A instrumentalidade e a potenciação saber, e não como um instrumento
do processo de trabalho do serviço ancilar, neutro, deslocado de um
social contexto sócio histórico (CASTORIADIS, 1987). 1 Introdução Em oposição a uma abordagem Nesta aula, você terá oportunidade de casualística, a autora aponta a fazer uma reflexão em torno do impossibilidade de conceber a técnica significado que a instrumentalidade dissociada de um fundamento teórico. assume para a potencialização do Essa noção implica a superação de uma trabalho do assistente social. visão epistemológica cartesiana, que É muito importante que, ao término pensa o método, a técnica, como um desta aula, você consiga perceber que o conjunto de regras que por si só tema da instrumentalidade não se limita garantem a obtenção dos resultados à noção de instrumento como mero desejados (CARDOSO, 1971). Citando conjunto de técnicas. A reflexão ora Bourdieu, 1973, Veloso ressalta a proposta tem como prerrogativa a necessidade de recuperar a análise da instrumentalidade como possibilidade técnica no âmbito da prática do serviço de transformação do cotidiano Social, vista como teoria em atos. Como profissional. teoria em movimento (Faleiro, 1986). Vamos começar a nossa reflexão através Sousa (2006, p.122) se refere à de uma análise do caráter estéril do competência técnico – operativa como “tecnicismo” no cotidiano profissional, “a capacidade do profissional de o que resulta numa prática voluntarista conhecer, se apropriar, e sobretudo, banalizada pelo pragmatismo (Koike, criar um conjunto de habilidades CEAD, 1999). técnicas que permitam ao mesmo Como destaca Iamamoto (1999, p.53), desenvolver ações profissionais junto a “o aperfeiçoamento técnico – operativo população usuária e às instituições mostra-se como uma exigência para contratantes (Estado, Empresas, uma inserção qualificada do assistente Organizações não Governamentais, social no mercado de trabalho”, o que, fundações, autarquias, ETs), garantindo segundo a autora, procede, desde que a assim uma inserção qualificada no eficiência técnica não seja considerada mercado de trabalho, que responda às como um elemento isolado, caso demandas colocadas tanto pelos contrário, se restringirá ao mero empregadores, quanto pelos objetivos tecnicismo. estabelecidos pelos profissionais e pela 2 O significado das técnicas e de sua dinâmica social”. utilização pelo Serviço Social Acrescenta o autor: “O que se propõe Sobre o significado das técnicas e de hoje no âmbito do Serviço Social é sua utilização pelo Serviço Social, justamente a produção de um Veloso (1995, p. 33) afirma que é conhecimento que rompa com a mera fundamental não dissociar o aparência e busque o que está por trás conhecimento propriamente dito e a dela, sua essência. Para isso é experiência, entendida no seu sentido fundamental que o profissional sempre mais amplo, enquanto relação entre o mantenha uma postura crítica, teórico e o real. Significa, pois, um questionadora, na se contentando com o esforço no sentido de romper com a que aprece a ele imediatamente. De herança pragmática e empiricista que posse desse conhecimento, o permeia a técnica no debate profissional pode planejar a sua ação profissional. Dá advém a necessidade de com mais propriedade, visando à pensar a técnica como utilização de um mudança dessa mesma realidade. Assim, no momento da execução situação, depende da capacidade profissional, o assistente social constrói intelectiva e ontológica do trabalho do suas metodologias de ação, utilizando- assistente social. A dimensão técnico- se de instrumentos e técnicas de operacional constitui-se, portanto como intervenção social. “Componente do trabalho consciente e 3 As diretrizes curriculares gerais sistemático do sujeito profissional sobre para o curso de serviço social o objeto de sua intervenção, tendo em As Diretrizes Curriculares Gerais para o vista o alcance dos objetivos propostos. curso de Serviço Social, previstas pela As estratégias e técnicas de Associação Brasileira de Ensino e operacionalização devem estar Pesquisa em Serviço Social, apresentam articuladas aos referenciais teórico- um conjunto de conhecimentos críticos, buscando trabalhar situações da indissociáveis, que se traduzem em realidade como fundamentos da Núcleos de Fundamentação intervenção. constitutivos da Formação Profissional. As situações são dinâmicas e dizem São eles: respeito à relação entre assistente social Núcleo de fundamentos teórico- e usuário frente as questões sociais. metodológicos da vida social. As estratégias são, pois, mediações Núcleo de fundamentos da complexas que implicam articulações particularidade da formação sócio- entre as trajetórias pessoais, os ciclos de histórica da sociedade brasileira. vida, as condições sociais dos sujeitos Núcleo de Fundamentos do Trabalho envolvidos para fortalecê-los e Profissional. contribuir para a solução de seus problemas/questões” No Núcleo de Fundamentos do (ABESS/CEDEPSS, 1995 e 1996)”. Trabalho Profissional podemos Para mais informações, clique no link a encontrar a articulação das dimensões seguir e leia o técnico – operativa, teórico- texto: http://www.cressrs.org.br/docs/Le metodológica e ético – política como i_de_Diretrizes_Curriculares.pdf requisitos fundamentais que permitem 5 A instrumentalidade no exercício ao profissional colocar-diante das profissional do assistente social situações com as quais se defronta, Agora que você já percebeu os vislumbrando com clareza os projetos equívocos que a primeira vista se faz de societários, seus vínculos de classe, e instrumentalidade, como técnicas e seu próprio processo de trabalho. instrumentos, vamos nos aprofundar no tema da instrumentalidade. Atenção: Instrumentalidade: É um conceito mais Como futuro profissional do Serviço amplo que demanda uma compreensão Social é muito importante que você em suas várias nuances. consiga perceber que a dimensão interventiva e operacional da profissão pressupõe uma análise crítico dialética Para esta reflexão vamos utilizar os dos instrumentos, ou melhor, objetos de estudos que Yolanda Guerra, que ela ação, para a constituição de estratégias denominou como instrumentalidade no de intervenção comprometidas que trabalho do assistente social. estejam em consonância com o Projeto Ético Político Profissional. A instrumentalidade do serviço social 4 A escolha “do como fazer” A autora refere-se à instrumentalidade A escolha “do como fazer”, a definição como uma propriedade ou um das técnicas e instrumentos que serão determinado modo de ser que a utilizados sobre uma determinada profissão adquire dentro das relações sociais, no confronto entre as condições manusear um instrumento de trabalho, o objetivas e subjetivas de exercício assistente social perderá a dimensão do profissional. porquê ele está utilizando determinado “É por meio da instrumentalidade que instrumento. Sua prática se torna os assistentes sociais modificam, mecânica, repetitiva, burocrática. Mais transformam, alteram as condições do que meramente aplicar técnicas objetivas e subjetivas e as relações prontas, como se fossem receitas de interpessoais existentes num bolo, o diferencial de um profissional é determinado nível de realidade social: saber adaptar um determinado no nível cotidiano (GUERRA,1995, p. instrumento às necessidades que precisa 53)”. responder em seu cotidiano. E como a Neste momento da reflexão, ora realidade é dinâmica, faz-se necessário proposta, é importante que você compreender quais mudanças são essas recupere o que estudou em outras como para que o instrumental utilizado seja o “teleologia”; este conceito é mais eficaz possível, e , de fato, possa fundamental para entender o teor do que produzir as mudanças desejadas pelo Yolanda Guerra chama de assistente social, ou chegar mais “instrumentalidade”. próximo possível. Ora, isso pressupõe Teleologia refere-se a esta capacidade que, mais do que copiar e seguir que o assistente social tem de fazer manuais de instruções , o que se coloca escolhas, de concretizá-las através da para o assistente social hoje é a sua redefinição dos seus meios e condições, capacidade criativa, o que incluiu o tendo sempre como a alteração da potencial de utilizar instrumentos situação das classes sociais que consagrados na profissão, mas de criar demanda a sua intervenção. Nesse tantos que possam produzir mudanças processo, o profissional acaba dando na realidade social, tanto em curto instrumentalidade as suas ações. quanto em médio e longo prazos Compreendeu? (SOUZA, 2006, p. 124)”. “Toda postura teleológica encerra Destaca Souza (2006, p. 124): “Se o instrumentalidade, o que possibilita ao Serviço Social, em sua trajetória homem manipular e modificar as coisas histórica, não tivesse criado novos a fim de atribuir-lhes propriedades instrumentos e novas técnicas de verdadeiramente humanas, no intuito de intervenção, teria conseguido sair da converterem-nas em instrumentos/meio condição de mero executor das políticas para o alcance de suas finalidades. sociais e hoje desempenhar funções de Converter os objetos naturais em coisas elaboração, planejamento e gerência das úteis, torná-los instrumentos é um mesmas ? Certamente não. Assim, processo teleológico, o qual necessita de pensar a instrumentalidade do serviço um conhecimento correto das Social é pensar além da especificidade propriedades dos objetos. Nisso reside o da profissão: é pensar que são infinitas caráter emancipatório da as possibilidades de intervenção instrumentalidade do trabalho (Guerra, profissional, e que isso requer, nas 2000, p. 54)”. palavras de Yamamoto ( 2004), “tomar Vamos refletir o que outro autor falou um banho de realidade.” (Souza, 2005, sobre esta questão? p. 124). “Os instrumentos e técnicas não podem Agora que já abordarmos a dimensão ser mais importante que os objetivos da positiva da instrumentalidade, vamos ação profissional. Se partirmos do pensar sobre o seguinte questionamento pressuposto que cabe ao profissional de Guerra (1995, p.55) apenas ter habilidade técnica de Em que condições sócio-históricas a mediação significa tomar o Serviço instrumentalidade como condição Social como totalidade constituída de necessária da relação homem – natureza dimensões técnico – instrumental, se converte em instrumentalização das teórico- intelectual, ético- política e pessoas? formativa. A instrumentalidade como Numa sociedade em que existe a divisão uma particularidade e como tal, campo de classes, a utilidade social de uma de mediações com capacidade tanto de profissão também se confrontará com articular essas dimensões quanto de ser necessidade sociais antagônicas. o conduto pelo qual as mesma Se resgatarmos a história da profissão, traduzem-se em respostas profissionais. constataremos que o serviço Social No primeiro caso, a instrumentalidade desde a sua gênese até a articula as dimensões da profissão e é a contemporaneidade vem se síntese das mesmas. Permitir a confrontadas como demandas de classes passagem dos referenciais técnicos , em disputa. teóricos, valorativos e políticos e sua Quando o assistente social, em seu concretização, de modo que estes se cotidiano profissional, direciona a sua traduzam em ações profissionais, em intervenção para a eliminação de estratégias políticas, em instrumentos conflitos constitui os interesses do técnico –operativos. Em outros termos, capital com Bse de sua legitimidade. ela permite que os sujeitos, em face da “As políticas sociais constituem-se em sua intencionalidade, invistam na um conjunto de procedimentos técnico criação e articulação dos meios e –operativos, e necessitam de instrumentos necessários à consecução”. profissionais que atuem em dois 6 Mediação e o serviço social campos: o de sua formulação e o de sua Sobre a relação entre o Serviço Social e implementação. Com a instauração de a questão da mediação, Pontes (1995, um mercado de trabalho, os assistentes p.37) diz que muitos leitores sociais, passam a desempenhar papéis desavisados a pensar que é uma questão que lhes são alocados por organismos e de natureza eminentemente teórica, mas instância próprios da ordem burguesa que de fato não o é. Essa relação nasceu no estágio monopolista.” ( Netto, 1992, de preocupações bem objetivas e p.68) cotidianas da ação profissional de A intervenção profissional não se assistentes sociais no contexto das restringe a essa dimensão, ou melhor, organizações. caso contrário ficaria refém do Como você já deve ter conhecimento, é pragmatismo e das práticas imediatas. mais comum se referir à mediação como As técnicas e instrumentos devem ter um processo para resolução de como fonte propulsora o pensamento conflitos. No Serviço Social esse termo crítico, o que garante instrumentalidade aparece a partir dos estudos que Lukács a esta dimensão. (1979) faz sobre a ontologia do ser É necessário que você perceba a social marxista. intervenção profissional em sua Concepção de Lukacs sobre a teoria totalidade, o que implica também na social de Marx, na qual reconhece ser dimensão ético política, na Marx o autor de uma verdadeira fundamentação teórico – metodológica ontologia materialista da sociedade e na pesquisa. capitalista, já que todas as suas análises Além desses aspectos, Guerra aponta e proposições se colocam em face de para a instrumentalidade é a de ser uma um determinado ser social (um ser real) mediação. Para a autora (1995, p.59): e não de enunciados filosóficos e “Reconhecer a instrumentalidade como epistemológicos. E o centro dessa ontologia são as relações econômicas, e assistente social como um campo de historicamente construídas pelos mediações que se estrutura sobre homens (Pontes, 1995, p. 38) determinações histórico – sociais “É uma ontologia do ser social porque constitutivas dos complexos sociais. seus enunciados sempre se colocam Subsidiando o estudo diante de certo tipo de ser e se apoiam Condições objetivas: Relacionadas ao no próprio movimento das categorias da que Marx denominou como realidade. E não em conceitos ideais, infraestrutura econômica, a base lógicos. Volta-se, primordialmente, para material da sociedade (as áreas de os processo de produção e reprodução atuação, os meios de produção, a da vida humana, senso as divisão do trabalho). representações que surgem na mente Condições subjetivas: Referem-se aos humana são reflexos do real captados sujeitos, seu perfil, suas escolhas, como representação na consciência.” qualificação, competência profissional, (Pontes, 1995, p. 59) investimento, compromisso ético e 7 Dimensão socioeducativa e político, sua capacidade de propor. educação popular Instrumentalização das pessoas: É o Como profissão inscrita na divisão processo pelo qual a ordem burguesa, sócio-técnica do trabalho, o Serviço por meio de um conjunto de inversões, Social apresenta uma dimensão transforma os homens de sujeitos em interventiva, o que pressupõe o objetos, o trabalho de primeiro conhecimento da realidade em sua carecimento da vida em meio de vida e complexidade. Além desse aspecto, o a força de trabalho em instrumentos a assistente social também precisa serviço da valorização do capital encontrar alternativas para transformar a (GUERRA, p. 55). realidade social, conforme o que está Ontologia: Área da filosofia que trata previsto no projeto ético político da da questão da existência dos seres. profissão. “Essa dupla dimensão que caracteriza o Serviço Social desafia os profissionais a enfrentá-la cotidianamente no complexo tecido das organizações em que atuam. Esse enfrentamento exige uma equipagem teórico –metodológica a altura de sua complexidade. É nesse ponto que a categoria de mediação aporta uma enorme contribuição ao desvendamento dos fenômenos reais e à intervenção do assistente social.” (Pontes ,1995,p. 43) Acrescenta o autor- defende-se que uma das chaves para que o profissional desenvolva sua intervenção com êxito é a reconstrução ontológica de seu objeto de intervenção profissional. Para isso partir-se-á da tríade SINGULARIDADE – UNIVERSALIDADE - PARTICULARIDADE, buscando entender o espaço de intervenção do