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Perspectivas para elaboração de um projeto de intervenção à luz do projeto

profissional hegemônico

Rita de Cássia Cavalcante Lima1

Resumo: O planejamento é um fragmento da prática social, que expressa a


capacidade teleológica do trabalho. No Serviço Social, seu ensino atravessa a
historiografia profissional sob perspectivas diferentes. Desloca-se de fim para
meio de um processo complexo que aproxima o assistente social da apreensão do
real e de sua intenção de intervir sobre as expressões da questão social. Na
atualidade, as dimensões investigativa, de implementação e de avaliação na
elaboração de projetos de intervenção requisitam responsabilidades técnico-
operativas, que se articulam à convocação de conhecimentos para apropriação
das demandas postas no cotidiano e à orientação prospectiva de um compromisso
sociocêntrico para superação daquelas expressões.

Palavras-chave: Planejamento, Projeto de Intervenção, Cotidiano.

1
Profª Adjunta da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Serviço
Social pela mesma unidade acadêmica, partícipe da coordenação do Curso para Supervisores de 2005.1 a
2006.2 e corresponsável pela aula com o tema do presente texto, ministrada nesse curso. Contato:
ricavalcante@ess.ufrj.br.

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1. Introdução

Esse texto trata do tema da elaboração do Projeto de Intervenção


Profissional, atento aos nexos com o ensino do planejamento em Serviço Social e
com as requisições postas nos espaços sócio-ocupacionais para assistentes
sociais. Na medida em que esses espaços são comuns a outras categorias
profissionais, esse texto pode contribuir de forma secundária para a elaboração de
projetos de natureza interdisciplinar com aqueles que lidam, pensam e trabalham
nos espaços das Políticas Sociais, as quais se apresentam necessariamente com
caráter intersetorial e multidisciplinar.
O presente texto mantém interlocução permanente com as bases do atual
Projeto Ético-Político do Serviço Social, o qual, como sabemos, assenta-se no
plano normativo e legal em três marcos relevantes: a Resolução CFESS Nº
273/93, conhecida como Código de Ética Profissional; a Lei Nº 8.662, de
07/06/1993, que regulamenta a profissão dos assistentes sociais, e as Diretrizes
Curriculares da ABEPSS2, de 1996.
A escolha por discutir o Projeto de Intervenção Profissional e seu vínculo
com o Projeto Profissional Hegemônico no Serviço Social vem sendo adotada no
Curso para Supervisores da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, desde a primeira turma iniciada no ano de 2005. Isso se
configurou como uma estratégia através da temática – elaboração de Projeto de
Intervenção Profissional – para fomentar as dimensões investigativa,
interpretativa, propositiva e avaliativa nos assistentes sociais supervisores frente à
exigência permanente de aproximação aos fenômenos presentes no cotidiano.
Trata-se de demandas sócio-ocupacionais diárias com as quais os profissionais
são convocados a intervir sobre as refrações da questão social e que requer
atenção para a construção das alternativas. Essas não se revelam de forma

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Será observado à frente que fragmentos das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Serviço Social
estabelecidas no âmbito do Ministério da Educação e Cultura, no início dos anos 2000, serão utilizados para
identificar o lugar previsto para o ensino dos instrumentos da intervenção no Serviço Social, dentre eles o do
Projeto de Intervenção Profissional. Não haverá, no entanto, qualquer analogia entre essas diretrizes e aquela
produzida no âmbito da ABEPSS, considerando que houve desmantelamento destas no Conselho Nacional
de Educação. Contudo, até o momento, as diretrizes em implementação no país se referem às homologadas
pelo MEC. Sobre esse processo, pode ser consultado IAMAMOTO (2002) e BOSCHETTI (2004).

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espontânea ao profissional. Elas não são descobertas, pois, não se encontram
dadas no real. As referidas respostas alternativas para sua materialidade nos
espaços sócio-ocupacionais requerem o aporte permanente de um processo
reflexivo, crítico e orientado por uma perspectiva ídeo-política, que rompa com a
força de manutenção da ordem posta no cotidiano.
Outrossim, a vinculação da discussão da elaboração do Projeto de
Intervenção com o Projeto Profissional Hegemônico intenciona contribuir para
colocar em questão a tradição instrumentalista e conservadora no Serviço Social
que reproduziu bibliografias do tipo manual dando especial ênfase a um conjunto
de referências técnicas sobre como elaborar um projeto. Tratava-se de textos
preocupados em preparar os assistentes sociais para eleger demandas em seu
cotidiano; de forma prospectiva, definir objetivos a serem alcançados e como
realizar essa operação. A disciplina de planejamento, nesse circuito, vem
oferecendo o espaço na formação dos assistentes sociais para a reprodução do
ensino desse instrumento, porém, por vezes, imersa num caldo modernizador que
implicou em expectativa de projetos profissionais competentes, eficientes, eficazes
a certas Políticas Sociais hegemônicas do contexto. O como elaborar projetos, em
vez de se tornar meio, estratégia para certos objetivos profissionais, de forma
inversa, transformava-se em fim sob essa racionalidade.
Na atualidade, no entanto, o como elaborar Projetos de Intervenção
Profissional torna-se um tema vital aos assistentes sociais diante de, no mínimo,
dois aspectos. Primeiro, o Serviço Social acumulou nas três últimas décadas uma
massa crítica sobre o significado sócio-histórico do movimento do real e do
Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho, cujo conhecimento no plano
curricular se encontra distribuído pelos núcleos de fundamentos: teórico-
metodológicos da vida social, da formação sócio-histórica da sociedade brasileira
e do trabalho profissional. Ora, a dimensão técnico-operativa, na qual, a priori,
inscreve-se o tema da elaboração de Projetos de Intervenção Profissional
somente ganha significado articulada às dimensões teórico-metodológica e ético-
política. Contudo, a articulação não deve ser lida como subordinação, mas como
uma relação interdependente, de substâncias distintas, porém, de organicidade

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vital no plano sócio-ocupacional, pois, o domínio de certos conhecimentos e
técnicas que particularizam a dimensão técnico-operativa do trabalho profissional
pode permitir segurança e habilidade ao profissional para produzir respostas
alternativas às comuns práticas irreflexivas e miméticas no cotidiano do assistente
social.
Sem capacidade de antecipar suas ações, os assistentes sociais
realizam atividades isoladas e não uma prática profissional, visto que
as atividades desenvolvidas não se constituem numa ação planejada por
meio da qual objetivam alcançar metas e fins definidos em resposta às
demandas colocadas ao Serviço Social: demandas institucionais e
demandas dos usuários, nas suas inter-relações. Dessa forma, as ações
profissionais, no seu conjunto, não expressam um processo consciente e
a responsabilidade em contribuir para transformação / superação do
status quo (VASCONCELOS; 2002, p. 32, grifos da autora).

No segundo plano, as práticas profissionais consequentes requerem dos


profissionais a efetiva elaboração dos Projetos de Intervenção Profissional, os
quais se tornam instrumentos de alianças técnico-políticas nos espaços sócio-
ocupacionais, revelam visões sociais de mundo de seus agentes e são meios para
a justificativa de alocação de recursos, que podem, conforme os objetivos dos
projetos, garantir acesso aos direitos sociais constituídos, melhorar a qualidade
dos serviços sociais prestados e até inaugurar a possibilidade de novas respostas
às demandas outrora não reconhecidas.
Os projetos de intervenção, portanto, são instrumentos do exercício
profissional que expressam a visão social de mundo dos seus agentes: sua
capacidade de apreender o significado sócio-histórico do movimento do real e das
requisições postas à profissão na divisão sociotécnica do trabalho; expressam de
forma particular as escolhas técnico-políticas para construir problemas a partir das
demandas imediatas postas no cotidiano sócio-ocupacional e, de forma
prospectiva, definem uma alteração substancial ou parcial de certos fenômenos
em curso no presente, cuja intervenção prevista nesse processo deverá estar
imersa em um circuito de avaliação, a qual tem como função precípua resguardar
com maior segurança o(s) objetivo(s) desejado(s) e o caráter reflexivo decisório
dos agentes envolvidos.

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2. Projeto de Intervenção Profissional e cotidiano

A elaboração do Projeto de Intervenção parte de um misto da capacidade


investigativa e interpretativa dos profissionais inseridos nos múltiplos espaços de
vinculação contratual dos assistentes sociais, incomodados com o convite
cotidiano para reproduzir atividades de forma mimética e imediata frente às
demandas também tomadas em sua superficialidade, aparência e imediaticidade
(CARVALHO, 2005; COELHO, 2012). Esse convite recorrente à manutenção das
rotinas, ritmos e rituais profissionais parece ter no cotidiano uma chave heurística
para apreender a força que arrefece os profissionais a desenvolverem suas
atividades sem conformar um projeto consciente de intervenção profissional.
É assim que a vida cotidiana é também o espaço da mediocridade. Os
gestos comuns, a uniformidade e a padronização dos desejos e
necessidades reificados, fetichizados e controlados reproduzem, a todo
momento, os opressores e oprimidos, determinando, através da
massificação, comportamentos acríticos e anômicos [...]. É através da
mediocridade que o cotidiano se normaliza ao gosto das classes
dominantes.
A insatisfação (manifesta na contestação ou na passividade), a
ambivalência e os sonhos contidos na vida cotidiana, ao mesmo tempo
que mascaram essa mediocridade, germinam o desejo de ruptura, o
desejo e a procura de autenticidade do ser homem inteiramente.
(CARVALHO; 2005c, p. 42).

No plano profissional, a naturalização da vida social e seu conseqüente


comportamento fatalista, cuja principal ideia é a de que “nada lhe resta a fazer”
(IAMAMOTO; 2000, p.115), compõem o processo amplo e extenso da dominação
na ordem burguesa. Elaborar Projetos de Intervenção requer, então, o fomento
consciente de uma transgressão à ordem em curso no cotidiano profissional.
Não se pode, então, desconsiderar as potencialidades, igualmente em
curso nesse cotidiano, que permitem nuances das contradições a serem
exploradas. Segundo Carvalho (2005), trabalhando com Lefèbvre, três
perspectivas convergem para a apreensão da vida cotidiana:
a. Busca do real e da realidade, reconhecendo que a vida cotidiana abarca o
dado sensível e prático, além do dado abstrato com suas representações e
imagens;

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b. Totalidade como princípio que integra e dá sentido aos fatos sociais e que
implica reciprocidade entre cotidiano e totalidade.
Carvalho (2005a) ao trabalhar com Lefèbvre refere que “querer
buscá-lo e defini-lo em sua escala aparente – as microdecisões, os
microefeitos – é deixá-lo fugir, querer buscar o global sem ele é também
deixar fugir a totalidade” (2005a, p. 21). A postura investigativa tomando a
totalidade como um princípio orientador da pesquisa não postula a
possibilidade de se apreender a totalidade da realidade, pois, esta se
apresenta de forma infinita e inesgotável; significa apenas a “percepção da
realidade social como um todo orgânico, estruturado, no qual não se pode
entender um elemento, um aspecto, uma dimensão, sem perder a sua
relação com o conjunto” (LÖWY; 2002, p. 16).
c. Possibilidades da vida cotidiana enquanto motora de transformações
globais considerando que a cotidianidade é o espaço-tempo concreto do
gênero humano.
O cotidiano, assim, é composto por um conjunto de forças em luta e em
alianças que permitem no plano macrossocial sustentar e dirigir projetos
societários em certas direções, e no plano das práticas profissionais e, em
particular, no Serviço Social, igualmente estabelecem os cenários onde se
movimenta em meio a Projetos Ético-Políticos e de Intervenção Profissional em
disputa. O jogo do conflito na vida cotidiana se apresenta normalmente de forma
assimétrica e hierárquica, compondo hegemonia de um projeto, mas coexistência
com uma heterogeneidade de outros em curso. Há, portanto, uma desigualdade
na composição dessas forças como parte integrante dos projetos em disputa.
Para elaborar Projetos de Intervenção Profissional, os assistentes sociais
devem romper o sonífero que tende a expressar uma composição de forças, na
qual o convite à manutenção da ordem se reproduz na vida cotidiana e arrefece a
possibilidade de iniciativa à transgressão e à construção de novos cenários
cotidianos.
Raras são as pessoas que não se deixam intoxicar por esse cotidiano.
Raras são as pessoas que o rompem ou o suspendem, concentrando
todas as suas forças em atividades que as elevem deste mesmo
cotidiano e lhes permitam a sensação e a consciência do ser homem

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total, em plena relação com o humano e a humanidade de seu tempo
(CARVALHO; 2005b, p. 23).

Portanto, o sonífero não é um fenômeno do Serviço Social, mas se


particulariza na profissão e no cotidiano dos assistentes sociais, tornando-se um
dos fatores para o entendimento da dificuldade de se observar a presença de uma
postura recorrente e crítica para a elaboração de Projetos de Intervenção
Profissional.
Essa postura exige uma formação de forma continuada dos assistentes
sociais para aprofundar a massa crítica de conhecimento do movimento do real,
cujo conhecimento é condição para apropriação reflexiva e qualitativa dos
fenômenos cotidianos que se tornam objeto da Intervenção Profissional
consciente.
Esta suspensão da vida cotidiana não é fuga: é um circuito, porque se sai
dela e se retorna a ela de forma modificada. À medida que estas
suspensões se tornam frequentes, a reapropriação do ser genérico é
mais profunda e a percepção do cotidiano fica mais enriquecida (...). Esta
suspensão é temporária, mas a apreensão de plenitude obtida permite
ganhos de consciência e possibilidade de transformação do cotidiano
singular e coletivo (CARVALHO; 2005b, p. 28).

Desta forma, o cotidiano oferece ao profissional um conteúdo rico para


análise e intervenção, dado sua natureza ambivalente: ao mesmo tempo,
escamoteia e oferece pistas sobre as contradições em curso no movimento real;
sendo, também, o solo concreto das práticas profissionais dos assistentes sociais.

3. Planejamento e ensino da elaboração do Projeto de Intervenção

A pesquisa de Aldaíza Sposati (1976) em sua dissertação de mestrado


sobre o ensino do planejamento no Serviço Social brasileiro torna-se importante
aludir nesse momento, considerando que a habilidade para elaborar Projeto de
Intervenção requer o exercício permanente de uma prática profissional planejada.
A produção desse instrumento de trabalho se configura como uma materialidade
do processo de planejar o exercício profissional e permite antecipar respostas

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conscientes e consequentes às demandas analisadas e qualificadas nos espaços
sócio-ocupacionais.
Segundo Barbosa, o Serviço Social apresentou enquanto profissão desde
suas origens um “processo, caracterizado pela forma ordenada e racional de
tomada de decisões” (1991; p.119). O autor identifica o texto de Mary Richmond,
em 1917, como a primeira sistematização em que se revela a requisição do
planejamento para o exercício profissional dos assistentes sociais. No entanto,
com a passagem do movimento de reconceituação, o autor vai observar
mudanças no ensino do planejamento, na medida em que há “a preocupação de
rever o próprio Serviço Social e a consequente instrumentalização de seus
profissionais” (1991; p.119). O substrato positivista que tranquilizava os
assistentes sociais do período, ensinando-lhes os modelos de Intervenção de
caso, grupo e comunidade, com todo o arsenal de instrumentos de trabalho a ser
dominado pelos profissionais, sofrerá profunda crítica e será associado à tradição
conservadora do Serviço Social. Essa tradição não esgotada na atualidade tem
como um de seus traços manter a conhecida inversão: tornar meio em fim.
A pesquisa de Sposati (1976) apontou o Encontro de Araxá, em 1967, como
marco importante para o reconhecimento do planejamento como disciplina
relevante para o ensino da Intervenção do Serviço Social. Nessa pesquisa,
realizada quase uma década depois do encontro, Sposati (1976) observou que
dos 46 cursos de Serviço Social identificados no Brasil, dos quais 90% foram sua
mostra, apenas 60% constavam de matéria específica de planejamento.
Quando a autora procedeu à análise do conteúdo ministrado na disciplina
de planejamento, um conjunto de enfoques foram identificados: o planejamento
como instrumento dos planos, programas e projetos governamentais; como
conhecimento técnico-administrativo para ênfase na manipulação dos
procedimentos ordenadores e racionalizadores da ação (planejamento do tempo,
matrizes, redes, fluxogramas, cronogramas etc.); planejamento em Serviço Social
através da realização de projetos profissionais vinculados à expectativa de
participação da população frente à requisição do modelo econômico

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desenvolvimentista do país; e, finalmente, o planejamento como postura, atento à
ação intencional e refletida de planejar dos agentes envolvidos.
Essa tipologia construída por Sposati (1976), também analisada por
Barbosa (1991; p.121), inferirá que havia “uma certa tendência para
instrumentalizar o futuro profissional de Serviço Social para a prática do
planejamento, isto é, mais com o planejamento como aplicação técnica, do que
como consciência crítica da realidade para sua transformação”. O substrato da
disciplina de planejamento, ao final da década de 1970, contexto do
desenvolvimentismo no Brasil, sofrerá forte ênfase do planejamento social
enquanto instrumento da Política Social do período.
Através das afirmações de Barbosa (1991), pode-se inferir que a disciplina
de planejamento responde ao projeto pedagógico da formação dos assistentes
sociais e ao projeto ético-político hegemônico da categoria no período, além das
requisições postas pelas políticas sociais aos assistentes sociais.
No entanto, Barbosa (1991) e Sposati (1976) ratificam a posição de que o
ensino do planejamento deve estar em coerência com o tipo de perfil profissional
que se quer constituir. Há uma força ativa, projetiva e com certo nível de
autonomia que prevê a ação planejada como uma reflexão que “permite ainda o
caminhar por aproximações sucessivas onde a prática amplia os conhecimentos
da realidade e, possibilita que se definam novos cursos da ação. Assim a reflexão
precede e segue a prática social.” (SPOSATI; 1976, p. 3). E continua: “Não se
trata, pois, de aprender na disciplina de Planejamento em Serviço Social tão-só
uma metodologia de planejar, mas uma postura de intervenção planejada”
(SPOSATI; 1976, p.4).
A inferência ao planejamento para se discutir na atualidade a elaboração de
Projetos de Intervenção requer atualizar algumas perguntas: estamos formando
assistentes sociais para o quê? Qual o lugar do ensino do planejamento nas
Diretrizes Curriculares para os cursos do Serviço Social homologadas pelo
Ministério da Educação, em 2002? E no caso do projeto pedagógico do Curso de
Graduação da ESS/UFRJ, quais diretrizes temos para a disciplina de

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planejamento? E, ainda, nesse currículo pleno, qual o lugar destinado para a
habilidade de elaborar Projetos de Intervenção Profissional?
Segundo as Diretrizes Curriculares em vigor, o perfil definido para os
assistentes sociais é de um profissional que atue:
[...] nas expressões da questão social, formulando e implementando
propostas de intervenção para seu enfrentamento, com capacidade de
promover o exercício pleno da cidadania e a inserção criativa e
propositiva dos usuários do Serviço Social no conjunto das relações
sociais e no mercado de trabalho (BRASIL, MEC; 2002).

Em que pese os avanços e limites dessa expectativa sobre o perfil


profissional, sobretudo quando convertido nos projetos pedagógicos das unidades
acadêmicas do Serviço Social, pode-se identificar forte traço da linguagem
técnico-administrativa do planejamento através dos termos formular e implementar
propostas de intervenção. Contudo, há incorporação dessa linguagem como meio
para alcançar certos objetivos profissionais, os quais deverão estar sobre uma
base participativa e ativa dos usuários dos serviços.
A presença do planejamento também pode ser observada nas
competências e habilidades gerais da formação profissional, na qual a capacitação
teórico-metodológica e ético-política é colocada como requisito fundamental para o
exercício das atividades técnico-operativas. Essa circularidade entre os níveis da
capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa aponta uma
expectativa sobre o perfil dos assistentes sociais:
Compreender o significado social da profissão e de seu desenvolvimento
sócio-histórico, nos cenários internacional e nacional, desvelando as
possibilidades de ação contidas na realidade;
Identificar as demandas presentes na sociedade, visando a formular
respostas profissionais para o enfrentamento da questão social; (BRASIL,
MEC; 2002, sp).

Já o Projeto Pedagógico da ESS/UFRJ, de 2001, sob forte vínculo com os


valores norteadores da fundamentação do Código de Ética Profissional do
assistente social, prevê que os princípios historicamente construídos de defesa da
liberdade, dos direitos humanos, da ampliação e consolidação da cidadania, do
aprofundamento da democracia, do posicionamento em favor da equidade e
justiça social, do empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, da
garantia do pluralismo, da opção por um projeto profissional vinculado ao processo

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de construção de uma nova ordem societária, da articulação com os movimentos
de outras categorias, do compromisso com a qualidade dos serviços prestados e
do exercício do Serviço Social sem discriminação estarão exigindo “do assistente
social um claro compromisso com a qualidade dos serviços que presta e com o
aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”
(ESS/UFRJ; 2001, p.7).
Esse profissional inquieto, sensível, aberto, articulado e implicado aos
desafios postos na realidade brasileira para sua transformação, na qual as causas
e consequências da questão social se mantêm atualizadas, é provocado a dar
respostas críticas e competentes, de forma antecipada, às demandas postas no
cotidiano sócio-ocupacional.
A realidade social brasileira exige um profissional capaz de, a partir de
sólidos conhecimentos teóricos, produzir análises aptas a fundamentar
intervenções eficientes – em macro e microescala – para incidir nas
causas e consequências da “questão social” que ainda caracteriza a
sociedade brasileira como uma das mais assimétricas e excludentes do
planeta (ESS/UFRJ, 2001: 7).

Como se pode depreender o perfil profissional, que a ESS/UFRJ intenciona


formar, aprofunda o proposto nas Diretrizes Curriculares definidas no âmbito do
MEC, requerendo uma articulação entre criticidade, competência e compromisso
sociocêntrico.
Para o projeto pedagógico da ESS/UFRJ, o assistente social a ser
formado deve traduzir concretamente esta criticidade, competência e
compromisso em termos de inquietação, sensibilidade e abertura para
com a problemática social do Brasil tanto em termos profissionais
imediatos (donde a importância de um tratamento sistemático da
realidade que rebate diretamente no espaço geo-social onde incide a
ação da UFRJ) quanto em termos de seu envolvimento com movimentos
cívicos e estritamente profissionais (participação em organizações da
sociedade civil e em entidades da categoria) (ESS/UFRJ, 2001: 8).

A elaboração de projetos, nesse circuito, como instrumento do trabalho


reflexivo, crítico e consequente dos assistentes sociais não se estrutura como uma
técnica a ser ensinada por um ramo do saber especializado através da disciplina
de planejamento. Ela assegura ao longo de algumas disciplinas no currículo e de
outras práticas acadêmicas (pesquisa, extensão, cursos, seminários etc) o
exercício para domínio das técnicas pertinentes à elaboração de projetos, que vai
da clássica disciplina de Planejamento e projetos em Serviço Social, recebe o

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aporte das disciplinas de Administração e orçamento em Serviço Social e de
Análise de indicadores sociais para o Serviço Social. Mas, seguramente, o locus
privilegiado desse exercício está nas duas últimas disciplinas de Orientação e
Treinamento Profissional, quando aluno, supervisor e professor têm a
oportunidade de elaborar um projeto profissional e implementá-lo para o campo de
estágio, exercitando uma ultrapassagem da imediaticidade do cotidiano através do
processo da construção continuada das mediações. Nesse momento, um
enriquecimento recíproco estará em curso entre esses atores: inquietos por
demandas postas na cotidianidade, as quais sistematizadas por um aporte teórico-
metodológico e orientadas por uma direção ético-política, permitirão uma tomada
de decisão frente às possibilidades identificadas na realidade vivida para construir
um problema a intervir – um fragmento do concreto pensado – e a alterá-lo num
percurso temporal e de ações pensadas.
O tema Projeto de Intervenção tem a potencialidade no ensino do currículo
da ESS/UFRJ de reconfigurar sua unidade como processo consciente ao dar
direção social ao agir do assistente social e como instrumento, munindo-o nesse
processo da devida competência técnica para seu exercício. Trata-se de uma
intenção na formação, que tem como condição para sua exequibilidade o
rompimento cotidiano da postura positivista, a qual tende a autonomizar os
instrumentos de trabalho, criando áreas de hiperespecialização e valorização das
técnicas, dissociadas do seu território de sentido e evocação.
[...] a preparação para o fazer profissional não pode limitar-se à
reprodução do trato com as demandas socialmente instituídas; deve
possibilitar, especialmente, a renovação daquele trato e a construção de
respostas profissionais às demandas emergentes. Portanto, a sua base
não é uma visão da prática como conjunto das ações presentes nos
espaços institucionais e sim a sua concepção como um campo de
possibilidades; em consequência, [...] a formulação de propostas de
trabalho... (ESS/UFRJ; 2001, p.10).

4. Traços do planejamento no Código de Ética Profissional e Lei de


Regulamentação da Profissão

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A reedição da associação planejamento e elaboração de Projetos de
Intervenção não se atem apenas ao plano da formação dos assistentes sociais.
Trata-se de uma articulação evocada nos outros marcos normativo e legal do
Serviço Social brasileiro, a começar pelos próprios princípios do Código de Ética
Profissional. Deste pode-se extrair um certo mirante sobre o qual a categoria e os
assistentes sociais em particular podem no seu cotidiano depreender elementos
para uma crítica de sua prática profissional. O “mirante”, segundo Löwy,
“circunscreve um conjunto orgânico, articulado e estruturado de valores,
representações, ideias e orientações cognitivas, internamente unificado por uma
perspectiva determinada, por um certo ponto de vista socialmente condicionado”
(2003; p.13, grifos do autor). Esse mirante articulado a perspectivas teórico-
metodológico e técnico-operativa pode propiciar uma base dialética de análise-
intervenção aos assistentes sociais para o cumprimento de alguns deveres
definidos no Código de Ética, que atualizam de forma permanente a associação
planejamento e elaboração de Projetos de Intervenção.
Artigo 8º - São deveres do Assistente Social:
a) programar, administrar, executar e repassar os Serviços
Sociais assegurados institucionalmente;
c) contribuir para a alteração da correlação de forças
institucionais, apoiando as legítimas demandas de interesse
da população usuária;
d) empenhar-se na viabilização dos direitos sociais dos
usuários, através dos Programas e Políticas Sociais;
e) empregar com transparência as verbas sob sua
responsabilidade, de acordo com os interesses e
necessidades coletivas dos usuários (BRASIL,CFESS;
1993).

A transcrição de parte desse artigo marca o lugar previsto no código para a


postura de planejar dos assistentes sociais. Trata-se de um dever e de uma
orientação de natureza transversal ao exercício profissional consequente aos
princípios evocados. Sob a mesma ênfase e detalhando a postura do
planejamento esperada dos assistentes sociais, a Lei de Regulamentação a
incorpora no campo das competências e das atribuições privativas.
Art. 4º Constituem competência do Assistente Social:

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I – elaborar, implementar, executar e avaliar Políticas Sociais
junto a órgãos da administração pública direta ou indireta,
empresas, entidades e organizações populares;
II – elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas
e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social
com a participação da sociedade civil;
VI – planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços
Sociais;
VII – planejar, executar e avaliar pesquisas que possam
contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar
ações profissionais;
X – planejamento, organização e administração de Serviços
Sociais e de Unidade de Serviço Social;
Art. 5º Constituem atribuições privativas do Assistente Social:
I – coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar
estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de
Serviço Social; (BRASIL; 1993).

Não se está, aqui, intencionando esgotar a análise ou a visibilidade dos


artigos nos quais incidem a linguagem do planejamento seja no Código de Ética
seja na Lei de Regulamentação da Profissão. Apenas selecionando fragmentos
desses marcos institucionais do Serviço Social, os quais compõem a base
normativa do Projeto Ético-Político da profissão, para, enfim, serem estimados os
desafios para a problematização do tema Elaboração de Projetos de Intervenção,
propriamente dito.

5. Processo coletivo de elaboração do Projeto de Intervenção


Profissional

Como se pode depreender, a habilidade de se elaborar um Projeto de


Intervenção Profissional inicia-se na formação do assistente social em momentos
distintos da graduação, e requer permanente investimento na atualização dos
assistentes sociais para o fomento das dimensões teórico-metodológico, ídeo-
política e técnico-operativa.
Nesse sentido, algumas ideias presentes sobre a confecção dos Projetos
de Intervenção Profissional merecem tratamento inicial para sua desnaturalização:
 Confunde-se o projeto com sua materialidade na forma de texto:

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Embora um Projeto de Intervenção Profissional requeira para sua
institucionalização ser apresentado na forma escrita, ele não se confunde com
seu texto. O projeto tem início anterior à sua forma textual final e prossegue a
posteriori. Ele é composto por uma materialidade mais ampla que envolve seus
agentes, os interesses em disputa, objetivos eleitos, recursos alocados para
esses fins, procedimentos realizados no cotidiano e, sobretudo, uma dimensão
temporal e espacial, ou seja, o projeto se dá num certo território e por um
período previsto. Portanto, aquelas cenas do cotidiano em que o assistente
social tira de uma gaveta um texto e o apresenta como um Projeto de
Intervenção não são suficientes para atestar a existência de uma biografia
efetiva de um projeto.

 Confunde-se autoria de projeto com propriedade individual:


Na medida em que os Projetos de Intervenção Profissional requerem para
sua materialidade uma base territorial e temporal, portanto da anuência de uma
organização e de sua incorporação por uma Política Social, a autoria dos
projetos deve ser tomada como fomento e catalisador de práticas profissionais
acordadas e compartilhadas, as quais se inscrevem em projetos mais amplos
como os que estão em disputa na sociedade; na Política Social
correspondente, na organização onde se desenvolverá o projeto, na profissão
e nos usuários. Portanto, um projeto para ser exequível requer
necessariamente uma materialidade que implica em uma coautoria, o que
corresponde a um amplo processo de negociação. Não parece haver
possibilidade dos Projetos de Intervenção serem tratados como “meu”, mas
somente como produção no plural. A ideia de autoria no singular parece trazer
aos assistentes sociais a experiência desconfortável explicitada nas frases:
“meu projeto foi roubado”; “não me chamaram para coordená-lo”; “posso
patentear meu projeto?” etc. Criam-se expectativas desprovidas do
reconhecimento de que todo Projeto Profissional no Serviço Social advém de
um processo coletivo institucional para sua sustentação e de que o próprio
assistente social se insere na divisão sociotécnica do trabalho com uma forma

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de vinculação contratual com a organização empregadora. Por estarmos em
uma área de intenso conflito e das contradições intra e interclasses sociais, as
causas e consequências da questão social não parecem permitir a construção
de Projetos de Intervenção sem um compromisso coletivo entre os agentes
envolvidos, interesses, organizações e recursos alocados. A autoria no caso
dos Projetos de Intervenção sobre as expressões da questão social parece,
então, se deslocar mais para a habilidade de se tornar um articulador técnico-
político para a iniciativa.
É preciso pensarmos de forma mais clara e menos leviana a direção
social de nossa prática. Não só porque trabalhamos especialmente na
mediação dominados/dominantes, mas também porque parece que a
leitura da realidade complexa que vivemos hoje e o avenir são tarefas
difíceis, assim como a escolha dos processo e das estratégias de ação.
O esforço e seriedade para pensá-la deve ser coletivo, envolvendo
sobretudo a própria população nessa reflexão. (NETTO; 2005, p.56, grifo
do autor).

 Confunde-se o processo de elaborar projeto com desenvolvimento etapista:


Já foi enunciado nesse texto que a elaboração do Projeto de Intervenção se
dá num processo de investimentos coletivos e intencionando oferecer
respostas sócio-ocupacionais de forma reflexiva e sistemática que permitam
intervir e alterar um problema em curso. Esse processo não pode ser
confundido com um desenvolvimento de tarefas na modalidade etapista e
linear. Ele resguarda surpresas, descobertas que precisam ser requalificadas
no processo de planejar, portanto, trata-se de um processo circular, na forma
de espiral em que cada dimensão apresenta interdependência sobre as outras,
sendo possível, no entanto, identificar núcleos de identidade em cada uma.
Para fins de proposição das principais responsabilidades no processo de
planejar, podemos dividi-las em três dimensões: investigativa/interpretativa;
implementação e avaliativa.

5.1 Dimensão investigativa e interpretativa

As demandas observadas no cotidiano sócio-ocupacional requerem para


sua apreensão aporte teórico. Se o assistente social está lotado numa Unidade de

16
Saúde do tipo hospital geral precisará reconhecer quais são as queixas que são
trazidas por usuários, equipe de saúde e outras unidades da rede. Como
Vasconcelos (2002) observou, são demandas que partem de agentes diferentes e,
portanto, apresentam ênfases temáticas distintas: o usuário, por exemplo, pode
requerer de forma mais prevalente orientação previdenciária; a enfermagem
requer do Serviço Social convocação do familiar, face à ausência de
acompanhamento do usuário; e a rede externa solicita relatórios do Serviço Social
sobre algum dado do tratamento de saúde do usuário etc. Essa convergência de
demandas reveladas ao Serviço Social – as queixas –, que podem chegar de
forma espontânea ou por encaminhamentos, devem sofrer uma suspensão para
análise e interpretação. Somente do processo reflexivo permanente é que as
demandas são convertidas em problemas para intervenção. Parte-se por vezes de
uma sistematização preliminar das queixas e sobre elas vão se adensando
conhecimentos para se romper a imediaticidade do fenômeno.
A busca de fontes do conhecimento pode ser de natureza primária ou
secundária. Quando as queixas selecionadas estão sendo investigadas e
interpretadas com o apoio das fontes e recursos da organização, do tipo
documentos, relatórios institucionais e informantes locais, temos a recorrência à
fonte primária. Considerando a temática que envolve a demanda – Serviço Social,
violência, família, trabalho, saúde etc. –, o profissional precisará investir em
leituras bibliográficas relacionadas, as quais se constituem em fontes secundárias.
Nesse grupo, a busca de informações qualificadas 3 sobre a temática também na
internet e nas grandes agências de pesquisa, como IBGE, IPEA, FGV etc., serão
relevantes para a passagem permanente da demanda em problema a intervir.
A demanda, aqui, está sendo tratada como o conteúdo imediato que chega
aos assistentes sociais no cotidiano. Para a proposição dos Projetos de
Intervenção Profissional, a demanda deve estar sendo seguida pelo processo
reflexivo crítico que intenciona munir os assistentes sociais de sua apreensão, seu
significado e seu porvir pela abstração. O concreto vai se tornando pensado, num
3
Embora sendo menos comum nos espaços sócio-ocupacionais da assistência, Eduardo Mourão
Vasconcelos (2002a) acrescenta a importância dos procedimentos de observação, entrevista e grupos focais
para melhor conhecer os fenômenos humanos, sobretudo quando eles estão, ainda, pouco explorados pelas
fontes bibliográficas levantadas.

17
movimento permanente, inacabado e por aproximações ao real, permitindo aos
assistentes sociais dirigir sua prática profissional e antecipar suas respostas na
forma de projeto. O problema como resultado inacabado do processo reflexivo
sobre o real permitirá a elaboração do objeto a ser definido para o Projeto de
Intervenção.
Se o problema construído se refere ao analfabetismo identificado num certo
segmento populacional com quem o assistente social trabalha, o objeto do projeto
poderá ser erradicar ou diminuir o índice do analfabetismo nesse público. O
analfabetismo, no entanto, nem sempre apareceu de forma explicitada como
queixa da população. Por vezes, esse fenômeno foi observado quando foi
requerido ao assistente social ou a outro agente da instituição apoio para escrita
de cartas aos familiares; solicitações de leituras de pequenos textos; desejo de
poder ler a Bíblia etc. No entanto, a construção do problema e do objeto de um
projeto requer um processo técnico-político necessariamente coletivo que será
melhor trabalhado na dimensão da implementação.
As dimensões investigativa e interpretativa se configuram, portanto, como
princípios que marcam a postura profissional no cotidiano e estarão fomentando
todo o processo de planejar. Segundo as Diretrizes Curriculares para os Cursos de
Serviço Social, essas dimensões se constituem em princípios e condição central
da formação, e da relação teoria e realidade (BRASIL, MEC; 2002).

5.2 Dimensão da implementação

Como dito antes, todas as dimensões do processo de planejar se dão de


forma articulada e não sequenciada. Assim, a dimensão da implementação requer
em todo o seu circuito a manutenção ativa e contínua das dimensões investigativa
e interpretativa, permitindo a construção técnico-política do problema e do objeto a
intervir.
Trata-se de agir com rigoroso trato teórico, metodológico e ético-político
para identificar agentes e seus interesses no espaço sócio-ocupacional e na
respectiva área da Política Social para se proceder ao delicado processo de

18
avaliação e pactuação de alianças possíveis para o projeto. Essas alianças
técnico-políticas não estão dadas na realidade cotidiana e, muitas vezes, são
confundidas pelos assistentes sociais com os vínculos afetivos já estabelecidos
intraequipe. Os profissionais terminam buscando a saída mais conhecida na vida
diária: colabora-se com quem se tem um bom trânsito afetivo. Essa saída tende a
não propiciar o aprofundamento e a democratização do debate das ideias que
necessariamente é coletiva e envolve a definição do problema e do objeto do
projeto, bem como restringe a capacidade de construir as possíveis alianças
técnico-políticas que apenas estão em potência na realidade.
Diante do quadro dos agentes envolvidos no projeto, no qual é prevista a
participação dos seus usuários pelos marcos normativos do Projeto Ético-Político
do Serviço Social, novas decisões deverão ser tomadas, como público-alvo do
projeto; as atividades e responsabilidades que serão distribuídas para o alcance
do objetivo definido; os recursos previstos para cada atividade; de onde esses
recursos virão; qual o orçamento necessário para sua execução; os parceiros da
rede com quem se articularão etc. Todas essas questões ao serem respondidas
deverão levar em consideração o tempo previsto para a implementação do projeto.
Devem, ainda, ser acompanhadas da preocupação sobre a pertinência e
viabilidade do objetivo, lembrando que na vida cotidiana a exequibilidade do
projeto está diretamente relacionada com sua capacidade de incluir o critério de
utilidade frente aos agentes e interesses pactuados. Do que se está falando?
Para um Projeto de Intervenção ir se materializando e haver a tomada de
decisão técnico-política para sua aprovação, os agentes envolvidos precisam estar
convencidos de que ele é útil a certos fins. Ele precisa atender a certas
requisições presentes nos espaços sócio-ocupacionais e nas Políticas Sociais que
permitam sua sustentação técnico-política. Daí, a capacidade anunciada dos
assistentes sociais se colocarem mais no lugar de articuladores no processo de
elaboração de Projetos de Intervenção.
Até o momento, como se pode depreender, não se falou, ainda, do projeto
como texto. Durante todo o processo de planejar, seguramente os agentes
sentirão necessidade de criarem formas escritas distintas como pré-projeto,

19
planilhas coletivas, murais, mensagens eletrônicas via internet etc. para viabilizar
o compartilhar de conhecimentos, de pontos de vistas no processo. Contudo,
respondidas as principais perguntas acerca do projeto – o problema, o objetivo, o
público-alvo, as atividades, os recursos, o orçamento, o cronograma de
atividades, recursos e orçamento, o processo de avaliação e as fontes de
investigação – está no momento de consolidar essas decisões na forma escrita.
A forma documental do projeto permitirá orientar e ancorar os agentes
envolvidos em sua implementação ao longo de sua execução, permitindo-lhes
rever o cotidiano vivido do projeto e o que fora previamente acordado. Nesse
ponto, uma ressalva: normalmente, ouve-se dos assistentes sociais a crítica de
que o curso da implementação do projeto se diferencia substancialmente das
decisões tomadas no período de sua implantação. Esse tipo de afirmação pode se
dar por várias razões: as dimensões investigativa e avaliativa não foram
acompanhadas de investimento aprofundado e contínuo para a análise das
demandas; os problemas e objetos escolhidos não foram coerentes com as
demandas presentes; o objetivo não incluiu certas expectativas correntes no
critério de utilidade vivido pelos agentes envolvidos; o processo de avaliação e
negociação ténico-política se deu entre pares com baixa implicação sobre o
problema ou, finalmente, a alocação de recursos previstos para sua
operacionalidade não se deu ou ocorreu com atraso. Mas outras razões podem
motivar a dissociação entre o que foi acordado e o que está sendo vivido. Esse
fenômeno deve ser objeto de reflexão e avaliação, saindo do campo da queixa do
assistente social, para se tornar em conteúdo que informe o processo de
avaliação. Nesse caso, deve-se estar atento a evitar a clássica dicotomia entre o
trabalho intelectual e o trabalho manual, como se a elaboração de projeto pudesse
delimitar essa divisão, respectivamente, como o momento de sua concepção e o
de sua implementação.
Como se pode depreender, a dimensão de implementação tratada aqui não
teve início no derradeiro momento da dita execução das atividades, na medida em
que o Projeto de Intervenção está sendo tomado como processo técnico-político,
que inclui sua construção democrática e plural. Intenciona-se com essa defesa

20
produzir uma biografia do projeto que fomente a unidade teoria e prática, apesar
de reconhecer suas diferenciações de natureza e ritmos essenciais. A postura
profissional propositiva evocada por Iamamoto (2000) parece depender dessa
atitude complexa que busca articular sobre cada escolha dos instrumentos de
trabalho cotidianos, um arsenal teórico-metodológico e uma perspectiva ético-
político. Assim, a elaboração dos Projetos de Intervenção a partir dessa postura
propositiva inclui na sua dimensão de implementação todo o cenário e estratégias
utilizadas nas definições prévias de sua direção no cotidiano.

5.3 Dimensão avaliativa

Essa dimensão está em curso na elaboração do projeto desde a sua


formulação, passando por todo a implementação e permitindo avaliar os
processos, efeitos e seus resultados. Na antiga vertente do planejamento
normativo, cuja lógica sequencial e etapista orientava a elaboração dos projetos, a
avaliação era considerada como último momento da implementação. Ela se
assemelhava a uma avaliação de resultados, mas tinha profundos limites na
medida em que não estabelecia variáveis, indicadores ou instrumentos de
acompanhamento para registrar, mensurar e qualificar fenômenos ao longo do
processo. Para a vertente normativa do planejamento, elaborar projetos de
intervenção era, então, um ato nos espaços sócio-ocupacionais e sua avaliação
circunscrita apenas à preocupação de identificar os resultados e sua coerência
com os objetivos definidos.
Um dos desafios atuais é constituir as variáveis de avaliação já no momento
de definição do problema e do objetivo do projeto. Considerar as possibilidades de
avaliação de natureza qualitativa e quantitativa que podem melhor responder ao
objeto do projeto e a processualidade que irá implicar seu alcance.
No exemplo do item 4.1, quando um segmento da população encontra-se
na condição de analfabetos e um Projeto de Intervenção irá incidir sobre essa
experiência, será necessário escolher, por vezes, construir variáveis e indicadores
para avaliar o projeto em seu processo, efeito e resultados. Nesse caso, a

21
avaliação do processo pode considerar o número de inscrição e evasão do curso
de educação de adultos oferecido; na de efeito pode identificar a aquisição das
construções textuais por parte dos participantes; sua capacidade de ler no e o
cotidiano e o mundo; na avaliação de resultados mensurar os índices de
analfabetismo encontrado no segmento populacional do território em que se está
trabalhando antes e depois de cada curso com o apoio de técnicos da área da
educação, e compará-los com os índices locais e nacionais de analfabetismo.
A avaliação dos projetos deve percorrer, então, toda a sua biografia
permitindo ao longo da sua temporalidade ativar os nexos não espontâneos da
unidade teoria e prática, além do que preparar seus autores para vivenciar o luto
por sua finalização, a qual se dá por múltiplas razões: previsão no planejamento
do término do projeto; ruptura técnico-política com a proposta inicial e enunciação
de novos projetos; mudanças nas direções da gestão e das unidades dos espaços
sócio-ocupacionais; saída de atores e recursos fundamentais etc.
Uma vasta bibliografia e pesquisas sobre avaliação de projetos em Políticas
Sociais vêm se constituindo no país, abrindo-se espaços de disciplinas específicas
nos Cursos de Graduação de Serviço Social e, inclusive, sendo objeto de aula
própria no Curso para Supervisores, o que permite o tratamento mais aprofundado
dessa dimensão do planejamento.

6. Considerações Finais

A elaboração dos Projetos de Intervenção foi tratada nesse texto como um


convite ao fomento de habilidades teórico-metodológica, ético-política e técnico-
operativa, que articuladas permitem ao profissional manter uma postura
investigativa e interpretativa perante a realidade, desnaturalizando os fenômenos
tomados como a-históricos no cotidiano dos espaços sócio-ocupacionais e,
portanto, impossíveis de mudanças. O assistente social que nutre sua criticidade,
sua competência e seu compromisso sociocêntrico se coloca numa atitude aberta,

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reflexiva e de estranhamento permanente do que é tornado “familiar” no cotidiano
para propor respostas alternativas nessa mesma cotidianidade.
Essas respostas para amadurecer tomam a forma de Projetos de
Intervenção, os quais são catalizadores de mecanismos de zoom sobre a
realidade: aproximações, distanciamentos e novas aproximações qualificadas,
cujo movimento é inesgotável.
Sob os riscos que incorre qualquer visão prospectiva, parece que diante da
racionalidade que se fortalece no âmbito da gestão das políticas sociais no Brasil,
o perfil profissional aprisionado às respostas espontâneas às demandas pode
tender a perder força. No entanto, anunciar a possibilidade de estar em curso o
fortalecimento da exigência dos profissionais dominarem as habilidades para
elaborar projetos não implica necessariamente a ultrapassagem da clássica
autonomização dos instrumentos de trabalho – “eu sei fazer projeto” – nem de
estar assegurada uma perspectiva emancipadora e democrática do processo de
planejar. Como se pode depreender, desafios antigos sobre esse debate mantém-
se atualizados na contemporaneidade, como de forma recíproca, fomenta-se um
substrato potencial para a elaboração de Projetos de Intervenção vinculados à
direção social definida no Projeto Ético-Político Hegemônico do Serviço Social.

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