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Natal/RN
2020
Lauriston de Araújo Carvalho
Natal/RN
2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes - CCHLA
RN/UF/BS-CCHLA
CDU 159.9
BANCA EXAMINADORA
Primeiramente à Deus, por ter me mostrado o caminho das setas lá em 2014, em Vitória-ES.
Por ter protegido a minha vida nesses quatro anos de doutorado, nas viagens semanais pela Br entre
João Pessoa-PB e Natal-RN, depois de acordar às 4h da manhã, cansado, precocupado, muitas vezes
frustrado. Só Deus mesmo para interceder e não ter deixado que acontecesse nada comido nessas
viagens.
Aos meus pais, Edna e Otávio, pelo apoio incondicional, mesmo às vezes não explícita, às
minhas escolhas profissionais.
Aos meus amigos Dabas, Guilherme e Mariana, que me ofereceram abrigo nas suas casas e
corações durante quase toda a jornada do doutorado, sem pedir nada em troca. Serei eternamente
grato a vocês; estou aqui pra sempre para o que vocês precisarem; sem vocês não seria possível ir
até o fim desse doutorado. Obrigado, amigos.
Aos meus outros amigos, muitos amigos, amigos de verdade, que ao invés de cita-los
individualmente, vou colocar o nome dos grupos de whatsapp para que todos sejam contemplados e
eu não esqueça de ninguém: A negada toda; Sorrisão lindo; Obijuv; Bonsdrinks com os Dabas; Só
os belos; PetroDeltas; Infiltrados; Doutorandxs Obijuv; Pós-Ufrn 2016.
À minha orientadora Ilana, que topou o desafio da minha orientação na primeira vez que nos
vimos. Pela paciência e delicadeza nas suas colocações, mesmo nas vezes em que eu faltei com o
programa. Muito obrigado, pró!
À Natal, UFRN, o Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSI) da UFRN, ao
Obijuv e todos os meus colegas de programa.
Aqui só queria deixar registrado que quando a gente chega, seja em qualquer lugar, a gente
não chega sozinho. Muita gente fez parte desse processo, direta e indiretamente. Muitas nem sabem
o quanto foram fundamentais. Deixo aqui meu eterno agradecimento a todas essas pessoas que
tiveram por perto nesses anos e me ajudaram a terminar o doutorado.
É isso, obrigado a todos. Tou pronto para o próximo desafio. Vamos pra cima. É noiz papito!!
SUMÁRIO
Lista de tabelas.....................................................................................................................................7
Lista de figuras.....................................................................................................................................8
Resumo...............................................................................................................................................16
Abstract...............................................................................................................................................17
Introdução...........................................................................................................................................18
Objetivos............................................................................................................................................24
Objetivo geral.........................................................................................................................25
Objetivos específicos..............................................................................................................25
Apêndice...........................................................................................................................................221
Anexo...............................................................................................................................................232
Referências bibliográficas................................................................................................................233
Lista de Tabelas
CV Comando Vermelho
MV Máfia Vermelha
OBIJUV Observatório da População Infantojuvenil em
Contextos de Violência
PM Polícia Militar
Cantar uma tese Refere-se a uma ideia sobre algo ou a uma narrativa
para falar sobre algo.
Sossego Termo para se referir que está tudo tranquilo, está tudo
em paz. É usado em inúmeros contextos e geralmente é
usando da seguinte forma:“está sossego; é sossego’’.
Isso se refere a algo ou a alguma coisa que vai bem.
A figura 01 mostra os objetivos desta tese de doutorado tendo como eixo principal a
trajetória de vida dos adolescentes. Os objetivos foram dispostos em ordem temporal, iniciando-se
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com a vinculação dos adolescentes às facções antes do ingresso no sistema socioeducativo, até o
detalhamento dos procedimentos de ruptura com a facção. Entendemos que a vinculação, a partir
dos processos de criminalização, poderia apresentar especificidades antes do ingresso do
adolescente no sistema socioeducativo e durante a sua permanência na unidade.
Além da Introdução, esta tese conta com cinco capítulos e seus subtópicos, que tentam
abarcar os objetos de estudo concernentes a este trabalho. Os capítulos são: Capítulo 1 – Aspectos
teóricos pertinentes à criminologia crítica e o surgimento, organização das facções no sistema
penitenciário; Capítulo 2 – Considerações sobre a infância e adolescência e formas de
institucionalização no Brasil até o sistema socioeducativo; Capítulo 3 – Considerações
metodológicas; Capítulo 4 – As trajetórias de vida dos adolescentes e os fatores que contribuem
para a sua entrada e permanência nas facções; Capítulo 5 – Considerações finais.
O capítulo 1 trata da fundamentação teórica da criminologia crítica como ponto de partida
para compreender a questão criminal e a relação do Estado como produtor da violência, tendo as
facções como produto da política de segurança pública. Para isso, realizamos uma revisão de
literatura sobre os constructos crime e criminoso, diferenciando-os do tratamento dado pela
criminologia tradicional (discussão que se encontra no subtópico A criminologia crítica e a questão
criminal), conjuntamente à relação da política econômica neoliberal e a ascensão do Estado penal,
que são os sustentáculos para uma política de segurança pública mais repressiva, que encarcera em
massa e potencializa o surgimento e estabelecimento de inúmeras facções dentro e fora do sistema
penitenciário. O capítulo também traz uma revisão bibliográfica nos Periódicos Capes e Scielo, no
período entre 2013-2017, sobre os principais temas abordados pela criminologia crítica e suas áreas
de pesquisa (subtópico A relação do Estado com o Crime na produção de violência: as facções
como produto da política de encarceramento).
O capítulo 2 se ocupa do percusso histórico sobre as diversas significações da
criança/adolescente e os processos de institucionalização, até os dias de hoje, com o sistema
socioeducativo. Apresenta as respostas que o Estado brasileiro vem dando às crianças e aos
adolescentes que cometeram atos infracionais para, assim, fazer possível articulações com o
momento em que as facções adentram no sistema socioeducativo e passam a recrutar jovens
(subtópico As significações sociais sobre a infância e adolescência no Brasil e os processos de
institucionalização ao longo da história). O capítulo se encerra com a revisão bibliográfica sobre a
produção científica nacional em Psicologia, ressaltando os estudos considerados mais relevantes
para esta pesquisa, com vistas a tecer aproximações entre os saberes da psicologia e o campo de
estudo desta pesquisa.
O Capítulo 3 diz respeito à trajetória metodológica percorrida, com combinação de dados de
naturezas distintas para se aproximar do fenômeno das facções no CEDUC-Pitimbu, conjuntamente
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às trajetórias de vida dos adolescentes que cumprem medida de internação. O período de imersão
nas unidades socioeducativas foi utilizado como ponto de partida para a observação participante.
Essas estratégias metodológicas serviram para a inserção do pesquisador no campo de pesquisa,
para posterior análise dos Planos de Atendimentos Individuais (PIAs), entrevistas em profundidade
com os adolescentes e entrevistas com suas famílias. Todos esses dados gerados foram analisados à
luz do materialismo histórico e dialético.
O capítulo descreve ainda o campo de pesquisa, o CEDUC-Pitimbu. O relato se inicia com
trâmites burocráticos percorridos para autorizar a realização da pesquisa na unidade. As conversas
com diversos atores da FUNDAC, gestão do CEDUC-Pitimbu e, também, com a secretaria de Pós-
Graduação em Psicologia da UFRN são descritos de forma a mostrar todos os meandros longos e
cansativos para, enfim, poder executar a pesquisa. Comentamos também sobre as primeiras
aproximações com o campo de pesquisa; a primeira visita à unidade; a reunião da gestão técnica e
exposição dos objetivos e atividades da tese; os acordos para agendamento de horário para análise
de documentos, entrevistas com os adolescentes e suas famílias. Finalizamos o capítulo com as
impressões, sentimentos, percepções sobre as dinâmicas relacionais entre os profissionais da
unidade, entre os profissionais e os adolescentes, e entre os próprios adolescentes, como também,
sobre a estrutura da unidade.
O último capítulo da tese, Capítulo 4, aborda as trajetórias de vida dos adolescentes internos
do CEDUC-Pitimbu em busca dos fatores que contribuíram para a entrada nas facções. Para isso,
traçamos um itinerário, desde o surgimento das facções nos seus territórios, localizados na cidade
de Natal e Parnamirim, perpassando pelas formas de como se deu a aproximação dos adolescentes
com as facções, os processos de filiação.
Num primeiro momento, fizemos entrevistas com os familiares dos internos sobre os
indícios de surgimento das facções nos territórios na cidade de Natal e Parnamirim. Produzir dados
sobre essa questão torna-se importante porque, a partir da bibliografia encontrada, a filiação dos
adolescentes nesses grupos tem íntima relação com os territórios onde residem. Assim, por
residirem há mais tempo nesses territórios, os familiares conseguem descrever com mais riqueza de
detalhes o aparecimento das facções e, assim, nos dar elementos para entender os fatores puderam
contribuir para a entrada dos jovens nesses grupos.
Depois disso, expomos, por meio do relato dos adolescentes, como se deu a aproximação
com as facções, com destaque para as ações e omissões do Estado. Logo após, detalhamos os
trâmites para o ingresso nas facções do PCC e Sindicato-RN.
Em um segundo momento, discorremos sobre as dinâmicas relacionais entre os adolescentes
no interior do CEDUC-Pitimbu, com destaque para a rivalidade entre as facções. Baseado nos
dados coletados, percebemos que a rivalidade entre os adolescentes na unidade se dava pouco no
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âmbito das relações interpessoais e mais nas relações intergrupais. Assim, buscamos entender
elementos de sentido dos adolescentes sobre a caracterização da sua própria facção e da facção
rival, intercalando com a conjuntunra dos seus territórios.
Por fim, detalhamos também as relações estruturais entre Estado, facção e igreja e o
exercício dos seus controles disciplinares e biopolíticos. Aliado a isso aparecem os processos de
criminalização nas trajetórias de vida como ponte para analisar os mecanismos de governabilidade
estatais nas comunidades periféricas do RN.
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Capítulo 1 – Aspectos teóricos pertinentes à criminologia crítica e a organização e
surgimento das facções no sistema penitenciário
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Fonte: Elaborado pelo autor.
Após a leitura inicial de um universo de 216 estudos, foram contabilizados 55 que tinham
como objetivo geral a análise dos fenômenos sociais a partir da criminologia crítica, categorizados
em 12 temáticas: criminologia crítica; sistema prisional e socioeducativo; gênero/feminismo;
violência; direito; análise das instituições; saúde mental; educação; mídia; migrantes; movimentos
sociais e população indígena. A seguir, será discutida cada categoria temática juntamente com uma
breve descrição dos estudos.
A categoria Criminologia Crítica possui o maior número de publicações (n=14) nestes
últimos cinco anos. A maioria dos estudos traz discussões teóricas e filosóficas sobre a
crimonologia mediante vários aspectos, além de contribuições de autores de outros áreas do
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conhecimento.
Pátio (2017), Sá e Magalhães (2016), respectivamente, discutem a herança positivista na
criminologia crítica, mais especificamente nas teses de doutorado da Faculdade de Medicina da
Bahia (FAMEB). Zilio (2015) abarca a perspectiva histórica da criminologia positiva para entender
uma política criminal realista e alternativa para servir de base crítica ao direito penal na América-
Latina.
O trabalho interdisciplinar com outras áreas do conhecimento também aparece em alguns
estudos. Budó (2015) e Cappi (2014) trazem contribuições de Gramsci e Louvain à criminologia
crítica. Carlen (2015), a partir de textos de Pat Carlen que analisa da obra de Jock Young, indica a
relação ideológica na seleção de objetos de estudo na criminologia, destacando o urgente
desenvolvimento de uma criminologia crítica em tempos politicamente adversos. Noutro trabalho,
Sozzo e Fonseca (2014) realizam uma entrevista com o próprio Jock Young focando no presente
momento acadêmico da Criminologia Crítica e seu aporte teórico para o entendimento dos
fenômenos sociais atuais.
Outros estudos teóricos discutem conceitos diretamente ligados à Criminologia Crítica.
Beiras (2016) destaca os conceitos de violência estrutural, memória coletiva e dano social como
ferramentas fundamentais para restabelecer uma criminologia crítica global. Os autores Mello, et al.
(2015) trazem discussões sobre crenças inconscientes da estrutura etiológica, riscos subjetivistas de
recomposição da seletividade e reação social, estimulando uma reflexão metodológica da prática
investigativa na Criminologia Crítica. Giamberardino (2015) trabalha a crítica da construção social
dos conceitos de crime, desvio e crítica da economia política da pena, ponderando o futuro da
criminologia no Brasil. Já Filho e Oliveira (2014) investigam as concepções do delito penal na
formação do pensamento criminológico crítico materialista e seus institutos, tendo como base a
teoria do etiquetamento.
Nessa linha de estudos, algumas pesquisas trabalham conceitos da criminologia crítica
aplicada à realidade da América-Latina. Ojeda (2016) e Salo de Carvalho (2014) fazem uma análise
das políticas criminais alternativas contemporâneas e a atitude dos criminólogos críticos no
enfrentamento das graves e sistemáticas violações aos direitos humanos emergentes na era do
populismo punitivo. Discutem, assim, o exercício do controle social na criminologia crítica
remetendo a governos de esquerda na América-Latina. Já Ayos (2014) identifica as estratégias
teóricas utilizadas para construir formas de intervenção que colocaram em marcha as políticas de
prevenção social do delito na Argentina contemporânea. O autor problematiza, então, as teorias da
Sociologia positivista de Enrico Ferri, a escola de Chicago com os trabalhos de Frederic Thrasher e,
por último, os autores da chamada Criminologia Realista de esquerda nos trabalhos de Jock Young,
Roger Matthews e John Lea.
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Em relação à categoria Sistema prisional e socioeducativo, de modo geral, os estudos trazem
discussões sobre a relação do Estado, instituições penais e grupos sociais (idosos,
crianças/adolescentes, mulheres), expondo suas realidades no contexto de aprisionamento, além dos
impactos econômicos neoliberais nos processos de seletividade, encarceramento e criminalização de
certos perfís. Ambos os trabalhos de Souza da Silva (2014) e Rudnicki (2014) mostram a violação
de direitos humanos institucionalizada na prisão, resultante da omissão do Estado e a conivência das
instituições públicas fiscalizadoras, que têm mutias vezes seus trabalhos sabotados, impedidos de
serem realizados. A dissertação de mestrado de Wacheleski (2015) mostra a realidade da situação de
encarceramento de idosos em Porto Alegre/RS, expondo a sobrecarga punitiva e cristalização de
suas características na instituição, semelhante aos estudos de Souza da Silva (2014) e Rudnicki
(2014).
Souza e Silva (2017), a partir da análise da implementação da política da infância e
adolescência no Brasil, especialmente no sistema socioeducativo vinculado a um Estado neoliberal,
expõem as influências do modelo econômico capitalista no projeto socioeducativo contemporâneo,
alertando para a necessidade de entender essas instituições e suas políticas de base por meio de um
sistema sociopolítico mais amplo. Matos (2016) apresenta o efeito neoliberal no sistema penal a
partir da análise sobre o trabalho prisional destacando suas ambivalências. Nessa direção, Sobrinho
(2014) investiga os impactos econômicos no sistema penal brasileiro, concluindo que as
transformações discursivas no campo das políticas criminais sofrem importantes interferências do
modelo econômico, modulando as práticas de encarceramento com interesses privados e aumento
dos índices de encarceramento, além da permanente seletividade da atuação do sistema penal.
Referindo-se às mulheres no contexto de aprisionamento, Cortina (2015) destaca as altas
taxas do aprisionamento feminino no Brasil e sua relação com o tráfico de drogas, no qual o perfil
das mulheres presas atende à seletividade do sistema penal do seguinte perfil de mulher: jovens,
mães, em vulnerabilidade social, com relatos de abuso de drogas e chefes de famílias
monoparentais. Carvalho e Mayorga (2017), tomando como referência a realidade local do estado
de Minas Gerais, problematizam conceitos de seletividade e controle das instituições penais, os
quais forjam naturalizações e encobrem processos sócio-históricos que contribuem para a captura de
determinadas mulheres e as condenam à privação da liberdade. No contexto Colombiano, na cidade
Bogotá, Amezquita (2015) discute as práticas punitivas cotidianas no presídio feminino, no período
de 1890-1929, nas quais a normatividade penal, a religião e controle social daquela época
convergem para um mesmo cenário contemporâneo.
Nessa linha de estudos, a categoria Gênero/feminismo traz pesquisas que dizem respeito à
condição da mulher dentro cárcere, além das nuances da constituição teórica de uma criminologia
feminista. Novaes (2017) e Samaranch (2017) sinalizam avanços metodológicos entre os campos da
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Criminologia Crítica e feminismo através da intervenção penal em casos de violência de gênero.
Rodriguez (2017) aponta um possível marco conceitual sobre a situação de mulheres migrantes
encarceradas, a partir da sociologia das imigrações e a criminologia feminista. Calvo (2016)
introduz possíveis intersecções teóricas sobre as trajetórias de vida de mulheres encarceradas que
consomem drogas, indagando sobre a articulação da desigualdade habitual que se apresenta nesses
espaços com aspectos estruturais e individuais. Damasceno de Andrade (2016) traz elementos para a
construção de uma Criminologia Crítica de cunho feminista, assinalando a ausência das mulheres
nas produções científicas criminológicas; pontua considerações sobre o surgimento da criminologia
feminista que elabora críticas ao sistema penal, mas também atua no sentido de legitimá-la,
propondo a formulação de uma criminologia que acolha as experiências femininas sem, todavia,
clamar pela expansão do controle penal.
Os estudos da categoria Violência fazem uma análise dos homicídios em diferentes
contextos. Tavares et al. (2016), na cidade de Betim/MG, de 2006 a 2011, demonstram a associação
da vulnerabilidade social e homicídio, explorando dados da distribuição espacial das taxas de
homicídios segundo os índices de vulnerabilidade social e de qualidade de vida urbana. Moura e
Pilau (2015) apresentam dados de homicídios ocorridos na cidade de Pelotas, nos anos de 2012 e
2013, concluindo que as mortes produzidas demonstram a realização de um processo denominado
de “autofágico”, com a colaboração dos próprios presos que cumpre o papel solidário às instâncias
formais genocidas de controle punitivo institucionalizado. Numa outra linha de estudo sobre
violência, a dissertação de mestrado de Elias (2014) aborda a importância da implementação de
políticas públicas previstas na Lei Maria da Penha como possibilidade de coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher. Freitas (2013), munido de 200 documentos jurídicos
enquadrados na Lei Maria da Penha, revela as constituições subjetivas dos operadores do Direito e
suas intenções, discutindo criticamente os fundamentos básicos que orientam a cultura jurídica,
como igualdade de direitos, consenso, objetividade, neutralidade e transparência.
A categoria Direito apresenta estudos com discussões dentro desta área de conhecimento.
Alves de Freitas, Mandarino e Rosa (2017) e Carvalho (2016), numa abordagem crítica do
garantismo jurídico-penal, apresentam reflexões sobre a efetividade das garantias individuais, o
reflexo dessa problemática no acesso à justiça penal brasileira e a adesão ao garantismo que
representou uma resposta à crítica promovida contra o Movimento do Direito Alternativo.
Sepúlveda (2016) demarca teoricamente a criminologia crítica, a ciência política e o direito penal
para discutir o uso do poder em processos criminais através da mídia e modelagem da opinião
pública. Divan (2015) apresenta possibilidades de pontos de encontro do viés criminológico para a
conceituação da “justa causa para ação penal”, a fim de estabelecer pontos de encontro possíveis
entre a criminologia-crítica e a sistemática processual penal brasileira.
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Análises mais pormenorizadas do poder judiciário, legislativo e da segurança pública, de
modo geral, aparecem na categoria Instituições. Nos estudos de Budó (2016a) e Budó (2016b),
através da apropriação do discurso médico pelo legislativo e judiciário no caso do amianto no Brasil
e no mundo, a autora aponta as tentativas de blindagem discursiva que ultrapassa a ciência a serviço
do capital. Pereira de Andrade (2013) problematiza o paradigma punitivo de segurança pública
vigente no Brasil e sua transformação, demonstrando a necessidade de ultrapassar conceitos
fundamentais e de senso comum que lhe dão sustentação: criminalidade (identificada com
criminalidade de rua e da pobreza), violência (identificada com esta criminalidade) e segurança
pública (identificada com segurança contra esta criminalidade). Gonçalves (2015) problematiza a
atuação seletiva das políticas no Brasil, correlacionando os índices de encarceramento com as taxas
de desemprego.
Os estudos em Saúde mental tratam da análise social dos transtornos mentais e substâncias
psicoativas. Guareschi e Weigert (2015) discorrem sobre a prática corrente de punir pessoas com
transtornos mentais no Brasil através das medidas de segurança, observando como estas práticas
estão até hoje estabelecidas no ordenamento jurídico brasileiro e como se constitui essa lógica
estatal que se volta àqueles que são considerados “loucos” e “infratores”. Silva (2015) analisa a
conformação do objeto da psicopatia e suas consequentes repercussões, e o estudo dos autores
Jurubeba, et al. (2016) debatem a descriminalização da maconha sob o enfoque da audiência de
custódia como ferramentas contra a prisão cautelar.
A categoria Educação traz discussões sobre o ensino da Criminologia crítica nos cursos de
Direito. Morais da Rosa (2015) se propõe a discutir a proposta de ensino conjunto de Direito,
processo penal, enquanto que Rocha e Noronha (2016) debatem o conteúdo e a pedagogia de ensino
do componente curricular criminologia crítica nos dias atuais, propondo revisões nas estruturas
curriculares nos cursos de Direito.
Os estudos que tratam da Mídia (Dias & Morigi, 2015; Azevedo & Fernandes, 2015) tratam
da segurança pública e a criminalização da juventude em jornais impressos. Já os estudos que
tratam das migrações na criminologia crítica, o estudo de Huerta (2017) aborda o massacre de
migrantes no México contemporâneo como exemplos de uma governabilidade “necropolítica” das
migrações na “mesoamérica”, manifestada nas disputas de controle territorial e crimes para aqueles
que desobedecem as leis de acesso e permanência no território norteamericano. Rojas (2016) busca
compreender o controle punitivo do Estado sobre os fluxos migratórios no Chile, denominado de
“crimigración”, e sua influência na regulação econômica pelo Estado em relação ao mercado de
trabalho.
Os estudos que tratam das manifestações sociais focam nas manifestações populares
ocorridas no Brasil nos anos de 2013 e 2014, época dos megaeventos sediados no país. Leal (2015)
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analisa essas manifestações populares e os embates com as agências de controle social em
consonância com o projeto de poder burguês-classista, retomando o conceito de criminoso por
Alessandro Baratta. Nessa perspectiva, Moraes e Moraes (2016) ressaltam a criminalização dos
movimentos sociais para garantir os megaeventos sediados no país e suas funções do ordenamento
jurídico, correlacionando-o com o processo de identificação de opositores ao sistema.
Finalmente, os estudos que tratam da temática indígena abordam os conceitos de dano social
e ambiental associados com a indústria da palma no Pacífico Sul colombiano em terras habitadas
por comunidades indígenas e afro colombianas (Mol, 2016), enquanto que a pesquisa de Santelli e
Brito (2014) aponta a estigmatização, rotulação, marginalização e a criminalização dos Indígenas do
Mato Grosso do Sul.
A partir da revisão de literatura, podemos observar a diversidade de temas trabalhados pela
Criminologia Crítica. A questão criminal nos estudos aparece nas várias formas de criminalização
em tempos históricos e contextos específicos e, também, em diversos atores sociais, como os
indígenas, os movimentos sociais, as mulheres, a juventude negra e pobre, etc. Embora apareçam
estudos que dão conta das agências punitivas e os aspectos que envolvem o aprisionamento, são
perceptíveis os escassos trabalhos com ênfase no sistema socioeducativo e que tratam das facções
como produto das prisões. Nesse sentido, no tópico seguinte serão discutidas, com base nos
referenciais da Criminologia Crítica, as facções no Brasil como produto da política de
encarceramento em massa e sua relação com o Estado na produção da violência.
1.2. A relação do Estado com o Crime na produção de violência: as facções como produto
da política de encarceramento
Para Batista (2003), a prisão nas sociedades capitalistas contemporâneas exercem efeitos
contrários à reeducação e reinserção social do condenado. Na Revolução Industrial os dispositivos
de controle para os contingentes de miseráveis selecionavam sujeitos para o seu disciplinamento e
assujeitamento, no qual, a prisão ligada à fábrica “se converte na principal pena do mundo
ocidental” (Batista, 2003, p.26).
A prisão reproduz a realidade social e aprofunda a desigualdade social. Historicamente, a
prisão e o sistema penal foram concebidos como instrumentos para o controle dos “desviantes”, que
além do adestramento da mão de obra desqualificada, seria “a de uma máquina de infligir dor para
certos comportamentos entre certas classes sociais e também entre os resistentes de cada ordem
social” (Batista, 2011, p.91).
No contexto brasileiro, as “facções criminosas” 1 são produtos do sistema carcerário,
1
O termo “facções criminosas” foi colocado entre aspas de forma a problematizar o conceito de facções próximo ao
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resultantes de uma política de encarceramento em massa (Bastista, 2011). Este autor aprofunda o
conceito de crime organizado e o apresenta como uma categoria ainda difusa que carece de uma
maior objetividade. A demarcação dos limites da conceituação crime organizado aparece em razão
da grande pluralidade de agentes, que surgem e desaparecem em tempos e contextos históricos
distintos, como também das condutas lícitas e ilícitas que se mesclam, principalmente daquelas
pouco consideradas pela grande mídia e chamada de “delinquência organizada”, aquela que existe
em simbiose à atividade lícita, atuante nas sociedades contemporâneas e que se refina com o passar
dos anos.
Tal distanciamento entre “crime organizado” e “facção criminosa” decorre de um aspecto
qualitativo e não quantitativo referente a tipos de práticas delituosas, lucros centrais no interior
desses grupos (Shimizu, 2011). Essas práticas disseminadas massivamente pelos meios de
comunicação de massa, absorvidas pela população geral e captadas pelo filtro seletivo penal,
possuem recortes étnicos, socioeconômicos e históricos nem sempre percebidos, mas a que se deve
dar a devida atenção ao serem analisados. A este respeito, Lima (2008) e Biondi, (2017) comentam
o seguinte:
No que diz respeito ao crime organizado, entende-se que esta terminologia não pode ser
aplicada ao fenômeno que ocorre no sistema prisional brasileiro, em especial o paulista. O
que existe no país são facções ou organizações criminosas que, apesar de demonstração de
força, logística e extensão de domínio, não vêm a estabelecer características suficientes para
se enquadrar naquela categoria. Some-se a isso as dificuldades em se obter uma definição
unívoca em território nacional, onde os estudiosos do assunto emitem juízos de valor
pessoais acerca do assunto, geralmente na expectativa de que seu posicionamento seja mais
absorvido como regra em comparação às outras concepções sobre o tema (Lima, 2008,
p.246).
A característica mais marcante do PCC é que sua presença não está atrelada à de seus
integrantes. Ele não se restringe à soma de seus membros. Uma prisão onde não há “irmãos”
(membros do PCC) pode, mesmo assim, ser uma “cadeia do Comando” e ter o PCC atuando
intensamente ali. Isso torna inadequado o conceito de “crime organizado” – intimamente
relacionado a uma composição de indivíduos em torno de negócios ilícitos – para lidar com
o PCC (Biondi, 2017, p.558).
conceito forjado de crime organizado demasiadamente utilizado pela grande mídia, presente no imaginário social e até
mesmo em algumas pesquisas científicas como grupos bastante organizados, que desafiam o Estrado democrático de
direito, deliquentes irrecuperáveis, responsáveis por toda a corrupção e violência existente no país, como expõe
Zaffaroni (1996).
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Para Masi (2014), historicamente há dois modelos de crime organizado, o primeiro de
característica nacional em relação a etnias estrangeiras (estruturado no modelo americano e europeu
do sistema capitalista globalizado), e outro inspirado no discurso italiano, que tem origem na máfia
siciliana. O modelo americano tem origem nas instituições de controle social e tem como atuação a
produção de estigmas a grupos étnicos (naquela época os italianos eram o principal alvo), por meio
do discurso de que o comportamento criminoso não seria uma característica da comunidade
americana, mas sim dos estrangeiros. Já a referência de organização criminosa italiana (máfia
italiana), o estigma dirigia-se ao camponês em luta contra o latifúndio e como característica
marcante a sua inserção no circuito financeiro internacional para lavagem do dinheiro do tráfico de
drogas.
Em virtude das modernas tecnologias com o vasto campo das condutas delitivas conhecidas
tradicionalmente, Zaffaroni (1996) situa a noção de crime organizado no âmbito econômico, como
resultante do própria dinâmica do mercado na economia capitalista. Descartando qualquer
associação ao estereótipo do mafioso, traficante, o autor explica que o crime organizado é um
fenômeno de “mercado desorganizado”, ou indisciplinado, que se abre à disciplina produzida pela
atividade empresarial lícita ou pouco lícita. Essas organizações cumpririam a função econômica de
ocupar espaços do capitalismo que carecem de regulação, disciplinando-o, quanto a atividades que
o Estado não se ocupa.
Nessa direção, Masi (2014) também analisa a criminalidade organizada inserida no contexto
da globalização por meio de recentes alterações político-criminais sobre o tratamento das novas
modalidades delitivas, fugindo da “delinquência” como uma questão marginal. A criação de zonas
de livre comércio em todo o mundo produziria a fluidez econômica das fronteiras necessárias de
redução de controle pelo Estado, permitindo que grupos criminosos aproveitassem as brechas que o
novo espaço mundial impõe. A esse respeito o autor comenta:
Aqueles atores responsáveis por formular as leis com vistas a punir determinados segmentos
da população, intensificando a penalidade para determinandos tipos penais em detrimento de
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outros, ao mesmo tempo em que não se efetiva penalidade alguma para o descumprimento
pelo próprio Estado de prerrogativas constitucionais das quais a população prisional é
portadora [...] outra parte desses atores é responsável direta por deter a prerrogativa não só
de impor a permanência nas prisões aos indivíduos que lá se encontram, mas, ainda, de
mantê-los presos sem julgamento – caso de uma parte expressiva da população carcerária
[...] uma terceira parte dentre esses atores é responsável direta pela precariedade,
insalubridade, pela violência imposta dentro dos estabelecimentos, pelas péssimas condições
desses locais, pela promiscuidade e pela corrupção em larga escala que envolve as práticas
dentro e fora das unidades prisionais (nas licitações para obras, alimentação, itens de higiene
etc.) (Dias, p.5-6).
A autora refere-se, nessa passagem, à atuação dos legisladores, juízes e dos administradores
das prisões. A atuação conjunta desses três segmentos é central e articula-se com outros segmentos
estatais – polícia militar, polícia civil, ministério público – e outros não estatais como a mídia, com
espetacularização da violência que forma o imaginário social, constituindo uma engrenagem de
muitas décadas.
Como exemplo mais concreto da atuação desses atores, que será mais detalhada a seguir,
podemos citar: 1. Encarceramento em massa da população pobre, negra e jovem.; 2. Precarização
do sistema penitenciário; 3. A construção de presídios no interior dos estados, 4. Intercâmbio de
presos entre cidades e estados, 5. A não regulamentação de algumas drogas.
Há diferenças importantes entre os estados brasileiros sobre o encarceramento massivo,
trabalho da justiça, as políticas estatais em segurança pública, que culminam na expansão das
facções. Porém, esta expansão das facções no sistema penitenciário, o fortalecimento da sua atuação
em direção ao interior dos estados e a dimensão nacional alcançada possui um marco histórico que
precisa ser resgatado e enfocado que se confunde com as políticas que foram implementadas nos
estados do Rio de Janeiro e São Paulo, ao menos nos últimos vinte anos.
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciarias – Infopen (2014),
o perfil da população carcerária brasileira é composto majoritariamente por jovens entre 18 e 29
anos, 61,6% de negros, aqueles que respondem ou foram condenados por crime de tráfico de drogas
com 28%, outros, 25% por roubo, 13% por furto e apenas 10% por homicídio. Essa juventude
lançada à criminalização em virtude das estratégias de sobrevivência do comércio varejista de
drogas, estereotipado, legitimado pela mídia como criminoso e organizado, são, então, as grandes
massas que superlotam o sistema carcerário brasileiro.
O Brasil conta com uma população carcerária de um pouco mais de 622 mil e 1.436
unidades prisionais (INFOPEN, 2014). Contrariando a tendência das grandes potências econômicas
41
mundiais na redução do contingente carcerário, houve aumento exponencial de 232.755 presos no
ano 2000 para 622.202 em 2014, figurando na quarta colocação entre os países com maior número
de apenados e com um sistema carcerário dos mais precários.
Dados do Ministério da Saúde, do ano de 20162, avaliam que a taxa de mortalidade criminal
(óbitos resultantes de crimes) das pessoas privadas de liberdade é de 95,23 por 100 mil habitantes,
enquanto que entre a população em geral, a taxa era é de 29,1 mortes por 100 mil habitantes. Os
dados acima das médias nacionais se repetem com a tuberculose (chance 28 vezes maior do que a
população em geral) e HIV/AIDS com prevalência de 1,3% por 100 mil habitantes, enquanto entre
a população em geral era de 0,4%.
Contudo, o aparente sucesso do grande encarceramento não diminuiu a violência na
sociedade e, por outro lado, potencializou os seus efeitos com a produção das chamadas facções
criminosas. Segundo estudo feito pelo Deutsche Welle Brasil em 2017 3 , com o levantamento e
cruzamento de relatórios de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), mapeamentos
divulgados por estudiosos do tema, dados dos serviços de inteligência da Polícia Federal e
secretarias de segurança pública estaduais, concluiu que há, pelo menos, 83 facções existentes no
país disputando poder dentro das prisões e o monopólio do tráfico de drogas em suas regiões.
Vale apenas salientar que, desde o fim dos anos 1970, começaram a surgir nas prisões
brasileiras grupos que passaram a controlar a população carcerária. No caso do estado do Rio de
Janeiro, vários grupos como Falange Jacaré, Falange Coréia etc. formavam-se pela a união dos
presos de forma a resistir às sistemáticas torturas e precárias condições das prisões; porém, a
convivência entre os presos políticos e os presos comuns permitiu uma maior organização e união
entre os presos, ausentes noutros grupos. Começavam-se aí os primeiros contornos do CV (Lima,
2011).
Não nos aprofundaremos aqui especificamente sobre o CV, pois, não identificamos sua
presença no sistema socioeducativo do RN. O aprofundamento será dado ao PCC posteriormente.
Fato importante ocorreu na década de 1980 com a migração das cadeias para os morros
cariocas. Dias (2017) explica que esse evento possibilitou ao CV organizar o comércio varejista de
drogas no Rio de Janeiro, assumindo uma dinâmica ainda não encontrada no controle do território
das favelas daquela cidade. O controle passou a ser efetivado por grupos armados contra grupos
rivais, bem como nas disputas com as polícias, o que provou uma corrida armamentista presente até
os dias de hoje.
No estado de São Paulo, ao fim da década de 1980 e início de 1990, a violência criminal
2
Disponível em: http://www.justica.gov.br/noticias/populacao-carceraria-brasileira-chega-a-mais-de-622-mil-detentos
3
Disponível em: http://www.dw.com/pt-br/brasil-tem-pelo-menos-83-fac%C3%A7%C3%B5es-em-
pres%C3%ADdios/a-37151946
42
continuava a aumentar e as condições precárias do cárcere eram problemas a serem enfrentados.
Neste momento, foi criada uma série de medidas como: a criação de um Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD); a agilidade nos processos criminais; a construção de novas plantas de prisões
antirrebelião; o reforço aos Centros de Detenção Provisória e a equiparação do tráfico de
entorpecentes a crime hediondo (Feltran, 2012).
A respeito deste último, a lei tornava inafiançáveis os crimes de sequestro, estupro e tráfico
de drogas. Segundo Redígolo (2012), a lei agravou o encarceramento em massa por inserir os
indivíduos no regime fechado por um tempo muito maior e por enquadrar novos crimes na
categoria.
Contudo, foi a implementação de um programa de construção de novos presídios no interior
do estado, que provocou o encarceramento massivo da população, e também a distribuição
geográfica das prisões foram o terreno fértil para a constituição do PCC (Júnior, 2014; Redígolo,
2012). O processo de interiorização das unidades prisionais tinha como objetivo resolver ou
diminuir a tensão concentrada na capital, o problema da superlotação dos presídios e a possibilidade
de “humanização” das condições do cárcere.
A tentativa de “humanização” do sistema carcerário foi acompanhada da transferência das
funções prisionais da Secretaria de Segurança Pública (SSP) para a Secretaria de Administração
Penitenciária (SAP). No SSP os presos eram tutelados pela polícia civil em locais inadequados (as
cadeias, delegacias, etc.) com a iminência de rebeliões, já a SAP construiu unidades prisionais mais
adequadas no interior do estado e treinou os profissionais concursados para lidar com os presos e
que não eram policiais.
Dias (2011) mostra como esse momento aconteceu na prática:
No caso da gestão Covas, em que pese seu comprometimento com a contenção dos
abusos das forças de segurança, a orientação política mais “humanista” esteve
fortemente atrelada a uma política de expansão de vagas no sistema prisional, com
impactos importantes na sua conformação social e nos problemas que adviriam desse
conjunto de elementos (DIAS, 2011, p. 97).
A expansão do sistema não foi acompanhada da humanização que prometia. A SAP agia “a
partir de uma diretriz de controle do abuso de poder dos guardas sobre os presos [...] em momentos
de crise como nas rebeliões, a ideia de humanização era sempre a primeira a ser esquecida” (Dias,
2011, p.98).
A iniciativa de interiorização ganhou força e celeridade com o Massacre do Carandiru,
ocorrido em 2 de outubro de 1992, que teve a execução de 111 presos durante a ocupação policial.
43
Esse momento é considerado emblemático e fundamental na concretização de dois marcos na
segurança pública. O primeiro deles é a emergência da fundação do PCC em 1993 em resposta ao
massacre e, o segundo, a mudança tanto nas políticas estatais, quanto nas políticas de gestão da
violência produzida pelo crime em São Paulo (Feltran, 2012).
Em 1997, no governo Mário Covas, é lançado o Programa Estadual de Direitos Humanos –
PEDH, que abrangia o sistema penitenciário. O plano visava resolver o déficit de vagas prisionais
com a construção de estabelecimentos prisionais, que incluía a redução da quantidade de presos
recolhidos em distritos policiais e cadeias públicas do estado de São Paulo:
Feltran (2012) comenta que todo esse episódio de construção de novos presídios e
interiorização destes, tem como efeito suprimir da cena pública o conflito que o estrutura; “De um
44
lado, saciava-se a demanda por punição dos pobres, vistos como causa da desordem; de outro,
atendia-se à demanda difusa por modernização da segurança, eivada pelas palavras de direitos e
cidadania” Feltran (2012, p.239).
A demanda cada vez maior por encarceramento da população correlaciona duas variáveis, o
aumento das prisões e, consequentemente, a diminuição da violência. Essa correlação bastante
presente no imaginário social e também na grande mídia de massa, não leva em consideração os
abismos socais existentes, o desmantelamento da rede de assistência social, a seletividade do Estado
penal, como as políticas repressivas estatais que são fundamentais nos índices de violências e
extermínio de uma população jovem, pobre e negra, que são os sobrantes do consumo na economia
capitalista. Este grupo, embora seja quem sofra com a violência, é muitas vezes eleito o inimigo
interno a ser combatido.
A construção de unidades carcerárias em pequenos municípios no interior dos estados
geralmente não considera o que uma prisão significa para o município que a recebe. A unidade
prisional pode impactar diretamente na assistência social, na saúde, na segurança etc., gerando
ainda tensões que excedem à capacidade local de gerenciar os conflitos.
É esperado que a instalação de um presídio num município, muitas vezes rural e pacato,
provoque um novo padrão de comportamento na vida das pessoas. O aumento populacional com o
contra fluxo de pessoas advindo da capital agora para o município, a rotina dos dias de visita, ou
mesmo, efeitos estruturais com a sobrecarga da rede de esgoto da cidade podem ser fatores que
causem certa resistência por parte da população (Sinhoretto, Silvestre & Melo, 2013).
Júnior (2014) avalia que a opção política para o recebimento de unidades prisionais nos
municípios do interior do estado teve sustentação por causa da estagnação econômica. A instauração
das unidades coincide com as áreas mais pobres no interior do estado, pouco conectados às
demandas e fluxos econômicos nacionais e internacionais.
Ainda segundo o autor, havia a necessidade de conseguir adesão dos prefeitos dos pequenos
municípios. Parte dos prefeitos de municípios estagnados economicamente consideraram que a
nova realidade pudesse ser um gerador de emprego, renda e outros benefícios.
Santos (2014) aponta a necessidade de estabelecer critérios para definir a cidade que irá
receber um presídio. Seguindo as Diretrizes Básicas para construção de estabelecimentos penais,
editado pelo Ministério da Justiça, em 2006, o autor sugere os seguintes critérios:
Tendo as cadeias do estado de São Paulo como espaço de criação, o PCC surge no ano de
1993, como plano para apoderar-se do presidio Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, o Piranhão.
Fato curioso é que antes de se autodenominar uma facção, a organização era um time de futebol de
nome “Comando Capital”, pois seus representantes eram os únicos vindos da cidade de São Paulo
capital, assim chamados de “os da capital”. O PCC se apresenta então, através de um estatuto bem
definido, organograma complexo e hierarquizado, a facção tem abrangência nacional (Furukawa,
2008; Marques, 2010) e, ao passo dos anos, avança sobre os presídios do Norte e Nordeste
brasileiro agravando as disputas com as facções locais pelo controle do tráfico de drogas.
Para a emergência dessa facção Dias (2011) aponta como ponto de partida a precariedade do
sistema penitenciário. A negação de direitos, sobrevivência em condições subumanas, as constantes
torturas pelos agentes do Estado, as consequências do massacre do Carandiru deram sustentação ao
discurso do PCC para a união dos presos a objetivos comuns e formação de redes de solidariedade.
Além disso, o encarceramento em massa, a alocação das lideranças políticas num único local a
partir da SPF e a transferência de lideranças para outros estados foram as principais políticas
estatais no âmbito da segurança pública que contribuíram para expansão e consolidação do PCC.
Essas medidas de segurança serão mais bem descritas posteriormente.
Contudo, Nagashi Furukawa, ex-secretário de Segurança Pública e ex-secretário de
Administração Penitenciária do estado São Paulo, aponta aspectos positivos na distribuição de
presos para outros presídios, como explica em entrevista:
Quando não havia certeza de “quem era inimigo de quem” dentro dos presídios e entre as
facções, ocorria um maior número de mortes. No momento em que os grupos se tornaram
mais facilmente identificáveis e foram separados, levados para penitenciárias diferentes, o
número de embates entre eles diminuiu e, consequentemente, o número de homicídios
também caiu. Mas há um outro dado também importante a ser mencionado e que diz respeito
à separação que fizemos dos presos por tipos de crime. Os autores de crimes sexuais foram
separados e levados para três ou quatro presídios diferentes. A partir daí, quase não houve
mais homicídios de autores de crimes sexuais nas penitenciárias de São Paulo. Antes, eles
ficavam junto aos outros presos, mas depois passaram a ser “protegidos”, digamos, em
46
penitenciárias específicas. Além disso, o fato de procurar separar de forma muito clara quem
é de uma facção criminosa de quem é de outra trouxe bons resultados. Houve quem dissesse
que isso era “reconhecer oficialmente a existência das facções”; e eu retrucava: “não é
melhor reconhecer o que obviamente existe e, com esse reconhecimento, evitar a
consequência mais grave de todas: os homicídios dentro das prisões?”. Todas essas medidas,
enfim, melhoraram o funcionamento dos presídios. Ou seja, o trabalho de gerenciamento
entre as áreas da Secretaria da Segurança Pública e da Secretaria da Administração
Penitenciária foi um pouco mais afinado, o que contribuiu, a meu ver, de forma significativa
para a queda no número de homicídios, embora, nem de longe, tenha sido a principal causa,
mas que contribuiu, contribuiu. (Furukawa, 2008, p.40)
Uma rebelião simultânea em 24 presídios de São Paulo deixou ontem pelo menos 8 mortos e
22 feridos. Cerca de 27 mil presos – quase a metade dos 60 mil condenados que cumprem
pena no Estado – começou a dominar, por volta das 12h, penitenciárias em 19 cidades. Foi a
maior rebelião na história do país [...] O motim estourou primeiro em seis penitenciárias, a
maioria na capital. Os 7.200 presos da Casa de Detenção e 2.500 da Penitenciária do estado,
ambos no Carandiru, assumiram o controle dos pavilhões e mantiveram funcionários e
familiares de detentos reféns [...] Em série, outros presídios foram estourando a partir disso.
A revolta surpreendeu o governo do estado, que mantinha a PM de prontidão por causa das
transferências. "Nunca tínhamos tido rebelião em dia de visitas. Eles não respeitaram as
visitas", disse o secretário Nagashi Furukawa, da Administração Penitenciária. 4 (Folha de
São Paulo, 19 de Fevereio, 2001)
Não há notícia de uma rebelião tão grande registrada na história penal brasileira. Cerca de 25
mil detentos espalhados em todo o estado de São Paulo se rebelaram por mais de oito horas
em um protesto organizado pelo Primeiro Comando da Capital, quadrilha que age dentro das
4
Recuperado em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1902200101.htm
47
penitenciárias paulistas [...] No Carandiru, maior penitenciária da América Latina e segunda
maior cadeia do mundo, mais de oito mil presidiários fizeram mais de sete mil pessoas como
reféns. Entre os reféns, estavam perto de 1750 crianças, diversos agentes penitenciários e até
mesmo a cantora Simony que, grávida, foi visitar o marido, o rapper Afro-X5 (Portal Terra,
18 de fevereiro, 2001)
O Brasil viveu, a partir do meio-dia de domingo (duas da tarde em Lisboa), até ao começo
da tarde de ontem, o maior motim da sua história penitenciária, marcada por grandes,
trágicas e constantes rebeliões. Nenhum, porém, se assemelhou a este, que envolveu 29
prisões de 19 cidades do estado de São Paulo, e que tinha como única reivindicação o
cancelamento da transferência, para cadeias no interior do estado, de cinco líderes do
Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa que pretende dominar – e,
aparentemente, domina – a população carcerária de São Paulo [...] A transferência dos
líderes do PCC foi determinada pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo
precisamente para tentar conter a crescente influência dessa organização no comando da
vida carcerária do estado. Por isso, o governador em exercício de São Paulo, Geraldo
Alkmin (o titular, Mário Covas, está de baixa para o tratamento de um cancro), avisou, logo
no início da rebelião, que a reivindicação do Primeiro Comando da Capital não seria
atendida 6 (Público, 20 de fevereiro de 2011)
Como se pode ver nas reportagens, as rebeliões do ano de 2001, episódio conhecido como a
“a megarrebelião”, foram as maiores já realizadas no país até então. Foram 24 presídios de São
Paulo, em 19 cidades do estado, com a mobilização de pelo menos 25 mil presos.
Esse evento se constitui um marco importante para a facção, uma vez que traz o seu
reconhecimento, em nível nacional, com a demonstração de atuação para fora dos muros do cárcere.
Frente a esse evento, a principal e única resposta do governo foi a criação e construção de uma
penitenciária para o cumprimento da pena no regime do RDD.
O RDD está inscrito no Artigo 52 da Lei N°7.210 das execuções penais e se caracteriza pelo
rigor disciplinar. Dentre algumas características desse regime, como exemplo, inclui-se o
isolamento de 23 horas diárias e 1 hora de banho de sol, etc. Logo em seguida, transcrevemos a
literalidade desta lei:
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando
5
Recuperado em: https://www.terra.com.br/noticias/especial/pcc/pcc3.htm
6
Recuperado em: https://www.publico.pt/2001/02/20/jornal/dominado-o-maior-motim-da-historia-do-brasil-154949
48
ocasione subversão da ordem ou disciplina interna, sujeita o preso provisório, ou condenado,
sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes
características: (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por
nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; (Incluído pela
Lei nº 10.792, de 2003)
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
(Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. (Incluído pela
Lei nº 10.792, de 2003)
Em relação ao evento que ocorreu em 2006, Dias (2007) comenta que é a partir daí que se
tem uma condição favorável para a expansão do PCC para outros estados brasileiros, num processo
de nacionalização das atividades econômicas, dos discursos e das práticas. Vejamos como as
reportagens da época noticiaram esse evento:
Maior ataque do PCC faz 32 mortos em SP. No maior ataque já realizado contra as forças de
segurança de São Paulo, a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) provocou a
morte de 32 pessoas, feriu gravemente outras 32, bombardeou delegacias, metralhou carros e
bases da Polícia Militar e de Guardas Municipais, e ainda promoveu 22 rebeliões em
presídios da Grande São Paulo e do interior do estado. Os atentados e motins começaram
49
sexta-feira, logo após o governo de São Paulo finalizar a transferência de 765 detentos,
subordinados aos líderes do PCC, para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (620 km de
SP), transformada em uma prisão especial para os membros da facção criminosa 7 (Folha de
São Paulo, 14 de Maio, 2006).
Ataques do PCC deixam pelo menos três policiais mortos em SP. Dois policiais civis e um
militar foram mortos nesta noite na capital paulista em uma série de ataques atribuídos à
facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Os atentados foram uma resposta à
transferência de líderes da facção para São Paulo e de 765 criminosos perigosos de várias
prisões do estado para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. Até as 23h, foram
registrados 12 atentados contra alvos da polícia, com três mortos e cinco feridos na capital e
Grande São Paulo. Os alvos foram delegacias, bases e viaturas das Policiais Civis e
Militares. Os alvos das Polícia Civil foram as seguintes delegacias: 55.º DP (Parque São
Rafael); 58.º DP (Vila Formosa); 74.º (Parque Taipas) e Delegacia Central de Barueri” 8
(Estadão, 12 de Maio, 2006)
São Paulo volta à calma; saldo dos 251 ataques do PCC é de 115 mortos. A cidade de São
Paulo começou a voltar à normalidade nesta terça-feira, após um dia de pânico e boataria
que fecharam as portas do comércio e de escolas, em meio à onda de violência iniciada pela
facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) na sexta-feira. Balanço apresentado
pela Polícia Civil paulista, no início da tarde, mostrou que, ao todo, ocorreram 251 ataques
desde sexta-feira, com 115 mortos. A reação policial fica clara no quadro das baixas:
enquanto o número de PMs mortos aumentou de 22 (dado das 14h de segunda) para 23, o
número de criminosos e suspeitos mortos subiu de 38 para 71. Os presos são 115. A
suspensão dos ataques e o encerramento de dezenas de rebeliões em presídios foi ordenado
pelo próprio PCC. Por telefone celular, segundo apurou a “Folha de S. Paulo”, líderes do
PCC determinaram a presos e membros do que estão fora das cadeias que interrompessem a
onda de violência. O secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, admitiu
nesta terça-feira que o PCC apresentou condições para pôr fim à série de ataques, e que
houve uma reunião entre representantes do governo e o líder Marcola; mas voltou a negar
que tenha havido acordo entre as partes. Furukawa disse que a proposta chegou ao governo
por meio da advogada e ex-delegada Iracema Vaseiaveco. Ela teria dito que o PCC
7
Recuperado em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200601.htm
8
Recuperado em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,ataques-do-pcc-deixam-pelo-menos-tres-policiais-mortos-
em-sp,20060512p27256
50
encerraria as ações se tivesse certeza da integridade física de Marcola, e se houvesse
garantia de que não haveria revanche contra presos da facção 9 (Portal Uol, 16 de Maio,
2006).
As rebeliões nas unidades prisionais neste ano de 2006 adquiriram uma extensão superior ao
dobro do ano 2001, no estado de São Paulo e fora dele, nos estados de Mato Grosso do Sul e do
Paraná, com o agravante da reivindicação dos ataques às forças de segurança. Os acontecimentos de
2006 ficaram conhecidos como os “ataques de maio de 2006”, “crimes de maio de 2006”, e
expressou a hegemonia adquirida pelo PCC dentro e fora das prisões, e ao que tudo indica, como
mostram as reportagens, somente foi encerrada com a pactuação de uma trégua, “acordo”, entre a
facção e o Estado, por iniciativa do primeiro e veementemente negado pelo segundo, embora este
confirme a realização de reuniões com membros da facção para tratar do assunto.
A seguir, com a Tabela 04, descreveremos uma série de estudos sobre as facções do PCC e
Sindicato do Crime para nos dar uma dimensão teórica de como a literatura científica tem tratado o
assunto. Os estudos foram buscados nos portais Periódicos Capes e Scielo em todos os anos.
9
Recuperado em: https://noticias.uol.com.br/ultnot/especial/2006/05/16/ult2643u178.jhtm
51
A categoria Segurança Pública é composta por 15 estudos e trata do PCC no sistema
penitenciário e sua influência na segurança pública. Além de trazerem o debate sobre as medidas
tomadas na área da segurança pública direcionadas às questões relativas à facção, majoritariamente
os estudos têm como foco o contexto do estado de São Paulo.
A subcategoria Administração de Conflitos (n=04) apresenta as possibilidades de negociação
entre os agentes estatais e a facção, tanto na mediação de motins, rebeliões no sistema prisional,
quanto fora do presídio. O estudo de Sinhoretto (2014) mostra que o Estado apresenta duas
principais formas de negociação com as facções, que são complementares, uma mais repressiva,
militarizada, que se utiliza da letalidade policial e investigação sigilosa, e outra baseada na
judicialização e no direito penal. Godói (2015) atenta para as variadas formas de comunicação que
se estabelecem entre a facção dentro e fora da prisão, como possibilidade de entendimento da
expansividade e conflitividade nos espaços urbanos.
52
Para Dias (2011), o PCC se constitui como instância reguladora de conflitos do cotidiano
prisional, baseado num discurso de união dos presos diante de um inimigo comum, que seria o
Estado. Feltran (2012) complementa esse dado ao afirmar que, a gestão da conflitividade no estado
de São Paulo é feita pelo Estado e por grupos criminais. A este último, por exemplo, a diminuição
dos motins, rebeliões nos presídios e a queda na taxa de homicídios naquele estado, nos anos 2000,
se deram pelas intervenções do PCC para a garantia da fluidez nos negócios do tráfico de drogas.
Esse poder de intervenção só é alcançado depois das medidas estatais na segurança pública de
expansão do encarceramento, a criação do RDD e a transformação do tráfico de drogas em crime
hediondo.
A subcategoria Política Penitenciária (n=05) apresenta a reforma do sistema penitenciário
por meio da privatização de presídios, debatendo-se sobre a gestão privada dos presídios em meio a
interferências das facções, neste caso o PCC, além das transformações do sistema prisional paulista
ao longo dos séculos e sua forma de atuação nos anos 1990 e 2000. A dissertação de mestrado de
Santos (2017) problematiza a privatização de unidades prisionais como forma de suprimir as
necessidades do sistema penitenciário brasileiro. A proposta de terceirização e privatização, que se
inicia com atividades-meio (oferta de serviços de alimentação, saúde e limpeza), passa a atividades-
fim em 2013 quando é inaugurada a primeira penitenciária totalmente privada do país no estado de
Minas Gerais, cidade de Ribeirão das Neves, na Parceria Público-Privada (PPP). Trazendo uma
série de dados comparativos entre os estados sobre a realidade carcerária brasileira, o autor chama a
atenção para a sobreposição dos interesses econômicos advindos do massivo aprisionamento em
detrimento do coletivo, que perpassa a seletividade criminal margeada pela estratificação social e as
relações obscuras entre o Estado e o “crime organizado”.
Nessa perspectiva, Araújo (2017) apresenta a investida política de privatizações de presídios
no Estado do Rio Grande do Norte no ano de 2016. A autora debate a inaplicabilidade desse modelo
em unidades femininas em meio à inserção das facções nesse meio, à incongruência com o Estado
Democrático de Direito e à transferência do Poder de Polícia; em particular, a Lei 11.079/2004 e a
dignidade da pessoa humana.
Rodrigues (2011) constrói o percurso histórico das transformações do sistema prisional
paulista ao longo dos séculos. O percurso inicia-se a partir da segunda metade do Século XIX, com
as precárias edificações de taipa que serviam de cadeia no início da colonização, até meados da
década de 1990, com o Programa Estadual de Direitos Humanos, com os Centros de
Ressocialização, de Detenção Provisória, de Progressão Penitenciária.
Já Cruz, Souza e Batitucci (2013) avaliam que a política penitenciária no estado de São
Paulo é voltada para repressão, com as medidas de, por exemplo, o recrudescimento das ações da
“sociedade dos cativos” e a implantação do RDD, embora nos anos 1980 houvesse um breve
53
período de tentativa de humanização. As contradições do sistema prisional são evidentes com a
responsabilização do Estado pela custódia dos agressores, ao passo que falha na de garantia de suas
necessidades básicas, na qual, a inclusão social e garantia de direitos dos encarcerados ainda são as
principais estratégias para efetiva expansão do sistema carcerário. Nesse sentido, Dias (2009) reflete
como o direito oficial, na sua execução do sistema penitenciário, deixa brechas que são ocupadas
por instâncias informais, como o caso do PCC, no qual, baseia-se a sua prática num modelo
violento de poder e outro mais racional, por meio de decisões coletivas.
A subcategoria Segurança Pública (n=03) agrega estudos que versam sobre a atuação dos
atores estatais no campo da segurança pública. Lima, Sinhoretto e Bueno (2015) acrescentam que
há um abismo entre os princípios democráticos postos na Constituição de 1988 e as práticas das
polícias, dos ministérios públicos e do Judiciário, que, paradoxalmente, instâncias estatais –
especialmente as polícias militares – são responsáveis pela gestão da vida da população.
A entrevista do ex-secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, Nagashi
Furukawa, explica o distanciamento entre o direito e a prática de juízes: “por falta de compreensão
dos juízes em relação à dimensão do problema, por falta de engajamento nesse problema. Sem ideia
do drama que vive o administrador público, o juiz aplica o Direito a cada caso individualmente, sem
se preocupar em ter uma visão de conjunto” (FURAKAWA, 2008, p.26). De forma distinta,
Mingardi (2007) considera que somente o aparelho repressivo do estado não é suficiente para lidar
com a problemática das facções dentro dos presídios brasileiros. A falta de mecanismos mais
sofisticados de informação, como uma estrutura de análise de informações criminais que na sua
falta mobiliza o Estado a fatos que não existem, e o trabalho conjunto do dia a dia da polícia com o
Ministério Público, são pensados como fundamentais no trato do poder público com essas
organizações.
Encarceramento em Massa (n=02) e Interiorização das Prisões (n=02) são subcategorias que
dizem respeito a problematizações das medidas tomadas pelo Estado, na área de segurança pública,
mediante ao fenômeno do PCC. Dias (2017) explica a medida de encarceramento em massa tomada
pela política de segurança pública no estado de São Paulo, que abrange a sua influência a territórios
cada vez mais amplos, tanto nos presídios quanto nos espaços urbanos. Silvestre e Melo (2013)
contribuem com a compreensão desse fenômeno ao abordar seus desdobramentos, sobretudo na
relação entre administração do presídio, os internos e seus familiares, como dispositivo de
segurança no controle da conflitividade no cotidiano na prisão.
Júnior (2014) faz análise minuciosa sobre o processo histórico e contextual da construção
massiva e interiorização de presídios no estado de São Paulo, a partir dos anos 1990, além de trazer
questões sobre as relações burocráticas com prefeitos de pequenos municípios da época, a punição
das famílias dos presos e os dias de visitação. Por sua vez, Santos (2014) avalia os impactos sociais
54
causados na vida das pessoas de cidades interioranas com a construção de presídios, apontando
resistências, novos padrões de comportamento com o aumento populacional (presos, seus
familiares, amigos, dias de visita), além da observação do aumento do registro de crimes contra o
patrimônio.
Passando agora para a categoria geral, PCC: organização/estrutura/atuação/formação, esta,
como visto anteriormente, apresenta subcategorias sobre a atuação, organização e surgimento do
PCC. Na categoria Atuação (n=08), Hirata e Grillo, (2017) esboçam comparações da atuação das
facções nas cidades de São Paulo – PCC – e Rio de Janeiro – CV e Amigo dos Amigos (ADA). O
ponto de partida são os mercados do varejo das drogas, as práticas criminosas, bem como as forças
de ordem, que são de maneiras distintas, nas duas cidades em questão. A facção em São Paulo,
historicamente, é produzida pela política de encarceramento em massa, ao passo que na cidade do
Rio de Janeiro, é atravessada pelas políticas de enfrentamento e ocupação militar dos programas das
Unidades de Polícias Pacificadoras (UPPs).
Essas questões influenciam diretamente no trato com as policiais e na forma de se vender a
droga no varejo. A relação com as polícias aciona no Rio de Janeiro contornos por confrontos por
regiões mais lucrativas, e em São Paulo são mais evidentes as negociações nos presídios seguidas
de demonstrações de força. Em relação ao varejo da droga, as vendas no Rio de Janeiro são
extensivas, fracionárias e densas, já no caso paulista é restrito, compacto e fluido. A hierarquia local
e as alianças laterais do CV e da ADA são impulsionadas pela amizade. O PCC tem como
característica a horizontalidade das relações e da supralocalidade, também com demonstrações de
força, via chacinas.
Ruotti (2016) investiga a legitimidade adquirida pelo PCC nas periferias por meio da
mediação de conflitos. A prerrogativa para matar é dada pelos “debates” ou “tribunais do crime”
como demonstração de força. Lima (2008) ressalta que a motivação para o surgimento de facções
no sistema prisional configura-se como uma resposta da população carcerária ao Estado. As
arbitrariedades dos agentes estatais contribuíram para a “união” dos presos, e a sua organização
guarda íntima relação com o direito de resistência. O Estado se ampara no direito penal na busca de
solução para a criminalidade no interior dos presídios, mas que na prática tem o efeito reverso,
como o “maior levante de criminosos contra as instituições estatais (e privadas) paulistas,
principalmente os órgãos policiais” Lima, (2008, p.244); é o caso da implantação do RDD e a
transferência e concentração de presos fora do estado num único lugar.
Biondi (2014), em sua tese de doutorado, defende a ideia de que o PCC é constituído de
vários outros movimentos, pessoas, relações afetivas, ideias, lutas, entre outros, não havendo um
objetivo comum por meio do qual todas as instâncias e pessoas que compõem o grupo concorram
para ele. A tese traz diversas outras questões a respeito da hierarquia, seu ritmo, relações entre
55
membros da facção e pessoas externas, as leis, entre outras, que já foram abordadas em outros
momentos nesta pesquisa por outros trabalhos. Alvarez, Salla e Dias (2013) avaliam que a formação
dos grupos que se impõe à massa carcerária tem como consequência direta a obstrução à existência
de mecanismos de comunicação e representação de presos, legitimados pelas autoridades. Através
da sua pesquisa de campo, os autores mostram que a resistência por permitir canais de
democratização política causa a retenção de demandas legítimas que são apropriadas pelas facções,
no caso o PCC, e formaram a base de apoio ideológico que lhe dão sustentação como instância de
representação da população carcerária.
Cano e Alvadia (2006), com seu grupo de pesquisa, analisaram as ocorrências de 564 mortos
e 110 feridos entre os dias 12 a 21 de maio de 2006, evento conhecido pelos ataques do PCC às
forças de segurança de São Paulo e a civis. Os dados apontaram que os ataques aumentaram o
número de mortes por armas de fogo e fosse 3 a 4 vezes superior ao número esperado para esse
período. Embora os ataques fossem direcionados a agentes públicos, o número de civis mortos é
maior, e o perfil das vítimas segue aquele dos homícidios por armas de fogo no país: jovens, sexo
masculino, com pouca escolaridade e sem antecedentes criminais.
As teses de doutorado de Brandão (2011) e Oliveira (2010) destoam dos demais estudos por
sair do contexto de São Paulo, e alertar sobre a expansão do PCC no estado do Rio Grande do
Norte. O primeiro estudo tem como propósito compreender as redes sociais no sistema prisional na
presença de “grupos organizados”; de forma semelhante, o segundo estudo investiga os repertórios
linguísticos no cotidiano do presídio, apontando que a linguagem é um caminho para se entender a
sociabilidade e práticas sociais de facções no uso de poder não institucionalizados.
No caso da organização do PCC, referente à categoria Organização (n=04), Biondi (2017)
enxerga no seu estudo que a presença da facção não está atrelada à de seus integrantes, não se
restringindo à presença dos seus membros, esquivando-se do conceito de “crime organizado”,
relacionado a uma composição de indivíduos em torno de negócios ilícitos. Nesse caminho,
partindo do pressuposto de que as condutas delitivas evoluem com o Direito Penal, Masi (2014)
reclama em seu estudo para que a conceituação da criminalidade organizada seja inserida no
contexto atual da globalização contextualizada ao brasileiro, levando-se em conta o refinamento
tecnológico e não somente as condutas delitivas clássicas, como furto, roubo, apropriação indébita.
Adorno e Salla (2007) tomam como ponto de partida os ataques em 2006, protagonizados
pelo PCC, para discutir a emergência desta facção no sistema penitenciário paulista, analisando o
cenário internacional e contexto brasileiro, antecedentes históricos, enraizamento do crime na
sociedade e papel das políticas públicas penitenciárias. O trabalho de Dias (2011) aponta dois eixos
como condições necessárias para a expansão e consolidação do PCC no sistema prisional paulista e
posteriormente, uma dimensão nacional.
56
O primeiro eixo apontado por Dias (2011) tem como ponto de partida a precariedade do
sistema penitenciário. A negação de direitos, a sobrevivência em condições subumanas, as
constantes torturas pelos agentes do Estado são os elementos do cotidiano que criaram um ideário
de união entre os presos. O massacre do Carandiru também serviu como amostra de que já não se
podia negociar com Estado.
Essas questões deram sustentação ao discurso do PCC para a união dos presos a objetivos
comuns e formação de redes de solidariedade. A partir da consciência de classe – percepção da
situação social e histórica da experiência do encarceramento –, a luta por direitos e das opressões
sofridas viria da superação das diferenças individuais e luta contínua contra o Estado e a sociedade.
Juntamente a isso, o PCC torna-se um mediador de conflitos dentro das prisões, e
posteriormente, nos territórios sob seu controle ou influência. E essa capacidade de mediar conflitos
constitui um marco da hegemonia alcançada pelo PCC em São Paulo, dentro e fora das prisões e
que permite uma mudança significativa nas práticas, estrutura e na sua organização.
Nesse momento, há uma relação simbiótica entre o PCC e o Estado. O segundo garante a
manutenção do encarceramento massivo e precariedade das prisões –, enquanto que o primeiro
exerce a “gestão” da população carcerária, mantendo a estabilidade do funcionamento das prisões.
Dias (2017) também explica que se torna funcional para o Estado a manutenção dessa relação,
porque se mantém uma política de encarceramento mesmo em épocas de poucos recursos.
No que se refere ao segundo eixo, as principais políticas estatais no âmbito da segurança
pública são: o encarceramento em massa, a alocação das lideranças políticas num único local a
partir da SPF e a transferência de lideranças para outros estados.
Em maior ou menor grau ao estado de São Paulo, as crescentes taxas de encarceramento
acontecem em todas as regiões do país. Juntamente a isso ocorre a deterioração das condições
prisionais, podendo-se incluir também a ausência do Estado em exercer o controle nesses espaços,
criando condições favoráveis para que o PCC disseminasse seus ideais por outros presídios fora do
estado.
Esse quesito vai se aprofundar quando a administração prisional de São Paulo optou pela
transferência das lideranças do PCC para os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul. Além de
terem se tornado os estados com maior presença ostensiva da facção, é possível supor também a
partir disso que a facção assumiu um maior controle de drogas ilícitas, haja vista que aqueles
estados fazem com países que são conhecidos pelas portas de entrada de drogas ilícitas em território
nacional, que são Paraguai e Bolívia.
A criação do Sistema Penitenciário Federal (SPF), inspirado nas supermax norte-americanas,
é o início da disseminação do PCC em âmbito nacional. Artigo 3º, decreto nº 6.977/2009 descreve o
perfil a ser abrigado pela SPF: pessoas cuja integridade física esteja sob risco; lideranças de
57
organizações criminosas; membros de quadrilhas com práticas reiteradas de crimes; envolvidos em
incidentes de fuga, violência ou grave indisciplina no sistema prisional de origem; estar submetido
ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).
O SPF, que se caracteriza pelo rigor disciplinar de suas unidades, possibilitou a reunião das
lideranças das facções e membros de outros grupos menores num único espaço. O Estado teria
proporcionado a centralização de um “Comitê”, no qual estratégias, organização, alianças, num
âmbito nacional foram construídas nesse momento.
Como dissemos anteriormente, outros acontecimentos de ordem social, política e econômica
foram responsáveis também para a expansão e consolidação do PCC dentro e fora do sistema
prisional. Dias (2017) se refere a dois acontecimentos especificamente, que são os eventos
ocorridos em 2001 – a megarrebelião – e os ataques às forças de segurança do estado em 2006.
As rebeliões nas unidades prisionais. no ano de 2006. adquiriram uma extensão superior ao
dobro do ano 2001 no estado de São Paulo e fora dele, nos estados de Mato Grosso do Sul e do
Paraná, com o agravante da reivindicação dos ataques às forças de segurança. Os acontecimentos de
2006 ficaram conhecidos como os “ataques de maio de 2006”, “crimes de maio de 2006”, e
expressou a hegemonia adquirida pelo PCC dentro e fora das prisões, que somente foi encerrada
com a pactuação de uma trégua, “acordo”, entre a facção e o Estado, por iniciativa do primeiro e
veementemente negado pelo segundo, embora confirme a realização de reuniões com membros da
facção para tratar do assunto.
Biondi e Marques (2010), encenando um “embate” entre presos pertencentes ao PCC e do
Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), descrevem o surgimento do PCC
nas prisões. O primeiro sujeito (pertencente à cadeia do CRBC), diz que o surgimento do
“comando” tinha a esperança de eliminar certos males da prisão, como a extorsão, matanças entre
presos. Naquela época inicial, ainda possuíra estatuto, e por uma série de variáveis, muitos
membros se desvirtuaram dos propósitos do grupo, o que faz com que mude de prisão, em
dissidência, e forme outra facção, agora rival do PCC.
O segundo sujeito (pertencente à prisão em que o PCC é maioria) compreende o surgimento
do “comando”, também como possibilidade de eliminação dos males da prisão e, mais ainda, o fim
das opressões do Estado; porém, relata que o poder teria subido à cabeça dos fundadores e passaram
a praticar as mesmas opressões que se propunham combater. Percebemos que a partir disso houve
vários dissidentes que decidiram formar um novo “comando”, vendo nesse movimento como não
digno, uma espécie de acovardamento e, por isso, seriam considerados agora como inimigos.
A categoria seguinte exibe estudos relativos à identidade do preso. Esta categoria tem o
menor número de trabalhos, com três estudos (MARQUES, 2013; REDÍGOLO, 2012; BRAGA,
2008), e mostra os processos de estabilidade e de mudança da identidade de sujeitos em contexto de
58
cárcere, alguns deles pertencentes ao PCC.
Marques (2013), em seu estudo de caso de um membro do PCC, investiga o ato da
conversão ao pentecostalismo. Aqui é preciso diferenciar brevemente as igrejas petencostais das
neopentecostais, pois, será retomado na análise do subtópico 4.5. As relações estruturais entre
Estado e Igreja e a via de “saída” da facção: a roda girando em seu eixo.
As igrejas do movimento pentecostal começaram a surgir nos Estados Unidos no início do
século XX e no Brasil começaram a aparecer por volta de 1940. A representante mais conhecida
desse movimento é a Igreja Assembléia de Deus. Já as igrejas neopentecostais começaram a surgir
na década 1980, adotando outras práticas e entendimentos bíblicos das igrejas pentecostais, como a
crença da palavra pós-bíblica dos dons do Espírito Santo, incluindo glossolalia (falar em línguas),
cura e realização de profecias. A representante mais conhecida desse movimento é a Igreja
Universal do Reino de Deus.
Voltando ao estudo, Marques (2013) mostra que apesar da conversão, sendo agora um
“irmão” da igreja, o sujeito não deixou de ser um “irmão” do PCC. Com a proximidade com um
membro da facção, o autor alerta para cuidados sobre o papel do pesquisador no campo. Já
Redígolo (2012) discute a estigmatização e segregação dos presos, membros do PCC, e de seus
familiares, estimuladas principalmente pela atuação do Estado, mídia, agentes de segurança e a
população em geral. Braga (2008), em sua dissertação, analisa como a identidade do preso é
influenciada pelas regras do cárcere e demandas institucionais. Discute-se, assim, como o processo
de encarceramento implica a absorção de valores e hábitos próprios do contexto prisional, trazendo
implicações para a identidade do preso e sua ressocialização.
No caso específico do estado do Rio Grande do Norte, o estudo de Menezes (2016), a partir
da observação da ocupação dos espaços no presídio de Alcaçuz, identifica a organização do PCC
nesses espaços como poder paralelo (do PCC) ao poder final do Estado, principalmente na
mediação de conflitos e homicídios no interior desse ambiente com outras facções, como por
exemplo, o Sindicato do Crime ou Sindicato RN.
A facção Sindicato-RN fora criada em meados do ano 2013, por dissidência do PCC, em
virtude principalmente da obrigação de pagamento de recursos arrecadados advindos do estado de
São Paulo. O “Sindicato do crime”, nome popularmente conhecido, tem o controle de 28 das 32
unidades prisionais do estado e controla a maior parte do tráfico de drogas na região metropolitana
da cidade de Natal e no interior do estado, contando com aproximadamente três mil integrantes.
Essa facção conta também com aliados de outras facções de outros estados, como o Comando
Vermelho (CV) (Rio de Janeiro), a Família do Norte (Amazonas) e Al-Qaeda (Paraíba), que tentam
59
impedir o avanço do PCC para o Norte do país e o seu consequente monopólio10.
O lema da facção é "Humildade, paz e liberdade" e conta com várias músicas que exaltam
seus líderes. Possui estatuto de 16 artigos que prevê a proibição do uso de crack e rivotril entre seus
membros, e rito de batismo de seus novos integrantes. Segundo reportagem da Uol Notícias
Cotidiano, do dia 24 de janeiro de 2017, a facção é estruturada tendo como referência o PCC e é
organizada da seguinte forma: (a) líderes e fundadores do grupo são chamados de "final" ou "linha
final" (cabendo a eles as últimas decisões); (b) conselho que ajuda os líderes nas decisões, (c)
líderes das comunidades, chamados "quadro geral da quebrada"; (d) os responsáveis pela segurança
da comunidade, "linha de frente da quebrada"; (e) "vaqueiros", pessoas que lidam com questões
operacionais do tráfico; (f) aqueles que guardam o armamento, chamados de “chefe do paiol".
Mais especificamente na cidade de Natal-RN pode-se verificar que as facções PCC e
Sindicato-RN são as mais presentes no sistema penitenciário e também no sistema socioeducativo.
Dentro dos Centros Educacionais (CEDUCs), percebe-se da parte dos adolescentes o manifesto
sentimento de pertencimento e desejo de adentrar nesses grupos, como há aqueles que são
pertencentes a estes grupos, o que demanda maior conhecimento sobre esse público nas suas
trajetórias de vida que acabam por coincidir com as facções. Dessa forma, no capítulo seguinte será
discutido teoricamente a adolescência, no contexto do sistema socieducativo e das facções.
10
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/01/24/sindicato-do-rn-conheca-a-faccao-
que-desafia-pcc-e-estado.htm
60
Capítulo 2 – Considerações sobre a infância e adolescência: formas de institucionalização no
Brasil até o sistema socioeducativo
O ECA (Lei nº 8.069), no seu capítulo IV – Verificada a prática de ato infracional, indica
que a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: advertência;
obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em
regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional. Como nos interessa no
presente estudo as medidas em meio aberto, semiliberdade e internação, segue uma breve descrição
destas.
A adoção da liberdade assistida será aplicada sempre que se afigurar a medida mais
adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Será designada uma pessoa
capacitada para acompanhar o adolescente com o objetivo de promovê-lo socialmente e à sua
família, supervisionar a sua frequência e o seu aproveitamento escolar e diligenciar no sentido da
profissionalização.
O regime de semiliberdade é entendido como transição para o meio aberto, com a
possibilidade de atividades externas à unidade. Nesse tipo de medida a criança e o adolescente
65
cumprem atividades externas, e à noite, dormem na unidade, sendo obrigatória a sua escolarização e
a profissionalização.
Já a medida de internação constitui como a medida privativa da liberdade. É aplicada esta
medida quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa,
reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento de outra medida
anteriormente tomada. A internação não poderá exceder três anos devendo sua manutenção ser
reavaliada a cada seis meses. Constituem-se direitos assegurados, não contemplados em legislação
anteriores, a internação na mesma localidade ou próxima do domicílio de seus pais ou responsável,
a correspondência com familiares e amigos, e a obrigatoriedade da escolarização e
profissionalização.
No caso específico da presente pesquisa, no estado do Rio Grande do Norte, o sistema
socioeducativo de restrição/privação de liberdade é administrado, desde 1994, pela Fundação da
Criança e do Adolescente (FUNDAC). Atualmente, o estado dispõe de oito unidades entre
internação masculina, feminina e semiliberdade, localizadas nos municípios de Natal, Parnamirim,
Caicó e Mossoró. As facções que coexistem dentro do sistema socioeducativo apresentam uma
especificidade de organização nos espaços urbanos das cidades com disputas de territórios entre os
grupos.
Nesse sentido, Sobrinho e César (2008) trazem em seu estudo as interfaces das facções com
as torcidas organizadas de futebol no RN e revelam as disputas dos bairros da cidade de Natal-RN,
paralelamente ao desenvolvimento da cidade. As duas maiores torcidas do Rio Grande do Norte,
Torcida Máfia Vermelha (TMV) e Torcida Garra Alvinegra (TGA) que completaram 25 anos de
existência no ano de 2016, explicam em certa medida, o processo de territorialização das facções
através das torcidas de futebol, tendo como particularidade as disputas de pontos do tráfico de
drogas e rivalidades entre os grupos.
O estudo de Brito (2018) expõe a presença da facção num bairro da periferia também na
cidade de Natal-RN e a forma como aquele intefere na vida cotidiana dos jovens. A facção regularia
a vida social do bairro na imposição de um código de conduta com sanções violentas
e cooptação de jovens ao comércio ilegal de drogas, tendo como coautor dessa regulação da vida
social a polícia militar e suas investidas violentas na prerrogativa de combate ao crime. Nesse
ínterim estão os jovens pobres, negros e moradores da periferia no fogo cruzado entre o crime e a
polícia.
Dessa forma, semelhante a pesquisa de Assunção (2009), o processo de territorialização nos
dá lastro para pensar a cidade e seus espaços como construção cotidiana simbólica/material, de
sujeitos que interagem e reconfiguram esses espaços, dialogando sempre com o contexto
econômico, político e social do momento. As trajetórias de vida de crianças e adoelscentes nas
66
medidas de meio aberto e internação é um caminho essencial a ser trilhado para compreensão das
respostas que o Estado vem dando aos jovens que cometeram atos infracionais imbricados nos
processos de territorialização das facções, podendo assim ajudar na construção de práticas mais
contextualizadas. No tópico seguinte, iremos descrever como a psicologia vem construindo
conhecimento sobre o sistema socioeducativo e, mais especificamente, sobre as medidas de meio
aberto, semiliberdade e internação.
A seguir, iremos detalhar as produções nacionais em psicologia, consideradas as mais
relevantes para esta pesquisa, sobre o sistema socioeducativo nos últimos cinco anos. Considera-se
tal revisão bibliográfica apropriada para assim começarmos a apontar aproximações entre a
psicologia e o campo de estudo desta pesquisa, a partir de estudos mais recentes.
A revisão priorizou estudos nacionais nos últimos cinco anos (2014-2018), nas bases de
dados Scielo e Periódicos Capes. Para a busca dos artigos foram utilizados os descritores
socioeducativo e socioeducação sendo encontrados 47 estudos, que após privilegiar estudos
nacionais e de psicologia, o número de artigos contemplados foi de 13, como pode ser observado na
Tabela 03.
A análise inicial dos artigos coletados abrange estudos teóricos e empíricos. Há uma maior
quantidade de estudos empirícos em relação aos téoricos e uma diversidade de metodologias de
coleta de dados e atores envolvidos no sistema socioeducativo, como análises documentais,
entrevistas com o corpo técnico e gestão das unidades socieducativas, além de entrevistas com os
67
próprios adolescentes em medidas de internação e semiliberdade. Quantitativamente, há oito
estudos que tratam da medida de internação, dois que tratam do meio aberto e três estudos que
focam em outros atores sociais, profissionais, que estão inseridos no sistema socioeducativo. A
seguir será feita uma breve descrição dos estudos abordandos seus objetivos e principais resultados
No que se refere aos estudos que tratam da medida socioeducativa de internação; vale
destacar que a citação dos estudos não obedece a uma ordem cronológica– dos mais recentes aos
mais antigos –, alguns estudos trazem o relato de práticas de servidores, técnicos e gestão no
sistema socioeducativo que remetem ao antigo Código de Menores e a violação de direitos de
crianças e adolescentes em regime de internação.
Nesse sentido, Melo e Valenca (2016), analisando sentenças proferidas por magistrados do
TJCFT, discutiram as representações sociais sobre as trajetórias dos adolescentes em cumprimento
de medida socioeducativa de internação, sendo constatada a ênfase na descrição das “trajetórias
perdidas”, que dá ênfase a atributos da pobreza, que fundamenta as medidas de internação,
remetendo ao antigo Código de Menores. Scisleski, et al. (2015), que discutem administração das
medidas socioeducativas de internação, mostram que a proteção integral, preconizada pelo ECA,
não atinge todos, e os adolescentes internos continuam tendo seus direitos violados. Os autores
trazem dados de pareceres técnicos, que dão subsídios aos sistemas protetivos e socioeducativos, o
conteúdo encontrado neles responsabiliza unicamente os adolescentes pelo cometimento do ato
infracional, de forma descontextualizada e sem levar em consideração o processo de socialização
em que os adolescentes estão inseridos, perpetuando também a lógica do antigo Código de
Menores.
A pesquisa de Paiva, Gomes e Valença (2016) aponta para a fragilidade do sistema
socioeducativo no estado do Rio Grande do Norte que culmina nas violações de direitos humanos a
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, indicando a necessidade de uma
rigorosa atuação dos órgãos componentes da rede de proteção, a exigência de políticas públicas
condizentes com o SINASE e o ECA, além do empoderamento de adolescentes e suas famílias,
além de acionar o sistema americano de direitos humanos. Já Scisleski, et al. (2014), em Campo
Grande – Mato Grosso do Sul, problematizam a forma como vem sendo operacionalizada a
tecnologia disciplinar das medidas socioeducativas de internação direcionadas aos adolescentes,
entendendo que tais tecnologias assemelham-se a dispositivos de controle e não como um método
socioeducativo, que alia o educativo e o sancionatório da medida.
Araujo, Ferreira e Caetano (2016) focalizam a discussão no direito à visita íntima dos
adolescentes privados de liberdade, comparando o antes e o depois da implementação legal desse
direito. Os autores mostram a necessidade de se ampliar concepções sobre sexualidade humana que
por ora se apresentam de fragmentadas, já que a visita íntima pode repercutir positivamente na vida
68
do socioeducando, quando executada dentro dos pressupostos ético-legais.
A nova modalidade de resolução de conflito pela Justiça Restaurativa é retratada por Ferrão,
Santos e Dias (2016). Em seus relatos de experiência com a prática profissional em psicologia numa
unidade de internação socioeducativa no interior do estado do Rio Grande do Sul, indicam que há
um processo de efetivação de práticas restaurativas, principalmente as atividades de Círculo de
Compromisso (mais evidenciadas na unidade do estudo). Os autores concluem que as dificuldades
para a implementação de práticas restaurativas perpassam a recente preferência por esse modelo no
contexto socioeducativo de internação e por não ter sido criado no cenário brasileiro.
A partir de revisão bibliográfica, Coscioni, et al. (2017) apresentam pesquisas empíricas
sobre o cumprimento de medida socioeducativa de internação no Brasil. Majoritariamente, é
constatado nos estudos questões de ordem estruturais e de conteúdo das medidas, como o clima
organizacional coercitivo. Características positivas também foram encontradas como o estímulo do
relacionamento dos adolescentes com seus familiares e funcionários, que favorece a aprendizagem e
proteção.
Tema ainda não abordado nos outros estudos até o momento, Santos e Menandro (2017)
discutem a prática profissional do psicólogo nas medidas socioeducativas. Os autores refletem sobre
a prática profissional do psicólogo nas medidas de internação face ao reordenamento do Sistema
Socioeducativo, no qual o redirecionamento preconizado pelo SINASE não aparece de forma nítida
para os profissionais e destacam a necessidade de uma mudança na identidade profissional para
além do modelo clínico-privado.
Em relação aos estudos em meio aberto, estes apresentam estratégias pedagógicas para
facilitar a inclusão nas escolas de adolescentes que cometeram ato infracional, além de trabalhar
com significações do conceito de trabalho com adolescentes que prestam a medida prestação de
serviços à comunidade. A partir do relato de orientadoras educacionais, Seabra e Oliveira (2017)
exploraram as estratégias pedagógicas adotadas para promover a inclusão de adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa em regime aberto nas escolas do Distrito Federal,
apontando os impasses de insuficiência de estratégias pedagógicas que atendam às especificidades
dos alunos, a precária interlocução entre atores do atendimento socioeducativo e a escola. O estudo
de Rodrigues e Oliveira (2018), a partir da metodologia da pesquisa-intervenção, trabalha com as
significações sobre o conceito de trabalho relativo à prestação de serviço à comunidade com
adolescentes do meio aberto, chamando a atenção para que o acompanhamento de adolescentes não
se restrinja ao atendimento individual, mas viabilize a interação entre eles como oportunidade de
partilha de experiências e de construção conjunta de saberes, superando a ideia do cumprimento da
medida como mero contato do profissional com o sujeito atendido.
Outros estudos apresentam foco em outros atores do sistema socioeducativo, para além dos
69
adolescentes, temas variados e discussões teóricas. Bisinoto, et al. (2015) partem de uma reflexão
teórica sobre a socioeducação numa concepção de educação social com compromisso ético e
político, para apresentar a importância de que profissional e gestores indaguem-se acerca das
concepções que têm e que orientam suas intervenções. Lazzarotto (2014) apresenta o relato de
experiência na defensoria interdisciplinar de adolescentes em conflito com a lei com reflexões sobre
os saberes (direito, psicologia, pedagogia) que produzem práticas reguladoras da vida de
adolescentes no contexto de atendimento socioeducativo, numa perspectiva de judicialização da
vida contemporânea.
Feijó, et al. (2017) expõem a prevalência de estresse ocupacional de servidores do sistema
socioeducativo. A pesquisa foi feita com 221 servidores entre trabalhadores que lidam diretamente
com jovens em cumprimento de medida socioeducativa e profissionais da sede administrativa,
evidenciando que fatores como violência, regime de trabalho, ter contato com jovens que cumprem
medida socioeducativa e horas extras estão fortemente associados ao estresse, o que demanda
intervenções nos processos de trabalho para diminuir o risco de adoecimento.
Como se pode observar, as produções científicas que tratam da infância e adolescência em
relação às facções são escassas. No âmbito do conhecimento da psicologia, e que façam referência
ao sistema socioeducativo, talvez a literatura seja inexistente. Os relatos científicos sobre a presença
de crianças e adolescentes nas facções se dão não como pertecentes a esses grupos, mas como
sujeitos que trabalham no tráfico de drogas que são de domínio das facções.
Dessa forma, o tráfico de drogas nos dá pistas para entender as trajetórias de vida de jovens
e o envolvimento em facções, por exemplo, a partir dos estudos de Coimbra & Koller (2017);
Hirata e Grillo (2017); Picanço e Lopes (2016); Gonçalves (2015); Abramovay, et al. (2010); Faria
e Barro (2011); Ferffermann (2006). Contudo, a interface com o sistema socioeducativo e os fatores
que contribuem para a entrada e permanência dos mesmos nas facções, entendendo os processos de
criminalização nas suas vidas e territorialização na cidade de Natal-RN, ainda são pouco
investigados e, por conseguinte, procuraremos nos aprofundar no presente trabalho, a partir da
metodologia que será descrita a seguir.
70
Capítulo 3 – Considerações metodológicas
11
Recuperado em:
http://www.fundac.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=20542&ACT=&PAGE=0&PARM=&LBL=A+Fund
a%E7%E3o
71
cidadania, com vistas à convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente
atendidos na FUNDAC;
- Promover ações articuladas com órgãos públicos das esferas federal, estadual e municipal e
com instituições da sociedade civil que atuam na área de promoção, proteção e defesa dos
direitos do adolescente para o cumprimento de sua finalidade;
Parte inferior da unidade: três pavilhões (pavilhões 04, 05 e 06). Cada um com 12 camas.
À vista disso, o número de adolescentes por alojamento está condizente com Resolução do
CONANDA (n.º 46/96), que estabelece o quantitativo não superior a 15. O pavilhão 04 é o único
destinado ao PCC. Esse pavilhão está localizado na parte inferior da unidade e fica próximo à
quadra poliesportiva. Todos os demais pavilhões são destinados aos adolescentes do Sindicato-RN.
Em relação à rotina diária da unidade, segue a seguinte ordem descrita na Tabela 05:
Nos dias de visita das famílias, que acontece às quinta-feiras, a rotina da unidade é
modificada. As visitas acontecem geralmente às nove horas da manhã e vão até o meio-dia. À
74
medida que as famílias vão chegando à unidade, há o controle dos adolescentes que serão retirados
dos alojamentos. A depender de quem são os meninos que serão retirados e o quantitativo, a
logística vai se modificando para melhor atender à demanda daquele momento.
Por exemplo, houve dias em que havia muitos meninos residentes nos alojamentos do
Sindicato-RN e pouquíssimos do PCC que receberiam visitas. O dia de visitas aconteceu em
praticamente todas as salas na parte superior da unidade e na área comum da parte inferior. Noutro
dia de visita havia poucos meninos dos alojamentos do Sindicato e também do PCC; assim,
colocaram todos os do primeiro grupo no refeitório e, os do segundo grupo, na sala de aula que fica
localizada na parte inferior da unidade.
Em relação às revistas dos visitantes, o manual de segurança é explícito nesse sentido, ao
vedar práticas de revista em que o sujeito seja despido, mesmo que parcialmente, e que faça
esforços repetitivos, a exemplo dos agachamentos para buscar objetos introduzidos nas genitais.
Porém, revistas de familiares parcialmente vestidos acontecem na unidade, com profissionais
homens e mulheres destinados especificamente para esse fim, munidos de fardamento e luvas de
plásticos. A versão de gestão técnica, para que aconteçam essas revistas mesmo indo de encontro ao
manual de segurança, é que há uma precarização no orçamento da unidade e que, por isso, não há
instrumentos para a realização da revista da forma como determina o manual, com detectores de
metais, etc.
Para dar exemplo, o que se pode perceber é que a unidade, de fato, passava por um momento
de crise financeira. Como exemplo disso, havia um aviso na recepção para que os educadores não
tomassem café ao chegarem ao plantão, apenas durante, como forma economia. Além disso, apesar
da contratação de educadores durante a pesquisa, houve a dispensa de outros; e o resultado foi a
perda de uma equipe de educadores, o que equivale a aproximadamente 12 profissionais.
Para agravar a situação, a juíza da Vara da infância de Parnamirim tinha aumentado em dez
o número de adolescentes na unidade. Como já dito anteriormente, em julho de 2018, havia 46
adolescentes e passou a abrigar 56 no mesmo ano. Vale salientar que esse número é rotativo,
considerando que há adolescentes próximos do cumprimento da medida sócioeducativa, e outros
dez adolescentes em fuga e que podem retornar à unidade a qualquer momento.
Outra situação que merece destaque é a condição dos educadores recentemente contratados,
via concurso público e por contrato temporário. Dentre esses profissionais, via concurso público,
estavam os profissionais da psicologia, assistência social, pedagogia e parte da chefia técnica,
enquanto que os educadores foram via contrato.
Esse fato é relevante porque esses profissionais ainda estavam se adaptando à rotina da
unidade. O conhecimento dos adolescentes, as rivalidades grupais, ainda são pouco conhecidas,
diferentemente de outros profissionais que já trabalham na unidade.
75
Em relação especificamente aos educadores contratados, via contrato temporário, havia uma
situação bastante delicada que precisa ser mencionada. Esses profssionais foram contratados há no
máximo cinco meses, da data da presente pesquisa, para um período de trabalho de um ano,
podendo ser prorrogado por mais um ano. O regime de trabalho, oferecido pelo estado do RN, faz
com que esses profissionais trabalhem por até três meses para então receberem o primeiro salário.
Nas primeiras visitas à unidade, muitos educadores estavam trabalhando sem a assinatura do
contrato. Da assinatura do contrato até o recebimento do primeiro salário, adiciona-se mais um mês
para recebimento do salário, ou seja, alguns educadores vão trabalhar até quatro meses sem receber
salário.
Alguns desses educadores moravam em outros estados. Havia, por exemplo, um educador
que morava na cidade de Campina Grande, na Paraíba, e deslocava-se até Paranamirim toda
semana. A distância entre as duas cidades, a depender do caminho que se escolhe ir, é de 245km.
É sabido do alto grau de estresse que a atividade de educador proporciona, os baixos salários
da função e, no contexto do CEDUC-Pitimbu, o atraso no pagamento dos salários, o que faz com
que alguns educadores “paguem para trabalhar”. Essa situação nos faz refletir sobre a saúde mental
desses trabalhadores devido a alta carga de estresse e os seus desempenhos na oferta das atividades
socioeducativas.
Podendo haver uma relação direta ou não, mas todos os adolescentes participantes da
pesquisa relataram sobre o mau relacionamento que tinham com os novos educadores. Tentando
reproduzir literalmente a fala de Paul (o participante será apresentado mais adiante) sobre assunto,
ele diz “...os educadores novos são ruins, eles chegam gritando com nós, mandando baixar a
cabeça e virar pra parede... ficam querendo mandar em tudo... quem eles pensam que são?”.
É possível que a mudança de direção na gestão da unidade tenha agravado essa situação. A
implementação de uma nova lógica de atuação na unidade tinha causado resistência de alguns
educadores à mudança, o que por vezes é comentado informalmente por pessoas também da gestão
técnica. A mudança da direção merece um detalhamento maior, pois tinha influência direta no
comportamento dos adolescentes e, consequentemente, nesta pesquisa.
A nova direção assumiu no mês de julho do ano de 2018. Essa direção tem o perfil mais
rígido e disciplinar. O novo diretor, responsável pela unidade, é um ex-militar, coronel da reserva.
A sua gestão estava sendo bastante criticada pelos adolescentes considerando seus abusos
disciplinares. Os educadores e gestão técnica, em geral, aprovavam os métodos de atuação da nova
gestão.
O principal ponto de discordância da nova gestão, pelos adolescentes, é a implementação do
Manual de Segurança Socioeducativa. Esse manual (PORTARIA Nº 079/2017-GP de 2017) é um
documento elaborado pela FUNDAC-RN que dispõe sobre normas e procedimentos básicos de
76
segurança preventiva e interventiva nas unidades socioeducativas desta fundação. Destacaremos
alguns pontos desse Manual mais lembrados pela equipe técnica, educadores e adolescentes, e que
têm gerado divergência.
Uma primeira situação bastante citada pelos adolescentes, quando comparada a atuação da
nova gestão e as gestões anteriores, é o deslocamento dos adolescentes na área interna da unidade.
Na nova gestão, ao retirar os adolescentes do alojamento para uma atividade socioeducativa, por
exemplo, os educadores em grupo de quatro componentes vão até o alojamento e pedem para que os
adolescentes virem para parede. Após isso, saem em fíla indiana, com as mãos para trás, cabeça
baixa; e ao chamar o educador, deve chamá-lo de Senhor. O Manual de Segurança, na Subseção II -
Deslocamentos dentro das Unidades de Socioeducação (p.2-4), diz o seguinte:
Art. 6º. O deslocamento deverá ser realizado em pequenos grupos, compostos de no mínimo
01(um) e no máximo 04 (quatro) socioeducandos, considerando a proporção de 02 (dois)
agentes socioeducativos para cada socioeducando, garantindo a capacidade de resposta da
equipe.
Art. 9º. Durante a circulação dos socioeducandos no interior da unidade, não será permitida
a comunicação de qualquer modo com o meio externo, salvo em atividades pedagógicas e
para comunicar-se com familiares, quando previamente autorizado.
Art. 83. O uso diferenciado da força dentro da unidade de socioeducação somente será
autorizado em casos excepcionais.
II. Em caso de legítima defesa, de tentativa de fuga, evasão e de resistência física ativa ou
passiva a uma ordem baseada na lei ou nos regulamentos da unidade;
III. Quando o socioeducando oferecer grave ameaça a sua integridade física, à integridade
física de terceiros ou ao patrimônio público.
Dessa forma, há casos excepcionais para o emprego da força, como quando os métodos até
então empregados forem inoperantes, por legítima defesa, fuga, evasão, resistência ou quando o
socioeducando oferecer grave ameaça. Ainda na secção, estabelece-se quem será competente para
dar a autorização para o uso diferenciado da força:
Assim sendo, é da gerência da unidade a competência para tal autorização. Contudo, tal
autorização é concedida seguindo alguns príncípios, para que não haja abusos. A Secção I – Dos
Princípios para o uso diferenciado das medidas de segurança interventiva, discorre sobre esses
princípios:
Art. 81. O emprego da força dentro das unidades de socioeducação deverá ser realizado de
forma diferenciada, observando os seguintes princípios:
II. Necessidade: O uso da força somente deve ocorrer de forma excepcional e quando outros
meios forem ineficazes para atingir o objetivo desejado;
IV. Conveniência: Mesmo que, em um caso concreto, o uso da força seja legal, necessário e
proporcional, é preciso observar se não coloca em risco outras pessoas ou se é razoável e de
bom-senso lançar mão desse meio. Por exemplo, num local com grande concentração de
socioeducandos, o uso da força não é conveniente, pois traz riscos no sentido de provocar
uma reação dos demais.
Os prinpícios citados aludem para a reflexão sobre a natuza do emprego da força dentro das
unidades de socioeducação. Destaca-se para que se a razão do emprego da força for mudada, é
preciso fazer uma nova avaliação sobre a necessidade do uso da força, nessa nova situação.
Os meninos da unidade também reclamavam da demora para entrega de seus objetos
pessoais. Apenas parte dos objetos é entregue, enquanto que a outra parte fica retida pela gestão da
unidade. O Manual, no seu artigo 29, diz que todos os objetos devem ser devidamente lacrados e
guardados em guarda-volumes, ficando sob responsabilidade da unidade e entregue aos
79
adolescentes. Contudo, a demora da entrega, segundo a gestão técnica, diz respeito à própria logíca
da unidade que encontra dificuldades para atender a todos, e o volume de objetos entregue pelos
familiares é bastante grande, tornando-se inviável a entrega de todos os objetos de uma só vez.
Outra situação, que é bastante lembrada nas queixas dos adolescentes, são as revistas
realizadas pelos educadores. Os meninos dizem que há revistas a todo o momento. Há revistas
periódicas tanto nos seus alojamentos, quanto neles próprios quando saem para as atividades e
retornam das mesmas. Sobre esse assunto, na Seção III – Das revistas nas unidades de
socioeducação (p.5-6) do Manual de Segurança, diz o seguinte:
Art. 21. A vistoria estrutural realizada pelos agentes socioeducativos deverá ocorrer
diariamente e em horários variados, nos seguintes locais e objetos:
I. Salas de aula, alojamentos, banheiros coletivos, refeitórios, salas de convivência,
salas de oficinas e salas de verificação;
O nosso primeiro contato com o campo de pesquisa inicia-se em julho de 2018. Durante
todo aquele mês ocorreram ligações telefônicas e contatos presenciais com orgãos governamentais
do estado para a autorização da realização da pesquisa.
O primeiro contato se deu com a FUNDAC-RN, na época. Meses depois, a nomenclatura
muda e torna-se Fundação de Atendimento Socioeduativo do Estado do Rio Grande do Norte –
FUNDASE. Esse contato inicial se deu por telefone, sendo enviado à presidência desse orgão
público a carta de anuência de autorização, via e-mail, para realização da pesquisa no CEDUC-
Pitimbu.
Tal carta de anuência foi enviada à secretaria de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSI) da
UFRN. Em papel timbrado confeccionado por essa instituição, foi então enviado à FUNDASE.
Por quase todo o mês de julho estivemos imersos nesse processo da autorização. Depois de
autorizado pela FUNDASE, o ofício foi enviado para o CEDUC-Pitimbu para, assim, conseguir a
autorização. Mais telefonemas se sucederam.
Esse trâmite se faz necessário, porque segundo o Manual de Segurança Socioeducativa,
PORTARIA Nº 079/2017-GP de 201, da FUNDASE, é estabelecido que:
81
No mês de julho, o CEDUC-Pitumbu estava passando por mudanças na direção. Vários
profissionais migraram para outros cargos e, assim, aprender no dia a dia o ofício das suas novas
funções.
Esse fato dificultou a viabilização da autorização para a realização da pesquisa. Contudo,
conseguimos agendar uma reunião com a equipe técnica para exposição dos objetivos desta
pesquisa, metodologia de atuação, dúvidas que surgissem e conhecimento deste pesquisador pela
equipe técnica da instituição. Até aquele momento a equipe não conhecia pessoalmente o
pesquisador.
No dia 25 de julho de 2018, aconteceu o primeiro encontro do pesquisador com a equipe
técnica da instituição. Participaram deste encontro, além do pesquisador, duas pessoas responsáveis
pela chefia técnica, a assistente social, a pedagoda e a psicóloga.
O pesquisador foi muito bem recebido por todos os profissionais da unidade. Ao chegar à
unidade foi recebido pela recepcionista, que já fora educadora no passado no próprio Pitimbu, que
gentilmente pediu para aguardar na recepção, enquanto daria ciência à chefia técnica da chegada do
pesquisador à unidade.
O encontro aconteceu na sala da chefia técnica. O espaço bastante amplo, com ar-
arcondiconado, computadores, mesas e cadeiras em perfeito estado de conservação.
A chefia técnica se apresentou e apresentou todos os participantes pelo nome, profissão e
funções que desempenhavam na intituição. A iniciativa de que toda a equipe técnica participasse do
encontro, diz respeito à possibilidade de que todos estivessem cientes das atividades que o
pesquisador iria desempenhar e pudesse acompanhá-lo. A circulação de pessoas nos espaços do
CEDUC-Pitimbu é bastante controlada e limitada, seguindo o Manual de Segurança; dessa forma,
há um esforço para que os profissionais saibam quem são as pessoas que estão naqueles espaços e
as funções que desempenham ali.
A chefia técnica foi a responsável por guiar todo o encontro. Apresentou as pessoas ali
presentes, expôs a dinâmica que a instituição estava vivenciando naquele momento (com a mudança
de direção) e apresentou os objetivos daquele encontro, passando a palavra para este pesquisador.
O pesquisador expôs os objetivos principais da pesquisa que pretendia ser desenvolvida ali.
Algo que merece destaque desse momento é que, fora relatado pelos participantes do encontro que o
estado do RN nega a existência das facções no sistema socioeducativo e o conflito entre os jovens
dos alojamentos rivais, e que essa negligência dificulta o trabalho de todos os profissionais, pois
nenhum apoio é dado nesse sentido, e esses profissinais têm que saber lidar no dia a dia com esse
fenômeno à sua maneira.
Vários profissionais, por residirem no estado do RN há muito tempo e estarem trabalhando
no socioeducativo, também há bastante tempo, fizeram relatos importantíssimos sobre o prelúdio
82
das facções no estado. Na visão desses profissionais as facções começaram a aparecer em pequenos
grupos criados nas periferias das cidades, que tinham como função mediar as relações entre os
jovens de diferentes bairros. Algo como pequenas gangues, com nomes e formas de atuação
definidas, e que vão ser incorporadas às facções posteriormente.
Outra questão demandada pelos profissionais foi a possibilidade de se fazer algum trabalho
com as famílias dos adolescentes, que são pertencentes às facções. Foi colocada a importância que a
família exerce no acompanhamento dos adolescentes quando internos da unidade, e que seria
fundamental entender como a família se coloca diante da facção e do adolescente pertencente a ela.
Ficou acordado também que os psicólogos da unidade iriam acompanhar toda a execução da
pesquisa na unidade. Eventualmente também participariam das atividades e que todas as atividades
proprostas seriam reportadas à chefia técnica para que tomasse conhecimento das ações que
desempenharíamos alí.
O pesquisador também solicitou à chefia técnica o acompanhamento da construção de
alguns Planos Individuais de Atendimento (PIA). O pedido foi autorizado prontamente e de forma
colaborativa. A partir disso, houve o fechamento do encontro e o pesquisador trocou telefones
pessoais com a chefia técnica e com a psicóloga (esta que iria acompanhá-lo).
As idas do pesquisador à unidade aconteceram seguindo o manual de segurança,
principalmente em relação às seguintes diretrizes:
§1º. O ingresso e a saída ocorrerão, obrigatoriamente, pela porta principal junto à portaria.
§3º. Se uma mesma pessoa entrar e sair diversas vezes, no mesmo período/dia, todas as
movimentações deverão ser devidamente registradas, realizando-se os procedimentos de
revista correspondentes.
Art. 51. Os visitantes em geral somente terão acesso à unidade quando a visita for
previamente programada, devendo ser encaminhado e acompanhado por servidor designado
pela Gerência.
83
Art. 52. Todos os visitantes, ao acessarem a unidade socioeducativa, deverão ser orientados
sobre as normas de segurança, em conformidade com este Manual, o Regimento Interno e a
Proposta Pedagógica das unidades socioeducativas.
Um ponto a ser destacado refere-se às revistas nos visitantes da unidade. O manual diz que
todos os visitantes deverão ser submetidos à revista. Assim, cogitou-se, num primeiro momento, a
revista no pesquisador, o que foi descartada, pois este se comprometeu com a direção da unidade
mediante o conhecimento e o respeito a todos os procedimentos estabelecidos no manual de
segurança, em especial àqueles sobre a porte de instrumentos, objetos que não fazem parte da
pesquisa, no interior da unidade.
As visitas do pesquisador à unidade aconteceram de forma periódica, por vezes semanais,
durante os meses de julho e dezembro de 2018. A relação das atividades que foram desenvolvidas
pelo pesquisador está descrita na Tabela 04 – Cronograma de Coleta de dados.
O pesquisador em todos os momentos foi muito bem acolhido por todos os profissionais da
unidade. Todos os profissionais, sem exceção, foram bastante solícitos frente às atividades, pedidos
e demais demandas para a realização da pesquisa.
3.3. Participantes.
Fizeram parte da pesquisa adolescentes do sexo masculino em regime de privação de
liberdade, na unidade socioedutiva CEDUC-Pitimbu, e seus familiares. Os participantes estão
distribuídos da seguinte forma: cinco adolescentes residentes em alojamentos destinados à facção
do Sindicato-RN e seus familiares; cinco adolescentes residentes em alojamentos destinados à
facção do PCC e seus familiares. Além disso, foram analisados os Planos de Antendimento
Individual (PIA) de cada adolescente.
O número de adolescentes da pesquisa foi pensado a partir da organização da unidade
socioeducativa e o trabalho com trajetórias de vida. O CEDUC-Pitimbu é divido por alojamentos
designados às facções Sindicato-RN e PCC.
Aos primeiros são atribuídos os alojamentos de toda a parte superior com três pavilhões e 12
camas cada, além de dois pavilhões com 12 camas cada, na parte inferior. Nesses pavilhões
continham 38 adolescentes no início da pesquisa e, durante, passou a ter 48. Em menor quantidade,
ao PCC é remetido apenas um pavilhão com 12 camas na parte inferior. Esse pavilhão comporta
oito adolescentes. Apesar do aumento do quantitativo de adolescentes no decorrer da pesquisa,
nenhum deles foi destinado àquele pavilhão, permanecendo assim com o número de oito
adolescentes. Dessa forma, no intituito de tornar igualitário o quantitativo de adolescentes
84
residentes em alojamentos designados a ambas as facções, levando-se em consideração a
organização da unidade e o trabalho com trajetórias de vida, estabelecemos o número de dez
adolescentes e seus familiares.
Estabelecido o número de participantes, a escolha dos adolescentes se deu a partir dos
seguintes critérios:
Bairro onde reside – optamos por fazer um recorte mais contextutalizado, circunscrito à
cidade de Natal e região metropolitana. Escolhemos adolescentes que residem na cidade de
Natal e Parnamirim e as cidades distantes da capital e região metropolitana, ou mesmo fora
do estado do Rio Grande do Norte, não participaram desta pesquisa.
Estar na unidade socioeducativa há pelo menos cinco meses – esse critério, a partir do
tempo de permanência na unidade, dá margem ao adolescente ter uma vivência na unidade
socioeducativa do Pitimbu e, assim, participar das dimâmicas relacionais entre as facções no
interior da unidade.
Receber visitas periódicas da família – essa condição permite que a pesquisa tenha outra
fonte de dados complementar.
3.3.1. O perfil dos adolescentes que residem nos alojamentos destinados ao Sindicato-RN
Idade: 17 anos.
Idade: 16 anos.
A entrevista com Ringo foi realizada no dia 12 de agosto de 2018, às 11 e 45 da manhã, logo
após a entrevista com John. O local da entrevista também foi a sala de aula, que fica próxima à
quadra poliesportiva, e foi escolhida por ser próxima ao alojamento de Ringo. As características
estrutrurais desse local já foram detalhadas no tópico anterior.
Também fechamos a porta e janelas da sala, de modo a prevenir que educadores ouvissem o
que estava sendo falado e, assim, pudesse influenciar na entrevista. A partir disso, a entrevista
ocorreu normalmente.
A entrevista durou aproximadamente 45 minutos. Estavam na sala apenas o pesquisador e o
adolescente. As demais pessoas, a gestora técnica (que nos acompanhava na pesquisa) e os
educadores, permaneceram do lado de fora da sala.
Tomamos cuidado para a entrevista não se estender. Começamos tarde e poderia atrapalhar a
hora do almoço dos educadores e adolescentes. Contudo, não houve problemas nesse sentido.
Na entrevista foi possível conversar sobre diversos asssuntos, inclusive aqueles relacionados
à facção. Ringo também fez questão de afirmar que, embora soubesse detalhes de como funciona a
facção, não era filiado ao grupo. Porém, em outros momentos da entrevista, relatando casos
pessoais, sem perceber fala coisas do tipo “Ah! Quando eu fiz tal coisa pra facção, eles me
ajudaram em outra situação”, ou seja, mesmo sem querer aponta para o seu vínculo com o grupo.
Finalizamos a entrevista pedindo permissão para conversar com seus familiares sobre os
assuntos tratados nesta entrevista, o que foi concedida por ele. No caso de Ringo, é a sua mãe que o
87
visita com frequência.
Idade: 14 anos.
Tempo na unidade: há dois meses na unidada do Pitimbu. Antes disso, passou sete dias no CIAD-
Natal, fugiu com vinte e três dias, retornou ao CIAD-NATAL permanecendo mais trinta e oito dias;
e agora está no CEDUC-Pitimbu.
Idade: 17 anos.
Idade: 18 anos.
3.3.2. O perfil dos adolescentes que residem nos alojamentos destinados ao PCC
Agora iremos apresentar os adolescentes residentes nos alojementos destinados ao PCC. O
trabalho com estes adolescentes iniciou-se no mês de outubro de 2018.
Algumas considerações sobre o contexto da unidade, nesse período, precisam ser destacadas.
O clima da unidade naquele mês era de tensão e ansiedade por parte dos educadores, fato que
influenciava na retirada dos adolescentes do alojamento. Havia uma prerrogativa de tirar apenas um
ou dois adolescentes durante o dia para a realização das entrevistas, contudo, nada que impedisse a
realização da pesquisa. Alguns fatores concorreram para que essa nova situação surgisse.
O primeiro diz respeito à redução drástica do contingente de educadores da unidade. Para se
ter uma ideia, no dia 06 de outubro de 2018, dia em que realizamos as primeiras entrevistas com os
meninos residentes nos alojamentos do PCC, a equipe formada por educadores caiu perto da
metade. A equipe formada por 15 educadores – quantitativo que seria o ideal, foi reduzida para oito
91
naquele dia.
Juntamente a isso, naquele mês de outubro houve um aumento em dez adolescentes na
unidade. Esta, que no início da pesquisa comportava 46 adolescentes, no mês de outubro já contava
com 56. Todos esses novos adolescentes foram alocados nos alojamentos do Sindicato-RN.
Dessa forma, o aumento do quantitativo de adolescentes e a redução do número de
educadores ocasionou um clima mais tenso entre os educadores, fazendo com que estes ficassem
mais alerta, planejassem com mais cuidado a retirada dos adolescentes e fossem comedidos sobre a
quantidade e momento de retirada dos adolescentes dos alojamentos.
Naquele momento, havia dez adolescentes nos alojamentos destinados ao grupo do PCC.
Escolhemos cinco nomes para as entrevistas individuais. O perfil em linhas gerais desses
adolescentes com o nome fictício para ser garantido o sigilio dos mesmos, serão mais bem descritos
a seguir.
Idade: 18 anos.
Idade: 18 anos.
Tempo na unidade: há cinco meses na unidade. É a sua segunda internação na unidade, que teve
início em 2017; evadiu-se e foi encontrado em outra cidade; foi transferido novamente para a
unidade do Pitimbu.
PEPEU:Porque se ele ganhar, ele vai colocar os “de menor“ na cadeia mesmo? E o que vai
acontecer com a gente, a gente vai pro presídio mesmo?
PESQUISADOR: A redução da maioridade penal? Rapaz, ele é defensor disso mesmo, mas pra isso
passar, é preciso passar pela câmara, pelo senado, demora um pouco...agora no caso de vocês, que
já estão no socioeducativo, não sei se são afetados, porque a lei não retroage para prejudicar uma
pessoa, apenas pra beneficiar.
PEPEU: Hum, entendi. Ele é um otário! Ele só quer lascar com a gente, mas se isso acontecer vai
ser até bom, porque a gente vai pro presídio.
Idade: 14 anos.
Idade: 18 anos.
PESQUISADOR: Mas, veja só, vocês ficam dizendo que Paulinho é estuprador, mas ele nega, diz
que não é não, por que você acha que ele é?
DADI: Porque ele é, ele gosta de homem, fica “bolinando” com a gente lá no alojamento, foi daí
que começou a surgir isso.
97
PESQUISADOR: Ah! Então ele não é estuprador, ele é só gay, não é não?
DADI: Gay? (Fala indignado) Gay tenta dar em cima do cara quando o cara tá acordado, aí se
você quiser...gostar, você fica com ele...Paulinho não, Paulinho é safado e fica “bolinando” com
nós quando estamos dormindo, ele enfiou o dedão no cu do boy quando ele tava dormindo (nesse
momento Dadi e o Pesquisador riem da situação), isso é coisa de estuprador, transar com a
pessoa quando a pessoa não quer, por isso ele é estuprador, entendeu?
Isto posto, o boato sobre Paulinho ser estuprador advém dessa situação inusitada, um tanto
jocosa no momento da entrevista, em que aquele pretendia ter relações sexuais com os outros
garotos do alojamento, sem o consentimento destes no momento em que estavam dormindo. Esse
ato foi entendido como uma atitude que só um estuprador teria. A partir disso, o boato se espalhou
para os demais alojamentos incluindo os do Sindicato, não aceitando Paulinho quando este foi para
lá.
Por fim, dá detalhes, na sua percepção, o que diferencia e tem de comum entre as duas
facções. Por exemplo, acha que o Sindicato é mais presente do que o PCC, pois oferta advogados de
defesa para os adolescentes vinculados àquele grupo, o que não viu fazer de forma semelhante com
os adolescentes do PCC.
Paulinho aparentava estar bastante tranquilo e à vontade. Tinha acabado de acordar, escovou
os dentes e foi chamado para a entrevista. A conversa fluiu bem, passando por várias temáticas
delicadas, não se abstendo de falar de nenhuma delas. Dentre os principais temas que tratamos
foram os seguintes: o boato do estupro; a sua relação com ambas as facções; diferenças e
semelhanças de ambas as facções; a sua trajetória no crime e a aproximação de outros adolescentes
das facções; e, por fim, o cotidiano do CEDUC-Pitimbu.
Idade: 18 anos.
98
Alojamento que reside: PCC.
A entrevista com Dadi foi realizada no dia 14 de outrubro de 2018. O local da entrevista foi
a sala de aula próxima à quadra poliesportiva, que diferente das outras vezes, estava limpa e
estruturalmente demonstrava estar bastante conservada. A entrevista aconteceu nesse local porque
os alojamentos destinados ao PCC são próximos a essa sala.
Dadi é bastante descontraído, extrovertido e fala alto. Fala muito rápido e com bastante
gírias, fato que levou o pesquisador a interromper seu relato para que o mesmo explicasse o
significado das gírias.
Dentre os principais temas que tratamos na entrevista podemos citar: o boato sobre o
estupro; o cotidiano do CEDUC-Pitimbu; a sua relação com a facção do PCC no seu bairro Planalto
e dentro do CEDUC; o surgimento da facção no bairro Planalto; os motivos que levam o
adolescente a entrar numa facção; a relação dos integrantes da facção com a polícia; a sua trajetória
de vida no crime e aproximação com a facção; a sua relação com a facção do Sindicato-RN.
O pesquisador pediu autorização ao adolescente para que pudesse conversar com sua família
nos dias de visita, que foi concedida de imediato. Sua mãe, sua namorada e filhas são as pessoas
que o visita; contudo, apenas sua mãe apareceu nos dias em que o pesquisador faria a entrevista.
Dessa forma, a sua mãe foi o membro da família entrevistado.
No dia 23 de outubro aconteceu uma tragédia no CEDUC-Pitimbu. Dadi veio a falecer
eletrocutado acidentalmente. Esse fato está descrito na introdução desta tese.
100
Assim, a coleta de dados foi temporalmente dividida dessa forma:
4. Por fim, de forma complementar, realizamos entrevistas com as famílias dos adolescentes
da pesquisa para ter acesso às trajetórias de vida dos meninos, como também às inserções
das facções em seus bairros, no contexto onde residem.
Embora se estabeleça uma ordem sequencial de coleta de dados, no campo de pesquisa essa
ordem respeitou a dinâmica da unidade e dos sujeitos de pesquisa. Em determinados momentos, por
exemplo, as entrevistas com as famílias ocorreram primeiro do que as entrevistas em profundidade
com os adolescentes, já em outros momentos ocorreram de forma intercalada, entrevista com
familiares, depois com o adolescente e novamente com os familiares.
101
Os dados coletados com esses diferentes atores sociais visaram reunir informações a respeito
de cada objetivo específico da pesquisa. A relação entre coleta de dados e os objetivos da pesquisa
será exposta na figura abaixo.
A figura 02 apresenta a relação dos objetivos da pesquisa com a coleta de dados (quadros
pintados em amarelo). A Observação participante e a Análise dos PIAs dão suporte para as
Entrevistas em profundidade com os adolescentes. Esta última foi a principal fonte de obtenção de
informações e subsidiou todos os objetivos. A Entrevista com as famílias dos adolescentes tornou-se
essencial, pois, trouxe elementos históricos de surgimento e inserção das facções nos territórios da
cidade de Natal e Parnamirim, além de processos de criminalização vivenciados pelos adolescentes
nas suas trajetórias de vida. O detalhamento mais acurado e contextualizado dessas questões se dará
na análise dos dados presente nos capítulos subsequentes. Na seção seguinte, detalharemos cada
técnica de coleta de dados.
102
informações pertinentes ao objetivo geral e específicos desta pesquisa.
Adapando-se à rotina da unidade, majoritariamente as entrevistas com os adolescentes
aconteciam nos dias das ligações telefônicas aos seus familiares, e funcionava da seguinte forma: 18
adolescentes precisavam fazer as ligações telefônicas. Três adolescentes eram retirados dos
alojamentos por vez e ficavam esperando a sua vez na área comum, com cadeiras, em frente à sala
da gestão técnica. Enquanto um adolescente realizava a ligação, os demais esperavam do lado de
fora da sala. A cada retirada de três adolescentes dos alojamentos era deslocado um efetivo de três
ou quatro educadores.
As entrevistas eram realizada nesse ínterim. Entre a retirada de um grupo e outro, de três
adolescentes, fazíamos uma entrevista individual com aqueles meninos que havíamos acordado com
a gestão técnica e educadores que participariam da pesquisa. Para isso, era preciso bastante
organização e atenção, pois muitas vezes o alojamento ficava num lugar mais distante da unidade,
ou o adolescente que residia num alojamento de uma determinada facção, não poderia passar pela
frente do alojamento da facção rival; ou mesmo, o quantitativo de educadores que deveria ser
deslocado para essa atividade. Para as entrevistas individuais eram deslocados dois ou três
educadores.
As inserções do pesquisador na unidade, antes das entrevistas, tornava-o conhecido por
alguns adolescentes. Porém, para a realização efetiva das entrevistas era preciso criar um vinculo de
confiança e, ao mesmo tempo, ofertar um espaço acolhedor para que os adolescentes se expussem
de forma autêntica e não dessem “respostas feitas”, normativas sobre temas mais delicados e
pessoais. Assim, o pesquisador tomava precauções e traçava algumas estratégias antes, durante e
após as entrevistas.
Antes das entrevistas: em algum outro momento em que estivesse no mesmo espaço que o
adolescente, o pesquisador tinha o cuidado e o respeito de falar com ele, perguntar como foi o seu
dia; o que estava fazendo antes de chegar alí; o que comeu no almoço e se a comida estava boa,
enfim, “puxava conversa” sobre o seu cotidiano. Essa atitude sutil e importante no processo
socioeducativo, por vezes não era adotada por alguns profissionais que adentravam naquele espaço,
cumprimentava a todos, menos o adolescente que estava ali.
Durante as antrevistas também havia o respeito e o cuidado para “puxar conversa” antes de
entrar na sala das entrevistas. Durante a entrevista, o humor era colocado de forma honesta, natural
e servia para “quebrar o gelo”, fazendo com que o adolescente se sentisse mais a vontade. Várias
entrevistas foram guiadas dessa forma:
103
ADOLESCENTE: tava bom!
Essa situação causava uma reversão de expectativa no adolescente. É possível que este visse
o pesquisador como mais um profissional. Porém, a partir do momento em que o pesquisador falava
num linguajar parecido com o seu; emitia opiniões verdadeiras sobre a rotina da própria unidade e
conduzia a entrevista de forma descontraída, influenciavam positivamente o adolescente, deixando-
o mais a vontade.
Outra questão que ocorria era a construção do vínculo com o adolescente. É sabido que não
é permitida a entrada de diversos objetos na unidade, principalmente quando próximos aos
adolescentes. O pesquisador ia para as entrevista de posse apenas de um caderno e uma caneta.
Porém, também levava no seu bolso um confeito, um Halls. Durante a entrevista o pesquisador
tirava-o do bolso e oferecia ao adolescente. Este ficava extremamente agradecido. Criava-se, então,
um ambiente acolhedor e vínculo entre o pesquisador e adolescente.
Após as entrevistas: apesar da curiosidade de alguns profissionais da unidade, o pesquisador
tinha o cuidado de não comentar o que fora falado pelos adolescentes nas entrevistas. Nos dias de
visita, o pesquisador circulava por entre as famílias, para que os adolescentes o chamasse,
apresentasse aos seus familiares e conversassem despretensiosamente. Isto também ajudava a
construir um ambiente acolheador e de confiança com o adolescente.
Para a realização das entrevistas em profundidade, o pesquisador esteve dotado do roteiro de
entrevistas aberto. O roteiro de entrevista (em anexo) é dividido nas seguintes partes:
1. Exposição do objetivos e contextualização da pesquisa, aspectos éticos de sigilo dos
dados e uso apenas para fins científicos;
EIXO III – Aspectos sobre a trajetória de vida do adolescente, que dizem respeito à vivência
da sua infância e adolescência no bairro, e suas relações com a família, escola, polícia,
preconceito, buscando fazer aproximações com processos de criminalização.
No ato da entrevista, buscamos a todo momento o cuidado no trato com temas delicados,
seja sobre os fatos da vida do próprio adolescente, seja sobre a facção. O pesquisador de forma
empática direcionava o contexto das perguntas a terceiros, ao grupo, e não diretamente ao
adolescente. Nesse movimento, ao falar de uma realidade que não era a sua, o adolescente falava de
si mesmo e, esse era, então, o momento de trazer o contexto das perguntas para a realidade do
próprio adolescente.
Se perguntássemos diretamente quais motivos que o levaram a entrar numa facção,
provavelmente obteríamos uma resposta com pouco detalhe, uma resposta mais normativa, “mais
aceita” para o pesquisador, ou mesmo como um “não sei” e, até mesmo, a negação do ingresso no
grupo. Assim, de forma mais prática, ao invés de perguntar ao adolescente os motivos que o
levaram a entrar na facção, perguntávamos assim: para você, quais os motivos que os adolescentes
do seu bairro entram numa facção? Assim, tiramos do contexto particular do adolescente o sujeito
da pergunta.
Essa técnica é denominada de Descontextualização Normativa (Menin, 2006). Com a
técnica é possível desvendar certas representações, valores, crenças que estão escondidas por causa
da sua contraproducência às normais sociais vigentes, tomando como referência os grupos em que o
sujeito está inserido. Segundo Meni, (2006), na prática, a técnica de descontextualização normativa
consiste em preparar:
“ [...] o receptor das respostas do sujeito, ou seja, a quem o sujeito responde ao questionário;
e que pode ser ou alguém do grupo de referência do próprio sujeito, com seus mesmos
105
valores, ou alguém com outros valores. Postula-se que será mais fácil ao sujeito responder,
expressando suas ideias desviantes, contra-normativas, em face de uma pessoa menos
próxima e que não partilha do mesmo sistema de referência do sujeito” (Menin, 2006, p.44).
Dessa forma, a técnica busca reduzir a pressão colocada sobre o sujeito da pesquisa por meio
da presença do pesquisador e a exposição de ideias contra-normativas. Direciona-se, então, o
contexto das perguntas para uma situação mais distante do grupo de referência do participante,
permitindo-lhe, assim, “exprimir mais livremente seu pensamento através da redução dos riscos de
julgamento negativo da parte de seus interlocutores” (Menin, 2006, p.44).
Além da apresentação inicial para o adolescente, iniciava-se a entrevista com a dinâmica do
diário sobre a vivência na unidade socioeducativa. Tal qual o roteiro de entrevista da dinâmica,
começando com a seguinte questão: “Qual seria a primeira coisa que um adolescente deveria saber
sobre a unidade socioeducativa quando ele chegasse aqui?”.
Depois de debater a respeito, continuava-se com o questionamento: “Se você pudesse
explicar para um adolescente que chegasse aqui, as piores coisas da unidade, quais seriam? Quais
seriam os pontos negativos? E os positivos? O que tem de bom aqui?”
O conector para falar sobre as facções muitas vezes acontecia quando era pedido para que
explicassem como foram os seus trajetos de entrada na unidade socioeducativa: “Foi recebido por
quem? Qual alojamento ficou? Como se decidiu isso? ” – inevitalmente falava-se sobre as facções,
pois, os alojamentos da unidade, como mencionado são divididos por facções.
Já no fim da entrevista, depois de perceber o adolescente mais à vontade, finalizávamos com
a dinâmica das reportagens. A dinâmica funcionava dessa forma: o objetivo era estimular a
discussão de processos de criminalização nas trajetórias de vida dos adolescentes e sua interface
com as facções. Para isso, com recortes de reportagens dentro de uma sacola, pedia-se para que o
adolescente tirasse uma notícia por vez, lesse e comentasse sobre o que achava, se concordava ou
não, se aquele fato estava presente na realidade da sua comunidade. As reportagens estão no Anexo
2.
Finalizávamos a entrevista quando percebíamos cansaço do adolescente e a repetição dos
relatos sobre os temas que eram propostos. Repetíamos a entrevistas com o mesmo adolescente
quando entendíamos que determinados temas não haviam sido esgotados. Ao final, perguntávamos
se podíamos entrevistar também as suas famílias, o que era aceito prontamente.
As entrevistas tinham duração em média entre 40 minutos e uma hora com cada adolescente
e não houve gravação das entrevistas. Achamos mais prudente não gravar as entrevistas, pois o
relato de temas abordados são delicados e a sua gravação poderia criar um ambiente constrangedor,
impedindo o desenrolar da entrevista. Além disso, o relato sobre as facções, por si só, pode
106
comprometer os participantes da pesquisa.
Os registros das entrevistas foram feitos em diário de campo logo após a realização de cada
entrevista. Após ocorrer entrevista, registrava-se as principais ideias sobre cada tópico discutido,
buscando-se transcrever com fidedignidade o relato do adolescente, respeitando suas ideias,
posicionamentos, linguajar. O registro das entrevistas será melhor detalhado no tópico sobre a
análise dos dados.
- Alguns PIAs de adolescentes que já estavam na unidade há pelo menos cinco meses, ainda
estavam em construção: os PIAs deverão ser elaborados no prazo de até 45 dias da data do
ingresso do adolescente no programa de atendimento.
- A saída da facção.
Por sua vez, tais blocos de discussão foram construídos no momento de análise tendo como
referência os dados empíricos e o quadro analítico do pesquisador. Cada bloco de discussão foi
111
embasado com a descrição dos diálogos das entrevistas. Embora as entrevistas não fossem
gravadas, os episódios, fatos particulares foram registrados e transcritos em formato de diálogo, o
mais fiel possível, respeitando o vocabulário de cada participante e do próprio pesquisador, de
modo a conferir fidedignidade ao que foi vivenciado no decorrer das entrevistas.
Os dados foram analisados numa perspectiva crítica, à luz do materialismo histórico e
dialético, que entende o fenômeno na sua historicidade e contexto social de produção (Gonçalves,
2005). A escolha desse método de análise implica uma postura que vai de encontro ao fazer ciência
das ciências tradicionais positivistas e busca superar a dicotomia objetividade/subjetividade,
indivíduo/sociedade, para uma visão integradora do sujeito/objeto, produto do seu contexto e de sua
historicidade, e em constante processo de transformação dialética das relações e condições materiais
existentes.
A sociedade, compreendida como totalizadora burguesa, é vista como um corpo social
sujeita à transformação a partir de uma visão dialética de construção da realidade pelos sujeitos que
são ativos nesse processo:
Nesse sentido, Sílvia Lane, a partir da leitura da obra marxiana, compara a análise da
realidade social ao funcionamento dos organismos biológicos na sua totalidade e solidariedade
funcional:
Temos que considerar a sociedade como uma totalidade tal como a totalidade orgânica,
dotada de leis estruturais, especificidade e solidariedade funcional entre as partes; além
disso, tal como os organismos vivos, a sociedade é pensada como totalidade dotada de
história, que nasce e caduca como os seres vivos, isto é, não é imutável, sofre
transformações (Lane, 2004, p.21).
2) O adolescente foi convidado a participar da pesquisa e deu permissão para prosseguir com
o estudo por espontânea vontade;
3) Na parte que lhe disser respeito, as transcrições das entrevistas em profundidade poderiam
ser disponibilizadas para o adolescente sempre que solicitadas;
114
A execução da pesquisa só fora iniciada medidante autorização de todas as instituições
envolvidas, resgitrado em documento assinado pela secretaria da Pós-Graduação em Psicologia
(PPGPSI) da UFRN e pelo CEDUC Pitimbu, são eles: Carta de Anuência; Termo de Concessão;
Termo de Confidencialidade.
115
Capítulo 4 – As trajetórias de vida dos adolescentes no sistema socioeducativo do RN e seus
envolvimentos com as facções
É importante dizer que, as análises feitas sobre as facções e suas conexões com os territórios
são baseadas na observação participante, documentos e nos relatos dos participantes desta pesquisa,
inseridos no contexto da unidade socioeducativa CEDUC-Pitimbu. Dessa forma, é preciso ter
cautela com a generalizações desses dados para outros contextos e outras situações.
Cada subtópico apresentado se dá a partir da exposição dos diálogos das entrevsitas. Os
trechos que estão entre parênteses e em negrito correspondem aos apontamentos dos pesquisadores.
Há um conjunto de palavras que aqui são tratadas como sinônimas, são elas: Territórios,
bairros e, a depender do contexto, “quebradas”; CEDUC-Pitimbu, CEDUC, Pitimbu, unidade
socioeducativa ou unidade; Sindicato-RN, Sincato do Crime ou apenas Sindicato.
De modo a não se tornar repetitivo e cansativo, ao discutir sobre determinado tema, não
116
colocamos os trechos de todas as entrevistas, apenas aquela que contempla a discussão. Como
veremos a seguir, os relatos saturam sobre os temas, não havendo a necessidade de colocar na
íntegra a entrevista de todos os participantes.
4.1.Indícios de surgimento das facções nos territórios nas cidades de Natal e Parnamirim
Neste subtópico, exporemos os primeiros indícios de surgimento das facções nos territórios,
localizados nas cidades de Natal e Parnamirim. A partir dos dados coletados, entendemos que a
lógica de surgimento das facções nos territórios acontecem de formas distintas, a depender do
contexto. No entanto, há padrões sobre as formas como surgiram e, assim, delimitamos em dois
conjuntos de territórios, são eles: 1) Parnamirim, Felipe Camarão; 2) Planalto e 3) Mossoró.
Para isso, lançaremos mão das narrativas dos familiares dos adolescentes. Os relatos
daqueles são fundamentais porque residem há mais tempo nos territórios, vivenciaram
temporalmente os processos de mudança com a aentrada das facções.
Ademais, os adolescentes, quando perguntados a esse respeito, a grande maioria não sabia
responder. Isso pode ter acontecido porque quando as facções começaram a surgir em Natal e região
metropolitana, os adolescentes eram crianças, pré-adolescentes e não acompanharam o processo.
Buscamos reproduzir os diálogos segundo os diários de campo. Como já dito anteriormente,
aquele fora construído logo após as entrevistas, visando trazer um relato mais aproximado do que
fora vivenciado nas entrevistas.
Em relação ao primeiro grupo (Parnamirim, Felipe Camarão), o pai e a mãe de John contam
que residem em Parnamirim há pelo menos 25 anos. Acreditam que há cinco, seis anos começaram
a perceber os primeiros indícios de facções no seu bairro. O diálogo será reproduzido a seguir:
PESQUISADOR: ...e em relação às facções, se vocês pudessem me dizer, por exemplo, quais foram
os primeiros indícios que vocês começaram a perceber das facções nos seus bairros? Em que ano
mais ou menos tudo começou? Como vocês moram há 25 anos no bairro, houve um tempo em que
não existia facção e depois passou a existir...quando foi e como foi que passou a existir?
PAI DE JOHN: Bom...esse negócio de facção é complicado...eu não sei se você sabe, mas eu já fui
do crime, fazia uns assaltos, traficava drogas, essas coisas...hoje graças a Deus estou convertido
ao Senhor e vivo pra isso agora...mas naquele tempo que eu era do crime...bota aí uns 15 anos
atrás...eu não via essa história de facção, ninguém falava disso, essa coisa é mais recente, é de
agora....
A mãe de John não fala muito nessa entrevista. Quem responde as peguntas quase sempre é
o pai de John. Contudo, a mãe consente sobre o que é falado pelo pai.
PAI DE JOHN: Uns novatos com sotaque de paulista começaram a aparecer lá no bairro, no
condomínio que a gente mora... a gente morava num condomínio popular... aí apareceram esses
meninos paulistas, tatuados com a cara mal encarada...
PESQUISADOR: John tinha quantos anos na época?Era quase uma criança, não era?
PAI DE JOHN: Era, por aí... eu viajava muito nessa época, ela (a mãe de John) trabalhava o dia
todo, e aí John ficava sozinho lá no condomínio com os meninos de lá... quando chegou esses
paulistas, ele cemeçou a andar com eles e aí deu no que deu.
O relato do pai de John é bastante pertinente porque vivenciou essa transição da entrada das
facções no bairro , e por ter vivenciado o que ele chamou de “mundo do crime”. A forma como
surgiram, data de meados dos anos 2012-2013, quando jovens “novatos”, tatuados, mal encarados,
com sotaque paulista apareceram no bairro e no condomínio onde morava, e começaram a conviver
com outros garotos daquele local, incluindo o próprio John, na época com 11, 12 anos de idade.
Embora, não esteja reproduzido no diálogo (será reproduzido no subtópico seguinte), o pai
diz que hoje tenta evangelizar os jovens que estão no “mundo do crime”. Conta que vai até a boca
de fumo para convidar os jovens para a pregação. Aqueles que não vão, ele insiste indo até a boca
para chamá-los.
Os relatos do pai e mãe de John sobre o surgimento das facções em Parnamirim,
assemelham-se aos relatos de outros familiares de adolescentes em outros bairros da cidade de
Natal. A seguir descreveremos os relatos sobre o surgimento das facções no bairro Felipe Camarão.
A família de Pete, mãe e namorada, comentam esse assunto. A primeira reside em Felipe
118
Camarão há dez anos, enquanto que a segunda reside no bairro desde que nasceu.
MÃE DE PETE: Eu sempre morei em Natal, mas nesse bairro agora (Felipe Camarão), moro lá há
uns dez anos... antes eu morava em outro bairro, mas tou querendo mudar de novo pra (omitimos o
nome do bairro que possívelmente irão mudar porque pode dar indícios sobre a identidade de
Pete e sua mãe),por causa desses problemas com Pete, tou só esperando ele sair daqui pra a gente
ver isso...
PESQUISADOR: Lá nesse bairro que a senhora pretende ir, é reduto de alguma facção?
MÃE DE PETE: Pois é, aí é que tá o problema, dizem que lá não é dominado por nenhuma facção,
mas Pete disse que é do PCC... ele falou,“Mainha, se a gente for pra lá, os cara lá vão me
decretar”, aí eu falo, “E eu lá tenho nada a ver com facção Pete, quero viver minha vida em paz”...
Aí ele fica olhando, assim, calado.
PESQUISADOR: Hum, entendi... pois, então, como a senhora já reside no bairro há uns dez anos,
e sempre morou aqui em Natal, houve um momento em que não existia facção e depois começou a
ter, qual foi a época mais ou menos, e os primeiros indícios que a senhora começou a perceber a
presença das facções?
MÃE DE PETE: Olhe, assim, a gente começou ver mais essas coisas pela televisão, porque passa
lá direto, eu nem sabia que existia isso... mas, lá no bairro mesmo, acho que começou há uns cinco
anos, por aí.
PESQUISADOR: Hum, e como a senhora viu, de fato, que ali era coisa da facção, quando
começou a perceber os movimentos da facção?
MÃE DE PETE: Ah! Eu comecei a ver os meninos nas esquinas, umas turminhas juntas nas
esquinas, uns caras tatuados.
PESQUISADOR: Ali a senhora acha que era a presença de fato das facções?
MÃE DE PETE: Era, porque Pete começou a andar com esses meninos e acabou depois entrando
119
na facção.
Depois disso, a entrevista continuou sobre outros assuntos, e a mãe de Pete sugeriu que o
pesquisador entrevistasse a Consuelo (nome fictício), sua namorada. Segundo a mãe, a namorada é
pertencente à facção e influenciou Pete a, também, se filiar. A jovem estava na unidade naquele dia
para visitar Pete e concordou em participar da entrevista. Sobre o surgimento das facções no bairro,
diz o seguinte.
CONSUELO: Rapaz, dizer assim, quando começou, eu não sei dizer não, mas foram esses dias aí...
CONSUELO: Anos atrás, sei lá, uns quatro anos, por aí.
PESQUISADOR: E como começou no bairro, você sabe? Como surgiram, quais foram as primeiras
coisas que começaram a surgir que você disse que ali era coisa de facção?
CONSUELO: Ah! Acho que começou a aparecer uns caras tatuados, com tatuagens de palhaço,
“fulano” mesmo (omitimos a nome do rapaz para não revelar a sua identidade), tem uma
grandona, assim, na perna, que deve ser influência deles.
A Consuelo apresenta uma narrativa semelhante aos pais de Pete e John. Contudo,
complementa com outras características do sujeitos “novatos” no bairro, que são as tatuagens de
palhaço. Esta caracterísca também vai estar presente no relato da mãe de Ringo, referente à Felipe
Camarão, como podemos ver a seguir.
MÃE DE RINGO: Tem, muito tempo mesmo, por volta de uns 30 anos.
PESQUISADOR: 30 anos? Nossa, muito tempo, mas sempre morou em Felipe Camarão?
MÃE DE RINGO: Morei em outros lugares que não aqui em Natal, mas aqui em Natal, sempre lá...
PESQUISADOR: Hum, entendi, eu queria saber o seguinte... como a senhora mora há muito tempo
120
em Felipe Camarão, houve um tempo em que não existia facção e de uma hora pra outra passou a
existir, quais foram as primeiras coisas que a senhora começou a ver diferente no bairro, que
atestavam que ali se tratava das facções?
MÃE DE RINGO: Hum... (a mãe de Ringo pensa bastante na resposta, algo que chama a
atenção), eu não sei muito dessas coisas de facção, mas acho que começou a aparecer lá no bairro
uns caras todos tatuados com umas tatuagens de palhaço...
MÃE DE RINGO: É! Tatuagem de palhaço, eu sei porque dava pra ver as tatuagens nas pernas,
nas costas deles quando tavam sem camisa, eu acho horrível! (a mãe de Ringo ri).
PESQUISADOR: (com o clima mais descontraído, questionamos) A senhora sabe o que significa
essas tatuagens de palhaço?
MÃE DE RINGO: Ah! Tem a ver com a polícia, neh? Quem matou ou vai matar policial, esses
negócios.
PESQUISADOR: Hum, entendi! E quando começou isso, a senhora saberia precisar um ano em
que essas coisas começaram a aparecer?
MÃE DE RINGO: Acho que uns cinco anos atrás, por aí.
O relato do familiar de Ringo se assemelha aos anteriores por trazer um certo personagem
tatuado, como precursor da chegada das facções. Acrescenta-se à característica da tatuagem de
palhaço, a mensagem que deseja transmitir com o desenho, que é a ideia de que mataram ou
desejam matar policiais.
A tatuagem de palhaço está presente no imaginário dos policiais da cidade de Natal e
Parnamirim e é usada recorrentemente nas abordagens das pessoas nas comunidades. A descoberta
dessas tatuagens, pelo policial, pode levar a represálias mais violentas contra o sujeito. É o alerta
121
que Brito (2018) faz ao descrever uma interpelação policial de um jovem negro na comunidade Mãe
Luiza, na cidade de Natal:
em uma noite qualquer, a viatura do Batalhão de Operações Especiais surgiu na rua onde ele
estava e todas as pessoas correram a fim de se esconder, mas ele [Brown] não. Ele
permaneceu na rua. “Não devia nada. Não tinha para quê correr.”, disse ele. Um policial
mandou ele apoiar as mãos na parede com as pernas abertas para iniciar o procedimento de
revista (ou baculejo). Enquanto Brown era revistado, o policial perguntou o que ele fazia
naquela rua e onde ficava a “boca de fumo”. “Vamos, boy. Diga aí onde fica a boca de fumo.
Tá com medo de morrer, é? Pode dizer! Não tenha medo não. Tem tatuagem de palhaço
aí?!”, disse Brown sobre as palavras do agente de segurança. Demonstrei não entender a
pergunta sobre a tatuagem de palhaço. E logo Brown e João me explicaram que a tatuagem
de palhaço significa “matador de policial”. “Um palhaço tipo o coringa”, disse João, que
continuou “Mas o cara pode ter a tatuagem e nem saber desse significado. Assim como
você” [...] Ao final da revista, já tendo checado se Brown teria “passagem pela polícia”, o
policial se despede de Brown alertando-o que caso o veja de novo por ali não seria bom para
ele. Ou seja, um caso evidente de ameaça. Um anúncio individual de um toque de recolher –
Diário de campo, dia 07 de julho de 2016 (Brito, 2018, p.160).
Além da possibilidade de uma postura mais agressiva do policial, caso houvesse a tatuagem
de palhaço por quaisquer motivo, incluindo o estético, questiona-se o que levaria o policial a supor
que Brown (aquele que foi alvo da revista) saberia onde ficaria a Boca de Fumo. Além de diversos
processos de criminização que incidem sobre esse jovem, por meio da sua condição social, cor de
pele, vestimentas, etc., o autor conclui que “estar na rua à noite é uma fonte de perigo para o jovem
da periferia, e o agente causador desta ameaça é o próprio Estado” (Brito, 2018, p. 161).
Dessa forma, o surgimento das facções em Parnamirim e Felipe Camarão traz um certo
padrão. A priori, há um tempo histórico determinado de surgimento, que seria em meados de 2012 e
2013, (presente nas falas como há uns cinco ou seis anos atrás) e, também, há a construção da
imagem de um tipo específico de indivíduo, que deu início ao surgimento às facções, caracterizado
como novatos no bairro, com sotaque paulista, tatuados (às vezes com tatuagens de palhaço),
aparentemente zangados e que andavam em grupos, juntando-se nas esquinas das ruas.
O contexto de surgimento do PCC no estado de São Paulo é o sistema penitenciário, dentro
das prisões. Nesse contexto, vários fatores contribuíram para impulsionar a mobilização e expansão
da facção nos presídios do estado, e posteriormente, alcançando os territórios da cidade pelo tráfico
de drogas, fundamentalmente os bairros mais pobres e periféricos (Dias, 2017; Biondi, 2014; Dias,
122
2011; Rodrigues, 2011; Biondi & Marques, 2010).
A vinda do PCC ao RN se dá no processo de “nacionalização” da facção. Para Dias (2007), a
nacionalização acontece em 2006 (episódio dos ataques da facção às forças de segurança do
estado); a partir disso, houve uma condição favorável para a expansão do PCC para outros estados
brasileiros, num processo de nacionalização das atividades econômicas, dos discursos e das
práticas.
Esse fato nos dá pistas sobre a inserção da facção no estado do Rio Grande do Norte pelo
sistema penitenciário e domínio de territórios. No caso do primeiro, a publicação que nos fornece
informações sobre a presença da facção no estado é o estudo de Menezes (2016), que data de 2011,
quando discute a autoria de ataques aos transportes coletivos, na cidade de Natal-RN. A esse
respeito o autor comenta:
Na época, esses ataques foram atribuidos à atuação da facção criminosa PCC, que teria
coordenado os ataques. Todavia, alguns analistas de segurança pública defendem a tese de
que não necessariamente existia uma célula do PCC no RN, mas de que os bandidos teriam
uma rede de conexão muito importante e durante os ataques se colocam como PCC,
inclusive em pichações, visando a intimidação das pessoas (Menezes, 2011, p.153).
Para os autores, a atuação da facção nos presídios e espaços urbanos influenciou diretamente
nas taxas de homicídios, na qual a gestão da violência envolveria dois aspectos mais evidentes:
Primeiro, haveria um mecanismo de regulação no território que faz com que criminosos e
moradores das periferias “vigiassem” o padrão de conduta (o chamado proceder) e, segundo,
quando, por acaso, ocorre um desvio de conduta, a autoridade punitiva é acionada através dos
debates, responsável pela resolução de conflitos nos territórios comandados pelo PCC. O
adolescente Moraes exemplifica essa atitude como “ligar nas linhas”, ou “puxar um chiclete”, que
significa pedir para que o Disciplina (no caso do território) ou o Cadeia (no caso do presídio)
resolva a “laranjada”.
Para Feltran (2010), a precarização da rede de proteção social, em 2001, propiciou ao PCC a
sua consolidação nas periferias de São Paulo como expressão do seu poder político-jurídico. Não
por acaso, a política neoliberal de fragilização do estado de bem-social e a ascensão do Estado
penal, no fim das décadas de 1980 e 1990, apontada por Waquant (2003), conjuntamente às
políticas de encarceramento em massa e interiorização dos presídios, contribuiu para o surgimento e
assentamento do PCC no estado paulista.
Ainda segundo Feltran (2010), a legitimidade que a facção passa a assumir nas periferias é
estimulada pela morosidade e as injustiças da burocracia estatal. A legitimidade é estabelecida pelo
retorno às periferias dos jovens (agora batizados) que estavam presos, instalando o comando, e a
percepção, por parte da população dessas periferias, de que a justiça estatal, além de ineficiente, é
profundamente desigual.
Biondi (2007) comenta que o controle num território independe da presença de alguém
batizado pela facção. Cita como exemplo, na situação hipotética, quando num presídio não houver
um membro batizado da facção, ele pode ser comandado por membros da família, que atuam como
seus representantes até a chegada de algum deles ao local.
124
No contexto da cidade de Natal, no RN, mais especificamente na comunidade de Mãe Luiza,
essa aparente tranquilidade é apontada como reflexo da regulação promovida pela facção ali
estabalecida. No caso, a facção que domina esta comunidade é o Sindicato-RN. A esse fato Brito
(2018) comenta:
A pretensa tranquilidade esconde, contudo, a face violenta por detrás deste ambiente. E é
possível afirmar isso se assume-se como pressuposto que a tranquilidade daquela noite, que
transcorreu sem registrar sequer um furto, mesmo com dois eventos ocorrendo ali – o que
implica um maior fluxo de pessoas – é fruto da regulação promovida pela facção criminosa
que, ao reivindicar o monopólio do comércio ilegal de drogas em Mãe Luíza, estabelece um
certo código moral a ser seguido – código este que prevê sanções – o que implica em um
maior fluxo de pessoas – é fruto da regulação promovida pela facção criminosa que, ao
reivindicar o monopólio do comércio ilegal de drogas em Mãe Luíza, estabelece um certo
código moral a ser seguido – código este que prevê sanções para práticas como furtos,
assaltos e estupros. Neste sentido, a tranquilidade visível naquele momento era fruto da
violência que não podia ser apreendida pela visão (Brito, 2018, p.138-139).
Em outro trecho, o autor mostra, por meio de um diálogo com uma pessoa da comunidade (e
participante da pesquisa), a quem se deve a tranquilidade na comunidade:
Brown, que é morador de Mãe Luíza, inicia falando que Mãe Luíza hoje é um bairro
tranquilo, mas que essa tranquilidade não se deve à política de segurança que foi
implementada lá. “Quem impõe a ordem é a facção”, diz ele. Até o momento, não figurava
entre minhas “hipóteses” que a regulação da segurança no bairro fosse feita por uma facção
criminosa. Fiquei surpreso com esse ente, para mim ainda abstrato, denominado pelo meu
interlocutor apenas como facção [...] “O Ronda é só fachada. Uma forma do governo dizer
que faz alguma coisa pela segurança”, diz ele – Diário de campo, dia 07 de julho de 2016.
(Brito, 2018, p.141).
A facção nessa comunidade exerce a gestão do seu cotidiano por meio da violência expressa
em sanções disciplinares, que são baseadas em certas regras que todos os moradores devem seguir.
Numa dada situação, a facção espalhou cartazes colados em postes em toda a comunidade, nos
quais, o conteúdo dizia respeito a oito regras a serem levadas em consideração pelos moradores. A
esse respeito, o autor comenta:
125
Desde as primeiras inserções em campo, foi possível identificar a existência dessas regras,
através do próprio relato dos moradores. Há de se supor que não havia razões para que as
polícias não as conhecessem, contudo, com a “viralização” da fotografia do tal cartaz colado
em um poste nos grupos de WhatsApp da cidade, o governo do Estado e a polícia militar
reagiram com mais espetáculo (Brito, 2018, 169).
Nesse cenário, a polícia tem um papel decorativo na gestão da segurança. Outro trecho do
estudo evidencia essa questão, a partir de uma situação em que dois moradores se relacionam com a
polícia local.
Em uma das situações narradas por Brown, a polícia parou pela manhã, em Mãe Luíza, um
ônibus onde ele estava com o seu pai, um homem de setenta anos, e pediu para que todos os
homens do ônibus descessem para serem revistados. Na ocasião, incomodado por ver seu pai
passar por aquela situação, Brown conta que contestou o policial acerca da
necessidade/legitimidade daquela ação e por este motivo foi ameaçado de ser preso. (Diário
de campo, dia 07 de julho de 2016). (Brito, 2018, p.141)
Assim, questiona-se essa e outras ações policiais sobre o objetivo e a possibildiade de êxito
de tal abordagem policial. Ou seja, admite-se que o objetivo realmente consistiria em zelar pela
manutenção da segurança pública, mas o mais provável é de que se tratava de uma
espetacularização da questão da segurança e, assim, expondo o papel decorativo da polícia.
Já a nossa segunda hipótese é que, a partir da dissidência, o PCC e Sindicato-RN começaram
a disputar membros e o controle do tráfico de drogas e, consequentemente, os territórios para os
seus grupos, gerando intensos conflitos. É nesse período que se tornaram frequentes os ataques
entre ambos os grupos e as suas aparições nos noticiários televisivos – fato mencionado por
algumas famílias dos adolescentes.
Vale salientar que, embora não apareça nos dados da pesquisa, por meio das conversas com
educadores, gestão técnica e pessoas que de forma indireta lidam com membros de facções, a partir
de 2013 houve um processo acelerado de batismo de novos membros em ambas as facções. A busca
por fortalecer-se fez com que ambas as facções deixassem de lado certos pré-requisitos dos seus
estatutos, como o impedimento de ingresso de menores de 18 anos.
No que se refere ao bairro Planalto – cidade de Parnamirim, aparentemente, as facções
aparecem interligadas às torcidas organizadas. Os relatos vão aparecer nas entrevistas de Moraes,
Dadi e seus familiares. Assim, o relato de Moraes sobre as facções no Planalto coincide, também,
com a sua aproximação e entrada nesses grupos pelas torcidas de futebolda seguinte forma:
126
PESQUISADOR: Pra você, se você pudesse me dizer, por que você acha que os outros
adolescentes, jovens, do Planalto, mais ou menos da sua idade, entram na facção?
MORAES: Assim, eu acho que é tipo uma escadinha, começou com essa coisa de briga de torcidas
organizadas lá no bairro, que já foram dividindo em grupos, e aí cada um escolhia um lado.
MORAES: Do ABC e do América, tem a Máfia e tal. Aí os boy escolhiam um lado, ali do lado da
travessa, da principal, de um lado era o América e do outro o ABC; aí quem era do América não
podia passar pro outro lado, e quem era do ABC não podia passar pro lado de cá, senão levava
pau!
MORAES: Foi! Foi o que virou a ser depois, aí muita gente da torcida organizada do ABC
começou a virar PCC e aí começou a ficar mais forte essa rivalidade, eles até já se matavam, criou
uma disputa mesmo entre eles dentro do bairro.
PESQUISADOR: Com você aconteceu dessa forma também? Foi por causa da torcida organizada
que você acabou entrando na facção?
MORAES: Foi, foi por aí, porque eu já andava com os boy do ABC lá no bairro, “fumar um” com
eles, aí a gente entrou nas torcidas organizadas, aí depois que virou PCC foi um pulo.
MORAES: Acho que é, é o que eu vejo, lá no Planalto acho que é assim, começou com as torcidas
organizadas no bairro, começou a dividir, depois virou a facção, aí todo mundo já tava dentro.
Esse aspecto de surgimento da facção no Planalto vai ser acompanhado por Dadi em
entrevista, na qual, a sua entrada na facção também se cruza com as torcidas organizadas, e diz o
seguinte:
127
PESQUISADOR: E no Planalto, já que você mora lá, como foi que surgiram as facções?
DADI: Surgiu pelas torcidas organizadas, tá sabendo não? Tem a Máfia (referente à Torcida
Máfia Vermelha, TMV, do time América do Norte), tem a Garra (referente à Torcida Garra
Alvinegra do time ABC). Os boy tudo saiam aqui de comboio pro estádio, saía brigando daqui até
lá, e quando voltava também (Dadi gargalhava nesse momento).
DADI: (rindo ele responde) Tá f* deve estar na quarta divisão, eu nem acompanho mais esse
negócio.
DADI: Foi, já tava lá dentro, também já tava no crime, aí começou a virar facção e aí estamos aí.
Como pode ser visto nos diálogos com Moraes e Dadi, o aparecimento das facções no
Planalto se dá se forma imbricada nas torcidas organizadas dos times ABC Futebol Clube e América
de Natal. Ao que parece, o percurso histórico desses grupos organizados de times de futebol foi um
fator importante de aproximação dos adolescentes com as facções do PCC e Sindicato, em que estes
grupos já se faziam presentes nos territórios.
As primeiras torcidas organizadas do estado datam do fim do século XX. Na cidade de
Natal-RN, a Torcida Garra Alvinegra, pertencente ao time ABC Futebol Clube considerada como a
mais antiga do estado do Rio Grande do Norte, foi fundada em 03 de janeiro de 1991, por camelôs
que trabalhavam na Avenida Rio Branco na Cidade Alta.
Segundo o domínio da torcida organizada na rede social Facebook 12, essa torcida é uma
entidade recreativa, na qual sua essência é promover a festa nas arquibancadas em jogos do ABC
Futebol Clube. Seus objetivos, a sua luta nas palavras dos torcedores, seriam a favor da festa na
arquibancada, contra o futebol moderno e a favor da inclusão sociocultural de jovens brasileiros. O
12
https://www.facebook.com/garraalvinegra.
128
morcego é o mascote do time, em referência ao estádio Maria Lamas Farache (o Frasqueirão), que
aloja muitos deles na marquise.
A Garra figurava em 2017 como a única torcida organizada ligada ao ABC. A torcida
mantém-se com recursos próprios, financeiramente independente do clube. Segundo o domínio
http://www.organizadasbrasil.com, a torcida tem predomínio sobre alguns bairros na cidade de
Natal-RN e fora do estado, como por exemplo, na zona sul, leste, oeste, sendo a zona norte da
capital a maior concentração, com mais de 15 bairros.
A torcida Máfia Vermelha (TMV), também conhecida como Grêmio Recreativo Cultural
Torcida Máfia Vermelha, ligada ao clube América Futebol Clube, foi fundada em 08 de dezembro
de 1991 e também é originária de uma outra torcida – a Torcida Independente do América (TIA),
que depois da sua extinção os membros mais jovens fundaram a TMV. O seu símbolo é uma
caveira.
A escolha do nome teria sido uma decisão desses membros para contrapor à facção
abecedista (Sobrinho & César, 2008). Ainda segundo estes autores, a TMV conta com 2.200
associados, número este questionado por um dos seus membros, o qual relata que “o número seria
maior, só que muitos dos membros, temerosos, não querem ser reconhecidos” (Sobrinho & César,
2008, p.8).
Sobrinho e César (2008) nos apontam reflexões sobre torcidas organizadas no Estado do RN
e sua interlocução nos espaços urbanos. A partir de um histórico de violência entre esses grupos
dentro e fora dos estádios, revelam-se nuances de disputas por território paralelas ao
desenvolvimento da cidade ao passar dos anos.
Segundo os autores, em seu prelúdio, quando esses grupos começaram a se organizar nos
bairros, os conflitos intergrupais foram aumentando. As torcidas passaram a se dividir por bairros,
seguindo as táticas de guerrilha, organizadas por comandos, reconhecidas no Estádio Machadão por
faixas, cada grupo no seu local determinado:
Noutro estudo, Cesar (2006) mostra como as torcidas se dividiam dentro do Estádio
Machadão e nos bairros. Por exemplo, os bairros 22º comando do Tirol, no caso o Alecrim, é
pertencente à torcida Garra, 10º comando e, quem seria residente de Neópolis estaria no 1º
comando da Garra. A torcida da Máfia, no bairro, seria contra em Neópolis.
129
Em reportagem do Globosport (22/03/2016), entre 2008 e 2016, no estado do RN, cinco
torcedores foram assassinados em brigas envolvendo torcidas organizadas, segundo dados da
Polícia Militar (PM). Dois desses casos aconteceram no ano de 2013 após o jogo entre ABC e ASA,
pela Série B do Campeonato Brasileiro.
Segundo Murad (2017), a partir de 1990, o país figurava na terceira posição com maior
número de óbitos causados por conflitos entre torcidas organizadas, atrás apenas de Argentina e
Itália. Ao passar dos anos, os números resultantes da violência nesses países diminuíram enquanto
que no Brasil aumentou. A partir de dados divulgados do seu estudo, o autor mostra que entre 2010
e 2014 foram registrados 94 mortes ligadas a rixas entre torcidas; apenas 3% dos processos
acabaram em condenação.
Palhares et al., (2012) investigam o comportamento agressivo das torcidas organizadas e
seus desdobramentos ao que deveria ser destinado ao lazer. No seu estudo, por meio de uma revisão
bibliográfica em livros e teses, mostram que diversos fatores poderiam afetar mudança no
comportamento individual, contribuindo para manifestações agressivas com consequências diretas
para a diminuição do público nos estádios. Dentre esses fatores, ressaltam-se presença de um grupo,
composição das torcidas, da violência integrante da sociedade, da mídia, da má organização
esportiva e da impunidade. Para Palhares e Schwarts, (2015), para além das agressões físicas, a
violência é resultante de outros tipos de fatores, pouco discutidos e que ficam em segundo plano,
como por exemplo, a precariedade de infraestrutura física e dos serviços dentro dos estádios, a má
gestão e organização futebolística e ineficiência de serviços públicos.
Já Lima, Moura, e Antunes (2014) averiguaram que as rivalidades surgem de influências
históricas e sociais distintas. Ressaltam que a disputa por espaços dentro dos estádios é uma das
principais razões que contribuem para a afirmação da rivalidade entre as torcidas e que pode causar
conflitos, pois a divisão, por não possuir critérios oficiais e lógicos, acaba sendo construída de
modo subjetivo pelas diferentes torcidas.
Nesse cenário, segundo Murad (2017), como resultante desse tipo de violência, algumas
torcidas se organizaram e vincularam-se ao crime organizado, tráfico de drogas e ao mercado
paralelo de armas. Há duas cidades que exemplificam esse tipo de relação com as torcidas
organizadas, as facções e o domínios de territórios; são elas a cidade do Rio de Janeiro e São Paulo.
Na cidade do Rio de Janeiro, durante o ano 2005, as torcidas de determinados times de
futebol passaram a apresentar ligações com a divisão territorial da cidade e com o tráfico de drogas.
O perfil dos jovens, na sua grande maioria, tinha idades entre 14 e 25 anos, grande parte
desempregados ou na informalidade, predomínio de homens com cerca de 10% a 15% de mulheres,
ligação com crime organizado, tráfico de drogas e gangues urbanas.
Na cidade de São Paulo, algumas torcidas de times de expressão nacional apresentam a
130
ligação estreita com o PCC. Determinadas torcidas tinham essa especificidade de apresentarem
ligações com as facções por meio tráfico de drogas e a divisão territorial da cidade13. Levando-se
em consideração a escassa literatura científica sobre o assunto e os manuscritos que não tivemos
acesso, podemos recorrer a outras fontes de dados, como os sites da internet dos times e torcidas
organizadas14.
No que se refere à facção Caveira, o surgimento desta na cidade de Mossoró-RN acontece de
maneira distinta aos contextos que foram descritos. Para esse aspecto temos, a fala de Galvão que
irá nos municiar. Para o surgimento da facção Caveira em Mossoró, o adolescente conta o seguinte:
PESQUISADOR: Como você veio parar aqui no Pitimbu, já que você é lá de Mossoró?
GALVÃO: Eu fui transferido. Eu tava cumprindo lá, aí eu dei fuga, me pegaram de novo e aí me
transferiram pra cá, mas da primeira vez eu fui pego por outra coisa, que eu já paguei.
GALVÃO: Assim, me colocaram aqui nos alojamentos do PCC, mas eu não sou PCC, sou Caveira,
aí eles tornaram meus amigos aqui.
13
Há uma escassa literatura científica sobre as torcidas organizadas de futebol e seus domínios nos territórios, no estado
do RN. Contudo, há um grupo de estudos a que ainda não foi possível ter acesso por inúmeros fatores, como extravio,
não reedição dos livros, por exemplo. No curso de história da UFRN, por exemplo, não foi possível ter acesso às
seguintes monografias: Futebol e Economia no Rio Grande do Norte (1972 a 1982): Ascensão e Crise (2002), de Múcio
Luiz Correia; Futebol e Identidade Nacional (2008), de José Petrúcio Rodrigues de Azevedo; Controle Social e Futebol
no Rio Grande do Norte (1970-1982), de Ítalo de Brito Siqueira; Xarias e Canguleiros: a reinvenção das identidades
pelos clubes de futebol (2008), de Nycolas Edwardo Gorgônio Nacimento, e a monografia do curso de ciência sociais:
Iram Hermenegildo César. A violência no Futebol: facções de torcidas organizadas no Estádio Machadão em Natal/RN.
Monografia em Ciências Sociais. Natal, 2006. 49f. Os seguintes livros e capítulos também não foram possíveis de ter
acesso: Arrais, R., Andrade, A., Marinho, M. (2008). O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal:
EDUFRN, e Lopes, E. (2006). Da bola de pito ao apito afinal: memória do futebol natalense. Natal: [s. N.].
14
como www.futebolriogradedonorte.com.br; www.americadenatal.com.br e www.organizadasbrasil.com e as redes
socais https://www.facebook.com/garraalvinegra, são grandes aliados em oferecer informações sobre as torcidas
organizadas no estado.
131
GALVÃO: Sossego.
PESQUISADOR: A gente já sabe mais ou menos como surgiu o PCC aqui no RN, como é que
surgiu a Caveira lá em Mossoró?
GALVÃO: Assim, tá ligado, era tudo PCC, todo mundo era PCC, aí começou um bonde a andar
todo mundo junto.
GALVÃO: É, tipo isso, aí esse bonde se reunia pra assaltar, fazer as paradas.
GALVÃO: Aí esse bonde começou a ter atrito com outros PCC de lá, uns boy começou a ser sujeira
com um e com outro, um começou a matar o outro, eu mesmo já tretei com os caras lá, ai
resolveram separar. Esses do bonde que já tavam junto, ficaram junto e expulsou os PCC de lá e ai
formou a Caveira.
PESQUISADOR: Você tava nessa época que separou? E sabe qual o ano que vocês formaram a
Caveira?
GALVÃO: Não, não tava não. Quando eu entrei já tava formado, também não sei que ano
aconteceu isso, mas não faz muito tempo não.
A partir deste relato, percebe-se que a facção Caveira surge também por dissidência do PCC.
Contudo, muitas das práticas deste último, não foram adotadas como o Sindicato-RN adotou, como
veremos nos tópicos seguintes. A Caveira surge na cidade de Mossoró-RN, quando determinado
bonde de dentro do PCC começa a entrar em choque com este. A Caveira expulsa dos seus
territórios os integrantes do PCC e forma uma nova facção. É preciso dizer que a cidade de Mossoró
é tomada em seu contexto mais amplo. Na cidade há diversos territórios e, assim, o surgimento das
facções pode apresentar especificidades nesses territórios, devendo ser melhor investigado em
pesquisas futuras.
Dessa forma, segundo o relato dos adolescentes e seus familiares, o surgimento das facções
no Planalto se dá por meio das torcidas organizadas (Garra e Máfia) que disputam espaços na
132
cidade e, tempos depois, evoluem para a facção PCC e Sindicato-RN. Processo distinto ocorre na
cidade de Mossoró e em Paranamirim e Felipe Camarão, nos quais o surgimento das facções traz
um tempo histórico determinado (meados de 2012 e 2013) e um personagem responsável. Este
personagem aparecerá em outros relatos, como instrumento facilitador de apróximação e entrada
dos adolescentes às facções, o que será descrito a seguir.
PESQUISADOR: Me diz o seguinte, falando dos meninos da tua idade lá do teu bairro, do que você
consegue ver, por que você acha que eles entram para a facção?
PAUL: Os meninos lá... rapaz, acho que vão pela cabeça dos outros.
133
PESQUISADOR: Como assim, vai pela cabeça dos outros, explica melhor como é isso.
PAUL: É, assim, eles tão lá, começa a andar com os boy da facção, aí tem o padrinho, arruma um e
depois a referência, quando vê já tá dentro.
PAUL: O padrinho é aquele amigo dele... que vai botar ele pra dentro... e a referência é cara lá de
dentro lá... que tudo que ele fizer vai falar com o cara lá.
PAUL: É, mas pode não ser também, é só um cara que vai servir de referência pra ele.
Depois que falamos sobre o contexto do bairro, perguntamos ao adolescente sobre a sua
própria trajetória de vida no que se refere à sua aproximação e entrada na facção. Ele responde da
seguinte forma:
PESQUISADOR: E você, uma pergunta bem pessoal agora, não precisa responder se você não
quiser, você é da facção?
PAUL: Sou!
PAUL: Ah! Eu já tava no crime e aí decidi ficar. Como eu te disse, comecei a andar com uns boy
que eram facção... mas eu nem pensava em entrar... aí eu já tava no crime e decidi entrar.
PESQUISADOR: E o que mudou na tua vida depois que entrou? Tipo, antes da facção e depois da
facção... o que mudou?
134
PAUL: Mudou muita coisa não, tá a mesma coisa.
Paul fala que, por já estar no “mundo do crime”, a sua entrada na facção foi consequência.
Depois disso, adentramos no assunto sobre as diferenças entre as facções a partir de sua decisão de
entrar na facção Sindicato-RN e não no PCC. Nosso questionamento era o seguinte, já que estava
no mundo do crime e a entrada na facção era iminente, quais foram os critérios que o fez escolher o
Sindicato-RN? Paul respondeu o seguinte:
PESQUISADOR: E por que você decidiu entrar nessa facção, o Sindicato-RN, e não na outra, por
exemplo, o PCC?
PAUL: (volta a ficar sério e continua)... Assim, porque eu sou do bairro que quem domina lá é nós
(o Sindicato-RN), e também eu decidi andar pelo certo.
PAUL: Assim, existe o certo e o errado. O certo é o Sindicato porque é a maior facção daqui... não
assalta ônibus, não rouba celular, pouco dinheiro, se for roubar moto só acima de 125, então o
errado são os “Pecêco” que faz essas coisas.
PAUL: É!
A partir desse trecho, duas coisas chamam a atenção. A primeira é que a decisão de filiação a
uma facção está necessariamente vinculada ao bairro onde se reside e, a segunda, é que há
diferenças conceituais entre as duas facções (Sindicato-RN e PCC). O Sindicato seria a maior
facção e “correria pelo certo”, enquanto que o PCC pelo errado, pois aquele preservaria certos
valores morais do crime, como não assaltar ônibus, não roubar celular, não roubar pouco dinheiro e
moto, apenas acima de 125 cilindradas – essa discussão será melhor explorada do subtópico O que
pensam os adolescentes do Sindicato-RN e do PCC sobre si e sobre o outro?
135
O familiar de Paul relata sobre a entrada dos jovens do bairro na facção no mesmo sentido
que Paul. Contudo, a mãe nos dá detalhes sobre a entrada de Paul e sua decisão de mudar de bairro
por causa da facção.
PESQUISADOR: A senhora disse que o surgimento das facções é recente, mas que não sabe dizer
quando... a senhora saberia dizer se tem meninos do bairro pertecentes às facções?
PESQUISADOR: Andando lá pelo bairro, vivendo o tempo que a senhora viveu lá, na sua opinião,
por que você acha que os meninos entram numa facção?
MÃE DE PAUL: Ah! Acho que eles entram pela cabeça dos outros... o meu menino mesmo, ele diz
que é de facção, essas coisas, mas eu acho ele tão imaturo, criança ainda, que às vezes nem levo a
sério... eu falo: “Paul tu tá andando com negócio de facção mesmo?”, e ele diz “... e eu não tou
mainha”, aí eu não sei.
PESQUISADOR: É, exatamente, eu o entrevistei, eu achei ele bem brincalhão, bem criança mesmo.
PESQUISADOR: Mas a senhora... para a senhora mesmo, acha que ele realmente pertence a uma
facção? Ele disse pra mim que pertencia.
MÃE DE PAUL: Ah! Eu acho que sim, assim, a gente mudou de bairro uma vez por causa disso. A
gente morava em (omitimos o nome do bairro para não revelar a identidade dos participantes), e
ele andava com uns meninos lá do bairro que era envolvido em crime, aí eles combinaram de fazer
um assalto num ponto de ônibus, ele uns rapazes lá, mais uns dois... aí uma das pessoas que foram
assaltadas era esposa do chefão lá da facção, aí procuraram saber quem foi que tinham feito o
assalto e descobriram que foi Paul e os meninos que tavam com ele, o chefão lá mandou matar,
mas aí ele assumiu a culpa e devolveu as coisas da mulher e o chefão deixou ele.
MÃE DE PAUL: Deixou, mas eu não acreditei, eu já não me sentia segura, nem por mim e nem por
ele mesmo, aí eu decidi mudar de bairro.
Como pode ser observado, tanto Paul quanto a sua mãe entendem que a aproximação dos
jovens com as facções se dá pela convivência com outras pessoas pertencentes à facção, e por isso,
acabam ingressando por “ir pela cabeça dos outros”. Aliado a isso, estar no “mundo do crime” é um
fato importante que contribui para a entrada desses jovens nas facções. Esses elementos também
vão aparecer nos relatos dos familiares de John – estavam presentes seu pai e sua mãe.
PESQUISADOR: Vocês poderiam dizer, pelo que percebem dos jovens nos seus bairros, por que
vocês acham que os jovens de lá entram para uma facção?
PAI DE JOHN: Eu acho que vai acontecendo aos poucos, começam com alguns delitos, pequenos
assaltos, ou vai até a boca de fumo para comprar drogas e aí passa a conviver com aquelas
pessoas, pegam uma amizade... como eles são muito imaturos, acabam sendo influenciados por
maiores e acabam entrando pra facção.
PAI DE JOHN: No caso de John, dele ter entrado na facção, acho que a gente (referindo-se ao pai
e a mãe de John) temos uma parcela de culpa... porque veja só, como eu te disse, eu viajava muito
e a mãe dele trabalhava o dia todo, e aí ele ficava sozinho com esses meninos que já roubavam,
porque a gente sabia, mas não sabia o que fazer... acho que também o fato de eu já ter sido do
crime, acabou que serviu pra ele entrar.
PAI DE JOHN: Isso, uma referência, aí acabou influenciando mais ainda ele entrar na facção.
Hoje eu tento usar a experiência que eu tenho pra dar conselho a ele e também a outras jovens lá
do bairro, porque como eu sou um homem de Deus agora, tou sempre querendo levar eles para a
igreja e uns gostam de ir, e eu fico sempre cobrando; quando eles não vão, eu vou até a boca de
fumo chamar “por que é que você não foi?”, “o que é que tá acontecendo?”, “tá acontecendo
137
alguma coisa?”, aí eles acabam voltando.
O relato dos pais de John demonstra a especificidade da sua dinâmica familiar. Segundo o
relato, o pai que pertencia ao “mundo do crime” era a referência do filho e acabou por influenciar a
sua entrada na facção. Juntamente a isso, os pequenos delitos, a ida até a boca de fumo para
comprar drogas ilícitas (no caso a maconha) possibilitou a conviência de John com outros
indivíduos do mundo do crime, alguns deles pertencentes à facção, e isso facilitou a sua entrada no
grupo.
O familiar de Pete, representado pela sua mãe, dá relatos semelhantes aos familiares de
John, referente aos motivos que levam os jovens a entrarem na facção. A mãe de Pete adiciona
outros elementos mais particulares da trajetória de vida de Pete, como a influência da sua namorada
que é pertencente à facção, segundo a mãe.
MÃE DE PETE: ... dos meninos do bairro eu não saberia dizer, porque eu não conheço, mal saio de
casa, minha vida é só de casa para o trabalho. Se você me ver como eu sou dentro de casa, você
acha que não tem ninguém lá dentro, é tudo fechado, no escuro (a mãe de Pete dá risadas). Mas, eu
posso falar de Pete, no caso dele acho que foi uma “escadinha”, ele começou a conviver com uns
meninos que “não davam pra coisa boa”, um povo mal encarado, todo cheio de tatuagem, depois
aos poucos começou a usar droga, coisa que ele nunca tinha feito, e depois a assaltar. Por já estar
com esses meninos, e acho que esses meninos são de facção, ele deve ter acabado entrando.
PESQUISADOR: Hum... engraçado, quando ele fala que é de facção, eu não vejo tanta firmeza.
MÃE DE PETE: É, exatamente, é influência dos outros, ele tem uma namorada que andava com
esses meninos quando ele conheceu ela, ela deve ser da facção, se não for, com certeza ela sabe
falar sobre isso, ela era uma boa pessoa pra você entrevistar.
MÃE DE PETE: Ela tá aqui hoje (dia de visita), tá lá com ele, se você quiser depois da visita eu
posso falar com ela pra vim falar aqui com você.
Ao fim da entrevista, a mãe de Pete sai da sala e vai até o refeitório chamar a namorada.
138
Pouco tempo depois, a Consuelo vem até a sala onde estávamos, e iniciamos a entrevista. Embora
tenha negado pertencer à facção, a Consuelo diz conviver com outros jovens filiados à facção e
comenta sobre os motivos daqueles entrarem na facção.
PESQUISADOR: Sobre os meninos entrarem na facção, por que você acha que eles entram?
CONSUELO: Olha, pelo que eu vejo lá no bairro, dos meninos que andam por lá, acho que é por
status sabe.
PESQUISADOR: Reconhecimento.
CONSUELO: É, reconhecimento, querem ser respeitados lá pelos outros meninos, que a liderança
conheça eles, essas coisas.
CONSUELO: Tem! Mas olhe, eu não sou de facção não viu (em tom descontraído).
PESQUISADOR: Não, sem problemas, e as meninas, é a mesma coisa dos meninos? Por que você
acha que elas entram na facção?
Dessa forma, a Consuelo entende que os jovens entram na facção por status, reconhecimento
no grupo de amigos e pela liderança da facção. Segundo ela, os jovens querem ser respeitados. Este
reconhecimento e respeito por parte do grupo, não se distingue por gênero e se estende para garotos
e garotas, mas as suas funções dentro da facção são diferentes. Essa discussão será apresentada no
subtópico: O que pensam os adolescentes do Sindicato-RN e do PCC sobre si e sobre o outro? que
discute as diferenças entre as facções Sindicato-RN e PCC.
No que diz respeito a outro familiar dos adolescentes da pesquisa, a mãe de Ringo foca na
trajetória de vida do adolescente para descrever os fatores que levam os jovens a entrarem nas
facções. No caso de Ringo, a “revolta” para com os pais é o principal fator.
MÃE DE RINGO: Eu acho assim, não posso dizer pelos outros neh! Mas no caso de Ringo, acho
que foi mais por revolta, comigo e com o pai dele.
139
PESQUISADOR: Como assim?
MÃE DE RINGO: Quando ele era bem mais novo, eu me separei do pai dele e fui morar em outro
estado, e Ringo ficou com o pai dele. Só que o pai dele casou de novo e abandonou ele... ele ficou
de um lugar pra outro na família e ninguém queria ele, e eu não podia fazer nada né! Tinha
conseguido um emprego lá e não podia sair, mas depois eu decidi voltar por causa dele (nesse
momento da entrevista a mãe se emociona e chora com o relato).
MÃE DE RINGO: Não, ele tinha mudado muito, ficou mais sério, deixou de ser carinhoso... aí,
acho que isso acabou aproximando ele das más influências. Quando cheguei, ele já tava andando
com esses meninos que a gente vê que não dá pra boa coisa, daí acabou entrando (na facção).
A partir do que foi dito, os relatos sobre as aproximações às facções dos adolescentes da
pesquisa, e dos jovens do bairro seguem determinados padrões de acontecemimento e se inter-
relacionam. Os principais motivos que aproximam os adolescentes das facções acontecem
numa“escadinha”, como relata a mãe de Pete.
O adolescente, por influência de amigos e pessoas do bairro vai até a boca de fumo para
comprar drogas (geralmente a maconha). Esse evento o aproxima de pessoas ligadas à facção, que
são os “novatos” e, possivelmente, os jovens ligados aos grupos organizados de futebol. Depois o
adolescente começa a praticar pequenos delitos. Por influência de pessoas ligadas à facção e por já
estarem no mundo do crime, culmina na sua entrada na facção.
Outro fator que influencia na entrada da facção são as questões de ordem grupal e
identitária. O status, respeito e reconhecimento do grupo de amigos e, também, à referência da
facção, impulsionam o adolescente a entrar neste grupo.
A partir de agora traremos a situação da comunidade do Mosquito. O relato de aproximação
do adolescente com a facção é discrepante em relação ao padrão que fora exposto até o momento e
o contexto territorial da comunidade apresenta especificidades que merecem ser destacadas.
No ano de 2018, a comunidade do Mosquito foi local de constantes disputas por facções e
confrontos com a polícia, no momento em que estávamos realizando esta pesquisa. Para termos
uma ideia a respeito, apresentamos alguns trechos de reportagens da época sobre a situação do
Mosquito, como também, a sua localização na cidade de Natal-RN.
A comunidade do Mosquito é relativamente pequena e fica localizada às margens do Rio
140
Potengi, vizinha à Ponte de Igapó, na zona norte da cidade. As Figuras 03 e 04 mostram como a
comunidade está inserida na cidade.
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Fonte: 190rn, 15 de fevereiro, 2017
A comunidade é dominada pelo PCC, e no primeiro semestre do ano de 2018, sofreu com
diversas tentativas de invasões da facção rival, Sindicato-RN, e da polícia. Alguns trechos de
reportagens dão um panorama do clima que estava sendo vivenciado.
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Em meio às tentativas de invasão da facção e o confronto com policiais, os moradores
reagiam deixando a comunidade. O Portal G1 traz em sua matéria jornalística sobre esse momento:
“Não há apenas um agente violento a interferir no cotidiano da juventude de Mãe Luíza, mas
dois: a polícia e os ditos membros da facção. A atuação da facção implica na implementação
de mecanismos de gestão da vida social no bairro, como a imposição de uma cartilha a ser
seguida pelos moradores, que define, entre outras questões, a delimitação de territórios do
bairro que apenas podem ser acessados com a presença de alguém que possua a
“consideração dos caras”, a realização de “gerais do morro” para julgar delitos e a punição
dos desviantes, inclusive através de necropráticas. (Brito, 2018, p.162)
Ao ser questionado se “tá tendo alguma movimentação estranha da polícia aí esses dias,
man?”, Brown respondeu “da polícia sempre...” [...] Os caras sentaram o dedo na
companhia... (se referindo a uma ação do Sindicato do Crime contra o posto policial do
bairro); “E [...] agora aqui tá meio apreensivo quanto a uma possível tomada de controle por
parte do PCC, que até então jurou matar moradores jovens ao qual eles desconfiar que faz
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parte da facção inimiga”; “Resumindo, todos no caso somos alemão pra eles” - Diário de
campo, 18 de janeiro de 2017 (Brito, 2018, p.163-164).
“Ninguém mais confia em ninguém. Pra todo mundo, todo mundo é suspeito, todo mundo é
inimigo. Inclusive para a polícia.”, diz ele. “Eu tento parecer o mais natural possível, mesmo
tatuado, para não parecer que eu sou um suspeito em potencial, tá ligado?!”. [...] Todo
mundo tá com medo de sair de casa hoje, por esse tiroteio” (Brito, 2018, p.165).
PEPEU: Nos dois, mas no Mosquito é mais. Muito boy lá entra na facção revoltado, porque a
referência diz que lá ele vai poder se vingar, tipo, o cara leva um tapa na cara de graça sem ter
feito nada, bate num morador amigo seu, assim, do nada, é f* fica revoltado mesmo.
PESQUISADOR: Você acha que os meninos lá no bairro entram por causa disso, por revolta?
PEPEU: É, pelo que eu vejo é, pelo menos no PCC, aí eles “ficam de cima” (nesse contexto é estar
mais preparado, no mesmo nível que os policiais para enfrentá-los) e agora podem ir pra cima.
PESQUISADOR: E no seu caso, você entrou por quê? Se você se sentir à vontade pra responder.
PEPEU: Eu entrei porque já tava no crime, muita inimizade no bairro, tinha uns bicho querendo
me pegar, e eu também vacilei com uns lá, e pra não ficar sozinho, sem ninguém, meus amigos
também já tavam dentro, acabei entrando.
PESQUISADOR: Hum, pra você, o que mudou na sua vida antes e depois da facção, assim, como
era a sua vida antes e depois que entrou?
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PEPEU: Assim, mudou que agora tenho os irmão, eles me ajudam com coisa que eu preciso, por
exemplo, agora eu precisei do advogado pra me defender, eu falei com o “geral da tranca” e o
advogado veio, ou quando você quer resolver uma bronca sua com alguém, você liga pro
“Sintonia”, e aí, Sintonia! Como é que é! E resolver a bronca pra você.
O PCC surgiu em 1993, com um discurso sobre dois pilares: de um lado, postulava a luta
contra a opressão do Estado e pela garantia dos direitos dos presos; e de outro, mas também
como forma de atingir o primeiro objetivo, afirmava a necessidade de união e solidariedade
entre a população carcerária (Dias, 2011, 204).
Assim, o adolescente encontra amparo na facção para as frustrações resultantes das atuações
estatais e, nesse caso, da atuação arbitrária da polícia na comunidade do Mosquito. Essa forma de
agir vai aproximar o adolescente da facção e facilitar a sua entrada. Os trâmites para a entrada na
facção serão discutidos no subtópico seguinte.
PESQUISADOR: (de forma descontraída) E como faz pra entrar? Por exemplo, eu... eu sou de
João Pessoa, mudei aqui pra Parnamirim e quero entrar numa facção, como eu faço, vou procurar
quem?
PETE: Você tem que fazer a presença para os caras, fazer algo pra eles.
PETE: É... fazer o que eles mandarem, uma coisa grande, pra mostrar... assim, mostrar que você
cola com eles e aí você é batizado.
PESQUISADOR: Hum, tipo, um assalto, ou sei lá, matar alguém da outra facção?
PETE: Foi... a gente assaltou um posto de gasolina (apesar de ter respondido sobre esse evento
particular, não quis insistir no assunto).
Logo depois, a conversa envereda por outros assuntos. A entrevista com John é
complementar e dá outros detalhes sobre o processo de entrada na facção.
PESQUISADOR: [...] Lá em João Pessoa tem facção, mas não é como aqui, acho que aqui as
facções são maiores, sempre tá aparecendo na televisão, e aí, eu vindo de João Pessoa, querendo
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entrar numa facção, como faria? (Situação colocada num contexto descontraído).
JOHN: Rapaziada lá de dentro (referindo-se à facção) aí você passa um tempo andando com eles,
uns seis meses por aí... e aí faz um assalto grande, aí já tá dentro.
JOHN: É, tipo, os outros caras lá têm que saber quem você, vai pegando confiança aos poucos.
PESQUISADOR: E falando de você, uma pergunta pessoal, se você não quiser responder não
precisa, você poderia dizer o que você teve que fazer pra entrar na facção?
JOHN: De boa... a gente roubou uma loja que vendia joias e uma pessoa lá acabou morrendo.
A entrevista de John é mais detalhista por indicar um tempo necessário de convívio com
outros membros da facção. O convívio serve para conhecimento de outros membros da facção em
relação ao novo membro e construção do vínculo de confiança entre eles.
Moraes e Pepeu, que são vinculados ao PCC, descrevem dois personagens fundamentais
nesse processo, que são o Padrinho e a Referência. São estes que vão ser o elo do novato com os
demais integrantes da facção.
MORAES: Depois que você passa um tempo convivendo com os irmãos, o padrinho é quem vai
fazer o “meio campo” pra você entrar, e também tem a referência.
MORAES: O padrinho é quem vai ficar colado com você, caso você precise de um conselho, vai
andar com você, ensinar o que deve ser feito, a referência é uma pessoa maior lá dentro que vai te
colocar dentro, o Padrinho passa a visão o Referência, e ele coloca pra dentro.
Nota-se que a forma de falar sobre a facção começa a mudar, comparando-se os adolescentes
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do Sindicato-RN e PCC. Estes últimos tratam os outros integrantes como “irmãos”, aspecto bem
característico de tratamento entre os pares de quem é do PCC. Pepeu dá continuidade a essa
temática e relata sobre a fotografia que é passada para o grupo e o batismo, incluindo o seu próprio:
PEPEU: Pra a referência lhe botar pra dentro, eles passam uma foto nas linhas, pega sua foto, fala
com o pessoal que tá na linha e joga ela nos grupos de Whatsapp, pra você ficar conhecido entre os
irmãos.
PEPEU: Colar com os irmãos, fazer algo pra mostrar pro que der e vier.
PEPEU: Posso, sossego, eu com uns irmãos assaltamos umas joalheria. Eu caí por causa disso,
mas eu já paguei.
Como se pode ver, o processo de entrada nas facções PCC e Sindicato-RN seguem algumas
etapas. Estas etapas não são percebidas na facção Caveira, descrita por Galvão, pois tal processo
aparenta ser mais “flexível”, “menos burocrático” que os demais grupos. Assim, sobre esse assunto
Galvão diz:
PESQUISADOR: A gente já sabe mais ou menos como acontece essa entrada na facção lá no PCC
e Sindicato; como é na Caveira?
GALVÃO: Pode, assim, só não pode vacilar com os parceiros, ser sujeira, de resto, pode entrar, é
só querer colar.
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PESQUISADOR: Mas, tipo, nas outras facções tem todo um processo pra entrar, tem que conviver
com o pessol lá de dentro, ser batizado e tal, aqui na Caveira não é assim não?
Segundo o relato de Galvão, basta “querer colar com a gente e está tudo certo”. Esse
processo “menos burocrático” de entrada, talvez se explique pela própria forma de surgimento dessa
facção. A facção Caveira surge despretensiosamente por meio de um “bonde”, um grupo de pessoas
que não necessariamente pertenciam às facções até então existentes, que se reuniam para realizar
delitos. Houve um momento histórico em que esses grupos começaram a se chocar na cidade de
Mossoró-RN, havendo necessidade de se organizarem para maior proteção. Dessa forma, por não
descenderem necessariamente das facções PCC e Sindicato-RN, a facção Caveira vai ter sua própria
metodologia para ingresso no grupo.
O CV, por exemplo, também vai se diferenciar do PCC sobre o ingresso dos seus
componentes. Por questões contextuais, próprias da cidade do Rio de Janeiro, o ingresso vai se dar
de forma voluntária de acordo com sua territorialidade. A esse respeito, Dias (2011) explica:
A partir do que relata Dias (2011), podemos ver também a força da territorialização na
constatação da filiação do indivíduo como pertencente a uma facção. O bairro onde reside, ou
mesmo o presídio onde está cumprindo a pena, são condições essenciais que vão estereotipar aquele
indivíduo como pertencente à facção, mesmo que este indivíduo não seja de fato pertencente.
Já as facções PCC e Sindicato-RN se assemelham nesse processo de entrada da facção. Isso
ocorre porque o Sindicato-RN é uma dissidência do PCC e, com isso, preservou inúmeras
características deste grupo, como por exemplo, a adoção de um estatuto para organização das suas
práticas. O processo de entrada de um novo membro (Novato) nessas facções está colocado a seguir
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na figura 05 - Etapas do processo de entrada nas facções do Sindicato-RN e PCC:
Dessa forma, no caso do PCC e Sindicato-RN, segundo os relatos dos adolescentes desta
pesquisa, qualquer pessoa que deseje, pode entrar numa facção. Para entrar é preciso conviver com
integrantes da facção por um período, em média de seis meses, para que os membros do grupo
possam ter confiança no novo membro.
Essa “flexibilidade” para se filiar ao grupo não era vista em outros tempos, tornando o
processo mais criterioso. Ainda segundo Dias (2011), no PCC, a filiação ocorreria mediante seleção
baseada em critérios estritos que credenciariam o sujeito a fazer parte do grupo, o que colocava esse
sujeito num patamar superior em relação às oportunidades de poder disponíveis em determinados
contextos.
Segundo a Figura 08, quem vai acompanhar o novato nesse processo são os Padrinhos e as
Referências. O primeiro vai ter uma atuação mais próxima do novato, numa função de tutor.
Segundo Paul e Moraes, o Padrinho é aquele que “vai ficar colado com você, caso você precise de
um conselho, vai andar com você, ensinar o que deve ser feito” e “depois que você passa um tempo
convivendo com os irmãos, o padrinho é quem vai fazer o “meio campo” pra você entrar”.
Segundo Lampe e Johansen (2003), citados por Dias, (2011), o Padrinho tem total
responsabilidade pelas atitudes do novo integrante. O que quer dizer que determinadas infrações
cometidas pelo novato, o Padrinho poderá ser responsabilizado.
“O padrinho se vincula diretamente à pessoa por ele convidada para fazer parte da
organização e, neste sentido, ele se constitui como o seu fiador, avalizando a capacidade do
seu afilhado de pertencer ao Partido. Isso implica a sua (co) responsabilização em eventuais
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infrações do afilhado à disciplina do Comando e, a depender do caso, o padrinho poderá até
mesmo ser excluído da organização. Desta forma, o padrinho se constitui como um elo entre
o Comando e o seu novo integrante, o que confere a esta relação um grau maior de
credibilidade, mediante transferência da confiança que o padrinho deposita no seu afilhado
para a relação dele com a organização” (Lampe & Johansen, 2003, p.7 citado por Dias,
2011).
Tudo indica que, no decorrer dos 15 anos de existência do PCC, essa prática passou por
transformações. No início, relatos dão conta de que havia um ritual de sangue, no qual o
novo integrante do grupo e o seu padrinho picavam o dedo, derramavam gotas de sangue em
um copo com água e, em seguida, ambos bebiam a mistura. Em outros relatos, é apontada a
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presença de sangue de animais, pombas ou ratos, que teria que ser bebido pelo novo
integrante [...] a presença do sangue nos rituais de batismo simboliza a possibilidade de uso
da violência, constituindo-se ameaça ao novo integrante em caso de traição. Por fim, o
sangue é o símbolo do pacto eterno, ao qual o novato está ligado até o fim da sua vida, e cuja
ruptura pode levá-lo à morte [...] se a presença do sangue não é comum a todos os relatos de
batismo, a leitura do estatuto do PCC é. Em todas as narrativas sobre os rituais de entrada na
organização, os novos adeptos declaram que lhes é dada uma cópia do estatuto do PCC para
lerem em voz alta, jurando obediência aos 16 itens contidos no documento e fidelidade ao
seu padrinho (Dias, 2011, p.168).
Em relação à presente pesquisa, embora a presença dos pactos de sangue não esteja presente
no batismo do novo integrante, seja no PCC, seja no Sindicato-RN, ou mesmo na Caveira, no
contexto do estado do Rio Grande do Norte, podemos perceber que esse processo demarca o
integrante até o fim da sua vida, como veremos no subtópico A saída da facção. Neste momento
nos basta refletir sobre o batismo, sobre o qual Dias (2011) conceitua como etapa de transformação
do companheiro em irmão, que influencia na estrutura e dinâmica do grupo.
O trecho acima retrata o prelúdio do PCC, no qual o sistema penitenciário é o contexto que
se apresenta. Como aspectos semelhantes desse contexto no RN, no ingresso às facções, podemos
citar: o convívio com pessoas ligadas à facção; a indicação de dois “irmãos” para ingresso na
facção. Num primeiro momento, o novo integrante é considerado membro da família ou primo. No
RN, os “irmãos” que fazem a indicação serão o Padrinho e a Referência, e novo integrante é
chamado de “companheiro”, que quer dizer que aquela pessoa convive com membros da facção,
mas ainda não faz parte do grupo; por fim, o status alcançado de “irmão”. Vale destacar que a
nomenclatura “irmão” está presente apenas nos relatos do adolescente do PCC. No Sindicato-RN, a
partir das entrevistas que fizemos, os adolescentes não se referem aos seus pares como “irmãos”.
A leitura do estatuto como pré-requisito para entrada no PCC é apontada por Dias (2011).
Esse pré-requisito não aparece nos relatos dos adolescentes da pesquisa, embora todos eles
demonstrem conhecer o conteúdo de tal documento.
Finalizando o processo de batismo e, portanto, de entrada na facção, há a apuração dos
dados biográficos do novato que o transmitirá para o Sintonia da área, que também o transmitirá
para o Sintonia do Livro (Dias, 11). Os Padrinhos devem repassar ao Disciplina o local de batismo e
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o nome do novato, a Quebrada onde o novato reside e as unidades prisionais por onde passou.
Essas infomações são repassadas aos níveis superiores operacionais, até chegar aos Sintonias e,
assim, confirma-se a entrada definitiva do novo integrante à facção. Uma vez pertencentes,
discutiremos a seguir como se relacionam esses adolescentes filiados no interior do CEDUC-
Pitimbu.
Parte superior da unidade: três pavilhões (pavilhões 01, 02 e 03). Cada pavilhão com 12
camas. Todos destinados ao Sindicato-RN.
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Parte inferior da undiade: três pavilhões (pavilhões 04, 05 e 06). Cada um com 12 camas.
Dois pavilhões destinados ao Sindicato-RN e um palvilhão destinado ao PCC.
PESQUISADOR: Então, pra tornar a convivência, a vida mais fácil do menino que tá chegando
aqui na unidade, se você pudesse dizer pra ele sobre a vida aqui dentro da unidade, qual a primeira
coisa que você diria pra ele?
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PAUL: (Demorou um pouco pensando) Acho que escolher qual alojamento que vai ficar.
PAUL: Porque você tem que ficar do lado dos seus parceiros e não colar com os outros.
PESQUISADOR: Mas se ele não conhece ninguém aqui, ele tá chegando agora, como que ele vai
saber quem são os parceiros dele?
PAUL: Ah! Tem que dizer de onde ele é primeiro, aí ele vai saber pra onde ir, assim, se ele for de
um lugar que quem comanda é o Sindicato, tem que colar com os boy que são do Sindicato, se
colar com os Pecêco, a facção decreta ele.
PESQUISADOR: Hum, entendi... e se ele não se identificar com nenhuma facção, como é que faz?
PAUL: Tinha que fazer né (alojamento só pra quem é da massa), mas tem que ver de onde ele é, se
ele for de um bairro do Sindicato, ele tem que colocar com quem é do Sindicato.
PESQUISADOR: Entendi, e os os meninos lá da outra facção... vão saber que o cara é da massa?
PAUL: Acho que não, pra eles vai ser tudo Sindicato se tiver com nós.
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O trecho separado da entrevista de Paul mostra o momento da chegada do adolescente na
unidade e o cuidado da sua escolha sobre qual alojamento deveria ficar. A decisão do alojamento
perpassa pela sua filiação à facção, que por sua vez perpassa pelo lugar onde reside, que acontece
da seguinte forma: nesse momento, não importa se o adolescente declara não ser pertecente à
facção, o bairro onde reside automaticamente o credencia como filiado ao grupo. É uma filiação
compulsória.
A possibilidade de se declarar numa posição neutra, chamados “os da massa”, esbarra no
impasse de não haver alojamentos destinados especificamente para esse grupo. As opções são o
Sindicato-RN ou o PCC. Uma vez estando num destes alojamentos, mesmo declarando não
pertencer a nenhuma facção, o adolescente é visto pelos outros da facção rival como pertecente à
facção.
Dessa forma, a chegada do adolescente e sua estada nos alojamentos, por causa das facções,
implica o seguinte: 1. Ao se declarar pertencente a uma facção, o adolescente é destinado aos
alojamentos dessa facção; 2. Quando declara não ser de facção, o bairro onde reside
compulsoriamente determina sua facção e, assim, o alojamento que vai residir será aquele que
coaduana com a facção que domina o seu bairro; 3. Uma vez estando num alojamento destinado a
uma facção, a facção oposta o vê como membro, ocorrendo, assim, uma segunda filiação
compulsória.
Denominar-se como “da massa” também pode causar alguns problemas. Não é uma decisão
simples. O adolescente John, por exemplo, ao asseverar como desse grupo e por estar nos
alojamentos destinados ao Sindicato (que são a maioria dos alojamentos da unidade), foi perseguido
e agredido por adolescentes do prórprio Sindicato-RN, para que tomasse uma posição de apoio a
este grupo. Esse fato foi lembrado pelo próprio John e depois por sua família.
PAI DE JOHN: Assim, a gente tem problemas com John aqui porque ele não é de facção nenhuma e
os outros querem obrigar que ele seja. John não é nenhum santo, e até já meio que entrou na
facção, mas hoje eu sei que ele não quer mais isso. Há um tempo atrás, ele já veio pra cá
(referência ao Pitimbu) não é a primeira passagem dele por aqui, aí os meninos queriam matar
ele, chegaram a agredir ele e iriam matar ele, pra que ele fosse da facção, fizesse as coisas com
eles e John não queriam e aí ele fugiu, porque iriam matar ele. Chegaram até colocar ele num
lugar separado mas não teve jeito... mas graças a Deus ele é um menino bom e já já está saindo
daqui.
Esse fato a respeito de John foi corroborado, também, pela gestão técnica. Na época, ainda
havia alojamento destinado para os “da massa”, onde John foi alocado por um breve período até
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fugir da unidade.
Retomando, depois da chegada do adolescente na unidade, procura-se a sua inserção nos
alojamentos da unidade. O trecho da entrevista de Ringo, a seguir, mostra em qual momento, como,
quem faz e como se dá a descoberta da facção do adolescente e o insere nos alojamentos da
unidade.
PESQUISADOR: Esse negócio de ser da massa, não ser da massa, ser de outra facção ou não,
deve ser uma confusão danada aqui dentro, não é não?
RINGO: É... mais ou menos, porque você fica um tempo separado pra saber onde você vai ficar.
PESQUISADOR: Vixe! deve ser complicado ficar lá na Cafua, não é não? Eu já vi a Cafua lá de
Caicó e era bem tensa.
RINGO: Nada, a daqui é sossego, o ruim é que você fica sozinho lá, sem ninguém.
PESQUISADOR: Hum, menos mal... e vocês ficam lá um tempo e quem é que decide qual
alojamento que vocês vão?
RINGO: Não sei quem é, mas a gente diz a eles lá, assim, o psicólogo,...(menciona o nome de
outras pessoas da gestão técnica) diz de onde a gente é, quando faz aquela entrevista lá com eles
(referindo-se à construção do PIA), e aí eles já sabem onde deve colocar a gente.
PESQUISADOR: Ah! Isso deve ser na construção do PIA, que eles levantam o histórico de vocês.
RINGO: É, isso aí... aí eles sabem de onde nós é e já coloca no lugar certo... às vezes também tem
gente que tem treta com outras pesssoas que tão aqui, aí já fala pra eles pra ficar esperto.
Esse pequeno trecho expõe o lugar onde o adolescente reside, até ser colocado nos
alojamentos comuns, e como se dá a descoberta da sua filiação grupal, mesmo declarando não ser
de nenhuna facção. A constatação é feita pela equipe técnica com o levantamento do histórico do
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adolescente na construção do PIA e, então, é descoberto o bairro onde reside e a facção que domina
aquele território.
A respeito disso, a equipe técnica também dá relatos semelhantes. O adolescente passa um
período na cafua para ir se adaptando à rotina da unidade e ser levantado o seu histórico. Esse
tempo é de 45 dias da data do ingresso do adolescente na unidade e é estabelecido pelo SINASE
(Lei N° 12.594/2012) para a construção dos PIAs.
A facção a que pertence (se este se autodeclarar pertencente), o bairro onde reside e as
inimizades com adolescentes, que já estão na unidade, são questões levantadas sobre o adolescente
novato e que vai determinar para qual alojamento será destinado. Há casos também em que o
adolescente diz que quer ficar no mesmo alojamento de um amigo ou familiar que esteja na
unidade.
Dessa forma, o adolescente não tem escolha: a partir do seu bairro de origem, é imputado
como sendo de uma facção e carrega consigo toda a rivalidade histórica entre os grupos. Essa
rivalidade inicia-se fora da unidade e é reafirmada no interior dela, com a separação dos
alojamentos por facção.
A questão da territorialidade que definine a filiação do sujeito à facção, é apontada também
por Brito (2018), na cidade de Natal-RN. No seu estudo, o interlocutor da pesquisa conta sua
história pessoal, segundo a qual estava de saída de seu bairro de origem (comunidade Mãe Luiza,
dominada pelo Sindicato-RN) para outra comunidade, situação de outros moradores também, pois
estava difícil viver naquela localidade com as atuações da facção e da polícia, cada vez mais
violentas. A troca de tiros entre ambas deixava a população em fogo cruzado e tornava esta mesma
população como suspeita, seja pela facção (como membros de facção oposta na disputa pelo
comércio varejista de drogas), seja pela polícia (como possíveis membros de uma facção):
Contudo, aquilo que Ice Blue imaginava deixar para trás ao sair de Mãe Luíza, o
acompanhou. Ao realizar sua mudança para outro bairro – onde era possível pagar o aluguel
–, também localizado na periferia e marcado pela presença do tráfico de drogas, descobriu
que lá, havia “embriões” da facção rival à do bairro onde ele morou. Dada esta situação, a
experiência de Ice Blue no novo bairro teve como uma de suas marcas a iminência com o
perigo, tendo ele, inclusive, que evitar estar na rua durante à noite a fim de se preservar. De
acordo com ele, “mesmo que você diga "eu não tô", você tá sim [vinculado à facção]. Só por
estar lá. Isso é o que mais me irrita nisso. Você tem que se policiar no que você vai falar,
postar na net, em tudo (Brito, 2018, p.170-171).
PAUL: Conheço... assim, não sou amigo deles lá, mas conheço.
PESQUISADOR: E o que eles fizeram pra tu ou para os outros meninos daqui do Sindicato?
PESQUISADOR: (Em tom descontraído) E por que então vocês têm raiva deles, que vocês não
podem nem jogar bola juntos?
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PAUL: Não, eles não!
PESQUISADOR: Então, por que eles são safados e vocês têm raiva deles?
PAUL: ah! Porque eles são Pecêco! (o adolescente demonstra não saber bem o que falar e começa
a refletir sobre essas questões).
PESQUISADOR: O que os meninos lá do PCC fizeram pra você e para os outros meninos do
Sindicato aqui?
RINGO: Fizeram nada não, eles são sossego, não mexem com nós e nós não mexe com eles.
PESQUISADOR: E por que vocês têm raiva um do outro, não podem fazer uma atividade juntos,
não podem jogar bola, nem nada, que vocês brigam entre vocês?
PESQUISADOR: (Em tom descontraído) Então, vou colocar vocês pra jogarem bola juntos, fazer
um clássico aqui no CEDUC, um Palmeiras e Corinthians, Sindicato contra o PCC.
RINGO: (O adolescente ri de tão é absurda que é a ideia) Você é louco? Não dá não, Deus me
livre! Ficar andando com esses boy do PCC, Deus me livre.
RINGO: Se os caras lá da Quebrada me verem com os Pecêcu, vão achar que sou amigo deles e aí
a facção me decreta.
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Esses trechos das entrevistas são bastante reveladores sobre a natureza das relações entre os
adolescentes no interior da unidade. Ao ser colocada no âmbito pessoal, a rivalidade minimamente
desaparece. Não há questões a tratar pessoalmente.
Como pode ser visto, questionamos se eles (John e Ringo pertencentes ao Sindicato-RN)
conheciam os meninos do PCC. A resposta foi assertiva dos dois adolescentes dizendo que sabiam
seus nomes e conheciam seus rostos.
Logo após, questionamos o porquê de não se relacionarem bem, quais os motivos que
faziam sentir raiva um do outro, uma vez que não fizeram nada de mal diretamente a um dos
adolescentes. Os meninos não conseguiram argumentar o porquê de sentirem raiva dos outros
meninos da outra facção. Essas respostas são semelhantes também em relação aos meninos do PCC
sobre os do Sindicato.
Como não conseguiram dizer o porquê de sentirem raiva um dos outros e já que gostavam de
jogar futebol, em tom de brincadeira falamos que iríamos promover uma partida de futebol entre as
duas facções dentro do CEDUC. Os meninos de ambas as facções gargalhavam do tamanho absurdo
e diziam de forma veemente que “se o pessoal lá da quebrada me ver com eles, a facção vai me
decretar”.
Nesse instante, pudemos vislumbrar o quanto a rivalidade entre esses grupos se relaciona
com a territorialidade. A filiação desses garotos com as facções já começa dos bairros onde residem,
uma vez que esses bairros são dominados por determinada facção. Mesmo que não queiram e não
desejem filiar-se, considera-se como uma traição à facção ou às pessoas do bairro, a “amizade” com
pessoas de outro bairro ou de outra facção.
Essa traição é paga com o “enquadre” ou o “decreto” da facção ao adolescente. O enquadre
ou o decreto é uma gíria para se referir a uma represália, ação disciplinar, que a facção dá a
qualquer pessoa.
Dias (2011) explica que o uso da disciplina em membros do PCC, por eventuais contatos
com inimigos, é uma prática realizada pela facção desde o seu surgimento. O contato com
adversários exigia medidas punitivas, que não apenas repreendesse o erro, mas que servisse de
exemplo para os demais membros. A esse respeito, a autora comenta:
Como o relacionamento entre membros de facções rivais é rechaçado, nos dá mais indícios
para supor que a rivalidade acirrada entre as duas facções (PCC e Sindicato-RN), dentro da unidade
socioeducativa, surge em grande parte por uma questão anterior à entrada do adolescente na
unidade, e é levada para a dinâmica da unidade. A negação dessa territorialidade é considerada uma
traição pela facção que pode levar o adolescente à morte.
Em conversas com profissionais do CEDUC Padre João Maria, que é destinado a mulheres
em medida de internação, a rivalidade entre as facções parece não ser acirrada. As meninas de
ambas as facções convivem nos mesmos espaços, apesar das filiações de facções opostas. As razões
para que isso aconteça demanda estudos posteriores.
Torna-se clara, então, que a péssima relação que os adolescentes têm uns com os outros se
motiva também pelas diferenças grupais, originárias na constituição desses grupos ao passar dos
anos: o domínio de territórios pelas disputas do monopólio do tráfico de drogas. Esses sujeitos
carregam consigo a herança histórica da rivalidade entre os grupos, estimulada e solidificada pelo
seu bairro de origem. Como as diferenças se dão no âmbito grupal, nos falta entender quais são os
elementos que os diferenciam como grupo.
Dessa forma, procuramos saber como os adolescentes caracterizavam a si próprios e seu
grupo e caracterizavam aqueles do grupo rival. Investigamos elementos de sentido que ajudassem a
construir, no imaginário dos adolescentes, aspectos que caracterizassem a facção, o sujeito
pertencente à sua própria facção e à facção rival, haja vista que são esses elementos que podem nos
ajudar a entender as relações intergrupais.
A respeito da caracterização da facção, buscando amplificar aspectos que as diferenciam,
resgataremos um trecho da entrevista de Paul já colocada nesta pesquisa, noutro momento. O
contexto da fala é o da sua entrada na facção, na qual descreve algumas características que
diferenciam sua facção (Sindicato-RN) da outra (o PCC):
PESQUISADOR: E por que você decidiu entrar nessa facção, o Sindicato-RN, e não a outra, por
exemplo, o PCC?
PAUL: (Volta a ficar sério e continua)... Assim, porque eu sou do bairro que quem domina lá é nós
(o Sindicato-RN), e também eu decidi andar pelo certo.
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PAUL: Assim, existe o certo e o errado. O certo é o Sindicato porque é a maior facção daqui... não
assalta ônibus, não rouba celular, pouco dinheiro, se for roubar moto só acima de 125, então o
errado são os “Pecêco” que faz essas coisas.
O Sindicato seria a maior facção e “correria pelo certo”, enquanto que o PCC “correria pelo
errado”. Correr pelo certo significa que a facção preservaria certos valores morais no crime, como
não assaltar ônibus, não roubar celular, não roubar pouco dinheiro e moto, apenas acima de 125
cilindradas.
No decorrer das entrevistas foi perguntado aos adolescentes quem são os adolescentes do
seu grupo e quem são os adolescente do outro grupo? Os adolescentes do Sindicato-RN
responderam dessa forma sobre o PCC:
JOHN: Nós não faz essas coisas, nós respeita e se fizer a facção decreta.
JOHN: Não estupra ninguém, não rouba celular, moto só se for acima de 125.
A entrevista de Paul complementa o que foi dito por John. Reproduziremos o trecho da
entrevista.
PAUL: Como eu te falei, existe o certo e o errado, eu decidi andar pelo certo.
PAUL: É, eles são os errados, eles estupram, eles matam sem ver de que, eles são filhos da p*
(nomeia um palavrão).
PAUL: Acho que é a mesma coisa, sei lá, é tudo da quebrada, assim é a mesma coisa.
Para os adolescentes do Sindicato, quem é pertencente a este grupo “corre pelo certo”,
enquanto o outro grupo, o PCC, “correria pelo errado”. Correr pelo certo, ou andar pelo certo, que
são sinônimos, é um jargão que vai estar presente em quase todos os realatos daqueles pertencentes
ao Sindicato, para se diferenciar daqueles do grupo rival.
Correr pelo certo significa que a facção preserva certos valores morais do crime, como já
dito (não assaltar ônibus, não roubar celular, não roubar pouco dinheiro e moto, apenas acima de
165
125 cilindradas), porém, o relato de Paul adiciona a não compactuação com o estupro. A não
concordância com a prática de estupro vai servir para a diferenciação do grupo oposto, contudo, vai
estar presente também nas falas dos adolescentes do PCC, para se diferenciarem do Sindicato-RN.
Além desses valores, outra diferenciação por parte dos membros do Sindicato, é a questão
territorial. Nesse contexto, ser maioria na dominância dos territórios constitui uma vantagem e,
assim, um ponto positivo a ser lembrado e comparado ao PCC. No jogo das interrelações grupais,
na busca em diferenciar-se do outro grupo externo e rival, é essencial ressaltar aspectos positivos do
seu grupo para, assim, apontar os negativos do outro e colocá-lo num patamar inferior.
A questão territorial torna-se fundamental na diferenciação entre os grupos, porque é
decisiva na filiação dos membros, como aspectos da criminalização do jovem e morador da
periferia. Como já vimos em inúmeras situações distintas, o fato de o sujeito apenas residir num
determinado território dominado por certa facção, é condição suficiente para torná-lo membro desta
facção aos olhos de outros, como a polícia, a facção rival ou mesmo para a gestão técnica no
sistema socioeducato do RN, na alocação do adolescente num alojamento.
Da mesma forma como fizemos anteriormente, agora perguntamos aos adolescentes do PCC
o que eles pensam sobre os adolescentes do Sindicato-RN e sobre si próprios. Apresentaremos
também aqui o relato de Paulinho e Galvão que não são pertencentes às facções; contudo, o
primeiro por uma situação particular residiu em alojamentos de ambas as facções e, esse último, é
pertencente à Caveria e, assim, ambos adolescentes têm percepções de ambas as facções (Sindicato
e PCC).
Como já dito anteriormente, não iremos nos aprofundar sobre a facção Caveira. Esta facção
tem origem em outro contexto (na cidade de Mossoró) e conta com apenas um representante no
CEDUC-Pitimbu, não influenciando na dinâmica de organização da unidade e, nem sequer foi
mencionada pelos adolescentes do Sindicato e PCC.
Dessa forma, ao perguntar para os meninos do PCC sobre o que pensam sobre os meninos
do Sindicato, Pepeu respondeu da seguinte forma:
PEPEU: São tudo uns traíras, porque não sei se você sabe, mas eles colavam com nós antigamente.
166
PESQUISADOR: E hoje, tem diferença entre o Sindicato e o PCC? Por exemplo, eu que sou de
João Pessoa e quero entrar numa dessas facções, qual a diferença entre elas pra eu escolher em
qual entrar?
PEPEU: Tem, muita! A gente corre pelo certo e eles pelo errado.
PEPEU: Assim, nós é mais organizado, cada um tem sua função, sabe da sua função, lá no
Sindicato eles são mais bagunçados... é, também aqui tem mais disciplina, se alguém começar a ser
a sair da linha, não respeitar a facção, a facção decreta logo, assim, não pode estuprar ninguém,
ficar roubando na quebrada, essas coisas, lá no Sindicato eles estupram, aqui não pode.
PESQUISADOR: Eles dizem que quem estupra são vocês e quem rouba trabalhador são vocês.
PEPEU: É mentira, eu nunca vi. Agora de roubar trabalhador, já vi os boy roubar mesmo, mas são
poucos e a facção não gosta, quase não acontece.
PESQUISADOR: Engraçado, porque quando falo com os meninos do Sindicato, eles dizem a
mesma coisa, que correm pelo certo e vocês pelo errado.
MORAES: É, quem tem boca fala o que quer, mas você acha certo? Os caras lá mata a família da
gente, tortura a família da gente, faz isso tudo de quem eles não gosta, eles são safados!
PESQUISADOR: Hum, entendi. Se você pudesse dizer quais as diferenças entre um e outro, quais
seriam?
MORAES: Assim, diferença não tem muita porque são tudo da quebrada. A diferença mesmo é que
moram em bairro diferente e que eles quiseram ficar fazendo coisa errada, por isso sairam.
MORAES: É!
Como podemos perceber, “correr pelo certo” também aparece nas entrevistas com os
meninos do PCC. Esse jargão no contexto desta facção tem significados semelhantes aos do
Sindicato, pois são valores a serem seguidos no crime, principalmente em relação à prática de
estupro e ao roubo de pessoas da comunidade. Os adjetivos que são usados pelo PCC para
diferenciar-se do Sindicato-RN são usados por este para se diferenciar do PCC. Assim, os
elementos que as diferenciam são os mesmos que as tornam semelhantes.
A organização e a disciplina são elementos ressaltados apenas pelos adolescentes do PCC
para se diferenciarem do Sindicato, e que tem relação com ao “correr pelo certo”. Essas qualidades
dizem respeito à atenção e firmeza ao cumprimento das normas estabelecidas pela facção. No
âmbito das relações intergrupais, essas qualidades são ressaltadas, também, como forma de
amplificar aspectos positivos do ingroup (PCC) em relação ao outgroup (Sindicato-RN), na
afirmação do nós e eles, expresso em significações do tipo “nós somos organizados” versus “eles
não são organizados”; “nós temos disciplina” versus “eles não têm disciplina”.
Em tom mais descontraído, perguntamos a Moraes se não tinha medo de pertencer ao PCC,
em meio a uma maioria que pertence ao Sindicato. Além do Sindicato dominar a maioria dos
territórios na cidade de Natal e região metropolitana, é maioria também no CEDUC-Pitimbu, no
qual, a proporção é de 48 adolescentes do Sindicato para oito do PCC e, também, na Penitenciária
Estadual de Parnamirim (PEP), ao lado do CEDUC, onde dividem a mesma parede que os separam,
em cujas instalações, todos os detentos são pertencentes ao Sindicato. Diante desse cenário, Moraes
responde o seguinte.
PESQUISADOR: (Em tom descontraído) Tu não tem medo não? Porque os caras são maioria na
rua, são maioria aqui no CEDUC, se os caras fizerem uma rebelião podem entrar aqui..
MORAES: (Neste momento rindo) São maioria aí no presídio do lado também. É tudo Sindicato aí.
PESQUISADOR: Sério? Lá também? Tu não tem medo não bicho, dos caras sendo maiorias
pegarem vocês?
168
MORAES: Medo não tenho não, se acontecer aconteceu, tamo na vida é pra isso mesmo.
No âmbito das relações grupais, podemos verificar indícios de favoritismo grupal em ambas
as facções. Os elementos destacados servem para caracterízar o seu próprio grupo e o grupo rival,
de modo a ressaltar aspectos positivos do endogrupo em detrimento ao exogrupo. Contudo, os
mesmos elementos citados pelo Sindicato para definir o PCC são usados por este para definir o
Sindicato.
O jargão “andar pelo certo” é usado por ambas as facções para defirnir a si própria e a outra.
Tal jargão diz respeito aos valores morais a serem seguidos pelo crime, como não assaltar ônibus;
não roubar celular; pouco dinheiro; moto somente acima de 125 cilindradas e não cometer estupro.
Esses valores vão estar presentes no estatudo do PCC, explícito no item 8, quando diz que os
integrantes do Partido [PCC] tem que dar bom exemplo a ser seguido e, por isso, o Partido não
admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do sistema (Souza, 2007). Esses valores são
resguardados pela ação incisiva disciplinar da facção a quem “sai da linha”, que aparece com mais
clareza no PCC.
Sobre essas formas disciplinares das facções nos bairros na cidade de Natal, a namorada de
Pete, Consuelo dá detalhes a esse respeito. A liderança do bairro é quem determina o que deve ser
feito. O contexto é o bairro Felipe Camarão.
CONSUELO: A liderança... a facção lá não deixa roubar no bairro...não pode, se roubar eles
decretam o cara.
ADOLESCENTE: Ah! Vai roubar morador de lá é? Não pode não... eles não deixam.
169
PESQUISADOR: Você já viu isso acontecer?
CONSUELO: Na hora não, mas sei quem já levou... e também não pode ficar falando da facção, na
rua, tipo assim... que aí a facção também decreta.
PESQUISADOR: “Ave Maria, inclusive eu...se eu ficar procurando saber da facção? (Em tom de
brincadeira).
Como se pode perceber, a liderança não deixa roubar no bairro, pois “decreta” com um tiro
na mão de quem o fizer. Além disso, também os membros da facção não podem a todo o momento
falar da facção, como se estivessem “fofocando”, porque é passível de ser decretado.
Comportamento semelhante da facção acontece também na comunidade Mãe Luiza, na
cidade de Natal-RN. Brito, (2018) expõe um caso de um sujeito que foi pego roubando na
comunidade.
Tupac também falou que a facção do bairro, o Sindicato do Crime, possui um forte controle
sobre o território, talvez maior que a própria polícia, de acordo com ele. Ele me mostrou, no
seu celular, um vídeo de um homem que foi pego roubando na comunidade no dia anterior
(28/08) e, como punição, aplicada por membros do Sindicado do Crime, teve dois dedos
decepados – Diário de campo, 17 de agosto de 2016 (Brito, 2018, p.162).
Brown também me conta que, não faz muito tempo que um “nóia” e um homem acusado de
estupro foram mortos em Mãe Luíza. Questiono sobre o porquê mataram o “nóia”. Sempre
imaginei uma relação de interdependência entre estes e os vendedores ilegais de drogas.
Brown não me explica com clareza o porquê do homicídio, mas afirma que os “nóias”, ou
seja, aqueles sujeitos em situação de pobreza e com uma relação problemática com o uso de
170
drogas não possuem um bom relacionamento com o tráfico. Imagino que, pelo nível de
adicção, causem algum tipo de problema, inclusive pela prática de pequenos furtos – Diário
de campo, 12 de novembro de 2016. (Brito, 2018, p.163)”.
O relato, tirado de um diário de campo, conta um fato relativo às mortes de duas pessoas
pela facção. No caso, um sujeito era usuário de drogas e causava problemas para a facção, o outro
sujeito era acusado de estupro. Para os dois casos, a ação disciplinar foi a morte.
A proibição do estupro e os roubos nas comunidades têm raízes históricas e está presente
desde o surgimento do PCC. Para estabelecer o seu domínio no sistema penitenciário, pregava-se a
necessidade de união, solidariedade, visando à proibição da violência sexual, como também, os
altíssimos índices de roubos e homicídios nas comundidades (Dias, 2011).
Tomando como base o estudo de Brito (2018), podemos perceber como a questão da
territorialidade também está presente. Assim sendo, a territorialidade aqui talvez seja um dos
elementos centrais na diferenciação de ambas as facções. Essa característica, quando ressaltada em
ambos os grupos, aponta para o que mais elas têm em comum, que são as origens e o
estabelecimento nas periferias das grandes cidades.
Os territórios, que são as periferias das grandes cidades, vão determinar também as
características do sujeito pertencente às facções. Para os adolescentes, de ambas as facções, com
exceção de “correr pelo certo ou não”, não há diferenças entre aqueles pertencentes ao Sindicato e
ao PCC, “são todos da quebrada”, segundo os próprios adolescentes.
Sobre isso, inicialmente, esperávamos que aparecessem, nos relatos dos adolescentes, os
mesmos sujeitos com sotaque paulistano, responsáveis pelo surgimento das facções em alguns
territórios, que apereceram nos dados expostos no tópico 5.1.Os primeiros indícios de surgimento
das facções nos territórios na cidade de Natal e Parnamirim. Além disso, o PCC tem origem no
estado de São Paulo. No entanto, no relato dos adolescentes, não apareceu essa característica.
Isso nos leva a crer que aqueles que são pertencentes às facções do Sindicato e PCC, no
contexto de Natal e Parnamirim, têm as mesmas origens. As suas origens, nesse caso, são 1.residir
nas periferias da cidade; 2. serem naturais da própria região, ou seja, não advirem de outros estados
como São Paulo, 3. estarem em meio aos acirramentos grupais das facções, que em grande parte
surgem em meio à disputa do tráfico de drogas nos territórios.
Dessa forma, o que, na prática, diferencia e tornam rivais ambas facções são os territórios
dominados por elas. Esse fenômeno tem origem nas disputas pelo mercado varejista de drogas e que
vai possibilitar a dominância dos territórios por grupos distintos e, assim, significações que as
diferenciam e sustentam essa rivalidade.
A filiação de uma pessoa a uma facção, por razões de residir em determinado território, vai
171
fazer com que ela carregue toda a carga histórica de rivalidade entre esses grupos, juntamente com
os estereótipos que as diferenciam. Assim, a rivalidade entre as facções, no contexto do CEDUC-
Pitimbu, geralmente não tem um aspecto pessoal, mas um aspecto grupal, de pertencimento aos
grupos (as facções), que tem raízes na própria constituição histórica e contextual desses grupos nos
territórios.
No caso de Galvão, representante da facção Caveira, as distinções também seguem essas
linhas de raciocínio, corroborando ao que foi dito. Para ele, não há diferenças muito explícitas entre
ambas as facções (Sindicato e PCC), embora reconheça que o PCC seja mais organizado e
disciplinador.
GALVÃO: Acho que não tem diferença não, é tudo a mesma coisa.
PESQUISADOR: Ué, se são a mesma coisa por que existem duas facções?
GALVÃO: Sei não, mas diferença mesmo acho que o PCC tá mais em cima, é mais organizado, se
você fizer alguma coisa errada eles já tão ali em cima, no Sindicato acho que é diferente.
Paulinho, que estava residindo num alojamento improvisado, por causa do boato de que teria
cometido estupro, descreve suas percepções de ambas as facções. Vale ressaltar que esse
adolescente residiu no alojamento das duas facções no Pitimbu.
Nesse contexto, para Paulinho, a diferença entre o Sindicato-RN e o PCC é que, no primeiro,
os adolescentes são “mais ruins”, mais violentos que o segundo. Ressalta-se que Paulinho teve a
sobrancelha e a cabeça raspadas pelos adolescentes pertencentes ao PCC.
PESQUISADOR: Você que já passou pelas duas facções, digo, já morou com os meninos das duas
facções, qual é a diferença entre elas?
PAULINHO: Assim, diferença mesmo, acho que assim, os caras do Sindicato são mais ruins, eles
são maiores, aí acho que é isso.
172
PESQUISADOR: Tipo, mais violentos do que os meninos do PCC?
PAULINHO: É! Isso!
PESQUISADOR: Mas quem fez isso com você foram os meninos do PCC, não? (Apontando para o
cabelo da cabeça e sobrancelhas que haviam sido raspadas pelos meninos do PCC).
Noutro momento da entrevista, Paulinho descreve outras diferenças entre as facções. Para
ele, o Sindicato-RN se faz “mais presente” na vida dos meninos do que o PCC, pois os ajudam com
advogados.
PESQUISADOR: E em relação à facção mesmo, qual a diferença de uma pra outra? Por exemplo,
o PCC é diferente do Sindicato por isso ou o Sindicato é diferente do PCC por isso.
PAULINHO: Acho que eles são mais presentes, assim, uns caras lá precisaram de advogados e a
facção mandou advogado pra eles, foi o que eles disseram.
PAULINHO: Acho que não, não é o que eu vejo lá, os caras lá são mais lascados, são mais
humildes e não vejo a facção fazendo nada por eles.
PESQUISADOR: Pra você, por exemplo, quem é o adolescente que está no Sindicato e o
adolescente que está no PCC? Quem são eles, quais as características deles?
PAULINHO: Assim, tem os bairros neh, eu não sou daqui (Paulinho é do interior do estado, da
173
cidade de Serrinha), aí não sei, mas são dos bairros, fora isso, não tem diferença não, é tudo das
favelas.
Essa fala de Paulinho corrobora algumas questões já descritas nesta pesquisa. A primeira diz
respeito à filiação na facção, por questões de territorialidade; e a segunda é referente ao estereótipo
daquele sujeito pertencente à facção, pertencente às favelas, ou seja, às comunidades
subalternizadas.
Em meio ao que foi exposto, vale ressaltar que, quando estávamos em imersão na unidade
socioeducativa de Caicó, primeiro semestre de 2017, era nítido o orgulho dos adolescentes em
pertencer à facção. Esse orgulho transparecia nas suas próprias falas quando autodeclaravam
pertencer à facção, nos desenhos com símbolos da facção nas suas camisas, paredes dos alojamento,
ou mesmo, com a automutilação com instrumentos rudimentares, a qual marcava a própria pele com
símbolos referentes às facções.
No CEDUC-Pitimbu, entre julho e dezembro de 2018, ou seja, em outro contexto e um ano
após à imersão em Caicó, encontramos uma realidade um tanto distinta. Os alojamentos das
unidades ainda eram separados por facção, mas a exposição desse orgulho de pertencer à facção
(Identidade Social) não era tão visível. Não havia as constantes declarações de que pertenciam às
facções, não havia desenhos, nem mesmo apareciam nas entrevistas individuais – com exceção de
um adolescente, especificamente, que iremos falar mais adiante. Dessa forma, em relação a esse
“não orgulho” aparente de pertencer à facção, duas hipóteses podemos indicar.
A primeira, e mais óbvia, é que se trata de realidades distintas e, no caso do Pitimbu, esse
fenômeno do orgulho do pertencimento à facção é menor do que se comparado aos adolescentes de
Caicó. E a segunda hipótese, também crível, é que a mudança de direção na unidade influenciou
diretamente nesse fenômeno.
A nova direção, representada por um coronel da reservada, é conhecida por ser mais rígida e
recebe críticas por isso por parte dos adolescentes. O diretor segue à risca o Manual de Segurança,
no qual consta em seus artigos toda uma forma disciplinar de trato dos educadores para com os
adolescentes e, como estes devem se comportar – a disciplina empregada nos adolescentes pelo
Manual já foi descrita no tópico 4.3.Dinâmicas relacionais no interior da unidade.
Queremos dizer com isso que, essa disciplina imposta pode ter influenciado na forma com
que os adolescentes se expressam na unidade. Além dos poucos espaços de diálogo disponíveis e
diversas atividades socioeducativas que não estimulam a livre expressão e autonomia (a exemplo da
atividade de vagonite), realidade já encontrada nas unidades, temos agora uma forma disciplinar
que diz em quais momentos e espaços o adolescente pode falar, como deve andar ou como deve se
comportar. Não estamos discutindo se essas formas de disciplina são ruins ou boas, mas que o medo
174
de possíveis represálias pode fazer com que esses adolescentes se contenham ao se expressar,
mesmo que seja sobre sua identificação com a facção. Contudo, dentre todos os participantes da
pesquisa e aqueles que víamos nos dias de visita, ou mesmo participando das atividades
socioeducativas, apenas um adolescente demonstrava efetivamente o orgulho de pertencer à facção;
seu nome é Pepeu.
Logo de imediato, Pepeu se apresentou para a entrevista com a camisa do CEDUC com os
dizeres, na altura do peito, PCC – 1533. Noutra entrevista, Pepeu tinha na camisa outro desenho,
mais elaborado, com cores chamativas, com o nome do PCC coberto de chamas de fogo. O seu
corpo é coberto por tatuagens e uma Carpa – espécime de peixe – tatuada, virada para cima, que
significa que o sujeito ainda é “irmão”, na condição de soldado da facção e ainda não atingiu os pré-
requisitos necessários para se tornar uma liderança, numa posição de comando. O estudo de Dias
(2011) dá mais detalhes a esse respeito das funções dos “irmãos” dentro da facção.
Dos irmãos é esperado que saibam negociar – seja com o diretor da prisão, seja para
apaziguar conflitos entre a população carcerária ou do bairro, seja entre o devedor e o credor
na prisão, seja para aumentar a venda de drogas para o PCC. Deles é esperado que possuam
maleabilidade, capacidade argumentativa e discursiva e discernimento para resolver da
melhor maneira os inúmeros conflitos interpessoais de todos os tipos que eventualmente
surjam nas localidades onde exercem a função política de mediação e regulação. Em suma,
espera-se que eles sejam bons administradores para desempenhar eventuais atividades
comerciais no âmabito do braço econômico do Comando; e um bom gorvernante para o
exercício das funções políticas também centrais para o PCC. Quanto mais o irmão
demonstrar as capacidades mencionadas, mais rápido ele crescerá na hierarquia do Comando
e mais será conceituado e respeitado, interna e externamente (Dias, 2011, p.255).
Além dessas marcas corporais, Pepeu fala de seus líderes, o “organograma” da facção com
seus cargos e funções, as músicas e o grito de guerra com relativa exaltação, fazendo sempre o
contraponto a outras facções, com maior foco no Sindicato. Ao diferenciar o PCC do Sindicato,
aquele é mais organizado. Assim, descreveu todo o organograma da facção, que se organizava pelas
lideranças mais importantes às menos importantes, e tipos de funções. Assim, segundo Pepeu, a
facção se organiza da seguinte forma:
PESQUISADOR: Espera, deixa eu anotar que é muita informação (Em tom descontraído, Pepeu
diverte-se com a quantidade das informações e complexidade com que fala da facção).
175
PEPEU: Primeiro tem o Geral do Continente – que é quem comanda a facção entre os países, tem
a Colômbia, os Estados Unidos, Uruguai, tem mais outros.
PESQUISADOR: Paraguai também? (pergunto porque este país é conhecido pelo tráfico de
drogas).
PEPEU: Acho que não, não lembro. Depois tem o Geral do País – que comanda as coisas da
facção no país, o Geral dos estados....
PEPEU: Não, esse não, depois é o Geral da Rua – que comanda a facção nas quebradas, aí nas
quebradas tem o Disciplina que, assim, quando tem algum problema com morador, alguma
confusão, ele é quem resolve, ele é tipo o Juiz, quem tiver errado ele dá um tiro na mão, ou mata...
tem o Paiol das Armas – que é quem cuida das armas da facção, o “Cibola” que cuida dos
dinheiros, ele recebe também, é como se fosse um banco, você vai depositando lá todo mês R$ 100
conto, aí depois, se você precisar, eles te dão pra pagar advogado, ou dão pra sua família...
PEPEU: Já, esse último advogado que veio me defender quem pagou foi eles.
PEPEU: Aí depois tem o Tranca, esse é quem vai mandar o advogado, tipo assim, você liga para
as linhas, aí você diz “Ô, tou precisando disso e aquilo, tou precisando de advogado”, aí eles vão
falar com o Tranca e vai resolver sua situação. Também ele manda médico, dentista, o que você
precisar e, depois, tem o Sintonia, que é que fica nas linhas pra resolver os conflitos entre os
irmãos, se um irmão começar uma treta com o outro, o Sintonia vai avaliar e resolver da melhor
forma.
PEPEU: O Sintonia é um homem e uma mulher pra resolver a situação, eles ficam no telefone
176
direto. O Sintonia tem em tudo que é canto, no Geral do país por exemplo, cada um tem um homem
uma mulher. A mulher para resolver problema de mulher e homem pra resolver os problemas dos
homens. O Sintonia também deixa todo mundo ligado quando for rolar algum Salve, ele que
organiza para que todos os irmãos fiquem ligados, tá ligado?
É importante que se diga que, embora a Tabela 06 mostre uma organização hierárquica, o
PCC se organiza em rede por associações, segundo Biondi (2007). A igualdade entre os irmãos é
um valor central e qualquer imposição ou obrigação é vista como desrespeito, que segundo a autora:
177
O que está na base da tensão entre a igualdade e a liderança no PCC é a inexistência de
obrigações. Para meus interlocutores, seguir a disciplina do Comando nada tem de obrigação
ou de imposição. Corresponde a correr lado-a-lado, ser um aliado, estar na mesma sintonia.
Nesse sentido, os irmãos não são pessoas dotadas de individualidade, de desejos e
manifestações próprias; eles são, idealmente, meros operadores do PCC. É por isso que ele
não pode tomar decisões isoladas e deve sempre buscar um consenso, mesmo que, para isso,
repasse as decisões de assuntos considerados importantes para a avaliação das torres. Não se
trata, entretanto, de uma transferência que apenas deslocaria o ponto de individualização
para outras instâncias hierárquicas. Mesmo porque os intervenientes negam a existência de
hierarquia nessas relações e veem essa dinâmica em outros termos: cuidado para não tomar
decisões isoladas, busca de consenso, representatividade. Não sem dificuldades para se livrar
do fantasma da hierarquia. Para decidir, por exemplo, para quem deveria ser enviada uma
importante informação para as torres (Biondi, 2007, p.228).
178
Fonte: Elaborado por Dias (2011).
A Figura 06 apresenta semelhança com a organização do PCC, citada por Moraes e Pepeu.
As diferenças podem ocorrer em razão dos anos e, também, por questões contextuais que o estado
do RN pode apresentar distinções em relação ao estado de São Paulo.
Depois de dizer que o PCC era mais organizado, Pepeu diz que é mais disciplinado do que o
Sindicato. Fala que as “trairagens” são punidas, que os integrantes se tratam como “irmãos” e que
tem várias músicas para se cantar. Na entrevista, tenta se lembrar de alguma e não consegue, mas
lembra do grito de guerra que constantemente canta junto com os outros na unidade, que diz assim:
“E aí Pavilhão?
E aí!
Pai nosso que estais nos céus,
Santificado seja o Vosso nome.
Venha a nós o Vosso Reino.
Seja feita a Vossa vontade,
Assim na Terra como no Céu,
O pão nosso de cada dia nos dai hoje.
Perdoai as nossas ofensas,
Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.
E não nos deixeis cair em tentação,
Mas livrai-nos do mal.
Amém!
(repete-se a oração três vezes)
Fé em Deus porque ele é justo,
Se Deus é por nós, quem será contra nós,
1533 – PCC: Paz, Justiça, Liberdade e União pra todos!”
Além disso, Pepeu fala de algumas lideranças e cita várias vezes o Marcola. Fala que esta
liderança fundou o PCC, comanda a facção nacionalmente e é bastante inteligente, pois lê muito e
fala seis linguas diferentes.
A partir do que foi dito até agora, podemos ponderar que a distinção entre as facções, no
campo das significações dos adolescentes sobre as características que as diferenciam, recai
novamente na territorialidade. Isso nos ajuda a entender melhor as relações entre as facções no
contexto do CEDUC-Pitimbu.
179
É possível perceber o quanto a rivalidade entre as facções dentro do CEDUC-Pitimbu revela
traços grupais e pouco das relações interpessoais dos adolescentes. É possível conjecturar que tal
rivalidade inicia-se fora da unidade e tem origem na terroritorialidade, ou seja, na constituição e
domínio das facções nas comunidades da cidade.
O domínio de territórios pelas facções condiciona a filiação compulsória dos adolescentes
que lá residem. Nesse momento, não importa se são ou não pertencentes à facção, o fato de
residirem nessas comunidades impõe as suas filiações aos olhos de diversos atores sociais, inclusive
da própria facção. A “amizade” entre adolescentes de facções opostas, mesmo que declaramente não
pertencentes, ou a “negação dessa territorialidade” é vista pela facção como uma traição e é paga
com uma ação disciplinar, represália – o decreto.
O fato de agora pertencerem à facção e serem “vigiados” para que se comportem como
membros, faz com que esses sujeitos assumam toda a rivalidade já construída entre esses grupos.
Contudo, como pudemos perceber pelos dados obtidos nesta pesquisa, as facções e os membros que
as compõem têm mais semelhanças do que diferenças no âmbito das suas características.
É isso que nos leva a supor que a distinção entre as facções recai novamente na
territorialidade. É a dominância do território pela facção que vai ser fundamental para a filiação dos
membros e fator de rivalização entre os grupos. A rivalização leva à construção de estereótipos
negativos entre si, com o passar dos anos, que são absorvidos pelos adolescentes e levados para
dentro da unidade.
Assim, uma vez pertencente à facção, resta-nos saber como se dão os trâmites de ruptura
com a facção. Esse assunto será tratado no tópico seguinte.
4.5. As relações estruturais entre Estado e Igreja e a via de “saída” da facção: a roda girando em
seu eixo.
Este último subtópico faz parte da última etapa do percurso temporal que perpassa a
vinculação do adolescente com a facção e sua passagem pela unidade socioeducativa. Aqui iremos
expor a situação particular de alguns egressos quando deixam a unidade e são cooptados pela
faccção. Logo depois, iremos descrever as possibilidades de ruptura com a facção desvelando suas
relações com o Estado, como também a aparição em cena de novo ator social importante nessa
relação, a igreja.
A situação de alguns egressos quando deixam a unidade socioeducativa nos foi apresentada
em conversas informais com a equipe técnica das unidades do Pitimbu e Caicó, que demonstraram
ter realidades semelhantes. Segundo as equipes dessas unidades, algumas histórias de vida dos
adolescentes que passam por essas unidades apresentam o seguinte cenário: o jovem quando está
180
próximo ao término da medida de internação se vê sem uma renda básica, com uma lista de “richas”
(inimigos) e sem apoio social da família que se encontra em condições de extrema vulnerabilidade
social.
Para dar exemplo, numa determinada situação, a equipe técnica, quando fora realizar a
reinserção de um adolescente em sua família, encontrou a mãe na calçada sob o efeito de álcool. A
mãe estava com o filho de cinco anos de idade de lado e, parte da sua casa, tinha acabado de ser
queimada por traficantes da região, por acerto de uma dívida.
A facção se aproveita de histórias de vida como essa. Oferece ao adolescente egresso uma
renda básica para ele e sua família (esta por meio de cestas básicas) e proteção contra os inimigos,
na condição de fazer “alguns poucos trabalhos para o grupo”, somente quando este precisar. Esses
trabalhos se iniciam de forma gradativa de menor potencial agressivo para os maiores de idade,
como levar a droga de um lugar para o outro, até o homicídio de alguém.
Para também exemplificar com outro caso real, a facção havia encomendado o sequestro de
uma pessoa. Porém, não havia conseguido o que queria e decidira por executar o refém. A facção
deu a ordem para o adolescente egresso, que estava em sua casa no momento, ir até o local do
sequestro e fazer a execução. A facção decidira pelo adolescente porque passaria menos tempo no
sistema socioeducativo, do que um adulto no sistema prisional, e seria resguardado pelos advogados
da facção.
Dito isso, temos uma primeira relação imbricada entre a unidade socioeducativa, facção e
alguns adolescentes egressos. Um ciclo que se repete ao seu redor:
181
Como é possível ver na figura 07, o adolescente passa pelo sistema socioeducativo e ganha a
sua liberdade. Agora egresso, pelas condições de vulnerabilidade expostas acima, o adolescente é
cooptado pela facção, comete o ato infracional e torna a voltar ao sistema socioeducativo.
Nessa relação entre a unidade socioeducativa e a facção, aparece um novo ator em cena, a
igreja. Segundo os adolescentes, há duas formas de saída da facção (semelhante a ambas as
facções), são elas: (a) em caso de morte; (b) tornar-se membro de uma igreja evangélica.
A primeira forma é de amplo conhecimento, devido os altos índices de letalidade juvenil no
nosso estado. Já a segunda requer maior atenção porque se constrói e organiza uma teia de
significações sobre o porquê filiar-se, especificamente, a uma igreja evangélica, e a partir disso
apontar reflexões sobre as relações dialéticas estruturantes entre a facção, a igreja e o Estado, e a
cooptação dos jovens por esses atores sociais. A respeito desses motivos, seguem trechos das
entrevistas de John e Paul.
PESQUISADOR: No caso, por exemplo, dos meninos lá do bairro entrarem na facção e, depois, se
arrependeram, sei lá, pode sair?
182
PESQUISADOR: Como é que faz pra sair?
JOHN: Só morrendo mesmo ou começar a andar pelo certo, entrar pra uma igreja.
PESQUISADOR: Pode ser uma igreja católica? Ou sei lá, começar a ser espírita?
PESQUISADOR: Ué, por que tem que ser evangélica e não outra?
Esse excerto de entrevista foi retirado da entrevista com John. Talvez, neste momento, não
quisesse dar mais detalhes sobre essa questão, por já estar “farto” de conversar a respeito, ou
mesmo não soubesse responder. O que se coloca é que a entrevista se encerrou neste momento.
Contudo, a entrevista de Paul acrescenta sobre esse assunto e é mais completa do que as
outras. O trecho da entrevista será reproduzido a seguir.
PESQUISADOR: E se caso o cara queira adotar outra religião, o espiritismo, o candomblé, ele
pode?
PAUL: Não, tem que ser a igreja evangélica, não pode ser qualquer uma.
PESQUISADOR: Nem a igreja católica? Porque se a gente for ver, as duas pregam o cristianismo.
PAUL: É... não sei, mas eu acho que não, tem que ser a evangélica.
PESQUISADOR: Hum, sei, acho que entendi... o que eu não entendi, é por que tem que entrar
numa igreja pra sair da facção? Por que tem que ser uma igreja?
PAUL: É porque o cara quando entrar (na igreja), ele vai começar a andar pelo certo, não vai
183
mais ser do crime, nem nada.
PESQUISADOR: Ah! Entendi, se ele entrar numa igreja, ele vai se converter e não vai mais
praticar crime.
PAUL: É!
PESQUISADOR: E em outra igreja, ou outra religião, ele também não pararia de cometer mais
crimes?
A condição de filiar-se a uma igreja evangélica foi questionada várias vezes em todas as
entrevistas. Por que filiar-se a uma igreja evangélica? Mais ainda, e se for a outras religiões, por
exemplo, a igreja católica, espiritismo, candomblé, etc., é possível sair da facção? Em todos os
casos, as respostas indicaram que apenas a filiação a uma igreja evangélica torna o indivíduo livre
da filiação à facção.
A conversão à igreja evangélica não é por acaso, ou por questões meramente religiosas. Há
um fator pragmático de impulsionar o sujeito a “não ser mais do mundo crime”, ou seja, não
cometer mais crimes quando, agora, convertido. O comportamento “desviante” aceito na facção, e
não mais aceito quando convertido à igreja, também se estende a outras áreas, como a diversão com
bebidas alcoólicas e outras drogas. Esse aspecto está presente na fala de Ringo.
PESQUISADOR: Então, necessariamente o cara tem que entrar numa igreja evangélica.
RINGO: É, porque aí ele deixa de roubar, de matar, de farrar, como fazia antes.
RINGO: (Ringo gargalha nesse momento) É, não pode mais, tem que parar com tudo, de beber, de
usar droga, essas coisas.
PESQUISADOR: Rapaz, difícil hein! Deixar de beber e tal quando o cara vai para uma festa (Em
tom descontraído).
184
RINGO: Tem que deixar, se não deixar e ele começar a andar pelo errado de novo, a facção
decreta ele.
Para sair da facção o sujeito deve parar com todas as atividades “ilícitas”, inclusive aquelas
relacionadas às de “farras” 15. O “andar pelo errado”, jargão que já apareceu nesta pesquisa em
outros contextos, aqui se refere às atividades ilícitas como roubos, furtos e venda de drogas,
enquanto que a de “farra” diz respeito às idas às festas, consumo e abuso de álcool e outras drogas.
Ao ser questionado sobre os comportamentos em festa do uso álcool e outras drogas, muitas
respostas dos adolescentes diziam “não faz sentido alguém deixar a facção e continuar se
comportando da mesma forma quando pertencia a ela”.
Porém, caso o sujeito peça para sair da facção, filie-se a uma igreja evangélica e torne a
adotar os antigos hábitos (ilícitos e de “farra”) seja expulso da congregação, a facção o decretará. A
disciplina da facção nesse sentido é rígida e impede que o “desviante” adote os antigos hábitos.
Podemos ver que aqui se encadeia uma relação dialética estruturante entre facção, a igreja e
o Estado (representado pelo sistema socioeducativo) como universos que orbitam ao redor do jovem
para o disciplinamento dos seus comportamentos que consideram desviantes. Os comportamentos
considerados desviantes por cada um desses atores são:
FACÇÃO: comportamentos descritos no seu estatuto; assaltar ônibus; roubar trabalhador,
celular e moto (apenas acima de 125 cilindradas); estupro. Facções de outros estados: não
usar rivotril; Crack.
15
O termo “farrar” é uma gíria popular nordestina que significa algo próximo ao aproveitar, “curtir” uma festa.
185
atores sociais. Esconde-se o processo de administração das vidas desses jovens e cooptação das
suas subjetividades.
A seu modo, cada um desses atores sociais utilizam dos seus métodos físicos e subjetivos
para docilizar e cooptar os jovens às suas rotinas e suas práticas. As facções possuem seu estatuto,
suas formas de atuação dentro do sistema socioeducativo e nos bairros, que já foi bastante discutido
nessa tese. As medidas de internação, as técnicas de controle nas unidades socioeducativas têm o
poder de internalizar nos adolescentes a rotina da unidade, seus valores e práticas, a tal ponto dos
adolescentes considerarem a internação como algo positivo para si próprios, como aparece nos
estudos de Monteiro e Pinto (2015) e Lustosa, (2013). É bastante sabido as formas de atuação das
igrejas pentecostais no comportamento dos jovens quanto à interdição ao consumo de álcool, tabaco
e outras drogas, como também a relacionamentos extraconjugais e homossexuais (Mariano, 2004).
Mais especificamente sobre as semelhanças entre a igreja e a facção, ambas funcionam sob aspectos
ideológicos; autorizam a migração de membros; atuam com acolhimento como porta de entrar para
o ingresso de pessoas; possuem ritos punitivos; são perpassadas por questões pecuniárias e
funcionam como empresas.
No CEDUC-Pitimbu, por exemplo, há uma igreja evangélica que constantemente realiza
trabalhos com os adolescentes da unidade e, ao que parece, é uma experiência exitosa com grande
adesão pelos adolescentes. Há duas igrejas na unidade, ambas evangélicas, que realizam atividades
distintas na unidade.
A igreja Universal realiza um trabalho de acolhimento às famílias nos dias de visita. A igreja
proporciona uma mesa de café da manhã e é bastante organizada, com seus membros de camisetas,
banners personalizados para aquela unidade, com os dizeres: “Assistência ao familiar do
jovem/Socioeducativo-RN”.
Esse trabalho de acolhimento ameniza o clima por vezes pesado da unidade. Esse instante se
torna um momento de conversação, descontração entre os familiares e entre os familiares e
profissionais da unidade. O acolhimento, também, transforma-se num espaço de brincadeiras para
as crianças trazidas pelos familiares.
A outra igreja também evangélica, a Batista, realiza atividades diretamente com os
adolescentes nos fins de semana. As atividades contemplam todos os adolescentes, de ambas as
facções; os adolescentes praticam esportes, há música, dança e, também, o culto com a pregação. As
facções participam das atividades separadamente. Para ambas as facções, o que se pode perceber é
que as atividades das igrejas são bem aceitas.
É conhecida a boa aceitação das igrejas pentecostais no sistema penitenciário e nas periferias
urbanas. Em razão das vulnerabilidades sociais, atravessadas pela pobreza e violência, permite a
expansão desse tipo de religão mais plurarista, baseada na “teologia da prosperidade e de mercado”
186
dentro dos presídios e periferias das grandes cidades (Cunha, 2008).
No Brasil, as igrejas evangélicas identificadas com o neopentecostalismo têm como
principal expressão a Igreja Universal. Do ponto de vista comportamental, a Universal é a mais
inflexível quanto aos desígnios da religão, acompanhando de perto o cumprimento dos seus dogmas
pelos fiéis e, para aqueles que não a cumprem, é indicada a saída da igreja (Mariano, 2004).
O trabalho dessas igrejas evangélicas com apenados no sistema penitenciário também não é
recente. A expansão desses trabalhos nas prisões acontece de forma mais incisiva na década de 1990
no Brasil, no mesmo momento em que se tem a proliferação e expansão dessas igrejas em território
nacional (Kronbauer, 2009).
Assim sendo, levando em conta os relatos dos adolescentes desta pesqusia, a via de saída da
facção pela igreja evangélica pode ter explicação em duas razões principais, a fácil aceitação das
camadas mais populares a essas igrejas, dentro e fora dos presídios, e porque não haveria uma
ruptura na saída da facção e conversão à igreja. Para Lobo (2004), no contexto dos presídios, a boa
aceitação desses trabalhos com os presos tem justificativas na própria estrutura precária das
unidades prisionais. A vagareza no andamento dos processos dos apenados, as condições de
sobrevivência e impunidade, como também a superlotação seriam condições favoráveis para o
sucesso dessas atividades.
O êxito, por causa de questões de vulnerabilidades sociais, dentro e fora do sistema
penitenciário, é também apontado por Melo (2007) e Conten, (1996). A adesão de massas mais
pobres ao pentecostalismo, nas comunidades ou dentro das prisões, possui atravessamentos das
opressões econômicas e abandono social, o que faz com que o fiel que está solto, ou preso, encontre
na igreja uma alternativa interventiva para a mudança de vida.
Parece que o detento adere ao pentecostalismo assim como as massas mais pobres e
desfavorecidas das cidades também aderem. O fiel que está preso parece não ser diferente do
fiel que está solto, suas necessidades podem diferenciar-se em alguns aspectos, mas os
quesitos opressão econômica e carência educacional, os tornam parecidos. Tanto na
penitenciária como na rua, existem pessoas que sofrem do abandono social e econômico,
que buscam uma intervenção para a situação em que vivem. Esta ajuda aparece na pregação
da igreja pentecostal, cujo discurso do pastor lhes promete a solução desses problemas, não
apenas pelas práticas religiosas, mas também pelas práticas assistencialistas, pela amizade,
pela disposição em ouvi-los, etc. (Melo, 2007, p.4).
Abumanssur (2014) também afirma que, pertencenter a uma igreja pentecostal não exclui a
partipação do sujeito na facção. Para o autor, a conversão à igreja pode não estar ligada a uma
mudança de significado de antigas práticas, de uma transformação íntima do indivíduo, mas
principalmente as vantagens adquiridas com tal conversão, como a inserção do sujeito em novas
sociabilidades em contextos onde a igreja obtém um papel importante, como nas comunidades. A
esse respeito o autor comenta:
Essa afiliação será percebida como conversão se o conceito que o indivíduo faz de si for
negativo. Portanto, sociologicamente falando, não faz nenhuma diferença se a afiliação é
fruto de uma transformação íntima do indivíduo ou não. E faz menos diferença ainda se essa
transformação for súbita e radical ou lenta e gradual. Tais transformações pessoais devem
ser entendidas na lógica do campo de trocas simbólicas que sustentam o poder local, ou seja,
só se lançará mão do discurso sobre transformação pessoal, com a consequente crítica
implícita do passado pecaminoso, se tal discurso apresentar alguma vantagem no processo
de inserção e participação do novo adepto no grupo. Nos grupos onde a atitude sectária é
mais acentuada, a conversão é mais desejada e esperada. Quanto menos sectário for o grupo,
menor é a cobrança por uma conversão. À medida que o pentecostalismo se torna um
componente da cultura da periferia, menos clara vai se tornando, pois, a conversão.
(Abumanssur, 2014, p.116).
Quando você se converte você não deixa de trocar ideias com parceiros. Não tem essa de
não cumprimentar, trocar ideia. Isso não existe. Imagine, eu sempre morei aqui, conheço
todo mundo, todo mundo me conhece, aí eu entro na igreja e paro de desenrolar com os
irmãos do partido? Não é porque você se converteu que você vai se fechar. O seu particular é
com Deus (Marques, 2013, p. 75).
Isso mostra que a facção, tal qual como a igreja, apresenta uma rede de sociabilidade em
muitas comunidades, influenciando de forma intensa na vida dos moradores. A rede de
189
sociabilidade, com alguns grupos estruturados ou não, possui valores, regras explíticas ou não, e
percebe esse sujeito, de vida pregressa no mundo crime, de diferentes formas e, por vezes, de
maneira estereotipada.
Teixeira (2009), por exemplo, discute a dificuldade de desvinlação de ex-detentos ao mundo
crime por causa de diversos atores sociais. Apesar de optarem pela conversão na igreja evangélica,
levando uma vida religiosa e “correndo pelo certo” e, assim, apresentando uma ruptura, a vida
passada ainda sobressai nos relacionamentos futuros com outros atores sociais como a própria
igreja, amigos e polícia.
Perpassado pelos limites da nossa pesquisa, que se concentra no contexto da unidade
socioeducativa, não há como fazer conjecturas sobre as íntimas relações entre o sujeito convertido à
igreja e as facções nas comunidades do RN. Tal análise poderá ser feita em pesquisas futuras.
Contudo, pelos dados que aqui dispomos, apontamos que há sim a influência dos atores socais
(Estado (Ceduc), a facção e a igreja) nas trajetórias de vida dos jovens desta pesquisa e a forma
como se dá a relação entre eles.
Observamos que a relação desses atores sociais nas trajetórias de vida do jovem não é
conflituosa entre si, mas influências que se sucedem. Em tempos distintos nas suas trajetórias de
vida, esses jovens vão “passando de instituição para instituição” de forma sucessiva e não por
ruptura. O entrelaçamento dessas instituições é tamanho que é complexo entender o limite de um e
o começo do outro, pois, as facções e a igreja estão dentro do sistema socioeducativo, e quando os
jovens estão nos seus bairros há a presença estável da igreja, facção e o Estado na sua forma penal.
Uma vez em seus domínios, o jovem fica preso a uma teia de controle que se estende por vários
âmbitos da sua vida.
O que temos aqui é uma relação estrutural entre Estado, igreja e facção a partir do
entrelaçamento dos controles disciplinares comportamentais, biopolíticos e de governalibilidade
exercido nos jovens. Cada um a seu modo, esses atores sociais mobilizam-se, revezam-se, agem
conjuntamente para intervir à sua maneira na vida do jovem, desde o sistema socioeducativo aos
seus territórios.
O controle disciplinar se inicia no controle dos seus corpos, no “podamento” dos
comportamentos desviantes dos indivíduos. Porém, não é qualquer indivíduo, mas aqueles
indivíduos que carregam marcas criminalizadoras da cor de pele preta e residentes das periferias
urbanas.
O manejo de seus comportamentos se estende até os seus territórios na administração das
suas vidas que esconde o seu movimento real, concreto: a gestão das populações dessas
comunidades periféricas (controle biopolítico). Diferente dos modelos tradicionais de poder que
ameaçam com a morte, a biopolítica aplicada à população administra a vida dos indivíduos, tratando
190
a vida como campo do poder (Foucault, 1978).
Esses controles são a base de um projeto de governabilidade baseado no Estado
providência, que nunca se concretizou no Brasil. O cenário aponta para cada vez mais a
precarização das políticas de proteção social e o estabelecimento do Estado punitivo que utiliza-se
do hiperencarceramento para manter preso às suas instituições esses indivíduos, de modo a
controlar as suas vidas e consequentemente gestão social da juventude das comunidades pobres.
As últimas partes das entrevistas com os adolescentes relatam o “arrependimento” daqueles
que desejam voltar à facção. Uma vez convertido à igreja, caso o sujeito se “arrependa”, o processo
de volta à facção não é fácil. Uma vez arrependido, a volta nem sempre é aceita pelos integrantes
que avaliam a situação. O relato de Moraes, pertencente ao PCC, explica esse ponto:
PESQUISADOR: Me diga uma coisa, caso o cara saia da facção, sei lá, por algum motivo, e
depois queira voltar pra facção, ele pode?
MORAES: Porque quando ele sai, ele deixe de ser um irmão, mas a facção ainda fica de olho nele,
e quando ele quer voltar quer se tornar irmão de novo...
MORAES: Vai analisar cada caso, cada caso é um caso, tá ligado não? Por que ele saiu... como
era ele na facção... se era ponta firme, colava mesmo com nós, aí depois não colova mais, aí tem
que ver.
MORAES: Eu acho que não, não sei, mas quando entra ele não é mais irmão, ele fica sendo
companheiro da gente, que anda com a gente, faz as paradas, mas não é da facção mesmo, e aí só
depois que ele entra e se torna um irmão.
A partir do relato, o processo de volta à facção não é de imediato. Faz-se uma avaliação da
postura do sujeito, as ações na facção, como também, dos motivos que o levaram a deixá-la.
191
Quando, enfim, decidem pela sua aproximação com o grupo, o sujeito volta na forma de
“companheiro” e não como um “irmão”.
A diferença entre “irmãos” e “companheiros”, para o PCC, já foi discutida nesta pesquisa
em outro momento. Contudo, vale dizer que os membros do PCC, aqueles que foram batizados, são
chamados de “irmãos”, enquanto que os “companheiros” não integram os quadros da organização,
mas se encontram nos espaços controlados pela facção; para isso, “a demarcação precisa dos
integrantes do PCC é realizada através de um processo de filiação à organização, que se dá através
do batismo, e cujo resultado é a transformação do companheiro em irmão” (Dias, 2011, p.252).
Dessa forma, a saída da facção submetida à filiação a igrejas evangélicas, pode ter respaldo
em inúmeras razões. A semelhante rigidez de ambos os grupos para o cumprimento de seus
desígnios, juntamente às questões sociais estruturais que atravessam, são elementos que podem
justificar a boa aceitação das camadas populares, de apenados ou não, às igrejas evangélicas, como
também uma alternativa para a saída da facção.
PESQUISADOR: Mas o policial chega atirando em qualquer um? E se fosse a mãe de alguém, uma
senhorinha?
MORAES: Em qualquer um, eles chegam nas casas do povo, bate em todo mundo, mulher, homem,
velho, quebram tudo, não tão nem aí, parece que lá só mora monstro.
MORAES: Porque aqueles filhos da p* (fala um palavrão) são safados, principalmente quando
estão atrás de alguém, eles botam pra f* em morador pra encontrar quem eles querem.
PESQUISADOR: O que você acha, concorda com essa reportagem, não concorda, acha que faz
parte da realidade lá na quebrada, o que você acha a respeito?
A partir dessas falas podemos ver as ações policiais com base na criminalização da
pobreza. A gestão da miséria pelo aparelho estatal repressivo permite que a polícia invada casas de
moradores em busca de informações de possíveis bandidos e, “esculache” arbitrariamente qualquer
pessoa, pois todos naquela localidade são suspeitos e potenciais criminosos. Essas ações policiais
são entendidas por Moraes como parte da representação construída do morador da comunidade,
objetificada na figura de “monstros”.
Embora essas atuações se dirijam a qualquer pessoa, há um perfil de sujeito em que a
letalidade se incide mais fortemente, que é a do jovem e negro, comentada por Pepeu. A
disseminação de significados da criminalização desse perfil é absorvida até mesmo pelo próprio
adolescente, quando reflete que “o policial tem que ver que nem todo negro é bandido, tem muito
trabalhador também, a maioria neh!”.
Então, é nos jovens, negros e das periferias urbanas que a letalidade vai incidir mais
severamente, os chamados “indignos de vida”, por Zaccone (2015) e homo sacer (Agamben, 2002).
A construção do inimigo interno a ser eliminado pelas forças estatais, representado no jovem, negro,
morador das periferias urbanas, traficante de drogas, agora membro de facção, tornam essas vidas
matáveis, vidas sem valor de vida, o excedente de miséria que não interessa à ordem do capital,
despidas de direitos e cidadania. É sobre esse modus operandi de governabilidade estatal que
estamos apontando em como ela se apresenta em algumas comunidades do RN e será melhor
detalhada a seguir.
Como pode se ver na entrevista Pepeu, há a introjeção de um estigma que classifica o
negro como bandido no trecho que diz: “porque se a polícia chegar no Mosquito, ver um negro e
um branco, a polícia bate em em cima logo do neguinho [...] mas o policial tem que ver que nem
todo negro é bandido, tem muito trabalhador também, a maioria neh! Esse estigma se soma ao da
pobreza, pois, na comunidade do Mosquito, todos são reconhecidos como bandidos, não
importando a sua cor ou idade: “Aí quando eles chegam na quebrada, esculacham todo mundo,
quer nem saber se é negro, se é velho, ai fica todo mundo revoltado”.
Descrito o perfil por onde a letalidade incide, apresentaremos agora os mecanismos de
governabilidade armada no RN pelas ações policiais no Mosquito. Os relatos sobre esse assunto
advêm da dinâmica com reportagens, presente no Eixo IV do roteiro de entrevista com os
195
adolescentes. De forma resumida, a dinâmica consistia em recortes de reportagens sobre a atuação
da polícia em comunidades, a guerra entre facções, etc., (as reportagens estão no tópico Anexo) que
ficavam dentro de um saco plástico e o adolescente tirava uma reportagem por vez e, pedia-se que
falasse a respeito, se concordava com aquilo ou não, se fazia parte da sua realidade ou não.
Dentre todas as reportagens, a que mais chamou a atenção de Moraes foi a que trazia a
seguinte manchete:
Ao ler essa manchete, Moraes que estava descontraído, agora se continha, passou um tempo
refletindo e falou:
MORAES: Parceiro, vendo a data dessa reportagem aqui, acho que conhecia esse boy que morreu,
acho que sei quem é.
PESQUISADOR: Pow, cara, sério? Te peço desculpas porque não era a intenção trazer algo de
alguém que você conheça.
MORAES: Não, tá sossego! Acho que é XXX (fala o nome do possível adolescente da reportagem)
eu lembro que ele caiu nessas épocas aí.
MORAES: Não amigo, mas conhecia lá da quebrada, que eu me lembro, disseram que ele não tava
armado e os caras mataram ele.
MORAES: Oh! Direto. Oh parceiro, nem tudo que se passa no jornal é verdade. A polícia chega lá
à noite e começa a meter bala no mangue. Começa a meter bala pra dentro do mangue, Pow! Pow!
Pow! Pow! (imita o som de armas atirando) pra ver se acerta alguém que tá lá.
196
PESQUISADOR: Mas por que eles estariam no mangue à noite?
MORAES: Quando a polícia entra lá no Mosquito, todo mundo sai correndo, entra dentro das
casas, foge do jeito que dá, tem uns que vão pra dentro do mangue, e aí eles não querem nem saber
quem é, mete bala mesmo.
MORAES: Já reparou que o policial anda com uma arma aqui (Moraes levanta da cadeira pra
mostrar o lugar que estava se referindo, que é na região do abdômem, ao lado, na sua direita).
MORAES: Essa arma é pra ele dar o flagrante. Ele mete bala lá no mangue e aí mata alguém, ele
pega essa arma, bota na mão dele e começa a atirar (simula a mão do polícial junto com a arma e
a mão da vítima), aí vai, Pow! Pow! Pow! Sabe pra que isso? Pra dizer que foi troca de tiro, dizer
que atiraram primeiro e aí eles revidaram, como tem a pólvora na mão do cara lá morto, é a
palavra do policial contra a de todo mundo.
De acordo com Mauro, este policial militar utiliza um alicate para arrombar algumas casas
do bairro, e quando questionado sobre a legalidade da ação, afirma que aquele alicate é a
chave da cidade, entregue pelo próprio prefeito [...]. Também me é relatado, por ambos
[Mauro e Dex], que a corregedoria, ao receber uma denúncia de algum abuso de poder da
polícia em Mãe Luíza, sempre “entrega” o denunciante ao denunciado. Ou seja, “se você
denunciar, você morre” ou, no mínimo, não terá garantida a confidencialidade da denúncia
(Diário de campo, dia 08 de outubro de 2016). (Brito, 2018, p.154).
“Tomás interveio dizendo que logo nas primeiras semanas após a implementação do
Programa não era interessante estar na rua após as vinte e duas horas. Questionei algo no
sentido de tentar perceber como se operacionalizava esse toque de recolher e obtive como
resposta que, nestas semanas após a implementação, a polícia abordava todos que estavam
na rua neste horário e mandava irem para casa. Assim aconteceu a entrada da polícia
comunitária em Mãe Luíza. Não com o pé direito, mas com os dois coturnos. (Diário de
campo, dia 12 de julho de 2016) (Brito, 2018, p.154).
Isso nos leva a pressupor que, mais do que é uma medida incomum tomada pelo Estado, se
198
configura como uma forma de governabilidade a partir marcas raciais, como uma tecnologia de
poder. Estamos apontando para um Estado de Exceção permanente (ainda que não assumido), e que
se tornou comum aos Estados contemporâneos, inclusive os chamados democráticos, como afirma
Agamben (2014). Assim, não há um desvio de função nas ações letais dos policiais, ou que essas
ações estejam à margem da lei, mas sim uma função exercida dentro e pelo Estado, e que vai ser
homologada pelos diversos aparelhos estatais jurídicos.
199
Capítulo 5 – Considerações Finais.
Iniciamos o presente estudo com a proposta de investigar uma questão que está posta na
contemporaneidade, que são as vinculações de adolescentes com as facções tendo como contexto o
sistema socioeducativo. Tais vinculações situadas nas trajetórias de vida nos serviu como fio
condutor para o entendimento das razões que contribuem para a aproximações dos adolescentes a
esses grupos, como também os modos de governabilidades pelo Estado nas comunidades periféricas
do RN. A seguir procuramos fornecer uma síntese dos principais pressupostos defendidos na
presente tese.
Os resultados evidenciados possibilitaram identificar o aparecimento das facções nos
territórios, segundo as famílias dos adolescentes da pesquisa, que remetem a meados de 2012 e
2013. Tal época coincide com o surgimento do Sindicato-RN, momento de intensos conflitos devido
às disputas por membros, o controle econômico do tráfico de drogas e dos territírios.
A inserção das facções acontecem de formas diferentes nos territórios. Em Parnamirim,
Felipe Camarão e Mossoró há a presença de um tipo específico de indivíduo, caracterizado como
novatos do bairro, com sotaque paulista, tatuados, zangados e que andavam em grupos. Este
personagem aparecerá como o facilitador da apróximação e entrada dos adolescentes nas facções. Já
no Planalto se dá pela estreita relação com as torcidas organizadas (Garra e Máfia) que disputam
espaços na cidade. Esses fatos nos dão pistas para refletir sobre a inserção da facção no estado do
Rio Grande do Norte pelo sistema penitenciário (Menezes, 2016) e agora pelo domínio dos
territórios.
Sobre os motivos que levam os jovens a entrarem nas facções, os sujeitos da pesquisa
individualizam as razões e absorvem da culpa. É a noção liberal de livre-árbitrio em que todos na
sociedade possuiriam o mesmo contrato social. As famílias trazem a questão para o âmbito da
dinâmica familiar, enquanto os adolescentes relatam a “escadinha” (ir até à boca de fumo, conhecer
pessoas do movimento, praticar pequenos delitos), as questões grupais e identitárias de
pertencimento.
O surgimento e domínios dos territórios têm vinculações diretas com o acirramento da
rivalidade desses grupos no sistema socioeducativo. A péssima relação entre os adolescentes
internos se motiva pelas diferenças grupais originárias pelo controle de territórios nas disputas do
monopólio do tráfico de drogas. Os adolescentes carregam consigo a herança histórica da rivalidade
entre esses grupos, estimulada pelo bairro em que residem e levada para dentro da unidade
socioeducativa.
O fato do adolescente residir em determinado bairro já é condição suficiente para filia-lo a
uma facção aos olhos da polícia, da facção rival e da gestão técnica da unidade. A isso demos o
nome de filações compulsórias, pois, o adolescente é filiado às facções forçosamente contra a sua
200
vontade. Evidencia-se que, a separação dos alojamentos da unidade por facção além de filiar
compulsoriamente novamente o adolescente a esses grupos, acirrar a rivalidade entre eles, o que
torna imprescindível a gestão técnica da unidade encontrar meios de organização dos alojamentos
da unidade sem a separação por grupos.
Contudo, sabemos das limitadas condições materiais e políticas dos profissionais da unidade
na propositura de soluções para esse fato específico. Temos o real reconhecimento da boa fé desses
profissionais que fizeram e fazem a gestão da unidade da melhor forma possível com as condições
que dispõem.
Os relatos dos adolescentes também trouxeram explicações interessantes e bastante
completas sobre a estrutura organizacional das facções no RN. A figura 06, por exemplo, estrutura o
orgonograma da facção com seu “plano de cargos”, em que mostra a evolução do membro do grupo
dentro do grupo de acordo com sua produtividade. A figura 08 demonstra quais são as etapas a
serem superadas para admissão nas facções, enquanto que no subcapítulo As relações estruturais
entre Estado e Igreja e a via de “saída” da facção: a roda girando em seu eixo exemplifica o
processo de ruptura condicionado à conversão a uma igreja evangélica.
A ruptura do jovem do sistema socioeducativo mostra outra situação peculiar dos egressos.
A facção se aproveita da vulnerabilidade social do adolescente e oferece assistência a ele e sua
família. O adolescente é cooptado pela facção, comete o ato infracional e torna a voltar ao sistema
socioeducativo.
Posto isso, enfatiza-se a necessidade da efetivação de políticas públicas específicas para os
egressos do sistema socioeducativo, de modo a quebrar esse ciclo e disputar esse jovem com as
facções. Embora observamos cada vez mais o desmonte de uma rede de proteção social, mais do
que nunca é preciso incluir o jovem na rede de assistência social para poder acompanha-lo nesse
processo fora do sistema socioeducativo e oferecer o suporte necessário de acordo com sua
realidade.
Dessa forma, pudemos identificar que o adolescente que passa pelo sistema socioeducativo
está sempre sob a influência do Estado, a facção e também pela igreja. Observamos que as relações
entre esses atores não é conflituosa entre si, mas influências que se sucedem com o entrelaçamento
de dispositivos disciplinares comportamentais, biopolíticos e de governalibilidade. O dispositivo
disciplinar se iniciaria no controle dos seus corpos, no “podamento” dos comportamentos
desviantes dos indivíduos, que se estende até os seus territórios na gestão das populações dessas
comunidades periféricas (controle biopolítico) (Foucault, 1978).
O dados mostram também as formas de agir arbitrárias e letais das forças de segurança do
Estado do RN nas comunidades. As ações se dirigem ao jovem, negro e pobre, perpassado pelas
significações da criminalização da negritude e pobreza. A letalidade dessa população nos revelou
201
mais claramente que são mortes previsíveis e previníveis. Esse perfil de jovem estão incluídos na
cetegoria dos “indignos de vida” (Zaccone, 2015) e homo sacer (Agamben, 2002).
As formas de atuação da polícia discutidas são instrumentos estatais de gestão da pobreza
face às novas formas de governabilidade do capitalismo contemporâneo (Wacquant, 2003). O
contexto da comunidade do Mosquito encontra base no constructo teórico do Estado de Exceção
permanente (Agamben, 2004) e nas políticas de deixar morrer (Mbembe, 2016). Atuações
semelhantes como essas também são possíveis de encontrar em outras comunidades da cidade de
Natal, como a comunidade Mão Luiza (Brito, 2018).
Por fim, a execução desta tese trouxe inúmeras implicações sobre como, para que e para
quem se faz pesquisa. Muitos acontecimentos vividos em campo “não cabem” no texto científico
pelo envolvimento emocional do pesquisador. Porém, entendemos que é por conta desse
envolvimento que se aguça a sensibilidade e nos faz perceber elementos que têm implicações
diretas na análise dos dados. A partir de agora falo em primeira pessoa.
O educador Rubem Alves numa determinada época da sua vida rompeu com a academia. O
rompimento se deu quando a sua última filha nasceu com lábio leporino. Rubem Alves ficou tão
machucado e preocupado com julgamento do mundo em relação à sua filha, que sentiu como se ele
próprio fosse um vídro que acabara de levar uma pedrada e se estilhaçado. Ali ele tomou a decisão
de só escrever aquilo para o qual o seu coração se emocionasse. Não é a minha intenção romper
com a academia, mas indicar que o fazer pesquisa é também um jogo de atentar para aquilo que nos
emocionamos, em busca do constante aperfeiçoamento da nossa sensibilidade, transformando-a em
tecnologia.
A tecnologia aqui seria tudo aquilo que aumentaria a performace humana. O
desenvolvimento da sensibilidade como tecnologia seria o deixar-se afetar emocional, empática e
espiritualmente com os acontecimentos em campo para desenvolver uma sensibilididade aguçada
sobre o fenômeno e enxergar coisas que outros (não afetados) não enxergariam. Dessa forma, a
sensibilidade e a racionalização não se anulam, mas caminham em paralelo em prol de um mesmo
processo.
Pela importância que esses acontecimentos tiveram no andamento da pesquisa, não faz
sentido guardá-los apenas com o pesquisador. Esses fatos o atingiram como pedradas num vidro e é,
por isso, que serão compartilhados a seguir. A partir de agora falo em primeira pessoa.
O primeiro diz respeito ao falecimento de Dadi, adolescente participante da pesquisa.
Segundo a gestão técnica, o adolescente estava com os pés, descalços, apoiados na grade do
alojamento, tocando com os dedos da mão no bocal da lâmpada e foi eletretocutado. A gestão
técnica juntamente aos educadores prestaram os primeiros socorros e a equipe do Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) foi acionada. Infelizmente, Dadi que já estava
202
desacordado com o impacto do choque, não resistiu e veio a falecer antes que o socorro médico
chegasse até ao local. Os motivos que levaram Dadi a adentrar no socioeducativo também foi uma
fatalidade. Acaso. Não era pra ele estar ali. Eu fui a última pessoa a entrevistá-lo.
O segundo acontecimento refere-se ao falecimento de outro participante da pesquisa, o
adolescente Pepeu. Segundo a gestão técnica, Pepeu conseguiu evadir-se da unidade e dias depois
foi noticiado por vários jornais que ele havia sido morto numa troca de tiros com a polícia, devido a
uma tentativa de sequestro. Em vários momentos da entrevista, Pepeu se mostou bastante relaxado,
descontraído, engraçado. Pepeu usava máscaras de perigoso, monstro, aquele que liderava rebeliões,
que muitos o identificavam e ele próprio acreditava nelas. De alguma forma eu conseguia enxergar
e o acessar para além dessas máscaras.
O ultimo fato é o relato de um gesto simples, que ocorreu durante uma entrevista com a mãe
de Paul. O olhar dessa mãe personifica o olhar todas as mães dos adolescentes que inúmeras vezes
me impactavam. O olhar perdido, distante, que carrega a humilhação, o cansaço de estar ali na
unidade, cansada de tanta preocupação com alguém que se ama.
Numa das entrevistas, depois de se emocionar várias vezes, a mãe de Paul oferece de
presente para mim um dos porta-retratos feitos por Paul. Embora sem jeito, eu tentasse argumentar
que foi um presente do seu filho feito especialmente para ela, a mãe insiste em me dar o porta-
retrado e diz que quer que eu fique com ele, que seria importante pra ela. O fato da mãe de se
emocionar várias vezes durante a entrevista mostra que de alguma forma eu cheguei próximo do
seu coração. O porta-retrato é um pedaço do seu coração que a mãe queria que fosse levado comigo.
Eu aceitei o porta-retrato e o guardarei, agora, dentro do meu coração, para sempre – apêndice 3.
Assim, dedicamos esta tese de doutorado especialmente a Dadi, Pepeu e a todas as mães dos
adolescentes que gentilmente compartilharam suas histórias conosco. Nossa eterna gratidão.
203
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222
Apêndice.
ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS ADOLESCENTES
IDENTIFICAÇÃO
Quem esteve presente para a entrevista?_____________________________________________
O que vocês acham da estrutura da unidade? Alojamento, quadra de esportes, escola, comida,
etc.
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
223
Como é o relacionamento dos adolescentes com os aducadores? E com a gestão? E com a
equipe técnica (psicólogos, assistentes sociais, etc.)?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Como é que a facção surgiu no bairro? Ou melhor, quando foi que você começou a perceber a
presença da facção no bairro?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Por que você acha que os adolescentes do bairro entram numa facção? Quais os motivos?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
224
EIXO III – Aspectos sobre a trajetória de vida do adolescente
Como era a sua vida no bairro quando era criança? E quando era adolescente? O que gostava
de brincar, as amizades, relacionamento com a família, etc.?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Você em algum momento já sofreu algum tipo de preconceito pela cor da pele, por morar no
bairro, ou qualquer outro?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
226
Apendice 2 – Roteiro de entrevista com as famílias.
IDENTIFICAÇÃO
Quem esteve presente para a entrevista?_____________________________________________
Há quanto tempo?________________________________________________________________
Como a unidade se organiza para que todas as famílias consigam visitar os adolescentes?
Como faz para separar os meninos de facções diferentes?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Como é que a facção surgiu no bairro? Ou melhor, quando foi que você começou a perceber a
presença da facção no bairro?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Por que você acha que os adolescentes do bairro entram numa facção? Quais os motivos?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
228
________________________________________________________________________________
Como era a vida do adolescente no bairro quando era criança? E quando era adolescente? O
que gostava de brincar, as amizades, relacionamento com a família, etc.?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
229
Você acha que o adolescente sofreu algum tipo de preconceito de raça, por morar no bairro,
ou qualquer outro?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
O que mudou na sua vida e na vida dele (o adolescente) depois de pertencer à facção?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
230
Apendice 3 - Entrevista com adolescentes no CEDUC-Pitimbu, na sala de aula, ao lado da
quadra poliesportiva.
231
Apêndice 3 – Porta-retrato.
232
Anexo
233
Anexo 2 - Reportagens trabalhadas nas entrevistas em profundidade para discutir sobre
processos de criminalização.
Reportagem 01
Reportagem 02
Reportagem 03
234
Reportagem 04
Reportagem 05
Reportagem 06
235
236