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CURSO DE PSICOLOGIA
Salvador
2017
LÚCIA MARIA DA SILVA BARBOSA
Salvador
2017
LÚCIA MARIA DA SILVA BARBOSA
Aprovada em / / .
Banca Examinadora
___________________________________________________________________
Mestre em Cultura e Sociedade – UFBA, Pós-Graduado em Estudos Culturais – UNIJORGE,
Pós-Graduado em Atenção a usuários de álcool e outras drogas – UFBA.
_______________________________________________________________
Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA /2013
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA
Avaliador 2
_______________________________________________________________
Titulação
Dedico este trabalho a todas as pessoas trans, que com suas vidas doam a
sociedade heteronormativa a oportunidade do aprendizado da diversidade,
e de ser quem se é.
AGRADECIMENTOS
Simone de Beauvoir
BARBOSA, Lúcia Maria da Silva. Estratégias para o atendimento humanizado das
pessoas trans na atenção básica. 51 f. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso –
Curso de Psicologia, Faculdade Castro Alves, Salvador, 2017.
RESUMO
ABSTRACT
The following work analyzed the strategies for the humanized care of transgender
people in Primary Health Care. It was carried out through bibliographic research on
the subject in order to investigate how this care works and what measures are being
implemented to offer care Qualified to this population. It should be emphasized that
health professionals play an important role in the implementation of public policies
aimed at trans people, since they act in this context, in their professional lives. It
discusses how to promote the awareness and training of health workers in relation to
sexual and gender diversity, in accordance with the guidelines of the National Policy
for the Integral Health of Lesbian, Gay, Bisexual, Transvestite and Transsexual.
Throughout the three chapters, themes such as transgeneracy, a multidimensional
concept; Conceptual clarifications regarding the definition of gender; Contributions of
queer theory and connections of the transgender movement with feminism. In
addition, the main public health policies aimed at the transgender population and the
challenges faced by the LGBT population in access to health were presented. Finally,
the publications of the Ministry of Health and its strategies for implementing the
National LGBT Comprehensive Health Policy in Health Care Networks were
highlighted. It is concluded that the research on this subject is still insipient and that it
is necessary to invest in the training Of health professionals to provide more humane
care for transgender people.
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 TRANSGENERIDADE: UM CONCEITO MULTIDIMENSIONAL ............................ 14
2.1 DESCONSTRUINDO EQUÍVOCOS ENTRE IDENTIDADE DE GÊNERO E
SEXUALIDADE...................................................................................................... 16
2.2 CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA QUEER ........................................................ 18
2.3 UM OLHAR TRANSFEMINISTA ..................................................................... 20
3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE VOLTADAS PARA A POPULAÇÃO TRANS 23
3.1 O CUIDADO À SAÚDE DAS PESSOAS TRANS NA ATENÇÃO BÁSICA .. ....28
3.2 DESAFIOS VIVENCIADOS PELOS USUÁRIOS TRANS PARA O ACESSO À
REDE DE SERVIÇOS DAS UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE ............................ 30
4 CAPACITAÇÃO DOS TRABALHADORES DE SAÚDE PARA O ATENDIMENTO
HUMANIZADO ÀS PESSOAS TRANS NA ATENÇÃO BÁSICA............................35
4.1. ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS UTILIZADAS PELO SUS PARA
CAPACITAR OS TRABALHADORES SOBRE O CUIDADO À SAÚDE DAS
PESSOAS TRANS..................................................................................................38
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... ........45
6 REFERÊNCIAS ................................................................................................... ...47
9
1 INTRODUÇÃO
Relatórios de diversos países indicam que a saúde das travestis e transexuais tem
recebido crescente atenção mundial. Dados do projeto TransPULSE (2012)1,
realizado em Ontario, no Canadá, motivaram uma pesquisa2 na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), sobre a saúde de pessoas
trans, demonstrando que os profissionais de saúde, em geral, não têm experiência
para lidar com esse público. Isso, somado às barreiras institucionais, faz com que
essa parcela da população não acesse aos serviços de saúde com receio de
sofrerem discriminação.
Assim, apesar dos direitos que vão sendo aos poucos conquistados, e do esforço
dos movimentos sociais nesse sentido, registra-se, segundo Rocha et al (2010), a
1
Disponível em: http://transpulseproject.ca/. Acesso em 08/06/2017.
2
Pesquisa realizada na PUCRS com 626 pessoas trans. Disponível em:
http://www.pucrs.br/blog/pesquisa-alerta-sobre-saude-de-pessoas-trans/. Acesso em: 08/06/2017.
10
Esse cenário revela uma triste realidade sobre o Brasil: apesar da diversidade ética
e cultural histórica de que se constituiu o país, o preconceito e a falta de
conhecimento ainda se impõem como obstáculos à convivência pacífica entre os
indivíduos na sociedade, mesmo nos serviços de saúde, onde essas pessoas
deveriam ser acolhidas com a devida atenção.
A discriminação que impera nos diversos núcleos sociais faz com que essa
população sofra com a falta de acesso à educação, à saúde, ao mercado de
trabalho, dentre outros. Assim, muitos desses indivíduos sentem-se desamparados
pelo governo, e, sobretudo, pela sociedade em que vivem3.
A luta pela garantia desses direitos, no entanto, não cessa. A cartilha da “Política
Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais”,
publicada pelo Ministério da Saúde apresenta não apenas as Leis e Políticas
adotadas em defesa dessa população, como também reafirma o compromisso do
Sistema Único de Saúde com a “eqüidade, universalidade, integralidade e efetiva
participação dos diversos setores da sociedade”. Ressalta, ainda, a importância da
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
3
Idem
11
O que ocorre, no entanto, é que a efetiva aplicação dessas políticas tem esbarrado
em incontáveis fases burocráticas e preconceito por parte das pessoas que
deveriam garantir seu funcionamento (ROCON, et al., 2016). O modo de pensar e
agir dos profissionais de saúde mantém relação direta com as transformações das
redes de saúde para o melhor atendimento das pessoas trans. A assistência
prestada pelos profissionais de saúde a essa população, portanto, é influenciada de
modo subjetivo, pelas questões culturais oriundas de uma concepção
heteronormativa4 de sociedade que impõe o binarismo de gênero.
Tudo isso foi possível observar no dia a dia do meu trabalho enquanto Técnica de
Referência do Campo Temático LGBT da Secretaria Municipal de Saúde de
Salvador. É evidente o despreparo dos profissionais de saúde que atuam junto ao
atendimento dessa população, o que evidencia a necessidade de tornar efetiva as
políticas que se propõem a mudar esse quadro.
4
Por heteronormatividade entende-se a regulação do sexo, do gênero, do desejo e das práticas
sexuais nas categorias binárias masculino e feminino, distintas, complementares e hierarquizadas. In:
LEITE, M. S. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Pós-graduação Educação:
Currículo Revista e-curriculum ISSN: 1809-3876. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/view/5647. Acesso em 07/06/2017.
12
Lanz (2014) afirma que é importante que os estudos de gênero sustentem sua
análise não apenas no que está dentro das normas estabelecidas, mas que se
permita também discutir a transgeneridade sob a ótica dos fenômenos observáveis
na prática de transição e aceitação da identidade trans. A retomada sobre os
estudos de gênero, portanto, é necessária.
A questão de gênero pode ser observada a partir de muitos vieses, no entanto boa
parte da pesquisa realizada a esse respeito se concentra, preponderantemente, em
uma abordagem estática e categórica. Desse modo, a dimensão do gênero, na
sociedade, está relacionada, também, a uma dimensão social, se concentrando,
sobretudo, em questões identitárias.
15
A esse respeito, Connell (2016) esclarece que, quando o assunto é gênero, sempre
foram envolvidas, em geral, questões relacionadas à diferença entre duas
categorias: o masculino e o feminino. Desse modo, predominam as pesquisas
quantitativas sobre gênero, outras relacionadas às políticas públicas, mas dentro
dessa abordagem.
Para Berenice Bento, é na infância que todo o contexto é criado para a fabricação de
corpos sexuais e que é estabelecido um grande projeto de preparação de corpos
para a vida heterossexual. A experiência transexual5, no entanto, denuncia os
valores que estruturam os gêneros da sociedade (BENTO, 2003).
Desse modo:
5
Mulher transexual é aquela que reivindica o reconhecimento social e legal como mulher; homem
transexual é aquele que reivindica o reconhecimento social e legal como homem (JESUS, 2012a).
16
Outro ponto que reforça esse argumento é a reiteração das instituições sociais que
buscam materializar, nos corpos, essas “verdades da natureza”. O sistema, portanto,
rejeita as fissuras, as transgressões às normas, as instabilidades que caracterizam a
experiência transexual. Isso, na realidade, só reforça a ideia de que essa verdade é
construída (BENTO, 2003).
Uma das tentativas de evitar essa instabilidade em relação aos gêneros, segundo
Bento (2003) é a patologização, que funciona como uma tentativa de dar
manutenção as verdades que definem as características de tudo o que é
supostamente “saudável” dentro da normalidade social.
O problema conceitual é apontado por Jesus (2012) como uma das grandes
dificuldades em se discutir o tema sem reforçar antigos discursos. Nem sempre,
inclusive, as definições se encaixam em quaisquer reconhecimentos dos indivíduos,
ainda que hajam nomenclaturas utilizadas justamente para aqueles que não se
encaixam em nenhuma designação existente.
18
A teoria queer, utilizada pela primeira vez no final dos anos 1980, nos Estados
Unidos, ganhou destaque nas pesquisas sobre identidades trans e, aos poucos,
estabeleceu seu objeto de estudo: a dinâmica da sexualidade e do desejo nas
organizações sociais (MISKOLCI, 2009).
6
Transgênero é um conceito guarda-chuva que abrange o grupo diversificado de pessoas que não se
identificam, em graus diferentes, com comportamentos e/ou papéis esperados do gênero que lhes foi
determinado socialmente (Jesus, 2012a).
19
pressupostos do feminismo da maneira como eram vistos até então, propondo uma
forma mais ampla de se compreender o tema. Com a publicação de Problemas de
Gênero, nos anos 90, Butler discute as noções de essência do feminino ou do
masculino, propondo um empoderamento dos corpos subalternos (VIEIRA, 2016).
Sara Salih (2015) identifica Judith Butler como grande investigadora das questões
relacionadas a gênero e que dialoga com muitas áreas do conhecimento. Ao se
dedicar a instabilidade dos termos com os quais as identidades são construídas,
Butler propõe a reconstrução daquilo que o sujeito sempre vai consolidando e
entendendo como identidade. Assim:
De certo modo, é a partir de Butler que a questão de gênero passa a ser discutida,
partindo do feminismo, desconstruindo verdades absolutas e refletindo sobre as
mais diversas teorias e críticas sobre a formação do sujeito no contexto social. Além
disso, é na teoria queer que ela começa a questionar o sujeito feminino como uma
entidade estável e evidente (SALIH, 2015).
É preciso destacar, contudo, que o queer, como aponta Salih (2015), não está
preocupado em conceituar, com definições, fixidez ou estabilidade. Pelo contrário, é
transitório, múltiplo e avesso à assimilação. O principal objetivo da teoria queer,
portanto, é investigar e desconstruir categorias, propondo a desestabilização e
desconstrução de identidades sexuadas (SALIH, 2015).
Mas outra importante questão é trazida no texto e diz respeito a maneira como as
fronteiras e a superfície dos corpos são politicamente construídas. Para além da
20
Ainda segundo Jesus (2014), o texto de Aline de Freitas (2008), intitulado “Ensaio de
Construção do Pensamento Transfeminista”, pode ser citado como percussor na
22
A política Nacional de Saúde Integral LGBT é “uma política transversal com gestão e
execução compartilhadas entre as três esferas de governo e, na qual a articulação
com as demais políticas do Ministério da Saúde se torna imprescindível” (BRASIL,
24
2013, p. 27). Além disso, com essa política busca-se ampliar e garantir o acesso da
população LGBT aos serviços de saúde. Desse modo, é possível contribuir para o
combate à discriminação e ao preconceito institucional, além de oferecer o cuidado e
o acolhimento necessários, desde a atenção básica à especializada. (BRASIL,
2013).
Possui, ainda, diretrizes que, para serem viabilizadas, precisam de ações que dizem
respeito à qualificação profissional dos trabalhadores da área e de campanhas de
conscientização e informação para combater os principais obstáculos para o acesso
à saúde: o estigma e a discriminação. Nas diretrizes constam, dentre outros
quesitos:
III - inclusão da diversidade populacional nos processos de
formulação, implementação de outras políticas e programas voltados
para grupos específicos no SUS, envolvendo orientação sexual,
identidade de gênero, ciclos de vida, raça-etnia e território;
V - implementação de ações, serviços e procedimentos no SUS, com
vistas ao alívio do sofrimento, dor e adoecimento relacionados aos
aspectos de inadequação de identidade, corporal e psíquica relativos
às pessoas transexuais e travestis;
VII - inclusão da temática da orientação sexual e identidade de
gênero de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais nos
processos de educação permanente desenvolvidos pelo SUS,
incluindo os trabalhadores da saúde, os integrantes dos Conselhos
de Saúde e as lideranças sociais (BRASIL, 2013).
Para o (a) usuário (a) ter acesso aos procedimentos do processo transexualizador,
necessita ter a idade mínima de 18 anos, sendo que, no caso das cirurgias, somente
a partir de 21 anos, com indicação específica e acompanhamento prévio de 2 (dois)
anos por equipe interdisciplinar e multiprofissional. Após a cirurgia, o paciente deve
ser acompanhado por mais um ano (BRASIL, 2013).
Desse modo, é bem comum que pessoas trans procurem os serviços de saúde por
esse motivo, a fim de tratarem dos danos causados pelas práticas clandestinas de
reconstrução corporal. E, por esse motivo, a Política de Saúde LGBT prevê a
hormonioterapia, um método considerado seguro para realizar essa mudança. O que
ocorre, segundo Santos (2013), é que esse recurso está indisponível na maioria dos
serviços de saúde no Brasil.
Conforme Mello (ET AL, 2011), dentre a população LGBT, as pessoas travestis e
transexuais são as que mais enfrentam dificuldades ao buscarem atendimentos nos
serviços públicos de saúde. Isso acontece não só quando reivindicam serviços
especializados, como o processo transexualizador, mas em diversas outras ocasiões
nas quais buscam atendimento. Essas pessoas sofrem pela agressiva
8
Disponível em: http://blogs.correio24horas.com.br/mesalte/burocracia-atrasa-ambulatorio-para-trans-
e-travestis-na-bahia/#sthash.jIdpNAhm.dpuf. Acesso em: 20/05/2017
9
Disponível em: http://redetransbrasil.org/uploads/7/9/8/9/79897862/redetransbrasil_dossier_1.pdf
. Acesso em: 20/05/2017
27
Outro aspecto importante no reconhecimento dos direitos das pessoas trans está
relacionado ao seu avanço, contudo, a sua pouca efetivação. Isso porque, ainda que
se reconheça seus direitos, há uma barreira social, cultural e institucional que,
lastreada no desconhecimento, ainda faz com que os trabalhadores da saúde não o
pratiquem efetivamente. O preconceito e a discriminação são apenas duas facetas
desse problema.
28
De acordo a Portaria nº 2.488, a atenção básica deve cumprir algumas funções para
contribuir com o funcionamento das Redes de Atenção à Saúde, dentre elas:
A cartilha “Cuidar bem da saúde de cada um. Faz bem para todos. Faz bem para o
Brasil”, publicada pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2016), traz os componentes da
30
linha de cuidado que foi estruturada para os(as) usuários(as) trans, com demanda
para a realização do Processo Transexualizador:
1 - Atenção Básica: é o componente da Rede de Atenção à Saúde
(RAS) responsável pela coordenação do cuidado e por realizar a
atenção contínua da população que está sob sua responsabilidade,
adstrita, além de ser a porta de entrada prioritária do(a) usuário(a) na
rede;
1.1 - As Unidades Básicas de Saúde devem realizar o acolhimento, o
cuidado, o acompanhamento e, quando necessário, conforme
identificação prévia de suas demandas, o encaminhamento aos
serviços especializados no Processo Transexualizador (Atenção
Especializada).
2 - Atenção Especializada: é um conjunto de diversos pontos de
atenção com diferentes densidades tecnológicas para a realização
de ações e serviços de urgência, ambulatorial especializado e
hospitalar, apoiando e complementando os serviços da atenção
básica de forma resolutiva e em tempo oportuno.
2.1 - Os serviços especializados no Processo Transexualizador
(Atenção Especializada) devem realizar o acolhimento, o cuidado, o
acompanhamento dos(as) usuários(as) com demanda no Processo
Transexualizador, para realização de procedimentos ambulatoriais
e/ou cirúrgicos, contemplados pela Portaria nº 2.803, de 19 de
novembro de 2013 (BRASIL, 2016, p. 20) (grifos do autor).
O tratamento de saúde, por vezes, é abandonado pela pessoa trans, visto que o
sistema não lhe fornece as vias necessárias para um atendimento acolhedor e que
ofereça a possibilidade de que o acesso à saúde seja feito sem que ele precise se
sentir envergonhado pela forma que é recebido nas unidades. Às vezes, isso
acontece pela rejeição da identidade de gênero com a qual a pessoa se identifica,
direito que é negado por alguns profissionais de saúde.
Guaranha (2015) destaca que essas circunstâncias são comuns e acontecem, via de
regra, por causa do “jogo desigual de forças” que, diante do “poder biomédico, que
controla os recursos terapêuticos”, que possuem aqueles que têm a prerrogativa de
decidir quem deve receber tratamento e quando e como isso deve acontecer.
Vê-se que a percepção das pessoas trans em relação à atenção primária à saúde,
no recorte realizado, é de que os profissionais não estão devidamente preparados
para oferecer um atendimento humanizado e respeitoso. Ora, o nome social é o
primeiro impasse criado nesses casos, pois já no momento do primeiro contato, na
realização do cadastro, essas pessoas têm dificuldade de serem aceitas.
34
Além disso, muitos são os casos em que as pessoas trans terminam “se
acostumando” com esse tipo de atendimento discriminatório, e nem sentem mais
que possuem o direito de serem tratadas de outra forma. Tal condição só aumenta a
condição social excludente, em que as mesmas estão expostas.
Outro ponto que não deve ser ignorado pelos profissionais nos serviços de saúde da
atenção básica, é que a pessoa trans não precisa só de hormonioterapia, de cirurgia
redesignação sexual, mamoplastia e afins. Pessoas trans também têm doenças
crônicas, como a hipertensão arterial e diabetes, têm gripes, precisam se vacinar, ou
seja, são seres humanos com necessidades básicas de atendimento. O grande erro,
segundo Kruger (2016), é focar demasiadamente nos aspectos relacionados ao
processo transexualizador, esquecendo-se que existe todo um sistema de atenção
primária que deve ser contemplado de acordo com suas necessidades individuais.
35
A Portaria nº 278, de 27 de fevereiro de 2014, por sua vez, institui novas diretrizes
para a implementação da Política de Educação Permanente em Saúde no SUS.
Além de reiterar os princípios e diretrizes da EP como estratégia para formação e
desenvolvimento dos trabalhadores da Saúde.
10
Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/1174-
sgep-raiz/lgbt/19324-plano-operativo. Acesso em: 01/06/2017.
11
Disponível em: http://www.conass.org.br/biblioteca/wp-content/uploads/2011/02/NT-54-2011-
LGBT.pdf. Acesso em: 01/06/2017.
38
12
Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/1174-
sgep-raiz/lgbt/19324-plano-operativo. Acesso em: 01/06/2017.
39
que articulem saberes e práticas para que atenção integral atinja seu principal
objetivo: ser integral, resolutiva e humanizada.
A formação, segundo Sarreta (2009), parte da necessidade dos sujeitos, por isso
contém elementos que podem aprimorar o processo de trabalho. No entanto, há
alguns avanços e contradições nesse processo, que dizem respeito à própria
concepção que se tem, no contexto brasileiro, sobre educação, que em geral
priorizam o mercado, que tem uma perspectiva quantitativa, e não qualitativa.
Nacional de Saúde Integral LGBT, é o curso da UNA-SUS, que tem como objetivo
contribuir com a eficácia dessa Política, e foi promovido pelo Ministério da Saúde,
em parceria com a Secretaria Executiva da Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS)
e a UNA-SUS da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UNA-SUS/UERJ).
No relato de experiência realizado por Mercês (ET AL, 2016) sobre as estratégias na
área de educação realizadas a partir da Política Nacional de Saúde Integral LGBT,
os autores enfatizam a importância do curso realizado pelo UNA-SUS no programa
de Educação Permanente estruturado a partir de situações do cotidiano dos
profissionais de saúde e da população LGBT.
A metodologia utilizada pelo curso, pensada a partir dessa estrutura, revela uma
preocupação no que diz respeito ao desenvolvimento de competências diversas
para atuação profissional e humanização do atendimento oferecido na área de
saúde a fim de aprimorar a relação entre teoria e prática e garantindo à população
LGBT acesso à saúde integral (MERCÊS, ET AL, 2016).
O curso propõe, portanto, uma reflexão acerca dos direitos da população LGBT na
medida em que incentiva a discussão a respeito das suas origens e busca um
acolhimento humanizado nas unidades de saúde. Além disso, sua expectativa é
gerar conhecimento científico, humanístico e ético-social, a fim de proporcionar
qualidade de vida para essa população e garantir o respeito aos direitos humanos
através das reflexões que suscitará.
Outro dado importante diz respeito à quantidade de inscritos: 34.537 sendo eles, em
parte, trabalhadores de unidades básicas e centros de saúde. Entre as categorias
profissionais da área de saúde que mais buscaram o curso estão os enfermeiros
(21%), psicólogos (17,3%) e assistentes sociais (15,2%), seguidos pelos técnicos de
enfermagem. Trata-se de um resultado expressivo para um curso à distância14.
Ainda que seja voltado para os profissionais de saúde do Sistema Único de Saúde
(SUS), especialmente os que atuam na Atenção Básica, ele está disponível para a
população em geral, o que muito o enriquece, visto que muitos outros profissionais,
em todas as áreas, podem também ter acesso a informações tão importantes.
13
Disponível em: http://u.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/261-sgep?start=40.
Acesso em: 31/05/2017.
14
Idem.
15
Disponível em: http://www.conasems.org.br/ministerio-da-saude-lanca-campanha-voltada-a-saude-
da-populacao-trans/. Acesso em: 31/05/2017.
42
Palestras como essas são úteis para informar e alertar os profissionais de saúde
sobre o procedimento a ser executado no atendimento às pessoas trans, evitando
possíveis constrangimentos e o aumento da vulnerabilidade a que já estão expostos
17
Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cuidar_bem_saude_cada_um.pdf.
Acesso em: 02/06/2017.
18
Idem.
44
na procura por outros serviços públicos e no próprio convívio social. Ainda que a
modificação cultural das pessoas que lidam com esse atendimento seja lenta, é
preciso persistir nessa mudança19.
19
O Telessaúde Bahia é um componente do Programa de Requalificação das Unidades Básicas de
Saúde (UBS) que visa a ampliar a resolubilidade da Atenção Primária e promover sua integração com
o conjunto da Rede de Atenção à Saúde. Disponível em:
http://telessaude.ba.gov.br/evento/webpalestra-transexualidade-na-rede-sus-a-partir-da-atencao-
basica/. Acesso em 21/05/2017.
45
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora muitas mudanças ainda sejam necessárias, foi possível, nos últimos anos
algum avanço no que diz respeito às Políticas Públicas referentes às propostas para
oferecer, à população trans, um acesso à saúde mais adequado e humanizado.
A política e todos os dispositivos legais que fazem parte dela, elaborada pelo
Ministério da Saúde, bem como as campanhas de conscientização, demonstram o
interesse em mudar esse cenário, no entanto o caminho para a implementação,
garantia e consolidação dos direitos da população LGBT no Brasil ainda é longo.
Muitas equipes de saúde, contudo, ainda não estão preparadas para atender a
demanda dessa população, pois apresentam dificuldades no tocante ao uso do
nome social, causando inclusive constrangimentos a essas pessoas. Essa é primeira
grande dificuldade que a pessoa trans encontra ao procurar as unidades de saúde.
Tendo em vista toda essa dificuldade porque passa o usuário trans no acesso à
saúde esse trabalho discutiu a promoção de ações para capacitar os trabalhadores
da Atenção Básica, ressaltando os conceitos de gênero, sexualidade,
transgeneridade, que em geral são utilizados de maneira equivocada durante o
atendimento, e as propostas de modificação desse quadro, com políticas públicas
46
É preciso que toda a sociedade, de maneira mais ampla, esteja pronta para aceitar a
diversidade de gênero como uma realidade nos diferentes meios sociais, através de
uma visão sem preconceitos e que agregue, ao invés de excluir, que reconheça os
seus direitos como legítimos, a fim de proporcionar um mundo mais receptivo à
diversidade.
47
6 REFERÊNCIAS
BENTO, B. Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal.
Revista Contemporânea ISSN: 2236-532X v. 4, n. 1 p. 165-182 Jan.–Jun. 2014.
______. Ministério da Saúde. Cuidar bem da saúde de cada um: Faz bem para
todos. Faz bem para o Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cuidar_bem_saude_cada_um.pdf.
Acesso em 01 de jun. de 2017.
______. Ministério da Saúde. Carta dos direitos dos usuários da saúde. Brasília:
Ministério da Saúde. 2006.
SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria Queer. Trad. Guacira Lopes Louro. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
VIEIRA, Helena. O que é a Teoria Queer, de Judith Butler? (2016). Disponível em:
http://paradasp.org.br/o-que-e-a-teoria-queer-de-judith-butler/. Acesso em: 17 de jan.
2017.