrante. Ele mete bala lá no mangue e aí mata alguém, ele
pega essa arma, bota na mão dele e começa a atirar (simula a mão do polícial junto com a arma e
a mão da vítima), aí vai, Pow! Pow! Pow! Sabe pra que isso? Pra dizer que foi troca de tiro, dizer
que atiraram primeiro e aí eles revidaram, como tem a pólvora na mão do cara lá morto, é a
palavra do policial contra a de todo mundo.

A respeito da construção do “flagrante” mencionado por Moraes, Zaccone (2008), em sua


dissertação de mestrado, mostra como os autos de resistência usados por policiais são justificados
como legítima defesa, mesmo quando apresentava fortíssimos indícios de que não houvera troca de
tiros com a vítima. Os processos analisados entre 2003 e 2009, na cidade do Rio de Janeiro, não
tinham elementos concretos que comprovassem a resistência do possível “bandido”, como por
exemplo, a troca de tiros, policial ferido, viatura atingida, etc.
O autor chama a atenção para como os aparelhos estatais agiam para legitimar essas ações.
A ideia não era elucidar como a letalidade havia ocorrido, mas contra quem ela ocorreu. A partir da
criminalização desses indivíduos, pela sua condição social e pelo contexto em que era abordado,
construía-se a legítima defesa do policial. Na prática acontecia o seguinte: o Estado através da
polícia assassinava o sujeito sem resistência; o ministério público pedia o arquivamento por auto de
resistência; o corpo jurídico julgava e arquivava o processo por legítima defesa.
As práticas violentas dos aparelhos estatais, aqui exemplificadas nas ações letais de
policiais na comunidade do Mosquito, quando atiram para dentro do mangue na busca por alvejar
qualquer pessoa daquela comunidade, são instrumentos estatais de gestão da pobreza. Wacquant,
(2003) apontou como esses intrumentos punitivos do Estado penal têm agido, face às novas formas
197
de governabilidade do capitalismo contemporâneo, de gerência do excedente da miséria. Excedente
este produzido a partir dos processos de acumulação do capital.

“[...] a acumulação capitalista sempre produz, e na proporção de sua energia e de sua


extensão, uma população trabalhadora supérflua relativamente, isto é, que ultrapassa as
necessidades médias da expansão do capital, tornando-se, desse modo, excedente” (Marx,
1989, p. 731).

O contexto da comunidade do Mosquito encontra base no constructo teórico do Estado de


Exceção permanente de Agamben (2004), pois há a suspensão da ordem jurídica para determinados
grupos sociais, que são próprias do totalitarismo moderno. A instauração do Estado de Exceção
permite a eliminação física de inimigos internos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis
ao sistema social, permitindo assim, por exemplo, que o Estado elimine qualquer tipo de sujeito
dentro de uma comunidade sem amparo jurídico, legal nenhum.
As ações estatais aqui apresentadas não é uma particularidade da comunidade do Mosquito.
Atuações semelhantes como essas também são possíveis de encontrar em outras comunidades da
cidade de Natal, como em Mãe Luiza (Brito, 2018).

De acordo com Mauro, este policial militar utiliza um alicate para arrombar algumas casas
do bairro, e quando questionado sobre a legalidade da ação, afirma que aquele alicate é a
chave da cidade, entregue pelo próprio prefeito [...]. Também me é relatado, por ambos
[Mauro e Dex], que a corregedoria, ao receber uma denúncia de algum abuso de poder da
polícia em Mãe Luíza, sempre “entrega” o denunciante ao denunciado. Ou seja, “se você
denunciar, você morre” ou, no mínimo, não terá garantida a confidencialidade da denúncia
(Diário de campo, dia 08 de outubro de 2016). (Brito, 2018, p.154).

“Tomás interveio dizendo que logo nas primeiras semanas após a implementação do
Programa não era interessante estar na rua após as vinte e duas horas. Questionei algo no
sentido de tentar perceber como se operacionalizava esse toque de recolher e obtive como
resposta que, nestas semanas após a implementação, a polícia abordava todos que estavam
na rua neste horário e mandava irem para casa. Assim aconteceu a entrada da polícia
comunitária em Mãe Luíza. Não com o pé direito, mas com os dois coturnos. (Diário de
campo, dia 12 de julho de 2016) (Brito, 2018, p.154).

Isso nos leva a pressupor que, mais do que é uma medida incomum tomada pelo Estado, se
198
configura como uma forma de governabilidade a partir marcas raciais, como uma tecnologia de
poder. Estamos apontando para um Estado de Exceção permanente (ainda que não assumido), e que
se tornou comum aos Estados contemporâneos, inclusive os chamados democráticos, como afirma
Agamben (2014). Assim, não há um desvio de função nas ações letais dos policiais, ou que essas
ações estejam à margem da lei, mas sim uma função exercida dentro e pelo Estado, e que vai ser
homologada pelos diversos aparelhos estatais jurídicos.

199
Capítulo 5 – Considerações Finais.
Iniciamos o presente estudo com a proposta de investigar uma questão que está posta na
contemporaneidade, que são as vinculações de adolescentes com as facções tendo como contexto o
sistema socioeducativo. Tais vinculações situadas nas trajetórias de vida nos serviu como fio
condutor para o entendimento das razões que contribuem para a aproximações dos adolescentes a
esses grupos, como também os modos de governabilidades pelo Estado nas comunidades periféricas
do RN. A seguir procuramos fornecer uma síntese dos principais pressupostos defendidos na
presente tese.
Os resultados evidenciados possibilitaram identificar o aparecimento das facções nos
territórios, segundo as famílias dos adolescentes da pesquisa, que remetem a meados de 2012 e
2013. Tal época coincide com o surgimento do Sindicato-RN, momento de intensos conflitos devido
às disputas por membros, o controle econômico do tráfico de drogas e dos territírios.
A inserção das facções acontecem de formas diferentes nos territórios. Em Parnamirim,
Felipe Camarão e Mossoró há a presença de um tipo específico de indivíduo, caracterizado como
novatos do bairro, com sotaque paulista, tatuados, zangados e que andavam em grupos. Este
personagem aparecerá como o facilitador da apróximação e entrada dos adolescentes nas facções. Já
no Planalto se dá pela estreita relação com as torcidas organizadas (Garra e Máfia) que disputam
espaços na cidade. Esses fatos nos dão pistas para refletir sobre a inserção da facção no estado do
Rio Grande do Norte pelo sistema penitenciário (Menezes, 2016) e agora pelo domínio dos
territórios.
Sobre os motivos que levam os jovens a entrarem nas facções, os sujeitos da pesquisa
individualizam as razões e absorvem da culpa. É a noção liberal de livre-árbitrio em que todos na
sociedade possuiriam o mesmo contrato social. As famílias trazem a questão para o âmbito da
dinâmica familiar, enquanto os adolescentes relatam a “escadinha” (ir até à boca de fumo, conhecer
pessoas do movimento, praticar pequenos delitos), as questões grupais e identitárias de
pertencimento.
O surgimento e domínios dos territórios têm vinculações diretas com o acirramento da
rivalidade desses grupos no sistema socioeducativo. A péssima relação entre os adolescentes
internos se motiva pelas diferenças grupais originárias pelo controle de territórios nas disputas do
monopólio do tráfico de drogas. Os adolescentes carregam consigo a herança histórica da rivalidade
entre esses grupos, estimulada pelo bairro em que residem e levada para dentro da unidade
socioeducativa.
O fato do adolescente residir em determinado bairro já é condição suficiente para filia-lo a
uma facção aos olhos da polícia, da facção rival e da gestão técnica da unidade. A isso demos o
nome de filações compulsórias, pois, o adolescente é filiado às facções forçosamente contra a sua
200
vontade. Evidencia-se que, a separação dos alojamentos da unidade por facção além de filiar
compulsoriamente novamente o adolescente a esses grupos, acirrar a rivalidade entre eles, o que
torna imprescindível a gestão técnica da unidade encontrar meios de organização dos alojamentos
da unidade sem a separação por grupos.
Contudo, sabemos das limitadas condições materiais e políticas dos profissionais da unidade
na propositura de soluções para esse fato específico. Temos o real reconhecimento da boa fé desses
profissionais que fizeram e fazem a gestão da unidade da melhor forma possível com as condições
que dispõem.
Os relatos dos adolescentes também trouxeram explicações interessantes e bastante
completas sobre a estrutura organizacional das facções no RN. A figura 06, por exemplo, estrutura o
orgonograma da facção com seu “plano de cargos”, em que mostra a evolução do membro do grupo
dentro do grupo de acordo com sua produtividade. A figura 08 demonstra quais são as etapas a
serem superadas para admissão nas facções, enquanto que no subcapítulo As relações estruturais
entre Estado e Igreja e a via de “saída” da facção: a roda girando em seu eixo exemplifica o
processo de ruptura condicionado à conversão a uma igreja evangélica.
A ruptura do jovem do sistema socioeducativo mostra outra situação peculiar dos egressos.
A facção se aproveita da vulnerabilidade social do adolescente e oferece assistência a ele e sua
família. O adolescente é cooptado pela facção, comete o ato infracional e torna a voltar ao sistema
socioeducativo.
Posto isso, enfatiza-se a necessidade da efetivação de políticas públicas específicas para os
egressos do sistema socioeducativo, de modo a quebrar esse ciclo e disputar esse jovem com as
facções. Embora observamos cada vez mais o desmonte de uma rede de proteção social, mais do
que nunca é preciso incluir o jovem na rede de assistência social para poder acompanha-lo nesse
processo fora do sistema socioeducativo e oferecer o suporte necessário de acordo com sua
realidade.
Dessa forma, pudemos identificar que o adolescente que passa pelo sistema socioeducativo
está sempre sob a influência do Estado, a facção e também pela igreja. Observamos que as relações
entre esses atores não é conflituosa entre si, mas influências que se sucedem com o entrelaçamento
de dispositivos disciplinares comportamentais, biopolíticos e de governalibilidade. O dispositivo
disciplinar se iniciaria no controle dos seus corpos, no “podamento” dos comportamentos
desviantes dos indivíduos, que se estende até os seus territórios na gestão das populações dessas
comunidades periféricas (controle biopolítico) (Foucault, 1978).
O dados mostram também as formas de agir arbitrárias e letais das forças de segurança do
Estado do RN nas comunidades. As ações se dirigem ao jovem, negro e pobre, perpassado pelas
significações da criminalização da negritude e pobreza. A letalidade dessa população nos revelou
201
mais claramente que são mortes previsíveis e previníveis. Esse perfil de jovem estão incluídos na
cetegoria dos “indignos de vida” (Zaccone, 2015) e homo sacer (Agamben, 2002).
As formas de atuação da polícia discutidas são instrumentos estatais de gestão da pobreza
face às novas formas de governabilidade do capitalismo contemporâneo (Wacquant, 2003). O
contexto da comunidade do Mosquito encontra base no constructo teórico do Estado de Exceção
permanente (Agamben, 2004) e nas políticas de deixar morrer (Mbembe, 2016). Atuações
semelhantes como essas também são possíveis de encontrar em outras comunidades da cidade de
Natal, como a comunidade Mão Luiza (Brito, 2018).
Por fim, a execução desta tese trouxe inúmeras implicações sobre como, para que e para
quem se faz pesquisa. Muitos acontecimentos vividos em campo “não cabem” no texto científico
pelo envolvimento emocional do pesquisador. Porém, entendemos que é por conta desse
envolvimento que se aguça a sensibilidade e nos faz perceber elementos que têm implicações
diretas na análise dos dados. A partir de agora falo em primeira pessoa.
O educador Rubem Alves numa determinada época da sua vida rompeu com a academia. O
rompimento se deu quando a sua última filha nasceu com lábio leporino. Rubem Alves ficou tão
machucado e preocupado com julgamento do mundo em relação à sua filha, que sentiu como se ele
próprio fosse um vídro que acabara de levar uma pedrada e se estilhaçado. Ali ele tomou a decisão
de só escrever aquilo para o qual o seu coração se emocionasse. Não é a minha intenção romper
com a academia, mas indicar que o fazer pesquisa é também um jogo de atentar para aquilo que nos
emocionamos, em busca do constante aperfeiçoamento da nossa sensibilidade, transformando-a em
tecnologia.
A tecnologia aqui seria tudo aquilo que aumentaria a performace humana. O
desenvolvimento da sensibilidade como tecnologia seria o deixar-se afetar emocional, empática e
espiritualmente com os acontecimentos em campo para desenvolver uma sensibilididade aguçada
sobre o fenômeno e enxergar coisas que outros (não afetados) não enxergariam. Dessa forma, a
sensibilidade e a racionalização não se anulam, mas caminham em paralelo em prol de um mesmo
processo.
Pela importância que esses acontecimentos tiveram no andamento da pesquisa, não faz
sentido guardá-los apenas com o pesquisador. Esses fatos o atingiram como pedradas num vidro e é,
por isso, que serão compartilhados a seguir. A partir de agora falo em primeira pessoa.
O primeiro diz respeito ao falecimento de Dadi, adolescente participante da pesquisa.
Segundo a gestão técnica, o adolescente estava com os pés, descalços, apoiados na grade do
alojamento, tocando com os dedos da mão no bocal da lâmpada e foi eletretocutado. A gestão
técnica juntamente aos educadores prestaram os primeiros socorros e a equipe do Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) foi acionada. Infelizmente, Dadi que já estava
202
desacordado com o impacto do choque, não resistiu e veio a falecer antes que o socorro médico
chegasse até ao local. Os motivos que levaram Dadi a adentrar no socioeducativo também foi uma
fatalidade. Acaso. Não era pra ele estar ali. Eu fui a última pessoa a entrevistá-lo.
O segundo acontecimento refere-se ao falecimento de outro participante da pesquisa, o
adolescente Pepeu. Segundo a gestão técnica, Pepeu conseguiu evadir-se da unidade e dias depois
foi noticiado por vários jornais que ele havia sido morto numa troca de tiros com a polícia, devido a
uma tentativa de sequestro. Em vários momentos da entrevista, Pepeu se mostou bastante relaxado,
descontraído, engraçado. Pepeu usava máscaras de perigoso, monstro, aquele que liderava rebeliões,
que muitos o identificavam e ele próprio acreditava nelas. De alguma forma eu conseguia enxergar
e o acessar para além dessas máscaras.
O ultimo fato é o relato de um gesto simples, que ocorreu durante uma entrevista com a mãe
de Paul. O olhar dessa mãe personifica o olhar todas as mães dos adolescentes que inúmeras vezes
me impactavam. O olhar perdido, distante, que carrega a humilhação, o cansaço de estar ali na
unidade, cansada de tanta preocupação com alguém que se ama.
Numa das entrevistas, depois de se emocionar várias vezes, a mãe de Paul oferece de
presente para mim um dos porta-retratos feitos por Paul. Embora sem jeito, eu tentasse argumentar
que foi um presente do seu filho feito especialmente para ela, a mãe insiste em me dar o porta-
retrado e diz que quer que eu fique com ele, que seria importante pra ela. O fato da mãe de se
emocionar várias vezes durante a entrevista mostra que de alguma forma eu cheguei próximo do
seu coração. O porta-retrato é um pedaço do seu coração que a mãe queria que fosse levado comigo.
Eu aceitei o porta-retrato e o guardarei, agora, dentro do meu coração, para sempre – apêndice 3.
Assim, dedicamos esta tese de doutorado especialmente a Dadi, Pepeu e a todas as mães dos
adolescentes que gentilmente compartilharam suas histórias conosco. Nossa eterna gratidão.

203
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222
Apêndice.

Apendice 1 – Roteiro de entrevista com os adolescentes.

ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS ADOLESCENTES

IDENTIFICAÇÃO
Quem esteve presente para a entrevista?_____________________________________________

Qual o bairro que reside?________________________________________________________

Há quanto tempo está na unidade?__________________________________________________

Exposição do objetivo e contextualização da pesquisa, aspectos éticos de sigilo dos dados e


uso apenas para fins científicos.

EIXO I – Aspectos introdutórios sobre o CEDUC-PITIMBU


Qual seria a primeira coisa que um adolescente deveria saber sobre a unidade socioeducativa
quando ele chegasse aqui?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

O que vocês acham da estrutura da unidade? Alojamento, quadra de esportes, escola, comida,
etc.
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como é o relacionamento com os adolescentes desta unidade socioeducativa?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

223
Como é o relacionamento dos adolescentes com os aducadores? E com a gestão? E com a
equipe técnica (psicólogos, assistentes sociais, etc.)?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como é o relacionamento com os adolescentes da outra facção?


________________________________________________________________________________
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EIXO II – Aspectos sobre as facções no bairro (território)

Como é que a facção surgiu no bairro? Ou melhor, quando foi que você começou a perceber a
presença da facção no bairro?
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________________________________________________________________________________

Como a facção se aproxima dos adolescentes no bairro?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Por que você acha que os adolescentes do bairro entram numa facção? Quais os motivos?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

O que mudou na sua vida deles depois da facção?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

224
EIXO III – Aspectos sobre a trajetória de vida do adolescente

Como era a sua vida no bairro quando era criança? E quando era adolescente? O que gostava
de brincar, as amizades, relacionamento com a família, etc.?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Você em algum momento já sofreu algum tipo de preconceito pela cor da pele, por morar no
bairro, ou qualquer outro?
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________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como é a sua relação com a polícia?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como é a sua relação com a escola?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como é a sua relação com a sua família?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como se deram as suas primeiras aproximações com as facções?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
225
O que mudou na sua vida depois de pertencer à facção?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

226
Apendice 2 – Roteiro de entrevista com as famílias.

ENTREVISTA COM AS FAMÍLIAS


ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS FAMÍLIAS

IDENTIFICAÇÃO
Quem esteve presente para a entrevista?_____________________________________________

Qual o bairro que residem?________________________________________________________

Há quanto tempo?________________________________________________________________

Exposição do objetivo e contextualização da pesquisa, aspectos éticos de sigilo dos dados e


uso apenas para fins científicos.

EIXO I – Aspectos introdutórios sobre o CEDUC-PITIMBU

Como está sendo pra vocês as visitas? É fácil chegar?


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________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Qual é a rotina de um dia de visita na unidade?


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Quais os aspectos NEGATIVOS do dia de visitação? O que poderia mudar?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
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Quais os aspectos POSITIVOS do dia de visitação? O que poderia mudar?


________________________________________________________________________________
227
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Quais os aspectos NEGATIVOS da unidade? O que poderia mudar?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Quais os aspectos POSITIVOS da unidade? O que poderia mudar?


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________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como a unidade se organiza para que todas as famílias consigam visitar os adolescentes?
Como faz para separar os meninos de facções diferentes?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

EIXO II – Aspectos sobre as facções no bairro (território)

Como é que a facção surgiu no bairro? Ou melhor, quando foi que você começou a perceber a
presença da facção no bairro?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como a facção se aproxima dos adolescentes no bairro?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Por que você acha que os adolescentes do bairro entram numa facção? Quais os motivos?
________________________________________________________________________________
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228
________________________________________________________________________________

Como é a relação das famílias, pessoas do bairro em geral, com a facção?


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Seu parente (o adolescente) é pertencente da facção?


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Por que você acha que ele entrou na facção?


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________________________________________________________________________________

Por que você acha que ele permanece na facção?


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________________________________________________________________________________

O que mudou na sua vida e na vida dele (o adolescente) depois da facção?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

EIXO III – Aspectos sobre a trajetória de vida do adolescente

Como era a vida do adolescente no bairro quando era criança? E quando era adolescente? O
que gostava de brincar, as amizades, relacionamento com a família, etc.?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
229
Você acha que o adolescente sofreu algum tipo de preconceito de raça, por morar no bairro,
ou qualquer outro?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como era a relação do adolescente com a polícia?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como era a relação do adolescente com a escola?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como era a relação do adolescente com a sua família?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Como se deram as primeiras aproximações dele com as facções?


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________________________________________________________________________________
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O que mudou na sua vida e na vida dele (o adolescente) depois de pertencer à facção?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
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230
Apendice 3 - Entrevista com adolescentes no CEDUC-Pitimbu, na sala de aula, ao lado da
quadra poliesportiva.

231
Apêndice 3 – Porta-retrato.

232
Anexo

Anexo 1 - Carta de Anuência.

233
Anexo 2 - Reportagens trabalhadas nas entrevistas em profundidade para discutir sobre
processos de criminalização.

Reportagem 01

Reportagem 02

Reportagem 03

234
Reportagem 04

Reportagem 05

Reportagem 06

235
236

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