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NATAL/ RN
2019
JOILMA DE OLIVEIRA DOS SANTOS
NATAL/RN
2019
JOILMA DE OLIVEIRA DOS SANTOS
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
(Presidente da Banca)
___________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Dalva Horácio da Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
(Membro Interno)
___________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Sitcovsky Santos Pereira
Universidade Federal da Paraíba – UFPB
(Membro externo)
___________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Silvana Mara de Morais dos Santos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
(Membro Suplente)
À minha amada família. Fonte de inspiração e
força para vencer todas as batalhas.
AGRADECIMENTOS
Os caminhos percorridos para chegar até a finalização deste trabalho não teria sido
possível sem o esforço individual, em tantas horas de dedicação e estudo. Vale ressaltar, que
esses momentos de silêncio, dedicação, apreensão e aparente solidão só puderam ser
superados em virtude do apoio de inúmeras pessoas que participaram ativamente para que eu
pudesse lograr êxito nesta empreitada. Inicio agradecendo a Deus, o Regente do Universo,
que com seu infinito amor me manteve viva e dotada de capacidade física e mental para
transpor os obstáculos que se apresentaram.
À minha amada família; Mainha (Dilma), as filhas (Edmara e Joice), meu filho
(Jonathan), os netinhos (Miguel e Nicollas – duas pecinhas raras, que fazem a vovó
transbordar de amor e alegria). O amoroso, Paulo Roberto Ferreira (meu Paulinho),
companheiro de jornada que me presenteou com pessoas que se afeiçoaram e me adotaram
como família: (Eusa, Oneide, Gracinha, Tarcísio, Mira, Paula, Bruno, Bráulio, Ana, Larissa,
Bruninha, Bruninho, Ana Lídia). Suportaram minhas ausências com tanta generosidade e
amor que de fato não há palavras capazes de traduzir meu sentimento de gratidão.
Tantos amigos e amigas fizeram parte desta trajetória, mas destaco de maneira especial
as companheiras de mestrado (Angélica, Giliane, Helenita, Lívia, Nayara, Raquel Cardozo,
Raquel Viana, Rosângela), com vocês senhoras, dividi alegrias, dificuldades, sorrisos e até
lagrimas neste árduo caminho. Principalmente à Raquel Viana (benha), cujo laço excedeu o
espaço acadêmico e ganhou traços de irmandade.
À querida Gracinha Dantas, minha companheira e irmã de alma; Pessoa especial que
me açula e instiga o tempo todo e com isso me impulsiona a romper os limites.
À Patrícia Larrissa, que me incentivou a submeter o singelo projeto de pesquisa
durante o processo seletivo para ingressar no mestrado.
Às queridas Cristina França e Gidenise Oliveira. Nossa amizade surgiu
inesperadamente e tem crescido e se fortalecido com amor recíproco.
À Natalia, por auxiliar-me na aplicação das normas da ABNT em meus alfarrábios.
Sou Grata por tanto estímulo e vibração.
À querida Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e ao Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social PPGSS, pelo apoio, empenho e contribuições do corpo
docente e técnico que o compõem.
Às queridas amigas e professoras Márcia Maria de Sá Rocha e Maria Dalva Horácio
da Costa, que se dispuseram compartilhar comigo de simples momentos como, conversas,
sorrisos, palavras de estimulo e orientações acerca dos procedimentos metodológicos e outros
pormenores da pesquisa; Em vocês me espelho!
Ao Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen, grata pela orientação durante todo o
processo de desvelamento; Suportou minhas indagações (“caninga”) e os momentos de receio.
Agradeço pelas reflexões, diálogos e até silêncios, pois me propiciaram tanto crescimento que
reverberaram na elaboração e término deste trabalho.
Á Prof.ª Dr.ª Silvana Mara de Morais dos Santos, mulher admirável! Sou grata pelas
contribuições e sugestões dadas durante a ministração de disciplina, momentos de conversa e
na apreciação do projeto de pesquisa apresentado em banca de qualificação.
Ao Prof. Dr. Marcelo Sitcovisk Santos Pereira que compôs a banca de defesa, pelas
importantíssimas contribuições.
A todos e todas que fazem parte da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano
(SEDH/PB), pois sempre me trataram com enorme respeito, ética e estima. Foram tantas
pessoas que se dispuseram, mas em especial, destaco as equipes que compõem a Proteção
Social Básica (mormente á coordenação do Programa Cidade Madura), de Média e Alta
Complexidade, com o devido destaque para: a secretária de Estado, a senhora Gilvaneide
Nunes da Silva; a Cida Ramos (ex- secretária e atual Deputada Estadual) e a Madalena Pessoa
Dias (Gerente Executiva da Proteção Social Especial) como representante de todas as pessoas
que fazem parte da “Especial”. Esse povo acolhedor, ético e feliz!
Por fim, a Capes, pelo apoio financeiro por meio da Bolsa de Demanda Social durante
24 meses.
Minha sincera gratidão.
“A voz do idoso tem que ser garantida, pois só
assim o Estado e a sociedade poderão perceber
que há muito a fazer por essa população que
não é respeitada. Nós que somos idosos
sabemos que: Nascer é uma certeza, viver é
um desafio. Mas envelhecer é um privilégio”
(Olga Luiza Leon de Quiroga, 2007).
RESUMO
This study proposes to relate issues that permeate the Brazilian population aging, as well as
the access to housing experienced by this part of the population and the discussions about the
reproduction of the labor force in the capitalist mode of production. In this prism of approach,
we intend to analyze the social function of exclusive condominiums for the elderly in Brazil
and its relation with the reproduction of the work force in contemporary capitalist society.
Specific objectives include: 1) To examine the relationship between social policies and the
rights of the elderly population with a focus on the relationship between labor, the market and
the state; 2) Learn the right to housing for the elderly population in the Brazilian capitalist
state; 3) Identify the historical, economic, social and political determinants of housing policy
for the elderly in Brazil in the Exclusive Condominium mode. The method used was the
dialectical historical materialist, from the perspective of a successive approximation with the
multiple and real determinations, in order to enable an analysis that contemplates the
particularities, singularities and universality of the object in question, using the qualitative
approach, whose bibliographical research and documentary, was of fundamental importance.
The work is divided into four chapters and has as its scope the condominiums aimed
specifically at the working class (considered as non-economically active population), which
have been in vogue in the country since 2007, among which stand out: Vila dos Idosos
Program Pari I; Recanto Feliz and Vila Dignity Program (present in the municipalities:
Itapeva and Avaré), both in the State of São Paulo and the Cidade Madura Program in the
State of Paraiba, which had its first unit inaugurated in 2014, and currently has 06 units in the
following locations.: João Pessoa, Campina Grande, Cajazeiras, Guarabira, Sousa and Patos.
Two points guided the study around exclusive condominiums; The first concerns access
criteria, since both in the state of São Paulo and in the state of Paraiba, they delimit / restrict
based on financial income (but also age); The second point concerns the close connection
between this intervention and the measures adopted from the discussions about the aging of
the working class and the permanent exploitation of its workforce. The second point is the
close connection between this intervention and the measures adopted from the discussions
about the aging of the working class and the permanent exploitation of its workforce. To this
end, since the Federal Constitution of 1988, the National Policy of the Elderly (PNI), the
Statute of the Elderly, as well as: the International Plan of Aging, published in 2003 and, two
years later Active Aging: a Health Policy, reflect the international discussions about the
phenomenon of population increase, especially in countries called “developing”, whose main
objective is to propose actions to keep this part of the population economically active, that is,
to remain a seller of its job. In this sense, it is demonstrated that from the identification of the
population increase of the working class, and under this justification, the State, through
various interventions (including housing policies aimed at the elderly population), promotes
the proliferation of actions that they are intended solely and exclusively to enable the
exploitation of the labor force to be further expanded and expanded
Key words: Population aging, Work force, Right to housing, Exclusive Condos for the
Elderly.
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Figura 11 – Cidade Madura em Campina Grande – visão lateral das residências ............... 124
Figura 12 – Núcleo de Saúde – Instalações (por dentro e por fora). ...................................... 124
LISTA DE SIGLAS
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 16
2.6 Seguridade Social na cena contemporânea brasileira: Entre o Direito Formal e o Real
para a população idosa nas políticas consideradas específicas ................................................ 85
3.1.1 Análises sobre as vilas operárias a partir das categorias Proibicionismo e Puritanismo do
caderno 22 de Gramsci. ............................................................................................................ 97
3.3 Questão habitacional: do golpe militar a Política Habitacional pós Constituição Federal
de 1988. .................................................................................................................................. 103
3.4 Política de habitação no Brasil e a interface com as políticas voltadas para a população
idosa 107
3.5 População Idosa, o Estado e as formas de morar a partir dos anos 2000. ..................... 111
4.1 Vila dos Idosos, Recanto Feliz e o Programa Vila Dignidade em Itapeva e Avaré:
Condomínios Exclusivos em São Paulo ................................................................................. 116
4.2 Programa Cidade Madura: Condomínio Exclusivo para Idosos no estado da Paraíba. 123
4.3 Vilas operárias e Condomínios Exclusivos para as pessoas idosas no Brasil: É possível
realizar uma reflexão sobre proibicionismo e puritanismo nestes modelos de habitação para a
classe trabalhadora, á luz de Gramsci? ................................................................................... 127
INTRODUÇÃO
É comum ouvir expressões populares que exaltam a infância como sendo um tempo de
inocente experimentação da vida e a adolescência como um período conturbado, por
conseguinte a juventude é um momento propício à realização pessoal, seja na área econômica
como em outros setores da vida do indivíduo. Mas, o que é dito sobre a velhice nos interessa
sobremodo; Apesar de crescente em nível mundial, de acordo com os dados demográficos
(excetuando alguns casos, conforme abordaremos neste estudo), a fase do envelhecimento
geralmente é tida como um momento negativo – ligado às perdas. O envelhecer humano
aparece nos discursos como uma constante perda das capacidades (física, biológica,
intelectual, cognitiva e das capacidades motoras) e em alguns casos, pode haver perdas no
âmbito econômico, social e cultural.
Se a pessoa referir-se a si mesma como “velha” (mesmo que tenha completado a idade
estipulada pelo Estado), o simples uso da expressão é logo rechaçado e a pessoa é incentivada
a negar este momento, sob a premissa que estaria se rendendo ao fim de um ciclo; Ouvimos
discursos que enaltecem o “espírito jovem” e negam a velhice, principalmente na exigência de
uma aparência que incite este cuidado para não aparentar ser velho (a).
Diariamente, homens e mulheres submetem-se a regras de estética tais como: evitar a
brancura nos fios dos cabelos, disfarçar as rugas na face, esconder a calvície, o uso da roupa,
“correta” para a idade e a exigência de ter um corpo magro e esbelte; A sociedade dita um
“ideal de vida” durante todas as etapas da vida. Aliás, Nesse prisma de abordagem, manter as
aparências impostas pela mídia cotidianamente, causa certo desconforto naqueles que querem
manter uma vida saudável, mas sem os grilhões da ditadura da beleza.
Comumente tais discursos são propagados na mídia, e até nos formatos das políticas
sociais voltadas para este segmento, como é o caso do envelhecimento ativo, propagado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS); Tais discursos homogeneízam o conceito sobre o
envelhecimento, e tendem a desconsiderar a condição de classe, raça/etnia, região, questões
culturais, entre outros. Desse modo, algumas expressões sobre a velhice humana surgem para
denominar esta fase da vida difundida principalmente nos documentos oficiais e legislações
que instituem e integram as políticas públicas e, que se reproduzem no cotidiano. Dentre os
termos considerados apropriados para designar pessoa velha, podemos citar: pessoa Idosa,
terceira idade, e ou, melhor idade.
Envelhecer faz parte de um ciclo natural, porém está permeado por uma série de
fatores. Nos seres humanos este ciclo envolve processos históricos, econômicos, sociais e
17
culturais, bem como questões de classe, gênero, étnicas, entre outras. Mas, há uma
característica comum na sociedade contemporânea e que atinge todas as pessoas que
envelhecem o fato desta etapa estabelecer o momento em que deixam de vender sua força de
trabalho.
Nesse contexto, a velhice marca o momento em que a classe trabalhadora sai da esfera
produtiva, ou seja, deixa de vender sua força de trabalho, e por isso, tende a ser considerada
inativa e/ou improdutiva e, que produz reflexos com os tipos de respostas dadas pelo Estado
capitalista. Vale salientar que as condições dadas ao envelhecimento humano estão permeadas
pelas contradições desta sociabilidade, que marcam não só a velhice, mas toda a história de
vida das pessoas, constituindo uma questão de cunho estrutural.
A Constituição Federal de 1988 foi o marco legal das políticas públicas sociais para a
população idosa brasileira, tendo como reflexo a organização política da classe trabalhadora
(jovens e velhos) em busca dos seus direitos. Durante o período de transição entre o regime
militar e a redemocratização no Brasil a efervescência de lutas no campo político fica mais
evidente (trabalhadores urbanos e rurais em busca de direitos), muitos movimentos sociais em
torno da questão da habitação se estruturaram, entre estes podemos citar: o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), o
Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), bem como o Movimento pela Reforma
Sanitária Brasileira (MRSB) que teve como veiculo de difusão e ampliação o Centro de
Estudos de Saúde (CEBES).
Desta feita, o conceito ampliado de saúde, defendido pelo MRSB, foi de suma
importância para a luta pela conquista de uma moradia digna, que será um dos principais
objetivos da Política Nacional de Habitação. Todas essas lutas confluíram na tão conhecida
Constituição Cidadã de 1988. De acordo com os artigos 182 e 183 desta Constituição, a nova
Política Nacional de Habitação se instrumentalizará em ações articuladas com outros setores e
outras Políticas, levando em consideração a função social da terra.
Apesar da investida neoliberal que se acirra a partir dos anos de 1990, dois
instrumentos importantíssimos para a população idosa são aprovados: a Política Nacional do
Idoso (PNI), Lei N.º 8.842, aprovada em 1994, que prevê diversas ações a fim de garantir o
acesso da pessoa idosa à habitação popular e o Estatuto do Idoso, instituído pela Lei N.º
10.741 no ano de 2003 que estabelece, para esta faixa etária, prerrogativas para o acesso à
política de habitação. Ademais, este trabalho além de pontuar a importância desses
instrumentos por mencionarem tais ações no campo da politica habitacional, também atenta
18
para o fato que representam um avanço no campo da proteção social ofertada e podem ser
considerados como “garantidores” de acesso aos direitos sociais à população idosa brasileira.
Contudo, a hipótese é que haja um vácuo no que diz respeito à oferta de políticas de
habitação para as pessoas idosas no Brasil. Desde aqueles empreendimentos que visam o
atendimento de toda população (sem distinguir faixas etárias), pois, além de não levarem em
consideração as peculiaridades e especificidades das pessoas idosas, não definem com clareza
os critérios para que tais pessoas tenham acesso ao direito à moradia digna, até o surgimento
dos condomínios exclusivos para as pessoas idosas no Brasil, cujo acesso está atrelado à
renda.
Apenas dois Estados brasileiros surgem como pioneiros na implementação de
condomínios exclusivos para esta parcela da população. O primeiro deles, na região sudeste
de São Paulo/capital, inaugurando a Vila dos Idosos – Pari I em 2007. O segundo, localizado
na região nordeste, mais especificamente no Estado da Paraíba com o Programa Cidade
Madura, que iniciou tal implementação no ano de 2014. Ambos utilizam a renda como um
dos critérios para inserção/exclusão das pessoas idosas nesta modalidade de habitação,
podendo variar, mas não excede o valor de até 05 (cinco) salários mínimos.
A aproximação e interesse pelas discussões que perpassam as problemáticas do
envelhecimento surgem para a pesquisadora durante a graduação em Serviço Social, aliadas
às questões particulares vivenciadas como cuidadora da avó materna (Leonila Mendes – In
Memoriam) que foi acometida por um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e todas as questões
que se apresentavam diante deste quadro clínico.
Outro fato que possibilitou o interesse no assunto foi a oportunidade de cursar as
disciplinas “Pesquisa em Serviço Social (I e II)”, cujo contato com as diversas metodologias e
instrumentais de pesquisa incentivaram a busca pelo o aprofundamento das discussões sobre a
temática e reverberaram no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que visou analisar a
participação social dos idosos brasileiros nas políticas públicas, por meio do controle social e
o lócus foi o Conselho Municipal de Idosos em Natal/RN1. O interesse pela discussão se
manteve em evidência ao ingressar em um curso na pós-graduação em Educação, Pobreza e
Desigualdade Social, que teve como fruto um TCC enfatizando a inter-relação entre a
1
Participação e controle social dos idosos na cena contemporânea: particularidades do Conselho Municipal dos
Idosos em Natal-RN / Monografia (Graduação em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social,2012. 96f.
19
desigualdade social, e como este fator incide na educação e na cidadania dos idosos
contemporâneos brasileiros2.
Este trabalho, como objetivo central buscou averiguar a função social dos
condomínios exclusivos para as pessoas idosas no Brasil e sua relação com a reprodução da
força de trabalho – modalidade habitacional ofertada, à população idosa com um perfil
especificado pela idade (cronológica), renda e autonomia para realizar suas tarefas. Pretende-
se examinar a relação entre as políticas sociais e os direitos da população idosa com foco na
relação entre o trabalho, o mercado e o Estado, visando apreender o direito à moradia para a
população idosa no Brasil, bem como identificar os determinantes históricos, econômicos e
sociais da politica habitacional para as pessoas idosas – na modalidade condomínios
exclusivos.
Neste diapasão, visa-se fomentar o debate profícuo em torno das questões que giram
sobre a velhice da classe trabalhadora, bem como sobre o papel econômico, político e social
desta população na sociabilidade capitalista ocidental contemporânea. Porém, faz-se
necessário tecer algumas ponderações acerca da trajetória percorrida, pois o objeto sofreu
algumas alterações no decorrer da pesquisa.
O interesse por estudar sobre Condomínio Exclusivo para Pessoas Idosas iniciou após
ingresso na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (SEDH/PB)3 em 2015 – Na
ocasião, a pesquisadora foi designada para atuar na Gerência Executiva de Assistência Social
(GEAS) na função de técnica de referência, e neste espaço de gestão, acompanhamento e
assessoria aos 223 (duzentos e vinte e três) municípios paraibanos4, recebeu a incumbência de
integrar a equipe que coordenava o Programa Cidade Madura/PB, com a finalidade de
acompanhar as demandas cotidianas, por meio de visitas técnicas, monitoramento do
programa e de dois processos seletivos dos (as) candidatos (as) à inclusão nos residenciais nos
municípios de Cajazeiras (2016) e Guarabira no ano seguinte5. O referido programa,
2
Pobreza e Desigualdade Social: um tema para se debruçar na universidade aberta a terceira idade da UnP em
Natal/RN/ Artigo (Pós-Graduação- Lato Sensu)- Universidade Federal do Rio Grande do Norte. EAD, 2015,30f.
(UFRN/2016). Recentemente, este artigo foi indicado para constar em um livro publicado pela organização da
pós-graduação acima citada.
3
Processo seletivo, regido pelo Edital nº 003/2015/PETI, publicado em 30/06/2015. Aprovada para atuar como
técnica de referência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) no estado da Paraíba.
4
O Estado da Paraíba possui 223 municípios, agrupados em 14 regiões Geoadministrativas: 1ª. João Pessoa; 2ª.
Guarabira; 3ª. Campina Grande; 4ª. Cuité; 5ª. Monteiro; 6ª. Patos; 7ª.Itaporanga: 8ª. Catolé do Rocha; 9ª.
Cajazeiras; 10ª. Sousa; 11ª. Princesa Isabel; 12ª. Itabaiana; 13ª. Pombal; 14ª. Mamanguape;
5
De acordo com dados oficiais, Cajazeiras 5, a sede da 9ª (nona) região geoadministrativa fica a 468 km da
capital. A cidade de Guarabira é conhecida como “a rainha do brejo” é sede da 2ª (segunda) região
geoadministrativa, distante 98 km da capital.
20
inaugurado no ano de 2014 em João Pessoa/PB, era frequentemente mencionado pela mídia
em nível local e/ou nacional6, bem como nos espaços acadêmicos.
A experiência profissional evidenciou dois gargalos que justificaram a importância de
se debruçar em torno da problemática que diz respeito a dificuldade de entendimento sobre a
função social do programa, tanto por parte das pessoas diretamente envolvidas na
coordenação e gerência do programa quanto nos próprios residentes e suas famílias, bem
como do público, em geral, cuja tendência era confundi-lo com Instituição de Longa
Permanência para Idosos (ILPI’s)7. Outro ponto analisado está no fato do programa ser
voltado especificamente para a classe trabalhadora pobre envelhecente.
Além da pesquisa bibliográfica e documental, havia a pretensão de ir a campo e para
tanto, a proposição foi de constituir a Gerência da Proteção Social Básica da Secretaria de
Desenvolvimento Humano do Estado da Paraíba e o Residencial Cidade Madura, localizado
na cidade de João Pessoa/PB como lócus para a referida pesquisa. Tendo em vista o tempo
limitado para a análise e sistematização dos dados obtidos, após traçar o perfil da população
residente (tais como: idade, situação civil, escolaridade, entre outros), pretendia-se utilizar a
técnica da amostragem seletiva de Fontes-Chaves para a realização das entrevistas que seriam
realizadas com a técnica de roteiros do tipo semiestruturados com os (as) idosos (as) e
profissionais que atuam no residencial e residem no respectivo condomínio.
Após a qualificação, iniciou-se a construção da dissertação com base nas apreensões a
respeito da categoria trabalho e a forma como os discursos a respeito do envelhecimento
humano nesta sociedade capitalista se difundem. No entanto, a ida ao campo e a realização
das entrevistas foram dispensadas diante da probabilidade da publicação – em tempo hábil –
de um diagnostico do Programa Cidade Madura no estado da Paraíba, elaborado pela
coordenação do referido programa, tendo em vista que as informações contidas coadunavam
com os dados descritos no projeto de pesquisa qualificado. Porém, não é o que ocorre de fato
e o diagnóstico supramencionado não foi publicado.
6
Estadão. Condomínios, republicas e vilas diversificam moradia para idosos.
http://infograficos.estadao.com.br/focas/planeje-sua-vida/condominios-republicas-e-vilasdiversificam-moradia-
para-idosos Acesso: outubro de 2017; G1.Globo. com. Condomínio exclusivo oferece refugio para idosos na
Paraíba. < http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2015/05/condominio-exclusivo-oferece-refugio-para-idosos-
na-paraiba.html > Acesso: outubro de 17 e Portal oficial. Governo do Estado da Paraíba
<http://paraiba.pb.gov.br/>
7
As Instituições de Longa Permanência, conhecidas também como: serviços de acolhimento institucional e se
diferenciam do Programa Cidade Madura, por oferecerem aos idosos inseridos, alimentação, higiene, atividades
recreativas, curativas e terapêuticas, realizadas por equipe multidisciplinar, que leve em consideração, inclusive,
os diversos graus de dependência dos idosos. Conforme se lê na Resolução Nº283/2005
21
Apesar de ter iniciado o terceiro capítulo, nesta ocasião, houve ponderação no que diz
respeito a impossibilidade de submeter o projeto ao comitê de ética e aguardar mais tempo
ainda a aprovação para então poder ingressar no campo e, posteriormente coletar os dados,
realizar as entrevistas e analisar todo este material. Destarte, diante do ocorrido, foi feito o
redimensionamento dos seguintes pontos do projeto anteriormente apresentado: Justificativa,
Objetivos (Geral e Específicos), bem como os Procedimentos Metodológicos.
Assim, o Programa Cidade Madura deixava de ser o foco na pesquisa, e passou-se a
realizar uma pesquisa em torno das Políticas Habitacionais para as pessoas idosas no Brasil,
mais especificamente a respeito dos Condomínios Exclusivos para esta parcela da população.
Como objetivos Específicos, elenca-se 1) Examinar a relação entre as políticas sociais e os
direitos da população idosa com foco na relação entre o trabalho, o mercado e o Estado; 2)
Apreender o direito à moradia para a população idosa no Estado capitalista brasileiro;3)
Identificar os determinantes históricos, econômicos, sociais e políticos da política habitacional
para as pessoas idosas no Brasil na modalidade Condomínios Exclusivos.
Com o objetivo de obter uma melhor apreensão do objeto, o método utilizado foi o
materialista histórico dialético, na perspectiva de uma aproximação sucessiva com as
múltiplas e reais determinações, de forma a possibilitar análise que contemple as
particularidades, singularidades e universalidade do objeto em questão.
A metodologia adotada neste estudo foi a pesquisa do tipo qualitativa. Nos termos de
Minayo (2006), a primeira tarefa foi compor o referencial teórico com o intuito de fomentar o
processo investigativo. A autora (Ibidem) destaca que esta fase pode atingir vários níveis de
aprofundamento, devendo abranger minimante os estudos mais clássicos e os mais
atualizados; a escolha das categorias analíticas, bem como a importância de deixar claro, o
nível dessa abrangência no desenho metodológico da investigação. (MINAYO, 2006, p. 18).
A fundamentação teórica desta pesquisa se deu por meio consulta de livros, teses,
dissertações, artigos, papers, bem como consultas em revistas e matérias jornalísticas que
versam a respeito da temática. Entre os clássicos que discutem sobre Trabalho, Capitalismo e
Estado, consultados nesta pesquisa, ressalta-se: Karl Marx, Friedrich Engels e Ernest Mandel.
Das obras que tratam acerca do envelhecimento humano, destacam-se as seguintes autoras:
Simone de Beauvoir, Eneida Haddad, Maria Solange Teixeira, Sálvea de Oliveira Campelo e
Paiva.
A pesquisa documental consistiu na análise de Leis, Decretos Políticos, e Documentos
Nacionais e Internacionais que abordam a temática do envelhecimento humano, dentre os
22
quais enfatiza-se: Constituição Federal de 1988; Política Nacional do Idoso (PNI) – Lei N.º
8.842, de 1994; Estatuto do Idoso – Lei Nº 10.741 de 2003; Plano Internacional do
Envelhecimento, publicado em 2003 e, Envelhecimento Ativo: um marco político em resposta
à Revolução da Longevidade, publicado em 2005(documentos internacionais produzidos e
fomentados pela Organização Mundial da Saúde e Organização das Nações Unidas e
publicados no Brasil); Decretos instituídos para reger os condomínios habitacionais
exclusivos para as pessoas idosas e, no caso do Programa Cidade Madura – além de decreto, a
Lei Nº 11.260, aprovada em dezembro de 2018, O cadastro socioeconômico8 - instrumento
elaborado com a finalidade: extrair o máximo de informações a respeito das pessoas idosas
que se inscrevem no Programa Cidade Madura, bem como o roteiro indicativo para a
elaboração dos diagnósticos: situacional dos equipamentos e situacional dos usuários do
Programa9.
Materiais iconográficos (fotografias, filmagens e slides) disponibilizados
publicamente, nos sites e portais oficiais e/ ou cartilhas, notas técnicas, manuais, com a
finalidade de promover ou de informar a respeito dos condomínios exclusivos para as pessoas
idosas no Brasil, também foram utilizados.
Vale salientar que a análise documental foi de suma importância, pois propiciou
identificar, por meio das categorias elencadas, as contradições e as conexões, presentes nos
discursos produzidos e reproduzidos acerca da classe trabalhadora envelhecente na sociedade
capitalista contemporânea.
A pesquisa está divida em quatro capítulos. O primeiro discute sobre o processo de
reprodução da força de trabalho e os rebatimentos da valoração da categoria trabalho nos
conceitos sobre a velhice na sociedade capitalista, presentes nas políticas públicas voltadas
para esta parcela da população. Nesse sentido, a categoria trabalho, base da atividade
econômica, tornou-se indispensável para sua compreensão, além disso, a categoria faz
referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade. (Braz e Netto, 2009, p.29). Tal
centralidade justifica-se por considerar esta categoria fundamental para discutir as relações
sociais.
8
Os dados são obtidos, por meio de uma entrevista, realizada pela equipe técnica da Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Humano (SEDH). Em geral duas pessoas, uma delas da área da psicologia e outra do Serviço
Social, aplicam o questionário e elaboram um parecer (favorável ou não)sobre o ingresso no referido residencial;
9
Todos os documentos informados estavam em branco, ou seja, não continham informações sobre as pessoas
idosas, residentes. E foram disponibilizados pela Gerente Operacional do Programa Cidade Madura.
23
10
Disponível em: < http://mds.gov.br/central-de-conteudo/assistencia-social/encontro-sobre-integracao-entre-
servicos-e-beneficios-socioassistenciais-para-a-pessoa-idosa>. Acesso em 26 de nov. de 2018.
25
essência humana e retirada esta possibilidade não existe homem nem mulher. Nesta direção, é
possível desvelar sobre a categoria trabalho como algo mais complexo e que se distancia da
natureza (do ser natural/orgânico). Tornando esta atividade bem diferente das atividades que
visem apenas às necessidades de sobrevivência generalizadas entre as espécies animais.
Netto e Braz (2009, p.30-35), demonstram como o trabalho rompe com o padrão
natural e deixa de ser um simples realizar de tarefas. Os autores afirmam que este fato é
resultado de um processo, cujo tempo – possível de mensurar em escala de séculos – ocorreu
em sociedade.
[...] Não se pode separar a sociedade dos seus membros: não há sociedade sem que
estejam em interação os seus membros singulares, assim como não há seres sociais
singulares (homens e mulheres) isolados, fora do sistema de relações que é a
sociedade. O que chamamos sociedade são os modos de existir do ser social; é na
sociedade e nos membros que a compõem que o ser social existe: a sociedade, e seus
membros, constitui o ser social e dele se constitui (NETTO e BRAZ, 2009, p.37,
grifos originais).
Este processo histórico de organização da sociedade faz emergir o ser social, marco
importantíssimo, pois, a partir dele a sociedade vai se transformando. Lessa (2016) ao
discorrer sobre a objetivação e exteriorização do trabalho em Lukács, afirma ser o trabalho
tanto a forma originária quanto o fundamento ontológico das diferentes formas da práxis
social e ressalta que, sem o trabalho não existiriam as variadas formas de atividade humano-
social.
Netto e Braz (2009,41-45) coadunam com esta análise e acrescem que o processo da
práxis envolve todas as objetivações humanas, pois esta categoria permite vislumbrar a
riqueza do ser social pela sua capacidade de revelar o homem com um ser criativo e apontam
que seu oposto seria a alienação. Nesse sentido, sendo à base da existência humana, o trabalho
é elemento central para se debruçar sobre a história da humanidade (sua fundação,
organização, desenvolvimento e de como se relacionam). Notadamente, o que os homens são
reflete a sua relação em sociedade. A respeito da velhice nas sociedades pré- capitalistas,
Paiva (2014) assevera:
A velhice, experiência tão antiga quanto a história da própria humanidade, longe de
ser uma problema social, era vivenciada naturalmente no domínio do espaço privado
e da mesma maneira se vivenciava o processo de finitude humana. Muito embora
isso não implique a pretensão de defender uma visão romântica da velhice em
sociedades pré-capitalistas. [...] (PAIVA, 2014, p. 57-58).
29
Ademais, a forma como o conceito sobre velhice ganha uma definição mais
generalizada vai depender das condições produtivas, das circunstâncias e dos valores
atribuídos em sociedade. Evidentemente, no contexto histórico acima mencionado, o curso da
vida humana e o tempo dedicado ao trabalho eram diversos da contemporaneidade, conforme
seus apontamentos.
Na sociabilidade capitalista, portanto, a velhice além de ser um processo natural,
biológico pelo qual passam todos os seres vivos é, heterogênea, reflete o antagonismo entre as
classes sociais e está permeada pelas contradições inerentes deste modo de produção. Neste
sentido, tendo em vista a reprodução da força de trabalho, nesta sociabilidade, a classe pobre e
trabalhadora (cuja força de trabalho foi explorada durante toda a sua vida), passa ser
considerada como população não economicamente ativa, ou improdutiva, ao atingir a velhice.
(Paiva, 2014).
Benedito (2017, p. 218-220) reflete sobre o fato do célere envelhecimento
populacional coincidir com o momento em que o capitalismo encontrava-se em severas
dificuldades em seu processo de expansão, a crise de 1970. Assim, o “problema da velhice”,
para a autora, torna-se objeto de reflexão cotidiana e engloba tanto as famílias quanto as
instituições. Porém, a questão fulcral, segundo ela (Ibidem) situa-se no discurso produzido
sobre o aumento com os gastos que o envelhecimento da classe trabalhadora poderia acarretar
ao erário e os efeitos deste fenômeno à expansão capitalista. Paiva (2014,54-55) afirma ser
produto da sociedade moderna, o momento em que as reivindicações por direitos sociais à
velhice da classe trabalhadora e, ressalta que tais reivindicações passam a incorporar a
dimensão da proteção social. Neste modelo de sociedade, conforme apontado pela autora, a
velhice alcança o espaço público, desafiando a lógica de acumulação do capital.
com o conceito da força de trabalho, pois se baseia nas assertivas de Marx que a compreende
como dispêndio de força humana (mental e intelectual, mas também física) para realizar
determinada tarefa. Com efeito, é possível afirmar que a força de trabalho – este dispêndio de
força utilizado – tanto viabiliza os meios de produção quanto o crescimento da produtividade
do trabalho.
Assim, o crescimento da produtividade do trabalho aparece atrelado à repartição do
trabalho (NETTO E BRAZ, 2009, p.59): a divisão sexual do trabalho (primeira forma de
repartição de trabalho), bem como a divisão entre Urbano e Rural que divide o trabalho em
especialidades, mas não reparte cada especialidade em operações limitadas. Deste modo, a
força de trabalho, revela privilegiadamente, o caráter histórico das forças produtivas.
É a possibilidade de um homem produzir mais do que consome – isto é: de produzir
excedente – que torna compensador escravizá-lo; só vale a pena ter escravos se o seu
proprietário puder extrair deles um produto excedente (sobreproduto). [...] O
surgimento do excedente muda radicalmente as relações sociais: posto o excedente,
vale a pena escravizar e explorar homens.[...] (IBIDEM, 2009,p.66)
12
Sobre este tema nos debruçaremos mais amiúde no capítulo a seguir.
32
13
[...] Dos grandes comerciantes, grupo social que nasce nas entranhas da ordem feudal, surgirão os elementos
que, a partir do século XVI, conformarão a classe que derrotará a feudalidade – eles constituirão a burguesia.
(NETTO E BRAZ, 2009, p.70).
33
Gorender (1985) ao escrever o prefácio do livro “O Capital” de Karl Marx, (1985) nos
ajuda a compreender dois pontos importantíssimos no capitalismo. O primeiro deles diz
respeito a uma mercadoria bastante especial – a força de trabalho. Em suas palavras:
Apenas uma mercadoria pode produzir um valor superior ao que foi gasto por ela
dentro da empresa; o trabalho humano. É apenas a força de trabalho que transforma
a natureza e produz um novo produto e, por isso, gera um valor superior. Se no
capitalismo a força de trabalho é tratada como uma mercadoria igual às demais
‘trata-se, contudo, de mercadoria especial, a única cujo uso consiste na criação de
valor e mais-valia’. (MARX, 1986, p. XIX)
O segundo ponto é que para Gorender (Ibidem) o capital é relação social – relação de
exploração (do capitalista sobre os operários), ou seja, da relação Capital/Trabalho.
Ao invés de coisa, o capital é relação social, relação de exploração dos operários
pelos capitalistas. As coisas – instalações, máquinas, matérias-primas etc. –
constituem a encarnação física do trabalho acumulado para servir de capital, na
relação entre o proprietário dessas coisas e os operários contratados para usá-las de
maneira produtiva. (MARX, 1985, Tomo1, p. XXXVII).
Diante do exposto por Marx (Ibidem) se observa alguns pontos fulcrais sobre a
mercadoria. A primeira delas é que a mercadoria é uma coisa, em segundo lugar é algo
35
externo ao homem, em finalmente que deve ter uma utilidade. Assim deverá possui valor de
uso e também valor de troca.
O valor de troca aparece, de início, como a relação quantitativa, a proporção na qual
valores de uso de uma espécie se trocam contra valores de uso de outra espécie, uma
relação que muda constantemente no tempo e no espaço. O valor de troca, parece,
portanto, algo casual é puramente relativo: um valor de troca imanente, intrínseco à
mercadoria (valeur intrensèque), portanto uma contradiction in adjecto. [...]
(MARX, 1985, p.46)
Ora, a lei do valor passa a regular as relações econômicas que se universalizam sob a
égide do capitalismo. Sobre essa base, surge uma relação específica da produção e a
reprodução do capitalismo (a relação mercantil). A origem da exploração da força de
trabalho14.
[...] o trabalho, entretanto, o qual constitui a substância dos valores, é trabalho
humano igual, dispêndio da mesma força de trabalho do homem. A força conjunta
de trabalho da sociedade, que se apresenta nos valores do mundo das mercadorias,
vale aqui como uma única e a mesma força de trabalho do homem, não obstante ela
ser composta de inúmeras forças de trabalho individuais. Cada uma dessas forças de
trabalho individuais é a mesma força de trabalho do homem como a outra, à medida
que possui o caráter de uma força média de trabalho social, e opera como tal força
14
O valor (de troca) atribuído às mercadorias será regulado de acordo com a quantidade de trabalho socialmente
necessário para sua confecção, conforme aponta Marx.
36
O trabalhador, despossuído dos meios de produção, tem apenas a sua força de trabalho
e, assim ao chegar à velhice o que resta ao trabalhador, nesta relação social? Evidentemente, o
modo de produção capitalista não se restringe a esfera da produção, embora seja enfatizada há
ainda consumo e circulação.
Para Marx (2010), o valor da força de trabalho, no capitalismo, é medida como o de
qualquer mercadoria. A partir das observações dos seus escritos, percebemos que há dois
grupos bastante distintos neste modo de produção: de um lado estão os compradores da força
de trabalho – estes possuem terras, maquinários, matérias-primas e meio de vida – e, do outro
lado estão os vendedores de sua força de trabalho que possuem-na apenas, e que ao vendê-la
37
enriquece o primeiro grupo, mas ganha apenas o suficiente para sobreviver. É o autor quem
traz a reflexão sobre a necessidade de substituição do homem (e da mulher também, óbvio)
como se fosse uma máquina desgastada. Em suas palavras:
[...] A força de trabalho de um homem consiste, pura e simplesmente na sua
individualidade viva. Para poder se desenvolver e se manter, um homem precisa
consumir uma determinada quantidade de meios de subsistência. Mas o homem,
como a máquina, desgasta-se e tem de ser substituído por outro homem. Além da
quantidade de meios de subsistência necessários para o seu próprio sustento, ele
precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para criar determinado número de
filhos, que terão de substituí-lo no mercado de trabalho e perpetuar a classe de
trabalhadores [...] (MARX, 2010, p.111-112).
Nesse sentido, é possível afirmar que a lei da acumulação capitalista, não visa apenas
aumentar o grau de exploração da força de trabalho e evitar a elevação do preço desta força,
mas principalmente manter, em escala sempre ampliada, a reprodução continua da relação
capitalista.
Assim, reflete que o trabalhador existe para que a expansão dos valores existentes,
neste modo de produção e não o contrario. O Exército Industrial de Reserva ou
Superpopulação Relativa ou varia de acordo com o movimento do capital, conforme aponta
Marx.
38
[...] Mas, seu fluxo constante para as cidades pressupõe no próprio campo uma
superpopulação supérflua latente, cuja dimensão só se torna visível quando, em
situações excepcionais se abrem todas as comportas dos canais de drenagem. Por
isso, o trabalhador rural é rebaixado ao nível mínimo de salário e está sempre com
um pé no pântano do pauperismo. (IBIDEM, 1988, p. 745-746).
descartados nos períodos de crise experimentam a indigência; logo depois vêm os filhos e os
órfãos desses indigentes, que também podem ser incorporados (ou não), mas isso vai
depender da conjuntura e, em terceiro lugar estão os que Marx denomina como: degradados;
desmoralizados e incapazes para o trabalho. Em suma:
[...] São notadamente os indivíduos que sucumbem em virtude de sua incapacidade
de adaptação, decorrente da divisão do trabalho; os que ultrapassam a idade normal
de um trabalhador, e as vitimas da indústria, os mutilados, enfermos, viúvas etc. [...].
(MARX, 1988, p. 747).
15
Terminologia utilizada por Maranhão pelo autor.
40
Tendo em vista que neste modo de produção a classe trabalhadora pobre possui apenas
a sua força de trabalho, alcançar a velhice e perder o vínculo com o mundo do trabalho
(desempregado ou inserido de forma precária – pela via da informalidade), pode acarretar
reflexos nos âmbitos sociais, econômicos e culturais. A autora ao comentar a esse respeito e
do alcance mundial que este fenômeno alcança, assegura:
Nunca se trabalhou tanto! Nessa trama, as velhas e velhos trabalhadores (as) quase
invisíveis, do ponto de vista do foco do Estado, não fosse a atual magnitude do
impacto do envelhecimento senil na agenda das políticas públicas, sobrevivem e são
provedores de suas famílias à custa dos direitos trabalhistas por eles (as) mesmos
(as) conquistados, cuja longevidade lhes permite ver agora (sendo)
desregulamentados. (PAIVA, 2014, p. 129).
Neste sentido, a posição de classe é condição essencial, tanto para discutir as questões
da Superpopulação Relativa, ou Exército Industrial de Reserva, bem como acerca dos
rebatimentos do aumento populacional da classe trabalhadora envelhecente na
contemporaneidade frente às condições objetivas vivenciadas por este segmento.
razão de dependência ou peso da população que serve para comparar ou medir as duas
populações: a ativa e a inativa16.
Geralmente quando se discute a temática do envelhecimento, a ênfase se dá no
aumento populacional, porém, Bernardo (2017, p.54) ao debater sobre a velhice da classe
trabalhadora observa ser importante ir além dos indicadores: etário; alterações biológicas,
ponto de vista fisiológico e do argumento do aumento demográfico dessa população, e alerta
sobre a necessidade de se levar em conta a processualidade histórica, considerando, inclusive
a maneira como a força de trabalho tem sido expropriada.
Assim o número de idosos (as) tem sido apresentado por especialistas como classe
onerosa aos cofres públicos e a sociedade. Mas, afinal que segmento é este que, supostamente,
onera o Estado? A que classe pertence? Sem questionar se classe trabalhadora pobre terá as
mesmas condições que a rica ao envelhecer, esta fase é tida como “a fase da aposentadoria”.
Porém, o que para alguns pode representar a época da liberdade para o lazer e o ócio. Para a
classe trabalhadora pobre, tem representado a época de desligamento oficial do mundo do
trabalho, de desemprego ou subemprego e desproteção social. Deste modo reflete o
antagonismo entre as classes neste modo de produção capitalista.
Desta maneira, ressalta-se a importância de pontuar que nosso estudo, embora não
desconsidere as condições subjetivas (como cada sujeito se vê na condição de velho nesta
sociabilidade), nossas discussões estarão centradas nas condições objetivas (materiais) de vida
e, pretende destacar a situação da classe trabalhadora pobre que envelhece sob o ditame
capitalista.
A respeito da longevidade humana, Beauvoir (1990) ressalta ter ocorrido um aumento
significativo na Europa, a partir do século XVIII. Porém, a autora destaca que tais condições
favoreceram apenas as classes privilegiadas, pois a expectativa de vida das pessoas
pertencentes às classes inferiores era de menos dez anos. E, isto se dava em virtude da
pobreza e fadiga que estavam submetidas. Beauvoir (Ibidem, p.221-222) observa que: [...] Na
medida em que os explorados conseguiam sobreviver até uma idade avançada, a velhice deles
condenava-os à indigência. Surgem algumas ações pontuais que visavam dar conta da questão
que ora se apresentava, tais como: a lei de Chapelier que proibiu o funcionamento das
Sociedades mútuas de previdência que tinham surgido na Europa central desde o século XIV,
e desta feita, para os idosos, restava apenas os auxílios da igreja.
16
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). CONCEITOS:
https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm Acesso
em 14 de outubro de 2018
42
Com base em relatos de autores renomados, na segunda metade o século XVI, uma
corrente sentimental influenciou o pensamento da opinião pública da época, contribuindo
assim, para o surgimento da lei de 1782 que concedeu às paróquias a possibilidade de se
agruparem em unions para cobrança de um tipo de taxa dos pobres. Beauvoir (Ibidem) declara
dois pontos primordiais que ocorrem neste contexto: O primeiro está relacionado com o
reconhecimento da necessidade de intervenção por parte do Estado e o segundo, tem a ver
com as lutas operárias por direitos.
[...] O Estado parecia reconhecer que todo homem tem direito à existência. Foi o que
afirmaram em 1785, os magistrados reunidos em Speehamland: se um homem não
pode ganhar a vida trabalhando, a sociedade deve assegurar sua subsistência. A
assistência pública foi reformada neste sentido: a miséria dos deficientes e dos
velhos foi um pouco atenuada. Por outro lado, as coalizões operarias multiplicaram-
se para lutar contra o patronato, mas também para segurar-se mutuamente contra o
desemprego e a doença. (IBIDEM, 1990, p.222)
Mas os apontamentos das autoras Behring e Boschetti (2009) permitem que se tenha
mais detalhes a respeito das referidas ações, embora a velhice não seja o tema central das suas
análises. Assim, relatam que entre as legislações, consideradas seminais, as inglesas são as
mais citadas frequentemente. Ainda conforme as autoras: o Estatuto dos Trabalhadores
(1349); Estatuto dos Artesãos (1563); A lei dos Pobres elisabetanas (1531- 1601); Lei de
Domicílio (1662); Speenhamland Act (1795); Lei Revisora das Leis dos Pobres, ou Nova Lei
dos Pobres (1834), e, comentam que tais legislações não possuíam caráter protetor, ao
contrario reprimiam e puniam.
Em geral, ao se comentar a respeito das políticas sociais, é comum ter associado à
visão de política, qualquer ação planejada pelo Estado.
43
Para uns, política pública é apenas o output (resultado) da atividade política dos
governos o que denota uma visão parcial e pragmática. Isso porque, ela também
contempla inputs (demandas externas, provenientes da sociedade), além de
comportar correlação de forças, estratégias de implementação de decisões e a
própria com seus respectivos impactos. Logo, a política também está relacionada a
conflitos de interesses e é resultante de decisões que visam administrar esses
conflitos. (PEREIRA, 2008, p. 06)
Contidas na política, portanto, estão às lutas que provocaram do Estado tal resposta.
Inclusive, o próprio formato de Estado – que neste caso especifico – possui elementos e
aparatos voltados para a manutenção do “status quo” do sistema capitalista, da exploração da
classe trabalhadora e que, portanto, reflete a luta de classes. Imbricado nas políticas sociais,
portanto, estão a formatação do Estado capitalista e sua relação com as multifacetadas
expressões da questão social.
Silva (2005) afirma que nas pesquisas realizadas sobre o processo de envelhecimento,
há uma tendência de se enfatizar a dimensão cronológica. Porém, a autora ressalta haver mais
03 (três) dimensões para refletir sobre a velhice, são elas: a idade biológica; a psicológica e a
idade social. Neste sentido, a velhice é uma experiência particular ou individual, porém é
importante destacar que, como acontece em todas as faixas etárias, não se dá de forma
isolada, pois reflete e traduz os conceitos produzidos e reproduzidos coletivamente.
Destarte, a questão geracional a que se vincula a pessoa idosa está inserida no campo
das relações sociais, sendo por elas determinadas. Conforme assertiva de Paiva (2014), o
envelhecimento humano está permeado por múltiplas determinações, a autora menciona que
nesta sociedade moderna é de suma importância levar em consideração a estrutura de classes,
tendo em vista que a velhice está condicionada pelas relações sociais.
Em suas palavras:
[...] na sociedade moderna, a velhice é desvelada como um processo não meramente
natural, não essencialmente casual, na medida em que está condicionada pelas
relações sociais, isto é, pela estrutura de classes, que se sobrepõe aos fatores
biológicos e cronológicos do envelhecimento humano. [...] (PAIVA, 2014, p.35)
Biologicamente, a velhice pode ser considerada como o último estágio na vida dos
seres humanos, e o envelhecimento parte de um processo contínuo e permeado das
particularidades vivenciadas pelos sujeitos de forma individual e/ou coletiva. Sendo assim,
este “destino biológico” varia de acordo com o contexto (econômico, histórico, social e
cultural) vivenciado e construído em sociedade, bem como tem relação com as condições
objetivas destes sujeitos.
A multiplicidade do envelhecimento é ressaltada por Beauvoir (1990) ao apresentar
sua obra e analisar que, apesar do esforço, não tem intenção definir a velhice. Porém um fator
é considerado por ela como determinante – a luta de classes:
[...] constataremos, ao contrário, que ela assume uma multiplicidade de aspectos,
irredutíveis uns aos outros. Tanto ao longo da história como hoje em dia, a luta de
classes determina a maneira pela qual um homem é surpreendido pela velhice; um
abismo separa o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de
pensão miserável e um Onassis. A diferenciação das velhices individuais tem ainda
outras causas: saúde, família etc. Mas são duas categorias de velhos (uma
extremamente vasta, e outra reduzida a uma pequena minoria) que a oposição entre
exploradores e explorados cria. Qualquer afirmação que pretenda referir-se a velhice
em geral deve ser rejeitada porque tende a mascarar esse hiato. (BEAUVOIR, 1990,
p.17)
Desta feita não há como pensar na velhice de forma homogênea, como se não
houvesse velhices diferenciadas. É relevante considerar, portanto, as questões: étnicas e
raciais; culturais; de gênero; as distinções entre as problemáticas enfrentadas pelas pessoas
velhas que habitam o campo e as que habitam na cidade, entre outras. Mas, principalmente
não há como discutir a respeito do envelhecimento desconsiderando a luta de classes.
Para Beauvoir (Ibidem, p.109) a imagem que temos sobre a velhice vai variar, de
acordo com os tempos, os lugares e as circunstâncias17. A referida autora comenta que
existem ritos de passagem, por exemplo, da adolescência para a idade adulta e a puberdade,
de certa forma marca esse rito, porém não ficam definidos os ‘ritos de passagem’ para a
velhice.
Desta imagem “incerta, confusa e contraditória” há um sentido que é propalado em
sociedade e que está intimamente ligada ao modo de produção vigente e, evidentemente, a
forma como cada ser humano sente as suas próprias experiências se pauta na produção
17
[...] Das mitologias, da literatura e da iconografia destaca-se uma certa imagem da velhice, variável de acordo
com os tempos e lugares. Mas que relação essa imagem sustenta com a realidade? É difícil determinar. A
imagem da velhice é incerta, confusa, contraditória. Importa observar que, através dos diversos testemunhos, a
palavra ‘velhice’ tem dois sentidos diferentes. É uma certa categoria social, mais ou menos valorizada segundo
as circunstancias. É para cada indivíduo, um destino singular – o seu próprio. [...] (BEAUVOIR, 1990, p. 109)
46
difundida acerca do que é velhice, tanto nos espaços acadêmicos quanto naquilo que é
reproduzido por meio do senso comum.
Ao analisar o livro da autora, observamos como a questão da longevidade humana foi
exceção durante longo período, principalmente entre os camponeses (conforme menciona).
Nota-se ainda, nestes relatos que o entendimento, cronológico do envelhecimento era
completamente diferente da idade utilizada como marco atual, pois ao completar 30 (trinta
anos) uma pessoa já era considerada velha, conforme se constata nas análises de Beauvoir ao
relatar uma fábula satírica, escrita nos idos do século XIII.
É preciso observar, por outro lado, que tanto entre homens, quanto entre as
mulheres, eram muito raras pessoas de idade avançada. No povo, praticamente não
eram encontradas. Para os camponeses, dadas as condições de vida, trinta anos já
representavam muita idade. Uma fábula satírica do século XIII, que gaba os méritos
de uma fonte da juventude, afirma: ”Logo não haverá mais homem velho de cabelos
brancos, nem, também, mulher velha, encanecida e grisalha, ainda que tenham
atingido a idade de 30 anos”. (BEAUVOIR, 1990, p. 169).
O autor segue elencando que o capital usurpa do ser humano um tempo que ele (o ser)
utilizaria para seu próprio desenvolvimento e manutenção da sua saúde, como por exemplo,
para dedicar-se a educação e o desenvolvimento intelectual; convívio social; jogos; entre
outros. Afirma, inclusive, que diante de tantas horas do seu tempo dedicadas exclusivamente
ao capital, o ser humano reduziria seu tempo de vida:
A produção capitalista, que é essencialmente produção de mais-valia, absorção de
mais-trabalho, produz, portanto, com o prolongamento da jornada de trabalho não
apenas atrofia da força de trabalho, [...]. Ela prolonga o tempo de produção do
trabalhador num prazo determinado mediante o encurtamento de seu tempo de vida.
(IBIDEM, 1985, p. 212).
Desta forma, o ser humano é disciplinado a contar seu tempo de vida como tempo de
trabalho, ou seja, tempo de venda da força de trabalho. Assim quando o trabalhador
envelhece, os discursos propagados neste modo de produção nega, inclusive que seja possível
uma vida plena sem esta ligação.
48
A autora adverte que esse domínio do capital ao tempo, não se restringe apenas ao
tempo de trabalho, apesar de ocupar toda a vida do trabalhador. Desta feita, há um domínio
superior do tempo.
Para Beauvoir (1990, p. 174-180) com o fim da idade média inicia-se o que ela
denominou patriciado urbano e, surgem duas correntes ideológicas que predominam na
iconografia sobre a velhice: A primeira delas é a religiosa e/ou espiritualista – que apesar de
assegurar que a velhice é o momento da salvação, evidencia o Cristo menino. Já a segunda
corrente, denominada pela autora como sendo de tradição pessimista e materialista, enfatiza a
decrepitude e as enfermidades desta fase da vida humana. Assim, se populariza a imagem da
reclusão, da solidão e da enfermidade. Como exemplo cita o general que após, envelhecido
que torna cego e tolo.
Conforme já ressaltamos a questão da misoginia e a ridicularização dos homens, de
forma mais contundente em seu aspecto sexual/viril. Há um silêncio ainda maior, que autora
enfatiza e, diz respeito à ausência de descrição de quaisquer elementos que apontem a velhice
das classes inferiores, ou seja, a menção era apenas sobre a classe dominante, em diversas
obras de arte e na literatura.
Por que terá o século XVI atacado os velhos com tanto encarniçamento? O pai
estava longe de deter a autoridade do paterfamilias romano. Aliás, não é bem ele o
injuriado: é o velho ricaço que se coloca como rival dos jovens. Nessa época, tanto
quanto nas precedentes, os velhos das classes inferiores não interessam a literatura.
É preciso, além disso, assinalar que os nobres e os patrícios não são atacados:
admite-se que eles detenham poder e fortuna por direito divino. Não se contesta a
hierarquia social estabelecida. [...] (BEAUVOIR, 1990, p.191).
18
Portanto, esse calendário assimila a sucessão dos meses do ano à das idades da vida, mas representa as idades
da vida sob a forma de história de uma família: a juventude de seus fundadores, sua maturidade m torno dos
filhos, a velhice, a doença e a morte, que é ao mesmo tempo a boa morte, a morte do homem justo, tema
igualmente tradicional, e também a morte do patriarca no seio da família reunida. (ARIÉS, 1981, p.202)
50
A figura da velhice, neste contexto foi influenciada pela questão do lucro se tornar o
motor da economia; o papel do banco e da indústria que agora detinham o poder político a
partir de 1848, bem como a revolução industrial. [...] é um mundo em movimento, [...] no
qual a figura do empreendedor se manifesta no jovem (filho) e, finaliza observando que o
sufrágio universal retira do homem de idade sua supremacia política. Para a autora, tanto na
França quanto no ocidente começa a se desfazer a ideia de conflito entre as gerações, como se
difundiu em diversas obras. A referida autora, ao tentar discorrer sobre o movimento do
capital e de como ideologicamente se reproduz, afirma ter se estabelecido um pacto contra as
classes denominadas de classes perigosas. Ou seja, a solidariedade reciproca se deu contra a
classe trabalhadora. (IBIDEM, 1990, p. 243-244).
Pode ser que a autora visasse demonstrar, que culturalmente, ocorria uma mudança
naquilo que se produzia sobre a velhice, porém, em suas análises, desconsidera que o próprio
fato de silenciar (não produzir literatura ou artes) a respeito da velhice das classes
consideradas como “inferiores”, nas palavras da autora, já se configura como luta entre as
classes. Surge a necessidade de averiguar se entre os autores e obras estudadas na época da
pesquisa realizada, Beauvoir (1990) levou em consideração a produção desta classe que ela
mesma mencionou como inferior.
A presente pesquisa não tem resposta pronta, mas conforme se percebeu apenas
grandes nomes (de classe dominante que reproduziram sobre sua própria classe) foram
utilizados como parâmetro para discorrer sobre o tema do envelhecimento humano.
Embora, a velhice não seja tema central nas discussões de Istiván Mészáros, Em sua
assertiva, o autor desvela a respeito da mistificação em torno de um tema que, geralmente é
discutido, escamoteando-se a luta de classes, bem como a questão da reprodução do próprio
capital. Em suas palavras:
[...] Durante décadas, a literatura sociológica produziu simpáticos contos de fadas
sobre o “conflito de gerações” (que, no verdadeiro espirito do “fim da ideologia”,
tentou transformar os graves sinais das contradições de classe em nobres vicissitudes
de gerações atemporais); agora ela tem de fato sobre o que escrever. No entanto, os
esquemas pré-fabricados de mistificação psicossociológica não se ajustam ao quadro
real. Isso porque o chamado conflito de gerações, no momento em que foi
apologeticamente circunscrito, já estava solucionado, na medida em que toda
“rebelião da juventude” evoluía, no devido tempo, para a maturidade sensata dos
pagamentos da hipoteca e da acumulação de uma poupança para a velhice, de modo
a garantir uma existência cômoda até a sepultura, e mesmo para além dela, pela
reprodução eterna das novas ”gerações” do capital. Quaisquer que fossem as
dificuldades apresentadas pela “natureza” – e, supostamente, a noção de “geração”
deveria ser apenas uma categoria da natureza –, a tranquilização vinha da ideia de
que o capital, graças a Deus, seria, como de costume, a solução. (MÉSZÁROS,
2010, p. 80-81)
52
Em vista disso, realmente o que está em jogo é o papel do trabalho, ou seja, da venda
da força de trabalho, no universo do capital. Se outrora, quando a expectativa da classe
dominante era predominante, a velhice se revelava como sendo o tempo da decrepitude, da
debilidade física e se enfatizava os conflitos entre as gerações. A partir do momento em que
tal fator se altera, e a classe trabalhadora começa a viver mais tempo, os discursos sobre a
velhice tendem a mudar. Há uma ressignificação sobre esta etapa. Paiva ao discorrer sobre a
racionalização do tempo no capitalismo assevera: que o tempo de vida do trabalhador aparece
atrelado ao tempo do seu processo de trabalho. (PAIVA, 2014, p.130).
É mister se manter ativo, ou seja, produtivo, sob a justificativa de que a pessoa velha é
considerada “ economicamente não ativa e, assim, onera o Estado. Diante desta realidade, o
envelhecimento sai da esfera privada e alcança o Estado que, busca dar respostas, por meio de
ações pontuais; focalizadas em determinados momentos, ou por intermédio de políticas
públicas. Sobre este item nos debruçaremos no capítulo 2 desta dissertação.
Debert (2004 p.12-14) ressalta haver um duplo movimento que deve ser levado em
conta para refletir a respeito da visibilidade que esta faixa etária alcança. A velhice se
transformar em questão pública é o primeiro ponto, elencado e está relacionado com a
socialização progressiva da velhice que ficou durante tanto tempo na esfera privada – de
previdência individual ou por meio da filantropia e se alcançam a esfera pública. Assim, por
intermédio de um conjunto de orientações e intervenções, definidas pelo Estado e
organizações privadas, muitas vezes de forma contraditória são implementadas. Neste sentido,
por meio de um campo de saber especifico – a gerontologia –, aciona-se, o que a autora
denomina de “tentativas de homogeneização das representações da velhice” e assim, os
idosos, surgem como uma nova categoria cultural produzida.
A velhice, a partir da segunda metade do século XIX, é tratada como um momento
negativo de perdas e de dependência, chamando assim a atenção para a legitimação dos
direitos sociais, como a aposentadoria, por exemplo. A autora ao elencar o segundo ponto,
destaca ter ocorrido um posicionamento inverso na contemporaneidade, que ela tem
denominado de “processos de reprivatização”, cuja finalidade seria transformar a velhice
numa responsabilidade individual, visando fazer esta temática desaparecer do leque de
preocupações sociais. Debert (Ibidem) conclui que a velhice passa a ser conclamada como
momento ideal para a busca do prazer e da satisfação pessoal.
53
A partir das reflexões da autora, percebemos que esta “nova imagem” sobre o
envelhecimento além de escamotear as questões sociais vivenciadas pela classe trabalhadora
que envelhece, possui a tendência de negar ou retardar o direito á aposentadoria, mantendo
assim a população idosa no mercado de trabalho o máximo de tempo possível.
Para Haddad (1986, p.16) há um conjunto de ideias, valores e doutrinas, difundidos
sobre a etapa final da vida humana que está organizado de acordo com as determinações
básicas do modo de produção capitalista. Esta “ideologia da velhice” (termo por ela utilizado),
que vem sendo propalada, é um elemento fundamental no processo de reprodução das
relações capitalistas. Neste tipo de sociabilidade, além de transformação das pessoas em
mercadoria, a classe trabalhadora está condenada a degradação. Ela acrescenta que, de forma
paradoxal, as propostas para a reparação da “tragédia do envelhecimento”, têm como objetivo
central escamotear a problemática da exploração da mão de obra. A autora declara:
A gerontologia e a geriatria apresentam-se como as principais instâncias produtoras
da ideologia da velhice. Aparecem como entidades autônomas, enquanto produtoras
de um saber intelectual elaborado pelos aparentemente autônomos pensadores da
velhice. O produto do trabalho dos teóricos da velhice – as “idéias autonomizadas” –
buscam nos fazer acreditar que a realidade vivida pelo homem no final da sua vida
poderá ser alterada com a ação da “ciência”, das instituições sociais, do Estado e do
próprio idoso. Tentaremos mostrar, portanto, porque a produção dos teóricos da
velhice não passa de uma produção ideológica da ciência da burguesia e, enquanto
tal, de um instrumento de dominação (HADDAD, 1986, p.33).
Todavia, não se trata apenas de negar a velhice, mas de negar o tempo do não-trabalho
para a classe trabalhadora. Fica explicitado esta negação para as pessoas da classe
trabalhadora que alcançaram a velhice, posto durante toda a sua existência, teve sua força de
trabalho explorada por este sistema capitalista. É negar (insistentemente) o rompimento com o
mundo do trabalho, com o mundo produtivo, negar que haja possibilidade de vida sem a
venda da força de trabalho. Ao refletir sobre o discurso gerontológico e suas propostas para a
velhice é possível notar a ênfase dada ao trabalho, mais especificamente, se exalta a
continuidade da venda da força de trabalho.
Diante do contexto histórico, acima descrito, se evidenciam os motivos pelos quais
entre na pauta as discussões sobre do fenômeno do aumento populacional da classe
trabalhadora, bem como a produção e reprodução da ideologia da velhice que permanece
ativa, ou seja, produtiva, visando a manutenção do sistema capitalista. Beauvoir (1990),
afirma que o modo de produção capitalista está baseado no lucro e, desta forma o ser humano
só interessa enquanto produz, sendo descartado quando perde esta utilidade. Logicamente,
não se afirma nesta pesquisa que tal fato ocorra apenas na velhice, mas vale a pena considerar
que este, de acordo com as legislações atuais, a aposentadoria, marca oficialmente este
momento. Conforme se observa:
[...] No mundo capitalista, o interesse a longo prazo não conta mais: os privilegiados
que decidem o destino da massa não temem partilhá-lo. Quanto aos sentimentos
humanitários, a despeito das tagarelices hipócritas, eles não intervêm. A economia é
baseada no lucro; é a este, na prática, a que toda civilização está subordinada. O
material humano só interessa enquanto produz. Depois, é jogado fora. [...]
(BEAUVOIR, 1990, p.13)
Fica notório, para a autora que a busca pelo lucro nesta sociabilidade capitalista é
sempre primordial, é a sua base. Assim a velhice (em sua dimensão cronológica) fica
relacionada momento que se retira do cenário produtivo, ou seja, a partir do momento que
55
deixa de ser vendedor (a) da sua força de trabalho, ao invés de representar a possibilidade de
dispor do tempo livre, ao contrário, pode representar um momento negativo ao ser
classificado como descartável, improdutivo e, até oneroso.
A análise de Beauvoir (Ibidem), apesar de assertiva, desconsidera a questão da
produção da mais-valia que se constitui a base deste sistema nefasto que, enquanto explora a
força de trabalho e o tempo de vida do trabalhador, amplia as desigualdades sociais e,
portanto, reflete essa lógica que permeia os discursos produzidos e reproduzidos socialmente
sobre envelhecimento da classe trabalhadora como sendo um momento negativo. Paiva (2014,
p.111) comenta que na sociabilidade capitalista, a classe trabalhadora é expropriada dos meios
de produção e do seu tempo de vida. A autora afirma que esse processo de expropriação vai
ainda mais longe e atinge, inclusive, a capacidade teleológica dos seres humanos. Assim a
classe trabalhadora pobre, cujo tempo de vida e força de trabalho estão subordinados ao
capital, além de vivenciar as profundas desigualdades sociais durante todo o seu ciclo de vida,
constatam que durante a velhice, tais desigualdades se agudizam. São velhices que se
diferenciam, principalmente a depender da classe social, status e hierarquia social que esta
pessoa ocupa, conforme a autora aponta, trata-se de um processo que está condicionado as
relações sociais.
Ora a classe trabalhadora pobre, cujo tempo de vida e força de trabalho estão
subordinados ao capital, além de vivenciar as profundas desigualdades sociais durante todo o
seu ciclo de vida, constatam que durante a velhice, tais desigualdades se agudizam. Desta
feita, em um sentido mais amplo, convém pontuar que até as desigualdades sociais
vivenciadas por esta parcela da população é heterogênea. Se não há velhice homogênea,
convém questionar o motivo pelo qual, conceitos homogeneizantes desta faixa etária se
espraiam na sociedade? Inclusive sendo inspiração para a implementação dos programas,
projetos e serviços ofertados para esta parcela da população. Este formato de política pública
remete a um tipo específico de Estado que coaduna (e protege) o projeto societário vigente.
Evidentemente, isto não ocorre sem lutas. Muito embora haja momentos em que a
classe trabalhadora avance, se observa que a seguir, retroagem os direitos conquistados. Como
é o caso da declaração feita por Debert (2004), ao explicar:
Os custos da aposentadoria e da cobertura médico-assistencial da velhice são
apresentados como indicadores da inviabilidade de um sistema que, em futuro
próximo, não poderá arcar com os gastos de atendimento, mesmo quando a
qualidade dos serviços é precária, como no caso brasileiro. (DEBERT, 2004, p. 22-
23).
56
19
O que vem a ser a palavra idoso? Qual o seu significado e, finalmente, que como e porque se diferencia da
palavra velho? Vejamos o contido no dicionário Aurélio a respeito desta questão: Para o verbete Idoso há uma
simples definição – “Que ou quem tem idade avançada”. O verbete Velho é um pouco mais abrangente,
conforme se observa: “Homem velho, Pai, Nome de um Peixe que parece gemer quando o apanham, Avançado
em idade, Obsoleto, Antigo, Muito usado; antiquado, O pai e a Mãe, [...] em descanso, velho de guerra, homem
experimentado, valente, perito em algum mister, velho e relho: muito velho ”.
58
Há assim, uma ligação bastante elucidativa entre o surgimento desta expressão e a luta
de classes. E, continua a autora, é como se a terceira idade fosse um momento de transição
entre o trabalhador que está envelhecendo, mas segue firme vendendo sua força de trabalho
até o dia em que se aposenta e fecha o ciclo.
Teixeira (2008) observa que esta expressão (“Terceira Idade”) – surge na França, no
final de década de 1960 e na década seguinte é introduzida pela gerontologia nas
Universidades Abertas para a Terceira Idade. Teixeira afirma que esta expressão exprime a
nova realidade da velhice, desta feita, marcada por tempo de atividades fora do mundo do
trabalho. Um tempo de lazer. (TEIXEIRA, 2008, p. 112). Neste sentido, tal invenção
reverberou, inclusive no próprio significado atribuído à velhice, pois coloca esta fase num
novo patamar, como idade ideal para praticar as atividades que a vida laboral não permitira
até o momento em que a pessoa deixa de vender sua força de trabalho.
Debert (2004) destaca que, na década de 1990, se proliferaram no Brasil, as escolas
abertas ou universidades para a terceira idade, bem como os grupos de convivência para
idosos. Ela pondera que nestas instituições, cuja proposta fundamental seria: “[...] rever
estereótipos e os preconceitos por meio dos quais se supõe que a velhice seja tratada na nossa
sociedade.” (DEBERT, 2004, p.147). Desta forma, tais programas, incentivam que este
segmento se manifeste ou se exprima, levando em consideração suas próprias identidades,
porém, as discussões sobre essa “nova imagem do idoso” apesar de indicar o interesse da
sociedade para tais problemáticas, se contrapõe a precariedade de mecanismos capazes de
lidar com as questões enfrentadas vivenciadas por este segmento, tais como: a decadência de
habilidades cognitivas e de controles físicos e emocionais. (DEBERT, 2004, p. 15).
Evidentemente, não é coincidência que neste mesmo período, ocorre o que a autora
Paiva (2014) observou haver um considerável aumento no índice de pessoas idosas que
continuam trabalhando. E entre os países apontados pela autora, estão: Austrália, Estados
Unidos e Japão, porém é no Brasil que esta taxa tem sido a mais alta. A autora faz a seguinte
ressalva:
Com seus parcos rendimentos, os (as) velhos (as) trabalhadores (as) acabam se
responsabilizando pela própria reprodução social e de toda a sua família. Inaugura-
se a época do (a) velho (a) trabalhador (a) valorizado (a) como fonte de renda, nem
que seja uma renda mínima. [...] (PAIVA, 2014, p.129)
59
Ademais, se percebe claramente que tais discursos estão centrados no individuo. Desta
forma família e sociedade civil são – “enfaticamente” – convocadas para intervir nas questões
sociais que se apresentam, enquanto o Estado se desresponsabiliza ou aparece como ente
regulador dessa relação.
No caso brasileiro, a década de 1990 assinala a aprovação de uma lei especifica para a
população Idosa, ou a Lei Nº 8.842/94, conhecida como Política Nacional da Pessoa idosa
que, orientada pelos elementos postos em discussão, enfatizam a responsabilização da família
e da sociedade civil pelo acesso da pessoa idosa aos seus direitos. Conforme se observa no
artigo 3º da referida lei20. Tal responsabilização também é elencada no Estatuto do Idoso –
instituído, cerca de uma década depois, pela Lei n.º 10.741, de 2003 – destinado a
regulamentar os direitos assegurados às pessoas com idade igual 60 anos ou mais, além de
definir as obrigações da família, sociedade e do Estado, estabelece prerrogativas, critérios e
sanções (em caso de descumprimento) para o acesso dos idosos as diversas políticas.
O Envelhecimento Ativo21, termo bastante disseminado e mundialmente utilizado,
adotado pela OMS no final da década de 1990. No Brasil, há um documento, publicado em
2005 que tem como base as discussões ocorridas durante as Assembleias Mundiais do
Envelhecimento, a primeira delas ocorreu em Viena no ano de 1982 e 20 anos depois na
cidade Madrid/Espanha. O discurso sobre o prolongamento do trabalho humano está em voga
em vários países que em sua maioria o aborda num viés de responsabilização individual, da
família e da sociedade. Mas, principalmente de desresponsabilização do Estado.
Recentemente, com o argumento que o aumento da longevidade onera e tem provocado
déficit aos cofres, coloca em xeque o acesso à Proteção Social. Setores conservadores da
sociedade brasileira afirmam e tentam legitimar um discurso que visa a ampliação da
exploração do trabalho humano, para tanto defendem a necessidade de realização de uma
reforma na Previdência Social.
20
I- a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania,
garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem estar e o direito à vida; (BRASÍLIA,
1994.).
21
O que é “envelhecimento ativo”? – Envelhecimento ativo é o processo de otimização das oportunidades de
saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam
mais velhas. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Envelhecimento ativo: uma política de
saúde. Brasília, DF, 2005. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.
br/bvs/publicacoes/envelhecimento_ativo.pdf>. Acesso em: 29 de abril de 2018.
60
22
Michel Temer era o vice-presidente e foi empossado após a presidenta Dilma Rousseff sofrer o impeachment
em 31 de agosto de 2016.
61
Neste capitulo, pretende-se relacionar o discurso que tem sido produzido sobre a
velhice a partir da premissa do aumento demográfico, com a intenção de analisar mais
amiúde, os motivos pelos quais, tais discursos buscam homogeneizar a velhice, sob a
intencionalidade de fragmentar e desmobilizar a classe trabalhadora envelhecente. E,
principalmente vincular tais discussões a questão da reprodução da força de trabalho. Nota-se
que a implementação de políticas especificas para a população idosa na era contemporânea,
surgem justificadas pela necessidade de responder ao fenômeno do aumento populacional das
pessoas idosas em nível mundial e, que no Brasil tem se apresentado como um processo
gradativo a partir da década de 1960.
Breves considerações sobre o Estado se fazem necessárias para avançar nas discussões
a respeito dos tipos de proteção social que se expandem no modo de produção capitalista e,
que serviram de base para o modelo utilizado no Brasil. Outro ponto a ser esclarecido, é que
ao nos referirmos ao termo proteção social, também aludimos à Seguridade Social e por este
motivo, será abordada sua definição. Vianna (2000) ao definir seguridade social, compara-a
com uma espada e guardião dos direitos coletivos. Em suas palavras:
[...] A seguridade social consiste justamente num pacto pelo qual os desiguais
habitantes de um país reconhecem na cidadania uma medida de igualdade, não
apenas formal, mas substantiva, que a todos capacita ao gozo do patrimônio comum
de uma vida digna e civilizada. E o Estado moderno, pelo seu caráter de arena
pública, vale dizer, referência de todos os membros da comunidade política, é a
“espada” que protege este pacto, o guardião dos direitos coletivos. (VIANNA, 2000,
p.11).
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011) tendo como base os dados
coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), aponta que a partir da
segunda metade dos anos 1960, a queda da fecundidade desacelera o ritmo de crescimento da
população brasileira, provocando importantes mudanças na sua estrutura etária. Segundo a
referida pesquisa, a população idosa em 1940, representava apenas 4,1% da população total.
Em 2011 este percentual alcançou 12,6%. Em valores absolutos, esse número passou então de
1,7 milhão para cerca de 24,85 milhões de idosos no Brasil. O quadro abaixo demonstra a
evolução do crescimento supramencionado.
63
29.600.000
24.850.000
1.700.000
1940 2011 2016
Número de Idosos
Dados mais recentes – apresentados pela PNAD contínua 2017– reiteram tais
projeções, assim, a população idosa em 2012, estimada em 25,5 milhões, chega a marca dos
29,6 milhões em 2016, representando um crescimento de 16% neste intervalo. A figura abaixo
contém representação da Pirâmide Etária.
Figura 1- Pirâmide Etária- Brasil- 2010
Principalmente, nas áreas centrais das metrópoles brasileiras, como São Paulo e Rio de
Janeiro, que se transformam em áreas mistas (comércio e residência), a valorização e a
especulação imobiliária de algumas regiões, além dos acentuados problemas de solidão e
pobreza que as pessoas idosas passaram a enfrentar, estão entre as consequências citadas.
(IBIDEM, 1987).
Ao discutirem a respeito do impacto social que o envelhecimento populacional
ocasionaria no Brasil, os autores relacionam este fato com as problemáticas que poderão
surgir e, enfatizam a necessidade de intervenção:
Com o crescimento da população idosa, torna-se necessário, agora mais do que
nunca, que o conjunto da sociedade tome consciência dessa série de problemas e que
as autoridades competentes, de forma justa e democrática, encontrem os caminhos
que levem à eqüidade na distribuição dos serviços e facilidades para com este grupo
populacional. (VERAS, R. P. ET AL, 1986, p. 225)
Vale a pena mencionar que diante da reflexão dos autores supramencionados, sobre os
impactos causados e vivenciados pela população idosa, são unanimes em afirmar que o
crescimento desta parcela, pode representar um custo social para o Estado. O crescimento
desta parcela improdutiva, conforme denominam, geram preocupação e interesse para o
Estado que deverá avaliar e mensurar gastos com o referido público. É perceptível que se
trata da velhice da classe trabalhadora pobre.
A longevidade humana, como afirma Veras (2003) produz repercussões nos campos
social e econômico. O autor ressalta, porém, que tal processo se manifesta de forma distinta
entre os diversos países do mundo. Avaliza que, diferente do ocorrido no Brasil, este
processo, nos países considerados desenvolvidos, aconteceu de forma mais lenta e gradual.
O autor assevera a importância e a necessidade de se considerar a heterogeneidade da
população idosa, bem como de levar em conta as desigualdades sociais nos estudos propostos
acerca deste tema, conforme se observa:
Os processos de transição demográfica e epidemiológica no Brasil vêm se
desenvolvendo de forma heterogênea e estão associados, em grande parte, às
desiguais condições sociais observadas no país. A população idosa se constitui como
um grupo bastante diferenciado, entre si e em relação aos demais grupos etários,
tanto do ponto de vista das condições sociais, quanto dos aspectos demográficos e
epidemiológicos. Qualquer que seja o enfoque escolhido para estudar este grupo
populacional, são bastante expressivos os diferenciais por gênero, idade, renda,
situação conjugal, educação, atividade econômica, etc. (VERAS, 2003, p.8-9).
ocasionada pelo aumento demográfico tem a ver com a relação de classe desta população (a
classe trabalhadora) que envelhece e esteve durante toda a sua vida um precário ou inexistente
acesso à proteção social.
Ao longo das análises a respeito do envelhecimento da classe trabalhadora, Teixeira
(2008, p.39-83) observa que a transformação deste envelhecimento em problema social não
está relacionada apenas às questões biológicas.
Demógrafos, gerontólogos e outros cientistas que estudam o envelhecimento
humano usam esses dados demográficos e suas estimativas para demonstrar a
problemática do envelhecimento, tomado pelo critério cronológico e como grupo
específico, e a “ameaça” que representa, considerando-se o crescimento das suas
demandas sociais e econômicas em todo o mundo, ou seja, uma “ameaça” ao
sistema previdenciário, de saúde e de assistência social. (TEIXEIRA, 2008, p. 39).
2.741.506
2.445.585
2.028.926
1.791.127 1.708.571
1.402.962 1.216.510
1.140.358
787.676
1960 1970 1980
[...] É triste ver esse homem, guerreiro, menino com a barra do seu tempo por sobre
os seus ombros. Eu vejo que ele berra, eu vejo que ele sangra a dor que tem no peito,
pois ama e ama. Um homem se humilha se castram seu sonho. Seu sonho é sua vida
e vida é trabalho. E sem o seu trabalho, o homem não tem honra e sem a sua honra,
se morre, se mata. Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz. [...].
(GONZAGUINHA, 1983).
Nesta concepção, portanto, o trabalho tem a finalidade de manter vivos (as) e atuantes,
aqueles (as) que dependem da venda da sua força de trabalho. Destarte, o prolongamento da
vida da classe trabalhadora, a questão da propagação dos discursos que defendem que a
velhice onera o Estado e, portanto, propõem o aumento do tempo de trabalho, corroboram
com a lógica capitalista de usurpar e controlar o tempo de vida da classe que sobrevive da
venda da sua força de trabalho.
colocado acima dela se distanciando cada vez mais (Ibidem, 1977). Ao distingui-lo da antiga
organização gentílica, destaca características importantes, quais sejam: a ideia de dividir os
súditos a partir de territórios – a divisão territorial; instituição de uma força pública, formada
por homens armados, mas também de acessórios materiais, cárceres e instituições coercitivas
de todos os gêneros. Tal força é sustentada pelos impostos. (Engels, p. 120-193). Para o autor,
todo Estado representa uma sociedade, seja ela escravista, servilista ou capitalista.
Nestes termos, concluímos que os surgimentos do excedente econômico e do Estado
estão atrelados. Em regra geral, afirma Engels, desde o Estado mais antigo – englobando
escravismo e feudalismo e, sobretudo no capitalismo que o Estado é o Estado da classe –
econômica e politicamente mais poderosa.
Para Mandel (1982, p.333) todo Estado é produto da divisão social do trabalho, assim
além de mediar a produção material, seu papel central será de sustentação da estrutura de
classe e das relações de produção. O autor classifica e elenca 03 (três) funções
desempenhadas pelo Estado, ei-las:
[...] 1) criar condições gerais de produção que não podem ser asseguradas pelas
atividades privadas dos membros da classe dominante.
2) reprimir qualquer ameaça das classes dominadas ou de frações de particulares das
classes dominantes ao modo de produção corrente através do Exército, da polícia, do
sistema judiciário e penitenciário.
3) integrar as classes dominadas, garantir que a ideologia da sociedade continue
sendo a da classe dominante e, em consequência, que as classes exploradas aceitem
a sua própria exploração sem o exercício direto da repressão contra elas (porque
acreditam que isso é inevitável, ou que é “dos males o menor”, ou a “vontade
suprema”, ou nem percebem a exploração). (MANDEL, 1982, p. 333-334).
responsabilidades sociais, não havia o intuito de garantir o bem comum, mas de manutenção
da ordem social e punição a vagabundagem e, identificam como protoforma de políticas
sociais, tais iniciativas, embora pontuais, mas com características assistenciais, por meio da
caridade privada e da filantropia.
Netto e Braz (2009, p.71-72) ao discorrem sobre a crise no feudalismo e a ascensão da
burguesia relatam que o Estado Absolutista representou a resposta dos senhores feudais que
reduziu a intervenção de cada um deles, centralizou o poder político na figura de um monarca
(o Rei) e, além disso, expandiu o campo para a influência do seu financiador direto (o
mercado junto com as casas bancárias). Porém, o esforço realizado para combater os
camponeses não logra êxito e o referido Estado foi removido pela burguesia, conforme
apontam os autores:
[...] O Estado absolutista, que, no entretempo, servira também aos interesses da
burguesia nascente, agora transforma-se – [...] em obstáculo para o desenvolvimento
burguês. E a burguesia tratou de removê-lo, num processo que culminou em 1789.
(NETTO E BRAZ, 2009, p.74).
23
Na obra, as autoras elencaram em ordem alfabética, mas em nosso estudo, optamos por falo em ordem
crescente de números.
72
dos lucros dos capitalistas, por intermédio do controle dos mercados: Supercapitalização e
Parasitismo.
A respeito da Questão Social, Iamamoto (2009) afirma:
Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da
sociedade capitalista madura, que tem como raiz comum: a produção social é cada
vez mais coletiva, o trabalho torna-se amplamente social, enquanto a apropriação
dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade
(IAMAMOTO, 2009,p.26).
Deste, modo além de não atingir o cerne da questão social, destacamos a relação
estreita entre as políticas sociais com a reprodução da força de trabalho. Destarte, na
passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista há uma generalização das políticas
sociais – proteção social via Estado - situa-se, em especial na sua fase tardia, após a segunda
guerra mundial, ou pós -1945.
Silva (2012), tendo como centralidade a categoria trabalho, considera os mecanismos
de Proteção Social, como instrumentos de reprodução da força de trabalho. Em seus termos:
[...] O salário e as políticas sociais têm, entre outras, esta função de reprodução da
força de trabalho. As politicas sociais decorrem, por um lado, das necessidades de
acumulação do capital, e por outro, das necessidades de proteção e reprodução
material dos trabalhadores. Elas são estruturadas com a mediação do Estado, em
contextos particulares de acumulação e/ou da luta de classes [...]. (SILVA, 2012,
p.67).
Com o intuito de avançar nas discussões a respeito da Proteção Social, vale salientar
que dois modelos, utilizados foram implementados em épocas e lugares diferentes. Tais
modelos, assentados em projetos societários, dizem respeito a formatos específicos de Estado
e, consequentemente na maneira pela qual intervém (ou não) na questão social. Engels (1977),
afirma acontecerem certos períodos de exceção, nos quais o Estado aparece como mediador –
74
Neste caso, se observa que as pessoas que não acessam o mundo do trabalho, ou seja,
não vendem sua força de trabalho e, portanto não contribuem, ficam desprotegidas. Outro
dado interessante apontado por diversos autores, diz respeito à fonte de financiamento, que
neste caso é proveniente da folha dos salários, recolhida pelos empregados e empregadores,
orientado pela lógica do Seguro Social24. Fleury (1994) destaca:
O fortalecimento do protecionismo de uma maneira geral, como resposta à crise
econômica, gerou as condições necessárias para vencer as resistências ao projeto
estatal de seguro compulsório: o seguro de saúde foi aprovado em 1883, o seguro de
acidentes em 1884, o seguro de velhice e invalidez em 1889. (FLEURY, 1994, p.
83-84)
24
Behring e Boschetti (2009); Viana (2012); Salvador (2008).
75
de cidadania. Evidentemente, houve resistências e a autora aponta este fator. Bismark pautava
seus discursos na redução das desigualdades, entretanto manteve, intencionalmente, o sistema
que em sua tradição mantinha e reproduzia a lógica das desigualdades. (PAIVA, 2014, p.
166).
Em relação às transformações ocorridas na Europa e os rebatimentos nas questões
vivenciadas pela população idosa, Beauvoir (1990, p. 235) afirma que tais transformações
operaram mudanças no pensamento da sociedade acerca da velhice, mas além do âmbito
subjetivo, elenca as refrações que incidiram sobre as condições objetivas. O crescimento
demográfico desta população substitui o mito pelo conhecimento e rebate na maneira como a
medicina se debruça sobre as enfermidades deste ciclo de vida.
A literatura rompe o silêncio sobre a temática, pois diversos romancistas na França,
Inglaterra e Rússia se esforçam no sentido de retratar não apenas a velhice “privilegiada” da
elite, mas a das classes “inferiores”. Porém, Beauvoir ressalta que tais fatores não significam
que a situação econômica dos idosos tenha melhorado – ao contrário – para muito deles,
inclusive, piora. Neste sentido são 03 (três) fenômenos, interligados, que acompanharam esse
aumento populacional: a revolução industrial; êxodo rural e o florescer do proletariado. Em
suas palavras:
As transformações foram nefastas para os velhos. Nunca na França e na Inglaterra, a
condição deles foi tão cruel quanto na segunda metade do século XIX. O trabalho
não era protegido: homens, mulheres e crianças eram impiedosamente explorados.
Ao envelhecerem, os operários ficavam incapazes de suportar o ritmo do trabalho. A
revolução industrial realizou-se à custa de um incrível desperdício do material
humano. Na América, entre 1880 e 1900, o taylorismo produziu hecatombes: todos
os operários morriam prematuramente. Por toda parte, os que conseguiam
sobreviver, quando perdiam o emprego por causa da idade, ficavam reduzidos à
miséria. [...] Na França e na Inglaterra, viram-se pulular os velhos vagabundos, os
velhos indigentes (IBIDEM, 1990, p.236-237).
A forma pela qual, o Estado passa a intervir está intimamente ligada à reprodução da
força de trabalho, conforme analisado; A reestruturação produtiva por sua vez, reflete uma
lógica capitalista, desumana, na qual, as pessoas, aparecem como mercadoria.
Com base em levantamentos, observa-se que a violência praticada contra as pessoas
idosas se agudiza e revela ocorrerem parricídios, matricídios, bem como o abandono de
pessoas idosas a própria sorte em asilos. Outro ponto importante, está ligado ao fato de que
não haviam leis que versassem a este respeito, tão pouco politicas interventivas. A família
(inclusive a que praticava a violência) era a única responsável pela manutenção da pessoa que
envelhecesse.
76
25
Segundo John Maynard Keynes, caberia ao Estado restabelecer o equilíbrio econômico, por meio de uma
política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos ou inversões reais que atuassem, nos períodos de
depressão como estimulo a economia. Behring e Boschetti (2009);
77
26
É interessante notar que a criação dos direitos sociais no Brasil resulta da luta de classes e expressa a
correlação de forças predominante. Por um lado, os direitos sociais, sobretudo, trabalhistas e previdenciários são
pauta de reinvindicação dos movimentos e manifestações da classe trabalhadora. Por outro lado, representam a
busca de legitimidade das classes dominantes em ambiente de restrição de direitos políticos e civis – como
demonstra a expansão das politicas sociais no Brasil nos períodos da ditadura (1937 -1945 e 1964- 1984), que as
instituem como tutela e favor: nada mais simbólico que a figura de Vargas como o “pai dos pobres”, nos anos de
1930. A distância entre a definição dos direitos em lei e sua implementação real persiste até os dias de hoje.
Tem-se também uma forte instabilidade dos direitos sociais, denotando a fragilidade, que acompanha uma
espécie de instabilidade institucional e politica permanente, com dificuldades de configurar pactos mais
duradouros e inscrever direitos inalienáveis. (BEHRING E BOSCHETTI, 2009, p.78-79, grifos originais).
78
27
Entre os anos de 1917 e 1920 há relatos históricos de greves organizadas pelo movimento operário. Disponível
em:< http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/QuestaoSocial/MovimentoOperario>. Acesso
em: 12/jun./2018.
28
Categorias estratégicas, diretamente envolvidas no processo de produção e circulação de mercadorias naquele
momento histórico em que o Brasil transitava entre o agrícola (monocultura de café) e intensificação da
industrialização, bem como os reflexos da crise da Bolsa de Nova York entre os anos de 1929 e 1932. (Behring
e Boschetti, 2009, p. 80-81).
79
abrangente e frágil, essas categorias só conquistaram tal direito porque estavam mais
organizadas politicamente. A respeito da organização da classe trabalhadora, Gohn (2001)
declara:
É notório que tais conquistas só foram possíveis porque essas categorias estavam
organizadas politicamente, entretanto vale salientar que a resposta dada pelo Estado
além de não atender completamente aos anseios dos trabalhadores se deu de forma
autoritária e coercitiva. Nota-se esta peculiaridade inclusive nas respostas as
questões do envelhecimento, conforme veremos mais adiante. Vargas após liderar a
“Revolução política”, assume a presidência do país em 1930, através de um golpe
de Estado, e, durante seus 15 (quinze) anos de mandato e suas ações estiveram
voltadas para a industrialização do país. (GOHN, 2001, p.81).
29
Portanto o projeto previdenciário de Getúlio Vargas integra uma série de estratégias que visavam manter a
ordem sem hostilizar o capital: Em suas palavras: Vemos assim, que o projeto previdenciário do governo Vargas
está articulado a uma série de medidas sociais e trabalhistas, que integram sua estratégia de política estatal e sua
proposta nacional e desenvolvimentista. Buscava-se manter a ordem, sem hostilizar o capital e transformando os
trabalhadores numa força orgânica de cooperação com o Estado. [...]. (BARBOSA, 2007, p. 40).
30
Ao tecer comentários a respeito de tal reestruturação ela aponta após a tentativa de reforma na previdência
espelhada no modelo de Beverigde é aprovada a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS em 1960.
80
ao do João Figueiredo. Neste momento, inicia uma transição democrática lenta e gradual no
cenário político brasileiro. (NETTO, 2001).
Em 1966 é criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Nesse ínterim,
vale ressaltar que, o (a) cidadão (ã) brasileiro (a), independente do sexo ou faixa etária, para
ter acesso aos serviços de Saúde precisava ser trabalhador (formal) e, portanto, contribuinte
ou, que a pessoa constasse na condição de dependente em Carteira de Trabalho e Previdência
Social (CTPS) – Carteira Profissional. De outra forma estariam excluídos (as) deste acesso.
Excluídos também, estavam os trabalhadores rurais que foram incluídos gradativamente, a
partir da década de 1970, com a criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural
(PRORURAL). Este programa disponibilizava recursos para o Fundo de Assistência ao
31
Trabalhador Rural (FUNRURAL) .
Em 1974 entra em vigor a Lei nº 6.119 que instituiu a Renda Mensal Vitalícia no valor
de 50% do salário mínimo para maiores de 70 anos que houvessem contribuído, ao menos um
ano, para a Previdência Social. É um pequeno avanço, visto o reduzido valor e o fato desta
parcela da população, apesar de contemplada, se dar apenas como trabalhador envelhecido.
Este também se constitui mais um ponto de retrocesso, contido na atual proposta de Reforma
da Previdência, pois na atualidade as pessoas idosas que comprovadamente não tenham
condições de prover sua subsistência, contam com a possibilidade de acessar o valor de 1
(um) salário mínimo, por intermédio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujas
regras estão contidas na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Mas, consta na proposta
retroceder a lei supracitada (Lei nº 6.119/74), tanto na questão da idade quanto no valor.
Revelando os contornos do atual, Estado de exceção que o Brasil se encontra.
Cria-se em 1974 o Ministério de Previdência e Assistência Social (MPAS) que passa a
apoiar, os centros de convivência. É deste ano a portaria mencionada por Haddad (1986). A
autora afirma que a primeira medida que normatiza a assistência aos idosos beneficiários, se
instituiu por meio da Portaria nº 82, de 04 de julho do ano supracitado. De acordo com as suas
palavras:
As normas baixadas dizem respeito à assistência aos idosos, à prestação direta e
indireta e aos acordos para internação custodial considerando que: já é prestada
assistência médica aos beneficiários idosos da Previdência Social através dos postos,
ambulatórios e hospitais próprios e por meio de serviços contratados ou
credenciados; a velhice condiciona o aparecimento de fatores diversos, sendo que os
componentes, predominantemente sociais, não configuram casos exclusivos de
assistência médica; verifica-se incidência de segurados idosos que ocupam leitos
31
Ponto questionado na recente Reforma da Previdência que prevê a ruina dos direitos dos Trabalhadores Rurais.
82
envelhecimento e a luta por políticas públicas que dessem conta das problemáticas em
discussão, mais detalhadamente, a Política Nacional do Idoso.
32
Vale a pena citar: o pioneirismo do Movimento Pró-idoso (MOPI) – criado em 1975
–, de acordo com Teixeira (2008) “nasceu nas dependências do Serviço Social do Comércio
(SESC)” e, contava com a participação de diversas organizações não governamentais, dentre
as quais, autora destaca: a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e a
Associação Nacional de Gerontologia (ANG) e, ressalta a influência que tais organizações
recebiam das agências internacionais, como a OMS e a Organização das Nações Unidas,
(ONU), dentre outras. Porém, reflete sobre a contradição presente nos discursos oriundos de
tais representações, que por vezes, reproduzem a lógica capitalista, de responsabilização
individual (privada) na busca por um envelhecer saudável, que desconsidera as refrações da
questão social vivenciada pela classe trabalhadora envelhecente.
Em 1982, ocorre em Viena na Áustria, a primeira Assembleia Mundial sobre o
Envelhecimento (AME33), sob o patrocínio da OMS. Vilione (2017, p. 82) comenta que a
referida assembleia, foi um marco, pois alavancou as discussões sobre o envelhecimento.
Porém, ressalta que, embora tenha resultado em um plano global de ação, os debates lá
transcorridos foram superficiais e visavam o crescimento econômico em detrimento da
realidade.
Teixeira (2008, p. 184-185), comentando a respeito dos reflexos desta assembleia no
Brasil, destaca a realização do I Encontro Nacional dos Idosos, patrocinado pelo SESC; o
inicio das atividades no Núcleo de Estudos da Terceira Idade (Neti); eventos promovidos pela
SBGG e pela ACEPI. Neste mesmo ano, de acordo com a autora é criada uma comissão,
formada por representantes, cuja função seria coordenar e apresentar sugestões sobre a
problemática do idoso, são eles: MPAS; Ministério da Saúde; Legião Brasileira de
Assistência Social (LBA); INPS; INAMPS: SBGG e SESC. Teixeira (Ibidem) relata que o
mesmo decreto (Decreto nº 86.880/1982) que cria a referida comissão, também institui o ano
32
Nascido em 1975, o MOPI mantém um termo de colaboração com a Prefeitura de São Paulo, por meio da
SMADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social). Em dezembro de 2017, sua gestão passou a ser
realizada pela Associação Reciclázaro, com o objetivo de dar continuidade à sua preservação como um espaço
de relacionamento e valorização dos idosos. MOPI. Movimento Pró-idosos, desde 1975. Disponível em:
<http://www.reciclazaro.org.br/casas/mopi/>. Acesso em 14 de abr de 2019.
33
Em documento oficial, publicado pela Secretaria Especial dos Direitos, publicado em 2003, o referido plano
consta organizado, baseado em três direções, consideradas prioritárias, são elas: idosos e desenvolvimento;
promoção da saúde e bem-estar na velhice e criação de um ambiente propício e favorável. (BRASÍLIA, 2003).
84
de 1982 como o Ano Internacional do Idoso. Em maio do mesmo ano, a portaria de Nº 2864
dispôs sobre a prestação de assistência ao idoso.
A Confederação Brasileira dos Aposentados e pensionistas (COBAP 34) foi fundada
em 1985, o Movimento dos Servidores Aposentados e Pensionistas (MOSAP35) surge em
1992. Este instituto, de iniciativa dos aposentados e pensionistas da receita federal,
posteriormente aglutinou as esferas estaduais e municipais. De fato, a realidade da velhice
brasileira e suas demandas, por meio dos movimentos sociais, se espalham e ganham certa
notoriedade. A força destes movimentos36 é enfatizada por Teixeira (2008, p.173), ao afirmar
que aposentados e pensionistas, por intermédio das suas associações, ao final dos anos 1980,
formavam o segundo maior lobby na Constituinte, perdendo apenas para a União Democrática
Ruralista (UDR).
Conforme apontam diversos autores, o Brasil entra, de forma lenta e progressiva em
processo de democratização. Mota (1995) ao discorrer sobre a cultura da crise que se
apresenta na realidade brasileira durante as décadas de 1980/1990, relacionando-a com a
seguridade social, observa:
É incontestável que, a partir dos anos 80, a sociedade brasileira, ao mesmo tempo
em que vivenciou um processo de democratização política, superando o regime
ditatorial instaurado em 1964, também experimentou uma profunda e prolongada
crise econômica, que persiste até os dias atuais. (MOTA, 1995, p.99).
34
A COBAP foi fundada em 1985, no IX Congresso Nacional dos Aposentados e Pensionistas (CNAP),
realizado de 10 a 13 de outubro, na cidade de Curitiba (PR), e surgiu como resultado do empenho e ação de
grupos de aposentados que buscavam uma organização que pudesse representá-los nacionalmente. Inicialmente a
COBAP funcionava nos estados dos presidentes eleitos e passou pelo Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais,
quando finalmente houve a transição para a cidade-sede, Brasília (DF).
Hoje, com sede própria em Brasília (DF) e grande visibilidade nacional, a COBAP tem representação em 22
estados brasileiros através das Federações filiadas e uma sub sede na cidade de São Paulo (SP). Além de realizar
debates nacionais que mobilizam aposentados de todo país, a COBAP organiza grandes manifestações que levam
milhares de aposentados, pensionistas e idosos às ruas em reivindicação por direitos. COBAP. Confederação
Brasileira de Aposentados e Pensionistas. Disponível em <http://www.cobap.org.br/pagina/67/a-cobap>.
Acesso em 14 de abr. de 2019.
35
Fundado em 21 de março de 1992, por iniciativa, coordenação e patrocínio da ACAF - SP, com o apoio
integral da então Unafisco Nacional, o MOSAP abrangeu, inicialmente, os servidores aposentados e os
pensionistas da Receita Federal. Em 12 de outubro de 1993, na Sala da Comissão de Relações Exteriores do
Senado Federal, instalou-se a Coordenação Nacional, com participação de outras entidades afins em níveis
federal, estadual e municipal. Com o crescimento de suas atividades, as entidades filiadas manifestaram-se,
unanimemente, sobre a imperiosa necessidade de se dar personalidade jurídica ao MOSAP. Nascia, assim, o
INSTITUTO MOSAP devidamente constituído e registrado em 5 de agosto de 1999, em Brasília. MOSAP.
Movimento Nacional dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas. Disponível em: <
http://mosap.org.br/> Acesso em 14 de abr. de 2019
36
Tais movimentos se mantêm ativos e estão na luta contra as reformas da Previdência, propostas pelo
Presidente Jair Bolsonaro.
85
Behring e Boschetti (2009) salientam que, em plena crise estrutural do capital que se
apresenta em declínio, o processo de reforma do Estado brasileiro, começa a ser delineado a
partir de meados da década de 1970, fundamentado pelo neoliberalismo37, no final dos anos
1980 avança e se agudiza a partir da década de 1990. Na pauta: privatizações, retração do
papel do Estado nos gastos com o social e ampliação do livre comércio.
Silva (2010) afirma que os direitos adquiridos no âmbito das políticas sociais revelam
embates e antagonismos, pois, se, são fruto das reivindicações das classes e movimentos
sociais também servem como instrumentos de coerção que fragmenta e desmobiliza tais
movimentos. Nos termos do autor a Seguridade Social é relação social.
A Seguridade Social constitui um lócus privilegiado de processamento e mediação
das contradições relacionadas às formas de geração, apropriação e distribuição de
riquezas. A Seguridade é relação Social. Oculta e, ao mesmo tempo, revela os
embates em torno do acesso aos bens, recursos e serviços socialmente produzidos.
Sob o Estado do Bem-Estar Social, [...]. (SILVA, 2010, p.137-138- grifos originais).
37
O neoliberalismo surgiu na Europa, logo após da II Guerra Mundial, nessa região o modo de produção
capitalista imperava. Anderson (2008) afirma que seu texto origem foi escrito por Friedrich Hayek em 1944
38
As discussões propostas estarão centradas na questão da moradia, tendo em vista servir como norte para o
próximo capítulo, no qual se discorrerá a respeito desta problemática, mais especificamente.
86
Vale salientar que em virtude da organização da sociedade para que tais direitos se
efetivem, o referido artigo já sofreu diversas alterações, desde promulgação da Constituição
Federal, incluindo no seu texto, por exemplo, o direito a moradia, que antes não fora
contemplado.
No Artigo 194, elenca-se saúde, previdência e assistência social que até então não
havia sido considerada direito. Conforme se lê:
[...] A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social. (BRASIL, 1988).
Desse modo, a questão da reciprocidade contida no artigo 229, não é novidade, tendo
em vista que estava presente nas Constituições anteriores. O artigo seguinte ao enfatiza esta
relação e imputa à família a responsabilidade pelo cuidado da pessoa que envelhece, em
seguida a sociedade e, por último o Estado.
Vale a pena ponderar a respeito do efeito prático de tal afirmação na sociedade. Qual é
a conexão entre a responsabilização da família de amparar à velhice e o ideário neoliberal?
Sobre o neoliberalismo, ao observar as afirmações do Anderson (2008) sobre o
neoliberalismo, observamos que o Estado se mantém forte na sua capacidade de intentar
contra a organização da classe trabalhadora quanto de controlar os gastos e parco tanto nas
intervenções econômicas quanto sociais. É um Estado mínimo para o social e máximo para o
capital.
A PNI, dispõe no Artigo 10, na área da habitação e urbanismo, as ações que deverão
ser implementadas, de acordo com a competência de cada órgão, conforme observamos:
39
Reportamo-nos aos instrumentos viabilizadores da política de assistência social, tendo em vista que nos
capítulos posteriores, esta será a política que, no Estado da Paraíba recebe a incumbência de gerenciar o
Programa Cidade Madura.
90
Art. 37. O idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou
substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou,
ainda, em instituição pública ou privada.
Art. 38. Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos
públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria,
observado o seguinte: (BRASIL, 2003).
Ou seja, para a sociedade, se tais pessoas não conseguem prover para si e suas
famílias, por meio do salário (o que é tido como normal, nesta ideologia), são culpabilizados,
socialmente por intermédio das próprias políticas que os incluem. Como é o caso da
habitação.
No caso do acesso a habitação, geralmente se questiona o motivo pelo qual tal pessoa
ainda não conseguiu comprar sua casa. Se, vendeu a sua força de trabalho por determinado
tempo, o valor recebido não lhe possibilitou a compra de um imóvel? Porém, tal
questionamento, por vezes desconsidera as condições objetivas de acesso aos bens que são
produzidos, coletivamente, pela classe trabalhadora, mas a socialização se mantém privada,
nesta sociabilidade capitalista.
A Constituição menciona ao direito à moradia diversos artigos, dentre eles: o artigo 23
que define as competências nos três níveis de governo, visando “promover programas de
construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;”
(BRASIL, 1988, Art. 23; IX). Nos artigos 182 e 183 expressam algumas diretrizes contidas na
nova Política Nacional de Habitação que deve se instrumentalizar em ações articuladas com
outros setores e outras Políticas, como por exemplo, saneamento básico, transporte coletivo,
segurança pública, educação, trabalho, trânsito, desenvolvimento urbano entre outras, levando
92
Os condomínios exclusivos para as pessoas idosas, que estão em alta no Brasil desde
2007 se constitui objeto deste capítulo, com a intenção de desvelar sobre a função social dos
respectivos empreendimentos. Para tanto, se propõe desvelar a respeito da problemática da
habitação no Brasil com o envelhecimento populacional vivenciado no país, a partir da década
de 1960, relacionando a referida questão com o envelhecimento da classe trabalhadora e os
desafios que esta parcela vivencia no contexto atual, levando em consideração a analise
histórico- econômica e social; Com a finalidade de apreender as distintas formas de controle
ideológico da classe trabalhadora na gestão capitalista, pretende-se realizar uma análise do
tipo comparativa entre as antigas vilas operárias que surgiram no Brasil a partir de meados da
década de 1920 e os atuais condomínios exclusivos para pessoas idosas em São Paulo e
também na Paraíba. Esta relação se justifica pelo fato de ambos os formatos de moradia
estarem destinados à classe trabalhadora.
Ana Fani Carlos (2004) conceitua a cidade como um produto histórico-social e sobre a
reprodução do espaço urbano, afirma:
Deste modo, é de suma importância realizar uma análise sobre a cidade como espaço
de produção e reprodução social e assim, apreender o espaço urbano como cenário onde
ocorre e se materializa as questões sociais vivenciadas pela classe trabalhadora, bem como as
correlações de força entra as classes antagônicas neste modo de produção capitalista.
Bonduki (1998, p.14) utiliza o termo “Habitação Social” e que está relacionado com a
maneira pela qual o Estado incorpora a problemática habitacional e seus direcionamentos. Ao
conceituar o referido termo, Bonduki, explica:
Neste sentido, utilizamos o termo habitação social não apenas no sentido corrente,
ou seja, habitação produzida e financiada por órgãos estatais destinada à população
de baixa renda, mas num sentido mais amplo, que inclui também a regulamentação
estatal da locação habitacional e incorporação, como um problema do Estada, da
falta de infra-estrutura urbana gerada pelo loteamento privado. (BONDUKI, 1998,
p.14)
94
proximidades, porém tal objetivo extrapola a esfera da produção e atinge o modo de vida da
classe trabalhadora que ali reside. Em um contexto no qual a moradia dos trabalhadores (os
cortiços) era considerada o principal foco de doenças infecciosas, origem de todos os males,
visada pela vigilância estatal, cuja intervenção higienista e policialesca, desconsiderava as
condições objetivas de vida desta classe. (Bonduki, 1994, p. 32-33).
Ora, se no setor habitacional a classe média que residia em palacetes e a trabalhadora
pobre em cortiços, Bonduki (1994) e Viana (2004) ao refletirem sobre a divisão social no
interior desses residenciais, observam que havia na organização e distribuição das residências
uma divisão baseada nestes termos, mas é a classe trabalhadora segmentada pela divisão
sociotécnica (mestres e gerentes e o operariado). A discussão sobre esta estratificação tanto
nas vilas operárias quanto em condomínios específicos também nos interessa.
Porém, diante da questão da habitação no Brasil, observa-se que a intervenção do
Estado não visa simplesmente equacionar a referida questão vivenciada pela população de
baixa renda (a classe trabalhadora pobre), mas se consubstancia em regulamentações para o
incremento deste mercado e, principalmente que tem historicamente privilegiado a elite
brasileira (independente de sua faixa etária).
40
Vila proletária Marechal Hermes – Iniciada em 1906 no Rio de Janeiro, teve suas obras paralisadas por 20
anos.
96
41
A cidade de São Paulo é a referência da pesquisa do autor. Ele explica que tal escolha se deu tendo em vista as
grandes transformações urbanas e econômicas pelas quais a cidade passou neste período. Porém, destaca que,
levando em consideração as peculiaridades da pesquisa ela é válida para as outras regiões brasileiras.
97
Mas, a autora pondera que, na realidade, tais espaços foram utilizados pelos donos das
indústrias como forma de coerção sobre o operariado à lógica capitalista e refletiam uma
política de exclusão e segregação espacial que perdura até os dias atuais.
A respeito das vilas Operárias, Bonduki ((1998, p. 46-53) assevera que a produção
dessas casas voltadas para locação deveria ser considerada como “produção rentista”, pois
visava à obtenção de uma renda mensal pelo uso do dinheiro. Alternativa segura de
investimento. O autor acresce o fato de terem sido constituídas a maioria neste período e, que
nem todo trabalhador tinha condições de habitar uma casa de vila, tendo em vista os baixos
salários recebidos. A partir das observações do autor (Ibidem), os investidores deste ramo
(pequenos investidores, empresas construtoras e sociedades mutuarias), aproveitavam o
máximo dos terrenos, racionalizavam o projeto de uma maneira que garantisse o mínimo de
investimento para o máximo de lucro42.
Vianna (2004) comenta que havia duas modalidades distintas de vilas operárias: A
primeira, patrocinada e construída pelas empresas/fábricas, estava voltada para seus
funcionários; A segunda é a Vila operária particular, promovida por investidores privados e,
objetivamente estava voltada ao mercado de locação. Além disso, os construtores, em geral,
utilizavam o padrão das habitações já existentes naquele espaço.
Para a autora (Ibidem) o posicionamento ambíguo do Estado, diante da questão urbana
se apresentava da seguinte forma: De um lado, prioriza a questão da higiene e o faz de uma
maneira violenta, policialesca e de outro, incentiva a iniciativa privada para construção de
habitações para a classe trabalhadora, calcada nos padrões de comportamento normatizados,
de acordo com os códigos higienistas vigentes. A vila operária – modelo de habitação
perfeita. (VIANNA, 2004, p.07)
Ao estudar as análises de Gramsci (2007) no caderno 22 (vinte e dois) que versa sobre
Americanismo e Fordismo, observa-se como são introduzidos métodos de racionalização
americana que visava adequar o trabalhador a um novo tipo de trabalho, bem como dos
processos produtivos. Do mesmo modo, como os movimentos são repetidos na fábrica, os
operários são compelidos á incorporar novos modos de viver e de ser. A questão sexual,
42
O autor cita alguns exemplos, de vilas e cortiços, mas não nos deteremos nestes quesitos, pois foge do objeto
desta análise.
98
abordada por Gramsci é extremamente relevante para o estudo ora proposto, pois nas Vilas
Operárias, o formato da família se alterou de acordo com a visão do dono da indústria.
[...] Por outro lado é necessário encaminhar esta regularização e a criação de uma
nova ética. Deve-se observar como os industriais (especialmente Ford) se interessam
pelas relações sexuais de seus empregados e, em geral, pela organização de suas
famílias; a aparência de ‘puritanismo’ assumida por esse interesse (como é o caso do
proibicionismo) não deve levar a avaliações erradas; a verdade é que não se pode
desenvolver o novo tipo de homem exigido pela racionalização da produção
enquanto o instinto sexual não for adequadamente regulamentado, não for também
ele racionalizado. (GRAMSCI, 2007, p.251-252).
Nestes termos, se percebe a maneira pela qual as condições eram impostas de forma
rígida, desde a organização familiar, os momentos de lazer – incluindo os dias em que se
permitia a realização das festas –, a utilização dos equipamentos sociais – como a creche, por
exemplo, a imposição da religião (católica), entre outros.
A maneira como a autora (Ibidem, 2004) descreve a vila operária, se percebe que
nestes espaços habitacionais, a classe trabalhadora vivia submetida e controlada, com o
objetivo de aumentar a produção e os lucros. O “modo de viver” da classe trabalhadora é
moldado pelo capital, por intermédio deste tipo de “acesso a moradia”, que tem a clara
finalidade de aprimorar a exploração da força de trabalho do operariado.
Ao construir uma vila operária, o industrial obtinha a posse das casas, o que, na
maioria das vezes, servia como instrumento para pressionar a força de trabalho,
gerando conflitos nessa relação patrão-operário. [...] A vida dos operários era um
prolongamento da rígida disciplina do regime de trabalho fabril. Dessa forma,
inexistia a liberdade formal que o trabalhador assalariado possuía no capitalismo,
como vendedor de sua força de trabalho. (IBIDEM, 2004, p.10-11).
Portanto, a reflexão sobre a construção das vilas também está relacionada com os
processos de subordinação da classe trabalhadora. Pois, o empresário, além de patrão é
também o senhorio, ou o dono da casa.
Bonduki (1998) afirma que a identidade patrão-senhorio trazia ainda a vantagem da
casa nunca permanecer vazia e de o aluguel jamais deixar de ser pago, pois o desconto era
feito na própria folha de pagamento. Aquele que construía e destinava as casas aos seus
operários, tinha a intenção de conseguir vantagens adicionais, entre as quais: a possibilidade
de negociar uma redução nos valores dos aluguéis em troca de salários menores e de exigir
que os outros membros da família também trabalhassem na empresa (mulheres e crianças).
Desta forma, as empresas submetiam e controlavam o trabalhador, que se demitido
fosse, perderia a casa. O patrão exercia, portanto, um alto controle sobre o modo de viver dos
operários e das suas famílias, inclusive do tempo, considerado, livre. A nosso ver, tal
modalidade reforça o caráter da disputa entre as classes (dominante e dominados), visa
claramente o enfraquecimento da classe trabalhadora – que, acredita ascender, ao residir em
vilas do tipo “operárias”, que se organizam a partir da divisão sócio-técnica do trabalho.
Bonduki (1998, p. 65), em sua assertiva pontua tanto o caráter autoritário e
moralizador, como marca deste modelo de intervenção. Vale ressaltar a adoção do modelo
100
unifamiliar e com dormitórios separados, na época em que as vilas operárias são introduzidas
no Brasil. Porém, a classe trabalhadora que vivia nos cortiços se organizava com base em
outras regras, consideradas inadequadas, insalubres, degradantes e não condizentes com a
moral imposta pela elite dominante na época. A naturalização ou reprodução de determinada
atitude, cujos discursos não brotam ocasionalmente, estão direcionados à classe trabalhadora,
com o intuito da autorreprodução do sistema capitalista. Wellen e Wellen (2010),
considerando o contexto de dentro da fábrica, refletem:
Varias técnicas e ferramentas foram utilizadas ao longo dos anos para impor os
interesses dos capitalistas sobre os trabalhadores, desde as formas mais precárias e
brutais até as maneiras mais sofisticadas e disfarçadas de adestramento. Os
contornos variaram e variam com o tempo, mas o conteúdo permanece o mesmo [...]
(WELLEN E WELLEN, 2010, p.38).
Sob esta, o ótica, o tema da habitação alcança a questão das condições objetivas da
classe trabalhadora, e neste movimento, o autor cita que embora a questão sanitária se
mantivesse presente a partir do debate sobre a habitação social, surgirão novos temas que são
mais condizentes com o projeto nacional-desenvolvimentista.
Nesse contexto, podem-se elencar dois pontos que para o autor foram cruciais:
Primeiro, a habitação vista como condição básica de reprodução da força de trabalho e,
portanto, como fator econômico na estratégia de industrialização do país; Segundo, a
habitação como elemento na formação ideológica, política e moral do trabalhador, é decisiva
na criação do “homem novo”, trabalhador-padrão que o regime queria forjar, como sua
principal base de sustentação política. Intelectuais de diversas áreas começam a se interessar
pelo tema, tais como: advogados, engenheiros, economistas, urbanistas, sociólogos,
assistentes sociais, além dos sanitaristas, como foi no caso do I Congresso de Habitação em
1930 e dez anos após as Jornadas de Habitação Econômica.
Nesta fase, o debate se amplia para a problemática da moradia e aponta para o fato
que, se o governo Vargas propiciou estes novos enfoques, o resultado pôde ser obtido além da
questão do diagnostico das condições habitacionais da época, mas chama a atenção
principalmente para o fato que, a elaboração dessas propostas tinha como proposito viabilizar
soluções alternativas que vislumbrasse a população pobre, sobretudo casa própria (Ibidem,
p.73-75).
Bonduki cita a existência de 08 jornais comunistas no país que comentavam a respeito
desta problemática, a partir da segunda metade da década de 1940. Em suas palavras:
[...] é importante citar a presença dos jornais comunistas, que chegaram a oito nas
principais cidades brasileiras. Publicando um grande volume de reportagens e
comentários, os diários comunistas são uma importante fonte sobre as condições de
moradia e infraestrutura urbana nos bairros populares e, apresentavam a visão de um
grupo político influente e formador de opinião, de grande peso eleitoral no período
de 1945 a 1947, e que defendia a habitação social. (BONDUKI, 1994, p.76).
Para o autor, o principal motivo de tanto interesse pelo tema se deu por diversos
fatores, entre os quais, a crise de moradia que o país atravessava, a conjuntura econômica e
politica da época requerer novos modelos de moradia operária e, cita o fato da crise ter
alcançado também a classe média, que para ele seria a principal formadora da opinião publica,
e, que, em sua maioria, residia de aluguel até aquele momento.
A produção de conjuntos habitacionais em larga escala está ligada a criação das
carteiras nos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) em 1937. Bonduki (1994)
esclarece alguns pontos bastante interessantes sobre tais carteiras: O primeiro está relacionado
com a questão dos recursos, oriundos do depósito compulsório das empresas e dos
102
trabalhadores e não tinham destinação imediata, tendo em vista servir para, posteriormente,
pagar as aposentadorias e pensões.
Todavia, a questão habitacional era secundária, pois a garantia desta prerrogativa era
sua função principal. O autor salienta ter ocorrido no interior desses organismos um debate
intenso sobre a destinação e pertinência deste investimento na área habitacional, por
considerar que este tipo de empreendimento colocava em risco o pagamento (futuro) das
aposentadorias e pensões. (BONDUKI, 1994, p. 725).
O financiamento da habitação social estava organizado em planos: (A, B e C)
contemplando a incorporação imobiliária para os setores médios conforme aponta Bonduki
(1994, p.728). Para um melhor entendimento acerca desses planos, o quadro a seguir, contém
as informações sobre a organização do financiamento da Habitação Social.
PLANO A O acesso se dava por meio do pagamento de taxa de aluguel. A opção por esta modalidade
se justificava pela necessidade de manter a propriedade das unidades habitacionais para
proteger as reservas da previdência.
PLANO B Financiamentos para a Casa Própria – definição de prestações fixas. Esta opção torna a
rentabilidade irrisória, delapidando as reservas dos institutos.
Um dado muito relevante sobre o Plano C é revelado pelo autor. De acordo com ele,
entre os anos de 1937 a 1950 foram financiadas quase 5.000 unidades habitacionais para a
classe média pelo Instituto de Aposentadoria dos Industriários (IAPI); O autor também
destaca que a iniciativa do poder público ao criar as carteiras prediais em 1937 foi relevante,
pois antecipou tanto a reinvindicação social quanto a dos setores empresariais. Finalmente,
declara que com o aguçamento da crise habitacional na década de 1940, o Estado passa a
sofrer uma crescente pressão para intervir nesta questão; Inclusive, neste mesmo ano, o
Instituto de Aposentadoria e Pensões da Indústria (IAPI), adquiriu a vila Maria Zélia por
considera-la um modelo interessante e pretender reproduzi-lo.
A Fundação Casa Popular (FCP) surge em 1946, durante o governo de Dutra e tinha
como objetivo principal, construir moradia para a população de baixa renda. Bonduki (1998)
103
declara que, no sentido da habitação social, a FCP, representa um marco 43. Porém, observa
que, contraditoriamente, representa muito mais a ausência do Estado do que sua intervenção
de fato.
A principal diferença entre esse instrumento e os IAPs consiste no fato em que os
recursos (escassos) da FCP eram oriundos da União. Essa escassez de recurso, ausência de
critérios sociais rigorosos capazes de garantir o retorno dos investimentos, a inflação altíssima
que reverberava nos valores das prestações, além da visão clientelista e paternalista da
política, restringiu e até inviabilizou a capacidade da ação tanto da FCP quanto dos IAPs.
Pois, não havia taxas ou depósitos especificamente, cobrados para financiar a produção
habitacional, como por exemplo, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS),
posteriormente utilizado. (Ibidem. 1994, p. 725- 726). A este respeito, Monteiro (2012)
afirma:
Na realidade, o mercado imobiliário e o Estado não deram conta da balbúrdia que se
havia instalado com o desestímulo à moradia de aluguel em prol do sonho da casa
própria, a constituição da Fundação da Casa Popular, objetivando financiamento de
moradias – um marco para a história da habitação. Também propiciaram recursos
para financiar moradia os Institutos de Aposentadoria e Pensões – IAPs, criados pelo
governo Vargas como medida restruturadora do setor previdenciário. (MONTEIRO,
2012, p. 30)
Após a deflagração do golpe militar em 1964 a primeira instituição criada foi o Banco
Nacional da Habitação (BNH), e logo após o Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
Behring e Boschetti (2009) afirmam que o governo ditatorial se apressou em instituir o
referido órgão, como uma estratégia que visava impulsionar a economia, privilegiando o setor
da construção civil.
Além da institucionalização da previdência, da saúde e, com muito menor
importância, da assistência social, que era basicamente implementada pela rede
conveniada de serviços prestados pela LBA, a ditadura impulsionou uma política
43
O fracasso da Fundação da Casa Popular como órgão central e coordenador de uma emergente “política
habitacional”, no entanto, não obscurece o fato de que sua criação, como o primeiro órgão nacional destinado
exclusivamente à provisão de moradias para a população de baixa renda, representou o reconhecimento de que o
Estado brasileiro tinha obrigação de enfrentar, através de uma intervenção direta, o grave problema da falta de
moradias. Embora as carteiras prediais dos IAPs sejam anteriores, estes órgãos não eram destinados
especificamente a enfrentar o problema de habitação, e sim instituições previdenciárias, agindo
complementarmente dentro de uma lógica marcada pela necessidade de investir os imensos fundos de reserva da
Previdência Social para preservar seu valor. (BONDUKI, 1994, p. 718).
104
superior a nove salários mínimos. Até então, conforme observamos, mesmo nas incipientes
ações do Estado na questão da habitação, não havia proposições que levasse em conta a
população idosa, mormente a classe trabalhadora envelhecente. Faleiros (2007) afirma haver
uma imposição de silêncio atribuída a este segmento – Classe tida como se não possuísse
sequer mecanismos de luta. De acordo com o autor:
Essa rápida transição era silenciada social, política e culturalmente. Socialmente
pela não fala sobre a velhice numa sociedade considerada de jovens e voltada para a
exaltação da força e da beleza física. Politicamente, o silêncio adivinha em razão de
mudanças nas políticas sociais com redução do papel do Estado em favorecimento
do mercado e as reformas propostas traziam no seu bojo o corte de direitos sociais.
Como falar em garantia de direitos num contexto neoliberal? Culturalmente a
velhice pode ser silenciada pela discriminação e violência. (FALEIROS, 2007,
p.36)
Estatuto da Cidade que dispõem e a função social da propriedade, bem como a criação do
Ministério das cidades que tem como competência tratar da política de desenvolvimento
urbano e das políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e
transito.
Em relação à política habitacional, cerca de 12 (doze) anos após a promulgação da
Constituição de 1988, o Instituto Cidadania44, no ano de 2000, elabora o projeto moradia,
sendo o responsável por mudar o paradigma de sistema de habitação no Brasil. Maricato
aponta que:
A estrutura da tese é relativamente simples e óbvia apesar de original: ampliar o
mercado privado (restrito ao segmento de luxo) para que este atenda a classe média
e concentrar os recursos financeiros que estão sob gestão federal nas faixas de renda
situadas abaixo dos 5 salários mínimos onde se renda situada abaixo dos 5 salários
mínimos onde se concentra 92% do déficit habitacional e a grande maioria da
população brasileira. (MARICATO, 2005).
44
Neste Instituto, profissionais de diversas áreas em conjunto com representantes de movimentos sociais e dos
setores empresariais se organizaram para discutir e planejar o Projeto Moradia que foi concluído no ano de 2000.
Conforme consta no site oficial do Instituto Lula. Disponível em: <http://www.institutolula.org/projeto-
moradia/> Acesso em: 04 de maio de 2018.
107
Sistema de Habitação no Brasil são utilizadas de acordo com a demanda e o tipo específico de
moradia, ou problema habitacional. Os agentes financeiros que aparecem nesse subsistema
são: Bancos Múltiplos, Companhias Hipotecárias e Securitizadoras, Consórcios
Habitacionais, Cooperativas de Crédito entre outros.
Acerca de ação efetiva no âmbito da habitação para a população idosa, nota-se que o
estado de São Paulo adota as primeiras iniciativas. Porém, mencionar o Grupo de Articulação
para Moradia de Idosos da Capital (GARMIC) e sua precursora, a senhora Olga Luzia Leon
de Quiroga é de suma importância. A autora, ao definir como se manifesta e sobre a
relevância deste movimento, faz a seguinte reflexão:
[...] Esse movimento nasceu em 1999, na Casa Lar e Convivência São Vicente de
Paula, que, por meio de aulas sobre cidadania, tentava resgatar a dignidade de um
grupo de moradores de rua para incluí-los na sociedade. Eram quinze pessoas, entre
homens e mulheres muito diferentes entre si, no seu jeito de agir, ser e pensar, que
se juntavam a moradores de albergues e participavam da convivência da Casa Lar.
Em todos os encontros e discussões coletivas sempre se chegava ao mesmo ponto. O
grande desejo de todos era ter um canto onde morar, para poder ter privacidade e
não serem incomodados. (QUIROGA, 2007, p. 215).
do trabalho, há duas proposições que enfatizam a questão econômica desta população que
envelhece e a necessidade de criar um novo paradigma sobre o envelhecimento. Notadamente,
nas proposições, o envelhecimento humano se apresenta como algo negativo
economicamente. Pois tanto pode onerar o sistema de saúde e os seguros sociais (públicos e
privados). Portanto, diante do fomento das Organizações Internacionais surgem medidas –
transmutadas em Proteção Social – mas, na realidade visam à reprodução da força de trabalho.
É possível conectar, deste modo o surgimento dos condomínios exclusivos para as pessoas
idosas no Brasil tendo como pano de fundo estimular ações amparadas em discursos como
“envelhecimento ativo” que dá margem á ampliação do tempo de exploração da vida da classe
trabalhadora.
O direito à moradia digna para a população idosa foi pauta da primeira Conferência
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa no Brasil, que ocorreu em 2006. Tal conferência, de
caráter deliberativo, tinha como objetivo geral: “Definir as estratégias para a implementação
da Rede de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa”. O primeiro eixo propunha tratar das ações
para efetivação dos direitos da Pessoa Idosa, visando, entre outros pontos, estimular a
construção de moradias para pessoas idosas, porém tendo o cuidado que tais
empreendimentos atendessem as normas de acessibilidade que existem.
Além de campanha cuja finalidade seria conscientizar a população sobre a importância
dessas medidas de acessibilidade nos espaços coletivos, a cobrança aos órgãos que respondem
a respeito da construção civil no Brasil e, principalmente sobre a necessidade de criar políticas
e projetos de moradias para pessoas idosas que vislumbrem aquelas de baixa renda e elenca a
questão dos vínculos familiares. (BRASIL, 2006, p. 23; 40-65).
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008), calcada na concepção do
envelhecimento ativo, criou o guia “Cidade Amiga do Idoso”. A ideia do projeto, realizado
por Alexandre Kalache e Louise Plouffeé é resultado das discussões ocorridas no 18º
Congresso Mundial de Gerontologia que aconteceu no Rio de Janeiro, em 2005. Por meio de
uma pesquisa que se realizou em 33 países, incluindo o Brasil. No documento, composto por
oito eixos (Espaços exteriores e edifícios; Transportes, Habitação, Participação Social,
Respeito e inclusão social, Participação cívica e emprego; Comunicação e informação e
Apoio da comunidade e serviços de saúde) estão baseadas, sugestões de ações urbanas,
consideradas essenciais para garantir à pessoa idosa o acesso de qualidade a cidade, com
infraestrutura, participação, habitabilidade, acessibilidade e segurança, entre outros.
110
Dez anos depois da Primeira Conferência Nacional da Pessoa Idosa, em 2016, o tema
da habitação consta nas propostas priorizadas pelos delegados na plenária final. De acordo
com o documento, menciona-se a necessidade de alterar o inciso I, artigo 38 do Estatuto do
Idoso para ampliar o percentual de reserva de vagas das unidades residenciais (urbanas e
rurais) de 3% para 10%. O que revela o vácuo existente entre o direito formalmente
estabelecido na Política habitacional brasileira para a população idosa, tendo em vista que
essa porcentagem está garantida apenas em programas habitacionais públicos, ou subsidiados
com recursos públicos. Ou seja, a habitação voltada para o mercado fica isenta de garantir o
referido acesso.
A Carta Magna, em diversos artigos, bem como nos instrumentos mais conhecidos
para a população idosa brasileira, como a PNI e o Estatuto do Idoso, pressupostos apontam
para a conquista de diversos direitos. Entretanto, é incontestável a fragilidade desta
materialização na cena contemporânea. Pois, quesitos, postos em lei, com a finalidade de
ampliar o direito que a pessoa idosa possui, por vezes citados de forma mais formal do que
real, como é o caso do referido percentual de reserva para aquisição da casa própria, apontado
pelas legislações supracitadas, discutidos pela população idosa nas Conferências e em outros
espaços de participação democrática.
Neste sentido, a classe trabalhadora se vê diante de um direito (o direito a moradia
digna), que, em determinados momentos históricos, aparecem “formalmente instituídos”,
porém, as condições postas não são capazes de torná-lo um direito real, tendo em vista não
haver condições objetivas de acesso para esta classe à moradia digna. Em primeiro lugar por
conta da exigência de uma renda (mínima) para acesso e as condições para financiamento das
prestações, bem como a questão da localização das habitações voltadas para esta classe,
conforme já discutimos (locais de difícil acesso e sem infraestrutura).
A questão do entorno favorável, com infraestrutura, mobilidade urbana, equipamentos
sociais, dentre outros, propagados pelos documentos nacionais e internacionais, formalmente,
são direitos da população idosa, porém não é o que ocorre, de fato. A respeito dos direitos das
pessoas idosas ocorre o mesmo, pois embora constem tais direitos nos documentos oficiais, o
acesso também está condicionado à renda, além da idade e, em alguns casos ao nível de
vulnerabilidade. Neste sentido exclui para incluir. (seletividade).
111
3.5 População Idosa, o Estado e as formas de morar a partir dos anos 2000.
45
A referida portaria não está mais em vigor e as modalidades apresentadas pela autora são serviços
referendados pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS), devidamente explicitados pela Tipificação
Nacional dos Serviços Socioassistentenciais, que os situa a partir da Proteção Social Especial de Média e Alta
Complexidade (BRASIL, 2009,). Inclusive tais serviços também são ofertados ás pessoas idosas.
112
especializadas, supervisão durante 24h, três refeições diárias, gerenciamento médico, entre
outros.
Ao analisar os decretos: Nº 54.285/2009 e o de Nº 56.448 que o altera no ano seguinte
– que disciplinam acerca do Programa Vila Dignidade – ambos citados pelas autoras
supramencionadas (Monteiro, 2012), percebemos, que tal expressão não está presente nem no
decreto nem na lei (atual) que rege (a) o Programa Cidade Madura no estado da Paraíba.
Neste sentido, o Programa Cidade Madura se difere, pois embora se enquadre na
nomenclatura de condomínio, quando especifica a oferta da política habitacional às pessoas
idosas, a proposta é de ofertar “Moradia Digna”, atrelado a oferta de equipamentos para a
convivência social, conforme explicitaremos mais adiante.
Dessa maneira, tendo como norte as observações, das autoras supramencionadas
(Bestetti, 2006; Monteiro, 2012 e Oliveira, 2017) a respeito da moradia assistida percebe-se
que esta modalidade se assemelha muito mais com a metodologia utilizada em ILPI, nos
hotéis para idosos e até mesmo em albergues do que, necessariamente, nos condomínios
exclusivos para pessoas idosas.
Inicialmente, vale a pena destacar que adotaremos nesta pesquisa o termo
“Condomínios Exclusivos para pessoas idosas”, utilizado por Monteiro (Ibidem), que assim o
conceitua:
O presente trabalho utiliza-se da denominação condomínios exclusivos para idosos
para identificar as casas ou apartamentos circunscritos em área delimitada por
muros, cercas ou alambrados, construídos por meio de política pública habitacional
para idosos de baixa renda, independentes para realizar as atividades de vida diária,
e que sejam sozinhos, ou seja, sem família ou com laços familiares enfraquecidos.
(MONTEIRO, 2012, p. 81).
Sendo assim, tanto nos Programas habitacionais verticais e/ou horizontais como a Vila
dos Idosos e o Programa Habitacional Cidade Madura, se assemelham ao comentário
supracitado. Porém, com os seguintes destaques: Concordamos com o fato da identificação
com a descrição mais genérica, por exemplo, a questão das casas ou apartamentos estarem
localizados em área murada, bem como o fato de tais condomínios ser exclusivamente
destinado ás pessoas idosas. Em relação a questão do vínculo familiar, demonstraremos
adiante que o Programa Cidade Madura se difere.
Em relação à Assistência Social – Nota-se que em todos os casos de implementação e
execução dos programas habitacionais voltados para a população idosa no Brasil, a referida
política se consubstancia em órgão coordenador desta forma de morar. Assistência Social, a
partir da Constituição de 1988 é política pública, de caráter não contributivo e deve ser
113
ofertada para quem dela necessitar, de maneira articulada e transversal. Para efeitos de
informação, salientamos o que está preconizado na Política Nacional de Assistência Social
(PNAS):
A nova concepção de assistência social como direito à proteção social, direito à
seguridade social, tem duplo efeito: o de suprir sob dado padrão pré-definido um
recebimento e o de desenvolver capacidades para maior autonomia. Neste sentido
ela é aliada ao desenvolvimento humano e social e não tuteladora ou assistencialista,
ou ainda, tão só provedora de necessidades ou vulnerabilidades sociais. (BRASIL,
2004, p.10).
- Residência Inclusiva.
b) Serviço de Acolhimento em República;
c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.
(BRASIL, 2009, p. 3-4).
Sendo assim, nota-se que o Programa Cidade Madura está situado na Proteção Social
Básica, tendo em vista que a lei que rege o referido programa enfatiza a importância da
manutenção dos vínculos familiares tanto para ingresso quanto para a permanência da pessoa
idosa.
Porém, os condomínios paulistas, conforme as analises realizadas por Monteiro
(2012), Deus (2010) e Teixeira (2016) – estão inseridos na Proteção Social de Alta
Complexidade, pois consta como critério para ingresso o fato da pessoa idosa não possuir
vínculos familiares, e de acordo com o disposto pela PNAS (2004, p.35), a ênfase desta
proteção prioriza a estruturação dos serviços de abrigamento, tendo em vista, justamente o
fato do rompimento do vínculo familiar estar ligado as questões de violações de direitos.
115
46
A Superintendência de Habitação Popular/HABI, em parceria com a Companhia Metropolitana de Habitação
São Paulo (COHAB), passaram a se reunir com os GARMIC, ouvir e encaminhar as reivindicações. Em 2007,
após muitas reuniões, negociações, idas e vindas, foi inaugurado o Conjunto Habitacional Pari 1 – Vila dos
Idosos Armando Amadeu, conhecida como Vila dos Idosos. (DEUS, 2010, p.200).
47
Todas as informações que a autora descreve em sua tese, estão contidas nas tabelas dispostas nesta dissertação.
116
4.1 Vila dos Idosos, Recanto Feliz e o Programa Vila Dignidade em Itapeva e Avaré:
Condomínios Exclusivos em São Paulo
A Vila dos Idosos, Pari I, localizada em São Paulo, Capital foi o primeiro condomínio
exclusivo para pessoas idosas, inaugurado no Brasil. Deus (2010, p. 200-204) ao analisar o
referido condomínio afirma que responsabilidade de gestão do programa ficou a cargo dos
seguintes órgãos: Secretaria de Habitação de São Paulo (SEHAB); Superintendência de
Habitação Popular HABI e a operadora social deste programa de locação social é a
Companhia da Habitação Metropolitana de São Paulo (COHAB/SP).
Monteiro (2012) concorda e amplia esta afirmativa, ao relatar que a vila é fruto de um
projeto de requalificação urbanística, realizado pela prefeitura municipal, cujo objetivo central
seria aplicar ao imóvel ocioso a função social da propriedade, conforme aponta a Constituição
Federal de 1988, mais precisamente nos Artigos 182 e 183 que tratam acerca da Política
Urbana, inclusive já pontuamos sobre este assunto em tópico anterior. A Figura 1 a seguir
ilustra o condomínio Pari I.
117
48
Imagem obtida no site da COHAB. Disponível em: <http://cohab.sp.gov.br/Noticia.aspx?Id=3608>. Acesso
em 06 de mai. de 2019.
118
Deus (2010) comenta que os selecionados eram oriundos das áreas de risco de
desabamento, deslizamentos e enchentes, bem como de pessoas que estivessem atendimento
provisório, em situação de vulnerabilidade socioeconômica ou que tivessem sido atendidas
pela equipe do plantão social da SEHAB, entre outros.
O segundo Condomínio é o Recanto Feliz. Localizado em Araraquara, como critério
para ingresso, além da renda de até (01) um salário mínimo, capacidade do autocuidado;
situação de alta vulnerabilidade, nesta localidade, constou como regra: estar na lista de espera
do cadastro para inserção na política habitacional local. A respeito dos gastos, Monteiro
(2012) comenta que as pessoas idosas que lá residem pagam apenas água e telefone. A autora
sublinha que, no inicio da construção do referido residencial, os padrões preconizados pela
CDHU ainda não estavam estabelecidos, pois a obra iniciou antes de 2006, sendo finalizada
quatro anos depois. Desta forma, apenas duas casas seguem os padrões preconizados pelo
desenho universal. De acordo com a autora (Ibidem, 2012) há um novo conjunto sendo
construído, com previsão de entrega para 2011, tendo como parâmetro os padrões
preconizados pelo decreto da CDHU. O quadro abaixo apresenta as sínteses das descrições
do Recanto Feliz.
119
Os requisitos para ingresso são: idade (a partir dos 60 anos); renda (01 (um) salario
mínimo); capacidade para realizar suas atividades de vida diária; preferencialmente ser só ou
com vínculo familiar “extremamente” fragilizado em decorrência de abandono; estar em
situação de risco pessoal e social e, ser residente no município há pelo menos dois anos.
(IBIDEM, 2012, p. 93- grifos originais).
A respeito dos critérios para implementação nos municípios, a autora cita, pelo menos
09 (nove) passos que os municípios precisam cumprir ao aderir ao Programa. Ei-los: Adesão
– inserção do projeto no Plano Municipal de Assistência Social; possuir Conselho Municipal
do Idoso e ter o projeto aprovado pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social
(SEADS); A escolha do terreno – que atenda todos os detalhes técnicos e jurídicos; A
Formalização do compromisso; A Elaboração do Projeto Social e envio para a SEADS;
Análise do projeto pela Secretaria da Habitação (SH); A emissão do Parecer CJ, SH e
SEADS; Assinatura do Convênio; A licitação; e por último o inicio das obras.
Na Vila Dignidade em Avaré, os moradores são isentos de gastos com unidade
habitacional, água luz e ou aluguel, mas pagam conta telefônica, caso possuam. Os destaques
ficam por conta das placas de aquecimento solar e de um “jornalzinho” (expressão utilizada
pela autora), confeccionado com a ajuda de profissionais da cidade. Não Há detalhes sobre
conteúdo produzido no referido jornal.
122
Figura 5 – Vila Dignidade em Avaré – Imagem mostra a fachada das residências e a academia
para a terceira idade.
espaços adaptados. Na imagem abaixo dá para ver as casas (geminadas) com rampas e
acessibilidade e ao fundo o Centro de Vivências.
Figura 7 – Cidade Madura em Campina Grande – visão lateral das residências
Vale salientar que o programa não oferece atendimento médico, pois o Núcleo de
Saúde, não deve ser confundido com uma Unidade de Saúde da Família (USF), porém é
125
possível firmar parceria com a gestão municipal que oferta o referido serviço que esta equipe
utilize o espaço para atendimento aos residentes.
O instrumento que oficializou e definiu parâmetros para acesso ao programa foi o
Decreto Estadual Nº 35072, publicado no Diário Oficial do Estado (DOE/PB) em 10 de junho
de 2014. Entretanto, a partir do dia 29 de dezembro de 2018, entra em vigor a Lei Nº 11.260.
A partir do primeiro artigo, a referida lei já se diferencia do antigo decreto, pois confere ao
Programa o status de política de Estado, referenciado pelas diretrizes da Política Estadual,
bem como pelo Estatuto do Idoso. Conforme se lê
Art. 1º O Programa Habitacional Cidade Madura tem como objetivo promover o
acesso da pessoa idosa à moradia digna e equipamentos para a convivência social e
lazer, constituindo-se em política de Estado, a ser implementado de acordo com as
diretrizes da Política Estadual para a Pessoa Idosa e em conformidade com o
Estatuto do Idoso (lei nacional nº 10.741, 1º de outubro de 2003), destinando-se: [...]
(PARAÍBA, 2018).
As competências conferidas aos dois órgãos (CEHAP e SEDH), que juntos devem
estabelecer as regras para implementação do respectivo programa se manteve o disposto no
antigo decreto. De acordo com o artigo 12 da nova lei, à CEHAP tem a incumbência de
gerenciar toda a fase de execução, entrega e manutenção das unidades habitacionais e os
equipamentos contidos e a SEDH a responsabilidade pela seleção e acompanhamento do
público ingressante, bem como a manutenção da equipe (recursos humanos) de apoio na
coordenação e execução do programa.
Além disso, terá a incumbência de promover o fortalecimento e a ampliação da rede
de proteção e defesa dos direitos das pessoas idosas se apresenta de forma subjetiva, apesar do
referido artigo, citar ações integradas, articuladas contemplando órgãos públicos e entidades
civis. Outro ponto que elenca a responsabilidade da SEDH, diz respeito ao monitoramento e
avaliação do Programa.
Nenhum beneficiário se tornará proprietário dos núcleos habitacionais. Neste sentido,
a unidade habitacional é um instrumento de Arrendamento Social. O beneficiário assina o
Termo de Autorização de Moradia (TAM) e dispõe do equipamento enquanto residir no
Condomínio. Quanto à responsabilidade da família, a lei mantém o que anteriormente já
mencionava o Decreto e amplia, conforme disposto:
Art. 6º A admissão da pessoa idosa no Programa Cidade Madura não exime os
familiares do dever de ajudá-la e ampará-la em caso de enfermidade ou em situações
em que os cuidados são imprescindíveis, nos termos do art. 229 da Constituição da
República.
Parágrafo único. A família da pessoa idosa será orientada de suas
responsabilidades, de acordo com o que rege a Lei Nacional nº 10.741/2003
(Estatuto do Idoso) e a legislação referente à Política Nacional e Estadual do Idoso,
mediante assinatura de termo de concordância com as regras deste Programa.
(PARAÍBA, 2018).
49
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 1988).
127
a família está inserida na sociedade, não é uma célula isolada. Coletivamente, família,
comunidade e sociedade (civil) são convocadas para atuarem como responsáveis pela
materialização do direito a determinados tipos de envelhecimento que coincidam com o
projeto societário vigente.
– como a questão da proibição dos dormitórios coletivos, a definição de horário para produção
de barulhos/ruídos, entre outros. Conforme se observa a família estava completamente
submetida às regras nas vilas operárias.
No caso dos Condomínios, o primeiro ponto elencado é sobre as condicionalidades
impostas às famílias e aos residentes. No caso do Programa Cidade Madura no estado da
Paraíba, disciplinado e organizado pela Lei Nº 11.260 de dezembro de 2018, estabelece estar
voltado para idosos (as) que residam sós, ou no máximo acompanhado de cônjuge. Em
contrapartida, no artigo sexto – parágrafo único – prevê a responsabilidade da família e a
obrigatoriedade da manutenção dos vínculos familiares. Assim, embora a Lei que rege o
Programa Cidade mencione a responsabilidade da família e da obrigatoriedade da manutenção
desses vínculos, enfatiza que o programa está voltado para pessoas idosas sozinhas ou
acompanhadas de cônjuge. Neste caso, a condicionalidade parece incongruente e nos faz
questionar os seguintes pontos: as pessoas idosas foram consultadas e participaram da
construção de tais parâmetros. Inclusive para decidir quem pode morar, por quanto tempo e
quem deve cuidar? E em segundo lugar sobre a garantia do direito de ir e vir destes familiares,
cujo acesso deve ser constante, mas até pernoite pode ser considerado coabitação.
Já o Programa Vila Dignidade, por intermédio do Decreto de Nº 56.448 de 29 de
novembro de 2010, declara-se destinado as pessoas idosas “preferencialmente” sós ou com os
vínculos familiares extremamente fragilizados, em decorrência de abandono em situação de
vulnerabilidade e pessoal risco social. [...] (São Paulo, 2010, artigo. II, inciso I- grifo nosso).
O segundo ponto elencado é que nestes locais estão proibidos animais de estimação.
Monteiro (2012) relata que na cidade de Itapeva, um dos idosos, desistiu do ingresso, ao saber
desta proibição. No Programa Cidade Madura a regra também é aplicada, pois de acordo com
os autores Morteira e Tucci (2018) uma das residentes cuida de 500 bichinhos de pelúcia, em
decorrência da proibição. Neste caso as regras podem refletir uma decisão, coletiva que conste
em Regimento Interno, porém não localizamos tal pressuposto, nos documentos oficiais,
como o decreto no caso dos condomínios em São Paulo e na lei que rege o Programa Cidade
Madura no estado da Paraíba.
Outra análise está relacionada com o controle nos espaços externos; Nas vilas
operárias, os espaços coletivos eram controlados, inclusive as brincadeiras infantis nas ruas
foram alvo de restrição. Além disso, a venda de bebidas alcoólicas em bares e em festas
prescindia permissão, e o catolicismo como imposição de credo religioso tanto para ingressar
quanto para professar, pois um padre era o responsável pela escola. Já nos Condomínios
129
Exclusivos para Idosos, apesar da menção de espaços de vivência na literatura analisada, não
fica muito claro como se dá a permissão/restrição para o uso de tais espaços. Inviabiliza
afirmar com precisão, que tal fato ocorra. Para analisar, mais amiúde seria necessário realizar
uma pesquisa com os residentes.
Destarte, é possível observar na lógica que orienta tanto o ingresso quanto a
permanência destas pessoas nos condomínios exclusivos, está contido, na legislação que
orienta, ampara e define os referidos espaços, ranços de proibicionismo e puritanismo, como
àqueles que outrora, forjaram as vilas operárias, conforme discutimos em tópico anterior. Vale
ressaltar que nas vilas, havia uma rígida imposição ao modo pelo qual a família podia dispor
dos momentos de lazer, inclusive, sobre a utilização dos equipamentos sociais, a realização
das festas, dentre outras. (Vianna, 2004). Porém, considerando as semelhanças e diferenças
destes formatos de intervenção na habitação para a classe trabalhadora, tanto nas vilas
operárias, quanto na atualidade, o cerne discussão é a reprodução da força de trabalho no
Estado capitalista.
Assim, diante da questão da habitação no Brasil, observa-se que a intervenção do
Estado não visa simplesmente equacionar a referida questão vivenciada pela população de
baixa renda (a classe trabalhadora pobre), mas sim, consubstancia em regulamentações para o
incremento deste mercado e, principalmente que tem historicamente privilegiado a elite
brasileira (independente de sua faixa etária). Deste modo, tanto o proibicionismo quanto o
puritanismo, citados por Gramsci, estiveram presentes no modelo e organização das unidades
habitacionais que monitoravam o tempo de trabalho e o tempo do não-trabalho dos operários
que ali residiam; E se revela de forma diferenciada nos Condomínios Exclusivos para as
pessoas idosas, conforme constatamos.
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou analisar a função social dos Condomínios Exclusivos para as
pessoas idosas no Brasil e sua relação com a reprodução da força de trabalho na sociabilidade
capitalista contemporânea.
Ao iniciar a pesquisa, havia a visão de que tais equipamentos eram excludentes e
seletivos, pois o ingresso estava ligado à questão da renda, além da idade e, voltado para a
classe trabalhadora envelhecente pobre, mas a finalidade de concluir o trabalho iniciado
impulsionou ir além da aparência para alcançar a essência do objeto. Nesse diapasão, refletiu-
se sobre o processo de reprodução da força de trabalho e seu rebatimento nos conceitos sobre
a velhice na sociedade, a fim de justificar a centralidade da categoria trabalho. Alguns
questionamentos foram analisados tais como: O que a categoria representa? A forma como o
valor atribuído ao trabalho na sociedade capitalista reverbera nas concepções sobre a velhice?
O ser humano estaria reduzido à condição de vendedor da sua força de trabalho sobre a
repercussão desta construção social nas políticas que compõem o Sistema de Proteção Social
à velhice no Estado brasileiro?
Os seres humanos, conforme aponta Marx (1985) ao longo do tempo, ao transformar a
natureza que os cercava também se modificaram e, desta maneira modificaram a sua própria
história. De fato, tal escolha foi fundamental, pois norteou o mergulho nas temáticas que
englobam o universo da velhice: desde as concepções, produzidas e reproduzidas nas esferas:
ideológica; política; social; cultural e, principalmente na esfera econômica. Admite-se que a
afirmativa de Paiva (2014, p.28) [...] o indivíduo que envelhece não está alijado de sua
história de vida enquanto ser social – [...].
Desta forma, elencar Marx, Engels, Lessa, José Paulo Netto, Mandel, Behring,
Boschetti, entre outros autores e autoras, bem como as discussões com o orientador da
pesquisa foram o lastro pelo qual se percorreu com a intenção de desvelar a respeito da
importância do trabalho, marco na história da humanidade, os modos de produção, com
ênfase no capitalismo, as discussões sobre Estado – surgimento e formato capitalista, sobre os
sistemas de proteção social, buscando correlacionar com o envelhecimento da classe
trabalhadora nesta contextualização histórica.
Destaca-se a importância de autoras como: Beauvoir; Haddad; Teixeira; Paiva;
Vilione, entre outras, pois viabilizaram ao longo deste estudo evidenciar que na sociedade
capitalista o envelhecimento humano – processo natural, biológico e heterogêneo, está
permeado pelas contradições inerentes deste modo de produção.
131
Desta feita, a classe pobre e trabalhadora (cuja força de trabalho foi explorada durante
toda a sua vida), passa ser considerada como população não economicamente ativa, ou
improdutiva, ao atingir a velhice. Para Haddad (1986) a respeito da velhice humana tem se
difundido um conjunto de ideias, valores e doutrinas, organizado de acordo com as
determinações básicas do modo de produção capitalista. Esta “ideologia da velhice” –
elemento fundamental no processo de reprodução das relações capitalistas. Portanto, na
sociabilidade capitalista, além de transformação das pessoas em mercadoria, a classe
trabalhadora está condenada a degradação. E, assim acrescenta que, de forma paradoxal, as
propostas para a reparação da “tragédia do envelhecimento”, têm como objetivo central
escamotear a problemática da exploração da mão de obra. (HADDAD, 1986, p.16).
Composto por um referencial teórico desafiador, este estudo desvela a respeito do
direito à moradia no Brasil. Bonduki, Rolnik, Maricato, Blay, Vianna abalizaram a discussão,
além de Engels, Gramsci e Carlos. A intenção era compreender o desenho da Política
Habitacional brasileira desde a sua gênese, considerando os contextos históricos, econômicos,
sociais e políticos para relacionar com o direito à moradia para a população idosa e finalmente
alcançar as ações voltadas exclusivamente para esta parcela da população como política
pública. No entanto, durante o trajeto percebeu-se a forte ligação entre a provisão da moradia
com a reprodução da força de trabalho, como ocorreu, por exemplo, em meados da década de
1920, quando surgiram as vilas operárias no país, consideradas neste estudo como proforma
da política habitacional brasileira – representaram distinta forma de controle ideológico da
classe trabalhadora.
Este achado desencadeou a necessidade de realizar uma análise do tipo comparativa
entre tais vilas (seguida pelo modelo adotado pelos IAPs) e os Condomínios Exclusivos para
as pessoas idosas que tem início no país a partir de 2007 na cidade de São Paulo.
Considerando os distintos contextos históricos, econômicos, sociais e políticos, tanto nas vilas
operárias quanto nos Condomínios Exclusivos para as pessoas idosas analisados, porém em
decorrência da ausência de dados, não foi possível comprovar se há, nestes espaços, a
existência de traços de Proibicionismo e Puritanismo sob o formato de regras do bem viver.
Com base nos dados bibliográficos, dois estados brasileiros foram pioneiros na
implantação de programas habitacionais com moradias exclusivas para as pessoas idosas. O
primeiro deles é o estado de São Paulo, no qual em 2007, surge a Vila dos Idosos – único no
formato Vertical, localizado no bairro do Pari I, em seguida o Programa Vila Dignidade
(presente em dois municípios: Itapeva e Avaré) e o Recanto Feliz. Todos esses condomínios
132
foram objeto de estudo de Monteiro (2012) que ao versar sobre as políticas habitacionais para
as pessoas idosas, dedica boa parte da sua tese sobre a composição dos Condomínios
Exclusivos.
No estado da Paraíba, o Programa Cidade Madura foi inaugurado em 2014, e
atualmente está presente em 06 municípios do estado: João Pessoa, Campina Grande,
Cajazeiras, Guarabira, Sousa e Patos. No que tange esta política, a mesma serviu de base para
as análises da pesquisa documental e dissertações sobre acessibilidade das áreas Design e
Desenvolvimento Urbano.
Em comum, observou-se que os dois estados utilizam a renda como um dos critérios
para inserção/exclusão das pessoas idosas nesta modalidade de habitação, podendo variar,
mas não excede o valor de até 05 (cinco) salários mínimos. Em São Paulo, o Programa Vila
Dignidade e o Pari I definem o valor de 01 (um) salário mínimo como critério para Ingresso.
Porém, o Programa Cidade Madura se difere, posto a renda mínima corresponder 25% da
renda familiar.
O traço diferencial ficou por conta do nível de complexidade nos quais os
condomínios estavam situados, em conformidade com o disposto pela PNAS (2004) e a
Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009). Assim, no estado de São Paulo o
programa está situado na Alta Complexidade, tendo em vista estar voltado para pessoas idosas
cujos vínculos familiares estejam rompidos. Porém no Programa Cidade Madura a ênfase se
dá no fortalecimento de tais vínculos e, portanto, está situado na Proteção Social Básica.
Ao constatar que atualmente os Condomínios Exclusivos para as Pessoas idosas
alcançaram status de política pública, e, principalmente, aparecem como sendo uma bela ação
do Estado que visa equacionar a problemática habitacional da população envelhecida deste
Brasil, surge durante a pesquisa outra faceta desta mesma questão, nem tão bela assim, mas
que chama muito a atenção: a tese que tais empreendimentos visam tão somente manter para a
classe trabalhadora que envelhece as (mínimas) condições para continuar vendendo sua força
de trabalho.
Destarte, se os problemas que compõem o universo da velhice saem da esfera privada
– como responsabilidade exclusiva da família – para a pública – o Estado, por meio das
políticas públicas, é possível observar nos aparatos legais que constituem tais políticas, forte
tendência à responsabilização individual da população sobre o tipo de envelhecimento que
vivenciará. Como é o exemplo do conceito sobre envelhecimento ativo, propalado pela OMS
que incorpora componentes claramente individuais que tendem homogeneizar a velhice, quais
133
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