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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

A ASSISTÊNCIA À SAÚDE DE PESSOAS TRANSEXUAIS: ASPECTOS HISTÓRICOS

DO PROCESSO TRANSEXUALIZADOR NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Mably Jane Trindade Tenenblat

Rio de Janeiro
Abril de 2014
Mably Jane Trindade Tenenblat

A ASSISTÊNCIA À SAÚDE DE PESSOAS TRANSEXUAIS: ASPECTOS HISTÓRICOS

DO PROCESSO TRANSEXUALIZADOR NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Dissertação de Mestrado a ser


apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em
Serviço Social do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ.

Orientador: Prof. Dr. Guilherme Silva de Almeida.

Rio de Janeiro
Abril de 2014
Mably Jane Trindade Tenenblat

A ASSISTÊNCIA À SAÚDE DE PESSOAS TRANSEXUAIS: ASPECTOS HISTÓRICOS

DO PROCESSO TRANSEXUALIZADOR NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Aprovada em 30 de Abril de 2014.

Orientador: _________________________________________
Prof. Dr. Guilherme Silva de Almeida
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
(UERJ)

Banca Examinadora: _________________________________________


Dra. Daniela Murta Amaral
Instituto de Medicina Social – IMS/UERJ

_________________________________________

Dra. Flávia do Bonsucesso Teixeira


Universidade Federal de Uberlândia (MG)

_________________________________________
Dr. Maurílio Castro de Matos
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
(UERJ)
CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CBC

Tenenblat, Mably Jane Trindade


A Assistência à Saúde de Pessoas Transexuais: aspectos históricos do
Processo Transexualizador no Estado do Rio de Janeiro.

Orientador: Dr. Guilherme Silva de Almeida

Dissertação de Mestrado – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,


Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.

__________________________________________________________

Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos a reprodução total


ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.

Assinatura Data
_________________________ ____________________
Se procurar bem, você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida.
Mas a sua (inexplicável) poesia!

(Carlos Drummond de Andrade)


DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado à determinação inquebrantável de homens e mulheres


transexuais que tive a honra de conhecer.
AGRADECIMENTOS

Parte considerável de um trabalho intelectual resulta de esforços


coletivos. Afinal, é o debate com professores, pesquisadores e colegas que
move o pensamento na direção de indagações pertinentes, estimulando
profícuas e calorosas discussões que, por sua vez, incidem sobre novos e
desafiadores questionamentos.

Durante os dois anos de mestrado e no âmbito da pesquisa de campo


que deu suporte a presente dissertação, recebi o apoio de muitas pessoas
que, de alguma forma, contribuíram para seu resultado final. Para não correr o
risco de esquecer alguém, agradeço de antemão a todos que passaram pela
minha trajetória acadêmica e, particularmente, a alguns interlocutores pela
contribuição direta na construção e consolidação deste trabalho.

Ao professor e orientador Dr. Guilherme Silva de Almeida, agradeço


pelos subsídios teóricos que nortearam a construção da pesquisa de campo e
balizaram os limites deste trabalho, por ter sido companheiro ao longo de toda
a orientação e pelos recorrentes "embates" que travamos dentro e fora da
UERJ. A ele agradeço, ainda, pelo privilégio de ter sido sua aluna, pelas
brilhantes observações que ampliaram meu campo de visão e, mais
importante, pela oportunidade de conviver com uma pessoa dotada de
tamanha generosidade, doçura e afeto.

Agradecimentos inestimáveis aos profissionais e estagiários do Centro


de Referência e Promoção da Cidadania LGBT do Estado do Rio de Janeiro
que sempre me acolheram neste percurso, em especial a Cláudio Nascimento,
Almir França, Sheila Corrêa, Majorie Marchi e Ernane Alexandre, pela parceria,
pelos grandes ensinamentos e pela inserção no universo LGBT.

Ao Dr. Eloísio Alexsandro da Silva, os agradecimentos são devidos


pela colaboração direta no resgate da história da atenção à saúde das pessoas
transexuais no Estado do Rio de Janeiro. Além disso, gostaria de eximi-lo de
quaisquer responsabilidades pelo conteúdo desta dissertação, que constitui,
afinal de contas, mera visão pessoal de uma discussão coletiva.
Igualmente agradeço a todas as pessoas que fizeram parte da
pesquisa de campo e que tão generosamente doaram seu tempo e suas
narrativas de vida, especialmente a João W. Nery – dono de uma sensibilidade
ímpar e fonte de relevantes informações –, a quem sou grata, ainda, pela troca
de ideias e pela coragem e desprendimento em compartilhar suas singulares
experiências.

À professora Dra. Daniela Murta Amaral pelos muitos ensinamentos


durante a qualificação do projeto de pesquisa e pelo envio do material teórico
que deu apoio ao 1º capítulo desta dissertação.

Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social


da UERJ, em especial às professoras Dra. Silene de Moraes Freire, Dra.
Mônica de Alencar e Dra. Alba de Castro, pelo estímulo acadêmico,
contribuições teóricas e ensinamentos pertinentes e lúcidos durante todo o
curso.

À professora Dra. Marilda Villela Iamamoto, pela maestria na


transmissão de seus conhecimentos, pela sabedoria e incentivo ao longo
dessa jornada e pela sensibilidade que a diferencia como educadora.

Aos grandes amigos que ganhei durante o mestrado – Adriano,


Simone, Carol, Márcio, Aline, Diego e Giowana –, pela amizade que se
estendeu para além dos muros da universidade, pelo apoio no decorrer do
curso e pelas tardes que partilhamos durante nossas longas horas de estudo.

Agradeço também a Rafael, Ladeira, Rafaelle, Karine, Janaina, Sylvia,


Pollyana, Sobral, Luana, e Elizia com quem dividi a angústia dos prazos e a
alegria das comemorações. À Daiane, com quem tive a honra de atravessar a
jornada acadêmica, por sua generosidade e ouvidos sempre atentos.

Meu agradecimento todo especial a Fabio, não apenas pelo amor, mas
pela compreensão e apoio que garantiram a tranquilidade necessária à
elaboração desta dissertação. Agradeço, ainda, pela colaboração na revisão
final deste trabalho, dedicando sábados, domingos e feriados sob um verão
escaldante no Rio de Janeiro (eu sou muito mais feliz depois de você!).
Não poderia deixar de ser grata à minha família, por toda a dedicação
e amor, principalmente aos meus filhos Joãozinho e Lili, por tolerarem os
momentos de ausência e estresse durante os meses de elaboração desta
dissertação (vocês são a prova irrefutável de que a vida vale a pena!).

Por fim, agradeço também à FAPERJ, pelo financiamento da pesquisa


por meio da bolsa de mestrado.
RESUMO

A presente dissertação analisa a implementação do Processo


Transexualizador no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), à luz do
ideário do Movimento de Reforma Sanitária e de uma perspectiva histórica da
política de saúde pública brasileira, detendo-se nas particularidades do Estado
do Rio de Janeiro. Discutem-se alguns aspectos da transexualidade
relacionados à esfera pública e à efetiva materialização dos direitos da
população LGBT, em particular o acesso à saúde de pessoas transexuais. O
recorte temporal compreende o período de 1970, quando se iniciam as
primeiras cirurgias de transgenitalização no Brasil, a 2008, ano das portarias
que instituíram o referido processo. Como instrumentos e técnicas de
investigação qualitativa, foram privilegiados o trabalho de campo e a entrevista
semiestruturada, tendo sido entrevistados(as) profissionais que atuaram em
instituições de saúde que dispunham de programas voltados especificamente à
população transexual no Estado do Rio de Janeiro e usuários(as)
atendidos(as) por estas instituições. Diante do cenário de discriminação e
estigma, muitas vezes fruto do desconhecimento e de informações deturpadas
sobre transexualidade, pretende-se conferir maior visibilidade às demandas por
direitos de pessoas transexuais, evidenciando a complexidade de tais
demandas, bem como as fragilidades do modelo de atenção à saúde
subjacente aos mencionados programas. Pretende-se, ainda, contribuir para o
fomento da produção acadêmica do Serviço Social, relativamente limitada
nesta área.

Palavras-chave: Processo Transexualizador, Transexualidade, Movimento de


Reforma Sanitária, Sistema Único de Saúde (SUS) e Serviço Social.
ABSTRACT

This dissertation examines the implementation of the sex reassignment process


in the Unified Health System (SUS), from the ideals of the Health Reform
Movement and a historical perspective of the Brazilian public health policy,
focusing on the particularities of the State of Rio de Janeiro. Some aspects of
transsexuality related to the state's sphere and to the effective realization of the
rights of the LGBT population are discussed, particularly the access to health
care for transsexual people. The time frame covers the period from 1970, when
the first reassignment surgeries were started in Brazil, and 2008, when such
process was officially instituted. The applied methodology favored, as tools and
techniques of qualitative research, were fieldwork and semi structured interview
with professionals who have worked in the health institutions that had programs
geared specifically to transsexual population in the State of Rio de Janeiro and
users of health services of these programs. In this scenario of discrimination
and stigma, often the result of ignorance and misrepresented information about
transsexuality, it is intended to give greater visibility to the health demands of
transsexuals, showing the complexity of such demands as well as the
weaknesses of the model of healthcare behind the aforementioned programs. It
is also intended to contribute to the fomentation of academic production of
Social Work, which is relatively limited in this area.

Keywords: Sex Reassignment Process, Transsexuality, Health Reform


Movement, Unified Health System and Social Service.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABGLT Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis

ABIA Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS

ABL Articulação Brasileira de Lésbicas

AIDS Síndrome de Imunodeficiência Adquirida

ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar

ANTRA Associação Nacional de Travestis e Transexuais

APA American Psychiatric Association (Associação Americana


de Psiquiatria)

BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CADH Convenção Americana de Direitos Humanos

CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

CEP Comitê Ético de Pesquisa

CFESS Conselho Federal de Serviço Social

CFM Conselho Federal de Medicina

CFP Conselho Federal de Psicologia

CID Classificação Internacional de Doenças

CNS Conferência Nacional de Saúde

CNT Coletivo Nacional de Transexuais

CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira

CR LGBT Centro de Referência LGBT


CRESS Conselho Regional de Serviço Social

DSM Manual Diagnóstico e Estatístico das Desordens Mentais

DST Doença Sexualmente Transmissível

ENSP Escola Nacional de Saúde Pública

ENTLAIDS Encontro Nacional de Travestis e de Transexuais

FAPERJ Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do


Estado do Rio de Janeiro

FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz

GAPA Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS

GEN Grupo de Atenção Integral à Saúde Transexual

GGB Grupo Gay da Bahia

GPV Grupo Pela Vida

HSH Homens Que Fazem Sexo com Homens

HUCFF Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

HUPE Hospital Universitário Pedro Ernesto

IAP Institutos de Aposentadorias e Pensões

IEDE Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione

IGLHRC International Gay & Lesbian Human Rights Commission


(Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e
Lésbicas)

IML Instituto Médico Legal

IMS Instituto de Medicina Social

INPS Instituto Nacional de Previdência Social


INSS Instituto Nacional do Seguro Social

LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

MS Ministério da Saúde

OMS Organização Mundial de Saúde

ONG Organização Não-Governamental

PNS Plano Nacional de Saúde

SAS Secretaria de Atenção à Saúde

SBU Sociedade Brasileira de Urologia

SEASDH Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos

SNS Sistema Nacional de Saúde

SOS Sexual Orientation Scale (Escala de Orientação Sexual)

SUPERDIR Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TFD Tratamento Fora do Domicílio

TIG Transtorno de Identidade de Gênero

UDN União Democrática Nacional

UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFAL Universidade Federal de Alagoas

UFES Universidade Federal do Espírito Santo

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul


UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

USP Universidade de São Paulo

WHO World Health Organization (Organização Mundial de


Saúde)
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................15

1. RELAÇÕES DE GÊNERO E CONTROVÉRSIAS NAS COMPREENSÕES


DE TRANSEXUALIDADE ........................................................................... 24
1.1 Alguns Olhares sobre Sexo e Gênero .............................................. 24
1.2 Compreensão de Transexualidade como “Transtorno Mental” ........ 29
1.3 Compreensão de Transexualidade como Desdobramento de Gênero
................................................................................................................. 34
1.4 Despatologização da Transexualidade ............................................. 37
1.5 Reflexos da Transexualidade no Cenário Jurídico ......................... 42

2. ASPECTOS HISTÓRICOS DA POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA


BRASILEIRA .............................................................................................. 47

2.1 Da Assistência Filantrópica ao Estado Higienista do Século XIX .... 48


2.2 Da Proclamação da República à Revolução de 1930 ...................... 51
2.3 Era Vargas e Governo JK ................................................................. 54
2.4 Ditadura Militar ................................................................................. 59
3. TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE DE PESSOAS
TRANSEXUAIS NO BRASIL ...................................................................... 62
3.1 Antecedentes Históricos ................................................................... 62
3.1.1 Reforma Sanitária ...................................................................... 62
3.1.2 Repercussões da AIDS ............................................................. 64
3.2 Transformações da Década de 1980 ............................................... 72
3.3 Possibilidades do SUS sob a Ofensiva Neoliberal ........................... 75
3.4 Política de Saúde nos Anos 2000 ..................................................... 81
3.5 Cenário Político da Regulação do Processo Transexualizador
................................................................................................................. 84
4. ATENDIMENTO À SAÚDE DE PESSOAS TRANSEXUAIS NO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO ................................................................................ 90
4.1 Metodologia de Pesquisa ............................................................. 90
4.2 Participantes da Pesquisa ............................................................ 94
4.3 IEDE: O Pioneirismo e a Ousada Iniciativa de uma Equipe ......... 95
4.3.1 Hormonioterapia: Entraves e Limitações no Acesso ............. 98
4.3.2 Anos 2000: Dificuldades, Avanços e Retrocessos ...............102
4.4 HUCFF/UFRJ: da Interpelação de uma Usuária à Indiferença da
Direção ............................................................................................. 107
4.4.1 Perfil dos(as) Usuários(as) .................................................. 111
4.4.2 Dificuldades do Atendimento ...........,,,................................. 113
4.4.3 Encerramento do Programa ................................................ 120
4.5 HUPE/UERJ: de uma Determinação Judicial à Unidade de Atenção
Especializada ................................................................................... 122
4.5.1 Origem do Atendimento ...................................................... 123
4.5.2 Reflexões acerca de um Programa ..................................... 125
4.5.3 Perfil dos(as) Usuários(as) .................................................. 128
4.5.4 Filas de Espera: Alta Demanda e Oferta Insuficiente de Vagas
...................................................................................................... 130
4.5.5 A Importância do Serviço Social no Processo Transexualizador
do HUPE ...................................................................................... 135
4.6 Vidas Marcadas por Violações e Sofrimentos ................................. 142
4.7 A Portaria nº 457/2008: o que mudou? ........................................... 146

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 151

REFERÊNCIAS ..................................................................................... 155


6 – ANEXOS .............................................................................................. 171
ANEXO I: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE ......... 171
ANEXO II: Roteiro de Entrevista com Usuários(as) .............................. 173
ANEXO III: Roteiro de Entrevista com Profissionais de Saúde ............. 175
ANEXO IV: Portaria MS nº 1.707/2008 ................................................. 178
ANEXO V: Portaria SAS/MS nº 457/2008 ............................................. 180
ANEXO VI: Portaria MS nº 2.803/2013 ................................................. 187
ANEXO VII: Resolução CFM nº 1.482/1997 .......................................... 212
ANEXO VIII: Resolução CFM nº 1.652/2002 ......................................... 214
ANEXO IX: Resolução CFM nº 1.955/2010 ........................................... 217
ANEXO X: Resolução CFESS nº 489/2006 ...........................................221
ANEXO XI: Resolução CFESS nº 615/2011 ......................................... 224
INTRODUÇÃO

Na maior parte do século XX, a sexualidade humana e os estudos


sobre sexo e gênero foram amplamente ignorados como objeto de reflexões e
pesquisas sociais. Com efeito, na medida em que, aparentemente, guardaria
pouca relação com problemas mais cruciais e imediatos da vida social, era
mais fácil limitar o tema sexo ao âmbito das ciências biomédicas, campo que
permite relegá-lo a obscuros tratados médicos ou práticas psiquiátricas
restritas.

Mais recentemente, porém, a marginalização da sexualidade e sua


submissão ao olhar e ao poder biomédico começaram a ceder lugar a uma
análise política e social mais abrangente. Assim, especialmente a partir de
meados da década de 1980, iniciou-se – inclusive no Brasil – a expansão de
pesquisas sociais sobre sexualidade e gênero, com a elaboração de diversos
estudos por acadêmicos das Ciências Sociais, da Psicologia Social, da
Antropologia, do Serviço Social e de outras áreas.

Nos últimos anos ampliaram-se as discussões que – ao contrário de


grande parte dos trabalhos pioneiros – não têm como foco exclusivo as
mulheres, mas incluem temas como a masculinidade e abordam as relações
de gênero de forma mais ampla.

Nesse cenário, floresceram, também, diversas pesquisas específicas


acerca de transexualidade – temática que vem crescendo substancialmente –,
sobretudo por conta das transformações socioculturais relacionadas à
visibilidade pública do movimento LGBT 1. Paralelamente, a internet
potencializou o acesso a informações sobre transexualidade e ao relato de
experiências trans, difundidas, ainda, por manifestações artísticas, livros,
documentários, dissertações, teses e outros meios de multimídia.

1
O uso da sigla LGBT – que significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – foi
acordado e difundido a partir da II Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos
Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, realizada no período de 15 a
18 de dezembro de 2011 em Brasília.

15
O presente trabalho, cujo campo de pesquisa limita-se ao Estado do
Rio de Janeiro, coincide com esse crescimento e aborda um dos inúmeros
aspectos relacionados à transexualidade, mais precisamente o Processo
Transexualizador, compreendido como o conjunto de alterações corporais e
sociais que consubstanciam a transição do gênero atribuído para o gênero
identificado, sendo a cirurgia de redesignação sexual uma das etapas deste
processo (Bento, 2008).

Cabe salientar que tal terminologia constitui um equívoco e, por isso,


sua utilização vem sendo bastante criticada, não apenas por profissionais de
saúde, mas também por militantes e acadêmicos, para quem falar em
Processo Transexualizador significa limitar a autonomia dos indivíduos, sendo
que o atendimento deve ser centrado em seus desejos e determinações e não
numa estrutura que os exclui do processo de decisão. Todavia, a expressão
será utilizada nesta dissertação por constar nas normas do Ministério da
Saúde, bem como por falta de alternativa consensual.

A abordagem da questão em descompasso com as especificidades


atinentes à área da saúde não se revela viável. Por conseguinte, é de crucial
importância para o tema a análise da trajetória do Sistema Único de Saúde
(SUS), em consonância com o ideário da Reforma Sanitária.

Discutir transexualidade, contudo, é sempre muito arriscado. A tensão


é obvia, pois se trata de terreno movediço, com resultados que não convergem
para nenhuma possibilidade de certeza. Ademais, há enorme responsabilidade
intelectual e ético-política, diante da delicadeza do tema, temperada pelo
receio de não se conseguir abordá-lo com sensibilidade, lucidez e
aprofundamento necessários.

Não obstante os mencionados desafios, poucas temáticas são tão


complexas e fascinantes quanto a transexualidade, especialmente por se tratar
de um processo no qual as pessoas “transcendem os limites do binarismo
fundado na assignação sexual pela aparência dos órgãos genitais que
acompanha (e, algumas vezes, precede) o nascimento” (Almeida, 2012b:03).

16
Cabe ressaltar que a escolha desta temática de pesquisa partiu da
experiência profissional na coordenação – atualmente afastada em razão do
mestrado – de um dos Centros de Referência e Promoção da Cidadania LGBT
(CR LGBT2) do Rio de Janeiro, órgão público específico de atendimento à
população discriminada em decorrência de homofobia e sexismo.

O referido Centro de Referência integra a estrutura do Programa


Estadual Rio Sem Homofobia3, sob a gestão da Superintendência de Direitos
Individuais, Coletivos e Difusos (SuperDir) da Secretaria de Estado de
Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro (SEASDH/ RJ).

Tal experiência possibilitou observar as intervenções profissionais dos


assistentes sociais junto à população transexual, decorrentes de matriz
bastante diversificada de demandas dos usuários, advindas da demora na
realização de procedimentos cirúrgicos, de conflitos familiares causados pela
rejeição e das restrições na rede de apoio.

Outras histórias relatavam os constantes problemas relacionados ao


uso de hormônios e consequentes modificações corporais e, por outro lado, a
esperança e a alegria da inserção no programa transexualizador, com
possibilidades reais e concretas de realização da cirurgia de transgenitalização,
esta última considerada por muitas pessoas transexuais como a realização do
sonho de uma vida inteira.

Ademais, como condições que agravam a angústia e sofrimento da


população transexual, foram ainda constatados: obstáculos no acesso ao
Tratamento Fora do Domicílio (TFD), fragilidades da cobertura previdenciária,
dificuldades de inserção no mercado de trabalho, limitações na obtenção de

2
Existem atualmente quatro Centros de Referência (CRs LGBT) em funcionamento no Estado
do Rio de Janeiro: CR Capital (onde atuo como uma das coordenadoras), CR Nova Friburgo,
CR Duque de Caxias e CR Niterói, com expectativa de abertura de outros serviços semelhantes
em Nova Iguaçu e em outras regiões do Estado.
3
O Programa Rio sem Homofobia objetiva combater a discriminação e a violência contra a
população LGBT, promovendo sua cidadania e respeitando as suas especificidades em todo
território fluminense. Por meio da disseminação de informações e da defesa de direitos, o
programa atua no combate à homofobia, bem como na produção, implementação e
monitoramento de políticas públicas transversais, em todas as áreas de Governo. O Programa
Estadual Rio Sem Homofobia estabelece ações e metas, monitorando e avaliando as diretrizes
inspiradas no Brasil Sem Homofobia. Informações disponíveis no site oficial do programa:
http://www.riosemhomofobia.rj.gov. Último acesso em 09 de julho de 2013.

17
medicamentos e discriminação nos diversos espaços sociais, principalmente
em questões relacionadas a registros de identidade e a outros documentos.

A inserção no mundo do trabalho é mais uma experiência altamente


limitadora para várias mulheres e homens transexuais, pois, não obstante a
satisfação subjetiva com a própria identidade em suas relações cotidianas –
obtida a partir das modificações corporais –, a não adequação dos documentos
civis perpetua e agrava a situação de clandestinidade (Almeida, 2012a).

A realidade de sofrimento, humilhações, repúdio familiar, segregação


social e cotidiano de situações vexatórias das pessoas transexuais, ao mesmo
tempo em que despertava indignação e desalento na equipe multiprofissional
de atendimento, acentuava sua impotência diante deste quadro. De fato, a
rotina do trabalho e os relatórios da equipe técnica – formada por psicólogos,
advogados e assistentes sociais – revelaram inúmeras histórias de sofrimento
psíquico de pessoas transexuais.

As dificuldades – que se iniciam já na tenra idade, com a percepção


das diferenças e a reação da família – perpassam pelo enfrentamento do
estigma e do preconceito, frequentemente culminando em frustrações
provocadas, como dito, pela impossibilidade de acesso (ou pela longa espera)
à realização da cirurgia de transgenitalização e a outros procedimentos
médicos desejados.

A experiência no Centro de Referência e Promoção da Cidadania


LGBT também propiciou a compreensão de que não é possível categorizar as
pessoas em compartimentos hermeticamente fechados. Ao contrário, deve-se
partir do pressuposto de que qualquer classificação é arbitrária, violenta e
produzida por diferentes discursos, entre eles o biomédico. Com efeito,
divisões e categorias são tributárias da inserção em classes sociais e da
assignação de gênero e raça, assim como dos padrões e hábitos culturais da
sociedade e grupos nos quais os indivíduos estão inseridos.

A atuação profissional no Centro de Referência igualmente incitou


questionamentos, não apenas sobre a qualidade da assistência à saúde, como
também acerca da própria dinâmica social, com seu jogo ininterrupto de forças

18
em permanente ebulição e aparentemente incapaz de oferecer às pessoas
transexuais alternativas que não o alijamento, a exclusão e a violência
transfóbica4.

É com essa realidade marcada por violações de direitos humanos mais


elementares – situação absolutamente invisível para aqueles que não estão
envolvidos de alguma forma com esta temática – que os assistentes sociais se
deparam em sua atuação profissional com a população transexual.

Além disso, com raras exceções, o senso comum ainda estigmatiza


transexuais e travestis, atribuindo-lhes uma conotação excêntrica, exótica e,
muitas vezes, bizarra. Por conseguinte, tais pessoas, como assinala Zambrano
(2003), são destituídas da “categoria humana”:

O tratamento dado pela mídia escrita e televisiva aos


transexuais sugere que há, na nossa cultura, uma tentativa de
situá-los em um lugar não-humano, em decorrência do
rompimento de uma ordem que se acredita ser da natureza (ser
homem ou mulher) e à qual o resto de nós, os “verdadeiros
humanos”, pertencemos. Separando-os de nós, tranquilizamo-
nos e afastamos a possibilidade de contágio e desordem que
eles representam (idem:9).

Por outro lado, ao questionar reiteradamente os padrões instituídos


pela sociedade, as pessoas transexuais desorganizam a categoria naturalizada
do humano, denunciando implícita ou explicitamente que as normas de gênero
não estabelecem um consenso absoluto na vida social e, assim, desafiam as
fronteiras entre a experiência individual e a necessidade de reconhecimento
social (Teixeira, 2013).

Como dito anteriormente, a presente dissertação discute questões


atinentes à transexualidade. Seu foco precípuo situa-se, contudo, na análise
do Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir dos
ideais do Movimento de Reforma Sanitária e de uma perspectiva histórica de
sua inscrição no escopo da política de saúde no Brasil, detendo-se nas

4
A transfobia pode ser compreendida como um grave quadro de hostilidade e violência contra
pessoas transexuais, submetidas ou não à cirurgia de transgenitalização. A violência
transfóbica, independentemente da subjetividade masculina ou feminina, desencadeia
processos discriminatórios, estigmatizantes e de exclusão, voltados contra tudo que remeta,
direta ou indiretamente, a práticas sexuais e identidades discordantes do padrão heterossexual
e dos papeis estereotipados de gênero (Schramm, Barboza & Guimarães, 2010).

19
particularidades do Estado do Rio de Janeiro (RJ). O recorte temporal reside
no período compreendido entre 1970 (quando se iniciam as primeiras
incursões cirúrgicas de transgenitalização no Brasil) e 2008 (ano das portarias
que instituíram o Processo Transexualizador no âmbito do SUS5).

Por sua vez, o objetivo primordial da pesquisa é conferir maior


visibilidade às demandas de saúde de pessoas que vivenciam a experiência da
transexualidade e evidenciar a complexidade que tais demandas exigem, bem
como contribuir para o fomento da produção acadêmica do Serviço Social,
relativamente limitada nesta área.

Frente às inúmeras possibilidades de abordagem da assistência à


saúde de pessoas transexuais – tema repleto de relevos e contornos –, optou-
se por uma perspectiva histórica, na medida em que examinar o passado é
essencial para lançar luz sobre os dilemas do presente.

De fato, o passado pressiona para ser visto e revisto; exige novas


explicações e impõe sua visitação, para se passar a História a limpo. Como se,
num misto de decepção e indignação, fosse necessário desfazer os fios da
memória e mostrar como e por que foram arbitrariamente trançados (Rago,
1996).

Mas, afinal, a que compreensão de história a presente pesquisa se


refere? Para responder tal questão, é necessário ressaltar que nenhum
aspecto histórico é capaz de fornecer, isoladamente, uma visão adequada e
integral da temática, diante de sua complexidade. Por conseguinte, o texto
procurou conciliar a cronologia dos eventos com o relato dos indivíduos que –
ao vivenciarem os acontecimentos – transformaram-se inexoravelmente em
personagens centrais dos fatos históricos, sem olvidar, ainda, a participação
dos profissionais que, sem se darem conta de que estavam contribuindo para a
construção da história, atuaram cotidianamente neste campo.

5
Não obstante o fato de vários hospitais públicos, notoriamente universitários, terem realizado
cirurgias de transgenitalização antes de 2008, foi somente a partir deste ano que o Ministério da
Saúde, por meio das Portarias nº 1.707/2008 e nº 457/2008, fixou normas e procedimentos
específicos para o Processo Transexualizador no âmbito do SUS.

20
Em relação à metodologia utilizada, privilegiou-se, como instrumentos
e técnicas de investigação, o trabalho de campo e a entrevista semiestruturada
a partir da formulação prévia de questionamentos e hipóteses, de modo a
propiciar maior aproximação com a realidade. Além disso, estabeleceu-se uma
interação com os “atores” que conformam a realidade, construindo-se, assim,
um conhecimento empírico importantíssimo para esta pesquisa.

Durante a pesquisa de campo, foram entrevistadas nove pessoas,


entre gestores e profissionais que atuaram em instituições de saúde – que,
considerando o mencionado recorte temporal, dispunham de programas
voltados especificamente à população transexual no Estado do Rio de Janeiro
– e usuários(as) atendidos(as) por essas instituições.

Das instituições em questão, duas atualmente ainda oferecem


atendimento: Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE/UERJ) e Instituto
Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), o primeiro e
mais antigo serviço do Estado do Rio de Janeiro na área. A outra instituição –
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ) – encerrou o
programa de atendimento à saúde das pessoas transexuais em 2008.

Resumidamente, a metodologia adotada buscou elementos empíricos


capazes de elucidar pontos ainda não completamente aclarados da trajetória
histórica do Processo Transexualizador no Estado do Rio de Janeiro,
pautando-se, do ponto de vista ético-político, pelo respeito às individualidades
das pessoas transexuais.

Nessa perspectiva, a dissertação foi estruturada em quatro capítulos,


de modo a facilitar a correlação entre os aspectos sociais e históricos do
Processo Transexualizador e a política de saúde no Brasil.

O primeiro capítulo apresenta o debate acerca dos conceitos de


gênero e sexo e seus diversos olhares no campo científico, bem como expõe a
polifonia de discursos sobre a transexualidade, desde sua compreensão
enquanto “transtorno mental” até sua percepção como “desdobramento de
gênero” e/ou “experiência identitária”. Além disso, discute determinados

21
aspectos da despatologização da transexualidade e algumas das questões
jurídicas concernentes às demandas de pessoas transexuais.

O segundo capítulo trata da gênese dos serviços de saúde no Brasil,


resgatando a trajetória histórica que se inicia no século XVIII, quando a
filantropia representava praticamente a única forma de assistência médica. O
capítulo percorre o século XIX e a política higienista do Estado, estendendo-se
até a violenta repressão política e as medidas arbitrárias da Ditadura Militar na
área de saúde pública.

O terceiro capítulo relata as condições de assistência à saúde das


pessoas transexuais no Brasil até a implantação do Processo Transexualizador
no âmbito do SUS, perpassando pelas transformações socioeconômicas da
década de 1980 e abordando as influências do Movimento da Reforma
Sanitária e as repercussões do surgimento da AIDS. O capítulo analisa, ainda,
a construção do Sistema Único de Saúde, bem como suas possibilidades de
consolidação em meio ao receituário neoliberal.

O quarto e último capítulo – elaborado a partir das entrevistas e


observações de campo – investiga o marco regulatório do Processo
Transexualizador na esfera do SUS, bem como descreve o atendimento à
saúde das pessoas transexuais nas três instituições do Estado do Rio de
Janeiro. Ademais, analisa a intervenção do Serviço Social no Processo
Transexualizador do HUPE e elenca as dificuldades e limitações enfrentadas
pelo referido processo após o advento da Portaria SAS/MS nº 457/2008.

Em suma, espera-se que o presente trabalho contribua para conferir


visibilidade ao modelo de atenção à saúde das pessoas que vivenciam a
transexualidade, analisado, como dito, a partir da trajetória histórica do
Processo Transexualizador no Estado do Rio de Janeiro, em estreita conexão
com as discussões acerca da Política de Saúde Pública do Brasil e à luz do
ideário da Reforma Sanitária.

O campo da transexualidade é marcado por preconceitos e


intolerâncias e atravessado por inúmeras controvérsias, o que evidencia a
necessidade de novos estudos sobre o tema, com vistas à exploração de

22
horizontes mais amplos. Desta forma, será possível desconstruir os
estereótipos e estigmas que expõem as pessoas transexuais à margem dos
equipamentos sociais, não somente no campo da saúde, mas também na
educação formal e no acesso ao mercado de trabalho.

Contudo, a referida ampliação, por si só, não será suficiente. É preciso,


ainda, derruir as bases que assinalam, taxativa e irrevogavelmente, os sexos
dos indivíduos já no nascimento, colocando-os em compartimentos vedados
“meninos ou meninas”, “masculino ou feminino”. Afinal, parafraseando
Ibrahim6, “o céu azul que nós admiramos, nem é céu e muito menos azul”.

6
Desembargador Titular da 27ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi o
primeiro magistrado no Brasil a julgar favoravelmente uma demanda de retificação de nome e
sexo de um homem transexual em 1989, quando era juiz na Comarca de Mangaratiba (RJ).

23
1. RELAÇÕES DE GÊNERO E CONTROVÉRSIAS NAS COMPREENSÕES
DE TRANSEXUALIDADE

1.1 Alguns Olhares sobre Sexo e Gênero

As profundas transformações sociais que construíram novas formas de


relacionamento e estilos de vida nos anos 1960 abalaram sobremaneira
conceitos por muito tempo considerados imutáveis e universais. Nas décadas
seguintes, tais transformações foram potencializadas por fatores como a
transgressão de categorias e das fronteiras sexuais e de gênero e as novas
tecnologias reprodutivas, que, desestabilizando antigas certezas e implodindo
noções tradicionais de tempo, espaço e “realidade”, subverteram as formas de
gerar, de nascer, de crescer, de amar ou de morrer (Louro, 2008).

Nesse contexto, também a sistemática de construção de identidades


sexuais e de gênero foi inexorável e intensamente alterada. A sexualidade
perdeu o caráter estritamente pessoal, ganhando contornos sociais e políticos,
o que provocou novas e desafiadoras indagações.

De fato, como assinala Fausto-Sterling (2001), rotular alguém como


homem ou mulher passou a ser uma decisão social. Eventualmente, utilizam-
se critérios científicos para auxiliar na tomada dessa decisão, porém somente
as crenças sobre o gênero – e não a ciência – podem definir o sexo. Ademais,
tais crenças também afetam o tipo de conhecimento que os cientistas
produzem sobre o tema.

No bojo dessas mudanças socioculturais, a relação entre os


significados sociais e os aspectos físicos e biológicos do masculino e do
feminino foi objeto de acalorados debates nas arenas científica e social. Como
resultado, novos conceitos foram formulados e disseminados na Academia e,
consequentemente, na sociedade, entre os quais a ideia de que sexo e gênero
são categorias separadas.

De acordo com Fausto-Sterling (2001), na década de 1970 o


movimento feminista destacava a dicotomia entre sexo e gênero, assinalando
que as instituições sociais eram projetadas para perpetuar a desigualdade de
gênero, o que resultava na maioria das diferenças entre homens e mulheres.

24
Se as meninas não podiam aprender matemática tão facilmente
quanto os meninos, o problema não estava em seus cérebros.
A dificuldade decorria das normas de gênero – expectativas e
oportunidades diferentes em relação a meninos e meninas. Ter
um pênis ou uma vagina é uma diferença de sexo. O
desempenho superior dos meninos em relação ao das meninas
em provas de matemática é uma diferença de gênero
(idem:16).
A visão androcêntrica é assim continuamente legitimada pelas próprias
práticas que ela determina: pelo fato de suas disposições resultarem da
incorporação do preconceito desfavorável contra o feminino, instituído na
ordem das coisas, as mulheres não podem senão confirmar seguidamente tal
preconceito (Bourdieu, 2002).

Segundo Joan Scott (1990), o conceito “gênero” parece ter surgido


entre as feministas americanas, que insistiam no caráter fundamentalmente
social das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava rejeição ao
determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença
sexual”, sublinhando também o aspecto relacional das definições normativas
das feminilidades. Dito de outro modo, o termo “gênero” foi utilizado para
romper a estreiteza e o isolamento dos estudos centrados na questão da
mulher.

Scott (idem) conclui, portanto, que gênero é uma percepção sobre as


desigualdades sexuais, reconhecendo que existem diferenças entre os corpos
sexuados. A autora considera relevantes as formas como se constroem
significados culturais para tais diferenças, conferindo-lhes sentido e,
consequentemente, posicionando-as no bojo das relações hierárquicas de
poder.

Assim, para muitos críticos e estudiosos do tema, o sexo passou a


representar a anatomia e o funcionamento fisiológico do corpo, enquanto o
gênero tornou-se um conceito utilizado para expressar as forças sociais que
moldam o comportamento. Com efeito, em boa parte das discussões
científicas, o sexo e a natureza são considerados reais, ao passo que o gênero
e a cultura configuram fenômenos construídos. Trata-se, contudo, de falsa
dicotomia, pois, a mera observação dos marcadores sexuais mais visíveis – a
genitália, por exemplo – deixa claro que o sexo pode ser literalmente
construído.

25
Afinal, o avanço da medicina propiciou técnicas capazes de criar
órgãos genitais “apropriados” para pessoas nascidas com alguma anomalia
genética7 ou, a exemplo das pessoas intersexuais8, com partes do corpo que
não são facilmente identificáveis como masculinas ou femininas. As mesmas
técnicas podem ser aplicadas, evidentemente, à reconstrução dos órgãos
sexuais de homens e mulheres transexuais.

Referendando a inconsistência da dicotomia, Laqueur (2001:161)


assevera que “o chamado sexo biológico não oferece um fundamento sólido da
categoria cultural de gênero, mas ameaça constantemente subvertê-lo”. Para
Judith Butler (2003), o conceito de gênero não deve ser compreendido de
maneira clássica, isto é, como uma construção social puramente abstrata que
organiza os modos de educar, modelar e interpretar os corpos “naturais”, os
tais “sexos”. Segundo a autora:

Se o caráter imutável do sexo é contestável, talvez o próprio


construto chamado “sexo” seja tão culturalmente construído
quanto o gênero; a rigor, talvez, o sexo sempre tenha sido
gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-
se absolutamente nenhuma. O gênero não deve ser
meramente concebido como a inscrição cultural de significado
num sexo previamente dado; tem de designar também o
aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos
são estabelecidos (idem:25).

Ainda de acordo com Butler (2009), por meio dos conceitos e


expressões de gênero define-se o que são – ou não são – corpos humanos,
suas características e diferenças, quais e quantos são os sexos, como podem
ou não ser reconhecidos e, principalmente, quais os corpos, sexos e pessoas
que não se enquadram dentro das normas de gênero, tornando-se, desta
forma, monstros ou seres abjetos e que não são compreendidos como
possuindo o mesmo grau de humanidade.

7
Segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID-10), são exemplos de anomalia genética ou malformações congênitas dos órgãos
sexuais: ausência congênita de ovários, ausência congênita da vagina, ausência e aplasia do
testículo, sexo indeterminado, não especificado, ausência e aplasia congênitas do pênis e
outras malformações congênitas do pênis.
8
Intersexuais são pessoas que nascem com uma anatomia reprodutiva e sexual que não
parecem se encaixar nas definições e padrões típicos do sexo masculino ou feminino. Dito de
outro modo, a intersexualidade caracteriza-se fundamentalmente por uma genitália ambígua:
pode acontecer de a pessoa ter a genitália interna feminina e a externa masculina. Por
consequência, do ponto de vista biológico, o sexo neste caso não pode ser identificado de
forma inequívoca.

26
Percebe-se, por conseguinte, que a construção social do que pode ou
não ser reconhecido como corpo, sexo ou ser humano é um jogo de relação
entre poderes que se organizam, embatem e criam resistências dentro das
normas de gênero.

A inteligibilidade cultural faz com que os corpos – desde que estejam


de acordo com as normas de gênero –, possam ser conhecidos e
reconhecidos como humanos, possuindo um sexo (idealmente identificado
como “macho” ou “fêmea”) e uma sexualidade próprias. E para Butler
(2003:38), “tais pressupostos de gênero inteligíveis são aqueles que, em certo
sentido, instituem e mantêm relações de coerência e continuidade entre sexo,
gênero, prática sexual e desejo”.

Um exemplo clássico da não inteligibilidade de vivências que fogem a


esta coerência heteronormativa pode ser sintetizado no comentário, sobre uma
mulher transexual lésbica, de alguém que não entende a razão pela qual um
homem faz cirurgia para se tornar mulher, se deseja relacionar-se sexualmente
com outras mulheres.

Nesse sentido, seja nos comentários do senso comum – como o acima


mencionado –, nas informações médicas de livros especializados ou nos
milhares de manuais populares, panfletos e discursos sobre “educação”
sexual, percebe-se que esta é uma educação para as normas de gênero, pois
são elas que formam e informam o que é “ser” homem ou mulher, quais as
diferenças entre um e outro e como reconhecê-las.

Em suma, o sexo – homem e mulher – não é um simples fato ou uma


condição estática, tratando-se, como assinala Butler (2002:18), de “uma
construção ideal forçosamente materializada através do tempo”. Diante das
citadas técnicas biomédicas, a abrangência de tal construção pode alcançar,
inclusive, o significado literal da palavra.

Por seu turno, para Foucault (1999), a sexualidade só pode ser


compreendida por meio da percepção dos mecanismos de poder e saber que
lhe são intrínsecos. Discutir sexualidade significa referir-se à produção dos
saberes que a constitui, bem como aos sistemas de poder que regulam suas

27
práticas e às formas pelas quais os indivíduos podem e devem se reconhecer
como sujeitos sexuados. Na visão do autor, portanto, a sexualidade está
necessariamente imbricada em relações de poder:

A noção de sexo garantiu uma reversão essencial; permitiu


inverter a representação das relações entre o poder e a
sexualidade, fazendo-a aparecer não na sua relação essencial
e positiva com o poder, porém como ancorada em uma
instância específica e irredutível que o poder tenta da melhor
maneira sujeitar; assim a ideia “do sexo” permite esquivar o que
constitui o “poder”; permite pensá-lo apenas como lei e
interdição. O sexo, essa instância que parece dominar-nos,
esse segredo que nos parece subjacente a tudo o que somos,
esse ponto que nos fascina pelo poder que manifesta e pelo
sentido que oculta, ao qual podemos revelar o que somos e
liberar o que nos define, o sexo nada mais é do que um ponto
ideal tornado necessário pelo dispositivo da sexualidade e por
seu funcionamento (idem:145).

Na esteira do filósofo francês, Weeks (1999) afirma que a sexualidade


não é somente um fenômeno biológico – o corpo imperando como instinto –,
mas, também, social e histórico. Assim, “nossas definições, convenções,
crenças, identidade e comportamentos sexuais não são resultados de uma
simples evolução: eles têm sido modelados no interior de relações definidas de
poder” (idem:77).

Resumidamente, muitos estudiosos ainda se debruçam sobre sexo e


gênero com base nos seguintes paradigmas: o primeiro representa a anatomia
e a fisiologia (natureza); o segundo resulta de forças sociais, políticas e
institucionais que moldam os comportamentos e as constelações simbólicas
sobre o feminino e o masculino. Contudo, as novas abordagens, que cada vez
mais desafiam as oposições binárias e estáticas, vêm desorganizando por
completo a ideia que sustentava o lado supostamente natural-biológico do
binômio sexo/gênero.

Por conseguinte, o corpo continua sendo modificado, desarticulando


formas e subjetividades pré-concebidas. Conclui-se, portanto, que, assim como
o gênero não é uma categoria imutável e definitiva, também o sexo e o corpo
precisam ser examinados como conceitos sociais e históricos em permanente
construção.

28
1.2 Compreensão de Transexualidade como “Transtorno Mental”

Para o senso comum e boa parte do discurso das ciências de saúde, a


transexualidade é um tema que ainda envolve muitos tabus sedimentados. O
assunto abrange um conjunto de temáticas que, em geral, são inferidas pela
sociedade de forma estereotipada, conservadora e, frequentemente,
preconceituosa.

Consequentemente, prevaleceram durante muitos anos


argumentações e análises científicas que – referindo-se ao “transexualismo”9 e
sob as perspectivas mais tradicionais da sexologia, da psiquiatria e de parte da
psicanálise – classificavam essa experiência como patologia ou “transtorno de
identidade”. Nesse contexto, o diagnóstico de transexualidade baseava-se na
concepção normativa do binômio sexo/gênero. Tal concepção, por sua vez,
fundamentava-se no binarismo heterossexual que regularia a subjetividade e,
por completo, a sexualidade.

Assim, por desconstruir a coerência socialmente exigida entre sexo


biológico e gênero e, aparentemente, não se encaixar em nenhum dos
modelos propostos de identidade sexual, restou à transexualidade tão somente
ocupar o espaço aberto pela psiquiatrização da homossexualidade, qual seja, o
de uma patologizada identidade sexual (Arán, Zaidhaft e Murta, 2008).

O primeiro diagnóstico de transexualidade de grande repercussão na


mídia ocorreu em 1952 na Dinamarca, quando a equipe do cirurgião Christian
Hamburger realizou uma intervenção cirúrgico-terapêutica em um jovem de 28
anos e ex-soldado do exército americano, chamado George Jorgensen10.
Depois de passar por uma série de tratamentos hormonais com vistas à

9
O termo “transexualismo” foi utilizado durante muito tempo para se referir à forma como a
literatura científica tradicional compreendia pessoas transexuais, uma terminologia cada vez
menos adotada, em função de seu caráter estigmatizante associado ao sufixo “ismo”. Por outro
lado, o termo “transexualidade” é a forma mais adequada para tratar de uma identidade
socialmente construída e, por isso, será utilizada ao longo desta dissertação.
10
Interessantes análises a respeito do caso Jorgensen podem ser encontradas em Arán (2006
e 2008), Alby (1996) e Bento (2006). Porém, este não é o primeiro registro de cirurgia na
literatura. A primazia caberia ao médico alemão Magnus Hirschfeld que, em estudos sobre
“transexualismo” de 1912, menciona a ocorrência de intervenção cirúrgica e hormonal de
redefinição sexual (Castel, 2001).

29
feminilização de sua aparência e de se submeter à operação de
transgenitalização, George passou a se chamar Christine.

De acordo com Alby (1996:26) “é o caso Jorgensen (…) que constitui,


de fato, no plano internacional, as novas cartas da transexualidade e contribui
para a sua elevação ao patamar de um fenômeno de sociedade”.

Naquele contexto, diante das novas teorias médicas e sociológicas,


muitos pesquisadores reviram o conceito de transexualidade, passando a
propalar a necessidade de tratamento de transexuais por meio de
modificações corporais. Harry Benjamin, endocrinologista alemão, radicado
nos Estados Unidos e Robert Stoller, psicanalista e psiquiatra americano,
foram os personagens centrais desta nova proposição terapêutica.

Benjamin – uma das principais referências na teorização sobre


transexualidade – inspirou-se nos estudos biológicos e genéticos do século XX
para asseverar a inexistência de divisão absoluta entre “masculino” e
“feminino”. De acordo com as reflexões do autor, seria inadequada a
determinação do sexo do indivíduo exclusivamente com base em diferenças
anatômicas.

Com efeito, o sexo seria definido por diversos componentes, de modo


que a etiologia da transexualidade e a origem do desejo de mudar o sexo
ultrapassariam os aspectos psicológicos, podendo estar associadas a causas
de ordem biológica, genética ou endócrina (Murta, 2007).

Em 1966, o médico alemão descreveu em detalhes pela primeira vez o


que seriam as características para se diagnosticar o "verdadeiro transexual",
defendendo veementemente que o tratamento hormonal e cirúrgico constituiria
a estratégia mais adequada e a "única alternativa terapêutica possível" para
acabar com o sofrimento das pessoas transexuais (Benjamin,1966:12-31). A
partir de então, o tema assumiu maior relevância para a comunidade médico-
científica.

A contribuição de Harry Benjamin revelou-se decisiva para que se


consolidasse a concepção de que as pessoas transexuais acreditam pertencer

30
ao sexo contrário ao da sua anatomia, razão pela qual se transvestem e têm
verdadeira obstinação por modificações corporais. Para o autor, haveria uma
incongruência cruel entre o corpo, a mente e o comportamento social. Por
conseguinte, quando tais pessoas são obrigadas, por circunstâncias sociais ou
familiares, a agir de acordo com seu sexo biológico, podem surgir situações de
profundo estresse, com graves consequências neuróticas e psicóticas, como a
mutilação da própria genitália e o suicídio.

Consequentemente, as modificações corporais passaram a ser


compreendidas – não sem polêmica no meio científico – como um tratamento
para pessoas transexuais, possibilitando-lhes experimentar maior conforto
subjetivo e social.

Por sua vez, os procedimentos cirúrgicos, entendidos como


complemento da assistência psiquiátrica, tornaram-se a matriz das
modificações corporais demandadas por transexuais no mundo inteiro. Por
isso, nas palavras de Castel (2001:85), as cirurgias “tiveram um significado
histórico que não se refere apenas à possibilidade de mudar médica e
cirurgicamente a aparência das pessoas transexuais, mas propiciaram ampla
discussão em torno da identidade sexual e das categorias de gênero”.

Naquele contexto, instituíram-se padrões terapêuticos formais para as


transformações fenotípicas, num processo que culminou na criação de centros
de transgenitalização e na elaboração de protocolos de atendimento, com base
na Escala de Orientação Sexual criada por Harry Benjamin11.

11
A Escala de Orientação Sexual de Harry Benjamin (no original, Harry Benjamin Sexual
Orientation Scale – SOS), específica para a transexualidade, foi proposta na década de 1960 a
partir do caso de um paciente que desejava transformar-se em mulher. A escala classificava as
pessoas em grupos e tipos, abrangendo desde os indivíduos com desejos ocasionais de se
vestir com roupas do sexo oposto até aqueles com intenção declarada de mudar de sexo (Leite
Jr., 2011).

31
Outra referência importante sobre o transexualidade são as teses de
Robert Stoller (1982), para quem havia, essencialmente, três aspectos
relevantes para se definir uma pessoa como transexual masculino12: (1)
sentimento de identidade permanente e crença inabalável numa essência
feminina, sem ambiguidades (diferentemente do “transvestismo”13); (2)
verdadeira aversão ao pênis; (3) relação peculiar com a mãe, que o autor
chama de simbiose. Stoller (idem), contudo, não considera tal relação
psicotizante, na medida em que – ao contrário do que defende a psicanálise
lacaniana, que associa transexualidade a psicose – não há alteração na
capacidade de integração social dessas pessoas (Arán, 2006).

A impossibilidade de exames clínicos capazes de determinar,


objetivamente, se a pessoa que reivindica uma identidade transexual é “um(a)
transexual de verdade”, bem como a obsessão por assegurar limites rígidos
entre homens e mulheres, acarreta, frequentemente, inquietantes indagações
aos operadores da saúde e do direito: como ter certeza se uma pessoa é
realmente transexual? Como garantir que não haverá arrependimentos
posteriores aos procedimentos médicos? Como diferenciar travestis de
transexuais? Em torno desses questionamentos, o saber médico estabeleceu
procedimentos para aferir se quem se diz transexual efetivamente o é (Bento,
2006).

Diante desse quadro, o diagnóstico médico-psiquiátrico, assim como o


sistema judicial, na maioria das vezes limita-se a reproduzir um conjunto
normativo de sexo e gênero que não condiz com a diversidade das formas de
construção de gênero na transexualidade.

Em 1980, a psiquiatria formalizou os critérios de descrição da


transexualidade, incluindo tal distúrbio no Manual Diagnóstico e Estatístico das

12
Entre os pioneiros da discussão do tema – e, ainda na atualidade, por alguns profissionais de
saúde –, é comum a utilização do termo “transexualismo masculino” para se referir àqueles
indivíduos que rejeitam o gênero masculino imposto durante o nascimento. Por outro lado, é
relativamente recente a utilização pela literatura científica do termo “transexualismo masculino”
para identificar indivíduos que rejeitam o gênero feminino imposto ao nascerem. Esta alteração
terminológica decorre da tomada de uma posição ética, no sentido de ratificar a identidade de
gênero afirmada pelo sujeito, e não pelo profissional de saúde (Almeida, 2012b).
13
Utilização pelo indivíduo de vestimentas do sexo oposto, a fim de satisfazer o desejo
temporário ou permanente de pertencer ao sexo contrário ao nascimento, mas sem aspiração
de mudança sexual definitiva ou de uma intervenção cirúrgica.

32
Desordens Mentais14 (DSM-III). Na versão seguinte do referido manual (DSM-
IV)15, publicada em 1994, o termo “transexualismo” foi substituído por
Transtorno de Identidade de Gênero (TIG, Código 302), definido como um
estado psicológico no qual a identidade de gênero está em desacordo com o
sexo biológico (Murta, 2011:18-19).

Assim, a transexualidade ainda consta como patologia na Classificação


Internacional de Doenças (CID-10):

F64: Transexualismo: Um desejo de viver e ser aceito como um


membro do sexo oposto. Este desejo é usualmente
acompanhado por uma sensação de desconforto ou
impropriedade de seu próprio sexo anatômico e um desejo de
se submeter a tratamento hormonal e cirurgia para tornar seu
corpo tão congruente quanto possível com o sexo preferido
(OMS, 1993).

De forma bastante similar à adotada pela CID-1016, o DSM-IV


estabelece a seguinte sistemática para o diagnóstico de TIG: a) forte e
persistente identificação com o gênero oposto; b) desconforto contínuo com
seu sexo ou sentimento de inadequação no papel de gênero deste sexo; c) a
perturbação não é concomitante a uma condição intersexual física; d) a
perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do
indivíduo.

Em suma, a noção de transtorno de identidade de gênero parte do


pressuposto de que os processos identificatórios devem seguir uma trajetória
linear e coerente entre o sexo biológico, o gênero e o desejo. Por conseguinte,

14
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders – DSM) é um guia voltado para profissionais da área da saúde mental que
lista as diferentes categorias de transtornos mentais e apresenta critérios para diagnosticá-los.
Publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association – APA)
em 1952 tem sido uma das bases de diagnósticos de saúde mental mais utilizadas no mundo.
O referido Manual sofreu desde então cinco revisões, a maior delas é o DSM-IV, publicado em
1994. Disponível em: http://www.psicosite.com.br/cla/DSMIV.htm. Último acesso em 17 de
março de 2014.
15
A atual versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) foi
publicada em maio de 2013, substituindo o DSM-IV, criado em 2000. Nesta nova edição, a
categoria “transtorno de identidade de gênero” é substituída por “disforia de gênero”. Disponível
em www.dsm5.org. Último acesso em 05 de maio de 2014.
16
Ao contrário da CID, que se estende além de critérios de diagnósticos, para incluir também
processos de atenção médica não baseados em enfermidades - gravidez, por exemplo -, o
DSM refere-se exclusivamente a doenças mentais.

33
indivíduos que manifestam orientação sexual e subjetiva divergente do padrão
heteronormativo são considerados portadores de uma desordem ou doença.

1.3 Compreensão de Transexualidade como Desdobramento de Gênero

A condição transexual não pode ser discutida a partir de uma


perspectiva simplista e/ou reducionista, uma vez que esta experiência encerra
imensa complexidade17 em suas várias determinações, especificidades e
nuances. Consequentemente, a abordagem da questão sob a ótica
reducionista da patologia psíquica, mostra-se insuficiente para a compreensão
da transexualidade.

Já na década de 1970, Simone de Beauvoir (1970:51-53) havia


afirmado que “o ser humano não é uma espécie natural, é uma ideia histórica,
pois não está, como os animais, restrito a uma programação, não é uma
realidade imóvel”. Dito de outro modo, a biologia de nossos corpos não pode
ser considerada um objeto, mas uma situação em permanente construção.

Seguindo esta linha de pensamento, inúmeras críticas refratárias à


existência de um sexo anatômico foram formuladas, no final dos anos 1980,
em estudos sobre gênero e transexualidade. Tais estudos defendiam a tese de
que é a cultura que define como femininas ou masculinas as diferentes
anatomias, ou seja, diante da prevalência da cultura sobre supostos
fundamentos biológicos, a própria ideia de sexo anatômico seria, portanto, uma
construção sociocultural.

Como um dos pioneiros desta tese, cabe mencionar o historiador


Thomas Laqueur (2001), para quem a articulação de diferenças radicais entre
os sexos somente tornou-se culturalmente imperativa a partir das
transformações políticas, econômicas e culturais ocorridas no século XVIII. Ao
desenvolver sua pesquisa acerca da concepção de sexo, o autor conclui:

17
O termo “complexidade” vem sendo debatido no campo da saúde coletiva por alguns autores
como Almeida Filho (1997), Tarride (1998), Samaja (2000) e Paim (2008). Todos enfatizam a
necessidade de a ciência resgatar sua capacidade de gerar sínteses, diante de um mundo cada
vez mais fragmentado e com graves desafios a serem enfrentados. Tal capacidade, relegada a
segundo plano ao longo da história da ciência ocidental, é considerada um atributo essencial na
construção de um novo modelo de ciência, que supere as dicotomias simplificadoras e
alienantes da ciência normal (Porto & Almeida, 2002).

34
O sexo, como o ser humano, é contextual. As tentativas de
isolá-lo de seu meio discursivo e determinado socialmente são
tão fadadas a erro como a busca do philosophe por uma
criança verdadeiramente selvagem ou os esforços do
antropólogo moderno para filtrar o cultural e deixar um resíduo
de humanidade essencial. E acrescentaria ainda que o corpo
privado, incluso, estável, que parece existir na base das noções
modernas de diferença sexual, é também produto de
momentos específicos, históricos e culturais (idem:27).

Com semelhante olhar crítico, a Teoria Queer18 ganhou relevo no final


da década de 1980 – momento de reavaliação questionadora de conceitos
como sexo, gênero, corpo e identidade – ao propalar que orientação e
identidade sexual resultam de um constructo social; portanto, não faz sentido
se falar em padrões sexuais biologicamente definidos. Além disso, não é
possível classificar os indivíduos em categorias universais, pois há inúmeras
variações culturais e sociais no que diz respeito a gênero e sexo, nenhuma das
quais se revela mais importante ou “normal” do que as demais.

Louro (2004) igualmente assevera que sexualidade, identidade e


gênero são construções sociais, visto que a sociedade impõe – consciente ou
inconscientemente – determinado “padrão de normalidade” no que diz respeito
a condutas e valores comportamentais. Do mesmo modo, Bento (2008:15) tece
críticas aos padrões inflexíveis impostos pela sociedade, assinalando que “o
sistema binário – masculino versus feminino – produz e reproduz a ideia de
que o gênero reflete e espelha o sexo, e que todas as outras esferas
constitutivas dos sujeitos estão amarradas a essa determinação inicial: a
natureza constrói a sexualidade e posiciona os corpos de acordo com as
supostas disposições naturais”.

Por sua vez, de acordo com Rago (2003), o saber ocidental opera no
interior da lógica da identidade, valendo-se de categorias reflexivas, incapazes
de pensar a diferença, razão pela qual os conceitos com os quais trabalham as
Ciências Humanas são muitas vezes arbitrários e excludentes.

18
Em inglês, o termo queer significa estranho, esquisito, algo próximo do anormal e aberrante,
sendo também uma gíria agressiva para gays, lésbicas ou todas as pessoas que não seguem
as orientações heterossexuais e desestabilizam os padrões de gênero dominantes. Os estudos
queer têm como objetivo a crítica a pressupostos universalizantes e naturalizados sobre mulher,
homem, corpo, sexo e dualidades como sexo/gênero, masculino/feminino, ativo/passivo,
homo/hetero e natureza/cultura, mostrando as fissuras e contradições destes padrões
socialmente reguladores (Leite Jr., 2011).

35
Tais conceitos são formulados a partir da ideia universal de homem
“branco-heterossexual-civilizado-do-primeiro-mundo”, deixando à margem
todos aqueles que escapam desse modelo de referência, como transexuais e
travestis.

Para se compreender transexualidade, como se percebe, torna-se


imperativo romper com os conceitos tradicionais e com o binarismo entre sexo
e gênero. Nesse contexto, são pertinentes as reflexões contemporâneas de
Berenice Bento (2008:16), para quem “a transexualidade é um desdobramento
inevitável de uma ordem de gênero que estabelece a inteligibilidade dos
gêneros no corpo”. Ao situar os desafios da transexualidade, não nos
indivíduos, mas nas interações sociais e na ordem binária de gênero
fundamentada na biologia, tais reflexões, sem dúvida, constituem um marco no
pensamento crítico brasileiro sobre o tema.

Nessa esteira, a transexualidade é compreendida, na presente


dissertação, como uma das múltiplas expressões identitárias resultantes da
inevitável resposta a um sistema organizador da vida social que localiza a
verdade das identidades tão somente nas estruturas corporais e cujo
fundamento reside na classificação de sujeitos em “normais e anormais”.

Afirmar que transexualidade é uma experiência identitária –


relacionada à capacidade de os sujeitos construírem novos sentidos para os
masculinos e os femininos –, não significa, contudo, esquecer a dor e a
angústia que marcam as subjetividades das pessoas que desejam viver
experiências socialmente interditas em razão de comportamentos
inapropriados para seus sexos (Bento, 2006).

Ainda segundo Bento (2008:14):

A transexualidade é uma experiência identitária, caracterizada


pelo conflito com as normas de gênero. Essa definição
confronta-se à aceita pela medicina e pelas ciências psi que a
qualificam como uma “doença mental” e a relaciona ao campo
da sexualidade e não ao gênero. Definir a pessoa transexual
como doente é aprisioná-la, fixá-la em uma posição existencial
que encontra no próprio individuo a fonte explicativa para seus
conflitos, perspectiva divergente daqueles que a interpretam
como uma experiência identitária.

36
Em suma, é fundamental romper definitivamente as fronteiras do
binarismo entre sexo e gênero, deslocando essa discussão do indivíduo e
transferindo-a para a construção de uma política mais eficaz e voltada às
relações de gênero para que a transexualidade, já instaurada como realidade
inexorável, deixe de ser observada por boa parte da sociedade como uma
doença ou, na melhor das hipóteses, como um fenômeno exótico.

1.4 Despatologização da Transexualidade

A estruturação de um modelo de atendimento para transexuais no


âmbito do SUS, questão que será analisada com mais profundidade no
capítulo 4, não foi suficiente para desmistificar o discurso dominante na área
médica de que a transexualidade constitui uma experiência padrão, isto é, de
que todas as demandas de saúde de pessoas transexuais são semelhantes,
requerendo tratamento uniforme e padronizado. Por outro lado, tal
estruturação, diante da evidente pluralidade de experiências e diversidade de
matizes com que se deparou o sistema, tornou premente a necessidade de
despatologizar a transexualidade (Almeida, 2012b).

Do ponto de vista das ciências sociais e da saúde coletiva, esta


pluralidade já é amplamente reconhecida19. Não obstante, o determinismo do
“saber” médico, baseado no pressuposto de que os gêneros são definidos
exclusivamente pelo dimorfismo dos corpos, recusa-se a aquiescer no que diz
respeito à despatologização da transexualidade (Murta, 2011).

De fato, a prática clínica subordina-se a regime de autorização da


psiquiatria que não permite à pessoa interessada no processo de modificações
corporais decidir sobre a gestão de seu corpo ou de sua própria identidade
(Suess, 2010). Dito de outro modo, para ter acesso aos serviços médicos e ao
processo de redesignação sexual, o indivíduo tem de ser previamente
diagnosticado com disforia de gênero, mediante longas e desgastantes etapas
de avaliação.

Contudo, ainda que a transexualidade siga definida como um ente


nosológico no âmbito da saúde mental, o sofrimento psíquico e corporal não

19
A esse respeito consultar Zambrano, (2003); Bento (2006); Lionço, (2006); Arán, (2007);
Murta, (2008 e 2011); Almeida, (2010) e Suess (2010).

37
deveria necessariamente ser patologizado para configurar critério de acesso a
serviços de saúde, ao contrário do que defende o determinismo biomédico
(Arán, Zaidhaft e Murta, 2008).

A proposta de despatologização tem como finalidade precípua a


desconstrução de atitudes discriminatórias contra pessoas que não estão
adequadas ao modelo clássico de transexualidade ou não pretendem ajustar
seus corpos ao regime normativo (Missé, 2010). Tal proposta, que considera a
fixação de protocolos médicos uma imposição violenta sobre os corpos e a
subjetividade trans20, de forma alguma pretende atacar a “identidade
transexual” ou pôr em risco direitos já conquistados (Coll-Planas, 2010).

O que está em questão vai além da reinvindicação de exclusão da


transexualidade do rol de transtornos mentais. Com efeito, trata-se de
contundente crítica ao paternalismo, à vitimização e, principalmente, à
necessidade de ajustamento que a definição patologizada da vivência
transexual impõe (Missé, 2010).

Observe-se que a questão da despatologização não se confunde com


a controvérsia em torno da obrigatoriedade do diagnóstico de transexualidade
para inserção no Processo Transexualizador. Trata-se, na verdade, de falso
dilema, pois despatologizar não é o mesmo que desmedicalizar, percebendo-
se mais facilmente a diferença no exemplo de uma gravidez sem riscos ou
intercorrências, que não caracteriza patologia, porém deve ser diagnosticada e
acompanhada por profissionais de saúde.

Os debates sobre a permanência ou não do diagnóstico de identidade


de gênero no Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM) têm
sido contundentes.

Por um lado, há no movimento LGBT corrente que defende o


diagnóstico, argumentando que sua elaboração facilita o acesso a uma
variedade de recursos médicos e tecnológicos, de forma a propiciar a transição

20
Segundo Suess (2010:29), o termo trans “refere-se a todas as pessoas que elegeram uma
identidade ou expressão de gênero diferente da atribuída ao nascer, incluindo pessoas
transexuais, transgêneros, travestis, cross dressers, não gêneros, multigêneros, de gênero
fluído, gênero queer e outras denominações relacionadas”.

38
para o gênero com o qual a pessoa transexual se identifica. Por outro, muitos
ativistas propalam que o diagnóstico pode ter efeitos deletérios e se tornar –
em particular nas mãos dos transfóbicos – um instrumento de patologização
(Butler, 2009).

Ainda de acordo com Butler (idem), receber o diagnóstico de transtorno


de identidade de gênero é ser, de certa maneira, considerado doente, errado,
disfuncional e anormal, bem como sofrer estigmatização. Consequentemente,
alguns psiquiatras e parte do movimento transexual asseveram que o
diagnóstico deveria ser totalmente eliminado, pois a transexualidade não é um
transtorno psiquiátrico, cabendo às pessoas transexuais a autodeterminação e
o exercício de autonomia. Esta corrente defende, portanto, que exigir
diagnósticos psiquiátricos como condição sine qua non de acesso a
tratamentos de saúde ou a qualquer outro direito constitui autoritarismo e fator
de vulnerabilidade e exclusão.

Sobre essa questão, assevera Missé (2010:269):

Dito de uma maneira mais coloquial, se há pessoas que


querem fazer terapias psiquiátricas, que o façam; mas isso não
implica que todas as pessoas trans estamos obrigadas a
passar por elas, nem que os direitos das pessoas trans
dependem de um diagnóstico. A diferença fundamental entre o
modelo patologizador e o despatologizador é que a
patologização da transexualidade, tal como é fundamentada, é
inerentemente autoritária e excludente, pois se impõe a todo
mundo e exclui outras experiências possíveis: para ser crível
21
nega as demais identidades.

E corrobora Teixeira (2013:291):

As armadilhas do diagnóstico apontam para a fragilidade do


conhecimento médico e a instabilidade das “certezas” que
ancoram as decisões sobre as pessoas. Principalmente, na
transexualidade, as regras de gênero parecem construir um
consenso em torno da necessidade do diagnóstico porque este
se vincula à cirurgia.

21
Texto no original: “Dicho de uma manera más coloquial, si hay personas que quieren seguir
terapias pisquiátricas que lo hagan, pero que eso no implique que todas las personas trans
estemos obligadas a passar por ellas, ni que los derechos de las personas trans dependan de
un diagnóstico. La diferencia fundamental entre el modelo patologizador y el despatologizador
es que la patologización de la transexualidad, tal y como está planteada, es inherentemente
autoritária y excluydente, pues se impone a todo el mundo y excluye que haya otras
experiencias posibles: para ser creíble, niega las demás identidades”.

39
Para Murta (2011), não se trata apenas de recusar um rótulo
psiquiátrico, mas também de expor a diversidade dessa experiência e
demonstrar que existe uma multiplicidade de subjetividades e sexualidades
que não necessariamente se enquadra ao modelo binário dos sexos.

Por sua vez, segundo Coll-Planas (2010), o significado que cada


indivíduo atribui a sua trajetória de vida deveria prevalecer em detrimento de
um modelo médico que diagnostica e patologiza as pessoas transexuais e as
considera incapazes de tomar decisões sobre a gestão de seus corpos ou de
suas identidades. A patologização seria, portanto, uma forma de violência de
gênero, de transfobia, exercida pelo Estado e pelas instituições médicas com a
pretensão de curar as pessoas transexuais.

O diagnóstico – que muitas vezes patologiza a pessoa – tem como


objetivo implícito ou explícito a normalização (Butler, 2010), calcada em um
padrão de heteronormatividade. Entretanto, o diagnóstico de transexualidade,
ainda é a única via de acesso aos programas de transgenitalização do SUS, ou
seja, o indivíduo que deseja fazer a transição do gênero de nascimento para
aquele com o qual se identifica continua sendo tratado como doente, com todo
o estigma que tal condição acarreta.

Butler (2009:97) sintetiza com maestria os malefícios do diagnóstico:

Afinal, o diagnóstico faz várias pressuposições que


comprometem a autonomia trans. O diagnóstico reforça formas
de avaliação psicológica que pressupõem que a pessoa
diagnosticada é afetada por forças que ela não entende. O
diagnóstico considera que essas pessoas deliram ou são
disfóricas. Ele aceita que certas normas de gênero não foram
adequadamente assimiladas e que ocorreu algum erro ou falha.
Ele assume pressupostos sobre os pais e as mães e sobre o
que seja ou o que deveria ter sido a vida familiar normal. Ele
pressupõe a linguagem de correção, adaptação e
normalização. Ele busca sustentar as normas de gênero tal
como estão constituídas atualmente e tende a patologizar
qualquer esforço para a produção do gênero seguindo modos
que não estejam em acordo com as normas vigentes (ou que
não estejam de acordo com uma certa fantasia dominante do
que as normas vigentes realmente são). É o diagnóstico que
tem sido imposto às pessoas contra a vontade delas e é o
diagnóstico que tem eficazmente feito vacilar a vontade de
muitas outras pessoas.

40
Como se observa, o debate é incisivo e complexo, pois aqueles que
defendem a manutenção do diagnóstico fazem-no em função da maior
facilidade em alcançar seus objetivos e, desse modo, exercer sua autonomia.
Paradoxalmente, os interessados em eliminar o diagnóstico também
pretendem ampliar a autonomia das pessoas transexuais, entendendo que tais
pessoas devem ser vistas e tratadas de modo não patologizante.

A autora afirma, ainda, que instrumentos como diagnóstico, ao mesmo


tempo em que possibilitam ações, podem gerar restrições e, muitas vezes,
funcionam tanto de uma maneira quanto de outra.

O que significa viver com esse diagnóstico? Ele ajuda algumas


pessoas a viver, a alcançar uma vida que elas sintam merecer
ser vivida? Ele dificulta a vida de algumas pessoas, fazendo
com que se sintam estigmatizadas e, em alguns casos,
contribui para um final suicida? Por um lado, não devemos
subestimar os benefícios que o diagnóstico trouxe,
especialmente, para as pessoas trans de recursos econômicos
limitados que, sem assistência, não poderiam ter atingido seus
objetivos. Por outro lado, não devemos subestimar a força
patologizante do diagnóstico, especialmente para jovens que
podem não ter os recursos críticos para resistir a essa força.
Nesses casos, o diagnóstico pode ser debilitante, senão
assassino. Algumas vezes, o diagnóstico assassina a alma e,
algumas vezes, torna-se um fator para o suicídio (Butler,
2009:98).

Outro ponto relevante nessa discussão é o fato de as correlações entre


identidade de gênero e orientação sexual serem, na melhor das hipóteses,
turvas. Afinal, não se pode prever, com base no gênero de uma pessoa, qual
sua identidade de gênero e, menos ainda, sua orientação sexual.

Em síntese, diante de tamanha diversidade, inerente à própria


natureza humana, torna-se, obviamente, sem sentido a pretensão de
classificar os indivíduos em normais e anormais em função da identidade de
gênero, exatamente como ocorre no modelo centrado no diagnóstico
psiquiátrico, que patologiza as pessoas transexuais.

41
1.5 Reflexos da Transexualidade no Cenário Jurídico

As controvérsias em torno da transexualidade oriundas das ciências


biomédicas impactam, evidentemente, outras áreas de conhecimento. No
mundo jurídico, a questão ganhou relevo e visibilidade no Brasil por conta do
aumento exponencial da demanda da população transexual por direitos civis
como retificação de nome e sexo, casamento, adoção, herança, etc.

Com efeito, assim como a Medicina, o sistema judicial é uma das


instituições que tradicionalmente se apoia na classificação dos seres humanos
em categorias binárias de sexo para a tomada de decisões. Juridicamente,
uma pessoa pode ser apenas homem ou mulher, não havendo espaços para
outras categorias. Por conseguinte, a lógica biomédica, ao se restringir ao
binarismo de sexo e gênero, considerados imutáveis, traz consequências
significativas para o campo do Direito (Machado, 2008).

Ainda de acordo com Machado (idem:235):

Para além de todas essas questões, outras mais cruciais


emergem: por que alguns corpos devem ser submetidos a
intervenções normatizadoras para ganharem inteligibilidade
social e também jurídica? A quem é permitido ocupar o lugar de
“sujeito de direito” e o que constitui o Humano dos Direitos
Humanos? É importante lembrar que essas e outras
problematizações não estão restritas às pessoas intersex, mas
também dizem respeito, por exemplo, a situações vividas por
homossexuais, travestis, transexuais, entre outros/as. Desse
modo, é preciso encaminhar as discussões para a esfera dos
direitos humanos, buscando analisar os entraves e problemas
gerados pela imposição social do sistema binário de sexo e
gênero, quando pensados sob a perspectiva dos direitos
sexuais e reprodutivos como direitos humanos.

É fato inconteste, porém, que a evolução das técnicas cirúrgicas tornou


possível a modificação da morfologia sexual externa, com o intuito de conciliar
aparência e gênero desejado. Esse avanço no campo médico, contudo, não foi
acompanhado pela legislação, o que ensejou para a classe médica um grande
dilema ético-jurídico acerca da natureza das intervenções cirúrgicas, bem
como das possibilidades de sua realização (Dias & Oppermann, 2012).

A institucionalização do Processo Transexualizador na esfera do SUS


sanou apenas em parte a mencionada omissão regulamentadora, pois

42
decorreu de atos administrativos editados pelo Poder Executivo (Ministério da
Saúde), obviamente sem força de lei. Por conseguinte, mesmo após a
realização de cirurgia pelo SUS, apenas mediante a propositura de ação
judicial revela-se possível a requalificação civil. Mais grave ainda, o
ajuizamento de ação não garante a efetivação do direito, visto que a
jurisprudência não está consolidada e, portanto, o teor da decisão, na prática,
espelha a visão pessoal do magistrado sobre o tema.

Ademais, a possibilidade de alteração legal de nome e sexo pela via


judicial, na maioria das vezes, ainda é atrelada à prévia realização de cirurgia
de transgenitalização. Este modelo prejudica sobremaneira o exercício de
direitos civis por aqueles indivíduos que realizaram apenas parte das
modificações corporais e, portanto, não possuem todas as características
esperadas de um “transexual verdadeiro” (Almeida, 2012a).

Tais características, por sua vez, são aferidas em perícias e laudos


técnicos apresentados pela Medicina a partir de conceitos unívocos do que
significa ser homem ou ser mulher. Em outras palavras, coube exclusivamente
à Medicina definir a transexualidade e reconhecer o “transexual verdadeiro”, o
que acabou embasando decisões judiciárias bastante arbitrárias no que
concerne à transexualidade. Assim, o discurso médico – com suas dúvidas,
incertezas e idiossincrasias – reverberou profundamente no âmbito jurídico,
oferecendo ao Direito uma suposta base biológica de reafirmação das
definições de gênero hegemônicas em nossa cultura (Zambrano, 2003).

O modelo que subordina a aquisição de um novo nome e identidade


civil ao poder da biomedicina é ainda mais perverso para aquelas pessoas que
realizam as modificações corporais sem passar pelo SUS, pois neste caso o
reconhecimento pela via judicial é dificultado pela ausência da chancela oficial
do sistema público, fator de insegurança para o Judiciário.

Com toda razão, portanto, vários autores que investigam o tema –


Zambrano (2005), Lionço (2006), Ventura (2007), Murta (2011), Bento (2012),
Almeida (2012a) e Teixeira (2013), dentre outros – consideram que condicionar
a alteração no registro civil à prévia realização de cirurgia de transgenitalização

43
pode ser compreendido como um ato de violência à integridade e à autonomia
do indivíduo.

Entretanto, mesmo as decisões judiciais aparentemente favoráveis às


pretensões do(a) demandante quanto à requalificação civil, por vezes, são
carregadas de preconceito. Com efeito, segundo Diniz (2002), há no Judiciário,
essencialmente, três correntes a respeito do registro civil para mudança de
nome de pessoas transexuais, sob a égide do Novo Código Civil Brasileiro (Lei
n° 10.406/2002).

A primeira assevera:

Essa retificação de registro de nome só tem sido, em regra,


22
admitida em caso de intersexual . Não há lei que acate a
questão da adequação do prenome de transexual no registro
civil. Em 1992, por decisão da 7ª Vara de Família e Sucessões
de São Paulo, pela primeira vez o Cartório de Registro Civil
averbou retificação do nome João para Joana, consignando no
campo destinado ao sexo “transexual”, não admitindo o registro
como mulher, apesar de ter sido feita uma cirurgia plástica, com
extração do órgão sexual masculino e inserção de vagina, na
Suíça. Não permitindo o registro no sexo feminino, exigiu-se
que na carteira de identidade aparecesse o termo “transexual”
como sendo o sexo de seu portador. O Poder Judiciário, assim,
decidiu porque, do contrário, o transexual se habilitaria para o
casamento, induzindo terceiro em erro, pois em seu organismo
não estão presentes todos os caracteres do sexo feminino
(Processo n. 621/89, 7ª Vara da Família e Sucessões) (Diniz,
2002:243).

Tal linha de pensamento, como se observa, reforça a discriminação,


indo de encontro a inúmeros dispositivos da Constituição Federal, entre os
quais o artigo 5º, caput e inciso X, que tratam da honra e da imagem das
pessoas:

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:

(...)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a


imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação.

22
Intersexual, como dito anteriormente, é o indivíduo possuidor de sexo indeciso com
caracteres somáticos e psíquicos de ambos os sexos.

44
A segunda corrente, capitaneada pela Desembargadora Rosa Maria
Nery, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, constitui um avanço em
comparação à anterior, mantendo, contudo, resquícios discriminatórios:

Os documentos têm de ser fiéis aos fatos da vida, logo, fazer a


ressalva é uma ofensa à dignidade humana. Realmente, diante
do direito à identidade sexual, como ficaria a pessoa se se
colocasse no lugar de sexo “transexual”? Sugere a autora que
se faça, então, uma averbação sigilosa no registro de
nascimento, assim, o interessado, no momento do casamento,
poderia pedir, na justiça, uma certidão “de inteiro teor”, onde
consta o sigilo. Seria satisfatório que se fizesse tal averbação
sigilosa junto ao Cartório de Registros Públicos, constando o
sexo biológico do que sofreu a operação de conversão de sexo,
com o intuito de impedir que se enganem terceiros (idem:245).

A terceira e última corrente – sem dúvida, a que melhor reflete os


princípios constitucionais da cidadania e da dignidade da pessoa humana –
tem por precursor o Juiz e acadêmico Antônio Chaves:

(...) não deve fazer qualquer menção nos documentos, ainda


que sigilosa, mesmo porque a legislação só admite a existência
de dois sexos: o feminino e o masculino e, além disso, veda
qualquer discriminação. Com a entrada em vigor da Lei n.
9708/98, alterando o art. 58 da Lei n. 6015/73, o transexual
operado teria base legal para alterar o seu prenome,
substituindo-o pelo apelido público notório, com que é
conhecido no meio em que vive (ibidem).

A legislação em vigor, contudo, é vaga e imprecisa acerca da questão


do registro civil para readequação de nome e sexo, pois não há lei alguma que
assegure o direito à requalificação civil das pessoas transexuais, mesmo após
as modificações corporais, restando, segundo Bento (2012), apenas
“gambiarras legais”, como a utilização do nome social23, por exemplo, uma
solução “à brasileira”, que “muda” sem, todavia, alterar substancialmente nada
na vida da população mais excluída da cidadania nacional. Esta omissão
legislativa nada tem de aleatória; pelo contrário, reflete o posicionamento do
Estado brasileiro em relação às demandas por direitos das pessoas
transexuais.

23
A Portaria MS nº 675/2006 – que aprovou a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde –
estabelece, como um dos princípios, a necessidade de constar em todo documento de
identificação do usuário, um campo para registrar o nome pelo qual prefere ser chamado,
independentemente do registro civil. A referida Portaria foi revogada e substituída pela Portaria
MS nº 1.820/2009, que ratifica o direito mencionado.

45
Na verdade, o Estado manifesta-se contrariamente a tais demandas a
partir dos silêncios, das obstruções e da lentidão em face de
encaminhamentos de quaisquer projetos de lei relacionados à temática
(Teixeira, 2013).

Diante da referida omissão, os magistrados adotam a interpretação


que mais se adequa às suas convicções pessoais. Consequentemente,
inúmeras decisões judiciais têm se revelado preconceituosas e despidas de
objetividade, em frontal desacordo com os parâmetros e princípios
preconizados pela Constituição Federal de 1988.

Desta forma, perpetuam-se o desrespeito a direitos e as situações


vexaminosas frequentemente vividas pelas pessoas transexuais, decorrentes
do fato de em seus documentos de identificação constarem nome e sexo
discordantes do gênero com o qual se apresentam na sociedade. Dentre as
violações mais comuns, destacam-se o constrangimento na apresentação dos
referidos documentos em lugares públicos – muitas vezes nas próprias
unidades de saúde – e as dificuldades de inserção no mercado de trabalho.

Em suma, no tocante ao atendimento das demandas de pessoas


transexuais, a política de saúde pública brasileira mostrou-se um pouco mais
célere do que o Poder Judiciário, pois, não obstante remanescerem grandes
dificuldades de acesso e limitações quanto à qualidade da assistência, as
intervenções cirúrgicas e os tratamentos de modificação corporal foram
institucionalizados pelo SUS. Por outro lado, mesmo após a cirurgia de
transgenitalização, a Justiça pode demorar anos até conceder autorização para
retificação de nome e sexo em documentos civis.

Parece óbvio que nem sempre o fato jurídico mostra-se capaz de


acompanhar o fato social, diante da velocidade das transformações na
sociedade. Consequentemente, a mobilização e o enfrentamento são, por
vezes, necessários para adequar a situação jurídica de determinado contexto à
realidade fática. O direito é uma construção social e o meio de atingi-lo é a luta
(Ihering, 2002).

46
2. ASPECTOS HISTÓRICOS DA POLÍTICA DE SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA

A garantia de acesso irrestrito à saúde é condição sine qua non para o


exercício da cidadania24 plena. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988,
considerada cidadã, dispõe, no artigo 196, que “a saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem
à redução do risco de doença e de outros agravos, o acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Ademais, a Constituição contém diversos outros dispositivos que


consagram o conceito de cidadania, a ser pensada, segundo Coutinho (1997),
enquanto processo histórico no qual são atribuídas permanentemente novas e
mais complexas determinações. Nas palavras do autor:

Cidadania não é dádiva, nem tampouco é algo definitivo, ela


não vem de cima para baixo, mas é fruto de batalhas
permanentes, travadas quase sempre a partir de baixo, das
classes subalternas. Por isso, sua conquista e ampliação
implicam em processos históricos de longa duração. Assim,
não é causal que a ideologia hoje assumida pela burguesia
propugne tão enfaticamente o fim dos direitos sociais, o
desmonte do Welfare State (Coutinho, 1997:158).

No entanto, a mera existência de dispositivos constitucionais


garantindo direitos inerentes à cidadania, inclusive o acesso à saúde, nada
significa se não houver real efetividade. Além disso, o exercício de certos
direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não gera automaticamente
o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O exercício do voto não

24
A clássica análise de Marshall (1967) caracteriza três espécies de direito de cidadania: 1.
Direitos Civis – instituídos no século XVIII e inerentes à propriedade, à justiça e às liberdades
individuais, de expressão, de pensamento e de contratar; 2. Direitos Políticos – conformados no
século XIX e referentes, essencialmente, ao exercício do poder político (votar e ser votado); 3.
Direitos Sociais – conquistados no século XX e correspondentes ao conjunto de direitos
relativos ao bem-estar econômico e social, desde a segurança até o direito de partilhar dos
padrões de vida prevalecentes na sociedade. Segundo o autor, a cidadania somente pode ser
considerada plena quando dotada simultaneamente das três espécies de direitos. Tal análise,
contudo, gerou bastante controvérsia entre autores brasileiros. Behring & Boschetti (2007:102),
por exemplo, assinalaram que “muitas críticas foram feitas ao trabalho de Marshall, desde sua
linearidade, sua tentativa de generalização da experiência inglesa numa suposta teoria da
cidadania e sua explícita subsunção da desigualdade à cidadania”. Outra reflexão crítica,
consistente e indispensável sobre o referido tema pode ser encontrada na obra “A Cidadania”
de Jack Barbalet, publicada em 1989. Sobre o tema, é importante conferir também: Wanderley
Guilherme dos Santos (1987) e José Murilo de Carvalho (2004).

47
garante, por exemplo, a existência de governos atentos aos problemas básicos
da população (Carvalho, 2004).

Dito de outro modo, a liberdade e a participação não levam


automaticamente à resolução de problemas sociais, uma vez que a cidadania
inclui várias dimensões e algumas delas podem estar presentes num
determinado contexto histórico e cultural, sem que estejam obrigatoriamente as
outras. Não se pode olvidar, contudo, que cidadania plena – liberdade,
participação e igualdade para todos – é um conceito desenvolvido no Ocidente,
paradoxalmente, nos marcos das sociedades capitalistas, clivadas por
múltiplas expressões de desigualdade social, sendo, portanto, um ideal
inatingível. Não obstante, tal conceito ocidental tem servido de parâmetro para
o julgamento da qualidade da cidadania em cada país e a cada momento
histórico (idem).

Uma das faces mais relevantes da cidadania são, portanto, os direitos


sociais, seara de intervenção precípua do Serviço Social. No Brasil, a
consolidação de tais direitos – inclusive do direito à saúde – é um processo
marcado por interrupções, avanços e retrocessos, como se verá a seguir.

2.1 Da Assistência Filantrópica ao Estado Higienista do Século XIX

Discutir políticas sociais no Brasil – especialmente políticas de saúde –


exige a compreensão da estratégia de planejamento dos governos ao longo do
tempo. A trajetória das ações de saúde inicia-se no século XVIII, quando a
assistência médica aos enfermos – destituídos de recursos financeiros – era
prestada por instituições filantrópicas criadas por iniciativas particulares, como
as Santas Casas de Misericórdia25 ou pela atuação voluntária dos padres
jesuítas.

25
A Santa Casa de Misericórdia é uma irmandade religiosa fundada em 1582 e ainda em
atividade. Administrada por um provedor sem fins lucrativos, sua “missão é acolher e cuidar dos
mais carentes”, prestando-lhes serviços assistenciais, inclusive na área médico hospitalar.
Maiores informações podem ser encontradas na página eletrônica da instituição:
www.santacasarj.org.br. Último acesso em 13 de agosto de 2013.

48
Com a abertura dos portos em 1808, surgiram no Brasil as primeiras
epidemias, agravadas pela intensificação da imigração (Silva, 1996). Por
conseguinte, “o controle desta situação exigiu o estabelecimento de reformas
administrativas no setor sanitário, consolidando a atuação do Estado no que se
convencionou chamar, desde o início, de saúde pública” (idem:9).

Não se pode olvidar que o século XIX vincou profundamente as


relações sociais e a cultura do povo brasileiro. Afinal, num relativamente curto
período histórico, o país deixou de ser colônia (em 1822), passou por dois
reinados, um governo regencial e ingressou na República (em 1889). Ademais,
sofreu grandes e importantes transformações econômicas, inclusive o
abandono do passado escravocrata (Moreira, 2012).

Sobre tal conjuntura, assinala Carvalho (2004:17-18):

Ao proclamar sua independência de Portugal em 1822, o Brasil


herdou uma tradição cívica pouco encorajadora. Em três
séculos de colonização (1500-1822), os portugueses tinham
construído um enorme país dotado de unidade territorial,
linguística, cultural e religiosa. Mas tinham, também, deixado
uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma
economia monocultora e latifundiária e um Estado absolutista.

A preocupação com o controle de endemias – ainda no período


imperial –, marcou o início da institucionalização das ações de saúde no Brasil
(Escorel, 1999). Nesta mesma época, o Estado liberal tomou consciência da
alta mortalidade infantil e das péssimas condições sanitárias do “lar patriarcal”
(Trevisan, 1986:171), o que ensejou o início das prescrições médicas e
científicas voltadas para o lar, nas quais a saúde e a educação das crianças
eram os temas centrais.

Os pais passaram a ser responsabilizados pelo futuro dos filhos, por


meio de uma política de higiene dita racional, cujo objetivo era contribuir para a
grandeza da nação. O corpo dos cidadãos tornou-se objeto de preocupação do
Estado, que lançou campanhas de moralização e higiene coletiva voltadas
para as massas e inspiradas no ideal de família nuclear do Estado burguês.

Resumidamente, o Estado invadiu o interior das famílias, utilizando


como preposto o médico higienista, como assevera Trevisan (idem:172):

49
Foi através do especialista em higiene que o Estado imiscuiu-se
no interior das famílias. Com livre trânsito neste espaço outrora
impenetrável à ciência, o médico higienista acabou impondo
sua autoridade em vários níveis. Além do corpo, também as
emoções e a sexualidade dos cidadãos passaram a sofrer
interferências desse especialista cujos padrões higiênicos
visavam melhorar a raça e, assim, engrandecer a pátria. A
partir da ideia de um corpo saudável, fiel aos ideais de
superioridade racial da burguesia branca, criavam-se rigorosos
modelos de boa conduta moral, através da imposição de uma
sexualidade higienizada, dentro da família. Acreditava-se que a
libertinagem enfraquecia as nações.

Com o objetivo de aprimorar os padrões reprodutivos e “fortalecer” a


nação, o higienismo igualmente procurou combater a alta incidência de
doenças venéreas, sobretudo mediante o desestímulo ao sexo extraconjugal.
Tal pensamento traduzia-se na sistemática condenação, pelo Estado
higienista, de libertinos, celibatários e homossexuais, considerados
irresponsáveis e adversários do bem-estar biológico-social, por não cumprirem
adequadamente o papel imposto pela sociedade.

O discurso médico do século XIX, todavia, representou um avanço em


relação à Inquisição das décadas anteriores, na medida em que o controle do
comportamento desviante fundamentava-se na ciência, supostamente neutra,
e não mais na religião. Com efeito, até então os atos sexuais entre dois
homens ou duas mulheres eram considerados “perversão moral”, pecado e
crime, por influência bíblica.

Nesse contexto, a sodomia26 já havia deixado de ser considerada


crime punível com a morte desde o Código Penal Brasileiro de 1830. Algumas
décadas depois, o homossexualismo27 passou a constar do discurso médico
como doença psiquiátrica, pois, até então, a medicina utilizava o termo

26
Termo de origem bíblica usado à época para designar as perversões sexuais, com ênfase
para o sexo anal entre dois homens.
27
Em 1869, o alemão Karl Maria Kertbeny cunhou o termo homossexual para designar pessoas
que se relacionavam afetiva e sexualmente com outras de seu próprio sexo, em substituição –
pelo menos no discurso oficial – a expressões pejorativas como sodomita e “pederasta
passivo”. O objetivo primordial era evitar que mais homens (em maior medida) e mulheres
fossem condenados à prisão ou à morte por atos homoeróticos. Esta nova terminologia retira o
tema da seara criminal para incluí-lo, num primeiro momento, entre as questões afetas à
natureza biológica, determinada por genes e hormônios. No Brasil do final do século XIX, o
“homossexualismo” passou a definir – no bojo de uma biomedicina preocupada com a higiene
da nação – as relações entre pessoas do mesmo sexo. Mais de 100 anos depois, o termo
cedeu lugar à palavra homossexualidade, expressão que, ao contrário de sua antecessora, não
remete a um sentido de doença (Silva, 2006).

50
pederastia28 para classificar a relação sexual entre dois homens. Sobre a
transição do homossexualismo do campo penal para a área médica, assinala
Trevisan (ibidem:177):

Considerado doente, o pederasta não era mais culpado por


transgredir a norma, o que significa sua inimputabilidade, do
ponto de vista jurídico. Tal fato teria consequências
imprevisíveis, por empurrar a sexualidade para o território da
psiquiatria.

Resumidamente, ainda de acordo com Trevisan, o padrão higiênico-


burguês colaborou para extinguir os bestiais castigos do período colonial; ao
mesmo tempo, contudo, contribuiu para criar um cidadão reprimido, intolerante,
bem comportado e inteiramente disponível ao Estado e à Pátria. Nessa
conjuntura, a psiquiatria começa a ganhar espaço para “tratar” pessoas com
práticas sexuais consideradas desviantes. Na nova ordem, o controle
terapêutico amparado na ciência substituiu as ações com base em dogmas
religiosos. Agora, os cidadãos deviam obediência mais ao médico do que a
Deus.

2.2 Da Proclamação da República à Revolução de 1930

O fim da era imperial coincidiu com um período de profundas


mudanças nas práticas dominantes na área de saúde no Brasil, especialmente
em função dos novos conhecimentos científicos no campo da microbiologia.
Tais mudanças estavam intimamente ligadas ao processo de transformação
das relações socioeconômicas hegemônicas no país, que consolidou novas
formas de produção, subordinadas à lógica do capital. Com efeito, a
necessidade de acumulação capitalista – que impunha, cada vez mais, a
implementação de políticas públicas voltadas para a preservação da força de
trabalho – representou fator determinante para a renovação das práticas de
saúde.

28
A palavra de procedência grega designa o relacionamento erótico entre um homem e um
menino. Por extensão de sentido, o termo foi utilizado por muito tempo para designar, além da
prática sexual entre um homem e um rapaz mais jovem, qualquer relação homossexual
masculina.

51
As mazelas decorrentes da migração e as expressões da questão
social29 não haviam, ainda, assumido dimensão que demandasse permanente
intervenção estatal na área de saúde. Ademais, não obstante a profusão de
doenças transmissíveis neste período, a filantropia – presente em instituições
como a Santa Casa de Misericórdia – e a medicina liberal continuavam a
representar praticamente o único modelo de atenção médica vigente. O Estado
brasileiro intervinha somente sobre o perfil de mortalidade e morbidade, por
meio de campanhas sanitárias pontuais (Escorel, 1999).

Inicialmente, com o propósito de tornar o povo saudável e produtivo e na


tentativa de promover, sob o aspecto sanitário, a integração do país, algumas
ações preventivas foram intensificadas. O combate à varíola, à peste e à febre
amarela, que nas áreas urbanas constituíam séria ameaça à força de trabalho
– e, também, para a classe dominante –, tornou-se prioridade.

Além disso, a questão da saúde começou a entrar na pauta de


reivindicações do ainda incipiente movimento dos trabalhadores. Tal fator,
aliado às já mencionadas transformações econômicas por que passava o país,
ensejou as primeiras iniciativas institucionais na área de saúde pública.

Nesse cenário, é importante destacar o papel desempenhado pelo


Instituto Soroterápico, sob a administração do sanitarista Oswaldo Cruz e cuja
atuação estruturava-se a partir do modelo campanhista30. O objetivo primordial
era o combate à febre amarela urbana, por meio de medidas pontuais como o
isolamento de pessoas infectadas, a obrigatoriedade da notificação da doença
e a vacinação compulsória.

Para Nunes (1997:111) “a chamada conjuntura Oswaldo Cruz


inaugurava a organização da saúde em moldes científicos com base na
bacteriologia e microbiologia e as ações com respeito à imunização por
vacinas”. Por outro lado, as campanhas sanitárias eram implementadas a partir

29
Sabe-se que o conceito de questão social não é unívoco. Contudo, uma definição clássica,
pertinente e lúcida – além de muito difundida no Serviço Social brasileiro e latino-americano –
pode ser encontrada na obra “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil” de Iamamoto &
Carvalho (1995).
30
O modelo campanhista teve origem nas brigadas militares formadas, por volta de 1901, para
combater os mosquitos causadores da malária e febre amarela, que se abatiam sobre a tropa
americana durante a construção do Canal de Panamá, na América Central.

52
da concepção de que as doenças endêmicas representavam um problema cujo
enfrentamento exigia uma estratégia eminentemente militar. Por consequência,
apesar de fundamentadas na teoria bacteriológica e na engenharia sanitária,
as campanhas eram carregadas de ações coercitivas, concentradas na
tentativa de erradicação dos agentes ou vetores causadores das moléstias.

De acordo com Arouca (2003), no final do século XIX, estruturou-se a


primeira das direções da atuação governamental no setor: a vertente de
caráter mais coletivo, com ênfase no tratamento das endemias e voltada ao
desenvolvimento da saúde pública. Posteriormente, no início dos anos 1920,
favorecida pelo advento do previdencialismo, consolidou-se a outra vertente,
relacionada ao atendimento médico individual.

Na mesma época, quando a economia ainda era baseada no modelo


agrário-exportador e diante da precariedade da cobertura estatal, as colônias
de imigrantes iniciaram as primeiras articulações para a criação de hospitais
especificamente direcionados para o seu atendimento: Italiano, Sírio-Libanês,
Beneficência Portuguesa, etc.

Também nessa época, a corrente médico-sanitarista brasileira ainda


adotava conceitos que dissociavam a saúde pública da área médica:

O conceito de consciência sanitária permitia compreender


como o meio insalubre atingia os indivíduos. Medicina e saúde
pública eram entendidas como campos distintos; a primeira
para curar por meio de clínica, patologia e terapêutica, e a
segunda para prevenir doenças, prolongar e promover a saúde
por intermédio da higiene e da educação sanitária (Merhy &
Queiroz, 1993:178).

Nos anos seguintes, a política de saúde no Brasil tornou-se um


instrumento eficaz de controle político e social do Estado sobre a classe
trabalhadora formal, com o objetivo primordial de dar suporte à implantação do
sistema produtivo nacional. Os serviços públicos de saúde continuaram a ser
desenvolvidos para mitigar as contradições inerentes ao próprio sistema
capitalista.

Em suma, a saúde emergiu como “questão social” no Brasil no bojo da


economia capitalista exportadora cafeeira, como reflexo direto do avanço da

53
divisão do trabalho e da emergência do trabalho assalariado (Braga & Paula,
1986).

A finalidade precípua da atuação do Estado era, portanto, minimizar os


efeitos nocivos das atividades econômicas sobre a sociedade, conforme
ilustrado nas diversas análises que procuraram estabelecer relações entre as
políticas sociais e os modelos de desenvolvimento econômico, adotados ao
longo do tempo31.

Assim, consubstanciada inicialmente por ações restritas, dirigidas a


uma classe nitidamente definida, o formato da política de saúde brasileira das
primeiras décadas do século XX – bem como de outras políticas sociais do
período – revelou-se fundamental para a consolidação de uma ordem interna
de mercado, consoante a lógica vigente em países que optaram tardiamente
pelo capitalismo industrial.

2.3 Era Vargas32 e Governo JK

Durante a década de 1930 – fase de estruturação embrionária das


políticas sociais – a elite dominante sustentava a ideia de que Getúlio Vargas e
seu regime autoritário de governo promoveriam o desenvolvimento econômico
e social do país. Ganhava força a ideologia de modernização da sociedade,
que tinha por base a industrialização, processo conduzido, sobretudo, pela
conjugação de esforços de militares e setores dissidentes da aristocracia
agrária nacional. Ainda na primeira década do século XX, a saúde brasileira
havia sido muito influenciada pela Escola de Saúde Pública Americana de
Baltimore, associada à Fundação Rockefeller e à Johns Hopkins University.

Em função do projeto de modernização do país, engendrou-se a


expansão de direitos trabalhistas, essencialmente mediante o oferecimento
pelo Poder Público de determinadas políticas sociais restritas e de corte
protecionista, dirigidas ao segmento assalariado. Tais políticas configuraram o

31
Reflexões densas e pertinentes podem ser encontradas em Santos (1979); Aureliano &
Draibe (1989); Kowarick (1994); Mota (1998); Behring & Boschetti (2007) e Cardoso (2010).
32
Getúlio Dornelles Vargas foi Presidente do país de 1930 a 1945 e depois de 1950 a 1954.
Historicamente, seu primeiro Governo é dividido em Provisório (1930 a 1934); Constitucionalista
(1934 a 1937) e Estado Novo (1937 a 1945).

54
que Wanderlei Guilherme dos Santos classificou de ‘‘estratificação da
cidadania” ou “cidadania regulada” (Santos, 1979:75).

De 1930 a 1937 – período anterior ao Estado Novo –, o planejamento


governamental era, ainda, bastante embrionário e se voltava especialmente
para a implantação de uma legislação previdenciária e trabalhista que
aplacasse as reivindicações do movimento operário. O tratamento dispensado
à questão social era meramente convencional, não obstante a consolidação de
uma estrutura organizacional e administrativa de saúde e educação, com a
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1930, cuja função era
absorver demandas relativas ao "ensino, à saúde pública e à assistência
hospitalar" (Barcellos, 1983:25).

A política social detinha forte inclinação paternalista, com viés


centralizador, burocrático e corporativista, sendo viabilizada por decretos
presidenciais. Ao mesmo tempo, Vargas procurou implantar seu projeto de
industrialização com expansão do capitalismo no Brasil, contendo o ímpeto
reivindicatório do movimento trabalhista por meio da satisfação de algumas de
suas demandas e do reconhecimento dos sindicatos para promover e negociar
os direitos dos assalariados.

Estas aparentes conquistas dos trabalhadores – inseridas na estratégia


do Governo Vargas –, resultaram na absorção dos sindicatos livres pelo
aparelho de Estado. Com efeito, tais entidades transformaram-se em
instituições de direito público despolitizadas, verdadeiros instrumentos de
aliciamento, coerção e exercício de poder sobre a classe assalariada.

Dito de outro modo, a consagração de direitos sociais “foi fruto de um


processo de barganhas políticas, desencadeado por grupos revoltosos e
refreado por Vargas, inicialmente por meio de repressão punitiva e
posteriormente por meio de políticas sociais clientelistas” (Gomes, 2005:17).

Para Bravo (1991), é somente nessa época que se inicia a intervenção


sistemática e permanente do Estado brasileiro na área de saúde. Nos anos
seguintes, intensificou-se a atuação estatal no campo das políticas econômicas
e sociais, sendo o planejamento elaborado de forma mais articulada. O

55
predomínio do autoritarismo propiciou ao Estado maior autonomia na definição
de ações para a promoção do desenvolvimento nacional.

O Estado autoritário adotou um controle mais efetivo do “corpo social”,


enquadrando trabalhadores, agitadores e outros delinquentes em teorias como
as de Lombroso, capazes de explicar o comportamento desviante. No bojo de
tal autoritarismo, boa parte da comunidade médica incentivou os debates
iniciados nos anos 1930 e voltados para a inclusão de um capítulo específico
sobre “homossexualismo” no Código Penal, o que, felizmente, acabou não
acontecendo (Silva, 2006).

Para a corrente médica, à época majoritária, a origem do


“homossexualismo” residia em desequilíbrios hormonais congênitos. Segundo
Green (2000), tal corrente considerava o corpo social brasileiro dos anos 1930
‘fora de controle’, diante das inquietações políticas e sociais. Do mesmo modo
era percebido o corpo do homossexual, cuja disfunção do sistema hormonal
levava a uma conduta imoral e degenerada, resultando em comportamentos
que desafiavam os padrões estabelecidos de masculinidade e feminilidade.

Não obstante a autonomia conferida à ação estatal, o período é


marcado pelo forte aumento da mortalidade infantil e dos casos de
tuberculose, febre amarela, malária, doença de Chagas, meningite, peste
bubônica e outras endemias no Rio de Janeiro. Além disso, ocorreu um
agravamento dos índices de acidente de trabalho (Barcellos, 1983).

Concomitantemente, o reordenamento da economia mundial e o


espectro da Intentona Comunista33 ampliaram as preocupações do Governo
com os reflexos sociais negativos do “desenvolvimento”, como o inchaço das
grandes cidades e o aumento da violência.

Tal conjuntura – influenciada, ainda, pelas consequências nefastas da


Segunda Guerra Mundial – resultou na tentativa de construção de um Welfare

33
A Intentona Comunista – também conhecida como Revolta Vermelha de 1935 e Levante
Comunista – foi uma tentativa de golpe contra o Governo de Getúlio Vargas engendrada
pelo PCB (à época, Partido Comunista do Brasil).
Disponível em http://www.historiabrasileira.com/brasil-republica/intentona-comunista/. Último
acesso em 14 de julho de 2013.

56
State34 nacional, conforme assinalam Aureliano e Draibe (1989:139),
chamando a atenção para “a emergência de sistemas nacionais, públicos ou
estatalmente regulados de educação, saúde, integração de renda, assistência
social e habitação popular".

Na década de 1940, verificou-se novo processo de transformação no


perfil do Estado brasileiro, motivado pelo "fortalecimento do pensamento liberal
e democrático que vinha sendo veiculado por setores da elite, acabando por
provocar o enfraquecimento do autoritarismo estadonovista" (Barcellos,
1983:86).

De fato, o regime ditatorial, debilitado com a derrota do nazi-fascismo,


tomou-se alvo fácil das forças nacionais liberais em ascensão, concentradas
na União Democrática Nacional (UDN).

As medidas democratizantes encontraram espaço na Constituição de


1946, que criou os instrumentos e as condições para a realização de eleições
diretas, resgatando a participação política, um dos pilares do exercício da
cidadania.

No entanto, a democratização do país, que se seguiu ao suicídio de


Getúlio, não significou o fim imediato da política de saúde pública centrada em
campanhas sanitárias e nos programas paternalistas de atendimento aos
cidadãos mais pobres. À época, ainda predominavam no quadro sanitário
brasileiro doenças e patologias relacionadas à pobreza, à industrialização e à
urbanização.

Os trabalhadores formais urbanos eram assistidos pelos Institutos de


Aposentadorias e Pensões (IAPs) organizados por categorias ocupacionais,
sistemática inerente a um modelo econômico atrelado ao capital industrial e
subordinado à lógica do capital internacional. Os ricos, por sua vez, tinham a
seu dispor a medicina liberal.

34
Sobre conceituação, emergência, desenvolvimento e crise do Welfare State, consultar Fleury
Teixeira (1985).

57
O populismo – característica marcante da ação política pós-Vargas –
cristalizou-se definitivamente na relação Estado-Sociedade. Com efeito, a
ambiguidade das políticas populistas engendradas pelos Presidentes Eurico
Gaspar Dutra e Juscelino Kubitschek, ao mesmo tempo em que propiciava
condições para o crescimento dos movimentos populares, permitia a
manipulação das aspirações da classe trabalhadora. Além disso, as
reivindicações dos trabalhadores ensejaram a ampliação do aparelho estatal,
cujas intervenções eram dirigidas, essencialmente, para o atendimento das
necessidades geradas pelo incremento da urbanização (Escorel, 1999).

Não obstante o viés populista, o Governo JK – cujo lema era "50 anos
em 5" – promoveu a modernização do país, mediante a intensificação do
processo de industrialização e integração nacional. Seu projeto político e
econômico visava o aprofundamento da inserção do Brasil no sistema
capitalista mundial, ao mesmo tempo em que pretendia reforçar o papel do
Estado como planejador e fomentador do desenvolvimento.

Ainda que a saúde não representasse um aspecto central das


propostas de governo, Kubitschek engendrou um plano para o setor, acenando
com algumas mudanças destinadas, sobretudo, a combater a imagem de um
país doente e o abandono da população do interior. A bandeira principal, no
entanto, era a modernização; por conseguinte, ganharam prioridade medidas
como o incentivo à instalação de indústrias farmacêuticas de capital
estrangeiro e o combate a enfermidades do mundo desenvolvido como o
câncer e as demais doenças crônico-degenerativas (Benevides, 1979).

Em paralelo, com o intuito de garantir mão-de-obra abundante para a


produção capitalista, foram implementadas ações de combate às chamadas
doenças de massa, tais como tuberculose, lepra, enfermidades
gastrointestinais e endemias rurais, que debilitavam e tornavam improdutivos
milhões de brasileiros. Assim, a recuperação da saúde da população era
compreendida, em termos gerais, como o restabelecimento de sua capacidade
de trabalhar e obter renda, conforme se depreende das palavras do ainda
candidato à presidência: "curaremos o país e teremos homens sadios e
capazes de empreender a tarefa de desenvolver o país" (Kubitschek, 1955a:5).

58
Resumidamente, as medidas de saúde do Governo Kubitschek foram
emolduradas pela ideia de desenvolvimento acelerado do Brasil, guardando,
porém, algumas semelhanças com os objetivos gerais do movimento médico-
higienista da Primeira República. No entanto, apesar dos inegáveis avanços, o
trágico ciclo que associava pobreza, desnutrição, moradia precária e
enfermidade não foi superado.

2.4 Ditadura Militar

A primeira década da Ditadura Militar foi marcada por reformas


institucionais, objetivando a consolidação de um projeto autoritário de
modernização da economia. No período, que engloba o denominado “milagre
econômico”35, paralelamente à grande expansão do parque industrial, verificou-
se um crescimento exponencial da miséria, fruto do aumento da concentração
de renda.

Em outras palavras, houve crescimento dos índices de pobreza, diante


da redução dos gastos com as politicas sociais, visto que os recursos do
Estado eram carreados, essencialmente, para investimentos em infraestrutura
econômica. Os serviços de saúde pública, evidentemente, foram afetados por
esse projeto autoritário, que, além disso, conferia prioridade à mercantilização
do sistema de saúde, com ênfase no modelo hospitalocêntrico.

O sistema de atenção estatal à saúde era mantido com recursos da


Previdência Social, não havendo, no orçamento do Ministério da Saúde (MS),
destinações específicas para a prestação de serviços públicos de saúde. Com
efeito, a Previdência Social favorecia o desenvolvimento do setor privado,
mediante a compra de serviços de saúde e, desta forma, estimulava o padrão
de organização da prática médica orientada pelo lucro.

Nesse cenário – em que a política nacional de saúde passou a enfrentar


permanente tensão entre a necessidade de ampliação dos serviços e a pouca
disponibilidade de recursos financeiros – houve a unificação dos IAPs para dar
lugar ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o que reduziu ainda
mais os recursos orçamentários destinados à área de saúde pública. A saúde

35 Reflexões interessantes sobre o tema podem ser encontradas em Mello Filho (1972).

59
no Brasil tornou-se, portanto, ainda mais ineficiente e conservadora, com
intervenções que se restringiam a campanhas pontuais e de baixa eficácia,
trazendo consequências nefastas para a saúde da população mais pobre.

O Governo Militar foi marcado, também, por violenta repressão política e


pelo privilegiamento acentuado do setor privado, com estímulo à acumulação
capitalista. Tal modelo refletia-se diretamente na área da saúde, o que resultou
na instituição de um padrão voltado para o atendimento de clientes, e não de
pacientes.

Por outro lado, a intervenção do Poder Público na área social passou a


ser desenvolvida por meio de organizações de perfil eminentemente técnico-
burocrático. Estas entidades atuavam como instrumento do governo
centralizado e autoritário, cujo projeto incluía a implantação de um arremedo
de Welfare State no Brasil.

Tal tentativa de construção do Estado de Bem-Estar Nacional resultou


numa série de políticas sociais de índole fragmentada e seletiva, uma vez que
nem todas as áreas de intervenção social do Estado operavam plenamente.
Ademais, as políticas eram dirigidas a grupos sociais específicos, com o intuito
de incorporá-los paulatinamente ao sistema (Aureliano & Draibe, 1989).

Não obstante a repressão social da Ditadura, o período é marcado por


efervescentes transformações culturais, decorrentes, sobretudo, da
irreverência da juventude e de seu desejo de subverter os padrões de
comportamento estabelecidos, cristalizados num movimento de contracultura
capitaneado pelos hippies. A busca pela liberdade sexual emergiu,
essencialmente, a partir do inconformismo feminino, potencializado pelo
surgimento da pílula anticoncepcional. Em suma, o conceito de sexualidade
alterou-se significativamente, com as mulheres conquistando um novo espaço
na sociedade.

É neste contexto que – no bojo da eclosão dos movimentos estudantis


em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil – emerge, também, o
movimento de luta dos homossexuais no país, com as primeiras manifestações
pelo reconhecimento de seus direitos, inclusive o de acesso à saúde. Tais

60
manifestações foram duramente reprimidas pelo regime ditatorial, inclusive
mediante a aplicação de sanções criminais por atentados à moral pública e aos
bons costumes.

De acordo com as reflexões de Bravo (1991:74), “para o enfrentamento


da ‘questão social’ no período inicial da Ditadura Militar, o Estado valeu-se do
binômio repressão e assistência”. A política assistencial foi burocratizada, com
a finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade, bem como
direcionada para suavizar as tensões sociais decorrentes dos movimentos
populares e, assim, conseguir legitimidade para o regime permanecer a serviço
dos mecanismos de acumulação do capital.

Mais de uma década após o Golpe Militar, a política social mantinha a


finalidade precípua de contenção das reivindicações e pressões populares, de
forma condizente com o contexto intrínseco à Ditadura, escorada na repressão
política e acelerando a concentração de renda. No início dos anos 1980, era
iminente, o fim do ciclo de governo autoritário, considerando a conjuntura
internacional e, sobretudo, o fracasso do projeto econômico da Ditadura,
marcado por uma crise global de legitimidade do Estado perante a sociedade.

À época, no bojo das transformações políticas por que passava o país,


ganhava corpo o Movimento de Reforma Sanitária, cujas bandeiras já eram
levantadas pelos sanitaristas desde o final da década de 1960. Todavia, as
ações orquestradas em favor do capital pelo Regime Militar deixaram marcas
indeléveis nas condições de vida da população e influenciaram sobremaneira o
modelo de saúde ainda vigente, especialmente no que concerne à saúde da
população transexual, como se verá a seguir.

61
3. TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE DE PESSOAS TRANSEXUAIS NO
BRASIL

3.1 Antecedentes Históricos

As primeiras ações sistemáticas de saúde pública no país,


especificamente voltadas para a população transexual, ocorreram apenas no
final dos anos 1990. Para que tais ações se tornassem viáveis, contudo, foi
necessária a conjugação de uma série de fatores relevantes, entre os quais se
destacam, como se verá a seguir, a Reforma Sanitária e a epidemia de AIDS.

3.1.1 Reforma Sanitária

O Movimento de Reforma Sanitária – engendrado a partir da


indignação de setores da sociedade com a dramática situação da saúde no
Brasil – pautou suas ações, desde o início, pelo questionamento de tal
realidade. Ademais, pode-se afirmar que a Reforma Sanitária brasileira nasceu
da luta contra a Ditadura, com o tema “Saúde e Democracia”, tendo-se
estruturado primordialmente nas universidades, no movimento sindical, no
movimento popular e em experiências regionais de organização de serviços.

Entre os diversos atores engajados desde os primórdios na Reforma


Sanitária, destacavam-se, ainda, os médicos residentes, que trabalhavam sem
carteira assinada e com carga horária excessiva. Não tardou, contudo, para o
movimento ganhar a adesão de sindicatos médicos, e, também, de conselhos
regionais e do Conselho Federal de Medicina, então em fase de renovação.

A base teórica e ideológica do Movimento Sanitário ancorava-se no


pensamento médico-social, também chamado de abordagem marxista da
saúde e teoria social da medicina. Em contraposição às correntes tradicionais
de reflexão sobre a saúde, concentradas nas ciências biológicas e na maneira
como as doenças eram transmitidas, os sanitaristas propalavam que a doença
era essencialmente determinada pelas relações sociais e pela desigualdade
entre as classes (Arouca, 2003).

62
Todavia, além do movimento de tradição marxista, participavam da
discussão acerca da Reforma Sanitária diversos outros atores inconformados
com a Ditadura e comprometidos com as imprescindíveis mudanças nas
políticas públicas da área de saúde, inclusive os integrantes da Social-
Democracia.

A criação em 1976 do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)


– espaço de debates sobre democracia e saúde e de divulgação de temas
correlatos – revelou-se um marco importante na luta pela Reforma Sanitária.
Além disso, entre 1974 e 1979, diversas experiências institucionais tentaram
colocar em prática algumas diretrizes da Reforma, como a descentralização, a
participação popular e a organização social.

Na mesma época, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da


Fundação Oswaldo Cruz tornou-se espaço de práticas relacionadas à
abordagem marxista da saúde. Com efeito, a ENSP patrocinou vários projetos
de saúde comunitária – inclusive clínicas da família – e realizou diversas
pesquisas sobre o tema, bem como inúmeros treinamentos visando à difusão
de tais práticas (Arouca, 1998).

A fase final do regime militar manifestou-se em várias dimensões e nas


diversas políticas sociais, abrindo novas brechas para algumas mudanças, na
medida em que o próprio Estado tentava aproximar-se da sociedade, na busca
de soluções para a gestão estatal (Escorel, 1999).

Nesse período, os sanitaristas articularam-se para produzir um


documento chamado “Saúde e Democracia”, no qual elencavam suas
propostas para a construção de um sistema público de saúde sobre novas
bases. Tais propostas permearam substancialmente as transformações
ocorridas nas décadas seguintes nas políticas de saúde, inclusive a criação do
SUS, configurando até hoje verdadeiro contraponto à influência do ideário
neoliberal.

Paralelamente, o movimento homossexual ganhava maior relevo na


luta por suas bandeiras, inclusive o direito à saúde. Ponto marcante dessa
articulação por direitos foi o “Ato Público contra a Repressão Policial Arbitrária

63
contra Homossexuais”, passeata em São Paulo que reuniu cerca de 1.000
manifestantes, contando com o apoio de outros militantes do movimento social,
como feministas, estudantes e negros. O protesto, direcionado primordialmente
contra a ação policial que – por vezes com ordem de prisão – intimidava os
homossexuais nas ruas, teve ampla repercussão na mídia (Zanata, 1996).

À militância gay – inicialmente constituída majoritariamente por


homens – foram incorporados, gradualmente, grupos com outras identidades
sexuais e de gênero, especialmente lésbicas e travestis, o que, se por um lado,
abriu o leque de reivindicações, por outro conferiu maior força às lutas.

Não há dúvida que os avanços obtidos tanto pela Reforma Sanitária na


democratização do acesso à saúde quanto as conquistas de direitos do
movimento LGBT revelaram-se fundamentais para que, alguns anos mais
tarde, houvesse a institucionalização das ações de saúde pública voltadas
especificamente para a população transexual.

3.1.2 Repercussões da AIDS

No início dos anos de 1980, a eclosão de uma nova doença –


36
denominada pela sigla em inglês AIDS – foi responsável por transformações
significativas nas relações humanas, bem como por mudanças de paradigmas
na área de saúde. O surgimento do vírus da AIDS (HIV), do mesmo modo,
acarretou inéditos desafios à ciência, trouxe novos atores para os movimentos
sociais e, sobretudo, conferiu maior visibilidade a questões relacionadas à
sexualidade (Galvão, 2000).

No Brasil, os primeiros casos foram notificados em São Paulo e no Rio


Janeiro em 1982, sendo que a associação entre AIDS e homoerotismo logo se
tornou lugar comum na sociedade, devido ao grande número de casos da
doença entre homens que faziam sexo com outros homens e, ainda, em
função da visibilidade que o movimento homossexual propiciava à questão.

36
Acquired Immunodeficiency Syndrome (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida).

64
“Você sabe qual é a diferença entre a AIDS e o Amor? A AIDS dura
para sempre”! Esta pichação nos muros da cidade de São Francisco – reduto
dos homossexuais americanos – representava inequívoco sinal de que o
pânico estabelecia-se; afinal, a infecção pelo vírus HIV fez entre os
homossexuais suas maiores vítimas (Zanata, 1996).

Em 1985, o “homossexualismo” havia sido retirado da categoria de


“desvio e transtornos sexuais” pela American Psychiatric Association
(Associação Americana de Psiquiatria – APA). Com o crescimento exponencial
do número de notificações de contaminação pelo vírus, a comunidade
homossexual voltou a ser o centro da questão. Instalou-se na sociedade
preconceituosa uma espécie de caça às bruxas: “peste rosa”, “peste gay” e
“câncer gay” eram algumas das referências utilizadas para denominar o que se
considerou “o mal dos anos 1980”.

A epidemia ocorreu numa conjuntura em que as políticas sociais eram


implementadas sob a égide do neoliberalismo. Por conseguinte, as formas
pelas quais a sociedade brasileira respondeu ao HIV devem ser interpretadas a
partir desse contexto mais amplo de forças políticas e influências culturais
(Parker, 1997).

Por outro lado, o ativismo político, forjado nos já referidos movimentos


sociais dos anos 1970 e início da década de 1980, propiciou condições para
uma imediata resposta à AIDS, tanto no plano da atenção à saúde quanto no
campo das medidas preventivas. Houve organização, ainda, na implementação
de ações voltadas para o combate a situações de discriminação de grupos
potencialmente mais afetados pela enfermidade.

Esse ativismo – impulsionado por igrejas, comunidade científica e


organizações não governamentais (ONGs), dentre outros – além de defender
políticas públicas direcionadas para a democratização do acesso à saúde,
buscava estratégias voltadas para a preservação da cidadania dos doentes e
dos grupos mais atingidos pelo vírus.

No bojo das manifestações da sociedade civil, surgiram as primeiras


iniciativas estatais de combate à doença, engendradas pela Secretaria de

65
Saúde de São Paulo. Contudo, tratava-se de ações isoladas, pois não havia a
adesão do Governo – e nem de boa parte das instituições da área de ensino e
pesquisa em saúde – a qualquer plano de combate à disseminação da doença
(Galvão, 2000).

Dito de outro modo, prevaleceram a “negação” e a omissão das


autoridades, sendo emblemáticas as declarações do Ministério da Saúde no
sentido de que a AIDS era uma doença restrita a uma minoria (leia-se
homossexuais masculinos), não havendo relevância na construção de
estratégias do setor governamental para intervir na questão. Esta fase foi
marcada, ainda, por “uma onda de pânico, medo, estigma e discriminação”
(Parker, 1997:9).

Portanto, segundo o discurso hegemônico – ancorado em algumas


pesquisas ditas científicas e que, certamente, carregava boa dose de
preconceito contra os homossexuais – a AIDS não deveria ser enquadrada
como uma questão de saúde pública. A respeito desse preconceito, assinala
Daniel (1989:19):

É curioso pensar que nos momentos iniciais do seu


descobrimento, a doença foi designada por GRID – Gay
37
Related Immuno-Deficiency . É notável que o jargão doutoral
tenha fundado, assim, o conceito de "peste gay" ou "câncer
gay" que tanto se difundiu. No entanto, mais notável é a
utilização da palavra gay ao invés da erudita "homossexual", o
que indica profundas alterações na visão médica sobre as
homossexualidades, decorrentes certamente da importância
política do movimento gay, sobretudo nos Estados Unidos. São
os ares dos novos tempos. Assim, a homossexualidade deixou
de ser vista, pela medicina, como doença, mas passou a ser
considerada sutilmente como fonte de doenças: de patologia
passou a ser considerada condição patogênica. Mudança
indicativa de uma feroz batalha ideológica, na qual a
medicalização da sexualidade é parte de uma sombria
estratégia. O discurso médico, com suas definições
generalizantes que tomavam ares de certezas definitivas,
tropeçou nos tabus e produziu sobre a doença a ideia de que se
tratava de uma fatalidade ou de um mistério fatal.
Em suma, as práticas homossexuais – que, no passado, eram
associadas ao pecado e ao crime – na década de 1980 ganharam a conotação
negativa relacionada a doenças. Isto gerou em muitos indivíduos o sentimento
de culpa que os levou ao isolamento, à depressão e ao distanciamento da

37
Em português, “Imunodeficiência Relacionada a Gays”.

66
informação e do tratamento, tornando mais difíceis as relações sociais com
familiares e no ambiente de trabalho (Silva, 1998).

Ademais, as pessoas soropositivas – inclusive as assintomáticas –


sofreram um árduo processo de desestruturação social, diante da
desinformação generalizada, do desamparo do Estado e da ausência de
garantias sociais como preservação do vínculo de trabalho e acesso a
tratamentos. Por outro lado, travestis e homossexuais ainda sofriam as
consequências da violência policial.

Em tal contexto, foi criada por Brenda Lee, uma travesti da cidade de
São Paulo, a primeira casa de apoio a pessoas com HIV/AIDS no Brasil. Com
efeito, em 1984, Brenda passou a acolher em sua própria casa os chamados
“pacientes sociais” que não tinham condições de exercer uma ocupação
profissional, além de carecer de cuidados médicos diários, embora sem
necessidade de internação hospitalar. A maioria dos acolhidos era composta
por travestis soropositivas, vítimas de violência. Inicialmente chamada de
“Palácio das Princesas”, em 1986 a instituição passou a se chamar “Casa de
Apoio Brenda Lee” e funciona até hoje, a despeito da morte violenta de sua
fundadora38 (Carvalho, 2011).

O referido binômio repressão policial e AIDS tornou-se pedra


fundamental da articulação de forças que, com o passar dos anos, encampou
outras bandeiras de luta. Neste cenário, igualmente revelaram-se decisivas a
atuação dos sanitaristas e a militância do movimento homossexual – com
destaque para o Somos39 e o Grupo Gay da Bahia40 – na construção de um

38
Brenda Lee foi assassinada em 1996. Maiores informações sobre a instituição podem ser
encontradas em www.brendalee.org.br. Último acesso em 17 de julho de 2013.
39
Fundado em 1978, o Somos é considerado o primeiro grupo brasileiro em defesa de direitos
dos homossexuais.
40
O Grupo Gay da Bahia (GGB), fundado em 1980, é uma das mais antigas associações de
defesa dos direitos dos homossexuais no Brasil. O Grupo integra a Associação Brasileira de
Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT) e a Comissão Nacional de AIDS do Ministério da Saúde.
Desde 1995, faz parte também da Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e
Lésbicas (IGLHRC). O GGB é uma “entidade guarda-chuva”, oferecendo espaço para outras
instituições da sociedade civil que trabalham em áreas similares, especialmente no combate à
homofobia e na prevenção da disseminação do HIV/AIDS entre a comunidade LGBT e a
população em geral. Maiores informações estão disponíveis no site da instituição:
http://www.ggb.org.br/ggb.html. Último acesso em 27 de fevereiro de 2014.

67
arcabouço político visando à instituição de programas estatais de combate à
epidemia e de apoio a pessoas infectadas.

Configurou-se, então, uma rede de pressão junto ao Ministério da


Saúde, integrada, ainda, por profissionais de saúde pública e organismos
internacionais, o que – somada à perplexidade da opinião pública com a
disseminação da doença – ensejou as primeiras medidas estruturadas de
atenção à saúde da população infectada e de prevenção de novos casos.

Entre tais medidas, destaca-se a “politização do sangue”, que ditou os


rumos da política nacional de sangue na década de 1980. À época, o medo da
doença provocou enorme clamor público deslegitimando e denunciando a
comercialização de sangue, decorrência direta do grande número de infecções
pelo vírus contraídas em transfusões (Parker, 1997).

Em entrevista concedida em janeiro de 1987, Herbert de Souza,


sociólogo brasileiro, hemofílico e presidente da Associação Brasileira
Interdisciplinar de AIDS (ABIA), afirmou:

A sociedade em geral tem problemas com sexo, com moral e


com a morte. Quando uma doença toca os três problemas, ao
mesmo tempo, ela é letal. Portanto, quem tiver medo de sexo,
quem tiver medo da morte e quem tiver problemas com a
moral, diante da AIDS vai entrar em pânico. Para mim, a AIDS
é uma doença ainda sem vacina, nem cura e estatisticamente
fatal, acomete jovens e se transmite basicamente por via sexual
e sangue. Na via sexual, transmite-se basicamente pela relação
anal. Localizar a questão no grupo de homossexuais é ignorar o
fato de que milhões de casais heterossexuais têm relação anal.
Mas, o meu interesse mais pessoal é a questão do sangue.
Estou no grupo de risco porque sou hemofílico (Jornal do Brasil,
Caderno B/Especial, 1987:7).

A AIDS deixara de ser apenas uma doença e uma questão de saúde,


para se tornar um problema fundamentalmente político e cultural, que exigia
respostas de vários setores da sociedade.

Em função da ineficiência histórica na atuação na área de saúde


pública, a resposta do Governo Federal foi tardia, visto que somente ocorreu
num momento em que a epidemia de AIDS disseminava-se rapidamente no
país (Daniel, 1989).

68
Com efeito, apenas em 1985, mesmo ano em que foi criado o Grupo
de Apoio e Prevenção à AIDS (GAPA)41 e quando vários Estados da
Federação já haviam instituído programas correlatos, o Ministério da Saúde
assumiu a coordenação e a organização institucional das atividades de
controle e prevenção da doença. Finalmente, em 1988, foi formalizado o
Programa Nacional de DST/AIDS, que, paulatinamente, à semelhança do que
havia ocorrido com o Programa Global de AIDS da OMS, ganhou relevância no
âmbito do Ministério da Saúde.

À época, muitos epidemiologistas já advertiam para o que,


infelizmente, acabou ocorrendo nas décadas seguintes: a disseminação do
HIV entre toda a população brasileira, independentemente de características
sociais, culturais e econômicas, bem como de orientação sexual, num
verdadeiro processo de “democratização da doença”.

No início da década de 1990, pela primeira vez, o Banco Mundial


(BIRD42) emprestou ao Governo Brasileiro recursos direcionados
exclusivamente para a prevenção da AIDS. O Banco não apostava na
assistência a soropositivos como política (Daniel, 1989) e compreendia a
disseminação da doença como um entrave ao desenvolvimento da sociedade
capitalista. É importante destacar que o BIRD, ao longo dos últimos 20 anos,
efetuou diversos empréstimos ao Brasil para a realização de programas
relacionados à AIDS, tema ao qual a instituição – um dos maiores provedores
de ajuda internacional para os países em desenvolvimento em áreas como
educação, nutrição e saúde – dedica especial atenção. Na segunda metade da
década de 1990, articulou-se uma instância de interlocução permanente entre
movimento LGBT e o Ministério da Saúde, denominado Grupo Matricial.

41
O GAPA é uma ONG brasileira exclusivamente voltada para a questão da AIDS e tem por
missão institucional a defesa dos Direitos Humanos e a integração das pessoas vivendo com a
Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS/SIDA). Seus principais objetivos são o
estabelecimento de uma política efetiva de saúde pública ligada à AIDS; o combate à
discriminação e a comportamentos lesivos aos direitos humanos dos pacientes com HIV/AIDS;
a melhoria do atendimento médico, hospitalar e psicológico de tais pacientes. Ademais, a ONG
promove ações de apoio emocional a todos os pacientes, bem como a seus familiares e amigos
e apoio material aos mais carentes.
Disponível em http://www.gapabrsp.org.br/quem_somos.html. Último acesso em 03 de março
de 2014.
42
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).

69
Tal interlocução, juntamente com o Movimento de Reforma Sanitária,
além de ter contribuído para a ampliação do acesso à saúde da população de
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, revelou-se estratégica na
formulação da Política Nacional de DST/AIDS, instituída em 1999, com o
objetivo precípuo de sistematizar as diretrizes norteadoras das ações do
Programa Nacional de DST/AIDS. Estas ações visavam à redução da
incidência da doença nos diferentes segmentos populacionais em situação de
risco e vulnerabilidade, bem como buscavam garantir direitos da cidadania e
uma melhor qualidade de vida para pessoas que viviam com o HIV/AIDS
(Ministério da Saúde, 1999).

Todavia, especialmente para travestis e transexuais, a importância do


Grupo Matricial estende-se além da mencionada interlocução entre o
movimento LGBT e o MS. De fato, a partir das discussões travadas no âmbito
do Grupo, foram organizados encontros e seminários, produzidos materiais
informativos específicos e forjadas lideranças, o que fortaleceu sobremaneira o
próprio movimento de travestis e transexuais no país (Almeida, 2005).

Tais lideranças fizeram-se presentes nas negociações para a


elaboração dos planos de ação governamental de combate à doença,
coordenadas pelo Programa Nacional de DST/AIDS, com as travestis sendo
incluídas no “Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de AIDS e DST
entre Gays, outros Homens que fazem Sexo com Homens (HSH) e Travestis” e
as mulheres transexuais, por sua vez, no “Plano Integrado de Enfrentamento
da Feminização da Epidemia de AIDS e outras DST”43 (Teixeira, 2013),
primeira ação governamental a considerar as transexuais como mulheres 44.

Diante dessa maior aproximação com os organismos institucionais de


políticas para mulheres, algumas ativistas travestis e transexuais optaram por
um afastamento progressivo dos espaços LGBT, aproximando-se do

43
Maiores informações estão disponíveis em www.aids.gov.br. Último acesso em 26 de
fevereiro de 2014.
44
Nesses planos integrados, as ações voltadas para transexuais foram contempladas no
documento destinado às mulheres, enquanto as relativas a travestis constaram daquele
concebido para o grupo de homens. Tal distinção resulta de decisões políticas e está associada
a disputas identitárias próprias do movimento LGBT e a uma concepção de política pública
marcada pelo binarismo de gênero.

70
movimento de mulheres (Carvalho, 2011). Nesse cenário, foi constituído o
Conselho Nacional de Transexuais (CNT)45, uma rede nacional visando a
articulação e o intercâmbio de informações entre homens e mulheres
transexuais e parceiros. Tal Coletivo viria a compor o Comitê Técnico de
Saúde da População LGBT46, instância na qual boa parte da política do
Processo Transexualizador do SUS foi pactuada.

No âmbito da discussão travada à época, surgiu a expressão


“mulheres que vivenciam a transexualidade”47, que, inclusive, foi utilizada pelo
então Ministro da Saúde José Gomes Temporão na abertura da I Conferência
Nacional LGBT em 2008 (idem, 2011). A questão terminológica foi
problematizada também durante o XV Encontro Nacional de Travestis e de
Transexuais (ENTLAIDS), realizado em 2008, cujo documento resultante da
plenária deliberativa solicitou ao Ministério da Saúde e demais órgãos do
Governo Federal a uniformização no uso dos termos, para que fossem
adotadas as seguintes expressões: “homem transexual”, em substituição ao

45
O CNT, fundado em 7 de novembro de 2005 na cidade de Brasília (DF), é a única entidade
nacional a responder, oficialmente, pela população transexual, tendo por princípios básicos:
promover o bem-estar físico, mental e moral, bem como a saúde integral de mulheres e
homens transexuais; promover e defender os direitos humanos para todos, resguardando as
especificidades do segmento de transexuais; resguardar a cidadania de mulheres e homens
transexuais na posição de cidadãos e sujeitos de direito; educar e informar a sociedade para a
transexualidade e seus significados provenientes do próprio segmento de transexual; erradicar
a ignorância, a falta de conhecimento e os preconceitos acerca das identidades de gênero,
enfatizando a identidade transexual; valorizar a transexualidade e a vivência transexual em
todas as multiplicidades, implicações e variações, mostrando-a como mais uma das qualidades
humanas; debater e discutir “de baixo para cima” os discursos, estudos e teoria sobre a
transexualidade, ultrapassados pelo tempo e estigmatizados por instituições e pessoas que não
vivenciam a experiência transexual; superar o caráter patologizante da transexualidade que, por
ser cruel e desumano, vulnerabiliza, provoca ignorância e violência e não fala a verdade sobre a
experiência da transexualidade; e propiciar o intercâmbio e repasse de informações com outros
segmentos sociais, sejam eles minoritários ou não, com o objetivo maior de um Brasil e mundo
mais justo e mais humano para todos(as).
Disponível em: http://ead.senasp.gov.br/modulos/educacional/conteudo/00977. Último acesso
em 27 de fevereiro de 2014.
46
Instituído em 2004 no âmbito do Ministério da Saúde por meio da Portaria nº 2.227/2004, a
principal atribuição do Comitê é sistematizar a proposta de política nacional da saúde da
população LGBT, com vistas à garantia de equidade na atenção à saúde desse segmento
populacional.
47
Segundo Teixeira (2013), a expressão “mulher e/ou homem que vivencia a transexualidade”
como substituta para “mulheres e/ou homens transexuais” foi proposta pela primeira vez em
fevereiro de 2008, na lista do Coletivo Nacional de Transexuais (CNT) e no bojo de uma
discussão promovida pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais
(ABGLT), com vistas à definição do termo transexual. Ainda de acordo com a autora, muitas
pessoas transexuais – especialmente homens – demonstram profundo desagrado pela
utilização da expressão “mulheres e homens que vivenciam a transexualidade”, ou seja, trata-
se de questão ainda bastante controversa no movimento social.

71
jargão médico “transexual feminino” (FtM) e “mulher transexual”, em
substituição a “transexual masculino” (MtF) (Teixeira, 2013).

Retomando a questão da AIDS, o fato de a enfermidade ter-se


disseminado inicialmente entre gays, travestis e transexuais forçou a inclusão
desse segmento populacional como usuário de políticas públicas de saúde,
ainda que, na maioria das vezes, a partir de um viés preconceituoso, opressivo
e estigmatizante.

Com o passar do tempo, como dito anteriormente, a doença


“democratizou-se”, atingindo a todas as pessoas, independentemente de
classe social, etnia, gênero, orientação sexual, idade, etc., o que ensejou a
ampliação do acesso da população em geral aos programas de saúde
relacionados à enfermidade, de forma a garantir a universalidade.

Em suma, é possível inferir que a irrupção da epidemia de AIDS foi um


dos fatores que trouxe à luz a situação da saúde de pessoas transexuais 48.
Desta forma, as primeiras iniciativas específicas de atenção à saúde da
população transexual foram forjadas em paralelo à ampliação das políticas
públicas de enfrentamento do vírus, podendo-se afirmar que o Processo
Transexualizador – instituído no âmbito do SUS anos depois – é, de certo
modo, consectário de tais políticas.

Ademais, as diversas ações estruturadas de saúde para LGBT, nas


esferas federal, estadual e municipal, somente se tornaram exequíveis em
função da conjuntura democrática que resultou na Constituição de 1988, como
se verá adiante.

48
É preciso ressaltar, contudo, que ainda não houve uma cisão completa entre AIDS e saúde
de transexuais e travestis. Um exemplo crucial de tal fato é o funcionamento de centros de
referência em saúde trans no mesmo espaço de centros de tratamento de pessoas com HIV,
cabendo mencionar, ainda, que boa parte da discussão sobre o Processo Transexualizador
ocorre, de modo geral, nos espaços e fóruns propiciados pela AIDS, como os Encontros
Nacionais de Travestis e Transexuais (ENTLAIDS).

72
3.2 Transformações da Década de 1980

Nos anos 1980, a sociedade brasileira – ao mesmo tempo em que


vivenciou um processo de democratização política, superando o regime
ditatorial instaurado em 1964 –, experimentou profunda e prolongada crise
econômica. Sobre a conjuntura do período, assinala Fleury Teixeira (1990:80):

O colapso dos Governos autoritários inaugurou, na história da


América Latina, uma nova etapa de transição para a
democracia, caracterizada pela irrupção da demanda contida
de participação cidadã. Além disso, exigiu a reforma das
estruturas do Estado no sentido de abrir os espaços de
comunicação, descentralizando o processo decisório de
formulação de políticas sociais e incorporando deveres
assumidos pelo reconhecimento dos direitos de cidadania da
população.

Esta etapa de transição – que culminou na promulgação da


Constituição Federal de 1988 – inaugurou um novo sistema de proteção social,
pautado na universalização de direitos e na concepção de saúde, assistência
social e previdência como componentes do tripé da Seguridade Social e
responsabilidades do Estado. A saúde, portanto, deixou de ser interesse
apenas dos profissionais e técnicos da área para assumir verdadeira dimensão
política, estreitamente vinculada à democracia, a partir da ideia – concebida
pelo Movimento Sanitário – de que o foco deveria residir na melhoria das
condições de vida da população.

Nesse período, marcado pelas tentativas de conquista de direitos de


cidadania – inclusive, como visto no item anterior, da população LGBT –, foram
instituídos diversos canais de participação popular, o que favoreceu sua
colaboração na formulação e na implementação de políticas sociais. Contudo,
especialmente em função da inexistência de uma cultura de cidadania
participativa, a criação desses instrumentos revelou-se insuficiente para que a
sociedade passasse a interferir de forma efetiva no referido processo.

De certa forma, tal ausência de efetividade perdura até os dias atuais,


inclusive em relação aos conselhos institucionalizados pelo Poder Público, nos
quais a participação popular apenas “tem ocorrido para legitimar decisões
tomadas ou mesmo, as possibilidades de participação são utilizadas por

73
grupos de interesse ou pela tecno-burocracia já estabelecida” (Santos,
1987:93).

É importante ressaltar, também, que a atuação do Estado nas políticas


sociais vem sendo conduzida, já há algumas décadas, em estreita parceria
com o capital privado. Especificamente no que diz respeito à política de saúde,
verifica-se que o setor privado beneficia-se sistematicamente de uma
infinidade de incentivos e subsídios públicos, sob o pretexto de se estruturar e,
com isso, atuar como agente fornecedor de serviços complementares à
população.

Por outro lado, os esforços do Movimento Sanitário não foram inócuos.


Com efeito, o marco político e conceitual advindo da 8ª Conferência Nacional
de Saúde (CNS), realizada em Brasília em 1986, com a presença de mais de
cinco mil pessoas, revelou-se decisivo para que, dois anos mais tarde, o
Sistema Único de Saúde – cuja concepção teve por perspectiva a “Saúde
como um Direito do Cidadão e Dever do Estado”, principal bandeira da
Reforma Sanitária – fosse instituído pela Constituição.

A Carta Constitucional abriga, ainda, outros conceitos sacramentados


na referida Conferência, como o reconhecimento de que o direito à saúde
inscreve-se entre os direitos fundamentais do ser humano e de que é dever do
Estado a sua garantia. Ademais, a 8ª CNS trouxe para o plano jurídico
institucional um conceito ampliado de saúde, resultado das condições de
“habitação, alimentação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, educação,
emprego, lazer, liberdade, acesso a posse da terra e acesso a serviços de
saúde”49.

Enfim, como fruto de debates, pressões e acordos políticos, o texto


Constitucional de 1988 atendeu em grande parte às reivindicações do
Movimento Sanitário, prejudicando, inclusive, diversos interesses empresariais
(Bravo, 1991). A implantação efetiva das diretrizes e princípios do SUS,
contudo, ainda representa um longo caminho a ser percorrido.

49
Relatório final da VIII CNS.

74
3.3 Possibilidades do SUS sob a Ofensiva Neoliberal

As transformações políticas, econômicas e sociais – ocorridas no final


dos anos 1970 e início da década de 1980 no sistema capitalista internacional
– nada têm de aleatórias. Pelo contrário, estavam intimamente conectadas ao
esgotamento do modelo fordista50 de acumulação do capital, até então vigente
nos países centrais.

A crise então instaurada – primeira grande recessão econômica desde


a Segunda Guerra Mundial – pressionou governos e organismos internacionais
a buscarem alternativas para garantir os interesses do capital, o que alterou
sobremaneira a dinâmica da acumulação capitalista. A partir desta conjuntura
e das transformações na dinâmica do capital, inicia-se a consolidação da era
da financeirização51, deixando fértil o terreno para o enraizamento do
neoliberalismo52.

Na esteira de tais transformações e da consequente crise econômica


que se alastrou sobre o Brasil a partir dos anos 1980, verificou-se acelerado
crescimento dos efeitos nefastos do capital e de seus signatários sobre as
expressões da questão social: o empobrecimento da classe trabalhadora; o
aumento exponencial da situação de miséria e violência urbana, bem como
índices altíssimos de desemprego da população em idade adulta, com
acentuada perda da qualidade de vida em regiões antes tidas como
promissoras.

50
O fordismo refere-se a um sistema produtivo idealizado por Henry Ford em 1914 com base
em inovações técnicas e organizacionais que se articulam tendo em vista, de um lado, a
produção em massa e, de outro, o consumo em massa. Ademais, caracteriza-se, segundo
Harvey (2011:121), “como um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova
política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma,
um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista”.
51
De acordo com Chesnais (1996:17), “a mundialização financeira ou financeirização designa,
em linhas gerais, a concentração do capital na mão de grandes grupos oligopolistas e sua
atuação estratégica nesses moldes”. O fenômeno da financeirização consolida-se
definitivamente na cena internacional em meados dos anos 1990.
52
Quando se afirma a existência de governos "neoliberais", a utilização do prefixo 'neo' não se
refere a uma nova corrente do Liberalismo, mas à aplicação de alguns dos preceitos liberais
consagrados e em certo contexto histórico (qual seja, o contemporâneo) diverso daquele no
qual foram formulados no início do século XVII, na Inglaterra, com John Locke. Maiores
informações sobre liberalismo e neoliberalismo podem ser encontradas em Friedman &
Friedman (1980).

75
À época, já se evidenciava a tensão entre os dois principais projetos
em disputa no campo da saúde: o da Reforma Sanitária e o da saúde
vinculada ao mercado ou modelo privatista (Bravo, 1991). Durante o Governo
Collor, o Movimento Sanitário ainda obteve êxito na consolidação do acesso
aos mencionados programas de combate à AIDS e na aprovação da Lei
Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/1990) – de natureza abrangente e
progressista –, viabilizada apenas porque a composição do Congresso
Nacional era a mesma da Assembleia Nacional Constituinte (Lima, 2010).

A conjuntura política, no entanto, era favorável às forças sociais


identificadas com interesses privados e corporativos, na disputa com os
defensores de um Sistema Único de Saúde público, universal e participativo.
Por conseguinte, sedimentaram-se as propostas de privatização, corte dos
gastos públicos e desmonte do Estado, consubstanciadas numa detalhada
reforma econômica e administrativa.

Sobre esse processo, assevera ainda Lima (idem:280):

Do ponto de vista social, assiste-se à privatização do


financiamento e da produção dos serviços, à precarização das
políticas públicas, com o corte dos gastos sociais, à
concentração dos investimentos nos grupos mais carentes e à
descentralização para o nível local. Essas mudanças se fizeram
paulatinamente e interferiram nos rumos do Sistema Único de
Saúde.

Conforme assinala Silva (1996), o dilema atinente à saúde pública –


patente desde os anos 1980 – não residia nas possibilidades de parceria
público-privado, que poderia ser voltada para o interesse público, mas decorria
essencialmente da total ausência de critérios e de direção para o exercício das
ações sociais pelos agentes privados. Na indefinição de parâmetros para
regular este relacionamento, a prática manifesta do Estado pareceu considerar
público o interesse privado, tutelando o capital como se este estivesse
fundamentalmente imbuído de promover o desenvolvimento social.

Desse modo, o Estado acabou definindo objetivos, políticas e


estratégias de acordo com a pressão dos diversos grupos de interesse privado,
instrumentalizando políticas sociais para alimentar o desenvolvimento
econômico e privilegiando o capital em nome da falida ideia de construir um
Estado de Bem-Estar Social tropical (idem).

76
Um olhar mais atento sobre as políticas de saúde – herdadas da
Ditadura Militar, porém aplicadas até os dias atuais – revela que sua
construção, a despeito da natureza eminentemente social, baseou-se no
binômio público/privado, como se observa, por exemplo, no maciço
investimento realizado para estruturar as ações de saúde no âmbito
previdenciário. Tal investimento – não obstante a origem dos recursos residir
na contribuição compulsória de empregados e empregadores – direcionou-se
precipuamente para o desenvolvimento subsidiado do setor privado,
contratado, desde sempre, como prestador hegemônico dos serviços públicos
de saúde.

Assim, apesar das disposições da Carta Magna e da Lei Orgânica da


Saúde, a restrição orçamentária a que foi submetido o gasto social nega base
fiscal à seguridade social, política mais ampla a qual a área da saúde foi
incorporada. Por sua vez, o projeto de desfinanciamento do SUS vincula-se à
desconstrução do conceito de seguridade social 53 e à lógica de acumulação
baseada na reprodução ampliada do capital fictício, que se implantou de
maneira definitiva com o governo Fernando Henrique Cardoso (Lima, 2010).

Anteriormente, na qualidade de Ministro da Fazenda, Fernando


Henrique havia engendrado a exclusão da contribuição previdenciária da base
de cálculo do financiamento do SUS, reduzindo sobremaneira o orçamento
alocado aos gastos na área da saúde. Concomitantemente, foram adotadas
outras estratégias reducionistas, como o contingenciamento de verbas e a
utilização dos recursos da seguridade – especialmente da área de saúde –
para outros fins.

Ademais, sob o pretexto de não haver recursos suficientes para esta


área, diante do aumento concedido aos benefícios previdenciários do Instituto
Nacional de Seguro Social (INSS), o Governo determinou que os subsídios
recolhidos da folha salarial dos empregados e empregadores seriam
destinados exclusivamente para custear a Previdência Social.

53
Análise muito lúcida e pertinente acerca da submissão da seguridade social à lógica da
financeirização do orçamento público pode ser encontrada em Maria Lúcia Werneck Vianna
(1998).

77
De acordo com Polignano (2013), a opção neoliberal – então
hegemônica no campo econômico –, procurava rever o papel do Estado e o
seu peso na economia nacional, propondo a sua redução para o chamado
“Estado Mínimo”, especialmente na área social, ampliando os espaços nos
quais a regulação far-se-ia pelo mercado capitalista.

Em 1995, Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo,


intensificando o processo de implementação do modelo neoliberal, atrelado à
ideologia da globalização e da redução do tamanho do Estado. A crise de
financiamento da saúde pública agravou-se de tal forma que o próprio Ministro
da Saúde reconheceu, em 1996, a incapacidade de o governo remunerar
adequadamente os prestadores de serviços médicos.

Na busca de uma fonte alternativa de recursos para financiar a saúde,


criou-se a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF),
aprovada no Congresso Nacional após intensa pressão governamental,
capitaneada pelo então Ministro da Saúde, Adib Jatene. Tal tributo, em
princípio, seria cobrado por apenas um ano, com o produto da arrecadação
sendo aplicado exclusivamente na área de saúde.

No final de 1996, contudo, Jatene renunciou, ao perceber que seus


esforços para aumentar a destinação de verbas para a saúde tinham sido em
vão. Isto porque a área econômica do Governo havia alterado o orçamento da
União, deduzindo dos recursos para a saúde, oriundos de outras fontes
tributárias, os valores previstos com a arrecadação da CPMF.

A crise de financiamento do SUS agravou as condições operacionais


do sistema, principalmente no que se refere ao atendimento hospitalar. A
escassez de leitos nos grandes centros urbanos tornou-se ainda maior,
especialmente porque diversos hospitais filantrópicos, inclusive as Santas
Casas de Misericórdia, em decorrência dos ínfimos valores pagos pelo SUS e
da demora no repasse, criaram planos próprios de saúde, o que implicou na
diminuição significativa de vagas disponíveis para o atendimento pelo Sistema
Único de Saúde.

78
Os hospitais universitários – últimos redutos da assistência médica
hospitalar de excelência em termos do SUS – igualmente entraram em crise,
sendo forçados a reduzir o número de atendimentos e induzidos pelo próprio
Governo a privatizar parte de seus serviços, como solução para resolver a crise
financeira do setor. Em abril de 1997, as dívidas de tais hospitais, muitos deles
operando com menos da metade do número de funcionários necessários ao
seu adequado funcionamento, ultrapassavam os R$ 100 milhões (Silva, 1996).

Já em seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso, em razão


da crise econômica que assolava o Brasil e outros países emergentes,
aumentou ainda mais as taxas de juros, beneficiando os especuladores
nacionais e internacionais. Além disso, o Governo propôs um ajuste fiscal,
arrochando ainda mais o orçamento da área social, inclusive da saúde.

A universalização dos serviços públicos de saúde sofreu mais um


golpe com a promulgação da Lei n° 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e
seguros de saúde. Se, por um lado, a norma limita os abusos cometidos pelas
empresas; por outro, a regulamentação oficializa o universalismo excludente,
relegando a utilização do SUS apenas aos segmentos mais pobres da
população.

A agenda neoliberal trouxe rebatimentos significativos às expressões


da questão social, como desemprego conjuntural e estrutural, acirramento da
pobreza absoluta e da miséria, fome, violência urbana, inadimplência,
sucateamento da saúde, etc. Iamamoto (2011:112) descreve alguns desses
rebatimentos, asseverando que a “transferência de riquezas entre classes e
categorias sociais e entre países está na raiz do aumento do desemprego
crônico, da precariedade das relações de trabalho, das exigências de
contenção salarial, da chamada ‘flexibilidade’ das condições e relações de
trabalho, além do desmonte dos sistemas de proteção social”.

É importante ressaltar que quando se analisam os efeitos perversos do


neoliberalismo, consolidados a partir do Século XX, não se deve olvidar que no
Brasil tais efeitos apresentaram-se como caldeamento de uma enraizada

79
sociabilidade embasada em autoritarismos e ampliada por processos de
globalização54 (Freire, 2006).

Por seu turno, Vera Telles (1999) considera os padrões societários


brasileiros do final do Século XX verdadeira tragédia social. Para a autora, o
quadro traçado anteriormente tangencia a barbárie, pois os efeitos das
mudanças em curso no mundo contemporâneo aniquilam direitos – inclusive
previstos na Constituição de 1988 – que, mesmo de forma limitada, poderiam
compensar a assimetria nas relações de trabalho e poder, fornecendo
proteções contra as oscilações da economia e as incertezas da vida.

Como se observa, a proposta de política de saúde – construída na


década de 1980 mediante o protagonismo da Reforma Sanitária e de certa
forma abrigada pela Constituição Federal de 1988 – passou a ser
progressivamente vilipendiada. A saúde foi vinculada majoritariamente aos
interesses do mercado, com o foco na redução de custos e a transferência
paulatina das responsabilidades do Poder Público para a sociedade civil e os
agentes privados.

Em suma, não obstante o discurso modernizante e moralizador, a


política de ajuste neoliberal levada a cabo pelos Governos Collor e FHC
ensejou, a partir do redirecionamento do papel do Estado, um forte ataque do
grande capital e seus aliados à garantia de universalização da saúde prevista
na Constituição (Bravo, 2004).

54
A globalização é um conceito amplo e empregado por diferentes autores para explicar fatos
de natureza absolutamente diferentes. Contudo, todos aqueles que se debruçaram sobre essa
questão reconhecem não ser este um fenômeno recente.

80
3.4 Política de Saúde nos Anos 2000

O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição de 1988,


representou, ao menos no plano teórico, um enorme avanço em direção à
consolidação dos ideais da Reforma Sanitária. Com efeito, suas diretrizes,
estabelecidas no artigo 198 da Carta Magna – descentralização, atendimento
integral e participação da comunidade –, coincidem com as bandeiras
levantadas pelos sanitaristas desde o final da década de 1960.

Todavia, os primeiros anos de existência do SUS coincidiram, como


mencionado no item anterior, com o acirramento do processo de subordinação
dos direitos sociais à lógica neoliberal, com predomínio da privatização das
políticas públicas na área social, sobretudo, por meio de práticas
assistencialistas. Ao que parece, os objetivos eram o desmonte do estado
social e a desconstrução do caráter de universalidade e igualdade de acesso a
direitos previstos na Constituição. Assim, nesse período, as pequenas
conquistas obtidas não foram suficientes para a superação das dificuldades
que ameaçavam a própria manutenção do Sistema.

A eleição do Presidente Luís Inácio Lula da Silva em 2002 trouxe a


ilusão de que estes processos seriam interrompidos, mediante uma inflexão na
política econômica e social brasileira. Contudo, contrariando as expectativas de
transformação do modelo assistencial e de reversão das privatizações,
assistiu-se à edição de novas políticas de apoio aos produtores privados de
saúde (Lima, 2010).

Exemplo de tal política de incentivos é o Programa de Financiamento


da Acreditação para os hospitais privados do país, lançado em 2008 pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o
apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do Ministério da
Saúde. Por meio desse programa, as instituições privadas de saúde tiveram
acesso a empréstimos com juros fixos subsidiados, sem a necessidade de
prestação de garantias reais (idem).

81
Ainda dentro da mesma lógica de apoio estatal aos serviços privados
na área de saúde, não obstante a afronta ao texto constitucional – que veda a
transferência de recursos públicos para o setor privado –, foi engendrada a
política de universalização de planos privados para os servidores civis da
União, reproduzida no âmbito de estados e municípios (Bahia, 2008).

Paradoxalmente, os sindicalistas rotularam esta política de


universalização, considerando-a uma conquista dos trabalhadores, o que
configurou – no final do primeiro governo Lula –, uma ruptura radical dos
discursos e práticas de parte do movimento sindical em relação à defesa da
universalização do direito à saúde (Lima, 2010).

Nesse campo, lamentavelmente, em que pese a melhoria de alguns


indicadores sociais ocorrida ao longo dos governos do Partido dos
Trabalhadores, sobretudo em função de programas de transferência de renda
para as camadas mais pobres da população, as “regras do jogo”
permaneceram fundamentalmente inalteradas nos últimos 10 anos. De fato, as
políticas públicas engendradas nesse período de forma alguma têm o condão
de universalizar a cidadania, essencialmente porque não estão centradas na
questão das desigualdades enquanto ponto crucial da disputa política. Por
conseguinte, o Brasil permanece com um dos maiores índices de concentração
de renda do mundo.

Como se observa, o Governo Lula não apenas reatualizou as políticas


de apoio e de proteção fiscal às instituições privadas e de subsídio às
empresas de planos e seguros de saúde, como incorporou a concepção de um
Estado necessário para gerenciar a transferência dos serviços públicos para o
mercado, tal qual o governo anterior.

Por conseguinte, o SUS foi se consolidando como parte de um sistema


segmentado, um mero espaço destinado aos que não têm acesso aos
subsistemas privados, ou seja, a proposta inscrita na Constituição de 1988 de
um sistema público universal não se efetivou. Em outras palavras, os valores
atinentes ao conceito de cidadania plena – que pautaram a concepção de
saúde inscrita na Constituição de 1988 – foram substituídos pelo projeto

82
privatista que consolida a existência do SUS somente para os pobres e a
lógica de segmentação do sistema.

Tornou-se, portanto, recorrente o descumprimento, pelo Poder Público,


dos dispositivos constitucionais e legais que conferem direitos e garantias
relacionados à saúde. Do mesmo modo, como obstáculos à efetividade do
SUS devem ser mencionados o desrespeito ao princípio da equidade na
alocação dos recursos públicos, o afastamento do princípio da integralidade e
a precarização e terceirização dos recursos humanos, inclusive no setor
público (Bravo, 2004).

Diante deste cenário, Bravo (idem:76) destacava a “enorme distância


entre a proposta do movimento sanitário e a prática social do sistema público
de saúde vigente”. Assim, os desafios continuaram – e continuam até hoje – na
agenda daqueles que, para além de uma reforma setorial, almejam a
democratização da saúde, do Estado e da sociedade, nos termos propugnados
pelo projeto original da Reforma Sanitária brasileira nos anos 1980.

Não obstante o SUS, desde sua instituição em 1990, ter se tornado um


dos maiores projetos de inclusão social do país, inúmeras dificuldades ainda
desafiam seu adequado funcionamento, entre os quais se destacam a
precariedade no atendimento à população, as restrições orçamentárias e as
limitações na interlocução entre as três esferas de governo: federal, estadual e
municipal (Faleiros, Vasconcellos, Silva & Silveira, 2006).

Dito de outro modo, o inegável avanço representado pelo SUS, com


seu caráter universal, ainda está longe de solucionar as mazelas da saúde
pública brasileira ou de propiciar cidadania plena aos usuários do sistema.

83
3.5 Cenário Político da Regulação do Processo Transexualizador

Muito antes de a temática da transexualidade integrar a esfera de


discussões das ciências humanas e sociais no Brasil, a cirurgia de
transgenitalização já era realizada no país. De fato, desde a década de 1970 –
portanto, ainda, no contexto da Ditadura Militar – há registros de
procedimentos cirúrgicos de tal natureza55, levados a efeito, evidentemente, de
forma clandestina.

Até o final dos anos 1990, os empecilhos formais para a realização


dessas cirurgias eram de diversas ordens, inclusive decorrentes da lei penal –
a retirada de estruturas essenciais à função reprodutora configurava crime de
lesão corporal – e do Código de Ética Médica em vigor à época, que incluía
tais procedimentos entre as práticas sujeitas a sanções ético-disciplinares.

Naquele momento, a transexualidade era tratada de forma muito pouco


transparente pela medicina e pela sociedade brasileira, especialmente em
razão do arraigado preconceito que, em geral, acompanha temas ligados à
sexualidade humana. Tal cenário começou a se alterar em 1997, quando o
Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução nº 1.482/199756,
aprovou, ainda que a título experimental, a realização de cirurgias de
transgenitalização em pacientes transexuais.

A referida norma considerava o paciente transexual portador de desvio


psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e
tendência à automutilação e ao autoextermínio. Por consequência, o
procedimento cirúrgico passou a ter um caráter terapêutico, deixando de ser
entendido como lesão corporal ao paciente.

55
O médico Roberto Farina foi o primeiro cirurgião brasileiro a realizar, em 1971, na cidade
de São Paulo, uma cirurgia de redesignação sexual. Sete anos depois, Farina foi condenado a
dois anos de reclusão, sob a alegação de haver infringido o disposto no art. 129, § 2°, III,
do Código Penal Brasileiro. Tal processo foi movido pelo Conselho Federal de Medicina, que o
acusou de “lesões corporais graves”. Posteriormente, em grau de recurso, o médico foi
absolvido, pois a Justiça concluiu que a cirurgia era o único meio de aplacar a angústia da
pessoa operada. Além disso, havia um parecer favorável à intervenção cirúrgica como solução
terapêutica, elaborado por junta médica do Hospital das Clínicas de São Paulo (Nery, 1984).
56
A Resolução nº 1.482/1997 foi revogada pela Resolução nº 1.652/2002, que, por sua vez, foi
revogada pela Resolução CFM nº 1.955/2010, atualmente em vigor.

84
Diante da autorização do CFM, alguns hospitais universitários públicos
começaram a realizar, em caráter experimental, a cirurgia de transgenitalização
em mulheres e homens transexuais. Estas primeiras intervenções cirúrgicas,
não obstante os profundos dissensos que provocaram, configuraram, sem
dúvida, um marco importante para a futura institucionalização do Processo
Transexualizador no âmbito do SUS.

Em setembro de 2005, consubstanciou-se outro marco fundamental


para a referida institucionalização, mediante a realização no Rio de Janeiro da I
Jornada sobre Transexualidade e Saúde, promovida pelo Instituto de Medicina
Social (IMS) da UERJ, com o apoio da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU)
e da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA). Na ocasião, o
Ministério da Saúde – que, inclusive, contribuiu para o financiamento do
encontro – manifestou pela primeira vez interesse formal pela questão da
saúde de pessoas transexuais.

O evento contou com a participação de professores e pesquisadores


de universidades públicas e privadas, inclusive do campo biomédico e com
inserção direta em hospitais universitários que já prestavam assistência a
transexuais (UERJ, UFRJ, UFRGS, USP, UFAL e UFES57). Ademais,
estiveram presentes, além de estudantes universitários de diversas áreas –
Medicina, Direito, Serviço Social, Enfermagem e Psicologia – profissionais de
instituições de saúde que prestavam assistência a pessoas transexuais, tais
como o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE)
e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Participaram do encontro, ainda, membros de diversos conselhos


estaduais de saúde, autoridades do Ministério da Saúde e representantes de
organizações diretamente ligadas ao movimento LGBT, como a Associação
Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e a Articulação Brasileira de
Lésbicas (ABL).

57
Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Universidade Federal do Rio de Janeiro;
Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Universidade de São Paulo; Universidade Federal
de Alagoas e Universidade Federal do Espírito Santo.

85
Durante a Jornada, foram debatidas questões cruciais para a
estruturação de um modelo de serviços públicos de saúde voltados
especificamente à população transexual, desde os aspectos históricos,
políticos e sociais da transexualidade, até os efeitos éticos e jurídicos que
envolvem o tema. Também foram discutidos pontos técnicos relacionados ao
diagnóstico psiquiátrico, à terapia hormonal e às cirurgias de transgenitalização
e seus desdobramentos (ajustes, correções e intercorrências).

O relatório final do evento, intitulado “Transexualidade e Saúde Pública


no Brasil”58, apresentou nove recomendações dirigidas, fundamentalmente,
aos gestores da Administração Federal, entre as quais se destacavam: a) a
imediata convocação de grupos de trabalho, no âmbito do Ministério da Saúde,
para a formulação de propostas de Política Nacional e Saúde para a população
LGBT; b) o incentivo, a organização, a articulação e a sistematização de
serviços públicos jurídicos e de saúde, visando à assistência integral a
transexuais, de modo a atender as demandas específicas desse segmento; c)
a incorporação dos procedimentos cirúrgicos de redesignação sexual na tabela
do Sistema Único de Saúde, entre os procedimentos de alta complexidade e d)
adoção de medidas destinadas a facilitar a alteração de nome e sexo no
registro civil.

A articulação engendrada a partir da realização da I Jornada, contudo,


acarretou poucas mudanças práticas, especialmente porque não resultou no
aprimoramento de nenhum serviço público de saúde para atendimento da
demanda de pessoas transexuais.

A conjuntura foi marcada pela convergência de dois fatores distintos:


de um lado, a crescente judicialização de demandas de saúde da população
transexual e, de outro, o quadro político-institucional do Ministério da Saúde,
particularmente receptivo à participação social na construção dessa política.
Nesse contexto, foram editadas as Portarias n° 1.707 do Ministério da Saúde,
de 18/08/2008, e n° 457 da Secretária de Atenção à Saúde do MS, de

58
Quase uma década depois da I Jornada, a discussão sobre a saúde da população trans –
que em 2005 pautava-se exclusivamente nos aspectos do não atendimento e da falta de
institucionalização – ganhou outros contornos, para abarcar também questões como a inclusão
das travestis e a necessidade de ampliação de serviços.

86
19/08/2008, a primeira instituindo o Processo Transexualizador no âmbito do
SUS e definindo suas diretrizes e a segunda regulamentando tal processo.

Com a edição das referidas normas, o Estado reconheceu que o


desejo de viver e ser aceito como pessoa do sexo oposto constitui fator
preponderante no processo de sofrimento e adoecimento do indivíduo e que a
questão deve ser abordada segundo o princípio da integralidade 59 da atenção
à saúde. Dito de outro modo, as Portarias consideraram que a orientação
sexual e a identidade de gênero são determinantes da situação de saúde da
pessoa transexual e que o mal-estar e o sentimento de rejeição ao sexo
anatômico representam questões de saúde pública, a serem enfrentadas pelo
SUS.

Tal reconhecimento significou avanços expressivos na legitimação da


demanda de pessoas transexuais por redesignação sexual, facilitando seu
acesso à assistência de saúde e aos programas inerentes à cirurgia de
transgenitalização. No entanto, ao se ancorar em norma técnica do Conselho
Federal de Medicina, a política de saúde pública brasileira construiu um
modelo de atendimento a pessoas transexuais que incorpora, em grande parte,
o histórico determinismo biomédico e, por tal razão, estabelece a distinção
entre quem pode e quem não pode realizar modificações corporais a partir de
critérios psiquiátricos.

Na esteira da institucionalização do Processo Transexualizador no


âmbito do SUS, quatro unidades de atenção especializada foram habilitadas
pela Portaria nº 457/2008 para a realização de procedimentos cirúrgicos:
Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto
Alegre (RS), Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (SP), Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás
(GO) e Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade de Estado do Rio
de Janeiro (RJ). Já os demais hospitais universitários que à época realizavam

59
A integralidade constitui antiga bandeira de luta do Movimento Sanitário que, apesar de
consagrada como um dos princípios do SUS, infelizmente, ainda está longe de se efetivar na
prática. Para Franco (2007), a integralidade significa assistência ao usuário em todas as suas
necessidades, desde a garantia de boas condições de vida, até o acolhimento nas unidades de
públicas de saúde, passando pelo acesso às tecnologias disponíveis de cuidado.

87
cirurgias de transgenitalização não foram habilitados para a realização do
procedimento no âmbito do SUS.

Do ponto de vista técnico, as Portarias escoravam-se na Resolução do


CFM nº 1.652 de 2002, que revogou a Resolução n° 1.482/1997, porém, no
que diz respeito às cirurgias de transgenitalização, manteve as autorizações
para realização de neocolpovulvoplastias60, neofaloplastias61 e procedimentos
complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários. A
Resolução de 2002 igualmente permitiu que as cirurgias de adequação do
fenótipo masculino para o feminino pudessem ser realizadas, também, em
hospitais privados, independentemente da atividade de pesquisa. Por outro
lado, as cirurgias de adequação do fenótipo feminino para o masculino, diante
da suposta maior complexidade técnica, continuariam a ser praticadas
exclusivamente em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados
para a pesquisa.

Em relação aos critérios de indicação para a cirurgia de


transgenitalização, os procedimentos do SUS igualmente devem respeitar
aqueles estipulados pela referida Resolução de 2002, entre os quais se
destacam: a) o(a) paciente deve ser maior de 21 anos e não pode ter
características físicas inapropriadas para a realização da cirurgia; b) o
tratamento exige a inserção do paciente num programa rígido que inclui a
avaliação por equipe multidisciplinar – Urologia, Endocrinologia, Cirurgia
Plástica, Psiquiatria, Psicologia e Serviço Social –, bem como

60
Trata-se da constituição de uma neovagina, mediante a remoção dos testículos e a utilização
da pele para a constituição dos lábios vaginais. Após a construção do orifício da neovagina, a
pele do pênis é invertida e colocada dentro do orifício, para que constitua a parte interna da
mesma. São mantidos os corpos cavernosos, veias e glande, ou seja, toda a inervação
sensória, sendo que da glande se constituirá o clitóris, parte sensível que possibilitará o
orgasmo com ejaculação. A cirurgia, além de corrigir a estética do corpo, mantém a
funcionalidade do órgão genital. Disponível em: www.medicinanet.com.br. Último acesso em 15
de março de 2014.
61
Cirurgia para a construção de um neofalo ou implantação de uma prótese peniana. Na
neofaloplastia, a construção do pênis ocorre a partir da pele de outras partes do corpo do
próprio homem transexual, enxertada na área do órgão sexual. É possível ter uretra, glande e
testículos. A pele e o tecido dos lábios vaginais são utilizados para criar um escroto
(escrotoplastia), implantando-se próteses de silicone para simular a existência de testículos.
Também é possível colocar no pênis um implante de ereção, para viabilizar a penetração.
Disponível em: www.medicinanet.com.br. Último acesso em 15 de março de 2014.

88
acompanhamento psiquiátrico por, no mínimo, dois anos para a confirmação
do diagnóstico.

Todavia, a institucionalização do Processo Transexualizador no âmbito


do SUS, representou tão somente o atendimento de parte das especificidades
e demandas do segmento transexual. Como mencionado anteriormente, o não
reconhecimento do direito à requalificação civil – isto é, à retificação de nome e
de sexo nos documentos –, por exemplo, permanece como fator de potenciais
perturbações psíquicas para a pessoa transexual, capaz de deflagrar outras
doenças psicossomáticas. Assim, constata-se uma espécie de paradoxo na
atitude do Estado brasileiro, constituído pela “existência e invisibilidade” da
pessoa transexual perante o Poder Público (Schramm, Barboza e Guimarães,
2010:01).

Se, à primeira vista, pode parecer que todas as pessoas desejam


realizar intervenções em seus corpos para estabelecer a coerência
socialmente exigida entre gênero e sexo, de acordo com Bento (2006), o que
essas pessoas realmente buscam é o reconhecimento de seu pertencimento à
humanidade. De fato, “é a busca por inserção na vida social o principal motivo
para pleitear tais intervenções” (idem:182).

Em suma, há pessoas transexuais que almejam mudanças corporais


definitivas, inclusive em seus órgãos sexuais; outras, contudo, não desejam
qualquer modificação, pois se encontram razoavelmente satisfeitas com seu
próprio corpo.

Não se pode olvidar, ainda, que alguns indivíduos pretendem realizar


apenas determinados procedimentos médicos disponíveis. Ademais, existem
aqueles que vivenciam desconfortos com o gênero assignado ao nascerem,
porém sequer conhecem a categoria “transexual”. Por outro lado, há os que,
apesar de a conhecerem, não se identificam com a transexualidade, preferindo
ser reconhecidos como “gay”, “lésbica”, “transgênero”, “travesti”, etc. (Almeida,
2012 e Nery, 2011).

Como se percebe, o determinismo biomédico sobre o qual se assentou


o Processo Transexualizador do SUS de forma alguma abarca plenamente a

89
complexidade de demandas, necessidades e aspirações das pessoas
transexuais.

4. ATENDIMENTO À SAÚDE DE PESSOAS TRANSEXUAIS NO ESTADO DO


RIO DE JANEIRO

Este capítulo baseia-se, fundamentalmente, na sistematização e


análise do material colhido durante o trabalho de campo e descreve as
condições dos serviços de saúde nas três instituições do Rio de Janeiro com
programas voltados especificamente para pessoas transexuais: Instituto
Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE) – primeiro e
mais antigo serviço do Estado nessa área –, Hospital Universitário Pedro
Ernesto (HUPE/UERJ) e Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
(HUCFF/UFRJ), sendo que este último encerrou o programa de atendimento
em 2008.

4.1 Metodologia de Pesquisa

O trabalho de campo propicia ao pesquisador maior aproximação da


realidade sobre a qual formulou suas perguntas e hipóteses e pode, também,
estabelecer uma interação com os “atores” que conformam tal realidade,
construindo, assim, um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz
pesquisa social.

Em agosto de 2013, logo após a qualificação do projeto, foi elaborada


uma lista preliminar de possíveis entrevistados(as), com vistas à realização da
pesquisa de campo e considerando os objetivos do presente trabalho. Nos
meses seguintes – enquanto se aguardava a aprovação pelo Comitê de Ética e
Pesquisas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEP/UERJ) 62 – foram
entabulados, por telefone e e-mail, os contatos iniciais com os(as)
participantes.

O critério de seleção teve como objetivo primordial a obtenção de


narrativas sobre a emergência e o desenvolvimento dos mencionados

62
A presente pesquisa foi aprovada pelo Parecer CEP/UERJ nº 512.841.

90
programas de saúde, a partir de diferentes perspectivas, delimitadas pelo lugar
institucional ocupado por cada um(a) dos(as) entrevistados(as).

Desde a primeira aproximação, houve imensa receptividade em


relação ao tema da pesquisa, com os(as) interlocutores(as) mostrando genuíno
interesse em contribuir para o resgate de uma história da qual fizeram parte.
Evidentemente, os locais, datas e horários das entrevistas foram determinados
em função da disponibilidade e conveniência dos(as) participantes.

A cada interlocutor(a), foi explicado detalhadamente o objetivo da


pesquisa, bem como as razões que motivaram a escolha do tema. Além disso,
todos(as) concordaram, por escrito, com a utilização das gravações para fins
acadêmicos, firmando um termo previamente submetido à aprovação do
Comitê de Ética (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE).

No total, foram gravadas, aproximadamente, 15 horas de entrevistas,


com o material permanecendo absolutamente sigiloso. A exceção reside no
orientador da presente dissertação que, ainda assim, teve acesso tão somente
às transcrições resumidas, contribuindo para sua interpretação e análise.

A entrevista – tomada no sentido amplo de comunicação verbal e no


sentido restrito de coleta de informações sobre determinado tema científico – é
a estratégia mais usada no processo de trabalho de campo.

Entrevista é, acima de tudo, uma conversa a dois, ou entre vários


interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador e com objetivo
fundamental de construir informações pertinentes para a pesquisa (Minayo,
2007).

Para a fluência do diálogo e consequente enriquecimento do trabalho,


revelou-se oportuno estudar antecipadamente a produção bibliográfica dos
agentes entrevistados que escreveram artigos acadêmicos, dissertações, livros
e teses sobre o tema. Na primeira entrevista, utilizada como piloto, foi aplicado
um roteiro semiestruturado, com resultados satisfatórios. Sendo assim, as
demais entrevistas consistiram em roteiro similar, com pequenas adaptações
necessárias em decorrência da inserção do(a) entrevistado(a) no Processo

91
Transexualizador. Naturalmente, no decorrer de cada entrevista, algumas
respostas ensejavam outras perguntas e novos desdobramentos.

É necessário esclarecer que as narrativas não dizem respeito


especificamente ao trabalho concreto que estes(as) profissionais realizaram
nas instituições as quais estavam vinculados, mas às suas motivações, bem
como à memória que detêm do atendimento a pessoas transexuais. Por
conseguinte, as informações obtidas decorrem de opiniões e interpretações
pessoais, ou seja, não representam dados institucionais e, muito menos,
expressam o posicionamento das instituições de saúde.

A mesma lógica se aplica aos(às) demais entrevistados(as), pois o


objetivo precípuo da pesquisa de campo não era apenas retratar a realidade
fática dos programas, mas, principalmente, captar as impressões subjetivas e
as vivências pessoais, por vezes marcadas pelo sofrimento emocional
decorrente das experiências como usuários(as) e profissionais desses
serviços.

O trabalho de campo, contudo, não se restringiu exclusivamente à


realização de entrevistas. Com efeito, durante o período do mestrado, foram
coletados dados e informações mediante a participação em fóruns de
discussão sobre transexualidade, conferências LGBT (regionais e Estadual) e
outros eventos relacionados direta ou indiretamente ao tema, inclusive
reuniões semanais dos grupos Pela Vidda63 e TransRevolução64.

63
O Grupo Pela Vidda do Rio de Janeiro (GPV-RJ) foi fundado em 24 de maio de 1989, pelo
escritor Herbert Daniel. Trata-se da primeira organização brasileira de pessoas vivendo com
HIV e AIDS, seus amigos e familiares, com ações e iniciativas garantidas pela intensa
dedicação de voluntários e profissionais engajados na luta contra a epidemia no país. O GPV-
RJ não possui fins lucrativos, sendo mantido por meio de financiamentos de instituições
brasileiras e internacionais que atuam em saúde e desenvolvimento social. O Grupo conta,
também, com um grande número de parcerias locais com outras organizações que lutam pela
defesa da cidadania. Seus objetivos principais são a ruptura do isolamento e a desconstrução
do estigma relacionado à doença; a reintegração no quotidiano social das pessoas vivendo com
HIV e AIDS, a defesa dos direitos e a garantia da dignidade dessas pessoas. Disponível em:
www.pelavidda.org.br. Último acesso em 09 de março de 2014.
64
Trata-se de um grupo político que trabalha com travestis, profissionais do sexo e pessoas
transexuais. Sua principal contribuição se dá por meio de palestras sobre temáticas como:
prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, HIV/AIDS, direitos políticos, sociais e
culturais desse segmento, atuando também na preservação da autoestima e da cidadania
desses indivíduos.

92
Tais eventos propiciaram muitas horas de observação participante,
bem como registros e anotações em diário de campo, dando ensejo, inclusive
à apresentação de um trabalho sobre o tema no 10° Fazendo Gênero em
Florianópolis, onde usuários(as) do Processo Transexualizador oriundos de
diversos Estados do país expuseram suas narrativas. Todas essas fontes e
experiências somadas permitiram a construção de um mosaico de informações
que contribuíram de alguma maneira para esta pesquisa.

Como se sabe, a pesquisa alimenta o ensino e a formação profissional


e os atualiza frente à realidade do mundo, consubstanciando função básica da
ciência na sua indagação e construção da realidade. Portanto, embora seja
uma atividade teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Isto significa
dizer que nada pode ser intelectualmente um problema se não tiver sido, em
primeiro lugar, uma questão da vida prática. Em outras palavras, as
investigações científicas estão relacionadas a interesses e circunstâncias
socialmente condicionadas e são frutos de determinada inserção na vida real,
nela encontrando suas razões e seus objetivos (idem, 2007).

93
4.2. Participantes da Pesquisa

Como dito na introdução, durante a pesquisa de campo, foram


entrevistadas nove pessoas, entre gestores e profissionais que atuaram no
IEDE, no HUCFF/UFRJ e no HUPE/UERJ, bem como usuários(as)
atendidos(as) por essas instituições.

Quadro Sinótico

Entrevistado(a) Profissão Período


Profissional A Endocrinologista 1971 a 2005
Profissional B Andrologista 1975 a 2007
IEDE Usuário A Psicólogo / Ativista / Escritor 1971 a 1997
Usuária B Recepcionista 2007 a 2014

Profissional C Psiquiatra 1997 a 2008


Profissional D Psicóloga 2001 a 2008
HUCFF/UFRJ
Usuária C Cabelereira 2005 a 2009

Profissional E Psiquiatra 2003 a 2014


HUPE/UERJ
Profissional F Urologista 2000 a 2014
Usuária C* Cabelereira 2010 a 2014
* A Usuária C ingressou no programa do HUPE/UERJ em 2010, após o encerramento
do atendimento no HUCFF/UFRJ.

94
4.3 IEDE: O Pioneirismo e a Ousada Iniciativa de uma Equipe

O Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione


(IEDE) foi a primeira instituição a oferecer assistência psicológica, psiquiátrica
e endocrinológica a pessoas transexuais no Rio de Janeiro, ainda no final da
década de 1970, ou seja, no contexto da Ditadura Militar.

Nery (1984) relata que o atendimento na instituição, à época, tinha


caráter experimental e clandestino, pois as práticas cirúrgicas de modificações
corporais não contavam com respaldo legal. Por sua vez, a Profissional A,
endocrinologista do Instituto de 1971 a 2005, descreve as dificuldades
enfrentadas quando do início de tais serviços de saúde na instituição:

Quando eu comecei o meu curso de especialização, existia um


professor que era considerado o papa da Endocrinologia aqui
no Rio. Refiro-me ao professor José Sherman, que tinha muito
interesse nesse assunto e ele, então, me escolheu para ajudá-
lo a fazer o atendimento. Normalmente, essas pessoas eram
encaminhadas para o IEDE porque entravam com um processo
de troca de nome e troca de gênero e o Instituto Médico Legal
(IML) encaminhava para o IEDE para saber o verdadeiro sexo
genético daquela pessoa. Então, ele me escolheu para fazer a
anamnese e para conversar com essas pessoas. Foi aí que eu
comecei a entender todo o sofrimento e todo o processo das
pessoas transexuais. Só que, apesar de a gente fazer o
diagnóstico do “transexualismo”; apesar de a gente atender, a
gente não podia dar qualquer hormônio, não podia fazer nada
porque, naquele momento, o Conselho Federal de Medicina
65
não permitia . Assim, a gente se limitava a dar laudos dizendo
o que aquela pessoa era: se fosse uma mulher trans, que tinha
nascido biologicamente homem e se fosse um homem trans,
que tinha nascido biologicamente mulher (Profissional A).

Como se observa, a demanda por laudos médicos inaugurou o serviço


no IEDE. Contudo, à época, os profissionais de saúde estavam impedidos de
receitar medicações para pessoas transexuais (hormonioterapia66), pois esta
prática, segundo a Profissional A, não era referendada pelo Conselho Federal

65
Na realidade, não havia qualquer resolução ou parecer do Conselho Federal de Medicina
referendando a hormonioterapia para pessoas transexuais; por outo lado, a prática tampouco
era formalmente vedada pelo CFM. Cabe mencionar que em fevereiro de 2013, por meio do
Parecer nº 8/2013, o CFM passou a disciplinar a terapia hormonal para adolescentes travestis e
transexuais, com base nas linhas de cuidado para hormonioterapia estabelecidas pelos padrões
internacionais da Sociedade Internacional de Endocrinologia.
66
Segundo o Ministério da Saúde, a hormonoterapia ou terapia hormonal baseia-se no princípio
de administração ou subtração de hormônios para vários fins, como terapia de masculinização
e feminilização.

95
de Medicina. Em outras palavras, o atendimento restringia-se à emissão de
laudos atestando se a pessoa era ou não transexual.

Cabe lembrar que, naquele período, a transexualidade no Brasil


representava um terreno árido e desconhecido, não havendo qualquer livro ou
artigo publicado sobre o tema. A Profissional A, por exemplo, afirmou que já
tinha ouvido falar em transexualidade, mas não tinha nenhum conhecimento
científico sobre esta questão quando começou a atender a população
transexual, sendo obrigada, portanto, a buscar na literatura estrangeira as
informações necessárias para a realização de seu trabalho. Em tais
circunstâncias, ao montar uma equipe multidisciplinar de atendimento a
pessoas transexuais numa instituição pública, o IEDE, de forma corajosa,
rompeu uma barreira.

O pioneirismo do Instituto é destacado pelo Usuário A:

É na década de 1970 que começa a se falar pela primeira vez a


palavra transexual. Até então, no Brasil não se sabia nada a
respeito. E, nessa década, iniciou-se um estudo pioneiro no Rio
de Janeiro, no IEDE, chefiado por um médico, cuja
especialidade era andrologia. Além do andrologista, havia
também um ginecologista, um psicólogo, uma assistente social
e uma endocrinologista. Assim, eles começaram um estudo
pioneiro sobre “transexualismo”, considerado doença naquela
época e, infelizmente, ainda continua sendo (Usuário A).

O Profissional B, por sua vez, ressalta a importância do trabalho no


IEDE para a sua inserção no universo da transexualidade e elenca alguns
aspectos essenciais para a compreensão do atendimento à saúde de pessoas
transexuais no Estado do Rio de Janeiro:

Penso que o primeiro aspecto refere-se à importância da


iniciativa do Dr. José Shermann, médico do IEDE que não
pode, absolutamente, ser desconsiderada. Sherman começou a
se interessar pelo assunto do “transexualismo”, enquanto eu
me interessei um pouco mais pela endocrinologia da
reprodução. Fui para a Suécia, inclusive, para me especializar
nesta área. Naquela época, Dr. Sherman gostaria de criar um
laboratório de disforia de gênero e entre os anos de 1975 e
1976, sugeriu que o laboratório de gônada (já existente
naqueles anos) tivesse um dia da semana para atender os
pacientes de disforia de gênero. Neste momento, eu comecei a
atender alguns pacientes, junto com uma médica
endocrinologista e uma equipe, formada por psiquiatras,
psicólogos e assistentes sociais. O segundo protagonista desta
história é o Dr. Roberto Farina (de quem fui muito próximo e
participei de eventos com ele diversas vezes como palestrante),

96
pois foi pioneiro na realização de cirurgias de transgenitalização
numa conjuntura muito desfavorável a esta questão. Este
pioneirismo contribuiu enormemente para a disseminação dos
problemas afetos à transexualidade (universo desconhecido
naquele cenário). O terceiro e último aspecto refere-se às
contribuições inestimáveis do IEDE que foram responsáveis, na
minha visão, pela instituição de uma assistência médica voltada
especificamente à população transexual no Estado do Rio de
Janeiro (Profissional B).

A ousadia do corpo de profissionais do IEDE torna-se ainda mais


evidente quando se considera que, poucos anos antes, em São Paulo, o
cirurgião plástico Roberto Farina67, como dito anteriormente, havia sido
condenado por lesão corporal grave e respondido a processo ético-disciplinar
perante o CFM, por ter realizado a primeira intervenção cirúrgica numa mulher
transexual. Além de Farina, merece destaque o trabalho do Dr. Jalma Jurado68,
cirurgião plástico que, nesta mesma época, operava em Jundiaí (SP) e que,
segundo o Usuário A “ajudou a salvar muita gente, retirando inúmeras pessoas
transexuais do sofrimento psíquico”. Ademais, Jurado contribuiu na formação
de diversos profissionais médicos hoje atuantes na área da transexualidade.

A ilegalidade da atuação dos cirurgiões que atendiam transexuais na


década de 1970 igualmente é relatada pelo Usuário A, que, mais uma vez,
destaca a iniciativa do IEDE:

Naquela época, as cirurgias eram todas feitas por ‘debaixo do


pano’. Tinham esses estudos e esses pesquisadores. Até que o
andrologista do IEDE me levou a São Paulo para conhecer o
cirurgião plástico que tinha realizado a primeira cirurgia numa
mulher trans, o Dr. Roberto Farina. O médico que me
acompanhava no Rio de Janeiro era especialista em
endocrinologia também e foi quem me hormonizou, mas ele só
me hormonizou depois da cirurgia. Hoje, todos os trans homens
são todos hormonizados antes da cirurgia (Usuário A).

Assim, não obstante a limitação do atendimento nesta fase inicial, o


simples fato de se instaurar o atendimento específico para pessoas
transexuais no serviço público de saúde configurou um significativo marco.

67
Maiores informações podem ser conferidas também em Teixeira (2013) e Leite Jr. (2011).
68
Jalma Jurado, PhD em Medicina pela USP, foi, por mais de três décadas, professor de
cirurgia plástica na Faculdade de Medicina de Jundiaí. Além disso, é um dos médicos que fez
mais cirurgias de adequação genital no Brasil, tendo se tornado nacionalmente conhecido por
ser um dos pioneiros no país em cirurgias de redesignação sexual de qualidade para mulheres
transexuais.

97
4.3.1 Hormonioterapia: Entraves e Limitações no Acesso

A hormonioterapia constitui etapa imprescindível no processo de


modificações corporais de pessoas transexuais. O tratamento é muito caro – à
época do início do programa, mais ainda –, o que enseja uma série de
dificuldades de acesso.

O Usuário A aborda a questão do tratamento hormonal, expondo sua


experiência no IEDE, bem como as barreiras e limitações com as quais se
deparou:

Começaram os exames. Semanalmente, eu comparecia ao


hospital IEDE. Os hormonais foram realizados num laboratório
à parte e, mesmo obtendo um desconto de 50%, custaram
muito caro. Até então, os resultados não apresentavam
qualquer anomalia (...). Quanto à análise hormonal, ocorreu o já
esperado pela equipe: uma taxa elevada de testosterona no
sangue, pois meu psiquismo estava interferindo diretamente no
sistema endócrino. No exame clínico, foi constatada uma
69
genitália sem alteração, porém com certo hirsutismo e uma
tonicidade masculina acentuada. O fato de já ter trabalhado e
viver em grande parte com identidade social masculina atendia
a uma importante exigência da equipe que hoje se intitula “teste
70
da vida real” , questionado inclusive por alguns teóricos, pois
exige que o trans se defina como homem ou mulher e nunca
possa ficar no meio, inventando outras categorias disponíveis
(Usuário A).

Além dos exames laboratoriais e clínicos, os(as) usuários(as) eram


submetidos(as) a avaliações psicológicas, a sessões quinzenais de
psicoterapia e, também, a entrevistas com assistente social. A psicoterapia
obrigatória deveria durar, no mínimo, um ano, podendo esse prazo ser
estendido, conforme a necessidade do psicodiagnóstico.

69
Define-se o hirsutismo – também chamado frazonismo – como a presença de pelos terminais
na mulher, em regiões anatômicas onde tal presença é característica do sexo masculino.
Disponível em: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/5301/hirsutismo.htm. Último
acesso em 04 de fevereiro de 2014.
70
O teste de vida real ainda é amplamente utilizado no país como critério de distinção entre
transexuais “falsos” e “verdadeiros”, a despeito de protestos das pessoas transexuais, de
alguns profissionais de saúde e de estudiosos que adotam perspectivas mais críticas a respeito
do tema. Nesta fase, o indivíduo deve aprender, durante dois anos de acompanhamento, a
viver segundo as normas culturalmente determinadas ao sexo a que se sente pertencer.
Maiores informações podem ser encontradas em Arán (2006).

98
Havia, portanto, a máxima preocupação da equipe do IEDE em garantir
a suposta veracidade da condição transexual do(a) paciente, diferenciando
os(as) “transexuais verdadeiros(as)” dos(as) “falsos(as)” por meio de um
protocolo psiquiátrico extremamente rígido, que incluía testes como o de “vida
real”. Do relato do usuário, depreende-se, ainda, que, não obstante tratar-se de
instituição pública, o(a) paciente precisava arcar com custos significativos para
realizar o tratamento. As angústias decorrentes de todo esse processo são
assim descritas:

Meu horário de sessão não era fixo. Variava conforme a


disponibilidade do médico. Algumas semanas, eu ia de manhã;
noutras, à tarde, o que me obrigava frequentemente a matar
minhas próprias aulas como professor. Várias vezes, não pude
ser atendido. Ia embora sem, nem ao menos, me darem uma
satisfação. Essa displicência me aborrecia. Mas, como esse
laudo era o item mais importante de todo o processo pré-
cirúrgico e, sem ele, nada poderia ser feito, continuei
resignadamente (Usuário A).

Deve ser ressaltado que, neste contexto – anterior à Constituição de


1988 e à instituição do SUS –, não se faziam presentes, sequer no plano
teórico, as garantias de universalidade de acesso e integralidade no
atendimento à saúde. Ademais, a noção de direitos humanos ainda não
permeava a atuação dos(as) profissionais de saúde, o que obrigava o(a)
paciente a se submeter às regras impostas, independentemente de seus
desejos e sentimentos.

Por outro lado, além dos preços elevados, alguns medicamentos eram
praticamente inacessíveis no Brasil. O Usuário A apresenta sua narrativa
concernente a esses problemas, bem como aos obstáculos na obtenção de
receituário médico para aquisição de hormônios:

Naquela época, não havia bloqueadores no Brasil. Importavam-


se da Inglaterra e eram caríssimos. Hoje tem. Foi o meu
médico andrologista que me indicou. As mulheres trans não
tomam só o anticoncepcional; elas têm que tomar bloqueador
também. A hormonização para os trans homens é complicada
porque eles precisam de um endocrinologista ou de algum
médico que dê uma receita e eles não querem dar, se não tiver
um laudo de transexual.

99
Então, o que complica na compra dos hormônios masculinos
são as exigências de uma receita médica, o que as trans
mulheres não precisam, pois elas conseguem comprar
71
qualquer tipo de anticoncepcional na farmácia . Desta forma, o
mercado negro corre solto (sobretudo, nas academias de
ginástica), porque quem toma a testosterona não é só trans
homem (tanto homens cis como mulheres cis). As mulheres
72
cisgêneras também tomam testosterona – claro que uma
quantidade um pouco menor – para ter mais musculatura e
disposição. Então, se vende receita na internet. Eu conheço
trans homem que fabrica receita, entra no PowerPoint e faz a
receita. Claro que a gente aconselha a todos buscarem um
endocrinologista e eles procuram, mas não são aceitos. A
maioria não consegue porque o endócrino não quer se
comprometer; nunca tratou de transexual. Não existe essa
cadeira dentro da faculdade de medicina. Como é que se
ministra testosterona num corpo feminino? Eles não sabem.
Então, muitos se recusam a atender. (Usuário A).

Ao relatar seu processo de modificações corporais, A menciona as


dificuldades encontradas no Rio de Janeiro, onde não havia médicos
predispostos a realizar procedimentos cirúrgicos em pessoas transexuais, em
razão do medo de serem arrolados em processos semelhantes àqueles
enfrentados por Farina.

Eu me opero com 27 anos em 1977. Portanto, eu cheguei com


26 anos em São Paulo. Mas, eu já vivia desde os 22 anos como
homem. Eu tinha uma dupla identidade social. Para a família e
para o trabalho (como disse, dava aula em universidades) eu
era uma mulher. Eu tinha consultório. Eu atendia com uma
identidade feminina. Mas, a minha figura era andrógina já. Eu
na rua passava batido como um rapazinho imberbe. Todo
mundo duvidava que eu tivesse 22 anos e as mulheres ficavam
encantadas. E aí eu vivo duas vidas sociais completamente
antagônicas. Em fevereiro, com 27 anos, eu me opero com o
cirurgião de São Paulo. Mas, eu já tinha feito no Rio de Janeiro
uma histerectomia. (...) Então, aos 27 anos, eu paro de
menstruar quando eu faço a histerectomia. Quer dizer – hoje
como se hormoniza antes da cirurgia –, na primeira dose de
hormônio, você já para de menstruar. Hoje em dia, no século
XXI, a maioria dos trans homens, a partir da primeira dose, já
para de menstruar. Alguns demoram 3 ou 4 doses, depende do
organismo. Mas, a testosterona já elimina a menstruação, não

71
É importante ressaltar que medicamentos adquiridos em farmácias e drogarias podem diferir
de forma significativa daqueles especificamente indicados para hormonioterapia. Além disso, os
hormônios – cujos efeitos variam bastante de pessoa para pessoa – são drogas potentes e
altamente nocivas ao organismo quando mal administrados ou na hipótese de o paciente ter
alguma contraindicação. Por tais razões, revela-se imprescindível o acompanhamento de um
endocrinologista.
72
Um indivíduo é dito cisgênero (do latim cis = do mesmo lado) quando sua identidade de
gênero está em consonância com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer, ou seja, quando sua
conduta psicossocial – expressa nos atos mais comuns do dia-a-dia – está inteiramente de
acordo com o que a sociedade espera de pessoas do seu sexo biológico. Disponível em:
http://transfeminismo.com/2011/11/17/o-que-cissexismo. Último acesso: 06 de fevereiro de
2014.

100
elimina a produção de estrogênio. Por isso, a importância dos
73
bloqueadores (eu tomei bloqueador). Os estrogênios são
responsáveis pelos caracteres secundários (Usuário A).

Além do receio de serem processados, os médicos temiam receitar


hormônios a pessoas transexuais, pois desconheciam as consequências e
efeitos colaterais deste tratamento. Somente após a realização de alguns
procedimentos cirúrgicos de modificação corporal – à época, não legalizados –
poderia ser recomendada a utilização de hormônios. Sobre este ponto,
comenta o Usuário A:

Somente depois que me operei, passei a tomar testosterona.


No princípio, era de 15 em 15 dias. Depois, o intervalo foi
aumentando, segundo a prescrição do médico. Deixei crescer o
cavanhaque e o bigode. Fiquei com uma cara mais de homem
responsável. O resto da barba continuou falhado. Pelo corpo
também fiquei bem mais peludo, inclusive na barriga e no peito.
Os cabelos começaram a cair, insinuando uma leve calvície
(Usuário A).

Durante muitos anos, o IEDE permaneceu apenas com o serviço de


assistência psiquiátrica e endocrinológica, sem, contudo, receitar hormônios
para usuários(as) transexuais. Apenas no final dos anos de 1990, após a
Resolução nº 1.482/1997 do CFM, o Instituto ampliou a pioneira iniciativa,
criando um ambulatório de atendimento específico para este segmento
populacional.

A equipe multidisciplinar de profissionais vinculada a tal ambulatório


possuía capacidade técnica e autorização legal para oferecer aos(às)
pacientes a hormonioterapia, condicionada a diagnóstico de transexualidade. A
Profissional A descreve o início deste processo:

Depois que saiu a Resolução do Conselho Federal de Medicina


que permitia, em termos universitários, o tratamento de
pessoas transexuais – refiro-me à primeira Portaria –, eu e o
Diretor do IEDE, resolvemos abrir um ambulatório para
tratamento dessas pessoas e, como determinava a Resolução
do CFM, o ambulatório tinha um assistente social, duas
psicólogas, uma enfermeira treinada, um psiquiatra, um
andrologista e um endocrinologista. Nós não tínhamos
cirurgiões. Então, nós começamos a receber essas pessoas,
73
Estrogênio é uma designação genérica dos hormônios cuja ação está relacionada ao controle
da ovulação e ao desenvolvimento de características femininas. Além disso, é responsável pela
textura da pele feminina e pela distribuição de gordura no corpo, razão pela qual sua deficiência
acarreta a redistribuição de gordura corporal para partes caracteristicamente mais masculinas,
como, por exemplo, a barriga. Disponível em: www.medicinanet.com.br. Último acesso em 15
de março de 2014.

101
estabelecemos um protocolo de atendimento clínico e, em
1999, começamos a fazer o atendimento. Após a forte suspeita
de “transexualismo” – assinada pela equipe, principalmente
pelo psiquiatra –, começávamos a fazer o processo de
reposição hormonal; o processo de hormonização; de dar
hormônio (não era nem fazer reposição) e dentro daquele
esquema de observar dois anos. No final de no mínimo dois
anos, essas pessoas seriam ou não encaminhadas para a
cirurgia de transgenitalização (Profissional A).

Em suma, mesmo com o avanço representado pela inclusão da


hormonioterapia entre os serviços de saúde do IEDE e a constituição de uma
equipe multidisciplinar, o atendimento prestado pela instituição ainda refletia
um “modelo assistencial” com resquícios de fragmentação, em descompasso
com os princípios norteadores do SUS. Dito de outro modo, a obstinação em
se averiguar a veracidade da condição transexual do(a) paciente, resultava em
sofrimento psíquico potencialmente danoso à saúde dos indivíduos, aspecto
que escapava por completo da abordagem assistencial em saúde mental.

4.3.2 Anos 2000: Dificuldades, Avanços e Retrocessos

Nos anos 2000, o IEDE superou, em parte, a preocupação exacerbada


com a questão do diagnóstico de transexualidade, adotando uma sistemática
de atendimento centrada na saúde integral do indivíduo. Ademais, a equipe
multiprofissional consolidou-se e adquiriu maior expertise em transexualidade,
tornando-se referência em hormonioterapia no Estado do Rio de Janeiro.

Deve ser salientado, também, que boa parte dos medicamentos


inerentes ao tratamento hormonal passou a ser oferecida gratuitamente pela
instituição. Além disso, do ponto de vista dos recursos materiais, o
atendimento à população transexual estruturou-se de forma adequada, como
ressalta a Profissional A:

Os recursos matérias eram muito bons porque a Direção dava


força e total apoio ao atendimento. Então nós tínhamos um
conjunto de quatro salas de atendimento: uma sala muito boa,
muito arrumada, tudo direitinho, com privacidade e ar
refrigerado (Profissional A).

Todavia, a despeito dos mencionados avanços, o programa do Instituto


ainda enfrentava sérias dificuldades, entre as quais se destacavam a restrição
no acesso e a não realização de cirurgias de modificações corporais.

102
Com efeito, a fila para ingresso no referido programa era extensa, com
anos de espera. Os potenciais usuários procuravam seguidas vezes o IEDE
em busca de atendimento, sendo informados da inexistência de vagas.

Sobre a fila para inserção no programa, a Usuária B relata:


74
Eu tinha 18 anos quando comecei no Projeto Damas da
Prefeitura. Lá eu conheci muitos profissionais, entre eles uma
médica endocrinologista que me deu um encaminhamento para
o IEDE. Quando cheguei ao guichê de atendimento de posse
desse documento, fui atendida imediatamente e estou lá até
hoje. Faz quase 7 anos. Na época, muitas amigas não
conseguiram ser inseridas no programa e, antes de conseguir o
encaminhamento, eu mesma estive diversas vezes na
instituição, mas não conseguia ser atendida (Usuária B).

Cabe observar que a referida usuária iniciou seu tratamento no IEDE


em 2007 e continua o acompanhamento endocrinológico com a equipe do
Instituto. Contudo, não obstante a obtenção, em agosto de 2013, do laudo que
recomenda a cirurgia de transgenitalização, até o momento o procedimento
cirúrgico não foi realizado, pois B aguarda na fila de inserção no programa do
Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE/UERJ) onde igualmente há
indisponibilidade de vagas75. Como se percebe, o laudo médico ainda
representa papel relevante no protocolo de atendimento a pessoas
transexuais. De fato, como determinado pelas mencionadas Resoluções do
CFM e pela Portaria nº 457/2008, somente após o período de alguns meses de
tratamento psicoterapêutico, o(a) paciente pode ter acesso à hormonioterapia,
mediante laudo preliminar. Obviamente, para a realização de cirurgia de
transgenitalização, é imprescindível laudo elaborado por equipe multidisciplinar
(Psicologia, Psiquiatria e Endocrinologia), sendo que, de modo geral, os(as)
usuários(as) ingressam no programa sofrendo os efeitos da utilização de
hormônios sem nenhuma orientação médica.

74
O Projeto Damas da Prefeitura do Rio de Janeiro, pioneiro no Brasil, tem por objetivo a
reinserção social e profissional de travestis e transexuais, por meio de capacitação e incentivo à
escolaridade, bem como de ações voltadas para a empregabilidade desse segmento
populacional. Dentre os profissionais responsáveis pelas aulas ministradas no projeto estão
psicólogos, fonoaudiólogos, professores, juristas, médicos, infectologistas e especialistas em
hormonioterapia. Disponível em: http://www.pcrj.rj.gov.br/web/smds. Último acesso em 25 de
fevereiro de 2014.
75
A questão das longas filas de espera no Hospital Universitário Pedro Ernesto será abordada
no item 4.5.4, intitulado “Filas de Espera: Alta Demanda e Oferta Insuficiente de Vagas”.

103
A situação é descrita por B:

Eu tinha 15 anos quando conheci algumas travestis que


76
compravam na farmácia o Androcur para mim. Além dos
comprimidos eu tomava também uma injeção. Portanto, tomei
hormônio por conta própria dos 15 aos 18 anos. Ao chegar ao
IEDE, fui orientada a suspender a utilização dos remédios
durante um período de três meses e, após a realização dos
exames, recomecei o uso dos medicamentos com
acompanhamento endocrinológico adequado. A injeção foi
suspensa e a médica manteve o Androcur e um gel (muito
caro) e que deve ser usado em determinadas partes do corpo,
antes de dormir (Usuária B).

Para a Profissional A, o quadro clínico e emocional das pessoas


transexuais que procuravam o IEDE – diante dos danos decorrentes de
automedicação inadequada e da saúde mental prejudicada pelo passado de
sofrimento – muitas vezes configurava um problema mais grave do que a
demora na realização da cirurgia de transgenitalização77:

Eles chegavam sempre com hormônios. Todos eles diziam que


uma amiga havia recomendado. Chegavam com o fígado
arrebentado; com anemia e com problemas de saúde
seríssimos e nós começávamos então, a querer remediar isso,
o que às vezes era muito difícil porque eles tinham aprendido a
ser tão marginalizados por toda a classe médica e por uma
série de outras pessoas que a maioria chegava pra gente
mentindo e com muita dificuldade em confiar na equipe. E a
gente tentava discernir o que era verdade... Muitos diziam que
tinham nascido com o órgão sexual feminino e que depois
tinham aparecido os órgãos sexuais masculinos. Toda uma
série de histórias que a gente entendia e começou a aprofundar
78
o estudo cientifico: colocação de cariótipo e estudo de
genética. Entrou um geneticista no meio juntamente com a
psicoterapia; algumas vezes havia medicação psiquiátrica
devido ao número de depressão dessas pessoas... (Profissional
A).

76
Androcur ou Acetato de Ciproterona é um produto sintético com estrutura semelhante à dos
hormônios sexuais naturais. É, também, um potente antagonista de androgênios, que possui
atividade progestacional e suprime a secreção de gonadotrofinas. Além disso, a Ciproterona
inibe a produção de testosterona, interferindo na ação androgênica. Disponível em:
http://www.medicinanet.com.br/bula/8086/ciproterona.htm. Último acesso em 07 de fevereiro de
2014.
77
Há que se ter cuidado para não se naturalizar a existência de longas filas de espera na área
de saúde. Tal questão deve ser compreendida como algo grave, pois o indivíduo que está
aguardando um tratamento ou cirurgia passa por enorme sofrimento psíquico.
78
Cariótipo é o conjunto cromossômico ou a constante cromossômica de uma espécie e
representa o número total de uma célula somática do corpo. Em outras palavras, o cariótipo é o
conjunto de cromossomas dentro do núcleo de uma célula e fornece as informações
substanciais para o estabelecimento das relações entre espécies, com respeito à organização
dos cromossomos. Disponível em: http://www.medicinanet.com.br. Último acesso em 07 de
fevereiro de 2014.

104
Em sua experiência como ativista do movimento transexual, o Usuário
A assevera que muitas pessoas transexuais sofrem de depressão, enfrentando
situações muito difíceis e angustiantes em seu cotidiano, situações estas
potencializadas pelo despreparo técnico e ineficiente dos(as) profissionais de
saúde em questões afetas à transexualidade:

O grande sofrimento da pessoa transexual é a transfobia. Mais


que o próprio corpo e a documentação. Eles vão ao psicólogo
porque a maioria tem síndrome do pânico: não sai de casa, não
sai de dento do quarto, não quer ir para rua... Para quê? Para
sofrer transfobia? Ainda não se hormoniza, ainda tem peito, tem
cara de mulher, não tem barba. Vai, mas se sente um homem,
tem jeito de homem, se veste como homem. Então, a grande
maioria dos trans homens é deprimida e toma antidepressivos.
Os trans homens são extremamente ansiosos, alguns têm
síndrome do pânico (alguns não, muitos)... Aí vão procurar um
psicólogo, (se tem condições financeiras) e aí chegando ao
psicólogo (como esta semana mesmo um deles veio falar
comigo): “eu sou um trans homem, um homem transexual”. “O
quê?”, espanta-se a psicóloga. “É isso. Eu sou transexual”. “Ah,
olha só: volta daqui a um mês ou dois que eu vou dar uma
estudada melhor” e ainda cobra meia consulta. Não existe a
cadeira de gênero e sexualidade em nenhuma faculdade
humana. Só tem uma faculdade no Brasil que tem essa cadeira
que é em Assis, que eu vou conhecer agora. Ninguém entende;
ninguém sabe nada de transexualidade. Então o quê acontece?
Eu faço particularmente uma lista de profissionais (de médicos;
advogados; psicólogos) que eu sei que podem atender
transexuais (que não é completa... eu tento ter de todos os
Estados, mas o nosso, por exemplo, é uma calamidade). No
Nordeste agora, abriu um ambulatório ótimo. Não sei se é na
Paraíba (em João Pessoa) ou em Campina Grande, sei lá...
Não faz cirurgia, mas dá hormonização e tem um ótimo
ginecologista... Esse é outro problema (ginecologista). Qual é o
ginecologista que está preparado para atender o trans homem?
Ou uma mulher lésbica mesmo? Os homens não vão... Não
vão ao ginecologista. Vão abrir as pernas para quê? Para enfiar
aquele troço dentro da vagina do cara? Não vão. Um colega
conhece um ginecologista e ele me deu o endereço ali na 1° de
Março que esse sim está preparado para atender um homem
trans (Usuário A).

Nas grandes cidades brasileiras, indivíduos – cuja identidade foge à


norma heterossexual (suposta ou confirmada) – são mais atingidos por
diferentes modalidades de violência e discriminação. A desestabilização
provocada por sua performance de gênero, constantemente associada a um
conjunto de estereótipos negativos sobre a homossexualidade, expõe as
pessoas transexuais como vítimas preferenciais da violência transfóbica em
diferentes contextos (Carrara & Vianna, 2006).

105
Ainda sobre o sofrimento psíquico, a Profissional A relata um fato
marcante e emblemático:

O que mais me marcou foi uma mulher trans que, ao chegar e


me ver; abraçou-me chorando muito e disse: “doutora, liberte-
me desse corpo”. Só disse isso: “doutora, liberte-me desse
corpo”. Ela tinha uns 30 anos... Essa situação mexeu muito
comigo (Profissional A).

Outro problema recorrente – infelizmente, não restrito ao IEDE – diz


respeito à incessante discriminação enfrentada pelos usuários e, também,
pelos profissionais dedicados ao atendimento da população transexual. A
Usuária B narra o preconceito sofrido.

Uma vez, no guichê de atendimento onde deixamos nossos


documentos e solicitações de exames, eu fui chamada pelo
nome de registro civil e não pelo nome social por uma
estagiária novata. Eu conversei com ela sobre o assunto e ela
me solicitou desculpas, dizendo que tinha acabado de começar
no trabalho e não tinham informado a ela sobre a questão do
nome social. Eu fiquei muito chateada pela falta de treinamento
dos funcionários. Mas, este foi o único episódio de
constrangimento que eu passei no IEDE, durante esses anos
todos. Muitas outras meninas reclamavam de discriminações
sofridas por parte dos funcionários da instituição, porém eu
nunca presenciei nenhuma delas (Usuária B).

A Profissional A também é bastante enfática acerca do impacto da


discriminação em seu trabalho:

Eu te digo: é um trabalho que cansa. É um trabalho muito


puxado e desgastante porque existe uma marginalização da
sociedade. Eu fui chamada lá dentro do IEDE de “viadóloga”.
Muitos diziam: “se o cara pensa que é Napoleão, eu mando ele
pro hospício. Se o cara pensa que é mulher; eu mando ele pra
você, doutora”. Então, é uma coisa que apesar das diversas
brincadeiras, transparece muito o preconceito. Eu sofria mais
porque era a chefe e nos congressos todo mundo dizia: “ah, já
sei sobre o que você vai falar! É sobre os ‘viados’!” (Profissional
A).

Tal discriminação é responsável, ainda, pelo afastamento de diversos


bons profissionais da equipe multidisciplinar de atendimento, conforme
relatado pela referida profissional:

Convidei vários colegas para trabalhar lá comigo, mas depois


de um certo tempo, todos quiseram sair. Eles achavam
sacrificante, não trazia retorno. Era muito melhor tratar uma
tireoide e passar uma receita, que você ter que lidar com isso.
E é um sofrimento tão grande que você presencia nessas
pessoas... (Profissional A).

106
Em síntese, a despeito dos obstáculos no atendimento do Instituto
Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione, marcado,
especialmente, pela limitação no acesso ao programa – a demanda por vagas
é bastante superior à oferta – e pela inexistência de serviços cirúrgicos, o
caminho aberto pela instituição foi de suma relevância para a sistematização
da assistência voltada à saúde de pessoas transexuais no Estado do Rio de
Janeiro.

4.4 HUCFF/UFRJ: da Interpelação de uma Usuária à Indiferença da Direção

O atendimento à saúde de pessoas transexuais no Hospital


Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ) teve início em dezembro
de 1997, quando uma mulher transexual procurou o Serviço de Endocrinologia
daquele hospital, de posse da Resolução nº 1.482/1997 do CFM, que, como
dito, autorizava a realização de cirurgia em casos experimentais. À época, os
profissionais da instituição desconheciam a referida norma.

Não obstante a falta de conhecimento técnico e a ausência de


qualquer experiência anterior em transexualidade, a usuária foi acolhida e
encaminhada ao Serviço de Psicologia Médica e Saúde Mental, para que fosse
confirmado o diagnóstico de Transtorno de Identidade de Gênero (TIG). Além
disso, até a realização da cirurgia de transgenitalização, ocorrida efetivamente
em 2000, a paciente foi submetida a acompanhamento psiquiátrico, “porta de
entrada” do programa.

A casualidade da interpelação da usuária resultou na organização de


um trabalho voltado para a assistência da população transexual, nomeado
Programa Interdisciplinar de Assistência a Pacientes Transexuais e Cirurgia de
Transgenitalização do HUCFF. A equipe de atendimento era composta por
profissionais da Psiquiatria, Psicologia, Endocrinologia, Urologia e Cirurgia
Plástica, sendo que, para a realização dos atendimentos, uma das salas do
ambulatório era reservada para a psiquiatria, às terças-feiras pela manhã.

A origem casual do atendimento e as primeiras experiências são assim


descritas pelo Profissional C:

107
Logo após a primeira Resolução do CFM, uma paciente
procurou o Serviço de Endocrinologia do hospital e o Chefe do
Serviço de Endocrinologia me procurou e me disse que achava
que era da minha especialidade e não da dele. Foi aí que eu
soube da Resolução do CFM, inclusive. Eu passei a ser o
Coordenador do Programa como um todo. Chamava-se
Programa de Atenção a Pacientes Transexuais e Cirurgia de
Transgenitalização. A Resolução não foi prévia. Foi a partir de
um pedido de um colega, chefe de outro serviço. Claro que isso
não explica a minha manutenção ou o fato de eu ter ficado no
Programa e tê-lo conduzido por 15, 17 anos, sei lá quanto
tempo que eu fiquei nisso (Profissional C).

Os primeiros contatos com a população transexual causaram enorme


estranhamento nos profissionais da equipe do programa, conforme narrado por
C:

Numa das ocasiões, eu me senti visto com aquela pessoa...


Depois de algum tempo eu consigo discernir se a pessoa é ou
não transexual. Naquele momento, eu não conseguia. Era uma
figura meio andrógina, que chamava a atenção exatamente por
ser uma figura assim e eu andando com ela pelos corredores.
E, na época, eu me envergonhava disso. Teve uma vez
também, enfim, que a gente estava tentando arrumar uma sala
para o atendimento (o companheiro era trocador de ônibus e
ganhava no máximo um salário mínimo). Então, para vir ao Rio
era um esforço e, então, eu sabia que eu tinha que estar
presente. Eu não podia furar com ela, que vinha especialmente
ao Rio por isso. Não me lembro do seu nome. Lembro-me de
sua fisionomia. Teve uma vez na hora da despedida (eu não
costumo beijar o paciente, a não ser que a pessoa venha e eu
pra não ser grosseiro, permito. Mas, tento dar a entender que
eu não faço isso), e ela veio dar os dois beijinhos para se
despedir e eu confesso que eu fiquei muito desagradado e
perturbado: “alto lá, tô beijando homem?!” Homem, eu beijo
meus filhos, meus grandes amigos. Não saio beijando homem.
Não faz parte da nossa cultura homens desconhecidos se
79
beijarem (Profissional C).

Aos poucos, porém, o estranhamento foi sendo substituído pela


compreensão do caráter relativo das normas de gênero, que não admitem
certezas e convicções.

A experiência com essa população trouxe impactos profundos e


mudou completamente a minha visão de mundo, porque eu me
questiono o tempo todo com relação ao que me dá a condição
de dizer que eu sou homem... Não sei mais! (Profissional C).

A Profissional D, por seu turno, descreve o início de seu trabalho como


estagiária do serviço de psiquiatria do hospital, quando já havia alguns

79
O fato de não ter havido nenhum receio por parte do Profissional C em relatar esse episódio
demonstra que o estranhamento inicial foi superado (anotações do caderno de campo, Rio de
Janeiro, 04 de novembro de 2013).

108
pacientes sendo acompanhados por uma equipe informal composta de um
psiquiatra e uma psicóloga:

A coordenação do programa era de um médico psiquiatra. Até


porque a porta de entrada era a Saúde Mental. A outra
psicanalista assumiu junto com o responsável pelo programa e
era como se ela fosse uma coordenadora adjunta. Mas, isso
não era formal porque, ao mesmo tempo, que a psiquiatria se
esforçou muito junto à Direção do hospital para formalizar o
programa, esse programa nunca se formalizou de fato. Como
ambos eram os únicos comprometidos com o bom
funcionamento daquilo, as pacientes recebiam um atendimento
de qualidade. Mas, a gente não tinha um retorno. Eu falo deles
porque eu era só estagiária. Eu não apitava muito em nada
(Profissional D).

Por sua vez, no tocante à falta de know-how da equipe em relação à


temática transexual, ressalta:

Quando eu comecei, há 11 anos, não tinha nada, ninguém


falava desse assunto; ninguém sabia a diferença entre
transexuais e travestis; e a única coisa que todo mundo sabia
era da Roberta Close. Era muito superficial até para mim; tanto
que a minha monografia do estágio chama-se “O que é isso?”,
porque, de fato, eu não conhecia (Profissional D).

Ao contrário do IEDE – que nunca disponibilizou intervenções


cirúrgicas –, o programa do HUCFF oferecia a possibilidade de realização de
cirurgia de redesignação sexual, desde a sua instituição. Sobre a primeira
cirurgia e os atendimentos iniciais, o Profissional C enfatiza:

A primeira cirurgia foi feita numa moça do interior do Estado do


Rio, pobre, ela tinha 21, 22 anos (uma coisa assim). Muito
espontânea, muito alegre, muito normal, uma moça normal (se
é que existe a figura de uma mulher normal, ela era normal).
Por que eu digo isso? Porque essa foi uma das minhas
surpresas. Eu já tinha conversado com travesti e, assim como
muitas pessoas não sabem a diferença entre travesti e
transexual, eu também não sabia. E aí eu fui me informar, fui
saber da tal legislação, fui estudar a bibliografia, um americano
da década de 1960 que eu também não vou lembrar seu nome
agora... Era uma coisa muito curiosa... Eu sequer tinha sala
para atender; não tinha ambulatório na época porque eu era o
chefe do serviço; então eu não tinha tempo pra atender. Então
aconteciam coisas do tipo eu ter que sair correndo do
ambulatório porque eu tinha que encontrar uma sala pra
atender. E uma coisa que eu percebi também que no começo
(e isso se repetiu com os pacientes que eu atendi – quase 20 –
e eu os acompanhava semanalmente, exceto alguns que não
podiam vir porque não tinham dinheiro e muitos eu atendia
semanal ou quinzenal, era psicoterapia mesmo e eu queria
entendê-los) e o que chamava a atenção é que, no começo, eu
não conseguia chamar ou usar o gênero. Não conseguia usar
numa frase comum nem masculino e nem feminino: “você está

109
cansado ou você está cansada?”. Eu não falava assim. Eu
falava: “você está com cansaço?” Para exatamente não ter que
definir. E em algum momento, depois das sessões e das
consultas, eu me percebia já falando num determinado gênero
espontaneamente, masculino ou feminino e aí eu percebia que
neste momento, para mim, o diagnóstico estava feito. Aí eu
autorizava a cirurgia (porque já teve alguns casos que não
eram transexuais, enfim, pacientes psicóticos confundindo
realmente). No momento em que eu percebia que estava
falando com uma mulher, ela era uma mulher! (Profissional C).

A partir da narrativa do profissional, percebe-se que o diagnóstico que


propicia ao(à) paciente o acesso ao procedimento cirúrgico ainda pertence
exclusivamente à biomedicina, sendo que o critério de decisão, como não
poderia deixar de ser, não obedece a protocolos psiquiátricos rígidos; pelo
contrário, trata-se de questão impregnada de subjetividade. Com efeito, há
enorme carga subjetiva, diante da ausência de parâmetros, sendo o
diagnóstico muitas vezes elaborado com base em estereótipos de gênero
puramente heteronormativos.

Assim, tal sistemática, por maior que seja a sensibilidade do médico,


acarreta enorme insegurança, podendo gerar irreparáveis prejuízos aos
indivíduos, que perdem a autonomia de decidir sobre sua própria identidade.

Reitera-se, desta forma, o arbitrário modelo em que o saber e o poder


médico decidem e impõem suas verdades sobre o que é legítimo para o outro,
verdadeira violência institucional que impede o indivíduo de dizer quem é e o
que deseja (Teixeira, 2013). As normas de gênero reproduzem que as pessoas
são o que suas genitálias informam. Esse sistema, fundamentado na diferença
sexual, reafirma que deve haver uma concordância entre gênero, sexualidade
e corpo. Com o objetivo de superar este modelo, “homens e mulheres
(transexuais), antes de reivindicar os direitos relacionados à sua pessoa, estão
lutando para serem reconhecidos como pessoas” (idem:37).

É fundamental, portanto, reconhecer plenamente a condição humana


das pessoas transexuais e travestis, retirando definitivamente o gênero da
alçada do saber/poder médico (Bento, 2009).

110
4.4.1 Perfil dos(as) Usuários(as)

No início do programa, a imensa maioria dos(as) pacientes era


composta por mulheres, havendo apenas um homem atendido pelo serviço. A
Profissional D não dispõe de informação acerca da realização de eventual
levantamento formal do perfil da população atendida, porém se recorda que:

Algumas delas eram profissionais do sexo; uma se apresentava


como costureira e evangélica; outra reforçava particularmente o
aspecto da sexualidade, dizendo-se virgem (decisão que se
manteria até que pudesse realizar a cirurgia de
transgenitalização); uma era casada “há muitos anos”. Muitas
pacientes eram oriundas do Nordeste e uma vinha de São
Paulo, onde tinha iniciado seu acompanhamento e
permanecido durante muitos anos no Hospital das Clínicas de
São Paulo. O nível socioeconômico e educacional de todas era
muito baixo. De 2001 a 2008, período em que trabalhei no
programa, 16 mulheres e 1 homem foram acompanhados,
sendo que os serviços oferecidos restringiam-se à psicoterapia
(quinzenal e mensal), até que o paciente estivesse apto à
realização da cirurgia (Profissional D).

O Profissional C, baseando-se no perfil de suas pacientes, relembra


que, ao contrário do sugerido pela literatura científica, havia poucas
características comuns entre as mulheres transexuais:

Tinham mulheres pacientes com uma estrutura emocional que


a gente chama de mais obsessiva. Algumas mais histéricas.
Outras mais tranquilas. Tinha de tudo... Tinha uma profissional
com formação universitária: trabalhava como tal. Tinham duas
profissionais do sexo: uma já era HIV positivo e, na época, tinha
toda uma discussão se podia ou não operá-la, se os cirurgiões
aceitariam ou não atendê-la e ela não tomava os antirretrovirais
“pra não ficar feia”. Ela era uma mulher linda, linda: cabelo
preto e olho azul, lindíssima e não aderia ao tratamento, porque
o tratamento com o antirretroviral dá uma distrofia das células
gordurosas e enfeia. E eu dividi com ela essa dificuldade e ia
ver como é que ia fazer pelo fato de ela ser HIV positivo e não
se tratar. Mas, ela resolveu desistir da cirurgia e veio me contar
toda feliz que um dia, no trabalho dela, tinha se realizado
sexualmente. Tinha tido prazer como mulher, se sentindo como
mulher. Então, que não precisava mais fazer a cirurgia. Essa
sumiu. Foi embora. Uma outra que já era mais – como é que eu
vou chamar? – ardilosa e pouco confiável. O relato que ela me
trouxe foi que no serviço dela conheceu um rapaz, se casou
com ele (casou mesmo e me trouxe a certidão de casamento) e
aí foi fazer a cirurgia pagando no serviço privado em SP. Teve
complicações sérias depois disso. Assim como uma outra que
eu atendi que foi fazer no serviço privado e depois das
complicações disseram que não era por conta deles. E teve
uma terceira profissional do sexo que eu atendi por um tempo
só. Essa se mudou e se matriculou num serviço em SP
(Profissional C).

111
Ainda sobre o perfil da população feminina, C assinala:

O que me chamou atenção é que era absolutamente


diversificado... Tinha, em termos de diagnóstico, mulheres
normais. O que são mulheres normais? Há uma piada de que
mulher não adoece; mulher só piora... Mulher normal é
estranho! O discurso é muito peculiar na maioria das
mulheres... Tem uma mulher que ela tem a minha idade. Foi
operada aos 55, 56 anos (esqueci o seu nome): toda cheia de
Botox e ela tinha um companheiro por mais de 30 anos. Era
aquele tipo de mulher (se você conhecesse o ambulatório
daqui, tinha um grande saguão que era a espera e neste
saguão tem as portas que dão para as salas de atendimento).
Ela chegava umas 8 horas (sei lá, acho que ela morava na
Zona Sul) e já estava conversando com alguém, ela estava
sempre conversando com alguém. Aí eu a mandava entrar e
ela começava a falar e falava, falava, falava... Às vezes, a
impressão que eu tinha é que eu podia sair da sala e ela
continuaria falando. Eu ia voltar e ela ia continuar falando. Isso
parece piada, mas se você vir uma conversa entre mulheres, o
discurso é assim: “ontem eu fui ao cinema ver um tal filme
qualquer ’O mar ao amanhecer’. A mulher diria assim “ontem
eu fui ao cinema; a sessão era as cinco, mas eu estava em
dúvida se eu ia botar uma roupa preta ou vermelha, mas eu ia
demorar um pouquinho e o meu marido ia começar a reclamar
(você sabe que marido gosta de reclamar)”. O homem diria “eu
fui ao cinema ver o filme ‘O mar ao amanhecer’”. O discurso
feminino tende a ser preenchido, enriquecido e floreado com
todos os detalhes que o rodeiam e que dão um colorido afetivo,
o que é extremamente interessante em alguns momentos. Em
outros não, especialmente se o marido que fazer outras coisas
ou está interessado em ver o jogo de futebol. Enfim, aquele
chavão do marido dizendo que a mulher reclama: “a gente não
conversa mais” e o marido pensa: “caramba, acabamos de
conversar”. Eu falei tudo que estava acontecendo”. Mas, não! O
que falta é esse preenchimento, esse discurso afetivo, esse
floreio que as mulheres falam e que é muito curioso. Esse é o
exemplo máximo de uma população tipicamente feminina
(Profissional C).

Por sua vez, quanto os homens transexuais, o entrevistado relata:

Por outro lado, eu atendi poucos homens transexuais ou


transexuais masculinos (era como chamava antigamente).
Teve um que era mais forte que eu, mais barbado que eu,
80
(devia tomar muito esteroides e anabolizantes ) e que chegava
e se sentava de perna aberta e falava comigo. E, de repente,
eu me via falando com ele como homens conversam entre si...
Ele era tão masculino, na acepção natural da palavra. Ele tinha
uma mulher, uma namorada e várias amantes. É o que homens
nessa nossa cultura fazem. Então, tinha esse modelo
(Profissional C).

80
Esteroides ou anabolizantes são compostos com propriedades que intensificam os efeitos
fisiológicos da testosterona, como o aumento da massa muscular e a redução de gordura.
Disponível em: http://www.brasilescola.com/quimica/esteroides-anabolizantes-forca-beleza-
enganosas.htm. Último acesso em 10 de março de 2014.

112
Como se depreende do discurso de C – médico psiquiatra que atendeu
por mais de 15 anos este segmento populacional –, não há distinções
significativas, em termos psíquicos e comportamentais, entre pessoas
transexuais e não transexuais, isto é, a transexualidade, por si só, não
configura um quadro clínico específico.

Finalmente, o profissional observa que o desejo primordial das


pessoas que buscavam assistência – e tal percepção manteve-se durante todo
o tempo em que atendeu essa população – resumia-se à questão de
identidade e de reconhecimento social como indivíduo pertencente a um
determinado gênero:

Quando uma das pacientes conseguiu ser operada em 2001,


dizia de sua satisfação de, depois da cirurgia, poder fazer xixi
no banheiro de mulheres de porta aberta porque as primas do
marido dela, certamente não sabiam e agora ela podia fazer xixi
de porta aberta... Poder pegar o buquê da noiva e isso era a
realização da vida dela. Isso me surpreendeu muito. Batia com
a bibliografia que eu estava estudando, mas ter essa vivência
com o paciente real é muito mais forte (Profissional C).

4.4.2 Dificuldades do Atendimento

O fato de a origem do programa ter sido marcada pela casualidade e


por ações informais trouxe consequências prejudiciais ao desenvolvimento do
trabalho da equipe de profissionais. Com efeito, apesar dos esforços da Saúde
Mental, o programa do HUCFF não foi formalizado pela Direção do hospital, o
que, certamente, dificultou a obtenção de verbas orçamentárias e recursos
humanos, afetando o funcionamento, a organização e o planejamento das
atividades.

Além disso, alguns dos profissionais designados para integrar a equipe


multidisciplinar eram discriminados por colegas por atender a população
transexual, bem como se sentiam bastante desconfortáveis ao atuar em
cirurgias que consideravam verdadeiras “mutilações” de órgãos genitais
fisiologicamente saudáveis.

A Profissional D relata suas impressões sobre tal desconforto:

Os dois cirurgiões, aparentemente (isto é uma conclusão


minha), não se sentiam à vontade em participar desse

113
programa; não achavam que o resultado era bom. Eles
achavam que os benefícios trazidos pelas cirurgias eram muito
pequenos e tinha um deles especialmente (era uma mulher e
um homem), um deles especificamente se sentia muito mal
(tem uma frase que me marcou muito). Ele se sentia muito mal
de fazer uma cirurgia num pênis saudável, embora não seja
uma extirpação; é uma reconstrução... Ele sempre falava muito
isso e se sentia muito impactado emocionalmente. Para ele
aquilo era muito difícil. Ele falava que na época tinha que tomar
medicação e foi fazer terapia, porque para ele aquilo estava
sendo uma violência. Então, se eu não me engano (não tenho
muita certeza), mas acho que o argumento dele para a Direção
do hospital de que ele não faria mais o procedimento era um
pouco isso, no mal estar que aquilo estava lhe fazendo. Isso
tudo era uma coisa nova para este profissional (Profissional D).

E prossegue relembrando episódios de chacotas e piadas


preconceituosas dirigidas a um dos cirurgiões:

O cirurgião passava por muita piada dentro do hospital. As


pessoas brincavam com ele, colocavam a mão dentre as
pernas quando o viam e diziam: “você é perigoso!” Era uma
coisa muito conturbada (Profissional D).

Os problemas com recursos humanos alcançavam, também, o Setor


de Endocrinologia, cujos serviços deixaram de ser oferecidos, sob a incoerente
alegação – em se tratando de um hospital universitário, no qual a pesquisa e o
aprimoramento deveriam ser a regra – de que os profissionais não dispunham
de conhecimento técnico suficiente para o atendimento de pessoas
transexuais. Segundo a Profissional D:

Houve uma recusa efetivamente do Serviço de Endocrinologia


e aí o psiquiatra pediu ao IEDE, através de uma
endocrinologista de lá e fez essa parceria como o IEDE que na
época já atendia travestis e transexuais, mas este Instituto não
fazia cirurgia. Então quase que a proposta era ser uma
81
permuta. O Fundão atenderia cirurgicamente os pacientes do
IEDE e o IEDE faria o atendimento endocrinológico dos
pacientes do Fundão. Mas, não foi isso que aconteceu... É
sempre tudo muito nebuloso e a gente não sabe muito bem o
que ocorreu... É que teve um período que o IEDE queria fazer a
cirurgia, justamente quando o Ministério da Saúde começou a
se interessar pela questão e pensar na formalização disso.
Mas, o Instituto não tinha condições estruturais para fazer uma
cirurgia desse porte, que é uma cirurgia longa, que depende de
CTI e de uma série de outros fatores. Mas, as pacientes do
Fundão, de fato, passaram a ser atendidas lá. Tinham muitas
queixas em relação às filas. Parece que fila é uma síndrome
eterna do atendimento às transexuais. Elas sempre tiveram
muita queixa em relação à fila e a demora de atendimento
(Profissional D).

81
O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ é também conhecido como Hospital
do Fundão, por estar localizado na Ilha do Fundão, Zona Norte do Rio de Janeiro.

114
Ainda de acordo com o relato da Profissional D, os(as) usuário(a)s
reclamavam muito da longa fila de espera. Entretanto, nunca levavam tais
reclamações ao conhecimento formal dos profissionais envolvidos diretamente
no atendimento.

Para suprir, portanto, a lacuna do Serviço de Endocrinologia do


HUCFF/UFRJ e tentar diminuir as enormes filas, foi instituída uma parceria em
rede com outra instituição de saúde, que fornecia, também, medicações e
hormônios quando havia disponibilidade.

Por conseguinte, assim como a cirurgia de transgenitalização, a


hormonioterapia era cercada de obstáculos e incertezas: faltavam
medicamentos e quem não possuía condições financeiras para comprá-los por
conta própria, frequentemente, não tinha acesso aos hormônios. A dificuldade
na obtenção dos medicamentos é relatada pela Usuária C:

Eu era acompanhada pelos médicos do IEDE e tinha muito


carinho e afeto por eles. Lá eu recebia alguns remédios,
inclusive a ciproterona. Mas, muitas vezes saia de casa em
Nova Iguaçu para buscar o remédio e quando chegava ao IEDE
não tinha, era informada que estava em falta (Usuária C).

A criação desta rede interinstitucional mostrou-se, portanto, uma


medida insuficiente para o atendimento da demanda por hormonioterapia.
Além disso, a parceria esbarrou, entre outras questões, nas pretensões de
autonomia do programa do IEDE, que intencionava realizar os procedimentos
de transgenitalização, intenção esta que, como visto, não se concretizou.

Ademais, havia no HUCFF uma procura por vagas bem superior à


capacidade de atendimento, sendo que o tempo de espera era ainda maior do
que no IEDE, em razão da realização de cirurgias de redesignação sexual, não
oferecidas no Instituto de Endocrinologia. O tempo de espera no programa de
assistência a pacientes transexuais também era maior do que o de outros
serviços oferecidos pelo hospital.

As dificuldades de ingresso são narradas pela Usuária C:

Eu fui à Santa Casa de Misericórdia em meados de 2005 com o


desejo de fazer a cirurgia. Não possuía muito conhecimento na
época e, chegando lá, fui muito bem atendida por uma

115
assistente social que me sugeriu procurar o Hospital do
Fundão. Quando eu cheguei ao Fundão, procurei o Serviço
Social e, com muita insistência e depois de várias idas ao
hospital, eu consegui chegar ao médico psiquiatra do programa.
No início, ele me disse que não havia vagas e me pediu que
esperasse mais um tempo. Aconselhada por outras meninas
transexuais que estavam sendo atendidas no hospital, todos os
meses eu o procurava e acabei sendo inserida no programa. Eu
tinha 28 anos de idade, ou seja, isto aconteceu há 10 anos. Na
primeira consulta com o psiquiatra, aconteceu algo muito
desagradável. Depois de perguntar minha idade, ele me
questionou com muita frieza: “você não acha que o tempo para
você passou, não? Você está velha para procurar uma cirurgia
dessas”. Bastante sem graça, olhei para ele muito triste e
respondi: “nunca é tarde para começar nada nesta vida doutor,
especialmente quando se tem fé em Deus”. Nesse dia ele me
inscreveu e eu fiquei indo nas consultas (Usuária C)

Todavia, a inserção no programa não garantia a realização da cirurgia,


ainda que o(a) paciente já estivesse de posse de laudo autorizando o
procedimento, como observado pela Usuária C:

Ingressei no Fundão em 2005 e fui acompanhada pelo


ambulatório de psiquiatria até 2009 [um ano depois de o serviço
ter sido encerrado no hospital]. Tenho os laudos psiquiátricos
para fazer a cirurgia, mas até hoje não me operei. O tempo foi
passando e, quando chegou a minha época de fazer a cirurgia
(pela ordem da fila, eu era a próxima da vez), lembro-me como
se fosse hoje – e sempre que penso nesta história, tenho
vontade de rir, mas quando aconteceu foi muito doloroso. Já
era final de 2008 e o mesmo psiquiatra que tinha me chamado
de velha quatro anos antes, me disse assim: “eu andei
analisando a situação e pela ordem da fila, seria você. Mas,
como tem uma senhora de idade, já com 50 e poucos anos, eu
vou colocá-la na sua frente porque você ainda é jovem e pode
esperar”. Eu olhei para ele sem acreditar no que estava ouvindo
e respondi: “Engraçado doutor, o tempo está correndo ao
contrário para mim? Há quase quatro anos quando eu cheguei
ao programa, eu era velha para procurar uma cirurgia dessa.
Agora eu sou nova? Me explica isso”. Ele ficou possesso e,
depois daquele dia, eu não conseguia mais ter diálogo com ele
82
e deixei o programa em seguida (Usuária C).

Além do consentimento da Psiquiatria, o acesso ao centro cirúrgico


dependia da disponibilidade dos cirurgiões, que determinavam, dentre
inúmeros usuários(as) – alguns com doenças graves, como câncer, por
exemplo –, quem teria a prioridade.

Assim, somada às dificuldades comuns de um hospital público de


atenção terciária em saúde – falta de recursos materiais e humanos, bem

82
Atualmente, a entrevistada está tentando fazer a cirurgia de transgenitalização no Hospital
Universitário Pedro Ernesto (HUPE/UERJ).

116
como carência de leitos – havia, ainda, o desinteresse dos cirurgiões em
continuar com as cirurgias de transgenitalização. Consequentemente, na
ordem de prioridade, tais cirurgias acabavam sendo relegada a segundo plano.

De acordo com o Profissional C:

Qual o critério que você estabelece na fila, entre alguém que


tem câncer (e se não for operado vai morrer) ou um transexual
que se não operar, vai ficar infeliz da vida, correndo risco de se
automutilar? Isso é um abacaxi ético terrível! É muito
complicado. Difícil. Não tem solução pra isso não! Quando a
gente conseguia fazer uma cirurgia por ano, eu ficava até
satisfeito. Eu compreendo. Isso aqui é um hospital terciário, de
referência para situações graves. Então, compreendo as
dificuldades (Profissional C).

Mostra-se evidente, portanto, que é bastante tênue a linha divisora


entre o poder biomédico – capaz de ditar o destino dos indivíduos – e a
violência institucional incidente sobre as pessoas transexuais.

Com relação às dificuldades de acesso à cirurgia de


transgenitalização, estratégias variadas eram acionadas pelos(as) usuários(as)
para tentar driblar as barreiras na obtenção dos procedimentos cirúrgicos. O
Profissional C relata um episódio profundamente marcante, que é bastante
ilustrativo de alguns subterfúgios utilizados por aqueles(as) que não
conseguem ter efetivado o seu direito:

Foram 15 anos de trabalho e todas as histórias são muito


interessantes e eu já apresentei isso em Congresso. Foi uma
situação muito dura, muito difícil de uma pessoa que chegou
aqui com exames feitos de ressonância: cariótipos que
mostravam a existência de testículos (dois testículos e dois
ovários). Seria, portanto, um hermafrodita verdadeiro: com a
presença de 4 gônadas (duas masculinas e duas femininas).
Seria um caso único descrito na literatura. Mandei para o
endocrinologista: “Não, isso não existe!” Mas, tinha o exame
que mostrava lá testículos e ovários, com órgão externo
masculino: pênis com presença de testículos, mas a
ressonância mostrava ovário e útero. O cariótipo (se eu bem
me lembro) era XXY. Pessoas que nascem com essa
síndrome, muitas vezes descobrem que têm testículos que ao
invés de estarem na bolsa, não descem: demoram a
desenvolver caracteres sexuais secundários, como barba e etc.
Mas, são homens e às vezes detectam o problema, porque na
hora de ter filhos demoram a conseguir tê-los.

117
83
Em seguida, vão descobrir que são Klinefelter e não
conseguem ter filhos porque são estéreis, porque o testículo
ficou preso no abdômen e não desceu. Os homens são
estéreis. Muitos homens heterossexuais são Klinefelter. A
paciente que chegou para mim era uma mulher transexual e
tinha um companheiro no interior do Estado do Rio de Janeiro.
O pai era um profissional universitário sério. Ela estudou na
faculdade como um homem e fez faculdade no interior do
Estado como homem. O pai, além de ser uma pessoa
importante na cidade, era um líder de uma religião importante.
Então, ela saiu lá da cidade e veio pro Rio (talvez pra sair dessa
questão familiar) e aqui no Rio é que resolveu se assumir e
passou a se vestir de mulher, tomar hormônio, botar prótese e
essas coisas. Era uma pessoa bem informada com nível
universitário e ela chegou com esse exame que tinha – a olho
nu – pênis e testículos e tinha também ovário e útero. Bom,
finalmente chegou a época de fazer a cirurgia e ela era a da
vez. Mas, tinha um problema de que, quando era um caso
assim, manda-se repetir os exames (porque era uma coisa tão
rara) e ela trouxe de novo a ressonância em que tinha a
presença de útero, de ovário, atresia de vagina (atresia é um
estreitamento e/ou um encurtamento do canal vaginal). Faria
sentido numa pessoa XXY que teve alguma alteração
anatômica esquisita e foi confirmado. Fizemos o cariótipo de
novo e deu de novo, não me lembro se XXY ou XX, já nem me
lembro mais. Não importa... O que importa é que na hora da
cirurgia, os cirurgiões combinaram que primeiro de tudo tinham
que ver qual era a situação desse útero, porque tinham receio
que um útero em vigência de um cromossomo XXY, produzindo
hormônio masculino, poderia cancerizar. Então, tinha que tirar
esse útero, primeiro de tudo, antes de tirar pênis e testículos.
Tinha que abrir o abdômen para ver o útero e o ovário como é
que estavam; para ver o estado, pelo menos fazer um corte
para ver. Na hora da cirurgia, abre-se e não tem útero e nem
ovário. O cirurgião fecha. Klinefelter é um homem que tem
pênis e testículo e não tem útero e nem ovário. Ele seria um
hermafrodita (com presença de útero e ovário; pênis e vagina).
O cirurgião abre e não tem útero e nem ovário. Ele fecha e na
hora percebe-se que houve um logro, houve um engano... Ela
forjou. A pessoa que ia para cirurgia, forjou os exames
(Profissional C).

Depois do ocorrido na sala de cirurgia, muito constrangida, a paciente


resolveu contar a verdade ao profissional:

Quando eu fui atendê-la, ela me contou a seguinte história: que


os pais dela nunca aceitaram que ela fosse transexual. Então,
que pra ela, a saída honrosa seria se apresentar como mulher
verdadeira, como verdadeiramente mulher. Então, o que ela
fez? Ela pediu pra uma amiga dela que tinha o cabelo parecido
com o dela, ir fazer o exame por ela. A ressonância que ela

83
A síndrome de Klinefelter, descrita pela primeira vez por Harry Klinefelter em 1942, é a causa
mais frequente de hipogonadismo e infertilidade em indivíduos do sexo masculino. A causa
genética da síndrome foi descoberta em 1959. As pessoas com síndrome de Klinefelter, do
sexo masculino, têm um cromossomo X adicional, estatura elevada, algum desenvolvimento do
tecido mamário e testículos pequenos.
Disponível em: http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Genetica/genesnao. Útimo acesso em
03 de fevereiro de 2014.

118
trouxe e os exames que ela fez, eram da amiga. Do mesmo
modo que e o cariótipo e que o exame de cromossomo que ela
fez, não foi ela que fez e a amiga não era XY, era XX. Bom,
isso dá processo e os médicos queriam processá-la. Imagina?
O cara foi induzido a erro e queria processar a paciente;
mandá-la embora e desligá-la do programa... O que eu
consegui fazer, depois de pensar muito tempo (ela realmente
não tinha mais condições e os cirurgiões se negaram e eu
compreendo completamente) foi mandá-la para o Hospital
Pedro Ernesto e ela foi operada lá. O Alexsandro a aceitou e eu
contei para ele a história. Tirando isso, era a pessoa mais
rígida, rigorosa, honesta que eu já vi na minha vida...Tamanho
desespero a levou a isso. Essa foi uma situação terrível. Essa
marcou! (Profissional C).

As questões enfrentadas por homens e mulheres transexuais não


estão circunscritas, como se percebe no relato do Profissional C, à esfera do
privado, mas tem uma dimensão pública que os gestores e profissionais de
saúde não podem e não devem desconsiderar.

Por último, o programa enfrentava cotidianamente situações de


transfobia, sendo necessário – para lidar com a discriminação e preservar
os(as) usuário(as) de situações vexatórias e constrangedoras – criar algumas
estratégias, como: a) inserção do nome social ao lado do nome civil nas fichas
de atendimento e b) internação em quartos individuais ou de duas pessoas
transexuais em quarto duplo, e não nas enfermarias coletivas, onde ficariam
mais expostos(as) à hostilidade e aversão de outros(as) pacientes.

Não obstante tais estratagemas, situações de estigma e transfobia não


puderam ser evitadas, como descreve a Profissional D.

Duas pacientes foram internadas simultaneamente na


enfermaria feminina, mas foram proibidas de utilizar o banheiro
das mulheres, pois, segundo as outras pacientes daquela
enfermaria, aquelas pessoas não deveriam usar aquele
banheiro, afinal não eram “mulheres de verdade” e tinham
barba e pelos nas pernas (Profissional D).

É imprescindível compreender que a condição transexual não é uma


experiência a-histórica, pois, ao contrário, revela com toda dor e dramaticidade
os limites de uma ordem de gênero que se fundamenta na diferença sexual.
Quando se retira o conteúdo histórico dessa experiência, apagam-se as
estratégias de poder articuladas para determinar que a verdade última dos
sujeitos encontra-se em seu sexo biológico (Bento, 2008).

119
4.4.3 Encerramento do Programa

Como visto, o Programa Interdisciplinar de Assistência a Pacientes


Transexuais e Cirurgia de Transgenitalização do HUCFF não chegou a ser
institucionalizado sob a ótica formal, nem consolidado do ponto de vista
operacional. Em outras palavras, durante todo o período de atendimento –
1997 a 2008 –, o programa funcionou quase que exclusivamente em razão da
boa vontade da equipe de Saúde Mental, havendo enorme resistência de
outros setores do hospital, inclusive da Direção.

A ausência de apoio institucional é ressaltada no depoimento da


Profissional D:

O trabalho no Fundão foi se desestruturando muito pela


resistência institucional. Não havia apoio da Direção. Nos
primeiros 5 anos, eu tinha um crachá, eu tinha uma sala, eu
tinha tudo pra trabalhar lá. Depois, eu não tinha crachá; eu
entrava no hospital porque o segurança me conhecia; eu não
tinha sala; a pessoa da sala do ambulatório me dava a chave
porque ela me conhecia... Eu era uma invisível dentro do
hospital e era muito curioso assim... A Psiquiatria valorizava
muito e garantia que eu tivesse essa sala e tentou muitas vezes
formalizar... Eu trabalhava voluntariamente no hospital. Eu
nunca ganhei nada para trabalhar; que é uma característica que
eu observei em vários hospitais, inclusive com recursos
próprios. Os profissionais trabalhavam de graça (quase todos).
Ou eles já eram funcionários do hospital (principalmente os
mais jovens) ou trabalhavam porque tinham algum interesse
acadêmico ou eram voluntários (Profissional D).

Nessas circunstâncias, seria muito difícil dar continuidade às ações do


programa e, mais ainda, desenvolvê-lo adequadamente. Mesmo assim, o
atendimento às pessoas transexuais no HUCFF perdurou por
aproximadamente onze anos e somente foi interrompido quando os cirurgiões
recusaram-se a operar, fato confirmado pelo Profissional C:

Acabou basicamente por isso: os cirurgiões daqui não quiseram


fazer, por exemplo, o que o cirurgião do Hospital Pedro Ernesto
fez: se aprimorou nesta técnica; assumiu que fazia isso... Era
ficar dando muito murro em ponta de faca. Eu que tinha que
carregar isso. Eu que tinha que marcar, batalhar e conseguir
sala para atender. Me sentia muito sozinho fazendo isso. Não
tinha endocrinologia no hospital. As pessoas reclamavam muito
dessa peregrinação no IEDE. Numa época funcionou, porque
tinha uma endocrinologista lá e ela era ótima... A gente trocava
figurinha, falávamos ao telefone... Ela acolhia. Não está mais lá;
se aposentou e entrou outra pessoa. Digamos que os pacientes
se queixavam que tinha uma certa rispidez. Pouca

120
maleabilidade. A pessoa vinha lá de “Caixa-Prego”, chegava 8
horas e 10 minutos e não podia mais ser atendida (o horário era
às 8 horas). Havia má vontade e as pessoas sentiam isso. No
começo, ainda tinha uma psicóloga lá (cujo nome, não vou
lembrar), a gente tentou fazer uma pareceria: eu, o IEDE; o
HUPE/UERJ; exatamente para poder ter uma troca de
informações. Muitos pacientes se matriculavam nos dois
lugares. Então aqui acabou basicamente por isso. Uma das
professoras e cirurgiãs se aposentou e eu assumi outras
funções. O Ministério da Saúde chancelou o Pedro Ernesto,
que tinha muito mais cirurgia do que aqui, o que eu acho justo.
Por isso acabou basicamente (Profissional C).

A transfobia institucional não foi expressa, apenas, por meio de uma


decisão formal de fechamento do programa, mas, paulatinamente, pela
negação de seu reconhecimento formal, pela não contratação de pessoal
qualificado e interessado no trabalho e por atitudes cotidianas que
deslegitimavam a equipe envolvida. Ademais, o programa apoiava-se
essencialmente no comprometimento pessoal dos profissionais atuantes, razão
pela qual, quando tais profissionais aposentaram-se ou assumiram outras
funções no hospital, o serviço foi encerrado.

Após o encerramento das cirurgias em 2008 – que, paradoxalmente,


coincidiu com a regulação, pelo Ministério da Saúde, da assistência a pessoas
transexuais na esfera do SUS – o atendimento no ambulatório de saúde
mental ainda foi oferecido por um tempo. Aos poucos, contudo, os(as)
usuários(as) foram deixando de frequentar o Serviço de Psiquiatria, para
buscar, por conta própria outros serviços de atendimento no Rio de Janeiro,
sem que houvesse qualquer encaminhamento da unidade onde estavam
inseridos(as).

Em suma, a origem do atendimento da UFRJ guarda relação direta


com o protagonismo individual de uma usuária, na busca de soluções para
suas demandas. Tal circunstância o diferencia de outros programas
assistenciais existentes em hospitais universitários, que surgem do interesse
de pesquisadores(as) em um tema, de sua experiência prévia com
determinada questão ou da existência de pesquisas anteriores que
demonstrem sua pertinência.

A falta de institucionalização, o voluntariado e a informalidade


inerentes ao atendimento resultaram no fim precoce do programa do Hospital

121
Universitário Clementino Fraga Filho, deixando claro que a experiência não
passou do que Bento (2012), referindo-se a mecanismos jurídicos, denomina
“gambiarra”.

4.5 HUPE/UERJ: de uma Determinação Judicial à Unidade de Atenção


Especializada

O Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE/UERJ) é uma das


quatro unidades de atenção especializada do país que desenvolve o Processo
Transexualizador no âmbito do SUS. A primeira cirurgia de reconstrução
genital ocorreu em 2003, em função de ordem judicial obtida por uma mulher
transexual. A partir de tal episódio, a instituição passou a realizar cirurgias de
transgenitalização, tornando-se unidade de referência nessa área em 2008,
com o advento da Portaria nº 457/2008.

O objetivo precípuo do programa do HUPE é promover a atenção


integral à saúde de pessoas que vivem a transexualidade, facilitando a
inclusão social dos(as) usuários(as) e melhorando sua qualidade de vida84. Por
conseguinte, considerando a integralidade, a equipe é formada por um
cirurgião urologista especializado em reconstrução genital e por profissionais –
servidores públicos e residentes – de Psicologia, Psiquiatria e Serviço Social.

Além disso, a Coordenação do programa tem preocupação


permanente com a formação de recursos humanos especializados em
transexualidade e com o aprimoramento da equipe técnica, inclusive por meio
da realização de estudos científicos. Por sua vez, a diretriz ética do trabalho é
pautada pela concretização de direitos fundamentais, como se depreende das
palavras do médico urologista da equipe, em seu livro intitulado
“Transexualidade: Princípios de Atenção Integral à Saúde”:

(...) temos um objetivo implícito que é muito maior: o combate


ao preconceito, um estímulo à reflexão por meio de
informações de alta qualidade. Que essas informações se
disseminem em organizações não governamentais, aos leigos,
aos empregados, a toda sociedade, para que possam deixar de

84
Informação disponível em
http://www.ccr.org.br/uploads/eventos/seminariomar10/eloisio_reconstrutora_genital.pdf. Último
acesso em 17 de junho de 2013.

122
85
ver a questão dos transgêneros como interessante apenas e
entendê-la como uma questão importante, de uma minoria
ainda com poucas oportunidades de inserção social. Não
estamos oferecendo às pessoas que vivenciam a
transexualidade nenhum favor, é uma questão de direito (Silva,
2012:13).

O programa foi instituído com o nome de Grupo Multidisciplinar de


Atenção à Saúde do Portador de Disforia de Gênero. Todavia, em consonância
com o movimento de despatologização86 da transexualidade, a expressão
“disforia de gênero” foi retirada. Assim, o Processo Transexualizador no HUPE
desenvolve-se, atualmente, sob a denominação de Grupo de Atenção Integral
à Saúde Transexual – GEN.

4.5.1 Origem do Atendimento

Como mencionado, a equipe do HUPE deparou-se com a questão da


saúde das pessoas transexuais a partir de uma determinação do Poder
Judiciário para realizar uma cirurgia de transgenitalização. No entanto,
diferentemente da situação inicial do HUCFF/UFRJ, cuja equipe não possuía
conhecimento técnico nem experiência anterior em transexualidade, no Pedro
Ernesto havia um cirurgião com especialização em Urologia Reconstrutora
obtida no exterior e um psiquiatra com experiência em transexualidade.

Diante do resultado bastante satisfatório dessa primeira cirurgia,


disseminou-se a informação de que o HUPE realizava esta modalidade de
intervenção cirúrgica, o que ensejou o aumento da demanda. O início do
atendimento – que, à época, escorava-se, do ponto de vista normativo,
exclusivamente na Resolução CFM nº 1.482/1997 – foi assim descrito pelo
Profissional F:

Faz parte do meu trabalho de reconstrução genital. Então, teve


um caso uma vez que foi um mandato judicial de uma mulher
trans que tinha entrado com uma ação contra o Governo do
Estado do Rio, pedindo a cirurgia de transgenitalização e foi
sentenciado que sim, que ela tinha direito e um juiz determinou
que um hospital do Estado fizesse essa cirurgia. E aí começou

85
Transgênero é um termo utilizado para descrever pessoas que escapam da visão tradicional
do que é masculino e feminino. Isso inclui as pessoas transexuais que têm um forte e constante
desejo de viverem e serem aceitas como membros do sexo oposto. Muitas se submetem ao
tratamento com hormônios e cirurgia de readequação de gênero.
86
Para maiores informações acerca da despatologização da transexualidade, inclusive da
campanha internacional sobre o tema, conferir Lionço (2006), Bento (2008) e Murta (2011).

123
a procura por um médico do Estado que tivesse capacidade e
foi na época que eu estava aqui. Aí, chegou esse papel na mão
do serviço (eu não sei bem por meio de qual burocracia
chegou, mas chegou à mão do chefe da Urologia) e ele me
perguntou se eu tinha treinamento para isso e eu falei que tinha
treinamento e ele me perguntou se a gente poderia cumprir
aquela ordem judicial e assim foi o primeiro caso. A partir daí,
um foi contando paro o outro e aí apareceu muita gente. O juiz
avaliou o direito, os deveres, o bem do paciente, se arvorou ali
de laudos (eu não tive acesso ao processo em si) e tomou uma
decisão que eu acho que foi muito pertinente (hoje soa até
comum, mas eu imagino que isso há 13 anos, bem isso foi
bastante interessante). Eu faço um agradecimento em nosso
livro a esse juiz. Eu botei ele como Juiz D. (d de desconhecido)
porque são aquelas coisas que a gente influencia vidas e não
está nem sabendo quais são as influências que a gente vai
tendo na vida de outras pessoas. Então, esse juiz influenciou a
minha vida. Por causa de uma sentença correta, pertinente. Ele
determinou e está tudo ok. E aconteceu... As coisas foram
acontecendo. A partir dessa cirurgia, a demanda aumentou...
As pessoas vão comentando, um vai contando para o outro. Até
tenho um gráfico numa apresentação de como foi aumentando
o ingresso de inúmeros novos pacientes em nossos serviços...
Foi um aumento exponencial assim. A primeira pessoa que fez
a cirurgia era uma mulher trans. Eu não me lembro de detalhes.
Mas, em principio, estava tudo correto. Ela já era casada, já
tinha uma união estável com uma pessoa. Tudo certinho
(Profissional F).

Como se observa, o atendimento bem sucedido da primeira paciente


propiciou visibilidade às ações do HUPE, deflagrando a implantação do serviço
de assistência à saúde de pessoas transexuais. Nessas circunstâncias, houve
necessidade de composição de uma equipe técnica multidisciplinar.

O Profissional E que, como dito, igualmente possuía certa experiência


em transexualidade, relatou o convite que o levou a integrar a referida equipe:

Não houve uma razão especifica. Quando começou o trabalho


em 2003, quiseram constituir uma equipe e esta equipe
precisava de um psiquiatra. Então fui convidado para participar
da equipe e eu aceitei. Não houve assim uma razão especifica:
foi um convite da Urologia que começou com a cirurgia. Eles
precisavam de um psiquiatra, vieram aqui e me perguntaram se
eu estava interessado. Eu me interessei e aceitei o convite. Eu
já conhecia a transexualidade e já tinha atendido em consultório
particular. Portanto, não era uma demanda nova. Era uma
demanda muito pequena na ocasião. Penso que em consultório
particular não haveria uma demanda grande nunca, por uma
questão socioeconômica. Mas, eu tinha atendido alguns casos
sim. Poucos casos, mas eu já havia tido contato. Não foi o
primeiro contato aqui. E em nenhum momento hesitei em
aceitar o convite, porque achei um tema muito interessante
(Profissional E).

124
Não obstante a motivação e a satisfação dos profissionais na
realização deste trabalho e o aumento da demanda, o programa não foi
adequadamente estruturado e continuou funcionando dentro do Ambulatório
de Urologia, que efetuava serviço de reconstrução genital de intersexuais e
transexuais, bem como de pacientes que sofreram acidentes. Em outras
palavras, o(a) usuário transexual era atendido juntamente com quem, por
exemplo, sofria de estenose de uretra87 ou tivera o órgão genital mutilado por
queimaduras ou acidentes.

Essa sistemática de atendimento conjunto reflete-se no depoimento do


Profissional F:

Eu sou professor adjunto de Urologia; sou médico de Urologia.


Eu faço mil coisas que não são somente referentes ao universo
trans. Eu trabalho com reconstrução genital desde 2000. A
minha vida é ampla, ou seja, eu faço mil coisas e a cirurgia
trans é uma pequena parte das minhas especialidades
(Profissional F).

Cabe salientar que, se por um lado, o fato de o programa não dispor


de um ambulatório específico para trans, evitava a criação de “guetos”; por
outro, não havia como satisfazer o aumento exponencial da demanda por
cirurgias de transgenitalização.

4.5.2 Reflexões acerca de um Programa

Após mais de uma década atendendo a população transexual, o HUPE


tornou-se, inquestionavelmente, um centro de referência técnica no país. O
Processo Transexualizador desenvolvido na instituição inclui uma variada
gama de procedimentos de modificação corporal, que abrange desde a
hormonioterapia a cirurgias de reconstrução genital, retirada de mamas e
feminilização facial, dentre outras.

A consolidação do atendimento às pessoas transexuais ao longo dos


anos trouxe, porém, inúmeros questionamentos e reflexões sobre os mais

87
Estenose uretral é um estreitamento do canal por onde a urina flui para fora de bexiga, que
acarreta diminuição ou mesmo interrupção completa do fluxo urinário, provocando uma série de
complicações. Este tipo de problema é mais comum e mais complexo em homens, pois a uretra
é bem mais longa nos indivíduos do sexo masculino.
Disponível em: http://www.hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidades/nucleo-avancado-
urologia/doencas-urologicas/doencas-bexiga-uretra/Paginas/estenose-uretra.aspx.
Último acesso em 10 de fevereiro de 2014.

125
diversos pontos relacionados direta ou indiretamente ao programa. Tais
questionamentos partem frequentemente dos próprios profissionais da equipe,
como se percebe a partir do depoimento do Profissional F:

Primeiro o que está sendo chamado de Processo


Transexualizador? Me conceitua um pouco por favor. O
Processo Transexualizador (a palavra processo), uma vez me
disseram uma possibilidade de o “porquê” do nome (sua origem
etimológica), mas eu não posso confirmar essa informação. Por
isso, eu não sei exatamente como surgiu essa expressão
“Processo Transexualizador”. Porque o que acontece no meu
entendimento? O Processo Transexualizador, ele é muito ativo.
É como se o usuário fosse muito passivo, como se existisse
uma estrutura biomédica de saúde que fosse fazer as coisas no
individuo e por ele, e não funciona assim. É o contrário: é
centrado no usuário. O usuário é que nos fala as suas
demandas. E a gente está aberto para escutar, tentar entender
e bolar uma estratégia de melhorar a qualidade de vida desse
indivíduo, caso por caso. O Processo Transexualizador, ele é
muito ativo. Parece que é uma estrutura do “Estado/babá”, “eu
sei o que é bom para você”. “Eu vou fazer!” E não funciona
assim. E, além disso, parece que é uma coisa industrial: que o
individuo entra numa ponta e várias pessoas vão fazendo
coisinhas e solta esse produto no final. Parece que quem
pensou isso foi uma indústria, um cara de MBA, um CEO de
uma grande indústria. É saúde e é um perigo se pensar saúde
dessa forma. No meu entendimento, na minha prática, como eu
entendo a literatura, a transexualidade tem as suas
particularidades dentro de um serviço de prestação de saúde.
Talvez esse processo, essa forma de exercer a prática da
saúde às populações possa ser muito útil e deva ser útil, um
modelo útil em certas circunstâncias (talvez) que eu não
poderia nem afirmar e nem pontuar. Mas, para a
transexualidade não serve. É perigoso. Eu vejo que é
potencialmente danoso (Profissional F).

Além de questionar a forma de estruturação das ações do Processo


Transexualizador, o papel passivo da população atendida e a padronização
“industrial” dos procedimentos, centrados num modelo assistencial mecânico e
rígido, F critica a incompletude na composição da equipe, bem como a própria
política pública que embasou a institucionalização no âmbito do SUS:

Tem que ter uma equipe multi, multi, multi e eu ainda brinco
que eu não gosto do multi. É trans. Tem que ser
transdisciplinar. As disciplinas têm que conversar umas com as
outras. Por isso eu acho perigoso e potencialmente danoso
para as demandas desse individuo que a gente está chamando
também de transexual que também é outra complicação,
porque exclui. A ideia de ser inclusiva, a política de
transexualidade foi extremamente exclusiva e excludente para
as travestis. É ridícula. É uma coisa não pensada na sua
completude. Foi uma coisa feita às pressas parece. E o pior, é
que muitas discussões que foram feitas, antes de sair a
primeira Portaria do Ministério da Saúde, foram por pessoas

126
muito capacitadas, muito congruentes e muito legais assim e
muitas dessas pessoas que participaram me dizem que não se
viram na Portaria final (Profissional F).

A não inclusão das travestis88 na Portaria de 2008, problema apontado


pelo entrevistado, é mais um desafio a ser enfrentado pelo sistema público de
saúde na busca da universalidade do atendimento. De fato,
independentemente das diferenças nas intervenções corporais almejadas, as
travestis – por não se enquadrarem em situação correcional do ponto de vista
biomédico – ficam alijadas de qualquer assistência. Tal exclusão configura
situação de extrema vulnerabilidade, provocando efeitos nefastos como, por
exemplo, a injeção de silicone industrial, nocivo e inadequado para uso em
pessoas.

As incongruências das normas que instituíram o Processo


Transexualizador igualmente são destacadas por F:

Há muitas críticas a essa Portaria (da primeira de 2008) e


depois as outras também. Você tem uma base e depois vão se
modificando pequenas coisas, mas essa base continua, se
perpetua. Então, você está falando em “Processo
Transexualizador” e eu aceito, repito e uso o termo porque
temos que usar um termo para nos referir a esta situação
(apesar de não gostar muito desse nome). Esse processo, na
verdade, a gente está chamando para dar um nome à
prestação de saúde à transexualidade, no caso dos usuários
que potencialmente se beneficiariam do atendimento à saúde
trans. Mas, na verdade, ele deveria ser individualizado e não
uma coisa única que veio de Brasília. Falar em Processo
Transexualizador, vincula-se automaticamente à ideia de
centros de referência. Então, quando a Portaria que o instituiu,
estipulou 4 centros de referência e fala-se, antes disso, em
Processo Transexualizador, a impressão que dá, a primeira
leitura que se tem (de quem não participou ativamente, de
quem não entende, de quem não conhece profundamente esse
mundo de atenção à saúde trans no Brasil), a impressão que se
dá é que é o mesmo Processo Transexualizador, como se
fosse um produto enlatado, uma latinha de leite condensado
que se vende igual em Porto Alegre, Goiânia e Rio de Janeiro.
O que não é natural, porque cada um construiu a sua própria
história. Porto Alegre foi mais pioneiro e talvez tivesse mais o
mérito de ter esse pioneirismo na saúde pública. Outros foram
criando novas estratégias. Na USP, por exemplo, o HC foi
criado institucionalmente com força, com cirurgião interessado
mesmo em fazer e com os contatos do jurídico que foram
paralelos, dando suporte. Foi uma coisa mais consistente, de
base. Mas, o Centro de Goiânia foi feito de outra forma. O HC
mesmo foi uma herança que ele recebeu e depois se vinculou
um pouco à Urologia Pediátrica... A Universidade Federal do

88
A Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, que redefine e amplia o Processo
Transexualizador no âmbito do SUS, estende às travestis o acesso aos serviços.

127
Rio Grande do Sul (o Hospital das Clinicas de lá é diferente do
Hospital Universitário de Goiás, que é diferente da USP, que é
diferente da gente). Cada um desses tem sua particularidade e
então quando se fala e se institui um Processo
Transexualizador, esse entendimento é muito inadequado,
inoportuno e gera incômodo. É muito equivocado e perpetua-
se. Isso me incomoda muito (Profissional F).

E o urologista prossegue com suas críticas:

Ainda com relação à equipe, reitero que não pode restringir.


Tem que ser amplo porque tem que ter todas as
especialidades. Tem que estar tudo da saúde disponível. Não
se pode inocentemente achar que juntar um cirurgião, um
psiquiatra, um psicólogo, um assistente social e um
endocrinologista, vai conseguir fazer a saúde trans. É ridículo!
É de quem não é da área. De quem não conhece. As meninas
chegam e uma porcentagem significativa hoje em dia (tem que
revisar de novo) é soropositiva. Tem que fazer o atendimento
com a infectologia, checar a carga viral. A infectologia não está
nem mencionada na Portaria. Não está! Eu falei da soropositiva
porque tem uma coisa para fazer a cirurgia: tem que calcular a
carga viral, saber se o paciente tem saúde do corpo pra se
submeter a uma cirurgia. Mas, tem DSTs, VDRL, sífilis, não
necessariamente tem HIV; tem paciente diabético, enfim... Nem
é da área de infectologia, mas tem hipertenso, diabetes. A
gente já fez diagnóstico de diabetes em nosso consultório e a
paciente nunca tinha sido tratada antes e nem sabia que tinha
diabetes (Profissional F).

Em síntese, a concepção política do Processo Transexualizador não


atende por completo a um dos mais importantes princípios do SUS, qual seja,
a integralidade. Todavia, em face do dramático quadro da saúde pública
brasileira, a própria manutenção de um atendimento de excelência técnica
voltado para pessoas transexuais configura enorme desafio, especialmente
quando se consideram as pressões contrárias do conservadorismo.

4.5.3 Perfil dos(as) Usuários(as)

O perfil da população usuária do Programa de Atenção Integral à


Saúde Transexual do HUPE/UERJ vem sofrendo alterações significativas ao
longo dos anos. Com efeito, registra-se um aumento expressivo do número de
homens transexuais atendidos, devendo ser salientado que, no início, o público
era majoritariamente feminino.

Ademais, houve mudanças de perfil em relação a classe


socioeconômica e faixa etária. De fato, se, num primeiro momento, eram
atendidas, basicamente, mulheres mais pobres, acima de 35 anos, com baixa

128
escolaridade e com menor inserção no mercado de trabalho formal,
atualmente, tais indicadores estão um pouco diferentes, conforme assevera o
Profissional F:

A gente tem pacientes de classe média alta. Pais trazendo os


filhos de 18 anos recém-completados e até adolescentes (que a
gente não pode legalmente atendê-los, portanto, faz o
acompanhamento, mas não intervém no corpo). Mas, esse
indivíduo está vindo com a família porque eles têm a segurança
de que aqui é um bom serviço, um bom atendimento e eles se
sujeitam aos desconfortos de um atendimento no SUS, de uma
sala de espera, de ter que chegar cedo, de um banco
inadequado, do calor; com um ar condicionado que não
funciona, etc. A gente ainda tem aquela pessoa com estigma
antigo da “trans de rua”, da prostituição, soropositiva, aquela
que foi mandada para fora de casa, apontada na rua... Ainda
tem. Mas é mais comum ainda em torno de 40 a 45 anos. De
40 anos pra cima. Agora, muitos dos nossos de 18 anos são
universitários; muitos estão cursando o nível superior de várias
áreas. Então, a gente está vivenciando o que eu falo que é uma
transição (você fala em Processo Transexualizador) e eu gosto
muito da palavra transição... Eles estão ‘transicionando’. Eu
prefiro assim. E nós ajudamos nessa transição. Em relação ao
número de homens e mulheres, hoje é 1 pra 1. Na nossa
realidade é 1 pra 1. Tinha uma demanda reprimida que era
muito antiga (Profissional F).

As pessoas transexuais que procuram o Programa são oriundas de


diversas partes do país, o que torna a demanda ainda maior, como descreve o
Profissional E:

Eu atendo aqui às terças e sextas. No início, a demanda era


pequena. Hoje em dia não dou conta mais da demanda. Em
média, tenho, sendo acompanhados por mim, 40 a 50 pessoas.
Esses pacientes são atendidos no momento. Quanto aos que já
foram atendidos têm muito mais, porém não sei quantos já
foram operados. Demoro dois anos com consultas que
começaram mensais e agora são bimensais, isto é, a cada dois
meses. Não tenho como atender mensalmente mais. Não tem
espaço. Eu atendo gente do Paraná, do Rio Grande do Sul, de
Goiás, do Nordeste (vários do Nordeste). A incidência do
Nordeste é maior pela amostra. Eles migram. Alguns até ficam
lá e depois vêm para o Rio fazer o atendimento.
Proporcionalmente, o Nordeste é bem maior do que regiões
mais próximas da cidade, o que é bastante curioso. O nível
socioeconômico dessas pessoas é muito baixo. Na grande
maioria das vezes são pobres. No consultório, eu já atendi
pacientes de bom nível social. Mas, como não tem como
resolver a situação da cirurgia, são enviados para o HUPE
(Profissional E).

129
4.5.4 Filas de Espera: Alta Demanda e Oferta Insuficiente de Vagas

A demanda do programa do Hospital Universitário Pedro Ernesto


cresceu exponencialmente ao longo de dez anos de existência. O cenário é
desolador, com filas de espera enormes e usuários(as) aguardando há anos a
realização de cirurgias, sem qualquer perspectiva.

O sofrimento psíquico e o desespero decorrente da falta de perspectiva


de atendimento, por vezes, levam as pessoas transexuais a atitudes extremas,
como assinala F:

Nós já operamos aqui no hospital duas pacientes em situações


extremas de suicídio com autoamputação. Mas, aí é o que eu
falo que se descobrirem que em cima de autoamputação cria-
se uma situação de que a pessoa opera pela emergência, vai
criar uma epidemia de autoamputação de trans no Brasil. Duas
chegaram aqui e operamos pela emergência. Aí, o pessoal diz:
“ficam privilegiando demais o programa. Agora estamos dando
emergência também pra trans. Desde quando trans é
emergência?” (Profissional F).

A responsabilidade do Estado por tamanho desalento é inquestionável,


afinal, sua omissão resulta no recrudescimento dessa imensa e deletéria dívida
social:

Quem foi ou quem poderia ser responsabilizado atualmente


pela tragédia trans que tem no Brasil de meninas que foram se
operar em outros lugares, foram se operar em mercado negro?
Eu acho que o Estado tem uma dívida e poderia ressarcir essas
pessoas de uma certa forma. O Estado, além de ter sido
ausente muito tempo, tinha que fazer uma reparação moral.
Hoje, a gente tem essa dívida com os afrodescendentes, uma
dívida social. A gente tem essa dívida com os trans porque
quando se tentou organizar, foi o Estado que não deixou que
isso acontecesse e muitas meninas foram mutiladas. Não vou
nem falar das que se suicidaram... muitas histórias de suicídios
que se injetaram milhões de coisas no corpo porque não
vislumbravam uma atenção nenhuma de saúde (Profissional F).

O encerramento do Programa da UFRJ contribuiu para o aumento da


procura pelos procedimentos cirúrgicos do hospital. De fato, tal encerramento
não apenas significou o fechamento de uma porta de atendimento a novos(as)
usuários(as), como levou os(as) pacientes que já aguardavam cirurgia no
HUCFF a tentar inserção no HUPE.

130
Eu deixei o Fundão em 2009. Na época, consegui uma
declaração do psiquiatra atestando que eu estava há quatro
anos sendo acompanhada pela equipe do programa de lá e, por
isso, pronta para fazer cirurgia. Foi com este laudo que eu
consegui ser atendida pela equipe de saúde mental do HUPE
em 2010. O psiquiatra do HUPE me deu outro laudo dizendo
que eu já podia fazer a cirurgia, mas até agora estou na fila de
espera sem previsão de ser atendida (Usuária C).

Em razão da dimensão das filas, o programa foi forçado a suspender,


temporariamente, o ingresso de novos(as) pacientes. O fato é narrado pelo
Profissional F, que dá conta, ainda, de outros problemas concernentes ao
atendimento:

Há 2 anos que a gente não abre vagas novas e provavelmente


(é em dezembro que a gente abre vagas para o próximo ano), a
gente não vai abrir vagas para o próximo ano. O ano passado
eu acho que foi um dos piores anos que a gente teve aqui com
problemas administrativos mesmo: teve greve de técnico
administrativo da UERJ, teve greve dos anestesistas que estão
em greve ainda, tem colegas lá que falam “essa greve de vocês
é ridícula. Ninguém sabe que está em greve. Greve tem que ter
panfleto. Tem que ter mídia”. Teve o incêndio também que foi
horrível. Então foi um ano muito difícil. Em 2013, a gente tentou
correr para tentar tirar a demanda e sobrarem vagas. A gente
tinha a programação de 2013 e mais outros que ficaram de
2012 (Profissional F).

As condições objetivas do centro cirúrgico configuram outro entrave


relevante para o fluxo de realização de cirurgias:

O centro cirúrgico é imenso; é gigante. Ele é metade de um


andar inteiro. Só que a metade dele está em obra. E aí fica a
metade que são várias salas. E dentro dessa metade,
atualmente estão funcionando 70% por causa da greve de
anestesistas. Então, se eram 10 salas, eram 3 para o hospital
inteiro: ortopedista; cirurgia geral, etc. Já está há 3 anos em
obra. A nossa sala é a 2 ou 4. A gente já chega e entra.
Enquanto opero numa sala, outras cirurgias estão acontecendo.
Todo dia sai o mapa de cirurgia e a urologia tem mapa todo dia.
Todo dia e toda hora a gente está operando: de manhã e de
tarde. Minha equipe está operando e eu estou de olho no meu
celular aqui. Está bom, a equipe está muito boa. O caso que
está sendo operado agora, tivemos que operar ele várias vezes
porque foi suspensa a cirurgia. Houve uma emergência na
frente porque o hospital não é um hospital de porta de
emergência, mas o paciente que está internado, opera uma vez
e, se complica, o paciente tem que voltar, porque uma sala
dessas é a sala da emergência. É isso que muitas vezes eu
respondo para o Judiciário: porque a fila está demorando e a
preocupação do Judiciário é sempre muito simplista e é um
pensamento que não sei como combater (Profissional F).

F emenda questionando a interferência do Poder Judiciário em sua


rotina de trabalho:

131
E vira e mexe determinam que a gente passe alguém na frente
na fila. Eu respondo (e acho que eu vou ter problema jurídico
qualquer dia, porque eu não sei se eu posso fazer isso). Eu já
tenho a resposta pronta e apenas copio e colo. O juiz não
manda passar na fila (esse é o problema). Ele manda assim
“que se cumpra, tem um nome técnico e jurídico, mas que se
cumpra” e em 15 dias eu vou ter que operar o paciente. É um
cumpra-se! Mas, eu respondo. Eu falo assim: “equipe nós
temos e muito disposta a operar. Os residentes de urologia
adoram e estão muito dispostos. Não temos, contudo,
condições de fazê-lo. Existe a fila de tantos pacientes. Este
paciente está na posição tal e vai ser operado em detrimento
dos demais. Se o senhor esclarecer na sua sentença que está
mandando passar na frente da fila, eu comunico isso a todas as
outras com o seu nome e aí o senhor manda”. E ainda falo
assim: “se o julgamento de vossa excelência acha que é muito
importante para o beneficio desse individuo passar na frente e
fazer a cirurgia, que se faça e que se criem condições para não
interferir. Me arrume um centro cirúrgico e um anestesista que
eu opero, mas eu não estou prejudicando quem está na fila”.
(Profissional F).

Embora as cirurgias de transgenitalização de mulheres transexuais


possam ser realizadas em diferentes unidades de saúde públicas e privadas
do país – ao contrário daquelas de homens transexuais, ainda restritas a
hospitais universitários –, seu custo ainda é alto para a maior parte da
população demandante, o que constitui outro fator agravante da situação das
filas de atendimento no HUPE. Tal restrição, entretanto, não se justifica sob a
ótica técnica, isto é, ao que parece, não há fundamento para se manter o
caráter experimental da cirurgia de homens transexuais, como esclarece o
Profissional F:

A história da cirurgia genital masculina é outro conceito tosco,


reproduzido e falado sem nem se pensar. Essa história da
cirurgia genital masculina ser experimental no homem trans,
ainda reproduzida o tempo todo e traz malignidades porque
atrapalha o atendimento do indivíduo. Ele chega com esse
discurso e quando se fala em experimental, faz-se um vínculo
de “ratinho de laboratório”. E a primeira coisa do senso comum
e do inconsciente coletivo é experimentar o “ratinho de
laboratório”. E aí você vai explicar o que significa; o que quer
dizer e, mais absurdo ainda, é que é uma cirurgia que se faz.
Ela não é de rotina, porque ela é difícil e tem poucos homens
trans que querem fazê-la e poucos cirurgiões capacitados para
realizá-la. Mas, são cirurgias que se fazem em homens
tradicionais que nós conhecemos que se operam porque
perderam o pênis (por câncer de pênis, acidentes,
queimaduras, crianças que se queimam, é muito comum com
queimaduras, com lesões, etc.). Isso é um mega-absurdo,
porque é ao contrário. Você paga essa cirurgia pelo SUS.
Então, um homem que perdeu o pênis e vai reconstruí-lo está lá
o código “neofaloplastia”. E, assim, a gente explica o que a
medicina tem hoje e quais são as técnicas. Se o paciente

132
aceitar ou não, é o direito de autonomia do corpo. Há um termo
de consentimento e é o que a gente faz todo dia e toda hora
quando opera qualquer pessoa. Não há nada diferente e,
quando eu falo que o preconceito se disfarça de varias formas,
é que parece que está tudo ok, porém, é mais um
‘preconceitozinho’ e quando se fala assim: “ah, é para proteger
o individuo”. Gente quem protege o indivíduo é ele mesmo, ele
tem que estar informado. Agora é o contrário: as pessoas
chegam com um terror para fazer a cirurgia genital e só o faz
aquele indivíduo que quer muito mesmo o falo (também tem
uma característica do homem trans que são as mamas, pois
têm uma representação fática). Então, a demanda imediata é
por mastectomia (a retirada das mamas). Quanto à
histerectomia, é isso que eu estou te falando: a menstruação
deixa de ser um incômodo quando começa o uso dos
hormônios e tem o desconforto de que você, pelo uso dos
hormônios, corre riscos: o câncer do endométrio
principalmente. Então, tem que fazer as avaliações de
preventivo, o que gera um desconforto nos homens. O homem
não gosta de ir ao ginecologista porque é muito desconfortável
(Profissional F).

Ao traçar um panorama da situação das filas do Processo


Transexualizador no Pedro Ernesto, o Profissional F sugeriu algumas medidas
capazes de equacionar, pelo menos em parte, esta questão:

Quanto à demanda, ela é mega e hiper, absurda. Então, como


está caminhando e como eu estou na parte cirúrgica, criar
guetos nos Ambulatórios TTs pode não ser o mais adequado
(já falei isso diversas vezes e acho que fui mal entendido, no
sentido que isso não agradou algumas pessoas que tinham
muito interesse que isso acontecesse). Então, o que acontece?
Talvez (estou começando a repensar este conceito)
provisoriamente criar um centro cirúrgico (com toda a sua
dimensão e complexidade envolvida) para poder, pelo menos,
diminuir ou intervir nesta demanda absurda e ridícula que
existe. Isso seria, talvez, tentar pagar esse débito moral que o
Estado tem com essa população (eu entendo assim). Fazendo
assim, cria-se um gueto (e isto eu sou absolutamente contra),
mas vai ser um centro multiplicador em massa de profissionais
da área da saúde. Por que, o que vai acontecer agora com a
ampliação dos centros? Agora, na segunda Portaria,
ampliando-se os centros para a Região Nordeste, Região Norte
e para Minas Gerais (eu acho) vão se criar centros de
referência, vão se criar vagas, vão contratar pessoas e não
existem pessoas em todas as áreas da multidisciplinaridade
capacitadas. Centros formadores, talvez, só tenha o nosso, que
está formando especialistas em transexualidade. São
urologistas que se especializam e depois que fizeram 6 anos de
medicina, 2 de cirurgia geral, 3 de urologia, ficam mais 1 ano (já
sendo titular da Sociedade Brasileira de Urologia e já tendo o
título de especialista). É uma vaga para um urologista que quer
se especializar em reconstrução genital. Aí ele fica comigo 1
ano, esse é meu discípulo. Eu estou no 10° e esse vai ser o
11°. Só que o que acontece com o egresso? Ele não conseguiu
trabalhar nessa área. Ele está trabalhando em reconstruções
genitais de outras áreas: é estenose de uretra, doença de
pênis, etc. Mas, qual vai ser o critério de seleção desses

133
centros? Isso está na mão deles. Isso é poder delegado às
pessoas. Não está pensado. Nitidamente, vão entrar pessoas:
endocrinologistas, clínicos, psicólogos etc. Vamos falar então
da psicologia. Foi muito difícil trabalhar congruente com a
gente, pois estava cheio de gente com abordagens diferentes e
que confundiam a cabeça do usuário. Então assim... quando se
fala em protocolo de atendimento PSI, meu Deus, qual
protocolo? Não existe isso! Não existe essa regrinha! Quem
dera... Se fosse uma receita de bolo. Então, temos um
megaproblema. Mas, eu estou feliz; está andando, está
mobilizando. Mas, eu queria muito estar vivo no momento em
que se criasse um atendimento próximo do que é digno pra
esses indivíduos (Profissional F).

Além do problema das filas, a equipe do HUPE ainda enfrenta sérias


dificuldades decorrentes da transfobia, muitas vezes advinda dos próprios
profissionais de saúde, como assinala o Profissional E:

Há uma certa má vontade com as pessoas transexuais. Para


agendar a cirurgia, o médico cirurgião daqui do hospital tem
que batalhar muito para conseguir centro cirúrgico. Como se
outras coisas tivessem mais prioridade. Entende? Então, às
vezes marcam a cirurgia, depois desmarcam. Não pode fazer.
Tudo é mais urgente do que isso aqui. O que mostra que eles
acham que isso é desimportante, uma fantasia... Tem coisa
mais importante na Medicina do que isso, na ideia deles. Aqui
uma das principais dificuldades na minha visão é esse olhar
meio torto. Ninguém quer atender aqui. Esse mal estar, que
muito profissionais têm em atender a população trans, assola
os psiquiatras do HUPE também. Alguns residentes se
interessam. Mas, às vezes ficam só na residência e vão
embora em seguida. Médicos de status, mesmo, não têm
interesse. Ninguém me procurou dizendo: “Deixa eu te
acompanhar e quando você sair, eu vou querer assumir”.
Ninguém! Teve um dia (não vou identificar a pessoa
evidentemente), mas um colega disse assim: “como um médico
tão conceituado, um psiquiatra ilustre como você, se mete com
essa gente?”. Essa gente são os transexuais. É a maneira de
se referir: “essa gente”, como se não fosse humano. Como se
eu tivesse atendido um bandido (e mesmo que fosse um
bandido, também teria direito de ser atendido). Um marginal...
“essa gente”. Eles se referem como se fosse um mau caráter.
Apesar de terem uma abertura maior; uma mente mais
esclarecida... No meio acadêmico se esperaria que não, que
não tivesse preconceito. Eu tenho que preparar alguém para
ver se assume. Mas, ainda não sei quem. É tudo muito triste!
(Profissional E).

A transfobia, portanto, é um dos aspectos que contribui para a


insuficiência de profissionais habilitados e dispostos eticamente ao
atendimento da população transexual. Por outro lado, para quem se despe do
preconceito, a experiência de trabalho com a população transexual é
enriquecedora, configurando inequívoca fonte de aprendizagem.

134
Em doze anos atendendo este segmento populacional, aprendi
muito. Em geral, o que me faz muito bem é o bem que eu faço
a eles! Isso me faz muito bem. O reconhecimento que eles têm
não tem preço, não é? É impressionante! O agradecimento que
eles sentem. Eles descobrem o dia que eu faço aniversário, me
dão presentes no Natal. Sou muito querido. É uma alegria que
não tem preço! Tamanha gratidão mudou o meu modo de ver a
vida. Sinto-me uma pessoa melhor em saber que fiz a minha
parte ao atender as pessoas transexuais (Profissional E).

Em suma, quando o atendimento iniciou-se no HUPE, o IEDE e o


HUCFF já atendiam pessoas transexuais no Estado do Rio de Janeiro. Não
obstante, a demanda por cirurgia continuou muito maior do que a oferta de
vagas, perpetuando-se as iniquidades e o sofrimento, quadro ainda mais
agravado pelo encerramento do Programa de Atenção a Pacientes
Transexuais e Cirurgia de Transgenitalização da UFRJ.

4.5.5 A Importância do Serviço Social no Processo Transexualizador do HUPE

Nas últimas décadas, o Serviço Social redimensionou-se na esfera de


sua interpretação teórico-metodológica e no campo dos valores éticos,
inovando na ação política e provocando fortes embates com o tradicionalismo
profissional e seu lastro conservador (Iamamoto, 1995; Netto, 2001). Ademais,
logrou êxito em constituir democraticamente sua base normativa, expressa na
Lei nº 8.662/1993, que regulamenta a profissão, e no Código de Ética do
Assistente Social89, também de 1993.

Entretanto, mais importante do que valores formais, tem sido o esforço


de parte considerável da categoria em desenvolver ações de cunho
socioeducativo na prestação de serviços sociais, de forma a viabilizar o acesso
tanto aos direitos quanto aos meios de exercê-los e, com isso, contribuindo
para que as necessidades e interesses dos sujeitos adquiram visibilidade na
cena pública e possam, de fato, ser reconhecidos.

89
O referido Código prescreve direitos e deveres do assistente social, segundo princípios e
valores humanistas para o exercício cotidiano, dentre os quais se destacam: defesa
intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo; defesa,
aprofundamento e consolidação da cidadania, da democracia, da socialização da participação
política e da riqueza produzida; posicionamento a favor da equidade e da justiça social, que
implica a universalidade no acesso a bens e serviços e a gestão democrática; empenho na
eliminação de todas as formas de preconceito e garantia do pluralismo; bem como
compromisso com a qualidade dos serviços prestados na articulação com outros profissionais e
trabalhadores (CRESS – 7ª Região, 2006).

135
Tal esforço contrapõe-se ao conservadorismo do passado, quando
os(as) assistentes sociais, na maioria das vezes, esperavam passivamente ser
demandados pelo(a) usuário(a) necessitado de uma cesta de alimentos, do
dinheiro de passagens ou de qualquer outro auxílio assistencial imediato
(Almeida, 2012a).

As particularidades atuais da prática profissional, entretanto, não são


sempre as mesmas, pois se revelam tributárias das configurações de Estado e
sociedade civil – independentemente do movimento individual de cada
profissional e de suas vontades pessoais –, sendo, ainda, condicionadas pelo
produto histórico, pelos constrangimentos sociais, pela dinâmica societária e
pela relação do Estado com a sociedade civil. Em razão do exposto, é preciso
entender a profissão matizada pelas relações sociais de classe, sob o viés da
lógica de poder do Estado e do grande capital.

Com efeito, como assinala Iamamoto (2011), não se pode pensar a


profissão encerrada em si mesma e em seus muros internos. É preciso situá-la
no âmbito da história, ultrapassando seus próprios limites, compreendendo a
sociedade e o Serviço Social no âmbito das relações entre as classes e das
relações entre o Estado e a sociedade.

Especificamente no que diz respeito à transexualidade, é importante


salientar que a produção científica do Serviço Social acerca da temática vem
aumentando paulatinamente, como resultado imediato dos desafios teórico-
metodológicos, técnicos e ético-políticos, enfrentados no trabalho cotidiano dos
assistentes sociais com a população LGBT.

Ainda em relação à produção acadêmica, Simões Netto, Zucco,


Machado & Piccolo enfatizam (2011:66):

Os trabalhos universitários, principalmente as dissertações de


mestrado e as teses de doutorado, terminam influenciando o
debate nacional e a mobilização política. Isso porque esses
trabalhos geram publicações em periódicos e os autores, por
vezes, são chamados a manifestar suas opiniões na mídia e
junto a outros formadores de opinião, e a produção acadêmica
contribui na formação das futuras gerações de profissionais. O
conjunto desses elementos constrói um mosaico de leituras
sobre o tema, sendo uma delas a dos direitos sexuais.

136
De acordo com os autores, “a tendência da produção científica
demonstra que, na atualidade, a diversidade sexual é tema de estudo da
Academia, ainda que, para abordá-lo, seja utilizado um conjunto de outros
temos” (idem:79).

Por sua vez, Sérgio Carrara assevera que os estudos sobre


diversidade sexual têm por objetivo “oferecer aos pesquisadores, militantes e
formuladores de políticas públicas nessa área, não apenas informações
qualificadas e úteis, mas também novas questões e novos problemas”
(Carrara, 2005:18).

Ademais, a discussão acerca da transexualidade insere-se no bojo da


campanha nacional pela livre orientação e expressão sexual 90, lançada em
2006 pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), em conjunto com os
Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESSs) e com a colaboração de
entidades do movimento LGBT. Ressalta-se que o conjunto CFESS/CRESS,
além da Resolução nº 489/2006 – que “estabelece normas vedando condutas
discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual de
pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do assistente social” –,
editou, ainda, a Resolução nº 615/2011, que “dispõe sobre a inclusão e uso do
nome social da assistente social travesti e do(a) assistente social transexual
nos documentos de identidade profissional”.

Como se observa, estas resoluções constituem inequívoca tomada de


posição ético-política das instituições reguladoras do exercício profissional
quanto ao reconhecimento de direitos dos indivíduos e grupos que não se
identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascerem.

A tomada de posição por estas instituições não significa, contudo, que


toda a categoria dos(as) assistentes sociais posicione-se de forma ético-

90
A campanha, denominada “O Amor Fala Todas as Línguas: assistente social na luta contra o
preconceito” fundamenta-se no Código de Ética do Serviço Social e na Resolução nº 489/2006
do CFESS. O objetivo é desnaturalizar e desconstruir a heterossexualidade como a única
expressão socialmente legítima da sexualidade humana (Matos & Mesquita, 2011). Apesar de a
campanha ter despertado resistência em vários segmentos da categoria profissional, o conjunto
CFESS/CRESS – em consonância com os princípios preconizados pelo referido Código de
Ética e pela própria Constituição Federal de 1988 – não arrefeceu diante das críticas e
prossegue defendendo e veiculando a propaganda.

137
política semelhante, especialmente quando confrontada com travestis e
transexuais em seu cotidiano profissional. Com efeito, a existência dessa
legislação é fundamental, mas por si só não basta para proporcionar ao
Serviço Social todos os recursos teórico-metodológicos e técnico-operativos
necessários ao atendimento das demandas desta população.

Todavia, não obstante os múltiplos avanços na forma de o Serviço


Social intervir junto às demandas da população transexual, a assimilação pela
profissão de um conceito de cidadania que integre a noção de “direitos
sexuais” ainda está longe de ser alcançada. Ademais, a produção técnico-
científica sobre relações de gênero e sexualidade – apesar do incremento
recente – ainda é escassa, especialmente, no que tange à discussão pelos(as)
assistentes sociais brasileiros acerca da transexualidade.

Por outro lado, as ações no campo do Serviço Social demandam cada


vez mais intervenções que exigem sólida formação em políticas sociais
voltadas às relações de gênero. Tal formação, evidentemente, revela-se
fundamental para os(as) assistentes sociais que trabalham diretamente com a
população transexual.

De acordo com as diretrizes da assistência ao indivíduo para a


realização do Processo Transexualizador, consignadas na Portaria nº
457/2008, o papel do(a) assistente social no acompanhamento terapêutico é
“reconhecer a dinâmica relacional do usuário, a fim de promover estratégias de
inserção social na família, no trabalho, nas instituições de ensino e nos demais
espaços sociais prementes na vida do usuário transexual”91.

As atribuições do Serviço Social no Processo Transexualizador do


HUPE, por conseguinte, constituem-se a partir das inúmeras demandas
dos(as) usuários(as), decorrentes da demora na realização de procedimentos
cirúrgicos, de conflitos familiares causados pela rejeição e da ineficiência e
restrição da rede de apoio.

91
Na norma atualmente em vigor, Portaria n° 2.803/2013, não estão expressas as atribuições e
competências específicas dos profissionais que atuam no Processo Transexualizador.

138
Como fatores que agravam a angústia e o sofrimento das pessoas
transexuais devem ser mencionados, ainda, fragilidades em termo de
cobertura previdenciária, dificuldades na garantia do trabalho e na retirada de
novos documentos civis, falta de acesso a medicamentos e ao Tratamento
Fora do Domicílio (TFD), transfobia, estigmas e preconceitos que envolvem os
mais variados espaços sociais: escola, moradia, instituições públicas e
privadas, trabalho, etc.

O depoimento do Profissional F, médico urologista do Programa


Transexualizador do HUPE, é elucidativo em relação à importância do papel do
Serviço Social no atendimento à população transexual.

Vou falar assim da importância do Serviço Social (nós já temos


uma segunda geração). Antes era a assistente social M. e
agora é a M. B. A M. era espetacular, mas eu fiquei muito feliz
com a chegada da M. B. porque ela é mais jovem, vestiu a
camisa e acho que ela gosta muito do trabalho. Ela move,
movimenta o setor e tem as alunas da residência... Tenho
esperança de que isso vai se multiplicando por aí. O Serviço
Social é necessário e não tem uma participação tão ativa como
acho que deveria ter no hospital de modo geral. Então, eu
trouxe o Serviço Social bem próximo, assim, de todas as
formas possíveis e procurei estimular; ver o que a gente precisa
e o que a gente vai tentar conseguir naturalmente. Então, o
Serviço Social começou a aprender o atendimento específico
Trans... O que acontece? Cada centro de atendimento
especificamente a Trans precisa de uma pessoa para lidar com
a transexualidade com perfil que não gosta de monotonia. Se o
cara gosta da zona de conforto e é mais tímido, vai fazer outra
coisa. Porque todo dia, toda hora são demandadas coisas
novas que não estão nos livros (Profissional F)

E prossegue expondo algumas das ineficiências e fragilidades da rede


pública de proteção social, o que torna ainda mais relevante a intervenção
dos(as) assistentes sociais:

Então o que acontece? São histórias individuais, mas que se


repetem para gente pensar o todo. As meninas e meninos
basicamente começam com o TFD. Muitas vêm de fora e nem
sabem que tem TFD e quando sabem já começa o estresse de
expor a pessoa... A pessoa começa a se expor ainda mais
quando ela entra na rede para usar os benefícios sociais e vai
sendo exposta. Então ela chega lá, ela tem que procurar o
Serviço Social da prefeitura do município onde ela mora. Aí
pronto! Já chega e começa o Serviço Social de lá; aí começam
as pessoas envolvidas: “como é que é isso? Trans?”. Tem uma
aqui que mora numa cidade de 5 mil habitantes, no interior do
Mato Grosso. Você imagina? Deve ser a única na cidade
supostamente, né? Aí ela chega lá. Meu Deus do céu... Todo
mundo; o prefeito; enfim... aí começa. O TFD me manda umas

139
coisas assim que me deixam nervoso também. Chegam assim
uns papeis. Perguntinhas assim: “o usuário tem saúde para ir
de ônibus? Ele é obrigado a ir de avião?” Saúde tem. Mas, aí
eu escrevo... Eles querem botar nas minhas costas o
desconforto da pessoa pegar 3 ônibus e demorar dois dias de
viagem... E chegar; atender e voltar para rodoviária e fazer isso
várias vezes por mês. É muito complicado. Vem gente do Acre
e do país inteiro. Eu espero, assim, contar essas coisas para
você e que você multiplique essas informações por aí e saia do
academicismo que eu sei que você tem contatos e vínculos... É
surreal... É copo meio cheio. Então o Serviço Social começou a
ajudar, ver e repensar o TFD. Porque o TFD foi escrito por um
teórico do SUS em algum lugar aqui e a gente tem um
instrumento que vai resolver, ok, criou-se. Vamos ver o controle
de qualidade desse TFD? O que está acontecendo? O paciente
vai ficar um dia, vamos pagar uma diária. Não se pode pagar
R$ 15,00 de diária para uma pessoa que vai ficar aqui no Rio
de Janeiro... Aí naturalmente, o Serviço Social começou a ver
os abrigos para pessoa ficar. Pronto! Na dicotomia de gênero,
onde é que a pessoa trans entra no abrigo? Se os abrigos não
estão pensados para ver isso? Varias histórias de transfobia e
violência. Teve uma que foi e preferiu dormir na rua e deu esse
retorno para gente “ah, eu dormi na rua”. Toda boazinha. São
pessoas muito boas de forma geral. Aí ela falou assim: “doutor,
o senhor me desculpa a apresentação que eu estou aqui. Mas,
é que eu não tomei banho e não me arrumei porque eu dormi
na rua”. Mas, e o abrigo? “O abrigo não deu muito certo não.
Eles queriam me colocar junto com os homossexuais lá. Eu sou
uma mulher. Eu sou uma mulher”. É claro que é. E chegam
com fome e a gente arruma comida (que também não é papel
nosso). Várias vezes eu já pedi aqui; às vezes eu peço a um
residente. O residente conhece e eu peço “vai ao refeitório
extraoficialmente e arruma uma comida aí para essa pessoa”.
Como é que eu vou consultar a pessoa que não come há 24
horas, pálida e feliz? Então, eu comecei o Serviço Social com
as estrangeiras e já veio aqui colombiano, venezuelano,
argentino querendo fazer atendimento e aí você fala assim:
“como? Não sei? A gente vai ver aqui porque a gente sabe que
o SUS é para brasileiro”. Aí fiz um pedido ao departamento
jurídico para saber. Mas, até o departamento jurídico se
manifestar, teve que fazer alguns atendimentos porque ela
tinha um visto de turista; aí depois o visto venceu e renovou. E
aí são aprendizados que não estão em lugar nenhum...
(Profissional F).

Resta claro, portanto, que os indivíduos transexuais atendidos


pelos(as) assistentes sociais do programa enfrentam, para obter acesso a este
serviço público, interdições aos direitos sociais mais elementares, em função
da ineficácia do TFD e da carência na estrutura da rede de apoio para
questões básicas como alimentação e hospedagem.

Sabe-se que o Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão social


e técnica do trabalho, que intervém no âmbito de políticas sociais públicas e
privadas em campos diversos como saúde, educação, assistência social,

140
planejamento urbano, previdência social, políticas ambientais, culturais, de
lazer e segurança pública. Por conseguinte, diante de tais atribuições e do
relevante papel desempenhado, não faria sentido a constituição de uma equipe
básica de saúde responsável pelo Processo Transexualizador no HUPE sem a
inserção do(a) assistente social.

Cabe observar que, no cenário dominado pelo capital, o assistente


social precisa ser capaz de compreender os meandros das relações sociais
que a realidade lhe apresenta. Para isso, revela-se imprescindível o senso
crítico aprofundado, com o intuito de desvendar a trama submersa dos
acontecimentos que explicam as estratégias de ação. A crítica, todavia, não se
traduz em mera recusa ou simples denúncia do instituído; pelo contrário, supõe
um diálogo íntimo com as fontes inspiradoras do conhecimento.
É fundamental fazer este contraponto ou, do contrário, corre-se o risco
de cair na ilusão de que o Serviço Social – enquanto profissão inserida na
divisão social e técnica do trabalho – pode acabar com a miséria e com a
desigualdade do país.
É importante lembrar, ainda, que esta profissão é polarizada por
relações de classe e está sempre imbricada nas disputas de poder, sendo
constantemente tencionada por interesses antagônicos. Por conseguinte, é
preciso romper com a visão dualista que a concebe, ora como mecanismo
reprodutor dos interesses da classe dominante, ora voltada exclusivamente
aos interesses da classe trabalhadora. Tal visão, evidentemente, desconsidera
a dimensão contraditória do exercício profissional.
Em outras palavras, é utópico acreditar que o Serviço Social tem o
poder de transformar a sociedade capitalista, não fazendo sentido atribuir à
profissão uma missão salvacionista em relação à intervenção nas refrações da
questão social, pois isto seria um enorme retrocesso a seus primórdios,
quando o Serviço Social – concebido sob a égide da Igreja Católica –,
assemelhava-se à mera filantropia e caridade, no âmbito de uma visão
puramente assistencialista de atendimento às demandas do capital.

A intervenção dos(as) assistentes sociais no programa do Hospital


Universitário Pedro Ernesto demonstra ser factível a existência de um Serviço
Social que não compactue com estratégias desprovidas de reconhecimento

141
social e político, isto é, um Serviço Social centrado no processo de
emancipação política e entrincheirado, sem tergiversações, nas fileiras das
lutas em prol de uma sociedade livre, justa e solidária.

4.6 Vidas Marcadas por Violações e Sofrimentos

As pessoas transexuais atendidas pelas três instituições são originárias


de várias regiões do país e pertencem a classes socioeconômicas diversas.
Todavia, apesar de tais diferenças, há alguns pontos em comum na trajetória
de vida dessas pessoas: sofrimento psíquico, rejeição familiar (com raras
exceções), discriminações, estigmas e dificuldades de inserção social.

Por conseguinte, estas histórias guardam relação direta com o tema


central da presente dissertação e seu relato é importante para que melhor se
compreendam os desafios inerentes ao Processo Transexualizador.

O sofrimento psíquico, provocado pelo profundo sentimento de


inadequação, inicia-se já na infância, como se depreende da narrativa do
Usuário A:

Todos me viam como menina. Para mim, eu era um menino.


Havia um abismo entre como me viam e como eu me sentia.
Adorava brincadeiras consideradas de menino. Era reprovado.
Gostava de me vestir como os garotos, tentando rivalizar e
competir com eles. Era ignorado. Tremia e me apaixonava
pelas meninas, mas era impedido de me declarar. Meus sonhos
eram ser um super-herói, mais tarde casar com uma princesa e
ser pai. Era incompreendido. Passei, então, a esconder meus
sentimentos e minhas aspirações (Usuário A).

Também na infância, são intensas as perseguições no ambiente


escolar, advindas não apenas de colegas, mas, também, de professores(as),
dirigentes e servidores(as). Com efeito, a transfobia, que, frequentemente,
manifesta-se de forma ainda mais perniciosa do que a homofobia, encontra na
escola condições propícias para se disseminar92.

Na escola, eu era muito perseguida pelos meninos. As meninas


ficavam todas do meu lado e me defendiam. Até hoje, são
minhas amigas e eu ainda tenho contato com elas. Fui
perseguida por uma professora homofóbica. Uma vez, ela levou
uma tesoura e mandou dois meninos da escola me segurarem

92
Anotações extraídas do caderno de campo, após reunião no Grupo Pela Vidda em 04 de
outubro de 2013.

142
para cortar o meu cabelo e ela chegou a me agredir
fisicamente. Isto chegou à Direção. Ela cortou o meu cabelo e
quando a minha mãe foi à escola reclamar, ela disse: “você não
está vendo que o seu filho é gay? Faz alguma coisa!!” Minha
mãe respondeu: “ele pode ser gay, mas você não tem nada
com isso e não é problema seu!” Era um colégio público
(Usuária C).

Tais perseguições são responsáveis pelos altos índices de evasão


escolar de meninas e meninos transexuais. Afinal, o que é um fato banal para
a maioria dos(as) estudantes – responder à chamada com o nome civil, por
exemplo – pode representar a morte social, deixando inúmeras sequelas
aos(às) alunos(as) transexuais.

Assim, um dos potenciais benefícios do Processo Transexualizador


reside, exatamente, em mitigar tais sequelas, conciliando sexo biológico e
identidade de gênero e, com isso, propiciando maiores possibilidades de
inserção social:

O Processo Transexualizador para a pessoa transexual deve


representar uma espécie de passaporte para o seu
“renascimento psicológico e social”. Essa ideia de
“renascimento psicológico e social” para a pessoa transexual
deve implicar na recuperação do sentido de sua humanidade e
de sua alteridade – enquanto um direito à diferença –, das
quais estaria privada ao longo de sua existência, uma vez que
lhe é sentenciada uma espécie de “morte social” (Schramm,
Barboza & Guimarães, 2010:04).

O preconceito e a violência que atingem lésbicas, gays e bissexuais,


restringindo-lhes direitos básicos de cidadania, agravam-se enormemente em
relação a travestis e transexuais que, ao construírem seus corpos, suas
maneiras de ser, de se expressar e de agir, em nítida dissonância com as
normas de gênero, não passam incólumes, pois não tendem a se conformar à
“pedagogia do armário” (Junqueira, 2010).

Não raro, portanto, as pessoas transexuais ficam expostas às piores


formas de desprezo e arbitrariedade. Por estarem situadas nos patamares
inferiores da “estratificação sexual”, seus direitos são sistematicamente
negados e violados, sob a indiferença geral. Consequentemente, travestis e
transexuais constituem a parcela com maiores dificuldades de permanência na
escola e de inserção no mercado de trabalho (Peres, 2009).

143
Ademais, a obtenção de um vínculo formal de emprego torna-se
praticamente impossível enquanto os documentos civis estiverem em
desacordo com a identidade de gênero, o que relega as pessoas transexuais a
atividades subalternas e informais.

Como eu disse, eu me operei em 1977 e não podia entrar na


Justiça (como você sabe). Sou obrigado a ir ao cartório e a tirar
um novo nome, né? Que é dupla falsificação de identidade, que
é crime. Então, eu fico 30 anos no armário. Não só me desligo
da Psicologia, das faculdades e de tudo, como agora não existo
mais... Eu não conheço ninguém igual a mim... Não tem
internet, não tem celular... Não tem nada! Eu estou isolado no
mundo, num sítio em Jacarepaguá. Eu me tornei analfabeto, né
como J. (embora esse não tenha sido o meu nome
originalmente, é um pseudônimo). Mas, e eu? Em que eu ia
trabalhar, sem currículo nenhum? Então, eu fui pedreiro, fui
pintor de parede, fui lavrador, fui vendedor... Tive que me virar.
Durante 30 anos, fiquei dentro do armário... Eu não podia
aparecer, senão seria preso. Quando eu publico o meu primeiro
livro, todas as entrevistas que eu dei foram de costas. Eu não
fui à noite de autógrafo. Saí em alguns programas de televisão.
Mas, tudo de costas. Teve uma entrevista minha na extinta
Rede Manchete, eu e uma trans mulher, em 1985 – eu estava
com 35 anos – e novamente de costas. Quem aparece é o
Antonio Houaiss, que foi quem fez o prefácio do meu livro. Eu
apareço sempre de costas (Usuário A).

Diante de tal cenário – agravado pela rejeição familiar e pela baixa


escolaridade –, a prostituição acaba se revelando a única opção de
sobrevivência para muitas travestis e mulheres transexuais.

Acho que a empolgação e algumas amizades me levaram para


o submundo da prostituição. Mas, por eu ser trans não me
identifiquei muito com isso, especialmente porque os homens
geralmente buscavam uma travesti ativa e eu não me sentia
muito bem desempenhando esse papel. Perdi muitos clientes
por isso e porque muitos se recusavam a usar o preservativo.
Eu sofri muito, passei por muita coisa. Eu ficava desesperada
para sair daquela vida e não entendia como eu tinha ido parar
ali. Sofri muitas agressões: a polícia nos perseguia; os clientes
se recusavam a pagar depois do programa e, certa vez, um
deles me ameaçou com uma arma apontada para a minha
cabeça. Só sabemos que estamos partindo em algum carro,
mas nunca sabemos se vamos voltar (Usuária B).

Denizart (1997:09) afirma que “o próprio ato de se prostituir é um jogo


arriscado onde se aprende a ser o que o outro quer”. E sobre esse jogo de
poder e sedução, assevera Foucault (1992:04):

Todas essas vidas, que estavam destinadas a ficar abaixo de


qualquer discurso e a desaparecer sem nunca serem ditas, só
puderam deixar vestígio. Breves; incisivos, enigmáticos e,

144
muitas vezes, no seu ponto de contato instantâneo com o
poder.

A temática da transexualidade configura tensões entre sexo, gênero e


desejo, desafiando a noção de uma identidade originária, natural e estática. No
entanto, toda essa potencialidade subversiva desenvolve-se numa arena de
disputas em que a retórica essencial da biologia, no que tange às pessoas
transexuais, traz em si um significado de sofrimento, que as representa como
vítimas de um engano da natureza (Teixeira, 2013).

É preciso superar esta visão biologizante e restrita, para se perceber


que, na verdade, as pessoas transexuais, com suas múltiplas maneiras de
vivenciar a transexualidade, contribuem – ainda que não intencionalmente –
para o questionamento das normas de gênero que regem nossos conceitos de
sexo, gênero e, no limite, de humano, demonstrando a inexorável fluidez de
tais normas. “Afinal, quando nossos gêneros sentem-se dispostos a mudar,
nossos corpos também mudam” (Leite Jr., 2011:243).

Em suma, alijados(as) do acolhimento afetivo de seus familiares e


enfrentando as mais nefastas situações de discriminação, os(as) usuários(as)
atendidos pelas instituições pesquisadas, sofrem inúmeras formas de
violações e interdições de seus direitos mais básicos. As repercussões de tais
interdições são expressas em precariedades na vida educacional e profissional
que, associadas ao preconceito, tornam a sobrevivência dessas pessoas uma
tarefa verdadeiramente hercúlea93.

Por outro lado, ao buscar as modificações corporais com vistas à


conciliação entre sexo biológico e identidade de gênero, tais usuários(as), de
certo modo, desafiam os padrões sociais de heteronormatividade e expõem a
fragilidade do discurso baseado no binarismo de sexo e gênero.

Enfim, restou cristalino neste item que a violência – seja física, verbal
ou institucional, velada ou não – atravessa a vida das pessoas transexuais. De
fato, há um conjunto de sistemáticas violações que se manifestam nas longas

93
Anotações extraídas do caderno de campo, após participação da roda de conversa:
“Transexualidade e direitos: expressões da Questão Social e Reconhecimento da Cidadania”,
realizada no dia 29 de janeiro de 2013 na Faculdade de Serviço Social da UERJ.

145
filas de espera pelos serviços de saúde, nos olhares preconceituosos de
funcionários das instituições, na falta de respeito quanto ao uso do nome
social, no descaso sistemático da rede de proteção social, enfim, nas inúmeras
e cotidianas discriminações comuns a uma sociedade capitalista.

4.7 A Portaria nº 457/2008: o que mudou?

Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,


expresso no artigo 3º, inciso IV da Constituição é “promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação”. Além disso, no plano jurídico de combate à exclusão
discriminatória, o Brasil, é signatário de diversos tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que, por disposição da própria Carta
Magna (artigo 5º, § 3º), possuem status constitucional, entre os quais se
destacam a Declaração Universal dos Direitos Humanos94 e o Pacto de San
José da Costa Rica95.

A Constituição Federal de 1988 determina, ainda, que a saúde é um


direito social de todos. Com a intenção de dar concretude ao norteamento
constitucional, foi promulgada a Lei nº 8.080/1990, que dispõe sobre as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes. Tal norma institui os
princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), dos quais são destacados: o
direito à universalidade de acesso aos serviços; a integralidade de assistência;
a preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e
moral e a igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de
qualquer espécie.

94
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas
em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Diretos Humanos, num dos seus
principais artigos, determina que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com
espírito de fraternidade”. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis. Último acesso em
10 de março de 2014.
95
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) – também chamada de Pacto de San
José da Costa Rica – é um tratado internacional entre os países-membros da Organização dos
Estados Americanos, constituindo uma das bases do sistema interamericano de proteção dos
Direitos Humanos. Os Estados signatários desta Convenção se "comprometem a respeitar os
direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa
que está sujeita à sua jurisdição, sem qualquer discriminação". Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Último acesso em 10 de março de 2014.

146
Evidentemente, o direito à saúde da pessoa transexual já se
encontrava assegurado, no plano teórico, pelas normas acima mencionadas.
Contudo, até 2008, as demandas específicas desse segmento populacional
eram solenemente ignoradas pelo Poder Público.

Este quadro, como visto anteriormente, alterou-se com o advento da


Portaria nº 1.707/2008 do Ministério da Saúde e da Portaria nº 457/2008 da
Secretária de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, publicadas com o
intuito de garantir a efetividade dos princípios do SUS em relação aos(às)
transexuais. As referidas normas, ao mesmo tempo em que traçam as
diretrizes técnicas e éticas para a realização do Processo Transexualizador,
estabelecem os requisitos para credenciamento e habilitação das unidades
hospitalares, bem como assentam as três dimensões do acompanhamento
terapêutico: psíquica, social e médico-biológica.

As Portarias em análise, além de conferirem maior legitimidade à


atuação das instituições públicas de saúde que já atendiam à população
transexual, despertaram o interesse de diversos outros profissionais e da
Academia. É o que se depreende do depoimento do Profissional F:

Quem trabalha comigo conhece que a minha política é a do


“copo meio cheio”. Eu estou muito feliz com as Portarias, muito,
muito. Muito mesmo, porque melhorou diretamente o
relacionamento com os colegas de trabalho. Então, quando
vem uma Portaria colocada em Diário Oficial, assinada pelo
Ministro Temporão, Ministro da Saúde, é muito forte. Então isso
legitima e meio que assim... somou. As pessoas vieram
procurar, muitas pessoas do mundo acadêmico, colegas que
estavam numa zona de desconforto passaram para uma zona
de conforto para atender. Porque, por exemplo, a
endocrinologia consultava a Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e não tinha posição sobre a prescrição e o
colega tinha interesse, mas ficava com medo de que ficasse
mal visto. Isso acontece. Mas, não só isso... Há uma coisa meio
que de suicídio emocional... Você ao se meter nisso, se
estigmatiza e pode ser prejudicado de alguma forma pelo
estigma, pelo preconceito que respinga na gente o tempo todo
também. Então, o fato da Portaria foi magnifico... Isso que eu
falo da filosofia do “copo meio cheio”, elogio. Agradeço a
movimentação e tal. Quando a gente discute, é para “encher o
copo e fazer outro” (Profissional F).

O Processo Transexualizador instituído pelas portarias abrange uma


série de ações de assistência à saúde da pessoa transexual, diretamente
voltadas para as modificações corporais do indivíduo. Não se trata do

147
estabelecimento de diretrizes para a atenção integral em sentido estrito, mas
daquelas ações necessárias à garantia do direito à saúde, circunscritas à
passagem do sexo de nascimento para a vivência social no gênero com o qual
a pessoa se identifica (Lionço, 2009).

Tal processo é composto de várias etapas, com desdobramentos


psicológicos, sociais e biomédicos, necessariamente imbricados entre si.
Todavia, nem todas as pessoas transexuais desejam se submeter à totalidade
dos procedimentos disponibilizados pelo SUS. Com efeito, diversos(as)
pacientes do programa optam, por exemplo, por não realizar a cirurgia de
transgenitalização.

Estes(as) pacientes, que não desejam submeter-se à referida


intervenção cirúrgica, padecem com o modelo médico de tratamento oferecido,
uma vez que os critérios de diagnóstico baseiam-se numa trajetória transexual
única. Dito de outro modo, a falta de assistência é ainda mais evidente em
casos que não progridem para a cirurgia (Suess, 2010).

Para dar concretude às diretrizes estabelecidas pelas mencionadas


portarias, alguns hospitais universitários – que já prestavam atendimento
específico a pessoas transexuais – foram habilitados para a realização do
Processo de Transexualização, o que implicou o recebimento de dotações
orçamentárias vinculadas aos procedimentos médico-cirúrgicos de
transformação fenotípica, como a transgenitalização.

Outro ponto que merece destaque em relação às normas em tela, diz


respeito à corroboração dos requisitos de licitude, anteriormente estabelecidos
pelo Conselho Federal de Medicina para atuação dos profissionais médicos
nas etapas do Processo Transexualizador.

Contudo, o processo político que resultou na edição das portarias, ao


que parece, foi açodado em função do calendário eleitoral, o que lhe retirou
parte da representatividade em relação à sociedade civil e à comunidade
médica, como descrito pelo Profissional F:

Um dia eu recebi um convite e aceitei. Quando cheguei em


Brasília, o trabalho já estava em andamento e já existiam varias

148
reuniões anteriores, com textos e pessoas em equipe, muitas
sem conhecimento do mundo trans. Eu até pensava que eram
pessoas técnicas, porque também é importante alguém que
conheça, porque às vezes a gente está pensando em algo
muito maravilhoso para saúde, mas fere um direito
constitucional. Então, a gente ir com conhecimento é importante
para construir a Portaria. Foi em 2005. Eu tinha mais contato
com um professor titular, que era o responsável pelo serviço de
urologia e era ele quem fazia a cirurgia no ambulatório de Porto
Alegre. Mas, eram reuniões muito desgastantes para a gente.
Aconteciam em Brasília no MS. Então, o que acontece? A
gente não se sentia ouvido e no momento em que colocava as
nossas angústias e até as divergências dos centros, não era
ouvido. E, no final, foi apresentado um texto em que a gente
não se sentiu representado ou com muito poucas questões de
atendimento. Acho que houve muita pressa para que fosse
realizada, assinada e divulgada a Portaria no momento político
relacionado às eleições. De qualquer forma, a gente é
convidado para um comitê técnico, a gente chega lá e entra
numa festa que já está acontecendo com convidados e sai... Eu
me senti desconfortável por não conhecer as regras de como
funcionavam as coisas e fui muito inocente, como outras
pessoas, na boa intenção de querer somar mesmo ao grupo e
aí você percebe que a coisa não é bem assim, tanto que na
segunda Portaria a gente foi convidado também (dessa mais
recente de 2013) e quando a gente foi lá, eram outras pessoas
no grupo técnico de alta complexidade. Não eram as mesmas
pessoas, não há uma continuidade... Não eram os mesmos
personagens. Técnicos alguns eram, mas não todos. Ficou
esquisito e houve grandes embates (Profissional F).

A despeito das limitações do processo de elaboração do conteúdo das


Portarias – que, certamente, ainda necessitam de ajustes – deve-se
compreendê-las, no mínimo, como uma iniciativa cujos desdobramentos
permitem a construção de uma assistência integral para as pessoas
transexuais, considerando que o Governo lançou luz sobre o tema e, dessa
forma, contribuiu para sua inserção na agenda pública. No entanto, do ponto
de vista prático, não se pode dizer que ocorreram significativas mudanças de
cenário, como assegura F:

Por outro lado, o grande mérito de a gente ter uma Portaria, foi
o reconhecimento moral do trabalho. Não mudou nada o
trabalho da gente. Nada, nada e não houve grandes ganhos.
Absolutamente nada, de 2000 até 2013. É ridículo! O que
mudou realmente, talvez, é que a gente teve que fechar o
número de vagas porque se tornou de conhecimento público. É
como se pessoas que não entendiam o nosso trabalho (e
criticavam), depois que o nosso Governo endossou esse
trabalho, aí está certo... Aí um monte de gente procura, a
demanda explodiu... Muita gente veio procurar e aí,
infelizmente, por uma questão administrativa, a gente não tem
como dar vazão. Outro efeito colateral dessa história do
Processo Transexualizador é que muita gente de outros
serviços e de outros centros de referência quer se operar aqui.

149
Então eles vêm de acompanhamentos que não
necessariamente são o que a gente faz aqui no Rio e o usuário
chega com um perfil diferente. Aqui a gente tem um perfil de
trabalhar muito esse indivíduo, muito, muito, muito... Muitas
consultas. Muita conversa. A equipe inteira se envolve e,
quando chega a minha etapa de cirurgia (genital no caso), está
tudo muito conversado. Eu já estou me envolvendo com esse
indivíduo e, pela fila de espera, a gente já se conhece há 5 ou 6
anos... Então, é muito diferente daquele indivíduo que chega
cheio de papéis dizendo que está pronto e querendo uma
cirurgia no dia seguinte, sem nem me conhecer (Profissional F).

As portarias institucionalizadoras ensejaram, portanto, um aumento


exponencial da demanda, o que resultou em enormes filas de espera para
ingresso no Processo Transexualizador. Ademais, deixou-se de incluir as
travestis como potenciais beneficiárias das ações previstas, o que enquadra as
duas normas na heteronormatividade e no binarismo de gênero dominantes,
configurando um enorme e significativo paradoxo, em se tratando de uma
legislação que se propõe a democratizar o acesso às políticas de saúde.

Não obstante a importância da legislação em análise, como marco da


conquista de direitos da população transexual na área da saúde, ainda há um
longo caminho a percorrer na consolidação das diretrizes do SUS, visto que,
na prática, houve poucas alterações no que concerne ao atendimento das
demandas. De fato, apenas os mesmos hospitais que já prestavam serviços
específicos a pessoas transexuais credenciaram-se no novo programa, ou
seja, não houve qualquer aumento da oferta.

Em suma, não há dúvidas de que a normatização do Processo


Transexualizador no âmbito do Sistema Único de Saúde representou uma
importante conquista social, verdadeiro avanço rumo à efetividade dos direitos
sexuais, bem como uma demonstração inequívoca “do potencial contra–
hegemônico do SUS” (Lionço, 2009:45). Afinal, as Portarias nº 1.707 e nº 457
de 2008, além de terem fomentado o debate na rede pública de saúde,
propiciaram às pessoas transexuais que vivem em condições de extrema
vulnerabilidade a tão almejada inserção no programa. Entretanto, a violação de
direitos da população transexual, no que diz respeito à saúde, ainda é uma
realidade cotidiana, pois a universalização do acesso e o atendimento de
qualidade sequer saíram do plano teórico, a despeito das Portarias.

150
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Não há dúvida de que a transexualidade constitui campo fértil e


instigante de possibilidades interpretativas e propõe múltiplos subtemas de
investigação, relacionados à construção de novas formas de pensar e viver.
Entre tais temais, destaca-se o aprofundamento de algumas definições e
conceitos que sequer constam dos dicionários, bem como a plena inserção da
população transexual na sociedade, universos relativamente pouco explorados
pela Academia.

Na presente pesquisa, abordou-se um dos aspectos da referida


inserção, qual seja, o acesso de pessoas transexuais a serviços públicos de
saúde, analisando-se, precipuamente, o modelo de atenção subjacente a tais
serviços no Estado do Rio de Janeiro. Como observado, os três programas
existentes guardavam certa dependência entre si e tentaram, sem muito
sucesso, formar parcerias para atender as pessoas transexuais. Contudo, tais
parcerias, diante da precariedade e da ausência de apoio da direção das
instituições, dependiam essencialmente da boa vontade dos profissionais e,
por tais razões, acabaram não trazendo resultados eficazes para os(as)
usuários(as).

Observou-se, ainda, que os processos de segregação e guetização a


que é submetida a população transexual são agravados pela escassez de
políticas públicas que enfrentem o estigma e o preconceito e atendam suas
necessidades sociais elementares, bem como pela ineficácia das raras ações
estatais relacionadas à questão.

No campo da saúde, esta ausência revela-se ainda mais cruel, diante


do enorme tormento das pessoas que lutam pela legitimidade social de sua
identidade de gênero. Em outras palavras, a naturalização das enormes filas
de espera, as incertezas quanto à inserção nos programas de
transexualização, o calvário no atendimento, a carência de profissionais
especializados, o gargalo cirúrgico e as dificuldades de acesso a
medicamentos hormonais – enfim, as deficiências evidenciadas ao longo desta
dissertação – configuram inaceitável afronta ao princípio da dignidade humana,

151
pois usurpam da pessoa o direito de exercer a própria identidade. Angústias e
sofrimentos psíquicos não podem ser tratados como algo de menor relevância.

Como se percebe, não obstante constituir um marco de legitimação do


atendimento à saúde das pessoas transexuais, o Processo Transexualizador
no âmbito do SUS não passou de uma “gambiarra”, ancorada em relações de
“favor” e “dádiva” e não num direito legítimo e inerente à cidadania.

Neste contexto, cabe ao sistema de saúde, em consonância com as


demais políticas sociais – educação, assistência, previdência, acesso à
Justiça, etc. –, consolidar uma ampla teia de ações, visando à garantia dos
direitos humanos de mulheres e homens transexuais. No enfrentamento deste
desafio, é preciso resgatar os ideais da Reforma Sanitária que inspiraram os
princípios e diretrizes norteadores do Sistema Único de Saúde, muitas vezes
relegados a segundo plano em função de interesses empresariais.

Não se deve esquecer que o SUS – inegavelmente uma conquista


social da mais alta relevância – configura um projeto ainda não executado em
sua plenitude, longe de atingir a cobertura universal e o atendimento integral
estabelecidos na Constituição Federal. Resolutividade deficiente da rede
básica de serviços, generalizada falta de leitos hospitalares, filas homéricas
inclusive para procedimentos simples, desumanidade sistêmica geral, entre
outras mazelas, infelizmente são problemas cotidianos inerentes ao SUS.

Sob esta ótica, as graves deficiências do Processo Transexualizador


são reflexos das precárias condições de atendimento propiciadas pelo serviço
público de saúde brasileiro. A questão é acirrada, ainda, pela baixa prioridade
conferida às demandas da população transexual, consideradas supérfluas,
exóticas e, muitas vezes, imoral.

É importante salientar, porém, que – nos termos assinalados nos


capítulos 3 e 4 – foram alcançados alguns espaços institucionais, no que diz
respeito aos serviços públicos de saúde voltados para a população transexual.
Dito de outro modo, o esforço de conciliação entre movimento social e
Governo não foi completamente inócuo.

152
Entretanto, os avanços foram mínimos, considerando as fragilidades
dos programas de saúde instituídos no âmbito do SUS e a insuficiência da
rede de proteção social igualmente destacadas no decurso deste trabalho. Por
conseguinte, ainda há um extenso caminho a ser percorrido até que se alcance
a equidade nas ações de saúde e a efetiva materialização dos direitos
previstos na Constituição Federal.

Tal caminho perpassa necessariamente pela despatologização da


transexualidade, com a eliminação do papel central do diagnóstico psiquiátrico
no acesso aos programas de transexualização. Obviamente isto não significa
negar a importância histórica da abordagem patologizada para o
reconhecimento social e a aquisição de direitos na área da saúde das pessoas
transexuais. Todavia, trata-se de uma visão paternalista e vitimizadora, que
precisa ser superada de forma categórica.

Com efeito, é imprescindível ultrapassar o histórico determinismo


biomédico que permeou a construção do Processo Transexualizador no SUS,
para que o indivíduo possa exercer de forma integral sua identidade e desfrutar
de autonomia sobre seu próprio corpo, elencando livremente os procedimentos
a que deseja ou não se submeter. Nessa perspectiva, o modelo de atenção à
saúde não pode se resumir à aplicação de recursos tecnológicos, tratando
pacientes como objeto, com o intuito de “curá-los” ou adequá-los à
“normalidade”; pelo contrário, os cuidados devem ser pautados pelo princípio
da saúde integral.

Não se pode olvidar que – para a implantação de um modelo equânime


de atenção à saúde, escorado nos pilares do Movimento Sanitário – é
essencial sobrepujar, no campo político, os inúmeros obstáculos impostos pela
barbárie da sociedade capitalista e pelas forças conservadoras, contrárias à
expansão de direitos para a população LGBT, em especial para as pessoas
transgêneras.

É certo que o capital não é voltado para as necessidades humanas,


mas para a constante produção de mercadorias visando o aumento
exponencial de seu valor, o que enseja uma imensa fratura social exposta e

153
traz consequências deletérias às diversas áreas sociais, inclusive na saúde.
Ademais, o capitalismo selvagem deteriora as relações sociais e esvazia a
noção de direitos, desvinculando-os do parâmetro de justiça e igualdade. Por
consequência, a contenção do avanço desenfreado do capital representa
condição sine qua non para a implantação de um sistema público de saúde
inclusivo, igualitário e que propicie atendimento integral à população.

Considerando o cenário de discriminação e transfobia, a pesquisa não


somente propôs uma reflexão sobre o lugar social da transexualidade, mas (e
principalmente) pretendeu fomentar a discussão entre gestores, profissionais
de saúde, acadêmicos e a sociedade, para que as pessoas transexuais deixem
de ser consideradas, pelo senso comum, doentes ou, na melhor das hipóteses,
um fenômeno exótico.

Ademais, ao relatar algumas experiências, sofrimentos e conquistas


das pessoas transexuais – retirando-lhes o estigma da vergonha e da culpa e
reorientando a compreensão desses fenômenos para as lentes da ética,
bioética, legislação e saúde pública –, procurou-se deslocar o eixo da questão,
da responsabilização individual, do delito e da doença, para o campo dos
direitos humanos, ou melhor, da saúde como um direito humano.

Em linhas gerais, toda pesquisa na área das Ciências Humanas torna-


se relevante quando contribui para uma compreensão sólida e crítica da
sociedade. Por conseguinte, espera-se que este trabalho possa, de algum
modo, preencher eventuais lacunas no conhecimento acerca da inserção das
pessoas transexuais na política de saúde pública, ainda que limitada ao Estado
do Rio de Janeiro.

Evidentemente, em momento algum se cogitou esgotar o tema; pelo


contrário, a ampliação do debate e a elaboração de novos estudos revelam-se
fundamentais para que, de modo definitivo, compreenda-se que o universo da
transexualidade é rico de nuances e permite infinitas interpretações. Desta
forma, será possível aproximar-se da superação de uma sociedade calcada em
padrões de heterossexualidade compulsória e da consolidação da cidadania
plena para as pessoas transexuais.

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170
6 – ANEXOS:

ANEXO I

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da


pesquisa intitulada “A Assistência à Saúde de Pessoas Transexuais à Luz do
Ideário da Reforma Sanitária: Aspectos Históricos do Processo
Transexualizador no Estado do Rio de Janeiro (RJ)”, conduzida por Mably
Trindade.
Este estudo tem por objetivo geral resgatar a trajetória histórica do
processo transexualizador no Estado do Rio de Janeiro em sua relação com a
Reforma Sanitária, discutindo as condições que proporcionaram o surgimento
deste processo e definiram os limites de sua concepção e execução. Além
disso, pretende-se analisar o contexto que possibilitou a emergência desse
processo no âmbito da política pública de saúde brasileira.
Você foi selecionado(a) por ser __________________________. A
participação não é obrigatória e a qualquer momento, você poderá desistir e
retirar seu consentimento, sendo que a recusa, desistência ou retirada de
consentimento não lhe acarretará qualquer prejuízo.
A pesquisa oferece riscos mínimos aos envolvidos, uma vez que
abordará apenas aspectos mais gerais ligados à atuação profissional.
Ademais, os participantes contam com autonomia para aceitar ou não o
convite para a entrevista ligada ao estudo e o anonimato será respeitado
quando da escrita da dissertação de mestrado, fruto desta pesquisa.
Os benefícios de participação decorrem do fato de se tratar de
temática ainda pouco desenvolvida, sendo que a pesquisa poderá contribuir
com futuros estudos e para o aprimoramento de políticas públicas voltadas
para as pessoas transexuais.
A participação não é remunerada nem implicará em gastos para os
participantes. Sua participação nesta pesquisa consistirá numa entrevista
semiestruturada, isto é, com roteiro diretivo e fechado e também com
perguntas que se aproximam de um diálogo, permitindo que o entrevistado
exponha livremente sua opinião. As entrevistas serão realizadas em local

171
determinado pelo participante e terão duração aproximada de duas horas,
sendo conduzida pelo pesquisador responsável e com registro de áudio. Seu
conteúdo restringe-se a elementos que compõem a história do processo
transexualizador no Estado do Rio de Janeiro.
Os dados obtidos por meio desta pesquisa serão confidenciais e não
serão divulgados em nível individual, visando assegurar o sigilo de sua
participação. O pesquisador responsável compromete-se a tornar públicos nos
meios acadêmicos e científicos os resultados obtidos de forma consolidada,
sem qualquer identificação dos indivíduos participantes.
Caso você concorde em participar da pesquisa, assine ao final deste
documento, em duas vias, sendo uma delas sua e a outra do pesquisador
responsável e coordenador da pesquisa.
Seguem os telefones e o endereço institucional do pesquisador
responsável e do Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, onde você poderá tirar
suas dúvidas sobre o projeto e sua participação nele, agora ou a qualquer
momento.
Contatos do pesquisador responsável: Mably Trindade, mestranda do
PPGSS/UERJ. Endereço: Rua São Francisco Xavier, 524 – sala 9002,
Maracanã, Rio de Janeiro, CEP 20559-900. E-mail: mablytrindade@gmail.com;
Telefones: (21) 2334-0299, ramal: 216 / (21) 9388-3916.
Comissão de Ética em Pesquisa – SR2 da UERJ: Rua São Francisco
Xavier, 524, Sala 3018, Bloco E. Cep: 20550-900. Tel: (21)2334-2180. E-
mail: etica@uerj.br
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha
participação na pesquisa, e que concordo em participar.

Rio de Janeiro, ____ de _________________ de _____.

Assinatura do(a) participante: ________________________________


Assinatura do(a) pesquisador(a) responsável:

________________________________

172
ANEXO II

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Roteiro de Entrevista para Usuários(as)

Critérios de seleção dos(as) entrevistados(as): atuaram como usuários(as)


e/ou ativistas trans (transexuais, travestis ou outros(as) integrantes do
movimento LGBT) e que acompanharam a construção de programas dirigidos
especificamente a pessoas transexuais no estado do RJ ao longo da segunda
metade da década de 1970 e/ou das décadas de 1980, 1990 e 2000.

Bloco I – Características gerais do(a) entrevistado(a)


1) Codinome:
2) Idade aproximada:
3) Naturalidade:
4) Profissão:
5) Ocupação atual:
6) Identidade/expressão de gênero:
7) Orientação sexual:
8) Desde quando tornou-se usuário(a) do processo trans? Em que período
e de que forma?
9) Em qual instituição e programa tornou-se usuário(a) do Processo
Transexualizador?

173
Bloco II – Memória do(a) entrevistado(a) sobre a trajetória do programa
em que esteve inserido
1) O que sabe sobre a origem do Processo Transexualizador no Brasil
(quais foram as primeiras instituições e profissionais envolvidos, onde,
etc.?
2) O que sabe sobre a origem do programa em que foi usuário(a) ou do
qual tomou conhecimento como ativista (quais os sujeitos envolvidos,
em que período, a partir de quais motivações etc.): profissionais que
coordenavam e compunham a equipe na época; como era conduzido o
trabalho (funcionamento, critérios, horários, onde funcionava,
periodicidade, atividades realizadas, incluindo reuniões, discussões de
caso, pesquisas etc.); serviços que eram oferecidos(as) a pessoas
transexuais naquela unidade de saúde; número médio de pessoas
atendidas; recursos materiais e humanos dos quais a equipe dispunha;
origem dos recursos financeiros do programa; motivações da equipe
para trabalhar com o tema; compreensão de transexualidade que a
equipe transparecia; existência de profissionais de diferentes categorias
envolvidos(as); características principais das pessoas que ingressavam
no programa (homens ou mulheres, naturalidade, classe social etc.);
maior dificuldade que uma pessoa transexual enfrentava naquele
momento; tempo médio em que uma pessoa transexual era
acompanhada antes e depois de cirurgias.
3) Descrever pelo menos uma das situações vividas como usuário(a) na
relação com os profissionais do programa que ficaram na lembrança.

Bloco III – Avaliação da experiência pessoal e institucional


1) Sofreu ou viu alguém da equipe sofrer alguma discriminação dentro e fora
dos hospitais por trabalhar com essa população? Por parte de quem?
2) Se o serviço foi extinto: o que sabe acerca das razões pelas quais o serviço
cessou?
3) O que observava que eram dificuldades das instituições de saúde que
desenvolviam o Processo Transexualizador no passado em relação às
dificuldades enfrentadas hoje?

174
ANEXO III

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Roteiro de Entrevista para Profissionais de Saúde


Critérios de seleção dos(as) entrevistados(as): atuaram e permanecem
atuando como profissionais em instituições de saúde que tiveram programas
dirigidos especificamente a transexuais no estado do RJ ao longo das décadas
de 1990 e 2000.

Bloco I – Características gerais do(a) entrevistado(a)


1) Codinome
2) Idade aproximada
3) Naturalidade
4) Profissão
5) Ocupação atual
6) Setor em que atua atualmente (público, clínica/hospital privado,
consultório privado, aposentado).
7) Tempo de formado
8) Instituição de saúde ligada ao processo transexualizador na qual atua
9) Qualidade da atuação (profissional e/ou gestor)
10) Como e quando ingressou na instituição e no programa (concurso ou
seleção pública, contratação temporária etc.).
11) Tempo aproximado em que está ligado(a) ao programa
12) Razões pelas quais aceitou trabalhar com este público.

175
Bloco II – Memória do(a) entrevistado(a) sobre a trajetória do programa
em que esteve inserido

1) O que sabe sobre a origem do Processo Transexualizador no Brasil


(quais foram as primeiras instituições e profissionais envolvidos,
onde, etc.).
2) O que sabe sobre a origem deste programa em que atua (quais os
sujeitos envolvidos, em que período, a partir de quais motivações
etc.)
3) Profissionais que coordenavam e compunham a equipe no passado e
atualmente.
4) Como era conduzido o trabalho no início do programa:
funcionamento, critérios, horários, onde funcionava, periodicidade,
atividades realizadas, incluindo reuniões, discussões de caso,
pesquisas, serviços que eram oferecidos(as), número médio de
pessoas atendidas, recursos materiais e humanos, origem dos
recursos financeiros, motivações da equipe para trabalhar com o
tema, compreensão de transexualidade compartilhada, qualidade do
relacionamento entre os(as) diferentes profissionais envolvidos(as),
características principais das pessoas que ingressavam no programa
(homens ou mulheres, naturalidade, classe social etc.), maior
dificuldade que uma pessoa transexual enfrentava naquele momento,
tempo médico em que uma pessoa transexual era acompanhada
antes e depois de cirurgias.
5) Descrever pelo menos uma das situações vividas pelos(as)
usuários(as) e profissionais do programa que ficaram na lembrança.

Bloco III – Avaliação da experiência pessoal e institucional


1) Descrever a atuação cotidiana no programa
2) O que sabia sobre o tema quando começou a atuar e o que aprendeu
atuando.
3) Acredita que sua vida pessoal e/ou sua visão de mundo foi impactada
por aquele trabalho.

176
4) Sofreu ou viu alguém da equipe sofrer alguma discriminação dentro e
fora do hospital quando trabalhou com essa população? Se sim, por
parte de quem?
5) Razão pela qual deixou de atuar no programa (se for o caso).
6) Aspectos positivos e negativos relacionados à atuação no programa.
7) Dificuldades enfrentadas pela equipe para realizar o trabalho.
8) Qualidade do conhecimento que tem sobre as razões pelas quais
aquele serviço foi interrompido.
9) Voltaria a trabalhar com este público no Processo Transexualizador,
se tivesse oportunidade (Sim, não, razões).

177
ANEXO IV

Ministério da Saúde
Gabinete do Ministro

PORTARIA Nº 1.707, DE 18 DE AGOSTO DE 2008

Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo


Transexualizador a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as
competências das três esferas de gestão.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das suas atribuições, que lhe


confere os incisos I e II do parágrafo único do artigo 87 da Constituição e:

Considerando que a orientação sexual e a identidade de gênero são fatores


reconhecidos pelo Ministério da Saúde como determinantes e condicionantes
da situação de saúde, não apenas por implicarem práticas sexuais e sociais
específicas, mas também por expor a população GLBTT (Gays, Lésbicas,
Bissexuais, Travestis e Transexuais) a agravos decorrentes do estigma, dos
processos discriminatórios e de exclusão que violam seus direitos humanos,
dentre os quais os direitos à saúde, à dignidade, à não discriminação, à
autonomia e ao livre desenvolvimento da personalidade;

Considerando que a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, instituída pela
Portaria nº 675/GM, de 31 de março de 2006, menciona, explicitamente, o
direito ao atendimento humanizado e livre de discriminação por orientação
sexual e identidade de gênero a todos os usuários do Sistema Único de Saúde
(SUS);

Considerando que o transexualismo trata-se de um desejo de viver e ser


aceito na condição de enquanto pessoa do sexo oposto, que em geral vem
acompanhado de um mal-estar ou de sentimento de inadaptação por
referência a seu próprio sexo anatômico, situações estas que devem ser
abordadas dentro da integralidade da atenção à saúde preconizada e a ser
prestada pelo SUS;

Considerando a Resolução nº 1.652, de 6 de novembro de 2002, do Conselho


Federal de Medicina, que dispõe sobre a cirurgia do transgenitalismo;

Considerando a necessidade de regulamentação dos procedimentos de


transgenitalização no SUS;

Considerando a necessidade de se estabelecerem as bases para as


indicações, organização da rede assistencial, regulação do acesso, controle,
avaliação e auditoria do processo transexualizador no SUS, e

178
Considerando a pactuação ocorrida na Reunião da Comissão Intergestores
Tripartite - CIT do dia 31 de julho de 2008, resolve:

Art. 1º - Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo


Transexualizador a ser empreendido em serviços de referência devidamente
habilitados à atenção integral à saúde aos indivíduos que dele necessitem,
observadas as condições estabelecidas na Resolução nº 1.652, de 6 de
novembro de 2002, expedida pelo Conselho Federal de Medicina.

Art. 2º - Estabelecer que sejam organizadas e implantadas, de forma articulada


entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal, as ações para o Processo Transexualizador
no âmbito do SUS, permitindo:
I - a integralidade da atenção, não restringindo nem centralizando a meta
terapêutica no procedimento cirúrgico de transgenitalização e de demais
intervenções somáticas aparentes ou inaparentes;
II - a humanização da atenção, promovendo um atendimento livre de
discriminação, inclusive pela sensibilização dos trabalhadores e dos demais
usuários do estabelecimento de saúde para o respeito às diferenças e à
dignidade humana;
III - a fomentação, a coordenação a e execução de projetos estratégicos que
visem ao estudo de eficácia, efetividade, custo/benefício e qualidade do
processo transexualizador; e
IV - a capacitação, a manutenção e a educação permanente das equipes de
saúde em todo o âmbito da atenção, enfocando a promoção da saúde, da
primária à quaternária, e interessando os polos de educação permanente em
saúde.

Art. 3º - Determinar à Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde -


SAS/MS que, isoladamente ou em conjunto com outras áreas e agências
vinculadas ao Ministério da Saúde, adote as providências necessárias à plena
estruturação e implantação do Processo Transexualizador no SUS, definindo
os critérios mínimos para o funcionamento, o monitoramento e a avaliação dos
serviços.

Art. 4º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

JOSÉ GOMES TEMPORÃO

179
ANEXO V

Ministério da Saúde
Secretaria de Atenção à Saúde

PORTARIA Nº 457, DE 19 DE AGOSTO DE 2008

A Secretária de Atenção à Saúde - Substituta, no uso de suas atribuições,

Considerando a Portaria GM/MS nº 1.707, de 18 de agosto de 2008, que


define as Diretrizes Nacionais para o Processo Transexualizador no Sistema
Único de Saúde - SUS, a serem implantadas em todas as unidades federadas,
respeitadas as competências das três esferas de gestão;

Considerando a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.652/2002,


que autoriza a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia como
tratamento dos casos de transexualismo;

Considerando a necessidade de identificar e estruturar os serviços que


prestarão assistência aos indivíduos com indicação para o Processo
Transexualizador;

Considerando a necessidade de estruturar o processo de Credenciamento/


Habilitação dos serviços que prestarão assistência aos indivíduos com
indicação para o Processo Transexualizador;

Considerando a necessidade de estabelecer critérios de indicação para a


realização dos procedimentos previstos no Processo Transexualizador, de
transformação do fenótipo masculino para feminino; e

Considerando a necessidade de apoiar os gestores do SUS na regulação,


avaliação e controle da atenção especializada no que concerne ao Processo
Transexualizador, resolve:

Art. 1º - Aprovar, na forma dos Anexos desta Portaria a seguir descritos, a


Regulamentação do Processo Transexualizador no âmbito do Sistema Único
de saúde - SUS:
- Anexo I: Normas de Credenciamento / Habilitação de Unidade de Atenção
Especializada no Processo Transexualizador, referência para a realização dos
procedimentos para a atenção aos indivíduos com indicação para a realização
do Processo Transexualizador;

180
- Anexo II: Formulário de Vistoria do Gestor para Classificação e
Credenciamento/Habilitação de Unidade de Atenção Especializada no
Processo Transexualizador;
- Anexo III: "Diretrizes de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador"; e
- Anexo IV: Relação dos Serviços com expertise, Habilitados para a realização
dos procedimentos previstos no Processo Transexualizador.

Art. 2º - Definir como Unidade de Atenção Especializada no Processo


Transexualizador - a unidade hospitalar que ofereça assistência diagnóstica e
terapêutica especializada aos indivíduos com indicação para a realização do
processo transexualizador e possua condições técnicas, instalações físicas,
equipamentos e recursos humanos adequados a este tipo de atendimento.

Parágrafo Único: São características da Unidade de Atenção Especializada:


I- Ser Hospital de Ensino, certificado pelo Ministério da Saúde e Ministério da
Educação, de acordo com a Portaria Interministerial MEC/MS nº 2.400, de 02
de outubro de 2007;
II- Ser Hospital contratualizado com o SUS de acordo com as Portaria
Interministerial nº 1.006, de 27 de maio de 2004, Portarias GM/MS nº 2.352, de
26 de outubro de 2004, nº 1.702, de 17 de agosto de 2004, e nº 1.703, de 17
de agosto de 2004;
III- Estar articulado e integrado com o sistema de saúde local e regional;
IV- Dispor de estrutura de pesquisa e ensino organizados, com programas e
protocolos estabelecidos para o processo transexualizador; e
V- Ter adequada estrutura gerencial capaz de zelar pela eficiência, eficácia e
efetividade das ações prestadas;

Art. 3º - Definir como atribuições da Unidade de Atenção Especializada:


I- Apoiar a implantação das Diretrizes do Processo Transexualizador no SUS,
que deve se pautar:
a) Na integralidade da atenção, não restringindo ou centralizando a meta
terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções
somáticas;
b) Na humanização da atenção, promovendo um atendimento livre de
discriminação, inclusive através da sensibilização dos trabalhadores e demais
usuários da unidade de saúde para o respeito às diferenças e à dignidade
humana; e
c) Na constituição de equipe interdisciplinar e multiprofissional.

Art. 4º - Determinar que as Secretarias de Estado da Saúde e Secretarias


Municipais de Saúde, em Gestão Plena do Sistema, estabeleçam os fluxos
assistenciais, os mecanismos de referência e contra referência dos pacientes

181
e, ainda, adotem as providências necessárias para que haja a articulação
assistencial entre os serviços e, considerem na distribuição geográfica das
Unidades de Assistência os parâmetros a seguir:
I- ter base territorial de atuação definida por Macroregião;
II- população a ser atendida, conforme os parâmetros utilizados na
Programação Pactuada Integrada - PPI;
III- necessidade de cobertura assistencial;
IV- mecanismos de acesso com os fluxos de referência e contra referencia;
V- capacidade técnica e operacional dos serviços; e
VI- Expertise confirmada dos serviços e equipe.

Art. 5º - Definir que o credenciamento da Unidade de Atenção Especializada


no Processo Transexualizador é descentralizado e, portanto, de
responsabilidade do gestor estadual ou municipal de acordo com sua
competência de gestão, no qual:
I - Cabe ao gestor estadual ou municipal, de acordo com a gestão do
estabelecimento, alimentar ou registrar as informações no CNES;
II - Cabe a Comissão Intergestores Bipartite - CIB a aprovação, ou não, desse
credenciamento; e
III - O Credenciamento/habilitação das Unidades de Atenção Especializada
para prestar assistência aos indivíduos que possuem indicação para a
realização do Processo Transexualizador, após ser aprovado na Comissão
Intergestores Bipartite - CIB ocorrerá com a homologação pelo Ministério da
Saúde, conforme estabelecido na Portaria GM/MS nº 598, de 23 de março de
2006.

§1º Para fins de credenciamento de que trata o caput deste Artigo, deverão ser
utilizadas/seguidas as Normas de Credenciamento/ Habilitação de Unidade de
Atenção, referência para a realização dos procedimentos para a Atenção aos
indivíduos com indicação para a realização do Processo Transexualizador,
conforme estabelecido no Anexo I desta Portaria.

§2º Para fins de homologação do credenciamento e habilitação pelo Ministério


da Saúde, as Secretarias de Estado da Saúde deverão encaminhar os
documentos a seguir descritos à Coordenação Geral de Alta Complexidade, do
Departamento de Atenção Especializada - DAE/SAS/MS, a quem compete a
respectiva habilitação e homologação:
I- Cópia da Resolução da CIB aprovando o Credenciamento;
II- Formulário de Vistoria do Gestor, conforme Anexo II desta Portaria; e
III- Informações sobre o impacto financeiro, conforme definido na Portaria
GM/MS nº 598, de 23 de março de 2006.

182
§3º O credenciamento/habilitação da Unidade de Atenção Especializada será
realizado nos limites orçamentários previstos para o exercício financeiro pelo
Ministério da Saúde.

§4º O Ministério da Saúde/Secretaria de Atenção à Saúde/ Departamento de


Atenção Especializada avaliará a indicação apresentada e verificará a
disponibilidade de recursos para publicação da Habilitação da Unidade.

Art. 6º - Definir que as Unidades de Atenção Especializada habilitadas para


prestar assistência aos indivíduos com indicação para a realização do
Processo Transexualizador deverão submeter-se à regulação, controle e
avaliação do gestor estadual e municipal, conforme as atribuições
estabelecidas nas respectivas condições de gestão.

Art. 7º - Incluir, na tabela de serviços/classificações do Sistema de Cadastro


Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES e dos Sistemas de
Informações Ambulatorial e Hospitalar do SUS, o serviço de código 153 -
Atenção especializada no Processo Transexualizador e suas respectivas
classificações conforme tabela a seguir:

Art. 8º - Criar o procedimento específico para tratamento hormonal pré-


operatório à cirurgia seqüencial de trangenitalização:

183
Redesignação sexual.

Parágrafo Único: os medicamentos hormonais quando fornecidos para


Processo Transexualizador não podem ser cobrados no âmbito dos programas
de assistência farmacêutica da atenção básica e de medicamentos
excepcionais.

Art. 9º - Criar o procedimento específico para acompanhamento terapêutico no


Processo Transexualizador:

184
Art. 10 - Criar o procedimento específico para cirurgia de trangenitalização:
Redesignação Sexual.

185
Art. 11 - Estabelecer que os procedimentos definidos nos artigos 8º e 9º desta
Portaria serão operacionalizados no SIA/SUS, por meio de Autorização de
Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo (APAC).

Art. 12 - Estabelecer que as Unidades de Atenção Especializada que não


mantiverem o cumprimento do disposto nesta Portaria serão desabilitados pela
Secretaria de Atenção à Saúde - SAS.

Art. 13 - Estabelecer que os recursos orçamentários necessários à


implementação desta Portaria correrão por conta do orçamento do Ministério
da Saúde, devendo onerar o Programa de Trabalho 10.302.1220.8585 -
Atenção à Saúde da População para Procedimentos de Média e Alta
Complexidade.

Art. 14 - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

CLEUSA RODRIGUES DA SILVEIRA BERNARDO

186
ANEXO VI

Ministério da Saúde
Gabinete do Ministro

PORTARIA Nº 2.803, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2013.


Redefine e amplia o
Processo Transexualizador
no Sistema Único de Saúde
(SUS).

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe conferem os


incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e

Considerando a decisão judicial transitada em julgado proferida nos autos da Ação Civil
Pública nº 2001.71.00.026279-9/RS, que versa sobre a implantação no SUS de cirurgias de
readequação sexual;

Considerando a decisão judicial proferida no dia 13 de setembro de 2013 em sede de


execução na referida Ação Civil Pública, que determinou ao Ministério da Saúde o cumprimento
integral, no prazo de 30 (trinta) dias, das medidas necessárias para possibilitar a realização no
Sistema Único de Saúde (SUS) de todos os procedimentos médicos para garantir a cirurgia de
transgenitalização e a readequação sexual no Processo Transexualizador, conforme os critérios
estabelecidos na Resolução nº 1.652 de 2002 do Conselho Federal de Medicina (CFM);

Considerando o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei nº


8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), em especial a instituição da
Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES) e da Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais (RENAME);

Considerando a Portaria nº 1.820/GM/MS, de 13 de agosto de 2009, que dispõe sobre os


direitos e deveres dos usuários(as) da saúde e assegura o uso do nome social no SUS;

Considerando a Portaria nº 4.279/GM/MS, de 30 de dezembro de 2010, que prioriza a


organização e implementação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) no país;

Considerando a Portaria nº 1.600/GM/MS, de 7 de julho de 2011, que reformula a Política


Nacional de Atenção às Urgências e a implementação da Rede de Atenção às Urgências;

Considerando a Portaria nº 2.836/GM/MS, de 1º de dezembro de 2011, que institui no


âmbito do SUS, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
e Transexuais;

Considerando a Portaria nº 3.088/GM/MS, de 23 de dezembro de 2011, que institui a


Rede de Atenção Psicossocial para Pessoas com Sofrimento ou Transtorno Mental com
Necessidades Decorrentes do Uso de Crack, Álcool e Outras Drogas no SUS;

Considerando a recomendação do Relatório nº 54 da Comissão Nacional de


Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), de 7 de dezembro de 2012, no qual
recomenda a incorporação de novos procedimentos relativos ao processo transexualizador
noâmbito do SUS;

187
Considerando a Resolução nº 2, de 6 de dezembro de 2011, da Comissão Intergestores
Tripartite (CIT), que estabelece estratégias e ações que orientam o Plano Operativo da Política
Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais no âmbito
do SUS;

Considerando a necessidade de identificar, estruturar, ampliar e aprimorar a rede de


atenção à saúde e a linha de cuidado de transexuais e travestis;

Considerando a necessidade de atualizar o processo de habilitação dos serviços que


prestam assistência aos usuários(as) com demanda para o Processo Transexualizador;

Considerando a necessidade de estabelecer padronização dos critérios de indicação para


a realização dos procedimentos previstos no Processo Transexualizador, de transformação do
fenótipo masculino para feminino e do feminino para o masculino;

Considerando a necessidade de aprimorar a linha de cuidado no Processo


Transexualizador, em especial para pacientes que desejam a readequação para o fenótipo
masculino, pelo SUS;

Considerando a Resolução nº 1.955, de 3 de setembro de 2010, do Conselho Federal de


Medicina (CFM), que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº
1.652 de 2002; e

Considerando a necessidade de apoiar os gestores do SUS na regulação, avaliação e


controle da atenção especializada e na formação de profissionais de saúde, no que concerne
ao Processo Transexualizador, resolve:

Art. 1º Fica redefinido e ampliado o Processo Transexualizador no Sistema Único de


Saúde (SUS).

Art. 2º São diretrizes de assistência ao usuário(a) com demanda para realização do


Processo Transexualizador no SUS:

I - integralidade da atenção a transexuais e travestis, não restringindo ou centralizando


a meta terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas;

II - trabalho em equipe interdisciplinar e multiprofissional;

III - integração com as ações e serviços em atendimento ao Processo


Transexualizador, tendo como porta de entrada a Atenção Básica em saúde, incluindo-
se acolhimento e humanização do atendimento livre de discriminação, por meio da
sensibilização dos trabalhadores e demais usuários e usuárias da unidade de saúde
para o respeito às diferenças e à dignidade humana, em todos os níveis de atenção.

Parágrafo único. Compreende-se como usuário(a) com demanda para o Processo


Transexualizador os transexuais e travestis.

Art. 3º A linha de cuidado da atenção aos usuários e usuárias com demanda para a
realização das ações no Processo Transexualizadoré estruturada pelos seguintes
componentes:

I - Atenção Básica: é o componente da Rede de Atenção à Saúde (RAS) responsável


pela coordenação do cuidado e por realizar a atenção contínua da população que está
sob sua responsabilidade, adstrita, além de ser a porta de entrada prioritária do usuário
na rede; e

II - Atenção Especializada: é um conjunto de diversos pontos de atenção com


diferentes densidades tecnológicas para a realização de ações e serviços de urgência,
ambulatorial especializado e hospitalar, apoiando e complementando os serviços da
atenção básica de forma resolutiva e em tempo oportuno.

188
Art. 4º A integralidade do cuidado aos usuários e usuárias com demanda para a
realização das ações no Processo Transexualizador no Componente Atenção Básica será
garantida pelo:

I - acolhimento com humanização e respeito ao uso do nome social; e

II - encaminhamento regulado ao Serviço de Atenção Especializado no Processo


Transexualizador.

Art. 5º Para garantir a integralidade do cuidado aos usuários e usuárias com demanda
para a realização das ações no Processo Transexualizador no Componente Atenção
Especializada, serão definidas as seguintes modalidades:

I - Modalidade Ambulatorial: consiste nas ações de âmbito ambulatorial, quais sejam


acompanhamento clínico, acompanhamento pré e pós-operatório e hormonioterapia,
destinadas a promover atenção especializada no Processo Transexualizador definidas
nesta Portaria e realizadas em estabelecimento de saúde cadastrado no Sistema de
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) que possua condições
técnicas, instalações físicas e recursos humanos adequados conforme descrito no
anexo I a esta Portaria; e

II - Modalidade Hospitalar: consiste nas ações de âmbito hospitalar, quais sejam


realização de cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório, destinadas a
promover atenção especializada no Processo Transexualizador definidas nesta Portaria
e realizadas em estabelecimento de saúde cadastrado no SCNES que possua
condições técnicas, instalações físicas e recursos humanos adequados conforme
descrito no anexo I a esta Portaria.

Art. 6º A RAS é responsável pela integralidade do cuidado ao transexual e travesti no


âmbito do SUS.

Art. 7º Fica definido que, para fins de habilitação no Componente Atenção Especializada
no Processo Transexualizador, os gestores de saúde interessados deverão cumprir as Normas
de Habilitação previstas no anexo I, conforme modalidade assistencial ambulatorial e/ou
hospitalar do estabelecimento de saúde a ser habilitado, e encaminhar à Coordenação-Geral de
Média e Alta Complexidade (CGMAC/DAET/SAS/MS):

I - documento que comprove aprovação na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) ou,


quando for o caso, no Colegiado de Gestão da Secretaria de Saúde do Distrito Federal
(CGSES/DF) sobre o Processo Transexualizador, conforme definidos nesta Portaria; e

II - formulário de vistoria, devidamente assinado pelo gestor de saúde, para habilitação


do estabelecimento de saúde no Componente Atenção Especializada no Processo
Transexualizador, conforme anexo II a esta Portaria, seja para modalidade ambulatorial
e/ou hospitalar.

Art. 8º Ficam incluídas na Tabela de Habilitações do SCNES as seguintes habilitações


referentes ao Componente Atenção Especializada no Processo Transexualizador:
CÓDIGO NOME
Atenção Especializada no Processo Transexualizador realizando
30.02
Acompanhamento Clínico, Pré e Pós-Operatório e Hormonioterapia.
Atenção Especializada no Processo Transexualizador realizando Cirurgias e
30.03
Acompanhamento Pré e Pós-Operatório.
Art. 9º Os estabelecimentos habilitados em Unidade de Atenção Especializada no
Processo Transexualizador, conforme Código 30.01, até a presente data, nos termos do anexo
IV da Portaria nº 457/SAS/MS, de 19 de agosto de 2008, continuam habilitados e terão o prazo
máximo de 12 (doze) meses contado da data de publicação desta Portaria para se adequarem
às novas habilitações conforme descrito nos arts. 3º a 8º, sob pena de revogação da referida
habilitação pelo Ministério da Saúde.

189
Parágrafo único. Os estabelecimentos abaixo descritos mantêm-se habilitados em
Unidade de Atenção Especializada no Processo Transexualizador e terão o prazo máximo de
12 (doze) meses contado da data de publicação desta Portaria para adequação conforme
descrito no "caput" deste artigo:
UF MUNICÍPIO CNES ESTABELECIMENTO - RAZÃO SOCIAL
Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Universidade
RS Porto Alegre 2237601 Federal do Rio Grande do Sul/ Porto Alegre (RS)
Universidade Estadual do Rio de Janeiro - HUPE
RJ Rio de Janeiro 2269783 Hospital Universitário Pedro Ernesto/ Rio de
Janeiro(RJ)
Fundação Faculdade de Medicina HCFMUSP - Inst.
SP São Paulo 2812703 de Psiquiatria Fundação Faculdade de Medicina
MECMPAS/ São Paulo (SP)
Hospital das Clinicas - Hospital das Clínicas da
GO Goiânia 2338424 Universidade Federal de Goiás/ Goiânia (GO)
Art. 10. Os procedimentos da modalidade ambulatorial e hospitalar serão realizados
exclusivamente nos estabelecimentos de saúde habilitados nos Códigos 30.01, 30.02, 30.03
respectivamente.

Parágrafo único. Os estabelecimentos de saúde serão habilitados considerando os arts.


3º a 8º para realização do Componente Atenção Especializada no Processo Transexualizador,
seja na modalidade ambulatorial e/ou hospitalar, desde que cumpridas as exigências
estabelecidas por esta Portaria e:

I - para habilitação no Código 30.02, cumprir as exigências do anexo I e encaminhar


formulário de vistoria do anexo II, ambos da modalidade ambulatorial;

II - para habilitação no Código 30.03, cumprir as exigências do anexo I e encaminhar


formulário de vistoria do anexo II, ambos da modalidade hospitalar;

III - para habilitação nos Códigos 30.02 e 30.03, cumprir as exigências do anexo I e
encaminhar formulário de vistoria do anexo II, ambos das modalidades ambulatorial e
hospitalar.

Art. 11. Os estabelecimentos de saúde autorizados a prestarem assistência a transexuais


e travestis no âmbito do SUS submeter-se-ão à regulação, controle e avaliação dos seus
respectivos gestores de saúde.

Art. 12. O acesso aos procedimentos cirúrgicos de que trata esta Portaria será regulado
por meio da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC), quando houver
ausência ou insuficiência do recurso assistencial no Estado de origem, cabendo ao
Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas (DRAC/SAS/MS) adotar as
providências cabíveis para sua operacionalização.

Art. 13. Fica alterada na Tabela de Serviço/Classificação do SCNES a denominação da


classificação 001 do serviço 153 -Atenção Especializada no Processo Transexualizador
conforme descrita abaixo, incluindo a classificação 002 e as respectivas equipes mínimas de
Classificação Brasileira de Ocupação (CBO):
Código
Código da
do Descrição Descrição Grupo CBO Descrição
Classificação
Serviço

190
153 Atenção 001 Acompanhamento 1
Especializada no Clínico, pré e pós-
Processo operatório e
Transexualizador hormonioterapia.
Médico
225133
psiquiatra

Médico
225155 Endocrinologista
225125 Médico Clínico
223505 Enfermeiro
251510 Psicólogo
Assistente
251605
Social
2
251510 Psicólogo

Médico
225155 Endocrinologista
225125 Médico Clínico
223505 Enfermeiro
Assistente
251605
Social
002 Cirurgia e 3 Médico
Acompanhamento 225250 ginecologista
pré e pós- obstetra
operatório.
Médico Cirurgião
225235
Plástico
223505 Enfermeiro
Médico
225133 psiquiatra

Médico
225155
Endocrinologista

Médico
225285 Urologista
Assistente
251605 Social
4
Médico
225285
Urologista

Médico
225250 ginecologista
obstetra

191
Médico Cirurgião
225235 Plástico
223505 Enfermeiro
251510 Psicólogo
Médico
225155 Endocrinologista
Assistente
251605 Social
Art. 14. Ficam incluídos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS os
procedimentos a seguir:
03.01.13.004-3 - Acompanhamento do usuário(a) no processo
Procedimento:
transexualizador exclusivo nas etapas do pré e pós-operatório
Consiste no acompanhamento mensal de usuário(a) no Processo
Transexualizador, no máximo dois atendimentos mensais, durante
no mínimo de 2 (dois) anos no pré-operatório e por até 1 ano no
Descrição: pós-operatório.
Origem SIGTAP 03.01.13.002-7
Complexidade: MC - Média Complexidade
Modalidade: 01 - Ambulatorial
Instrumento de Registro: 02 - BPA-I (Individualizado)
Tipo de Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Sexo: Ambos
Valor Ambulatorial SA: R$ 39,38
Valor Ambulatorial Total: R$ 39,38
Valor Hospitalar SP: R$ 0,00
Valor Hospitalar SH: R$ 0,00
Valor Hospitalar Total: R$0,00
Idade Mínima: 18 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade Máxima: 02
225133, 225155, 225250, 225285, 251510, 225235, 251605,
CBO: 223810,, 225125.
CID: F64.0
153/001 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador) Acompanhamento Clínico, pré e pós-operatório
Serviço/classificação:
e hormonioterapia; 153/002 (Cirurgia e Acompanhamento pré e
pós-operatório).
Habilitação: 30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador; 30.02 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando Acompanhamento Clínico, pré e pós-
operatório e hormonioterapia; 30.03 Atenção Especializada no
Processo Transexualizador realizando Cirurgias e
Acompanhamento Pré e Pós-Operatório

03.03.03.009-7- Tratamento hormonal no processo


Procedimento: transexualizador.

192
Consiste na utilização de terapia medicamentosa hormonal
Descrição: disponibilizada mensalmente para ser iniciada após o diagnóstico
no Processo Transexualizador (estrógeno ou testosterona).
Origem SIGTAP 03.03.03.007-0
Complexidade: MC - Média Complexidade
Modalidade: 01 - Ambulatorial
Instrumento de Registro: BPA-I (Individualizado)
Tipo de Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Valor Ambulatorial SA: R$ 50,00
Valor Ambulatorial Total: R$ 50,00
Sexo: Ambos
Idade Mínima: 18 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade Máxima: 01
CBO: 225155, 225250, 225285, 225125
CID: F64.0 e F64.9
153/001 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador) - Acompanhamento Clínico, pré e pós-
Serviço/Classificação: operatório e hormonioterapia.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador; 30.02 Atenção Especializada no Processo
Habilitação:
Transexualizador, realizando Acompanhamento Clínico, pré e
pós-peratório e hormonioterapia.

Procedimento: 04.09.05.014-8 - Redesignação sexual no sexo masculino


Consiste na orquiectomia bilateral com amputação do pênis e
Descrição: neocolpoplastia (construção de neovagina).
Origem SIGTAP 04.09.05.012-1
Complexidade: AC - Alta Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
Registro: 03 - AIH (Proc. Principal)
Tipo de Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Valor Hospitalar SP: R$ 528,06
Valor Hospitalar SH: R$ 760,22
Valor Hospitalar Total: R$ 1288,28
Atributo
001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior
Complementar:
Sexo: Masculino
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade Máxima: 01
Média Permanência: 8
Pontos: 270

193
Especialidade do Leito: 01 - Cirúrgico
CBO: 225235, 225285, 225250
CID: F64.0
153/002 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento clínico pré e pós-
Serviço / Classificação: operatório.
Habilitação: 30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador; 30.03. - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós -
operatório

Procedimento: 04.04.01.056-3 - Tireoplastia


Consiste na cirurgia de redução do Pomo de Adão com vistas à
feminilização da voz e/ou alongamento das cordas vocais no processo
Descrição: transexualizador.
Origem SIGTAP 04.04.01.042-3
Complexidade: AC - Alta Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
Registro: 03 - AIH (Proc. Principal)
Tipo de
Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Valor Hospitalar SP: R$ 236,60
Valor Hospitalar SH: R$ 181,88
Valor Hospitalar Total: R$ 418,48
Atributo
001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior
Complementar:
Sexo: Masculino
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade Máxima: 01
Media Permanência: 01
Pontos: 270
Especialidade do
01 - Cirúrgico
Leito:
CBO: 225275; 225215; 225235
CID: F64.0
153/002 - (Serviço Atenção Especializado no Processo
Serviço / Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento clínico pré e pós-
Classificação: operatório.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador; 30.03 - Atenção Especializada no Processo
Habilitação:
Transexualizador, realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós -
operatório

Procedimento: 03.03.03.008-9 - Tratamento hormonal preparatório para cirurgia de

194
redesignação sexual no processo transexualizador.
Consiste na terapia medicamentosa hormonal a ser disponibilizada
Descrição: mensalmente no período de 2 anos que antecede a cirurgia de
redesignação sexual no Processo Transexualizador (ciproterona).
Complexidade: MC - Média Complexidade
Modalidade: 01 - Ambulatorial
Instrumento de Registro: 02 - BPA-I (individualizado)
Tipo de Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Valor Ambulatorial SA: R$ 65,52
Valor Ambulatorial Total: R$ 65,52
Sexo: Masculino
Idade Mínima: 18 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade Máxima: 01
CBO: 225155, 225250, 225285, 225125
CID: F64.0 e F64.9
153/001 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador). Acompanhamento Clínico, pré e pós-operatório e
Serviço/Classificação: hormonioterapia.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador 30.02 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando Acompanhamento Clínico, pré e pós-
Habilitação: operatório e hormonioterapia.

04.10.01.019-7 - Mastectomia simples bilateral em usuária sob processo


Procedimento:
transexualizador
Procedimento cirúrgico que consiste na ressecção de ambas as mamas
Descrição:
com reposicionamento do complexo aréolo mamilar.
Complexidade: AC - Alta Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
03 - AIH (Proc. Principal)
Registro:
Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:
Valor Hospitalar SP: R$ 284,93
Valor Hospitalar SH: R$ 524,96
Valor Hospitalar Total: R$ 809,89
Atributo
Complementar: 001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior
Sexo: feminino
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade Máxima: 01
Media Permanência: 03
Pontos: 250

195
Especialidade do
01 - Cirúrgico
Leito:
CBO: 225235, 225250, 225255
CID: F64.0
Serviço / 153/002 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Classificação: Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento pré e pós-operatório.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador 30.03 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós -
Habilitação: operatório.

04.09.06.029-1 - Histerectomia c/ anexectomia bilateral e colpectomia


Procedimento:
em usuárias sob processo transexualizador.
Procedimento cirúrgico de ressecção do útero e ovários, com
Descrição: colpectomia.
Complexidade: AC - Alta Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
03 - AIH (Proc. Principal)
Registro:
Tipo de Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Valor Hospitalar SP: R$ 511,90
Valor Hospitalar SH: R$ 683,90
Valor Hospitalar Total: R$ 1.195,80
Atributo
Complementar: 001 - Inclui valor da anestesia, 004 - Admite permanência à maior
Sexo: Feminino
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade Máxima: 01
Média Permanência: 03
Pontos: 300
Especialidade do Leito: 01 - Cirúrgico
CBO: 225250
CID: F64.0
153/002 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Serviço / Classificação: Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento clínico pré e pós-
operatório.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Habilitação: Transexualizador 30.03
Atenção Especializada no Processo Transexualizador realizando
cirurgias e acompanhamento pré e pós - operatório

Procedimento: 04.09.05.013-0 - Cirurgias complementares de redesignação sexual


Descrição: Consiste em cirurgias complementares tais como: reconstrução da
neovagina realizada, meatotomia, meatoplastia, cirurgia estética para
correções complementares dos grandes lábios, pequenos lábios e

196
clitóris e tratamento de deiscências e fístulectomia.
Complexidade: AC - Alta Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
03 - AIH (Proc. Principal)
Registro:
Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:
Valor Hospitalar SP: R$ 214,67
Valor Hospitalar SH: R$ 183,38
Valor Hospitalar
R$ 398,05
Total:
Atributo
Complementar: 001 - Inclui valor da anestesia, 004 -Admite permanência à maior
Sexo: Ambos
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade Máxima: 01
Média Permanência: 05
Pontos: 270
Especialidade do
01 - Cirúrgico
Leito:
CBO: 225235, 225285, 225250
CID: F64.0
153/002 - Serviço de Atenção Especializada no Processo
Serviço /
Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento clínico pré e pós-
Classificação:
operatório.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador 30.03 - Atenção Especializada no Processo
Habilitação:
Transexualizador realizando cirurgias e acompanhamento pré e pós -
operatório.

03.01.13.003-5 - Acompanhamento de usuário(a) no Processo


Procedimento:
Transexualizador exclusivamente para atendimento clínico.
Descrição: Consiste no acompanhamento de usuário(a) no Processo
Transexualizador com atendimento mensal por equipe
multiprofissional, diferente do acompanhamento exclusivo das
etapas no pré ou pós operatório no processo transexualizador.
Complexidade: MC - Média Complexidade
Modalidade: 01 - Ambulatorial
Instrumento de Registro: BPA-I (Individualizado)
Tipo de Financiamento: 04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Valor Ambulatorial SIA: R$ 39,38
Valor Ambulatorial Total: R$ 39,38
Sexo: Ambos
Idade Mínima: 18 Ano(s)

197
Idade Máxima: 110 Ano(s)
Quantidade Máxima: 01
CBO: 225133, 225155, 251510, 251605,223810,
CID: F64.0, F64.9
153/001 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador). Acompanhamento Clínico, pré e pós-operatório
Serviço/classificação: e hormonioterapia.
30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador 30.02 - Atenção Especializada no Processo
Transexualizador realizando acompanhamento Clínico, pré e pós-
Habilitação: operatório e hormonioterapia.

04.10.01.020-0- Plástica mamária reconstrutiva bilateral incluindo prótese


Procedimento:
mamária de silicone bilateral no processo transexualizador
Consiste em cirurgia Plástica mamária reconstrutiva bilateral
complementar ao processo de redesignação sexual no sexo masculino no
Descrição:
processo transexualizador, incluindo implante de prótese mamária de
silicone bilateral.
Complexidade: Media Complexidade
Modalidade: 02 - Hospitalar
Instrumento de
03 - AIH (Proc. Principal)
Registro:
Tipo de
04 - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)
Financiamento:
Valor Hospitalar
SP: R$ 140,02
Valor Hospitalar
SH: R$ 1.663,90
Valor Hospitalar
Total: R$ 1803,92
Atributo
Complementar: 001 - Inclui valor da anestesia, 004 - Admite permanência à maior
Sexo: Masculino
Idade Mínima: 21 Ano(s)
Idade Máxima: 75 Ano(s)
Quantidade
01
Máxima:
Media
Permanência: 02
Pontos: 250
Especialidade do
Leito: 01 - Cirúrgico
CBO: 225235, 225250
Serviço / 153/002 - (Serviço de Atenção Especializada no Processo
Classificação: Transexualizador). Cirurgia e Acompanhamento pré e pós-operatório.
CID F64.0
Habilitação: 30.01 - Unidade de Atenção Especializada no Processo Transexualizador

198
30.03 - Atenção Especializada no Processo Transexualizador realizando
Cirurgias e acompanhamento pré e pós - operatório.
§ 1º Os procedimentos de Código 03.01.13.004-3 - Acompanhamento do usuário(a) no
processo Transexualizador exclusivo nas etapas do pré e pós-operatório e Código
03.01.13.003-5 - Acompanhamento de usuário(a) no Processo Transexualizador
exclusivamente para atendimento clinico de que trata este artigo são excludentes entre si.

§ 2º Em relação ao cuidado dos usuários e usuárias no Processo Transexualizador:

I - a hormonioterapia que trata esta Portaria será iniciada a partir dos 18 (dezoito) anos
de idade do paciente no processo transexualizador; e

II - os procedimentos cirúrgicos de que trata esta Portaria serão iniciados a partir de 21


(vinte e um) anos de idade do paciente no processo transexualizador, desde que tenha
indicação específica e acompanhamento prévio de 2 (dois) anos pela equipe multiprofissional
que acompanha o usuário(a) no Serviço de Atenção Especializada no Processo
Transexualizador.

Art. 15. O SUS realizará, em caráter experimental, os procedimentos de vaginectomia e


neofaloplastia com implante de próteses penianas e testiculares, clitoroplastia e cirurgia de
cordas vocais em pacientes em readequação para o fenótipo masculino, nos termos da
Resolução nº 1.955, de 3 de setembro de 2010, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que
dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1.652 de 2002.

Parágrafo único. Os procedimentos descritos no "caput" somente poderão ser realizados


em estabelecimentos definidos como hospitais de ensino, habilitados para realização da
Atenção Especializada no Processo Transexualizador, bem como a partir da assinatura de
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo paciente.

Art. 16. Os procedimentos descritos nesta Portaria poderão ser realizados somente nos
estabelecimentos de saúde habilitados pelo Ministério da Saúde para prestar Atenção
Especializada no Processo Transexualizador, conforme normas de habilitação estabelecidas
nos anexos a esta Portaria.

Art. 17. Os recursos financeiros para o custeio das atividades de que trata esta Portaria
são oriundos do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar o Programa de Trabalho
10.302.2015.8585 - Atenção à Saúde da População para Procedimentos de Média e Alta
Complexidade.

Parágrafo único. A aprovação do repasse de recursos financeiros de que trata esta


Portaria ficará condicionada à disponibilidade orçamentária e financeira do Ministério da Saúde.

Art. 18. Ficam aprovadas, na forma dos anexos a esta Portaria, as normas de habilitação
e formulários de vistoria do Processo Transexualizador no âmbito do SUS:

I - anexo I: Normas de Habilitação de Serviço de Atenção Especializado no Processo


Transexualizador, nas modalidades ambulatorial e/ou hospitalar; e

II - anexo II: Formulário de Vistoria do Gestor para Habilitação de Serviço de Atenção


Especializada no Processo Transexualizador, na modalidade ambulatorial e/ou
hospitalar.

Art. 19. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos operacionais
na competência seguinte.

Art. 20. Ficam revogadas:

I - a Portaria nº 1.707/GM/MS, de 18 de agosto de 2008, publicada no Diário Oficial da


União nº 159, Seção 1, do dia 19 de agosto de 2008, p. 43; e

II - a Portaria nº 1.579/GM/MS, de 31 de julho de 2013, publicada no Diário Oficial da


União nº 147, Seção 1, do dia 1 de agosto de 2013, p. 48.

199
ALEXANDRE ROCHA SANTOS PADILHA

ANEXO I

NORMAS DE HABILITAÇÃO PARA A ATENÇÃO ESPECIALIZADA NO PROCESSO


TRANSEXUALIZADOR

1. NORMAS DE HABILITAÇÃO PARA A MODALIDADE AMBULATORIAL

1.1. A Modalidade Ambulatorial consiste nas ações de âmbito ambulatorial


(acompanhamento clínico, acompanhamento pré e pós-operatório e Hormonioterapia)
destinadas a promover atenção especializada no Processo Transexualizador definidas nesta
portaria e realizadas em estabelecimento de saúde cadastrado no Sistema de Cadastro
Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES), que possua condições técnicas, instalações
físicas e recursos humanos adequados conforme descrito abaixo.

1.2. Planejamento/Distribuição dos Estabelecimentos As Secretarias de Saúde dos


Estados, Municípios e do Distrito Federal, devem estabelecer um planejamento regional
hierarquizado para estruturar a atenção integral aos usuários(as) com indicação para a
realização do Processo Transexualizador.

1.3. Processo de Habilitação Entende-se por habilitação do estabelecimento em Atenção


Especializada no Processo Transexualizador - modalidade ambulatorial, o ato do Gestor
Federal de ratificar o credenciamento realizado pelos Gestores Estaduais e Municipais ou do
Distrito Federal, em conformidade com o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011.

O processo de habilitação, ao ser formalizado pelo respectivo Gestor do SUS, deverá ser
instruído com:

a. Documento que comprove aprovação na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) ou,


quando for o caso, no Colegiado de Gestão da Secretaria de Saúde do Distrito Federal
(CGSES/DF) sobre o Processo Transexualizador, conforme definidos nesta portaria; e

b. Formulário de vistoria, devidamente assinado pelo gestor, para habilitação do


estabelecimento de saúde na Atenção Especializada no Processo Transexualizador,
conforme anexo II a esta Portaria, para modalidade ambulatorial.

1.4. O Ministério da Saúde avaliará o formulário de vistoria do anexo II dessa portaria


encaminhado pela Secretaria de Estado da Saúde, podendo proceder a vistoria "in loco" para
conceder a habilitação do estabelecimento em Atenção Especializada no Processo
Transexualizador - modalidade ambulatorial.

1.5. Caso a avaliação seja favorável, a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) tomará as
providências para a publicação da habilitação.

1.6 O Registro das Informações do Paciente do estabelecimento em Atenção


Especializada no Processo Transexualizador modalidade ambulatorial - deve possuir um
prontuário único para cada paciente, que inclua todos os tipos de atendimento a ele referente.

Os prontuários deverão estar devidamente ordenados no Serviço de Arquivo Médico,


contendo as seguintes informações:

a. Identificação (nome social e nome de registro);

b. Anamnese;

c. Avaliação multiprofissional e interdisciplinar

d. Evolução;

e. Prescrição;

200
f. Exames laboratoriais e de imagem necessários ao processo transexualizador na
modalidade ambulatorial; e

g. Sumário de alta e outros documentos tais como Consentimento Livre e Esclarecido e


normativos definidos nesta Portaria.

1.7. Estrutura Assistencial

O estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -


modalidade ambulatorial - deverá promover a atenção especializada referente aos
procedimentos no processo Transexualizador definidos nesta portaria (acompanhamento
clínico, acompanhamento pré e pós-operatório e Hormonioterapia) de forma a oferecer
assistência integral, através de:

a. Diagnóstico e tratamento clínico no processo transexualizador;

b. Atendimento da modalidade ambulatorial em atenção especializada dos usuários(as)


com demanda para o Processo Transexualizador, por meio de equipe multiprofissional;

c. acompanhamento clínico, acompanhamento pré e pós-operatório e Hormonioterapia

d. garantia de acesso a exames laboratoriais e de imagem necessários ao processo


transexualizador na modalidade ambulatorial

1.8. Recursos Humanos Responsável Técnico:

O estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador-


modalidade ambulatorial deve contar com um responsável técnico, de qualquer área da saúde,
com nível superior e experiência comprovada na área do Processo Transexualizador. O
Responsável Técnico do estabelecimento em Atenção Especializada no Processo
Transexualizador - modalidade ambulatorial - só poderá assumir a responsabilidade técnica por
um único Estabelecimento habilitado em Atenção Especializada no Processo Transexualizador
-modalidade ambulatorial - pelo SistemaÚnico de Saúde, devendo residir no mesmo município
ou cidade circunvizinha.

Equipe de Referência: O estabelecimento em Atenção Especializada no Processo


Transexualizador- modalidade ambulatorial deverá contar com no mínimo: 1 psiquiatra ou 1
psicólogo, 1 assistente social, 1 endocrinologista ou 1 clínico geral e 1 enfermeiro. Os
profissionais da área médica deverão possuir títulos de especialista emitidos pelo Conselho
Regional de Medicina.

1.9. As instalações Físicas:

As instalações físicas do estabelecimento em Atenção Especializada no Processo


Transexualizador- modalidade ambulatorial deverão possuir Alvará de Funcionamento e se
enquadrar nos critérios e normas estabelecidos pela legislação em vigor, ou outros ditames
legais que as venham substituir ou complementar, a saber:

a. Resolução - RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, que dispõe sobre o


Regulamento Técnico para Planejamento, Programação, Elaboração e Avaliação de
projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, e de outras que vierem a
complementá-la, alterá-la ou substituí-la, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA);

b. Resolução - RDC nº 307, de 14 de novembro de 2002, que altera a Resolução nº 50,


de 21 de fevereiro de 2002 que dispõe sobre o Regulamento Técnico para
Planejamento, Programação, Elaboração e Avaliação de Projetos Físicos de
estabelecimentos assistenciais de saúde, e de outras que vierem a complementá-la,
alterá-la ou substituí-la, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA);

c. Resolução - RDC nº 306 de 06 de dezembro de 2004, que dispõe sobre o


Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços da saúde;

201
1.10. Materiais e Equipamentos:

O estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -


modalidade ambulatorial - deverá dispor de todos os materiais e equipamentos necessários
para o atendimento na modalidade ambulatorial no processo transexualizador, em perfeito
estado de conservação e funcionamento, para assegurar a qualidade da assistência aos
usuários(as).

1.11. Manutenção da Habilitação:

A manutenção da habilitação estará condicionada:

a. Ao cumprimento continuado pelo serviço das normas estabelecidas nesta Portaria;

b. O Departamento de Atenção Especializada e Temática/SAS/MS, por meio da


Coordenação-Geral de Média e Alta Complexidade, poderá suspender a habilitação do
estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -
modalidade ambulatorial, em caso de descumprimento das exigências contidas nesta
Portaria,.

c. Compete ao Gestor solicitante da habilitação do estabelecimento em Atenção


Especializada no Processo Transexualizador - modalidade ambulatorial - seu
monitoramento, avaliação e controle, bem como sua fiscalização local;

d. O gestor local poderá solicitar ao Departamento de Atenção Especializada e


Temática da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, por meio da
Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade, a suspensão da habilitação do
estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -
modalidade ambulatorial.

2. NORMAS DE HABILITAÇÃO PARA A MODALIDADE HOSPITALAR

2.1. A Modalidade Hospitalar consiste nas ações de âmbito hospitalar (realização de


cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório) destinadas a promover atenção
especializada no Processo Transexualizador definidas nesta Portaria e realizadas em
estabelecimento de saúde cadastrado no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos
de Saúde (SCNES), que possua condições técnicas, instalações físicas e recursos humanos
adequados, conforme descrito abaixo.

2.2. Planejamento/Distribuição dos Estabelecimentos:As Secretarias de Saúde dos


Estados, Municípios e do Distrito Federal devem estabelecer um planejamento regional
hierarquizado para for-mar a rede de atenção integral aos usuários(as) com indicação para a
realização do Processo Transexualizador.

2.3. Processo de Habilitação

Entende-se por habilitação em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -


modalidade hospitalar - o ato do Gestor Federal de ratificar o credenciamento realizado pelos
Gestores Estaduais e Municipais e do Distrito Federal em conformidade com o Decreto nº
7.508, de 28 de junho de 2011.

O processo de habilitação, ao ser formalizado pelo respectivo Gestor do SUS, deverá ser
instruído com:

a. Documento que comprove aprovação na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) ou,


quando for o caso, no Colegiado de Gestão da Secretaria de Saúde do Distrito Federal
(CGSES/DF) sobre o Processo Transexualizador, conforme definidos nesta Portaria, e

b. Formulário de vistoria, devidamente assinado pelo gestor, para habilitação do


estabelecimento de saúde na Atenção Especializada no Processo Transexualizador,
conforme anexo II a esta Portaria, para modalidade hospitalar.

202
2.4. O Ministério da Saúde avaliará o formulário de vistoria do anexo II dessa portaria
encaminhado pela Secretaria de Estado da Saúde, podendo proceder a vistoria "in loco" para
conceder a habilitação do estabelecimento de saúde em Atenção Especializada no Processo
Transexualizador - modalidade hospitalar.

2.5. Caso a avaliação seja favorável, a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) tomará as
providências para a publicação da habilitação.

2.6. O Registro das Informações do Paciente do estabelecimento em Atenção


Especializada no Processo Transexualizador modalidade hospitalar - deve possuir um
prontuário único para cada paciente, que inclua todos os tipos de atendimento a ele referente.
Os prontuários deverão estar devidamente ordenados no Serviço de Arquivo Médico, contendo
as seguintes informações:

a. Identificação (nome social e nome de registro);

b. Anamnese;

c. Avaliação multiprofissional e interdisciplinar

d. Evolução;

e. Prescrição;

f. Exames; e

g. Sumário de alta; e outros documentos tais como: Consentimento Livre e Esclarecido


e normativos definidos nesta Portaria.

Outros registros a constarem nos prontuários, tais como: descrição de cirurgia, fichas de
infecção e acompanhamento ambulatorial.

2.7. Estrutura Assistencial

O estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -


modalidade hospitalar- será referência para a atenção de pacientes regulados e encaminhados
com relatório médico detalhado de necessidade de procedimentos da modalidade hospitalar
(realização de cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório), onde constará todo o
processo de acompanhamento prévio do paciente.

Caberá ao Serviço de Atenção Especializada no Processo Transexualizador - modalidade


hospitalar- as avaliações e indicações cirúrgicas, devendo o mesmo realizar os exames pré e
pós-operatório.

O estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -


modalidade hospitalar- deve oferecer assistência especializada e integral, por ações
diagnósticas e terapêuticas

a) Diagnóstico e tratamento clínico e cirúrgico do processo transexualizador;

b) Atendimento na modalidade hospitalar, incluindo procedimentos cirúrgicos, dos


usuários(as) com demanda para o Processo Transexualizador, por meio de equipe
multiprofissional;

c) Exames laboratoriais e de imagem necessários ao processo transexualizador-


modalidade hospitalar;

2.8. Recursos Humanos

Responsável Técnico: O estabelecimento em Atenção Especializada no Processo


Transexualizador- modalidade hospitalar- deve contar com um responsável técnico pelo serviço
de cirurgia, médico com título de especialista em uma das seguintes especialidades:

203
Urologia ou Ginecologia ou Cirurgia Plástica e comprovada por certificado de Residência
Médica reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) ou título de especialista registrado no
Conselho Regional de Medicina;

O Responsável Técnico do estabelecimento em Atenção Especializada no Processo


Transexualizador - modalidade hospitalar - só poderá assumir a responsabilidade técnica por
um único Estabelecimento habilitado em Atenção Especializada no Processo Transexualizador
- modalidade hospitalar - pelo Sistema Único de Saúde, devendo residir no mesmo município
ou cidade circunvizinha.

A equipe cirúrgica deve contar com profissionais capacitados no Processo


Transexualizador, garantindo a intervenção de forma articulada nas intercorrências cirúrgicas e
clínicas do pré e pós-operatório.

Equipe de Referência: O estabelecimento em Atenção Especializada no Processo


Transexualizador- modalidade hospitalar - deverá contar com, no mínimo, 1 médico urologista,
ou 1 ginecologista ou 1 cirurgião plástico, com título de especialista da respectiva especialidade
e comprovada por certificado de Residência Médica reconhecida pelo Ministério da Educação
(MEC) ou título de especialista registrado no Conselho Regional de Medicina, para atendimento
diário. A Equipe de Enfermagem deve contar com enfermeiros e técnicos de enfermagem
dimensionados conforme Resolução COFEN 293 de 2004. Ainda, a equipe do estabelecimento
em Atenção Especializada no Processo Transexualizador - modalidade hospitalar deverá contar
no mínimo: 1 psiquiatra ou 1 um psicólogo, 1 endocrinologista, e 1 assistente social.

2.9. Instalações físicas

As instalações físicas do estabelecimento em Atenção Especializada no Processo


Transexualizador - modalidade hospitalar deverão possuir Alvará de Funcionamento e se
enquadrar nos critérios e normas estabelecidos pela legislação em vigor, ou outros ditames
legais que as venham substituir ou complementar, a saber:

a. Resolução - RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, que dispõe sobre o


Regulamento Técnico para Planejamento, Programação, elaboração e avaliação de
projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, e de outras que vierem a
complementá-la, alterá-la ou substituí-la, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA);

b. Resolução - RDC nº 307, de 14 de novembro de 2002, que altera a Resolução nº 50,


de 21 de fevereiro de 2002 que dispõe sobre o Regulamento Técnico para
Planejamento, Programação, Elaboração e Avaliação de Projetos Físicos de
estabelecimentos assistenciais de saúde, e de outras que vierem a complementá-la,
alterá-la ou substituí-la, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA);

c. Resolução - RDC nº 306 de 6 de dezembro de 2004, que dispõe sobre o


Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços da saúde;

A Farmácia Hospitalar deverá obedecer às normas estabelecidas na RDC nº 50 de 21 de


fevereiro de 2002, da ANVISA ou outra que venha a alterá-la ou substituí-la.

2.10. Materiais e Equipamentos

O estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador-


modalidade hospitalar- deverá dispor de todos os materiais e equipamentos necessários, em
perfeito estado de conservação e funcionamento, para assegurar a qualidade da assistência
aos usuários(as), que possibilitem o diagnóstico e o tratamento clínico e cirúrgico.

2.11. Recursos Diagnósticos e Terapêuticos O estabelecimento em Atenção


Especializada no Processo Transexualizador - modalidade hospitalar deverá:

a. Dispor de serviço de laboratório clínico em tempo integral;

b. garantia de acesso a exames laboratoriais e de imagem necessários ao processo


transexualizador na modalidade hospitalar

204
c. Realizar tipagem sanguínea e tratamento hemoterápico, inclusive para complicações
hemorrágicas;

d. Possuir leitos cirúrgicos de enfermaria para os usuários(as) do Processo


Transexualizador;

e. Garantir retaguarda de leito(s) de UTI tipo II ou III

f. Garantir acompanhamento ambulatorial para pré e pós operatório.

2.12. Manutenção da Habilitação

A manutenção da habilitação estará condicionada:

a. Ao cumprimento continuado pelo serviço das normas estabelecidas nesta Portaria;

b. O Departamento de Atenção Especializada e Temática/SAS/MS, por meio da


Coordenação-Geral de Média e Alta Complexidade, poderá suspender a habilitação do
estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -
modalidade hospitalar, em caso de descumprimento das exigências contidas nesta
Portaria;

c. Compete ao Gestor solicitante da habilitação do estabelecimento em Atenção


Especializada no Processo Transexualizador - modalidade hospitalar- seu
monitoramento, avaliação e controle, bem como sua fiscalização local;

d. O gestor local poderá solicitar ao Departamento de Atenção Especializada e


Temática da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, por meio da
Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade, a suspensão da habilitação do
estabelecimento em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -
modalidade hospitalar.

Para determinado estabelecimento de saúde ser habilitado como modalidade assistencial


ambulatorial e hospitalar, deve cumprir ambas as Normas supracitadas.

ANEXO II

FORMULÁRIO DE VISTORIA DO GESTOR PARA HABILITAÇÃO DO


ESTABELECIMENTO DE ATENÇÃO ESPECIALIZADA NO PROCESSO
TRANSEXUALIZADOR

(Este formulário deve ser preenchido e assinado pelo Gestor e não deve ser modificado
e/ou substituído)

I. MODALIDADE AMBULATORIAL:

NOME DO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE:

____________________________________________ __

CNPJ: _________________________ CNES: _______________

ENDEREÇO: ___________________________________

MUNICÍPIO: _______________________UF: _________

CEP:_____________TELEFONES: ( ) ___________

FAX: ( ) _________________________________________

E-MAIL: ________________________________________

DIRETOR TÉCNICO:

205
__________________________________

TELEFONE: ( )_______________ FAX: ( )________

E-MAIL: _________________________________________

FORMULÁRIO DE VISTORIA DO GESTOR

(Deve ser preenchido e assinado pelo Gestor.)

(Este Formulário não deve modificado nem substituído)

TIPO DE PRESTADOR (NATUREZA):

( ) Privado lucrativo ( ) Privado não lucrativo( ) Filantrópico

( ) Municipal ( ) Estadual ( ) Federal

TIPOS DE ASSISTÊNCIA:

( ) Ambulatorial

( ) Internação

1. NORMAS GERAIS DE HABILITAÇÃO

1.1 - Consta no processo de habilitação do Estabelecimento de Atenção Especializada no


Processo Transexualizador - Modalidade ambulatorial - a documentação comprobatória do
cumprimento das exigências para as habilitações estabelecidas no anexo I, tais como:

a) Parecer conclusivo do respectivo Gestor do SUS

( ) Sim ( ) Não

b) Manifestação da Comissão Intergestores Bipartite - CIB

( ) Sim ( ) Não

c) Termos de compromissos firmados com o gestor local do SUS

( ) Sim ( ) Não

2. ESTRUTURA ASSISTENCIAL

2.1 - O estabelecimento de atenção especializada no processo transexualizador -


modalidade ambulatorial - cumpre e oferece os requisitos abaixo:

a) garante atendimento e acompanhamento ambulatorial especializado e integral para o


diagnóstico e tratamento clínico para os/as transexuais e travestis no processo
transexualizador.

( ) Sim ( ) Não

b) atendimento em atenção especializada dos usuários/as com demanda para o


processo Transexualizador por meio de equipe multiprofissional.

( ) Sim ( ) Não

c) acompanhamento clínico.

( ) Sim ( ) Não

d) acompanhamento pré e pós-operatório no processo transexualizador

206
( ) Sim ( ) Não

e) hormonioterapia

( ) Sim ( ) Não

f) garantia de acesso a exames laboratoriais e de imagem necessários ao processo


transexualizador na modalidade ambulatorial

( ) Sim ( ) Não

g) possui um prontuário único para cada paciente que possua todos os tipos de
atendimento a ele referentes, contendo as informações completas do quadro clínico e sua
evolução, todas devidamente escritas, de forma clara e precisa, datadas e assinadas pelo
profissional responsável pelo atendimento:

( ) Sim ( ) Não

h) possui Responsável Técnico pela equipe do Serviço de Atenção Especializada no


Processo Transexualizador - modalidade ambulatorial:

( ) Sim ( ) Não

i) titulação do Responsável Técnico

( ) Sim ( ) Não

j) possui equipe mínima assistencial:

( ) 01 psiquiatra ou psicólogo

( ) 01 assistente social;

( ) 01 endocrinologista ou 01 clínico geral; e

( ) 01 enfermeiro.

k) titulação dos profissionais que compõem a equipe

( ) Sim ( ) Não

l) acesso às Centrais de Regulação para encaminhamento dos casos de maior


complexidade

( ) Sim ( ) Não

3. INSTALAÇÕES FÍSICAS, MATERIAIS E EQUIPAMENTOS.

3.1 - O estabelecimento de atenção especializada no processo transexualizador -


modalidade ambulatorial - cumpre e oferece as instalações físicas, materiais e equipamentos
abaixo:

a) possui Formulário de Vistoria da Vigilância Sanitária

( ) Sim ( ) Não

b) possui Alvará de Funcionamento (Licença Sanitária)

( ) Sim ( ) Não

c) possui Materiais e Equipamentos necessários, em perfeito estado de conservação e


funcionamento, para assegurar a qualidade da assistência aos usuários/as na modalidade
ambulatorial no processo transexualizador:

207
( ) Sim ( ) Não

II- MODALIDADE HOSPITALAR:

NOME DO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE:

CNPJ: __________________________

CNES:_______________

ENDEREÇO: ___________________________________

MUNICÍPIO: _____________________________UF: _________

CEP:_____________TELEFONES: ( ) ___________

FAX: ( ) _________________________________________

E-MAIL: ________________________________________

DIRETOR TÉCNICO:

__________________________________

TELEFONE: ( )_______________ FAX: ( )________

E-MAIL: _________________________________________

FORMULÁRIO DE VISTORIA DO GESTOR

(Deve ser preenchido e assinado pelo Gestor)

(Este Formulário não deve modificado nem substituído)

TIPO DE PRESTADOR (NATUREZA):

( ) Privado lucrativo ( ) Privado não lucrativo ( ) Filantrópico

( ) Municipal ( ) Estadual ( ) Federal

TIPOS DE ASSISTÊNCIA:

( ) Ambulatorial

( ) Internação

( ) Atendimento de intercorrências no processo transexualizador

1. NORMAS GERAIS DE HABILITAÇÃO

1.1 - Consta no processo de habilitação do Estabelecimento de Atenção Especializada no


Processo Transexualizador - Modalidade Hospitalar - a documentação comprobatória do
cumprimento das exigências para as habilitações estabelecidas no anexo I, tais como:

a) Parecer conclusivo do respectivo Gestor do SUS

( ) Sim ( ) Não

b) Manifestação da Comissão Intergestores Bipartite - CIB

( ) Sim ( ) Não

c) Termos de compromissos firmados com o gestor local do SUS.

) Sim ( ) Não

208
2. ESTRUTURA ASSISTENCIAL

2.1 - O estabelecimento de atenção especializada no processo transexualizador -


modalidade hospitalar- cumpre e oferece os requisitos abaixo:

a) ser referência para a atenção de pacientes regulados e encaminhados com relatório


médico detalhado de necessidade de procedimentos da modalidade hospitalar (realização de
cirurgias e acompanhamento pré e pós - operatório).

( ) Sim ( ) Não

b) oferece assistência especializada e integral por ações diagnósticas e terapêuticas na


modalidade hospitalar do processo Transexualizador.

( ) Sim ( ) Não

c) garante atendimento e acompanhamento hospitalar especializado e integral, para o


procedimento cirúrgico e acompanhamento pré e pós-operatório no processo transexualizador.

( ) Sim ( ) Não

d) atendimento na modalidade hospitalar (realização de cirurgias e acompanhamento pré


e pós-operatório) em atenção especializada dos usuários/as com demanda para o processo
Transexualizador por meio de equipe multiprofissional.

( ) Sim ( ) Não

e) garante acesso a exames laboratoriais e de imagens necessários ao processo


transexualizador na modalidade hospitalar.

( ) Sim ( ) Não

f) realiza acompanhamento pré e pós-operatório no processo Transexualizador.

( ) Sim ( ) Não

g) possui um prontuário único para cada paciente que inclua todos os tipos de
atendimento a ele referente (cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório), contendo as
informações completas do quadro clínico e sua evolução, todas devidamente escritas, de forma
clara e precisa, datadas e assinadas pelo profissional responsável pelo atendimento.

( ) Sim ( ) Não

h) possui Responsável Técnico pela equipe médica do estabelecimento de atenção


Especializada no processo transexualizador - modalidade hospitalar, com certificado de
Residência Médica reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC), título de especialista da
Associação Médica Brasileira (AMB) ou registro no cadastro de especialistas no respectivo
Conselho Regional de Medicina nas especialidades médicas de urologia ou ginecologia ou
cirurgia plástica:

( ) Sim ( ) Não ( )

i) o médico responsável técnico pela equipe médica do estabelecimento de atenção


Especializada no processo transexualizador - modalidade hospitalar - é responsável por um
único estabelecimento habilitado em Atenção Especializada no Processo Transexualizador -
modalidade hospitalar - pelo Sistema Único de Saúde e reside no mesmo município ou cidade
circunvizinha.

( ) Sim ( ) Não

j) possui equipe mínima assistencial com no mínimo*:

( ) 01 urologista ou 01 ginecologista ou 01 cirurgião plástico;

209
( ) enfermeiros (dimensionados conforme Resolução COFEN 293/2004);

( ) técnicos de enfermagem (dimensionados conforme Resolução COFEN 293/2004);

( ) 01 psiquiatra ou 01 psicólogo;

( ) 01 endocrinologista;

( ) 01 assistente social.

*A equipe mínima assistencial médica com certificado de Residência Médica reconhecida


pelo Ministério da Educação (MEC), título de especialista da Associação Médica Brasileira
(AMB) ou registro no cadastro de especialistas no respectivo Conselho Regional de Medicina. A
equipe assistencial de profissionais enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos deverão
apresentar graduação reconhecida pelo Ministério da Educação e pelo respectivo conselho de
classe.

A equipe assistencial de técnicos de enfermagem deverá ter formação reconhecida pelo


respectivo conselho de classe.

k) possui equipe cirúrgica com profissionais capacitados no Processo Transexualizador,


garantindo a intervenção de forma articulada nas intercorrências cirúrgicas e clínicas do pré e
pós-operatório:

( ) Sim ( ) Não

l) possui equipe mínima assistencial treinada para atendimento de pacientes no Processo


Transexualizador.

( ) Sim ( ) Não

m) garantia de sala de cirurgia para atendimento ao paciente do Processo


Transexualizador.

( ) Sim ( ) Não

n) garantia de leitos cirúrgicos de enfermaria para os usuários/as do Processo


Transexualizador.

( ) Sim ( ) Não

o) garantia de leitos de UTI tipo II ou III para paciente do Processo Transexualizador.

( ) Sim ( ) Não

p) garantia de acesso a exames laboratoriais e de imagem necessários ao processo


transexualizador na modalidade hospitalar:

( ) Sim ( ) Não

q) possui serviço de laboratório clínico:

( ) Sim ( ) Não

r) realiza tipagem sanguínea e tratamento hemoterápico, inclusive para complicações


hemorrágicas:

( ) Sim ( ) Não

s) garantia de acompanhamento ambulatorial para pré e pósoperatório para os


usuários/as atendidos no processo Transexualizador.

( ) Sim ( ) Não

210
t) possui acesso às Centrais de Regulação para encaminhamento dos casos de maior
complexidade:

( ) Sim ( ) Não

3. INSTALAÇÕES FÍSICAS, MATERIAIS E EQUIPAMENTOS.

3.1 - O estabelecimento de atenção especializada no processo transexualizador -


modalidade hospitalar - cumpre e oferece as instalações físicas, materiais e equipamentos
abaixo:

a) possui Formulário de Vistoria da Vigilância Sanitária

( ) Sim ( ) Não

b) possui Alvará de Funcionamento (Licença Sanitária)

( ) Sim ( ) Não

c) possui Materiais e Equipamentos necessários, em perfeito estado de conservação e


funcionamento, para assegurar a qualidade da assistência aos usuários/as na modalidade
hospitalar no processo transexualizador:

( ) Sim ( ) Não

Data de Emissão: ____/_____ / _________

INTERESSE DO GESTOR DE SAÚDE NA HABILITAÇÃO:

De acordo com a vistoria realizada in loco, a instituição cumpre com os requisitos da


Portaria SAS/MS nº , de de 2013, para a habilitação solicitada.

( ) Sim ( ) Não

DATA:_____/__________/__________

CARIMBO E ASSINATURA DO GESTOR:

-----------------------------

Saúde Legis - Sistema de Legislação da Saúde

211
ANEXO VII

RESOLUÇÃO CFM nº 1.482/1997

Revogada pela Resolução CFM nº 1.652/2002

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas


pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo
Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e,

CONSIDERANDO a competência normativa conferida pelo artigo 2º da


Resolução CFM nº 1.246/88, combinado ao artigo 2º da Lei nº
3.268/57, que tratam, respectivamente, da expedição de resoluções
que complementem o Código de Ética Médica e do zelo pertinente à
fiscalização e disciplina do ato médico;

CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio


psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenotipo
e tendência à auto mutilação e ou autoextermínio;

CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico-


reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais
secundários não constitui crime de mutilação previsto no artigo 129 do
Código Penal, visto que tem o propósito terapêutico específico de
adequar a genitália ao sexo psíquico;

CONSIDERANDO a viabilidade técnica para as cirurgias de


neocolpovulvoplastia e ou neofaloplastia;

CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 199 da Constituição Federal,


parágrafo quarto, que trata da remoção de órgãos, tecidos e
substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento,
bem como o fato de que a transformação da genitália constitui a etapa
mais importante no tratamento de transexualismo;

CONSIDERANDO que o artigo 42 do Código de Ética Médica veda os


procedimentos médicos proibidos em lei, e não há lei que defina a
transformação terapêutica da genitália in anima nobili como crime;

CONSIDERANDO que o espírito de licitude ética pretendido visa


fomentar o aperfeiçoamento de novas técnicas, bem como estimular a
pesquisa cirúrgica de transformação da genitália e aprimorar os
critérios de seleção;

CONSIDERANDO o que dispõe a Resolução CNS nº 196/96;

212
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária de 10 de
setembro de 1997,

RESOLVE:

1. Autorizar, a título experimental, a realização de cirurgia de


transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e ou
procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais
secundários como tratamento dos casos de transexualismo;

2. A definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios


abaixo enumerados:

3. 1) desconforto com o sexo anatômico natural;

4. 2) desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características


primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

5.
3) permanência desse distúrbio de forma contínua e consistente por,
no mínimo, dois anos;

4) ausência de outros transtornos mentais.

A seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá à


avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico-psiquiatra,
cirurgião, psicólogo e assistente social, obedecendo aos critérios
abaixo definidos, após dois anos de acompanhamento conjunto:

1) diagnóstico médico de transexualismo;

2) maior de 21 (vinte e um) anos;

3) ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia;

4) As cirurgias só poderão ser praticadas em hospitais universitários ou


hospitais públicos adequados à pesquisa.

5) Consentimento livre e esclarecido, de acordo com a Resolução CNS


nº 196/96.

Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 10 de setembro de 1997.

WALDIR PAIVA MESQUITA


Presidente

213
ANEXO VIII

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM nº 1.652/2002


(Publicada no D.O.U. de 2 dez 2002, n. 232, Seção 1, p.80/81)
(Revogada pela Resolução CFM nº 1955/2010)

Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM


nº 1.482/97.
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas
pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo
Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO a competência normativa conferida pelo artigo 2º da


Resolução CFM nº 1.246/88, combinado ao artigo 2º da Lei nº
3.268/57, que tratam, respectivamente, da expedição de resoluções
que complementem o Código de Ética Médica e do zelo pertinente à
fiscalização e disciplina do ato médico;

CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio


psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo
e tendência à automutilação e ou autoextermínio;

CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico-


reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais
secundários não constitui crime de mutilação previsto no artigo 129 do
Código Penal, visto que tem o propósito terapêutico específico de
adequar a genitália ao sexo psíquico;

CONSIDERANDO a viabilidade técnica para as cirurgias de


neocolpovulvoplastia e ou neofaloplastia;

CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 199 da Constituição Federal,


parágrafo quarto, que trata da remoção de órgãos, tecidos e
substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento,
bem como o fato de que a transformação da genitália constitui a etapa
mais importante no tratamento de pacientes com transexualismo;

CONSIDERANDO que o artigo 42 do Código de Ética Médica veda os


procedimentos médicos proibidos em lei, e não há lei que defina a
transformação terapêutica da genitália in anima nobili como crime;

214
CONSIDERANDO que o espírito de licitude ética pretendido visa
fomentar o aperfeiçoamento de novas técnicas, bem como estimular a
pesquisa cirúrgica de transformação da genitália e aprimorar os
critérios de seleção;

CONSIDERANDO o que dispõe a Resolução CNS nº 196/96;

CONSIDERANDO o estágio atual dos procedimentos de seleção e


tratamento dos casos de transexualismo, com evolução decorrente dos
critérios estabelecidos na Resolução CFM nº 1.482/97 e do trabalho
das instituições ali previstas;

CONSIDERANDO o bom resultado cirúrgico, tanto do ponto de vista


estético como funcional, das neocolpovulvoplastias nos casos com
indicação precisa de transformação o fenótipo masculino para
feminino;

CONSIDERANDO as dificuldades técnicas ainda presentes para a


obtenção de bom resultado tanto no aspecto estético como funcional
das neofaloplastias, mesmo nos casos com boa indicação de
transformação do fenótipo feminino para masculino;

CONSIDERANDO que o diagnóstico, a indicação, as terapêuticas


prévias, as cirurgias e o prolongado acompanhamento pós-operatório
são atos médicos em sua essência;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária de 6 de


novembro de 2002,

RESOLVE:

Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo


neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre
gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos
de transexualismo.

Art. 2º Autorizar, ainda a título experimental, a realização de cirurgia do


tipo neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas
e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de
transexualismo.

Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos


critérios abaixo enumerados:
1. Desconforto com o sexo anatômico natural;
2. Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características
primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;
3. Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente
por, no mínimo, dois anos;
4. Ausência de outros transtornos mentais.

215
Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo
obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por
médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente
social, obedecendo os critérios abaixo definidos, após, no mínimo, dois
anos de acompanhamento conjunto:
1. Diagnóstico médico de transgenitalismo;
2. Maior de 21 (vinte e um) anos;
3. Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.

Art. 5º Que as cirurgias para adequação do fenótipo feminino para


masculino só poderão ser praticadas em hospitais universitários ou
hospitais públicos adequados para a pesquisa.

Art. 6º Que as cirurgias para adequação do fenótipo masculino para


feminino poderão ser praticadas em hospitais públicos ou privados,
independente da atividade de pesquisa.

Parágrafo 1º - O Corpo Clínico destes hospitais, registrado no


Conselho Regional de Medicina, deve ter em sua constituição os
profissionais previstos na equipe citada no artigo 4º, aos quais caberá
o diagnóstico e a indicação terapêutica.

Parágrafo 2º - As equipes devem ser previstas no regimento interno


dos hospitais, inclusive contando com chefe, obedecendo os critérios
regimentais para a ocupação do cargo.

Parágrafo 3º - A qualquer ocasião, a falta de um dos membros da


equipe ensejará a paralisação de permissão para a execução dos
tratamentos.

Parágrafo 4º - Os hospitais deverão ter Comissão Ética constituída e


funcionando dentro do previsto na legislação pertinente.

Art. 7º Deve ser praticado o consentimento livre e esclarecido.

Art. 8º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação,


revogando-se a Resolução CFM nº 1.482/97.

Brasília-DF, 6 de novembro de 2002.

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE


Presidente

216
ANEXO IX

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM nº 1.955/2010

(Publicada no D.O.U. de 3 de setembro de 2010, Seção I, p. 109-10)

Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo


e revoga a Resolução CFM nº 1.652/02.
(Publicada no Diário Oficial da União; Poder
Executivo, Brasília-DF, n. 232, 2 dez.2002.
Seção 1, p.80/81)e a cirurgia de
transgenitalismo e revoga a Resolução CFM
nº 1.652/02. (Publicada no Diário Oficial da
União; Poder Executivo, Brasília-DF, n. 232,
2 dez.2002. Seção 1, p.80/81).

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições


conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957,
regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO a competência normativa conferida pelo artigo 2º da


Resolução CFM nº 1.246/88, publicada no DOU de 26 de janeiro de
1988, combinado ao artigo 2º da Lei nº 3.268/57, que tratam,
respectivamente, da expedição de resoluções que complementem o
Código de Ética Médica e do zelo pertinente à fiscalização e disciplina
do ato médico; (onde se lê “Resolução CFM nº 1.246/88, publicada
no D.O.U. de 26 de janeiro de 1988”, leia-se “Resolução CFM nº
1.931/2009, publicada no D.O.U. de 24 de janeiro de 2009, Seção I,
p. 90.”)

CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio


psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo
e tendência à automutilação e/ou autoextermínio;

CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico-


reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais

217
secundários não constitui crime de mutilação previsto no artigo 129 do
Código Penal brasileiro, haja vista que tem o propósito terapêutico
específico de adequar a genitália ao sexo psíquico;

CONSIDERANDO a viabilidade técnica para as cirurgias de


neocolpovulvoplastia e/ou neofaloplastia;

CONSIDERANDO o que dispõe o parágrafo 4º do artigo 199 da


Constituição Federal, que trata da remoção de órgãos, tecidos e
substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento,
bem como o fato de que a transformação da genitália constitui a etapa
mais importante no tratamento de pacientes com transexualismo;

CONSIDERANDO que o artigo 14 do Código de Ética Médica veda os


procedimentos médicos proibidos em lei, e o fato de não haver lei que
defina a transformação terapêutica da genitália in anima nobili como
crime;

CONSIDERANDO que o espírito de licitude ética pretendido visa


fomentar o aperfeiçoamento de novas técnicas, bem como estimular a
pesquisa cirúrgica de transformação da genitália e aprimorar os
critérios de seleção;

CONSIDERANDO o que dispõe a Resolução CNS nº 196/96,


publicada no DOU de 16 de outubro de 1996;

CONSIDERANDO o estágio atual dos procedimentos de seleção e


tratamento dos casos de transexualismo, com evolução decorrente dos
critérios estabelecidos na Resolução CFM nº 1.652/02 e do trabalho
das instituições ali previstas;

CONSIDERANDO o bom resultado cirúrgico, tanto do ponto de vista


estético como funcional, das neocolpovulvoplastias nos casos com
indicação precisa de transformação do fenótipo masculino para
feminino;

CONSIDERANDO as dificuldades técnicas ainda presentes para a


obtenção de bom resultado tanto no aspecto estético como funcional
das neofaloplastias, mesmo nos casos com boa indicação de
transformação do fenótipo feminino para masculino;

CONSIDERANDO que o diagnóstico, a indicação, as terapêuticas


prévias, as cirurgias e o prolongado acompanhamento pós-operatório

218
são atos médicos em sua essência;

CONSIDERANDO o Parecer CFM nº 20/10, aprovado em 12 de agosto


de 2010;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária de 12 de


agosto de 2010,

RESOLVE:

Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo


neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre
gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos
de transexualismo.

Art. 2º Autorizar, ainda a título experimental, a realização de cirurgia do


tipo neofaloplastia.

Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos


critérios abaixo enumerados:

1) Desconforto com o sexo anatômico natural;

2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características


primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por,


no mínimo, dois anos;

4) Ausência de outros transtornos mentais.(Onde se lê “Ausência de


outros transtornos mentais”, leia-se “Ausência de transtornos mentais”)

Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo


obedecerá à avaliação de equipe multidisciplinar constituída por
médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente
social, obedecendo aos critérios a seguir definidos, após, no mínimo,
dois anos de acompanhamento conjunto:

1) Diagnóstico médico de transgenitalismo;

219
2) Maior de 21 (vinte e um) anos;

3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.

Art. 5º O tratamento do transgenitalismo deve ser realizado apenas em


estabelecimentos que contemplem integralmente os pré-requisitos
estabelecidos nesta resolução, bem como a equipe multidisciplinar
estabelecida no artigo 4º.

§ 1º O corpo clínico destes hospitais, devidamente registrado no


Conselho Regional de Medicina, deve ter em sua constituição os
profissionais previstos na equipe citada no artigo 4º, aos quais caberá
o diagnóstico e a indicação terapêutica.

§ 2º As equipes devem ser previstas no regimento interno dos


hospitais, inclusive contando com chefe, obedecendo aos critérios
regimentais para a ocupação do cargo.

§ 3º Em qualquer ocasião, a falta de um dos membros da equipe


ensejará a paralisação de permissão para a execução dos
tratamentos.

§ 4º Os hospitais deverão ter comissão ética constituída e funcionando


dentro do previsto na legislação pertinente.

Art. 6º Deve ser praticado o consentimento livre e esclarecido.

Art. 7º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação,


revogando-se a Resolução CFM nº 1.652/02.

Brasília-DF, 12 de agosto de 2010.

ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA

Presidente Secretário-geral

220
ANEXO X

RESOLUÇÃO CFESS N° 489/2006, de 03 de junho de 2006

Ementa: Estabelece normas vedando condutas


discriminatórias ou preconceituosas, por
orientação e expressão sexual por pessoas do
mesmo sexo, no exercício profissional do
assistente social, regulamentando princípio
inscrito no Código de Ética Profissional.

O Conselho Federal de Serviço Social, no uso de suas atribuições legais e


regimentais, que lhe são conferidas pela lei 8662/93;

Considerando a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” que prevê que


todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade humana, e a
“Declaração de Durban” adotada em setembro de 2001 que reafirma o
princípio da igualdade e da não discriminação;

Considerando a instituição, pelo CFESS, da Campanha Nacional pela


Liberdade de Orientação e Expressão Sexual;

Considerando a aprovação da Campanha pelo XXXIV Encontro Nacional


CFESS/CRESS;

Considerando que tal Campanha está em sintonia com os princípios e normas


do Código de Ética Profissional do Assistente Social, regulamentado pela
Resolução CFESS nº 273/93 de 13 de março de 1993;

Considerando a dimensão do projeto ético político do Serviço Social que


sinaliza para a importância de disseminar uma cultura crítica dos direitos
humanos, diferenciando-a da abordagem liberal – burguesa;

Considerando a materialização de diferentes modalidades de preconceito e


discriminação que se expressam nas relações sociais e profissionais, e,

221
consequentemente, na naturalização da invisibilidade das práticas afetivo-
sexuais entre pessoas do mesmo sexo;

Considerando a necessidade de contribuir para a reflexão e o debate ético


sobre o sentido da liberdade e a necessidade histórica que têm os indivíduos
de decidir sobre a sua afetividade e sexualidade;

Considerando ser premente a necessidade de regulamentar a vedação de


práticas e condutas discriminatórias ou preconceituosas, que se refiram a livre
orientação ou expressão sexual;

Considerando ser atribuição do CFESS, dentre outras orientar, disciplinar e


normatizar o exercício profissional do assistente social em todo território
Nacional, em conformidade com o inciso I do artigo 8º da Lei 8662/93;

Considerando ser dever do Conselho Federal de Serviço Social zelar pela


observância dos princípios e diretrizes do Código de Ética Profissional do
Serviço Social, baixando normas para melhor especificar as disposições do
Código de Ética do Assistente Social;

Considerando a aprovação da presente Resolução pelo Conselho Pleno do


CFESS, em reunião realizada em 03 de junho de 2006;

RESOLVE:

Art. 1º - O assistente social no exercício de sua atividade profissional deverá


abster-se de práticas e condutas que caracterizem o policiamento de
comportamentos, que sejam discriminatórias ou preconceituosas por questões,
dentre outras, de orientação sexual;

Art. 2º - O assistente social deverá contribuir, inclusive, no âmbito de seu


espaço de trabalho, para a reflexão ética sobre o sentido da liberdade e da
necessidade do respeito dos indivíduos decidirem sobre a sua sexualidade e
afetividade;

Art. 3º - O assistente social deverá contribuir para eliminar, no seu espaço de


trabalho, práticas discriminatórias e preconceituosas, toda vez que presenciar
um ato de tal natureza ou tiver conhecimento comprovado de violação do
princípio inscrito na Constituição Federal, no seu Código de Ética, quanto a
atos de discriminação por orientação sexual entre pessoas do mesmo sexo.

222
Art. 4º - É vedado ao assistente social a utilização de instrumentos e técnicas
para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas ou estereótipos de
discriminação em relação a livre orientação sexual;

Art. 5º- É dever do assistente social denunciar ao Conselho Regional de


Serviço Social, de sua área de ação, as pessoas jurídicas privadas ou públicas
ou pessoas físicas, sejam assistentes sociais ou não, que sejam coniventes ou
praticarem atos, ou que manifestarem qualquer conduta relativa a preconceito
e discriminação por orientação sexual entre pessoas do mesmo sexo.

Art. 6º- Os Conselhos Regionais de Serviço Social deverão receber as


denuncias contra pessoas jurídicas ou contra indivíduos que não sejam
assistentes sociais, relativas a atos e práticas de discriminação ou preconceito
a orientação sexual de pessoas do mesmo sexo, determinando,
imediatamente, os encaminhamentos cabíveis às autoridades competentes e
oferecendo representação, quando cabível, ao Ministério Público.

Art. 7º- Os Conselhos Regionais de Serviço Social deverão aplicar as


penalidades previstas pelos artigos 23 e 24 do Código de Ética Profissional, ao
assistente social, que descumprir as normas previstas na presente Resolução,
desde que comprovada a prática de atos discriminatórios ou preconceituosos
que atentem contra a livre orientação e expressão sexual, após o devido
processo legal e apuração pelos meios competentes, garantindo-se o direito a
defesa e ao contraditório.

Art. 8º- A presente Resolução entra em vigor na data de sua publicação no


Diário Oficial da União, e complementando as disposições do Código de Ética
Profissional do Assistente Social, regulamentado pela Resolução CFESS nº
273 de 13 de março de 1993.

Brasília, 03 junho de 2006.

Elisabete Borgianni

Presidente do CFESS

223
ANEXO XI

RESOLUÇÃO CFESS N° 615, de 8 de setembro de 2011.

EMENTA: Dispõe sobre a inclusão e uso do nome


social da assistente social travesti e do(a) assistente
social transexual nos documentos de identidade
profissional.

O Conselho Federal de Serviço Social no uso de suas atribuições legais e


regimentais, que lhe são conferidas pela lei 8662/1993;

Considerando o disposto no art. 5°, caput da Constituição da República


Federativa do Brasil, que dispõe que todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, onde assegura os direitos fundamentais à
igualdade, à liberdade, ao respeito e à dignidade da pessoa humana;

Considerando que é objetivo do CFESS a construção de uma sociedade


radicalmente justa e democrática sem preconceitos de origem, raça, etnia,
sexo, orientação sexual, identidade de gênero, cor, idade ou quaisquer outras
formas de discriminação, em consonância com o Código de Ética do(a)
Assistente Social;

Considerando que os direitos à livre orientação sexual e à livre identidade de


gênero constituem direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais (LGBT), e que a sua proteção requer ações efetivas das entidades
do Serviço Social no sentido de assegurar o pleno exercício da cidadania da
população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais);

Considerando que toda pessoa tem direito ao tratamento correspondente a


sua identidade de gênero;

Considerando que se define identidade de gênero como a “experiência interna


e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo
atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode
envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por

224
meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive
vestimenta, modo de falar e maneirismos” (Princípios de Yogyakarta, 2006).

Considerando que a presente Resolução traduz os pressupostos do Projeto


Ético e Político do Serviço Social que contem a projeção de uma outra
sociabilidade – “aquela em que se propicie aos trabalhadores um pleno
desenvolvimento para a invenção e vivência de novos valores, o que,
evidentemente, supõe a erradicação de todos os processos de exploração,
opressão e alienação.” (CFESS, Código de Ética do(a) Assistente Social,
2011);

Considerando que a presente norma está em conformidade com os princípios


do Direito Administrativo e em conformidade com o interesse público;

Considerando a aprovação da presente Resolução pelo Conselho Pleno do


CFESS, em reunião realizada em 21 de agosto de 2011;

RESOLVE:

Art. 1º. Fica assegurado às pessoas travestis e transexuais, nos termos desta
resolução, o direito à escolha de tratamento nominal a ser inserido na Cédula e
na Carteira de Identidade Profissional, bem como nos atos e procedimentos
promovidos no âmbito do CFESS e dos CRESS;

Parágrafo 1º. As Carteiras e Cédulas de Identidade profissional, a partir da


nova expedição pelo CFESS, serão confeccionadas contendo um campo
adequado para inserção do nome social do(a) assistente social, que assim
requererem.

Parágrafo 2º. Até serem expedidos os novos documentos profissionais o nome


social será inserido somente na Carteira de Identidade Profissional no campo
“Nome”, sendo o nome civil grafado na linha seguinte.

Art. 2º. A pessoa interessada solicitará, por escrito e indicará, no momento da


sua inscrição no Conselho Regional de Serviço Social – CRESS, o prenome
que corresponda à forma pela qual se reconheça, é identificada, reconhecida e
denominada por sua comunidade e em sua inserção social;

Parágrafo único – Os(As) Conselheiros(as), funcionários(as), assessores(as)


dos CRESS e do CFESS deverão tratar a pessoa pelo prenome indicado, que
constará dos atos escritos, de competência dos mesmos.

225
Art. 3º. Fica permitida a utilização do nome social nas assinaturas decorrentes
do trabalho desenvolvido pelo(a) assistente social, juntamente com o número
do registro profissional.

Parágrafo único – Para efeito de tratamento profissional do(a) assistente


social, a exemplo de crachás, dentre outros, deverá ser utilizado somente o
nome social e o número de registro.

Art. 4º. O CFESS e os CRESS deverão se incumbir de dar plena e total


publicidade a presente norma, por todos os meios disponíveis, de forma que
ela seja conhecida pelos/pelas assistentes sociais bem como pelas
instituições, órgãos ou entidades que prestam serviços sociais;

Art. 5º. Os (As) profissionais que se encontrem na situação mencionada nesta


Resolução, poderão solicitar a substituição de seus documentos profissionais a
contar da data de sua publicação, para processarem as modificações e
adequações que se fizerem necessárias;

Art. 6º. Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Pleno do CFESS.

Art. 7º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Samya Rodrigues Ramos


Presidente do CFESS

226

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