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OS FUNDAMENTOS DA RELAÇÃO ENTRE A CATEGORIA TRABALHO E O

SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE

1
Pâmela Santos da Silva

Resumo: O Serviço Social enquanto “especialização do


trabalho coletivo inserido na divisão social e técnica do
trabalho, partícipe do processo de produção e reprodução das
relações sociais” se constitui um dos eixos estruturantes do
projeto profissional dos assistentes sociais (ABESS, 1996).
Este artigo tem como objetivo contribuir com esse debate ao
tratar da fundamentação teórica que justifica a identificação do
Serviço Social como trabalho. Para tanto discute o trabalho do
assistente social, no campo das políticas sociais, como
expressão particular do trabalho coletivo na sociedade
capitalista, com ênfase nas contribuições de Marxiana sobre as
formas históricas trabalho concreto e abstrato, e trabalho
produtivo e improdutivo.

Palavras-chave: Serviço Social. Trabalho Concreto e Abstrato.


Trabalho Produtivo e Improdutivo.

Abstract: Abstract: Social work as "specialization of collective


work inserted in the social and technical division of labor,
participant in the process of production and reproduction of
social relations" constitutes one of the structuring axes of the
professional project of social workers (ABESS, 1996). This
article aims to contribute to this debate when dealing with the
theoretical foundation that justifies the identification of Social
Service as work. For this he discusses the work of the social
worker in the field of social policies as a particular expression of
collective work in capitalist society, with emphasis on Marxian
contributions on historical forms concrete and abstract work,
and productive and unproductive work.

Keywords: Social Service. Concrete and Abstract Work.


Productive and Unproductive Work.

1
Assistente Social. Mestranda em Serviço Social, Trabalho e Questão Social pela Universidade
Estadual do Ceará. Bolsista Capes. E-mail: pamela_servicosocial@hotmail.com.
1 INTRODUÇÃO

O debate sobre a identificação do Serviço Social com a categoria trabalho


tem sua origem nos anos 1980, em pleno movimento de renovação profissional e está
relacionado à necessidade de desvelamento do significado social da profissão frente à
dinâmica da sociedade brasileira caracterizada por grandes mobilizações e lutas em
prol da (re)democratização e dos direitos políticos, civis e sociais. Este cenário
potencializou a dimensão organizativa da categoria e a aproximação com os
referenciais teórico-metodológicos e ideopolíticos que possibilitam repensar o projeto
profissional e acadêmico do Serviço Social numa perspectiva verdadeiramente crítica
e voltada para os interesses da classe trabalhadora.

O método de análise da realidade social e dos fundamentos da profissão


são fortemente inspirados pela teoria social crítica de Marx, possibilitando a apreensão
“da história a partir das classes sociais e suas lutas, [o que sinaliza] o reconhecimento
da centralidade do trabalho e dos trabalhadores” (IAMAMOTO, 2014, p.615). Nessa
direção a produção intelectual e as discussões sobre o Serviço Social e trabalho
passam a fundamentar-se na Crítica a Economia Política, com foco na teoria marxiana
do valor-trabalho. A publicação do livro “Relações Sociais e Serviço Social” em 1982,
de Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho demarca o estabelecimento da interlocução
da profissão com a teoria social de Marx e inaugura a análise do Serviço Social como
uma especialização do trabalho coletivo inserido na divisão social e técnica do
trabalho, partícipe do processo de produção e reprodução social. Essa perspectiva se
constituiu um marco na redefinição profissional e da historicidade da profissão.

A aproximação com o legado de Marx através de suas fontes originais


permitiu afirmar e fundamentar o caráter contraditório do exercício profissional
permeado pelos interesses e relações sociais entre as classes e destas com o Estado,
e com o conjunto da sociedade (ABESS/CEDEPSS, 1996). A identificação do Serviço
Social com o trabalho intervém na identidade profissional a medida que: 1) implica no
rompimento com a visão assistencialista e voluntarista que atravessa a profissão em
sua gênese e desenvolvimento; 2) a condição de assalariamento e as relações de
trabalho perpassadas pelas injunções do mundo do trabalho na sociabilidade do
capital imprimem o reconhecimento dessa força de trabalho especializada com o
trabalho e os trabalhadores.

Diante dessa contextualização, este artigo possui o objetivo de contribuir


com o debate sobre a fundamentação teórica que preside a leitura do Serviço Social
como trabalho. Para tanto apresenta uma exposição sobre a base teórica na qual se
insere a análise do Serviço Social como expressão particular do trabalho coletivo na
sociedade capitalista. As contribuições de Marx acerca das formas históricas trabalho
concreto e abstrato, e trabalho produtivo e improdutivo, são trazidas para o âmbito da
profissão e embasam a discussão sobre as particularidades do trabalho do assistente
social na contemporaneidade.

Cabe salientar que nos anos 1990 o movimento de revisão curricular


realizado pela profissão aponta que a identificação do Serviço Social com o trabalho
elucida a utilidade social e a natureza da profissão, pois contribui para o
esclarecimento da sua participação na produção e reprodução da vida social. E ao
mesmo tempo revela o assistente social como trabalhador, como sujeito de classe,
condição determinada pela condição de assalariamento. Além de pretender assegurar,
na formação profissional, uma apreensão mais ampla e profunda sobre o trabalho do
assistente social, os seus objetivos e as contradições inerentes ao conteúdo de sua
atividade nos campos de atuação, especialmente nas políticas sociais, espaços
privilegiados de trabalho.

2 APONTAMENTOS TEÓRICOS SOBRE A CATEGORIA TRABALHO EM MARX: A


APROPRIAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL

A análise e conceito de trabalho presente nas Diretrizes Curriculares


(ABESS, 1996; MEC, 1999) para o Curso de Serviço Social, mais precisamente no
Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional reafirma a dimensão ontológica do
trabalho, dada a sua centralidade na constituição do ser social e da sociabilidade
humana, e apresenta o exercício profissional como trabalho embasando-se na teoria
do valor-trabalho de Marx, sobretudo, ao tratar das particularidades adquiridas pelo
trabalho na ordem capitalista.

Assim, o ponto de partida da concepção de trabalho presente no projeto


de formação profissional do Serviço Social é a compreensão de que por meio da ação
e organização do trabalho foram estabelecidas historicamente as condições de
existência e reprodução social dos indivíduos. O trabalho está na base de todas as
sociedades, produzindo valores de uso para satisfação das necessidades humanas e
determinando as formas de interação dos homens com a natureza e dos homens entre
si2. Marx esclarece que a natureza geral, do que ele denomina de trabalho concreto/
útil, enquanto produtor de valores de uso é comum a todo e qualquer período histórico,
portanto, condição natural e eterna da vida humana, sendo antes comum a todas as
suas formas sociais.

O trabalho se configura atividade vital exclusivamente humana, pois o


homem é um ser capaz de pré-idealizar, de projetar os produtos dos quais precisa,
pois os antecipa ao erguê-los na mente, antes mesmo de concretizá-los. Além disso, a
dimensão livre, consciente e predominantemente social, impressa no trabalho
humano, distingue o homem das atividades desempenhadas por outros animais,
lançando-o para além da esfera biológica.

Não obstante, o processo de trabalho, enquanto dinâmica que entrelaça as


capacidades físicas e intelectuais dos homens, caracteriza-se por ser uma relação
mediada e consciente entre sujeito e objeto, requerendo a utilização de meios e a
fixação de objetivos para o alcance de um resultado. Logo, os seus elementos

2
Neste artigo admite-se que a utilização dos termos “homem e/ou homens” relaciona-se aos “homens e
mulheres”.
constitutivos, independente da realidade social existente, são: “ 1 ) a atividade
adequada a um fim, isto é o próprio trabalho; 2) a matéria a que se aplica o trabalho,
o objeto do trabalho; 3) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho” (MARX,
2013, p. 256). Do processo de trabalho resulta a objetivação da força de trabalho
despendida, ou seja, a materialização do próprio trabalho.

Em todas as fases de sua evolução, o homem despendeu energia físico-


intelectual para tornar a natureza consumível, adaptada as suas necessidades. Assim,
organizou e planejou o tempo e a distribuição do trabalho, pois a existência humana
sempre exigiu esforço e dispêndio de força vital. No entanto, na sociabilidade
capitalista as necessidades sociais estão separadas da produção. Nela os homens
passam a se defrontar como produtores privados, formalmente independentes uns dos
outros. O dispêndio físico-intelectual, o tempo e a distribuição do trabalho passam a
ser destinados à valorização do capital e a produção de valores de uso, cujo acesso é
mediado pelo mercado.

Ao ser historicizado e situado na ordem do capital, o trabalho, denominado


por Marx de trabalho concreto, com qualidade distinta, criador de utilidades
indispensáveis à satisfação das necessidades humanas, é subsumido ao caráter
abstrato, isto significa que torna-se igualado (indiferenciado) em seu conteúdo,
abstraído das suas particularidades, e destina-se, essencialmente, a produção de
mercadorias e a criação de valor3. Não importa o caráter útil do trabalho que produz
valor de uso, mas sim a sua propriedade de produtor de valor de troca. O trabalho não
conta “como atividade produtiva que possui valor útil determinado, mas como
substância criadora de valor, como trabalho social em geral, que se objetiva e no qual
unicamente interessa um elemento: a sua quantidade” (MARX, 2013, p. 134).

Portanto, nessas condições, o trabalho constitui-se de um duplo aspecto,


torna-se trabalho concreto e trabalho abstrato. São as relações mercantis e sociais

3
Nessas condições, o trabalho útil só pode cumprir sua função social se tornar-se trabalho abstrato,
trabalho intercambiável por qualquer trabalho.
estabelecidas no capitalismo que determinam a forma histórica específica do trabalho
que cria valor. O trabalho abstrato é, portanto, trabalho despido de suas qualidades, é
trabalho considerado apenas no seu aspecto quantitativo, medido pelo seu tempo de
duração e destinado, essencialmente, a valorização do capital. Não se trata da
qualidade, do conteúdo específico do trabalho, mas apenas de sua quantidade, do
dispêndio da força de trabalho.

O capitalismo, cujo único fim, é a acumulação de capital, estabelece-se


sobre a transformação da força de trabalho em mercadoria. Em seu contexto, as
relações sociais são reduzidas às relações econômicas e a centralidade dessas
relações é atribuída às mercadorias e não aos homens e mulheres que as produzem.
O trabalho passa a ser mediado por contratos estabelecidos entre os possuidores do
dinheiro (dos meios de produção) e a força de trabalho (os trabalhadores). Por isso,
para ter acesso aos meios de produção e poder garantir a sua subsistência, o
trabalhador enquadra-se na relação de compra e venda de sua força de trabalho,
“numa relação mercantil que, nos limites do capitalismo, é considerada legal legítima,
igualitária. [...] cuja dinâmica essencial é a apropriação privada dos produtos
socialmente elaborados” (ARAÚJO, 2008, p.12).

Na esfera da circulação existe uma falsa igualdade entre o trabalhador e o


capitalista, pois ambos apresentam-se como indivíduos livres e iguais possuidores de
mercadorias. Entretanto, ao passarem pelo âmbito da produção (fica clara a relação
de subalternidade a qual é imposta a classe trabalhadora). O trabalhador sai como
entrou, e o capitalista sai proprietário da mais-valia produzida pelo trabalhador durante
o processo de trabalho.

A acumulação do capital sustenta-se na apropriação da mais-valia gerada


através do trabalho excedente (sobretrabalho). O capitalista paga ao trabalhador o
equivalente ao valor da sua força de trabalho e não o valor criado por ela na sua
utilização, sendo este último maior que o primeiro. Deste modo, uma parte equivale ao
valor da própria força de trabalho (salário pago), e a outra parte compõe o valor
excedente ou mais-valia, que será apropriado sobre a forma de lucro.

Outra característica determinante do trabalho no modo de produção


capitalista é a alienação. A ação transformadora do trabalho que promove o salto para
além dos instintos e constrói a existência social do homem, tornar-se fonte de
alienação, estranhamento e de não realização dos homens e mulheres que trabalham.
A alienação do trabalho é própria das sociedades estabelecidas em torno da divisão
social do trabalho e da propriedade privada dos meios de produção. “Sociedades nas
quais o produto da atividade do trabalhador não lhe pertence, nas quais o trabalhador
é expropriado [...] sociedades nas quais existem formas determinadas de exploração
do homem pelo homem” (NETTO & BRAZ, 2006, p. 45).

O processo de alienação do trabalho não se concretiza apenas na perda do


objeto, no produto do trabalho, mas também no próprio ato de produção, que é
consequência da atividade produtiva já alienada. Alienado frente ao produto do seu
trabalho e frente ao próprio ato de produção da vida material, o ser social torna-se um
ser estranho frente a ele mesmo, o homem estranha-se em relação ao próprio homem,
tornando-se estranho em relação ao gênero humano.

Iamamoto (2010) no seu esforço analítico de desvelamento do significado


social da profissão defende que a apreensão do Serviço Social como especialização
do trabalho coletivo e partícipe do processo de produção e reprodução das relações
sociais foi amplamente divulgada nos meios profissional e acadêmico, tornando-se de
domínio público, mas este movimento não foi acompanhado da apropriação das bases
teórico-metodológicas que sustentam tal definição. Segundo a autora a literatura
profissional brasileira (décadas de 80 a 2000), centrou-se de forma predominante na
particularidade do Serviço Social enquanto trabalho concreto, ou seja, “de qualidade
determinada, que satisfaz necessidades sociais” (p. 257).
No entanto, o conteúdo qualitativo do trabalho é insuficiente para decifrar a
natureza do exercício profissional na sociedade capitalista, pois o trabalho do
assistente social concentra uma unidade contraditória, é trabalho concreto (possui
uma utilidade social) e trabalho abstrato, uma vez que seu exercício profissional
especializado se realiza por meio do trabalho assalariado, na relação de compra e
venda de sua força de trabalho, sujeito as determinações da alienação e exploração.
Além disso, o trabalho concreto só pode satisfazer necessidades sociais na medida
em que possa ser trocado por outro tipo de trabalho privado, útil, o que requer abstrair
de sua particularidade e identificar nele algo comum, isto é, o fato de ser dispêndio de
força humana de trabalho, trabalho humano indiferenciado, portanto, inserido na órbita
do valor.

2.1. As categorias trabalho produtivo e trabalho improdutivo em Marx: elementos


para pensar o Serviço Social.

Ao tratar da especificidade histórica do trabalho na sociedade capitalista


Marx ainda nos apresenta o conceito de trabalho produtivo e trabalho improdutivo. Na
seção V, do Livro I de O Capital, o autor afirma que o trabalho produtivo é aquele que
gera mais-valia para o capitalista e cria valor, ou seja, o trabalho que é consumido
diretamente no processo de produção (material e não material), com vistas à
valorização e auto-expansão do capital. (MARX, 1978, p.155).

Fora da esfera da produção material Marx apresenta como exemplo desse


processo a atividade exercida pelo mestre-escola (professor primário). Este é
trabalhador produtivo, pois não se dedica apenas ao desenvolvimento da mente das
crianças, mas também, para enriquecer o empresário dono da escola. O fato de que
este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de uma fábrica
de fazer salsicha, não modifica a situação. O conceito de trabalho produtivo
desenvolvido por Marx comporta os seguintes aspectos:
1) O trabalho produtivo não compreende apenas uma relação entre atividade e
efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação
de produção especificamente social, de origem histórica, que faz do
trabalhador instrumento direto de criar mais-valia; Encerra, antes de tudo, uma
relação social, uma relação que se expressa na troca capital-trabalho que
coloca de um lado o trabalhador produtivo, vendedor de força de trabalho e do
outro o capitalista, comprador dessa força de trabalho; Portanto, o trabalhador
produtivo é o trabalhador assalariado, vendedor de força de trabalho, única
mercadoria de que dispõe para vender e garantir sua subsistência. O
trabalhador produtivo é trabalhador assalariado4 que produz e valoriza capital,
isto, é que produz mais- valia;
2) No capitalismo, não importa a natureza em si da mercadoria, seja ela um bem
para satisfazer necessidades provenientes do estômago ou da fantasia. A
mercadoria pode ser tanto a natureza transformada, como os serviços (as
aulas, as atividades de assistência social), em ambos o capitalista pode obter
lucro e acumular capital. Consequentemente, a fonte da mais-valia pode ser
tanto o trabalho operário (atua sobre a natureza), como o trabalho do
assistente social e do mestre escola (atuam sobre as relações sociais). Estes
produzem mercadorias que podem ser comercializadas por um valor maior do
que o salário pago (LESSA, 2002).

Assim, o capitalista, retira o lucro não apenas do trabalho realizado


diretamente no âmbito da produção, mas também, de uma variedade de profissões
que produzem serviços e que cooperam para o processo de produção e reprodução
social. O reconhecimento do Serviço Social como trabalho está hipotecado ao

4
Como trabalhador assalariado, o trabalhador produtivo integra a chamada classe dos trabalhadores
assalariados ou a classe dos proletários. Mas não podemos esquecer-nos dos trabalhadores assalariados
que estão fora do processo imediato de produção, mas vendem sua força de trabalho aos capitalistas do
comércio e das finanças, por exemplo. Estes são produtivos para o capitalista não por criar mais-valia
diretamente, mas por concorrer para diminuir custos de realização da mais-valia, efetuando trabalho em
parte não-pago (MARX, 1978).
entendimento da origem de várias profissões que na passagem do capitalismo
concorrencial para o capitalismo monopolista tornaram-se quase tão igualmente
necessárias para a continuidade do sistema como o próprio trabalho operário.

O Serviço Social colabora com a manutenção das condições sociais


necessárias à produção e à extração da mais-valia, mesmo, não atuando como os
operários nas fábricas. Não se inseri, predominantemente, nas atividades
desenvolvidas no âmbito da produção material, mas no contexto “referente às
condições e situações de vida da classe trabalhadora, encontra-se integrado ao
processo de criação das condições indispensáveis ao funcionamento da força de
trabalho” (IAMAMOTO, 2010, p. 256).

O Estado, através da gestão e execução dos serviços sociais, se constitui


maior empregador dos assistentes sociais, neste campo seu trabalho caracteriza-se
como improdutivo. O trabalho improdutivo ocorre quando o trabalhador é assalariado
por uma atividade que realiza e desta atividade não se origina valor adicional. O
trabalhador troca seu potencial de trabalho por dinheiro para garantir sua subsistência,
assim troca um valor de uso (sua força de trabalho), sem acrescer mais valor a quem
o contratou. Nas palavras de Marx (1978) “todo trabalho, que é contratado, mas não é
colocado como fator vivo no lugar do valor do capital variável e incorporado no
processo capitalista de produção, o trabalho não é produtivo e o trabalhador não é
trabalhador produtivo” (p.111).

[...] cabem nesta definição os serviços – as políticas – executadas


pelo Estado. O assistente social contratado para desenvolvê-las troca
seu valor de uso – sua força de trabalho – por um salário em troca de
uma atividade que não agrega valor para o Estado, por não cumprir o
objetivo de se transformar em capital visto que se destina ao
consumo individual (GRANEMANN, 2000, p.161).

A participação do assistente social no processo de geração de riqueza se


dá enquanto trabalhador coletivo. No modo de produção capitalista ocorre a
complexificação da capacidade de trabalho socialmente combinada, ou seja, o
trabalho coletivo (MARX, 1978). Sobre esse tema Granemann (1999) esclarece que os
homens ao desenvolverem a tecnologia e suas relações, tornam-se mais distantes do
trabalho imediatamente relacionado com a natureza5. Importa pouco se um trabalho
realizou-se próximo ou distante da matéria de trabalho, ou se se realizou no mesmo
espaço físico ou em diferentes lugares, todos eles contribuíram no processo de
produzir o produto e de construir a riqueza do capitalista. Esses elementos
caracterizam o trabalho coletivo, social, combinado, o qual concentra uma gama de
profissões (especializações) que contribuem para o processo de produção e
reprodução social.

Iamamoto (2009) acrescenta que o Serviço Social tem papel essencial no


processo de reprodução material e social da força de trabalho. Por meio dos serviços
sociais previstos em programas desenvolvidos em diversas áreas (Assistência Social,
Saúde, Educação, Habitação) o Serviço Social interfere na reprodução da força de
trabalho, assim, é socialmente necessário, pois atua sobre questões que dizem
respeito à sobrevivência social e material dos setores majoritários da população
trabalhadora.

O assistente social em seu exercício profissional integra uma profissão


assalariada, e possui a finalidade do seu trabalho convergida ao interesse da entidade
que o emprega. A condição de “trabalhador livre” enquadra o assistente social na
relação de compra e venda da sua força de trabalho especializada, em troca de um
salário e o molda à sua inserção socioinstitucional, nos seguimentos públicos ou
privados. Isto exige o debate sobre as condições nas quais se desenvolve esse
trabalho especializado, por isso, a exigência em analisarmos a intervenção profissional
no âmbito de processos e relações de trabalho.

Ao discorrer sobre a prática do assistente social como trabalho e sua


inserção em processos de trabalho a referida autora recorre a definição marxiana de

5
Apesar do avanço e aprimoramento dos mecanismos de controle e domínio da natureza, os seres
humanos nunca poderão eximir-se da dependência do mundo orgânico, de sua vida natural, pois a
ausência dessa relação findaria a existência humano-social, ou melhor, esta nem seria possível.
que qualquer processo de trabalho implica um objeto sobre o qual incide a ação do
sujeito, ou seja, o próprio trabalho, e requer instrumentos para que possa ser
efetivado. Nestes termos, desenvolve a tese sobre o objeto de intervenção do Serviço
Social, os meios de trabalho e o produto desse trabalho. As reflexões desdobram-se
nas assertivas que apresentam:

1) a questão social como objeto de trabalho do Serviço Social, pois é no contexto


de suas múltiplas refrações que incide a ação profissional do assistente social,
junto à infância e à juventude, ao idoso, a situações de violência intra-familiar,
na luta pela efetivação de direitos6. Tais expressões configuram-se “matéria-
prima” do trabalho do assistente social;
2) a percepção dos seus instrumentos como um conjunto de técnicas (entrevistas,
reuniões, encaminhamentos) amplia-se a envolver o conhecimento no contexto
de suas bases teórico-metodológicas, como um meio de trabalho que oferece a
leitura claro-concreta da realidade e conduz a ação a ser executada;
3) o produto obtido do trabalho do Assistente Social não depende exclusivamente,
da sua vontade ou do seu desempenho individual. Nele materializam-se os fins
das empresas, organizações ou organismos públicos que norteiam a
organização dos processos de trabalho coletivo, nos quais atuam, junto com
outras especializações do trabalho.

Tratar o Serviço Social como trabalho supõe, ainda, privilegiar a produção e


a reprodução da vida social, determinantes na constituição da materialidade e da
subjetividade das classes que vivem do trabalho. A qualificação do Serviço social
como trabalho se vincula ao entendimento sobre quem é a classe trabalhadora na
atual configuração do capitalismo contemporâneo. Para Antunes (2009), seu conceito

6
“A questão social é indissociável da sociabilidade capitalista e envolve uma arena de lutas políticas e
culturais contra as desigualdades socialmente produzidas. Suas expressões condensam múltiplas
desigualdades mediadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais, relações
com o meio ambiente e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no
acesso aos bens da civilização” (IAMAMOTO, 2009, p. 17).
amplia-se, por isso a denomina de “classe-que-vive-do-trabalho”. Essa compreensão
abrangeria todos aqueles que vivem da exploração da sua força de trabalho7. Nas
palavras do autor,

A expressão ‘classe-que-vive-do-trabalho’ [...] tem como primeiro


objetivo conferir validade contemporânea ao conceito marxiano de
classe trabalhadora [...] nossa designação pretende enfatizar o
sentido atual da classe trabalhadora, sua forma de ser. Portanto ao
contrário dos autores que defendem o fim das classes sociais, o fim
da classe trabalhadora, ou até mesmo o fim do trabalho, a expressão
classe-que-vive-do-trabalho pretende dar contemporaneidade e
amplitude ao ser social que trabalha à classe trabalhadora hoje,
aprender sua efetividade sua processualidade e concretude (p. 101).

Portanto, a definição do Serviço Social como trabalho, intervém no


significado sócio-histórico e ideo-político da identidade profissional, à medida que situa
a intervenção do assistente social no contexto da totalidade concreta, da luta de
classes, revelando-o como um trabalhador inserido na divisão social e técnica do
trabalho, que intervém no contexto das inúmeras manifestações da questão social.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas três décadas a profissão vivenciou um processo de renovação


com profícuas redefinições nos campos teórico-metodológicos e ético-políticos,
hauridos da teoria social crítica de Marx, repercutindo no desvelamento das
contradições que caracterizam o trabalho e a formação do assistente social na
sociedade capitalista. Assim, o debate sobre a fundamentação teórica da relação do

7
“A classe trabalhadora hoje exclui, naturalmente, os gestores do capital, seus altos funcionários, que
detém papel de controle no processo de trabalho, de valorização e reprodução do capital no interior das
empresas [...] ou ainda aqueles que, de posse de um capital acumulado, vivem da especulação e dos juros.
Exclui também, em nosso entendimento, os pequenos empresários, a pequena burguesia urbana e rural
proprietária” (ANTUNES, 2009, p. 104).
Serviço Social com o trabalho é um instrumento necessário para fortalecer os
elementos que se constituem inovadores para análise e compreensão da profissão.

Mas também, para dar clareza ao papel e utilidade social dos assistentes
sociais nos espaços sócio-ocupacionais de atuação, sobretudo nas políticas sociais,
campos privilegiados de intervenção. Debater o trabalho no capitalismo
contemporâneo exige que os profissionais tenham o entendimento teórico e conceitual
acerca do trabalho e suas inflexões, para construir uma leitura crítica da realidade na
qual se insere. Para que seja possível estabelecer o compromisso e identificação com
o conjunto dos trabalhadores, o que está na essência do Projeto Ético Político
Profissional.
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