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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS

JOILMA DE OLIVEIRA DOS SANTOS

O ENVELHECIMENTO DA CLASSE TRABALHADORA E AS POLÍTICAS


HABITACIONAIS NO BRASIL: Uma análise acerca dos condomínios exclusivos para
as pessoas idosas

NATAL/ RN
2019
JOILMA DE OLIVEIRA DOS SANTOS

O ENVELHECIMENTO DA CLASSE TRABALHADORA E AS POLÍTICAS


HABITACIONAIS NO BRASIL: Uma análise acerca dos condomínios exclusivos para
as pessoas idosas

Dissertação apresentada a Universidade


Federal do Rio Grande do Norte vinculada ao
Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (PPGSS-UFRN), como requisito para
obtenção do título de mestre em Serviço
Social.
Orientador: Prof. Dr. Henrique André Ramos
Wellen

NATAL/RN
2019
JOILMA DE OLIVEIRA DOS SANTOS

O ENVELHECIMENTO DA CLASSE TRABALHADORA E AS POLÍTICAS


HABITACIONAIS NO BRASIL: Uma análise acerca dos condomínios exclusivos para
as pessoas idosas

Dissertação apresentada a Universidade


Federal do Rio Grande do Norte vinculada ao
Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (PPGSS-UFRN), como requisito para
obtenção do título de mestre em Serviço
Social.

Aprovada em: ____/_____/_______

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________
Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
(Presidente da Banca)

___________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Dalva Horácio da Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
(Membro Interno)

___________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Sitcovsky Santos Pereira
Universidade Federal da Paraíba – UFPB
(Membro externo)
___________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Silvana Mara de Morais dos Santos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
(Membro Suplente)
À minha amada família. Fonte de inspiração e
força para vencer todas as batalhas.
AGRADECIMENTOS

Os caminhos percorridos para chegar até a finalização deste trabalho não teria sido
possível sem o esforço individual, em tantas horas de dedicação e estudo. Vale ressaltar, que
esses momentos de silêncio, dedicação, apreensão e aparente solidão só puderam ser
superados em virtude do apoio de inúmeras pessoas que participaram ativamente para que eu
pudesse lograr êxito nesta empreitada. Inicio agradecendo a Deus, o Regente do Universo,
que com seu infinito amor me manteve viva e dotada de capacidade física e mental para
transpor os obstáculos que se apresentaram.
À minha amada família; Mainha (Dilma), as filhas (Edmara e Joice), meu filho
(Jonathan), os netinhos (Miguel e Nicollas – duas pecinhas raras, que fazem a vovó
transbordar de amor e alegria). O amoroso, Paulo Roberto Ferreira (meu Paulinho),
companheiro de jornada que me presenteou com pessoas que se afeiçoaram e me adotaram
como família: (Eusa, Oneide, Gracinha, Tarcísio, Mira, Paula, Bruno, Bráulio, Ana, Larissa,
Bruninha, Bruninho, Ana Lídia). Suportaram minhas ausências com tanta generosidade e
amor que de fato não há palavras capazes de traduzir meu sentimento de gratidão.
Tantos amigos e amigas fizeram parte desta trajetória, mas destaco de maneira especial
as companheiras de mestrado (Angélica, Giliane, Helenita, Lívia, Nayara, Raquel Cardozo,
Raquel Viana, Rosângela), com vocês senhoras, dividi alegrias, dificuldades, sorrisos e até
lagrimas neste árduo caminho. Principalmente à Raquel Viana (benha), cujo laço excedeu o
espaço acadêmico e ganhou traços de irmandade.
À querida Gracinha Dantas, minha companheira e irmã de alma; Pessoa especial que
me açula e instiga o tempo todo e com isso me impulsiona a romper os limites.
À Patrícia Larrissa, que me incentivou a submeter o singelo projeto de pesquisa
durante o processo seletivo para ingressar no mestrado.
Às queridas Cristina França e Gidenise Oliveira. Nossa amizade surgiu
inesperadamente e tem crescido e se fortalecido com amor recíproco.
À Natalia, por auxiliar-me na aplicação das normas da ABNT em meus alfarrábios.
Sou Grata por tanto estímulo e vibração.
À querida Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e ao Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social PPGSS, pelo apoio, empenho e contribuições do corpo
docente e técnico que o compõem.
Às queridas amigas e professoras Márcia Maria de Sá Rocha e Maria Dalva Horácio
da Costa, que se dispuseram compartilhar comigo de simples momentos como, conversas,
sorrisos, palavras de estimulo e orientações acerca dos procedimentos metodológicos e outros
pormenores da pesquisa; Em vocês me espelho!
Ao Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen, grata pela orientação durante todo o
processo de desvelamento; Suportou minhas indagações (“caninga”) e os momentos de receio.
Agradeço pelas reflexões, diálogos e até silêncios, pois me propiciaram tanto crescimento que
reverberaram na elaboração e término deste trabalho.
Á Prof.ª Dr.ª Silvana Mara de Morais dos Santos, mulher admirável! Sou grata pelas
contribuições e sugestões dadas durante a ministração de disciplina, momentos de conversa e
na apreciação do projeto de pesquisa apresentado em banca de qualificação.
Ao Prof. Dr. Marcelo Sitcovisk Santos Pereira que compôs a banca de defesa, pelas
importantíssimas contribuições.
A todos e todas que fazem parte da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano
(SEDH/PB), pois sempre me trataram com enorme respeito, ética e estima. Foram tantas
pessoas que se dispuseram, mas em especial, destaco as equipes que compõem a Proteção
Social Básica (mormente á coordenação do Programa Cidade Madura), de Média e Alta
Complexidade, com o devido destaque para: a secretária de Estado, a senhora Gilvaneide
Nunes da Silva; a Cida Ramos (ex- secretária e atual Deputada Estadual) e a Madalena Pessoa
Dias (Gerente Executiva da Proteção Social Especial) como representante de todas as pessoas
que fazem parte da “Especial”. Esse povo acolhedor, ético e feliz!
Por fim, a Capes, pelo apoio financeiro por meio da Bolsa de Demanda Social durante
24 meses.
Minha sincera gratidão.
“A voz do idoso tem que ser garantida, pois só
assim o Estado e a sociedade poderão perceber
que há muito a fazer por essa população que
não é respeitada. Nós que somos idosos
sabemos que: Nascer é uma certeza, viver é
um desafio. Mas envelhecer é um privilégio”
(Olga Luiza Leon de Quiroga, 2007).
RESUMO

Este estudo propõe relacionar questões que permeiam o envelhecimento populacional


brasileiro, bem como o acesso à habitação vivenciada por esta parcela da população e as
discussões sobre a reprodução da força de trabalho no modo de produção capitalista. Neste
prisma de abordagem, pretende-se analisar a função social dos condomínios exclusivos para
as pessoas idosas no Brasil e sua relação com a reprodução da força de trabalho na sociedade
capitalista contemporânea. Como objetivos Específicos, elenca-se: 1) Examinar a relação
entre as políticas sociais e os direitos da população idosa com foco na relação entre o trabalho,
o mercado e o Estado; 2) Apreender o direito à moradia para a população idosa no Estado
capitalista brasileiro; 3) Identificar os determinantes históricos, econômicos, sociais e
políticos da política habitacional para as pessoas idosas no Brasil na modalidade Condomínios
Exclusivos. O método utilizado foi o materialista histórico dialético, na perspectiva de uma
aproximação sucessiva com as múltiplas e reais determinações, de forma a possibilitar uma
análise que contemple as particularidades, singularidades e universalidade do objeto em
questão, utilizando o enfoque qualitativo, cuja pesquisa bibliográfica e documental, teve
fundamental importância. O trabalho está dividido em quatro capítulos e tem como escopo os
condomínios voltados especificamente para a classe trabalhadora, (considerada como
população não economicamente ativa), e que estão em voga no país, desde 2007, dentre os
quais se destacam: Programa Vila dos Idosos Pari I; Recanto Feliz e o Programa Vila
dignidade (presente nos municípios: Itapeva e Avaré), ambos no Estado de São Paulo e o
Programa Cidade Madura no Estado da Paraíba que teve sua primeira unidade inaugurada em
2014 e, conta atualmente com 06 unidades nas seguintes localidades: João Pessoa, Campina
Grande, Cajazeiras, Guarabira, Sousa e Patos. Dois pontos nortearam o estudo em torno dos
condomínios exclusivos; O primeiro diz respeito aos critérios de acesso, uma vez que tanto no
Estado de São Paulo quanto no Estado da Paraíba, delimitam/restringem com base na renda
financeira (mas também a idade); O segundo ponto, é com relação a estreita ligação entre a
referida intervenção e as medidas adotadas a partir das discussões em torno do
envelhecimento da classe trabalhadora e a permanente exploração da sua força de trabalho. O
segundo ponto tem a estreita ligação entre a referida intervenção e as medidas adotadas a
partir das discussões em torno do envelhecimento da classe trabalhadora e a permanente
exploração da sua força de trabalho. Para tanto, desde a Constituição Federal de 1988, a
Política Nacional do Idoso (PNI), o Estatuto do Idoso, bem como: o Plano Internacional do
Envelhecimento, publicado em 2003 e, dois anos mais tarde Envelhecimento Ativo: uma
política de Saúde, refletem as discussões internacionais em torno do fenômeno do aumento
populacional, mormente em países, denominados “em desenvolvimento”, cujo objetivo
central é propor ações para que esta parcela da população se mantenha, economicamente
ativa, ou seja, se mantenha vendedora da sua força de trabalho. Neste sentido, demonstra-se,
que a partir da identificação do aumento populacional da classe trabalhadora, e sob esta
justificativa, o Estado, por intermédio de diversas intervenções (Inclusive as políticas
habitacionais voltadas para a população idosa), propicia a proliferação de ações que visam,
única e exclusivamente, dar condições para que a exploração da força de trabalho se mantenha
e se amplie ainda mais.
Palavras-chave: Envelhecimento populacional, Força de Trabalho, Direito à moradia,
Condomínios Exclusivos para Pessoas Idosas.
ABSTRACT

This study proposes to relate issues that permeate the Brazilian population aging, as well as
the access to housing experienced by this part of the population and the discussions about the
reproduction of the labor force in the capitalist mode of production. In this prism of approach,
we intend to analyze the social function of exclusive condominiums for the elderly in Brazil
and its relation with the reproduction of the work force in contemporary capitalist society.
Specific objectives include: 1) To examine the relationship between social policies and the
rights of the elderly population with a focus on the relationship between labor, the market and
the state; 2) Learn the right to housing for the elderly population in the Brazilian capitalist
state; 3) Identify the historical, economic, social and political determinants of housing policy
for the elderly in Brazil in the Exclusive Condominium mode. The method used was the
dialectical historical materialist, from the perspective of a successive approximation with the
multiple and real determinations, in order to enable an analysis that contemplates the
particularities, singularities and universality of the object in question, using the qualitative
approach, whose bibliographical research and documentary, was of fundamental importance.
The work is divided into four chapters and has as its scope the condominiums aimed
specifically at the working class (considered as non-economically active population), which
have been in vogue in the country since 2007, among which stand out: Vila dos Idosos
Program Pari I; Recanto Feliz and Vila Dignity Program (present in the municipalities:
Itapeva and Avaré), both in the State of São Paulo and the Cidade Madura Program in the
State of Paraiba, which had its first unit inaugurated in 2014, and currently has 06 units in the
following locations.: João Pessoa, Campina Grande, Cajazeiras, Guarabira, Sousa and Patos.
Two points guided the study around exclusive condominiums; The first concerns access
criteria, since both in the state of São Paulo and in the state of Paraiba, they delimit / restrict
based on financial income (but also age); The second point concerns the close connection
between this intervention and the measures adopted from the discussions about the aging of
the working class and the permanent exploitation of its workforce. The second point is the
close connection between this intervention and the measures adopted from the discussions
about the aging of the working class and the permanent exploitation of its workforce. To this
end, since the Federal Constitution of 1988, the National Policy of the Elderly (PNI), the
Statute of the Elderly, as well as: the International Plan of Aging, published in 2003 and, two
years later Active Aging: a Health Policy, reflect the international discussions about the
phenomenon of population increase, especially in countries called “developing”, whose main
objective is to propose actions to keep this part of the population economically active, that is,
to remain a seller of its job. In this sense, it is demonstrated that from the identification of the
population increase of the working class, and under this justification, the State, through
various interventions (including housing policies aimed at the elderly population), promotes
the proliferation of actions that they are intended solely and exclusively to enable the
exploitation of the labor force to be further expanded and expanded
Key words: Population aging, Work force, Right to housing, Exclusive Condos for the
Elderly.
LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Quadro 1– Evolução do aumento populacional, conforme aponta o IPEA. ............................. 63

Quadro 2 – Evolução da população idosa entre 1960 – 1980. ................................................. 67

Quadro 3 – Planos para Habitação Social ............................................................................. 102

Quadro 4 – Vila Pari I - Síntese das descrições. ..................................................................... 118

Quadro 5 – Recanto Feliz- Síntese das descrições. ................................................................ 119

Quadro 6 – Vila Dignidade – Síntese das descrições. ............................................................ 120

Quadro 7 – Programa Cidade Madura – Síntese das descrições ............................................ 123

Figura 1- Pirâmide Etária- Brasil- 2010 ................................................................................... 63

Figura 6 -– Vista interior de um bloco do Vila Pari I. ............................................................ 117

Figura 7 – Vista do Residencial Recanto Feliz..................................................................... 119

Figura 8 – Centro de Convivência no Recanto Feliz- ............................................................ 120

Figura 9 – Vila Dignidade em Avaré – Imagem mostra a fachada das residências e a


academia para a terceira idade. ............................................................................................... 122

Figura 10 – Vila Dignidade em Itapeva - vista lateral das residências.................................. 122

Figura 11 – Cidade Madura em Campina Grande – visão lateral das residências ............... 124

Figura 12 – Núcleo de Saúde – Instalações (por dentro e por fora). ...................................... 124
LISTA DE SIGLAS

ACEPI – Associação Cearense Pró- Idoso


ANG –Associação Nacional de Gerontologia
AVDs – Atividades de Vida Diárias
BNH – Banco Nacional da Habitação
CAPs – Caixas de Aposentadorias e Pensões
CEBES – Centro de Estudos de Saúde
CEDDPI – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa
COBAP – Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas
COHAB – Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo
CCI – Centro de Convivência para Idosos
CNAP – Congresso Nacional dos Aposentados e Pensionistas
CRAS – Centros de Referência de Assistência Social
DOE/PB – Diário Oficial do Estado da Paraíba
EAD – Educação a Distância
Fatern – Faculdade de Excelência de Ensino do Rio Grande do Norte
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
GARMIC – Grupo de Articulação para Moradia do Idoso da Capital
GEAS – Gerência Executiva de Assistência Social
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IAPs – Instituto de Aposentadorias e Pensões
ILPI’s – Instituições de Longa Permanência para Idosos
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MOPI – Movimento Pró-idoso
MOSAP – Movimento dos Servidores Aposentados e Pensionistas
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragem
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MRSB – Movimento de Reforma Sanitária Brasileira
MNRU – Movimento Nacional pela Reforma Urbana
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
PB – Paraíba
PPB – Partido Progressista Brasileiro
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PLAN/HAB – Plano Nacional de Habitação
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
Peti – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PNI – Política Nacional do Idoso
RENADI – Rede Nacional de Defesa da Pessoa Idosa
RN – Rio Grande do Norte
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SEDH – Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano
SEHAB/HABI – Secretaria de Habitação de São Paulo
SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
SEADS – Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social
SESC – Serviço Social do Comércio
SP – São Paulo
HABI – Superintendência de Habitação Popular
SCFVI – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Idosos
SFH – Sistema Financeiro da Habitação
SNHIS – Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UnP – Universidade Potiguar
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 16

1 RELAÇÕES SOCIAIS, A VELHICE E O MUNDO DO TRABALHO. ...................... 25

1.1 A centralidade do trabalho nas discussões sobre o envelhecimento humano ................. 26

1.2 Das comunidades primitivas e o surgimento do excedente ao feudalismo ..................... 29

1.3 Capitalismo, a força de trabalho e exploração da classe trabalhadora. ........................... 33

1.4 A questão da longevidade no capitalismo ....................................................................... 40

1.5 O que os conceitos sobre a velhice nos dizem? .............................................................. 43

1.6 As denominações sobre a velhice na contemporaneidade .............................................. 52

2 ENVELHECIMENTO HUMANO NA SOCIABILIDADE CAPITALISTA: OS


DETERMINANTES PRESENTES NOS CONCEITOS E NAS POLÍTICAS DE
PROTEÇÃO SOCIAL VOLTADAS PARA ESTA POPULAÇÃO ....................................... 61

2.1 O fenômeno do aumento populacional ........................................................................... 62

2.2 Estado, Questão Social e Proteção Social: Notas introdutórias. ..................................... 68

2.3 Bismarkiano e Beveridgiano: Os dois modelos de Proteção Social no capitalismo ....... 73

2.4 Proteção Social no Brasil e a população envelhecida: avanços e retrocessos em entre


1920 a 1980 .............................................................................................................................. 78

2.5 Constituições brasileiras de 1934 a 1967 e as ações em torno da velhice ...................... 80

2.6 Seguridade Social na cena contemporânea brasileira: Entre o Direito Formal e o Real
para a população idosa nas políticas consideradas específicas ................................................ 85

3 O ESTADO BRASILEIRO, A PROBLEMÁTICA DA HABITAÇÃO E O


ENVELHECIMENTO DA CLASSE TRABALHADORA. .................................................... 93

3.1 Vilas operárias: Protoforma da Política Habitacional brasileira? ................................... 95

3.1.1 Análises sobre as vilas operárias a partir das categorias Proibicionismo e Puritanismo do
caderno 22 de Gramsci. ............................................................................................................ 97

3.2 Questão habitacional: Modelo de intervenção dos Institutos de Aposentadorias e


Pensões (IAPs) ........................................................................................................................ 100

3.3 Questão habitacional: do golpe militar a Política Habitacional pós Constituição Federal
de 1988. .................................................................................................................................. 103

3.4 Política de habitação no Brasil e a interface com as políticas voltadas para a população
idosa 107
3.5 População Idosa, o Estado e as formas de morar a partir dos anos 2000. ..................... 111

4 CONDOMÍNIOS EXCLUSIVOS: ESTUDO SOBRE OS CASOS DE SÃO PAULO E


NA PARAÍBA ........................................................................................................................ 115

4.1 Vila dos Idosos, Recanto Feliz e o Programa Vila Dignidade em Itapeva e Avaré:
Condomínios Exclusivos em São Paulo ................................................................................. 116

4.2 Programa Cidade Madura: Condomínio Exclusivo para Idosos no estado da Paraíba. 123

4.3 Vilas operárias e Condomínios Exclusivos para as pessoas idosas no Brasil: É possível
realizar uma reflexão sobre proibicionismo e puritanismo nestes modelos de habitação para a
classe trabalhadora, á luz de Gramsci? ................................................................................... 127

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 130

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 136


16

INTRODUÇÃO

É comum ouvir expressões populares que exaltam a infância como sendo um tempo de
inocente experimentação da vida e a adolescência como um período conturbado, por
conseguinte a juventude é um momento propício à realização pessoal, seja na área econômica
como em outros setores da vida do indivíduo. Mas, o que é dito sobre a velhice nos interessa
sobremodo; Apesar de crescente em nível mundial, de acordo com os dados demográficos
(excetuando alguns casos, conforme abordaremos neste estudo), a fase do envelhecimento
geralmente é tida como um momento negativo – ligado às perdas. O envelhecer humano
aparece nos discursos como uma constante perda das capacidades (física, biológica,
intelectual, cognitiva e das capacidades motoras) e em alguns casos, pode haver perdas no
âmbito econômico, social e cultural.
Se a pessoa referir-se a si mesma como “velha” (mesmo que tenha completado a idade
estipulada pelo Estado), o simples uso da expressão é logo rechaçado e a pessoa é incentivada
a negar este momento, sob a premissa que estaria se rendendo ao fim de um ciclo; Ouvimos
discursos que enaltecem o “espírito jovem” e negam a velhice, principalmente na exigência de
uma aparência que incite este cuidado para não aparentar ser velho (a).
Diariamente, homens e mulheres submetem-se a regras de estética tais como: evitar a
brancura nos fios dos cabelos, disfarçar as rugas na face, esconder a calvície, o uso da roupa,
“correta” para a idade e a exigência de ter um corpo magro e esbelte; A sociedade dita um
“ideal de vida” durante todas as etapas da vida. Aliás, Nesse prisma de abordagem, manter as
aparências impostas pela mídia cotidianamente, causa certo desconforto naqueles que querem
manter uma vida saudável, mas sem os grilhões da ditadura da beleza.
Comumente tais discursos são propagados na mídia, e até nos formatos das políticas
sociais voltadas para este segmento, como é o caso do envelhecimento ativo, propagado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS); Tais discursos homogeneízam o conceito sobre o
envelhecimento, e tendem a desconsiderar a condição de classe, raça/etnia, região, questões
culturais, entre outros. Desse modo, algumas expressões sobre a velhice humana surgem para
denominar esta fase da vida difundida principalmente nos documentos oficiais e legislações
que instituem e integram as políticas públicas e, que se reproduzem no cotidiano. Dentre os
termos considerados apropriados para designar pessoa velha, podemos citar: pessoa Idosa,
terceira idade, e ou, melhor idade.
Envelhecer faz parte de um ciclo natural, porém está permeado por uma série de
fatores. Nos seres humanos este ciclo envolve processos históricos, econômicos, sociais e
17

culturais, bem como questões de classe, gênero, étnicas, entre outras. Mas, há uma
característica comum na sociedade contemporânea e que atinge todas as pessoas que
envelhecem o fato desta etapa estabelecer o momento em que deixam de vender sua força de
trabalho.
Nesse contexto, a velhice marca o momento em que a classe trabalhadora sai da esfera
produtiva, ou seja, deixa de vender sua força de trabalho, e por isso, tende a ser considerada
inativa e/ou improdutiva e, que produz reflexos com os tipos de respostas dadas pelo Estado
capitalista. Vale salientar que as condições dadas ao envelhecimento humano estão permeadas
pelas contradições desta sociabilidade, que marcam não só a velhice, mas toda a história de
vida das pessoas, constituindo uma questão de cunho estrutural.
A Constituição Federal de 1988 foi o marco legal das políticas públicas sociais para a
população idosa brasileira, tendo como reflexo a organização política da classe trabalhadora
(jovens e velhos) em busca dos seus direitos. Durante o período de transição entre o regime
militar e a redemocratização no Brasil a efervescência de lutas no campo político fica mais
evidente (trabalhadores urbanos e rurais em busca de direitos), muitos movimentos sociais em
torno da questão da habitação se estruturaram, entre estes podemos citar: o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), o
Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), bem como o Movimento pela Reforma
Sanitária Brasileira (MRSB) que teve como veiculo de difusão e ampliação o Centro de
Estudos de Saúde (CEBES).
Desta feita, o conceito ampliado de saúde, defendido pelo MRSB, foi de suma
importância para a luta pela conquista de uma moradia digna, que será um dos principais
objetivos da Política Nacional de Habitação. Todas essas lutas confluíram na tão conhecida
Constituição Cidadã de 1988. De acordo com os artigos 182 e 183 desta Constituição, a nova
Política Nacional de Habitação se instrumentalizará em ações articuladas com outros setores e
outras Políticas, levando em consideração a função social da terra.
Apesar da investida neoliberal que se acirra a partir dos anos de 1990, dois
instrumentos importantíssimos para a população idosa são aprovados: a Política Nacional do
Idoso (PNI), Lei N.º 8.842, aprovada em 1994, que prevê diversas ações a fim de garantir o
acesso da pessoa idosa à habitação popular e o Estatuto do Idoso, instituído pela Lei N.º
10.741 no ano de 2003 que estabelece, para esta faixa etária, prerrogativas para o acesso à
política de habitação. Ademais, este trabalho além de pontuar a importância desses
instrumentos por mencionarem tais ações no campo da politica habitacional, também atenta
18

para o fato que representam um avanço no campo da proteção social ofertada e podem ser
considerados como “garantidores” de acesso aos direitos sociais à população idosa brasileira.
Contudo, a hipótese é que haja um vácuo no que diz respeito à oferta de políticas de
habitação para as pessoas idosas no Brasil. Desde aqueles empreendimentos que visam o
atendimento de toda população (sem distinguir faixas etárias), pois, além de não levarem em
consideração as peculiaridades e especificidades das pessoas idosas, não definem com clareza
os critérios para que tais pessoas tenham acesso ao direito à moradia digna, até o surgimento
dos condomínios exclusivos para as pessoas idosas no Brasil, cujo acesso está atrelado à
renda.
Apenas dois Estados brasileiros surgem como pioneiros na implementação de
condomínios exclusivos para esta parcela da população. O primeiro deles, na região sudeste
de São Paulo/capital, inaugurando a Vila dos Idosos – Pari I em 2007. O segundo, localizado
na região nordeste, mais especificamente no Estado da Paraíba com o Programa Cidade
Madura, que iniciou tal implementação no ano de 2014. Ambos utilizam a renda como um
dos critérios para inserção/exclusão das pessoas idosas nesta modalidade de habitação,
podendo variar, mas não excede o valor de até 05 (cinco) salários mínimos.
A aproximação e interesse pelas discussões que perpassam as problemáticas do
envelhecimento surgem para a pesquisadora durante a graduação em Serviço Social, aliadas
às questões particulares vivenciadas como cuidadora da avó materna (Leonila Mendes – In
Memoriam) que foi acometida por um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e todas as questões
que se apresentavam diante deste quadro clínico.
Outro fato que possibilitou o interesse no assunto foi a oportunidade de cursar as
disciplinas “Pesquisa em Serviço Social (I e II)”, cujo contato com as diversas metodologias e
instrumentais de pesquisa incentivaram a busca pelo o aprofundamento das discussões sobre a
temática e reverberaram no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que visou analisar a
participação social dos idosos brasileiros nas políticas públicas, por meio do controle social e
o lócus foi o Conselho Municipal de Idosos em Natal/RN1. O interesse pela discussão se
manteve em evidência ao ingressar em um curso na pós-graduação em Educação, Pobreza e
Desigualdade Social, que teve como fruto um TCC enfatizando a inter-relação entre a

1
Participação e controle social dos idosos na cena contemporânea: particularidades do Conselho Municipal dos
Idosos em Natal-RN / Monografia (Graduação em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social,2012. 96f.
19

desigualdade social, e como este fator incide na educação e na cidadania dos idosos
contemporâneos brasileiros2.
Este trabalho, como objetivo central buscou averiguar a função social dos
condomínios exclusivos para as pessoas idosas no Brasil e sua relação com a reprodução da
força de trabalho – modalidade habitacional ofertada, à população idosa com um perfil
especificado pela idade (cronológica), renda e autonomia para realizar suas tarefas. Pretende-
se examinar a relação entre as políticas sociais e os direitos da população idosa com foco na
relação entre o trabalho, o mercado e o Estado, visando apreender o direito à moradia para a
população idosa no Brasil, bem como identificar os determinantes históricos, econômicos e
sociais da politica habitacional para as pessoas idosas – na modalidade condomínios
exclusivos.
Neste diapasão, visa-se fomentar o debate profícuo em torno das questões que giram
sobre a velhice da classe trabalhadora, bem como sobre o papel econômico, político e social
desta população na sociabilidade capitalista ocidental contemporânea. Porém, faz-se
necessário tecer algumas ponderações acerca da trajetória percorrida, pois o objeto sofreu
algumas alterações no decorrer da pesquisa.
O interesse por estudar sobre Condomínio Exclusivo para Pessoas Idosas iniciou após
ingresso na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (SEDH/PB)3 em 2015 – Na
ocasião, a pesquisadora foi designada para atuar na Gerência Executiva de Assistência Social
(GEAS) na função de técnica de referência, e neste espaço de gestão, acompanhamento e
assessoria aos 223 (duzentos e vinte e três) municípios paraibanos4, recebeu a incumbência de
integrar a equipe que coordenava o Programa Cidade Madura/PB, com a finalidade de
acompanhar as demandas cotidianas, por meio de visitas técnicas, monitoramento do
programa e de dois processos seletivos dos (as) candidatos (as) à inclusão nos residenciais nos
municípios de Cajazeiras (2016) e Guarabira no ano seguinte5. O referido programa,

2
Pobreza e Desigualdade Social: um tema para se debruçar na universidade aberta a terceira idade da UnP em
Natal/RN/ Artigo (Pós-Graduação- Lato Sensu)- Universidade Federal do Rio Grande do Norte. EAD, 2015,30f.
(UFRN/2016). Recentemente, este artigo foi indicado para constar em um livro publicado pela organização da
pós-graduação acima citada.
3
Processo seletivo, regido pelo Edital nº 003/2015/PETI, publicado em 30/06/2015. Aprovada para atuar como
técnica de referência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) no estado da Paraíba.
4
O Estado da Paraíba possui 223 municípios, agrupados em 14 regiões Geoadministrativas: 1ª. João Pessoa; 2ª.
Guarabira; 3ª. Campina Grande; 4ª. Cuité; 5ª. Monteiro; 6ª. Patos; 7ª.Itaporanga: 8ª. Catolé do Rocha; 9ª.
Cajazeiras; 10ª. Sousa; 11ª. Princesa Isabel; 12ª. Itabaiana; 13ª. Pombal; 14ª. Mamanguape;
5
De acordo com dados oficiais, Cajazeiras 5, a sede da 9ª (nona) região geoadministrativa fica a 468 km da
capital. A cidade de Guarabira é conhecida como “a rainha do brejo” é sede da 2ª (segunda) região
geoadministrativa, distante 98 km da capital.
20

inaugurado no ano de 2014 em João Pessoa/PB, era frequentemente mencionado pela mídia
em nível local e/ou nacional6, bem como nos espaços acadêmicos.
A experiência profissional evidenciou dois gargalos que justificaram a importância de
se debruçar em torno da problemática que diz respeito a dificuldade de entendimento sobre a
função social do programa, tanto por parte das pessoas diretamente envolvidas na
coordenação e gerência do programa quanto nos próprios residentes e suas famílias, bem
como do público, em geral, cuja tendência era confundi-lo com Instituição de Longa
Permanência para Idosos (ILPI’s)7. Outro ponto analisado está no fato do programa ser
voltado especificamente para a classe trabalhadora pobre envelhecente.
Além da pesquisa bibliográfica e documental, havia a pretensão de ir a campo e para
tanto, a proposição foi de constituir a Gerência da Proteção Social Básica da Secretaria de
Desenvolvimento Humano do Estado da Paraíba e o Residencial Cidade Madura, localizado
na cidade de João Pessoa/PB como lócus para a referida pesquisa. Tendo em vista o tempo
limitado para a análise e sistematização dos dados obtidos, após traçar o perfil da população
residente (tais como: idade, situação civil, escolaridade, entre outros), pretendia-se utilizar a
técnica da amostragem seletiva de Fontes-Chaves para a realização das entrevistas que seriam
realizadas com a técnica de roteiros do tipo semiestruturados com os (as) idosos (as) e
profissionais que atuam no residencial e residem no respectivo condomínio.
Após a qualificação, iniciou-se a construção da dissertação com base nas apreensões a
respeito da categoria trabalho e a forma como os discursos a respeito do envelhecimento
humano nesta sociedade capitalista se difundem. No entanto, a ida ao campo e a realização
das entrevistas foram dispensadas diante da probabilidade da publicação – em tempo hábil –
de um diagnostico do Programa Cidade Madura no estado da Paraíba, elaborado pela
coordenação do referido programa, tendo em vista que as informações contidas coadunavam
com os dados descritos no projeto de pesquisa qualificado. Porém, não é o que ocorre de fato
e o diagnóstico supramencionado não foi publicado.

6
Estadão. Condomínios, republicas e vilas diversificam moradia para idosos.
http://infograficos.estadao.com.br/focas/planeje-sua-vida/condominios-republicas-e-vilasdiversificam-moradia-
para-idosos Acesso: outubro de 2017; G1.Globo. com. Condomínio exclusivo oferece refugio para idosos na
Paraíba. < http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2015/05/condominio-exclusivo-oferece-refugio-para-idosos-
na-paraiba.html > Acesso: outubro de 17 e Portal oficial. Governo do Estado da Paraíba
<http://paraiba.pb.gov.br/>
7
As Instituições de Longa Permanência, conhecidas também como: serviços de acolhimento institucional e se
diferenciam do Programa Cidade Madura, por oferecerem aos idosos inseridos, alimentação, higiene, atividades
recreativas, curativas e terapêuticas, realizadas por equipe multidisciplinar, que leve em consideração, inclusive,
os diversos graus de dependência dos idosos. Conforme se lê na Resolução Nº283/2005
21

Apesar de ter iniciado o terceiro capítulo, nesta ocasião, houve ponderação no que diz
respeito a impossibilidade de submeter o projeto ao comitê de ética e aguardar mais tempo
ainda a aprovação para então poder ingressar no campo e, posteriormente coletar os dados,
realizar as entrevistas e analisar todo este material. Destarte, diante do ocorrido, foi feito o
redimensionamento dos seguintes pontos do projeto anteriormente apresentado: Justificativa,
Objetivos (Geral e Específicos), bem como os Procedimentos Metodológicos.
Assim, o Programa Cidade Madura deixava de ser o foco na pesquisa, e passou-se a
realizar uma pesquisa em torno das Políticas Habitacionais para as pessoas idosas no Brasil,
mais especificamente a respeito dos Condomínios Exclusivos para esta parcela da população.
Como objetivos Específicos, elenca-se 1) Examinar a relação entre as políticas sociais e os
direitos da população idosa com foco na relação entre o trabalho, o mercado e o Estado; 2)
Apreender o direito à moradia para a população idosa no Estado capitalista brasileiro;3)
Identificar os determinantes históricos, econômicos, sociais e políticos da política habitacional
para as pessoas idosas no Brasil na modalidade Condomínios Exclusivos.
Com o objetivo de obter uma melhor apreensão do objeto, o método utilizado foi o
materialista histórico dialético, na perspectiva de uma aproximação sucessiva com as
múltiplas e reais determinações, de forma a possibilitar análise que contemple as
particularidades, singularidades e universalidade do objeto em questão.
A metodologia adotada neste estudo foi a pesquisa do tipo qualitativa. Nos termos de
Minayo (2006), a primeira tarefa foi compor o referencial teórico com o intuito de fomentar o
processo investigativo. A autora (Ibidem) destaca que esta fase pode atingir vários níveis de
aprofundamento, devendo abranger minimante os estudos mais clássicos e os mais
atualizados; a escolha das categorias analíticas, bem como a importância de deixar claro, o
nível dessa abrangência no desenho metodológico da investigação. (MINAYO, 2006, p. 18).
A fundamentação teórica desta pesquisa se deu por meio consulta de livros, teses,
dissertações, artigos, papers, bem como consultas em revistas e matérias jornalísticas que
versam a respeito da temática. Entre os clássicos que discutem sobre Trabalho, Capitalismo e
Estado, consultados nesta pesquisa, ressalta-se: Karl Marx, Friedrich Engels e Ernest Mandel.
Das obras que tratam acerca do envelhecimento humano, destacam-se as seguintes autoras:
Simone de Beauvoir, Eneida Haddad, Maria Solange Teixeira, Sálvea de Oliveira Campelo e
Paiva.
A pesquisa documental consistiu na análise de Leis, Decretos Políticos, e Documentos
Nacionais e Internacionais que abordam a temática do envelhecimento humano, dentre os
22

quais enfatiza-se: Constituição Federal de 1988; Política Nacional do Idoso (PNI) – Lei N.º
8.842, de 1994; Estatuto do Idoso – Lei Nº 10.741 de 2003; Plano Internacional do
Envelhecimento, publicado em 2003 e, Envelhecimento Ativo: um marco político em resposta
à Revolução da Longevidade, publicado em 2005(documentos internacionais produzidos e
fomentados pela Organização Mundial da Saúde e Organização das Nações Unidas e
publicados no Brasil); Decretos instituídos para reger os condomínios habitacionais
exclusivos para as pessoas idosas e, no caso do Programa Cidade Madura – além de decreto, a
Lei Nº 11.260, aprovada em dezembro de 2018, O cadastro socioeconômico8 - instrumento
elaborado com a finalidade: extrair o máximo de informações a respeito das pessoas idosas
que se inscrevem no Programa Cidade Madura, bem como o roteiro indicativo para a
elaboração dos diagnósticos: situacional dos equipamentos e situacional dos usuários do
Programa9.
Materiais iconográficos (fotografias, filmagens e slides) disponibilizados
publicamente, nos sites e portais oficiais e/ ou cartilhas, notas técnicas, manuais, com a
finalidade de promover ou de informar a respeito dos condomínios exclusivos para as pessoas
idosas no Brasil, também foram utilizados.
Vale salientar que a análise documental foi de suma importância, pois propiciou
identificar, por meio das categorias elencadas, as contradições e as conexões, presentes nos
discursos produzidos e reproduzidos acerca da classe trabalhadora envelhecente na sociedade
capitalista contemporânea.
A pesquisa está divida em quatro capítulos. O primeiro discute sobre o processo de
reprodução da força de trabalho e os rebatimentos da valoração da categoria trabalho nos
conceitos sobre a velhice na sociedade capitalista, presentes nas políticas públicas voltadas
para esta parcela da população. Nesse sentido, a categoria trabalho, base da atividade
econômica, tornou-se indispensável para sua compreensão, além disso, a categoria faz
referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade. (Braz e Netto, 2009, p.29). Tal
centralidade justifica-se por considerar esta categoria fundamental para discutir as relações
sociais.

8
Os dados são obtidos, por meio de uma entrevista, realizada pela equipe técnica da Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Humano (SEDH). Em geral duas pessoas, uma delas da área da psicologia e outra do Serviço
Social, aplicam o questionário e elaboram um parecer (favorável ou não)sobre o ingresso no referido residencial;
9
Todos os documentos informados estavam em branco, ou seja, não continham informações sobre as pessoas
idosas, residentes. E foram disponibilizados pela Gerente Operacional do Programa Cidade Madura.
23

Desse modo, os temas que englobam o universo da velhice, reverberam nas


concepções produzidas e reproduzidas nas esferas: ideológica, política, social, cultural e
principalmente na esfera econômica. Evidenciando clássicos como: Marx, Engels e Mandel.
Temas que perpassam o envelhecimento da classe trabalhadora nesta sociedade capitalista,
bem como, questões sobre a força de trabalho, renda/salário, aposentadoria, trabalho formal/
informal neste tipo de relação. Outro ponto abordado no primeiro capítulo é a relação entre a
classe trabalhadora pobre e as problemáticas vivenciadas ao envelhecer, para tanto, recorreu-
se às discussões sobre superpopulação relativa.
No segundo capitulo, relacionou-se o discurso que tem sido produzido – a partir da
premissa do aumento demográfico, com importância de se analisar os motivos pelos quais,
tais discursos buscam homogeneizar a velhice, sob a intencionalidade de fragmentar e
desmobilizar a classe trabalhadora envelhecente. E principalmente vincular tais discussões a
questão da reprodução da força de trabalho.
Behring e Boschetti (2009) ao desvelarem sobre a contribuição da tradição marxista
para a abordagem das políticas sociais destacam que neste enfoque dialético é preciso levar
em consideração três pontos muito importantes, quais sejam:
O primeiro é a natureza do capitalismo, seu grau de desenvolvimento e estratégias
de acumulação prevalecentes. O segundo é o papel do Estado na regulamentação e
implementação das políticas sociais, e o terceiro é o papel das classes sociais. Nessa
direção, não se pode explicar a gênese e o desenvolvimento das políticas sociais sem
compreender sua articulação com a política econômica e a luta de classes.
(BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 44).
Desta feita, essas questões sobre os direitos sociais e consequentemente o surgimento
e o desenvolvimento das políticas públicas sociais está atrelado às lutas de classe, a
organização da classe trabalhadora e o formato de Estado, sua configuração e implicações.
O terceiro se propôs desvelar a respeito da problemática da habitação no Brasil,
relacionando-a com o envelhecimento da classe trabalhadora vivenciada no país, a partir da
década de 1960, bem como os desafios que esta parcela enfrenta no contexto atual, levando
em consideração a analise histórico- econômica e social. Com relação aos estudos a respeito
da política habitacional, recorreu-se a Nabil Bonduki, Raquel Rolnik, Ermínia Maricato, Eva
Blay, Ana Fani Carlos, entre outros.
Com a finalidade de apreender as distintas formas de controle ideológico da classe
trabalhadora na gestão capitalista, realizou-se uma análise do tipo comparativa entre as
antigas vilas operárias que surgiram no Brasil a partir de meados da década de 1920 e os
atuais condomínios exclusivos para pessoas idosas em São Paulo e também na Paraíba.
Notou-se que oficialmente o objetivo central desta modalidade de oferecer política
24

habitacional com capacidade de promover à pessoa idosa moradia digna, acessibilidade,


entorno favorável entre outros, coaduna com as orientações contidas em documentos
internacionais que visam à manutenção da classe trabalhadora que envelhece como vendedora
da sua força de trabalho.
O quarto capítulo aborda sobre os condomínios exclusivos para as pessoas idosas em
voga no Brasil desde 2007, e que é material de estudo desta pesquisa. Constituiu-se objeto de
análise amiúde nestes capítulos, examinar a função social dos respectivos condomínios. Versa
sobre os resultados obtidos a partir dos dados analisados e a conclusão da pesquisa
respectivamente. Para nortear o assunto Condomínios Exclusivos para as Pessoas Idosas, o
fundamento alicerçou-se nos conceitos de Monteiro (2012), Deus (2010), Teixeira (2016), E
especificamente no o Programa Cidade Madura; Elencou-se Sobral (2015), Kunst (2016) e
Oliveira (2017), pois estes discorreram sobre o referido programa com foco em temas que
estão mais ligados as áreas do desenvolvimento urbano, arquitetura e Design. Utilizou-se
também uma apresentação no formato PDF, publicada no site do MDS, oriunda do material
produzido durante o Encontro Sobre Integração Entre Serviços e Benefícios
socioassistenciais, ocorrido na cidade de São Paulo em 201810, bem como a análise
documental realizada, mormente nos decretos que regem sobre os referidos condomínios e, no
caso do Programa Cidade Madura, a Lei também foi objeto de análise, durante o período da
pesquisa. Além dos sites e portais oficiais do Estado da Paraíba. A partir destas ressalvas,
sigamos com as apreensões.

10
Disponível em: < http://mds.gov.br/central-de-conteudo/assistencia-social/encontro-sobre-integracao-entre-
servicos-e-beneficios-socioassistenciais-para-a-pessoa-idosa>. Acesso em 26 de nov. de 2018.
25

1 RELAÇÕES SOCIAIS, A VELHICE E O MUNDO DO TRABALHO.

Será abordado no decorrer desta seção, o processo de reprodução da força de trabalho


e os rebatimentos da valoração da categoria trabalho nos conceitos sobre a velhice na
sociedade capitalista, presentes nas políticas públicas voltadas para esta parcela da população.
A centralidade da categoria trabalho se justifica, portanto, por ser considerada fundamental
para discutir as relações sociais e os temas que englobam o universo da velhice, posto
reverberar nas concepções produzidas e reproduzidas nas esferas: ideológica, política, social,
cultural e, principalmente na esfera econômica. Desta feita, surgem os seguintes
questionamentos: O que a categoria trabalho representa? Como o valor atribuído ao trabalho,
na sociedade capitalista, repercute nas concepções sobre a velhice? O ser humano está
reduzido à condição de vendedor da sua força de trabalho? Como essa construção social
reflete na construção do Sistema de Proteção Social à velhice no Estado brasileiro?
Ao considerar imprescindível a condição de classe nesta sociabilidade, pretende-se
influir durante todo o processo de desvelamento do objeto proposto tais análises, pois a classe
que sobrevive apenas da venda da sua força de trabalho, durante todo o seu tempo de vida
regido pelo capital – a classe trabalhadora – experimenta de forma diferente da classe
burguesa, o período que representa o último estágio da sua vida.
Neste modo de produção, as pessoas geralmente são classificadas pela condição
ocupada na esfera da produção – ativa ou inativa, ou seja, sobre sua condição de trabalhador,
seja de maneira formal – com registro em Carteira Nacional de Trabalho e Previdência Social
(CNTPS), assinada e/ ou por meio de contratos de trabalho; Bem como a parcela de
trabalhadores (as) informais – que não possuem vínculo trabalhista e atuam sem qualquer
amparo legal. E a velhice, tida como um momento em que a pessoa sai da esfera produtiva e
perde utilidade para o capital, sendo assim, oficialmente, neste momento tão peculiar, o ser
humano é considerado como um ser improdutivo (inativo). Com base no exposto, não se
desconsidera a possibilidade que em qualquer faixa etária a classe trabalhadora esteja sujeita a
pertencer ao universo dos desempregados (inativos), compondo assim, o Exército Industrial
de Reserva.
Tendo em vista que a ampliação e manutenção da Superpopulação Relativa está
intimamente ligada a ampliação da exploração da classe trabalhadora, bem como a extração
da mais-valia, há uma relação entre a condição de classe trabalhadora pobre nesta
sociabilidade capitalista com as problemáticas vivenciadas por esta classe ao envelhecer. Por
26

essa razão, recorrem-se às discussões sobre superpopulação relativa, relacionando com a


temática do envelhecimento da classe trabalhadora.
Vale destacar que, embora as discussões propostas neste estudo situem-se nas
problemáticas vivenciadas pela classe trabalhadora envelhecente na sociabilidade capitalista
contemporânea, breves considerações sobre as sociedades11 que a antecederam serão feitas, a
fim de verificar em que condições o modo de produção capitalista surge, e quais foram os
determinantes históricos, econômicos, sociais e culturais que viabilizaram a introdução e
manutenção deste modo de produção. Nesse prisma de abordagem serão analisadas a
comunidade primitiva, o escravismo e o servilismo (feudalismo).

1.1 A centralidade do trabalho nas discussões sobre o envelhecimento humano

O trabalho, conforme apontado por Marx é considerado o marco na história da


humanidade. É, portanto, um processo bastante dinâmico e complexo, pois é regulado e
mediado pelo próprio homem.
Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo
em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo
com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força
natural. Ele põe em movimento forças naturais pertencentes à sua corporalidade,
braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma
útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza
externa a ele e ao modifica-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza.
Ele desenvolve potencias nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu
próprio domínio. [...] (MARX, 1985, Tomo1, cap. V, p. 149)

Diametralmente, através do trabalho, os homens ao transformarem a natureza (externa)


transformam-se, ou seja, modificaram a sua própria natureza. Os seres humanos, envolvidos
neste processo, desenvolvem tanto a sua produção material quanto a forma como se
relacionam socialmente, isto é, conforme tais seres se humanizam ao longo do tempo, ao
transformar a natureza que os cerca também é modificada, desta maneira modificam a sua
própria história.
Para Netto (2015) o trabalho fez surgir um ser genérico que possui a capacidade de se
relacionar de forma consciente com o mundo que o cerca; Ressalta que a condição da
existência humana é principalmente a condição da objetivação dos sujeitos singulares. É a
11
De acordo com a concepção materialista, o fator decisivo na história é, em última instância, a produção e a
reprodução da vida imediata. Mas essa produção e reprodução são de dois tipos: de um lado, a produção de
meios de existência, de produtos alimentícios, habitação e instrumentos necessários para tudo isso; de outro lado,
a produção do homem mesmo, a continuação da espécie. A ordem social em que vivem os homens de
determinada época ou determinado país está condicionada por essas duas espécies de produção: pelo grau de
desenvolvimento do trabalho, de um lado, e da família, de outro. [...]. (Engels, 1977, p.2)
27

essência humana e retirada esta possibilidade não existe homem nem mulher. Nesta direção, é
possível desvelar sobre a categoria trabalho como algo mais complexo e que se distancia da
natureza (do ser natural/orgânico). Tornando esta atividade bem diferente das atividades que
visem apenas às necessidades de sobrevivência generalizadas entre as espécies animais.
Netto e Braz (2009, p.30-35), demonstram como o trabalho rompe com o padrão
natural e deixa de ser um simples realizar de tarefas. Os autores afirmam que este fato é
resultado de um processo, cujo tempo – possível de mensurar em escala de séculos – ocorreu
em sociedade.
[...] Não se pode separar a sociedade dos seus membros: não há sociedade sem que
estejam em interação os seus membros singulares, assim como não há seres sociais
singulares (homens e mulheres) isolados, fora do sistema de relações que é a
sociedade. O que chamamos sociedade são os modos de existir do ser social; é na
sociedade e nos membros que a compõem que o ser social existe: a sociedade, e seus
membros, constitui o ser social e dele se constitui (NETTO e BRAZ, 2009, p.37,
grifos originais).

Ao enfatizar o caráter coletivo do trabalho, verifica-se como nesta perspectiva, o


trabalho se diferencia das atividades que atendiam apenas as necessidades de sobrevivência
generalizadas entre as espécies animais e, se torna algo mais elaborado; Atividade cuja
finalidade é pensada, idealizada, programada e, principalmente compartilhada entre tais
pessoas.
Na obra a Ideologia Alemã, os autores Marx e Engels (1998) asseveram que há muitos
meios de tentar apontar a distinção entre homens e animais e citam como exemplo, a
consciência e a religião. Mas, asseguram que os próprios homens só fizeram esta distinção
quando começaram a produzir seus meios de existência. Conforme os autores:
[...] A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que
eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto como que
eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são
depende, portanto, das condições materiais de sua produção. (MARX E ENGELS,
1998, p.10- 11).

Tendo como pressuposto o marco apontado pelos autores, observam-se como os


homens começam a produzir sua vida, a partir do trabalho, desse modo, é de suma
importância ressaltar que a produção social no sistema capitalista não trata apenas da
produção de objetos ou coisas, mas da relação das pessoas em sociedade, e esta relação é
marcada pelo antagonismo entre as classes sociais.
Considera-se que esta categoria é primordial para discutir as relações sociais humanas.
Em sua assertiva, Lessa (2016, p.25-31) analisando os apontamentos trazidos pelo filósofo
Georg Lukács a respeito da gênese do ser social, afirma que o homem (o ser humano) de
28

forma contínua e orientada, conquista a capacidade de produzir e transformar o mundo que o


cerca por meio de um salto ontológico que marca a gênese do ser social.
O autor (Ibidem, 2016) discorre sobre as 03 (três) esferas ontológicas e distintas
citadas por Lukács, a saber: a inorgânica, a biológica e o ser social. Assim, destaca que esta
ultima esfera “se particulariza pela incessante produção do novo, através da transformação do
mundo que o cerca de maneira conscientemente orientada, teleologicamente posta”. (LESSA,
2016, p. 19-20- grifo nossos). De acordo com Lukács, ser humano significa uma crescente
capacidade de objetivar/exteriorizar – isto é, transformar o mundo segundo as finalidades que
estão postas na sociedade.
Conforme afirmam Netto e Braz (2009) é na sociedade e nos membros que a
compõem que este Ser existe. São esses autores que elencam 07 (sete) características que
constituem e podem diferenciar o ser social, ei-las:
O ser social constitui-se como um ser que, dentre todos os tipos de ser, se
particulariza porque é capaz de: 1. Realizar atividades teleologicamente orientadas;
2. Objetivar-se material e idealmente; 3. Comunicar-se e expressar-se pela
linguagem articulada; 4. Tratar suas atividades e a si mesmo de modo reflexivo,
consciente e autoconsciente; 5. Escolher entre alternativas concretas; 6.
Universalizar-se; 7. Socializar-se (NETTO E BRAZ, 2009, p. 41).

Este processo histórico de organização da sociedade faz emergir o ser social, marco
importantíssimo, pois, a partir dele a sociedade vai se transformando. Lessa (2016) ao
discorrer sobre a objetivação e exteriorização do trabalho em Lukács, afirma ser o trabalho
tanto a forma originária quanto o fundamento ontológico das diferentes formas da práxis
social e ressalta que, sem o trabalho não existiriam as variadas formas de atividade humano-
social.
Netto e Braz (2009,41-45) coadunam com esta análise e acrescem que o processo da
práxis envolve todas as objetivações humanas, pois esta categoria permite vislumbrar a
riqueza do ser social pela sua capacidade de revelar o homem com um ser criativo e apontam
que seu oposto seria a alienação. Nesse sentido, sendo à base da existência humana, o trabalho
é elemento central para se debruçar sobre a história da humanidade (sua fundação,
organização, desenvolvimento e de como se relacionam). Notadamente, o que os homens são
reflete a sua relação em sociedade. A respeito da velhice nas sociedades pré- capitalistas,
Paiva (2014) assevera:
A velhice, experiência tão antiga quanto a história da própria humanidade, longe de
ser uma problema social, era vivenciada naturalmente no domínio do espaço privado
e da mesma maneira se vivenciava o processo de finitude humana. Muito embora
isso não implique a pretensão de defender uma visão romântica da velhice em
sociedades pré-capitalistas. [...] (PAIVA, 2014, p. 57-58).
29

Ademais, a forma como o conceito sobre velhice ganha uma definição mais
generalizada vai depender das condições produtivas, das circunstâncias e dos valores
atribuídos em sociedade. Evidentemente, no contexto histórico acima mencionado, o curso da
vida humana e o tempo dedicado ao trabalho eram diversos da contemporaneidade, conforme
seus apontamentos.
Na sociabilidade capitalista, portanto, a velhice além de ser um processo natural,
biológico pelo qual passam todos os seres vivos é, heterogênea, reflete o antagonismo entre as
classes sociais e está permeada pelas contradições inerentes deste modo de produção. Neste
sentido, tendo em vista a reprodução da força de trabalho, nesta sociabilidade, a classe pobre e
trabalhadora (cuja força de trabalho foi explorada durante toda a sua vida), passa ser
considerada como população não economicamente ativa, ou improdutiva, ao atingir a velhice.
(Paiva, 2014).
Benedito (2017, p. 218-220) reflete sobre o fato do célere envelhecimento
populacional coincidir com o momento em que o capitalismo encontrava-se em severas
dificuldades em seu processo de expansão, a crise de 1970. Assim, o “problema da velhice”,
para a autora, torna-se objeto de reflexão cotidiana e engloba tanto as famílias quanto as
instituições. Porém, a questão fulcral, segundo ela (Ibidem) situa-se no discurso produzido
sobre o aumento com os gastos que o envelhecimento da classe trabalhadora poderia acarretar
ao erário e os efeitos deste fenômeno à expansão capitalista. Paiva (2014,54-55) afirma ser
produto da sociedade moderna, o momento em que as reivindicações por direitos sociais à
velhice da classe trabalhadora e, ressalta que tais reivindicações passam a incorporar a
dimensão da proteção social. Neste modelo de sociedade, conforme apontado pela autora, a
velhice alcança o espaço público, desafiando a lógica de acumulação do capital.

1.2 Das comunidades primitivas e o surgimento do excedente ao feudalismo

Os primeiros grupos humanos que surgiram na terra sobreviviam da coleta de vegetais,


da caça e da pesca. Essas pessoas não tinham técnicas aperfeiçoadas nem para coleta dos
alimentos nem de habitação e, por isso eram nômades. Os destaques que Netto e Braz (2009)
fazem sobre a comunidade primitiva, dizem respeito à situação de penúria vivenciada, e sobre
o fato que todos os produtos eram partilhados entre os membros e não existiam propriedade e
bens de origem privada. Conforme ocorreram transformações na produção, a relação em
sociedade também modifica. Decorrente do aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho
que eles utilizavam, consequentemente, a relação deles/as com a natureza também se
30

modifica, a partir daí começam a dominar técnicas da agricultura e a domesticação dos


animais (pastoreio, por exemplo), abandonam a prática do nomadismo, aperfeiçoam
instrumentos de caça, pesca e para o uso de defesa, entre outros e consequentemente aumenta
a produtividade. (NETTO; BRAZ, 2009 p. 55-57).
Esse aumento da produtividade é o que o autor Ernest Mandel chama de sobreproduto
ou excedente econômico. Para ele, todos os progressos da civilização são em última análise
determinados pelo aumento da produtividade do trabalho [...] (MANDEL, 1978, p.13). Ao
tratar da questão do sobreproduto social, o autor, relaciona o fato dos homens terem
produzido mais bens e produtos do que precisam para se manter (o excedente), com o
surgimento da diferenciação de classes. Mas é importante considerar, também que a força
excedente de trabalho (dos escravos) será apropriada pela classe dominante (os senhores).
Nesta relação, uma classe (a dominante) é livre para explorar e a outra classe (a dominada)
para produzir. A existência do excedente proporciona além da acumulação dos produtos do
trabalho a possibilidade de uma pequena parte da sociedade poder se constituir como classe
dominante.
O excedente econômico além de marcar o aumento da produtividade, causa grandes
mudanças nas comunidades primitivas que entram em dissolução. Netto e Braz (2009)
destacam dois efeitos que surgem a partir do excedente produzido ou da possibilidade de
acumulação dos produtos do trabalho: O primeiro deles é o surgimento da mercadoria; a troca
de mercadorias (as primeiras formas de comércio) opera em conjunto com “uma maior
divisão do trabalho”. O segundo, está relacionado com a acumulação da riqueza por meio da
exploração do trabalho do homem por outro homem. Sobre o surgimento da produção
excedente de bens e sobre o que tal feito representou no desenvolvimento das forças
produtivas, os autores afirmam:
Ora, a produção de bens, qualquer que seja ela, realiza-se através do processo de
trabalho, que envolve os seguintes elementos: a)os meios de trabalho – tudo aquilo
de que se vale o homem para trabalhar (instrumentos, ferramentas, instalações etc.)
;b) os objetos do trabalho – tudo aquilo (matérias naturais brutas ou matérias
naturais já modificadas pela ação do trabalho) sobre que incide o trabalho humano)
a força de trabalho – trata-se da energia humana que, no processo de trabalho, é
utilizada para, valendo-se dos meios de trabalho, transformar os objetos de trabalho
em bens úteis à satisfação de necessidades. (NETTO E BRAZ, 2009, p. 58, grifos
originais.).

Em se tratando do processo de trabalho elencado pelos autores, vale a pena destacar os


seguintes pontos: Em relação aos meios de trabalho, notabiliza-se a importância da teleologia
ou prefiguração que está para além dos instrumentos utilizados, pois significam os meios e os
fins pensados para a realização de determinada tarefa. A segunda ressalva está relacionada
31

com o conceito da força de trabalho, pois se baseia nas assertivas de Marx que a compreende
como dispêndio de força humana (mental e intelectual, mas também física) para realizar
determinada tarefa. Com efeito, é possível afirmar que a força de trabalho – este dispêndio de
força utilizado – tanto viabiliza os meios de produção quanto o crescimento da produtividade
do trabalho.
Assim, o crescimento da produtividade do trabalho aparece atrelado à repartição do
trabalho (NETTO E BRAZ, 2009, p.59): a divisão sexual do trabalho (primeira forma de
repartição de trabalho), bem como a divisão entre Urbano e Rural que divide o trabalho em
especialidades, mas não reparte cada especialidade em operações limitadas. Deste modo, a
força de trabalho, revela privilegiadamente, o caráter histórico das forças produtivas.
É a possibilidade de um homem produzir mais do que consome – isto é: de produzir
excedente – que torna compensador escravizá-lo; só vale a pena ter escravos se o seu
proprietário puder extrair deles um produto excedente (sobreproduto). [...] O
surgimento do excedente muda radicalmente as relações sociais: posto o excedente,
vale a pena escravizar e explorar homens.[...] (IBIDEM, 2009,p.66)

Também se enfatiza a importância da força de trabalho e a capacidade produtiva da


sociedade que se complexifica e também se reflete na divisão social do trabalho.
De acordo com Netto e Braz (2009, p.67) no escravismo, além do incremento na
produção das mercadorias, e a divisão da sociedade em duas classes fundamentais, o trabalho
excedente dos escravos era subtraído sob a forma de violência que eles classificam como real
e potencial. Outro ponto importante a frisar, é que neste modo de produção, que surgem às
primeiras formas de poder político, condensadas no que se denominará Estado12.
O servilismo surge com o declínio do império romano. A propriedade da terra é o
fundamento central deste modo de produção, uma vez que era composto por feudos que
representavam as unidades econômico-sociais. Netto e Braz (2009) afirmam que, diferente do
escravismo, os servos não podiam ser vendidos, pelo fato de estarem presos à terra. Além do
mais, eram obrigados a produzir para seus senhores e pagar altas taxas e dízimo para igreja e,
embora dispusessem de instrumentos de trabalho do qual podiam retirar seu sustento, a terça
parte da sua produção pertencia aos senhores.
Mas também no regime feudal o excedente produzido pelos servos era expropriado
mediante o monopólio da violência (real e potencial) exercido pelos senhores que,
ademais, administravam a justiça no limite dos seus feudos. Todos os testemunhos
documentam a vida miserável que então cabia aos servos, bem como o ódio que
devotavam aos seus senhores, [...] (IBIDEM, 2009, p. 69).

12
Sobre este tema nos debruçaremos mais amiúde no capítulo a seguir.
32

Neste sistema, os autores demonstram como a estrutura social se complexifica,


tendo em vista que havia: os senhores feudais (classe parasitária); a igreja católica (clero); os
servos ou camponeses; os artesãos e camponeses que se organizavam em corporações e ligas,
bem como os comerciantes e mercadores através das ligas e abertura das novas rotas
comerciais para o Oriente13.
Paiva (2014, p. 54-56) destaca que o modo de produção feudal era, basicamente,
agrário. A autora aponta três características do referido modo de produção, a saber: não
comercial; autossuficiente e quase amonetário (a utilização da moeda era quase
desnecessária). Netto e Braz (2009) apontam para diversos fatores que contribuem para a
erosão da ordem feudal, a crise e colapso do Antigo Regime, entre os quais destacamos: o
desenvolvimento do comércio que estimula o consumo da nobreza por mercadorias
(principalmente trazidas do oriente); a função privilegiada que o dinheiro alcança; o
surgimento das cidades; riqueza imobiliária e a acumulação do dinheiro – lucro.
Abordar a questão da crise feudal e a instalação do modo de produção capitalista nos
remeterá a questão do “excedente econômico”, novamente. Embora a produção mercantil já
existisse desde a sociedade escravista, mas realizada em menor escala, pelos artesãos
(considerados livres), no feudalismo o quantitativo de artesões aumenta. Inicialmente a
produção de mercadoria, designada como ”produção mercantil simples”, se desenvolve em
larga escala.
Destinada (geralmente) para um mercado restrito, além de não implicar em relação de
exploração, estava assentada em dois pilares: o trabalho era pessoal e os artesãos eram os
proprietários dos meios de produção. (NETTO E BRAZ, 2009, p.81).
Estes autores apontam a questão das dificuldades enfrentadas na produção rural, em
decorrência das pragas entre outros; mencionam ainda a ocorrência dos diversos confrontos
sociais (lutas entre senhores e servos, entre os próprios senhores). Nestes termos, o Estado
Absolutista, neste período representou uma resposta que se esforça, principalmente no
combate as manifestações dos camponeses.
Para eles:
O Estado absolutista representou a resposta dos senhores à rebeldia dos servos: seu
caráter de classes mostrou-se obvio – foi um notável reforço para combater as
mobilizações camponesas. No entanto esse instrumento repressivo a serviço da
nobreza fundiária se constituiu reduzindo o poder politico nas mãos de um deles (o
rei, que até então detinha uma reduzida autoridade), diminuiu significativamente a

13
[...] Dos grandes comerciantes, grupo social que nasce nas entranhas da ordem feudal, surgirão os elementos
que, a partir do século XVI, conformarão a classe que derrotará a feudalidade – eles constituirão a burguesia.
(NETTO E BRAZ, 2009, p.70).
33

capacidade interventiva de cada um dos senhores feudais. Com isso, abriu-se ao


mesmo tempo o campo para uma maior influência do grupo de comerciantes/
mercadores que, gradualmente, tornaram-se os financiadores do Estado absolutista,
juntamente com as principais casas bancárias da época [...]. (NETTO e BRAZ, 2009,
p. 72).

Destarte, se observa que o formato adotado pelo Estado absolutista propiciou a


condição fundamental para o surgimento do modo de produção capitalista, pois sua
intercorrência provocou desgastes nas próprias bases que sustentavam a ordem feudal.
Acirram-se os choques e disputas entre comerciantes/mercadores (burguesia) e a
nobreza no feudalismo. A burguesia, através de processos que culmina em 1789, a remoção
do Estado absolutista e o surgimento do Estado burguês.

O Estado burguês é um produto direto do Estado absolutista, gerado pela tomada do


poder político e de sua maquinaria institucional pela classe burguesa. Mas é também
uma negação desse último, pois o Estado burguês clássico da época da ascensão
vitoriosa do capital industrial era um “Estado fraco" por excelência – porque se fazia
acompanhar pela demolição sistemática do intervencionismo econômico dos Estados
absolutistas, que impedira o livre desenvolvimento da produção capitalista enquanto
tal. [...] (MANDEL, 1923, p. 335)

Tais comerciantes investiram mais em equipamentos e foram aos poucos se tornando


donos dos meios de produção. Emergem os patrões e a produção salta da simples para uma
produção mercantil do tipo capitalista. O trabalho pessoal desaparece e o capitalista se torna
o dono dos meios de produção para produzir mercadorias.

1.3 Capitalismo, a força de trabalho e exploração da classe trabalhadora.

Gorender (1985) ao escrever o prefácio do livro “O Capital” de Karl Marx, (1985) nos
ajuda a compreender dois pontos importantíssimos no capitalismo. O primeiro deles diz
respeito a uma mercadoria bastante especial – a força de trabalho. Em suas palavras:
Apenas uma mercadoria pode produzir um valor superior ao que foi gasto por ela
dentro da empresa; o trabalho humano. É apenas a força de trabalho que transforma
a natureza e produz um novo produto e, por isso, gera um valor superior. Se no
capitalismo a força de trabalho é tratada como uma mercadoria igual às demais
‘trata-se, contudo, de mercadoria especial, a única cujo uso consiste na criação de
valor e mais-valia’. (MARX, 1986, p. XIX)

Em vista disso, se observa como o trabalho humano se converte em instrumento de


exploração da classe trabalho e de extração da mais-valia. Vale salientar que no feudalismo já
se trabalhava em troca de alguma recompensa que poderia ser dinheiro ou alimentação. Numa
relação simples o trabalhador receberia algo em troca, mas o valor era calculado de forma
simples, visando atender suas necessidades básicas de sobrevivência (que tinha a posse dos
meios de produção) e do senhor que acumulava pouco.
34

O segundo ponto é que para Gorender (Ibidem) o capital é relação social – relação de
exploração (do capitalista sobre os operários), ou seja, da relação Capital/Trabalho.
Ao invés de coisa, o capital é relação social, relação de exploração dos operários
pelos capitalistas. As coisas – instalações, máquinas, matérias-primas etc. –
constituem a encarnação física do trabalho acumulado para servir de capital, na
relação entre o proprietário dessas coisas e os operários contratados para usá-las de
maneira produtiva. (MARX, 1985, Tomo1, p. XXXVII).

O autor, ao explicar como se dá a encarnação física do trabalho acumulado (as coisas),


entre as quais cita: instalações, maquinários e materias- primas, que servem de capital se
constituem o elo entre essas coisas e os operários que são contratados para usá-las de maneira
produtiva. Mas, não é suficiente pensar que qualquer trabalho acumulado é capital, é preciso
compreender que o capital supõe uma relação de exploração, pois ao subsumir o trabalho, o
capital o converte em instrumento de exploração. Exploração da classe trabalhadora.
Pois bem, o capitalista compra a força de trabalho dos trabalhadores pelo seu valor,
paga-lhes um salário que corresponde da sua reprodução. [...] Mas, a força de
trabalho possui uma qualidade única, um traço que a distingue de todas as outras
mercadorias: ela cria valor – ao ser utilizada, ela produz mais valor que o necessário
para reproduzi-la, ela gera um valor superior ao que custa. E é justamente aí que se
encontra o segredo da produção capitalista: o capitalista paga ao trabalhador o
equivalente ao valor de troca da sua força de trabalho e não o valor criado por ela na
sua utilização (uso) – e este último é maior que o primeiro. O capitalista compra a
força de trabalho pelo seu valor de troca e se apropria de todo o seu valor de uso.
(NETTO E BRAZ, 2009, p. 100).

Ao analisar a utilização da força de trabalho no capitalismo, percebemos como o


salário se constitui parte dos mecanismos de exploração da classe trabalhadora. Assim sendo,
o que paga essa força de trabalho é denominado salário, mas os autores chamam atenção para
o traço mais importante que distingue a força de trabalho de qualquer outra mercadoria: o de
produzir mais valor que o necessário ao ser utilizada.
Parafraseando Paiva (2014), entende-se que a única possibilidade de sobrevivência
para a classe trabalhadora, após se ver livre das amarras da servidão, no modo de produção
capitalista, se dá por meio da venda da força de trabalho.
Porém, antes de discutir a exploração do trabalho humano na sociedade capitalista é
importante ponderar a respeito das análises de Marx (1985) a respeito da mercadoria na
sociabilidade em tela:
A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece
como uma “imensa coleção de mercadorias”, e a mercadoria individual como sua
forma elementar. [...]. (MARX, 1985, p.45).

Diante do exposto por Marx (Ibidem) se observa alguns pontos fulcrais sobre a
mercadoria. A primeira delas é que a mercadoria é uma coisa, em segundo lugar é algo
35

externo ao homem, em finalmente que deve ter uma utilidade. Assim deverá possui valor de
uso e também valor de troca.
O valor de troca aparece, de início, como a relação quantitativa, a proporção na qual
valores de uso de uma espécie se trocam contra valores de uso de outra espécie, uma
relação que muda constantemente no tempo e no espaço. O valor de troca, parece,
portanto, algo casual é puramente relativo: um valor de troca imanente, intrínseco à
mercadoria (valeur intrensèque), portanto uma contradiction in adjecto. [...]
(MARX, 1985, p.46)

Mas, como este valor de troca é calculado? A mercadoria é produto do trabalho


humano, mas seu valor de troca é calculado por uma quantidade média de trabalho empregado
em sua produção (trabalho socialmente necessário). Netto e Braz (2009) asseveram:
O valor de uma mercadoria é a quantidade de trabalho média, em condições
históricas dadas, exigida para a sua produção (trabalho socialmente necessário); tal
valor só pode manifestar-se quando mercadorias diferentes são comparadas no
processo de troca – isto é, através do valor de troca: é na troca que o valor das
mercadorias se expressa. (NETTO E BRAZ, 2009, p.88).

Diante do exposto, elencam-se os seguintes elementos, postos em discussão:


Mercadoria; Valor de uso; Valor de troca; Força de Trabalho; Relações Sociais. Os autores
supramencionados afirmam que o modo de produção capitalista pode ser caracterizado como
o modo produção de mercadorias. Para eles, portanto:
Mas, historicamente, quando até a força de trabalho se converte em mercadoria, está
posta a possibilidade de mercantilizar o conjunto das relações sociais – isto é: não
somente de introduzir a lógica mercantil (compra e venda) em todas as relações
econômico-materiais, mas também, de generalizá-la às outras relações sociais. Nas
sociedades onde impera o modo de produção capitalista, quanto mais este se
desenvolve, mais a lógica mercantil invade, penetra e satura o conjunto das relações
sociais: as operações de compra e venda não se restringem a objetos e coisas – tudo
é objeto de compra e venda, de artefatos materiais a cuidados humanos. O modo de
produção capitalista universaliza a relação mercantil. É nesse sentido que,
estruturalmente, ele pode ser caracterizado como o modo de produção de
mercadorias. (IBIDEM, 2009, p.85- grifos originais).

Ora, a lei do valor passa a regular as relações econômicas que se universalizam sob a
égide do capitalismo. Sobre essa base, surge uma relação específica da produção e a
reprodução do capitalismo (a relação mercantil). A origem da exploração da força de
trabalho14.
[...] o trabalho, entretanto, o qual constitui a substância dos valores, é trabalho
humano igual, dispêndio da mesma força de trabalho do homem. A força conjunta
de trabalho da sociedade, que se apresenta nos valores do mundo das mercadorias,
vale aqui como uma única e a mesma força de trabalho do homem, não obstante ela
ser composta de inúmeras forças de trabalho individuais. Cada uma dessas forças de
trabalho individuais é a mesma força de trabalho do homem como a outra, à medida
que possui o caráter de uma força média de trabalho social, e opera como tal força

14
O valor (de troca) atribuído às mercadorias será regulado de acordo com a quantidade de trabalho socialmente
necessário para sua confecção, conforme aponta Marx.
36

de trabalho socialmente média, contato que na produção de uma mercadoria não


consuma mais que o trabalho em média necessário ou tempo de trabalho socialmente
necessário. [...]. (MARX, 1985, p.48).

Por conseguinte, nas sociedades capitalistas as relações sociais (entre classes


antagônicas) são mediadas pelo trabalho. Porém, a classe explorada (a classe trabalhadora)
que atua no momento da produção, fica de fora da divisão da riqueza produzida. Pois a
apropriação da riqueza é privada e monopolizada pela burguesia. Eis a contradição entre
capital X trabalho.
Marx (2010) ao refletir sobre o valor do trabalho, contido na força de trabalho,
apresenta duas conclusões: a primeira diz respeito ao valor da força de trabalho que toma a
aparência do próprio trabalho e a segunda que, apenas uma parte desse trabalho é paga, mas,
essa expropriação fica tão encoberta que, aparentemente todo o trabalho é pago e, conclui:
Essa falsa aparência distingue o trabalho assalariado das outras formas históricas do trabalho.
[...] (MARX, 2010, p.116).
À medida que o capitalismo se propaga, ideologicamente, os discursos produzidos
pela classe burguesa, visam naturalizar a exploração capitalista. Ao se esmerar por controlar o
processo de trabalho, um “certo comportamento padrão”, foi sendo desenhado, com a
intenção de manutenção da ordem do capital, imprimindo à classe trabalhadora uma postura
de aceitação da ordem, não apenas no chão da fábrica, mas em sociedade (WELLEN e
WELLEN, 2010, p. 20- 38).
É possível perceber na teia da sociabilidade capitalista, como a força de trabalho é
utilizada pelos capitalistas que vivem da exploração desta força e que sobre ela incide a
extração da mais-valia. Maranhão (2008) observa que:
O capital, por sua vez, objetiva, com a compra da força de trabalho, produzir
mercadorias que contenham mais trabalho do que ele paga ao trabalhador e cuja
venda realiza a mais-valia obtida gratuitamente. (MARANHÃO, 2008, p.100)

O trabalhador, despossuído dos meios de produção, tem apenas a sua força de trabalho
e, assim ao chegar à velhice o que resta ao trabalhador, nesta relação social? Evidentemente, o
modo de produção capitalista não se restringe a esfera da produção, embora seja enfatizada há
ainda consumo e circulação.
Para Marx (2010), o valor da força de trabalho, no capitalismo, é medida como o de
qualquer mercadoria. A partir das observações dos seus escritos, percebemos que há dois
grupos bastante distintos neste modo de produção: de um lado estão os compradores da força
de trabalho – estes possuem terras, maquinários, matérias-primas e meio de vida – e, do outro
lado estão os vendedores de sua força de trabalho que possuem-na apenas, e que ao vendê-la
37

enriquece o primeiro grupo, mas ganha apenas o suficiente para sobreviver. É o autor quem
traz a reflexão sobre a necessidade de substituição do homem (e da mulher também, óbvio)
como se fosse uma máquina desgastada. Em suas palavras:
[...] A força de trabalho de um homem consiste, pura e simplesmente na sua
individualidade viva. Para poder se desenvolver e se manter, um homem precisa
consumir uma determinada quantidade de meios de subsistência. Mas o homem,
como a máquina, desgasta-se e tem de ser substituído por outro homem. Além da
quantidade de meios de subsistência necessários para o seu próprio sustento, ele
precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para criar determinado número de
filhos, que terão de substituí-lo no mercado de trabalho e perpetuar a classe de
trabalhadores [...] (MARX, 2010, p.111-112).

Ao analisar a afirmativa do autor (Ibidem) sobre o momento em que o homem é


comparado com uma máquina que se “desgasta” e precisa ser substituído, refletimos a
complexidade que o aumento da longevidade humana ocasiona para a classe trabalhadora. Em
primeiro lugar sobre o fato de tal classe, ao envelhecer se ver perdendo a possibilidade de
continuar vendendo a sua força de trabalho e, portanto, a sua própria sobrevivência, ao ser
descartado do mundo produtivo.
E, finalmente sobre a maneira pela qual o modo de produção capitalista, reproduz
ideologicamente, a necessidade desta classe se manter cumprindo esta função de vendedora de
sua força de trabalho (perpetuando esta relação de exploração) até se desgastar, como se fora
uma máquina. Conforme aponta Marx (1988) a produção da mais-valia é a lei absoluta do
modo de produção capitalista. Em suas palavras:
[...] A lei da acumulação capitalista, mistificada em lei natural, na realidade só
significa que sua natureza exclui todo decréscimo do grau de exploração do trabalho
ou toda elevação do preço do trabalho que possam comprometer seriamente a
reprodução contínua da relação capitalista e sua reprodução em escala sempre
ampliada. E tem de ser assim num modo de produção em que o trabalhador existe
para as necessidades de expansão dos valores existentes, ao invés de a riqueza
material existir para as necessidades de desenvolvimento do trabalhador. Na religião
o ser humano é dominado por criações de seu próprio cérebro; analogamente, na
produção capitalista, ele é subjugado pelos produtos de suas próprias mãos. (MARX,
1988, p. 720).

Nesse sentido, é possível afirmar que a lei da acumulação capitalista, não visa apenas
aumentar o grau de exploração da força de trabalho e evitar a elevação do preço desta força,
mas principalmente manter, em escala sempre ampliada, a reprodução continua da relação
capitalista.
Assim, reflete que o trabalhador existe para que a expansão dos valores existentes,
neste modo de produção e não o contrario. O Exército Industrial de Reserva ou
Superpopulação Relativa ou varia de acordo com o movimento do capital, conforme aponta
Marx.
38

A condenação de uma parte da classe trabalhadora à ociosidade forçada, em virtude


do trabalho excessivo da outra parte, torna-se fonte de enriquecimento individual
dos capitalistas e acelera ao mesmo tempo a produção do exército industrial de
reserva, numa escala correspondente ao progresso da acumulação social. [...].
(IBIDEM, 1988, p.738).

Ao desvelar sobre as formas de existência da Superpopulação Relativa, Marx (Ibidem)


observa como esta categoria é bastante heterogênea e multifacetada. Ele descreve as três
formas principais, pelas quais a superpopulação relativa se manifesta: flutuante, latente e
estagnada.
A superpopulação relativa existe sob os mais variados matizes. Todo trabalhador
dela faz parte durante o tempo em que está desempregado ou parcialmente
empregado. As fases alternadas do ciclo industrial fazem-na aparecer ora em forma
aguda nas crises, ora em forma crônica, nos períodos de paralisação. Mas, além
dessas formas principais que se reproduzem periodicamente assume ela,
continuadamente, as três formas seguintes: flutuante, latente e estagnada. (MARX,
1988, p. 744).

A primeira delas é a forma flutuante. Nela estão os trabalhadores das indústrias,


fábricas e empresas que geralmente oscilam entre contratações e demissões. Marx já
mencionava naquela ocasião tanto a exploração do trabalho infantil quanto do trabalho das
mulheres. Relata, inclusive, que em virtude das condições precárias, os trabalhadores da
grande indústria, tinham menor duração de vida. (Ibidem, p.745).
A forma latente está ligada ao campo – o fluxo constante de Migração e pode ser
verificada ao se observar como as técnicas capitalistas expulsam o homem do campo para as
cidades.

[...] Mas, seu fluxo constante para as cidades pressupõe no próprio campo uma
superpopulação supérflua latente, cuja dimensão só se torna visível quando, em
situações excepcionais se abrem todas as comportas dos canais de drenagem. Por
isso, o trabalhador rural é rebaixado ao nível mínimo de salário e está sempre com
um pé no pântano do pauperismo. (IBIDEM, 1988, p. 745-746).

A estagnada está constituída por trabalhadores em situação irregular: São os


supérfluos; os precários e os temporários. O autor divide esta forma em três categorias e
enfatiza o seguinte a respeito desta forma de Superpopulação: [...] o mais profundo sedimento
da superpopulação relativa vegeta no inferno da indigência, do pauperismo. [...]. (MARX,
Ibidem, p. 147).
Para Marx pauperismo e superpopulação relativa surgem atrelados, inclusive ao citar
os aptos para o trabalho (primeira categoria estagnada), ele desvela sobre as estatísticas
inglesas sobre o pauperismo que aumenta nas crises e diminuem diante da reação positiva dos
negócios. Afinal quem são os aptos para o Trabalho? Aqueles e aquelas que ao serem
39

descartados nos períodos de crise experimentam a indigência; logo depois vêm os filhos e os
órfãos desses indigentes, que também podem ser incorporados (ou não), mas isso vai
depender da conjuntura e, em terceiro lugar estão os que Marx denomina como: degradados;
desmoralizados e incapazes para o trabalho. Em suma:
[...] São notadamente os indivíduos que sucumbem em virtude de sua incapacidade
de adaptação, decorrente da divisão do trabalho; os que ultrapassam a idade normal
de um trabalhador, e as vitimas da indústria, os mutilados, enfermos, viúvas etc. [...].
(MARX, 1988, p. 747).

Já mencionamos que na época da pesquisa realizada por Marx, o tempo de vida da


classe trabalhadora era exíguo, em virtude das precárias condições que estava submetida.
Desta feita, naquela época, a classe trabalhadora morria na idade mediana, conforme ele
relata. Ultrapassar a “idade normal de um trabalhador”, citada por ele, não chega a ser a
velhice que ora experimentamos, mas, especificamente, surge relacionado com o pauperismo
e indulgência.
A classe trabalhadora, nesta sociabilidade capitalista, sobrevive de vender sua força de
trabalho e só dispõe disso. Maranhão (2008) ao discorrer sobre os paradoxos presentes no
sistema capitalista declara que tal sistema, ao visar maior capacidade produtiva, vai promover
avanços nos campos da ciência e tecnologia, entretanto, amplia desigualdade social, pobreza e
miséria, por outro lado. O autor explica que o capital apresenta uma dinâmica negativa que
empobrece os trabalhadores enquanto eles produzem a riqueza social. Assim, esta faceta se
constitui uma das principais características do modo de produção capitalista. Ele pondera
ainda a respeito da consolidação desta dinâmica e elucida que a grande indústria moderna se
tornou seu maior instrumento de acumulação privada. Riqueza e degradação são produzidas
na mesma proporção, de acordo com o autor. (MARANHÃO, 2008, 93 - 101).
O surgimento da indústria, para Maranhão (2008, p. 101), reflete a maneira pela qual a
lei geral de acumulação capitalista busca incorporar cada vez mais maquinários e técnicas,
potencializando assim a extração da mais-valia e a descartabilidade15 da força do trabalho, ou
seja, na capacidade de transformar uma massa cada vez maior em um exército de homens e
mulheres que estarão de fora do processo produtivo, ou seja, desempregados e, portanto, sem
as condições mínimas do autossustento e provisão de suas necessidades.
Paiva (2014), ao analisar as formas de superpopulação relativa, na perspectiva
apontada por Marx, chega à conclusão que a população idosa, na contemporaneidade,
experimenta o subemprego, a reinserção precarizada no mundo do trabalho, bem como a

15
Terminologia utilizada por Maranhão pelo autor.
40

responsabilização de manutenção de seus entes, por meio dos proventos oriundos da


aposentadoria. Para a autora:
Sem embargo, as manobras da ofensiva neoliberal vão atingir o segmento mais
velho da classe trabalhadora, principalmente, mediante estratégias que o detenham
ou o remetam de volta ao mercado de trabalho, não livrando esse segmento dos
mecanismos mais bárbaros de exploração. Seja pela via do subemprego, da
precarização, seja pela via da “provedoria” de seus descendentes etc. [...] (PAIVA,
2014, p.127).

Tendo em vista que neste modo de produção a classe trabalhadora pobre possui apenas
a sua força de trabalho, alcançar a velhice e perder o vínculo com o mundo do trabalho
(desempregado ou inserido de forma precária – pela via da informalidade), pode acarretar
reflexos nos âmbitos sociais, econômicos e culturais. A autora ao comentar a esse respeito e
do alcance mundial que este fenômeno alcança, assegura:
Nunca se trabalhou tanto! Nessa trama, as velhas e velhos trabalhadores (as) quase
invisíveis, do ponto de vista do foco do Estado, não fosse a atual magnitude do
impacto do envelhecimento senil na agenda das políticas públicas, sobrevivem e são
provedores de suas famílias à custa dos direitos trabalhistas por eles (as) mesmos
(as) conquistados, cuja longevidade lhes permite ver agora (sendo)
desregulamentados. (PAIVA, 2014, p. 129).

Neste sentido, a posição de classe é condição essencial, tanto para discutir as questões
da Superpopulação Relativa, ou Exército Industrial de Reserva, bem como acerca dos
rebatimentos do aumento populacional da classe trabalhadora envelhecente na
contemporaneidade frente às condições objetivas vivenciadas por este segmento.

1.4 A questão da longevidade no capitalismo

A questão da longevidade da população tem trazido à tona, discursos que defendem a


ampliação do tempo de exploração do trabalho humano. Evidentemente, não raro, a população
idosa, é mencionada e mensurada por meio das projeções demográficas. Tal população tem
sido mencionada como “população não economicamente ativa”, nas cartilhas que trazem os
dados demográficos oficiais, para suas respectivas análises. O Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) utiliza o conceito: População Economicamente Ativa (PEA) e
explica que a referida população é formada pelas pessoas com idade entre 10 (dez) e 65
(sessenta e cinco) anos de idade. O IBGE esclarece ainda que, tais pessoas serão classificadas
como “ocupadas ou desocupadas na semana de referência da pesquisa”. Há também uma
41

razão de dependência ou peso da população que serve para comparar ou medir as duas
populações: a ativa e a inativa16.
Geralmente quando se discute a temática do envelhecimento, a ênfase se dá no
aumento populacional, porém, Bernardo (2017, p.54) ao debater sobre a velhice da classe
trabalhadora observa ser importante ir além dos indicadores: etário; alterações biológicas,
ponto de vista fisiológico e do argumento do aumento demográfico dessa população, e alerta
sobre a necessidade de se levar em conta a processualidade histórica, considerando, inclusive
a maneira como a força de trabalho tem sido expropriada.
Assim o número de idosos (as) tem sido apresentado por especialistas como classe
onerosa aos cofres públicos e a sociedade. Mas, afinal que segmento é este que, supostamente,
onera o Estado? A que classe pertence? Sem questionar se classe trabalhadora pobre terá as
mesmas condições que a rica ao envelhecer, esta fase é tida como “a fase da aposentadoria”.
Porém, o que para alguns pode representar a época da liberdade para o lazer e o ócio. Para a
classe trabalhadora pobre, tem representado a época de desligamento oficial do mundo do
trabalho, de desemprego ou subemprego e desproteção social. Deste modo reflete o
antagonismo entre as classes neste modo de produção capitalista.
Desta maneira, ressalta-se a importância de pontuar que nosso estudo, embora não
desconsidere as condições subjetivas (como cada sujeito se vê na condição de velho nesta
sociabilidade), nossas discussões estarão centradas nas condições objetivas (materiais) de vida
e, pretende destacar a situação da classe trabalhadora pobre que envelhece sob o ditame
capitalista.
A respeito da longevidade humana, Beauvoir (1990) ressalta ter ocorrido um aumento
significativo na Europa, a partir do século XVIII. Porém, a autora destaca que tais condições
favoreceram apenas as classes privilegiadas, pois a expectativa de vida das pessoas
pertencentes às classes inferiores era de menos dez anos. E, isto se dava em virtude da
pobreza e fadiga que estavam submetidas. Beauvoir (Ibidem, p.221-222) observa que: [...] Na
medida em que os explorados conseguiam sobreviver até uma idade avançada, a velhice deles
condenava-os à indigência. Surgem algumas ações pontuais que visavam dar conta da questão
que ora se apresentava, tais como: a lei de Chapelier que proibiu o funcionamento das
Sociedades mútuas de previdência que tinham surgido na Europa central desde o século XIV,
e desta feita, para os idosos, restava apenas os auxílios da igreja.

16
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). CONCEITOS:
https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm Acesso
em 14 de outubro de 2018
42

O impulso demográfico ocorridos na Europa no século XIX e seus efeitos nefastos


vivenciados pelas pessoas idosas será discutido no capitulo a seguir. A Revolução Industrial,
portanto, por meio do processo de reestruturação produtiva (Taylorismo) também é elencado
em sua assertiva, refletirá negativamente nas condições de vida da classe trabalhadora, atinge
a velhice urbana e rural. As pessoas que envelhecem no campo, vivenciam situações
degradantes, mencionadas pela autora. É uma velhice, desprotegida, conforme seus relatos:
[...] Ao envelhecerem, não tinham mais força para continuar a cultivar sua terra, e
não tinham poupado a quantia necessária para pagar mão-de-obra estranha. Ficavam
a mercê dos filhos. Estes viviam à beira da miséria, e não tinham com que sustentar
bocas inúteis. Às vezes, desembaraçavam-se delas, abandonando-as ao asilo. Em
1804 diretor do asilo Montrichard indignava-se “Os velhos devem trazer e deixar no
asilo tudo que possa pertencer-lhes; entretanto, descendentes desnaturados trazem
seus velhos parentes e, antes de deixá-los nas salas, despojam-nos até mesmo de
suas roupas”. [...] (BEAUVOIR, 1990, p.237-238 – grifos da autora).

Com base em relatos de autores renomados, na segunda metade o século XVI, uma
corrente sentimental influenciou o pensamento da opinião pública da época, contribuindo
assim, para o surgimento da lei de 1782 que concedeu às paróquias a possibilidade de se
agruparem em unions para cobrança de um tipo de taxa dos pobres. Beauvoir (Ibidem) declara
dois pontos primordiais que ocorrem neste contexto: O primeiro está relacionado com o
reconhecimento da necessidade de intervenção por parte do Estado e o segundo, tem a ver
com as lutas operárias por direitos.
[...] O Estado parecia reconhecer que todo homem tem direito à existência. Foi o que
afirmaram em 1785, os magistrados reunidos em Speehamland: se um homem não
pode ganhar a vida trabalhando, a sociedade deve assegurar sua subsistência. A
assistência pública foi reformada neste sentido: a miséria dos deficientes e dos
velhos foi um pouco atenuada. Por outro lado, as coalizões operarias multiplicaram-
se para lutar contra o patronato, mas também para segurar-se mutuamente contra o
desemprego e a doença. (IBIDEM, 1990, p.222)

Mas os apontamentos das autoras Behring e Boschetti (2009) permitem que se tenha
mais detalhes a respeito das referidas ações, embora a velhice não seja o tema central das suas
análises. Assim, relatam que entre as legislações, consideradas seminais, as inglesas são as
mais citadas frequentemente. Ainda conforme as autoras: o Estatuto dos Trabalhadores
(1349); Estatuto dos Artesãos (1563); A lei dos Pobres elisabetanas (1531- 1601); Lei de
Domicílio (1662); Speenhamland Act (1795); Lei Revisora das Leis dos Pobres, ou Nova Lei
dos Pobres (1834), e, comentam que tais legislações não possuíam caráter protetor, ao
contrario reprimiam e puniam.
Em geral, ao se comentar a respeito das políticas sociais, é comum ter associado à
visão de política, qualquer ação planejada pelo Estado.
43

Para uns, política pública é apenas o output (resultado) da atividade política dos
governos o que denota uma visão parcial e pragmática. Isso porque, ela também
contempla inputs (demandas externas, provenientes da sociedade), além de
comportar correlação de forças, estratégias de implementação de decisões e a
própria com seus respectivos impactos. Logo, a política também está relacionada a
conflitos de interesses e é resultante de decisões que visam administrar esses
conflitos. (PEREIRA, 2008, p. 06)

Contidas na política, portanto, estão às lutas que provocaram do Estado tal resposta.
Inclusive, o próprio formato de Estado – que neste caso especifico – possui elementos e
aparatos voltados para a manutenção do “status quo” do sistema capitalista, da exploração da
classe trabalhadora e que, portanto, reflete a luta de classes. Imbricado nas políticas sociais,
portanto, estão a formatação do Estado capitalista e sua relação com as multifacetadas
expressões da questão social.

1.5 O que os conceitos sobre a velhice nos dizem?

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há um corte etário que


define a condição de pessoa idosa. Nos países desenvolvidos, tal corte se dá a partir dos 65
(sessenta e cinco) anos. Porém, se estas pessoas residem em países, considerados em
desenvolvimento – como é o caso do Brasil – 60 (sessenta) anos é o marco estabelecido. Esta
idade (cronológica) tem sido utilizada como parâmetro nas legislações e em muitos
documentos que servem de base para definir, disciplinar e organizar o universo da velhice,
bem como nas ações tomadas pelo próprio Estado, sob a forma de políticas públicas voltadas
para esta parcela da população, dentre as quais, citamos: a Política Nacional do Idoso (PNI),
lei nº 8.842/1994 e o Estatuto do Idoso, lei nº 10.741/2003 – parâmetros para acesso às
Políticas Públicas voltadas para esta parcela da população.
O envelhecimento como um processo natural na vida do ser humano envolve fases em
que a idade cronológica é apenas uma das dimensões apontadas. Ou seja, é importante
percebê-lo em suas “múltiplas dimensões”, visto que a cronologia pouco revela sobre as
particularidades e singularidades das pessoas que vivem em sociedade e envelhecem,
conforme apontam Mendes et al:
[...] o envelhecimento é entendido como parte integrante e fundamental no curso de
vida de cada indivíduo. É nessa fase que emergem experiências e características
próprias e peculiares, resultantes da trajetória de vida, na qual umas têm maior
dimensão e complexidade que outras, integrando assim a formação do indivíduo
idoso. (MENDES ET AL, 2005, p.424),
Desse modo, o envelhecimento, além de se apresentar como um processo contínuo que
perpassa toda a existência humana é permeado de particularidades vivenciadas por esses
44

sujeitos de forma coletiva e individual. Sendo portanto, um processo complexo, dinâmico e


heterogêneo.
Teixeira (2008; 2017) enfatiza que não existe uma teoria única sobre o envelhecimento
e velhice. Em regra geral este tema tem sido abordado ou explicado a partir dos aspectos
sociais, comportamentais e biológicos. Ela pondera sobre três tendências mais comuns sob as
quais tais pesquisas têm centrado, conforme elencado por Guita Grin Debert em artigo
publicado no ano de 1992, e reitera sobre importância de se realizar uma abordagem que trate
do assunto de forma heterogênea. Teixeira elenca os fatores psicológicos, culturais, genético-
biológicos e pondera que tais distinções contornam o envelhecimento humano um fenômeno
biopsicossocial. Mas, enfatiza a condição de classe, como o fator preponderante. Em suas
palavras:
Entretanto, o homem não vive em seu estado natural. Antes , ao contrário, por seu
trabalho, a natureza é constantemente transformada; observa-se, inclusive, o homem
transformando a si próprio e aos outros. Nessa perspectiva, circunstâncias
socioeconômicas, e de forma mais ampla, a posição de classe, além de fatores
psicológicos, culturais, genético-biológicos, criam distinções no modo como se
envelhece. (TEIXEIRA, 2017, p.32)

Silva (2005) afirma que nas pesquisas realizadas sobre o processo de envelhecimento,
há uma tendência de se enfatizar a dimensão cronológica. Porém, a autora ressalta haver mais
03 (três) dimensões para refletir sobre a velhice, são elas: a idade biológica; a psicológica e a
idade social. Neste sentido, a velhice é uma experiência particular ou individual, porém é
importante destacar que, como acontece em todas as faixas etárias, não se dá de forma
isolada, pois reflete e traduz os conceitos produzidos e reproduzidos coletivamente.
Destarte, a questão geracional a que se vincula a pessoa idosa está inserida no campo
das relações sociais, sendo por elas determinadas. Conforme assertiva de Paiva (2014), o
envelhecimento humano está permeado por múltiplas determinações, a autora menciona que
nesta sociedade moderna é de suma importância levar em consideração a estrutura de classes,
tendo em vista que a velhice está condicionada pelas relações sociais.
Em suas palavras:
[...] na sociedade moderna, a velhice é desvelada como um processo não meramente
natural, não essencialmente casual, na medida em que está condicionada pelas
relações sociais, isto é, pela estrutura de classes, que se sobrepõe aos fatores
biológicos e cronológicos do envelhecimento humano. [...] (PAIVA, 2014, p.35)

Neste processo de desvelamento, a questão de classe é elementar, caso contrário, a


questão tenderia a ser tratada de forma homogênea, encobrindo as contradições inerentes ao
modo de produção vigente.
45

Biologicamente, a velhice pode ser considerada como o último estágio na vida dos
seres humanos, e o envelhecimento parte de um processo contínuo e permeado das
particularidades vivenciadas pelos sujeitos de forma individual e/ou coletiva. Sendo assim,
este “destino biológico” varia de acordo com o contexto (econômico, histórico, social e
cultural) vivenciado e construído em sociedade, bem como tem relação com as condições
objetivas destes sujeitos.
A multiplicidade do envelhecimento é ressaltada por Beauvoir (1990) ao apresentar
sua obra e analisar que, apesar do esforço, não tem intenção definir a velhice. Porém um fator
é considerado por ela como determinante – a luta de classes:
[...] constataremos, ao contrário, que ela assume uma multiplicidade de aspectos,
irredutíveis uns aos outros. Tanto ao longo da história como hoje em dia, a luta de
classes determina a maneira pela qual um homem é surpreendido pela velhice; um
abismo separa o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de
pensão miserável e um Onassis. A diferenciação das velhices individuais tem ainda
outras causas: saúde, família etc. Mas são duas categorias de velhos (uma
extremamente vasta, e outra reduzida a uma pequena minoria) que a oposição entre
exploradores e explorados cria. Qualquer afirmação que pretenda referir-se a velhice
em geral deve ser rejeitada porque tende a mascarar esse hiato. (BEAUVOIR, 1990,
p.17)
Desta feita não há como pensar na velhice de forma homogênea, como se não
houvesse velhices diferenciadas. É relevante considerar, portanto, as questões: étnicas e
raciais; culturais; de gênero; as distinções entre as problemáticas enfrentadas pelas pessoas
velhas que habitam o campo e as que habitam na cidade, entre outras. Mas, principalmente
não há como discutir a respeito do envelhecimento desconsiderando a luta de classes.
Para Beauvoir (Ibidem, p.109) a imagem que temos sobre a velhice vai variar, de
acordo com os tempos, os lugares e as circunstâncias17. A referida autora comenta que
existem ritos de passagem, por exemplo, da adolescência para a idade adulta e a puberdade,
de certa forma marca esse rito, porém não ficam definidos os ‘ritos de passagem’ para a
velhice.
Desta imagem “incerta, confusa e contraditória” há um sentido que é propalado em
sociedade e que está intimamente ligada ao modo de produção vigente e, evidentemente, a
forma como cada ser humano sente as suas próprias experiências se pauta na produção

17
[...] Das mitologias, da literatura e da iconografia destaca-se uma certa imagem da velhice, variável de acordo
com os tempos e lugares. Mas que relação essa imagem sustenta com a realidade? É difícil determinar. A
imagem da velhice é incerta, confusa, contraditória. Importa observar que, através dos diversos testemunhos, a
palavra ‘velhice’ tem dois sentidos diferentes. É uma certa categoria social, mais ou menos valorizada segundo
as circunstancias. É para cada indivíduo, um destino singular – o seu próprio. [...] (BEAUVOIR, 1990, p. 109)
46

difundida acerca do que é velhice, tanto nos espaços acadêmicos quanto naquilo que é
reproduzido por meio do senso comum.
Ao analisar o livro da autora, observamos como a questão da longevidade humana foi
exceção durante longo período, principalmente entre os camponeses (conforme menciona).
Nota-se ainda, nestes relatos que o entendimento, cronológico do envelhecimento era
completamente diferente da idade utilizada como marco atual, pois ao completar 30 (trinta
anos) uma pessoa já era considerada velha, conforme se constata nas análises de Beauvoir ao
relatar uma fábula satírica, escrita nos idos do século XIII.
É preciso observar, por outro lado, que tanto entre homens, quanto entre as
mulheres, eram muito raras pessoas de idade avançada. No povo, praticamente não
eram encontradas. Para os camponeses, dadas as condições de vida, trinta anos já
representavam muita idade. Uma fábula satírica do século XIII, que gaba os méritos
de uma fonte da juventude, afirma: ”Logo não haverá mais homem velho de cabelos
brancos, nem, também, mulher velha, encanecida e grisalha, ainda que tenham
atingido a idade de 30 anos”. (BEAUVOIR, 1990, p. 169).

Evidencia-se, portanto, na literatura apresentada, dois pontos aceca da repugnância


pelas pessoas mais velhas. O primeiro deles é a questão da misoginia, pois as mulheres, em
sua maioria eram retratadas como bruxas ou medeias horripilantes. Quanto aos homens às
questões estavam mais ligada a virilidade, assim se evidenciava a impotência sexual e o
desejo pelas mulheres mais jovens, criticados e/ou satirizados se ocorressem durante a
velhice.
Paiva (2014) assevera que, nos primórdios da Idade Média, a igreja além de ser a
maior proprietária de terras, exercia, com tal dominação, hegemonia ideológica e cultural.
Nesta época, a autora destaca que o teocentrismo era referencia da doutrina cristã na Europa
Ocidental. Deste modo, a igreja prestava ajuda espiritual e a nobreza proteção militar. Dentre
outras observações feitas por ela, destacamos ainda o fator econômico, pois em suas palavras:
a vida econômica não dependia essencialmente da utilização da moeda, não se produzia em
larga escala. Neste sentido, pondera que o servo em conjunto com a sua família, além de
cultivar o alimento, fabricavam, apenas os objetos de que lhes fossem necessário. A autora
conclui que tanto o tempo de vida das pessoas quanto o tempo de trabalho das pessoas era
organizado de uma forma bem diferente do que começará a acontecer no modo de produção
típico do capital.
[...] Houve, de fato, na história da humanidade, esse tempo quando a vida e o
trabalho acompanhavam a trajetória diária do sol, do ciclo da lua, das estações do
ano, do curso de vida humana. O tempo de trabalho estava organizado e dividido em
função de uma dinâmica familiar, havendo a mediação por gênero e geração.
(PAIVA, 2014, p. 51).
47

Portanto, conforme se observa, ao se complexificar as relações de produção, reverbera


– ideologicamente – os modos de pensar o tempo de vida dos seres humanos, tais como a
invenção da velhice e da infância e do tempo ligado à produção e reprodução de um
específico modo de exploração de uma classe sobre a outra.
Neste sentido, o envelhecimento, longe de ser um processo multidimensional; a
velhice, longe de ser a fase que completa o curso de vida humana; e o homem velho,
a mulher velha, longe de serem indivíduos que viveram muito tempo, são conceitos
que traduzem sistemas de ideias e (des) valores que elegem a juventude como uma
fase que, na contemporaneidade, será apartada do curso de vida para representar um
ideal a ser alcançado, independentemente da idade de quem o tente alcançar. Mas,
por outro lado, não é possível esquecer que o envelhecimento humano não se limita
aos aspectos biológicos, sendo também um processo cultural, devendo, portanto, ser
apreendido no movimento histórico das relações de produção e reprodução social.
(PAIVA, 2014, p. 142- grifos originais).

A juventude enaltecida, como a fase ideal e que deve ser perseguida e se


consubstancia nos idos atuais em muitos discursos produzidos sobre ser velho de alma jovem.
Em diversas citações de Beauvoir (1990), a busca pela fonte da juventude e o enaltecimento
da beleza, a coragem desta fase se contrapõe aos aspectos do homem e da mulher que chegam
a velhice, em geral: razinza, egoísta e sem perspectiva.
No capitalismo, o curso da vida humana – seu tempo de vida é tempo de trabalho, ou
seja, de venda de trabalho. Karl Marx (1985), ao discorrer sobre as questões da luta pela
jornada normal de trabalho, escreveu:
Entende-se por si, desde logo, que o trabalhador, durante toda a sua existência, nada
mais é que força de trabalho e que por isso, todo seu tempo disponível é por
natureza e por direito tempo de trabalho, portanto, pertencente a autovalorização do
capital. [...] (MARX, 1985, p. 211)

O autor segue elencando que o capital usurpa do ser humano um tempo que ele (o ser)
utilizaria para seu próprio desenvolvimento e manutenção da sua saúde, como por exemplo,
para dedicar-se a educação e o desenvolvimento intelectual; convívio social; jogos; entre
outros. Afirma, inclusive, que diante de tantas horas do seu tempo dedicadas exclusivamente
ao capital, o ser humano reduziria seu tempo de vida:
A produção capitalista, que é essencialmente produção de mais-valia, absorção de
mais-trabalho, produz, portanto, com o prolongamento da jornada de trabalho não
apenas atrofia da força de trabalho, [...]. Ela prolonga o tempo de produção do
trabalhador num prazo determinado mediante o encurtamento de seu tempo de vida.
(IBIDEM, 1985, p. 212).

Desta forma, o ser humano é disciplinado a contar seu tempo de vida como tempo de
trabalho, ou seja, tempo de venda da força de trabalho. Assim quando o trabalhador
envelhece, os discursos propagados neste modo de produção nega, inclusive que seja possível
uma vida plena sem esta ligação.
48

A respeito do tempo, Teixeira (2008, p.71-72) afirma que o capitalismo se distingue


das sociedades que o antecedem, pela imposição de um tempo que vai além do tempo linear –
aquele medido cronologicamente – é a separação do tempo de trabalho e do tempo livre –
difunde a disciplina e a sincronização das tarefas.
Na ditadura do tempo abstrato, sob a injunção surda da concorrência de mercados
anônimos, em que “tempo é dinheiro”, “o tempo é tudo, o homem é nada”, a vida se
restringe ao trabalho, à aceleração do tempo socialmente necessário à produção. o
sentido da vida para os trabalhadores fica fora do local de trabalho – ou porventura
em parte alguma, porque a cadência do trabalho rege inteiramente todas as coisas.
[...] (TEIXEIRA, 2008, p. 72).

A autora adverte que esse domínio do capital ao tempo, não se restringe apenas ao
tempo de trabalho, apesar de ocupar toda a vida do trabalhador. Desta feita, há um domínio
superior do tempo.
Para Beauvoir (1990, p. 174-180) com o fim da idade média inicia-se o que ela
denominou patriciado urbano e, surgem duas correntes ideológicas que predominam na
iconografia sobre a velhice: A primeira delas é a religiosa e/ou espiritualista – que apesar de
assegurar que a velhice é o momento da salvação, evidencia o Cristo menino. Já a segunda
corrente, denominada pela autora como sendo de tradição pessimista e materialista, enfatiza a
decrepitude e as enfermidades desta fase da vida humana. Assim, se populariza a imagem da
reclusão, da solidão e da enfermidade. Como exemplo cita o general que após, envelhecido
que torna cego e tolo.
Conforme já ressaltamos a questão da misoginia e a ridicularização dos homens, de
forma mais contundente em seu aspecto sexual/viril. Há um silêncio ainda maior, que autora
enfatiza e, diz respeito à ausência de descrição de quaisquer elementos que apontem a velhice
das classes inferiores, ou seja, a menção era apenas sobre a classe dominante, em diversas
obras de arte e na literatura.
Por que terá o século XVI atacado os velhos com tanto encarniçamento? O pai
estava longe de deter a autoridade do paterfamilias romano. Aliás, não é bem ele o
injuriado: é o velho ricaço que se coloca como rival dos jovens. Nessa época, tanto
quanto nas precedentes, os velhos das classes inferiores não interessam a literatura.
É preciso, além disso, assinalar que os nobres e os patrícios não são atacados:
admite-se que eles detenham poder e fortuna por direito divino. Não se contesta a
hierarquia social estabelecida. [...] (BEAUVOIR, 1990, p.191).

No referido século, em pleno desenvolvimento do que ela denominou “primeiro


capitalismo”, o humanismo tenta ligar-se, sincreticamente ao evangelho, por meio de
linguagens que enaltecem a moral e a civilidade. Sem questionar o status quo (Ibidem, 1990,
p.173-191), uma “boa velhice” estaria condizente com a forma pela qual os indivíduos,
conduzissem suas vidas. Tais ponderações nos remetem a pensar nas (atualíssimas)
49

discussões, em torno do “Envelhecimento Ativo” – conceito tão presente nas políticas


públicas voltadas para a população idosa na contemporaneidade. Que desconsideram as
desigualdades sociais, as lutas de classes e homogeneízam as discussões, estimulando a
proposição de programas, projetos e serviços focados na responsabilização do indivíduo, da
família e da sociedade civil pelas condições postas ao envelhecimento.
Beauvoir (1990, p. 197) ao mencionar a comparação entre os estágios da vida humana
e os meses do ano se tornaram bastante populares, relata a existência dos “calendários”. Estes
são também, descritos pelo escritor Philippe Ariès (1981, p.201-202). O autor ao discorrer
sobre a iconografia da família18 e aos achados no museu Saint-Raimond, na cidade Toulouse,
revela que a veracidade de tais fragmentos foram atestadas e garante que sua datação do inicio
da segunda metade do século XVI, tendo em vista os trajes desta época, contido nas
imagens.
Tanto Beauvoir quanto Ariès relatam a velhice, retratada nos meses de novembro e
dezembro. Nestes meses, o ancião adoece e morre. Beauvoir chama atenção para o fato do
ancião representado nas gravuras viver até os 100 anos, e sobre fato disso se configurar em
fato raro naquela época. Mas, pondera que o “pessimismo” contido nas gravuras a respeito da
existência humana é de inspiração cristã. (grifo nosso). Assim, a ênfase se dá nos aspectos
biológicos que traduzem a debilidade física do ser que envelhece e a morte que espreita.
Em meados do seu reinado, a Rainha Elizabeth criou em 1603, a lei dos pobres, assim
por intermédio das paróquias, os indigentes seriam assistidos. Dentre os quais, Beauvoir
(1990) menciona as crianças (alugadas aos camponeses e aos artesãos) e os incapazes e velhos
que eram recolhidos nos asilos. Os valores puritanos foram exaltados e o combate ao ócio e a
vagabundagem. Evidentemente, que os velhos miseráveis padeceram, já os da classe
burguesa, ao contrário, ascenderam e se viram valorizados e respeitados. A autora analisa que
no século XX, diante do aumento populacional da classe burguesa, o homem velho,
participando mais ativamente da vida social. Cita o ocorrido na Inglaterra, principalmente,
diante de todo progresso e desenvolvimento da indústria e do comércio, a referida classe toma
consciência de si mesma e a partir de então começa a forjar para si mesma a moral que lhe
convinha. O homem idoso, desta classe, simboliza a unidade e a permanência da família, por

18
Portanto, esse calendário assimila a sucessão dos meses do ano à das idades da vida, mas representa as idades
da vida sob a forma de história de uma família: a juventude de seus fundadores, sua maturidade m torno dos
filhos, a velhice, a doença e a morte, que é ao mesmo tempo a boa morte, a morte do homem justo, tema
igualmente tradicional, e também a morte do patriarca no seio da família reunida. (ARIÉS, 1981, p.202)
50

meio da herança transmitida, permitindo assim a acumulação da riqueza. (Beauvoir, 1990,


p.223-224).
A partir do ano de 1799, (dez anos após ocorrer a Revolução Francesa), Beauvoir
(1990) observa que “tal como sonham os moralistas” a velhice é representada por gestos de
complacência, arrependimento, nobreza e grandeza. E, finalmente surge a personagem do
“velho servidor” nas obras, conforme explicita:
Essas obras, por serem de baixa qualidade, tornam-se ainda mais significativas: elas
obedecem às exigências do público e refletem, portanto, seus fantasmas. Pixérécourt
venera os velhos no interior da sua classe: fora desta, eles os admira, na medida em
que encarnam a longa fidelidade de uma dedicação incondicional à casta superior.
Os velhos pobres fazem timidamente sua aparição na literatura. Não é por si mesmos
que eles interessam, mas por sua relação feudal com um patrão que detém a verdade
do seu ser. (BEUVOIR, 1990, p. 229-230).

Logo, a fidelidade e dedicação incondicional aos superiores é retratada como algo


natural. E esta naturalização visa reproduzir assim a ideologia de uma classe que se apresenta
como sendo superior e detentora da vida (inteira) das pessoas que representam a classe menor
e que deve ser explorada. Os ideais da classe burguesa soerguem-se, ideologicamente.
No século XIX, com o aumento populacional, inicia na Europa um novo processo de
produção sobre a velhice. Agora se exalta a ciência e suas maravilhas. Na França, Inglaterra e
Rússia, há romancistas que se esforçam por descrever também os velhos das classes
inferiores, que até então era exceção, inclusive, numéricas, pois há mais velhos da classe
burguesa.
Assim, classe dominante é a mais longeva e, a esse respeito, Beauvoir comenta que as
mudanças econômicas e sociais foram tão nefastas e a oposição entre a velhice da classe
burguesa e da classe trabalhadora era tão flagrante, que se poderia pensar tratar-se de duas
espécies completamente diferentes. (BEAUVOIR, 1990, p. 242). A autora frisa ter ocorrido
privação, abandono, negligencia e violência intrafamiliar. Tais dramas vivenciados,
cotidianamente, pelas pessoas ricas que envelheciam. Parricídios eram praticados com a
intenção de apropriar-se dos bens dos pais que envelheceram. Todavia, não há documentos
que se possa comprovar, muito embora, artigos da época tenham versado sobre esta temática.
Alguns conceitos são citados por Beauvoir, tais como: Gerontocracia – Os emigrados
haviam comprado uma grande quantidade de terras. E a França adotava o sufrágio censitário,
baseado na quantidade de terras que se possuía. Ela destaca que a cada 100 franceses com
idade para votar, apenas um podia exercê-lo, baseado neste parâmetro. Tais emigrados eram
muito idosos e essa condição se manteve até instaurar-se a plutocracia, com o enriquecimento
da grande burguesia que explorava operários e camponeses, emprestando dinheiro a juros.
51

A figura da velhice, neste contexto foi influenciada pela questão do lucro se tornar o
motor da economia; o papel do banco e da indústria que agora detinham o poder político a
partir de 1848, bem como a revolução industrial. [...] é um mundo em movimento, [...] no
qual a figura do empreendedor se manifesta no jovem (filho) e, finaliza observando que o
sufrágio universal retira do homem de idade sua supremacia política. Para a autora, tanto na
França quanto no ocidente começa a se desfazer a ideia de conflito entre as gerações, como se
difundiu em diversas obras. A referida autora, ao tentar discorrer sobre o movimento do
capital e de como ideologicamente se reproduz, afirma ter se estabelecido um pacto contra as
classes denominadas de classes perigosas. Ou seja, a solidariedade reciproca se deu contra a
classe trabalhadora. (IBIDEM, 1990, p. 243-244).
Pode ser que a autora visasse demonstrar, que culturalmente, ocorria uma mudança
naquilo que se produzia sobre a velhice, porém, em suas análises, desconsidera que o próprio
fato de silenciar (não produzir literatura ou artes) a respeito da velhice das classes
consideradas como “inferiores”, nas palavras da autora, já se configura como luta entre as
classes. Surge a necessidade de averiguar se entre os autores e obras estudadas na época da
pesquisa realizada, Beauvoir (1990) levou em consideração a produção desta classe que ela
mesma mencionou como inferior.
A presente pesquisa não tem resposta pronta, mas conforme se percebeu apenas
grandes nomes (de classe dominante que reproduziram sobre sua própria classe) foram
utilizados como parâmetro para discorrer sobre o tema do envelhecimento humano.
Embora, a velhice não seja tema central nas discussões de Istiván Mészáros, Em sua
assertiva, o autor desvela a respeito da mistificação em torno de um tema que, geralmente é
discutido, escamoteando-se a luta de classes, bem como a questão da reprodução do próprio
capital. Em suas palavras:
[...] Durante décadas, a literatura sociológica produziu simpáticos contos de fadas
sobre o “conflito de gerações” (que, no verdadeiro espirito do “fim da ideologia”,
tentou transformar os graves sinais das contradições de classe em nobres vicissitudes
de gerações atemporais); agora ela tem de fato sobre o que escrever. No entanto, os
esquemas pré-fabricados de mistificação psicossociológica não se ajustam ao quadro
real. Isso porque o chamado conflito de gerações, no momento em que foi
apologeticamente circunscrito, já estava solucionado, na medida em que toda
“rebelião da juventude” evoluía, no devido tempo, para a maturidade sensata dos
pagamentos da hipoteca e da acumulação de uma poupança para a velhice, de modo
a garantir uma existência cômoda até a sepultura, e mesmo para além dela, pela
reprodução eterna das novas ”gerações” do capital. Quaisquer que fossem as
dificuldades apresentadas pela “natureza” – e, supostamente, a noção de “geração”
deveria ser apenas uma categoria da natureza –, a tranquilização vinha da ideia de
que o capital, graças a Deus, seria, como de costume, a solução. (MÉSZÁROS,
2010, p. 80-81)
52

Em vista disso, realmente o que está em jogo é o papel do trabalho, ou seja, da venda
da força de trabalho, no universo do capital. Se outrora, quando a expectativa da classe
dominante era predominante, a velhice se revelava como sendo o tempo da decrepitude, da
debilidade física e se enfatizava os conflitos entre as gerações. A partir do momento em que
tal fator se altera, e a classe trabalhadora começa a viver mais tempo, os discursos sobre a
velhice tendem a mudar. Há uma ressignificação sobre esta etapa. Paiva ao discorrer sobre a
racionalização do tempo no capitalismo assevera: que o tempo de vida do trabalhador aparece
atrelado ao tempo do seu processo de trabalho. (PAIVA, 2014, p.130).
É mister se manter ativo, ou seja, produtivo, sob a justificativa de que a pessoa velha é
considerada “ economicamente não ativa e, assim, onera o Estado. Diante desta realidade, o
envelhecimento sai da esfera privada e alcança o Estado que, busca dar respostas, por meio de
ações pontuais; focalizadas em determinados momentos, ou por intermédio de políticas
públicas. Sobre este item nos debruçaremos no capítulo 2 desta dissertação.

1.6 As denominações sobre a velhice na contemporaneidade

Debert (2004 p.12-14) ressalta haver um duplo movimento que deve ser levado em
conta para refletir a respeito da visibilidade que esta faixa etária alcança. A velhice se
transformar em questão pública é o primeiro ponto, elencado e está relacionado com a
socialização progressiva da velhice que ficou durante tanto tempo na esfera privada – de
previdência individual ou por meio da filantropia e se alcançam a esfera pública. Assim, por
intermédio de um conjunto de orientações e intervenções, definidas pelo Estado e
organizações privadas, muitas vezes de forma contraditória são implementadas. Neste sentido,
por meio de um campo de saber especifico – a gerontologia –, aciona-se, o que a autora
denomina de “tentativas de homogeneização das representações da velhice” e assim, os
idosos, surgem como uma nova categoria cultural produzida.
A velhice, a partir da segunda metade do século XIX, é tratada como um momento
negativo de perdas e de dependência, chamando assim a atenção para a legitimação dos
direitos sociais, como a aposentadoria, por exemplo. A autora ao elencar o segundo ponto,
destaca ter ocorrido um posicionamento inverso na contemporaneidade, que ela tem
denominado de “processos de reprivatização”, cuja finalidade seria transformar a velhice
numa responsabilidade individual, visando fazer esta temática desaparecer do leque de
preocupações sociais. Debert (Ibidem) conclui que a velhice passa a ser conclamada como
momento ideal para a busca do prazer e da satisfação pessoal.
53

A partir das reflexões da autora, percebemos que esta “nova imagem” sobre o
envelhecimento além de escamotear as questões sociais vivenciadas pela classe trabalhadora
que envelhece, possui a tendência de negar ou retardar o direito á aposentadoria, mantendo
assim a população idosa no mercado de trabalho o máximo de tempo possível.
Para Haddad (1986, p.16) há um conjunto de ideias, valores e doutrinas, difundidos
sobre a etapa final da vida humana que está organizado de acordo com as determinações
básicas do modo de produção capitalista. Esta “ideologia da velhice” (termo por ela utilizado),
que vem sendo propalada, é um elemento fundamental no processo de reprodução das
relações capitalistas. Neste tipo de sociabilidade, além de transformação das pessoas em
mercadoria, a classe trabalhadora está condenada a degradação. Ela acrescenta que, de forma
paradoxal, as propostas para a reparação da “tragédia do envelhecimento”, têm como objetivo
central escamotear a problemática da exploração da mão de obra. A autora declara:
A gerontologia e a geriatria apresentam-se como as principais instâncias produtoras
da ideologia da velhice. Aparecem como entidades autônomas, enquanto produtoras
de um saber intelectual elaborado pelos aparentemente autônomos pensadores da
velhice. O produto do trabalho dos teóricos da velhice – as “idéias autonomizadas” –
buscam nos fazer acreditar que a realidade vivida pelo homem no final da sua vida
poderá ser alterada com a ação da “ciência”, das instituições sociais, do Estado e do
próprio idoso. Tentaremos mostrar, portanto, porque a produção dos teóricos da
velhice não passa de uma produção ideológica da ciência da burguesia e, enquanto
tal, de um instrumento de dominação (HADDAD, 1986, p.33).

Ou seja, para a autora, tanto na Geriatria quanto na Gerontologia, os discursos


reforçam a lógica do capital e, se tornam instrumento de dominação, pois hegemonicamente
são reproduzidos e, consequentemente naturalizados. Além disso, não se toca no ponto central
que a contradição Capital X Trabalho nesta sociabilidade capitalista.
Outro ponto interessante que Haddad (Ibidem) demonstra é que embora tais instâncias
tenham na velhice o mesmo objeto de estudo, não há unanimidade nos seus discursos a
respeito do que é ser velho. São posições que divergem bastante e que na época (década de
1980) em que pesquisa foi realizada pela autora, fez com que a ela percebesse presente nos
discursos esta tônica doutrinária sobre juventude e velhice ideais, bem como a ênfase na
subjetividade das pessoas, estimulando-as a se manterem no mundo produtivo. Evitando,
inclusive, ligar o fenômeno do envelhecimento as questões da patologia.
Ao desvelar a respeito do saber médico que se difunde na sociedade sobre o
envelhecimento humano, afirma que, tal classe não trata desta temática apenas no seu caráter
biológico, mas suas explicações estão carregadas de um cunho marcadamente sociocultural. A
autora ressalta que os especialistas do envelhecimento, apontam ocorrer nas pessoas, uma
espécie de “vazio” ocasionado pela aposentadoria.
54

Vejamos o relato da autora:


E se, na velhice, os homens sentem o vazio instalado com a aposentadoria, é porque
no processo de reificação que estão submetidos, o “prestígio” ocupado pelo trabalho
foi por eles internalizado através do longo processo de educação para a vida
produtiva e, consequentemente, é por eles próprios reproduzidos. Quando a prática
de trabalho cessa pela aposentadoria, o individuo é levado a reconhecer que nada
mais é, a despeito do que já tenha feito. Não são apenas os trabalhadores que se
tornam sujeitos ao poder exterior dominado pelo capital: dentro do quadro
contraditório gerado pelo modo capitalista, isso se aplica também aos donos do
capital. Ao modo capitalista de produção correspondente o modo capitalista de
pensar. Trabalhar é, pois, o eixo que se plasma e exercita com exclusividade a
possibilidade pessoal de autoconsciência e auto-afirmação perante a sociedade. Que
resta aos homens pós-aposentadoria? A inoperância, isto é, a improdutividade,
segundo o saber especializado é a causa mortis, o trabalho é a vida (HADDAD,
1986, p. 48-49).

Todavia, não se trata apenas de negar a velhice, mas de negar o tempo do não-trabalho
para a classe trabalhadora. Fica explicitado esta negação para as pessoas da classe
trabalhadora que alcançaram a velhice, posto durante toda a sua existência, teve sua força de
trabalho explorada por este sistema capitalista. É negar (insistentemente) o rompimento com o
mundo do trabalho, com o mundo produtivo, negar que haja possibilidade de vida sem a
venda da força de trabalho. Ao refletir sobre o discurso gerontológico e suas propostas para a
velhice é possível notar a ênfase dada ao trabalho, mais especificamente, se exalta a
continuidade da venda da força de trabalho.
Diante do contexto histórico, acima descrito, se evidenciam os motivos pelos quais
entre na pauta as discussões sobre do fenômeno do aumento populacional da classe
trabalhadora, bem como a produção e reprodução da ideologia da velhice que permanece
ativa, ou seja, produtiva, visando a manutenção do sistema capitalista. Beauvoir (1990),
afirma que o modo de produção capitalista está baseado no lucro e, desta forma o ser humano
só interessa enquanto produz, sendo descartado quando perde esta utilidade. Logicamente,
não se afirma nesta pesquisa que tal fato ocorra apenas na velhice, mas vale a pena considerar
que este, de acordo com as legislações atuais, a aposentadoria, marca oficialmente este
momento. Conforme se observa:
[...] No mundo capitalista, o interesse a longo prazo não conta mais: os privilegiados
que decidem o destino da massa não temem partilhá-lo. Quanto aos sentimentos
humanitários, a despeito das tagarelices hipócritas, eles não intervêm. A economia é
baseada no lucro; é a este, na prática, a que toda civilização está subordinada. O
material humano só interessa enquanto produz. Depois, é jogado fora. [...]
(BEAUVOIR, 1990, p.13)

Fica notório, para a autora que a busca pelo lucro nesta sociabilidade capitalista é
sempre primordial, é a sua base. Assim a velhice (em sua dimensão cronológica) fica
relacionada momento que se retira do cenário produtivo, ou seja, a partir do momento que
55

deixa de ser vendedor (a) da sua força de trabalho, ao invés de representar a possibilidade de
dispor do tempo livre, ao contrário, pode representar um momento negativo ao ser
classificado como descartável, improdutivo e, até oneroso.
A análise de Beauvoir (Ibidem), apesar de assertiva, desconsidera a questão da
produção da mais-valia que se constitui a base deste sistema nefasto que, enquanto explora a
força de trabalho e o tempo de vida do trabalhador, amplia as desigualdades sociais e,
portanto, reflete essa lógica que permeia os discursos produzidos e reproduzidos socialmente
sobre envelhecimento da classe trabalhadora como sendo um momento negativo. Paiva (2014,
p.111) comenta que na sociabilidade capitalista, a classe trabalhadora é expropriada dos meios
de produção e do seu tempo de vida. A autora afirma que esse processo de expropriação vai
ainda mais longe e atinge, inclusive, a capacidade teleológica dos seres humanos. Assim a
classe trabalhadora pobre, cujo tempo de vida e força de trabalho estão subordinados ao
capital, além de vivenciar as profundas desigualdades sociais durante todo o seu ciclo de vida,
constatam que durante a velhice, tais desigualdades se agudizam. São velhices que se
diferenciam, principalmente a depender da classe social, status e hierarquia social que esta
pessoa ocupa, conforme a autora aponta, trata-se de um processo que está condicionado as
relações sociais.
Ora a classe trabalhadora pobre, cujo tempo de vida e força de trabalho estão
subordinados ao capital, além de vivenciar as profundas desigualdades sociais durante todo o
seu ciclo de vida, constatam que durante a velhice, tais desigualdades se agudizam. Desta
feita, em um sentido mais amplo, convém pontuar que até as desigualdades sociais
vivenciadas por esta parcela da população é heterogênea. Se não há velhice homogênea,
convém questionar o motivo pelo qual, conceitos homogeneizantes desta faixa etária se
espraiam na sociedade? Inclusive sendo inspiração para a implementação dos programas,
projetos e serviços ofertados para esta parcela da população. Este formato de política pública
remete a um tipo específico de Estado que coaduna (e protege) o projeto societário vigente.
Evidentemente, isto não ocorre sem lutas. Muito embora haja momentos em que a
classe trabalhadora avance, se observa que a seguir, retroagem os direitos conquistados. Como
é o caso da declaração feita por Debert (2004), ao explicar:
Os custos da aposentadoria e da cobertura médico-assistencial da velhice são
apresentados como indicadores da inviabilidade de um sistema que, em futuro
próximo, não poderá arcar com os gastos de atendimento, mesmo quando a
qualidade dos serviços é precária, como no caso brasileiro. (DEBERT, 2004, p. 22-
23).
56

De acordo com a autora, o prolongamento da vida pode ser considerado um ganho


coletivo, que tende a ser traduzido como uma ameaça à reprodução da vida social, como se tal
prolongamento onerasse o Estado e, principalmente que relaciona o momento da velhice com
um algo negativo e repleto de perdas.
Para Marx (2010, p.47): A existência de uma classe que nada possui senão a
capacidade de trabalho é uma condição prévia necessária do capital. Vale destacar que cada
pessoa, seja ela velha ou não, está inserida nesta sociedade que produz e reproduz o
movimento do capital e, portanto, desempenha um papel importante nessa sociedade
contemporânea e na contraditória teia das relações sociais nela presente. Teixeira (2017)
enfatiza que, principalmente para a classe trabalhadora pobre que experimenta o desgaste
força de trabalho, o envelhecimento se constitui um “problema social”. Em suas palavras:
[...] o envelhecimento constitui um problema social, principalmente, para as classes
destituídas de propriedade (exceto de sua força de trabalho) e de controle do seu
tempo de vida, em função das contradições e determinações da sociedade capitalista
que engendram desigualdades, vulnerabilidade social em massa, degradações,
especialmente com o avanço da idade cronológica, com o desgaste da força de
trabalho. (TEIXEIRA, 2017, p.34)

Nesta sociabilidade (capitalista) na qual a força de trabalho – mercadoria que possui


valor de troca para a classe trabalhadora, pois a troca por salário, e, de uso para o capital que
por meio extrai a mais-valia. Tempo de vida é tempo de trabalho, Destarte, envelhecer, no
capitalismo, significa perder a condição de vendedor da sua força de trabalho, pois tempo de
vida e de trabalho aparecem intrínsecas. Assim as pessoas são educadas/doutrinadas para
reproduzir o discurso capitalista, hegemonicamente naturalizando-o e, principalmente se
mantendo vendedoras da sua força de trabalho.
Sendo assim, ao perder tal condição, as pessoas idosas se veem desvalorizadas e,
portanto, fora dessa relação. É como uma se a própria pessoa fosse uma mercadoria (uma
coisa) que perde valor. Afinal a classe trabalhadora sobrevive de vender sua força de trabalho.
Seu dispêndio de força. Sua capacidade vital. Teixeira (2017) em suas análises declara:
Os problemas sociais que se manifestam na velhice dos trabalhadores estão
determinados pela ausência dos meios de sobrevivência, posto que, sob o comando
do capital, o sujeito que trabalha não mais pode considerar as condições de sua
produção e reprodução como sua propriedade, pois não tem controle sobre os meios
de produção, os processos de trabalho e o produto do trabalho. E não tendo o
homem valor, a não ser o econômico, enquanto força de trabalho, a velhice está
fadada à pobreza e à dependência dos recursos da família e sociedade, mas também
está sujeita a uma desvalorização social, que reflete a desvalorização da vida
humana fora dos circuitos produtivos na sociedade capitalista. (TEIXEIRA, 2017,
p.40)
57

Convém questionar se o número exorbitante de pessoas idosas fosse alcançado apenas


pela classe dominante, se o “fenômeno do envelhecimento humano” fosse privilégio, apenas
da elite, ainda seria tratado como problema social? Mas, é a classe que viveu do trabalho
durante toda a sua vida que tem envelhecido e agora arrisca imaginar dias em que possa
utilizar seu tempo do não-trabalho.
Vilione (2016) ao ponderar sobre os termos utilizados para designar as pessoas velhas,
afirma que, tais termos tanto segmentam quanto estigmatizam e estereotipam um tempo que
poderia ou deveria ser visto como processo natural. Para a autora:
Estigmas e estereótipos deturpam a realidade, desmobilizam as lutas de classe e o
sentimento de pertença de classe, sobretudo ao direcionar que os demais segmentos
(infância, adolescência e adultos) não se identifiquem com o segmento idoso, mais
uma vez segregado de tudo e de todos, o que contribui com a manifestação de
preconceitos e discriminações.
Os próprios termos designados a velhice são eufemismos preconceituosos, como
terceira idade e melhor idade. A velhice, por ser vista sempre como a do outro –
como se o envelhecimento não fosse constante e algo comum a todos – é trágica,
causa espanto, inaceitação, e o termo velho é visto como ofensa, desagradável,
sendo que apenas se deriva do processo de velhice, processo este que modifica a
relação do ser social com o inexorável tempo, por conseguinte, o velho é o sujeito da
velhice. (VILIONE, 2016, p. 39- grifos nosso).

A velhice homogênea escamoteia a luta de classes e a contradição entre


capital/trabalho. Neste sentido, é como se fosse até falta de decoro chamar uma pessoa de
velha19. A palavra parece estar carregada de preconceitos. Inclusive, chamar alguém desta
forma pode ser considerado um insulto pessoal.
Outra questão interessante é que, em geral, se percebe, tanto na oferta dos serviços
públicos e/ ou privados haver também uma infantilização quanto ao tratamento ofertado às
pessoas velhas. Como por exemplo, o caso de alguns profissionais da Saúde que as
denominam de vózinha ou vôzinho em seus atendimentos. E em outros espaços, se observa a
menção dos diminutivos: velhinha; velhinho; senhorinha e senhorzinho.
Paiva (2014) interliga a utilização do termo “Terceira Idade” com a implantação do
Welfare State, tendo em vista a diferenciação ocorrida entre a classe trabalhadora envelhecida
que usufrui desta conquista (aqueles que habitam o primeiro). Na França, desta feita, esta
expressão começa a ser utilizada para designar esta diferenciação.
Quando a velhice de trabalhadores que usufruíram desses ganhos conquistados com
a implantação do Welfare State passou a se diferenciar da velhice dos trabalhadores

19
O que vem a ser a palavra idoso? Qual o seu significado e, finalmente, que como e porque se diferencia da
palavra velho? Vejamos o contido no dicionário Aurélio a respeito desta questão: Para o verbete Idoso há uma
simples definição – “Que ou quem tem idade avançada”. O verbete Velho é um pouco mais abrangente,
conforme se observa: “Homem velho, Pai, Nome de um Peixe que parece gemer quando o apanham, Avançado
em idade, Obsoleto, Antigo, Muito usado; antiquado, O pai e a Mãe, [...] em descanso, velho de guerra, homem
experimentado, valente, perito em algum mister, velho e relho: muito velho ”.
58

que não habitam o chamado “Primeiro Mundo”, na França, a expressão “terceira


idade” começou a ser utilizada, na década de 1960, para designar uma diferenciação
na espécie de trabalhador que sobreviveu às mazelas e aos efeitos deletérios do
sistema capitalista de maneira “ativa” e “independente”, estando integrado
socialmente e autogerindo a própria vida. [...]. (PAIVA, 2014, p.144).

Há assim, uma ligação bastante elucidativa entre o surgimento desta expressão e a luta
de classes. E, continua a autora, é como se a terceira idade fosse um momento de transição
entre o trabalhador que está envelhecendo, mas segue firme vendendo sua força de trabalho
até o dia em que se aposenta e fecha o ciclo.
Teixeira (2008) observa que esta expressão (“Terceira Idade”) – surge na França, no
final de década de 1960 e na década seguinte é introduzida pela gerontologia nas
Universidades Abertas para a Terceira Idade. Teixeira afirma que esta expressão exprime a
nova realidade da velhice, desta feita, marcada por tempo de atividades fora do mundo do
trabalho. Um tempo de lazer. (TEIXEIRA, 2008, p. 112). Neste sentido, tal invenção
reverberou, inclusive no próprio significado atribuído à velhice, pois coloca esta fase num
novo patamar, como idade ideal para praticar as atividades que a vida laboral não permitira
até o momento em que a pessoa deixa de vender sua força de trabalho.
Debert (2004) destaca que, na década de 1990, se proliferaram no Brasil, as escolas
abertas ou universidades para a terceira idade, bem como os grupos de convivência para
idosos. Ela pondera que nestas instituições, cuja proposta fundamental seria: “[...] rever
estereótipos e os preconceitos por meio dos quais se supõe que a velhice seja tratada na nossa
sociedade.” (DEBERT, 2004, p.147). Desta forma, tais programas, incentivam que este
segmento se manifeste ou se exprima, levando em consideração suas próprias identidades,
porém, as discussões sobre essa “nova imagem do idoso” apesar de indicar o interesse da
sociedade para tais problemáticas, se contrapõe a precariedade de mecanismos capazes de
lidar com as questões enfrentadas vivenciadas por este segmento, tais como: a decadência de
habilidades cognitivas e de controles físicos e emocionais. (DEBERT, 2004, p. 15).
Evidentemente, não é coincidência que neste mesmo período, ocorre o que a autora
Paiva (2014) observou haver um considerável aumento no índice de pessoas idosas que
continuam trabalhando. E entre os países apontados pela autora, estão: Austrália, Estados
Unidos e Japão, porém é no Brasil que esta taxa tem sido a mais alta. A autora faz a seguinte
ressalva:
Com seus parcos rendimentos, os (as) velhos (as) trabalhadores (as) acabam se
responsabilizando pela própria reprodução social e de toda a sua família. Inaugura-
se a época do (a) velho (a) trabalhador (a) valorizado (a) como fonte de renda, nem
que seja uma renda mínima. [...] (PAIVA, 2014, p.129)
59

Ademais, se percebe claramente que tais discursos estão centrados no individuo. Desta
forma família e sociedade civil são – “enfaticamente” – convocadas para intervir nas questões
sociais que se apresentam, enquanto o Estado se desresponsabiliza ou aparece como ente
regulador dessa relação.
No caso brasileiro, a década de 1990 assinala a aprovação de uma lei especifica para a
população Idosa, ou a Lei Nº 8.842/94, conhecida como Política Nacional da Pessoa idosa
que, orientada pelos elementos postos em discussão, enfatizam a responsabilização da família
e da sociedade civil pelo acesso da pessoa idosa aos seus direitos. Conforme se observa no
artigo 3º da referida lei20. Tal responsabilização também é elencada no Estatuto do Idoso –
instituído, cerca de uma década depois, pela Lei n.º 10.741, de 2003 – destinado a
regulamentar os direitos assegurados às pessoas com idade igual 60 anos ou mais, além de
definir as obrigações da família, sociedade e do Estado, estabelece prerrogativas, critérios e
sanções (em caso de descumprimento) para o acesso dos idosos as diversas políticas.
O Envelhecimento Ativo21, termo bastante disseminado e mundialmente utilizado,
adotado pela OMS no final da década de 1990. No Brasil, há um documento, publicado em
2005 que tem como base as discussões ocorridas durante as Assembleias Mundiais do
Envelhecimento, a primeira delas ocorreu em Viena no ano de 1982 e 20 anos depois na
cidade Madrid/Espanha. O discurso sobre o prolongamento do trabalho humano está em voga
em vários países que em sua maioria o aborda num viés de responsabilização individual, da
família e da sociedade. Mas, principalmente de desresponsabilização do Estado.
Recentemente, com o argumento que o aumento da longevidade onera e tem provocado
déficit aos cofres, coloca em xeque o acesso à Proteção Social. Setores conservadores da
sociedade brasileira afirmam e tentam legitimar um discurso que visa a ampliação da
exploração do trabalho humano, para tanto defendem a necessidade de realização de uma
reforma na Previdência Social.

20
I- a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania,
garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem estar e o direito à vida; (BRASÍLIA,
1994.).
21
O que é “envelhecimento ativo”? – Envelhecimento ativo é o processo de otimização das oportunidades de
saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam
mais velhas. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Envelhecimento ativo: uma política de
saúde. Brasília, DF, 2005. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.
br/bvs/publicacoes/envelhecimento_ativo.pdf>. Acesso em: 29 de abril de 2018.
60

Tal reforma pretensamente, defendida pelo ex-presidente do Brasil (Michel Temer22),


com o apoio da mídia que propala a necessidade de uma previdência do tipo privada, tem sido
reforçada pelo atual presidente, o senhor Jair Messias Bolsonaro que intenta implementar uma
nova modalidade de previdência social, ainda não explicitada, porém, com proposta de
retirada de direitos da classe trabalhadora . Entre as propostas estão: o aumento do tempo de
contribuição e de serviço e a retirada das diferenças nas idades previstas para aposentadoria
entre homens e mulheres, bem como entre a população do campo e das cidades. Porém, nos
debates realizados nas plenárias, não houve consenso sobre a idade mínima, nem coadunam
os interesses da classe trabalhadora e daqueles que representam o Estado e o mercado.

22
Michel Temer era o vice-presidente e foi empossado após a presidenta Dilma Rousseff sofrer o impeachment
em 31 de agosto de 2016.
61

2 ENVELHECIMENTO HUMANO NA SOCIABILIDADE CAPITALISTA: OS


DETERMINANTES PRESENTES NOS CONCEITOS E NAS POLÍTICAS DE
PROTEÇÃO SOCIAL VOLTADAS PARA ESTA POPULAÇÃO

Crescendo numericamente, os velhos se


tornam objeto de estudo.
As propostas aparecem pela boca da “ciência”,
do Estado, dos meios de comunicação...
Enquanto isso a história não se altera.
Não mudando a história do trabalhador,
Não muda a história do menino,
Não muda a história do velho,
Não muda a história do homem. (HADDAD,
1986, p17).

A implementação de políticas especificas para a população idosa no cenário


contemporâneo, em geral se justifica pela necessidade de responder ao fenômeno do aumento
populacional desta faixa etária em nível mundial e, que no Brasil tem se apresentado como
um processo gradativo desde a década de 1960.
Conforme já apontado, neste estudo a idade que tem sido utilizada como parâmetro
nas legislações e em muitos instrumentos que servem de base para definir, disciplinar e
organizar o universo da velhice, bem como nas ações tomadas pelo próprio Estado, sob a
forma de políticas públicas voltadas para esta parcela da população são norteados nos
seguintes documentos: Política Nacional do Idoso (PNI) e o Estatuto do Idoso. Outro órgão
que utiliza a classificação etária para organizar e mensurar a população brasileira em grupos
geracionais o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Tais projeções também levam em consideração a taxa de natalidade e a expectativa de
vida da população. A síntese de Indicadores Sociais (IBGE, 2017), propõe identificar tais
indicadores, a partir do eixo das desigualdades sociais; avaliar as desigualdades de gênero,
cor, raça, bem como os grupos de idade. Deste modo, quando se trata dos indicadores sociais
da população envelhecida no Brasil, mais relevante que números estatísticos é a
heterogeneidade que tais dados possuem, tendo em vista traduzir as desigualdades sociais nas
quais se encontram tais pessoas.
Vale salientar que, a classificação etária (idade cronológica), ou os grupos de idade,
também se constitui em um dos requisitos para ingressar nos condomínios exclusivos para a
pessoa idosa, conforme constam nos Decreto Estadual, no caso de São Paulo, bem como na
Lei que orienta a criação e execução do programa Cidade Madura no estado da Paraíba.
62

Neste capitulo, pretende-se relacionar o discurso que tem sido produzido sobre a
velhice a partir da premissa do aumento demográfico, com a intenção de analisar mais
amiúde, os motivos pelos quais, tais discursos buscam homogeneizar a velhice, sob a
intencionalidade de fragmentar e desmobilizar a classe trabalhadora envelhecente. E,
principalmente vincular tais discussões a questão da reprodução da força de trabalho. Nota-se
que a implementação de políticas especificas para a população idosa na era contemporânea,
surgem justificadas pela necessidade de responder ao fenômeno do aumento populacional das
pessoas idosas em nível mundial e, que no Brasil tem se apresentado como um processo
gradativo a partir da década de 1960.
Breves considerações sobre o Estado se fazem necessárias para avançar nas discussões
a respeito dos tipos de proteção social que se expandem no modo de produção capitalista e,
que serviram de base para o modelo utilizado no Brasil. Outro ponto a ser esclarecido, é que
ao nos referirmos ao termo proteção social, também aludimos à Seguridade Social e por este
motivo, será abordada sua definição. Vianna (2000) ao definir seguridade social, compara-a
com uma espada e guardião dos direitos coletivos. Em suas palavras:
[...] A seguridade social consiste justamente num pacto pelo qual os desiguais
habitantes de um país reconhecem na cidadania uma medida de igualdade, não
apenas formal, mas substantiva, que a todos capacita ao gozo do patrimônio comum
de uma vida digna e civilizada. E o Estado moderno, pelo seu caráter de arena
pública, vale dizer, referência de todos os membros da comunidade política, é a
“espada” que protege este pacto, o guardião dos direitos coletivos. (VIANNA, 2000,
p.11).

Este conjunto de ações – denominados política sociais – está na esfera da Proteção


Social e se consolidaram na Europa a partir da década de 1940; Compõem o Estado de Bem-
estar social ou welfare State.

2.1 O fenômeno do aumento populacional

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011) tendo como base os dados
coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), aponta que a partir da
segunda metade dos anos 1960, a queda da fecundidade desacelera o ritmo de crescimento da
população brasileira, provocando importantes mudanças na sua estrutura etária. Segundo a
referida pesquisa, a população idosa em 1940, representava apenas 4,1% da população total.
Em 2011 este percentual alcançou 12,6%. Em valores absolutos, esse número passou então de
1,7 milhão para cerca de 24,85 milhões de idosos no Brasil. O quadro abaixo demonstra a
evolução do crescimento supramencionado.
63

Quadro 1 - Evolução do aumento populacional, conforme aponta o IPEA.

Evolução do número de idosos no


Brasil

29.600.000
24.850.000

1.700.000
1940 2011 2016

Número de Idosos

Fonte: IPEA (2011)

Dados mais recentes – apresentados pela PNAD contínua 2017– reiteram tais
projeções, assim, a população idosa em 2012, estimada em 25,5 milhões, chega a marca dos
29,6 milhões em 2016, representando um crescimento de 16% neste intervalo. A figura abaixo
contém representação da Pirâmide Etária.
Figura 1- Pirâmide Etária- Brasil- 2010

Fonte: IBGE, Censo 2010.

Conforme projeção, a partir de 2030 o Brasil poderá apresentar uma população


“superenvelhecida”, reproduzindo a experiência que já ocorre na Europa Ocidental, Rússia,
Japão, etc.
No estado de São Paulo, (primeiro a implementar Condomínios Exclusivos para a
população idosa no Brasil), os dados oriundos do IBGE, demonstram que no período
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compreendido de 2000 a 2010, a população idosa cresceu 43,8%. Em números absolutos a


referida população passa de 3.316.957 (três milhões, trezentos e dezesseis, novecentas e
cinquenta e sete) e alcança a marca dos 4.771.436 (quatro milhões setecentos e setenta e um
mil quatrocentos e trinta e seis) pessoas idosas neste estado. Na Paraíba (estado que
implementa o Programa Cidade Madura desde 2014), os dados revelam que, em dez anos, este
crescimento foi de 28,7%. Assim em 2000 havia 350. 566 (trezentos e cinquenta mil,
quinhentos e sessenta e seis) pessoas idosas e em 2010 este segmento passou de para 451. 385
pessoas.
Carvalho e Wong (2008) ao analisarem a trajetória da estrutura etária da população
brasileira durante a metade do século XXI, afirmam que entre 1940 e 1960 a população
brasileira experimentou dois fatores importantes que incidiram sobre o envelhecimento
populacional. O primeiro deles está relacionado com a taxa de mortalidade que diminui
bastante e se mantém continuadamente. E o segundo diz respeito a taxa de fecundidade que se
manteve, relativamente, constante até meados da década de 1960, mas diminui drasticamente
a partir do final desta década.
A princípio, os autores (Ibidem) apontam que esta queda da fecundidade começou nas
classes mais privilegiadas, e, posteriormente alcançou a maioria da população. A composição
etária, então a partir dos anos de 1970 iniciou um processo de desestabilização e entre as
mudanças que se acentuaram, os autores destacam que as pessoas com idade menores de 15
anos perderam representatividade e, apontam que as pessoas maiores de 65 anos ganham mais
representatividade. Em suas palavras: “os maiores de 65 anos apresentarão peso relativo
crescente durante toda a metade deste século” (CARVALHO; WONG, 2008, p. 600-601).
A década de 1940 é mencionada também pelos autores, Kalache, Ramos e Veras
(1987); Para eles, a intensa urbanização e o êxodo rural ocorridos em meados desta década
incidiram sobre crescimento populacional ocorrido no Brasil e afetaram de maneira peculiar
as pessoas idosas que lá residiam. Conforme apontam os autores, a intensa migração ocorrida
incidiu sobre a questão urbana que se agudizou. Eles elencam ainda uma série de fatores que
provocaram este fenômeno, quais sejam: o desemprego rural; a diferença salarial do campo
para a cidade; a questão da infraestrutura e acesso aos serviços, bem como, certa “ilusão”
sobre a vida nas cidades, criada pelos meios de comunicação.
Isso fez com que hoje o Brasil seja uma sociedade predominantemente urbana que
experimenta nessas áreas um intenso processo de envelhecimento populacional. Tais
transformações geográficas e demográficas têm importantes conseqüências sociais e
econômicas para a população como um todo e para a população idosa em particular.
(VERAS, R. P. ET AL, 1986, p. 225.).
65

Principalmente, nas áreas centrais das metrópoles brasileiras, como São Paulo e Rio de
Janeiro, que se transformam em áreas mistas (comércio e residência), a valorização e a
especulação imobiliária de algumas regiões, além dos acentuados problemas de solidão e
pobreza que as pessoas idosas passaram a enfrentar, estão entre as consequências citadas.
(IBIDEM, 1987).
Ao discutirem a respeito do impacto social que o envelhecimento populacional
ocasionaria no Brasil, os autores relacionam este fato com as problemáticas que poderão
surgir e, enfatizam a necessidade de intervenção:
Com o crescimento da população idosa, torna-se necessário, agora mais do que
nunca, que o conjunto da sociedade tome consciência dessa série de problemas e que
as autoridades competentes, de forma justa e democrática, encontrem os caminhos
que levem à eqüidade na distribuição dos serviços e facilidades para com este grupo
populacional. (VERAS, R. P. ET AL, 1986, p. 225)

Vale a pena mencionar que diante da reflexão dos autores supramencionados, sobre os
impactos causados e vivenciados pela população idosa, são unanimes em afirmar que o
crescimento desta parcela, pode representar um custo social para o Estado. O crescimento
desta parcela improdutiva, conforme denominam, geram preocupação e interesse para o
Estado que deverá avaliar e mensurar gastos com o referido público. É perceptível que se
trata da velhice da classe trabalhadora pobre.
A longevidade humana, como afirma Veras (2003) produz repercussões nos campos
social e econômico. O autor ressalta, porém, que tal processo se manifesta de forma distinta
entre os diversos países do mundo. Avaliza que, diferente do ocorrido no Brasil, este
processo, nos países considerados desenvolvidos, aconteceu de forma mais lenta e gradual.
O autor assevera a importância e a necessidade de se considerar a heterogeneidade da
população idosa, bem como de levar em conta as desigualdades sociais nos estudos propostos
acerca deste tema, conforme se observa:
Os processos de transição demográfica e epidemiológica no Brasil vêm se
desenvolvendo de forma heterogênea e estão associados, em grande parte, às
desiguais condições sociais observadas no país. A população idosa se constitui como
um grupo bastante diferenciado, entre si e em relação aos demais grupos etários,
tanto do ponto de vista das condições sociais, quanto dos aspectos demográficos e
epidemiológicos. Qualquer que seja o enfoque escolhido para estudar este grupo
populacional, são bastante expressivos os diferenciais por gênero, idade, renda,
situação conjugal, educação, atividade econômica, etc. (VERAS, 2003, p.8-9).

Em relação à heterogenia, destaca o fenômeno da feminização da velhice e entre


muitos fatores elenca o fato das mulheres experimentarem nesta fase a tríade: pobreza, solidão
e doenças.
66

Em suma, Veras (Ibidem) observa que o avanço do capitalismo, a inserção das


mulheres no mercado de trabalho e o aumento das tecnologias da saúde são fatores que devem
ser levados em consideração, pois incidiram sobre a diminuição da taxa de natalidade e
consequentemente no aumento da população adulta e idosa no Brasil. Alerta sobre a
necessidade de enfrentar o desafio que este crescimento representa para a área da saúde, por
exemplo. E, enfatiza importância da mudança de conceitos enraizados acerca da velhice; a
incorporação de novas tecnologias; tocar na questão da utilização dos recursos e fazer chegar
á rede de assistência médica os conhecimentos a respeito da saúde coletiva.
Soares e Vilione (2017, p.181) ao discutirem sobre os dados que demonstram a
heterogeneidade que perpassa o aumento da população idosa no Brasil e no mundo. Ponderam
que, de fato a população envelhecida tem crescido, no entanto, discordam que o
envelhecimento demográfico possa ser considerado como um fenômeno mundial. Este
fenômeno tem ocorrido nos países considerados desenvolvidos ou em desenvolvimento,
porém em países que enfrentam guerras civis constantes, desigualdade e pauperismo não
vivenciam esta realidade. Alguns dos países, que não alcançam este envelhecimento são:
Afeganistão, Moçambique, Cisjordânia, Haiti e Tanzânia.
Paiva (2014) também concorda que o crescimento populacional das pessoas idosas em
nível mundial ocorre de forma diferenciada. O continente europeu registra 24 % (vinte e
quatro por cento) desta população, enquanto na América Latina e Caribe o percentual
alcançado é de apenas 8% (oito por cento). Em se tratando dos dados do Relatório da OMS,
estes, denunciam a elevada taxa de mortalidade e diminuição na expectativa de vida da
população registrada na África. Em Serra Leoa, por exemplo, esta expectativa supera os 36
anos de idade. Segundo Paiva:
Mas chegar aos 80 anos é um privilégio que está vetado a várias populações no
contexto mundial. A desigualdade social que marca substantivamente a vida de
milhões e milhões de indivíduos de todas as idades, protagonizando uma situação
quase irreversível de não realização das suas necessidades básicas e potencialidades
humanas – objetivas e subjetivas – ao longo de todo o curso de vida, não será menos
incidente na velhice – e por que seria? Não há, portanto, motivos razoáveis para se
defender uma mística de velhice ou mesmo um envelhecimento transcendental,
porque o indivíduo que envelhece não está alijado de sua história de vida enquanto
ser social – [...] (PAIVA, 2014, p.28).

É imprescindível considerar a condição de classe nesta sociabilidade capitalista com


todas as suas contradições ao refletir sobre o processo do envelhecimento humano. Tal
reflexão, em relação ao envelhecimento populacional, coaduna com o posicionamento político
desta pesquisa, que o considera de forma heterogênea com suas múltiplas dimensões, e
enfatiza as peculiaridades da classe trabalhadora. Destarte, a crítica sobre a “problemática”
67

ocasionada pelo aumento demográfico tem a ver com a relação de classe desta população (a
classe trabalhadora) que envelhece e esteve durante toda a sua vida um precário ou inexistente
acesso à proteção social.
Ao longo das análises a respeito do envelhecimento da classe trabalhadora, Teixeira
(2008, p.39-83) observa que a transformação deste envelhecimento em problema social não
está relacionada apenas às questões biológicas.
Demógrafos, gerontólogos e outros cientistas que estudam o envelhecimento
humano usam esses dados demográficos e suas estimativas para demonstrar a
problemática do envelhecimento, tomado pelo critério cronológico e como grupo
específico, e a “ameaça” que representa, considerando-se o crescimento das suas
demandas sociais e econômicas em todo o mundo, ou seja, uma “ameaça” ao
sistema previdenciário, de saúde e de assistência social. (TEIXEIRA, 2008, p. 39).

Embora tais pesquisas se baseiem em dados estatísticos, fica evidente a preocupação


com as demandas especificas de uma determinada classe (a classe trabalhadora) e o que,
efetivamente, o prolongamento etário poderá ocasionar em níveis econômico-sociais.
Nesse prisma de abordagem, Teixeira (ibidem) ressalta não bastar afirmar que o Brasil
(como já ocorre em diversos países) experimenta o notório aumento populacional de pessoas
idosas, mas se torna imprescindível, ressaltar que este fator se constitui apenas uma das
facetas da problemática, e principalmente buscar, ampliar este debate, incluindo as diferentes
velhices contidas sob a lógica capitalista, englobando a luta de classes e a contradição entre
capital x trabalho.
Haddad (1986) ao analisar os dados divulgados pelo IBGE, na época em que realizou
sua pesquisa, constatou, realmente, haver um aumento acelerado da população idosa no Brasil
a partir da década de 1960.
Quadro 2 – Evolução da população idosa entre 1960 – 1980.

Evolução da População Idosa entre


1960 e 1980

2.741.506
2.445.585
2.028.926
1.791.127 1.708.571
1.402.962 1.216.510
1.140.358
787.676
1960 1970 1980

60 a 64 anos 65 a 69 anos 70 anos ou mais

Fonte: Haddad (1986, p.16).


68

A respeito deste aumento, Haddad (Ibidem) avalizou sobre a necessidade de refletir


acerca dos discursos que associavam o aumento da população idosa com a conquista de
melhores condições de vida e de bem estar-social para a população brasileira. Se, por um lado
o fato da expectativa de vida ter se alongado, represente algum avanço, necessariamente não
vai significar melhoria nas condições objetivas para a classe trabalhadora.
[...] Por outro lado, o crescimento demográfico desses segmentos populacionais
coloca em evidência uma outra questão: o aparecimento da população como objeto
de adestramento político e moral, matriz da produção de ideologias, inclusive as de
natureza médica. (HADDAD, 1986, p. 17-18).

Nestes termos, a autora enfatiza a questão ideológica, presentes nos discursos


difundidos a respeito do envelhecimento, versadas a partir destes números crescentes.
Notadamente giram em torno de uma velhice especifica – a velhice da classe trabalhadora –,
que será estimulada (por meio destes discursos) a continuar vendendo sua força de trabalho o
máximo de tempo possível.
Há uma música que retrata bem, o exposto por Haddad (Ibidem). Gonzaguinha
(Gonzaga Júnior – cantor, compositor e interprete brasileiro), discorre sobre a categoria
trabalho, porém, numa visão romantizada. Na canção, intitulada “Guerreiro Menino”, pondera
sobre a importância do trabalho e o condiciona a questão biológica. Ou seja, a própria vida.

[...] É triste ver esse homem, guerreiro, menino com a barra do seu tempo por sobre
os seus ombros. Eu vejo que ele berra, eu vejo que ele sangra a dor que tem no peito,
pois ama e ama. Um homem se humilha se castram seu sonho. Seu sonho é sua vida
e vida é trabalho. E sem o seu trabalho, o homem não tem honra e sem a sua honra,
se morre, se mata. Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz. [...].
(GONZAGUINHA, 1983).

Nesta concepção, portanto, o trabalho tem a finalidade de manter vivos (as) e atuantes,
aqueles (as) que dependem da venda da sua força de trabalho. Destarte, o prolongamento da
vida da classe trabalhadora, a questão da propagação dos discursos que defendem que a
velhice onera o Estado e, portanto, propõem o aumento do tempo de trabalho, corroboram
com a lógica capitalista de usurpar e controlar o tempo de vida da classe que sobrevive da
venda da sua força de trabalho.

2.2 Estado, Questão Social e Proteção Social: Notas introdutórias.

Conforme Engels (1977) o Estado tanto perpetua a divisão da sociedade em classes,


quanto o direito de a classe possuidora da propriedade privada explorar a classe não
possuidora. O Estado como sendo um poder que, embora tenha nascido da sociedade, foi
69

colocado acima dela se distanciando cada vez mais (Ibidem, 1977). Ao distingui-lo da antiga
organização gentílica, destaca características importantes, quais sejam: a ideia de dividir os
súditos a partir de territórios – a divisão territorial; instituição de uma força pública, formada
por homens armados, mas também de acessórios materiais, cárceres e instituições coercitivas
de todos os gêneros. Tal força é sustentada pelos impostos. (Engels, p. 120-193). Para o autor,
todo Estado representa uma sociedade, seja ela escravista, servilista ou capitalista.
Nestes termos, concluímos que os surgimentos do excedente econômico e do Estado
estão atrelados. Em regra geral, afirma Engels, desde o Estado mais antigo – englobando
escravismo e feudalismo e, sobretudo no capitalismo que o Estado é o Estado da classe –
econômica e politicamente mais poderosa.
Para Mandel (1982, p.333) todo Estado é produto da divisão social do trabalho, assim
além de mediar a produção material, seu papel central será de sustentação da estrutura de
classe e das relações de produção. O autor classifica e elenca 03 (três) funções
desempenhadas pelo Estado, ei-las:
[...] 1) criar condições gerais de produção que não podem ser asseguradas pelas
atividades privadas dos membros da classe dominante.
2) reprimir qualquer ameaça das classes dominadas ou de frações de particulares das
classes dominantes ao modo de produção corrente através do Exército, da polícia, do
sistema judiciário e penitenciário.
3) integrar as classes dominadas, garantir que a ideologia da sociedade continue
sendo a da classe dominante e, em consequência, que as classes exploradas aceitem
a sua própria exploração sem o exercício direto da repressão contra elas (porque
acreditam que isso é inevitável, ou que é “dos males o menor”, ou a “vontade
suprema”, ou nem percebem a exploração). (MANDEL, 1982, p. 333-334).

Mandel (1982) segue explicitando que nas sociedades pré-capitalistas, a função do


Estado não estava relacionada diretamente com a circulação de mercadorias. Sua função mais
ligada a terra ou ao solo e tinha como objetivo central sustentar a estrutura de classe que ora
se apresenta (no escravismo e, posteriormente no servilismo), bem como as relações de
produção; Sua origem coincide com a da propriedade privada, além da separação entre as
esferas privada e pública, entre outros apontamentos. (Ibidem, 1982, p. 334-335).
Observa-se, assim, que o Estado além de ser preceder o capitalismo, representa uma
sociedade, seja ela escravista servilista ou capitalista, atua na manutenção de uma ordem
específica; Nestes termos, o surgimento do excedente econômico e do Estado está atrelado.
Destarte, ao representar os interesses da classe dominante, o Estado será o ente que pela
coerção vai agir para manter a ordem, através da repressão e da violência. Behring e Boschetti
(2009, p. 47) destacam dois pontos fulcrais a respeito das sociedades pré-capitalistas; O
primeiro deles é o fato de não privilegiarem o mercado e o segundo é que ao assumir algumas
70

responsabilidades sociais, não havia o intuito de garantir o bem comum, mas de manutenção
da ordem social e punição a vagabundagem e, identificam como protoforma de políticas
sociais, tais iniciativas, embora pontuais, mas com características assistenciais, por meio da
caridade privada e da filantropia.
Netto e Braz (2009, p.71-72) ao discorrem sobre a crise no feudalismo e a ascensão da
burguesia relatam que o Estado Absolutista representou a resposta dos senhores feudais que
reduziu a intervenção de cada um deles, centralizou o poder político na figura de um monarca
(o Rei) e, além disso, expandiu o campo para a influência do seu financiador direto (o
mercado junto com as casas bancárias). Porém, o esforço realizado para combater os
camponeses não logra êxito e o referido Estado foi removido pela burguesia, conforme
apontam os autores:
[...] O Estado absolutista, que, no entretempo, servira também aos interesses da
burguesia nascente, agora transforma-se – [...] em obstáculo para o desenvolvimento
burguês. E a burguesia tratou de removê-lo, num processo que culminou em 1789.
(NETTO E BRAZ, 2009, p.74).

Destarte, o Estado burguês é um produto direto do Estado absolutista, como afirma


Mandel (1982, p. 335). Mas, há uma distinção apontada pelo autor, trata-se do fato da classe
capitalista reinar, mas não governar, como ocorrera no feudalismo. Esse Estado burguês
representa a classe capitalista, porém é autônomo.
Mascaro (2013, p. 56-59) ao desvelar sobre o Estado Moderno, o define como forma
política tipicamente capitalista, alerta sobre a importância de não confundi-lo com outras
formas de poder político. Para o autor, historicamente, o Estado surge antes da forma política:
A forma política em definitivo, que dá identidade ao Estado como instância apartada dos
indivíduos e das classes, surgirá com as revoluções burguesas. Em suas conclusões, pondera:
No aparato antigo era o Estado dos senhores, no aparato moderno é o Estado sobre todos.
Pereira (2013) declara que falar acerca de Proteção Social Capitalista não é uma tarefa
simples. Em suas palavras:
Falar de proteção social capitalista não é tarefa simples, a começar pelo fato de ela
não ser apenas social, mas também política e econômica; isto é, a proteção social
gerida pelo Estado burguês e regida por leis e pactos interclassistas, que procuram
conciliar interesses antagônicos, sempre se defrontou com o seguinte impasse:
atender necessidades sociais como questão de direito ou de justiça, contando com
recursos econômicos escassos porque, de acordo com a lógica capitalista, a riqueza
deve gerar mais riqueza e, portanto, ser investida em atividades economicamente
rentáveis. (PEREIRA, 2013, p. 637).
71

A autora destaca a importância de compreendê-la para além do âmbito social e


considerar também política e economicamente. Destaca a questão do Estado burguês com
suas leis e pactos interclassistas, bem como a lógica capitalista.
Behring e Boschetti (2009) comentam sobre a reduzida intervenção estatal para a
garantia dos direitos sociais, durante o período em que vigorou mais fortemente o liberalismo
econômico, há uma critica a respeito da intervenção do Estado e que seu papel deveria ser o
de criar as bases legais para a livre atuação do mercado. Na síntese feita pelas autoras, estão
elencados 08 (oito) elementos23, considerados essenciais para o entendimento do liberalismo,
quais sejam: 1) Predomínio do Individualismo; 2) O bem-estar individual maximiza o bem-
estar coletivo; 3) Predomínio da liberdade e competitividade; 4) Naturalização da miséria; 5)
Predomínio da lei da necessidade; 6) Manutenção de um Estado Mínimo; 7) As políticas
sociais estimulam o ócio e os desperdícios; 8) a política social deve ser um paliativo.
(BEHRING; BOSCHETTI p. 61-62).
Neste sentido, as autoras reafirmam sobre a importância da organização da classe
trabalhadora para que ocorresse a mudança do Estado liberal Europeu no final do século XIX
e início do século seguinte. O surgimento das politicas sociais foi gradual e diferenciado entre
os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do
grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das correlações e composições de força no
âmbito do Estado. Elas afirmam que vários autores são unânimes em situar o final do século
XIX como o período em que o Estado capitalista passa a assumir e a realizar ações sociais de
forma mais ampla, planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade. (IBIDEM,
2009, p.64).
Ao desvelar sobre o Estado e a Questão Social no capitalismo dos monopólios, Netto
(2011, p.19), alerta a respeito das profundas modificações (tanto no ordenamento quanto na
sua dinâmica) ocorridas no sistema capitalista, no final do século XIX.
Na tradição teórica que vem de Marx, está consensualmente aceite que o capitalismo
no último quartel do século XIX experimenta profundas modificações no seu
ordenamento e na sua dinâmica econômicos com incidências necessárias na
estrutura social e nas instâncias políticas das sociedades nacionais que envolvia [...]
(NETTO, 2011, p.19).

Com efeito, durante a passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista e


dentre as características, elencadas pelo autor, destacaremos, além da questão do acréscimo

23
Na obra, as autoras elencaram em ordem alfabética, mas em nosso estudo, optamos por falo em ordem
crescente de números.
72

dos lucros dos capitalistas, por intermédio do controle dos mercados: Supercapitalização e
Parasitismo.
A respeito da Questão Social, Iamamoto (2009) afirma:
Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da
sociedade capitalista madura, que tem como raiz comum: a produção social é cada
vez mais coletiva, o trabalho torna-se amplamente social, enquanto a apropriação
dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade
(IAMAMOTO, 2009,p.26).

A autora reflete sobre a enorme distância que há entre concentração e acumulação de


capital, bem como sobre o aumento da pobreza e das desigualdades sociais – a classe
trabalhadora participa na produção das riquezas, mas fica fora da partilha. Ela ressalta que:
“Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que
vivenciam estas desigualdades e a elas resistem e se opõem.” (IBIDEM, 2009, p.28). Neste
sentido, a expressão não está resumida as definições de um estado de pobreza, ou que retrata
dificuldades. Questão Social tem a ver com a organização da classe trabalhadora que vivencia
as desigualdades (produzidas pelo modo de produção capitalista), resistem e se opõem.
Selma Maria Schons (2007, p.23), destaca que a questão social, por um lado, é a
manifestação do estado de pobreza que se forma no coração mesmo do capitalismo, aqui,
especialmente como “filha da industrialização”; por outro, é a manifestação de um ator
político que se conscientiza, se organiza, e se torna sujeito da denúncia a exigir um
atendimento mais qualificado para as classes que representam o trabalho. Enfim, afirma que a
questão social resulta da contradição da relação Capital/Trabalho, inscrita em um sistema se
firmou com a revolução industrial e hoje tem novas manifestações na reestruturação
produtiva.
Netto (2011) é enfático ao declarar que nesta fase monopólica, o capitalismo
maximizará a contradição já existente entre produção social e apropriação privada. Seguindo
esta linha de raciocínio, desvelará sobre o Estado burguês, desempenhando múltiplas funções
(econômicas e sociais). A respeito da política social, desempenhada pelo referido Estado,
afirma:
[...] Através da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista procura
administrar as expressões da “questão social” de forma a atender as demandas da
ordem monopólica conformado pela adesão que recebe de categorias e setores cujas
demandas incorpora sistemas de consenso variáveis, mas operantes. (IBIDEM,
p.30).

Conforme já afirmamos no primeiro capítulo desta dissertação, o Estado Europeu


liberal, tencionado pela organização da classe trabalhadora, assume um caráter mais social.
Entretanto, tais iniciativas que aparecem como respostas, incorporaram apenas algumas
73

demandas, conforme citado anteriormente – a redução da jornada de trabalho, por exemplo,


porém visam manter o status quo, via sistemas de consenso.
O capitalismo produzirá, em diferentes estágios, diferentes manifestações da questão
social, conforme assevera Netto (2007):
O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a "questão social” –
diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da "questão
social", esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua
existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do capital
tornado potência social dominante. (NETTO, 2007, p. 157).

Deste, modo além de não atingir o cerne da questão social, destacamos a relação
estreita entre as políticas sociais com a reprodução da força de trabalho. Destarte, na
passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista há uma generalização das políticas
sociais – proteção social via Estado - situa-se, em especial na sua fase tardia, após a segunda
guerra mundial, ou pós -1945.
Silva (2012), tendo como centralidade a categoria trabalho, considera os mecanismos
de Proteção Social, como instrumentos de reprodução da força de trabalho. Em seus termos:
[...] O salário e as políticas sociais têm, entre outras, esta função de reprodução da
força de trabalho. As politicas sociais decorrem, por um lado, das necessidades de
acumulação do capital, e por outro, das necessidades de proteção e reprodução
material dos trabalhadores. Elas são estruturadas com a mediação do Estado, em
contextos particulares de acumulação e/ou da luta de classes [...]. (SILVA, 2012,
p.67).

Tais politicas se estruturam e são implementadas, a partir da mediação do Estado,


porém, não estão desconectadas da luta de classes. Desta feita, se percebe estreita relação
entre a capacidade de organização (social e política) da classe trabalhadora, cuja pressão se
concretiza em intervenção estatal, por meio dos sistemas de proteção social que visam
oferecer respostas – não apenas das demandas especificas da classe trabalhadora –. Mas,
principalmente que esta ação estatal tem como objetivo central a produção e reprodução do
modo de produção capitalista.

2.3 Bismarkiano e Beveridgiano: Os dois modelos de Proteção Social no capitalismo

Com o intuito de avançar nas discussões a respeito da Proteção Social, vale salientar
que dois modelos, utilizados foram implementados em épocas e lugares diferentes. Tais
modelos, assentados em projetos societários, dizem respeito a formatos específicos de Estado
e, consequentemente na maneira pela qual intervém (ou não) na questão social. Engels (1977),
afirma acontecerem certos períodos de exceção, nos quais o Estado aparece como mediador –
74

aparentemente –, em virtude das lutas de classes, neste contexto aparecerem equilibradas. A


este respeito, declara:
Nesta situação, acha-se a monarquia absoluta dos séculos XVII e XVIII, que
controlava a balança entre a nobreza e os cidadãos; de igual maneira, o
bonapartismo do primeiro império francês, e principalmente do segundo, que jogava
os proletários contra a burguesia e com esta contra aqueles. O mais recente caso
dessa espécie, em que opressores e oprimidos aparecem igualmente ridículos, é o do
novo império alemão da nação bismarkiana: aqui, capitalistas e trabalhadores são
postos na balança uns contra os outros e são igualmente ludibriados para proveito
exclusivo dos degenerados “junkers” prussianos. (ENGELS, 1977, p. 193-194).

Diante da assertiva, acima descrita, notadamente, observamos a referência há algum


tipo de intervenção, específica do Estado. Neste caso, o autor estaria se referindo a proteção
social, tendo em vista posteriormente mencionar a expressão nação bismarkiana, conforme se
lê, sem diretamente mencionar o termo.
O primeiro é o modelo surge em 1883, na Alemanha, por intermédio do Chanceler
Othon Von Bismark – Chanceler. Seu projeto de lei instituía o seguro acidente obrigatório,
com o objetivo central de assegurar renda aos trabalhadores em momentos de riscos sociais
decorrentes da ausência de trabalho. O modelo Bismarkiano era restrito aos trabalhadores
assalariados, neste sentido o acesso se dava por intermédio de contribuição prévia. Para
Salvador (2008):
O modelo de Proteção Social da Alemanha sob a direção de Bismark, instituído
entre 1883e 1889, era restrito aos trabalhadores assalariados e o acesso aos seguros
sociais que estavam comtemplados no modelo era feito mediante contribuição
prévia. A proteção social englobava o seguro saúde, o seguro acidente de trabalho e
os benefícios da aposentadoria por invalidez e idade. (SALVADOR, 2008.p.40).

Neste caso, se observa que as pessoas que não acessam o mundo do trabalho, ou seja,
não vendem sua força de trabalho e, portanto não contribuem, ficam desprotegidas. Outro
dado interessante apontado por diversos autores, diz respeito à fonte de financiamento, que
neste caso é proveniente da folha dos salários, recolhida pelos empregados e empregadores,
orientado pela lógica do Seguro Social24. Fleury (1994) destaca:
O fortalecimento do protecionismo de uma maneira geral, como resposta à crise
econômica, gerou as condições necessárias para vencer as resistências ao projeto
estatal de seguro compulsório: o seguro de saúde foi aprovado em 1883, o seguro de
acidentes em 1884, o seguro de velhice e invalidez em 1889. (FLEURY, 1994, p.
83-84)

Neste sentido, o que realmente expressa o formato do Seguro Social, implementado


pelo Estado alemão por intermédio do Bismark, é a manutenção da ideologia dominante ao
reafirmar a distinção entre o pobre e o trabalhador e não tratar a proteção social como direito

24
Behring e Boschetti (2009); Viana (2012); Salvador (2008).
75

de cidadania. Evidentemente, houve resistências e a autora aponta este fator. Bismark pautava
seus discursos na redução das desigualdades, entretanto manteve, intencionalmente, o sistema
que em sua tradição mantinha e reproduzia a lógica das desigualdades. (PAIVA, 2014, p.
166).
Em relação às transformações ocorridas na Europa e os rebatimentos nas questões
vivenciadas pela população idosa, Beauvoir (1990, p. 235) afirma que tais transformações
operaram mudanças no pensamento da sociedade acerca da velhice, mas além do âmbito
subjetivo, elenca as refrações que incidiram sobre as condições objetivas. O crescimento
demográfico desta população substitui o mito pelo conhecimento e rebate na maneira como a
medicina se debruça sobre as enfermidades deste ciclo de vida.
A literatura rompe o silêncio sobre a temática, pois diversos romancistas na França,
Inglaterra e Rússia se esforçam no sentido de retratar não apenas a velhice “privilegiada” da
elite, mas a das classes “inferiores”. Porém, Beauvoir ressalta que tais fatores não significam
que a situação econômica dos idosos tenha melhorado – ao contrário – para muito deles,
inclusive, piora. Neste sentido são 03 (três) fenômenos, interligados, que acompanharam esse
aumento populacional: a revolução industrial; êxodo rural e o florescer do proletariado. Em
suas palavras:
As transformações foram nefastas para os velhos. Nunca na França e na Inglaterra, a
condição deles foi tão cruel quanto na segunda metade do século XIX. O trabalho
não era protegido: homens, mulheres e crianças eram impiedosamente explorados.
Ao envelhecerem, os operários ficavam incapazes de suportar o ritmo do trabalho. A
revolução industrial realizou-se à custa de um incrível desperdício do material
humano. Na América, entre 1880 e 1900, o taylorismo produziu hecatombes: todos
os operários morriam prematuramente. Por toda parte, os que conseguiam
sobreviver, quando perdiam o emprego por causa da idade, ficavam reduzidos à
miséria. [...] Na França e na Inglaterra, viram-se pulular os velhos vagabundos, os
velhos indigentes (IBIDEM, 1990, p.236-237).

A forma pela qual, o Estado passa a intervir está intimamente ligada à reprodução da
força de trabalho, conforme analisado; A reestruturação produtiva por sua vez, reflete uma
lógica capitalista, desumana, na qual, as pessoas, aparecem como mercadoria.
Com base em levantamentos, observa-se que a violência praticada contra as pessoas
idosas se agudiza e revela ocorrerem parricídios, matricídios, bem como o abandono de
pessoas idosas a própria sorte em asilos. Outro ponto importante, está ligado ao fato de que
não haviam leis que versassem a este respeito, tão pouco politicas interventivas. A família
(inclusive a que praticava a violência) era a única responsável pela manutenção da pessoa que
envelhecesse.
76

Behring e Boschetti (2009) mencionam ter ocorrido um enfraquecimento das bases


que sustentavam subjetiva e objetivamente os argumentos liberais. Tal fato ocorre no final do
século XIX e inicio do século seguinte e as autoras elencam alguns fatores que culminaram
neste enfraquecimento. São eles: O crescimento do movimento operário, pois os direitos de
cidadania política e social, cada vez mais amplos, passam a ser reconhecidos para esses
segmentos; A vitória do movimento socialista em 1917 na Rússia; As mudanças no modo de
reestruturação produtiva – Fordismo; Concentração e monopolização do capital, demolindo a
utopia liberal do individuo empreendedor orientado por sentimentos morais; A crise de
1929/33 que abalou a confiabilidade do capital nos campos econômico, político e ideológico;
e o avanço do Keynesianismo25. (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 67-69).
O segundo modelo de Proteção Social, surgido na Inglaterra em 1942, com Willian
Beveridge, estava pautado na instituição de direitos universais a todos os cidadãos
incondicionalmente, tinha como objetivo central combater a pobreza. Gerido pelo Estado, a
fonte de financiamento se dava por meio dos tributos, ou recursos públicos. Em sua assertiva
Fleury (1994) ressalva:
Na concepção de Beveridge, o benefício deveria ser mínimo e desvinculado do
salário, mas não deveria representar um desincentivo ao trabalho e à liberdade
individual. Assim sendo, só deveria ser concedido àqueles que tivessem contribuído
minimamente para o sistema, que seriam incentivados a suplementar o benefício
através de contribuições voluntárias. A preservação de algum vínculo entre
contribuição e benefício serviria para manter o senso de responsabilidade, e
esperava-se que, com a expansão da economia em uma sociedade afluente, o número
daqueles que restariam para atendimento pela assistência pública tenderia
progressivamente à extinção. (FLEURY, 1994, p. 78).

Este sistema se adequou as ideias de Keynes e no denominado Estado de Bem-estar


social.
Vale salientar que os dois modelos citados ao longo desta breve análise, sofreram
modificações, conforme o capitalismo avança. E, que estiveram afiançados, primeiro pelo
liberalismo e, posteriormente pelo projeto societário neoliberal, sendo apresentados a
sociedade como respostas do Estado à questão social. Porém, além de manter a ordem
vigente, cumpre sua função social, ou seja, a reprodução da força de trabalho.
Com efeito, Silva (2012, p. 109) afirma que a consolidação da proteção social nos
países de capitalismo avançado ocorreu entre as décadas de 1940 a 1970 quando teve inicio a

25
Segundo John Maynard Keynes, caberia ao Estado restabelecer o equilíbrio econômico, por meio de uma
política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos ou inversões reais que atuassem, nos períodos de
depressão como estimulo a economia. Behring e Boschetti (2009);
77

chamada crise estrutural do capital. Nesta época, entra em declínio o padrão


fordista/keinesiano.
Behring e Boschetti (2009)26 relacionam a questão dos direitos sociais no Brasil com a
luta de classes e refletem sobre o antagonismo desta correlação de forças. As autoras analisam
que, os referidos direitos, sobretudo os trabalhistas e previdenciários estiveram na pauta das
reivindicações da classe trabalhadora brasileira. Porém, destacam que as respostas dadas,
representam a busca de legitimidade da classe dominante, como ocorrido durante os períodos
em que o país experimentou “Ditatura Militar”, ressaltam o caráter paternalista dessas
intervenções, além da instabilidade e fragilidade em relação aos direitos “conquistados”, que
está intrinsicamente ligada ao processo de formação do Estado brasileiro. (grifos nossos).
Guerra (2010) destaca que o agravamento entre o real e o formal no campo dos
direitos se acirra nos momentos em que o sistema capitalista entra em crise. A autora cita os
processos de restauração e de como opera processos de reestruturação produtiva como é o
caso da mudança do fordismo, ao instaurar a ofensiva neoliberal – (contra) reforma do Estado
que resulta em desemprego, flexibilização e desmonte dos direitos sociais e das políticas
públicas, na privatização, assistencialismo, responsabilização da sociedade civil pela
implementação e financiamento de tais políticas e serviços sociais. Diante desse quadro,
realça e reforça a ideia de que essa postura de reconhecimento e afirmação de direitos é
apenas mais uma estratégia de manutenção do capital.
A respeito do direito burguês, Guerra (Ibidem. p.42) assegura que além da visão
fetichizada que este direito expressa, a questão da universalização de acesso também é algo
ilusório. Desta feita, a cidadania que decorre desse direito (burguês). Reflete que o alcance
destes direitos (civis, políticos e sociais) significaria a supressão das desigualdades.
Entretanto, além de não transformar as desigualdades sociais, as encobrem e aprofundam, de
acordo com a autora.

26
É interessante notar que a criação dos direitos sociais no Brasil resulta da luta de classes e expressa a
correlação de forças predominante. Por um lado, os direitos sociais, sobretudo, trabalhistas e previdenciários são
pauta de reinvindicação dos movimentos e manifestações da classe trabalhadora. Por outro lado, representam a
busca de legitimidade das classes dominantes em ambiente de restrição de direitos políticos e civis – como
demonstra a expansão das politicas sociais no Brasil nos períodos da ditadura (1937 -1945 e 1964- 1984), que as
instituem como tutela e favor: nada mais simbólico que a figura de Vargas como o “pai dos pobres”, nos anos de
1930. A distância entre a definição dos direitos em lei e sua implementação real persiste até os dias de hoje.
Tem-se também uma forte instabilidade dos direitos sociais, denotando a fragilidade, que acompanha uma
espécie de instabilidade institucional e politica permanente, com dificuldades de configurar pactos mais
duradouros e inscrever direitos inalienáveis. (BEHRING E BOSCHETTI, 2009, p.78-79, grifos originais).
78

2.4 Proteção Social no Brasil e a população envelhecida: avanços e retrocessos em


entre 1920 a 1980

Até meados da década de 1920, a economia no Brasil era predominantemente agrícola


e a monocultura do café seu produto principal. Vale ressaltar que a crise do capital ocorrida
entre as décadas de 1929-1937, cujo marco foi à quebra da bolsa de Nova York produziu
reflexos em níveis mundiais, e no caso brasileiro solapou o comércio de café (diminuindo o
valor do produto e dificultando seu escoamento. Diante de tal crise, a economia se diversifica
e inicia seu processo de industrialização. Em 1930 Getúlio Vargas, após liderar a “Revolução
Política”, através de um golpe de Estado assume a presidência do País e, implementa medidas
voltadas para a industrialização do país. (CARVALHO, 2002).
Tal processo se intensifica, mas privilegiando os grandes centros, principalmente a
região sudeste. Muitos migrantes e imigrantes afluíram para estes grandes centros, com o
intuito de oferecer sua força de trabalho. Assim, nessas décadas, a situação se agudiza no
entorno das cidades, por causa de todo o processo de expropriação, vivenciado pela classe
trabalhadora pobre, começam a se formar as periferias – locais que não possuíam
infraestrutura – habitada pela população que, submetida a uma exploração tão abusiva capaz
de afetar até sua capacidade vital. São esses trabalhadores que se unem para reivindicar
direitos27.
Dentre as primeiras legislações que apontaram para a questão do envelhecimento do
trabalhador, a Lei Eloy Chaves que entrou em vigor no ano de 1923, é considerada o marco da
previdência social no Brasil – apesar de estar voltada para algumas categorias, consideradas
estratégicas28, instituiu a obrigatoriedade das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs).
Para Barbosa (2007), esta lei é um reflexo das características do desenvolvimento capitalista
daquele período, a saber: “centrado numa economia agroexportadora para aqueles serviços
públicos que eram essenciais.” (BARBOSA, 2007, p.39).
Tal análise é extremamente importante, pois, de fato, as primeiras categorias a
utilizarem as CAPS foram os trabalhadores da estrada de ferro e, posteriormente os marítimos
e portuários. Embora a autora (Ibidem) ressalte que a estrutura desse sistema era pouco

27
Entre os anos de 1917 e 1920 há relatos históricos de greves organizadas pelo movimento operário. Disponível
em:< http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/QuestaoSocial/MovimentoOperario>. Acesso
em: 12/jun./2018.
28
Categorias estratégicas, diretamente envolvidas no processo de produção e circulação de mercadorias naquele
momento histórico em que o Brasil transitava entre o agrícola (monocultura de café) e intensificação da
industrialização, bem como os reflexos da crise da Bolsa de Nova York entre os anos de 1929 e 1932. (Behring
e Boschetti, 2009, p. 80-81).
79

abrangente e frágil, essas categorias só conquistaram tal direito porque estavam mais
organizadas politicamente. A respeito da organização da classe trabalhadora, Gohn (2001)
declara:
É notório que tais conquistas só foram possíveis porque essas categorias estavam
organizadas politicamente, entretanto vale salientar que a resposta dada pelo Estado
além de não atender completamente aos anseios dos trabalhadores se deu de forma
autoritária e coercitiva. Nota-se esta peculiaridade inclusive nas respostas as
questões do envelhecimento, conforme veremos mais adiante. Vargas após liderar a
“Revolução política”, assume a presidência do país em 1930, através de um golpe
de Estado, e, durante seus 15 (quinze) anos de mandato e suas ações estiveram
voltadas para a industrialização do país. (GOHN, 2001, p.81).

Os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) são criados em 1930, durante o


governo Vargas, ficando sob a responsabilidade do Estado, por intermédio do Ministério do
Trabalho. As categorias estratégicas inclusas, possuíam planos que não tinham muita
uniformidade e estavam orientados pela lógica contributiva do seguro. Tais planos cobriam os
riscos ligados à perda da capacidade laborativa, como: velhice, morte invalidez, doença.
Entretanto, vale salientar que a resposta dada pelo Estado, além de não atender
inteiramente aos anseios dos trabalhadores, se deu de forma autoritária e coercitiva Tanto é
que durante a primeira crise financeira e administrativa do sistema em 1930, o Presidente
Getúlio Vargas suspendeu por 06 meses todas as aposentadorias, como relata Barbosa (2007,
29
p.40) . A autora (Ibidem) considera como um momento de reestruturação da Previdência,
quando em 1933, é criado os Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs30.
Entre os conjuntos de benefícios e serviços ofertados pelos IAPs, privilegiaremos as
ações de intervenção na habitação por se tratar do nosso objeto de análise. Bonduki (1994),
proposta para o capítulo posterior. O autor desvela acerca da intervenção dos IAPs nesta área,
inclusive detalha como o instituto se organiza e quais as classes que foram privilegiadas.
Numa clara estratificação e segmentação na oferta do serviço (habitação para um trabalhador
específico). Neste sentido, ficam de fora as pessoas que não possuem vínculo formal com o
mundo do trabalho.
Neste ano foi criado também o Ministério da Educação e Saúde Pública, (Behring e
Boschetti, 2009, p.106-107). Porém, ressaltamos que não haviam as ações planejadas, num

29
Portanto o projeto previdenciário de Getúlio Vargas integra uma série de estratégias que visavam manter a
ordem sem hostilizar o capital: Em suas palavras: Vemos assim, que o projeto previdenciário do governo Vargas
está articulado a uma série de medidas sociais e trabalhistas, que integram sua estratégia de política estatal e sua
proposta nacional e desenvolvimentista. Buscava-se manter a ordem, sem hostilizar o capital e transformando os
trabalhadores numa força orgânica de cooperação com o Estado. [...]. (BARBOSA, 2007, p. 40).
30
Ao tecer comentários a respeito de tal reestruturação ela aponta após a tentativa de reforma na previdência
espelhada no modelo de Beverigde é aprovada a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS em 1960.
80

formato de política pública, pois além de fragmentadas eram conduzidas através de


campanhas sanitárias, numa visão higienista e focalizada.

2.5 Constituições brasileiras de 1934 a 1967 e as ações em torno da velhice

O recorte histórico sobre as Constituições brasileiras anteriores a de 1988, elaborado


por Faleiros (2007) retrata que a velhice no Brasil foi tratada pelo Estado como sinônimo de
etapa improdutiva. A primeira Constituição analisada pelo autor foi de 1934, nela constata
que a velhice foi tratada como sinônimo de “etapa improdutiva”. Neste sentido, ser velho
significava estar excluído do mundo do trabalho e as ações previstas em lei eram da ordem
filantrópica (instituições de caridade). No artigo 121, item h, previa os direitos da pessoa
idosa como sendo direitos trabalhistas e apontava ações na previdência social “a favor da
velhice”. O artigo138 previa serviços para socorrer as famílias com proles numerosas e no
combate aos “venenos sociais”, além da questão de relacionar a velhice com a esfera
improdutiva, menciona um tipo de Contribuição Tripartite (empregador, empregado e União)
que remetia ao processo de industrialização, pelo qual passava o Brasil e, tem relação ao
formato utilizado tanto pelas CAPS quanto pelos IAPS, citados anteriormente.
Ao analisar a Constituição de 1946, o autor (Ibidem) relata que o texto contido no
artigo 157, amplia a ideia de seguro social para os trabalhadores industriais e na Constituição
de 1967 o artigo 158, estabelecia a previdência social nos casos da velhice. (FALEIROS,
2007, p. 40-41 - grifos do autor). Portanto, embora, conforme essa parcela da população
aumenta, surge, tanto por parte do Estado quanto da sociedade, a necessidade de implementar
medidas que possam dar conta dessas questões, porém as ações, além de pontuais, estavam
condicionadas a venda da força de trabalho. Este paradigma perdura até a Constituição
Federal de 1988.
Após a deflagração do golpe militar em 1964 a primeira instituição criada foi o Banco
Nacional da Habitação (BNH), e logo após o Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
Behring e Boschetti (2009) afirmam que o governo ditatorial se apressou em instituir o
referido órgão, com a intenção de impulsionar a economia, por intermédio de uma “estratégia
tipicamente Keynesiana”. (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 137).
A respeito do período em que o Brasil vivenciou o Regime Ditadorial, Netto (2001),
observa que o ciclo autocrático burguês, se divide em 03(três) momentos distintos: de abril de
1964 a dezembro de 1968, no qual transita o governo de Castelo Branco para Costa e Silva;
de 1968 a 1974 – do governo Costa e Silva para Médici; de 1974 á 1979 do governo Médici
81

ao do João Figueiredo. Neste momento, inicia uma transição democrática lenta e gradual no
cenário político brasileiro. (NETTO, 2001).
Em 1966 é criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Nesse ínterim,
vale ressaltar que, o (a) cidadão (ã) brasileiro (a), independente do sexo ou faixa etária, para
ter acesso aos serviços de Saúde precisava ser trabalhador (formal) e, portanto, contribuinte
ou, que a pessoa constasse na condição de dependente em Carteira de Trabalho e Previdência
Social (CTPS) – Carteira Profissional. De outra forma estariam excluídos (as) deste acesso.
Excluídos também, estavam os trabalhadores rurais que foram incluídos gradativamente, a
partir da década de 1970, com a criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural
(PRORURAL). Este programa disponibilizava recursos para o Fundo de Assistência ao
31
Trabalhador Rural (FUNRURAL) .
Em 1974 entra em vigor a Lei nº 6.119 que instituiu a Renda Mensal Vitalícia no valor
de 50% do salário mínimo para maiores de 70 anos que houvessem contribuído, ao menos um
ano, para a Previdência Social. É um pequeno avanço, visto o reduzido valor e o fato desta
parcela da população, apesar de contemplada, se dar apenas como trabalhador envelhecido.
Este também se constitui mais um ponto de retrocesso, contido na atual proposta de Reforma
da Previdência, pois na atualidade as pessoas idosas que comprovadamente não tenham
condições de prover sua subsistência, contam com a possibilidade de acessar o valor de 1
(um) salário mínimo, por intermédio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujas
regras estão contidas na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Mas, consta na proposta
retroceder a lei supracitada (Lei nº 6.119/74), tanto na questão da idade quanto no valor.
Revelando os contornos do atual, Estado de exceção que o Brasil se encontra.
Cria-se em 1974 o Ministério de Previdência e Assistência Social (MPAS) que passa a
apoiar, os centros de convivência. É deste ano a portaria mencionada por Haddad (1986). A
autora afirma que a primeira medida que normatiza a assistência aos idosos beneficiários, se
instituiu por meio da Portaria nº 82, de 04 de julho do ano supracitado. De acordo com as suas
palavras:
As normas baixadas dizem respeito à assistência aos idosos, à prestação direta e
indireta e aos acordos para internação custodial considerando que: já é prestada
assistência médica aos beneficiários idosos da Previdência Social através dos postos,
ambulatórios e hospitais próprios e por meio de serviços contratados ou
credenciados; a velhice condiciona o aparecimento de fatores diversos, sendo que os
componentes, predominantemente sociais, não configuram casos exclusivos de
assistência médica; verifica-se incidência de segurados idosos que ocupam leitos

31
Ponto questionado na recente Reforma da Previdência que prevê a ruina dos direitos dos Trabalhadores Rurais.
82

hospitalares do INPS por abandono da família; medidas de proteção devem ser


oferecidas pelo INPS para evitar a marginalização dos idosos.
A assistência, segundo a portaria será prestada diretamente pelo INPS através do
Serviço Social, e indiretamente, por meio de acordos com instituições da
comunidade, sempre que possível, de forma global, abrangendo os aspectos
biopsicossociais. [...] (HADDAD, 1986, p. 63).

Conforme a autora retrata, há uma ligação estreita e condicionante entre acesso da


população idosa aos direitos, ao fato de ter sido, ou ainda se constituir, contribuinte à
Previdência. Ficavam de fora, portanto as pessoas (idosas ou não) que não fossem
contribuintes.
Teixeira (2008) comenta que, neste ano, através do Ministério da Previdência e
Assistência Social, ocorreram 03 (três) Seminários Regionais com o tema: “A Situação do
Idoso no País” nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza. A autora observa que
tais fases desembocaram no seminário Nacional que aconteceu em Brasília, intitulado
“Estratégias de Política Social Para o Idoso no Brasil”. Após o seminário nacional, o MPAS
elabora – como produto destes encontros – um documento que sintetiza as discussões
realizadas: “O Idoso na Sociedade Brasileira: Diagnóstico Preliminar”, que reconhece a
necessidade de criação de uma política pública que trate das questões desta faixa etária e as
possibilidades de alternativas não asilares. (TEIXEIRA, 2008, p. 167 -168 - grifos originais).
A Política Social do Idoso, por intermédio do MPAS é definida em 1977, mas além de
não ser, de fato, implementada, não alcançou as reivindicações da população idosa, nem dos
segmentos representativos, causando insatisfação que reverberou em novos movimentos em
prol dos idosos, como a Associação Cearense Pró-Idoso (ACEPI) fundada em junho de 1977
e integrava 10 entidades sociais em torno da reivindicação da referida política. A
problemática do envelhecimento, para a autora, emerge como um tema privilegiado:
É nesse cenário que emergem os movimentos sociais dos idosos, ou outros em prol
desse segmento, e as reivindicações por políticas sociais. As décadas de 1980e 1990
são marcadas pela emersão do envelhecimento na agenda nacional como problema
social e político relevante. Essa transformação da velhice em tema privilegiado
deve-se tanto à revolução demográfica mundial, com o aparecimento do fenômeno
da longevidade, também em países em desenvolvimento, como o Brasil, quanto a
força dos grupos em pressão como o movimento dos aposentados de pensionistas, as
diversas organizações da sociedade civil, organismos internacionais, responsáveis
pela vocalização do envelhecimento, sob a influência da Gerontologia Internacional,
principalmente norte-americana, cuja orientação influenciará o modo de interpretar a
problemática do envelhecimento e as políticas sociais. (TEIXEIRA, 2008, p. 171).

Evidentemente, a década de 1980 é um momento de efervescência política, no qual


diversos movimentos sociais se proliferam pelo país. A respeito destes movimentos, a autora
pondera sobre o fato da maioria deles vocalizar muito mais as questões relacionadas a
previdência, porém, reitera a importância deles para dar visibilidade sobre a temática do
83

envelhecimento e a luta por políticas públicas que dessem conta das problemáticas em
discussão, mais detalhadamente, a Política Nacional do Idoso.
32
Vale a pena citar: o pioneirismo do Movimento Pró-idoso (MOPI) – criado em 1975
–, de acordo com Teixeira (2008) “nasceu nas dependências do Serviço Social do Comércio
(SESC)” e, contava com a participação de diversas organizações não governamentais, dentre
as quais, autora destaca: a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e a
Associação Nacional de Gerontologia (ANG) e, ressalta a influência que tais organizações
recebiam das agências internacionais, como a OMS e a Organização das Nações Unidas,
(ONU), dentre outras. Porém, reflete sobre a contradição presente nos discursos oriundos de
tais representações, que por vezes, reproduzem a lógica capitalista, de responsabilização
individual (privada) na busca por um envelhecer saudável, que desconsidera as refrações da
questão social vivenciada pela classe trabalhadora envelhecente.
Em 1982, ocorre em Viena na Áustria, a primeira Assembleia Mundial sobre o
Envelhecimento (AME33), sob o patrocínio da OMS. Vilione (2017, p. 82) comenta que a
referida assembleia, foi um marco, pois alavancou as discussões sobre o envelhecimento.
Porém, ressalta que, embora tenha resultado em um plano global de ação, os debates lá
transcorridos foram superficiais e visavam o crescimento econômico em detrimento da
realidade.
Teixeira (2008, p. 184-185), comentando a respeito dos reflexos desta assembleia no
Brasil, destaca a realização do I Encontro Nacional dos Idosos, patrocinado pelo SESC; o
inicio das atividades no Núcleo de Estudos da Terceira Idade (Neti); eventos promovidos pela
SBGG e pela ACEPI. Neste mesmo ano, de acordo com a autora é criada uma comissão,
formada por representantes, cuja função seria coordenar e apresentar sugestões sobre a
problemática do idoso, são eles: MPAS; Ministério da Saúde; Legião Brasileira de
Assistência Social (LBA); INPS; INAMPS: SBGG e SESC. Teixeira (Ibidem) relata que o
mesmo decreto (Decreto nº 86.880/1982) que cria a referida comissão, também institui o ano

32
Nascido em 1975, o MOPI mantém um termo de colaboração com a Prefeitura de São Paulo, por meio da
SMADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social). Em dezembro de 2017, sua gestão passou a ser
realizada pela Associação Reciclázaro, com o objetivo de dar continuidade à sua preservação como um espaço
de relacionamento e valorização dos idosos. MOPI. Movimento Pró-idosos, desde 1975. Disponível em:
<http://www.reciclazaro.org.br/casas/mopi/>. Acesso em 14 de abr de 2019.
33
Em documento oficial, publicado pela Secretaria Especial dos Direitos, publicado em 2003, o referido plano
consta organizado, baseado em três direções, consideradas prioritárias, são elas: idosos e desenvolvimento;
promoção da saúde e bem-estar na velhice e criação de um ambiente propício e favorável. (BRASÍLIA, 2003).
84

de 1982 como o Ano Internacional do Idoso. Em maio do mesmo ano, a portaria de Nº 2864
dispôs sobre a prestação de assistência ao idoso.
A Confederação Brasileira dos Aposentados e pensionistas (COBAP 34) foi fundada
em 1985, o Movimento dos Servidores Aposentados e Pensionistas (MOSAP35) surge em
1992. Este instituto, de iniciativa dos aposentados e pensionistas da receita federal,
posteriormente aglutinou as esferas estaduais e municipais. De fato, a realidade da velhice
brasileira e suas demandas, por meio dos movimentos sociais, se espalham e ganham certa
notoriedade. A força destes movimentos36 é enfatizada por Teixeira (2008, p.173), ao afirmar
que aposentados e pensionistas, por intermédio das suas associações, ao final dos anos 1980,
formavam o segundo maior lobby na Constituinte, perdendo apenas para a União Democrática
Ruralista (UDR).
Conforme apontam diversos autores, o Brasil entra, de forma lenta e progressiva em
processo de democratização. Mota (1995) ao discorrer sobre a cultura da crise que se
apresenta na realidade brasileira durante as décadas de 1980/1990, relacionando-a com a
seguridade social, observa:
É incontestável que, a partir dos anos 80, a sociedade brasileira, ao mesmo tempo
em que vivenciou um processo de democratização política, superando o regime
ditatorial instaurado em 1964, também experimentou uma profunda e prolongada
crise econômica, que persiste até os dias atuais. (MOTA, 1995, p.99).

Diante de um quadro de superinflação, desemprego, aprofundamento das


desigualdades sociais. Este período é marcado pela pressão dos movimentos sociais diante da
agudização da questão social.

34
A COBAP foi fundada em 1985, no IX Congresso Nacional dos Aposentados e Pensionistas (CNAP),
realizado de 10 a 13 de outubro, na cidade de Curitiba (PR), e surgiu como resultado do empenho e ação de
grupos de aposentados que buscavam uma organização que pudesse representá-los nacionalmente. Inicialmente a
COBAP funcionava nos estados dos presidentes eleitos e passou pelo Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais,
quando finalmente houve a transição para a cidade-sede, Brasília (DF).
Hoje, com sede própria em Brasília (DF) e grande visibilidade nacional, a COBAP tem representação em 22
estados brasileiros através das Federações filiadas e uma sub sede na cidade de São Paulo (SP). Além de realizar
debates nacionais que mobilizam aposentados de todo país, a COBAP organiza grandes manifestações que levam
milhares de aposentados, pensionistas e idosos às ruas em reivindicação por direitos. COBAP. Confederação
Brasileira de Aposentados e Pensionistas. Disponível em <http://www.cobap.org.br/pagina/67/a-cobap>.
Acesso em 14 de abr. de 2019.
35
Fundado em 21 de março de 1992, por iniciativa, coordenação e patrocínio da ACAF - SP, com o apoio
integral da então Unafisco Nacional, o MOSAP abrangeu, inicialmente, os servidores aposentados e os
pensionistas da Receita Federal. Em 12 de outubro de 1993, na Sala da Comissão de Relações Exteriores do
Senado Federal, instalou-se a Coordenação Nacional, com participação de outras entidades afins em níveis
federal, estadual e municipal. Com o crescimento de suas atividades, as entidades filiadas manifestaram-se,
unanimemente, sobre a imperiosa necessidade de se dar personalidade jurídica ao MOSAP. Nascia, assim, o
INSTITUTO MOSAP devidamente constituído e registrado em 5 de agosto de 1999, em Brasília. MOSAP.
Movimento Nacional dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas. Disponível em: <
http://mosap.org.br/> Acesso em 14 de abr. de 2019
36
Tais movimentos se mantêm ativos e estão na luta contra as reformas da Previdência, propostas pelo
Presidente Jair Bolsonaro.
85

Behring e Boschetti (2009) salientam que, em plena crise estrutural do capital que se
apresenta em declínio, o processo de reforma do Estado brasileiro, começa a ser delineado a
partir de meados da década de 1970, fundamentado pelo neoliberalismo37, no final dos anos
1980 avança e se agudiza a partir da década de 1990. Na pauta: privatizações, retração do
papel do Estado nos gastos com o social e ampliação do livre comércio.

2.6 Seguridade Social na cena contemporânea brasileira: Entre o Direito Formal e o


Real para a população idosa nas políticas consideradas específicas38

Silva (2010) afirma que os direitos adquiridos no âmbito das políticas sociais revelam
embates e antagonismos, pois, se, são fruto das reivindicações das classes e movimentos
sociais também servem como instrumentos de coerção que fragmenta e desmobiliza tais
movimentos. Nos termos do autor a Seguridade Social é relação social.
A Seguridade Social constitui um lócus privilegiado de processamento e mediação
das contradições relacionadas às formas de geração, apropriação e distribuição de
riquezas. A Seguridade é relação Social. Oculta e, ao mesmo tempo, revela os
embates em torno do acesso aos bens, recursos e serviços socialmente produzidos.
Sob o Estado do Bem-Estar Social, [...]. (SILVA, 2010, p.137-138- grifos originais).

Diante do elencado, os direitos sociais se constituem o resultado da organização da


classe trabalhadora. Porém, quando o Estado formaliza tais direitos, ou seja, os transforma em
políticas sociais ou legislação específica os anseios da classe trabalhadora são transmutados à
lógica capitalista e, neste sentido não se consubstanciam em direitos reais.
Conforme observa Boschetti (2009), a Seguridade Social brasileira, ao incorporar
elementos dois modelos distintos, como o bismarckiano que condiciona o direito mediante
contribuição e o beveridgiano no qual o direito tem caráter universal, deixa sem acesso aos
direitos sociais uma grande parcela da população. Nestes termos, a autora analisa que a
Seguridade Social brasileira fica situada entre o seguro e a assistência.
Na Constituição Federal de 1988, o Artigo 6º, relaciona os direitos sociais de forma
abrangente e bastante articulada, representando o conceito de uma forma mais ampliada,
conforme disposto:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. (BRASIL, 1988)

37
O neoliberalismo surgiu na Europa, logo após da II Guerra Mundial, nessa região o modo de produção
capitalista imperava. Anderson (2008) afirma que seu texto origem foi escrito por Friedrich Hayek em 1944
38
As discussões propostas estarão centradas na questão da moradia, tendo em vista servir como norte para o
próximo capítulo, no qual se discorrerá a respeito desta problemática, mais especificamente.
86

Vale salientar que em virtude da organização da sociedade para que tais direitos se
efetivem, o referido artigo já sofreu diversas alterações, desde promulgação da Constituição
Federal, incluindo no seu texto, por exemplo, o direito a moradia, que antes não fora
contemplado.
No Artigo 194, elenca-se saúde, previdência e assistência social que até então não
havia sido considerada direito. Conforme se lê:
[...] A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social. (BRASIL, 1988).

O artigo supracitado, além de elencar as três principais politicas, as coloca num


patamar de afiançadoras de direitos, percebe- se a questão da intersetorialidade, tendo em
vista estar expresso que a seguridade social se efetivará de maneira integrada com a
participação da sociedade.
Com as devidas ressalvas, definidas no artigo 196, destacamos que a saúde como
direito de todos e dever do Estado, amparada pelo conceito ampliado de saúde – defendido
pelo Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira (MRSB) –, se constitui espaço de luta
constante contra a lógica burguesa, que almeja transformar tal direito em mercadoria.
Em relação à política de assistência social, conforme consta no artigo 203, deverá ser
prestada a quem dela necessitar.
A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; V - a garantia de um salário
mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei. (BRASIL, 1988 – grifos nosso).

A partir da Constituição de 1988, a assistência social alcança status de política social.


Além deste avanço, as pessoas idosas são especificamente citadas, pois em seus objetivos,
menciona duas questões desta faixa etária: a primeira delas diz respeito à proteção à velhice,
em seguida a garantia de renda mínima, conforme termos dispostos em lei.
Para Haddad (2017) a Constituição Federal de 1988, ao utilizar a denominação de
seguridade social, introduziu um conceito alargado de proteção social no Brasil. Se, lograsse
êxito, a nova organização apontada para as políticas de previdência, saúde e assistencial
social, representariam avanço para a vida da população idosa. A autora, porém, ao analisar o
avanço neoliberal pós-promulgação, pondera:
Os objetivos da seguridade social sintetizam uma nova organização das políticas de
previdência, saúde e assistência social que, se concretizados representariam um
avanço maior na qualidade de vida dos idosos. Entretanto, logo após a promulgação
87

da Constituição, a COPAB temia pelo não cumprimento dela. Nesse momento, a


distância entre o discurso do governo e a influência da prática neoliberal já
evidenciava a ausência de perspectiva de uma política social mais justa. As pressões
do Movimento dos Aposentados e Pensionistas no Legislativo e Executivo, as
tentativas de atrair as centrais sindicais num momento em que era grande a taxa de
desemprego e as manifestações para sensibilizar a opinião pública voltada para seus
próprios problemas não conseguiram trazer para um primeiro plano os debates sobre
o direito à vida e, consequentemente, sobre o direito à dignidade na velhice.
(HADDAD, 2017, p. 131-132).

Neste sentido, a intensificação do desemprego e os ataques que a previdência social


tem sofrido, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso até os dias atuais.
Para Vianna (2000) o sistema de proteção social implantado no país, é comparado ao
americano, no qual o Estado se apresenta apenas quando as alternativas privadas se esgotam.
Assim, o incentivo as “parcerias” entre o público e o privado se espalham, a partir da década
de 1990. Nesse caso o Estado aparece atuando mais como instância reguladora. A este
respeito, Silva (2010, p.137) observa haver de fato essa complementaridade, fomentando as
ações privadas na área de seguridade social. Teixeira (2008) é exemplar ao destacar tal
complementaridade, inclusive apontando a questão do uso do recurso público que fomenta as
ações de cunho privado:
Entretanto, o sistema público de proteção social no Brasil não apenas conviveu com
graus diferenciados de interação com o setor privado, mas também criou
mecanismos para expandi-lo, tanto na sua face não mercantil, através da
revitalização pelo Estado do tradicional padrão assistencial – a chamada filantropia
estatal (cf. Oliveira, 1998), que mantêm a assistência social no quadro do não-
direito, mesmo sendo formalmente reconhecida como direito social, considerando as
históricas parcerias com a filantropia empresarial e outras instituições e
organizações sociais civis intermediárias na ação social junto a população –, quanto
sua face mercantil, nas formas de privatização mais explicitas, com repasse de
recursos públicos para esse setor, comprando serviços ou incentivando seu
crescimento pela precarização dos serviços públicos e não-investimento nesta esfera.
(TEIXEIRA, 2008, p. 203).

A partir da década de 1990, reconhecidamente como um momento em que se acirra o


projeto societário neoliberal e seu receituário de privatizações, satanização do Estado, ênfase
nas práticas individuais, ou privadas. Nesta década o primeiro dos 02 (dois) instrumentos,
considerados como fundamentais para assegurar os direitos à população idosa brasileira é
aprovado.
Trata-se da Política Nacional do Idoso (PNI), Lei n.º 8.842, de 1994. A referida
política tem como objetivo assegurar os direitos sociais dos idosos, onde estão previstas
diversas ações, pautada nos seguintes princípios:
Art. 3° A política nacional do idoso reger-se-á pelos seguintes princípios:
I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os
direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade, bem-estar e o direito à vida;
88

II - o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo


ser objeto de conhecimento e informação para todos;
III - o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;
IV - o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a
serem efetivadas através desta política;
V - as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as
contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos
poderes públicos e pela sociedade em geral, na aplicação desta lei.

Se observados os termos propostos na lei, a família é citada em primeiro lugar, seguida


da sociedade e por último o Estado. Tais entes devem assegurar ao idoso o acesso a todos os
direitos de cidadania, inclusive preservando esta população da discriminação, levando-se em
conta suas particularidades, tais como: diferenças econômicas, sociais e regionais.
A respeito da centralidade na família, estão apontadas em dois artigos da Constituição
Federal. Vejamos suas disposições:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas
idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e
bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em
seus lares, (BRASIL, 1988).

Desse modo, a questão da reciprocidade contida no artigo 229, não é novidade, tendo
em vista que estava presente nas Constituições anteriores. O artigo seguinte ao enfatiza esta
relação e imputa à família a responsabilidade pelo cuidado da pessoa que envelhece, em
seguida a sociedade e, por último o Estado.
Vale a pena ponderar a respeito do efeito prático de tal afirmação na sociedade. Qual é
a conexão entre a responsabilização da família de amparar à velhice e o ideário neoliberal?
Sobre o neoliberalismo, ao observar as afirmações do Anderson (2008) sobre o
neoliberalismo, observamos que o Estado se mantém forte na sua capacidade de intentar
contra a organização da classe trabalhadora quanto de controlar os gastos e parco tanto nas
intervenções econômicas quanto sociais. É um Estado mínimo para o social e máximo para o
capital.
A PNI, dispõe no Artigo 10, na área da habitação e urbanismo, as ações que deverão
ser implementadas, de acordo com a competência de cada órgão, conforme observamos:

a) destinar, nos programas habitacionais, unidades em regime de comodato ao idoso,


na modalidade de casas-lares;
b) incluir, nos programas de assistência ao idoso, formas de melhoria de condições
de habitabilidade e adaptação de moradia, considerando seu estado físico e sua
independência de locomoção;
c) elaborar critérios que garantam o acesso da pessoa idosa à habitação popular;
89

d) diminuir barreiras arquitetônicas e urbanas; (BRASIL, 1994, art. 10, V).

Entretanto, se a PNI aponta para as possibilidades de implementação na área da


habitação e abrange desde as ILPI’s, até as condições de habitabilidade da população idosa,
por outro lado fornece os critérios necessários, por meio de regulamentação, que de fato
apontem para a efetivação destes direitos, que não aparecem definidos claramente.
39
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) , por intermédio da Lei nº 8.742/93,
que estabelece objetivos, princípios e diretrizes das ações na política de Assistência Social foi
aprovada. Vale salientar que desde 1990 a referida lei havia seguido para o congresso
nacional, mas sua primeira redação foi vetada. Em 1993, durante o governo de Itamar Franco
é finalmente aprovada, este instrumento que configura Assistência Social como direito e
política de Estado. Conforme disposto no artigo 1º da citada Lei;
A Assistência Social é direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade
social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um
conjunto de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento ás
necessidades básicas (Art. 1º da LOAS).

Por intermédio da LOAS, por exemplo os parâmetros do Benefício de


Prestação Continuada (BPC) às pessoas idosas ficam mais evidentes, com a intenção de
viabilizar tal acesso.
Em 1998, a Norma Operacional Básica (NOB) é aprovada em 1998, com este
instrumento é possível diferenciar serviços, programas e projetos além de perceber que as
atribuições dos Centros de Assistência Social (CAS) também são ampliadas. Essa norma já
havia sido editada no ano anterior, já conceituava sistema descentralizado e participativo
ampliando no âmbito de competência das três esferas de governo e ainda institui a exigência
de Conselho, Fundo e Plano Municipal de Assistência Social para o município poder receber
recursos federais.
O segundo instrumento é o Estatuto do Idoso, instituído pela Lei n.º 10.741, de 2003,
destinado a regulamentar os direitos assegurados às pessoas com idade igual 60 anos ou mais.
Além de definir as obrigações da família, sociedade e do Estado. Estabelece prerrogativas,
critérios e sanções (em caso de descumprimento) para o acesso dos idosos as diversas
políticas, inclusive, define os critérios para acesso a habitação, no capítulo XX, mais
especificamente nos dois artigos abaixo elencados:

39
Reportamo-nos aos instrumentos viabilizadores da política de assistência social, tendo em vista que nos
capítulos posteriores, esta será a política que, no Estado da Paraíba recebe a incumbência de gerenciar o
Programa Cidade Madura.
90

Art. 37. O idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou
substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou,
ainda, em instituição pública ou privada.
Art. 38. Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos
públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria,
observado o seguinte: (BRASIL, 2003).

Conforme disposto, o artigo 37 abrange a questão da habitação de forma mais geral ou


conceitual e define o direito a moradia digna, atrelado à convivência familiar em instituições
públicas ou privadas. O direito a ter direito definido de forma abstrata. Não define critério de
acesso nem em caso de descumprimento. O artigo seguinte discorre sobre a prioridade deste
segmento à moradia digna nos programas habitacionais, inclusive com definição de
percentual de reserva e das condições de habitabilidade e mobilidade.
Para a população idosa, o referido artigo menciona a reserva de 3% (três por cento)
nas unidades residências. Entretanto, este percentual deverá ser disponibilizado apenas em
programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos públicos, deixando de fora a
iniciativa privada, bem como o subsistema de habitação de mercado.
Merece destaque o fato de que no inciso IV que trata dos critérios compatíveis de
financiamento para a aquisição do imóvel (casa ou apartamento). O mercado imobiliário, por
meio das instituições financeiras, leva em consideração tanto a renda quanto a expectativa de
vida. Assim, quanto mais velha a pessoa for, mais curto será o tempo financiamento da casa
própria e, consequentemente o valor da parcela será maior. Detalhe, quando a pessoa atinge a
idade de 80 (oitenta) anos já não terá direito a contrair nenhum tipo de dívida, na modalidade
financiamento. Destarte, o critério para acesso que é, extremamente, seletivo, condicionante e
excludente, como: renda compatível para financiar o imóvel; adimplência junto aos órgãos de
consumo e, principalmente o critério da idade – definidor de tempo e valor da prestação.
A questão da moradia é citada pela PNAD. A referida pesquisa, por meio dos dados
coletados pelo IPEA ao tratar das questões do envelhecimento e das condições de vida da
população idosa brasileira, menciona 04 (quatro) políticas que visam diminuir os impactos
sofridos pela parcela pauperizada desta faixa etária.
Quatro são as políticas mais importantes para a população idosa: renda para
compensar a perda da capacidade laborativa – previdência e assistência social –,
saúde, cuidados de longa duração e a criação de um entorno favorável – habitação,
infraestrutura, acessibilidade, redução de preconceitos etc. (PNAD, 2011, p.20).
Ao refletir sobre o que tais dados apontam, a primeira questão que se apresenta é
sobre: quais os impactos que a população idosa vem sofrendo e por quê? Seguida do motivo
pelo qual as menções acerca do: acesso à renda e a perda de capacidade laborativa estarem
91

vinculados às políticas de previdência e assistência social, numa perspectiva compensatória,


conforme se observa na expressão utilizada originalmente no texto.
A referida pesquisa enfatiza também a importância de se observar o entorno favorável
e a redução dos preconceitos no que diz respeito à política de habitação para a população
idosa. A questão do preconceito nos chama atenção e, sobre este ponto, Faleiros (2000), ao
desvelar sobre as funções ideológicas das políticas sociais, menciona a questão da “ideologia
da normalidade”. O autor afirma que quando medidas de política social, discrimina o acesso
por critérios de idade ou normalidade/anormalidade, transforma tais sujeitos em anormais,
fracassados e que não se adaptam. Em suas palavras:
As medidas de política social, discriminando as populações-alvo por critérios de
idade ou de normalidade/anormalidade, transformam esses mesmos grupos em
anormais em fracassados em desadaptados.
A ideologia da normalidade pressupõe que o indivíduo possa trabalhar para poder,
normalmente, com o salário obtido, satisfazer as suas necessidades de subsistência e
as de sua família. O trabalho é o critério de vida normal para viver bem. Os que não
conseguem, com o salário que ganham, obter essa vida normal, vêem-se censurados
socialmente pelas próprias políticas sociais, que atribuem, então, ao individuo seu
fracasso. É o que se chama culpabilização das vítimas, victim blaming.
(FALEIROS, 2000, p. 63 – grifos originais).

Ou seja, para a sociedade, se tais pessoas não conseguem prover para si e suas
famílias, por meio do salário (o que é tido como normal, nesta ideologia), são culpabilizados,
socialmente por intermédio das próprias políticas que os incluem. Como é o caso da
habitação.
No caso do acesso a habitação, geralmente se questiona o motivo pelo qual tal pessoa
ainda não conseguiu comprar sua casa. Se, vendeu a sua força de trabalho por determinado
tempo, o valor recebido não lhe possibilitou a compra de um imóvel? Porém, tal
questionamento, por vezes desconsidera as condições objetivas de acesso aos bens que são
produzidos, coletivamente, pela classe trabalhadora, mas a socialização se mantém privada,
nesta sociabilidade capitalista.
A Constituição menciona ao direito à moradia diversos artigos, dentre eles: o artigo 23
que define as competências nos três níveis de governo, visando “promover programas de
construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;”
(BRASIL, 1988, Art. 23; IX). Nos artigos 182 e 183 expressam algumas diretrizes contidas na
nova Política Nacional de Habitação que deve se instrumentalizar em ações articuladas com
outros setores e outras Políticas, como por exemplo, saneamento básico, transporte coletivo,
segurança pública, educação, trabalho, trânsito, desenvolvimento urbano entre outras, levando
92

em consideração a função social da terra. Para Monteiro (2012), há um engessamento na


problemática habitacional. A autora elenca alguns fatores que embasam sua afirmativa:
A problemática habitacional é questão engessada, porque demanda e envolve
diversos fatores, desde necessidade de espaço físico para construção até a
regularização cartorial, desse modo, permanece no discurso, faltando ação definitiva.
Do ponto de vista legal, há uma lacuna na própria Carta Magna, posto que, no Título
VIII, dedicado á ordem social (artigos 193 e seguintes), onde deveriam ser
pormenorizadas condutas políticas, nada é disciplinado, ao contrário do que
acontece, por exemplo, com o caso da saúde e da educação. (MONTEIRO, p. 2012,
p. 30).

Em outros termos, a dificuldade de instrumentalizar, pela ausência de regulamentações


claras sobre forma de acesso à moradia digna. A respeito das lacunas existentes na própria
Constituição Federal, cita o artigo (193) que, de fato não dá detalhes sobre a maneira que a
referida política deva ser executada, e poderia, pois abre as definições a respeito da
Seguridade Social brasileira.
Na questão habitacional (nosso foco de estudo) há ainda dois pontos que precisam ser
elencados e que se pretende avançar no capítulo posterior, são eles: a segunda Assembleia
Mundial sobre o Envelhecimento, ocorrida em 2002 na cidade de Madrid. Na qual insere a
questão da habitação para as pessoas idosas como um dos critérios de atuação, cujo plano foi
publicado no Brasil e o outro, é o próprio formato da política habitacional brasileira que, toma
corpo a partir dos anos 2000, mas se divide em habitação social e de mercado, ambos modelos
subsidiados por meio de recurso público.
Desta feita, diante do exposto na Constituição Federal, bem como nos dois
instrumentos (PNI e Estatuto do Idoso) que disciplinam e organizam sobre os direitos das
pessoas idosas no Brasil, observa-se que de fato, há uma dificuldade premente desta
população à obtenção da casa própria. Em regra geral este é o cenário que o (a) trabalhador
(a) encontra ao tentar adquirir a tão sonhada casa própria.
93

3 O ESTADO BRASILEIRO, A PROBLEMÁTICA DA HABITAÇÃO E O


ENVELHECIMENTO DA CLASSE TRABALHADORA.

Os condomínios exclusivos para as pessoas idosas, que estão em alta no Brasil desde
2007 se constitui objeto deste capítulo, com a intenção de desvelar sobre a função social dos
respectivos empreendimentos. Para tanto, se propõe desvelar a respeito da problemática da
habitação no Brasil com o envelhecimento populacional vivenciado no país, a partir da década
de 1960, relacionando a referida questão com o envelhecimento da classe trabalhadora e os
desafios que esta parcela vivencia no contexto atual, levando em consideração a analise
histórico- econômica e social; Com a finalidade de apreender as distintas formas de controle
ideológico da classe trabalhadora na gestão capitalista, pretende-se realizar uma análise do
tipo comparativa entre as antigas vilas operárias que surgiram no Brasil a partir de meados da
década de 1920 e os atuais condomínios exclusivos para pessoas idosas em São Paulo e
também na Paraíba. Esta relação se justifica pelo fato de ambos os formatos de moradia
estarem destinados à classe trabalhadora.
Ana Fani Carlos (2004) conceitua a cidade como um produto histórico-social e sobre a
reprodução do espaço urbano, afirma:

A cidade, enquanto construção humana, é um produto histórico-social e nesta


dimensão aparece como trabalho materializado, acumulado ao longo do processo
histórico de uma série de gerações. Expressão e significação da vida humana, obra e
produto, processo histórico cumulativo, a cidade contém e revela ações passadas, ao
mesmo tempo em que o futuro, que se constrói nas tramas do presente – o que nos
coloca diante da impossibilidade de pensar a cidade separada da sociedade e do
momento histórico analisado.
(CARLOS, 2004, p.11)

Deste modo, é de suma importância realizar uma análise sobre a cidade como espaço
de produção e reprodução social e assim, apreender o espaço urbano como cenário onde
ocorre e se materializa as questões sociais vivenciadas pela classe trabalhadora, bem como as
correlações de força entra as classes antagônicas neste modo de produção capitalista.
Bonduki (1998, p.14) utiliza o termo “Habitação Social” e que está relacionado com a
maneira pela qual o Estado incorpora a problemática habitacional e seus direcionamentos. Ao
conceituar o referido termo, Bonduki, explica:
Neste sentido, utilizamos o termo habitação social não apenas no sentido corrente,
ou seja, habitação produzida e financiada por órgãos estatais destinada à população
de baixa renda, mas num sentido mais amplo, que inclui também a regulamentação
estatal da locação habitacional e incorporação, como um problema do Estada, da
falta de infra-estrutura urbana gerada pelo loteamento privado. (BONDUKI, 1998,
p.14)
94

O autor aponta três facetas da intervenção estatal no problema da habitação a partir do


governo Vargas: Em primeiro lugar, relata a questão da produção direta ou financiada de
moradias; O segundo ponto, trata a respeito da regulamentação do mercado de locações e, por
fim a complementação urbana da periferia. Para o autor, tais fatores representam a notória
interferência estatal em um setor que até então da fase de produção até a comercialização se
dava apenas por meio da iniciativa privada, com restrições apenas de ordem sanitárias.
Um exemplo literário que auxilia na visualização desse processo encontra-se na obra
do escritor Aluísio de Azevedo, publicada nos idos de 1890:
E toda a gentalha daquelas redondezas ia cair lá, ou então ali ao lado, na casa de
pasto, onde os operários das fábricas e os trabalhadores da pedreira se reuniam
depois do serviço, e ficavam bebendo e conversando até as dez horas da noite, entre
o espesso fumo dos cachimbos, do peixe frito em azeite e dos lampiões de
querosene. Era João Romão quem lhes fornecia tudo, tudo, até dinheiro adiantado,
quando algum precisava. Por ali não se encontrava jornaleiro, cujo ordenado não
fosse inteirinho parar às mãos do velhaco. E sobre este cobre, quase sempre
emprestado aos tostões, cobrava juros de oito por cento ao mês, um pouco mais do
que levava aos que garantiam a divida com penhores de ouro ou prata. Não obstante,
as casinhas do cortiço, à proporção que se atamancavam, enchiam-se logo, sem
mesmo dar tempo a que as tintas secassem. Havia grande avidez em alugá-las;
aquele era o melhor ponto do bairro para a gente do trabalho. Os empregados da
pedreira preferiam todos morar lá, porque ficavam a dois passos da obrigação. O
Miranda rebentava de raiva. — Um cortiço! exclamava ele, possesso. Um cortiço!
Maldito seja aquele vendeiro de todos os diabos! Fazer-me um cortiço debaixo das
janelas!... Estragou-me a casa, o malvado! (AZEVEDO, 1997 p.11)

A referida obra descreve situações que demonstram o crescimento urbano desordenado


e, principalmente a questão da segregação espacial e da ausência de ações realizadas por parte
do Estado, vivenciadas pela classe trabalhadora pobre nos grandes centros. Outra referência
histórica acerca da relação entre o problema da habitação e a classe trabalhadora brasileira,
encontra-se nas construções das vilas operárias que iniciam pela região sudeste do país e em
seguida alcançam outros territórios conforme apontadas por Bonduki (1994) e Viana (2004)
como os primeiros empreendimentos habitacionais de grande porte construídos no país.
Para Bonduki (Ibidem), tais vilas surgiram atreladas à necessidade de ampliar e
fomentar o trabalho livre na economia brasileira. Estão entre os primeiros registros de
intervenção para a questão da habitação no Brasil. Construídas, planejadas e organizadas pela
iniciativa privada (as indústrias) e/ou com a parceria do Estado, em pleno desenvolvimento da
indústria no Brasil estavam direcionadas para a classe trabalhadora que atuava neste ramo –
Como foi o caso da Vila Maria Zélia, construída em 1916 no Estado de São Paulo. Em
primeira instância se verifica entre as justificativas para a implementação das vilas, a
necessidade de diminuição dos custos com a produção, pois o operariado residiria nas
95

proximidades, porém tal objetivo extrapola a esfera da produção e atinge o modo de vida da
classe trabalhadora que ali reside. Em um contexto no qual a moradia dos trabalhadores (os
cortiços) era considerada o principal foco de doenças infecciosas, origem de todos os males,
visada pela vigilância estatal, cuja intervenção higienista e policialesca, desconsiderava as
condições objetivas de vida desta classe. (Bonduki, 1994, p. 32-33).
Ora, se no setor habitacional a classe média que residia em palacetes e a trabalhadora
pobre em cortiços, Bonduki (1994) e Viana (2004) ao refletirem sobre a divisão social no
interior desses residenciais, observam que havia na organização e distribuição das residências
uma divisão baseada nestes termos, mas é a classe trabalhadora segmentada pela divisão
sociotécnica (mestres e gerentes e o operariado). A discussão sobre esta estratificação tanto
nas vilas operárias quanto em condomínios específicos também nos interessa.
Porém, diante da questão da habitação no Brasil, observa-se que a intervenção do
Estado não visa simplesmente equacionar a referida questão vivenciada pela população de
baixa renda (a classe trabalhadora pobre), mas se consubstancia em regulamentações para o
incremento deste mercado e, principalmente que tem historicamente privilegiado a elite
brasileira (independente de sua faixa etária).

3.1 Vilas operárias: Protoforma da Política Habitacional brasileira?

Bonduki (1994-1998) assevera que no período conhecido como “República Velha” –


1889/1930 –, o Estado brasileiro esteve ausente da produção e da regulamentação da
habitação, com raras exceções, como é o caso das produções habitacionais em 190640 nas
cidades do Rio de Janeiro/RJ e em Recife/PE. Tal postura é própria da caracterização de um
Estado Liberal e considera que uma das consequências desta ausência foi o elevado valor dos
aluguéis cobrados pelos proprietários neste período. Esta ausência ou desproteção era o
motivo central dos conflitos tanto entre os proprietários quanto pelos inquilinos, porém, nem
mesmo essas mobilizações em torno da questão habitacional, reivindicava a intervenção
estatal. Nem mesmo a lei do inquilinato dissolve tal questão, pois congela o valor dos
aluguéis sem restringir os despejos.
Behring e Boschetti (2009) comentam que a partir de 1907 o direito a organização
sindical é reconhecido no Brasil. As autoras relacionam a chegada dos imigrantes – cujas

40
Vila proletária Marechal Hermes – Iniciada em 1906 no Rio de Janeiro, teve suas obras paralisadas por 20
anos.
96

ideias anarquistas e socialistas europeias influenciaram a classe trabalhadora brasileira – com


as mudanças que ocorreram no cenário político e social. Além da organização sindical
supracitada, em 1911 a redução da jornada de trabalho para 12 horas diárias é conquistada e
em 1919 a questão dos acidentes de trabalho, mais ainda numa visão de responsabilizar
individualmente o trabalhador. De acordo com Behring & Boschetti (2009):
O fundamental, nesse contexto do final do século XIX e início do século XX, é
compreender que nosso liberalismo à brasileira não comportava a questão dos
direitos sociais, que foram incorporados sob pressão dos trabalhadores e com fortes
dificuldades para sua implementação e garantia efetiva. Essa situação começa a se
alterar nos anos 1920 e sofrerá mudanças substanciais a partir dos anos 1930. [...].
(BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 81).

É a partir desta década que começa a se delinear um formato embrionário de política


social, porém, totalmente voltada aos que vendem sua força de trabalho, inclusive a questão
habitacional, como a lei Eloy Chaves, aprovada em 1923 que instituiu as CAPs.
Destarte, entre as décadas de 1920/1930 a indústria ocupava um papel secundário,
diante de uma economia ainda muito mais voltada para a agricultura, ou no dizer do autor
(Bonduki, ibidem) para o agronegócio. Assim, no Brasil, a intervenção estatal na habitação
até a década de 1930 ficou restrita a ações pontuais com caráter repressivo e autoritário,
pautado na visão higienista. Como exemplo, Bonduki (1998) cita a estratégia utilizada para
resolver as questões voltadas ao aumento dos cortiços na cidade de São Paulo41, ao queimá-
los e expulsar a população pobre lá residente. Sendo assim, não havia uma política de
implantação para habitação social.
Ao utilizar o exemplo ocorrido na cidade de São Paulo, Bonduki (1994) demonstra
como em apenas 34 (trinta e quatro) anos a população da cidade, cresceu vertiginosamente –
passando de 40.000 (quarenta mil) habitantes em 1886 para 580.000 (quinhentos e oitenta
mil) em 1920. Tal representou um crescimento percentual de 1.450% (mil quatrocentos e
cinquenta). Com efeito, no contexto urbano descrito, diante do aumento populacional na
cidade de São Paulo, a produção habitacional de iniciativa privada se intensifica, e o aluguel
se torna a forma básica de acesso à moradia. O autor enfatiza ainda que não existia a
possibilidade de financiamentos para a aquisição da casa própria. Ou seja, a maior parte da
população pagava aluguel.
Em meados da década de 1900 surgem às vilas operárias que se difundem pelo país,
como modelo de habitação perfeita, econômica e higiênica, conforme aponta Vianna (2004).

41
A cidade de São Paulo é a referência da pesquisa do autor. Ele explica que tal escolha se deu tendo em vista as
grandes transformações urbanas e econômicas pelas quais a cidade passou neste período. Porém, destaca que,
levando em consideração as peculiaridades da pesquisa ela é válida para as outras regiões brasileiras.
97

Mas, a autora pondera que, na realidade, tais espaços foram utilizados pelos donos das
indústrias como forma de coerção sobre o operariado à lógica capitalista e refletiam uma
política de exclusão e segregação espacial que perdura até os dias atuais.
A respeito das vilas Operárias, Bonduki ((1998, p. 46-53) assevera que a produção
dessas casas voltadas para locação deveria ser considerada como “produção rentista”, pois
visava à obtenção de uma renda mensal pelo uso do dinheiro. Alternativa segura de
investimento. O autor acresce o fato de terem sido constituídas a maioria neste período e, que
nem todo trabalhador tinha condições de habitar uma casa de vila, tendo em vista os baixos
salários recebidos. A partir das observações do autor (Ibidem), os investidores deste ramo
(pequenos investidores, empresas construtoras e sociedades mutuarias), aproveitavam o
máximo dos terrenos, racionalizavam o projeto de uma maneira que garantisse o mínimo de
investimento para o máximo de lucro42.
Vianna (2004) comenta que havia duas modalidades distintas de vilas operárias: A
primeira, patrocinada e construída pelas empresas/fábricas, estava voltada para seus
funcionários; A segunda é a Vila operária particular, promovida por investidores privados e,
objetivamente estava voltada ao mercado de locação. Além disso, os construtores, em geral,
utilizavam o padrão das habitações já existentes naquele espaço.
Para a autora (Ibidem) o posicionamento ambíguo do Estado, diante da questão urbana
se apresentava da seguinte forma: De um lado, prioriza a questão da higiene e o faz de uma
maneira violenta, policialesca e de outro, incentiva a iniciativa privada para construção de
habitações para a classe trabalhadora, calcada nos padrões de comportamento normatizados,
de acordo com os códigos higienistas vigentes. A vila operária – modelo de habitação
perfeita. (VIANNA, 2004, p.07)

3.1.1 Análises sobre as vilas operárias a partir das categorias Proibicionismo e


Puritanismo do caderno 22 de Gramsci.

Ao estudar as análises de Gramsci (2007) no caderno 22 (vinte e dois) que versa sobre
Americanismo e Fordismo, observa-se como são introduzidos métodos de racionalização
americana que visava adequar o trabalhador a um novo tipo de trabalho, bem como dos
processos produtivos. Do mesmo modo, como os movimentos são repetidos na fábrica, os
operários são compelidos á incorporar novos modos de viver e de ser. A questão sexual,

42
O autor cita alguns exemplos, de vilas e cortiços, mas não nos deteremos nestes quesitos, pois foge do objeto
desta análise.
98

abordada por Gramsci é extremamente relevante para o estudo ora proposto, pois nas Vilas
Operárias, o formato da família se alterou de acordo com a visão do dono da indústria.
[...] Por outro lado é necessário encaminhar esta regularização e a criação de uma
nova ética. Deve-se observar como os industriais (especialmente Ford) se interessam
pelas relações sexuais de seus empregados e, em geral, pela organização de suas
famílias; a aparência de ‘puritanismo’ assumida por esse interesse (como é o caso do
proibicionismo) não deve levar a avaliações erradas; a verdade é que não se pode
desenvolver o novo tipo de homem exigido pela racionalização da produção
enquanto o instinto sexual não for adequadamente regulamentado, não for também
ele racionalizado. (GRAMSCI, 2007, p.251-252).

O autor reflete sobre a complexidade de tais regulamentações no âmbito da questão


sexual. No fordismo, tais imposições aparecem sob a justificativa de adequação aos novos
métodos de produção e de trabalho, apontam para a necessidade do restabelecimento uma
nova ética, ou seja, a racionalização do instinto sexual humano. O comportamento em
sociedade visa à estruturação de um padrão exigido economicamente para impulsão do modo
de produção vigente.
Dentre as vilas operárias, a mais mencionada é a Vila Maria Zélia; Idealizada e
fundada pelo empresário Jorge Street – proprietário de uma fábrica de juta em São Paulo.
Morangueira (2006, p. 154) em seus relatos a respeito do fundador, destaca que,
frequentemente em seus discursos, Jorge Street se mostrava contrário a lei de férias, ao código
de menores e ao que visava conceder direitos às mulheres. Inclusive, na vila em questão, o
modelo de educação adotado por ele visava ensinar aos operários a se manterem dóceis, bons
cristãos e bons operários.
Projetada pelo francês Pedarrieux, a vila Maria Zélia foi inaugurada no ano de 1916 e
possuía 200 (duzentas) habitações do tipo unifamiliares nos moldes higienistas da época, com
pelo menos 06 (seis) tipos de plantas para 03 (três) tipos de casas diferentes; Dispunha da
seguinte estrutura: creche, jardim de infância, dois grupos escolares (divididos por gênero)
com capacidade para 400 (quatrocentas) pessoas cada, escolas profissionais, farmácia,
médico, dentista, açougue, armazém, campo para jogos esportivos e uma associação
recreativa beneficente composta pelos operários. (Ibidem, 2006).
Outro fato bastante peculiar era o uso do traçado ortogonal da vila – que possibilitava
a proximidade entre os edifícios comunitários e ao acesso principal (Viana, 2004, p.19). A
autora denuncia a rigidez como o operariado era tratado em vilas operárias como estas e,
declara a inexistência da liberdade formal conclamada no capitalismo. Assim as vilas
empresariais eram erguidas para manter a proximidade e o controlar o tempo e modo como
viviam seus trabalhadores e toda a sua família.
99

A idéia de habitações bem construídas, higiênicas e econômicas, se fazia presente


não só como padrão de moradia, mas principalmente como forma de moralização e
controle do operariado. Essa forma paternalista de controle através das vilas, sob
razões “pretensamente” sanitaristas, e com uma clara divisão social do espaço
urbano, privilegiava somente as classes dominantes. (VIANA, 2004, p. 29)

Nestes termos, se percebe a maneira pela qual as condições eram impostas de forma
rígida, desde a organização familiar, os momentos de lazer – incluindo os dias em que se
permitia a realização das festas –, a utilização dos equipamentos sociais – como a creche, por
exemplo, a imposição da religião (católica), entre outros.
A maneira como a autora (Ibidem, 2004) descreve a vila operária, se percebe que
nestes espaços habitacionais, a classe trabalhadora vivia submetida e controlada, com o
objetivo de aumentar a produção e os lucros. O “modo de viver” da classe trabalhadora é
moldado pelo capital, por intermédio deste tipo de “acesso a moradia”, que tem a clara
finalidade de aprimorar a exploração da força de trabalho do operariado.
Ao construir uma vila operária, o industrial obtinha a posse das casas, o que, na
maioria das vezes, servia como instrumento para pressionar a força de trabalho,
gerando conflitos nessa relação patrão-operário. [...] A vida dos operários era um
prolongamento da rígida disciplina do regime de trabalho fabril. Dessa forma,
inexistia a liberdade formal que o trabalhador assalariado possuía no capitalismo,
como vendedor de sua força de trabalho. (IBIDEM, 2004, p.10-11).

Portanto, a reflexão sobre a construção das vilas também está relacionada com os
processos de subordinação da classe trabalhadora. Pois, o empresário, além de patrão é
também o senhorio, ou o dono da casa.
Bonduki (1998) afirma que a identidade patrão-senhorio trazia ainda a vantagem da
casa nunca permanecer vazia e de o aluguel jamais deixar de ser pago, pois o desconto era
feito na própria folha de pagamento. Aquele que construía e destinava as casas aos seus
operários, tinha a intenção de conseguir vantagens adicionais, entre as quais: a possibilidade
de negociar uma redução nos valores dos aluguéis em troca de salários menores e de exigir
que os outros membros da família também trabalhassem na empresa (mulheres e crianças).
Desta forma, as empresas submetiam e controlavam o trabalhador, que se demitido
fosse, perderia a casa. O patrão exercia, portanto, um alto controle sobre o modo de viver dos
operários e das suas famílias, inclusive do tempo, considerado, livre. A nosso ver, tal
modalidade reforça o caráter da disputa entre as classes (dominante e dominados), visa
claramente o enfraquecimento da classe trabalhadora – que, acredita ascender, ao residir em
vilas do tipo “operárias”, que se organizam a partir da divisão sócio-técnica do trabalho.
Bonduki (1998, p. 65), em sua assertiva pontua tanto o caráter autoritário e
moralizador, como marca deste modelo de intervenção. Vale ressaltar a adoção do modelo
100

unifamiliar e com dormitórios separados, na época em que as vilas operárias são introduzidas
no Brasil. Porém, a classe trabalhadora que vivia nos cortiços se organizava com base em
outras regras, consideradas inadequadas, insalubres, degradantes e não condizentes com a
moral imposta pela elite dominante na época. A naturalização ou reprodução de determinada
atitude, cujos discursos não brotam ocasionalmente, estão direcionados à classe trabalhadora,
com o intuito da autorreprodução do sistema capitalista. Wellen e Wellen (2010),
considerando o contexto de dentro da fábrica, refletem:
Varias técnicas e ferramentas foram utilizadas ao longo dos anos para impor os
interesses dos capitalistas sobre os trabalhadores, desde as formas mais precárias e
brutais até as maneiras mais sofisticadas e disfarçadas de adestramento. Os
contornos variaram e variam com o tempo, mas o conteúdo permanece o mesmo [...]
(WELLEN E WELLEN, 2010, p.38).

Neste sentido, os mecanismos de controle ideológico sobre a classe trabalhadora pode


variar e ganhar os contornos do tempo em que se realiza, mas seu conteúdo e sua
intencionalidade permanecem em encontrar formas cada vez mais eficazes de exploração da
força de trabalho e de dominação da classe trabalhadora. Assim, a partir de conceitos,
introduzidos no cotidiano, que trazem em si, o controle ideológico e a continuada
subalternização de classes que se mantém sob o jugo do capital (uma que domina e outra que
é dominada).
Desta feita, tanto o proibicionismo quanto o puritanismo, citados por Gramsci,
estiveram presentes no modelo e organização das unidades habitacionais que monitoravam o
tempo de trabalho e o tempo do não trabalho dos operários que ali residiam. E se revelará de
forma diferenciada nos Condomínios Exclusivos para as pessoas idosas, conforme veremos
adiante.

3.2 Questão habitacional: Modelo de intervenção dos Institutos de Aposentadorias e


Pensões (IAPs)

A partir da década de 1930, Bonduki afirma que a problemática habitacional passa a


ser tema de um amplo debate. Para o autor:
O clima político, econômico e cultural durante a ditadura Vargas (1930-45) colocou
em cena o tema da habitação social com uma força jamais vista anteriormente. Num
quadro em que todas as questões econômicas tornaram-se preocupação do poder
público e das entidades empresariais envolvidas na estratégia de desenvolvimento
nacional, o problema da moradia emergiu como aspecto crucial das condições de
vida do operariado, pois absolvia porcentagem significativa dos salários e influía no
modo de vida e na formação ideológica dos trabalhadores. (BONDUKI, 1998, p.73).
101

Sob esta, o ótica, o tema da habitação alcança a questão das condições objetivas da
classe trabalhadora, e neste movimento, o autor cita que embora a questão sanitária se
mantivesse presente a partir do debate sobre a habitação social, surgirão novos temas que são
mais condizentes com o projeto nacional-desenvolvimentista.
Nesse contexto, podem-se elencar dois pontos que para o autor foram cruciais:
Primeiro, a habitação vista como condição básica de reprodução da força de trabalho e,
portanto, como fator econômico na estratégia de industrialização do país; Segundo, a
habitação como elemento na formação ideológica, política e moral do trabalhador, é decisiva
na criação do “homem novo”, trabalhador-padrão que o regime queria forjar, como sua
principal base de sustentação política. Intelectuais de diversas áreas começam a se interessar
pelo tema, tais como: advogados, engenheiros, economistas, urbanistas, sociólogos,
assistentes sociais, além dos sanitaristas, como foi no caso do I Congresso de Habitação em
1930 e dez anos após as Jornadas de Habitação Econômica.
Nesta fase, o debate se amplia para a problemática da moradia e aponta para o fato
que, se o governo Vargas propiciou estes novos enfoques, o resultado pôde ser obtido além da
questão do diagnostico das condições habitacionais da época, mas chama a atenção
principalmente para o fato que, a elaboração dessas propostas tinha como proposito viabilizar
soluções alternativas que vislumbrasse a população pobre, sobretudo casa própria (Ibidem,
p.73-75).
Bonduki cita a existência de 08 jornais comunistas no país que comentavam a respeito
desta problemática, a partir da segunda metade da década de 1940. Em suas palavras:
[...] é importante citar a presença dos jornais comunistas, que chegaram a oito nas
principais cidades brasileiras. Publicando um grande volume de reportagens e
comentários, os diários comunistas são uma importante fonte sobre as condições de
moradia e infraestrutura urbana nos bairros populares e, apresentavam a visão de um
grupo político influente e formador de opinião, de grande peso eleitoral no período
de 1945 a 1947, e que defendia a habitação social. (BONDUKI, 1994, p.76).

Para o autor, o principal motivo de tanto interesse pelo tema se deu por diversos
fatores, entre os quais, a crise de moradia que o país atravessava, a conjuntura econômica e
politica da época requerer novos modelos de moradia operária e, cita o fato da crise ter
alcançado também a classe média, que para ele seria a principal formadora da opinião publica,
e, que, em sua maioria, residia de aluguel até aquele momento.
A produção de conjuntos habitacionais em larga escala está ligada a criação das
carteiras nos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) em 1937. Bonduki (1994)
esclarece alguns pontos bastante interessantes sobre tais carteiras: O primeiro está relacionado
com a questão dos recursos, oriundos do depósito compulsório das empresas e dos
102

trabalhadores e não tinham destinação imediata, tendo em vista servir para, posteriormente,
pagar as aposentadorias e pensões.
Todavia, a questão habitacional era secundária, pois a garantia desta prerrogativa era
sua função principal. O autor salienta ter ocorrido no interior desses organismos um debate
intenso sobre a destinação e pertinência deste investimento na área habitacional, por
considerar que este tipo de empreendimento colocava em risco o pagamento (futuro) das
aposentadorias e pensões. (BONDUKI, 1994, p. 725).
O financiamento da habitação social estava organizado em planos: (A, B e C)
contemplando a incorporação imobiliária para os setores médios conforme aponta Bonduki
(1994, p.728). Para um melhor entendimento acerca desses planos, o quadro a seguir, contém
as informações sobre a organização do financiamento da Habitação Social.

Quadro 3 – Planos para Habitação Social


FINANCIAMENTO DA HABITAÇÃO SOCIAL

PLANO A O acesso se dava por meio do pagamento de taxa de aluguel. A opção por esta modalidade
se justificava pela necessidade de manter a propriedade das unidades habitacionais para
proteger as reservas da previdência.

PLANO B Financiamentos para a Casa Própria – definição de prestações fixas. Esta opção torna a
rentabilidade irrisória, delapidando as reservas dos institutos.

PLANO C Financiava incorporação imobiliária para setores médios. Alta lucratividade.

Fonte: produzido a partir de dados contidos em Bonduki, 1994, p. 728.

Um dado muito relevante sobre o Plano C é revelado pelo autor. De acordo com ele,
entre os anos de 1937 a 1950 foram financiadas quase 5.000 unidades habitacionais para a
classe média pelo Instituto de Aposentadoria dos Industriários (IAPI); O autor também
destaca que a iniciativa do poder público ao criar as carteiras prediais em 1937 foi relevante,
pois antecipou tanto a reinvindicação social quanto a dos setores empresariais. Finalmente,
declara que com o aguçamento da crise habitacional na década de 1940, o Estado passa a
sofrer uma crescente pressão para intervir nesta questão; Inclusive, neste mesmo ano, o
Instituto de Aposentadoria e Pensões da Indústria (IAPI), adquiriu a vila Maria Zélia por
considera-la um modelo interessante e pretender reproduzi-lo.
A Fundação Casa Popular (FCP) surge em 1946, durante o governo de Dutra e tinha
como objetivo principal, construir moradia para a população de baixa renda. Bonduki (1998)
103

declara que, no sentido da habitação social, a FCP, representa um marco 43. Porém, observa
que, contraditoriamente, representa muito mais a ausência do Estado do que sua intervenção
de fato.
A principal diferença entre esse instrumento e os IAPs consiste no fato em que os
recursos (escassos) da FCP eram oriundos da União. Essa escassez de recurso, ausência de
critérios sociais rigorosos capazes de garantir o retorno dos investimentos, a inflação altíssima
que reverberava nos valores das prestações, além da visão clientelista e paternalista da
política, restringiu e até inviabilizou a capacidade da ação tanto da FCP quanto dos IAPs.
Pois, não havia taxas ou depósitos especificamente, cobrados para financiar a produção
habitacional, como por exemplo, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS),
posteriormente utilizado. (Ibidem. 1994, p. 725- 726). A este respeito, Monteiro (2012)
afirma:
Na realidade, o mercado imobiliário e o Estado não deram conta da balbúrdia que se
havia instalado com o desestímulo à moradia de aluguel em prol do sonho da casa
própria, a constituição da Fundação da Casa Popular, objetivando financiamento de
moradias – um marco para a história da habitação. Também propiciaram recursos
para financiar moradia os Institutos de Aposentadoria e Pensões – IAPs, criados pelo
governo Vargas como medida restruturadora do setor previdenciário. (MONTEIRO,
2012, p. 30)

3.3 Questão habitacional: do golpe militar a Política Habitacional pós Constituição


Federal de 1988.

Após a deflagração do golpe militar em 1964 a primeira instituição criada foi o Banco
Nacional da Habitação (BNH), e logo após o Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
Behring e Boschetti (2009) afirmam que o governo ditatorial se apressou em instituir o
referido órgão, como uma estratégia que visava impulsionar a economia, privilegiando o setor
da construção civil.
Além da institucionalização da previdência, da saúde e, com muito menor
importância, da assistência social, que era basicamente implementada pela rede
conveniada de serviços prestados pela LBA, a ditadura impulsionou uma política

43
O fracasso da Fundação da Casa Popular como órgão central e coordenador de uma emergente “política
habitacional”, no entanto, não obscurece o fato de que sua criação, como o primeiro órgão nacional destinado
exclusivamente à provisão de moradias para a população de baixa renda, representou o reconhecimento de que o
Estado brasileiro tinha obrigação de enfrentar, através de uma intervenção direta, o grave problema da falta de
moradias. Embora as carteiras prediais dos IAPs sejam anteriores, estes órgãos não eram destinados
especificamente a enfrentar o problema de habitação, e sim instituições previdenciárias, agindo
complementarmente dentro de uma lógica marcada pela necessidade de investir os imensos fundos de reserva da
Previdência Social para preservar seu valor. (BONDUKI, 1994, p. 718).
104

nacional de habitação com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) [...]


(BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 137).

O formato de gestão do BNH, típica do regime militar era centralizada, burocratizante


e rígida. Os projetos de habitação não levavam em consideração as particularidades de cada
região e os conjuntos habitacionais tornavam-se cidades dormitórios, localizados muito
distantes dos centros e sem a mínima infraestrutura, tais como: escolas e creches; segurança;
meios de transporte, unidades de saúde, entre outros.
Na gestão do BNH, esteve em evidência a habitação para a elite brasileira, além disso,
as empreiteiras lucravam com a Política Nacional de Habitação perpetuando o modelo de
segregação, desigualdade e exclusão, pois nos locais habitados pela elite, havia condições de
urbanidade enquanto, os projetos habitacionais para a classe trabalhadora situava-se nas
periferias. Nestes locais a população continuava sem acesso ao mínimo de infraestrutura
(transporte, equipamentos de saúde, educação, entre outros), ou, nos termos de Rolnik, sem
acesso a cidade legal. (ROLNIK, 2002). Assim, além de privilegiar a classe dominante e
incrementar a área da construção civil, ainda solapou a economia brasileira e aprofundou a
questão habitacional no Brasil, pois de acordo com a autora, apenas 33% das moradias
erguidas com o financiamento do SFH foram destinadas à população de baixa renda.
A extinção do BNH, em 1986 se deu, principalmente, em virtude da inadimplência,
gerada pelo clientelismo (bem conhecido no cenário da política brasileira), que fazia com que
diversos mutuários não se sentissem na obrigação de pagar as prestações por ter recebido a
casa de presente do candidato. Além disso, considere-se o acelerado processo inflacionário
que levou a grandes aumentos das prestações inviabilizando o pagamento por parte
significativa dos mutuários, inclusive gerando protestos contra a expulsão dos moradores
praticados pela gestão do BNH. (Bonduki, 1998).
A década de 1980, além de ser marcada pela intensa desigualdade e acirramento da
questão social, se percebeu a participação ativa da população idosa que se organiza, por meio
dos movimentos sociais para reivindicar seus direitos, exigindo desta maneira do Estado um
olhar diferenciado para suas causas, conforme citamos no capítulo anterior.
Maricato (2008) afirma que entre as décadas de 1980 e 1990 o agravamento da crise
financeira e o significativo aumento da pobreza no Brasil se refletem nas questões
habitacionais vivenciadas na ocasião. Inclusive a autora destaca ter ocorrido um avanço do
mercado de construção – privado legal, tendo em vista, as instituições bancárias,
privilegiarem os financiamentos de imóveis habitacionais para classe média alta brasileira. Ou
seja, o incremento na produção habitacional estava voltado para as pessoas com renda
105

superior a nove salários mínimos. Até então, conforme observamos, mesmo nas incipientes
ações do Estado na questão da habitação, não havia proposições que levasse em conta a
população idosa, mormente a classe trabalhadora envelhecente. Faleiros (2007) afirma haver
uma imposição de silêncio atribuída a este segmento – Classe tida como se não possuísse
sequer mecanismos de luta. De acordo com o autor:
Essa rápida transição era silenciada social, política e culturalmente. Socialmente
pela não fala sobre a velhice numa sociedade considerada de jovens e voltada para a
exaltação da força e da beleza física. Politicamente, o silêncio adivinha em razão de
mudanças nas políticas sociais com redução do papel do Estado em favorecimento
do mercado e as reformas propostas traziam no seu bojo o corte de direitos sociais.
Como falar em garantia de direitos num contexto neoliberal? Culturalmente a
velhice pode ser silenciada pela discriminação e violência. (FALEIROS, 2007,
p.36)

É notório que a organização da população idosa, por meio da participação nos


movimentos sociais, possibilitou olhar para o velho como protagonista social. Neste sentido,
há um rompimento com o silêncio que a velhice tem enfrentado no Brasil, um silêncio nos
âmbitos social, político e cultural.
A partir da Constituição Federal de 1988 – marco legal das políticas públicas, elenca-
se duas conquistas de suma importância para as pessoas idosas no Brasil. A primeira delas
trata-se da Politica Nacional do Idoso, instituída no ano de 1994 e, posteriormente o Estatuto
do Idoso em 2003. Vieira (1992) observa que a política social está fortemente ligada às
reivindicações da classe trabalhadora e, diante do avanço do capitalismo e seu
desenvolvimento é profundamente marcado pela direção social adotada pelo Estado brasileiro.
Notadamente, tanto os instrumentos supramencionados quanto o desenho da política
habitacional brasileira estão impregnados do ideário neoliberal que se acirra no país, a partir
da década de 1990.
Na tentativa de mapear a política habitacional no Brasil, com a pretensão de elencar
desde o fenômeno do aumento da população de trabalhadores nos grandes centros urbanos, as
primeiras intervençoes, tais como: a construção das primeiras moradias, (as vilas, operárias –
empresariais e particulares; a autoconstrução; o surgimento das casas populares – que foram
construídas afastadas dos centros urbanos), o que ocasionou a segregação espacial e social da
população de menor valor aquisitivo, gerando as periferias e a agudização da questão social
habitacional até chegarmos à Constituição Federal de 1988.
Observamos que a partir dos anos 2000 é que presenciamos o pleno desenvolvimento
da Política Nacional de Habitação, mais precisamente no governo de Luiz Inácio Lula Silva,
por meio da regulamentação dos Artigos 182 e 183 com a Lei 10.257, mais conhecida como
106

Estatuto da Cidade que dispõem e a função social da propriedade, bem como a criação do
Ministério das cidades que tem como competência tratar da política de desenvolvimento
urbano e das políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e
transito.
Em relação à política habitacional, cerca de 12 (doze) anos após a promulgação da
Constituição de 1988, o Instituto Cidadania44, no ano de 2000, elabora o projeto moradia,
sendo o responsável por mudar o paradigma de sistema de habitação no Brasil. Maricato
aponta que:
A estrutura da tese é relativamente simples e óbvia apesar de original: ampliar o
mercado privado (restrito ao segmento de luxo) para que este atenda a classe média
e concentrar os recursos financeiros que estão sob gestão federal nas faixas de renda
situadas abaixo dos 5 salários mínimos onde se renda situada abaixo dos 5 salários
mínimos onde se concentra 92% do déficit habitacional e a grande maioria da
população brasileira. (MARICATO, 2005).

Inserido na implementação dessa nova política está a aprovação do Fundo Nacional de


Habitação de Interesse Social (FNHIS), a criação do Ministério das cidades e os conselhos, a
ampliação dos recursos orçamentários e subsídios do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), o estímulo à implementação do Estatuto da cidade que é instituído a partir da
lei nº 10.527 de Julho de 2001 que tem como importante papel fortalecer os artigos 182 e 183
da constituição de 1988 (já mencionados anteriormente).
De acordo com os autores Bonduki e Rosseto (2008), o Plano Nacional de Habitação
(PLAN HAB) foi elaborado a partir de um intenso processo participativo coordenado pela
Secretaria de Habitação do Ministério das Cidades, se estrutura em quatro eixos: 1) desenho
institucional; 2) modelagem de financiamentos e subsídios; 3) política urbana e fundiária e,
finalmente 4) cadeia produtiva da construção civil. Partindo desses eixos o plano tem a função
de estruturar planos de ações, a fim de equacionar a questão habitacional no Brasil.
Em 2005 é aprovada a Lei nº 11.124/2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social –SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social –FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS, que visam complementar a Política
Nacional de Habitação. Composto por dois subsistemas, sendo eles: O subsistema de
Habitação de Interesse Social e o Subsistema de Mercado, as linhas de financiamento do

44
Neste Instituto, profissionais de diversas áreas em conjunto com representantes de movimentos sociais e dos
setores empresariais se organizaram para discutir e planejar o Projeto Moradia que foi concluído no ano de 2000.
Conforme consta no site oficial do Instituto Lula. Disponível em: <http://www.institutolula.org/projeto-
moradia/> Acesso em: 04 de maio de 2018.
107

Sistema de Habitação no Brasil são utilizadas de acordo com a demanda e o tipo específico de
moradia, ou problema habitacional. Os agentes financeiros que aparecem nesse subsistema
são: Bancos Múltiplos, Companhias Hipotecárias e Securitizadoras, Consórcios
Habitacionais, Cooperativas de Crédito entre outros.

3.4 Política de habitação no Brasil e a interface com as políticas voltadas para a


população idosa

Acerca de ação efetiva no âmbito da habitação para a população idosa, nota-se que o
estado de São Paulo adota as primeiras iniciativas. Porém, mencionar o Grupo de Articulação
para Moradia de Idosos da Capital (GARMIC) e sua precursora, a senhora Olga Luzia Leon
de Quiroga é de suma importância. A autora, ao definir como se manifesta e sobre a
relevância deste movimento, faz a seguinte reflexão:
[...] Esse movimento nasceu em 1999, na Casa Lar e Convivência São Vicente de
Paula, que, por meio de aulas sobre cidadania, tentava resgatar a dignidade de um
grupo de moradores de rua para incluí-los na sociedade. Eram quinze pessoas, entre
homens e mulheres muito diferentes entre si, no seu jeito de agir, ser e pensar, que
se juntavam a moradores de albergues e participavam da convivência da Casa Lar.
Em todos os encontros e discussões coletivas sempre se chegava ao mesmo ponto. O
grande desejo de todos era ter um canto onde morar, para poder ter privacidade e
não serem incomodados. (QUIROGA, 2007, p. 215).

De acordo com a autora, os idosos em situação de rua, da cidade de São Paulo se


organizaram para lutar por moradia digna, antes mesmo do Estatuto do Idoso ser instituído.
Em suas palavras, Quiroga (Ibidem) relata a participação ativa dos movimentos sociais nas
discussões a respeito do tema, dentre os quais: o Fórum de Cortiços, União de Lutas dos
Cortiços e Movimentos de Moradia do Centro que estavam filiados a União Movimentos
Moradia. A autora também menciona a importância da representação participativa no Grande
Conselho Municipal do Idoso (GCMI).
Neste sentido, ponderamos sobre a importância da organização política da população
idosa e, principalmente da função desempenhada pelo Conselho dos Direitos da Pessoa Idosa,
com seu triplo caráter: fiscalizatório, deliberativo e de assessoria. Dois anos antes do encontro
acima mencionado, o prefeito Celso Pitta (Partido Progressista Brasileiro – PPB), entregou
uma pequena vila, denominada Vila DignIDADE – com essa grafia mesmo – , com apenas 06
unidades habitacionais e que, na ocasião se comprometeu em doar mais 03 (três) terrenos,
posteriormente, com a finalidade de construir outras vilas, neste formato. Porém, na gestão
seguinte tal fato não ocorreu.
108

Quiroga (2007) além de comentar o referido fato, enfatiza a importância da


organização do movimento para pressionar o governo em busca de novas soluções, dentre as
quais, destaca: o Parque do gato – entregue em 2004; a Casa dos Idosos (moradia provisória
para 10 idosos) e, a Vila dos Idosos no Pari em 2007 (sobre o qual nos debruçaremos mais
adiante).
A problemática urbana e o envelhecimento humano tem sido fruto de muitas
discussões em escala global. Em 1982, a questão da moradia constava na pauta da Primeira
Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento que aconteceu em Viena. 20 (vinte) anos
depois, na segunda assembleia, ocorrida na Cidade de Madri na Espanha, a questão da
moradia também é mencionada e incorpora elementos que visam á integração da população
idosa; as questões de acessibilidade e a participação política. Além disso, relaciona tais
questões com o envelhecimento da força de trabalho.
Em 2003 – como resultado desta Assembleia, o Governo Federal lança o Plano de
Ação Internacional para o Envelhecimento. O referido plano está organizado da seguinte
forma: além da declaração política; 03 (três) Orientações prioritárias (idosos e
desenvolvimento, promoção da saúde e bem-estar na velhice e, ainda, criação de um ambiente
propício e favorável), compostas por temas e objetivos e as recomendações para adoção de
medidas. Ao todo são 35 objetivos e 239 recomendações, conforme aponta Vilione (2016, p.
84).
A essência do Plano de Ação Internacional do Envelhecimento, contida na declaração
política, mais especificamente no artigo 12, tem relação direta com a reprodução da força de
trabalho. E neste caso, defende a ampliação do tempo de exploração da classe trabalhadora,
conforme disposto:
As expectativas dos idosos e as necessidades econômicas da sociedade exigem que
possam participar na vida econômica, política, social e cultural de suas sociedades.
Os idosos devem ter a oportunidade de trabalhar até quando queiram e de serem
capazes de assim o fazer, no desempenho de trabalhos satisfatórios e produtivos e de
continuar a ter acesso à educação e aos programas de capacitação. A habilitação de
idosos e a promoção de sua plena participação são elementos imprescindíveis para
um envelhecimento ativo. É preciso oferecer sistemas adequados e sustentáveis de
apoio social a pessoas idosas. (OMS, 2003, Art.12).

Assim, se observa que, de maneira subjetiva, as ações contidas no plano estão


interligadas com a questão da ampliação do tempo que a classe trabalhadora se mantenha
vendendo sua força de trabalho.
No documento intitulado “Envelhecimento ativo: um marco para elaboração de
políticas”, publicado em 2005, contendo 07 desafios, os dois últimos tratam sobre a questão
109

do trabalho, há duas proposições que enfatizam a questão econômica desta população que
envelhece e a necessidade de criar um novo paradigma sobre o envelhecimento. Notadamente,
nas proposições, o envelhecimento humano se apresenta como algo negativo
economicamente. Pois tanto pode onerar o sistema de saúde e os seguros sociais (públicos e
privados). Portanto, diante do fomento das Organizações Internacionais surgem medidas –
transmutadas em Proteção Social – mas, na realidade visam à reprodução da força de trabalho.
É possível conectar, deste modo o surgimento dos condomínios exclusivos para as pessoas
idosas no Brasil tendo como pano de fundo estimular ações amparadas em discursos como
“envelhecimento ativo” que dá margem á ampliação do tempo de exploração da vida da classe
trabalhadora.
O direito à moradia digna para a população idosa foi pauta da primeira Conferência
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa no Brasil, que ocorreu em 2006. Tal conferência, de
caráter deliberativo, tinha como objetivo geral: “Definir as estratégias para a implementação
da Rede de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa”. O primeiro eixo propunha tratar das ações
para efetivação dos direitos da Pessoa Idosa, visando, entre outros pontos, estimular a
construção de moradias para pessoas idosas, porém tendo o cuidado que tais
empreendimentos atendessem as normas de acessibilidade que existem.
Além de campanha cuja finalidade seria conscientizar a população sobre a importância
dessas medidas de acessibilidade nos espaços coletivos, a cobrança aos órgãos que respondem
a respeito da construção civil no Brasil e, principalmente sobre a necessidade de criar políticas
e projetos de moradias para pessoas idosas que vislumbrem aquelas de baixa renda e elenca a
questão dos vínculos familiares. (BRASIL, 2006, p. 23; 40-65).
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008), calcada na concepção do
envelhecimento ativo, criou o guia “Cidade Amiga do Idoso”. A ideia do projeto, realizado
por Alexandre Kalache e Louise Plouffeé é resultado das discussões ocorridas no 18º
Congresso Mundial de Gerontologia que aconteceu no Rio de Janeiro, em 2005. Por meio de
uma pesquisa que se realizou em 33 países, incluindo o Brasil. No documento, composto por
oito eixos (Espaços exteriores e edifícios; Transportes, Habitação, Participação Social,
Respeito e inclusão social, Participação cívica e emprego; Comunicação e informação e
Apoio da comunidade e serviços de saúde) estão baseadas, sugestões de ações urbanas,
consideradas essenciais para garantir à pessoa idosa o acesso de qualidade a cidade, com
infraestrutura, participação, habitabilidade, acessibilidade e segurança, entre outros.
110

Dez anos depois da Primeira Conferência Nacional da Pessoa Idosa, em 2016, o tema
da habitação consta nas propostas priorizadas pelos delegados na plenária final. De acordo
com o documento, menciona-se a necessidade de alterar o inciso I, artigo 38 do Estatuto do
Idoso para ampliar o percentual de reserva de vagas das unidades residenciais (urbanas e
rurais) de 3% para 10%. O que revela o vácuo existente entre o direito formalmente
estabelecido na Política habitacional brasileira para a população idosa, tendo em vista que
essa porcentagem está garantida apenas em programas habitacionais públicos, ou subsidiados
com recursos públicos. Ou seja, a habitação voltada para o mercado fica isenta de garantir o
referido acesso.
A Carta Magna, em diversos artigos, bem como nos instrumentos mais conhecidos
para a população idosa brasileira, como a PNI e o Estatuto do Idoso, pressupostos apontam
para a conquista de diversos direitos. Entretanto, é incontestável a fragilidade desta
materialização na cena contemporânea. Pois, quesitos, postos em lei, com a finalidade de
ampliar o direito que a pessoa idosa possui, por vezes citados de forma mais formal do que
real, como é o caso do referido percentual de reserva para aquisição da casa própria, apontado
pelas legislações supracitadas, discutidos pela população idosa nas Conferências e em outros
espaços de participação democrática.
Neste sentido, a classe trabalhadora se vê diante de um direito (o direito a moradia
digna), que, em determinados momentos históricos, aparecem “formalmente instituídos”,
porém, as condições postas não são capazes de torná-lo um direito real, tendo em vista não
haver condições objetivas de acesso para esta classe à moradia digna. Em primeiro lugar por
conta da exigência de uma renda (mínima) para acesso e as condições para financiamento das
prestações, bem como a questão da localização das habitações voltadas para esta classe,
conforme já discutimos (locais de difícil acesso e sem infraestrutura).
A questão do entorno favorável, com infraestrutura, mobilidade urbana, equipamentos
sociais, dentre outros, propagados pelos documentos nacionais e internacionais, formalmente,
são direitos da população idosa, porém não é o que ocorre, de fato. A respeito dos direitos das
pessoas idosas ocorre o mesmo, pois embora constem tais direitos nos documentos oficiais, o
acesso também está condicionado à renda, além da idade e, em alguns casos ao nível de
vulnerabilidade. Neste sentido exclui para incluir. (seletividade).
111

3.5 População Idosa, o Estado e as formas de morar a partir dos anos 2000.

Monteiro (2012), a partir da reflexão sobre a portaria 73/200145, expedida pelo


Ministério da Previdência e Assistência Social, apresenta as formas de morar que englobam a
população idosa no Brasil. A autora ao discorrer sobre tais formas, elenca as seguintes
modalidades: Instituição de Longa Permanência (ILPI), República para Idosos, Cotas para
Idosos em Condomínios Habitacionais construídos e/ ou subsidiados com recursos públicos,
Albergues e Hotéis Sociais, Moradia Assistida e os Condomínios Exclusivos para Idosos.
Enfatiza que, embora não haja uma modalidade que se possa definir como “Moradia
Assistida”, este conceito pode fazer parte do modelo adotado. Em suas palavras:
A moradia assistida não é exatamente uma modalidade de moradia para o idoso, mas
ela pode estar presente no contexto do modelo adotado, por conta de programas,
projetos e ações de acompanhamento de idosos independentes por profissionais na
respectiva moradia. (MONTEIRO, 2012, p.80).

De acordo com ela, o referido conceito surge atrelado ao Movimento da Reforma


Psiquiátrica e Sanitária. Assim, pode ser pensado um tipo de moradia que conta com uma
equipe multidisciplinar, e considera genuína a intervenção do Estado que exerce certa gestão
com o objetivo de zelar pelo cumprimento das regras, por exemplo. Mas, em contrapartida,
estimularia a autonomia e a liberdade dos respectivos moradores.
Oliveira (2017) atrela o conceito (moradia assistida) ao de residência inclusiva e,
considera que seu surgimento esteja atrelado a necessidade de criar alternativas aos modelos
hospitalares e/ ou asilares – nos quais sejam inseridas pessoas idosas que em sua maioria não
possuíam vínculos familiares. Apesar desta constatação, a autora utiliza o conceito moradia
assistida para definir tanto o Programa Cidade Madura/PB quanto a Vila dos Idosos/SP.
Bestetti (2006, 99) elenca diversas alternativas voltadas para a população idosa, dentre
as quais: Moradia Assistida, Moradia Independente, Moradia Congregada, Comunidade de
Cuidado Contínuo a Aposentados, Clinicas e Clínicas especializadas em pessoas acometidas
por Alzheimer. Contudo, esta autora relaciona moradia assistida com a oferta de cuidados
pessoais e coletivos e de serviços especiais – integradas com hospitais e/ou clinicas

45
A referida portaria não está mais em vigor e as modalidades apresentadas pela autora são serviços
referendados pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS), devidamente explicitados pela Tipificação
Nacional dos Serviços Socioassistentenciais, que os situa a partir da Proteção Social Especial de Média e Alta
Complexidade (BRASIL, 2009,). Inclusive tais serviços também são ofertados ás pessoas idosas.
112

especializadas, supervisão durante 24h, três refeições diárias, gerenciamento médico, entre
outros.
Ao analisar os decretos: Nº 54.285/2009 e o de Nº 56.448 que o altera no ano seguinte
– que disciplinam acerca do Programa Vila Dignidade – ambos citados pelas autoras
supramencionadas (Monteiro, 2012), percebemos, que tal expressão não está presente nem no
decreto nem na lei (atual) que rege (a) o Programa Cidade Madura no estado da Paraíba.
Neste sentido, o Programa Cidade Madura se difere, pois embora se enquadre na
nomenclatura de condomínio, quando especifica a oferta da política habitacional às pessoas
idosas, a proposta é de ofertar “Moradia Digna”, atrelado a oferta de equipamentos para a
convivência social, conforme explicitaremos mais adiante.
Dessa maneira, tendo como norte as observações, das autoras supramencionadas
(Bestetti, 2006; Monteiro, 2012 e Oliveira, 2017) a respeito da moradia assistida percebe-se
que esta modalidade se assemelha muito mais com a metodologia utilizada em ILPI, nos
hotéis para idosos e até mesmo em albergues do que, necessariamente, nos condomínios
exclusivos para pessoas idosas.
Inicialmente, vale a pena destacar que adotaremos nesta pesquisa o termo
“Condomínios Exclusivos para pessoas idosas”, utilizado por Monteiro (Ibidem), que assim o
conceitua:
O presente trabalho utiliza-se da denominação condomínios exclusivos para idosos
para identificar as casas ou apartamentos circunscritos em área delimitada por
muros, cercas ou alambrados, construídos por meio de política pública habitacional
para idosos de baixa renda, independentes para realizar as atividades de vida diária,
e que sejam sozinhos, ou seja, sem família ou com laços familiares enfraquecidos.
(MONTEIRO, 2012, p. 81).

Sendo assim, tanto nos Programas habitacionais verticais e/ou horizontais como a Vila
dos Idosos e o Programa Habitacional Cidade Madura, se assemelham ao comentário
supracitado. Porém, com os seguintes destaques: Concordamos com o fato da identificação
com a descrição mais genérica, por exemplo, a questão das casas ou apartamentos estarem
localizados em área murada, bem como o fato de tais condomínios ser exclusivamente
destinado ás pessoas idosas. Em relação a questão do vínculo familiar, demonstraremos
adiante que o Programa Cidade Madura se difere.
Em relação à Assistência Social – Nota-se que em todos os casos de implementação e
execução dos programas habitacionais voltados para a população idosa no Brasil, a referida
política se consubstancia em órgão coordenador desta forma de morar. Assistência Social, a
partir da Constituição de 1988 é política pública, de caráter não contributivo e deve ser
113

ofertada para quem dela necessitar, de maneira articulada e transversal. Para efeitos de
informação, salientamos o que está preconizado na Política Nacional de Assistência Social
(PNAS):
A nova concepção de assistência social como direito à proteção social, direito à
seguridade social, tem duplo efeito: o de suprir sob dado padrão pré-definido um
recebimento e o de desenvolver capacidades para maior autonomia. Neste sentido
ela é aliada ao desenvolvimento humano e social e não tuteladora ou assistencialista,
ou ainda, tão só provedora de necessidades ou vulnerabilidades sociais. (BRASIL,
2004, p.10).

Desta feita, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) implantado em


2005, organiza a oferta dos serviços em níveis de complexidade. A saber: a Proteção Social
Básica tem como objetivo a prevenção de situações de risco por meio do desenvolvimento de
potencialidades, aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. A
Proteção Social Especial abarca um conjunto de serviços, programas e projetos que têm por
objetivo a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direitos, o
fortalecimento das potencialidades e a proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento
das situações de violação de direitos. A PSE apresenta dois níveis de Proteção: Média e Alta
Complexidade.
A normatização dos serviços ofertados está disposta na Tipificação Nacional da
Assistência Social, publicada em 2009. Vale salientar que os serviços da Proteção Social
Básica e da Especial de Média e alta complexidade, estão devidamente explicitados na
Tipificação dos Serviços Socioassistenciais que assim os elenca:
Art. 1º. Aprovar a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, conforme
anexos, organizados por níveis de complexidade do SUAS: Proteção Social Básica e
Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, de acordo com a
disposição abaixo:
I - Serviços de Proteção Social Básica:
a) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF);
b) Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos;
c) Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e
idosas.
II - Serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade:
a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
(PAEFI);
b) Serviço Especializado em Abordagem Social;
c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), e de Prestação de Serviços à
Comunidade (PSC);
d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas
Famílias;
e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.
III - Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade:
a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades:
- abrigo institucional;
- Casa-Lar;
- Casa de Passagem;
114

- Residência Inclusiva.
b) Serviço de Acolhimento em República;
c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.
(BRASIL, 2009, p. 3-4).

Sendo assim, nota-se que o Programa Cidade Madura está situado na Proteção Social
Básica, tendo em vista que a lei que rege o referido programa enfatiza a importância da
manutenção dos vínculos familiares tanto para ingresso quanto para a permanência da pessoa
idosa.
Porém, os condomínios paulistas, conforme as analises realizadas por Monteiro
(2012), Deus (2010) e Teixeira (2016) – estão inseridos na Proteção Social de Alta
Complexidade, pois consta como critério para ingresso o fato da pessoa idosa não possuir
vínculos familiares, e de acordo com o disposto pela PNAS (2004, p.35), a ênfase desta
proteção prioriza a estruturação dos serviços de abrigamento, tendo em vista, justamente o
fato do rompimento do vínculo familiar estar ligado as questões de violações de direitos.
115

4 CONDOMÍNIOS EXCLUSIVOS: ESTUDO SOBRE OS CASOS DE SÃO PAULO E


NA PARAÍBA

Neste capítulo, os condomínios exclusivos para as pessoas idosas no Brasil serão


abordado de maneira mais amiúde. A primeira seção apresenta os condomínios de uma forma
mais geral e, posteriormente os quatro condomínios analisados no estado de São Paulo, em
seguida o Programa Cidade Madura na Paraíba, para finalmente realizar uma análise
comparativa entre as Vilas Operárias e os condomínios exclusivos, que levou em
consideração também os dois decretos (entre os anos 2009/2010) que disciplinam sobre os
condomínios exclusivos para as pessoas idosas na cidade de São Paulo.
Dentre os documentos utilizados, para o estudo sobre o Programa Cidade Madura,
frisamos: O decreto anterior que instituía o Programa, bem como a lei, aprovada em dezembro
de 2018; o cadastro socioeconômico que extrai as informações a respeito das pessoas idosas
que se inscrevem no Programa Cidade Madura, bem como o roteiro indicativo para a
elaboração dos diagnósticos: situacional dos equipamentos e situacional dos usuários do
Programa. (ambos sem informações a respeito da população residente, conforme já
afirmamos, anteriormente).
Dois estados brasileiros são pioneiros na implantação de programas habitacionais na
modalidade abordada neste trabalho: São Paulo e Paraíba. Em 2007, fruto da luta do
GARMIC 46, surgiu a Vila dos Idosos, um condomínio Vertical, localizado no bairro do Pari I,
localizado em São Paulo, capital. Monteiro (2012) ao analisar a tipologia dos condomínios
exclusivos para as pessoas idosas no Estado de São Paulo fornece detalhes sobre sua
composição47.
No desenvolvimento deste estudo analisou-se apenas 04 (quatro) condomínios: Vila
dos Idosos, as duas Vilas Dignidade (Itapeva e Avaré) e o Recanto Feliz. Mas, tendo como
base um mapeamento feito pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
(CDHU), pôde-se ter acesso aos dados sobre a quantidade de condomínios construídos com
recursos públicos, desse modo, a descrição desses ambientes pôde ser realizada. .
O segundo estado a implementar um condomínio exclusivo para as pessoas idosas no
Brasil foi a Paraíba, o Programa Habitacional Cidade Madura, criado durante a gestão do

46
A Superintendência de Habitação Popular/HABI, em parceria com a Companhia Metropolitana de Habitação
São Paulo (COHAB), passaram a se reunir com os GARMIC, ouvir e encaminhar as reivindicações. Em 2007,
após muitas reuniões, negociações, idas e vindas, foi inaugurado o Conjunto Habitacional Pari 1 – Vila dos
Idosos Armando Amadeu, conhecida como Vila dos Idosos. (DEUS, 2010, p.200).
47
Todas as informações que a autora descreve em sua tese, estão contidas nas tabelas dispostas nesta dissertação.
116

governador Ricardo Coutinho (Partido Socialista Brasileiro – PSB) em 2014 com a


inauguração do primeiro residencial na cidade de João Pessoa.
Mais cinco condomínios foram inaugurados até o final do ano de 2018: Campina
Grande (2015); Cajazeiras (2016); Guarabira (2017); Patos e Sousa (2018), totalizando seis
até a presente data. O Programa foi construído com recursos próprios do tesouro do estado.
Contabilizando o montante de R$ 38. 618, 438, 00 (trinta e oito milhões, seiscentos e dezoito
mil e quatrocentos e trinta e oito reais), de acordo com dados disponibilizados no site do MDS
(2018).
Recorremos também às publicações (mais recentes) que versavam sobre o Programa
Cidade Madura, dentre as quais elencamos: Sobral (2015), Kunst (2016) e Oliveira (2017),
porém destacamos que as referidas autoras discorreram sobre o referido programa com foco
em temas que estão mais ligados as áreas do desenvolvimento urbano, arquitetura e Design.
Para nortear a pesquisa sobre o Programa Cidade Madura, além da reflexões
proporcionadas pela vasta pesquisa bibliográfica, a análise documental – mencionada no
inicio desta seção e descrita mais amiúde na introdução desta dissertação – foi de suma
importância.

4.1 Vila dos Idosos, Recanto Feliz e o Programa Vila Dignidade em Itapeva e Avaré:
Condomínios Exclusivos em São Paulo

A Vila dos Idosos, Pari I, localizada em São Paulo, Capital foi o primeiro condomínio
exclusivo para pessoas idosas, inaugurado no Brasil. Deus (2010, p. 200-204) ao analisar o
referido condomínio afirma que responsabilidade de gestão do programa ficou a cargo dos
seguintes órgãos: Secretaria de Habitação de São Paulo (SEHAB); Superintendência de
Habitação Popular HABI e a operadora social deste programa de locação social é a
Companhia da Habitação Metropolitana de São Paulo (COHAB/SP).
Monteiro (2012) concorda e amplia esta afirmativa, ao relatar que a vila é fruto de um
projeto de requalificação urbanística, realizado pela prefeitura municipal, cujo objetivo central
seria aplicar ao imóvel ocioso a função social da propriedade, conforme aponta a Constituição
Federal de 1988, mais precisamente nos Artigos 182 e 183 que tratam acerca da Política
Urbana, inclusive já pontuamos sobre este assunto em tópico anterior. A Figura 1 a seguir
ilustra o condomínio Pari I.
117

Figura 2 -– Vista interior de um bloco do Vila Pari I.

Fonte: COHAB/São Paulo. 48


Monteiro (ibidem) enfatiza a parceria com a Saúde e descreve o Núcleo de Apoio à
Saúde da Família (NASF) e o Programa Acompanhante de Idosos (PAI). Assim a gestão
administrativa ficou sob a responsabilidade da COHAB que realiza tanto gestão quanto
execução. Nestes termos, a operadora administradora firma contrato, presta conta, define o
valor dos subsídios e, se responsabiliza pela produção e manutenção dos imóveis. Enquanto a
gestão social ficou por conta da Secretaria de Assistência Social.
Para ingressar nestes empreendimentos, a renda definida não pode ultrapassar 03 (três)
salários mínimos. Já para residir, é preciso pagar, mensalmente, um valor que pode variar
entre 10 e 15% da renda familiar – este percentual é calculado de acordo com a situação
financeira e social de cada família. Em 2002, foi criado o Programa de locação Social e sua
regulamentação se deu pela Instrução Normativa SEHAB/G Nº 001/03 de 07 de maio de
2003. Para além da renda e a idade, outros critérios foram utilizados para o ingresso. Deus
(2010, p. 201-202) fornece detalhes sobre esta seleção feita pelo GARMIC e SEHAB.
O quadro abaixo, apresenta as sínteses das descrições feitas por Monteiro a respeito do
Vila Pari I.

48
Imagem obtida no site da COHAB. Disponível em: <http://cohab.sp.gov.br/Noticia.aspx?Id=3608>. Acesso
em 06 de mai. de 2019.
118

Quadro 4– Vila Pari I - Síntese das descrições.


ANO DE UNIDADES DESCRIÇÃO DO SERVIÇOS
RESIDENCIAL
INAUGURAÇÃO HABITACIONAIS ESPAÇO OFERTADOS
Conjunto Do tipo VERTICAL Sala de
habitacional 2007 145 unidades 04 andares - Térreo, convivência Hall
PARI I – Vila mais 3 pavimentos; de acesso aos
dos Idosos Elevador; elevadores e as
Armando 48 apartamentos de escadas;
Amadeu 01 dormitório, que Área para
medem 43m² convívio
(quarenta e três comunitário;
metros quadrados); Salão de festas; de
72 (setenta e dois) atividades;
quitinetes de 29 m² Espaço para
(vinte e nove metros circulação de
quadrados) cada; cadeiras de rodas;
No térreo: 09 Área destinada a
apartamentos e 16 horta comunitária
quitinetes adaptados Quadra para
para pessoas com bocha;
dificuldade de Espelho d’água
locomoção. implantado sobre
caixa de retenção
de águas pluviais
Áreas verdes;
Biblioteca
municipal.
Fonte: (Monteiro, 2012).

Deus (2010) comenta que os selecionados eram oriundos das áreas de risco de
desabamento, deslizamentos e enchentes, bem como de pessoas que estivessem atendimento
provisório, em situação de vulnerabilidade socioeconômica ou que tivessem sido atendidas
pela equipe do plantão social da SEHAB, entre outros.
O segundo Condomínio é o Recanto Feliz. Localizado em Araraquara, como critério
para ingresso, além da renda de até (01) um salário mínimo, capacidade do autocuidado;
situação de alta vulnerabilidade, nesta localidade, constou como regra: estar na lista de espera
do cadastro para inserção na política habitacional local. A respeito dos gastos, Monteiro
(2012) comenta que as pessoas idosas que lá residem pagam apenas água e telefone. A autora
sublinha que, no inicio da construção do referido residencial, os padrões preconizados pela
CDHU ainda não estavam estabelecidos, pois a obra iniciou antes de 2006, sendo finalizada
quatro anos depois. Desta forma, apenas duas casas seguem os padrões preconizados pelo
desenho universal. De acordo com a autora (Ibidem, 2012) há um novo conjunto sendo
construído, com previsão de entrega para 2011, tendo como parâmetro os padrões
preconizados pelo decreto da CDHU. O quadro abaixo apresenta as sínteses das descrições
do Recanto Feliz.
119

Quadro 5– Recanto Feliz- Síntese das descrições.


RESIDENCIAL ANO DE UNIDADES DESCRIÇÃO DO SERVIÇOS
INAUGURAÇÃO HABITACIONAIS ESPAÇO OFERTADOS
Recanto Feliz 2010 33 unidades Residencial do tipo Centro de
Araraquara horizontal; Convivência
Murado; Atividades físicas
e de lazer;

Fonte: Monteiro (2012)

Teixeira (2016, p. 28-59) ao analisar as condições de acessibilidade e mobilidade


propiciada aos moradores do Recanto Feliz traz alguns aspectos ressaltados que interessa ao
nosso estudo, dentre eles: a questão da parceria entre a SEHAB/SP e o município de
Araraquara. O segundo ponto, corrobora com a assertiva de Monteiro (2012) sobre a
construção do referido condomínio ter sido realizada com recursos do Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social (FNHIS) e Teixeira revela o montante investido (R$
690.872,80), oriundos de recursos federais e com a contrapartida do município. Além disso,
destaca que coube a Prefeitura a viabilizar infraestrutura necessária e, elenca: asfalto;
alambrados; projeto de paisagístico; sistema de drenagem da água e transporte coletivo. A
respeito da segurança pública revela a ausência do ente público no condomínio e nas
cercanias.
Figura 3 – Vista do Residencial Recanto Feliz

Fonte: Teixeira (2016).

A imagem disponível na obra permite visualizar o asfaltamento e o modo pelo qual se


projetou as unidades habitacionais (geminadas) lado a lado, como numa vila. Teixeira (2016)
relata ainda que o Centro Comunitário localizado no Condomínio se desenvolvem diversas
atividades com a população local e que o referido centro, com cerca de 100 metros quadrados,
comporta salão, cozinha, sala administrativa e dois banheiros.
120

Figura 4 – Centro de Convivência no Recanto Feliz-

Fonte: Teixeira (2016).


Sobre a questão da oferta de serviços, Monteiro (2012) destaca não haver prestação do
serviço de saúde no residencial, mas, segundo ela, um médico agenda visita e se desloca até o
local uma vez por mês. Outro ponto elencado pela autora diz respeito a uma parceria firmada
entre a Secretaria Municipal de Assistência e a Universidade (UNIP e UFSCAR), mais
precisamente com os cursos de psicologia e gerontologia- com objetivo de propiciar interação
entre população residente e a universidade.
O Programa Vila Dignidade, instituído pelo decreto Nº 54.285, de 29 de abril de 2009,
tinha como objetivo central a construção de pequenas vilas (núcleos habitacionais) com
capacidade de até 24 (vinte e quatro) moradias contendo área para convivência social. Este
decreto foi alterado em dezembro de 2010 – Decreto Nº 56.448 – apresenta novos: objetivo e
conceito:
[...] promover equipamento público (nova expressão legal que permitiu a utilização
de áreas institucionais e a aquisição de mobiliários básicos) de moradia assistida e
subsidiada, adequado às necessidades das pessoas idosas.
O Programa visa atender as diretrizes do Plano Estadual de São Paulo para Pessoas
Idosas, denominado Futuridade, coordenado pela Secretaria Estadual de Assistência
e Desenvolvimento Social, com o objetivo de assegurar melhor qualidade de vida
(MONTEIRO, 2012, p. 93).

De acordo com os relatos da autora, o Plano Futuridade pretende contribuir para a


prevenção do asilamento, além de promover independência e autonomia das pessoas idosas, e
ainda a concessão de moradia como sendo um componente atenção integral à pessoa idosa.
121

O Quadro a seguir descreve A Vila Dignidade em Avaré e Itapeva.


Quadro 6 – Vila Dignidade – Síntese das descrições.
VILA DIGNIDADE
MUNICÍPIOS ANO DE UNIDADES DESCRIÇÃO DO SERVIÇOS
INAUGURAÇÃO HABITACIONAIS ESPAÇO OFERTADOS
Avaré 2010 22 unidades Murado; Presença de uma
20 minutos Condomínio do tipo enfermeira em dias
até centro horizontal; alternados
Acessibilidade; Uma visita médica
Placas de aquecimento mensal;
solar;
Itapeva 2011 18 unidades Murado – 01 portão Centro de
20 minutos para entrada para convivência social
até o centro pedestre; para realização de
Ônibus nas Não entra veículos; atividades físicas e
proximidades; Condomínio do tipo de saúde;
horizontal; Padrão do Sala de
desenho universal. computadores
(Acessa São
Paulo);
Cozinha
compartilhada;
Fonte: Monteiro (2012).

Os requisitos para ingresso são: idade (a partir dos 60 anos); renda (01 (um) salario
mínimo); capacidade para realizar suas atividades de vida diária; preferencialmente ser só ou
com vínculo familiar “extremamente” fragilizado em decorrência de abandono; estar em
situação de risco pessoal e social e, ser residente no município há pelo menos dois anos.
(IBIDEM, 2012, p. 93- grifos originais).
A respeito dos critérios para implementação nos municípios, a autora cita, pelo menos
09 (nove) passos que os municípios precisam cumprir ao aderir ao Programa. Ei-los: Adesão
– inserção do projeto no Plano Municipal de Assistência Social; possuir Conselho Municipal
do Idoso e ter o projeto aprovado pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social
(SEADS); A escolha do terreno – que atenda todos os detalhes técnicos e jurídicos; A
Formalização do compromisso; A Elaboração do Projeto Social e envio para a SEADS;
Análise do projeto pela Secretaria da Habitação (SH); A emissão do Parecer CJ, SH e
SEADS; Assinatura do Convênio; A licitação; e por último o inicio das obras.
Na Vila Dignidade em Avaré, os moradores são isentos de gastos com unidade
habitacional, água luz e ou aluguel, mas pagam conta telefônica, caso possuam. Os destaques
ficam por conta das placas de aquecimento solar e de um “jornalzinho” (expressão utilizada
pela autora), confeccionado com a ajuda de profissionais da cidade. Não Há detalhes sobre
conteúdo produzido no referido jornal.
122

Figura 5 – Vila Dignidade em Avaré – Imagem mostra a fachada das residências e a academia
para a terceira idade.

Fonte: Monteiro (2012).

Na cidade de Itapeva, nos chama atenção à disponibilidade da sala de computadores,


conectando as pessoas idosas ao mundo digital e o fato da cozinha ser compartilhada.
Negativamente, a proibição de animais de estimação no local, é comentando pela autora
(Monteiro, Ibidem) que informa, inclusive, a desistência da pessoa à vaga, ao saber que não
poderia levar seu animal. É também deste local, a crítica sobre o fato de haver entrada apenas
para pedestres, pois em caso de urgência as ambulâncias não poderão entrar para socorrer.

Figura 6 – Vila Dignidade em Itapeva - vista lateral das residências

Fonte: Monteiro (2012).

Monteiro (2012, p. 98-100) destaca que, na época da análise da pesquisa, existiam 05


(cinco) municípios com empreendimentos entregues, quais sejam: Avaré; Itapeva;
123

Caraguatatuba, Presidente Prudente e Ribeirão Preto, totalizando o número de 102 unidades


habitacionais. Porém, a autora (Ibidem, 2012) ressalta que apenas nos municípios de Avaré e
Itapeva os empreendimentos estavam devidamente ocupados e em processo de consolidação
dos Programas multiprofissionais que identificam o perfil de moradia assistida.
Na época da pesquisa, a autora destacou que em Araraquara; São José do Rio Preto e
Mogi- mirim, as obras estavam paralisadas e somariam mais 58 unidades habitacionais. Havia
também 08 (oito) empreendimentos aguardando licitação: Botucatu, Itapetininga, Ituverava,
Jundiaí, Laranjal Paulista, Limeira, Sorocaba e Tupã – 150 unidades habitacionais e, apenas
02 (dois) aguardavam a aprovação da análise documental: Jaú e Mogi das Cruzes, totalizando
48 moradias.

4.2 Programa Cidade Madura: Condomínio Exclusivo para Idosos no estado da


Paraíba.

O primeiro Condomínio do Programa Habitacional Cidade Madura, foi inaugurado na


cidade de João Pessoa, mais precisamente no bairro Mangabeira. Mais cinco condomínios
foram inaugurados até o final do ano de 2018: Campina Grande (2015); Cajazeiras (2016);
Guarabira (2017); Patos e Sousa (2018), totalizando seis até a presente data. O quadro a
seguir apresenta as principais características do Condomínio.
Quadro 7 – Programa Cidade Madura – Síntese das descrições
PROGRAMA CIDADE MADURA
MUNICÍPIOS ANO DE UNIDADES DESCRIÇÃO DO SERVIÇOS
INAUGURAÇÃO HABITACIONAIS ESPAÇO OFERTADOS
João Pessoa 2014 Condomínio do tipo Centro de
horizontal; Vivência;
Campina Grande 2015 Com acessibilidade; Núcleo de Saúde;
Murado; Academia ao ar
Cajazeiras 2016 Guarita; livre e pista para
40 unidades Entrada para caminhada.
Guarabira 2017 veículos; Proposta para
Energia eólica Horta
Sousa comunitária;
Redário;
2018
Patos

Fonte: Análise documental feita pela autora.

São 40 (quarenta) unidades habitacionais (horizontais e do tipo geminadas) com um


espaço interno de 54 (cinquenta e quatro) m², divididos no seguinte formato: varanda
(terraço), sala, cozinha, banheiro (adaptado), dormitório e área de serviço. Todos os
residenciais devem seguir as normas de acessibilidade, contendo rampas, piso antiderrapante e
124

espaços adaptados. Na imagem abaixo dá para ver as casas (geminadas) com rampas e
acessibilidade e ao fundo o Centro de Vivências.
Figura 7 – Cidade Madura em Campina Grande – visão lateral das residências

Fonte: Luciana Bessa, imagem disponibilizado pela Assessoria de Imprensa da SEDH.

No núcleo de Saúde, há uma equipe de enfermeiros (as), disponibilizados pela


Secretaria Estadual de Saúde (SES/PB) que se dividem em regime de plantão para
atendimento de alguma urgência/ emergência, tais como: aferimento de pressão arterial,
primeiros socorros, repouso e observação enquanto o Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência (SAMU) é acionado, caso seja necessário. O espaço pode ser utilizado por outros
profissionais da área da saúde (tais como fisioterapeutas, psicólogos, entre outros) para
oferecer atendimento ás pessoas residentes.
Figura 8 – Núcleo de Saúde – Instalações (por dentro e por fora).

Fonte: (MDS, 2018).

Vale salientar que o programa não oferece atendimento médico, pois o Núcleo de
Saúde, não deve ser confundido com uma Unidade de Saúde da Família (USF), porém é
125

possível firmar parceria com a gestão municipal que oferta o referido serviço que esta equipe
utilize o espaço para atendimento aos residentes.
O instrumento que oficializou e definiu parâmetros para acesso ao programa foi o
Decreto Estadual Nº 35072, publicado no Diário Oficial do Estado (DOE/PB) em 10 de junho
de 2014. Entretanto, a partir do dia 29 de dezembro de 2018, entra em vigor a Lei Nº 11.260.
A partir do primeiro artigo, a referida lei já se diferencia do antigo decreto, pois confere ao
Programa o status de política de Estado, referenciado pelas diretrizes da Política Estadual,
bem como pelo Estatuto do Idoso. Conforme se lê
Art. 1º O Programa Habitacional Cidade Madura tem como objetivo promover o
acesso da pessoa idosa à moradia digna e equipamentos para a convivência social e
lazer, constituindo-se em política de Estado, a ser implementado de acordo com as
diretrizes da Política Estadual para a Pessoa Idosa e em conformidade com o
Estatuto do Idoso (lei nacional nº 10.741, 1º de outubro de 2003), destinando-se: [...]
(PARAÍBA, 2018).

No referido artigo, constam, ainda, a definição de público-alvo, os critérios para


acesso e permanência, a importância do fortalecimento da rede de proteção e defesa dos
direitos das pessoas idosas e a menção da Política Estadual o Estatuto do Idoso, como
referência nacional.
Porém, nos chama atenção a questão da renda mínima corresponder 25% da renda
familiar mensal per capita. Neste quesito, portanto, o Programa Cidade Madura e o Vila
Dignidade se diferem e ampliam o acesso àquelas pessoas em situação de vulnerabilidade e
risco social, possibilitando que se sejam inseridas, nestes programas, pessoas beneficiarias de
Programas de Transferência de Renda, como o Programa Bolsa Família (PBF), por exemplo,
cujo valor, geralmente não excede salário mínimo. Assim, o programa paraibano amplia o
acesso, diante de um contexto no qual, pessoas idosas correm o risco de perder benefícios,
como o de Prestação Continuada (BPC).
A responsabilidade pelo Programa é conferida ao Governo do Estado da Paraíba, por
meio da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (SEDH) e da CEHAP. Conforme
se observa, no artigo 5º, além da idade cronológica e a renda, os critérios para ingresso são:
capacidade física, mental e de convivência em grupo; não possuir imóvel (em seu nome ou de
cônjuge/companheiro); residir no estado há pelo menos 02 (dois) anos; aceitar as normas
regimentais, inclusive o pagamento das Taxas de Manutenção e de Arrendamento Social. E,
apesar de não ser mencionado neste artigo, consta nas competências de cada secretaria, a
necessidade da pessoa idosa estar cadastrada em programas habitacionais na Companhia
Estadual de Habitação Popular (CEHAP).
126

As competências conferidas aos dois órgãos (CEHAP e SEDH), que juntos devem
estabelecer as regras para implementação do respectivo programa se manteve o disposto no
antigo decreto. De acordo com o artigo 12 da nova lei, à CEHAP tem a incumbência de
gerenciar toda a fase de execução, entrega e manutenção das unidades habitacionais e os
equipamentos contidos e a SEDH a responsabilidade pela seleção e acompanhamento do
público ingressante, bem como a manutenção da equipe (recursos humanos) de apoio na
coordenação e execução do programa.
Além disso, terá a incumbência de promover o fortalecimento e a ampliação da rede
de proteção e defesa dos direitos das pessoas idosas se apresenta de forma subjetiva, apesar do
referido artigo, citar ações integradas, articuladas contemplando órgãos públicos e entidades
civis. Outro ponto que elenca a responsabilidade da SEDH, diz respeito ao monitoramento e
avaliação do Programa.
Nenhum beneficiário se tornará proprietário dos núcleos habitacionais. Neste sentido,
a unidade habitacional é um instrumento de Arrendamento Social. O beneficiário assina o
Termo de Autorização de Moradia (TAM) e dispõe do equipamento enquanto residir no
Condomínio. Quanto à responsabilidade da família, a lei mantém o que anteriormente já
mencionava o Decreto e amplia, conforme disposto:
Art. 6º A admissão da pessoa idosa no Programa Cidade Madura não exime os
familiares do dever de ajudá-la e ampará-la em caso de enfermidade ou em situações
em que os cuidados são imprescindíveis, nos termos do art. 229 da Constituição da
República.
Parágrafo único. A família da pessoa idosa será orientada de suas
responsabilidades, de acordo com o que rege a Lei Nacional nº 10.741/2003
(Estatuto do Idoso) e a legislação referente à Política Nacional e Estadual do Idoso,
mediante assinatura de termo de concordância com as regras deste Programa.
(PARAÍBA, 2018).

Conforme se constata o artigo supracitado recorre lei da reciprocidade, contida no


49
artigo 229 da Constituição Federal de 1988 , correlacionando-o com os dois instrumentos
que regem e disciplinam as ações relativas à implementação das políticas voltadas para esta
parcela da população – o Estatuto do Idoso e a PNI. Notadamente, o artigo mencionado, ao
apontar para a responsabilidade da família, esta instituição aparece como a “guardiã oficial do
idoso” e devendo zelar pelo seu bem estar.
Em suma, o Estado se apresenta muito mais como um ente regulador, pois se desonera
de suas obrigações e ainda por meio de mecanismos de coerção, veicula o ideário de um tipo
de cidadania “individualizada”. Isto é, cada um é responsável por si. Vale a pena ressaltar que

49
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 1988).
127

a família está inserida na sociedade, não é uma célula isolada. Coletivamente, família,
comunidade e sociedade (civil) são convocadas para atuarem como responsáveis pela
materialização do direito a determinados tipos de envelhecimento que coincidam com o
projeto societário vigente.

4.3 Vilas operárias e Condomínios Exclusivos para as pessoas idosas no Brasil: É


possível realizar uma reflexão sobre proibicionismo e puritanismo nestes modelos de
habitação para a classe trabalhadora, á luz de Gramsci?

Conforme afirmamos na seção anterior, a naturalização ou reprodução de determinada


atitude de determinados discursos não brotam ocasionalmente. Neste sentido, ratificamos que
os mecanismos de controle ideológico sobre a classe trabalhadora pode variar, mas sua
intencionalidade de encontrar formas cada vez mais eficazes de exploração da força de
trabalho e de dominação da classe trabalhadora se mantém.
Com as devidas ressalvas, ainda que as palavras de Gramsci (2007) sejam referentes
tanto a um contexto social distinto quanto a uma época histórica pregressa, a intenção desta
seção é analisar a possibilidade de visualizarem-se analogias entre esses dois formatos de
habitação para a classe trabalhadora, a partir da realidade aqui exposta. Além dos diferentes
contextos sociais, contidos nesta análise, destacamos o fato da ausência de dados sobre os
idosos residentes nos condomínios analisados, pelas razões explicadas na introdução deste
trabalho, impossibilitou o levantamento de dados para uma análise mais aprofundada.
Ações carregadas de proibicionismo e puritanismo surgem nas vilas operárias (tipo de
moradia difundido no Brasil a partir de 1900), sob o formato de regras do bem viver e com
vistas a manutenção do próprio empreendimento e, ocorrem nos condomínios exclusivos para
as pessoas idosas. Tal afirmativa se consubstancia em torno da reflexão a respeito do controle
exercido pelo Estado sobre os residentes, no cotidiano, pautado em permissões/restrições e
parâmetros (regra geral em todos os condomínios) que define as obrigações das famílias e das
pessoas residentes, contidas em normativas e documentos amparados em legislações, surgem
como expressão do proibicionismo e puritanismo.
Ao apresentar as vilas operárias, Bonduki (1998, p. 65) em sua assertiva pontua tanto
o caráter autoritário e moralizador, como marca deste modelo de intervenção. Entre os pontos
elencados, destacamos a adoção do modelo unifamiliar e com dormitórios separados, na
época em que as vilas operárias são introduzidas no Brasil, bem como as proibições
mencionadas por Viana (2004, p.21), que se traduziam em regras para os espaços intrafamiliar
128

– como a questão da proibição dos dormitórios coletivos, a definição de horário para produção
de barulhos/ruídos, entre outros. Conforme se observa a família estava completamente
submetida às regras nas vilas operárias.
No caso dos Condomínios, o primeiro ponto elencado é sobre as condicionalidades
impostas às famílias e aos residentes. No caso do Programa Cidade Madura no estado da
Paraíba, disciplinado e organizado pela Lei Nº 11.260 de dezembro de 2018, estabelece estar
voltado para idosos (as) que residam sós, ou no máximo acompanhado de cônjuge. Em
contrapartida, no artigo sexto – parágrafo único – prevê a responsabilidade da família e a
obrigatoriedade da manutenção dos vínculos familiares. Assim, embora a Lei que rege o
Programa Cidade mencione a responsabilidade da família e da obrigatoriedade da manutenção
desses vínculos, enfatiza que o programa está voltado para pessoas idosas sozinhas ou
acompanhadas de cônjuge. Neste caso, a condicionalidade parece incongruente e nos faz
questionar os seguintes pontos: as pessoas idosas foram consultadas e participaram da
construção de tais parâmetros. Inclusive para decidir quem pode morar, por quanto tempo e
quem deve cuidar? E em segundo lugar sobre a garantia do direito de ir e vir destes familiares,
cujo acesso deve ser constante, mas até pernoite pode ser considerado coabitação.
Já o Programa Vila Dignidade, por intermédio do Decreto de Nº 56.448 de 29 de
novembro de 2010, declara-se destinado as pessoas idosas “preferencialmente” sós ou com os
vínculos familiares extremamente fragilizados, em decorrência de abandono em situação de
vulnerabilidade e pessoal risco social. [...] (São Paulo, 2010, artigo. II, inciso I- grifo nosso).
O segundo ponto elencado é que nestes locais estão proibidos animais de estimação.
Monteiro (2012) relata que na cidade de Itapeva, um dos idosos, desistiu do ingresso, ao saber
desta proibição. No Programa Cidade Madura a regra também é aplicada, pois de acordo com
os autores Morteira e Tucci (2018) uma das residentes cuida de 500 bichinhos de pelúcia, em
decorrência da proibição. Neste caso as regras podem refletir uma decisão, coletiva que conste
em Regimento Interno, porém não localizamos tal pressuposto, nos documentos oficiais,
como o decreto no caso dos condomínios em São Paulo e na lei que rege o Programa Cidade
Madura no estado da Paraíba.
Outra análise está relacionada com o controle nos espaços externos; Nas vilas
operárias, os espaços coletivos eram controlados, inclusive as brincadeiras infantis nas ruas
foram alvo de restrição. Além disso, a venda de bebidas alcoólicas em bares e em festas
prescindia permissão, e o catolicismo como imposição de credo religioso tanto para ingressar
quanto para professar, pois um padre era o responsável pela escola. Já nos Condomínios
129

Exclusivos para Idosos, apesar da menção de espaços de vivência na literatura analisada, não
fica muito claro como se dá a permissão/restrição para o uso de tais espaços. Inviabiliza
afirmar com precisão, que tal fato ocorra. Para analisar, mais amiúde seria necessário realizar
uma pesquisa com os residentes.
Destarte, é possível observar na lógica que orienta tanto o ingresso quanto a
permanência destas pessoas nos condomínios exclusivos, está contido, na legislação que
orienta, ampara e define os referidos espaços, ranços de proibicionismo e puritanismo, como
àqueles que outrora, forjaram as vilas operárias, conforme discutimos em tópico anterior. Vale
ressaltar que nas vilas, havia uma rígida imposição ao modo pelo qual a família podia dispor
dos momentos de lazer, inclusive, sobre a utilização dos equipamentos sociais, a realização
das festas, dentre outras. (Vianna, 2004). Porém, considerando as semelhanças e diferenças
destes formatos de intervenção na habitação para a classe trabalhadora, tanto nas vilas
operárias, quanto na atualidade, o cerne discussão é a reprodução da força de trabalho no
Estado capitalista.
Assim, diante da questão da habitação no Brasil, observa-se que a intervenção do
Estado não visa simplesmente equacionar a referida questão vivenciada pela população de
baixa renda (a classe trabalhadora pobre), mas sim, consubstancia em regulamentações para o
incremento deste mercado e, principalmente que tem historicamente privilegiado a elite
brasileira (independente de sua faixa etária). Deste modo, tanto o proibicionismo quanto o
puritanismo, citados por Gramsci, estiveram presentes no modelo e organização das unidades
habitacionais que monitoravam o tempo de trabalho e o tempo do não-trabalho dos operários
que ali residiam; E se revela de forma diferenciada nos Condomínios Exclusivos para as
pessoas idosas, conforme constatamos.
130

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou analisar a função social dos Condomínios Exclusivos para as
pessoas idosas no Brasil e sua relação com a reprodução da força de trabalho na sociabilidade
capitalista contemporânea.
Ao iniciar a pesquisa, havia a visão de que tais equipamentos eram excludentes e
seletivos, pois o ingresso estava ligado à questão da renda, além da idade e, voltado para a
classe trabalhadora envelhecente pobre, mas a finalidade de concluir o trabalho iniciado
impulsionou ir além da aparência para alcançar a essência do objeto. Nesse diapasão, refletiu-
se sobre o processo de reprodução da força de trabalho e seu rebatimento nos conceitos sobre
a velhice na sociedade, a fim de justificar a centralidade da categoria trabalho. Alguns
questionamentos foram analisados tais como: O que a categoria representa? A forma como o
valor atribuído ao trabalho na sociedade capitalista reverbera nas concepções sobre a velhice?
O ser humano estaria reduzido à condição de vendedor da sua força de trabalho sobre a
repercussão desta construção social nas políticas que compõem o Sistema de Proteção Social
à velhice no Estado brasileiro?
Os seres humanos, conforme aponta Marx (1985) ao longo do tempo, ao transformar a
natureza que os cercava também se modificaram e, desta maneira modificaram a sua própria
história. De fato, tal escolha foi fundamental, pois norteou o mergulho nas temáticas que
englobam o universo da velhice: desde as concepções, produzidas e reproduzidas nas esferas:
ideológica; política; social; cultural e, principalmente na esfera econômica. Admite-se que a
afirmativa de Paiva (2014, p.28) [...] o indivíduo que envelhece não está alijado de sua
história de vida enquanto ser social – [...].
Desta forma, elencar Marx, Engels, Lessa, José Paulo Netto, Mandel, Behring,
Boschetti, entre outros autores e autoras, bem como as discussões com o orientador da
pesquisa foram o lastro pelo qual se percorreu com a intenção de desvelar a respeito da
importância do trabalho, marco na história da humanidade, os modos de produção, com
ênfase no capitalismo, as discussões sobre Estado – surgimento e formato capitalista, sobre os
sistemas de proteção social, buscando correlacionar com o envelhecimento da classe
trabalhadora nesta contextualização histórica.
Destaca-se a importância de autoras como: Beauvoir; Haddad; Teixeira; Paiva;
Vilione, entre outras, pois viabilizaram ao longo deste estudo evidenciar que na sociedade
capitalista o envelhecimento humano – processo natural, biológico e heterogêneo, está
permeado pelas contradições inerentes deste modo de produção.
131

Desta feita, a classe pobre e trabalhadora (cuja força de trabalho foi explorada durante
toda a sua vida), passa ser considerada como população não economicamente ativa, ou
improdutiva, ao atingir a velhice. Para Haddad (1986) a respeito da velhice humana tem se
difundido um conjunto de ideias, valores e doutrinas, organizado de acordo com as
determinações básicas do modo de produção capitalista. Esta “ideologia da velhice” –
elemento fundamental no processo de reprodução das relações capitalistas. Portanto, na
sociabilidade capitalista, além de transformação das pessoas em mercadoria, a classe
trabalhadora está condenada a degradação. E, assim acrescenta que, de forma paradoxal, as
propostas para a reparação da “tragédia do envelhecimento”, têm como objetivo central
escamotear a problemática da exploração da mão de obra. (HADDAD, 1986, p.16).
Composto por um referencial teórico desafiador, este estudo desvela a respeito do
direito à moradia no Brasil. Bonduki, Rolnik, Maricato, Blay, Vianna abalizaram a discussão,
além de Engels, Gramsci e Carlos. A intenção era compreender o desenho da Política
Habitacional brasileira desde a sua gênese, considerando os contextos históricos, econômicos,
sociais e políticos para relacionar com o direito à moradia para a população idosa e finalmente
alcançar as ações voltadas exclusivamente para esta parcela da população como política
pública. No entanto, durante o trajeto percebeu-se a forte ligação entre a provisão da moradia
com a reprodução da força de trabalho, como ocorreu, por exemplo, em meados da década de
1920, quando surgiram as vilas operárias no país, consideradas neste estudo como proforma
da política habitacional brasileira – representaram distinta forma de controle ideológico da
classe trabalhadora.
Este achado desencadeou a necessidade de realizar uma análise do tipo comparativa
entre tais vilas (seguida pelo modelo adotado pelos IAPs) e os Condomínios Exclusivos para
as pessoas idosas que tem início no país a partir de 2007 na cidade de São Paulo.
Considerando os distintos contextos históricos, econômicos, sociais e políticos, tanto nas vilas
operárias quanto nos Condomínios Exclusivos para as pessoas idosas analisados, porém em
decorrência da ausência de dados, não foi possível comprovar se há, nestes espaços, a
existência de traços de Proibicionismo e Puritanismo sob o formato de regras do bem viver.
Com base nos dados bibliográficos, dois estados brasileiros foram pioneiros na
implantação de programas habitacionais com moradias exclusivas para as pessoas idosas. O
primeiro deles é o estado de São Paulo, no qual em 2007, surge a Vila dos Idosos – único no
formato Vertical, localizado no bairro do Pari I, em seguida o Programa Vila Dignidade
(presente em dois municípios: Itapeva e Avaré) e o Recanto Feliz. Todos esses condomínios
132

foram objeto de estudo de Monteiro (2012) que ao versar sobre as políticas habitacionais para
as pessoas idosas, dedica boa parte da sua tese sobre a composição dos Condomínios
Exclusivos.
No estado da Paraíba, o Programa Cidade Madura foi inaugurado em 2014, e
atualmente está presente em 06 municípios do estado: João Pessoa, Campina Grande,
Cajazeiras, Guarabira, Sousa e Patos. No que tange esta política, a mesma serviu de base para
as análises da pesquisa documental e dissertações sobre acessibilidade das áreas Design e
Desenvolvimento Urbano.
Em comum, observou-se que os dois estados utilizam a renda como um dos critérios
para inserção/exclusão das pessoas idosas nesta modalidade de habitação, podendo variar,
mas não excede o valor de até 05 (cinco) salários mínimos. Em São Paulo, o Programa Vila
Dignidade e o Pari I definem o valor de 01 (um) salário mínimo como critério para Ingresso.
Porém, o Programa Cidade Madura se difere, posto a renda mínima corresponder 25% da
renda familiar.
O traço diferencial ficou por conta do nível de complexidade nos quais os
condomínios estavam situados, em conformidade com o disposto pela PNAS (2004) e a
Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009). Assim, no estado de São Paulo o
programa está situado na Alta Complexidade, tendo em vista estar voltado para pessoas idosas
cujos vínculos familiares estejam rompidos. Porém no Programa Cidade Madura a ênfase se
dá no fortalecimento de tais vínculos e, portanto, está situado na Proteção Social Básica.
Ao constatar que atualmente os Condomínios Exclusivos para as Pessoas idosas
alcançaram status de política pública, e, principalmente, aparecem como sendo uma bela ação
do Estado que visa equacionar a problemática habitacional da população envelhecida deste
Brasil, surge durante a pesquisa outra faceta desta mesma questão, nem tão bela assim, mas
que chama muito a atenção: a tese que tais empreendimentos visam tão somente manter para a
classe trabalhadora que envelhece as (mínimas) condições para continuar vendendo sua força
de trabalho.
Destarte, se os problemas que compõem o universo da velhice saem da esfera privada
– como responsabilidade exclusiva da família – para a pública – o Estado, por meio das
políticas públicas, é possível observar nos aparatos legais que constituem tais políticas, forte
tendência à responsabilização individual da população sobre o tipo de envelhecimento que
vivenciará. Como é o exemplo do conceito sobre envelhecimento ativo, propalado pela OMS
que incorpora componentes claramente individuais que tendem homogeneizar a velhice, quais
133

sejam: autonomia; independência; qualidade de vida e expectativa de vida saudável. Tanto na


questão do fortalecimento da função e da responsabilidade da família, quanto os direitos das
pessoas idosas terem acesso a uma moradia digna, considerando o discurso que orienta a
implementação das políticas sociais, está relacionada com fatores que ao generalizar, podem
excluir ao invés de incluir.
Ao relacionar emprego e envelhecimento da força de trabalho, a pessoa que
envelhece, praticamente desaparece, resta o trabalho (na verdade – a força de trabalho) na sua
dimensão abstrata. O referido tema exposto no Plano Internacional do Envelhecimento,
discorre sobre a importância de estimular as pessoas idosas se manterem no mercado de
trabalho, que as políticas públicas visem a ampliação das possibilidades de emprego e acresce
a necessidade de criação de novas modalidades de trabalho tendo como base, a flexibilização
das aposentadorias, conforme citação contida: “É preciso que se conscientize, cada vez mais,
das vantagens de ter idosos na força de trabalho.” (OMS,2003, p. 36). A questão do acesso à
moradia digna e/ou adequada às pessoas idosas, nos documentos internacionais, está atrelada
à manutenção da venda da força de trabalho.
De acordo com o exposto no documento, ao elencar o tema 6 que aborda “Idosos e
incapacidades”, se observa o estimulo e a promoção, por parte do Estado na construção de
moradias adequadas, com acessibilidade, levando em conta acesso a transporte, serviços
públicos e comerciais entre outros, visam, além da participação social, manter ao máximo a
capacidade funcional destas pessoas. Neste contexto, a moradia aparece com um instrumento
capaz de reduzir tais obstáculos e, principalmente de estimular uma vida com independência,
sempre visando à manutenção da venda da força de trabalho. (OMS, 2003, p. 63).
A habitação será um dos eixos da quinta conferência Nacional, prevista para ocorrer
em novembro do corrente ano (2019), sob o tema: “Os desafios de envelhecer no século XXI
e o papel das políticas públicas”. Porém na pauta da última reunião realizada pelo Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI), ao discutir sobre os eixos, afirmam
contemplar os diversos debates realizados por meio de audiências públicas sobre a “reforma
da previdência”, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), os planos de Saúde, sobre as
Instituições de Longa Permanência (ILPIs); violência financeira praticada contra idosos (as); a
questão da feminização do envelhecimento, mercado de trabalho e o turismo50.

50
Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/participacao-social/conselho-nacional-dos-
direitos-da-pessoa-idosa-cndi/noticias-CNDI/CNDIempossanovosconselheiros.pdf>. Acesso em 25 de abr. de
2019.
134

O texto chama atenção à menção sobre mercado de trabalho, dentre os pontos


elencados. Tal preocupação se evidencia nos documentos internacionais que servem como
“inspiração” para o arcabouço legal das políticas públicas voltadas para a população idosa no
Brasil, como os documentos produzidos pela OMS que tratam o Plano Internacional sobre o
envelhecimento, publicado em 2003 e o envelhecimento ativo, publicado em 2005.
Entretanto, este alerta deve servir para todas as instâncias de participação democrática, pois,
recentemente os espaços democráticos de controle social sofreram dura represália.
Neste caso, é feito referência à situação do CNDI, após a edição do Decreto Nº 9.759
de 11 de abril de 2019 que estabelece diretrizes para existência e prevê até extinção dos
colegiados, sob a alegação que tais equipamentos oneram o Estado e que representam grupos
políticos específicos que se contrapõem ao executivo e ao legislativo 51. A população idosa e
os movimentos sociais que a representam ficarão de fora das discussões que serão travadas
em torno da exploração da força de trabalho, mormente da ampliação desta exploração no
tempo de vida da classe trabalhadora.
Não é coincidência o fato da pretensa reforma da previdência propor o aumento do
tempo para ter direito a aposentadoria, e o reflexo dessa ampliação para a população idosa,
principalmente para as mulheres, tendo em vista o fenômeno da feminização deste processo.
Evidentemente, além da precarização – cada vez maior vivenciada pela classe trabalhadora –,
tendo em vista a retração e até exclusão de muitos direitos adquiridos anteriormente, com a
flexibilização das leis trabalhistas. Tampouco que desde a década de 1990 – período em que o
projeto societário neoliberal avança no Brasil surja, amparados por documentos internacionais
e nacionais, um tipo de moradia específica para pessoas idosas. Evidentemente, refere-se ao
primeiro residencial surgido na cidade de São Paulo – A vila DignIDADE, embora fossem
apenas 06 unidades residenciais, conquistadas com o estimulo do GARMIC, seguido dos
Condomínios já citados nesta obra.
A respeito dos limites e possibilidades do referido estudo, pode-se considerar
preponderante mencionar que entre as dificuldades encontradas durante o percurso, a questão
da não obtenção de acesso aos dados públicos (disponível para consulta e divulgação) que
compusesse um perfil dos residentes do Programa Cidade Madura. Tal dificuldade propiciou
uma ampliação do objeto, que anteriormente tinha como objetivo central analisar a função
social do Programa Cidade Madura e, diante da dificuldade mencionada, teve o projeto de

51
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Exm/Exm-Dec-9759-19.pdf>.
Acesso em 25 de abr. de 2019.
135

pesquisa readequado à realidade posta, aprofundando o debate em torno das politicas


habitacionais voltadas para esta parcela da população, cujo foco foi os condomínios
exclusivos para as pessoas idosas nos estados de São Paulo e Paraíba.
Desse modo, a pesquisa está muito mais embasada teoricamente do que em
entrevistas, na observação participante ou na análise de dados públicos sobre os Condomínios
Exclusivos.
Portanto, analisar a função social dos condomínios exclusivos para as pessoas idosas,
revelou-se como rebatimento da ampliação da exploração do tempo de vida da classe
trabalhadora na contemporaneidade. Diante dos limites e possibilidades dispostos, pondera-se
sobre a importância de haver uma profunda análise sobre um tema tão latente e, que perpassa
as formas de moradia para as pessoas que atingem a velhice; Pois não se trata apenas da
velhice em si, mas da classe trabalhadora que atinge a velhice.
136

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