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Rio de Janeiro
2015
Janaina Albuquerque de Camargo Schmidt
Rio de Janeiro
2015
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A
CDU 36(815.32)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, desde que citada a
fonte.
_________________________________ ___________________________
Assinatura Data
Janaina Albuquerque de Camargo Schmidt
__________________________________________
Prof.ª Dra. Alba Tereza B. Castro (Orientadora)
Faculdade de Serviço Social - UERJ
__________________________________________
Prof.ª Dra. Elaine Rossetti Behring
Faculdade de Serviço Social - UERJ
__________________________________________
Prof.ª Dra. Monica Torres de Alencar
Faculdade de Serviço Social – UERJ
__________________________________________
Prof.ª Dra. Monica de Castro Maia Senna
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________
Prof.ª Dra. Alejandra Pastorini Corteto
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2015
DEDICATÓRIA
A Alexandre e Miguel,
amores da minha vida.
AGRADECIMENTOS
(KOSIK, 1976:133)
RESUMO
This work is part of the field of Social Assistance Policy. Its object of study the design
of social assistance policy that supports the implementation process of the SUAS management
in Niterói and the theoretical and conceptual foundations of the SUAS governance at this
location, focusing the implementation of basic protective services in CRAS. The aim of this
dissertation is to analyze the design of social assistance that guides the SUAS management in
Niterói and articulate with such a discussion, analyze the conceptual foundations that guide
the public management of SUAS, with regard to basic social protection activities in CRAS .
Was used as instruments to perform this study the literature, and the theoretical discussion
addressed, first, the different orientations of public management in Brazil, linking it with the
state intervention in the development of Brazilian capitalism. He also presented the debate on
the design of Social Assistance Policy, realizing that it reflects in the conduct of public
management of SUAS. It has been shown trends of Social Assistance in contemporary times,
that link the fight against poverty (extreme) through its intervention in the income transfer
programs / actions. Highlighted the influence of managerial management in SUAS
management processes, and such management constitutes a composite, with elements of
democratic management and managerial management. For the analysis of Niterói SUAS
management, a qualitative study was conducted through desk research in the Proceedings of
the Municipal Council of Social Assistance - CMAS Niterói; on the management reports of
the Municipal Social Assistance; the documents on co-financing for the SUAS in the
municipality; the Census SUAS 2014 Niterói, in the area of management and CRAS; in Brazil
Without Poverty Plan in your municipality-Niterói; the Municipal Plan for Social Assistance
2014-2017. Also applied questionnaires with open and closed questions in 8 Niterói CRAS in
2013. It was the relevance that takes in the city, the actions of the Family Grant Program, of
registration, room visits, family support, to the detriment of the constitution of collective
actions of social assistance services. These characteristics are linked to the most historical
totality of trends in social assistance and intervention of the Brazilian state, which favors
targeted social policies and not universal front of his work on behalf of finance capital. It was
found the appropriation of elements of management by the municipal manager department,
the SUAS implementation process in the city, especially with regard to compliance of results
and goals by CRAS and the underestimation of the political determinants of public
management, hindering the formation of a more democratic management perspective within
the SUAS in Niteroi.
Quadro 15. Síntese do panorama atual da gestão do SUAS: a PSB nos CRAS ............... 250
Quadro 16. Identificação dos CRAS – Parte I ................................................................255
Quadro 17 Identificação dos CRAS – Parte II ...............................................................256
Quadro 18. Territórios de abrangência dos CRAS..............................................................257
Quadro 19. Infraestrutura física dos CRAS - equipamentos básicos - Parte I.................... 259
Quadro 20. Infraestrutura física dos CRAS - equipamentos básicos – Parte II.................. 260
Quadro 21. Infraestrutura física dos CRAS - espaço físico – Parte I...................................262
Quadro 22. Infraestrutura física dos CRAS - espaço físico – Parte II.................................263
Quadro 23. Infraestrutura física dos CRAS - espaço físico – Parte III................................264
Quadro 24. Estrutura de recursos humanos dos CRAS – Parte I.........................................266
Quadro 25. Estrutura de recursos humanos dos CRAS – Parte II.......................................267
Quadro 26. PAIF nos CRAS de Niterói...............................................................................268
Quadro 27. SCFV nos CRAS de Niterói............................................................................270
Quadro 28. Serviço de PSB no domicílio para pessoas com deficiência e idosas nos CRAS
de Niterói............................................................................................................................272
Quadro 29. Outras atividades dos CRAS de Niterói.........................................................273
Quadro 30. Orientações aos CRAS....................................................................................274
Quadro 31. Orientações e padronização de ações dos CRAS............................................275
Quadro 32. Planejamento das ações dos CRAS.................................................................276
Quadro 33. Cobrança aos técnicos dos CRAS...................................................................277
Quadro 34. Rotina de registro de atividades realizadas nos CRAS...................................278
Quadro 35. Realização de relatórios pela equipe técnica dos CRAS.................................279
Quadro 36. Articulação entre os CRAS e com a PSE........................................................280
Quadro 37. Articulação externa dos CRAS.......................................................................281
Quadro 38. Territorialização dos CRAS............................................................................282
Quadro 39. CRAS e população usuária..............................................................................283
Quadro 40. Informação, monitoramento e avaliação nos CRAS.......................................284
Quadro 41. Dados censo SUAS 2014 – CRAS Parte I.....................................................292
Quadro 42. Dados censo SUAS 2014 – CRAS Parte II...................................................294
Quadro 43. Dados censo SUAS 2014 – CRAS Parte III.................................................300
Quadro 44. Dados censo SUAS 2014 – CRAS Parte IV.................................................301
Quadro 45. Diretrizes e prioridades da gestão do SUAS e da PSB o plano municipal de
Assistência Social (2014-2017)....................................................................................... 310
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 18
1 O PROCESSO DE GESTÃO PÚBLICA NO BRASIL SOB UMA
PERSPECTIVA HISTÓRICA E CRÍTICA ................................................. 32
1.1 Notas de introdução ao tema......................................................................... 32
1.2 A gestão pública no Brasil nos anos 1930 a 1964: reorganização da
burocracia estatal nos marcos do desenvolvimento capitalista brasileiro .... 37
1.2.1 Bases conceituais da formação e do desenvolvimento do capitalismo no Brasil . 37
1.2.2 O Estado Novo da Era Vargas: a reorganização da burocracia estatal em prol
do desenvolvimento capitalista ........................................................................ 42
1.2.3 A gestão pública brasileira nos anos 1945 a 1964: a falta de mudanças
substantivas .................................................................................................... 49
1.3 Ditadura civil-militar e a tecnocracia estatal: gênese da perspectiva
gerencial na gestão pública brasileira ........................................................... 52
1.4 A redemocratização e os primeiros anos da Nova República: a incidência
nos processos de gestão pública .................................................................... 59
1.5 Discussão contemporânea do reordenamento dos processos de gestão
pública no Brasil frente ao contexto neoliberal: a perspectiva gerencial ..... 64
1.5.1 Governo FHC e a gestão pública gerencial ....................................................... 65
1.5.1.1 O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRE): em direção à
gestão pública gerencial .................................................................................. 65
1.5.1.2 A gestão pública gerencial: elementos para o debate ........................................ 75
1.5.1.3 Destaques do período FHC: a concretização do ideário neoliberal .................... 81
1.5.2 Os Governos Lula e o ideário neoliberal: a contradição da continuidade com
particularidades............................................................................................... 90
2 A CONCEPÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A
INTERFACE COM OS PROCESSOS DE GESTÃO PÚBLICA DO
SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: ELEMENTOS PARA A
REFLEXÃO.................................................................................................. 98
2.1 A concepção da Política de Assistência Social no Serviço Social Brasileiro . 99
2.2 A concepção da Política de Assistência Social na PNAS/2004 e a
reorganização da Assistência Social no Brasil: as bases conceituais do
SUAS e da PSB.............................................................................................. 119
2.2.1 A PNAS/2004 e a concepção de Assistência Social .......................................... 119
2.2.2 As mudanças de fundo conceitual na legislação da Política de Assistência
Social e a configuração geral da PSB no SUAS................................................ 134
2.2.2.1 As transformações no texto da LOAS/1993 com a Lei do SUAS/2011 .............. 134
2.2.2.2 As atividades da Política de Assistência Social: as ações de proteção Social
básica realizadas nos CRAS .......................................................................... 140
2.3 A Política de Assistência Social na contemporaneidade: a vinculação com
os programas de transferência de renda e o foco na pobreza extrema ......... 165
2.4 Reflexões sobre a gestão pública do SUAS e sua configuração no território
brasileiro ..................................................................................................................... 178
2.4.1 A organização dos processos de gestão pública do SUAS ................................. 179
2.4.2 Panorama geral de implementação da gestão do SUAS nos municípios brasileiros . 197
3 A GESTÃO PÚBLICA DO SUAS NO MUNICÍPIO DE NITERÓI E A
INTERFACE COM A PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: A
APROPRIAÇÃO DE ELEMENTOS DA GESTÃO GERENCIAL EM
QUESTÃO .................................................................................................... 210
3.1 As contradições do município de Niterói e as prioridades elencadas à
Política de Assistência Social ........................................................................ 212
3.2 O processo histórico de construção da gestão do SUAS no município de
Niterói ........................................................................................................... 219
3.2.1 O processo histórico de construção da gestão do SUAS revelado nas Atas do
CMAS/Niterói ................................................................................................ 221
3.2.1.1 O marco histórico de construção do SUAS no município.................................. 221
3.2.1.2 A relação Estado (via SMAS) e sociedade civil (entidades da Assistência
Social) no âmbito de atuação do SUAS ............................................................ 222
3.2.1.3 Organização e estruturação da PSB nos CRAS................................................. 227
3.2.2 A construção da gestão do SUAS apresentada nos Relatórios de Gestão da
SMAS/Niterói ................................................................................................. 229
3.2.2.1 Organização e estruturação da PSB nos CRAS................................................. 229
3.2.2.2 Concepção de Política de Assistência Social e perspectiva de gestão pública .... 238
3.2.3 A construção do SUAS no município revelada nos cofinanciamentos dos entes
federados ........................................................................................................ 241
3.3 A configuração atual da gestão do SUAS em Niterói: elementos para
reflexão.......................................................................................................... 249
3.3.1 O cofinanciamento federal ao SUAS em Niterói e o repasse de recursos ao PBF 251
3.3.2 A gestão do SUAS e os CRAS de Niterói ........................................................ 253
3.3.3 Dados complementares da gestão do SUAS e dos CRAS em Niterói ................ 286
3.3.4 As perspectivas de gestão do SUAS e da PSB (CRAS) em Niterói: o Plano
Municipal de Assistência Social de 2014 a 2017 .............................................. 309
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................... .................... 316
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 325
APÊNDICE A - Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido utilizado na
pesquisa de campo nos CRAS de Niterói/RJ ................................................... 345
APÊNDICE B - Modelo do Roteiro de Questionário aplicado nos CRAS de Niterói/RJ 348
ANEXO A - Cópia da Ata nº 27/11 do CMAS/Niterói – Reunião Ordinária de
05/10/2011 .................................................................................................... 357
ANEXO B - Cópia da Ata nº 30/11 do CMAS/Niterói - Reunião Ordinária de
09/11/2011 .................................................................................................... 360
ANEXO C - Cópia da Declaração de Autorização da SASDH de Niterói para realização
da pesquisa de campo nos CRAS de Niterói .................................................... 364
ANEXO D - Cópia do parecer da Comissão de Ética em Pesquisa-UERJ...................... 365
18
INTRODUÇÃO
1
As reuniões ordinárias de que participamos como ouvinte foram as de junho, julho, outubro de 2010.
2
O parágrafo refere-se especificamente a participação como ouvinte ocorrida em junho/2010 e julho/2010.
3
Pesquisa das Atas n.º 01, 02, 03, 04 do ano de 2010.
4
Ata n.º 02/2010, do CMAS/Niterói.
21
7
Interessante notar que entendemos no PDRE (BRASIL, 1995, p.11) a expressão da “resposta” “neoliberal”
como “inadequada” a tal “crise do Estado”, mas a chamada “reforma” não poderia ter mecanismos mais
neoliberais. Sobre este assunto verificar principalmente os três primeiros pontos destacados na página 11: “(1) o
ajustamento fiscal duradouro; (2) reformas econômicas orientadas para o mercado, que, acompanhadas de uma
política industrial e tecnológica, garantam a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da
competição internacional; (3) a reforma da previdência social (...)”.
8
Quando utilizarmos a expressão “contrarreforma” ou “contrarreformista” estaremos nos baseando em Behring
(2008), ao nos referir ao projeto de reorganização do Estado brasileiro na década de 1990 sob a influência do
ideário neoliberal.
9
Compreendemos que o ambiente contrarreformista presente no Governo FHC não foi ultrapassado nas duas
gestões do Governo Lula, conforme revelam estudos de Gonçalves (2012), bem como de Boschetti (2010), que
demonstram como o Estado brasileiro se posicionou em favor da continuidade da reprodução do capital no
contexto da crise contemporânea do capitalismo.
23
trabalhadora, alvo de suas ações. Concretiza muito mais uma gestão pública pela via
“gerencial” do que marcada pelo adjetivo “democrática”, que busca a participação efetiva dos
usuários no controle democrático 10 desta política pública e das mudanças efetivas em sua
trajetória.
Além das referências acerca da gestão gerencial, é relevante mencionar algumas
tendências da política de assistência social na contemporaneidade. Conforme Mota (2010,
p.144), tem-se a articulação entre assistência e trabalho, na medida em que a primeira, no
momento atual de “agravamento das condições de vida e trabalho da população brasileira”,
apresenta-se como “mecanismo integrador”, ao contrário do trabalho; colocando-se na
“condição de uma política estruturadora e não como mediadora de acesso a outras políticas e a
outros direitos, como é o caso do trabalho” (MOTA, 2010, p.138). Este cenário conforma
sérias refrações nos processos de luta e organização da classe trabalhadora, pois, temos “o
apagamento da referência do trabalho em prol da renda como meio de acesso ao consumo”.
Neste contexto, ressaltam-se os “programas de transferência de renda” (MOTA, 2010,
p.144,145).
Associada a tais questões, assiste-se a vinculação da Assistência Social à estratégia
governamental de combate à pobreza, o que pode ser confirmado pela relevância atribuída à
Política de Assistência Social no atual Plano do Governo Federal Brasil sem Miséria, que
apresenta estratégias de enfrentamento à pobreza extrema no Brasil (CASTRO; SCHMIDT,
2012).
Diante dos aspectos salientados, temos como hipótese de pesquisa que as prerrogativas
da gestão gerencial oriundas com mais intensidade do processo de contrarreforma do Estado,
implementado no Brasil a partir da década de 1990, com as diretrizes do neoliberalismo,
influenciam os processos de gestão pública do SUAS, sobrepondo-se a uma perspectiva mais
democrática de gestão.
10
Defendemos a perspectiva do controle democrático salientada pela Constituição Federal de 1988, quanto ao
direcionamento à gestão das políticas públicas, voltado aos processos de descentralização político-
administrativa, participação da sociedade e fortalecimento da atuação estatal. Deste modo, Neves (2008, p.1)
afirma que: “A partir da Constituição de 1988, certos princípios básicos e correlacionados foram implementados
por meio da descentralização político-administrativo associada à municipalização, à universalização do
atendimento e à participação da população na implementação de Políticas Públicas. Essas três diretrizes
revelariam a possibilidade de se construir uma esfera pública democrática e uma cultura participativa nos
municípios brasileiros”.
24
É importante ressaltar que a realidade social não é harmônica, mas permeada pelas
“contradições da vida material” (MARX, 2008, p.48), sendo necessário desvelar os
fenômenos sociais. Articular o objeto a ser estudado a tais contradições permite verificar que
ele não é algo dado e acabado de forma harmônica e simplista, mas que está em contínua
construção e inserido nestas contradições da realidade social. É por isso que, para se
aproximar da realidade concreta, é preciso entender que “o concreto é concreto porque é a
síntese de muitas determinações 11, isto é, unidade do diverso” (MARX, 2008, p.258), sendo
preciso compreender a realidade a partir da totalidade dos fenômenos sociais.
Netto (2009, p. 690) contribui com esta linha de raciocínio ao mencionar que, nas
reflexões de Marx, tem-se a compreensão da “sociedade burguesa” como “uma totalidade
concreta inclusiva e macroscópica, de máxima complexidade, constituída por totalidades de
menos complexidade”. É por isso que lemos em Marx (2008, p.261): “As leis do pensamento
abstrato que se eleva do mais simples ao complexo correspondem ao processo histórico real.”
Não menos importante é a atenção à categoria da mediação, uma vez que “sem os
sistemas de mediações (internas externas) que articulam tais totalidades, a totalidade concreta
que é a sociedade burguesa seria uma totalidade indiferenciada – e a indiferenciação
cancelaria o caráter do concreto, já determinado como „unidade do diverso‟” (NETTO, 2009,
p.691). Sendo assim, compreender as mediações que estão relacionadas às totalidades é
relevante para o entendimento da realidade social.
Acrescente-se que este trabalho se concentra em analisar a gestão pública do SUAS
em Niterói, a partir da compreensão do referencial teórico, conceitual e dos parâmetros de
intervenção que pautam esta gestão e as formas da sua materialização nos CRAS, por
intermédio da prestação das atividades de proteção social básica nestes espaços.
Com isso, a partir das considerações teóricas apresentadas, articuladas ao objeto desta
pesquisa, apreender o processo de gestão pública do SUAS em Niterói envolveu desvelar a
própria constituição do SUAS nesta realidade, seu desenvolvimento e mediações históricos, e
relacionar tais elementos a uma totalidade histórica maior de intervenção do Estado no
capitalismo contemporâneo; além de contemplar nesta análise as relações contraditórias entre
Estado (via Secretaria Municipal de Assistência Social) e sociedade civil (via entidades de
11
Conforme Netto (2009, p.685): “Determinações são traços pertinentes aos elementos constitutivos da
realidade”.
27
12
É relevante informar que os Roteiros destas Entrevistas e os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido
não foram analisados pela Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) da UERJ, uma vez que tais entrevistas, devido
ao seu caráter de estudo exploratório e preliminar, foram realizadas em 2011 (uma entrevista) e em 2012 (duas
entrevistas) e este Projeto foi submetido ao referido CEP no ano de 2013, tendo sua aprovação datada em Junho
de 2013, conforme consta cópia do documento em anexo. Deste modo, optamos por não utilizar o conteúdo de
tais entrevistas no corpo do trabalho, sendo que também não inserimos os modelos utilizados na Parte de
Apêndices do Trabalho.
28
autorização 13. Ainda na busca de obtenção de dados, fomos à Biblioteca da Previdência Social
– devido à assistência social ter se constituído em um Ministério em conjunto com a
Previdência na sua história, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) –, onde
encontramos documentos importantes relacionados à trajetória da assistência no Brasil, como
materiais das primeiras Conferências Nacionais de Assistência Social, alguns Relatórios de
Gestão da década de 1990, entre outros.
Também no ano de 2011 participamos como palestrante da VIII Conferência Estadual
da Assistência Social do Estado do Rio de Janeiro (ocorrida em outubro), na qual foi possível
a aproximação com questões importantes da política de assistência social no nosso Estado e
participamos, também neste ano, como pesquisadora, da VIII Conferência Nacional de
Assistência Social14 (ocorrida em dezembro), o que possibilitou a obtenção de informações
para um panorama mais macro acerca do processo de implementação do SUAS no Brasil.
Com o objetivo de conhecer a dinâmica de funcionamento da Comissão Intergestores
Bipartite (CIB)15 no Estado do Rio de Janeiro, participamos como ouvinte de duas reuniões,
realizadas, respectivamente, em fevereiro e maio de 2012.
Ao dar prosseguimento à aproximação com as questões referentes ao objeto deste
estudo, o que foi iniciado em 2010, continuamos a participar como ouvinte em algumas
reuniões ordinárias do CMAS/Niterói. Cabe sinalizar, que, apesar de compreendermos que as
Atas dos Conselhos de Políticas Públicas são de domínio público, solicitamos autorização do
CMAS/Niterói para realização desta pesquisa documental, obtida na reunião ordinária de
05/10/2011; também participamos da reunião ordinária do CMAS/Niterói em 09/11/2011 para
apresentação da proposta do nosso estudo, comprometendo-nos a compartilhar a pesquisa
desenvolvida com a Tese. As cópias das atas destas reuniões encontram-se nos Anexos A e B.
No ano de 2012, participamos das reuniões nos meses de fevereiro, março, maio, junho,
agosto e setembro.
13
Após contato pessoal com técnica da SNAS para autorização da pesquisa, foi solicitado por esta o envio de um
e-mail, explicando a proposta da pesquisa, o que foi feito em agosto de 2011. A mesma retornou o contato deste
e-mail por telefone no mesmo mês, informando que os dados sobre a Assistência Social a partir da constituição
do MDS em diante encontram-se no site deste. No entanto, quando questionada sobre dados anteriores ao MDS,
disse que precisaria verificar. Em tempo, não obtive mais informações acerca da existência ou não de tais dados.
14
As Conferências de Assistência Social deste ano tiveram como tema “Consolidar o SUAS e valorizar seus
trabalhadores”.
15
Comentamos sobre as CIB no Capítulo 2.
29
realizadas no decorrer do exercício, que devem ser aprovados pelo CMAS através de reunião.
Foram documentos relevantes em nossa análise para aprofundarmos a compreensão da
organização da PSB nos CRAS, a concepção de Política de Assistência Social apresentada e a
perspectiva de gestão pública apropriada pela gestão municipal. São documentos que têm
muitos detalhes e informações, porque abarcam todas as atividades desenvolvidas pela
Secretaria ao longo do ano.
Além disso, utilizamos documentos sobre o cofinanciamento destinado ao SUAS e
sobre a destinação de recursos ao Programa Bolsa Família no município (anos de 2005 a
2012), a fim de verificarmos a participação dos entes federados no cofinanciamento do SUAS,
as ações contempladas no cofinanciamento federal, e comparar este cofinanciamento
destinado ao SUAS com os recursos repassados ao PBF.
Para a análise da configuração atual da gestão do SUAS em Niterói, realizamos
pesquisa de campo nos 8 CRAS que existiam em Niterói no ano de 2013, com a aplicação de
1 questionário (Apêndice B – modelo do questionário) com questões fechadas e abertas nos
CRAS, sendo que os próprios técnicos da equipe dos CRAS preencheram o questionário
(somente em um equipamento a equipe do CRAS solicitou que a pesquisadora preenchesse as
respostas abertas). Esta pesquisa foi autorizada pela Secretaria de Assistência Social e
Direitos Humanos de Niterói (autorização consta do Anexo C) e todos os técnicos
participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A –
modelo do Termo). Também efetuamos pesquisa documental nas seguintes referências:
registros sobre o cofinanciamento federal destinado à execução do SUAS em Niterói para os
anos de 2013 e 2014, com destaque ao campo da proteção social básica e da gestão do SUAS,
comparando tais dados ao repasse de recursos ao Programa Bolsa Família, no município,
neste período; Relatório de Gestão do exercício de 2013 e de 2014; Censo SUAS 16 2014
relativo aos CRAS e à gestão municipal, que consideramos possuir dados relevantes sobre os
equipamentos e a gestão no contexto de implementação do SUAS; indicadores de Niterói
sobre a implementação do Plano Brasil Sem Miséria, obtidos no documento Plano Brasil Sem
16
“o Censo SUAS é uma ferramenta de levantamento de dados coletados por meio de um formulário eletrônico
preenchido pelos Órgãos Gestores (Secretarias) e Conselhos de Assistência Social, municipais e estaduais e tem
por objetivo propiciar ao SUAS a possibilidade de observar a execução das ações e apontar para os
aperfeiçoamentos necessários com base em avaliações e pactuações realizadas entre os três entes da federação.”
(Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/vigilancia-socioassistencial%20/censo-suas. Acesso
em 03/04/2015).
31
econômica dominante e sua função coercitiva, com particularidades próprias, de acordo com o
movimento histórico do desenvolvimento capitalista e das realidades dos diferentes países
neste processo.
Foi no contexto do capitalismo, com um processo maior de “socialização da
participação política” (COUTINHO, 2007, p.124), que se teve a continuidade das elaborações
teóricas acerca do Estado sob a perspectiva crítica, destacando-se Gramsci e sua tese sobre o
“Estado ampliado”. Sem perder de vista a concepção trabalhada por Marx e Engels
(COUTINHO, 2007, p.126), na concepção gramsciana o Estado, no capitalismo, no momento
histórico vivenciado pelo autor, admite “duas esferas principais”, a saber, “sociedade
política”17 (denominada de „Estado em sentido estrito‟, „Estado-coerção‟), através da qual
identificamos o poder coercitivo do Estado; e “sociedade civil” 18, à qual se atribui a função da
“elaboração e/ou difusão das ideologias” (COUTINHO, 2007, p.127) e quem por base das
relações não a “coerção”, mas a busca da “direção política fundada no consenso”
(COUTINHO, 2008, p.195).
Conforme Mandel (1985), o Estado se constitui em um mecanismo central na garantia
dos elementos fundamentais à acumulação capitalista. Mandel (1985, p.333-334) salienta que,
além do poder coercitivo do Estado, com seus órgãos repressivos, e de seu papel integrador,
identifica-se, na fase madura do capitalismo, sua relevante atribuição em propiciar “as condi-
ções gerais de produção” capitalista, sendo considerado “um instrumento da acumulação pro-
gressiva do capital e o parteiro do modo de produção capitalista” (MANDEL, 1985, p.335),
sendo essencial sua atuação nos períodos de crise do próprio sistema (MANDEL, 1985,
p.340-341).
É necessário compreender as crises do capitalismo como estruturais, inerentes à
dinâmica da acumulação capitalista. Segundo Mandel (1985, p.75), a “acumulação de capital
no decorrer do ciclo econômico” envolve processos de crescimento e decréscimo, sendo o
primeiro marcado pela ampliação “na massa quanto na taxa de lucros, [bem como] no volume
17
A sociedade política “é formada pelo conjunto dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o
monopólio legal da repressão e da violência e que se identifica com os aparelhos de coerção sob controle das
burocracias executiva e policial-militar” (COUTINHO, 2007, p.127).
18
Esta esfera se constitui do “sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações
profissionais, a organização material da cultura” (IDEM). Seus “portadores materiais” denominam-se „aparelhos
privados de hegemonia‟, conforme Gramsci, e envolvem “organismos sociais coletivos voluntários e
relativamente autônomos em face da sociedade política” (Ibidem, p.129).
35
quanto no ritmo de acumulação”; por outro lado, nos momentos de “crise” e após momentos
de “depressão” ocorre a diminuição da “massa e taxa de lucros” e do “volume” e “ritmo da
acumulação de capital”. É por isso que Mandel afirma: “O ciclo econômico consiste, assim,
na aceleração e desaceleração sucessivas da acumulação” (grifo do autor).
A queda tendencial da taxa de lucros, como Marx (2012, p.395) salienta, é própria do
“modo capitalista de produção”, o qual busca “desenvolver de maneira absoluta as forças
produtivas [e] manter o valor-capital existente e expandi-lo ao máximo”, utilizando, para isto,
“decréscimo da taxa de lucro, depreciação do capital existente e desenvolvimento das forças
produtivas do trabalho à custa das forças produtivas já criadas” (MARX, 2012, p.397). Para
Marx (2012, p.397), a prática da “depreciação periódica do capital existente” é tida como
“meio imanente ao modo capitalista de produção” para interromper a “queda da taxa de lucro
e de acelerar acumulação do valor-capital pela formação de capital novo”. Este processo abala
“as condições dadas em que se efetua o processo de circulação e reprodução do capital”,
ocorrendo interrupções e “crises do processo de produção”.
Além disso, Mandel (1985, p.340) salienta que, no “capitalismo tardio”, as formas de
“valorização do capital (supercapitalização, superacumulação)” não são aspectos de fácil
realização, e que a possibilidade contínua das “explosivas crises econômicas e políticas”
acabam por trazer risco ao “modo de produção capitalista”. Com isso, a atuação do Estado na
„administração das crises‟ do capitalismo, conforme aponta Mandel (1985, p.340-341),
envolve, no aspecto econômico, “políticas governamentais anticíclicas”, que visam a impedir
o regresso das “quedas bruscas e catastróficas”; no âmbito social, envolve a “manipulação
ideológica”, com diversificadas estratégias estatais, para que a força de trabalho esteja em
harmonia com a lógica do capitalismo. Os instrumentos utilizados para o efetivo „controle‟ do
aparato estatal “no capitalismo tardio” compreendem “dominação financeira e econômica
direta da máquina estatal”, fazendo, dessa forma, com que o Estado promova os interesses de
acumulação do capital (MANDEL, 1985, p.345).
Ao romper a continuidade dos “processos de rotação do capital 19”, há o impedimento
de se efetivar a “reprodução ampliada da acumulação”, o que conduz às contínuas situações
de “crise” do capitalismo (BEHRING, 2012, p.154). Nestes momentos de crise, conforme
19
“A rotação do capital é esse percurso realizado que envolve sua metamorfose em várias formas de existência,
tem como objetivo a valorização e acumulação de capital, e articula produção e reprodução social” (BEHRING,
2012, p.160).
36
20
Para um aprofundamento teórico do conceito de fundo público verificar os estudos de Behring (2009; 2010a;
2012).
21
O ciclo D – M – D‟ (profundamente dissecado criticamente por Marx em O Capital) refere-se ao “ciclo de
produção e realização do valor, e que é necessariamente mediado pela produção de mercadorias.” (BEHRING,
2010a, p.15-16).
37
anos 1995 aos dias atuais, com a abertura política ao ideário neoliberal no Brasil e sua
continuação (com particularidades) nos anos 2000, período do qual a reforma regressiva de
reordenamento do Estado e o ideal gerencial nos processos de gestão pública são os elementos
fundantes da análise nesta Tese.
1.2 A gestão pública no Brasil nos anos 1930 a 1964: reorganização da burocracia estatal
nos marcos do desenvolvimento capitalista brasileiro
Outro conceito, com íntima articulação com o patrimonialismo nas relações público e
privado no Brasil, é o do clientelismo, que, segundo Carvalho (1997, p.s/p), esteve presente
ao longo de nossa “história política”, sendo marcado pelo relacionamento dos representantes
do poder político com os “setores pobres da população”, no sentido de tais representantes
concretizarem a “concessão de benefícios públicos” e receberem “apoio político, sobretudo na
forma de voto”.
A década de 1930 representa um período fértil de inovações quanto aos processos de
gestão pública, a partir da reorganização do Estado brasileiro, da burocracia pública e do seu
papel como promotor do desenvolvimento capitalista no país. Tal desenvolvimento guarda
particularidades, segundo Florestan Fernandes (2005, p.261), uma vez que não foi realizado
de forma igual ao das “nações tidas como centrais e hegemônicas”, tendo em vista estar o
Brasil no rol das “nações tidas como periféricas e heteronômicas” (grifos do autor). Ou seja,
há características próprias da formação histórica, política, social e econômica muito marcada
pelo passado de colônia de exploração, de anos de escravismo, de subalternidade econômica e
política e dependência externa, que, não sendo rompidos, produzem os elementos necessários
para consolidar no Brasil um “desenvolvimento capitalista dependente” (FERNANDES,
2005, p.262 e 339) (grifo do autor).
É por isso que não podemos deixar de mencionar que a denominada „Revolução
Burguesa‟ deu-se de maneiras distintas nos países com histórico de dependência e
subdesenvolvimento (FERNANDES, 2005, p.340), sendo que o contexto imputou
determinantes singulares relacionados à formação sociopolítica e à constituição das classes
sociais na realidade brasileira. Nas palavras de Florestan Fernandes (2005, p.360-361),
assiste-se no Brasil uma “contrarrevolução prolongada”, pois, segundo o autor, o “movimento
histórico” que a “burguesia” operou foi de uma maneira “contrarrevolucionária” quando
comparado ao “padrão democrático-burguês „clássico‟ de revolução nacional”.
Assim, conforme Coutinho (2007, p.196), o país vivenciou a “modernização
capitalista”, mesmo não tendo ocorrido uma „revolução democrático-burguesa‟. Interessante
observar, segundo o autor, que as transformações introduzidas com o desenvolvimento
capitalista tiveram a figura estatal como ator principal, isto é, não houve “uma burguesia
revolucionária”, mas um processo „pelo alto‟, de modo “elitista e antipopular”, concretizado
40
por um pacto entre as elites econômicas, sem a participação das camadas “populares” e com o
uso contínuo do poder coercitivo e da atuação estatal na economia.
Neste sentido, Coutinho destaca (2007, p.197) a importância do conceito gramsciano
de “revolução passiva” 22 no contexto do desenvolvimento capitalista no Brasil, assim como
Nogueira (1998, p.270) o faz: “Somos uma sociedade constituída por um processo de
revolução passiva” (grifos do autor). Coutinho (2007, p.203) informa os efeitos da
constituição de uma “revolução passiva”, do qual ressaltamos “o fortalecimento do Estado em
detrimento da sociedade civil”. Deste modo, a história dos processos políticos no Brasil se
caracteriza por um Estado forte (em uso da coerção e repressão) e uma frágil sociedade civil,
no sentido de sua organização e protagonismo político. Ressaltamos também a força do
Estado em promover os interesses do capital privado.
Gramsci (2011, p.323) sinaliza que no processo de revolução passiva é o Estado que
atua como “dirigente”. Isto é evidente no modo que se desenvolveu o capitalismo em nossa
realidade, na configuração da “revolução burguesa” à brasileira, nos momentos
revolucionários realizados “pelo alto”. Isto não quer dizer, no entanto, que o Estado estava (ou
está) imune aos movimentos e tensões das classes sociais, ao contrário, não concebemos o
Estado capitalista como ente autônomo, neutro e indiferente às relações sociais, mas como
uma construção social determinada justamente pela configuração das relações sociais
capitalistas e que atua a partir do movimento contraditório das diferentes classes sociais,
sendo continuamente tensionado por elas.
Compreende-se, de acordo com Coutinho (2008, p.93-94), que a “revolução passiva”
imprime transformações no quadro societário, mesmo sendo o “reformismo pelo alto”. Deste
modo, a partir do exposto por Coutinho (2008, p.96), verifica-se que algumas questões postas
pelas classes subalternas são atendidas, porém, conservando a dominação de classe, a
exploração da classe trabalhadora, a apropriação privada da produção, a acumulação do
capital, ou seja, os elementos fundantes da sociabilidade capitalista.
Mesmo guardadas as diferenças dos papeis revolucionários da burguesia nos diferentes
contextos do capitalismo, os objetivos burgueses, sejam das “burguesias nacionais da
22
Acerca de tal conceito, Coutinho (2007, p.198) comenta, com base em Gramsci, que na “revolução passiva”
ocorrem “dois momentos”, a “restauração”, visto ser “uma reação à possibilidade de uma transformação efetiva e
radical „de baixo para cima‟”; e a “renovação”, uma vez que diversas “demandas populares são assimiladas e
postas em prática pelas velhas camadas dominantes”.
41
periferia” como das “nações capitalistas centrais e hegemônicas”, buscam “manter a ordem,
salvar e fortalecer o capitalismo, impedir que a dominação burguesa e o controle burguês
sobre o Estado nacional se deteriorem” (FERNANDES, 2005, p.343) (grifo do autor). Ou
seja, o pleno domínio sobre o aparelho estatal se torna fundamental aos capitalistas para
atingir seus objetivos.
Assim, pode-se afirmar que as relações patrimonialistas estão presentes no
desenvolvimento do capitalismo brasileiro, verificando-se no movimento das classes sociais
uma atuação firme da burguesia brasileira em cooptar o poder estatal, ofuscando a delimitação
entre a esfera pública e a privada. Conforme Florestan Fernandes (2005, p.240), “a nossa
burguesia converge para o Estado e faz sua unificação no plano político”. Nesta linha de
reflexão, o autor afirma que as associações de classe buscavam tensionar o órgão estatal, além
de “orientar e controlar a aplicação do poder político estatal”, com base nos interesses
privados de tal classe, imprimindo consequências negativas nas relações das esferas
público/privado, sob a ótica de atendimento das necessidades coletivas da população
brasileira. Isto porque as classes dominantes no Brasil obtiveram a “posse do aparelhamento
estatal” (FAORO, 2000, p.377).
A partir desta particular configuração das relações público e privado na realidade
brasileira, Coutinho (2008, p.124) reafirma o Estado brasileiro como ente “a serviço de
interesses privados”. Para o autor, a expressão originária de tal „privatismo‟ liga-se às marcas
“patrimonialistas” (em referência às análises weberianas) do órgão estatal, com o uso
personalista dos “ocupantes”. Por outro lado, sob a ótica da “teoria econômica marxista”,
apreende-se que a “privatização do público” articula-se ao entendimento de que a atuação
estatal no âmbito econômico busca propiciar as “condições mais favoráveis à expansão do
capital privado” (COUTINHO, 2008, p.125).
De acordo com Nogueira (1998, p.11), no “processo de modernização capitalista
brasileira”, que o autor denomina de “nossa revolução burguesa”, não ocorreram rompimentos
de ordem política de modo a estabelecer “uma institucionalidade democrática”. Neste cenário,
ganhou destaque a ativa intervenção estatal no investimento de determinantes (investimentos,
indústrias, legislações) ao estabelecimento do capitalismo, e, conforme Nogueira (1998, p.12),
apesar de o Estado ter crescido “macrocefalicamente”, não houve o desenvolvimento da
esfera política tendo em vista estabelecer relações de fato democráticas.
42
A importância que este estudo atribui aos anos da década de 1930 na temática da
gestão pública diz respeito à concretização do órgão estatal, considerado uma “instituição
político-jurídico-administrativa” (NOGUEIRA, 1998, p.94). Nesse período passou a ser
debatida a necessidade de estabelecer a “administração pública moderna, burocrática”
(NOGUEIRA, 1998, p.94), antenada com o contexto de expansão das bases capitalistas 23.
23
Na realidade, as mudanças que levaram ao contínuo crescimento das “forças capitalistas” no Brasil provieram
de muitos movimentos/acontecimentos: questões econômicas e políticas oriundas “de uma economia
dependente”, de característica “primária exportadora”; o fato de a riqueza socialmente produzida no Brasil ser
43
destinada para o exterior, devido “à política econômica externa” adotada; as demandas oriundas dos “novos
grupos sociais”, como a “burguesia industrial”; a ampliação do “mercado interno” e do “sistema econômico”,
este por conta do movimento abolicionista e imigratório; o contexto mundial de crise do capitalismo, com a
“Depressão Econômica Mundial” no início do século XX; e o predomínio das demandas das “classes sociais de
mentalidade e interesses caracteristicamente urbanos”. (IANNI, 2009, p. 29-34).
24
De acordo com Weber (2012, p.12), “a Sociologia constrói – o que já foi pressuposto várias vezes como óbvio
– conceitos de tipos e procura regras gerais dos acontecimentos. (...) Somente desta maneira, partindo do tipo
puro („ideal‟), pode realizar-se uma casuística sociológica”. Compreendemos que o autor trabalha com a
valorização da racionalidade e a consideração do “tipo ideal”.
25
Segundo Weber (2012, p.139): “chamamos „dominação‟ a probabilidade de encontrar obediência para ordens
específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas.(...) toda dominação de uma pluralidade de
pessoas requer normalmente (não invariavelmente) um quadro de pessoas (quadro administrativo (...)”. Ainda
para Weber (2009, p.191): “Por „dominação‟ compreenderemos, então, aqui, uma situação de fato, em que uma
vontade manifesta („mandado‟) do „dominador‟ ou dos „dominadores‟ quer influenciar as ações de outras
pessoas (do „dominado‟ ou dos „dominados‟), e de fato as influencia de tal modo que estas ações, num grau
socialmente relevante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandado a
máxima de suas ações („obediência‟)”.
44
26
Sobre a LBA, segundo Mestriner (2011, p.107-108): “É criada a grande instituição federal de assistência social
(em 1942). (...) Instalada em nível federal, é registrada no Ministério da Justiça e Negócios Interiores e nucleada
por todo país, para atendimento às famílias dos pracinhas. Voltada para aglutinar as organizações assistenciais,
integrará a iniciativa privada à do Estado intervencionista de Vargas, assegurando-se estatutariamente a
presidência à primeira-dama da República”.
46
DASP não promoveu a interlocução da gestão pública com a sociedade, operando uma
separação da gestão pública com a realidade socioeconômica brasileira (NOGUEIRA, 1998,
p.97).
Outra importante questão deste período é o corporativismo nas relações entre as
esferas pública e privada. O corporativismo, segundo Boschi e Diniz (1991, p.17), foi um
elemento impulsionador da “modernização e crescimento econômico” no Brasil (BOSCHI;
DINIZ, 1991, p.17). É possível apreender a utilização do aparelho estatal para alcançar fins
privados a partir do “progressivo estreitamento de vínculos entre grupos específicos e a
burocracia estatal”. Sendo assim, o objetivo do uso do corporativismo pelo “empresariado
industrial” é o da “instrumentalização de seus interesses” privados, no sentido de promover as
condições para consolidar o “capitalismo industrial” (BOSCHI; DINIZ, 1991, p.18).
Caio Prado Jr. (1978, p.123) também faz reflexões sobre esta imbricação entre o
público e o privado nas relações econômicas no Brasil, onde os “negócios públicos e privados
se entrelaçam e intimamente se combinam”, e se estrutura “em torno da administração pública
uma densa trama de negócios particulares”. Segundo Caio Prado Jr. (1978, p.122), se formou
nos fundamentos da intervenção do Estado brasileiro “toda uma esfera especial de negócios
privados proporcionados pelo poder público” e fomentados por aqueles que detinham tal
“poder”, para seu usufruto e dos seus pares.
Um aspecto importante trabalhado por Boschi e Diniz (1991, p.19) acerca do
corporativismo brasileiro diz respeito à “setorização dos interesses”, valorizando sua
fragmentação, o que contribuiu para o uso das “táticas restritivas e perspectivas imediatistas”,
além de visões “particularistas” em prol de posicionamentos de ordem econômica. Deste
modo, privilegiam-se grupos particulares, consolidando-se uma “representação corporativa de
interesses no interior do aparelho de Estado”, restrita àqueles “específicos da política
econômica”. Com isso, afasta-se do espaço público a grande totalidade dos brasileiros que não
tinha como verbalizar suas necessidades e muito menos participar do estabelecimento dos
compromissos públicos. (BOSCHI; DINIZ, 1991, p.20).
Diniz (1997a, p.167) apresenta os principais traços do “corporativismo” implantado no
Brasil: fragmentação; “representação empresarial no aparelho de Estado”; alijamento da
classe trabalhadora; centralidade do Poder Executivo; “concentração do poder decisório” na
47
exemplifica a criação do DASP. Ianni (2004, p.89) aponta o papel estatal como “centro de
decisão”, e, conforme verificado na discussão sobre o corporativismo, era estratégica a
ocupação do espaço público por setores da classe burguesa industrial, interessada em se fazer
representar nas políticas econômicas estatais.
Ianni (2004, p.98) considera a perspectiva do desenvolvimentismo como o
componente “ideológico fundamental” dos nossos processos de industrialização. Gonçalves
(2011, p.1), ao tratar do “nacional-desenvolvimentismo”, descreve que ele envolveu a busca
do desenvolvimento da economia brasileira a partir dos seguintes fundamentos: transformação
das formas de produção – “industrialização substitutiva de importações” – e diminuição “da
vulnerabilidade externa estrutural”. Esta ideologia coloca como fundamental para sua
concretização o “capital nacional industrial” e o “investimento estatal”, mesmo não
desprezando o “financiamento e investimento” do exterior. (GONÇALVES, 2011, p.2).
Para operar todas essas transformações, tornou-se necessária uma importante
reorganização do aparato burocrático do Estado brasileiro. Nogueira (1998, p.13-14) pontua
que o crescimento demasiado da estrutura estatal provocou um excesso de responsabilidades
que o debilitou “como agente racionalizador” e abriu uma lacuna para ser o espaço
privilegiado da disputa dos “interesses particulares”. Além disso, por intermédio de
“cooptações e regulação estatal da cidadania” aumentou a dificuldade para materialização da
“auto-organização da sociedade”. Ao contrário disso, houve propagação de uma “cultura
política impregnada de golpismo e autoritarismo”.
Deste modo, “a herança de Vargas” (NOGUEIRA, 1998, p.14) tem rebatimentos na
contemporaneidade e oferece elementos para o debate acerca da reforma do Estado. Neste se
enraíza a noção de uma reforma tecnicista, “fiscal-financeira”, sem a dimensão política
(NOGUEIRA, 1998, p.14). Isto debilita uma discussão mais crítica que envolva a
reconstrução do Estado com vistas a estabelecer uma gestão pública democrática, voltada ao
atendimento das necessidades da classe trabalhadora brasileira.
49
1.2.3 A gestão pública brasileira nos anos 1945 a 1964: a falta de mudanças substantivas
27
Ver: FGV/CPDOC. E ele voltou... o Brasil no segundo governo Vargas: BNDE. Disponível em:
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/artigos/EleVoltou/BNDE>. E: IDEM. E ele voltou... o
Brasil no segundo governo Vargas: Petrobras. Disponível em:
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/artigos/EleVoltou/Petrobras>. Acesso em: 6/8/2014.
50
Foi a partir de 1956, com Juscelino Kubitschek como Presidente da República, que o
Brasil vivenciou grandes transformações econômicas, sendo a marca deste Governo o
“Programa de Metas” 28 (IANNI, 2009, p.143). Novamente, a questão de ser um país
desenvolvido economicamente voltou à agenda central da intervenção estatal, por meio de
ações visando a promover o desenvolvimento industrial, a fim de “impulsionar o setor privado
nacional e estrangeiro” (IANNI, 2009, p.144). Nesta linha de intervenção, o Estado brasileiro
agiu de modo a ampliar o “setor privado ligado ao capitalismo mundial” (IANNI, 2009,
p.168).
Conforme Ianni (2009, p.170), nos anos de atuação do Governo de Juscelino
Kubitschek ocorreu a denominada “hipertrofia do Executivo”, ou seja, as estruturas do Poder
Executivo foram valorizadas para o cumprimento das metas de industrialização, orientada
para a acumulação capitalista. Com isso, o Estado brasileiro se traduziu em um fundamental
“centro de decisões e realizações (econômicas, financeiras, cambiais, etc.)” relevantes para a
existência saudável da esfera privada nos moldes capitalistas. (IANNI, 2009, p.173-174).
Ianni (2009, p.183) aponta que entre 1961 a 1964 o Brasil experimentou um contexto
crítico, inclusive com relação aos elementos econômicos: retração do “índice de
investimentos” e da “entrada de capital externo”, queda da “taxa de lucro”; a questão da
“inflação” tornou-se o “problema central da economia”. Quanto aos elementos políticos,
houve uma “radicalização” das “posições dos partidos de esquerda e direita” quanto à direção
das questões de ordem político-econômica no que diz respeito às “relações internas e
externas”. Importante sinalizar, também, a grande “politização das massas urbanas” (IANNI,
2009, p.185). As contradições sociais produzidas pelas mudanças advindas do
desenvolvimento industrializante colocaram na cena política a temática das “reformas
institucionais”. (IANNI, 2009, p.186-187).
A busca de consolidar o desenvolvimento econômico, a fim de tornar a nação
plenamente desenvolvida nos moldes capitalistas, foi acompanhada do agravamento de
questões históricas brasileiras, como a contínua dependência dos países considerados
28
O Programa de Metas desenvolvido no Governo JK buscava: “(...) abolir os pontos de estrangulamento da
economia por meio de investimentos infraestruturais, a cargo do Estado (...) expandir a indústria de base (...)
estimulando investimentos privados nacionais e estrangeiros (...) Um dos alvos centrais do programa era atrair o
interesse de empresários estrangeiros com seu capital e sua tecnologia (...) pretendia-se estimular a poupança
nacional e incentivar a modernização geral do sistema produtivo” (IANNI, 2009, p.153).
51
29
De acordo comreferência do Dicionário Político Marxists Internet Archive, o verbete Plano Marshallinforma
que estefoi um “Plano elaborado pelos Estados Unidos e destinado à recuperação dos países da Europa Ocidental
após a Segunda Guerra Mundial”. Disponível em
<https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/p/plano_marshall.htm>. Acesso em 2/3/2015.
30
Neste contexto, cabe mencionar a importância do fordismo. Para análise do fordismo, ver Harvey (2009).
52
Com a ditadura militar, marcada por forte repressão aos movimentos populares, as
ações desenvolvidas no âmbito econômico continuaram sob o protagonismo estatal
(COUTINHO, 2008, p.120). O crescimento do órgão estatal era visível nos “aparelhos
repressivos” e nos “organismos tecnocráticos de intervenção na economia” (COUTINHO,
2007, p.215). As formas de “militarização” e de “tecnoburocratização” estavam presentes na
“gestão estatal” (FIORI, 2003, p.164). Assim, permanece a “tradição centralizadora e
autoritária”, característica de nossos processos políticos (SCHWARTZMAN, 1982, p.135).
Nogueira (1998, p.100) destaca que a ideia do “reformismo” volta à cena na ditadura
militar, com a criação do Decreto-Lei n.º 200, do ano de 1967, que se traduz em uma
perspectiva de “reforma administrativa programática e planejada”. Conforme o autor, este
instrumento baseava-se em “princípios estratégicos”, entre os quais “planejamento,
descentralização, coordenação e controle”; incentivava a extensão de “empresas estatais e de
órgãos independentes (fundações públicas) e semi-independentes (autarquias)”; buscava
“fortalecer e expandir o sistema de mérito”; e estabelecer “diretrizes gerais para um novo
plano de classificação de cargos”.
O período da ditadura civil militar foi marcado por mudanças nos processos de gestão
pública (TORRES, 2004, p.151). A expressão legal deste momento histórico foi o decreto
mencionado, que procurava instituir na gestão pública mecanismos “gerenciais” dos setores
privados, de modo a imprimir-lhe modernização. (TORRES, 2004, p.153).
53
35
Acerca da discussão sobre o imperialismo, ver Fontes (2010).
56
36
Consideramos tal crise (e as demais crises no capitalismo) de natureza “estrutural” e não “conjuntural”
(FRIGOTTO, 1999, p.62).
37
Mandel (1985, p.93) aponta os fatores determinantes de tal processo: “A lenta absorção do „exército industrial
de reserva‟ nos países imperialistas age como obstáculo a um aumento adicional na taxa de mais-valia, apesar da
automação crescente. A intensificação da concorrência internacional e a crise monetária mundial trabalham no
mesmo sentido. Diminuição do ritmo de expansão do comércio internacional”.
57
38
Segundo Chesnais (1996, p.34), a “mundialização do capital” advém de processos articulados, porém
diferentes, um referente ao período de “acumulação ininterrupta do capital” a partir de 1914, e o outro “às
políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e
democráticas” implementadas na gênese dos anos 1980, marcados pelos “governos de Thatcher e Reagan”.
Margaret Thatcher como Primeira Ministra da Grã Bretanha e Ronald Reagan como Presidente dos Estados
Unidos são reconhecidos por diversos autores como os propulsores do ideário neoliberal na retomada dos
processos de acumulação do capital após a crise no capitalismo.
59
Como a literatura aponta, nos anos 1980, com o fim da ditadura militar e a abertura
democrática, abriu-se um momento decisivo no debate da reconfiguração do Estado brasileiro
e da sua forma de intervenção, o que se refletiu nos processos de gestão pública.
Diniz (1997a, p.168) comenta a herança (entendemos que seja uma herança política)
deixada à Nova República pela trajetória histórica brasileira, destacando-se uma “hipertrofia”
do Estado revelada por intermédio da “burocracia desmesurada” e de “alta
discricionariedade”. Entretanto, esta não se apresenta eficiente na ótica da garantia dos
interesses públicos, devido a ser permeável aos “interesses dominantes”, tendo assim “baixo
teor de responsabilidade pública”.
Ocorre a continuidade da predominância da “racionalidade técnica das políticas”, que
não combinava com os recentes processos de “participação política”, “revitalização do
movimento sindical” e “revigoramento da sociedade civil” (DINIZ, 1997a, p.111).
O cenário de “crise estrutural” do capitalismo mundial que se apresentou nos anos de
1970, articulado à própria conjuntura de crise local, marcada pela dependência externa – dado
o “endividamento externo” e o “aprofundamento da recessão” (DINIZ, 1997a, p.11) –,
acentuam sobremaneira a necessidade de revisitar o modelo de desenvolvimento do país,
vindo a causar profundas transformações no papel do Estado e na forma de atuação da
administração pública.
Todo este movimento da imposição de “reforma” do Estado brasileiro foi alimentado
pela “cultura política da crise”39 presente no Brasil já na década de 1980, que tem relação
com a “hegemonia do grande capital” (MOTA, 2008, p.24) (grifos da autora).
Na década de 1980, instituiu-se um modelo de reforma da administração pública
considerado “reformismo reducionista e quantitativo”, do qual se pode mencionar a “busca de
39
De acordo com Mota (2008, p.108): “(...) a tentativa de constituição de um projeto hegemônico de classe, por
parte da burguesia brasileira, consolida-se mediante a construção de uma cultura da crise que procura trabalhar o
consentimento ativo das classes subalternas. O núcleo temático dessa cultura é a socialização da ideia de que a
crise afeta indistintamente toda a sociedade. (...) uma visão socializadora da crise que desqualifica, do ponto de
vista político-econômico, as posições antagônicas das classes, ao mesmo tempo em que constrói um modo de
integração passiva à ordem do capital”.
60
40
Conforme Boschetti (2006, p.106), ao comentar sobre o I PND, do período da Nova República: “Ao lado dos
princípios mais políticos referentes à reforma administrativa e da gestão pública, como a descentralização das
ações e a participação e o controle da sociedade, era possível identificar os princípios que, a partir de então,
deveriam reorientar as políticas sociais”.
61
41
Para maiores informações sobre esta discussão, ver Boschetti (2006, p.168-178).
42
Segundo Bravo (2006, p.84), “os conselhos foram concebidos como um dos mecanismos de democratização
do poder na perspectiva de estabelecer novas bases de relação Estado-sociedade por meio da introdução de
novos sujeitos políticos. Nesse contexto, podem ser visualizados como inovações na gestão das políticas sociais,
procurando assegurar que o Estado atue em função da sociedade, no fortalecimento da esfera pública”. Para uma
discussão sobre os Conselhos, em específico, os Conselhos Municipais, ver Azevedo et al. (2004).
43
Este Artigo sofre mudanças com a Emenda Constitucional n.º 19/1998, que serão tratadas no próximo item.
44
Um aprofundamento da discussão sobre descentralização pode ser obtido em Arrecthe (2000).
45
A discussão aprofundada da Política de Assistência Social e dos seus processos de gestão pública, seu debate
conceitual e contemporâneo será realizado no capítulo 2.
62
46
Para Nogueira (1998, p.155), a “reforma da administração” envolve: “adequar o aparato estatal ao imperativo
de prestar com eficiência serviços públicos fundamentais, adquirir plena racionalidade em seu funcionamento e
dar suporte efetivo aos atos de governo”; já a “reforma do Estado” quer dizer “passar em revista as práticas, as
funções e as instituições políticas, bem como as relações Estado-sociedade civil, cujo padrão histórico sempre foi
de baixa qualidade”. (grifos do autor).
47
“O Consenso de Washington tem origem em trabalho de John Williamson apresentado em 1989 (Williamson,
2004). É uma crítica ao pensamento e, principalmente, às experiências desenvolvimentistas na América Latina a
partir de 1950. O Consenso de Washington apresenta diretrizes em relação às estratégias de desenvolvimento e
políticas macroeconômicas. O enquadramento político-ideológico é, sem dúvida alguma, o neoliberalismo em
ascensão nos anos 1980”. (GONÇALVES, 2012, p.654).
63
anuência das “elites políticas conservadoras” bem como das “principais lideranças
empresariais brasileiras” (FIORI, 1995, p.157).
Segundo Fiori (1995, p.157), no Consenso de Washington, considerado “um programa
ortodoxo de estabilização monetária”, há estágios preconizados – a “estabilização
macroeconômica”, visando à produção do “superávit fiscal primário” 48; em seguida, o que é
denominado pelo Banco Mundial (BM) de „reformas estruturais‟, envolvendo “liberação
financeira e comercial, desregulação dos mercados e privatização das empresas estatais”; e,
por fim, a “retomada dos investimentos e do crescimento econômico” (FIORI, 1998, p.12).
Nas duas primeiras etapas, o Brasil seguiu à risca a cartilha de recomendações do Consenso
de Washington aos países periféricos.
O governo Collor instituiu as primeiras bases do ideário neoliberal no Brasil. O foco
de atuação estatal era a “estabilização econômica”, com forte apelo à queda inflacionária e um
dos mecanismos usados para tal foi o excesso de “medidas provisórias”, inclusive não
levando em conta os “grandes interesses sociais” (NOGUEIRA, 1998, p.130-131). O governo
Collor deu primazia a seus compromissos governamentais aos processos de “liberalização
econômica” e de “abertura comercial” (DINIZ, 1997a, p.140). Assistiu-se a transformações
nos compromissos públicos, em virtude do enquadramento governamental aos ditames do
Consenso de Washington, e a Constituição Federal de 1988 se tornou “estigmatizada como
símbolo do atraso em face da modernidade pretendida” (DINIZ, 1997a, p.118).
Com Fernando Collor na Presidência verificou-se a determinação impositiva, com uso
da medida provisória e de plano econômico de combate à questão inflacionária, o qual
“transgrediu preceitos constitucionais, violou garantia e direitos básicos de cidadania” e
traduziu seu Governo em “plenipotenciário”, com plenos poderes para sua figura como Chefe
do Poder Executivo (DINIZ, 1997a, p.183). Um dos exemplos foi ter “vetado integralmente o
texto da LOAS”, Lei só aprovada em 1993 (VIANNA, 2000, p.175). Este fato revelou seu
descompromisso com a regulamentação da Assistência Social, uma das políticas de
“(...) é inegável que o Consenso de Washington assenta-se nos pilares neoliberais fundamentais: liberalização e
desregulamentação. Ele também converge com interesses dominantes – expressos pelos governos dos Estados
Unidos e principais países desenvolvidos e pelos organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial, etc.)” (Id.Ibid.).
48
“Superávit primário é o resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, excetuando gastos com
pagamento de juros” (Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/entenda-o-assunto/superavit>.
Acesso em: 8/8/2014).
64
campo “social”. A perspectiva do PDRE é que a crise do capitalismo, a partir dos anos 1970,
relaciona-se à “crise do Estado”, desconsiderando os reais determinantes da crise, como já
sinalizamos. No Brasil, a crise evidencia-se na “crise fiscal” e no “esgotamento da estratégia
de substituição de importações”, que caracterizou o período desenvolvimentista com atuação
estatal direta na economia (BRASIL, 1995, p. 10-11).
Um ponto curioso é que, apesar de fazer uma “crítica” ao ideário do neoliberalismo
para enfrentamento desta crise, os mecanismos privilegiados pelo documento têm orientação
neoliberal, conclamam a necessidade de “ajustamento fiscal duradouro”, “reformas
econômicas orientadas para o mercado”, entre outras medidas. (BRASIL, 1995, p.11).
Destaca como “função” do Estado a de “promotor e regulador” do “desenvolvimento
econômico e social”, e acrescenta: “Reformar o Estado significa transferir para o setor
privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, 1995, p.12). As
instituições privadas, tidas como mais eficientes do que os órgãos públicos governamentais,
são órgãos de primária importância no PDRE.
Outro conceito chave do PDRE é o de “descentralização”, entendida como o repasse
ao “setor público não estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício do poder
de Estado, mas devem ser subsidiados” e dentre estes estão os “serviços de educação, saúde”.
(BRASIL, 1995, p.12-13). Este processo é denominado no Plano (BRASIL, 1995, p.13) de
„publicização‟ que institui “um sistema de parceria” que envolve uma estratégia ampla de
transferência de responsabilidades do Estado para a sociedade civil, no que diz respeito ao
enfrentamento da questão social. Esta estratégia envolve o subsídio público a tais instituições,
retirando do Estado o papel de executor direto das políticas públicas sociais.
No Plano Diretor, o foco é o Estado obter “governança”, compreendida como
“capacidade de governo do Estado”, justamente pela mudança de perspectiva na gestão, da
“administração pública burocrática”, tida como “rígida e ineficiente”, à gestão “gerencial”,
considerada “flexível e eficiente”. A „governabilidade‟, entendida como „poder para
governar‟, não é apresentada como uma questão a ser resolvida no Brasil (BRASIL, 1995,
p.13).
Abrimos um parêntese para tratar dos conceitos de governabilidade e governança,
trabalhados numa concepção mais ampla por Diniz (1996, p.177), que relaciona o conceito de
governabilidade a “condições institucionais e sistêmicas mais gerais sob as quais se dá o
67
exercício do poder em uma dada sociedade”, como “forma de governo”, “características dos
sistemas partidário e eleitoral”. Já o conceito de governança 49, ou “governance” conforme
grifa a autora, é utilizado a fim de apreender os processos que envolvem potencial de atuação
estatal no que diz respeito à “implementação das políticas públicas e na consecução de metas
coletivas”, sendo pertinente ao contexto de extensão da participação e da pluralidade.
Quanto à origem de tais conceitos, o uso de “governance” ou governança, segundo
Diniz (1997b, p.37), colocou-se no “debate público internacional como resultado de uma
reflexão conduzida principalmente pelo Banco Mundial, tendo em vista aprofundar o
conhecimento das condições que garantem um Estado eficiente”, termo que entendemos ter
como ponto de vista um Estado que continua a ser fundamental para garantir as condições de
reprodução do capitalismo, conforme Mandel (1985). O Banco Mundial, em conjunto com
outros organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, é instituição basilar
no contexto do capitalismo contemporâneo, de modo a preservar os elementos necessários à
reprodução capitalista.
Fiori (1998, p.35) situa que foi na década de 1960 que o termo governabilidade surgiu
“como conceito-chave na inflexão conservadora das teorias da modernização ou do
desenvolvimento político”. Para Fiori (1998, p.39), governabilidade refere-se a uma
“categoria estratégica”, de caráter “situacionista”. Por isso, em nossa percepção, a discussão
destes termos, governabilidade e governança, precisa estar inserida em um debate mais crítico
sobre o processo de contrarreforma realizado no Brasil.
O PDRE (BRASIL, 1995, p.16) coloca como a marca da “administração pública
gerencial” a “forma de controle” que focaliza os “resultados”. Outro aspecto importante é que
a gestão gerencial volta-se ao “cidadão-cliente” (BRASIL, 1995, p.17), revelando uma visão
próxima ao do setor privado mercantil. São conceitos oriundos de uma visão empresarial, que
é direcionada ao setor público estatal com fim de obtenção de resultados; o “cidadão” é
compreendido como “cliente”. Este direcionamento imposto à gestão pública não combina
49
Para Diniz (1996, p.178-179), a governança envolve “três dimensões” fundamentais. O primeiro ponto
destacado é “a capacidade de comando e de direção do Estado”, nos contextos interno e externo, o que significa
ter potencial para estabelecer “as estratégias gerais de ação, as grandes diretrizes que nortearão as decisões
governamentais”. O segundo aspecto é “a capacidade de coordenação do Estado entre as distintas políticas e os
diferentes interesses em jogo”, da qual ressaltamos a “integração entre as diferentes áreas de governo, de forma a
garantir a coerência e consistência das políticas governamentais”.O terceiro elemento é “a capacidade de
implementação”, que para sua eficácia é necessário da parte da atuação estatal “mobilizar os recursos técnicos,
institucionais, financeiros e políticos necessários à execução de suas decisões”.
68
com uma atuação focada na garantia dos direitos sociais, na universalização das políticas
públicas e no protagonismo do Estado frente a tais questões.
O documento (BRASIL, 1995, p.21) apresenta uma crítica à Constituição Federal de
1988, pois considera que esta operou um “retrocesso burocrático sem precedentes”,
impulsionando “engessamento do aparelho estatal”. O próprio Bresser Pereira (1995, p.6)
afirma que a Constituição Federal de 1988 acaba por fortalecer a “administração pública
arcaica, burocrática ao extremo (...) altamente centralizada, hierárquica, rígida”, tem por
fundamento o “controle por processo e não por resultados e objetivos”. Esses comentários
articulam-se à marca central do neoliberalismo, que busca, através do discurso ideológico da
ineficiência e ineficácia do Estado, retraí-lo e enxugá-lo de suas funções voltadas para o
campo social.
Bresser Pereira (2006a, p.252), ainda em outro texto, no contexto do que denomina de
“retrocesso burocrático” provocado pela Constituição, faz uma crítica ao que entendemos
como proteção social dos servidores públicos, fruto do processo de luta da classe
trabalhadora. Ele qualifica negativamente mecanismos constitucionais como “sistema
privilegiado de aposentadorias do setor público”; “exigência de um regime jurídico único”;
“afirmação constitucional de um sistema de estabilidade rígido”. Não são críticas neutras,
pois, integrando o processo de “cultura da crise” comentado por Mota (2008), resultaram no
processo de (contra) reforma da previdência social de 2003, que afeta, particularmente, os
servidores públicos (SILVA, 2007).
O Plano Diretor (BRASIL, 1995, p.41-42) diferencia o “aparelho do Estado” em
“quatro setores”, destacados conforme terminologia do documento: 1) Núcleo Estratégico -
estabelece “leis” e “políticas públicas”, inserem-se o Poder Legislativo, Poder Judiciário,
Ministério Público, Presidente, Ministros, entre outros; 2) Atividades Exclusivas - ações
concretizadas pelo poder estatal para “regulamentar, fiscalizar, fomentar”; 3) Serviços não
exclusivos - intervenção estatal em conjunto com as “organizações públicas não-estatais e
privadas”; 4) Produção de bens e serviços para o mercado – “área de atuação das empresas”.
O Quadro 1 explicita como deveria ocorrer a reforma proposta pelo PDRE (BRASIL,
1995, p.47-48):
69
50
De acordo com o PDRE (BRASIL, 1995, p.58): “Na dimensão-gestão são três os projetos básicos que
permitirão a implantação da administração pública gerencial no serviço público brasileiro. Em um plano
horizontal, temos o projeto de Avaliação Estrutural, que examinará de forma global a estrutura do Estado. No
nível das atividades exclusivas de Estado, temos, operando de forma vertical, em maior profundidade, o projeto
das Agências Autônomas e, no nível dos serviços não-exclusivos, o projeto das Organizações Sociais
acompanhado pelo programa de publicização”.
51
“Entende-se por „organizações sociais‟ as entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder Executivo,
obtêm autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com esse poder, e assim ter direito a dotação
orçamentária” (IDEM, p.60).
52
Conforme o PDRE (IBIDEM, p.13), “através de um programa de publicização, transfere-se para o setor
público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um
sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle.”
53
Segundo o PDRE (IBIDEM, p.60), “busca-se através das organizações sociais uma maior participação social,
na medida em que elas são objeto de um controle direito* da sociedade através de seus conselhos de
70
Segundo Behring (2008, p.182), apesar de revelar certa “preocupação” com a questão
do “controle social”, o Plano desconsidera os canais de participação democrática instituídos
na Carta Magna de 1988. Também, demonstrando “o espírito (e a letra) anticonstitucional do
Plano”, há o desprezo pelo “conceito constitucional de seguridade”, pois se tem a ótica das
“políticas públicas de Previdência, Saúde e Assistência Social 54 de forma totalmente
desarticulada” (BEHRING, 2008, p.182).
É importante ressaltar que, em outra publicação, Bresser Pereira (1998, p.60) sintetiza
que o processo de reforma estatal envolve os aspectos demonstrados no Quadro 2:
administração recrutados no nível da comunidade à qual a organização serve”. *Conforme grafia do documento
original.
54
Conforme Behring (2008, p.258): “Na assistência social, além de repassar essa atividade – atenção: a
assistência não existe como política pública de seguridade no PDRE-Mare – aos termos de parceria (OSCIP)* e
contratos de gestão (OS)**, a reforma atropela o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), ao propor o
credenciamento daquelas entidades privadas com fins públicos (terceiro setor) no Ministério da Justiça, o que
„facilitaria e desburocratizaria‟ o processo”.
*Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.
**Organização Social.
71
55
Nossa edição (7 ed) é do ano de 2006, mas a primeira edição é de 1998.
72
integram o “aparato do Estado”, além de não buscarem o lucro e serem orientadas a partir do
“direito privado”. (BRESSER PEREIRA; GRAU, 1999, p.15,16,17).
Consideramos contraditória a perspectiva de participação colocada pelos autores. Qual
forma de participação? Na realidade, assiste-se a uma transferência de responsabilidades do
Estado para tais instituições, inclusive com contrapartida financeira, a fim de que estas
“participem” executando os serviços sociais públicos. Não conseguimos vislumbrar uma
participação efetiva em canais de controle democrático, com os Conselhos de Políticas
Públicas, no sentido de tensionar o poder público estatal de forma a vir a cumprir seu papel
perante as políticas públicas.
Percebemos também em Bresser Pereira e Grau (1999, p.17) uma transmutação da
perspectiva de responsabilização estatal perante as políticas públicas sociais previstas no texto
constitucional de 1988, pois eles defendem o que denominam de “Estado social-liberal”, o
qual atua na proteção dos “direitos sociais”, de modo a oferecer subsídios/recursos às
instituições “públicas não-estatais” para estas executarem serviços sociais. E esta prática é
tida como “mais eficiente” por estabelecer parâmetros como “competição” e “flexibilidade”
no fornecimento dos serviços.
Conforme Morales (1999, p.53), em “Provisão de serviços sociais através de
organizações públicas não-estatais: aspectos gerais”, as instituições que não pertencem à
esfera estatal e mercantil acabam por demonstrar a “vitalidade da sociedade civil” quando esta
se insere em “espaços vazios deixados pelo mercado e o Estado”. Neste contexto, Morales
(1999, p.55) salienta “a esfera pública não-estatal, na qual se pudessem reorganizar os
recursos do Estado e da sociedade para atender às demandas reprimidas da população”.
Embora os autores que argumentam em prol da “publicização” afirmem-na como
prática diferente da privatização, a consideramos uma forma de privatizar as ações do Estado,
a quem cabe a provisão de políticas públicas de caráter universal. Tais instituições,
regulamentadas pelo direito privado, embora tenham objetivos para o atendimento das
demandas sociais, têm público-alvo específico e delimitado, têm uma missão e um estatuto
específicos, não sendo de sua responsabilidade o estabelecimento da universalidade em sua
intervenção.
75
56
Disponível em: <https://translate.google.com.br/#en/pt/Accountability>. Acesso em: 10/8/2014.
57
Nas análises de Paula (2005b, p.64), “o movimento „reinventando o governo‟ na realidade complementou a
nova administração pública britânica, pois apenas expressa uma forma diferente de defender o mesmo conjunto
de ideias de práticas. As recomendações e princípios de Osborne e Gaebler contribuíram para reelaborar o
discurso neoconservador e consolidar o âmago da nova administração pública: a suposição de que as técnicas
administrativas criadas no âmbito do setor privado são eficientes e, portanto, adequadas para orientar a gestão
pública. Logo, o movimento „reinventando o governo‟ reforça a nova administração pública, mantendo a ênfase
tecnicista e o divórcio entre os domínios da administração e da política”.
77
deve ser incentivada, pois estas são mais flexíveis e estão mais próximas dos
problemas; (...)
governo orientado por missões, transformando órgãos burocratizados – tal como no
setor privado, o governo deve se orientar por missões tal como as empresas privadas
fazem ao utilizar os princípios do planejamento estratégico (...);
governo de resultados, financiando resultados, não recursos – uma constante
avaliação de resultados e desempenhos facilita a distinção entre o sucesso e o fracasso
(...);
governo e seus clientes, atendendo às necessidades dos clientes e não da burocracia
(...); (...)
governo orientado para o mercado, induzindo mudanças através do mercado – os
programas governamentais apresentam uma série de defeitos quando comparados
com os similares realizados pelo mercado e poderiam ser mais bem-sucedidos se
fossem oferecidos por ele. (grifos nossos). (PAULA, 2005b, p. 62-63).
58
Este quadro, com o título “Variáveis observadas na comparação dos modelos”, visa a fazer um contraponto
entre a “administração pública gerencial” com a “societal”, segundo Paula (2005b, p. 175). Como este não é
nosso objetivo, transcrevemos o conteúdo na íntegra das partes pertinentes à perspectiva gerencial.
78
59
Conforme Paula (2005b, p.21), “a dimensão econômico-financeira (...) se relaciona com os problemas no
âmbito das finanças públicas e investimentos estatais, envolvendo questões de natureza fiscal, tributária e
monetária”.
60
Segundo Paula (2005b, p.21), no que diz respeito à “dimensão institucional-administrativa”, esta “abrange
problemas de organização e articulação dos órgãos que compõem o aparato estatal, assim como as dificuldades
de planejamento, direção e controle das ações estatais e a questão da profissionalização dos servidores públicos
para o desempenho de suas funções”.
79
61
A “dimensão sociopolítica”, segundo Paula (2005b, p. 21), “compreende problemas situados no âmago das
relações entre o Estado e a sociedade, envolvendo os direitos dos cidadãos e sua participação na gestão pública”.
81
62
É importante ressaltar que a origem de tal modelo é anterior à FHC, segundo Filgueiras e Gonçalves (2007,
p.89): “A partir da década de 1990, com a constituição e consolidação do modelo liberal periférico”; “A
implementação do Plano Real, lançado em 1994, cumpriu papel decisivo no processo de aprofundamento e
consolidação do modelo liberal periférico” (Idem, p.96), mas, foi “o primeiro governo Cardoso (1995-1998), que
é o período mais duro de implantação e aprofundamento do novo modelo”. (Idem, p.97).
63
“Vulnerabilidade externa é a capacidade de resistência a pressões, fatores desestabilizadores e choques
externos”. (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, p.35). “Vulnerabilidade externa estrutural decorre das
mudanças relativas ao padrão de comércio, da eficiência do aparelho produtivo, do dinamismo tecnológico e da
robustez do sistema financeiro nacional. A vulnerabilidade externa estrutural é determinada, principalmente,
pelos processos de desregulamentação e liberalização nas esferas comercial, produtivo-real, tecnológica e
monetário-financeira das relações econômicas internacionais do país. Ela é, fundamentalmente, um fenômeno de
longo prazo”. (Idem).
82
64
Sobre as conceituações das dívidas e sua diferenciação, ver Gonçalves e Pomar (2002, p.34).
83
conforme Fiori (2001, p.79). Em síntese, ao comentar o governo FHC, Fiori (1998, p.192-
193) constata acerca da “imensa recomposição patrimonial da riqueza brasileira”
impulsionada pela “transferência gigantesca de riqueza ou privatização de riqueza” em prol da
classe detentora dos meios de produção.
Cabe ressaltar outro aspecto fundamental que traduz este período regressivo (na
perspectiva dos direitos sociais) que se refere à “flexibilização nas relações de trabalho”
(BEHRING, 2008, p.214). Uma das estratégias neoliberais é o processo da reestruturação
produtiva, que busca imprimir caráter mais “flexível” às relações trabalhistas, com graves
implicações à organização e, por consequência, à luta pelos direitos da classe trabalhadora.
No cenário de regressão desses direitos, foi realizada a (contra) reforma da Previdência
Social, através da Emenda Constitucional n.º 20/1998 (SILVA, 2007), que, conforme o
próprio documento, introduz mudanças no “sistema de previdência social” (BRASIL, 1998),
como tempo de contribuição e idade para aposentar (BRASIL, 1998, Art. 40, § 1º, Inciso III).
Além disso, acerca do tema das políticas sociais, destacamos que, em tal período,
foram acentuadas as tendências identificadas por Mota (2008, p.219) da “defesa do processo
de privatização” e “constituição do cidadão-consumidor”, no contexto maior da “cultura
política da crise”. Em tal cenário, com relação à privatização da Política de Previdência
Social, fica evidente a ampliação dos Planos de Previdência Complementar adquiridos na
esfera mercantil; no âmbito da Política de Saúde, assiste-se ao crescimento dos Planos de
Saúde privados, em virtude da deterioração do sistema público de saúde. Associados a estes
processos, neste panorama, enfrentar a “desigualdade social” remonta às formas de
“solidariedade social”, através das “redes de proteção social, de políticas de combate à
pobreza, de comunidades solidárias ou de expansão dos programas de assistência social”.
(grifos da autora) (MOTA, 2008, p.220).
A questão social brasileira é, assim, enfrentada por setores da sociedade civil
organizada, por intermédio de organizações não governamentais, entidades, instituições, com
o fortalecimento do Terceiro Setor 68, traduzido na desresponsabilização do Estado como prin-
68
No debate sobre o Terceiro Setor, destaca-se: “(...) avaliando criticamente esse fenômeno podemos observar
que se trata de: 1) atividades públicas desenvolvidas por particulares; 2) para tratar de uma função social de
resposta às necessidades sociais; 3) orientada por valores de solidariedade local, autorresponsabilização,
voluntariado e individualização da ajuda” (grifos dos autores) (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2010, p.305).
85
chamado “terceiro setor” ocorreu no governo FHC, nos anos de 1998 e 1999, qualificando,
respectivamente, as “organizações sociais” (Lei n.º 9.637/98), as “organizações filantrópicas”
(Lei n.º 9.732/98) e as “organizações da sociedade civil de interesse público” (OSCIPs) (Lei
n.º 9.790/99) (SILVA, 2007, p.143).
Nesta direção, o êxitodo PDRE (1995) no âmbito das atividades “não exclusivas” do
Estado se deu em virtude da criação das OSCIPs (TORRES, 2004, p.186-187). O Estado atua
por intermédio de “incentivos fiscais e ajuda orçamentária”, utilizando os “termos de
parcerias”, de modo a custear as OSCIPs (TORRES, 2004, p.189). A relação público e
privado é marcada pela forte presença de iniciativas da sociedade civil na esfera de atuação
estatal. Neste cenário, o Comunidade Solidária foi o principal canal articulador do Estado com
as organizações do Terceiro Setor (TORRES, 2004, p.189).
Gostaríamos de ressaltar um ponto trabalhado por Torres (2004, p.190) sob a temática
“gestão”, sobre a reforma administrativa empreendida com FHC, o uso da “tecnologia da
informação”, que pode ser considerado “um grande avanço para a burocracia estatal no que se
refere à transparência, controle social, eficiência, agilidade e ganhos significativos de
produtividade”. Concordamos com o autor sobre este ponto, mas o investimento em
“tecnologia da informação” precisa vincular-se ao aprimoramento da ação estatal, não
somente nas políticas econômicas, mas também nas sociais e, inclusive no estabelecimento de
uma linguagem acessível para o entendimento da população sobre as ações do Estado.
Assim, mesmo com a aplicação da perspectiva gerencial aos processos de gestão
pública no Brasil, permaneceram “a linha tecnocrática”, bem como “o autoritarismo e o
patrimonialismo”, uma vez que as deliberações ficaram concentradas no “núcleo estratégico
do Estado e das instâncias executivas” (PAULA, 2005b, p. 141). Além disso, apesar de um
“discurso participativo”, verifica-se, na realidade, a falta de participação efetiva “da sociedade
civil nas decisões estratégicas e na formulação de políticas públicas”. (PAULA, 2005b, p.
141).
A partir do exposto acerca da gestão de FHC, não identificamos iniciativas que visam
à concretização de uma gestão democrática, com o fortalecimento da participação da
população nos canais decisórios da política (social e econômica) brasileira, muito menos de
responsabilização do Estado perante as políticas públicas, de forma a atuar na execução direta
como protagonista pelos sistemas de proteção social pública, com o fortalecimento dos entes
88
O governo Lula foi palco de expectativas, no que diz respeito a uma intervenção
governamental diferente dos postulados do neoliberalismo, porém, em sua gestão, não se
rompeu com a pauta neoliberal nos seus principais determinantes. É importante apontar a
contradição deste movimento, visto que este governo não foi uma cópia fiel do governo FHC.
Há particularidades em sua atuação que merecem considerações e sinalizam relevantes
mudanças no contexto social e econômico brasileiro, porém, sem deixar de ser um governo
articulado ao capital financeiro.
Conforme afirmam Filgueiras e Gonçalves (2007, p.23), na gestão de Lula deu-se
continuidade à “política econômica do segundo governo Cardoso”, caracterizada por “metas
de inflação, ajuste fiscal permanente e câmbio flutuante”. Na avaliação dos autores, este
governo não interrompeu o modelo liberal periférico, já comentado no governo FHC,
inclusive operou seu “aprofundamento”. Segundo Gonçalves (2013, p.61), este modelo foi
estabelecido na gestão de Lula. Mesmo com uma atuação importante ao “controle da
inflação” e à diminuição da dívida externa, na atuação de Lula assistimos elementos
regressivos como a “enorme concentração de riqueza e de renda” (FILGUEIRAS;
GONÇALVES, 2007, p.26;24).
Na questão da desigualdade de renda, muita ênfase tem se dado acerca da sua queda
no período Lula. Ao utilizar o Coeficiente de Gini, que mensura “o grau de desigualdade na
distribuição da renda domiciliar per capita entre os indivíduos” (IPEAdata), identifica-se um
decréscimo da desigualdade no período que ressaltamos: a partir do governo Lula, de 2003 a
200974 e a título de ilustração, em 2003 o índice era de 0,583; em 2009 foi de 0,543.
Conforme apresentam Filgueiras e Gonçalves (2007, p.208), a diminuição deste coeficiente
(os autores destacam o período de 1995 a 2005) tem relações com os seguintes elementos:
74
Nesta série histórica demonstrada pelo IPEAdata não consta o ano de 2010, e o último ano apresentado é o de
2012. De acordo com o IPEAdata, quanto mais próximo o indicador de 1, maior é a desigualdade. Fonte da
citação e dos dados: http://www.IPEAdata.gov.br/. Acesso em: 15/8/2014.
91
75
Apesar de nosso foco não ser o governo Dilma, sucessor de Lula, é importante pontuar que sua proposta de
governo foi de dar continuidade ao crescimento de “postos de trabalho e da capacidade de consumo dos setores
populares”, porém, não operando um “confronto com o capital”, de acordo com “o figurino montado nos dois
mandatos anteriores”. (SINGER, s/a, s/p). Conforme Gonçalves (2013, p.54), “O governo Dilma (2011-2014)
parece ser, nas suas características gerais, uma extensão do governo Lula. (...) nos dois primeiros anos do
governo Dilma não houve mudanças notáveis nas estratégias e políticas que afetam mais diretamente a estrutura
da economia e os rumos do processo de desenvolvimento”.
76
Disponível em: https://docs.google.com/file/d/0B7Wd2VQKqSAWcG0zajZaRW5jMTQ/edit?pli=1. Acesso
em 14/08/2014. Ressaltamos que não visualizamos o ano e as páginas do documento.
92
além de mera opção técnica, o que estava em jogo era uma escolha política” que se
direcionava ao “atendimento das condições impostas pela classe dominante”.
Singer também ressalta que, neste período, cresceu o investimento com programas de
transferência de renda (destacamos a regulação do Programa Bolsa Família, com a Lei n.º
10.836/200477); ampliou-se o “financiamento popular” a partir de “convênio” estabelecido
“entre sindicatos e bancos” para instituição do “crédito consignado”; ocorreu a “valorização
do salário mínimo” em 2005 – atuações governamentais que permitiram “alívio na situação
dos mais pobres e ativação do mercado interno de massa”.
A partir de 2006, segundo Singer, ao período de “irrupção da crise financeira
internacional no Brasil”, no “último trimestre de 2008”, obtiveram-se, no Governo Lula,
“valorização do salário mínimo” e “desbloqueio do investimento público”; diminuíram-se a
“taxa de juros” e o “desemprego”.
O terceiro momento destacado por Singer, no Governo Lula, envolve o momento
posterior à crise do capitalismo referenciada, em 2008 e os anos de 2009 e 2010. A estratégia
governamental do período foi de alargamento do “consumo popular” através dos seguintes
crescimentos: “do salário mínimo, das transferências de renda, das desonerações fiscais e do
alongamento do crediário”. Além disso, Singer comenta que, no cenário de crise, foi utilizado
investimento público, especialmente dos “bancos estatais”, a fim de “garantir linhas de
financiamento às empresas”.
Avaliamos que as intervenções governamentais postas por Singer acerca do
incremento do salário mínimo e dos programas de transferência de renda têm importância
para o conjunto da população trabalhadora, no sentido de lhe propiciar maior poder de compra
e de retirá-la da situação de pobreza (ou extrema pobreza); contudo, são ações vinculadas ao
contexto maior de compromisso com as relações econômicas da sociedade capitalista em
promover crescimento do consumo. Neste contexto, reafirmamos os estudos de Salvador
(2010a, p.195) do caráter regressivo da tributação no Brasil, que repassa a carga tributária à
“renda do trabalho” e à “população mais pobre”, não onerando os mais ricos.
O Governo Lula, em seu segundo mandato, vivenciou um contexto internacional
adverso de mais um episódio no capitalismo mundial, que deflagrou o cenário de crise
77
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm. Acesso em:
14/8/2014.
93
“estrutural” (nos termos de MÉSZÁRÓS, 2002, p.795), com importante intervenção estatal,
com ações já pontuadas por Singer. Chesnais (2007, p.s/p) mostra que a “crise financeira”
ocorrida na realidade norte-americana foi generalizada às demais “partes do sistema
financeiro mundial”, de forma que houve atuação relevante dos “bancos centrais” no
“fornecimento de crédito a taxas baixíssimas para os bancos em dificuldade”. O Brasil não
foge a esta tendência. Os estudos de Salvador (2010b, p.53) demonstram que “O governo
brasileiro, vislumbrando os primeiros efeitos da crise, tomou algumas medidas para liberar
mais recursos ao sistema bancário”.
As ações estatais que abarcaram “desonerações tributárias”, no sentido de
enfrentamento da “crise”, ocasionaram rebatimentos negativos no “financiamento do
orçamento da seguridade social”, de acordo com Salvador (2010b, p.56). Deste modo, por
intermédio do estudo de Salvador (2010b), verifica-se qual tem sido a direção do fundo
público brasileiro, voltado, primeiramente, para os interesses do capital financeiro, e não à
garantia de direitos e implementação de políticas públicas de caráter universal para a
população brasileira.
Assim, conforme Filgueiras e Gonçalves (2007, p.27), a “política social é a contraface
do ajuste fiscal”, sendo em tal cenário priorizada a produção dos superávits primários, que,
como vimos, destinam-se a honrar os compromissos públicos com a dívida, em detrimento
das políticas públicas sociais, cuja tendência continua no Governo Lula, e acentua-se em tal
gestão, tendo em vista a determinação governamental de “metas ainda mais elevadas”.
(FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, p.27).
Tem-se uma dinâmica perversa na ótica do estabelecimento de políticas públicas
universais, pois, segundo estudo de Boschetti (2012, p.40), há retirada de investimentos
públicos nas políticas de “seguridade social” para a formação do “superávit primário e
pagamento dos juros da dívida”.
Deste modo, conforme Behring (2014, s/p), assistimos a um movimento particular da
“economia política singular” do Governo Lula (que se segue “em linhas gerais” no Governo
Dilma), que ocasiona “impactos materiais intensos sobre a vida dos que viviam em pobreza
extrema ou absoluta”, embora não se utilize do caminho de ampliação “dos direitos
universais” e, por outro lado, “favorece em proporções muito maiores os ricos, com atenção
especial ao agronegócio e ao capital portador de juros”.
94
Cabe tecer algumas reflexões acerca da política social no Governo Lula. Na avaliação
de Filgueiras e Gonçalves (2007, p.174), “A política social do governo Lula combina
perfeitamente a flexibilização e precarização do trabalho com políticas focalizadas e flexíveis
de combate à pobreza”. Sendo assim, mesmo quando foram levadas em consideração, de
forma fragmentada, algumas demandas da classe trabalhadora no período do Governo Lula,
isso ocorreu “afastando-se dos referenciais classistas de socialização da riqueza socialmente
produzida”. (MOTA, 2012, p.37). Além disso, o tratamento conferido à pobreza por
intermédio das “políticas compensatórias” fez com se contemplassem certas “necessidades
imediatas das classes trabalhadoras”, porém, “sem romper com as exigências das classes
proprietárias e dominantes”. (MOTA, 2012, p.37).
No contexto dos programas de transferência de renda focalizados na pobreza e o
crescimento do investimento público no Governo Lula, trabalhamos alguns dados.
No ano de 2004 (ano da Lei n.º 10.836, que criou o Programa Bolsa Família), o
Governo Federal gastou mais de R$ 5 bilhões de reais com o PBF; em 2013, o gasto foi de R$
24,8 bilhões78, o que representa um aumento de 350% no investimento público (quando
deflacionado 79 este valor, o gasto corrente seria de R$ 12,7 bilhões, o que representa um
aumento real de 131%).
Porém, quando comparamos o gasto do Governo Federal com o PBF em 2013 (valor
real de R$ 24,8 bilhões) com o gasto com a dívida (interna e externa) do ano de 2013, que foi
de cerca de R$ 718 bilhões 80 (96,4% deste valor corresponde à dívida interna), a destinação de
recursos para o PBF representa 3,5% do gasto com a dívida. Estes dados revelam o grande
compromisso governamental com o capital financeiro.
Uma análise de Behring (2012, p.164) acerca do “carro-chefe da política social
contemporânea” diz respeito à aplicação significativa do “fundo público aos programas de
transferência de renda”, mesmo com valores ao público usuário atuando “aquém” das
demandas básicas do mesmo, mas intervindo “na ponta do consumo”, de forma a tornar
78
Dados disponíveis no site: http://www.portaltransparencia.gov.br. Acesso em 13/8/2014.
79
Este valor foi deflacionado pelo IGP-DI/FGV (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna/Fundação
Getúlio Vargas). Disponível no site: http://www.portalbrasil.net/igp.htm. Acesso em: 14/8/2014.
80
Dado disponível no site: http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/PrestacaoContasPresidente/index.asp. Acesso em:
12/8/2014. Verificamos as despesas executadas nas seguintes rubricas: Refinanciamento da dívida interna;
Refinanciamento da dívida externa; Serviço da dívida interna; Serviço da dívida externa.
95
81
Disponível no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8243.htm. Acesso
em: 15/8/2014.
98
O estudo tem como suposição que as intervenções estatais neste campo “são um
espaço para a constituição de uma nova forma de cidadania para as classes subalternas”.
(grifos das autoras) (SPOSATI et al., 2014, p.37). Para as autoras, este “corte assistencial” é
um dos elementos constituintes da atuação estatal no Brasil no que diz respeito às políticas
sociais. (SPOSATI et al., p.33). De acordo com Sposati et al. (2014, p.42), o mecanismo
“privilegiado” estatal de atuação na “questão social” brasileira é a “assistência”, “sob a
aparência de ação compensatória das desigualdades sociais”, criando um aparato institucional
de atendimento “aos trabalhadores identificados como pobres, carentes, desamparados”.
Segundo as autoras, o caráter “assistencial” das políticas na área social apresenta-se
“como exclusão e inclusão aos bens e serviços prestados direta ou indiretamente pelo Estado”,
tendo em vista que a “exclusão” integra a permanência “do poder econômico e político do
Estado”, bem como a “inclusão dos interesses da força do trabalho”. Outra característica
própria do “assistencial” em tais políticas é a questão de se apresentarem “como
compensatórias de „carências‟”, o que explica a seletividade realizada pelas instituições
estatais. Auferir “o grau de carência passa a ser uma preocupação básica”, tendo o Serviço
Social um importante papel em tal cenário. (SPOSATI et al., 2014, p.45-46).
Acrescentam as autoras que, no caráter assistencial, a intervenção estatal volta-se a um
grupo populacional específico, “pessoas de „poucas exigências‟”, com carências, assim, a
prestação pública de atendimento ocorre em “condições precárias, quantitativa e
qualitativamente”. (SPOSATI et al., 2014, p.46). Além disso, tem-se a característica
“emergencial nas políticas sociais”, de forma a “fragmentar a demanda em graus de urgência
para atendimento”. (SPOSATI et al., 2014, p.47). Mesmo com tais particularidades do caráter
assistencial nas políticas na área social no Brasil, Sposati et al. (2014, p.53) compreendem a
possibilidade do “confronto de interesses de classes”.
As autoras constataram a fragmentação das ações de forma setorizada, além de
revelarem a tensa relação entre os setores público e privado no contexto do objeto estudado,
no qual a intervenção do Estado na área “da assistência social pública se dilui entre o aparato
próprio e o chamado conveniado, ou indireto” (SPOSATI et al., 2014, p.118,126).
Ao articular as discussões das autoras com as questões específicas da Política de
Assistência Social, identificamos a dificuldade histórica de a política se estabelecer como área
específica das políticas sociais, de responsabilidade do Estado, com objetivos, diretrizes,
102
princípios, dotação orçamentária próprios, além da frágil legitimação política do seu público
usuário e da histórica relação contraditória entre as esferas pública e privada na prestação da
Assistência Social.
No artigo, “A assistência social e a trivialização dos padrões de reprodução social”,
do livro “Os direitos (dos desassistidos) sociais”, Sposati (2008, p.7) 83, mostra que a Política
de Assistência Social tem como singularidade a utilização do “mérito ou o valor da
necessidade” a fim de demarcar o público usuário, sendo este as pessoas que “a sociedade
reconhece como necessitados e desamparados” (grifo da autora). Os requerentes desta Política
são tidos como “„incapacitados‟ a serem assalariados”, assim, esta forma de proteção social
pública é direcionada a certos grupos populacionais (SPOSATI, 2008, p.9,13).
Neste contexto, Sposati (2008, p.14) trabalha o conceito de „Estado de bem-estar
ocupacional‟ no Brasil, ou seja, em nossa realidade as formas de garantir a “reprodução
social” voltam-se aos “estratos ocupacionais” tendo em vista seu papel econômico, seu “grau
de organização política”; e, a Política de Assistência Social, em tal cenário, atua naqueles
setores que “aparentemente „não existem para o capital‟: o trabalhador parado, o que não
possui vínculo formal, o desempregado, o indigente, os deserdados”.
Sposati (2008, p.15) traduz a área de atuação da Assistência Social na esfera do “não-
direito”, uma vez que se transfere o „direito do cidadão‟ ao „mérito da necessidade‟, sendo o
público requerente „portador de algo‟, que necessita ser classificado. Assim, a Assistência
Social envolve uma maneira “seletiva e discriminada de atenção a um segmento da
população”, ou seja, “o mais pauperizado”. (SPOSATI, 2008, p.17).
A autora (2008, p.22) trabalha as inovações oriundas com a Constituição Federal de
1988 no âmbito da Assistência Social, ao inseri-la como direito social, ao fazer referência à
“organização de um sistema governamental” nesta área. Também salienta que ultrapassar a
perspectiva da Política de Assistência Social como “ajuda” remete “conferir-lhe o estatuto de
uma política social”. (SPOSATI, 2008, p.27).
É importante ponderar que as referências de Sposati (de sua autoria ou coautoria)
citadas, da década de 1980, precisam ser situadas historicamente, pois pontuam elementos
marcantes presentes na história da Assistência Social e do seu lugar como não direito, e do
recorte específico do seu público usuário.
83
6ª edição. A primeira edição do livro é de 1989, um ano após a promulgação da Constituição Federal.
103
Neste aspecto das formas de segurança asseguradas pela Assistência Social que
Sposati (2004, p.46-49) discrimina, três ideias trabalhadas pela autora – “segurança de
acolhida”; “segurança do convívio social”; “segurança de autonomia/rendimento” – estarão
presentes na PNAS/2004. Por isso, quando discutirmos a concepção de Assistência Social
contida neste documento, identificaremos, além da conceituação de “segurança”, outras
categorias trabalhadas por Sposati (2004) incorporadas neste importante documento que
fundamenta a gestão do SUAS no território brasileiro.
Sposati (2011, p.46), na mesa-redonda “Assistência Social em Debate: Direito ou
Assistencialização”, durante o Seminário Nacional O trabalho do/a Assistente Social no
SUAS, promovido pelo CFESS, comenta sobre a PNAS/2004: “Não se pode examinar o texto
de uma política pública (...) como um texto acadêmico. A academia exige a plena coerência
do texto, mas não se pode requerer que um texto político estratégico contenha o teor de um
documento teórico”.
Sposati (2011, p.49) critica o uso da terminologia „assistencialização 84 das políticas
sociais‟ por alguns autores, que a articulam ao debate da Assistência Social na
contemporaneidade, pois se torna “um contra-movimento ao SUAS e à sua efetivação” e
continua, “Ao criticar medidas de precarização e ao mesmo tempo nominá-las por
assistencialização, cria-se uma perversa vinculação com a Política de Assistência Social”.
Sendo assim, Sposati não aceita o uso do termo “assistencialização” articulado à Assistência
Social.
É importante situar que estavam na mesma mesa-redonda as Professoras Berenice
Couto e Ana Elizabete Mota, e esta apresenta grande divergência teórica com as análises de
Sposati, conforme se apresentará adiante. Divergem inclusive na apropriação do termo
“assistencialização”, que, compreendemos, com base em Mota (2011), não se tratar de uma
desqualificação ao SUAS ou à PNAS, mas, de uma tendência do sistema público de proteção
social brasileiro desde a década de 1990, expressa na contradição “privatização da saúde e da
previdência e, de outro, para a expansão da assistência” (MOTA, 2011, p.68).
Deste modo, podemos observar que Sposati, em suas análises sobre a Política de
Assistência Social, se apropria das categorias risco social, vulnerabilidade social, exclusão,
84
A discussão acerca do termo “assistencialização” pode ser apreendida nos textos de Mota (2008; 2011);
Rodrigues (2007; 2009; 2011); Pastorini (2013).
106
colocando como tarefa desta Política a garantia de determinadas seguranças sociais, atuando
na prevenção e proteção social em relação aos riscos.
A partir daqui, consideramos outra referência no Serviço Social com relação à
Assistência Social, Maria Carmelita Yasbek. Em obra de sua autoria, Classes subalternas e
assistência social, Yasbek (200985, p.60) apresenta a Assistência sendo “um dos setores da
política social brasileira” e “mecanismo compensatório” presente em nossa proteção social
pública. O “assistencial” é posto “como ação engendrada na teia das relações estabelecidas
entre o Estado e os setores excluídos da sociedade, no contexto da reprodução social da força
de trabalho”. (YASBEK, 2009, p.60). Neste campo estão presentes “interesses
contraditórios”, nos quais as “classes subalternas” têm “acesso a bens e serviços”, de forma a
apresentar “uma face menos perversa ao capitalismo”. (YASBEK, 2009, p.64). Yasbek (2009,
p.78) opta pelos conceitos de “exclusão” e “subalternidade” a fim de compreender a condição
do público usuário na área estudada.
Ao situar a Assistência Social como política pública, Yasbek (2009, p.66) retoma o
texto constitucional de 1988, que a introduz no campo da Seguridade Social, deslocando seu
debate ao âmbito do direito e do dever do Estado, de modo a principiar seu entendimento
“como política pública e direito dos que dela necessitarem”, apesar do recorte delimitado do
seu público usuário.
Yasbek (2009, p.67) volta a usar o termo mais genérico e explicita que “a assistência é
a possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas dos subalternos”,
bem como local para “ampliação de seu protagonismo como sujeito”. (grifos da autora). Por
outro lado, a autora não deixa de reafirmar o caráter contraditório da Assistência, pois, sendo
“estratégia reguladora das condições de reprodução social dos subalternos”, tem a
possibilidade de ser “espaço de reiteração da subalternidade de seus usuários ou avançar na
construção de sua cidadania social”. (YASBEK, 2009, p.177).
Em texto publicado nos Anais da I Conferência Nacional de Assistência Social, “A
política social brasileira nos anos 90: a refilantropização da questão social”, Yasbek (1995,
85
A edição que trabalhamos é a 7ª, de 2009. A primeira edição do livro data de 1993, ano da promulgação da
LOAS. Yasbek (2009, p.11), na Apresentação da 7ª edição do livro, situa que sua reflexão à época na década de
1990 “é datada”, pontuando as transformações “do tempo presente” (grifos da autora), e comenta de forma breve
os avanços regulatórios no campo da Política de Assistência Social, com a CF/1988, a LOAS/1993, a PNAS/
2004, esta com a “perspectiva de implementação do SUAS – Sistema Único de Assistência Social”. (YASBEK,
2009, p.12).
107
p.16,17,24) situa o movimento das classes sociais no debate da Assistência Social, o caráter
contraditório desta Política, e acredita no potencial da mesma em se constituir como direito da
população usuária, embora reconheça a incapacidade desta na resolutividade de “questões
estruturais”. Também aponta o crescimento de ações das instituições do Terceiro Setor no
enfrentamento da questão social no Brasil. (YASBEK, 1995, p.23).
No artigo “As ambigüidades da Assistência Social brasileira após dez anos de
LOAS”, Yasbek (2004, p.12,13) ressalta a mudança de “concepção” da Política com a
Constituição Federal de 1988 e com a LOAS de 1993, demarcando sua passagem ao “campo
dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal”. Na área de atuação
da Política de Assistência Social, Yasbek (2004, p.15) também articula a ideia de mínimos
sociais com a de inclusão, inclusive cita a concepção de Sposati, que ressalta a ideia de
universalidade dos mesmos contra a visão de focalização.
Yasbek (2004, p.14) faz uma referência a Sposati ao comentar o que compete à
Assistência Social. Compreendemos, assim, que a autora concorda com a ideia do provimento
de segurança social, atuando em situações que envolvam risco, vulnerabilidade, exclusão.
Yasbek (2004, p.14) também acrescenta o atendimento de “necessidades emergentes ou
permanentes” oriundas dos “problemas pessoais ou sociais” da população usuária. Yasbek
(2004, p.21) reafirma seu posicionamento na compreensão da Assistência Social na dinâmica
das classes sociais e da forma de proteção social pública, que atende a interesses
contraditórios.
O campo da Assistência Social ligado às condições de risco e de vulnerabilidade são
identificadas em Yasbek (2008, p.99), no texto “Estado, Políticas Sociais e Implementação
do SUAS”, no momento em que afirma que a ideia da “Seguridade supõe que os cidadãos
tenham acesso a um conjunto de certezas e seguranças” voltadas às “situações de risco e de
vulnerabilidades pessoais e sociais” (grifos da autora). A Assistência Social, sendo uma
política de seguridade social, também atua nestas particularidades.
Yasbek não é favorável ao conceito de “assistencialização”, o que fica evidente em
artigo publicado em conjunto com Couto e Raichellis (2012, p.459), no qual as autoras
afirmam ser este termo inadequado “para dar conta dos processos em curso no âmbito dos
sistemas de proteção social”, e seu uso, segundo as mesmas, “reforça a visão preconceituosa
sobre a assistência social”.
108
86
Conforme Vinhais e Souza (2006, p.2): “Por linha de pobreza absoluta entende-se aquele valor constante em
termos reais atrelado a algum critério fixo, e.g., o mínimo necessário para obter uma determinada cesta de bens
previamente estabelecida pelo analista. Por linha de pobreza relativa entende-se aquele valor fixado em relação à
renda média ou mediana da população. (...) A linha de pobreza absoluta permite a comparação entre níveis de
pobreza de tal modo a precisar a evolução do padrão de vida absoluto ao longo do tempo ou entre regiões sem
confundir com mudanças de distribuição de renda. Já a linha de pobreza relativa estabelece considerações
distributivas nesta análise”. Para aprofundamento na discussão do conceito de pobreza, ver Siqueira (2013).
109
históricos”. Para Pereira (2007a, p.226), a Assistência Social “não estaria voltada
exclusivamente para a pobreza absoluta, mas, também, para a pobreza relativa ou para a
desigualdade social” (grifos da autora).
Destacamos que em seu artigo “Como conjugar especificidade e intersetorialidade na
concepção e implementação da política de assistência social”, Pereira (2004, p.60,61) aponta
a “natureza interdisciplinar e intersetorial” da Política de Assistência Social e coloca que
“defender a verdadeira identidade” desta envolve afirmar que “é uma política social
particular” e não “setorial” (grifos da autora).
Em texto publicado após a aprovação da PNAS/2004 e da NOB-SUAS/2005, “A
assistência social prevista na Constituição de 1988 e operacionalizada pela PNAS e pelo
SUAS”, Pereira (2007b) faz uma crítica de alguns termos utilizados em referência ao Sistema
Único de Saúde transpostos ao SUAS, como a subdivisão entre proteção social básica e
especial e o uso do termo vigilância associado à Assistência Social.
Nota-se, então, que Potyara Pereira problematiza o uso do conceito de mínimos sociais
associado à Assistência Social; faz a defesa da mesma como política particular; se apropria
dos conceitos de exclusão e inclusão, imputando à Assistência Social a responsabilidade pela
inclusão; insere a Política no enfrentamento da pobreza relativa; e critica a transposição de
termos próprios do SUS à Assistência Social.
Neste debate conceitual sobre a Assistência Social, na obra “Assistência Social no
Brasil: um direito entre originalidade e conservadorismo”, Ivanete Boschetti (2003, p.46-47)
trabalha a relação entre a assistência social e o trabalho, apontando o histórico tensionamento
entre estas duas áreas, mesmo após serem legitimadas com o caráter de direito social.
Boschetti (2003, p.52) sinaliza que, em nosso país, a Política de Assistência Social “como
direito incorporou com toda a força o critério da inaptidão ao trabalho”. Ou seja, tem direito à
Assistência Social aqueles que não são capazes – a autora delimita a questão da “idade e/ou
deficiência” – de se inserir na esfera do trabalho e de “contribuir para a previdência”.
(BOSCHETTI, 2003, p.64).
Boschetti (2003, p.78) pontua a mudança de paradigma da Política de Assistência
Social com a CF/1988 e a LOAS/1993, que a inserem nos campos do “direito”, da seguridade
pública e de responsabilidade estatal. E destaca a diretriz da descentralização político-
administrativa relacionada à Política de Assistência Social (BOSCHETTI, 2003, p.122).
110
“se articular a todas as políticas sociais”, bem como através de “mobilização social lutar” a
fim dos demais direitos serem concretizados.
Observa-se, assim, que Boschetti trabalha a articulação entre trabalho e assistência
social e o tensionamento histórico entre tais campos; destaca as diretrizes da Assistência
Social de cunho democrático; apresenta a universalidade associada à intersetorialidade;
problematiza a questão da focalização na Assistência Social; e aponta a necessidade da
interlocução da Assistência Social com as demais políticas públicas.
Por fim, das análises relevantes de Ana Elizabete Mota, procuramos extrair sua
concepção sobre a Assistência Social. No livro “Cultura da crise e seguridade social: um
estudo sobre as tendências da previdência e da assistência social brasileira nos anos 80 e
90”, Mota (200888, p.43) considera que, no movimento de reorganização do “grande capital”
(ressaltando a particularidade brasileira), houve o processo de “mercantilização/
assistencialização da seguridade social”. Neste contexto, assistiram-se às estratégias
privatizantes no campo da Política de Previdência Social e Saúde; e crescimento da
Assistência Social, com uma atuação focalizada na pobreza. (MOTA, 2008, p.45). Além
disso, Mota (2008, p.147) pontua que os “assalariados” são “reconceituados como cidadãos
proprietários consumidores e/ou cidadãos pobres e assistidos”. A autora sinaliza, assim, o
campo da Assistência Social neste processo que denomina de
“assistencialização/mercantilização”, demarcando um crescimento de suas ações destinadas à
pobreza.
Pontuamos uma aproximação entre as análises de Boschetti e Mota, tendo em vista a
relação que ambas fazem entre assistência e trabalho, ou seja, com as autoras, verifica-se que
não é possível debater a Assistência Social sem falar de Trabalho. Por isso, as análises destas
autoras são mais contundentes quanto aos limites da Assistência Social no contexto do
capitalismo.
Já no texto “A centralidade da assistência social na Seguridade Social brasileira nos
anos 2000”, Mota (2010, p.134) problematiza o fato desta Política se apresentar como “novo
fetiche de enfrentamento à desigualdade social”, de modo a ser colocada como “principal
mecanismo de proteção social” em nossa realidade.
88
A nossa edição é a 5ª, a primeira edição do livro data de 1995.
113
89
“A análise de conjunto que Marx oferece n‟O Capital revela, luminosamente, que a „questão social‟ está elementar-
mente determinada pelo traço próprio e peculiar da relação capital/trabalho – a exploração”. (NETTO, 2001,
p.45).
118
atividade laborativa, segundo a Ministra do MDS 90, Tereza Campello, um número superior a
70% da população adulta que recebe o PBF exerce atividade laborativa, porém permanece
como beneficiário, “por não ter condições de se sustentar apenas com a renda de suas
atividades”.
Não compartilhamos de uma concepção de Assistência Social que a coloque numa
perspectiva de repasses mínimos de renda ao público usuário apenas para lhe dar uma
sobrevida econômica ou inseri-lo na condição de consumidor de mercadorias, sem
proporcionar-lhe, de fato, uma participação no usufruto da riqueza socialmente produzida.
Esta concepção está em concordância com a tendência contemporânea de uma estratégia, já
comentada no primeiro capítulo, de atuação estatal focalizada no combate à pobreza
(extrema), aclamada pelos organismos multilaterais como o Banco Mundial, que não altera a
desigualdade estrutural entre as classes sociais.
Além disso, apesar de concordarmos com as fundamentações e argumentações de
Mota (2010; 2011) e Rodrigues (2011) no sentido da problematização crítica da Assistência
Social e do SUAS no cenário contemporâneo, optamos por não utilizar o termo
“assistencialização”, tendo em vista, conforme entendem determinados autores no Serviço
Social, que a relação desta expressão com a Política de Assistência Social opera para sua
desqualificação. As tendências que impõem limites e dificuldades à Assistência Social no
contexto de implementação do SUAS serão trabalhadas no decorrer deste estudo sem utilizar
um termo específico que dê conta de denominá-las.
Consideramos que a fundamentação teórica de um texto político revela o
direcionamento de projetos societários, a forma de compreensão das relações sociais e
econômicas, o norte para o qual caminhará o processo de implementação de determinada
política. Deste modo, realizada a apropriação do debate conceitual sobre a Assistência Social
no Serviço Social, e explicitado o nosso posicionamento quanto ao mesmo, cabe-nos entrar na
discussão da concepção da Política de Assistência Social presente na PNAS/2004, cujo
documento fornece as fundamentações para a constituição da NOB-SUAS/2005 e NOB-
SUAS/2012, para a revisão da LOAS através da Lei n.º 12.435/2011, considerada a “Lei do
SUAS”, e que também dá a tônica dos processos de gestão pública do SUAS.
90
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2013/maio/bolsa-familia-mais-de-70-dos-
beneficiarios-trabalham>. Acesso em: 21/10/2014.
119
92
Anthony Giddens é reconhecido como importante autor da “Terceira Via”. Segundo o próprio Giddens (2000):
“É fácil explicar o que é a terceira via. É um rótulo para discussões que ocorrem no mundo sobre como construir
políticas de centro-esquerda, responsáveis pelas grandes mudanças na sociedade global. Sabemos agora que as
duas tradições mais antigas: o socialismo tradicional, com espaços na propriedade coletiva, e o gerenciamento
econômico keynesiano [referente a Keynes] não são mais relevantes. Mas também sabemos que não faz sentido
tratar o mundo como um gigantesco mercado. A „segunda via‟ chegou a um beco sem saída. É uma filosofia
incompleta, não tem uma justiça social. Procuramos uma política diferente. É um debate aberto no mundo todo.
Não há um programa fechado, mas há uma série de princípios comuns, que se aplicam à maioria dos países.
Claro que países diferentes têm projetos diferentes, diferentes histórias. E não há um único esquema que se
aplique a todos. Mas há uma série de princípios que se pode chamar de terceira via, mas não é preciso usar a
expressão „terceira via‟. Não é preciso usá-lo – é redundante– se não quiser. O que falamos é na modernização
da centro-esquerda, modernização da filosofia e prática política da esquerda e centro”. Citação disponível
em:<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/286/entrevistados/anthony_giddens_2000.htm>. Acesso em:
11/11/2014.
123
93
A relação deste autor com o Banco Mundial fica evidente no Prefácio e nos Agradecimentos do livro citado,
bem como a influência de suas reflexões no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001 – Luta
contra a pobreza, do Banco Mundial.
126
94
De acordo com Sen (2010, p.58), há cinco “liberdades instrumentais” (que “contribuem, direta ou
indiretamente, para a liberdade global que as pessoas têm para viver como desejariam”): “liberdades políticas”;
“facilidades econômicas”; “oportunidades sociais”; “garantias de transparência”; “segurança protetora” (grifos
do autor).
127
95
De acordo com o Banco Mundial (2000/2001, p.15): “Todas estas formas de privação restringem severamente
o que Amartya Sen chama de „capacidades inerentes à pessoa (...)”.
96
Para maiores informações sobre tais estratégias ver capítulo 2 do Relatório - As causas da pobreza e um
esquema de ação (BM, 2000/2001, p.31-42).
128
97
Boschetti (2005, p.13) cita algumas políticas fazendo referência ao Artigo 6.º da Constituição. De acordo com
o texto na íntegra da CF/1988, Artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º64, de 2010)”.
129
que a reduzem”, ou seja, coloca-se as noções das capacidades das famílias e das condições de
risco.
O segundo fundamento é a descentralização político-administrativa e
territorialização, e retoma o conceito de descentralização da LOAS (alguns pontos já
mencionados), pelo qual cada ente federado atua conforme as competências estabelecidas pela
legislação. (BRASIL, 2005a, p.43). Acrescenta que o Conselho de Assistência Social (com
representação “paritária entre sociedade civil e governo”); o Fundo de Assistência Social
(“centraliza os recursos na área, controlado pelo órgão gestor e fiscalizado pelo Conselho”); o
Plano de Assistência Social (manifesta “a política e suas inter-relações com as demais
políticas setoriais e ainda com a rede socioassistencial”) constituem os principais mecanismos
aos processos de gestão na área. (BRASIL, 2005a, p.43). Ainda sobre a descentralização, o
documento sinaliza a necessidade de ocorrer “transferência de poder de decisão, de
competências e de recursos, e com autonomia das administrações dos microespaços” a fim de
executar as várias atribuições elencadas, bem como “garantias de participação local”.
(BRASIL, 2005a, p.44).
A PNAS (BRASIL, 2005a, p.43-44) associa à diretriz da descentralização a questão da
territorialização, para contemplar nas ações da Assistência Social as necessidades específicas
de determinados territórios, com o objetivo de romper com uma atuação fragmentada na área.
Além disso, a Política determina uma “caracterização dos grupos territoriais”, trabalha com o
porte dos municípios por número de habitantes e alguns dos seus aspectos socioeconômicos, e
aponta as formas de proteção necessárias em cada recorte realizado (BRASIL, 2005a, p.45-
46).
Nesta questão da territorialização, apontamos as análises de Silva (2012, p.214), no
sentido de esta “ser problematizada como dimensão contraditória que compõe a lógica da
sociedade capitalista”, de modo a manifestar “desigualdade, segregação, dominação e
destituição”; e; deste modo, precisa se constituir em objeto primordial das políticas sociais, no
sentido do alcance de “parte da riqueza concentrada no fundo público ao atendimento de
necessidades básicas e universais da população”; além de guardar a possibilidade de se
traduzir como “estratégia de fortalecimento da luta de classes” através de “articulação de
demandas e de manifestações coletivas contestatórias e/ou reivindicatórias de outras
condições de vida na geografia capitalista”. Neste sentido, consideramos a territorialização
131
nos Conselhos e nas Conferências, tendo, neste contexto, os demais espaços que caminham
juntos a fim de fortalecer a participação social no campo da Política de Assistência Social.
Sob esta temática, a PNAS (BRASIL, 2005a, p.52-53) reconhece a necessidade de efetivar
formas de a população usuária participar neste controle democrático.
Outro ponto que a PNAS (BRASIL, 2005a, p.53-54) traz para a reconfiguração da
gestão do SUAS envolve a Política de Recursos Humanos, com o objetivo de efetivar a
“qualificação dos recursos humanos e maior capacidade de gestão dos operadores da política”.
Para tanto, é preciso investir em profissionais concursados, em capacitações de forma
contínua, em planos de carreiras (BRASIL, 2005a, p.55), o que a NOB-RH/SUAS, de 2006,
vem contribuir significativamente para a regulação da Política de Recursos Humanos na área
da Assistência Social. (NOB-RH/SUAS, 2011).
Por último, a PNAS (BRASIL, 2005a, p.55,58) informa como essencial à gestão do
SUAS a Informação, Monitoramento e Avaliação, concebendo estes processos “como setores
estratégicos de gestão”. Aponta a necessidade de estruturar o “sistema nacional de
informação”, com produção e socialização de indicadores; além de mudanças para “realização
de políticas estratégicas de monitoramento e avaliação”, tendo em vista os processos de
verificação e de aprimoramento das ações da Política de Assistência Social, além de cooperar
com “seu planejamento futuro”. (BRASIL, 2005a, p.57). Neste cenário, fica em evidência o
uso da área de “tecnologia da informação”, tendo em vista a “produção de informações e
conhecimento” aos sujeitos envolvidos na Política; “novos espaços e patamares para a
realização do controle social, níveis de eficiência e qualidade mensuráveis”; além do efetivo
“avanço da política de assistência social para a população usuária” (BRASIL, 2005a, p.57-
58).
A partir da discussão realizada sobre a concepção da Assistência Social na
PNAS/2004, observamos que os postulados acerca da gestão são elementos que apresentam
importantes possibilidades para operacionalização da Assistência Social como política pública
de seguridade social, constituída como um direito da população. Desses postulados,
destacamos: o controle democrático; a descentralização político-administrativa; o compro-
misso do Estado; a busca pela democratização das informações; a valorização dos trabalhado-
res atuantes na Política; as diretrizes acerca do financiamento; a ideia dos CRAS
aproximando-se das necessidades da população
134
Avalia-se que a Lei nº 12.43598, de 2011, conhecida como a Lei do SUAS, teve o
processo de sua promulgação inserido no contexto advindo desde 2004, de favorecimento
98
Várias terminologias são citadas na íntegra, conforme texto original da LOAS com alterações da Lei
12.435/2011.
135
99
Disponível em:<http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2011/julho/pl-suas-sera-sancionado-pela-
presidenta-dilma-rousseff-nesta-quarta-feira-6/?searchterm=lei do suas>. Acesso em: 8/3/2015.
100
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2011/julho/presidenta-dilma-sanciona-lei-
do-suas-e-garante-continuidade-ao-atendimento-da-assistencia-social/?searchterm=lei do suas>. Acesso em
8/3/2015.
136
Quadro 6
Comparação LOAS - 1993/LOAS com texto da lei do SUAS - 2011
LOAS/1993 LOAS COM ALTERAÇÕES DA LEI
12.435/2011
Art. 2º. Parágrafo Único Art. 2º. Parágrafo Único
A assistência social realiza-se de forma Para o enfrentamento da pobreza, a
integrada às políticas setoriais, visando ao assistência social realiza-se de forma
enfrentamento da pobreza, à garantia dos integrada às políticas setoriais, garantindo
mínimos sociais, ao provimento de condições mínimos sociais e provimento de condições
para atender contingências sociais e à para atender contingências sociais e
universalização dos direitos sociais. promovendo a universalização dos direitos
sociais.
Fonte: Lei 8.742/1993 com alterações da Lei 12.435/2011. Os destaques no texto são nossos.
Esta pode ser, aparentemente, uma pequena mudança textual, mas faz toda a diferença
no sentido de direcionamento político e interventivo da Política de Assistência Social, que
acaba por dar maior centralidade às ações de combate à pobreza.
No artigo 3º da LOAS (com alterações da Lei do SUAS), acerca das entidades e
organizações de assistência social – de atendimento, assessoramento e defesa e garantia de
direitos –, as frentes de atuação das mesmas são mais pormenorizadas no texto da legislação,
o que foi um movimento importante para definir seu campo de ação na prestação da
Assistência Social.
Um aspecto relevante a ser salientado é que os princípios e as diretrizes (Artigos 4º e
5º) não foram alterados pela Lei do SUAS/2011, mantendo-se o texto original na LOAS. Já o
artigo 6º, referente à gestão da Política de Assistência Social, sofre grandes mudanças, em
virtude de esta passar a ser estruturada tendo por base o SUAS, buscando atingir uma “gestão
compartilhada, o cofinanciamento e a cooperação técnica entre os entes federativos”; “inte-
grar a rede pública e privada de serviços, programas, projetos e benefícios de assistência
social”; “estabelecer as responsabilidades dos entes federativos”; “definir os níveis de ges-
tão”; “implementar a gestão do trabalho e a educação permanente”; “estabelecer a gestão inte-
grada de serviços e benefícios”; “afiançar a vigilância socioassistencial e a garantia de direitos”.
Ainda sobre o artigo 6º, as atividades desenvolvidas no SUAS visam à proteção social
aos grupos populacionais estabelecidos pela Política, e se organizam tendo em vista a
territorialização (Art. 6º, §1º). Compõem o SUAS as diferentes esferas da Federação, os
137
101
De acordo com a NOB-RH/SUAS: anotada e comentada (BRASIL, 2011b, p.27): “Cada equipe de referência
é encarregada de intervir junto a um determinado número de usuários, que apresentam determinadas situações de
vulnerabilidade ou risco social e pessoal, de acordo com o nível de proteção social em que se insere (básica ou
especial, de média ou alta complexidade) e o tipo de serviço socioassistencial operado. Isto significa dizer que a
equipe se torna referência para um determinado número de usuários, criando vínculos de confiança com eles”.
138
Além disso, o Art. 12-A trata do Índice de Gestão Descentralizada do SUAS (IGD-
SUAS), que envolve um subsídio financeiro da União para os demais entes federados ao
“aprimoramento à gestão descentralizada dos serviços, programas, projetos e benefícios de
assistência social”. Nesta questão do IGD-SUAS, ressaltamos a necessidade de cumprimento
de resultados por parte dos gestores estaduais, municipais e do DF (Art. 12-A, Incisos I e II).
Também apontamos, segundo §4º do Artigo 12-A, que, objetivando o “fortalecimento dos
Conselhos de Assistência Social”, um “percentual dos recursos transferidos” será destinado
para “atividades de apoio técnico e operacional àqueles colegiados”.
Com relação às competências dos Estados, sinalizamos as mudanças acerca do
cofinanciamento referentes à melhoria na gestão, além do cofinanciamento dos serviços,
programas e projetos (Art. 13, Inciso II) e da previsão de práticas de “monitoramento” e
“avaliação” da Política, bem como assessoramento aos entes municipais à realização de tais
intervenções (Art. 13, Inciso VI). Aos Estados cabe também “destinar recursos financeiros”
aos entes municipais a fim da sua “participação no custeio do pagamento dos benefícios
eventuais” (Art. 13, Inciso I).
As mudanças na legislação das competências dos municípios são muito próximas do
ente estadual, sobre o cofinanciamento ao aperfeiçoamento da gestão e às demais atividades
da Política de Assistência Social (Art. 15, Inciso VI); efetivar ações de “monitoramento” e de
“avaliação” da Política (Art. 15, Inciso VII); além de “destinar recursos financeiros para
custeio do pagamento dos benefícios eventuais” (Art. 15, Inciso I).
No Artigo 16, Incisos I a IV, a legislação estabelece que as instâncias deliberativas do
SUAS são os Conselhos (Nacional, Estadual, do DF e Municipal), que, com a redação da Lei
12.435/2011, no parágrafo único deste artigo, “estão vinculados ao órgão gestor de assistência
social”, o qual tem a responsabilidade de fornecer “a infraestrutura necessária ao seu
funcionamento”. Esta Lei também inclui no parágrafo 4.º, do Artigo 17, que compete aos
Conselhos no nível Estadual, Municipal e do DF “acompanhar a execução da política de
assistência social, apreciar e aprovar a proposta orçamentária, em consonância com as
diretrizes das conferências” realizadas nas diferentes esferas da federação.
Os benefícios, serviços socioassistenciais, programas e projetos da Política de
Assistência Social serão detalhados no próximo subitem, particularizando sua articulação com
as ações de proteção social básica. Cabe-nos, neste momento, pontuar que a Lei do SUAS
139
altera o texto da LOAS no que se refere ao BPC; aos benefícios eventuais; aos serviços; aos
programas, nestes estabelecendo o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família
(PAIF) no âmbito da PSB (Art. 24-A), o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a
Famílias e Indivíduos (PAEFI) no âmbito da PSE (Art. 24-B), e o Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil (PETI) (Art. 24-C) que, segundo site do MDS102, envolve as duas
proteções sociais no âmbito do SUAS, a PSB e a PSE.
As alterações que ressaltamos no texto da LOAS com a Lei do SUAS que dizem
respeito ao financiamento impõem a corresponsabilidade dos entes federados na gestão dos
Fundos (Art. 28, § 1º), e em cofinanciar a execução e o aperfeiçoamento das atividades
pertinentes à Política de Assistência Social (Art. 28, § 3º), sendo o cofinanciamento realizado
através de repasse automático, fundo a fundo (Art. 30-A); a prestação de contas dos “entes
recebedores ao ente transferidor” ocorre através do Relatório de Gestão, de forma anual, o
qual deve ser sujeito à consideração do Conselho em questão (Art. 30-C).
As transformações postas em destaque neste importante marco regulatório ratificam a
influência da PNAS/2004 e da sua concepção de Assistência Social no texto da LOAS, com a
apropriação de seus conceitos, como a atuação da Política em situações de risco e
vulnerabilidade social, e da incorporação da vigilância socioassistencial, além de abarcar as
inúmeras frentes de atuação oriundas do texto da PNAS/2004, que sinaliza para a
problematização feita por Boschetti (2011, p.301) da Assistência Social ser colocada no rol de
principal política protetiva.
Outro elemento que merece reflexão, a ser retomado, é o enfoque da Política de
Assistência Social no combate à pobreza com a nova redação da Lei do SUAS, o que se
reflete na implementação do SUAS no território brasileiro, com uma intervenção da
Assistência Social e de todo o aparato que constitui o SUAS focalizada nos programas de
transferência de renda que visam a enfrentar a pobreza (extrema), o que aprofundaremos nas
próximas análises deste capítulo.
Da mesma forma que a PNAS/2004, as mudanças mais progressistas de cunho
democrático introduzidas pela Lei do SUAS foram na temática gestão, uma vez que, tendo em
vista o direcionamento para efetivar a gestão com a diretriz da descentralização político-
102
<http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/peti-programa-de-erradicacao-do-
trabalho-infantil/gestor/gestor-institucional>. Acesso em 9/2/2015.
140
103
Nosso estudo focaliza os CRAS, tendo em vista a centralidade deste equipamento público a partir da
reorganização posta pela PNAS/2004 na prestação da PSB, embora tenhamos ciência de que este não é o único
equipamento da PSB. Há, por exemplo, os Centros de Convivência para Idosos (BRASIL, 2005a, p.36) e,
segundo as Orientações Técnicas sobre o PAIF (BRASIL, 2012a, p.20), o próprio Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos tem a possibilidade de se realizar nos demais equipamentos públicos, ou instituições
da rede socioassistencial privada, não somente nos CRAS.
141
que ressaltam outras intervenções nesta área. Fechamos a discussão salientando um panorama
geral do SUAS no campo da PSB.
Nosso objetivo não é aprofundar a análise dos pormenores de cada atividade da Polí-
tica de Assistência Social na PSB, apontando se estas ocorrem de acordo com a legislação e as
inúmeras normativas do MDS para esta área. Na realidade, procuramos em nossas reflexões
apreender questões de fundo conceitual de tais ações e da concepção de Assistência Social
revelada nestas práticas e da relação destes com os processos de gestão pública do SUAS.
Como já salientado, as atividades de PSB são voltadas à prevenção do que a
PNAS/2004 denomina de situações de risco e vulnerabilidades sociais, e utilizam em suas
estratégias a ideia de capacitar o público usuário, de fortalecer os vínculos relacionais, de
afiançar seguranças sociais. As ações de PSB são realizadas de forma predominante nos
CRAS, equipamentos públicos de Assistência Social alocados em territórios tidos como
vulneráveis e de risco, próximos às comunidades e tidos como referência a estas, sendo
considerados “a principal porta de entrada do SUAS” (BRASIL, 2009a, p.9). São levados em
conta, também, os portes dos municípios, segundo a NOB-SUAS (BRASIL, 2005b, p.91,98),
para estabelecer a quantidade mínima destas unidades públicas – por exemplo, em municípios
de Grande Porte (população de 100.001 a 900.000 habitantes, segundo BRASIL, 2005a,
p.16), são necessários 4 equipamentos, “cada um para até 5.000 famílias referenciadas 104”.
Segundo o MDS (BRASIL, 2009a, p.35), se houver 5.000 famílias referenciadas no CRAS,
calcula-se um potencial para atender 1.000 famílias por ano.
De acordo com o MDS (BRASIL, 2009a, p.10), os CRAS realizam “a referência e a
contrarreferência do usuário na rede socioassistencial do SUAS”, sendo a primeira
concretizada no momento em que os profissionais dos CRAS atuam sob “as demandas
oriundas das situações de vulnerabilidade e risco social”, tendo em vista “garantir ao usuário o
acesso à renda, serviços, programas e projetos”; e se pratica a segunda quando “a equipe do
CRAS recebe encaminhamento do nível de maior complexidade (proteção social especial) e
garante a proteção básica”.
Como competências dos CRAS, destacamos, segundo o MDS (BRASIL, 2009a, p.11),
a “Gestão territorial da rede socioassistencial da PSB” (ação que envolve “articulação” desta
104
De acordo com MDS (BRASIL, 2009a, p.35, nota de rodapé), famílias referenciadas “são aquelas que vivem
no território de abrangência do CRAS”.
142
rede105; “promoção da articulação intersetorial 106 e a busca ativa 107”, de acordo com BRASIL,
2009a, p.19); realização do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) (que
deve ocorrer de forma “obrigatória e exclusiva” nos CRAS, conforme BRASIL, 2009a, p.19)
e demais serviços socioassistenciais da PSB; e repasse das “informações e dados para o Órgão
Gestor Municipal ou do DF sobre o território”, a fim de auxiliá-lo em algumas ações de sua
responsabilidade. Ainda sobre o CRAS, os “eixos estruturantes” presentes no SUAS que o
caracterizam são a territorialização e a matricialidade sociofamiliar, segundo documento do
MDS (BRASIL, 2009a, p.11).
Conforme o MDS (BRASIL, 2009a, p.48), a infraestrutura física 108 dos CRAS precisa
estar compatível com a prestação das ações de PSB a serem realizadas, sendo que “o imóvel
deve possuir características dimensionais e ambientais adequadas”, com atenção para que a
pessoa com deficiência e idosa possam ser atendidas; e orienta-se que este equipamento seja
de patrimônio do poder público, “em especial imóvel adquirido pela gestão municipal” com
este fim, no sentido deste equipamento ser uma “referência para a população”. Além disso,
sua instalação não pode ocorrer em instituições da sociedade civil organizada, nem ser usada
em conjunto no mesmo espaço de outros equipamentos da gestão pública, como Secretarias.
(BRASIL, 2009a, p.49). No Quadro 7, apresentamos alguns elementos da síntese do MDS
(BRASIL, 2009a, p.54) acerca do espaço físico do CRAS, ressaltando a capacidade de
atendimento anual de 1.000 famílias, compatível com a realidade de municípios de Grande
Porte.
105
“A articulação da rede de proteção social básica, referenciada ao CRAS, consiste no estabelecimento de
contatos, alianças, fluxos de informações e encaminhamentos entre o CRAS e as demais unidades de proteção
social básica do território”. (BRASIL, 2009a, p.21).
106
“A promoção da articulação intersetorial no território de abrangência do CRAS é uma ação coletiva,
compartilhada e integrada a objetivos e possibilidades de outras áreas, tendo por escopo garantir a integralidade
do atendimento aos segmentos sociais em situação de vulnerabilidade e risco social”. (BRASIL, 2009a, p.28).
107
“A busca ativa refere-se à procura intencional, realizada pela equipe de referência do CRAS, das ocorrências
que influenciam o modo de vida da população em determinado território. Tem como objetivo identificar as
situações de vulnerabilidade e risco social, ampliar o conhecimento e a compreensão da realidade social, para
além dos estudos e estatísticas. Contribui para o conhecimento da dinâmica do cotidiano das populações (...); os
apoios e recursos existentes e, seus vínculos sociais”. (BRASIL, 2009a, p.29) (citação sem o grifo do documento
original).
108
Para maior aprofundamento das orientações do MDS sobre esta questão da infraestrutura física dos CRAS,
verificar “CRAS: a melhoria da estrutura física para o aprimoramento dos serviços: orientações para gestores e
projetistas municipais”, MDS (BRASIL, 2009b) e MDS (BRASIL, 2009a, p.50-55).
143
Outros elementos são ressaltados pelo MDS (BRASIL, 2009a, p.55) para a garantia da
qualidade do trabalho desenvolvido nos CRAS, como móveis em boas condições, materiais
como “Livros, cds, dvds, televisor, aparelho de DVD, som, microfone, máquina fotográfica”,
além de “linha telefônica e computador com acesso a internet”. Outro equipamento salientado
pelo MDS (BRASIL, 2009a, p.55) a fim de realizar o PAIF refere-se ao veículo, no sentido de
se efetuar as “visitas domiciliares e para o acompanhamento de famílias em áreas dispersas do
território de abrangência do CRAS”. Cada CRAS terá sua “identificação” através de “placa”,
com o objetivo de “garantir a visibilidade da unidade e o acesso facilitado das famílias
beneficiárias, bem como sua vinculação ao SUAS”. (BRASIL, 2009a, p.58).
Acrescentamos o destaque dado no documento do MDS (BRASIL, 2009a, p.61-66) à
questão da infraestrutura de recursos humanos dos CRAS, reafirmando as prerrogativas da
NOB-RH do SUAS, que determina as equipes de referência dos CRAS conforme a
quantidade de famílias que são referenciadas. A título de ilustração, apresentamos um quadro
144
adaptado de MDS (BRASIL, 2009a, p.61), ressaltando-se o número de cinco mil famílias
referenciadas.
Mais uma vez o documento (BRASIL, 2009a, p.61) se reporta à NOB-RH do SUAS e
ratifica a orientação dada de tais equipes de referência serem formadas por profissionais
concursados. Avaliamos que a realização de concurso público para formar o quadro dos
trabalhadores do SUAS contribui para a estabilidade destes, mas isto deve ser combinado a
outros elementos: pagamento de salários dignos, condições de trabalho adequadas e, como
aponta a NOB-RH do SUAS anotada e comentada (2011), concretização dos planos de
carreira, cargos e salários, e capacitação continuada. Tais determinantes implementados em
conjunto favorecem a permanência dos profissionais nas diferentes frentes de atuação da
Assistência Social a partir do reordenamento imposto com o SUAS, evitando a prestação
descontínua das atividades que o compõem, sua desqualificação perante as comunidades
referenciadas, e até mesmo a perda de referência destas nos equipamentos públicos de
Assistência Social, como os CRAS.
109
Uma informação importante salientada pelo MDS (BRASIL, 2009a, p. 61, nota 32) é que “A equipe de
referência normatizada pela NOB-RH trata apenas do padrão mínimo estabelecido para cada CRAS a partir de
sua capacidade de atendimento”.
110
“Poderão compor a equipe: pedagogo, sociólogo, antropólogo ou outro profissional com formação compatível
com a intervenção social realizado pelo PAIF”. (BRASIL, 2009a, p.61).
145
111
Disponível em: http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/1014; http://www.cfess.org.br/visualizar/pecas-
tematicas. Acesso em: 8/3/2015.
112
http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/peti-programa-de-erradicacao-do-
trabalho-infantil/gestor/gestor-institucional. Acesso em 09/02/2015.
146
113
Uso das nomenclaturas e textos na íntegra dos documentos e sites pesquisados.
147
Estaduais.
Municípios:
identificação,
cadastramento,
acompanhamento,
apoio aos usuários,
averiguação do
cumprimento de
condicionalidades,
realizar a
intersetorialidade.
Programa Nacional Visa processos autônomos à população O MDS realiza a
de Promoção do usuária através de ações de articulação e coordenação
Acesso ao Mundo mobilização para a integração ao mundo nacional, o
do Trabalho do trabalho. cofinanciamento, a
ACESSUAS/Traba Tem interface com o Plano Brasil Sem elaboração e repasse
lho Miséria. das diretrizes, etc.
Diz respeito às práticas de articulação, Os Estados devem
mobilização, encaminhamento e apoiar tecnicamente
monitoramento da população usuária para os Municípios, e
os cursos de formação inicial e acompanhar e
continuada, em parceria com o monitorar sua
115
PRONATEC no âmbito do Programa execução nestes.
Brasil Sem Miséria. Os Municípios são
responsáveis pela
execução, pelo
acompanhamento e
monitoramento das
metas, e pela
atualização do
sistema de
acompanhamento.
Fonte do Quadro 9: Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais/2009; LOAS com
atualizações da Lei n.º 12.435/2011; NOB-SUAS/2012; Informações do site do MDS116.
Utilização das nomenclaturas e textos na íntegra dos documentos e sites pesquisados.
115
“Em parceria com o Ministério da Educação (MEC), o Plano Brasil Sem Miséria (BSM) coordena a ofert a de
vagas de qualificação profissional no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
(PRONATEC). São cursos de formação inicial e continuada voltados para a inserção no mercado de trabalho,
com duração mínima de 160 horas. Os cursos são ofertados em instituições de reconhecida qualidade no ensino
técnico e tecnológico, como as unidades do sistema nacional de aprendizagem (SENAC e SENAI) e a Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica. A oferta é gratuita e os beneficiários recebem alimentação,
transporte e todos os materiais escolares.” Disponível em: http://www.brasilsemmiseria.gov.br/inclusao -
produtiva/pronatec-brasil-sem-miseria. Acesso em: 8/12/2014.
116
Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaobasica, acesso: em 14/10/2014;
http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/psb-protecao-especial-basica/psb-
institucional/psb-institucional, acesso em: 14/10/2014;
152
117
Segundo site: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/psb-protecao-especial-
basica/programa-de-acessibilidade-ao-mundo-do-trabalho/acessuas-institucional. Acesso em 8/12/2014.
154
118
No documento pesquisado não conseguimos visualizar os números das páginas, por isso não informamos no
texto nas citações. Uso dos termos na íntegra da referência original.
119
Utilizados os termos na íntegra, de acordo com o documento original.
120
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php#Assistência Social. Acesso em 04/12/2014.
155
No caso da fonte de recursos do financiamento dos CRAS, 84,6% são financiados com
recursos do município (ou do governo do DF), 82,8% com recursos federais, e 39,4% com
recursos estaduais. (BRASIL, 2014b, p.4). Estas informações revelam o predomínio da
participação do órgão gestor municipal e federal nos processos de implementação dos CRAS,
com pouca participação do órgão gestor estadual.
Com relação à infraestrutura dos CRAS, o Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014b, p.6)
informa que 45,9% dos CRAS estão alocados em imóvel da Prefeitura (ou do Governo do
DF) e 45,7% são alocados em imóveis alugados pela Prefeitura (ou pelo Governo do DF). A
maioria dos imóveis onde se situa os CRAS não são compartilhados (79,3%). Quando ocorre
de serem compartilhados (20,7% dos CRAS), isto se dá principalmente com a Secretaria de
Assistência Social ou congênere (44,8% dos CRAS), CMAS (27,1%), outra unidade pública
de serviços da Assistência Social (20,1%) e Outros (23,7%). Ainda há a presença de
compartilhamento com entidade privada/ONG em 2,3%, e com associação comunitária em
1,4% destes CRAS.
O fato de se ter uma quantidade significativa de CRAS alocados em imóveis alugados
(45,7%) é um elemento a ser problematizado, tendo em vista a necessidade de serem uma
referência permanente e não transitória para as comunidades referenciadas, de modo a se
consolidarem como equipamentos públicos de prestação de serviços socioassistenciais à
população. O documento do MDS (BRASIL,2009a, p. 48) aponta diretrizes nesse sentido,
como já salientamos. É preciso, também, atentar para o aspecto de compartilhamento dos
CRAS, pois estes são equipamentos públicos que devem ser descentralizados e servir de
referência à população, o que se dificulta quando o espaço é compartilhado com a própria
Secretaria (centralizando a prestação dos serviços socioassistenciais) e, o que é mais
complicador, com entidade privada, ONG e associações comunitárias. Esta situação, embora
ocorra em número bem pequeno, favorece a descaracterização de tais espaços como públicos
e de responsabilidade estatal.
A acessibilidade dos CRAS ainda é uma questão a ser aperfeiçoada, tendo em vista
que 21,2% dos CRAS (de 7.883) não possuem acesso principal com as devidas adaptações à
chegada do usuário à recepção; 17,1% (de 7.691 CRAS) não possuem rota com acessibilidade
aos espaços do CRAS; 23,8% (de 7.832 CRAS) não possuem rota acessível ao banheiro;
48,1% (de 7.832 CRAS) não possuem banheiro com as adaptações necessárias (BRASIL,
156
2014b, p.7). De fato, estas são estruturas a serem aprimoradas, tendo em vista a concretização
do acesso a todos os que necessitarem da Assistência Social.
No que diz respeito à estrutura de materiais e equipamentos à realização do trabalho
dos CRAS, destacamos alguns indicadores, apontando o percentual daqueles que possuem:
telefone de uso exclusivo do CRAS, 67,6%; de uso exclusivo ou compartilhado, 84,8%; Fax,
22,3%; Impressora, 94%; Televisor, 79,4%; Aparelho de som, 67,7%; DVD/Vídeocassete,
65,6%; veículo de uso exclusivo, 27,5%; de uso exclusivo ou compartilhado, 89,8%;
brinquedoteca, 35%; brinquedos, 66%; materiais pedagógicos, culturais e esportivos, 71,8%.
(BRASIL, 2014b, p.8).
Ressaltamos, ainda, a quantidade de computadores existentes nos CRAS, nos
percentuais maiores: em 20,2% dos CRAS há 2; em 17,3%, 1; em 16,4%, 3; em 14,6%, de 6 a
10; e em 12,9%, 4 (BRASIL, 2014b, p.9). Quanto aos computadores que possuem internet nos
CRAS, também nos maiores percentuais: em 19,3% dos CRAS há 1; em 17,2%, 2; em 14,9%,
3; em 12,8%, de 6 a 10; em 11,8%, 4. Apenas 27,5% dos CRAS disponibilizam algum
computador (sem entrar no mérito do número de equipamentos) para uso do público usuário, e
25,2%, computador com rede da internet. Se considerarmos as várias atividades que o uso do
computador (com ou sem internet) facilita aos profissionais dos CRAS, como a realização de
relatórios, encaminhamentos, pareceres, alimentação dos sistemas de informação,
consideramos este número inferior à demanda. A oferta de uso do computador (com ou sem
internet) para o público usuário, que não ultrapassam 30%, poderia ser objeto de planejamento
da equipe para que os usuários pudessem realizar alguma atividade, inclusive contemplando
os interesses das comunidades locais.
Faltam nos CRAS (do território brasileiro) equipamentos básicos para o
desenvolvimento das atividades previstas. Por exemplo, telefone (de modo exclusivo) existe
em 67,6% dos CRAS, quando a totalidade deveria contar com tal recurso tendo em vista seu
uso para inúmeras atividades, como contato com os usuários, acompanhamento familiar,
repasse de informações, contato com a rede socioassistencial. Outro equipamento que facilita
o recebimento de envio de encaminhamentos, de forma a agilizar o atendimento à população
usuária, o fax, existe em apenas 22,3% dos CRAS. A questão do veículo é mais um
complicador, há em somente 27,5% dos CRAS (de modo exclusivo), dificultando a realização
das visitas domiciliares, do acompanhamento familiar, do serviço socioassistencial no
157
domicílio. Há, também, a previsão de realização nos CRAS de atividades com as crianças,
mas se tem apenas em 35% dos CRAS a brinquedoteca e em 66% destes, brinquedos.
(BRASIL, 2014b, p.8).
Segundo o Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014b, p.10), a maioria dos CRAS (84,4%)
possui placa para sua identificação de acordo com o padrão estabelecido pelo MDS; 11,7%
possuem placa que não segue o padrão do MDS; 3,4% não possuem; e 0,4% possuem, usam
outro padrão e não identificam como CRAS. Mesmo sendo um percentual menor (de 3,8%
dos CRAS) a constatação da não identificação dos CRAS é algo a ser questionado, tendo em
vista a necessidade de firmá-lo como referência de equipamento público e de atuação do
Estado na Política de Assistência Social.
Acerca da estrutura de recursos humanos dos CRAS, o Censo SUAS 2013 (BRASIL,
2014b, p.33) demonstra que a maioria dos trabalhadores dos CRAS possui vínculo de trabalho
precarizado (tido como não permanente) em 49,1% dos trabalhadores, sendo os estatutários
33,7%, os comissionados 10% e empregados públicos (regidos pela CLT), 7,2%. O Estado do
Rio de Janeiro está em consonância com esta tendência no vínculo dos trabalhadores (total de
5.175), pois a maioria destes, 58,5% (3.030), possui vínculo não permanente, 26,8 % (1.390)
são estatutários, 10,5% (547) são comissionados e 4% (208) são empregados públicos.
(BRASIL, 2014b, p.35).
O Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014b, p.32) também informa que nos CRAS que
eram universo da pesquisa (7.806), em 67,4% destes havia coordenador que atuava de forma
exclusiva; em 20,3% o coordenador acumulava esta função com a de técnico; em 8,7% o
coordenador acumulava esta função com outra atividade da SMAS; e em 3,5% não havia
coordenador. No caso da escolaridade dos profissionais atuantes nos CRAS, 41,7% dos
trabalhadores têm o ensino superior completo, 29,7%, o ensino médio completo, e 4,8%, o
ensino fundamental completo. (BRASIL, 2014b, p.32). As duas principais profissões
presentes nos CRAS são as de Assistente Social (45,5%) e de Psicólogo (25,4%). (BRASIL,
2014b, p.33).
Predomina o vínculo trabalhista temporário, caracterizando a precarização do trabalho
e a não observância pelo órgão gestor municipal das orientações da NOB-RH do SUAS
quanto à realização de concursos públicos para que as equipes dos CRAS sejam de servidores
efetivos. Este dado dialoga com uma totalidade maior de destituição dos direitos trabalhistas e
158
121
Disponível no site: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php#Assistência Social. Acesso em
04/12/2014.
159
Segundo o Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014b, p.12-15), tendo como referência o
mês de agosto/2013, acerca dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
(SCFV), aquele voltado ao público infantil até 6 anos ocorre em 44,4% dos CRAS
pesquisados; o SCFV direcionado às crianças e adolescentes de 6 a 15 anos ocorre em 75,5%
dos CRAS; o SCFV voltado aos adolescentes de 15 a 17 anos ocorre em 72,2% dos CRAS; o
SCFV direcionado aos idosos ocorre em 82,1% dos CRAS. Assim, identificamos a
prevalência do SCFV voltado aos idosos e uma fragilidade deste serviço socioassistencial
direcionado ao público infantil.
Outro dado interessante que o Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014b, p.24) apresenta é
sobre os serviços disponíveis na rede referenciada (65,7% dos CRAS informam possuir rede
referenciada para oferta dos serviços de PSB) eressaltamos aqueles prestados pelas entidades
socioassistenciais conveniadas referentes aos SCFV: em 14,5% dos CRAS há entidade
conveniada para prestação do SCFV do grupo crianças de 0 a 6 anos; em 30,1% há entidade
para o SCFV com o grupo de 6 a 15 anos; em 24,7% para o SCFV dos adolescentes de 15 a
17 anos; 24,5% para o SCFV para o grupo de idosos. Assim, verificamos a presença ativa da
rede conveniada para execução dos SCFV, reeditando a forte presença da sociedade civil na
prestação da Assistência Social no Brasil, mesmo com a diretriz da execução direta da PSB
pelos CRAS.
No que diz respeito aos programas de transferência de renda, destacamos o principal
programa brasileiro, o PBF, e o importante dado do MDS122 acerca do número de famílias
beneficiárias do mesmo, 14.047.474 (dados de novembro de 2014), o que se apresenta como
uma quantidade de beneficiários bem superior ao do BPC, 4.085.163, conforme já apontado.
Importante salientar uma diferença crucial entre o BPC e o PBF na ótica da garantia dos
direitos à população usuária, pois o primeiro remete a um direito previsto na Carta Magna de
1988 e reafirmado na LOAS (inclusive com as atualizações postas pela Lei do SUAS), já “A
concessão dos benefícios do Programa Bolsa Família tem caráter temporário e não gera
direito adquirido”, segundo o Artigo 21, do Decreto nº 5.209/2004-Redação dada pelo
Decreto nº 6.392/2008.
122
Disponível no site: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php#Transferência de Renda.
Acesso em 4/12/2014.
162
A pesquisa Munic 2013 revela que em 7,8% dos municípios brasileiros há programas
de transferência de renda no nível municipal, há uma concentração em municípios com mais
de 500.000 habitantes (43,6%), com significativa alocação na Região Sudeste. No caso do
Estado do Rio de Janeiro, 27,2% municípios possuem programas próprios de transferência de
renda. Ou seja, tratando-se do território brasileiro como um todo, é uma tendência ainda
incipiente, acreditamos que devido à centralidade que o PBF ocupa como principal programa
de transferência de renda.
No Brasil, o PBF é operacionalizado via estrutura do SUAS. É nossa avaliação que as
ações da Política de Assistência Social direcionam-se à execução de tais programas (no caso
do PBF) ou benefícios (no caso do BPC). No próximo item ratificamos esta problematização,
comprovando com dados da destinação orçamentária à Política de Assistência Social.
Por ora, é importante ressaltar a significativa relevância atribuída a Assistência Social
no atual plano do Governo Federal – Plano Brasil Sem Miséria (CASTRO; SCHMIDT,
2012), o qual, existente desde o ano de 2011, coordenado pelo MDS, tem a ambição de
combater a extrema pobreza no território brasileiro e conta com a participação ativa dos entes
da esfera municipal para atingir tal objetivo, segundo o documento Plano Brasil Sem Miséria
no seu Município. (BRASIL, 2013a). A vinculação da Assistência Social com os
compromissos governamentais também é observada pelo fato de o Brasil Sem Miséria ter
como instância Coordenadora o MDS (segundo o site oficial do Plano 123), ou seja, o órgão
que também é responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social,
segundo a LOAS (com alterações da Lei n.º 12.435/2011).
Composto de três grandes eixos, Garantia de Renda, Acesso a Serviços, Inclusão
Produtiva (Urbana e Rural – não abarcada por este nosso estudo), o Plano contém uma
extensa gama de ações executadas, em grande parte, pelos municípios brasileiros, a fim do
alcance da grande meta prevista: o fim da pobreza extrema no Brasil. (BRASIL, 2013a).
Sinalizamos, segundo dados do MDS124 (com base no Censo 2010 do IBGE), que o total da
população nesta condição de pobreza extrema é de 16,2 milhões.
123
http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao. Acesso em: 17/9/2014.
124
De acordo com: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/superacao-da-extrema-
pobreza%20/plano-brasil-sem-miseria-1/plano-brasil-sem-miseria. Acesso em 11/12/2014.
163
125
Segundo informações: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/superacao-da-extrema-
pobreza%20/acesso-a-servicos/brasil-carinhoso-2013-primeira-infancia. Acesso em 19/6/2014.
126
Conforme http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso. Acesso em 05/12/2014.
164
Nestes dois programas, que são articulados em si, a estrutura do SUAS tem importante
função, pois, quando o órgão gestor da Assistência Social faz a adesão do ACESSUAS
Trabalho, estabelece a responsabilidade de cumprir práticas, “metas” que foram determinadas
através de resoluções do CNAS e com monitoramento do MDS, tendo, também, a atribuição
da “mobilização e encaminhamento” para o PRONATEC e do “acompanhamento da
permanência dos alunos nos cursos”. (BRASIL, 2013a, p.41-42). E, além disso, o
ACESSUAS Trabalho com o repasse financeiro de recursos federais para a Política de
Assistência Social do município remete à contrapartida municipal de organização de
estratégias que venham efetivar a “integração dos usuários da assistência social ao mundo do
trabalho”. (BRASIL, 2013a, p.41). Sobre esta questão, questionamos até que ponto tais
iniciativas contribuem para a inserção dos usuários no mercado de trabalho formal e não em
trabalhos com vínculos precarizados ou informais, sem garantia dos direitos trabalhistas.
A partir do exposto sobre as ações que envolvem a área de PSB do SUAS, tanto as
questões de concepção destas, quanto os dados de sua implementação no território brasileiro
revelam a influência das fundamentações conceituais da PNAS/2004. Verifica-se, no caso dos
serviços socioassistenciais, principalmente o PAIF e o PBF, a tendência de conjuntura atual
de focalização nas famílias empobrecidas como alvo de atuação do Estado, num
direcionamento de sobrelevar “mais sua função e responsabilidade e menos a estratégia de
abordagem coletiva em matéria de respostas aos direitos básicos e comuns”. (SILVA, 2012,
p.175).
Ainda nesta questão, a autora (2012, p.191-192) demarca que “não é possível, por ela,
alcançar a totalidade das condições que produzem e reproduzem as desigualdades de classe,
de gênero e o não acesso igualitário à riqueza”. Para tanto, as formas de intervenção do
Estado para as famílias precisam concebê-las como “uma particularidade inserida numa
totalidade histórica”, “um coletivo” inserido em uma “sociedade de classes” (SILVA, 2012,
p.184), direcionamento ausente nas atividades de PSB, com a apropriação conceitual da
PNAS/2004, a qual não se utiliza da categoria classe social e questão social, conforme já
apresentamos.
Deste modo, as transformações institucionais operadas a partir do SUAS continuam
ligadas, segundo Boschetti et al. (2014, p.3), a um cenário que mantém algumas
características próprias da trajetória da Assistência Social, como ações clientelistas e enfoque
165
127
BEHRING, Elaine Rossetti. Aula ministrada no dia 11/6/2014, na Disciplina Tópicos Especiais em Análise
de Política Social e Serviço Social I – Orçamento Público e Política Social, Programa de Pós Graduação em
Serviço Social, UERJ.
128
Disponível no site: http://www.portalbrasil.net/igp.htm. Acesso em: 14/08/2014.
129
Dados disponíveis no site: http://www.cgu.gov.br/publicações/prestacaocontaspresidente/index.asp. Acesso
em: 12/08/2014. E: http://www.cgu.gov.br/assuntos/auditoria-e-fiscalizacao/avaliacao-da-gestao-dos-
administradores/prestacao-de-contas-do-presidente-da-republica/contas. Em 18/09/2014.
167
Interno Bruto (PIB) foram verificados no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE)130. Também pesquisamos alguns dados no site do MDS131, referentes à destinação dos
recursos da Assistência Social para o ano de 2013.
Consideramos que a implementação do SUAS no território brasileiro, a partir de uma
perspectiva ampla de garantia dos direitos sociais e do estabelecimento de sua gestão voltada
ao aprimoramento dos programas e dos serviços socioassistenciais esbarra em condições
regressivas a sua efetivação, articuladas ao próprio contexto econômico de contínua crise do
capitalismo que tensionam os Estados nacionais a utilizarem o fundo público para fins
privados que “cada vez mais é expropriado para suprir as demandas do capital”.
(BOSCHETTI et al., 2013, p.5).
Como aponta Salvador (2010a, p.43-44), o Estado brasileiro não foge a esta prática,
pois, seus estudos atestam “uma deliberada política macroeconômica de priorizar nos gastos
orçamentários o pagamento de juros da dívida pública”, ou seja, de privilegiar os interesses
dos “rentistas” e do “capital financeiro”. Este direcionamento da atuação estatal em prol da
financeirização do capital prejudica o investimento em políticas públicas de caráter universal,
pois, segundo Salvador (2010a, p.44), os “recursos que deveriam ser aplicados em políticas
sociais” estão sendo alocados ao “pagamento de juros da dívida pública brasileira, cujos
credores são os rentistas do capital financeiro”.
Sendo assim, o Estado brasileiro opta pelo estabelecimento de políticas sociais
focalizadas no combate à pobreza (extrema) como estratégia de enfrentamento da questão
social. Este não é um mecanismo isolado, visto que os estudos de Boschetti (2012, p.33-34)
sobre alguns países latino-americanos e a forma de condução das políticas públicas sociais em
tais realidades, das quais ressaltamos o Brasil, indicam uma perspectiva que enfoca o
crescimento do “consumo”, principalmente através dos programas de “transferência de
renda”, apontado como “„modelo de desenvolvimento‟ econômico”, o que sinaliza “um
horizonte de políticas sociais focalizadas na extrema pobreza, em detrimento do investimento
em políticas sociais universais”.
130
Disponível no site: http://www.saladeimprensa.ibge.gov.br. Acesso em: 15/09/2014.
131
Disponível no site: http://www.aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php#Assistência Social;
http://www.aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php#Transferência de Renda. Acesso em:
21/09/2014.
168
133
BEHRING, Elaine Rossetti. Aula ministrada no dia 16/7/2014, na Disciplina Tópicos Especiais em Análise
de Política Social e Serviço Social I – Orçamento Público e Política Social, Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social, UERJ.
170
Fonte: CGU. Gráfico: Elaboração própria. Período até 2013 descontado da inflação
acumulada (IGP-DI/FGV).
Fonte: CGU e IBGE. Gráfico: Elaboração própria. Período até 2013 descontado da inflação
acumulada (IGP-DI/FGV).
O Gráfico 2 mostra que em 2005 e em 2013, tendo por base de comparação o PIB
nacional, a Assistência Social adquiriu um investimento irrisório, de 0,8% e 1,1%
respectivamente. Ou seja, quando fazemos tal equiparação, entendemos uma importância
relativa dada à Assistência Social no investimento público brasileiro, pois, seu percentual de
gasto tendo por parâmetro as riquezas produzidas no país é de fato muito inferior.
No que diz respeito à Assistência Social e às demais políticas, das quais destacamos a
Saúde e Previdência Social (nesta incluímos a Política de Trabalho), identificamos um
movimento de aumento no percentual investido na Política de Assistência Social, ratificando
estudos como os de Bochetti et al. (2013, p.5-6) que testificam um “crescimento real de
recursos” nesta área, e, por outro lado, apontam que a Previdência Social e a Saúde vivenciam
“processos de privatização”, dos quais ressaltamos as consequências no cotidiano da
população que luta para ter acesso (mesmo que precário) aos serviços e benefícios
relacionados a tais Políticas. Tais constatações são evidentes no Gráfico 3:
172
Fonte: CGU. Gráfico: Elaboração própria. Período até 2013 descontado da inflação
acumulada (IGP-DI/FGV).
Identificamos que o Estado brasileiro gastou mais de 10 vezes com a dívida134 do que
com a Assistência Social no ano de 2013, ou seja, o direcionamento da atuação estatal está
voltado para os interesses do capital financeiro, como apontam os estudos de Salvador (2010).
Quando comparamos as rubricas do gasto nominal com a Assistência Social e com a dívida
em relação ao total de gastos com o Orçamento Fiscal e da Seguridade Social 135, temos 3,35%
para a Assistência Social contra 37,22% para a dívida, isto é, um investimento público muito
superior em aspectos referentes à estabilidade econômica, aos interesses da financeirização do
capital do que a uma política de proteção social pública.
Outra discussão relevante na questão do financiamento da Política de Assistência
Social refere-se à maneira como estão distribuídos os recursos para a área, o que se evidencia
no Gráfico 5, para o ano de 2013 (também não deflacionamos os valores, pois não
trabalhamos série histórica). Sob este tema, é importante esclarecer, segundo o Tribunal de
Contas da União – TCU (BRASIL, 2010a, p.217), que o Programa Bolsa Família insere-se na
Subfunção 244 (denominada Assistência Comunitária, segundo o CGU); o Benefício de
134
É importante mencionar que, do montante total do gasto com a dívida no ano de 2013, o gasto com a dívida
interna representa 96,4% deste valor, de acordo com o site do CGU.
135
Segundo o site do CGU, o gasto nominal com o Orçamento Fiscal e da Seguridade Social foi de R$
1.930.402.898.555,84.
174
Prestação Continuada – BPC insere-se nas Subfunções 241 e 242 (denominadas, conforme o
CGU, respectivamente, Assistência ao Idoso e Assistência ao Portador de Deficiência).
Verificamos com este gráfico que a grande maioria dos recursos alocados na Política
de Assistência Social envolve ações de transferência de renda à população usuária, com o
maior investimento na Assistência Comunitária (onde estão os recursos do PBF), que
representa 43,69% dos recursos da Política, seguidos da Assistência ao Portador de
Deficiência (onde está parte dos recursos do BPC) que representa 27,77% do investimento na
área e da Assistência ao Idoso (onde também constam recursos do BPC) que contém 24,62%
dos valores investidos.
Além disso, nos questionamos acerca da destinação de recursos diretamente ao SUAS,
para o aprimoramento dos serviços socioassistenciais e dos programas desenvolvidos no
âmbito do SUAS. Verificamos no site do CGU, informações referentes ao “Fortalecimento do
SUAS”, nas cinco Regiões do País, e contrapomos estes dados com o investimento no PBF,
175
também nestas Regiões, para o ano de 2013, conforme apresentamos no Gráfico 6 (também
não deflacionamos os valores, visto que não trabalhamos série histórica).
recebem pouca dotação orçamentária. Isto porque, no total do valor apresentado, são gastos
53,8% com o BPC, 42,6% com o PBF, 1,6% com a PSB e 2% com a PSE.
As informações permitiram constatar o crescimento do investimento público na
Política de Assistência Social no período analisado, de 2005/2013, estando em evidência o
aumento do percentual investido na Assistência Social ao contrário das Políticas de
Previdência (inclusa a Política de Trabalho) e da Saúde. Por outro lado, verificamos que, em
comparação com as riquezas produzidas no país, através da equiparação com o PIB Nacional,
a alocação de recursos na Assistência Social torna-se irrisória.
Também apontamos que o gasto público com a dívida (ressaltamos o ano de 2013), em
prol dos interesses do capital financeiro, é, de fato, bem superior ao que se destina à
Assistência Social, esta considerada uma política de proteção social. Além disso, no ano de
2013, identificamos que a prioridade governamental, nesta área, foi o investimento público
nos programas/ações de transferência de renda, como o PBF e o BPC, refletindo nos
processos de gestão pública do SUAS, uma vez que as áreas que envolvem o aprimoramento
do SUAS não recebem investimento compatível à constituição dos serviços socioassistenciais,
conforme preconizados.
Este fato contribui para a configuração de uma concepção de Política de Assistência
Social, em consequência, do próprio SUAS e dos seus processos de gestão focalizados no
enfrentamento da pobreza (e/ou pobreza extrema), em afinação com as estratégias
privilegiadas de atuação na área social postas por organismos internacionais favoráveis ao
contínuo processo de reprodução capitalista e à desconsideração de sua função protetiva,
levando em conta uma perspectiva mais ampla de garantia dos direitos sociais, em uma
atuação conjunta com as demais políticas públicas, tendo como horizonte a universalidade da
proteção social.
Frente a todas as reflexões apresentadas desde o início deste capítulo, cabe-nos
realizar seu fechamento, ressaltando, com mais particularidade, elementos da gestão do
SUAS, considerando aspectos relacionados a suas diretrizes e organização, concluindo com
um panorama geral de sua implementação no território brasileiro.
178
2.4 Reflexões sobre a gestão pública do SUAS e sua configuração no território brasileiro
marcos regulatórios na área guarda relação com condições políticas mais propícias e abertas
aos tensionamentos dos movimentos de luta à sua construção advinda da mudança
governamental em 2003, embora o contexto para sua efetivação apresente dificuldades,
conforme já apresentamos.
Sendo assim, o SUAS, a partir da sua constituição em 2005, se estabelece como
possibilidade na Política de Assistência Social, como “sistema público não-contributivo,
descentralizado e participativo” (BRASIL, 2005b, p.82), reafirmando a Assistência Social
como política pública nos moldes da CF/1988 e da LOAS/1993 e introduzindo outras
inovadoras perspectivas à sua gestão. Segundo apontamentos de Behring (2010b, p.160),
através da instituição do SUAS assistimos ao “choque de gestão e regulação” neste campo.
Deste modo, pontuamos que as prerrogativas que compõem o aparato de gestão do SUAS
guardam relação com o arcabouço teórico sobre a Assistência Social advindo da PNAS/2004,
refletindo no direcionamento político de atuação do Estado neste campo específico da gestão.
Nossa base de discussão nesta temática da gestão do SUAS é o texto da NOB-
SUAS/2012, que promove algumas mudanças à NOB anterior, de 2005, sem, no entanto,
rever sua fundamentação nas categorias teóricas chave oriundas da PNAS/2004. Optamos por
destacar a NOB/2012 para fazer um debate mais atualizado sobre este tema, além de articular
a discussão com informações obtidas em outras fontes.
Assistência Social precisam ser protegidas; Gratuidade, uma vez que não é necessária
contribuição para se obter acesso ao direito à Assistência Social; Integralidade da Proteção
Social, visto que os serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais precisam
estar integrados; Intersetorialidade, tendo em vista que a rede socioassistencial necessita estar
conectada às outras políticas públicas; Equidade, a questão de se respeitar as diferenças em
vários aspectos, e dar prioridade às pessoas em condição de vulnerabilidade e risco.
Destacamos a noção de integrar as atividades que compõem o SUAS e de se privilegiar à
população vulnerável e em risco, ideais que irão basear alguns instrumentos de gestão,
conforme verificado nos textos a seguir.
As diretrizes que pautam os processos de gestão do SUAS são reafirmadas na NOB-
SUAS (BRASIL, 2013b, Art.5º), como o protagonismo estatal frente a Assistência Social; a
descentralização político-administrativa; responsabilidade compartilhada dos entes federados
no cofinanciamento; a centralidade na família; a territorialização; bases democráticas no
relacionamento Estado/sociedade; e controle democrático.
Tais diretrizes – exceto o foco nas famílias, que, como já abordamos, pode ter um
vínculo com posturas conservadoras – guardam relação com o fortalecimento da perspectiva
democrática nos processos de gestão pública do SUAS, pois visam ao fortalecimento da
Política de Assistência Social como política pública; atestam a responsabilização dos entes
federados pela mesma tendo em vista a orientação de atribuições compartilhadas, inclusive
quanto ao financiamento desta; imprimem práticas democráticas de incentivo à participação
da população nos processos decisórios; buscam romper com a centralização político-
administrativa e se aproximar das realidades sociais, econômicas, culturais do público
usuário.
A NOB-SUAS (BRASIL, 2013b) discrimina as responsabilidades dos entes federados,
dividindo entre as comuns (Art.12) e as específicas de cada ente (Art.13, 15, 16, 17). Demos
ênfase às específicas pois, em nossa avaliação, discriminam com mais propriedade as
atribuições que serão postas aos diferentes órgãos gestores nos processos de implementação
do SUAS, conforme identificado no Quadro 10:
181
136
Utilizamos o texto da NOB-SUAS/2012 na íntegra (ou de forma resumida) e não colocamos o DF por
não integrar nossa discussão.
182
137
“O Plano de Apoio decorre do Plano de Providências dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e
consiste no instrumento de planejamento do assessoramento técnico e, quando for o caso, financeiro, para a
superação das dificuldades dos entes federados na gestão e execução dos serviços, programas, projetos e
benefícios socioassistenciais”. (BRASIL, 2013b, Art.41).
138
“O Plano de Providências constitui-se em instrumento de planejamento das ações para a superação de
dificuldades dos entes federados na gestão e execução dos serviços, programas, projetos e benefícios
socioassistenciais, a ser elaborado pelos Estados, Distrito Federal e Municípios (...)”. (BRASIL, 2013b, Art.40).
139
“As entidades e organizações de assistência social vinculadas ao SUAS celebrarão convênios, contratos,
acordos ou ajustes com o poder público para a execução, garantido financiamento integral, pelo Estado, de
serviços, programas, projetos e ações de assistência social, nos limites da capacidade instalada, aos beneficiários
abrangidos por esta Lei, observando-se as disponibilidades orçamentárias”, segundo a LOAS com alterações da
Lei 12.435/2011, Art. 6º-B, § 3º.
183
141
Disponível no site: <http://www.mds.gov.br/search/search?SearchableText=portaria 7 de 30 de janeiro de
2012&search_portal_type=Document>. Acesso em 18/12/2014.
188
142
Segundo publicação do INESC (2006, p.36), o PPA, “é o planejamento de médio prazo. Define as estratégias,
diretrizes e metas do governo por um período de quatro anos. É elaborado no primeiro ano de mandato do
prefeito, governador ou presidente e vigora do ano seguinte até o primeiro ano de mandato do próximo
governante, de forma a garantir a continuidade administrativa.”
190
(BRASIL, 2009d), sendo que o próprio nome do documento informa o direcionamento a ser
dado nas práticas de gestão, ou seja, integrar os serviços socioassistenciais, benefícios da
Assistência Social e os programas de transferência de renda. Dois objetivos que ressaltamos,
segundo o documento (BRASIL, 2009d, p. 9-10; Art.4º, I-a;c) são os de “Pactuar, entre os
entes federados, os procedimentos que garantam a oferta prioritária de serviços
socioassistenciais para os indivíduos e as famílias beneficiárias do PBF, do PETI e BPC”; e
“Favorecer a superação de situações de vulnerabilidade e risco vividas pelos indivíduos e
pelas famílias beneficiárias do PBF e do BPC, bem como pelas famílias beneficiárias do PETI
(...)”. Deste modo, verificamos a orientação de focalizar na gestão integrada os grupos
atendidos pelos benefícios e programas de transferência de renda, além do objetivo do
combate às condições de vulnerabilidade social e de risco. Neste Protocolo também
identificamos a diretriz de uniformização das formas de gestão. (BRASIL, 2009d, p.9-10, Art.
4º, II-b;d).
O orçamento público destinado à Política de Assistência Social e os respectivos fundos
de assistência constituem mecanismos “da gestão financeira e orçamentária do SUAS”
(BRASIL, 2013b, Art.44), sendo que, como vimos, a destinação orçamentária e sua alocação
nos fundos revela o direcionamento político da atuação estatal. Reafirmamos, segundo a
NOB-SUAS (BRASIL, 2013b, Art.50), que a gestão do SUAS envolve a participação dos
entes federados no seu cofinanciamento, o qual se realiza através de repasses contínuos e
automáticos fundo a fundo. O cofinanciamento do ente federal tem a possibilidade de ocorrer
através de Blocos de Financiamento 143 voltados, segundo discriminação da NOB, à PSB e
PSE com relação aos serviços socioassistenciais, à gestão do SUAS, e à gestão do PBF e
CadÚnico. (BRASIL, 2013b, Art.56; Art.57, I-III).
Com relação ao Pacto de Aprimoramento do SUAS, considerado como ferramenta que
expressa “as metas e as prioridades nacionais no âmbito do SUAS”, o qual os entes federados
estabelecem entre si, compõem-se de um instrumento para “indução do aprimoramento da
gestão, dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais”, e este deve ser
realizado quadrienalmente, mas as “prioridades e metas” precisam ser avaliadas anualmente.
143
“Consideram-se Blocos de Financiamento o conjunto de recursos destinados aos serviços, programas e
projetos, devidamente tipificados e agrupados, e à sua gestão, na forma definida em ato do Ministro de Estado do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome.” (BRASIL, 2013b, Art. 56, Parágrafo único).
191
(BRASIL, 2013b, Art.23, §1º). Segundo a NOB, os campos a serem contemplados no Pacto
de Aprimoramento abrangem o estabelecimento de: indicadores, níveis de gestão, prioridades
e metas ao aperfeiçoamento dos processos de gestão e das atividades que compõem o SUAS;
além do planejamento e apoio entre os entes a fim de atingir tais metas, e da admissão de
instrumentos para monitoramento e avaliação (uso dos termos conforme a NOB). (BRASIL,
2013b, Art.24).
Ao cumprir determinações da NOB-SUAS (BRASIL, 2013b, Art.23, §8º) de que
haveria “pactuação das prioridades e metas” no que diz respeito à gestão municipal no ano de
2013, o site do MDS144 informa que estas foram pactuadas em Reunião da CIT, tendo em
vista os anos de 2014 a 2017, conforme verificamos no Quadro 11145, com o destaque à PSB e
à gestão municipal:
144
<http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/cit-define-prioridades-e-metas-municipais-para-o-periodo-2014-
2017>. Acesso em: 19/12/2014.
145
Nosso enfoque são municípios de grande porte, por isso retiramos do quadro a parte dos demais municípios
com outros portes. Incluímos as metrópoles, em alguns casos, por estarem na mesma condição dos municípios de
grande porte.
192
146
<http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/cit-define-prioridades-e-metas-municipais-para-o-periodo-2014-
2017>. Acesso em: 19/12/2014.
194
seu objetivo, qual seu alcance, o que efetivarão em termos de garantia de direitos à população
usuária.
Com relação às instâncias de negociação e pactuação no âmbito do SUAS, a NOB-
SUAS ratifica a CIT e as CIB neste cenário (BRASIL, 2013b, Art.128). Segundo a NOB
(BRASIL, 2013b, Art.133), tais pactos realizados são voltados a “operacionalização e o
aprimoramento do SUAS”. Os pormenores destas Comissões são apresentados no Quadro 12:
Outro importante campo posto pela NOB-SUAS é da gestão do trabalho, que envolve
“o planejamento, a organização e a execução das ações relativas à valorização do trabalhador
e à estruturação do processo de trabalho institucional” pelos entes federativos, que precisam
ter em seu quadro de gestão um “setor ou equipe” específico para tal área. (BRASIL, 2013b,
Art. 109; Art.111). Esta área, em nossa avaliação, pode qualificar os processos de trabalho no
âmbito do SUAS, e, por consequência, os serviços socioassistenciais prestados, traduzindo-os
em intervenções continuadas junto ao público usuário.
Salientamos, por fim, a perspectiva da NOB-SUAS (BRASIL, 2013b, Art.125)
referente ao incentivo aos processos participativos e de exercício do controle democrático
pela população usuária nos foros deliberativos; e de se aumentar as formas de participação da
mesma através da estruturação de alguns “espaços”, por exemplo, “coletivo de usuários junto
aos serviços, programas e projetos socioassistenciais”; “comissão de bairro”; “fórum”
(BRASIL, 2013b, Art.126, I-III). Nesta linha de raciocínio, o artigo 6º da NOB-SUAS
informa acerca dos “princípios éticos para a oferta da proteção socioassistencial no SUAS”,
dos quais salientamos o item XI, que afirma: “garantia incondicional do exercício do direito à
participação democrática dos usuários, com incentivo e apoio à organização de fóruns,
conselhos, movimentos sociais e cooperativas populares, potencializando práticas
participativas”. (BRASIL, 2013b, Art. 6º, XI).
Neste sentido, um dos aspectos de fortalecimento da gestão democrática no SUAS é
sinalizado em Behring (2010b, p.166), no sentido de utilizar o espaço do CRAS para realizar
atividades que envolvam “mobilização social e educação popular”. Boschetti (2011, p.303)
também comenta a necessidade de investir em ações de „mobilização coletiva‟. Questionamos
até que ponto tal perspectiva da NOB-SUAS/2012, e as questões comentadas pelas autoras
não se perdem no cotidiano de intervenção dos profissionais nos CRAS, tendo em vista a
rotina padronizada de intervenções, focalizadas em preenchimento de cadastros, cumprimento
de metas de atendimento e acompanhamento do PAIF e dos SCFV, práticas muito mais
próximas da gestão gerencial do que de processos de gestão democráticos.
Cabe-nos, para finalizar a discussão deste capítulo, apresentar dados que representam
a configuração da gestão do SUAS nos entes federados municipais, de modo a refletir em seus
processos de implementação.
197
149
Destacamos as áreas mais relacionadas à PSB.
199
de Regulamentação do SUAS em 82,9% dos casos considerados, além dos dados atestarem o
direcionamento das gestões municipais de Assistência Social em fortalecer o PBF, ao
priorizar em sua estrutura formal a gestão deste Programa.
Segundo o Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014c, p.5), concentra-se no órgão gestor
municipal da Assistência Social a responsabilidade em gerir o CadÚnico, uma vez que 99,4%
destes detêm tal atribuição. Salientamos os lugares (em maiores percentuais) onde ocorrem as
ações referentes ao CadÚnico: nos CRAS (59,2%), na própria Secretaria (53,7%), na
residência das famílias (31,5%). Verificamos a importância que as gestões municipais dão às
ações do Cadastro Único.
Quanto à instância de deliberação e de controle democrático da Política de Assistência
Social, 99,6% dos municípios possuem CMAS (BRASIL, 2014c, p.7). A existência formal do
Conselho é um dos requisitos para haver repasse de recursos para o FMAS e, além de atestar
sua estrutura formal, tornam-se necessário estudos que apontem análises profícuas acerca de
sua atuação no exercício deste controle democrático. O CMAS está envolvido nas atividades
de controle sobre o PBF em 80,6% dos casos (BRASIL, 2014c, p.7), o que consideramos
relevante dada a centralidade das intervenções relativas ao PBF na Assistência Social.
A pesquisa Munic (BRASIL, 2014a) complementa alguns dados sobre o CMAS,
informando que, em 2013, 62,2% dos municípios havia CMAS tendo recursos específicos no
orçamento dos órgãos gestores da Política; e que 93,8% dos municípios com CMAS afirmam
que estes efetuam a fiscalização das ações pertinentes ao SUAS – só que este dado precisa ser
articulado às condições deste processo, aos objetivos de tais práticas e aos benefícios ao
público usuário, elementos que consideramos de suma importância no contexto de efetivação
do controle democrático no âmbito do SUAS. Quanto à destinação de recursos ao
funcionamento do CMAS, verificamos que é uma questão a ser aprimorada pelas gestões
municipais, pois a gestão democrática do SUAS envolve práticas que visam o fortalecimento
do controle democrático por intermédio dos Conselhos.
Um dos principais instrumentos de gestão da Assistência Social no nível municipal, o
Plano Municipal de Assistência Social, cuja existência também é condição para o repasse de
recursos ao FMAS, existe em 90,7% dos municípios (na condição de aprovação pelo CMAS).
Em sua maioria, a periodicidade de sua atualização é anual (52,4%) e quadrienal (32,5%).
Ainda com relação a sua atualização, foi informado que a última ocorreu nos anos de 2011 a
200
2013, em 82,8% dos casos considerados. (BRASIL, 2014c, p.9). Verificamos que a maioria
das gestões municipais consideram a elaboração do Plano como relevante em seus processos
de gestão. Por outro lado, questionamos em que medida estes se traduzem em instrumento de
planejamento da gestão municipal ou são mera construção formal para recebimento dos
recursos do cofinanciamento.
Vimos que o processo de implementação do SUAS envolve a gestão compartilhada
entre os entes federados, com divisão de competências e responsabilidades entre esses. Sobre
tal questão, ressaltamos o apoio técnico e financeiro dos Estados aos municípios nas ações de
implantação e desenvolvimento das atividades pertinentes ao SUAS. Neste sentido, um dado
interessante sinalizado pelo Censo SUAS (BRASIL, 2014c, p.9) é sobre a quantidade de
visitas técnicas da Secretaria Estadual de Assistência Social aos municípios no período
referente aos últimos 12 meses. Destacando os maiores percentuais, identificamos que 40%
informaram que não receberam visita técnica da SEAS; 24,4% que receberam 1 visita e
24,9% que receberam 2 a 3 visitas. O apoio técnico dos Estados aos Municípios através de
visitas técnicas ainda é uma questão a ser considerada, uma vez que 40% dos municípios
revelaram não ter vivenciado esta prática.
Os municípios receberam diretrizes e apoio técnico do órgão gestor estadual sobre as
seguintes temáticas, segundo os termos na íntegra (ressaltamos os percentuais acima de 30%,
segundo BRASIL, 2014c, p.10): adequação da implantação dos serviços socioassistenciais
(50,6%); fortalecimento da intersetorialidade na gestão dos serviços, benefícios e programas
da assistência social (42,5%); gestão dos serviços socioassistenciais (39,9%); adequação da
estrutura organizacional da Secretaria (39,7%); gestão do PBF (31,8%); gestão do CadÚnico
(31,1%). O apoio técnico do gestor estadual aos municipais revela questões de padronização
quanto à reconfiguração de algumas áreas, incentivo à intersetorialidade, além de aspectos
referentes ao PBF e Cadastro Único. Nos últimos 12 meses, os técnicos ou gestores do órgão
gestor municipal participaram de atividades de orientação e apoio técnico promovidos pelo
órgão gestor estadual nas seguintes proporções (destaque aos três maiores percentuais): 2 a 3
vezes (33,1%); 4 a 6 vezes (27,4%); mais de 6 vezes (24,1%) (BRASIL, 2014c, p.11), ou seja,
o Estado tem promovido ações de direcionamento das práticas aos Municípios.
O Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014c, p.11-12) informa que, em 96,9% dos
municípios, há FMAS implantados, sendo que em 95,9% dos casos há instrumento normativo
201
de instituição através de Lei; em 90% o FNAS possui CNPJ próprio como matriz; e em 95,9%
o FMAS se constitui como unidade orçamentária; e, em 64,3% dos casos, o ordenador de
despesa do FMAS é o Secretário Municipal de Assistência Social e em 28,5%, o Prefeito. Ter
o Prefeito como ordenador de despesa do FMAS contraria a diretriz da NOB-SUAS
(BRASIL, 2013b, Art.48, § 1º) de que a gestão do FMAS é de responsabilidade do órgão
gestor da Assistência Social nos diferentes níveis da Federação. A instituição do FMAS como
unidade orçamentária e com CNPJ próprio como Matriz é requisito apontado na NOB-SUAS.
(BRASIL, 2013b, Art.48, §2º; §3º).
Um dado importante no Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014c, p.13) é o recebimento de
recursos ao cofinanciamento da Política de Assistência Social pelos municípios oriundos do
órgão gestor estadual, uma vez que 44,5 % informaram que os recebem em forma de
transferências fundo a fundo; 35% informaram que não recebem; 11,4% que recebem, mas
através da via convenial; 9,1% recebem através de convênio e fundo a fundo. Estes dados
apontam a necessidade de ampliação do cofinanciamento estadual à Política de Assistência
Social e de se efetuá-lo através de repasse fundo a fundo, de forma a ultrapassar a via
convenial. Sobre esta questão do cofinanciamento, dados da pesquisa Munic (BRASIL,
2014a) apontam que, 96,9% dos municípios que informam ter recebido cofinanciamento
federal e/ou estadual à Assistência Social, 98,7% obtiveram cofinanciamento federal e 60,3%
estadual, o que atesta a forte participação da União nas ações de cofinanciamento e, em
contrapartida, reafirma que é preciso ampliar a atuação do Estado nesta questão.
Verificamos a participação de financiamento estatal via órgão gestor municipal às
organizações da sociedade civil para prestação da Assistência Social, pois, 36,9% dos órgãos
gestores municipais informam realizar repasse de recursos através de convênio a ONGs ou as
entidades de assistência social, e em 18,4% dos casos isso ocorre com recursos do FMAS; em
12%, com recursos do FMAS e de outras fontes; e em 6,5%, com recursos de outras fontes.
(BRASIL, 2014c, p.13). Ou seja, permanece a contraditória relação entre as esferas pública e
privada na prestação da assistência social, com o Estado, representado aqui pelo órgão gestor
municipal, financiando as instituições da sociedade civil para cumprir funções públicas
relativas à Assistência Social.
Como apresentamos, os órgãos gestores municipais contam com recursos do IGD-
SUAS para aperfeiçoamento da gestão das atividades pertinentes ao SUAS nos municípios, e
202
este recurso tem sido utilizado da seguinte forma (com destaque ao percentual acima de 30%),
segundo o Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014c, p.14): capacitações, encontros, seminários e
oficinas (64,7%); aquisição de materiais de consumo e expediente (59,3%); aquisição de
equipamentos eletrônicos de informática (57,6%); pagamentos de diárias e passagens
(51,9%); aquisição de mobiliário (42,9%); campanhas, ações de divulgação e esclarecimento
da população (38,4%); aquisição de outros equipamentos eletrônicos (35,4%); impressão de
materiais (33,1%). Segundo a pesquisa Munic (BRASIL, 2014a), em 2013, 95% dos
municípios informaram ter recebido recursos oriundos do IGD-SUAS, sendo seu uso assim
discriminado (os três maiores percentuais): aquisição de equipamentos (68,9%); estruturação
de sistemas de informação (44,3%); contratação de pessoal temporário (28,1%). No caso do
uso que se faz do IGD-SUAS pelas gestões municipais, apontamos o privilegiamento de ações
que visem aperfeiçoar as condições de infraestrutura. Um dado importante que a Munic
trouxe foi o gasto do IGD-SUAS para contratação de trabalhadores temporários, revelando
que as gestões municipais utilizam estes contratos precarizados para formar seus quadros de
profissionais.
Um percentual de 53,5% dos municípios usam recursos do cofinanciamento federal de
serviços ao pagamento de servidores públicos que compõem as equipes de referência, e
destes, 64% destinam de 41% a 60% destes recursos ao pagamento de pessoal (BRASIL,
2014c, p.15). A questão dos recursos humanos na Assistência Social nas gestões municipais é
de fato um elemento a ser debatido. A necessidade de investimento na área é tão latente que
um pouco mais de 50% dos municípios redirecionam recursos oriundos da esfera federal que
eram para os serviços ao pagamento de servidores públicos.
Com relação ao PPA (2013 a 2017) do município, em 94,1% destes há ações
específicas referentes à Política de Assistência Social e as previsões de gastos expostas no
PPA para o período, mais relacionados à PSB, envolvem: ampliação/expansão da cobertura
dos serviços de PSB (75,1%); construção de CRAS (40,3%); ampliação/expansão dos
benefícios socioassistenciais – inclusive transferências de renda direta às famílias (33,3%);
realização de concurso público para a Assistência Social (26,8%). (BRASIL, 2014c, p.15,16).
Consideramos de suma importância a discriminação no PPA municipal de estratégias
específicas à Assistência Social, o que afirma sua passagem ao campo do planejamento. As
prioridades elencadas sinalizam o crescimento das ações de PSB, dos equipamentos públicos
203
Social no nível municipal foi desenvolvida pelo órgão gestor estadual (86,8%). Já no caso do
MDS, o percentual foi de 39,4% e do órgão gestor municipal, de 37,6%. Foi informado
também, no ano base da pesquisa (2012), que, em 75,9% da amostra, os profissionais da
Política de Assistência Social obtiveram acesso aos cursos presenciais de capacitação. Quanto
aos cursos de capacitação à distância, 39,7% da amostra informou que os profissionais
obtiveram acesso a tais cursos. O ente que promoveu os cursos à distância de capacitação foi,
em 75% dos casos, o MDS; em 42,4%, o órgão gestor estadual; e em 4,3%, o órgão gestor
municipal. Identificamos uma participação ativa do órgão gestor estadual nos cursos
presenciais de capacitação, mas com atuação frágil dos municípios, revelando pouco
investimento das gestões municipais neste campo. Já nos cursos à distância de capacitação,
embora menos de 40% dos profissionais tenham realizado, verifica-se uma forte atuação da
União.
Ressaltamos os principais temas abordados nos cursos de capacitação que os
profissionais participaram, segundo o Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014c, p.21), apontando
os percentuais acima de 30%: CadÚnico (75,5%); PBF (72%); metodologias para
desenvolvimento dos SCFV (49,1%); estrutura, normas e funcionamento do SUAS (46,6%);
gestão financeira e orçamentária do SUAS (44,9%); metodologias do trabalho social com
famílias (44,2%); sistemas de informação do SUAS (39,9%); atendimento a situações de
violência e violação de direitos (32,5%). Predominam (os maiores percentuais) nas
capacitações as temáticas relativas ao cadastramento e ao Bolsa Família, o que revela a
preocupação da gestão (em seus diferentes níveis) com tais campos de intervenção.
A relevância dos CRAS como equipamentos de referência da PSB é confirmada na
parte do Censo SUAS 2013 (BRASIL, 2014c, p.22-23) que versa sobre a gestão dos serviços,
programas e projetos, a qual informa que a prestação do PAIF ocorre em 97,9% da amostra no
CRAS; e que os SCFV, em sua maioria, também se realizam no CRAS, na faixa etária de 0 a
6 anos em 55,4% dos casos; de 6 a 15 anos em 61,5%; 15 a 17 anos em 65,9%; e idosos em
72,5%. A organização da PSB pelo órgão gestor demonstra que cada vez mais os CRAS têm
sido reconhecidos como unidades públicas de referência da Assistência Social.
No item que trata sobre a gestão dos benefícios, o Censo SUAS 2013 (BRASIL,
2014c, p.34-35) informa que a maioria da amostra considerada (97,5%) afirmou que a Política
de Assistência Social no município realiza intervenções que dizem respeito ao BPC (estas já
205
foram apresentadas no momento que discutimos as ações de PSB). Acerca dos benefícios
eventuais, 96,5% dos municípios informam conceder o auxílio funeral, e 74,9% o tem
regulamentado; 68,2% afirmam conceder o auxílio natalidade, e 54,9% têm regulamentação;
72,8% fazem a concessão do benefício eventual para situação de calamidade pública, e 54,3%
têm o benefício regulamentado; 91,1% informam conceder outros benefícios eventuais e,
destes, somente 67,3% estão regulamentados. Sobre os benefícios eventuais, vimos a
necessidade de sua efetiva regulamentação pelo órgão gestor municipal.
Como sinalizamos, tendo a referência do Censo SUAS 2013 – CRAS (BRASIL,
2014b), e que o Censo SUAS 2013 – Gestão (BRASIL, 2014c, p.38) confirma, são poucos os
municípios que obtém programas próprios de transferência de renda (7,2%). Quando
existentes, predomina sua gestão pelo órgão gestor da Política de Assistência Social em
90,8% dos casos. Há, em 93,1% da amostra, lei municipal de regulamentação de tais
programas. São dados que demonstram o compromisso das gestões municipais da Assistência
Social com programas de transferência de renda.
Quanto ao uso do Prontuário SUAS 151 (cujo modelo advém do MDS) nos
equipamentos públicos (CRAS e CREAS), a orientação do órgão gestor em 68,6% dos casos
foi de recomendação ao seu uso; em 28,3%, a decisão ficou a critério do equipamento, sendo
realizada em 48% da amostra reunião ou capacitação com a equipe técnica das unidades a fim
de implantar o Prontuário SUAS. (BRASIL, 2014c, p.39-40). Assistimos mais um
instrumento de trabalho que visa à padronização de intervenções para obtenção de
informações.
De acordo com o Censo SUAS (BRASIL, 2014c, p.43-44), acerca da estruturação da
área de vigilância socioassistencial, são poucos os municípios (18,5%) que têm técnicos
atuando de modo exclusivo nas ações pertinentes a mesma, pois a maioria (81,5%) não obtém.
Na maioria dos casos (85,1%), o órgão gestor não usa sistema de informação próprio para
gerir a Política de Assistência Social, sendo que isto ocorre em 14,9% da amostra. (BRASIL,
2014c, p.43-44). A pesquisa Munic (BRASIL, 2014a) informa que apenas 25,6% dos
151
Sobre o prontuário SUAS: “Ao introduzir um parâmetro nacional para o registro de informações primárias
pelos profissionais, o Prontuário SUAS cria condições para a produção de dados e estatísticas mais consistentes”.
(http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/vigilancia-socioassistencial%20/prontuario-suas. Acesso em:
18/12/2014).
206
152
“O CadSUAS é o Sistema de Cadastro do SUAS (...). Nele são inseridas informações cadastrais da Rede
Socioassistencial, Órgãos Governamentais e trabalhadores do SUAS”.
(http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/redesuas/cadsuas. Acesso em 18/12/2014).
153
http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/vigilancia-social/vigilancia-de-riscos-
e-vulnerabilidades/registro-de-atendimentos-cras-e-creas. Acesso em: 18/12/2014.
207
Este capítulo concentra nossas reflexões sobre o processo de gestão pública do SUAS
em Niterói, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com o foco nas ações de
proteção social básica (PSB) desenvolvidas nos CRAS. Nosso propósito é analisar a
implementação da gestão do SUAS no município, de modo a refletir sobre a concepção de
Política de Assistência Social que embasa tal processo e quais os fundamentos que
caracterizam esta gestão, no que diz respeito à execução das atividades de PSB nos CRAS.
Como verificado em Arretche (2001), a implementação das políticas sociais é um
processo que abarca vários elementos, remetendo a “uma cadeia de relações entre
formuladores e implementadores, e entre implementadores situados em diferentes posições na
máquina governamental”. (ARRETCHE, 2001, p.49) (grifo da autora). Além disso, conforme
vimos em Arretche (2001, p.48), a implementação envolve múltiplos interesses políticos
relacionados à própria organização administrativa dos entes federados e à estrutura do sistema
partidário.
Acrescentamos que as constantes mudanças de gestores municipais da Assistência
Social, com a característica de cada gestor desejar imprimir a sua “marca” na área, acentua a
complexidade da implementação do SUAS, em termos de continuidade das ações
desenvolvidas ou reavaliação destas, tendo por horizonte a constituição de uma gestão
direcionada aos usuários e aos seus interesses coletivos. Estas questões guardam interface
com a apropriação indevida do espaço público com seu uso privado, tão presente nas raízes de
nossa administração pública, com as marcas históricas do patrimonialismo e do clientelismo.
Salientamos que não buscamos efetivar uma avaliação do SUAS em Niterói de modo a
apontar o cumprimento (ou o não cumprimento) dos objetivos da gestão do SUAS, quanto aos
programas, serviços, benefícios, projetos de PSB, conforme apontam as inúmeras normativas
para a área. Visamos compreender questões de fundo conceitual que embasam a execução de
211
154
http://www.brasilsemmiseria.gov.br/municipios. Acesso em: 11/03/2015.
213
155
Coordenado pela Professora Doutora Mônica de Castro Maia Senna.
156
Dos estudos de Wehrs (1984), apreendemos que Araribóia era um importante índio – o “principal dos
teminós” (Idem:31) – e foi um ator protagonista na fundação da cidade de Niterói.
157
Disponível no
site:http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=330330&search=%7Cniteroi. Acesso
em: 15/01/2015.
158
Informação obtida no
site:http://www.ael.ifch.unicamp.br/site_ael/index.php?option=com_content&view=article&id=171&Itemid=90.
Acesso em: 15/01/2015.
214
159
Disponível do
site:http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=330330&search=||infográficos:-
informações-completas. Acesso em: 15/01/2015.
160
Conforme Organização das Nações Unidas et al. (2014, p.86): “Criada em 1974 pela Lei Complementar
Federal nº 20/74, a Região Metropolitana (RM) do Rio de Janeiro é composta por 21 municípios e possui área de
6.737 km². (...) Em 2010, a RM do Rio de Janeiro possuía um grau de urbanização de 99% e cerca de 75% da
população estadual residia na RM”.
161
Não informamos a página na citação, pois não conseguimos visualizá-las.
162
Disponível no site: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/ranking. Acesso em 21/01/2015.
163
Conforme o documento O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS et al., 2013, p.26-27): “O IDHM brasileiro segue as mesmas três dimensões do IDH
global – saúde, educação e renda, mas vai além: adequa a metodologia global ao contexto brasileiro e à
disponibilidade de indicadores nacionais”. Este Índice compõe-se das seguintes dimensões: IDHM Longevidade,
IDHM Educação e IDHM Renda. Além disso, “O IDHM é um número que varia de 0 a 1. Quanto mais próximo
de 1, maior o desenvolvimento humano de um município”.
215
Ainda acerca deste indicador, Niterói supera o IDHM do Estado do Rio de Janeiro, de
IDHM (2010) 0,761164, e o IDHM (2010) do Brasil, de 0,727 (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS et al., 2013, p.40) e, com relação aos 5.565 municípios do Brasil, está no
sétimo posto, conforme seu IDHM165. Segundo o site Atlas Brasil166, o IDHM de Niterói tem
apresentado crescimento. Em 1991, seu IDHM era de 0,681, em 2000, de 0,771 e em 2010
0,837. O Atlas Brasil também informa, no que diz respeito aos dados de 2010, que a dimensão
Renda do IDHM de Niterói é a maior, sendo 0,887, enquanto o IDHM Longevidade é de
0,854 e o IDHM Educação, de 0,773.
Ao verificarmos outro documento, o Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões
Metropolitanas (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS et al., 2014, p.88), identificamos
que a Unidade de Desenvolvimento Humano (UDH) Icaraí/Praia, pertencente a Niterói,
possui o maior IDHM (0,962) da Região Metropolitana (RM) do Rio de Janeiro (nos
referimos a 2010). Outra UDH do município que se destaca é a de Santa Rosa/Vital Brasil,
com o maior IDHM Educação, (0,947) da RM do RJ. Além disso, várias UDHs de Niterói
estão entre as UDHs da RM do RJ com maior IDHM Renda, 1,000, como Icaraí/Praia, Boa
Viagem/Ingá, São Francisco Praia, entre outros.
Por outro lado, como já sinalizamos, a contradição integra a municipalidade de
Niterói, pois estes dados convivem com uma realidade de presença de desigualdade
socioeconômica nas relações sociais, evidente na própria organização territorial de Niterói,
composta por bairros nobres, nos quais existem condomínios suntuosos e luxuosos, mas
também, habitações irregulares, sem infraestrutura básica, como saneamento, pavimentação
das ruas, entre outros.
Conforme aponta o Diagnóstico Socioeconômico de Niterói 167
(PREFEITURAMUNICIPAL DE NITERÓI et al., 2013), integrante do Projeto Niterói que
164
Segundo site http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/ranking. Acesso em: 21/01/2015.
165
Conforme site http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/niterói_rj. Acesso em 19/01/2015.
166
Site http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/niterói_rj. Acesso em 19/01/2015.
167
Disponível no site: http://www.niteroiquequeremos.com.br/. Acesso em: 17/06/2014 e 14/01/2015. Este
documento tem por fonte dos dados o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
216
Queremos168, o município é rico do ponto de vista de renda, mas também possui “bolsões de
pobreza” significativos em algumas regiões do seu território, revelando a marca da
desigualdade de renda. Este documento demonstra que Niterói possui como média de renda
domiciliar per capita (referente a julho de 2010) R$ 1.938,00, bem acima da média do Estado
do Rio de Janeiro, R$ 765,00, e da média nacional, R$ 991,00. Porém, quando olhamos mais
atentamente para este dado, verificamos a desigualdade social e econômica neste indicador,
visto que a maior média de renda domiciliar per capita pertence a uma área nobre de Niterói, a
área 15, bairro de Icaraí, com R$ 3.880,00, e a menor média deste indicador, R$ 633,00,
pertence à área 8 – da Região Norte, a qual sabemos que é formada por bairros pobres,
integrado por favelas, como a do Caramujo (com reconhecida violência em virtude do tráfico
local e confronto com o poder policial). É também nesta área (8) que se concentra o pior
índice de desemprego, com 10,6%. (PREFEITURA MUNICIPAL DE NITERÓI et al., 2013,
p.10,20).
Outro dado interessante – segundo o mesmo documento – que revela a desigualdade
social e econômica do município é o percentual das pessoas extremamente pobres no que se
refere ao conjunto populacional da região, sendo que a área 13, localizada em um bairro nobre
de Niterói, possui o melhor indicador, 2,8%, ou seja, com menos pobres, e novamente a área 8
tem o pior indicador, 12,7%, com maior número de população empobrecida. Uma informação
que também revela a desigualdade no município é o percentual dos que são beneficiários do
Programa Bolsa Família, pois a área de Icaraí, da região Praias da Baía, tem 0,8%, e a área do
Baldeador, Santa Bárbara, Caramujo, Viçoso Jardim, da região Norte, possui 10,9%. Além
disso, ressaltamos entre aqueles que são beneficiários do PBF, o percentual dos domicílios
que possuem renda per capita de, no máximo, R$ 140,00, pois, a título de exemplificação, a
área 13, reconhecida área nobre de Niterói, tem o percentual de 3%, já a área 8, na região
Norte, possui 13,8%. (PREFEITURA MUNICIPAL DE NITERÓI et al., 2013, p.12,6,25).
Ainda sobre esta questão da desigualdade, o Atlas do Desenvolvimento Humano no
Brasil169 demonstra que esta cresceu no município, pois o Índice de Gini 170 aumentou de 0,58
168
“O projeto Niterói que Queremos, realizado em parceria com o Movimento Brasil Competitivo, tem como
objetivo formular um Plano Estratégico de Desenvolvimento de Curto, Médio e Longo Prazos para a cidade
de Niterói, pensando nos próximos 20 anos, e preparando-a para os desafios atuais e do futuro.” (grifo do site).
(www.niteroiquequeremos.com.br). Acesso em 20/06/2014.
169
Disponível no site: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/niteroi_rj. Acesso em: 26/01/2015.
217
em 2000 para 0,59 em 2010. Este dado é interessante, pois o percentual de pessoas na
condição de extrema pobreza 171 decresceu de 1,53% em 2000 para 0,80% em 2010; e o
percentual de pessoas em situação de pobreza, de 6,60% em 2000 para 3,34% em 2010. Tais
indicadores revelam que a queda da pobreza no município se realiza em meio a um quadro de
grande desigualdade social.
Este cenário socioeconômico, que expressa a desigualdade social como fenômeno
estrutural do capitalismo, é palco para o processo de implementação da Política de Assistência
Social, e, em consequência, da própria gestão do SUAS, no município de Niterói. Neste senti-
do, o PPA para os anos de 2014 a 2017 de Niterói, na parte Programas Finalísticos, revela as
prioridades de intervenção da gestão municipal na área da Assistência Social, das quais
destacaremos particularmente as ações que se referem à gestão e à proteção social básica.
De acordo com o PPA 2014-2017 de Niterói (NITERÓI, p.50), as intervenções
previstas no campo da PSB estão descritas no Programa 0100 – Proteção Social Básica, com
uma programação de gasto da ordem de R$ 10.000.000,00. Segundo nossa leitura do PPA, tal
Programa visa à implementação dos serviços socioassistenciais e das atividades concernentes
à PSB, além da ampliação dos equipamentos públicos, como os CRAS. Na tabela 2
visualizam-se as práticas previstas para o quadriênio de 2014 a 2017.
170
“É um instrumento usado para medir o grau de concentração de renda. Ele aponta a diferença entre os
rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de 0 a 1, sendo que 0 representa a situação
de total igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda, e o valor 1 significa completa desigualdade de renda, ou
seja, se uma só pessoa detém toda a renda do lugar.” (www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil/niteroi. Acesso em:
26/01/2015).
171
“A linha de extrema pobreza foi estabelecida em R$ 70,00 per capita considerando o rendimento nominal
mensal domiciliar. Deste modo, qualquer pessoa residente em domicílios com rendimento menor ou igual a esse
valor é considerada extremamente pobre”. (BRASIL, 2011c). Não informamos a página, pois não visualizamos
no documento.
218
172
Reafirmamos que, devido às questões específicas do PETI e sua complexidade de operacionalização,
envolvendo a PSB e a PSE, optamos por não contemplá-lo em nossas reflexões.
220
3.2.1.2 A relação Estado (via SMAS) e sociedade civil (entidades da assistência social) no
âmbito de atuação do SUAS
Sob tal tema, a pesquisa das Atas demonstra a importância de atuação, na prestação
dos serviços relativos à Política de Assistência Social, das entidades e organizações de
assistência social, que contemplam a rede socioassistencial privada do município de Niterói.
A título de exemplificação, segundo a Ata de Reunião de 10/01/2008, destacamos, no Quadro
14, algumas entidades conveniadas e suas áreas de ação no campo de intervenção do SUAS:
173
De acordo com a NOB/SUAS (BRASIL, 2005b, p.97), a Gestão Plena é o “Nível em que o município tem a
gestão total das ações de Assistência Social”. Para maiores informações sobre requisitos, responsabilidades e
incentivos desta Gestão, segundo termos da própria NOB/SUAS, ver as páginas 98-100 da mesma.
223
pela Entidade em seu plano de trabalho”. Ou seja, os processos de subvenção estão aliados
ao cumprimento de metas e resultados pelas instituições.
Em 2011, a Pauta da Ata de Reunião de 02/03/2011 aborda a questão dos Editais
(compreendemos que se tratam das subvenções). Coloca-se “execução de ações
complementares”, ou seja, continua-se com a preocupação da gestão municipal assumir, de
forma primordial, a execução direta no âmbito do SUAS. Por outro lado, as dificuldades de
estruturação do SUAS pela gestão são pontuadas nesta Ata, por exemplo, a necessidade de
recursos humanos, sendo já sinalizada a demanda por outro concurso público, conforme
aponta o documento.
Sobre a questão dos trabalhadores do SUAS no município, aponta-se na Ata de
Reunião de 04/05/2011, pela Conselheira representante da SMAS, que “a rotatividade de
profissionais concursados, contribuiu para as deficiências do município”, sendo colocado
pela Presidente do CMAS (representante da SMAS) que “já fora constituído em processo
para realização de concurso público, com plano de cargos, carreira e salários para
incentivar que os profissionais fiquem na rede”.
A falta de recursos humanos é um problema recorrente no processo de implementação
do SUAS no município. A Ata de Reunião de 04/07/2012 informou que foi solicitada a
“contratação temporária de 71 profissionais” a fim de trabalharem nas Unidades da
Secretaria, “em caráter emergencial”, sendo as razões postas, o “déficit de profissionais”, e
o “trâmite de processos administrativos visando à realização de concurso público”
(Conselheira representante da SMAS). Ou seja, a estratégia utilizada pela Secretaria para
suprir a necessidade de profissionais atuantes no SUAS foi a contratação temporária, que se
articula aos processos de precarização dos trabalhadores.
Notamos assim, no cenário de implementação do SUAS no município, e no campo das
relações entre SMAS e entidades de assistência social, que a centralidade da atuação das
entidades na execução das ações relativas à Assistência Social passou, ao longo destes anos, a
um caráter de complementaridade, com a incorporação pela gestão municipal de seu papel
como executora das atividades referentes aos SUAS.
227
nos CRAS, em agosto de 2012, sendo salientados, na Ata, “as irregularidades identificadas e
os procedimentos a serem adotados para superação das mesmas”, dos quais citamos:
“computadores com acesso à internet, realizar acompanhamento às famílias, realizar
acompanhamento das famílias em descumprimento de condicionalidades do PBF,
beneficiários do BPC, realizar grupos de convivência com famílias, realizar busca ativa,
realizar atividades de gestão do território articulando a rede de proteção social”. Assim,
evidencia-se uma série de recomendações à gestão municipal a fim de estruturar a proteção
social básica nos CRAS.
Os temas abordados nas Atas do CMAS de Niterói nos remetem às questões tratadas
neste trabalho, quanto à desresponsabilização estatal pela execução direta das políticas
sociais, do incentivo do Estado (inclusive financeiro) para que a sociedade civil organizada
assuma o enfrentamento da questão social. Não colocamos em questão a importância da rede
socioassistencial privada na prestação dos serviços sociais, porém problematizamos a
centralidade que ocupou tal intervenção, em detrimento da atuação pública estatal no
município.
A apropriação das diretrizes e dos fundamentos da gestão pública do SUAS postas
pela PNAS/2004 não foram incorporadas de forma imediata e isentas de contradições pela
gestão municipal, pois vimos a dificuldade do estabelecimento do seu papel quanto aos equi-
pamentos públicos, como os CRAS e as atividades a serem desenvolvidas no âmbito da PSB.
Observamos que a prestação da execução direta pelo poder público municipal
demorou anos para ser apropriada pela gestão municipal, que se utilizava dos convênios com
a rede socioassistencial privada, a fim de que esta exercesse um papel central na prestação de
importantes ações do SUAS. Em nossa avaliação, foi após as provocações do TCE, que
fiscaliza as contas públicas do poder executivo municipal, que a gestão municipal se
manifestou e se impôs como a responsável pela execução direta do SUAS.
De fato, várias transformações advieram deste caminho posto pela gestão pública do
SUAS em Niterói, principalmente nas relações da gestão municipal com as entidades
prestadoras de serviços que, historicamente acostumadas em serem protagonistas em tal
execução, recebendo, para tanto, recursos públicos através dos convênios com o poder
executivo municipal, demonstram resistência diante de mudanças operadas pela gestão e do
caráter de complementaridade de suas ações.
229
NAFs, os quais iriam se constituir em CRAS, de forma progressiva. Não há descrições acerca
da infraestrutura de tais equipamentos. Dados interessantes são apresentados em tabela sobre
a execução física das ações e serviços, dos quais ressaltamos a predominância nos CRAS
sobre as ações relativas ao cadastramento. (NITERÓI, 2005, p.7).
De acordo com o documento (NITERÓI, 2005, p. 5-6), foram realizadas as seguintes
intervenções em tais equipamentos (segundo as denominações do Relatório): Atenção Integral
às Famílias, na qual ocorria o cadastramento das famílias, além do Relatório citar “um plano
de promoção social” e a realização de “orientação jurídica”; Inclusão Produtiva e
Enfrentamento da Pobreza, que realizava reuniões socioeducativas, “distribuição de cestas
básicas” com “caráter emergencial”, e cursos profissionalizantes e de alfabetização;
Convivência entre Idosos; Serviço para crianças de 0 a 6 anos, informa-se sobre a
brinquedoteca; Incentivo ao Protagonismo Infantil, relata-se sobre o Programa Agente Jovem
e intervenções na área de moda, e “curso de teatro”. Conforme assinala o documento, muitas
de tais intervenções ocorreram “graças as parcerias realizadas com a rede sócio-assistencial”,
mas não foi informado com quais instituições, a fim de verificarmos se o Relatório se referia
aos convênios com as entidades da rede socioassistencial privada.
É reconhecido no Relatório “que a resolutividade das demandas das famílias
atendidas nos CRAS tem ocorrido num processo lento”, em virtude da precária estrutura para
o desenvolvimento do trabalho, como ausência de “computador, impressora, arquivos,
espaços para grupos de convivência com idosos, equipamentos para implementação de
cursos para trabalho e renda”, além da necessidade de ampliar o “espaço físico do CRAS”.
(NITERÓI, 2005, p.11).
De acordo com o Relatório de Gestão (NITERÓI, 2005, p.12), havia no município um
Núcleo de Benefícios e Renda de Cidadania, que buscava “articular os programas de
transferência de renda e benefícios da Secretaria Municipal de Assistência Social – SMAS
entre si e com as outras políticas” e as intervenções acontecem por intermédio dos CRAS e
NAFs. Há programas e benefícios que integram este Núcleo: Programa Bolsa Família - PBF;
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI; Benefício de Prestação Continuada –
BPC; Passe Livre. (NITERÓI, 2005, p.12-15).
Quanto ao Programa Bolsa Família, é informado no Relatório que o mesmo “está em
destaque na assistência social”, sendo executado “de maneira descentralizada através dos
231
CRAS e NAFs”. (NITERÓI, 2005, p.13). Neste ano de 2005, o documento informa que se
ressalta, no PBF, a prática de “atualização dos cadastros, segundo orientações e exigências
do Governo Federal”. (NITERÓI, 2005, p.17).
Sobre o BPC, é informada no documento a atribuição posta “ao município, até o
momento executar apenas a revisão do benefício a cada 2 anos”, embora seja citado que as
visitas domiciliares com este objetivo acabam contribuindo para a realização de
“encaminhamentos demandados” e “acompanhamento das famílias” pelos equipamentos.
(NITERÓI, 2005, p.14-15).
Um dado interessante no Relatório de Gestão (NITERÓI, 2005, p.19) é que, em 2005,
ainda havia a prática do plantão social na Secretaria Municipal, mesmo já tendo sido iniciada
a implantação dos CRAS no município. O plantão social, centralizado na Secretaria
Municipal, dificultava o acesso à Política de Assistência Social pela população usuária, além
de ter uma característica de atendimento mais emergencial. Conforme já salientado, os CRAS
foram concebidos, na reestruturação da Assistência Social pelo SUAS, para serem alocados
mais próximos dos territórios dos usuários e atender mais plenamente a suas demandas,
através de um conjunto de intervenções continuadas que envolvem a prestação dos serviços
socioassistenciais junto à população usuária. Neste sentido, avaliamos que a consolidação dos
CRAS como equipamentos públicos de intervenção estatal torna-se fundamental para a
própria concretização do SUAS.
As ações são descritas conforme o recorte populacional e não segundo a concepção de
proteção social (básica ou especial) a que estão vinculadas. Das intervenções direcionadas às
crianças e adolescentes, não identificamos sua realização nos CRAS. (NITERÓI, 2005, p.20-
21). Inclusive destacamos que uma das ações revela ser de competência da política de
Educação, a “Ampliação do serviço de Jornada Ampliada nas creches” – a Secretaria
Municipal de Assistência Social duplicou a quantidade de entidades “conveniadas” que
prestavam este serviço. (NITERÓI, 2005, p.20).
Sobre as intervenções dirigidas ao público jovem, o documento menciona as ações
“socioeducativas, lúdicas e socioculturais além da geração de emprego e renda”, dando-se um
destaque ao Projeto Agente Jovem, sobre o qual há o seguinte relato: “Estamos no processo
de introdução do projeto na nova concepção de assistência social, a partir do SUAS,
ampliando a referência de comunidade para território, apropriando a estrutura dos CRAS
232
existentes para introdução dos jovens nos projetos”, ou seja, a gestão municipal estava
reestruturando as ações do Projeto aos direcionamentos do SUAS. (NITERÓI, 2005, p.22).
Com relação à população idosa, o Relatório de Gestão (NITERÓI, 2005, p.28,29,30)
informa sobre a realização dos Grupos de Convivência, onde ocorriam variadas Oficinas
voltadas a este público; além disso, sinalizamos algumas atividades elencadas: repasse de
cestas básicas; “Cadastramento dos idosos” de determinados territórios; “Plantão Social”,
entre outros.
Do campo de ação à pessoa com deficiência ressaltamos do documento as seguintes
ações, conforme denominação explícita no Relatório: Passe Livre, serviço realizado por
intermédio da SMAS, “com recursos materiais e humanos próprios”; Transporte Eficiente,
voltado às “pessoas impossibilitadas de utilizar o transporte convencional”; Capacitação dos
CRAS e dos Agentes Jovens. Pontuamos que, no ano de 2005, o acesso à obtenção do Passe
Livre estava articulado ao cadastramento no CadÚnico. Também, em 2005, começou “o
preenchimento de fichas de Cadastro Único dos usuários do Transporte Eficiente”.
(NITERÓI, 2005, p.31-34).
Acerca das práticas direcionadas à Inclusão Produtiva, o Relatório de Gestão evidencia
que a SMAS se responsabiliza perante o MDS por impulsionar suas intervenções nesta área,
atuando nas frentes de trabalho, a saber – “Capacitação; Empreendedorismo e Cooperativismo
e Controle e Introdução ao Mercado de Trabalho”, sendo que destacamos das atividades
desenvolvidas os “cursos de qualificação profissional”. (NITERÓI, 2005, p.36-37).
Outra intervenção da SMAS que salientamos é a “Cidadania em Ação para Todos”
que, em nossa avaliação, aproxima-se de uma grande Ação Social, pois envolve “ações
itinerantes que ocorrem quinzenalmente em comunidades diferentes, destinado à população
em áreas de vulnerabilidade social do município onde são prestados serviços”. (NITERÓI,
2005, p.48). Embora o documento afirme que esta forma de atuação se harmoniza com a
Política Nacional de Assistência Social (NITERÓI, 2005, p.48), consideramos que, na
realidade, se afasta da proposta dos CRAS de alocação no território de um equipamento
público de forma permanente, a fim de ser referência à população usuária de prestação de
serviços públicos de qualidade. Consideramos a Cidadania em Ação para Todos uma medida
de atendimento emergencial das demandas da população nos bairros em que ocorria.
233
Dos dados do Relatório de Gestão de 2005 aos do Relatório de Gestão de 2006, não
notamos mudanças substanciais nas ações da gestão municipal para implementação da PSB
nos parâmetros do SUAS, uma vez que muitas intervenções permanecem, inclusive a divisão
por segmentos populacionais, e outras que não se inserem na lógica do SUAS. Notamos um
crescimento do número de atividades realizadas nos CRAS implantados, mas não constatamos
dados específicos acerca da infraestrutura dos mesmos, nem dados qualitativos sobre as ações
realizadas nos CRAS. A ênfase recai em sinalizar dados quantitativos do que foi realizado.
Em algumas ações, informa-se o esforço de aproximação ou até mesmo de revisão de práticas
tendo por base o SUAS.
No Relatório de Gestão de 2007, de forma geral, quanto aos CRAS, permanece a
ênfase em dados quantitativos de número de atividades realizadas, sem informações
qualitativas mais específicas sobre as ações. Os Núcleos que iriam ser constituídos em CRAS
ainda permanecem na estrutura da gestão municipal. Também notamos um crescimento das
ações do PBF nos CRAS.
Nas práticas direcionadas às crianças e adolescentes, destacamos um dado importante,
da participação de um CRAS na execução direta deste serviço, com a realização de oficinas,
ações culturais, visitas, etc. (NITERÓI, 2007b, p.16). Por outro lado, a quantidade
populacional atendida pelo CRAS, 88 crianças e adolescentes, em comparação com o número
posto pela rede socioassistencial conveniada, um total de 1.992, executado por 13 instituições
(NITERÓI, 2007b, p.16,17), demonstra uma disparidade que torna evidente a prevalência da
atuação assistencial por parte das entidades da assistência social.
No campo de atuação à juventude (NITERÓI, 2007b, p.18-34), notamos a ampliação
de dados sobre os projetos desenvolvidos, o crescimento de ações na área e maior
envolvimento dos CRAS em algumas atuações. Com relação à população idosa, pontuamos
um avanço das práticas na ótica do SUAS, com a organização dos Grupos de Convivência,
com maior participação dos CRAS (5 CRAS do total de 8 CRAS que havia no município) em
sua oferta, na realização de oficinas que possuíam dias e horários definidos para sua
execução. (NITERÓI, 2007b, p.34-35).
Quanto ao BPC, observa-se a ausência de ações de acompanhamento às famílias
beneficiárias, no sentido de maior integração destas com as intervenções da Política de
Assistência Social. O Relatório de Gestão de 2007 (NITERÓI, 2007b, p.14) informa sobre o
234
BPC: “o INSS nos solicitou correções referentes a pendências da revisão do BPC do ano de
2006”, e cita o que foi realizado pelo Núcleo de Benefício e Renda de Cidadania para cumpri-
las, não sendo relatadas outras intervenções para além da revisão do benefício, o que é uma
questão a ser problematizada, pois, conforme já salientado, o BPC é o único benefício de
transferência de renda que é política de Estado, garantido constitucionalmente e
regulamentado pela LOAS.
Além disso, constatamos a importância dada pela gestão municipal às ações de
inserção profissional no mercado de trabalho. Sobre o Projeto Inclusão Produtiva, destacamos
o papel determinante das entidades conveniadas na execução das “Oficinas de Capacitação e
Inclusão Produtiva”. (NITERÓI, 2007b, p.40).
No ano de 2008, o Relatório de Gestão (NITERÓI, 2008b, p.3-4) informa a existência
de 8 CRAS e 1 Núcleo (que ainda não havia se constituído em CRAS) e que foram realizadas
determinadas intervenções nos CRAS, segundo o Relatório, assim denominadas: Atenção
Integral às Famílias; Inclusão Produtiva e Enfrentamento da Pobreza; Convivência entre
Idosos; Serviço para crianças de 0 a 6; Incentivo ao Protagonismo Juvenil, sendo várias
desenvolvidas através de “parcerias com a rede sócio-assistencial” sem informar se pública ou
privada. Acerca da execução física, apontamos algumas das ações e serviços citados (segundo
os termos postos no documento): atendimentos diretos; famílias cadastradas nos CRAS;
brinquedoteca; Passe Livre; Programa Bolsa Família. O documento informa que a gestão iria
iniciar em 2009 “uma equipe fixa nos CRAS”, com profissionais oriundos do concurso
público, realizado em 2008. Ou seja, o Relatório indica que, nos anos iniciais de implantação
do SUAS no município, não havia equipe de referência permanente nos CRAS.
No Relatório de Gestão de 2009, consta a primeira indicação de importantes
parâmetros do SUAS relativos aos CRAS, como a “execução exclusiva e obrigatória” do
PAIF; o uso do Índice de Desenvolvimento dos CRAS174 tendo em vista o acompanhamento
dos equipamentos, que verifica os indicadores de infraestrutura física, horário de
174
“O IDCRAS foi criado em 2008 pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), em parceria
com a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS)”. “O IDCRAS foi criado com o objetivo de aprimorar o
processo de monitoramento dos CRAS, iniciado em 2007, por meio do atualmente chamado de Censo SUAS”.
(Disponível em: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/psb-protecao-especial-
basica/cras-centro-de-referencias-de-assistencia-social/cras-institucional. Acesso em: 13/02/2015).
235
Assistência Social, maior organização da proteção social básica, com relação à estruturação
dos CRAS e à organização de apresentação dos dados, mais informativos. Percebemos a
tendência do estabelecimento de parâmetros da gestão gerencial no âmbito do SUAS no
município, com ênfase na demonstração de dados quantitativos de cadastros e atendimentos,
da referência ao cumprimento de metas e resultados, da adequação às exigências do MDS.
Do Relatório de Gestão 2010, observamos a implantação de importantes estruturas de
gestão em áreas estratégicas do SUAS, como a Coordenação Técnica de PSB. Continua-se a
produção de dados informativos sobre os CRAS e a PSB (embora alguns ainda se façam por
recorte de segmentos, por exemplo, crianças e adolescentes). Também notamos uma
preocupação da gestão municipal em cumprir as determinações do MDS. As estatísticas
numéricas são valorizadas, evidente na quantificação de algumas atividades dos CRAS.
No Relatório de 2011 não notamos mudanças substanciais em relação ao de 2010.
Destacamos a pouca quantidade de equipamentos públicos de PSB (CRAS) para atendimento
das demandas dos territórios do município. Além disso, percebemos o PAIF, ações de
cadastramento, transferência de renda e inclusão produtiva como as tônicas de intervenção
dos CRAS.
O Relatório de Gestão 2012 (NITERÓI, 2012, p.4) apresenta-se, em nossa avaliação,
como um documento bem estruturado nas questões de organização das informações. Após as
partes introdutórias, organiza-se pelas ações desenvolvidas em cada setor: Proteção Social
Básica; Proteção Social Especial; Subsecretaria de Direitos Humanos; Subsecretaria do Idoso;
Subsecretaria de Integração e Cidadania; Subsecretaria de Adoção; Subsecretaria de
Promoção Social; Setor da Informação, Monitoramento e Avaliação; Setor de Controle
Interno; Programa Bolsa Família; Setor Financeiro. Podemos, dessa forma, visualizar a forma
de organização da própria SMAS.
Percebemos na parte introdutória um dado interessante, pois informa que o documento
teve sua elaboração por Setor de Gestão da Informação, Monitoramento e Avaliação da
SMAS. Além disso, inova em trazer indicadores sobre o município. Situa Niterói como
“município de grande porte”, caracteriza sua gestão no âmbito do SUAS, como “gestão plena
dos serviços socioassistenciais”. (NITERÓI, 2012, p. 4-7).
No relato da Coordenação de PSB, o Relatório (NITERÓI, 2012, p.9) salienta suas
atribuições: “articular, organizar e estruturar os serviços de PSB”; realizando articulação junto
241
176
“O Demonstrativo Sintético Anual da Execução Físico-Financeira do SUAS é o instrumento de prestação de
contas do cofinanciamento federal dos serviços continuados de Assistência Social, no SUASWEB.
O Demonstrativo é elaborado pelos gestores e submetido à avaliação dos respectivos Conselhos de Assistência
Social, que verifica o cumprimento das metas físicas e financeiras do Plano de Ação dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.” (Disponível em: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-
social/suas-sistema-unico-de-assistencia-social/gestor-suas-demonstrativo-sintetico-anual. Acesso em
20/02/2015).
177
Através do site: http://www.acessoainformacao.gov.br. Acesso em 17/02/2015.
178
Informações obtidas no site: http://www.portaltransparencia.gov.br, acesso em 18/02/2015; 19/02/2015 e
20/03/2015.
179
Disponível no site: http://fundos.economia.uol.com.br/uol/calculadora-indices-inflacao/Default.aspx. Acesso:
19/02/2015 e 21/03/2015.
243
180
Deste documento, relativos aos anos abordados, ressaltamos que não utilizamos em nossa análise informações
referentes à reprogramação orçamentária, rendimentos, saldos, mas apenas os dados sobre a transferência de
recursos do cofinanciamento federal, estadual e a alocação do próprio município. Salientamos, também, que
muitos termos foram utilizados na íntegra, conforme o documento.
244
Programa Bolsa Família em Niterói foi bem superior ao investimento nas ações do SUAS,
com a destinação de R$ 5.798.321,00, segundo o Portal Transparência do Governo Federal.
As áreas da PSB que receberam financiamento 181 (compreendemos se tratar do
cofinanciamento federal) foram, segundo as denominações do documento: concessão de bolsa
para jovens em situação de vulnerabilidade social (Agente Jovem); Serviços de PSB à
Família; Serviços Específicos de PSB, voltados aos grupos populacionais – criança, idoso e
jovem. Em nosso entendimento do documento referenciado – na realidade, dos
Demonstrativos de um modo geral –, percebemos que os recursos do cofinanciamento (no
caso, citamos da esfera federal) estão relacionados a uma quantidade de ações (atendimentos,
bolsas) a serem operacionalizadas pela gestão municipal. (BRASIL, 2005c, p.2).
A partir do ano de 2006, apresentaremos os valores já deflacionados, sendo que o
Demonstrativo Sintético Anual da Execução Físico-Financeira do SUAS de 2006 (BRASIL,
2006, p.1-2), informa que houve uma diminuição dos recursos investidos em comparação com
o ano de 2005 (esta redução ocorre mesmo antes de deflacionarmos os valores). Os dados
deflacionados informam que os recursos transferidos do cofinanciamento federal (FNAS)
foram de R$ 2.071.907,71; os recursos do cofinanciamento estadual (FEAS), de R$
68.785,43; os recursos próprios alocados foram de R$ 4.337.281,99. Porém, os recursos para
a área de PSB aumentaram, pois representam 60,1% dos recursos totais do cofinanciamento
federal. Acrescentamos que continuam as mesmas áreas de PSB, do ano de 2005,
contempladas no cofinanciamento (federal). Ressaltamos que os recursos transferidos do
Governo Federal para o Programa Bolsa Família direcionados a Niterói (R$ 7.950.261,10),
segundo o Portal Transparência, já ultrapassavam o valor total de investimento na área do
SUAS (R$ 6.477.975,13), conforme sinaliza o Demonstrativo de 2006.
O Demonstrativo Sintético Anual da Execução Físico-Financeira do SUAS de 2007
(BRASIL, 2007, p.1-2) revela um aumento de recursos para o SUAS relativo ao ano anterior,
creditado ao cofinanciamento federal e ao municipal. O total de recursos dos
cofinanciamentos somam R$ 6.750.561,34, sendo R$ 2.360.200,78 federal, e destes a PSB
representa 60,8%; R$ 28.886,78 estadual; R$ 4.361.473,78 municipal. Permanecem os
mesmos campos de intervenção dos anos de 2005 e 2006 que receberam o cofinanciamento
181
Iremos destacar dos documentos referentes ao cofinanciamento para as ações do SUAS no município de
Niterói, aquelas que foram previstas, independentemente de sua execução.
245
Quadro 15. Síntese do panorama atual da gestão do SUAS: a PSB nos CRAS
PESQUISA/DOCUMENTO EIXOS TEMÁTICOS
Documentos sobre repasse de Cofinanciamento ao SUAS e ações contempladas;
recursos ao SUAS e Recursos repassados ao PBF.
PBF/Niterói
Pesquisa de campo nos Infraestrutura geral dos equipamentos (física, recursos
CRAS de Niterói humanos).
Desenvolvimentos dos serviços socioassistenciais (Serviço
de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF;
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos;
Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para
pessoas com deficiência e idosas).
Elementos da gestão do SUAS no município refletida nos
CRAS (orientações, diretrizes, planejamento,
territorialização, intersetorialidade).
Relatórios de Gestão da Organização, estruturação dos CRAS e da gestão municipal
SASDH de Niterói (a título de complementação dos dados).
Censo SUAS 2014 de Organização, estruturação dos CRAS (para
Niterói-CRAS complementação dos dados).
Censo SUAS 2014 de Organização, estruturação do órgão gestor e do SUAS.
Niterói-Gestão Municipal Relação com os entes federados.
Gestão Financeira.
Gestão do Trabalho.
Vigilância socioassistencial.
Proteção Social Básica.
Plano Brasil sem Miséria no Implantação do BSM em Niterói
seu município
Plano Municipal de Diretrizes e prioridades da gestão do SUAS e da PSB.
Assistência Social – Frentes de intervenção da PSB, Gestão do Trabalho e
2014/2017 Gestão do SUAS.
Fonte: Elaboração própria.
187
Disponível em www.niteroi.rj.gov.br/plano-municipal-assistencia-social14-17.pdf. Acesso em:
11/03/2015.
251
Fonte dos dados do cofinanciamento federal: Documento Parcelas Pagas – Serviços, ano 2013; Demonstrativo Parcelas Pagas
– Por Grupo – Gestão, 2013; Documento Parcelas Pagas – Serviços, 2014; Demonstrativo Parcelas Pagas – Por Grupo –
Gestão, 2014. Trabalhamos os valores líquidos informados dos documentos acima citados.
Fonte dos dados dos recursos ao PBF: Portal Transparência.
Deflacionamos a série histórica utilizando o IGP-DI/FGV 188.
Gráfico: Elaboração própria.
188
Disponível no site: http://fundos.economia.uol.com.br/uol/calculadora-indices-inflacao/Default.aspx. Acesso:
21/03/2015.
252
189
Não visualizamos as páginas dos documentos citados.
253
190
Ressaltamos que os dados apresentados nas tabelas referentes ao questionário aplicado nos CRAS são
colocados na íntegra, do modo como foram escritos/respondidos pelos profissionais. Abreviamos algumas
palavras com o uso de siglas. Não utilizamos as aspas por se tratar da reprodução das respostas dos conteúdos do
questionário.
254
o documento nas questões abertas. Em todo o período da captação dos dados, permanecemos
nos CRAS, para sanar dúvidas e fazer esclarecimentos, se fosse necessário.
Ter ido pessoalmente ao espaço dos CRAS foi muito proveitoso para nossa pesquisa,
porque permitiu uma aproximação com a realidade vivenciada pelos profissionais atuantes
nos CRAS, a sua infraestrutura de trabalho, as dificuldades enfrentadas e, também com o local
utilizado pelos próprios usuários da política de assistência social, tentando traduzir a
utilização destes equipamentos públicos, nas recepções, nas salas de atendimentos, nos
espaços para realização dos grupos.
O fato de os CRAS serem distribuídos em diferentes bairros de Niterói também
proporcionou uma viagem prazerosa pelas ruas da cidade onde residimos, no sentido de olhar
outras realidades que desconhecíamos, verificar a própria disposição dos CRAS nestes
bairros, as instituições e os programas próximos destes, e ter uma breve noção da distância
entre os CRAS e as comunidades referenciadas. Em seguida, apresentamos os Quadros 16 e
17 com dados de identificação dos CRAS pesquisados:
255
Do Quadro 18 fica evidente o extenso território onde o CRAS Cubango atua. Segundo
informação da técnica deste CRAS, acerca do número de famílias referenciadas, “Não há um
258
número preciso no entanto com certeza é bem acima do previsto na NOB e PNAS”. De fato,
percebemos, de um modo geral, pelas demandas apresentadas nos CRAS e em virtude da área
territorial de Niterói que os 8 CRAS constituídos se tornam insuficientes ao pleno acesso e
referenciamento da população demandante, tornando-se necessária a ampliação quantitativa
dos equipamentos e aprimoramentos na distribuição territorial dos mesmos.
No que diz respeito à infraestrutura física dos CRAS acerca dos equipamentos básicos
(Quadros 19 e 20):
259
Através dos dados apresentados nos Quadros 19 e 20, percebemos vários desafios
postos à gestão municipal, órgão responsável pela estruturação e organização da PSB no
município, o que contempla os equipamentos públicos como os CRAS. Niterói se enquadra na
Gestão Plena no âmbito do SUAS, porém, verificamos que a efetividade desta Gestão envolve
muito mais do que apenas informar os números das ações realizadas ou o número de
261
equipamentos implantados, mas oferecer condições para efetivação das intervenções a serem
desenvolvidas, tendo por fundamento a prestação de serviços com qualidade à população
usuária.
Na contramão de condições favoráveis para execução do trabalho nos CRAS,
verificamos que 7 CRAS possuem telefone, mas quanto ao seu uso, 6 CRAS o consideram
insatisfatório, ou por não realizar todo o tipo de chamada, ou por não funcionar devido ao não
pagamento, entre outros aspectos, sem contar que 1 CRAS nem possui telefone. Outro ponto
que destacamos é sobre a Internet, uma vez que apenas 2 CRAS possuem esse acesso.
Acrescentamos a questão do veículo para realização das atividades dos CRAS, pois todas as
profissionais afirmam que os CRAS não têm. Compreendemos que se utilizam dos veículos
da própria Secretaria e compartilham seu uso com outras unidades e demandas. De forma
geral, há uma precária estrutura material nos CRAS, que dificulta e limita a realização das
atividades. Com relação à estrutura do espaço físico dos CRAS, os Quadros 21, 22 e 23
informam que:
262
Quadro 23. Infraestrutura física dos CRAS - Espaço físico – Parte III
Os CRAS Outros Área externa Área de Mobiliário para
possuem? espaços com Avaliação serviço os ambientes
acessibilidade Comentários Avaliação Avaliação
Avaliação Comentários Comentários
Comentários
Badu Não. Sim. Não. Sim.
A rampa de acesso Compartilhada com Em todas as salas.
ao CRAS precisa outras instituições Regular.
ser melhorada/ da prefeitura.
modificada, pois é Poderia parte da
muito íngreme e área externa ser
não possui barra de adaptada com
apoio cobertura.
Barreto Sim. Todos. Sim. Não. Sim.
Regular. Em todas as salas.
Bom.
Centro Sim/4. Sim. Sim. Sim.
Ruim. Regular. Ruim. Em todas as salas.
Regular.
Cubango Está fora dos Sim. Sim. Sim.
padrões de Bom. Bom. Em todas as salas.
acessibilidade. Regular.
Por intermédio dos Quadros 24 e 25 ratificamos as reflexões anteriores sobre uma das
grandes questões a serem aprimoradas no âmbito dos equipamentos de PSB (CRAS) pela
gestão municipal que envolve os trabalhadores atuantes nos CRAS e a prática recorrente da
gestão em realizar os contratos temporários, contrariando, inclusive, as prerrogativas da NOB-
RH/SUAS/2006 do SUAS.
Verificamos que todos os CRAS possuem mais técnicos de nível superior contratados
do que concursados, isto é, são trabalhadores com vínculos precarizados que terão seu
contrato interrompido após tempo determinado, sendo rompidos os vínculos estabelecidos
com a população e descontinuadas as ações realizadas. Esta prevalência dos contratos também
268
No âmbito do PAIF, acrescentamos alguns registros de alguns CRAS acerca das ações
que são desenvolvidas no PAIF, segundo a técnica do CRAS Badu: “Percebo, porém, que até
o presente momento não conseguimos acompanhar sistematicamente todas as famílias que
chegam com esta necessidade.”; além disso, a técnica do CRAS Cubango registra que “Até
então devido a equipe reduzida não houve possibilidade de implementação do PAIF, pois os
atendimentos estavam voltados apenas para o preenchimento do CAD.ÚNICO”; a técnica do
CRAS Preventório pontua que “Essas ações são insuficientes para um acompanhamento
familiar que é preconizado na lei”; a técnica do CRAS Região Oceânica, um dos
equipamentos que não desenvolve o PAIF, registra que “Neste CRAS/Região Oceânica, não
realizamos este serviço, pois falta espaço físico e adequado, recursos e mobiliário”.
Das informações referentes ao PAIF podemos apreender que as dificuldades
assinaladas nas questões de infraestrutura (física e de recursos humanos) refletem as
fragilidades da prestação deste serviço à população usuária. Verificamos que decorridos 8
anos de implementação do SUAS no município (que está habilitado na Gestão Plena do
SUAS desde 2005191), muitos elementos precisam ser aperfeiçoados para a prestação de
serviços de qualidade aos usuários.
Relembramos que a organização do SUAS situa o PAIF como a grande identidade dos
CRAS que deve ser ofertada precipuamente nestes equipamentos. Todavia, identificamos que
2 CRAS do município não desenvolvem o PAIF, inclusive 1 das profissionais deste CRAS
cita a falta de condições estruturais para tal oferta. Aqueles que prestam este serviço, o fazem
há pouco tempo (em função do tempo decorrido da habilitação do município em Gestão
Plena). Vimos dos relatos das profissionais que 4 CRAS executam o PAIF há cerca de 1 ano;
1 CRAS, há cerca de 2 anos; e 1 CRAS, há 4 anos. Ou seja, houve um período relativamente
longo para que a população contasse com a prestação deste serviço nos CRAS.
Todos as profissionais dos CRAS relatam no campo de ação do PAIF as ações de
acompanhamento familiar, demonstrando a força da diretriz da matricialidade familiar da
PNAS/2004 na direção das intervenções nos equipamentos. Vimos dos relatos das
profissionais que apenas 2 CRAS informam a existência de atividades grupais. Ressaltamos
em alguns relatos a demanda do cadastramento, inclusive um relato de 1 CRAS coloca, em
termos de trajetória, a predominância do CadÚnico na atuação do CRAS. Não identificamos
191
Conforme o Demonstrativo Sintético Anual da Execução Físico-Financeira do SUAS (BRASIL, 2005c).
270
realizam os SCFV, o fazem há pouco tempo: 1 CRAS, há cerca de 1 ano; 2 CRAS, há 1 ano;
1 CRAS, há 2 anos.
No que diz respeito ao Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas
com Deficiência e Idosas, verificamos o próximo quadro:
272
Percebemos que metade dos CRAS (4) relatam intervenções referentes a cadastros
(CadÚnico, recadastramento), reafirmando a relevância de tais práticas no cotidiano de
atuação dos CRAS. Acrescentamos o relato da profissional do CRAS Preventório, que revela
as dificuldades dos CRAS, como equipamentos da “ponta”/da execução dos serviços, no
diálogo com a gestão municipal: “Falta escuta por parte da gestão, o que gera um
direcionamento equivocado e ineficaz para o desenvolvimento das ações básicas do
equipamento”. Assim, verificamos a necessidade de investimento na construção de canais
mais sólidos de comunicação entre a gestão com os equipamentos, bem como maior
planejamento orçamentário da gestão municipal, a fim do atendimento às solicitações dos
CRAS para que os profissionais tenham condições efetivas de execução das atividades que,
como temos ressaltado, precisam estar constituídas numa perspectiva ampla do acesso aos
direitos sociais, que vai muito além do preenchimento de cadastros.
Nosso questionário abrangia também questões relacionadas à gestão do SUAS nos
CRAS. Quanto às orientações e diretrizes acerca da atuação dos CRAS, temos os seguintes
relatos organizados no próximo quadro:
274
A partir do quadro 30, observamos que as orientações da atuação dos CRAS provêm,
em vários relatos, dos três entes federados. O MDS articula-se à produção de dados
estatísticos por parte dos CRAS e é orientador das diretrizes para a realização das atividades;
a Secretaria Estadual tem uma função mais fiscalizadora de controle das ações; e a Secretaria
Municipal determina algumas intervenções a serem realizadas pelos equipamentos. Em nossa
compreensão, as demandas chegam à gestão municipal e esta as repassa aos CRAS para seu
atendimento, mesmo alguns casos que não são da competência dos CRAS.
275
Através da maioria dos relatos das profissionais dos CRAS fica evidente que as
orientações revelam a padronização das ações desenvolvidas, articuladas a determinadas
276
alguns relatos que as metas são uma determinação da gestão municipal através dos relatórios
com o quantitativo das ações desenvolvidas pelos CRAS. E sabemos que o foco nos
resultados é um dos aspectos do modelo da gestão gerencial. Por outro lado, certos registros
apontam que o planejamento voltado às demandas da população muitas vezes tem
dificuldades de concretização em virtude da ausência de estrutura necessária.
No que diz respeito à cobrança aos técnicos quanto à produção do seu trabalho, o
quadro abaixo informa que:
O Quadro 33 informa que as equipes técnicas dos CRAS são cobradas quanto à
produção do seu trabalho, geralmente através de informações estatísticas que são repassadas
pelos CRAS quanto às atividades realizadas. Além disso, os registros das profissionais do
CRAS Preventório e do CRAS Região Oceânica nos levam a questionar em qual
direcionamento o foco da gestão municipal se concentra quando cobra os resultados
quantitativos, qual o alcance desta produção de estatísticas. Possuem como questão primordial
278
o acesso aos direitos da população usuária? Através dos relatos, parece que não é nesta
perspectiva que se volta a cobrança da gestão municipal aos CRAS.
Acerca da rotina de registro das atividades realizadas nos CRAS, o próximo quadro
sinaliza que:
Com relação à articulação das ações entre as proteções sociais, básica e especial,
identificamos, de forma geral, a necessidade de aprimoramento na perspectiva de referência e
contrarreferência, ou seja, na interlocução e na complementaridade das intervenções
desenvolvidas na PSB e PSE, tendo em vista a integralidade do atendimento ao público
usuário. Além disso, verificamos como ocorria a articulação dos CRAS com outras políticas
públicas, instituições, conforme demonstra o quadro a seguir:
281
controlar as ações dos CRAS. Ainda outro CRAS (Região Oceânica) revela que a busca de
dados (também entendemos se tratar da gestão municipal) vincula-se à aquisição de
incentivos financeiros.
A partir dos elementos assinalados da pesquisa realizada nos CRAS, articulando-os
com as reflexões que efetuamos sobre o processo histórico de construção do SUAS no
município de Niterói, notamos a influência conceitual da PNAS/2004 nas ações desenvolvidas
nos CRAS do município, o foco no risco e na vulnerabilidade social, a ideia da inclusão e de
capacitar os usuários. Por outro lado, a dimensão de uma atuação mais participativa junto aos
usuários perde-se no cotidiano dos CRAS, não há registro de intervenções que promovam a
participação dos usuários além de cadastros e atendimentos. Além disso, notamos que as
dificuldades expressas pelos CRAS em concretizar a prestação dos serviços socioassistenciais
relacionam-se a alguns movimentos (vinculados entre si) que assinalamos a seguir.
A contraditória relação entre os setores público e privado na trajetória de execução das
ações do SUAS, marcadas, nos primeiros anos de reorganização da Política de Assistência
Social, pela participação ativa das entidades sociais na prestação de serviços essenciais de
PSB. A destinação orçamentária para o SUAS, comparando-se o período histórico analisado,
é inferior aos recursos direcionados ao PBF. Logo, verificamos uma centralidade das ações
que envolvem o PBF, em detrimento dos serviços socioassistenciais. A apropriação de
algumas diretrizes da gestão gerencial pela gestão municipal, com o foco na cobrança de
resultados quantitativos, cumprimento de metas, repasse de estatísticas pelos equipamentos,
sobrepondo-se a uma preocupação mais ampla com a qualidade dos serviços prestados à
população usuária e com a busca de uma gestão mais participativa tanto para os técnicos
como para os usuários.
Neste cenário, observamos dificuldades na articulação entre a gestão municipal e os
CRAS como unidades públicas executoras, com fragilidades nos canais de comunicação entre
eles. As imposições e as determinações da gestão municipal, comentadas por alguns CRAS,
revelam um posicionamento da gestão municipal articulado a um contexto macro imposto
pelo Governo Federal, de cobrança de resultados aos entes municipais, pois, como já
salientamos, o cofinanciamento federal está articulado ao cumprimento de metas estabelecidas
ou “pactuadas”.
286
informa condições de insalubridade: “Ainda contamos com um ambiente sujo, visto que não
temos auxiliar de serviços gerais há meses”. Além disso, as fragilidades no diálogo com a
gestão municipal são salientadas: “Todas essas e outras solicitações já foram encaminhadas
à SASDH em diversas CIs ao longo do ano de 2013”. (NITERÓI, 2013, p.18-19).
O relato do CRAS Vila Ipiranga informa que as demandas de cadastro e de
atendimento individual sobrepõem-se às atividades grupais, por obstáculos em virtude do
CRAS (na maioria do ano) contar com poucos técnicos para execução das atividades:
“tínhamos uma imensa dificuldade em oferecer todos os serviços com qualidade. As oficinas
previstas não puderem ser implantadas por conta da imensa demanda referente a
cadastramento de beneficiários e atendimentos individuais”, e acrescenta: “Fomos
convocados também a participar do recadastramento dos beneficiários do aluguel social, o
que acarretou a paralisação de outros serviços, exceto a inclusão de famílias no cadastro
único”. (NITERÓI, 2013, p.20-21).
O relato do CRAS Vila Ipiranga também cita dificuldades quanto à infraestrutura:
“Permanecemos com as mesmas questões de infraestrutura insistentemente solicitadas e
cobradas através de CIs e em reuniões de coordenação, mas que não foram solucionadas”.
Ainda sobre o relacionamento com a gestão, afirma “nem sempre as decisões tomadas são
respeitadas, fragilizando a autonomia profissional”. (NITERÓI, 2013, p.21-22).
Muito importante é o reconhecimento posto no relato do equipamento da relação
CRAS x direitos: “A manutenção do Cras está em completo descaso (...) A manutenção do
Cras precisa ser entendida como prioridade já que o Cras deve ser o reflexo da concepção do
direito que se propõe assegurar à população”, e ainda acrescenta: “A política de assistência
social precisa sair do lugar de subalternidade onde sempre esteve e precisa começar
valorizando o profissional que está na porta de entrada e aquele usuário que vai ser
atendido”. (NITERÓI, 2013, p.21-22). Ou seja, a Assistência Social precisa efetivamente sair
da esfera do não direito no cotidiano de atuação dos CRAS.
O relato do CRAS Vila Ipiranga manifesta sobre a necessidade de realização de mais
capacitações aos profissionais atuantes no CRAS. Verifica-se um desejo, uma motivação
expressa no relato do CRAS de realizar ações que levem em perspectiva a participação da
população, “divulgando o Cras como espaço da e para a população, ouvindo-a e
incentivando-a na participação e planejamento das ações”. (NITERÓI, 2013, p.22).
288
setor específico que trate da Gestão do SUAS, de forma a organizar os processos de gestão do
SUAS no município.
O Relatório de Gestão de 2014192 (NITERÓI, 2014a) também traz algumas
informações destacadas, a título de complementação de dados. Segundo o Relatório, a PSB,
neste ano, teve em sua composição 9 CRAS (acrescentou-se o CRAS Jurujuba, inaugurado
em 2014); 1 equipe responsável pelo Vale Social 193; 1 Núcleo de Benefícios e Renda; 1
Centro de Oportunidades e Cidadania Digital; 1 Centro de Convivência Intergeracional
(Helena Tibau). (NITERÓI, 2014a). Contemplaremos, da área de PSB, dados sobre os CRAS,
a parte do Relatório que apresenta uma avaliação de cada equipamento (não fica claro no
documento se esta foi realizada pela gestão municipal ou pelo próprio CRAS).
Em 8 CRAS (menos o CRAS de Jurujuba), coloca-se no Relatório a “necessidade de
intensificar as melhorias de infraestrutura, além de adequar as necessidades de recursos
humanos conforme as recomendações do CMAS”. (NITERÓI, 2014a). Ou seja, permanecem
as necessidades de aperfeiçoamento na estrutura física e humana da maioria dos CRAS.
Um dos exemplos ratifica que a prática da gestão municipal de manter os contratos
temporários para contratação de profissionais prejudica a continuidade da prestação dos
serviços socioassistenciais. Isso pode ser visto na avaliação do CRAS Preventório: “O CRAS
passou por um período difícil no mês de abril, quando toda equipe foi desmontada, com o
termino [do] contrato”. (NITERÓI, 2014a).
A fragilidade de comunicação e relacionamento entre gestão municipal e CRAS pode
ser ilustrada por uma citação referente a um CRAS, avaliação que, em nossa compreensão,
provém da gestão municipal: “Equipe que temos maior dificuldade de entendimento e
intervenção. A equipe custa a incorporar os comandos e orientações, o que inviabiliza
algumas ações. Não conseguimos acessar seus dados de forma coesa, que apresente dados
192
Não foi possível visualizar as páginas do documento.
193
No ano de 2013 foi firmado um convênio com a Secretaria de Estado de Transportes para que a SASDH de
Niterói se constituísse “como posto de cadastramento do Vale Social para os moradores de Niterói”. Este
benefício, datado de 2005 (Lei Estadual nº 4510/2005 e Decreto Estadual nº 36992/2005) garante “gratuidade em
transportes de concessão estadual (...) a portadores de deficiência (...) e doentes crônicos, em tratamento na rede
pública de saúde ou SUS, cuja interrupção do tratamento médico possa acarretar risco de morte. Menores de
idade e adultos incapazes de se locomoverem sozinhos (...) têm direito à gratuidade também para
acompanhante.” (NITERÓI, 2014a).
290
sólidos e reais”. (NITERÓI, 2014a). Porém, o Relatório não forneceu mais detalhes dos
obstáculos que o CRAS enfrenta em cumprir com suas atribuições.
A questão da continuidade do foco dos CRAS em cumprimento de metas é revelada
pela avaliação do CRAS Barreto (que, em nosso entendimento, provém da gestão municipal):
“A equipe se envolve bem com o trabalho proposto e se esforça para dar conta das metas
propostas”. (NITERÓI, 2014a). Vimos que é um CRAS que se destaca pelo empenho em
cumprir resultados.
A Coordenação da PBS acrescenta que tem procurado a efetivação da “construção da
rede”, inclusive com o diálogo intersetorial. Entre as ações realizadas por esta Coordenação,
ressaltamos: “Capacitação do preenchimento do RMA” – Registro Mensal de Atividades;
“Orientação e reordenamento dos SCFV”; “Planejamento de projetos e implantação dos
Grupos de Convivência: Crianças, Adolescentes e Idosos”; “Orientação de fomento de
estatísticas mensais dos atendimentos técnicos realizados”; “Elevação dos índices de
atendimentos e acompanhamentos”; “Estabelecimento de Metas individuais de atendimento
técnico realizado nos CRAS”. (NITERÓI, 2014a). Dentre as atividades destacadas, notamos a
ênfase da Coordenação de PSB em impulsionar nos equipamentos a prática de produção de
dados estatísticos, cumprimento de metas, além do empenho na reestruturação e realização
dos SCFV.
A Coordenação de PSB aponta como “desafios”: “maior aproximação com os
usuários”, tendo em vista “fortalecer a referência dos atendimentos e identificação com os
serviços ofertados”; “acompanhamento sistemático e sistematizado nos SCFV”; “articulação
da rede no sentido de trocar as experiências e mapeamento [do] território”. (NITERÓI,
2014a). Das questões apontadas, ressaltamos a necessidade de os CRAS do município se
consolidarem como equipamentos públicos de referência de intervenção estatal à população
usuária.
Na área da Gestão, ressaltamos do Relatório de Gestão 2014 dois setores relevantes e
estruturantes, a Coordenação da Gestão do Trabalho e a Coordenação da Gestão do SUAS. A
Gestão do Trabalho, segundo o documento, atua nos eixos de intervenção relacionados ao
“Departamento Pessoal, Recursos Humanos e Regulação das Diretrizes da Gestão do
Trabalho no âmbito do Sistema Único de Assistência [Social] – SUAS”. Tem como norte a
“estruturação do trabalho, qualificação e valorização dos trabalhadores, contribuindo para a
291
oferta de um serviço público de qualidade aos usuários do SUAS”. (NITERÓI, 2014a). Deste
modo, consideramos de fundamental importância a consolidação desta área no âmbito de
gestão do SUAS.
O setor de Gestão do Trabalho da SASDH avalia “o iminente esvaziamento de
servidores públicos nesta Secretaria, está atrelado à inexistência de um Plano de Cargos
Carreiras e Salários – PCCS, que valorize e sirva como fator motivacional para o labor, uma
vez que, os vencimentos dos servidores sofrem reajustes pouco significativos ao longo dos
anos”. (NITERÓI, 2014a). Ou seja, a irregularidade na composição dos recursos humanos da
Secretaria está vinculada ao processo de precarização do trabalho, como a ausência do PCCS
e da valorização dos trabalhadores que atuam no SUAS.
A Coordenação de Gestão do SUAS, no ano de 2014, organizou sua atuação nos
seguintes eixos de intervenção, segundo termos na íntegra: Regulação, da qual ressaltamos as
seguintes atribuições: “propõe normas e diretrizes próprias”; “sistematiza fluxos e processos
de trabalho por categorias e serviços”; “elabora documentação institucional para aquisição de
serviços”; Vigilância Socioassistencial, sobre a qual destacamos a seguinte prática: “apoia
atividades de planejamento, organização e execução das ações desenvolvidas pela gestão e
pelos serviços, produzindo, sistematizando e monitorando informações territorializadas sobre
as situações de risco de vulnerabilidade que incidem sobre as famílias e os indivíduos”;
Educação Permanente, articulada à Gestão do Trabalho, visa a “qualificação sistemática e
continuada de recursos humanos no campo da Assistência Social”. (NITERÓI, 2014a). Nota-
se que tanto a Gestão do Trabalho quanto a Gestão do SUAS estão organizadas como ações
estratégicas no campo de atuação do SUAS no município, embora, como apresentaremos nos
textos a seguir, encontrem-se inseridas de modo informal na estrutura da Secretaria
Municipal.
Na sequência, trabalhamos alguns dados do Censo SUAS-CRAS/2014194 de Niterói
(NITERÓI, 2014b). Em virtude da pesquisa apresentada sobre os CRAS de Niterói no último
194
Sistematizamos as informações do Censo SUAS – CRAS/2014 de Niterói, sendo que cada equipamento tem
um documento com seus dados. Não inserimos as páginas dos oito documentos, mas informamos na referência
Niterói (2014b). Acrescentamos que, segundo esclarecimentos (de modo informal, em março de 2015) da técnica
que atua no setor da Gestão do SUAS no município, não constam os dados do CRAS Jururuba, cujo mês de
implantação foi Novembro de 2014, pois a data de corte para o Censo SUAS foi Agosto de 2014. Embora no
Censo SUAS Gestão Municipal constem 9 CRAS. (NITERÓI, 2014c, p.14).
292
195
Consideramos que esta Unidade data sua instituição em 2001, que avaliamos não se tratar ainda de um
CRAS (em virtude da reorganização da Assistência Social a partir da PNAS/2004 e da NOB-SUAS/2005), mas
de outro equipamento no âmbito da Assistência no município.
293
Observamos que a maioria dos CRAS (7) tem executado de forma direta os Serviços
de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), sendo que 2 executam o SCFV para
crianças de 0 a 6 anos; 4 CRAS, para crianças e adolescentes de 7 a 14 anos; 3 CRAS, para
adolescentes de 15 a 17 anos; 1 CRAS, para faixa etária de 18 a 59 anos; 7 CRAS, para
idosos. Ou seja, predominam nos CRAS os SCFV para a população idosa. Somente 2 CRAS
possuem rede referenciada para oferta de grupos de SCFV.
301
Prontuário
Vila Não Não realiza Não
Não.
Ipiranga Porque recebeu
em quantidade
menor que a
demanda
Fonte: Censo SUAS 2014 – CRAS (NITERÓI, 2014b). Uso dos termos na íntegra do
original.
196
Utilizou-se muitas terminologias na íntegra do documento original.
303
O Censo SUAS 2014 ainda informa que a gestão municipal orientou aos equipamentos
públicos (CRAS e CREAS) que fizessem uso do Prontuário SUAS (instrumento oriundo do
MDS), inclusive proporcionou reunião/capacitação aos técnicos das unidades a fim de
instituição deste Prontuário. (NITERÓI, 2014c, p.21). Notamos empenho da gestão municipal
em orientar os equipamentos quanto ao uso de instrumentais provenientes do MDS. Todavia,
verificamos que não houve adesão à utilização deste Prontuário na maior parte dos
equipamentos (7 CRAS), conforme demonstrou o quadro 44 do Censo SUAS – CRAS.
Quanto às ações de vigilância social, o documento informa que foram executadas as
seguintes pela Secretaria Municipal: “Produção de indicadores ou análises relativas à
demanda por serviços e benefícios socioassistenciais”; “Produção de indicadores ou
diagnósticos relativos à incidência de situações de violência e violação de direitos”;
“Produção de indicadores ou análises de vulnerabilidades sociais a partir de dados do
CADÚnico”; “Produção de indicadores ou análises baseados em microdados (dados dos
setores censitários ou das áreas de ponderação) do Censo 2010 – IBGE”; “Elaboração ou
atualização de diagnóstico socioterritorial do município”; “Elaboração ou atualização de
diagnósticos socioterritoriais das áreas de abrangência dos CRAS”; “Desenvolvimento de
sistemas de informação”; “Desenvolvimento de instrumentos de coleta de dados para
levantamento de informações junto aos serviços”; “Monitoramento dos padrões de qualidade
dos serviços prestados pela rede pública e/ou conveniada”; “Coordenação, acompanhamento e
apoio ao processo de preenchimento o Censo SUAS”; “Gestão local e atualização do
CadSUAS – Sistema de Cadastro Nacional do SUAS”; “Gestão e análise das informações do
sistema de Registro Mensal de Atendimentos dos CRAS e CREAS”; “Fornecimento
sistemático de informações territorializadas sobre as famílias do BPC para os CRAS e
CREAS objetivando auxiliar as ações de busca ativa e subsidiar a atividades de planejamento
da Unidade”; “Fornecimento sistemático de informações territorializadas sobre as famílias do
Cadastro Único para os CRAS e CREAS objetivando auxiliar as ações de busca ativa e
subsidiar as atividades de planejamento da Unidade”; “Planejamento e/ou coordenação de
ações de busca ativa voltadas a públicos prioritários”; “Monitoramento de ações de busca
ativa voltadas a públicos prioritários”. (NITERÓI, 2014c, p.21). Notamos uma gama de ações
articuladas à Vigilância Socioassistencial que são executadas pelo município, embora não
haja a constituição formal deste setor na gestão municipal.
307
Quanto ao Programa ACESSUAS Trabalho, o Censo SUAS 2014 relata que este está
sendo executado no município, cuja atribuição por sua implementação é da Secretaria, do
CRAS e de outras unidades públicas. Cita-se algumas ações realizadas no âmbito deste
Programa: “Identificação do público prioritário para o programa”; “Promover/participar de
campanhas de mobilização e divulgação do programa”; “Mobilização dos profissionais dos
serviços socioassistenciais a fim de informá-los a respeito das possibilidades de
encaminhamento”; “Articulação com a rede de Educação para matricular os alunos em
unidades ofertantes”; “Acompanhar o número de matrículas efetivadas”; “Acompanhar o
desempenho dos educandos”; “Acompanhar a permanência e evasão dos cursos”. (NITERÓI,
2014c, p.22). Este Programa, que, como apresentamos no capítulo 2, possui interface com o
Plano Brasil Sem Miséria, encontra-se em estágio de implantação, demonstrando a adesão do
município a esta estratégia governamental e a importância do SUAS neste cenário.
Diante dos elementos apontados, consideramos relevante sinalizar brevemente
indicadores da implementação do Plano Brasil Sem Miséria na realidade de Niterói,
procurando destacar como a estrutura do SUAS no município tem sido apropriada para o
cumprimento das metas do Governo Federal. Ressaltamos que os dados de que dispomos têm
como principal fonte o documento Plano Brasil Sem Miséria no seu Município-Niterói197,
com dados atualizados de Fevereiro de 2015.
Observa-se, por intermédio do Plano Brasil Sem Miséria no seu Município-Niterói
(BRASIL, 2015, p.1,2), que a execução do eixo Garantia de Renda segue as recomendações
do Governo Federal, principalmente com o PBF e sua complementação com o Brasil
Carinhoso. Conforme o documento, Niterói possui 34.349 famílias no Cadastro Único e
15.673 famílias recebem o benefício do Programa Bolsa Família, o que representa um pouco
mais de 3% da população do município 198. Este número de famílias beneficiárias (15.673)
representa em percentuais 101,52% de famílias possuidoras do perfil do PBF contempladas.
No período de junho de 2011 até novembro de 2014, foram inseridas no PBF 2.306
famílias que se encontravam extremamente pobres. Ainda, considerando a implantação do
Brasil sem Miséria, em junho/2011 até janeiro/2015 foram acrescidos “19,54% no total de
197
Disponível em: www.brasilsemmiseria.gov.br/municipios. Acesso em: 11/03/2015.
198
Realizamos a comparação com base no Censo de 2010, o qual informa que a população total do município é
de 487.562 habitantes (www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil/niteroi. Acesso em: 20/06/2014).
308
mesmo porque é nesta orientação que seguem as recomendações do Governo Federal. São
constatações que reafirmam a centralidade dos programas de transferência de renda nos
CRAS do município e da sua atuação no combate à pobreza extrema.
199
Utilizou-se muitos termos do referido documento, conforme o original.
310
200
“O Programa Renda Melhor, elaborado pela Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos a partir de
orientação do Governador Sérgio Cabral, é parte integrante do Plano de Erradicação da Pobreza Extrema no Rio
de Janeiro e tem como objetivo assistir com benefício financeiro as famílias que são integrantes do Programa
Bolsa Família, do Governo Federal. O Governo do Rio de Janeiro visa assim alinhar-se ao desafio nacional pela
superação da pobreza extrema, lançado pelo Governo Federal, com o Plano Brasil Sem Miséria. (...) Além do
benefício mensal do Renda Melhor, o plano de erradicação da pobreza extrema do Estado do Rio de Janeiro
inclui também Programa Renda Melhor Jovem>, realizado em parceria com a Secretaria de Educação, que
311
oferecerá incentivo financeiro para o jovem se mantenha no fluxo regular de ensino e conclua o Ensino Médio.”
(Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seasdh/exibeconteudo?article-id=459324. Acesso em: 11/03/2015).
201
Para maiores informações sobre a IX Conferência Municipal de Assistência Social de Niterói, ver o
documento Plano Municipal de Assistência Social de Niterói. (NITERÓI, 2014d, p.68-72).
312
(bem superiores); e pelos dados da pesquisa desenvolvida nos CRAS, no Censo SUAS, nos
Relatórios de Gestão que sinalizam nos equipamentos a centralidade dos cadastros,
acompanhamento familiar, atendimentos individuais, em contraposição ao desenvolvimento
dos serviços socioassistenciais e intervenções mais coletivas e politizadas.
A focalização na pobreza (extrema), a centralização de intervenções nos programas de
transferência de renda, associadas à incorporação dos elementos gerenciais da gestão pública
no âmbito do SUAS tornam de difícil concretização, no município, os fundamentos da
Assistência Social como política de proteção social que garanta os direitos sociais à população
usuária em uma perspectiva mais ampla (não somente a renda), em diálogo com as demais
políticas públicas; e de uma gestão pública mais democrática, que promova o diálogo entre
Secretaria e equipamentos de forma mais horizontal, tendo em vista o fortalecimento do
SUAS – que consolide a participação e organização dos usuários nos CRAS, mirando o
exercício de sua participação nos canais democráticos e sua mobilização para processos de
luta diante do contexto atual de regressão e destituição dos direitos sociais.
316
CONSIDERAÇÕES FINAIS
que salientam não ser de competência desta Política o atendimento à totalidade das proteções
sociais junto à população usuária.
Partindo da premissa de que as bases teóricas de um documento político-institucional
demonstram o direcionamento político de projetos societários e o caminho sob o qual
percorrerá a execução de determinada política, abordamos a concepção de Política de
Assistência Social apresentada na Política Nacional de Assistência Social/2004, que
introduziu os parâmetros para a reorganização da Assistência Social no Brasil, influindo na
concepção dos serviços, programas e projetos a serem executados, bem como nos processos
de gestão do SUAS.
A opção no texto da PNAS/2004 do fundamento teórico do risco e da vulnerabilidade
social como focos de intervenção da Assistência Social distancia sua compreensão vinculada
ao enfrentamento das expressões da questão social, concebidas na relação contraditória entre
capital e trabalho. A ausência da dimensão de classe na definição do público usuário da
Assistência Social afasta-a do processo de constituição e movimento das classes sociais na
sociedade capitalista, enfatizando o enfrentamento de questões afetas aos vínculos relacionais
e familiares. A ênfase em intervenções que visam a aumentar a capacidade das famílias, o
fortalecimento de vínculos, não se articula a uma atuação mais politizada, que promova a
organização política da população usuária, tendo em vista a luta por suas demandas coletivas.
No âmbito da gestão do SUAS, os destaques ao controle democrático, à
descentralização político-administrativa, à responsabilidade do Estado perante à Política de
Assistência Social, à questão do cofinanciamento, à democratização das informações, à
valorização dos trabalhadores, bem como à implantação dos equipamentos públicos como os
CRAS podem ser vistos como referências que apontariam para a concepção democrática de
gestão. Contudo, são referências que não se materializam, quando analisamos a
operacionalização do SUAS nos CRAS. Percebemos, assim, um distanciamento, uma não
correspondência entre os conceitos e a ação interventiva, como se os primeiros estivessem
circunscritos ao âmbito de um modelo de gestão democrática, enquanto a implementação do
SUAS (no campo de intervenção da PSB nos CRAS) acompanhasse as referências da gestão
gerencial.
Diante das discussões de cunho conceitual, abordamos a incorporação dos parâmetros
da PNAS/2004, no texto legal da Assistência Social, com a revisão da Lei Orgânica de
319
Bolsa Família, identificamos que o investimento no PBF, ao longo dos anos, é bem superior
ao no SUAS, inclusive no campo da gestão: ao Índice de Gestão Descentralizada do PBF são
destinados mais recursos do que ao Índice de Gestão Descentralizada do SUAS, o que
confirma a prioridade governamental à execução do Programa Bolsa Família, em
contraposição às ações de aprimoramento e fortalecimento do SUAS.
Como sinalizado, esta questão orçamentária é crucial e determinante para imprimir um
direcionamento político nas intervenções dos CRAS do município, pois fica evidente a
importância das ações do Programa Bolsa Família no cotidiano dos CRAS, a questão dos
cadastramentos, o acompanhamento das condicionalidades, os temas abordados nos
equipamentos. Por outro lado, notamos a dificuldade dos serviços socioassistenciais se
efetivarem nas unidades públicas como referência junto à população usuária e como
intervenções continuadas, em virtude da falta de infraestrutura física e de recursos humanos,
como demonstrado em várias passagens.
Em tal cenário, constatamos que a concepção da Assistência Social que norteia o
processo de gestão pública do SUAS em Niterói está em consonância com as fundamentações
postas pela PNAS, de 2004, do foco da Assistência Social – no caso específico da nossa
pesquisa, da área de proteção social básica com os CRAS, nas situações de risco e de
vulnerabilidade social, e com as ações concebidas tendo por diretriz a matricialidade
sociofamiliar. Observamos a relevância que adquire, nos equipamentos, o cadastramento das
famílias, o atendimento e as ações de acompanhamento familiar em suas diferentes facetas.
Reafirmamos que o processo de implementação do SUAS insere-se no contexto
consolidado do neoliberalismo no Brasil, inclusive com as prerrogativas da contrarreforma do
Estado nos fundamentos da gestão pública, oriunda do Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado, de 1995, que promoveu a apropriação da perspectiva gerencial nos processos de
gestão pública. Assim, constatamos que os determinantes da gestão gerencial foram
apropriados pela gestão do SUAS em Niterói, sobrepondo-se a um direcionamento mais
democrático de gestão. Os parâmetros “democráticos” de gestão do SUAS, já comentados,
acabam por se perder no contexto de implementação do SUAS (no campo da PSB nos CRAS)
no município de Niterói.
Com relação à descentralização ainda é muito presente a mediação União e Município,
principalmente nas questões de cofinanciamento, sendo percebida continuidade nos repasses
322
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_________________________________________________________
Participante
_________________________________________________________
Janaina Albuquerque de Camargo Schmidt – Matrícula DO1110872
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UERJ
348
ROTEIRO DE QUESTIONÁRIO202
Doutoranda: Janaina Albuquerque de Camargo Schmidt (Matrícula DO1110872)
Data de Realização: ___/___/_____.
Responsável pelo preenchimento do questionário:
( ) Coordenador do CRAS. Formação: ___________________________________________
( ) Outro Técnico do CRAS. Formação: __________________________________________
I) Identificação do CRAS:
CRAS: ____________________________________________________________________
Endereço: __________________________________________________________________
Telefone (s)/email: ___________________________________________________________
Dias e Horários de funcionamento: ______________________________________________
Possui placa de identificação do CRAS: ( ) Sim ( ) Não
Imóvel: ( ) Próprio ( ) Alugado ( ) Cedido. Por qual instituição? ____________________
Territórios de abrangência: _____________________________________________________
Número de famílias cadastradas: ________________________________________________
Número de famílias acompanhadas: ______________________________________________
II) Questões relativas à infraestrutura física do CRAS:
a) O CRAS possui os seguintes equipamentos abaixo:
Telefone: ( ) Sim ( ) Não. Como avalia? ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
202
Roteiro de questionário a ser aplicado nos CRAS de Niterói/RJ.
349
203
Conforme o documento “Orientações técnicas Centro de Referência de Assistência Social – CRAS”,
(MDS, 2009, p. 55).
204
De acordo com o documento “Orientações técnicas Centro de Referência de Assistência Social –
CRAS”, (MDS, 2009, p.54, 55).
350
Há quantos psicólogos?
( ) nenhum ( ) um ( ) dois
205
Segundo o documento “Orientações técnicas Centro de Referência de Assistência Social – CRAS”,
(MDS, 2009, p.61) acerca da “equipe de referência”.
352
206
Conforme nomenclatura contida no documento “Orientações técnicas Centro de Referência de
Assistência Social – CRAS”, (MDS, 2009, p.63).
207
A nomenclatura dos mesmos está na íntegra como colocados na “Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais” (BRASIL, CNAS, RESOLUÇÃO N.º 109, 2009, p.3).
353
( ) Sim.
Se a resposta for positiva:
Há quanto tempo? ________.
Quais ações são realizadas? ____________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
( ) Não.
a) As orientações acerca da atuação do CRAS são provenientes de qual (s) órgão (s)? Cite
exemplos.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
d) Os técnicos do CRAS são cobrados acerca da produção do seu trabalho? Se a resposta for
positiva, de que forma (s) isso acontece?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
e) Existe uma rotina de registro das atividades realizadas no CRAS? Se sim, quais os
instrumentos para estes registros (formulários, planilhas, etc).
355
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
f) Os técnicos fazem relatórios? Quantos (semanal, mensal, anual)? O que consta nestes
relatórios? Existe um formulário para isso?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
g) Os programas e ações existentes no CRAS têm articulação entre si e com as ações de
proteção social especial? Se sim, de que forma?
___________________________________________________________________________
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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
i) O que você entende por territorialização? Ela está presente na atuação do CRAS?
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