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• SeIViço Social & Sociedade


ARTIGOS
nº 62 - ANO XX - março 2000

/
Instrumentalidade do
'I

processo de trabalho
e Serviço Social *
Yolanda Guerra**

Introdução

'- primeira vista, o tema Ins-

A trumentalidade do .Serviço
Social parece referir-se ao
uso daqueles meios e ins-
trumentos imprescindíveis ao agir pro-
fissional, através dos quais os assis-
tentes sociais podem passar da mera
intencionalidade (finalidades, teleologia
ou prévia-ideação) para a efetivação
de ações profissionais. Porém, uma
reflexão mais acurada sobre o termo
instrumentalidade .nos faria perceber
que o sufixo "idade" tem a ver com
a capacidade, qualidade ou propriedade
de algo. Com isso infere-se que falar

* Este texto é fruto das aproximações que venho fazendo para compreender o Serviço
Social como totalidade (no sentido marxiano do termo), seu modo de ser e de operar, os
fundamentos sócio-históricos, teórico-metodológicos e ideoculturais da profissão, com ênfase nas
~uas racionalidades.
** Assistente social, mestre e doutora em Serviço Social pela PUC-SP, professora da
ESS da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora do livro A instrumentalidade do Serviço
Social, Cortez, 1995, e de artigos e ensaios publicados em revistas técnicas.

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I··

de instrurnentalidadc do Serviço Social remete a uma determinada capacidade metodológico é o de analisar ontologicamente o trabalho como processo
ou propriedade que a profissão adquire na sua trajetória sócio-histórica, de trabalho e como processo de reprodução social, buscando as mediações
como resultado do confronto entre teleologias e causalidades. Estamos, sociais que particularizam a profissão Serviço Social.
pois, nos referindo às propriedades e às capacidades sócio-históricas que
a profissão vai adquirindo no confronto entre as condições objetivas e as
posições teleológicas de seus agentes profissionais e dos agentes sociais 1. Instrumentalidade (e instrumentalização) do
que demandam. o exercício profissional, entre as respostas profissionais e processo de trabalho
as demandas colocadas à profissão, as quais atribuem-lhé determinados
significados e reconhecimento social, que precisam ser. compreendidos. t·, Partimos do suposto de que a instrumentalidade é uma condição
Constituindo-se num trabalho socialmente útil,' que serve, sobretudo, necessária à reprodução da espécie humana; é o momento necessário na
à esfera da reprodução social, o trabalho do assistente social possui sua relação homem-natureza, em resposta aos seus carecimentos materiais e
instrumentalidade vinculada à forma de inserção que a ordem burguesa espirituais (cf. Guerra, 1995). Portanto, o trabalho tem uma instrumentalidade.
lhe atribui na divisão sociotécnica do trabalho. Desenvolvendo um trabalho Vejamos sob que bases ontológicas essa afirmação se assenta. Para
especializado, o assistente social como trabalhador vende a sua força de satisfazer as suas necessidades o homem projeta finalidades, planeja suas
trabalho (e junto com ela um conjunto de procedimentos profissionais ações, escolhe, dentre as alternativas possíveis, aquelas mais adequadas ao
requeridos pela ordem burguesa, e como tal, instrumentais a ela). Assim, alcance de suas finalidades; constrói, utiliza e aperfeiçoa os instrumentos
a profissão só pode ser compreendida no âmbito das relações entre Estado de trabalho, e-por isso ele é também um ser crítico. Trabalho é, portanto,
e sociedade civil, já que participa do processo de produção e reprodução o metabolismó entre homem e natureza, no qual "ele (o homem) põe em
das relações sociais da ordem burguesa (cf. Iamamoto, 1982 e 1992). movimento a~ forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e
Assim, apreender as medições que se entre tecem na instrumentalidade pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa
do Serviço Social passa pela compreensão tanto do processo de trabalho forma útil para sua própria vida" (Marx, 1985a: 149). Isso implica transformar
no seu sentido amplo/ quanto do sentido mais amplo que a instrumentalidade a natureza num, produto útil. Implica, pois, em manipulação, domínio e
adquire para e no exercício profissional, qual seja, como mediação. É controle de unia matéria natural que resulte na sua transformação. Essa
atividade tem dimensões instrumental (operativa e manipulatória) e material,
somente a partir da compreensão da instrumental idade do processo de
do que resulta um produto útil. O processo de trabalho está vocacionado
trabalho como uma propriedade sócio-histórica, e, como tal, sendo construída
para a produção de bens materiais: "seu processo extingue-se no produto.
e reconstruída nesse processo, que podemos buscar uma interpretação da
"Seu produto é um valor de uso, uma matéria natural adaptada às
profissão Serviço Social, do exercício profissional e de sua instrumental idade.
necessidades humanas mediante a transformação da forma" (ibidem: 151).
O objetivo deste texto é o de, a partir da categoria instrumentalidade, Produtos estes que, segundo Marx, são ao mesmo tempo resultados e
tomada como uma categoria constitutiva do exercício profissional, buscar condições do processo de trabalho, em outras palavras, meios.
no processo de reprodução social da ordem burguesa madura os fundamentos
Porém, há mais. Diz Marx: "ao atuar, por meio deste movimento,
sócio-históricos do Serviço Social e seus nexos operantes, bem como suas sobre a natureza externa a ele, ao modificá-Ia, ele modifica, ao mesmo
formas concretas de se expressar na contemporaneidade. O procedimento tempo, sua própria ~natureza" (ibidem) e, portanto, a material idade do
trabalho extrapola o próprio produto do trabalho. Isso é importante, na
I. Notas de aula, curso "Tópicos Especiais em Processos Sociais: leitura de Os Grundrisses medida em que é pelo trabalho que o ser social se objetiva. Ainda que
c de O Capital". prof. José Paulo Netto, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social _ o produto do trabalho seja de natureza material, o processo exige elementos
UFRJ. novembro de 1999.
imateriais.
2. .No intuito de clarificar o que M arx entende por processo de trabalho cita-se:
. "o
trabalho e um processo entre o h Desse modo, "além do esforço dos órgãos que trabalham, é (lhe)
.. _ . . ornem e a natureza, um processo em que o homem, por sua
propna açao, medeia. regula e controla seu metabolismo com a natureza" (Marx, 1985a:149). exigida a vontade orientada a um fim" (ibidem: 150). O processo de trabalho
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implica: uma necessidade, diversas alternativas, a projeção na consciência
outro modo: à medida que os homens satisfazem suas necessidades imediatas,
do resultado de cada uma delas, a escolha do sujeito pela alternativa que
que respondem ao seu ambiente, novas necessidades são criadas. Eles
lhe parece mais viável para atender aquela necessidade. Escolhida a
transformam em perguntas as suas necessidades e as possibilidades de
alternativa o indivíduo objetiva-se, ou seja, manipula a natureza transfor-
satisfazê-Ias, e essas perguntas (mediações intelectivas ou de caráter re-
mando-a, com o que constrói algo novo: "o trabalho se uniu com seu
flexivo) vão enriquecer os modos como os homens responderão às suas
objetivo. O trabalho está objetivado e o objeto trabalhado" (ibidem: 151). novas necessidades.
Esse movimento de transformar a natureza é trabalho. Nele os homens Tais conhecimentos e habilidades são úteis para os objetivos imediatos
vão construindo seus instrumentos, como uma necessidade de sobrevivência dos homens, mas também dão origem aos vários âmbitos do conhecimento:
(necessidades que se vinculam à alimentação, à proteção etc.), para o que .científico, artístico, filosófico, técnico. O trabalho engendra novos meios
transformam a natureza e, ao fazê-Ia, transformam-se a si mesmos. Nisso
reside o caráter emancipatório da instrumentalidade do processo de trabalho.
e modos (instrumentos e técnicas) através dos quais os homens respondem
às suas necessidades e por meio dos quais eles adquirem conhecimentos
Trabalho para Marx é isso: metabolismo entre homem e natureza, (dos objetos sobre os quais atuam, dos modos de atuar, da adequação
no qual, além das necessidade comparecem também Razão e Vontade, de entre eles, dos resultados alcançados).
modo que pode ser considerado não apenas uma atividade prático-material, Ao acionarem sua razão - na clarificação das finalidades e na
mas também uma atividade crítica. definição dos meios - e ao acionarem sua vontade na escolha de
Vale ressaltar que o resultado desse processo é sempre uma trans- alternativas, os homens estão exercendo sua liberdade (no sentido lukac-
formação na natureza e no próprio homem, uma vez que ao final ele já siano), entendida como escolha por alternativas concretas dentro dos limites
, . I
não é o mesmo homem. Dessa aprendizagem ele vai se utilizar sempre possiveisi
que for necessário, bem como irá enriquecer esses conhecimentos com No processo de trabalho a passagem do momento da pré-ideação
novas experiências. Sobre essa permanente transformação, diz Lukács: "o (projeto) para a ação propriamente dita requer instrumentalidade. Requer
fundamento ontológico objetivo consiste que o trabalho, teleologicamente, a conversão das coisas em meios para o alcance dos resultados. Essa
conscientemente posto, contém em si, desde o início, a possibilidade de capacidade -só pode se dar no processo de trabalho, no qual o homem
prod~zi~ mais do que o necessário" (Lessa: 1995: 26), fato este que se mobiliza todos os recursos convertendo-os em instrumentos para alcançar
const.ltUl, para o autor, na gênese da divisão do trabalho. Aqui, pretende-se seus resultados. É essa capacidade que, como instância de passagem,
enfatlz~r que, em nível imediato, a divisão do trabalho surge de decisões possibilita passar das abstrações da vontade para a concreção das
alternativas dos indivíduos. A própria existência das classes sociais tem finalidades.
sua. base no "específico valor de uso da força de trabalho poder produzir Quanto mais as escolhas dos homens extrapolam o âmbito das suas
mais do que é ~ecessário para reproduzir a si mesma" (ibidem:33), o que necessidades imediatas - transcendem o seu ser em si -, tanto mais
ocorre em condições sócio-históricas determinadas.ê eles ampliam seu espaço de liberdade. Isso porque, no plano imediato, a
Ao transformar a natureza, enquanto seu ambiente natural e social consciência é direcionada para o atendimento de carências individuais, de
o I~omem adquire conhecimentos e habilidades os quais fazem com que modo que, nesse nível, a consciência "não ilumina além do ato (de trabalho)
singular" (Lukács, in Lessa, 1995:44). Esse impulso para a construção da
surjam novas necessidades, novas perguntas a serem respondidas. Dito de
história' é o processo de constituição do ser social como tal.
Portanto, razão e vontade, como elementos do projeto dos homens,
3. Da divisão funcion 1 d tr balh . .
Ir balh . a o a o, que se cousutui da cooperação e troca entre diferentes tanto diferenciam as ações do ser social, quanto as enriquecem, possibilitando
a .cde que se verifica nas formações capitalistas é a divisão do trabalho no interior do
processo e produção Nest
.. . a, o tra
balh '
ador e apenas um componente do processo produtivo e
a passagem do ser em si dos homens ao ser para si.
soma d as aU\'Idades especiali dA' . . .
aparecem ara . di , za as. ssirn, as formas mais cristalizadas das especializações
p os in ivíduos como" D ., " .
sobre seus mod d -id uma orrna ja autonoma do ser SOCial,retroagindo, assim,
os e \ I a Como um todo" (Lukács, in Lessa, 1995:31). 4. Pois, segundo Lessa, para Lukács "a história nada mais é do que essa processual idade
de elevação do ser social a patamares crescentes de sociabilidade" (1995:75).
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I
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Cabe-nos agora perguntar qual a importância da instrumental idade do a importância do conhecimento imediato sobre o objeto, meios e condições
processo de trabalho lia passagem do em si da singularidade dos homens nos quais se vai atuar (pedra, madeira), bem como nesse processo produz-se
ao ~el/ para si. Há que se buscar determinar com precisão a importância um conhecimento a ser utilizado no futuro (por ex., fazer fogo por meio
da I.nstrumentalidade na reprodução social e as mutações que ela sofre do atrito entre dois gravetos). Podemos inferir que a nova forma adquirida
mediante as exigências do processo de trabalho capitalista. pelo objeto, suas novas capacidades e os novos conhecimentos só podem
existir como resultado do trabalho.
Já afirmamos anteriormente que é na sua interação com o ambiente
que os homens exercitam,. constr?em a instrumental idade de suas ações, São as finalidades que determinam o modo de atuar e a escolha
ao m~smo tempo que atnbuem mstrumentalidade às coisas, aos objetos por alternativas. Mas há condições objetivas com as quais os homens
naturais. . defrontam-se, escolhem, criam e aperfeiçoam os meios de trabalho, dentre
~ó o trabalho dá instrumental idade e instrumentaliza as coisas, posto elas as propriedades naturais de que esses meios são portadores. Através
que e p~lo seu trabalho que o homem atua sobre a natureza e ao do trabalho e do processo de objetivação o homem realiza no elemento
transforma-Ia, t~ansforma-se a si mesmo. Submete a natureza ao seu natural a sua finalidade. Em outras palavras: as necessidades são sempre
controle '. Os objetos e forças da natureza são transformados em meios. sociais e as finalidades são socialmente construídas. São as finalidades
::ra~, . citando !legel, chama a atenção sobre esse processo denominado que orientam a busca, a seleção e a construção dos meios.
astucia da razão".' Ao ser objetivados pelo trabalho os objetos adquirem instrumental idade:
De u~ lado, os, ?bjetos se mantêm com suas propriedades genuínas: capacidade de se tornarem instrumentos que satisfazem finalidades humanas.
suas . propriedades físicas, químicas, mecânicas. De outro, os homens Mas os objetos não perdem as suas propriedades imanentes, a sua causalidade
adquirem conhecimenm tanto sobre essas propriedades quanto sobre as natural; estas; são adaptadas para o alcance das finalidades. São essas
artIculações, e~tre os objetos que P?dem ser colocadas em movimento para capacidades, de que os objetos são portadores, que Ihes possibilitam realizar
tornar-l~es úteis, p~ra adaptar os objetos para o alcance das suas finalidades. as finalidades dos homens
. Pelo ~or. teleológico realizado no trabalho, os homens transformam as Em síntese, estamos considerandoinstrumentalidade como as proprie-
pO,tenclahdades das c~isas em meios para o alcance de suas finalidades. dades sociais das coisas, atribuídas pelos homens no processo de trabalho
Mas ~ssa transfo~açao depende do conhecimento dos homens sobre as ao convertê-Ias em meios/instrumentos para a satisfação de necessidades
propriedades das coisas, melhor dizendo, "a posição teleológica do trabalho e alcance dos seus objetivos/finalidades. Tal capacidade é atribuída pelos
so cumpre sua função transformadora sobre a base de um conhecimento
homens no seu processo de produção da vida material, através do seu pôr
correto das propriedades das coisas e suas conexões" (Lukács 1997) A
transformar uma rt d .." o teleológico. São os homens que atribuem - pelo pôr teleológico - essa
pa e a natureza em meIOS ou mstrumentos estes não capacidade às coisas. No processo de reprodução da sua existência material,
per d em suas pro . d d' '
rn . pne a es naturais, mas estas passam a ser organizadas de ao dominarem as forças naturais, tomando sociais os objetos, os homens
~dod a satIsfazer as necessidades humanas (ex.: dois gravetos ao serem
exercitam a natureza emancipatória desse processo. Toda postura teleológica
atrita o~ produzem o fogo, pedra e madeira podem virar martelo) A
encerra instrumentalidade, o que possibilita ao homem atribuir às coisas
perm~nencla mesma das propriedades naturais das coisas é o que ihes
permite serem transform d . as propriedades verdadeiramente humanas, no intuito de que elas venham
a as em instrumento para os homens.v Nisso reside
a converter-se nos instrumentos, nos meios para o alcance de suas finalidades.
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5. Diz Hcgel: "A razão é lã di . . Ao se objetivarem pelo trabalho, ao transformarem os objetos em
mediadora a qual ao f . o ar ilesa quanto poderosa. O ardil consiste na atividade instrumentos e meio para a satisfação de suas necessidades, plasmando
. . azer os objetos atuare b
scaundo sua própria nalure . m uns so re os outros e desgastarem-se mutuamente
- za, sem se Inserir di et t . . ' neles as suas finalidades, os homens desenvolvem uma forma de práxis,
seu próprio fim" (Marx 1985 '150 ir amen e nesse processo, todavia, realiza apenas
, '. , a., nota 2). que é a práxis produtiva.
6. Note-se que os graVetos a d ._
-\0 contrário, são justamente essas pe ra. e a madeira nao perderam suas propriedades naturais.
Porém, Marx adverte: a "determinação do trabalho produtivo, tal
na concretização de seus fins. Ao p~op~l~dades que for~m (e serão) acionadas pelos homens
possibilidades de serv ir aos obi tiv a dqumf novas capacidades as coisas vão ampliando suas como resulta do ponto de vista do processo de produção simples, não
~e 1\ os os homens. . basta, de modo algum, para o processo de produção capitalista" (1985a: 151).
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As determinações mais gerais e universais, os elementos simples do processo mente os conflitos SOCIaIS,tal como o direito; 2) de justificar a práxis:
de trabalho, posto que são os menos detenninados - tais como, o trabalho: tomá-Ia natural, aceitável, desejável (cf. Lessa, 1995).
"a ati,:,idade orientada a um fim", seus objetos e seus meios: "um conjunto
Com isso vê-se que a instrumental idade do processo produtivo na
de coisas que o trabalhador coloc.a. entre si e o objeto de trabalho que ordem burguesa está não apenas na produção de valores de uso, mas
lhe s:"fe como condutor ~e sua atividade sobre esse objeto" (ibidem: 150) também, à produção de valores (mercadorias para a troca). Mas, sobretudo,
-. nao servem para explicar o modo de produção capitalista. pelas suas características, o processo produtivo capitalista detém a pro-
. A ordem burguesa_ é uma totalidade composta de totalidades parciais priedade de converter as instituições e práticas sociais em instrumento/meios
mteratuantes ~ produçao, co~sumo, troca, circulação, distribuição. Esses de reprodução do capital. Vejamos como se realizam essas transformações,
momentos, articulados entre SI, estabelecem uma dinâmica tal que, ainda '. de que natureza são e as esferas que elas abarcam, no intuito de matizar
que cada um deles mantenha sua autonomia, a produção material não .os seus efeitos concretos na consolidação da ordem burguesa e na origem
p~:de . sua dete~na~ão .?;iginal, mesmo que por meio de múltiplas e e desenvolvimento do Serviço Social.
div ersificadas mediações. E o que ocorre com qualquer totalidade orgânica"
(Marx, 1985c: 15).
1.1. As inversões capitalistas: conversão da razão substantiva
Na reprodução social do capitalismo ocorre o inverso do que se dá em razão instrumental
em outros modos. de produção. No capitalismo, o processo de reprodução
tem que reproduzir seus próprios pressupostos. O trabalho, de metabolismo Afirmamos linhas atrás que a ordem burguesa opera uma inversão,
hom~m-natureza, meio de satisfação de necessidades, se converte em meio por meid da qual transforma os homens de sujeitos em objetos, em meios
de Vida. Da .mesma maneira, o meio - "o objeto do qual o trabalhador e/ou instrumentos para a satisfação de necessidades materiais e imateriais
se apode~a diretamente" - pass.a ~ servir para a troca. A universalização de outros homens. Aqui, os homens, enquanto sujeitos, produtores de
das relações de .troca, .com a cnaçao do mercado, permite que a troca se valores de uso, convertem-se em objeto, força de trabalho, mercadoria,
constitua no mero de mtegração dos indivíduos, e que estes convertam-se portadora de valor de uso e de valor de troca, mercadoria esta (força de
em meios de satisfação de outros homens.
trabalho) que encerra possibilidades como fim e como meio. Porém, na
Para Marx, produção capitalista é produção material, e portanto ordem burguesa, deixam de prevalecer os interesses comuns.' Para se
trabalho, e ao mesmo tempo criação de condições materiais e espirituais realizarem como valor de uso, as mercadorias devem ser trocadas, de
para que ess~s .r~lações sociais se reproduzam, instaurando determinada modo que suas propriedades úteis, concretas, as suas propriedades quali-
~onna d~ :octabtlzdade. Aqui, a reprodução envolve a produção e a criação tativas, cuja finalidade é a satisfação de necessidades humanas, são sub-
e c~nd~çoes pelas quais a produção pode continuar ocorrendo. Ela reproduz sumidas às suas possibilidades de se constituírem em meio de criação de
a prop~a rel~çã~ capital-trabalho, donde a particularidade do modo de valor, às suas propriedades quantitativas. Assim, também o trabalho que
P~~dl.JçaOcapltahsta: o próprio trabalhador produz constantemente a riqueza produz mercadorias para a troca passa de meio de satisfação de necessidades
o .nlora. sob a forma de capital, uma força estranha que o domina e do seu produtor para meio de satisfação de necessidades da reprodução
ex p ora. Da mesma . '. ampliada do capital." Do mesmo modo, ao vender sua força de trabalho,
. '. maneira o capitalista produz a força de trabalho como
energia SUbjetIva de r' , b ' o que OCOITenum tipo de sociedade que reduz o trabalho de protoforma
' . iqueza que e a strata, que simplesmente existe no
f
corpo ISICOdo trabalhad ' d de constituição do ser social a trabalho assalariado, os homens convertem-se
bietifi - . or, e esta separa a dos seus próprios meios de
o ~etJ Icaçao e realIzaçã . . . em mercadorias. Dizia Marx: "uma mercadoria é uma coisa", de modo
como trab Ih d ~, em suma, o capitalista produz o trabalhador
a a or assalanado (cf. Marx, in Ianni, 1988).
A complexificação das I - ",. 7. A este respeito, ver Marx (1985c:135).
sociais que têm d t . re aço:s SOCIaISda ongem a novos complexos
8. Destaca-se a notação de Engels em O capital, vol. I, tomo I, que diferencia o trabalho
sociedade d e elffillnadas funçoes: 1) de regular a práxis. No caso de que produz valor de uso (work) do trabalho que produz valor de troca, e que é medido
uma e c asses esses com I ".
, p exos SOCIaISVIsam regular juridica- quantitativamente (labour) (cf. Engels, in Marx, 1985a:53, nota 16).
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