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O Psicó

Desafios colocados pelo avaliação criteriosa, a frequente inter-


ferência de "modismos" passageiros e
desenvolvimento da pesquisa assim por diante.
organizacional Como coloquei de início, não gosta-
ria de me deter nestes problemas, todos
por certo relevantes. As perspectivas de
equacionamento destes problemas são

C
omo se caracteriza a atuação do
psicólogo nas organizações? Que tão complexas quanto os problemas em
problemas e perspectivas a cer- si. Envolve um profundo esforço do
cam? Essas questões reportam- próprio profissional para qualificar-se,
se a uma realidade conhecida e atualizar-se, ampliando o seu domínio
sobre a qual não pretendemos nos ocupar de conhecimentos e tecnologias de for-
neste momento. Em um novo estudo que ma a conquistar espaços mais significa-
acabamos de realizar sobre tendências tivos nas organizações. Requer, sem dúvi-
de emprego na Psicologia para o Conse- das, mudanças mais radicais nas estru-
lho Federal de Psicologia, os dados reve- turas das organizações de forma que o
lam que os psicólogos no geral, e o fator humano seja, efetivamente, uma
psicólogo organizacional em particular, prioridade dos sistemas administrativos.
independente do tipo de instituição em Isso, por sua vez, está condicionado a
que se graduou, prestam à sociedade um mudanças sociais, políticas e culturais
tipo de serviço bastante homogêneo. Os mais abrangentes e que não descorti-
psicólogos organizacionais continuam namos no nosso horizonte imediato. Tais
sendo, dentro da categoria, aquele grupo mudanças dependem, ainda, do avanço
com condições de emprego mais fa- do conhecimento sobre o comportamen-
voráveis, que mais se aproximam do to organizacional tanto micro quanto
conceito de "assalariado" e largamente macro de forma a termos disponível ele-
envolvidos com as atividades de recruta- mentos para repensar nossas práticas,
mento, seleção e treinamento. aperfeiçoá-las, prestando a verdadeira
Dois grandes problemas são, normal- contribuição que nos cabe.
mente, vivenciados pelos psicólogos nas É nesse terceiro aspecto que pretendo
organizações: seu reduzido poder dedefi¬ trazer para reflexão dois desafios que
nir estratégias organizacionais - embora têm preocupado pesquisadores e estu-
as organizações sejam grupos humanos, diosos e cujo desdobramento dos estudos
as grandes decisões acerca de como lidar têm implicações extremamente fortes
com o elemento humano são tomadas para as ações dos psicólogos nas orga-
por administradores, economistas, sem nizações.
aparticipação efetiva do psicólogo. O
seu confinamento a áreas tradicionais de
atuação os leva aficaremrestritos a uma 1. A compreensão dos
atuação técnica fragmentada-selecionan¬ determinantes do
do, treinamento - sem uma visão integral comportamento humano nas
do trabalhador e de sua vida no trabalho.
Aquilo que em outras oportunidades tem organizações
sido denominado "modelo restrito de
atuação profissional". Segundo, os desa- Três grandes classes de comporta-
fios do trabalho técnico propriamente mento são tomadas como requisitos para
dito, com os constantes questionamentos que qualquer (1)
organização atinja os seus
da sua eficácia organizacional, a falta de objetivos . Primeiro, é necessário que,
ogo nas organizações
Antônio Virgílio Bittencourt Bastos
Professor Adjunto do Depto de Psicologia da
Universidade Federal da Bahia
ingressando na organização, o indivíduo apesar dos sub-produtos gerados nem
nela permaneça. Os estudos relativos à sempre terem sido os desejados. Só a
rotatividade e absenteísmo, muito fre- título de exemplo, temos a alienação e os
quentes nas sociedades em que o fator problemas de saúde psicológica gerados
trabalho tem um poder de barganha sig- peia excessiva fragmentação do trabalho,
nificativamente maior (há um real inte- pilar central do sistema taylorista.
resse das organizações em manter seus Quando analisamos as diversas teo-
trabalhadores qualificados), são indica- rias organizacionais podemos observar,
dores da importância desse tipo de com- no entanto, que, progressivamente, mo-
portamento. Segundo, é necessário que delos mais complexos foram sendo ela-
os papéis ocupacionais sejam desempe- borados para tentar explicar essas três
nhados dentro de parâmetros de quali- grandes classes do comportamento hu-
dade aceitáveis. Todos os esforços de mano nas organizações(2). Os modelos
qualificação da mão-de-obra (inclusive propostos por Taylor e pela escola das
via ações de treinamento) buscam atingir relações humanas são bastante distintos
tal objetivo. A produtividade, especial- na seleção dos aspectos relevantes do
mente num ambiente econômico alta- ambiente e do indivído, mas constituiam
mente competitivo, é um requisito para a modelos simplistas até para explicar os
sobrevivência das organizações. Tercei- processos motivacionais. Oprópriocom-
ro, espera-se do trabalhador, um empe- portamento do indivíduo passou a ser
nho extra, que extrapole as prescrições visto de forma mais abrangente, não
do seu papel ocupacional, traduzido em limitado ao desempenho das tarefas.
comportamentos inovadores, cooperati- Esse princípio "contingencial" também
Hoje, o desempenho humano no con- deve ser estendido para os indivíduos e
vos em prol dos objetivos organizacio- texto de trabalho é visto como multide¬
nais. grupos humanos que integram a orga-
termínado, produto de complexas e sutis nização. Esse é um grande desafio para o
Os modelos teóricos e as tecnologias interações entre aspectos do ambiente e qual não temos respostas prontas e para
geradas para lidar com esses comporta- da história do próprio indivíduo(3). Ex- o qual o psicólogo deve dar as contri-
mentos variaram, certamente, ao longo plicá-lo, por exemplo, recorrendo a mo- buições mais significativas.
deste último século. Para tomarmos, ape- delos fechados como o de hierarquias de
nas alguns marcos importantes, podem- necessidades (bastante frequente entre
os comparar os princípios da "adminis- os tecnológicos) é uma supersimplifi- 2. A compreensão do
tração científica" propostos por Taylor cação e por certo, explica parte do fracas- que é organização e dos
(divisão do trabalho e sua fragmentação so em se conseguir aqueles desempenhos determinantes
em unidades que permitissem um desem- desejados referidos acima. do comportamento
penho máximo suportável pelo equipa- Esta multideterminação do compor- organizacional
mento biológico do homem), os enun- tamento e a consciência da sua comple-
ciados da escola das relações humanas xidade coloca questionamentos profun- Independente das múltiplas perspec-
(privilegiando o desenvolvimento de dos ao conjunto de práticas organizacio- tivas teóricas, os conceitos de organiza-
grupos de trabalho homogêneos e coesos nais, todas concebidas como medidas ção repousam em um lastro comum são
sob a liderança de um supervisor sensível gerais e abrangendo todos os trabalha- agrupamentos humanos, ou produtos da
às necessidades sociais dos indivíduos) dores, independente de suas característi- ação social de indivíduos e grupos. No
ou ainda os princípios que caracterizam cas pessoais e contextos específícos de entanto, tem largamente predominado
o movimento de "desenvolvimento or- trabalho. O trabalho de Lawrence e Lors¬ entre os teóricos organizacionais e entre
ganizacional", fortemente influenciado ch(4) ressalta claramente, como a orga- aqueles que geram as tecnologias usuais
por teóricos comportamentalístas, que nização deve se diferenciar internamente para lidar com os indivíduos que inte-
enfatizam o enriquecimento do trabalho para, de forma integrada, responder às gram a organização, a abordagem que
(tarefas maisricas,mais significativas), demandas do ambiente. Ou seja, depar- toma a organização como um todo, como
estilos de liderança contingenciais (a- tamentos diferentes não devem, neces- um sistema racional, composto de
propriadas à natureza do grupo) e assim sariamente, ter a mesma estrutura, as unidades funcionalmente dependentes
por diante. Todos esse modelos tiveram mesmas normas de controle; processos que buscam, em conjunto, atingir os
o seu momento de apogeu e, hoje, conti- de trabalho específicos em ambientes objetivos organizacionais.Ou seja,numa
nuam, em menor ou maior escala, sendo com características específicas, exigem perspectiva apolítica, as organizações
utilizados em diferentes organizações. que o setor se organize diferentemente. são tratadas como sistemas normativa¬
cialmente o grupo que detém o poder,
não estão desatentas a tais questões. As
mudanças sociais e políticas oriundas do
processo de democratização trouxeram
para a cena organizacional a presença
dos trabalhadores organizados através
dos seus sindicatos e a imposição da
necessidade de negociação. As relações
trabalhistas passaram a ser uma preocu-
pação. Esta realidade, embora ainda res-
trita a uma "elite" de trabalhadores, tem
repercussão no âmbito das organizações.
São criados departamentos, setores or-
ganizacionais e pessoas ou equipes se
responsabilizam por "negociar". Surge o
especialista em "relações trabalhistas".
Medidas como essa, certamente signifi-
cam uma ampliação das competências
do setor de ARH e um reconhecimento
de que o conflito de interesses existe e
deve ser trabalhado. Todavia, a ênfase
tem sido quase que exclusivamente, no
mente integrados, ignorando-se os con- foram concebidas dentro de um contexto processo de negociações coletivas, nos
flitos políticos e outras tensões. Por outro teórico que toma a organização de forma momentos de dissídios coletivos. Ou seja,
lado, ao tomarem a organização como unitária e que mascara a questão do trata-se o conflito como sendo uma
uma entidade holística, desconsidera-se poder e do conflito, fortes determinantes questão episódica na expectativa de tomá-
as sub-unidades como grupos de inte- do comportamento do trabalhador. Não lo confinado em uma "caixinha" do or-
resses e coalizões que são cruciais para o estaria na ausência desta consciência, ou ganograma da organização lida como
desenvolvimento de uma visão política melhor, no desconhecimento em como esta questão, apenas os que trabalham
das organizações. O trabalho de Ba¬ lidar com esta realidade, a raiz das fre- naquela "caixinha". Equece-se, contu-
charach e Lawler(5) nos mostra como quentes críticas à atuação do psicólogo do, que o conflito reflete todo o contexto
diferentes níveis de conflito, diferentes nas organizações que o tomam como de trabalho e manifesta-se, mais ou me-
táticas de negociação são produtos de "instrumento" do grupo no poder? nos intensamente, em todos os níveis, no
arranjos do contexto organizacional, ine- Vejamos alguns exemplos: os clássi- dia a dia da organização. As relações
xistindo uma organização totalmente co- cos trabalhos com grupos, dentro da pers- com o trabalhador têm que ser vistas em
operativa ou totalmente segmentada po- pectiva de aperfeiçoar as relações inter- sua totalidade e continuamente e não
liticamente. A dinâmica de formação de pessoais, gerar maior coesão, conseguir apenas, nos momentos de "crise". Isso
coalizões e os determinantes de suas maior produtividade, partem do pressu- não significa, necessariamente, amorte-
ações políticas revelam quão complexas posto ou almejam conseguir uma iden- cer, escamotear o conflito, prática ainda
são as relações intraorganizacionais e de tidade comunhão de interesses entre in- dominante. Esta postura se deve ao fato
como não se pode ter "receitas prontas" divíduos e organização, quase sempre de não sabermos como lidar com esse
para equacioná-las. inexistente e inatingível. As ações para fenômeno natural em todo agrupamento
É interessante ressaltar que essa rea- ampliar a qualidade do trabalho, seja a humano, em tomá-lo somente como um
lidade "política" é vivenciada pelo psicó- redefinição dos postos de trabalho, am- rompimento do ritmo normal, da ho-
logo enquanto membro da organização pliando as suas atribuições, seja o en- meostase da organização, mais um dese-
sendo, por todos os seus integrantes, caminhamento para cursos, treinamen- jo, uma quimera do que realidade.
conhecida - quem detém o poder, quais tos, muitas vezes desconsideram o con-
as estratégias de controle utilizada? To- texto em que o trabalho é desenvolvido e Assumir o conflito como algo ine-
davia, a vivência desta realidade não as disputas/competição que caracterizam rente à organização, tomá-lo como um
implica em que sejam incorporados às a luta por poder dentro das organizações. fato corriqueiro, comum na vida orga-
suas técnicas de intervenção esse tipo de No geral, tais intervenções são medidas nizacional, implica em se repensar todo
conhecimento. Ou seja, as tecnologias que se inserem em estratégias de sociali- o instrumental técnico/gerencial dis-
utilizadas pelos psicólogos desde aque- zação e controle nem sempre explícitas. ponível, no geral calcados no modelo
las mais comuns às menos frequentes Certamente, as organizações, espe- burocrático autocrático que pauta as ações
administrativas. Nesta perspectiva se
insere toda a discussão sobre partici-
pação/democratização nas organizações,
que vão exigir do profissional, inclusive
do psicólogo, a incorporação de novas
posturas para condução das velhas e no-
vas tarefas demandadas por este novo
contexto. Os estudos sobre poder e lide-
rança deixam claras as dificuldades e
barreiras envolvidas na distribuição do
poder nas organizações e o desafio de se
preparar lideranças capazes de lidar com
esse fenômeno que afeta a quase totali-
dade das interações na vida organizacio-
nal(6).
Em síntese, gostaria de assinalar que
vivemos em um mundo cujas transfor-
mações contínuas estão profundamente
aceleradas. Estas mudanças afetam sig-
nificativamente as organizações volta-
das para o trabalho, quer no setor priva-
do, quer no setor público. Tais transfor-
mações estão a exigir medidas corajosas
que substituam os modelos arcaicos, ul-
trapassados de se lidar com os indivíduos
dentro das organizações. Na realidade, a
exigência é de construção de novos mo-
delos já que eles não existem prontos. Os
dois desafios colocados pelo avanço do
conhecimento sobre o comportamento
organizacional, para aqueles que têm a
responsabilidade de gerenciar recursos
humanos, certamente não esgotam todas
as mudanças que se fazem necessárias.
Eles, contudo, apontam numa direção -
quer tratemos da organização, quer dos
indivíduos, está completamente supera-
da a fase de "pacotes prontos", de "mo-
delos gerais" nos quais devemos en-
quadrar todas as realidades. Tratar orga-
nizações e indivíduos em suas singular-
idades, em síntese,nos parece ser o grande
desafio para que tenhamos organizações
mais fortes e indivíduos mais realizados
através da sua atividade produtiva.

Notas
Trabalho apresentado na mesa-redonda ções. Anais do XV Encontro Nacional da 4. Lawrence, P. e Lorsh, j . (1967). Orga-
"Perspectivas e problemas na atuação do ANPAD. Belo Horizonte. nization and environment. Cambridge,
Psicólogo" promovida pelo CRP-01 em Mass.: Harvard University Press.
27/8/91.
3. Ver, por exemplo, o trabalho: Naylor, J.
C., Pritchard, R. D. e Ilgen, R. D. (1980). A 5. Bacharach, S. B. e Lawler, E. J. (1981).
1. Katz, D. e Kahn, R. (1973). Psicologia Theory of behavior in organizations. New Power and Politics in Organizations.
Social nas Organizações. São Paulo: York: Academic Press. Numa perspectiva San Francisco: Jossey-Bass Inc. Publi-
Atlas. cognotivista, os autores apresentam uma te- shers.
oria geral que unifica de maneira lógica e
com grande potencial heurístico, diversas
2. Bastos, A. V. B. (1991). Aspectos com- variáveis e processos que contribuem para o 6. Hollander, E. P. e Offerman, L. R.
portamentais nas teorias organizacionais comportamento dos indivíduos nas organiza- (1990). Power and leadership in organi-
- o desafio de construir uma teoria do ções. zations. American Psychologist. 45(2),
comportamento humano nas organiza- 179-189.

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