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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO (MESTRADO)
ALUNA: MICHELE F. OLIVEIRA DE C. MENDONÇA
ORIENTADORA: MARIA DE FATIMA C. MARQUES GOMES

POLÍTICA DE HABITAÇÃO E ONGs:


perspectiva para ampliação da
cidadania?

SETEMBRO DE 2006

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Michele Fernanda Oliveira de Carvalho Mendonça

POLÍTICA DE HABITAÇÃO E ONGs: perspectiva para ampliação


da cidadania?

Dissertação de Mestrado do
programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
apresentado como parte dos
requisitos para obtenção do grau
de Mestre em Serviço Social.

Orientadora: Maria de Fatima Cabral Marques Gomes

Rio de Janeiro

Setembro de 2006

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Michele Fernanda Oliveira de C. Mendonça

POLÍTICA DE HABITAÇÃO E ONGs: perspectiva para ampliação


da cidadania?
Dissertação de Mestrado do
programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
apresentado como parte dos
requisitos para obtenção do grau
de Mestre em Serviço Social.

Rio de Janeiro, 22 de setembro de 2006.

Banca Examinadora
__________________________________________________________
Professora Dra. Maria de Fátima Cabral Marques Gomes (Orientadora)
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________________________________
Professor Dr. Yves Lesbaupin (Interno)
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Professora Dra. Ana Isabel de Carvalho Pelegrino (Suplente Interno)


Universi8dade Federal do Rio de Janeiro
__________________________________________________________________
Professora Dra. Maria Helena Tenório de Almeida (Externa)
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
______________________________________________________________
Professor Frederic Monier (Suplente)
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Dedicatória

Dedico o presente trabalho à Deus em primeiro lugar, pois Ele é meu


alicerce, a base em que estão estruturados todos os meus projetos de
vida e, principalmente à minha querida professora e orientadora Fátima
Cabral Marques Gomes pelas palavras de estímulo, pois sem seu
incentivo e sua dedicação eu não teria conseguido concluir mais essa
etapa tão importante da minha vida.

4
Agradecimentos

Agradeço a todas as pessoas que direta e indiretamente me


ajudaram nesta longa, árdua, mas muito prazerosa jornada do período
em que estava cursando mestrado.

Destaco a brilhante orientação da professora Maria de Fátima Cabral


Marques Gomes em todo o processo de elaboração desta dissertação.
Muito obrigada pela sua paciência, dedicação, compromisso e estímulo.
Ao professor Yves Lesbaupin, à professora Ana Izabel de Carvalho
Pelegrino, pelas sugestões acerca do tema, indicações bibliográficas,
pelas dicas preciosas e fundamentais oferecidas durante a defesa do
projeto dessa dissertação. À minha turma pelas reflexões
compartilhadas e pelos momentos de descontração.

Agradeço também à minha família: minha mãe, pela dedicação e


carinho; minha avó Norma pelo incentivo; minha querida filha Evelyn
pela compreensão nos momentos que fomos privadas de passarmos
juntas, mas que mesmo durante as dificuldades esteve sempre ao meu
lado. Ao meu marido Jorge pela paciência, amor e apoio durante todo o
processo de elaboração do trabalho; meus irmãos, tios, tias, primos,
primas pela força. Aos meus sogros por cuidarem da minha filha
durante as idas e vindas às orientações.

Agradeço ainda às minhas amigas do Conselho Tutelar, Aline, Luciana


e Alessandra pelo companheirismo, desabafos, mas também pelos
momentos de descontração.

5
RESUMO

Esse estudo examina o processo de repasse de responsabilidades


do Estado na área social para a sociedade civil na área de
habitação.Analisa-se os princípios que orientam as experiências realizadas
pelo Estado em parceria com a sociedade, isto é em que medida estas
tomam como referência aos direitos de cidadania1 ou são conduzidas
pelas princípios neoliberais. Nesse sentido, destacamos as conseqüências
dessas novas formas de implementação da política de habitação para os
segmentos da população que as utilizam.
Estudamos especificamente o caso do programa de regularização
fundiária na Favela da Rocinha, realizado em parceria do Estado com a
sociedade civil. Desta forma, nosso objetivo é analisar em especial a
experiência do projeto de regularização fundiária implementado pela
Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião em
parceria com o Ministério das Cidades (Programa Papel Passado do
Governo Federal) na favela da Rocinha no Estado do Rio de Janeiro.

1
Marshall (1967) reconstitui a noção de cidadania como uma progressiva superposição de direitos. Estes
direitos podem ser subdivididos em três conjuntos, cuja trajetória observa uma cronologia: os direitos civis e
liberdades individuais (século XVIII); os direitos políticos (século XIX); e os direitos sociais (século XX).
Vale ressaltar que Marshall se refere à Inglaterra e esta tem sido a principal crítica que os estudiosos de
política social fazem ao esquema marshaliano.

6
Resumé

Cette étude examine la procédure de renvoi des responsabilités


de l État dans le secteur social vers la société civile dans le domaine
habitationnel populaire.On analyse les principes orientant les expériences
réalisées par l ´Etat et la société civile,c´est-á-dire dans quelles mesures les
dites expériences prennent conne référence les droits de citoyenneté ou
sont dirigées par les principes néolibéraux .Ainsi,on remarque les
conséquences des nouvelles formes d´application de la politique de
l´habitat dans les couches populaires.
Nous étudions spécialement le cas du programme de
régularisation foncière de la favela Rocinha,réalisé conjointement par
l´Etat et la société civile.Ainsi,notre objectif est d´analyser d´abord
l´expérience du projet de régularisation foncière implanté par la Fondation
du Centre de Défense des Droits Humains Bento Rubião en parcerie avec
le Ministère das Cidades(programme Papel Passado du gouvernement
fédéral) dans la favela Rocinha de Rio de Janeiro.

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SUMÁRIO

Introdução.............................................................................................................06

I-.Brasil e sua evolução histórica frente à questão da habitação .........................14

II- Política Habitacional brasileira e ONGs ...................................................... .29

III- Breve panorama da Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento

Rubião (FBR) ......................................................................................................37

IV- Política Habitacional e Fundiária - a proposta do Ministério das Cidades ..43

V - A Experiência da Fundação Bento Rubião no Programa de Regularização

Fundiária da Rocinha ..........................................................................................66

Conclusões ..........................................................................................................98

Bibliografia ........................................................................................................106

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INTRODUÇÃO

O neoliberalismo traz para a atual conjuntura conseqüências


perversas, tais como: o aumento da concentração de renda e das
disparidades sociais, a redução das políticas sociais e o aumento do
pauperismo e da miséria. Faz parte desse cenário o repasse das funções do
Estado para a sociedade, já que o mesmo tornou-se mínimo para o social e
máximo para o capital (cf. Netto,1993).
É importante estudar tal processo, pois suas conseqüências
perpassam todas as camadas sociais, principalmente as mais
empobrecidas. Com a atual política econômica brasileira, as pessoas
pobres se tornam cada vez mais pobres (situação que se agrava com a
ausência de um Estado forte para assisti-las), e conseqüentemente
aumenta-se o número de “excluídos socialmente2”.
Por outro lado, pensamos que o neoliberalismo pode reforçar
práticas ao excluir parcelas da população pode contribuir para reforçar
práticas de nossa cultura política marcada pelo autoritarismo, pelo
elitismo, pelo clientelismo e pelo paternalismo.
Entendemos que desvendando os verdadeiros mecanismos
produtores das desigualdades sociais, através de estudos, pesquisas, teses
etc, a sociedade poderá ter acesso a informações capazes de contribuir
para uma mobilização em busca da garantia de direitos, através de ações
do Estado no sentido de enfrentar a enorme demanda por políticas sociais
que se torna maior a cada dia.
Este estudo é de suma importância, já que pode possibilitar um
conhecimento maior sobre programas relacionados à habitação que estão
sendo implantados através de parcerias com organizações da sociedade

2
Sobre o debate da exclusão social no Brasil ver: GOMES, PELEGRINO, FERNANDES &
REGINENSI (2006).

9
civil que apresentam novas formas de atendimento às demandas da classe
popular.
Dando continuidade ao estudo que desenvolvemos em nosso
Trabalho de Conclusão de Curso acerca do repasse da responsabilidade
social do Estado – a partir das influências neoliberais -, para a sociedade e
a existência do clientelismo político em organizações sociais que
absorvem estas demandas, achamos importante aprofundar nossa reflexão
sobre esta temática, pois o processo de construção democrática vem sendo
interrompido com a introdução dos ajustes nas políticas sociais vigentes
em nosso país que mascaram os direitos do cidadão. Para Gomes (2002b,
p. 123):“A grande dificuldade na construção de práticas democráticas
encontra-se no fato de que elas esbarram nessa cultura política autoritária”
Por outro lado, Avritzer (1995 apud GOMES, 2002b, 123)
adverte que:

“A persistência de uma cultura política que se mantém ao


longo dos anos sugere a democratização como um processo
mais longo de transformação da cultura política e das relações
Estado/sociedade. Esse autor entende que o problema da
democracia não se reduz somente à questão do funcionamento
adequado das instituições políticas, mas se relaciona também às
práticas do aparelho do Estado e às suas relações com os atores
sociais”.

Neste sentido, diante da percepção das dificuldades que existem


no campo das políticas públicas habitacionais, pretendemos verificar até
que ponto as políticas deste setor executadas pelo Estado em parceria com
a sociedade civil são afetadas por traços , próprios de nossa cultura política
e até que ponto são capazes de contribuir para a ampliação/universalização
dos direitos de cidadania. Pretendemos ainda observar quais são as
conseqüências dessas novas formas de implementação da política de
habitação para os segmentos “beneficiados” por essas políticas.

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Tomamos como objeto empírico as parcerias do Estado com a
sociedade civil que têm se colocado como uma tendência recente na área
da política habitacional. Nosso interesse volta-se especialmente para o
caso do projeto habitacional Direito à Terra que está sendo desenvolvido
na favela da Rocinha com base na parceria entre a Fundação Centro de
Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião e a Pastoral de Favelas da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, com o apoio do Ministério das Cidades
do Governo Federal, através do Programa Papel Passado. O Programa tem
como finalidade a Regularização Fundiária da comunidade supracitada e,
para isto, foi firmada uma parceria com as Associações de Moradores da
Comunidade: a União Pró-Melhoramento dos Moradores da Rocinha –
UPMMR, que contempla os sub-bairros: Rua 199, Vila Vermelha, Rua 1,
Cesário, Pocinho, Marcega, Rua 2, Rua 3, Rua 4, Valão, Roupa Suja,
Boiadeiro, Cidade Nova, Vila Verde, Cachopa, Cachopinha, Dioneira,
Portão Vermelho, entre outros, a Associação de Moradores e Amigos do
Bairro Barcelos – AMABB e a Associação de Moradores da Vila
Laboriaux e Vila Cruzado.
Para Quiroga3 (2000), as parcerias colocaram a possibilidade de
potencializar as políticas públicas, estabelecendo junto com a população
novos padrões de negociação, respeito e preservação de espaços e
interesses coletivos frente aos interesses de cada família. A análise
desenvolvida em relação a essa experiência objetiva examinar as
implicações dessa intervenção em termos de superação dos mecanismos
relativos ao clientelismo como traço recorrente na implementação da
política de habitação e a expansão e garantia dos direitos de cidadania.
No entanto, entendemos que as parcerias se fazem em um
contexto de desresponsabilidade social do Estado, o que, aliás, é uma
3
Quiroga (2000) faz uma análise de uma parceria entre o Programa Habitacional Morar sem Risco da
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, a ONG Viva Rio, a Fundação Bento Rubião e o Instituto C&A
de Desenvolvimento Social, em Rio das Flores e Rio Novo.

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característica marcante do desenvolvimento capitalista brasileiro, já que
este sempre privilegiou os setores mais rentáveis para a economia,
sobretudo pelo fato de estar atrelado aos interesses da classe dominante.
Assim, nosso objetivo é realizar uma análise crítica referente ao
gradual processo de retirada do Estado brasileiro no âmbito da
implementação das políticas sociais, em especial as destinadas à área de
habitação e a conseqüente transferência de suas responsabilidades para as
iniciativas da sociedade civil. Daremos especial atenção à intervenção
social na área de habitação, ou seja, as parcerias realizadas entre Estado e
sociedade civil – ONGs, especialmente a experiência do projeto de
regularização fundiária que vem sendo implementado na favela da
Rocinha, destacando os elementos de ruptura e continuidade da política
habitacional no Brasil que tem sido permeado por práticas autoritárias.
Para dar conta de nossos objetivos utilizamos os seguintes
procedimentos metodológicos: a) Levantamento e análise da literatura
relativa ao nosso objeto de estudo, destacando as temáticas: autoritarismo;
democracia neoliberalismo, política habitacional e ONGs; b)Identificação
e estudo de documentos relativos ao projeto analisado e as instituições
envolvidas na experiência tais como: Ministério das Cidades (Governo
Federal) e a Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento
Rubião; c)Entrevistas semi-estruturadas com profissionais da Fundação
Bento Rubião envolvidos no trabalho, objeto de nosso estudo;
d)Entrevistas semi-estruturadas com os líderes comunitários, isto é os
presidentes das associações dos sub-bairros da Rocinha, envolvidos no
projetoPretendíamos, inicialmente, entrevistar ainda moradores dos sub-
bairros atingidos. No entanto, considerando o tempo exíguo que dispomos
para a pesquisa e os problemas no campo decorrente dos conflitos
verificados na Favela em razão do tráfico de drogas na área, não foi

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possível chegar a mais essa etapa da pesquisa que seria de grande
importância na elucidação de questões postas nesse trabalho.
É importante ressaltar que nosso estudo se faz em uma
perspectiva histórica tendo em vista identificar as inflexões verificadas ao
longo do tempo com relação à questão da habitação.
Assim, nosso tema é discutido a partir de cinco capítulos. O
primeiro, denominado Brasil e sua Evolução Histórica frente à questão da
habitação, compreende um resgate histórico sumário da questão
habitacional no Brasil e, em especial no Rio de Janeiro e suas formas de
enfrentamento ao longo do tempo. No capítulo segundo, ONGs e a Política
Habitacional carioca, discutimos o papel das ONGs e, especialmente, sua
contribuição no contexto da política habitacional brasileira. No terceiro
capítulo, denominado Breve Panorama da Fundação Centro de Defesa dos
Direitos Humanos Bento Rubião, apresentamos de forma resumida a
contribuição dessa ONG com relação à questão habitacional no Rio de
Janeiro, ao mesmo tempo em que procuramos dar conta de suas
especificidades em relação às organizações não governamentais. No
capítulo quarto, intitulado Política Habitacional e Fundiária - a proposta do
Ministério das Cidades, discutimos as propostas do atual governo Federal.
Finalmente, no quinto e último capítulo, analisamos a experiência da
Fundação Bento Rubião na Rocinha no que diz respeito ao programa de
Regularização Fundiária. Ao final do trabalho, a título de conclusão,
tecemos algumas considerações sobre o estudo realizado, visando
identificar até que ponto com o processo de democratização e as novas
políticas na área habitacional podemos dizer que estamos avançando rumo
à conquista da democracia brasileira.
Não temos a pretensão de esgotar esse estudo dado o tempo
limitado que dispomos, mas tentamos oferecer uma contribuição para o

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entendimento dos programas de regularização fundiária desenvolvidos
pelo Governo Federal e a contribuição das ONGs nesse processo.

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CAPÍTULO I

Brasil e sua Evolução Histórica frente à questão da habitação.

As variadas expressões da questão social no Brasil historicamente,


foram atendidas através de ações reguladoras e paternalistas por parte do
Estado, estabelecendo, desde 1930, políticas casuísticas, inoperantes e
fragmentadas, não sendo implementadas como direitos e sim como
benefícios4, tendo como principal função à legitimação do Estado e a
amenização da tensão social marcada pela relação contraditória entre
capital e trabalho, que se dá através da apropriação privada dos bens
socialmente produzidos. “Assim, nosso modelo de proteção social tem
sido questionado por uma série de traços que o configura como
paternalista, clientelista, excluindo a participação da população nos
processos de tomada de decisão, os quais restringem, na prática, os
direitos de cidadania”. (Gomes, 2002 b: p.114).
As intervenções brasileiras na área de habitação surgem no final
do século XIX a partir da preocupação governamental frente ao crescente
problema da urbanização desordenada, concedendo às empresas privadas
incentivos relativos à construção de casas para operários e indivíduos das
classes mais pobres (Turrado, 2002), muitas vezes, no interior das próprias
empresas. Na verdade, essas ações desenvolvidas por empresas privadas
como América Fabril e Bangu, por exemplo, respondiam às necessidades
de disciplinamento e reprodução da força de trabalho. Contudo, nas
primeiras décadas do século passado verificam-se ações nessa área
desenvolvidas pelo Estado.

4
Quando falamos em benefício, fazemos referência a um tipo de relação clientelista, na qual o direito é
concedido como uma dádiva, um favor.

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Sabemos que este período se caracteriza por um rápido processo
de urbanização das cidades e pelo aumento da população urbana, oriunda
do movimento de migração do campo para a cidade fomentado pela
industrialização.
A abolição da escravatura, em 1888, foi também um dos fatores que
contribuiu para o agravamento dos problemas habitacionais daquela época.
Tanto os ex-escravos como os trabalhadores advindos do campo
encontravam, nas cidades em formação, uma situação precária de vida.
Assim, começa a se originar o desequilíbrio entre oferta e demanda no
setor habitacional, a alta dos aluguéis e o surgimento de precárias
habitações coletivas, traços marcantes desse período. Nas cidades as casas
construídas pelas fábricas eram alugadas aos próprios operários, conforme
já nos referimos anteriormente. No entanto, a maior parte da população
ainda não absorvida pelo mercado formal de trabalho estava sujeita a
condições habitacionais sub-humanas. Em nosso país, a industrialização
não foi capaz de universalizar o assalariamento e a potência do conflito
entre capital e trabalho não permitiu a cidadania plena à população como
um todo. Assim, pela falta de uma política de habitação de caráter
universalizante, os segmentos da população mais pobre passaram a
constituir as primeiras favelas na cidade, enquanto outra parte dessa
população passou a habitar em cortiços, em sua maioria situados no centro
da cidade. Conforme observa Gomes:
“A expulsão da população pobre do centro da
cidade, local onde se estabeleceu a maior parte
dos cortiços, levou ao incremento das favelas.
Na realidade os cortiços e as favelas aparecem
como a forma mais viável para o capital de
reproduzir a classe trabalhadora a baixos
custos”. (GOMES, 2005).

16
Essas habitações precárias causavam grande incômodo às classes
dominantes que procuram extingui-las através das intervenções públicas.
A Reforma Pereira Passos, realizada no início do século XX, tinha um
caráter de embelezamento da cidade e de higienização dos espaços
centrais. Foram construídas grandes avenidas no centro da cidade com a
demolição dos cortiços nessas áreas, passando seus moradores a ocupar
novas favelas ou adensar as já existentes.
A emergência da intervenção pública para moradores de favelas
no Rio de Janeiro se deu apenas na década de 40 do século passado. Isto
porque, para as classes dominantes a favela constituía-se em uma anomalia
urbana que devia ser extirpada. Dessa forma, verifica-se um
distanciamento social muito grande entre os ricos (moradores do asfalto) e
os pobres (moradores das favelas). Esse distanciamento foi sendo rompido
através da cultura popular carioca, sobretudo com a música. Contudo, essa
população era marginalizada da sociedade, já que não tinha a garantia dos
direitos civis (a propriedade de sua moradia sobretudo) e direitos políticos
uma vez que a maioria dos moradores das favelas não possuíam direito ao
voto por serem analfabetos. (BURGOS, 1998).
Segundo esse autor, no primeiro governo Vargas a intervenção
na área da habitação nas favelas, pouco se acrescenta. A única política
registrada, até 1933, se destinava aos indivíduos devidamente empregados
e cobertos pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs).
Ainda na década de 30, precisamente em 1937, temos a
aprovação do Código de Obras, analisando com exatidão as favelas,
apontando suas carências e problemas. Por se afastarem da “normalidade”
da cidade, o Código de Obras, opta pela extinção das favelas e remoção
dessas para conjuntos habitacionais. Assim, foram construídas “habitações
proletárias” destinadas à população moradora de favelas. Desta forma, no

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início da década de 40, nasce a partir do Código de Obras os “Parques
Proletários”, que com uma influência sanitarista objetivavam “resolver o
problema das condições insalubres das franjas do Centro da cidade, além
de permitir a conquista de novas áreas para a expansão urbana” (Burgos,
1998:29).

Podemos observar que a atenção destinada às favelas, neste


período, emerge da vontade dos setores dominantes em eliminá-las e não
da mobilização dos seus próprios moradores.
Contudo, os “Parques Proletários” permitiram uma interação
entre Estado e excluídos, que culminou num processo organizativo dos
moradores das favelas, que a partir daí passaram a se preocupar com o
destino que teriam nos parques, já que experimentavam o deslocamento
forçado de sua rede de sociabilidade. Esses moradores constituíram
comissões no morro do Pavão/Pavãozinho e, logo depois, nos morros de
Cantagalo e da Babilônia, em 1945.

Tal iniciativa gerou, nos setores conservadores da sociedade, o


medo da revolta popular, bem como o receio do avanço das idéias
comunistas. Por isso, a Prefeitura do Rio de Janeiro, juntamente com a
Arquidiocese do Rio de Janeiro fizeram uma parceria. Em 1946, foi criada
a Fundação Leão XIII, com o intuito de assistir moral e materialmente os
moradores de favelas. Esta instituição conseguiu implantar em algumas
favelas alguns serviços básicos, como água, esgoto, luz e redes viárias,
para a população numa perspectiva assistencialista.

No entanto, os registros nos indicam que mesmo com esse trabalho


realizado pela Fundação, não foi possível desarticular os habitantes das
favelas com os demais setores organizados da cidade carioca. Com isso, a
partir da década de 50, observamos uma relação mais sólida entre a
“favela e a política”, que exige da Igreja e do Estado maior intervenção

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junto a este setor. Logo, percebemos que a “pedagogia cristã” não permitia
o controle desejado, o que leva a Igreja e o poder público a aprofundar seu
trabalho nessas áreas. A Cruzada São Sebastião, fundada pela Igreja em
1955, e o Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-
higiênicas (SERFHA), criado pela Prefeitura em 1956, buscam o controle
político, mas reconhecendo uma pauta mínima de direitos relativos à infra-
estrutura. Até 1960, o SERFHA limitou-se a apoiar tanto as ações da Leão
XIII quanto as da Cruzada.
A Cruzada, por sua vez, realizou melhorias nos serviços
básicos em 12 favelas e urbanizou parcialmente a favela de Morro Azul, e
completamente a favela Parque Alegria, criando também um conjunto
habitacional - que ficou conhecido como Cruzada – pioneiro na
experiência de alojamento de moradores nas proximidades da área que
habitavam (BURGOS, 1998).

A Fundação Leão XIII diferenciava-se da Cruzada pelo fato de


que a primeira buscava influir nas associações de moradores e no controle
da população, enquanto a Cruzada, em alguns momentos, se posicionava
como interlocutor dos moradores junto ao Estado5.

Em 1957 os moradores das favelas, com o aprofundamento de


sua organização, criaram uma entidade autônoma para negociar seus
interesses: a Coligação dos Trabalhadores Favelados do Distrito Federal.
Esta Coligação foi fundada com o objetivo de lutar por melhores
condições de vida para seus habitantes, "através do desenvolvimento de
um trabalho comunitário" (Fortuna & Fortuna, 1974:104), contribuindo
para uma identidade coletiva desta categoria que não participava da luta
operária por estarem inseridos no mercado informal de trabalho.

5
Ver Valadares (1978)

19
Este fato demonstra que o discurso religioso e a atuação
assistencialista do Estado não asseguravam o controle político como se
esperava, precisando levar a negociação para o campo político dentro
dos governos. Desta forma, no final dos anos 50, a Igreja começa a ser
criticada por seu viés assistencialista e paternalista e é também acusada
de desperdiçar dinheiro público sem dar soluções ao problema.

A primeira proposta do poder público foi a revitalização do


SERFHA, entre 1961 e 1962, que deveria estimular a criação de
associações de moradores onde ainda não houvesse, no intuito de
"capacitar o morador como tal a ganhar certa independência para tratar
com as autoridades estatais em vez de ter de depender de favores
políticos" (Leeds & Leeds, apud Burgos, 1998. p. 31).

Mas a aparência democrática desta proposta era, na verdade,


uma permanência da tentativa de subordinar politicamente os
moradores, só que neste momento pelas mãos do Estado, ao invés da
Igreja. Através de acordos assinados entre as associações e o SERFHA,
buscava-se cooptar as lideranças, controlando politicamente as
associações e, como contrapartida, o Estado comprometia-se a realizar
serviços de infra-estrutura.

Mas o SERFHA não durou muito tempo devido às alterações


dos planos após a eleição de um novo governo no Estado. Em seu lugar
foi criada a Companhia de Habitação Popular (COHAB) que deveria
realizar uma nova política habitacional, baseada na construção de
unidades residenciais para as famílias de baixa renda.

Devido à crescente organização dos moradores de favelas, em


1963, fundava-se a Federação da Associação de Favelas do Estado da
Guanabara (FAFEG) que possuía forte capacidade de articulação
política. O Estado também procura mecanismos para exercer uma

20
vigilância mais estreita da vida política nas favelas e para seu controle
político.

Aproveitando-se da experiência acumulada pela Leão XIII, o


Estado a revitaliza e a coloca a seu serviço, dando-lhe como
incumbência, dentre outras, o reconhecimento oficial da existência das
associações, devendo também designar uma comissão para coordenar e
fiscalizar as eleições de suas diretorias, tutelando os processos
decisórios destas.

Neste período o governo trabalhava tanto com a perspectiva da


urbanização quanto da remoção:

"De um lado, construiu, entre 1962 e 1965, com


financiamento norte-americano (do USAID), a
Cidade de Deus e as vilas Kennedy, Aliança e
Esperança; de outro lado, urbaniza algumas
poucas favelas” (Leeds & Leeds, apud Burgos,
1998:34/34).

Na década de 60, destacamos o Regime Militar como um dos


maiores obstáculos à resolução do “problema” favela, pois findou com o
debate da busca pela democracia brasileira, que se consolidava através das
organizações de favelas que emergiram nos anos 50 e início de 60 no Rio
de Janeiro. Durante os vários Governos do período supracitado, o Estado
continuou a estabelecer relações do tipo clientelista com a população,
através da criação de políticas sociais que objetivavam dar ao indivíduo
condições que o possibilitasse contribuir para o desenvolvimento da
produção industrial.

21
No período da ditadura militar pós-64, a classe dominante usou
como estratégia para conquista da hegemonia, o reforço das relações
clientelistas. Com a suspensão dos direitos políticos, o governo recorria à
relações baseadas no favor e na troca de votos.
Nesse momento, os direitos sociais foram ampliados e utilizados
como forma de conquista de amplas bases de apoio do governo militar,
evitando e novamente ocultando conflitos. O paternalismo e o clientelismo
continuavam presentes como meio de regulação social.
Ainda nesse contexto verifica-se que o trabalho de remoção de
favelas aumenta, pois o morador dessas áreas carregava o estigma de
marginal, delinqüente, invasores etc., portanto, não possuíam a cidadania
garantida aos habitantes da “cidade formal”.
Na segunda metade da década de 60, com a Coordenação da
Habitação de Interesse de Classe (CHISAM) o poder público intensifica o
programa de remoção para garantir a eliminação das favelas do Rio de
Janeiro, removendo sua população para lugares afastados do perímetro
urbano, ao invés de implantar um programa de melhoria/urbanização
nessas favelas. Os programas de remoção de favelas atendiam a interesses
econômicos – os lotes desocupados nas áreas mais valorizadas da cidade
dariam lugar a iniciativas do capital imobiliário com construção de
edifícios, hotéis entre outros (Bastos & Gomes, 1994).
A companhia de Habitação Popular - COHAB, com recursos
do Banco Nacional da Habitação (BNH), foi encarregada pela execução
de um programa maciço para construção de conjuntos habitacionais
para serem ocupados pela população removida das favelas.

A remoção de favelas para conjuntos habitacionais construídos


em áreas distantes, com precariedade de oferta de empregos e de
transportes, com baixa qualidade nas casas oferecidas, e também devido
à perda dos laços de sociabilidade desenvolvidos na favela, fazia com

22
que esta iniciativa fosse alvo de forte resistência dos seus moradores.
Além disso, a inadimplência dos moradores levou o fracasso dessa
experiência. Verificava-se a venda das casas dos conjuntos
habitacionais construídos, por parte dos seus mutuários, que retornavam
para favelas em outros locais ocorrendo, assim, um processo de
refavelização na cidade.

O fracasso do programa também se deveu ao deslocamento dos


investimentos do BNH, que passou a privilegiar projetos para as classes
média e alta, sobrando relativamente pouco para a "aventura
remocionista".

Um aspecto em que o governo saiu vitorioso foi em relação à


desmobilização dos favelados e de suas organizações políticas, devido à
repressão.

Essa desmobilização da população favelada atingida durante a


ditadura militar se refletiu no período de redemocratização. Segundo
Burgos (1998), esse reflexo se verificou pela apatia política que se instaura
após o período militar para esta população, dando espaço para o
ressentimento e clientelismo:

O desinteresse com relação à política e a substituição da luta


por direitos pela disputa por pequenos favores vão somar-se a uma
quase completa ausência de políticas públicas mais amplas voltadas
para as favelas neste período. Esse clientelismo, como mencionamos
anteriormente é o traço persistente em nossa política social.

Havia um vácuo na política de habitação para as favelas, mas


quando voltou a ser pensada através do PROMORAR6 (que foi criado

6
Programa de Erradicação da Sub-Habitação. O PROMORAR começou a realizar o que hoje
conhecemos por "urbanização de favelas", deixando de remover os moradores dessas localidades.

23
pelo BNH em 1979, ainda sob o regime militar) optou-se pela via da
urbanização, garantindo o título de propriedade aos moradores.

Com a abertura política verificada ao final do Regime Militar se


realizam grandes conquistas para a sociedade, pois o Estado se torna mais
democrático, descentralizando a gestão dos recursos e incorporando a
participação popular. Neste contexto, nasce o Movimento Nacional pela
Reforma Urbana (MRU), que tinha como objetivo promover o debate
constitucional acerca dos itens relacionados: gestão municipal;
planejamento e política urbana. Este movimento teve como
responsabilidade organizar a emenda popular que visava à formulação de
princípios e instrumentos de planejamento e administração inovadores
para as cidades.
No Rio de Janeiro, após a promulgação da Constituição de 1988,
verificam-se mudanças no que diz respeito às políticas públicas para as
favelas a partir das orientações contidas no Plano Diretor que incorpora
esses espaços como parte da cidade, ao contrário do que era estabelecido
no Código de Obras de 1937 que não concebia a favela integrada ao tecido
urbano e, portanto, desconsiderava os direitos dos favelados e
especialmente o direito à moradia. Assim, em 1993, por sugestão do
Grupo Executivo de Assentados Populares (GEAP), foi criado o Favela-
Bairro com o objetivo de urbanizar as favelas da cidade e eliminar as
fronteiras que as separam da cidade formal. Nesses termos a urbanização
prevista no Programa Favela Bairro asseguraria o direito de moradia dos
favelados colocando em outras bases o “clientelismo político” que
prevalecia até então no país caracterizado pela relação de troca e de
favores políticos por recursos materiais e outros benefícios econômicos.
Essas práticas clientelistas estão disseminadas em todos os
setores de nossa sociedade. Martins (1999) exemplifica a disseminação
das práticas clientelistas e patrimonialistas da política brasileira para

24
setores da sociedade através do relato de casos de altos oficiais militares
que são contratados por empresas civis, durante o Regime Militar, após a
respectiva aposentadoria, devido não somente a qualificação profissional,
mas sim em função de suas relações privilegiadas e fáceis com amplos
setores do governo.
Mesmo após a Constituição de 88, que universalizou os direitos de
cidadania o clientelismo permanece como uma prática comum dos
políticos brasileiros fazendo uso de recursos públicos como se fossem
bens privados.
Além disso, com a ofensiva neoliberal, fomentada pelas agências
multilaterais de desenvolvimento, tais como o Banco Mundial, o Banco
Interamericano de Desenvolvimento e o FMI, ocorre uma mudança com
relação à responsabilidade social do Estado restringindo os direitos de
cidadania conquistados em 1988.
Podemos destacar como características da ideologia neoliberal, a
redução da intervenção estatal no social deixando maior liberdade ao
mercado, dando ênfase à auto-regulamentação; a liberdade para a
movimentação dos capitais privados e dos indivíduos7; o individualismo
como um valor fundamental; a transformação do Estado em um Estado
Mínimo, diminuído, conforme Draibe (1993:89), em seu tamanho, papéis
e funções, entendendo o mercado como um eficiente mecanismo de
alocação de recursos; privatizando bancos estatais e de desenvolvimento,
bem como empresas estatais, que se encontram indissoluvelmente
articuladas à renegociação da dívida externa do país.
Segundo Kameyama (1997) o ajuste ‘neocolonial’, no Brasil
caracteriza-se pela abertura comercial e pelo processo de privatização,
desregulamentação e flexibilização das relações trabalhistas, austeridade

7
De acordo com Asa Laurell, “liberdade individual é o controle de cada um sobre sua conduta e destino,
com mínima coerção de outros” (1997:80).

25
dos gastos públicos e reestruturação das políticas sociais. Neste contexto, a
“questão social” apresenta novas expressões, como por exemplo: o
desemprego, a precarização e flexibilização do trabalho, decorrentes da
substituição do trabalho vivo — força humana — pelo trabalho morto —
tecnologia — conforme necessidades e interesses do processo produtivo.
De acordo com Martins, a desigualdade social não é mais
configurada pela diferenciação entre ricos e pobres pura e simplesmente,
mas sim por uma nova divisão, o que ele chama de “duas humanidades”:
de um lado, trabalhadores inseridos no mercado de trabalho formal, com
seus direitos reconhecidos e assegurados por lei e de outro, a
subumanidade, composta por pessoas inseridas no trabalho precário,
“trambique”, “biscate”, entre outros (1997:35).
Logo, percebemos o acelerado agravamento da questão social
e o conseqüente aumento da demanda por serviços sociais de qualidade,
enquanto o Estado mostra-se “incapaz” de atendê-la de forma eficaz,
inviabilizando o acesso às garantias de saúde, educação, lazer, habitação
etc.
Nesse sentido, a habitação enquanto uma forma particular de
política pública, destinada a promover bens e serviços sociais básicos aos
estratos mais pobres da população, passa a ser executada a partir de ações
strictu sensu, ou seja, ações que reduzem os projetos de urbanização a
intervenções físicas e urbanísticas sem o necessário acompanhamento
social. Este processo se verifica na implementação do Favela-Bairro em
que os programas relativos à assistência, acompanhamento social, geração
de emprego e renda foram colocados de lado (Gomes 2002).
O Estado orientado pelo projeto neoliberal assume como estratégia
a focalização do atendimento à apenas uma parte da população – os
setores mais pauperizados – já que os recursos sociais oferecidos são

26
escassos, não sendo capazes de atender a enorme e crescente demanda por
bens e serviços8.
Esta forma de assistência, baseada na noção de pobreza absoluta,
acaba por reproduzir a desigualdade social, na medida em que suas ações
estão voltadas somente para pessoas que comprovem, através de um
“atestado de pobreza”, a incapacidade e impossibilidade de satisfação de
suas necessidades básicas.
O novo cenário social, caracterizado por profundas modificações
no âmbito do Estado (produto das reformas neoliberais), que refletem
diretamente nas políticas sociais e especialmente na política habitacional,
o agravamento das condições sociais da sociedade brasileira, possibilita o
crescimento do conjunto de organizações e iniciativas privadas, tais como,
igrejas, associações de moradores, centros sociais políticos, ONGs, etc,
que visam à produção de bens e serviços públicos x parcerias na área de
habitação.
Assim, os avanços contidos na Constituição de 1988 são
atropelados por imposições ao nível internacional. A partir das requisições
da dinâmica capitalista no atual momento, os governos adotam novas
posturas para elevar a lucratividade em todos os âmbitos da vida social.
Uma destas mudanças de abordagem verifica-se na formulação e
implementação da política urbana. Conforme observa Harvey (1996),
observa-se uma transição do gerenciamento, típico dos anos 60, para o
empresariamento urbano, a partir dos anos 70 e 80.
O empresariamento urbano e a competição interurbana devem ser
compreendidos como fenômenos relacionados à recessão econômica dos

8
É importante ter em mente que o governo utiliza esse discurso para justificar a má qualidade e
abrangência das políticas sociais. Sabemos que os recursos não são escassos, o que ocorre é a falta de
interesse no investimento nas políticas sociais para estes setores da população, por não representarem
fonte geradora de lucro.

27
anos 70 e da globalização da economia – que reduz as distâncias entre as
cidades e instigam sua competitividade.
A ONU (Organização das Nações Unidas) tem se colocado com
um agente importante no sentido de assegurar essas novas orientações no
que diz respeito às novas formas de gestão urbana ou o empresariamento
urbano, nos termos de Harvey, bem como na elaboração de novas políticas
urbanas condizentes com o contexto neoliberal. Essa instituição, a partir
de 1990, adota a realização de conferências como estratégia para o
enfrentamento dos problemas internacionais econômicos e sociais,
estabelecendo programas e planos de ação que direcionem atuações em
diferentes áreas, redefinindo formas e cooperação entre os países,
contribuindo para a formação de um consenso em relação às diferentes
políticas públicas (Saule Jr & Rolnik, 1997).

A Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos


Humanos, a Habitat II9 – realizada em Istambul no ano de 1996 – teve
como principal objetivo “adotar uma agenda, denominada Agenda Habitat,
que estabelece um conjunto de princípios, metas, compromissos e um
plano global de ação, visando orientar, nas duas primeiras décadas do
próximo século, os esforços nacionais e internacionais no campo da
melhoria dos assentamentos humanos”. (Saule Jr & Rolnik, 1997:14).

Essa Agenda propõe um novo papel dos poderes locais


(propondo a descentralização da política urbana), a ênfase na questão das
parcerias e participação (associando-as) para realização dos compromissos
assumidos, o reconhecimento do direito à moradia como um direito
humano – e como dever do Estado, mas não de forma exclusiva e
monopólica, mas através de mobilizações e parcerias – e um novo enfoque
para o tema das infra-estruturas urbanas, influenciado pela perspectiva

9
A primeira Conferência, a Habitat I, foi realizada em 1976, em Vancouver,

28
ambiental de desenvolvimento sustentável. No entanto, conforme observa
Gomes (2005), no contexto neoliberal essa descentralização tem se
reduzido ao repasse dos encargos do governo federal para o governo local
que passa a assumir o peso da crise. Por outro lado, paulatinamente, a
responsabilidade exclusiva por políticas sociais e urbanas tem sido retirada
do Estado, passando a ser implementadas através de parcerias com o setor
privado.
Na prática, verifica-se uma subordinação dos interesses públicos
aos interesses privados pela privatização e esvaziamento do Estado.
Assim, o recurso à parceria público/privada transforma-se, pela
incapacidade do Estado em garantir os interesses públicos e pela da falta
de mecanismos que incorporem a participação popular, em supremacia dos
interesses privados. Já que o recurso à participação é apenas buscado para
instrumentalizar a implementação dos programas habitacionais.

O impacto da crise econômica no final dos anos 80 potencializou


o movimento de favelização, conforme já nos referimos anteriormente, fato
que ganhou destaque na agenda pública como um dos principais problemas
a ser enfrentado. Mas a intervenção em favelas tem se associado a uma
estratégia de marketing urbano, que é um fenômeno mundial. O processo de
globalização da economia e a busca crescente pelo lucro se refletem nas
políticas das cidades, especialmente num momento onde a concorrência
urbana é tão imperativa.

Segundo esta lógica, as cidades devem investir em sua imagem,


homogeneizando seus espaços e tornando-as atraentes aos investimentos
estrangeiros e ao turismo, configurando uma verdadeira concorrência
urbana entre as cidades dos mais variados países.

As políticas criadas neste momento procuram formalizar os


territórios informais, transformando-as em um mercado fundiário-

29
imobiliário controlado pelo poder público, através dos programas de
urbanização e de regularização fundiária. Procuram ainda conter o processo
de densificação destas áreas aplicando um controle urbanístico. Como
exemplos destas políticas ao nível municipal temos o projeto Cingapura, em
São Paulo, e o Favela-Bairro, no Rio de Janeiro. Ao nível Federal destaca-se
o programa de Regularização Fundiária elaborado pelo Ministério das
Cidades. Na realidade, esses programas que visam o controle e expansão de
favelas não têm atingido seus objetivos, já que observa-se não apenas o
crescimento do número de favelas como o adensamento das já existentes.
(TACHNER, 1996).

Embora estas experiências tenham sido criadas para substituir as


formas excludentes de intervenção no espaço urbano, não apontam de forma
definitiva para a garantia de acesso universal à terra urbana, de forma a
superar as enormes desigualdades de acesso à moradia e infra-estrutura
urbana nas cidades latino-americanas (ABRAMO, 2001).

A solução desta questão se torna mais difícil devido ao retraimento


da intervenção do Estado, através de políticas sociais, que priorizem os
interesses da população, pois as orientações neoliberais reduzem suas ações
na esfera social, mas ampliam essas ações em relação ao capital, fazendo
que o Estado intervenha sempre em favor deste.

Ainda que a grande parte das ONGs no Brasil tenham sido o


resultado da institucionalização de movimentos sociais que se fortaleceram
no processo de redemocratização, com o neoliberalismo acabam surgindo
um conjunto de ONGs e programas governamentais que se efetivam com
parcerias entre Estado e sociedade civil na área de habitação. Cabe
indagarmos se estes programas são orientados com referência aos direitos de
cidadania e universalidade, pois a trajetória brasileira nesse sentido é

30
permeada por uma cultura política marcada pelo paternalismo e pelo
clientelismo.

31
CAPÍTULO II
A Política Habitacional Brasileira e ONGs

O conceito de habitat vai além da questão da moradia


enquanto espaço físico de abrigo. Engloba, por outro lado, as
necessidades relacionadas ao saneamento básico, saúde, educação,
entre outros.
A moradia, segundo Abramo (2001) é uma mercadoria que
reúne além do seu valor, o valor da terra urbana.
Podemos dizer assim, que a infra-estrutura urbana encarece o
valor da moradia, ou seja, quanto mais equipado o espaço urbano,
mais valorizado é o metro quadrado da terra.
A maioria da população brasileira estabelece sua moradia nas
regiões da cidade deficitárias em equipamentos de infra-estrutura.
Logo, percebemos que os setores populares são carentes de serviços
habitacionais.
A partir da inclusão do direito à moradia adequada na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo XXV), em 1948,
a comunidade internacional passou a reconhecer e aceitar o tema. Em
1976, a Declaração de Vancouver – fruto da Primeira Conferência das
Nações Unidas Sobre Assentamentos Humanos – endossa o conceito
de moradia adequada e os serviços como um direito básico humano.
Na década de 90, a Organização das Nações Unidas (ONU) apresenta
como estratégia para enfrentar os problemas internacionais
econômicos e sociais, a efetivação de conferências que abordam
temas globais em ascensão. Em 1996, a Conferência Habitat II,
realizada em Istambul, resultou na “Agenda Habitat”. Esta foi
assinada por todos os Estados participantes e objetivou orientar a

32
formulação das ações governamentais e não governamentais no
enfrentamento das questões de moradia.
Na Conferência realizada em Nova York em 2001 (Istambul
+5) foram apontados os temas: “urbanização das favelas,
regularização de assentamentos informais e promoção do
desenvolvimento sustentável”. De acordo com a proposta aprovada
nessa conferência, o poder local é apresentado como protagonista na
função de garantir, através do processo de descentralização, habitação
digna para todos, assim como, viabilizar o desenvolvimento de
assentamentos humanos sob a lógica do desenvolvimento sustentável
– interdependência entre as questões ambiental, social e econômica.
O poder local é também responsável pela garantia da participação das
comunidades na resolução das políticas, dos programas sociais e,
principalmente, na manutenção dos recursos da cidade, ou seja, seu
real destino. Vale destacar, que a lógica neoliberal dificulta esse
processo, à medida que, equipara a descentralização a um mero
repasse dos encargos do governo central para o governo local sem
levar em conta as especificidades de cada região com suas
dificuldades orçamentárias.
A parceria é uma questão importante apontada pela agenda
Habitat, pois preconiza o enfrentamento das questões urbanas a partir
da mobilização dos variados setores da sociedade civil, descartando o
monopólio do Estado. O objetivo da elaboração de parcerias consiste
em garantir a universalização do direito à habitação a todo cidadão e
o desenvolvimento de assentamentos humanos sustentáveis. Mas o
que nos apresentam, a partir do enfoque neoliberal, é a subtração do
Estado em relação a sua inerente responsabilidade sobre as políticas
sociais e urbanas, delegando grande parte dessa responsabilidade ao
setor privado.

33
Na realidade, constata-se através da privatização e do
esvaziamento do Estado à supremacia dos interesses privados sobre
os interesses públicos. Por outro lado, a proposta de parcerias com
organizações Não Governamentais em empreendimentos
habitacionais é de suma importância, à medida que, possa criar
possibilidades ao acesso à moradia da população de baixa renda.
Contudo, é importante frisar a necessidade de priorizar os interesses
públicos em relação aos interesses do grande capital.
A história nos aponta que no Brasil as Constituições nunca
se preocuparam com uma definição mais incisiva em relação à
política urbana, sendo a Constituição de 1988 pioneira nesse aspecto.
No entanto, é necessário garantir que a aprovação de mais um direito
do cidadão brasileiro seja efetivada e não fique apenas no papel como
observamos até hoje. Para que possamos mudar esse quadro de
descaso com a população, a sociedade precisa se organizar para
exercer sua cidadania de forma plena.
O predomínio da expressão Organizações Não
Governamentais (ONGs) vem da Europa Continental. Foram
denominadas assim, as organizações internacionais que não
representam o governo mais possuem um papel importante na
sociedade como um todo, fato que balizou a inserção dessas
organizações na ONU. Nesse capítulo, levantaremos elementos para
conhecer minimamente o papel das Organizações Não
Governamentais na sociedade brasileira.
Sabemos que a expressão ONG tem origem internacional.
Contudo, ao nos remetermos ao termo temos que levar em
consideração nossas relações e especificidades sociais. Como é
sabido, historicamente, a conformação social do Brasil se deu através
do Estado, um Estado autoritário, de cunho corporativista e

34
patrimonialista10, que contribuiu para a formação de uma sociedade
altamente subordinada e com pouca expressão política. Segundo
Gomes (2002 b, p. 120):
“Essa tradição patrimonial de modo pessoal está
estreitamente relacionada com a política do favor e as massas pobres,
tradicionalmente privadas do usufruto de seus direitos, integram-se
completamente a essa política: seu acesso a qualquer tipo de proteção
social passa, via de regra pelo viés do favorecimento”.

As organizações voluntárias ou sem fins lucrativos criadas até


os finais do século XIX, no âmbito da assistência social, da educação,
saúde, etc. eram constituídas pela Igreja católica e pelo Estado. No
decorrer dos anos 30, período de crescimento do Estado, percebemos
a ampliação da prestação de seus serviços nas áreas de educação,
cultura e saúde. Nos anos subseqüentes um “processo autoritário e
centralizador, caracterizado por políticas de bem-estar fragmentadas e
excludentes, não deixou de reservar um lugar para um conjunto de
organizações sem fins lucrativos, mesmo que isso não fosse
formulado em termos de uma política clara” (LANDIM, 2002). Nesse
período tais entidades foram responsáveis por prestarem seus serviços
para um numeroso contingente da população carente que não foram
incluídas como objetos das políticas sociais.
Assim, não podemos analisar as políticas sociais brasileiras
sem levarmos em consideração às organizações sem fins lucrativos,
sem mencionarmos as características da cultura política tradicional do
nosso país, em que encontramos traços fortes do clientelismo, do
corporativismo, do favorecimento do privado em detrimento do
público, entre outros.
No Brasil as ONGs são associadas a diversos tipos de
movimentos ou grupos específicos: dos portadores de HIV, de negros,

10
Ver a esse respeito: GOMES, M. F.C. M. (2002b).

35
de mulheres, meio ambiente, criança e adolescente, habitação, etc.
Distinguem-se desta forma, das organizações ligadas a
representatividade tais como: sindicatos, associações de moradores ou
profissionais, organizações filantrópicas, devido à finalidade de suas
práticas e objetivos.
A partir da década de 1970 – ainda durante o regime militar –
a participação das ONGs começou a se intensificar. O regime
autoritário divide espaço na sociedade brasileira com a modernização
do Estado e com a emergência de uma sociedade mais organizada que
objetivava independência/autonomia em relação ao Estado. Desta
forma, as ONGs emergem no cenário social como reflexos de uma
sociedade civil organizada contra as práticas repressoras do Estado e
imbuída na construção de sua autonomia frente a esse Estado
autoritário. Assim, em meados dos anos de 1970 passam por um
período de consolidação e fortalecimento. As décadas de 80 e 90 do
século passado correspondem à efetiva progressão desse crescimento.
Sua gênese se deu, sobretudo a partir de pessoas ligadas a
entidades referentes à “educação de base”, “educação popular” ou de
“promoção social”. Estas eram apoiadas por uma organização
internacional que atuava no país, há vários anos, patrocinando
projetos sociais. Fernandes (2002) acrescenta que a emergência das
ONGs foi influenciada ainda pelo interesse das agências de
cooperação internacional em fixar mediadores locais que tivessem o
desejo e a competência em formular e acompanhar projetos sociais e,
o mais importante de tudo nessa relação seria a capacidade em prestar
contas.
O Terceiro Setor é aquele que congrega as organizações que,
embora prestem serviços públicos, produzem e comercializam bens e
serviços, não são estatais, tão pouco visam lucro financeiro com os

36
empreendimentos efetivados, estando incluídas aqui, portanto, as
associações, sociedades sem fins lucrativos e fundações.
Apesar do sentido ser o mesmo para os termos Terceiro Setor
ou ONGs, a última denominação tem sido mais vinculada às
organizações que tenham suas finalidades direcionadas à questões
que atingem à coletividade (meio ambiente, habitação, etc.). Logo,
percebemos a participação dos indivíduos, de forma espontânea e
voluntária, em ações que visam ao interesse comum. As ONGs,
caracterizadas como forma de atuação da sociedade civil contemplam
uma nova dinâmica de exercício da democracia, verificada no
cotidiano.
Possuem características que, segundo o autor a cima referido,
refletem a idéia do “privado com funções públicas”, ou seja, são
organizações privadas, mas não têm fins lucrativos. Contudo, mesmo
sendo denominadas como instituições não governamentais seus
objetivos, ou melhor, suas atividades fim expressam características do
serviço público. “Diferem quanto à escala, naturalmente, pois as
ONGs são, se comparadas ao Estado, microorganizações. Mas
coincidem em diversos aspectos quanto à natureza dos serviços”
(Fernandes, 2002:65). Não representam terceiros, apenas podem falar
em nome próprio. Por outro lado, para pautar suas decisões, não estão
presas ao contexto político presente nos sistemas de representação
contidos nas instituições públicas. Considerando seu caráter privado,
tais instituições podem estabelecer-se a partir das demandas
existentes em nossa sociedade sem se preocuparem com sua
legitimidade, pois sua valoração e/ou reconhecimento pelo trabalho
desenvolvido é conseqüência dos resultados dos seus serviços
prestados. Desta forma, verifica-se que a oferta de atividades de
“interesse público” pode ser viabilizada fora do âmbito

37
governamental, caracterizando o que Fernandes (2002) ressalta como
a livre iniciativa.
Em suma, são iniciativas privadas que não visam ao lucro,
por outro lado, são iniciativas realizadas no âmbito público que não
são implementadas pelo Estado.
O campo religioso também teve influência na criação das
ONGs, tanto o âmbito católico como o protestante apoiava o
desenvolvimento de novos programas e projetos, organizando
encontros e a criação de organismos de apoio. A partir da
organização/qualificação das ONGs em relação às ações direcionadas
as questões assistenciais ou comunitárias, estas passam a ter relativa,
mas progressiva autonomia em relação ao Estado, contudo, mais
próximas da sociedade. Apesar de conter bases religiosas os “centros”
foram, com o decorrer do tempo, cortando os laços com a Igreja – não
totalmente, tampouco radicalmente – para não se tornarem
organizações religiosas, mas sim, organizações com propósitos
referentes à classe popular.
Foi na década de 1970 que as ONGs voltadas ao Habitat
Popular tiveram origem, suas metas buscavam autonomia em relação
ao Estado, oposição política, gestão de uma nova sociedade
organizada. Já no início da década de 1980, percebemos a
consolidação de um número expressivo de organizações, com sujeitos
sociais vinculados à arena marxista, que reforçam o crescimento do
campo dos então chamados “centros”. A incorporação da
nomenclatura ONGs apenas se fez presente em meados da referida
década, mais precisamente no ano de 1986 e oficialmente declarado
no “Encontro Nacional de Centros de Promoção Brasileiros”,
realizado na cidade do Rio de Janeiro. O reconhecimento e a
visibilidade das agora chamadas ONGs não aconteceu de uma hora

38
para outra. Foi um esforço conjunto de grupos de agentes sociais e
entidades que trabalharam para seu reconhecimento e a construção de
uma identidade que percorreu toda a década de 1980.

“São disputas de significado colocadas como


questão importante particularmente para o campo
delimitado por uma associação como a Associação
Brasileira de Organizações Não Governamentais
(ABONG), que abriga organizações ‘pioneiras’ na
adoção tanto do nome quanto das práticas e
relações sociais que lhe deram a base objetiva de
referência” (Landim, 2002: 19).

O processo de democratização da sociedade brasileira transforma


o contexto social e político, acarretando conseqüentemente no interior das
ONGs mutações igualmente significativas. Nesse sentido, seus interesses,
objetivos e especificidades se redefinem. Sua visibilidade é contemplada
em termos local, regional, sem deixar de mencionar o nacional. O
processo democrático contribuiu com a transformação das ONGs, que se
estende durante todo o período da década subseqüente.
Desta forma, no final dos anos 1980 se dá a consolidação
almejada pelas ONGs na busca por sua identidade e reconhecimento social
deixando de ser encaradas como um movimento passageiro ou muito
menos como um processo de substituição do Estado. Segundo Landim
(2002), o termo ONG passou a ser reconhecido pela sociedade, na medida
em que foi inserido na última edição do dicionário Aurélio caracterizando
qualquer organização privada voltada para a ação social.

“As ONGs chegam à primeira metade dos anos 90,


portanto, com um forte e enraizado capital de
relações construído na sociedade brasileira, além de
detentoras de uma identidade e de um nome com
valor no mercado de bens simbólicos” (Landim,
2002:28).

39
Com as crescentes mudanças nas relações internacionais e
transnacionais, desde o início do processo de globalização mundial,
as ONGs de média e grande escala vêm conquistando abrangência
internacional devido ao que pregam como atributos. Segundo Turrado
(2002) os seus principais atributos (neutralidade e transparência)
estão favorecendo a inserção dessas organizações em campos que vão
desde a segurança, direitos humanos, até meio ambiente.
As mudanças ocorridas contemplam vários níveis da
sociedade, passando pelo Estado que se moderniza cada vez mais
chegando à sociedade civil que está em constante processo de
transformação e organização. O conceito de “Sociedade Civil” teve
origem no século XVIII, termo restaurado na América Latina no
decorrer das lutas contra o autoritarismo. Vale ressaltar, que seu
recente resgate vislumbra uma significativa mutação no interior do
conceito original. Na atualidade identificamos as “Organizações da
Sociedade Civil” (OSCs) que têm como característica distinguir-se do
Estado, da lógica do mercado e objetivam promover os interesses
coletivos.
É importante ressaltar que por um lado as ONGs podem
contribuir com o processo de organização da sociedade civil,
democratizar o acesso aos bens e serviços sociais, auxiliar na tarefa
de promover a cidadania, entre outros e, por outro, mascarar o
processo de distanciamento do Estado frente as políticas públicas para
favorecer a aceitação da população em relação a transferência da
responsabilidade social do Estado sem perceberem que estão no ceio
de uma gradual perda de direitos.

40
CAPÍTULO III

BREVE PANORAMA DA FUNDAÇÃO CENTRO DE DEFESA DOS


DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO (FBR)

A Organização Não Governamental Centro de Defesa dos Direitos


Humanos Bento Rubião (FBR) desenvolve suas atividades na cidade do
Rio de Janeiro, desde o ano de 1986. A missão proposta pela FBR é:

“Promover a difusão, a defesa e a garantia do exercício


dos Direitos Humanos fundamentais, especialmente os
sociais, com ênfase nos direitos da criança e do
adolescente e à moradia digna, apoiando a luta e a
organização das populações pobres, protagonistas de
seu próprio desenvolvimento” (FBR, 2003).

Dentre as atividades da Fundação Bento Rubião na área de


habitação encontramos o Programa Terra e Habitação, que atua na área da
proteção, defesa e garantia do acesso à terra e à moradia digna. Este
programa é subdividido em dois projetos de intervenção: Direito à
Habitação e Direito a Terra.
O Projeto Direito à Habitação objetiva apoiar à “Produção Social do
Habitat”, particularmente através da promoção e do desenvolvimento de
cooperativas populares de habitação. As cooperativas em questão
constroem as moradias em regime de co-gestão e ajuda mútua.
Em relação ao Projeto Direito à Terra sua finalidade é garantir a
permanência das populações carentes na terra que ocupam,
independentemente se o espaço ocupado pertence a esfera pública ou
privada. Nas situações em que não é possível a permanência dos

41
indivíduos nas moradias, a entidade se mobiliza para uma solução a
contento para a população atendida no projeto.
O Projeto Direito à Terra apresenta como objetivo:

“Prestar assessoria jurídica, social e urbanística a


grupos sob ameaça de remoção; a grupos com
possibilidade de regularização da terra que ocupam e a
grupos de sem teto, visando possibilitar o acesso destes
últimos à terra urbana infra-estruturada”. (Fundação
Bento Rubião, 2003).

A centralidade do projeto é jurídica, devido à proteção da posse da


terra ser realizada no campo de ação do judiciário. Logo, as ações mais
comuns são: Usucapião Especial Urbano e Defesa em Reintegração de
Posse e a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia – baseada
na Medida Provisória nº 2.220, 04 de Setembro de 2001.
Vale ressaltar que, além das ações direcionadas às questões
jurídicas, atividades instrumentais a estas são levadas a efeito, tais como
levantamentos e elaboração de plantas dos assentamentos, cadastramentos
sócio econômicos, entre outros.
O trabalho de divulgação dos direitos é a essência das ações de
defesa e garantia destes, preconiza-se o fortalecimento da organização,
mobilização a auto-determinação da população assistida.
De acordo com dados da Fundação João Pinheiro, o Estado do Rio
de Janeiro possui 118.741 casas e cômodos com inadequação fundiária,
deste total, 99.561 estão localizados na Região metropolitana (In FBR,
2003).
A Fundação Bento Rubião há 17 anos é a única entidade nesses
moldes, no Estado do Rio de Janeiro, que presta assessoria gratuita nesta
área, além da Defensoria Pública e de escritórios modelos.

42
No que tange aos governos municipal e estadual, com a exceção de
intervenções pontuais, a história nos apresenta a inexistência de políticas
expressivas.

1) Atendimentos distribuídos por Regiões:

Regiões Atendidas

30,00%

20,00%

10,00%

0,00%

Zona Oeste Leopoldina Zona Norte Zona Sul

79,5% no município do Rio, sendo:


● 29,5% na Zona Oeste
● 18,2% na Leopoldina
● 15,9% na Zona Oeste
● 15,9% na Zona Sul

43
Regiões Atendidas (outros municípios)

12,00%
10,00%
8,00%
6,00%
4,00%
2,00%
0,00%

São Gonçalo Nova Iguaçu Búzios Cabo Frio

20,5% em outros municípios, sendo:


● 11,4% em São Gonçalo
● 4,5% em Nova Iguaçu
● 2,3% em Búzios
● 2,3% em Cabo Frio

1.1)Famílias por Espécies de Demandas jurídicas (Período


1998/2002).

a) 1.303 ações de regularização fundiária:


- 184 de Usucapião Especial Urbano (com número de autores
variando de 1 a 70, atendendo a 1.782 famílias);
- 997 pedidos de Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia
(sendo dois com litisconsórcio de 20 e 50 famílias e 995 individuais,
atendendo 1.065 famílias);

44
- 122 pedidos de Reconhecimento de Aforamento (todos
individuais, atendendo 122 famílias);
- totaliza cerca de 2.969 famílias atendidas.

122
184

997

Pedidos de Reconhecimento de Aforamento

Usucapião Especial Urbano (com números de autores variando de 1 a 70,


atendendo 1.782 famílias

Pedidos de Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (sendo 2 em


litisconsórcio de 20 a 50 famílias e 995 individuais, atendendo 1.065 famílias)

Os dados aqui apontados sobre a Fundação Bento Rubião e


sobre a problemática fundiária no espaço urbano carioca revelam que há
uma preocupação no estabelecimento de critérios racionais para
efetivação do processo de regularização fundiária, na tentativa de superar
os padrões clientelistas que têm marcados nossas políticas sociais.
A Fundação juntamente com a Arquidiocese do Rio de Janeiro e
o Governo Federal, com apoio do Ministério das Cidades, através do
Programa Papel Passado estão desenvolvendo um trabalho de longo prazo
na favela da Rocinha. O objetivo de tal intervenção consiste na
regularização fundiária da comunidade. A regularização fundiária concede
títulos definitivos de propriedade dos terrenos onde vivem e trabalham os

45
moradores de bairros ocupados em condições irregulares. A
implementação da regularização fundiária é importante, pois oficializa o
direito à terra e à habitação que esses indivíduos já exercem. Os
moradores da favela da Rocinha já exercem tal direito e seus imóveis
através do Programa de regularização, posteriormente, poderão ser
registrados no Registro Geral de Imóvel – RGI – como ocorre na cidade
considerada formal.
Nossa tarefa para a dissertação é, sobretudo, verificar com mais
detalhes esses procedimentos tanto nos documentos oficiais da instituição
quanto nas práticas desenvolvidas na favela da Rocinha no que diz
respeito ao processo de regularização fundiária.

46
Capítulo IV
Política Habitacional e Fundiária - a proposta do Ministério das
Cidades

Sabemos que o modelo de urbanização implementado no Brasil


contribuiu para a formulação de cidades pautadas na fragmentação e
elitização do espaço, favorecendo assim, ao fortalecimento da exclusão
social e territorial do espaço urbano. O modelo de crescimento urbano em
nosso país é caracterizado pela sua forma desordenada de proliferação dos
imóveis populares. Nesse sentido, configura a crescente desigualdade
entre as áreas de assentamentos irregulares/favelas desprovidas, na maioria
das vezes, de equipamentos e infra-estrutura urbana presentes nas áreas
denominadas nobres da cidade.
Uma expressiva parcela das cidades brasileiras está inserida em
algum tipo de assentamento precário/informal. Muitas vezes, esses
assentamentos estão localizados distantes dos centros urbanos, sem acesso
a infra-estrutura urbana e/ou equipamentos mínimos. Esse panorama
representa a realidade de um enorme contingente de brasileiros, nos quais
estão inseridos os excluídos dos sistemas formais de habitação e do acesso
à terra regularizada e urbanizada. Logo, são indivíduos que devido sua
condição econômica, são obrigados a ocuparem as denominadas áreas de
risco - como próximas de linha férrea, encostas, torres de alta tensão,
locais inundáveis, entre outros -, como também os chamados
assentamentos irregulares, provenientes de terrenos particulares ou de
interesse público. Vale ressaltar que nos grandes centros urbanos a
especulação imobiliária se faz presente. Contudo, a formulação de uma via
de acesso, a esses empreendimentos, palpável a população de baixa renda,
necessita de um enorme investimento. Por isso, grande parte desses

47
imóveis se encontra sem utilização ou ainda, utilizado de maneira
inadequada.
O avanço de construções ilegais nas cidades tem seus reflexos no
processo de exclusão social e de segregação espacial.
Nos países em desenvolvimento como o Brasil as formas de
ilegalidade urbana não são mais consideradas exceções como no passado.
Na contemporaneidade esse fenômeno se apresenta como regra constante
em nossas cidades.
O modelo de urbanização brasileiro demonstra um excessivo
número de pessoas vivendo precariamente e em desarmonia com as
normas urbanísticas que vigoram no país. Soma-se a esse fator a crescente
periferização do crescimento urbano, isto é, o inchaço da ocupação de
áreas periféricas pela população, peculiarmente a de poder aquisitivo
baixo nos agrupamentos urbanos e nas grandes cidades pela multiplicação
de áreas urbanas informais. Tal questão se torna mais grave devido à
dificuldade do acesso a terra e por questões legais deficientes, favorecendo
a ocupação informal dos grandes centros urbanos, nas regiões centrais e
também periféricas das cidades.
Em relação a essa questão, Fernandes (2001) considera que tal
característica urbana se tornou uma questão estrutural e estruturante dos
processos de produção da cidade e necessita ser enfrentada através de
estratégias embasadas no planejamento urbano e na gestão urbana. No
planejamento e na gestão urbana, a regulamentação inadequada do uso do
solo e do desenvolvimento urbano tem gerado mais despesas do que
benefícios para a população, e esta se depara com a incapacidade de sanar
suas dívidas. Em suma, isso nos revela que abordagens de planejamento
urbano desassociadas do âmbito sócio-econômico e limitadas para
acompanhar o movimento urbano são insuficientes para atender às
necessidade urbanas. Assim, a maior parte do crescimento das grandes

48
aglomerações urbanas, está acontecendo à margem das regras do
planejamento urbano.
A precariedade e carência de programas de acesso a terra e à
habitação direcionados para a população de baixa renda têm favorecido
significativamente a formação de áreas urbanas sem o direito de
propriedade do solo. Grande parcela da população carente têm tido acesso
à moradia através da autoconstrução em áreas urbanas informais, sem
assistência do setor público, e ainda com infra-estrutura deficitária.
Entendemos que as políticas sociais e também as direcionadas a questão
urbana vem sendo aplicadas isoladamente. São políticas focalizadas,
casuísticas e consideradas marginais.
Em muitos países da América Latina, na segunda metade da
década de 1980 emergiu a necessidade de um olhar atento às conseqüentes
problemáticas sociais, econômicas, ambientais e políticas do processo de
ilegalidade urbana11.
No Brasil esse fenômeno se torna visível no início da década de
1990 e marca a gênese dos programas de regularização fundiária, tanto em
favelas quanto nos denominados loteamentos clandestinos e/ou
irregulares, com o objetivo de promover a integração sócio-espacial,
reconhecer minimamente os direitos dos grupos ocupantes dessas áreas,
além de urbanizá-las. Vale ressaltar, a relevância mundial que vem
apresentando o tema da regularização fundiária, na medida em que se
tornou temática central desde 1999, através da agência Habitat da
Organização das Nações Unidas que vem promovendo a “Campanha
Global pela Segurança da Posse”. Por outro lado, verificamos contradições
nessa proposta, pois as políticas criadas neste momento procuram
formalizar os territórios informais, transformando-as em um mercado

11
Não pretendemos direcionar culpa pela questão da ilegalidade urbana à camada mais carente da
população. Contudo, os efeitos perversos desse processo afetam mais cruelmente e diretamente os
grupos considerados menos abastados.

49
fundiário-imobiliário controlado pelo poder público, possibilitando-lhe
melhor equilíbrio fiscal na medida em que aumenta sua receita através da
arrecadação de impostos das novas áreas regularizadas. Essas políticas
procuram ainda conter o processo de densificação destas áreas aplicando
um controle urbanístico. Além disso, os custos decorrentes do processo de
regularização fundiária costumam expulsar12 do local as populações mais
empobrecidas.
Para Abramo (2002), a regularização fundiária é um dos novos
elementos do novo padrão de intervenção urbano orientado pelos
princípios de concorrência interurbana, de equilíbrio fiscal urbano e pela
perspectiva de gestão urbana liberal, capazes de substituir as formas de
intervenção anteriores, firmadas nos princípios de cidadania que no Brasil
foram formalizadas pela Constituição de 1988. A gestão urbana em
tempos de concorrência interurbana procura potencializar a eficiência
urbana dos equipamentos e serviços coletivos, já que a demanda de infra-
estrutura pública é vista como altamente custosa e ineficiente do ponto de
vista da utilização das redes de infra-estrutura existentes.

Nesse sentido, a tendência de urbanização das favelas na malha


urbana substitui as políticas de remoção dessa população para áreas da
periferia distantes que, em geral, envolvem grandes obras de infra-
estrutura. Nessa perspectiva, muitos organismos internacionais têm
ressaltado a importância de prover os habitantes da cidade informal de
direitos de propriedade o que se torna parte da política de habitação em
vários países na América Latina, inclusive o Brasil (FERNANDES, 2001).
Assim, a nova política de habitação que emergiu nos anos de 1990
objetiva, através de uma abordagem participativa, implementar programas
e projetos para integrar a população marginalizada à cidade formal. De

12
A esse fenômeno denominamos processo de “expulsão branca” verificado pela súbita valorização dos
terrenos/imóveis e também pelo aumento dos impostos decorrentes desse processo.

50
toda maneira, a reabilitação progressiva das favelas, após os anos de
abandono, mostra que as formas, antes consideradas excepcionais, passam
a integrar a política de habitação.

No que tange o processo de legalidade urbana, podemos dizer que


a legislação brasileira se apresenta ultrapassada. A ordem jurídica em
vigor favorece a ilegalidade da terra. Esta possui um cunho elitista, na
medida em que exige padrões técnicos e urbanísticos quase impossíveis de
serem alcançados pelas camadas mais pobres, devido o alto custo da terra
das áreas consideradas “nobres”. Logo, a falta de políticas urbanísticas e
fiscais efetivas acaba por favorecer a especulação imobiliária.
Os programas de regularização brasileiros possuem um caráter
eminentemente curativo, necessitam desta forma, ser associados a políticas
sociais e urbanísticas que possibilitem o acesso de direitos sociais às
camadas mais pobres. Os governos, especialmente os municipais,
precisam voltar seus olhares para a democratização das propostas de
acesso ao solo urbano e também para a moradia. Para que os programas de
regularização fundiária passem a representar melhores resultados é
necessário não apenas uma efetiva ação governamental, mas também uma
rigorosa reforma jurídica. No entanto, a partir do grande questionamento,
cobrança em relação aos resultados frente ao fenômeno da ilegalidade, a
maioria dos governos têm direcionado suas ações em estratégias com
bases curativas, sem levarem em conta a relevância de um trabalho
preventivo com a elaboração de políticas públicas articuladas e eficazes
nos âmbitos: trabalho e renda, saúde, educação, habitação, entre outros, e
não se limitarem na elaboração e efetivação de políticas com caráter
paliativo e emergencial.
A associação dos programas de regularização fundiária a políticas
sociais urbanísticas que favoreçam o acesso das camadas mais pobres à
moradia adequada é de suma importância para que se rompa com o

51
processo da ilegalidade. Contudo, para que essas políticas sejam
legitimadas e apresentem o resultado pretendido, é necessário que a
população seja envolvida nesse processo.
Historicamente, o quadro brasileiro no que tange a política de
regularização, era construído por violentas expulsões e remoções forçadas
da população. Os anos subseqüentes à década de 70 do século passado
foram palco de uma gradual relevância das formas de ocupações ilegais.
O Código Civil de 1916 e o Código de Processo Civil garantem
ainda hoje a defesa dos direitos dos proprietários para que estes
determinem a expulsão dos invasores de suas terras. Assim, caracterizam
uma ideologia individualista/capitalista.
Podemos citar a experiência de Minas Gerais – Lei que criou o Pró
Favela em 1983 - como a gênese no que se refere à iniciativa de
regularização de favelas. Nesse sentido, as favelas passam a ser
consideradas como áreas residenciais para fins de moradia social. Tal
avanço permite a garantia de espaços na cidade para os grupos menos
favorecidos economicamente.
A partir da Constituição de 1988, o quadro jurídico do nosso país
começa a se renovar. Os programas de regularização de favelas começam
a receber suporte jurídico e político. Assim, os moradores de favelas
conquistaram, minimamente, o direito do acesso a terra.
Após a implantação da carta constitucional de 1988, a garantia da
moradia passa a ser de responsabilidade da União, dos estados e dos
Municípios.
O texto constitucional prevê que essas instâncias devem:
“promover programas de construção de moradias e a
melhoria das condições habitacionais e de saneamento
básico; combater as causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social dos
setores desfavorecidos” (Constituição Federal de 1988,
art.23, IX e X. In Fernandes, 2001).

52
Vale ressaltar, que a Emenda Constitucional nº 26, de
14/02/2000, garantiu a introdução do direito à moradia entre os direitos
sociais.
A aprovação do direito do usucapião especial urbano também
pode ser considerada uma grande conquista para os que ocupam áreas
privadas menores que 250m² por cinco anos consecutivos. Esta condição
não pode ser aplicada em áreas públicas.
Podemos dizer que a questão da ilegalidade urbana é um
fenômeno internacional e, a regularização fundiária tem sido a resposta
para essa problemática. Essa intervenção engloba tanto a necessidade de
políticas voltadas para o suporte físico, ou seja, a oferta de infra-estrutura,
a prestação de serviços, quanto à obtenção da segurança jurídica da posse.
O objetivo da Campanha Global da ONU pela Segurança da Posse
vai além da proteção jurídica defendendo ações contra despejos e
remoções, objetiva ainda, favorecer o surgimento de comunidades
sustentáveis economicamente, a formação sócio-política dos cidadãos,
conscientizar acerca dos direitos das mulheres, entre outros.
Uma outra forma de garantir a posse da terra é o Direito Real de
Uso. Esse instrumento vem sendo aplicado nas áreas em que não cabe o
usucapião ou até mesmo nas áreas consideradas públicas.
As agências internacionais como o Banco Mundial e a Agência
Norte-Americana para Desenvolvimento Internacional (USAID) também
têm proporcionado discussões sobre a questão da regularização. Vale
ressaltar, que o Banco Mundial para liberar verbas determina, em alguns
casos, a elaboração e a efetivação de políticas de legalização.
É importante deixar claro a distinção entre a campanha da
ONU/Habitat e as políticas do Banco Mundial. Por um lado, a ONU
incentiva à luta pela garantia do direito social de moradia, de outro o
Banco Mundial difunde o direito individual de propriedade e a unificação

53
dos sistemas jurídicos nacionais, pois facilitaria a circulação em âmbito
global do capital imobiliário internacional.
Tal idéia economicista e conservadora, da questão fundiária, vem
sendo difundida pelo economista Hernando de Soto (2001). O autor
dispensa os tradicionais embasamentos humanitários, religiosos e sócio-
políticos, que respaldam as políticas de regularização fundiária.
Entendemos que de Soto propõe a concessão de títulos de propriedade
individual plena com o objetivo de garantir que os moradores das áreas
antes ilegais invistam de forma legal em suas propriedades e
empreendimentos, antes “clandestinos”. Desta forma, a natureza de suas
propostas não contempla a integração sócio-espacial dos “ilegais”, e sim
em fazê-los capazes, no âmbito legal, de investirem seus capitais
favorecendo o crescimento da economia urbana.
De acordo com Fernandes (2001), a maioria dos programas de
regularização brasileiros, em favelas, são caracterizados por dois aspectos
distintos: a garantia de alguma forma jurídica da posse e a tentativa de
fundir as favelas no contexto sócio-espacial urbano.
Destacamos que a regularização isoladamente não irá proporcionar
a solução ou até mesmo a minimização da questão da ilegalidade e
conseqüentemente da pobreza urbana. Entendemos que de Soto emprega
um viés de legalização que acaba favorecendo a especulação imobiliária,
pois as áreas onde são aplicados os investimentos públicos para a
legalização possuem um valor comercial muito atraente. Assim, não é
difícil compreender o motivo pelo qual, organizações internacionais
procuram impedir as iniciativas da ONU em promover o reconhecimento
do direito de moradia13.

13
Os esforços dos grupos internacionais em impedir o avanço do ideário da ONU, em difundir o
reconhecimento internacional do direito à moradia plena foram materializados no boicote à Conferência
sobre assentamentos humanos realizada em Istambul no ano de 1996.

54
Por fim, a legalização, através do acesso a títulos individuais de
propriedade plena, não produz conseqüentemente a integração sócio-
espacial dos indivíduos envolvidos nesse processo. Na realidade, o
caminho a seguir deveria ser o da formulação de políticas abrangentes que
englobem os âmbitos sócio-econômicos, para que materialize
paulatinamente a integração sócio-espacial e econômica da população
marginalizada na cidade.
O Estatuto da Cidade foi aprovado em 10 de julho de 2001, sob a
Lei nº 10.257 e prevê a formulação de instrumentos jurídicos para a
promoção da regularização fundiária, através dos municípios, dos
assentamentos informais. Os artigos do estatuto são orientados pela
colocação mais abrangente contida na Constituição de 1988, que implicam
iniciativas dos governos municipais em criar políticas públicas que
favoreçam a democratização das diversas formas de acesso à moradia.
No que tange o usucapião especial de imóvel urbano estabelecido
pela carta constitucional no que se refere às áreas urbanas de até 250 m², o
estatuto avançou, no sentido, de considerar que as áreas com mais de 250
m², ocupadas por mais de cinco anos, por indivíduos de baixa renda, sem
interrupção e que não seja possível identificar o espaço de cada possuidor,
poderão ser usucapidas através de uma ação judicial coletiva. Logo, cada
possuidor irá adquirir fração ideal de terreno sem levar em consideração o
espaço antes ocupado por cada um deles.
Em relação à concessão de direito real de uso, a Lei dispõe em seu
artigo 48 que:
Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse
social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública
com atuação específica nessa área, os contratos de concessão de direito
real de uso de imóveis públicos:

55
I- terão, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública,
não se aplicando no disposto no inciso II do art. 134 do Código Civil;
II- constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de
contratos de financiamento habitacionais (in: Fernandes, 2001).
Consideramos o inciso II de suma importância, pois prevê o
acesso facilitado da população às formas de financiamento e crédito para a
obtenção de imóvel.
A concessão de uso especial para fins de moradia acarretou
discussões no Congresso Nacional para ser aprovado seu veto, este
dispositivo legaliza a ocupação em áreas públicas. Para sanar as
discussões, em 2001 foi aprovada a Medida Provisória nº 2.220, que
dispõe sobre “a concessão de uso especial que trata o § 1º do art. 183 da
Constituição, cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano –
CNDU e dá outras providências”. (Fernandes, 2001).
A Medida Provisória nº 2.220 objetiva assegurar o direito à
moradia aos indivíduos que “até 30 de julho de 2001, possui como seu,
por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, uma área urbana pública
até 250 m², utilizando-a para sua moradia ou de sua família, através da
concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto
da posse”. (Fernandes, 2001).
Entendemos que o Estatuto da Cidade reafirmou a carta
constitucional em relação à fiscalização jurídica do desenvolvimento
urbano, com o objetivo de reorientar a ação do Poder Público, assim como
do mercado imobiliário e da sociedade como um todo. Contudo, sua
efetiva contribuição dependerá de uma consistente mobilização civil. O
empenho dos municípios nesse processo será de suma importância, para
que sejam recambiadas as estruturas do processo que caracterizam o
crescimento urbano em nosso país. Desta forma, se faz necessário uma

56
ampla discussão acerca das bases políticas e jurídicas dos programas
municipais de regularização de favelas.
É inconteste, que devem ser implementadas e asseguradas
políticas habitacionais e programas de regularização fundiária que
proporcionem efetivamente o direito à moradia. As questões jurídicas
elencadas poderão ser expressivamente minimizadas se houver uma
articulação devida na ação de todas as esferas de governo. A construção de
um consenso político favorecerá a formulação de políticas públicas e de
programas sociais consistentes e a confirmação plena do direito à moradia
garantido na Constituição Federal de 1988 e posteriormente ratificado pelo
Estatuto da Cidade e pela Medida Provisória nº 2.220. A concretização de
tal consenso apenas poderá ser materializada através da participação
popular plena nas diversas esferas de ação para a formulação, execução e
legitimidade dos programas e políticas de regularização em favelas e
também para outros setores envolvidos na efetivação da reforma urbana da
cidade.
Tais mudanças na ordem jurídica e conseqüentemente na ordem
política não são suficientes para promover uma consistente transformação
na vida das comunidades favorecidas. Os programas de regularização não
devem ser encarados como a solução da questão urbana presente em nossa
sociedade. Por outro lado, deve ser associado a um amplo complexo de
políticas públicas direcionadas a proporcionar a reforma urbana e, ainda
propiciar políticas no âmbito sócio-econômico, conforme mencionado
anteriormente.
Tudo isso representa avanços com relação aos direitos de
cidadania, rompendo, dessa forma, com a cultura clientelista que atravessa
as políticas públicas brasileiras.
Diante do exposto, entendemos que se faz necessário o
desenvolvimento e implementação de políticas de habitação capazes de

57
minimizar as questões elencadas acima, contribuindo, desta forma, para o
início do processo de transformação do atual modelo de urbanização
incorporado pelos dirigentes do nosso país. É importante destacar, que a
associação de políticas sociais de emprego e renda também são de suma
importância, pois a articulação das políticas públicas em seus diversos
níveis de ação favorece a amenização desse quadro.
Com o objetivo de enfrentar tal realidade o Governo Federal
brasileiro com a iniciativa do Ministério das Cidades valorizou o apoio ao
planejamento territorial urbano e, sem deixar de mencionar, à política
fundiária dos municípios. É importante frisar que a Secretaria Nacional de
Programas Urbanos (SNPU) tem como missão implantar o Estatuto das
Cidades (Lei 10.257/2001). O Estatuto das Cidades tem como objetivo
regulamentar os artigos da Constituição Federal referentes à Política
Urbana que configura um dos maiores avanços da legislação urbanística
brasileira. Tal estatuto colabora com os municípios na execução da
Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, pautado em princípios que
estimulam a participação dos atores sociais na gestão do território
brasileiro. Essa lei amplia o acesso à cidade por parte das classes mais
empobrecidas viabilizando o acesso à terra urbana e regularizada,
atendendo primordialmente essas classes desamparadas social e
economicamente.
A Secretaria Nacional de Programas Urbanos apresenta como
missão da sua intervenção com relação à formulação de políticas de
habitação:
“Estimular, articular e apoiar uma rede de
parceiros, por meio de processos participativos e
democráticos, contribuindo para a organização
humanizada do espaço urbano, ampliando o
acesso sustentável à terra urbanizada e
transformando a cultura de exclusão territorial das
cidades brasileiras” (Fonte:www.cidades.gov.br).

58
Trata-se de enfrentar um grande desafio, já que mesmo não
existindo uma fonte segura que afirme o número total de famílias e
domicílios instalados em favelas, loteamentos clandestinos, ocupações de
áreas públicas, entre outros, podemos concluir que essa realidade se faz
presente em grande parte dos centros urbanos brasileiros.
Sabemos que no Brasil ao longo dos anos os assentamentos
irregulares vêm se multiplicando em áreas precárias e sem condições
mínimas para iniciar um processo de urbanização. Essas áreas são
peculiares e denominadas ocupações em área de risco, caracterizam-se por
terrenos inundáveis, arenosos, encostas, entre outros.
Vale ressaltar que a esse modelo de ocupações irregulares soma-
se, em muitas cidades brasileiras, à questão da subutilização do espaço e
dos equipamentos, expressa na grande quantidade de imóveis vazios,
inclusive residenciais. São imóveis instalados em trechos urbanizados -
geralmente, áreas centrais e dotadas de infra-estrutura.
O Governo Federal, a partir da criação do Ministério das
Cidades, busca combater a deficiência na elaboração e implementação de
políticas direcionadas à questão habitacional. A Secretaria Nacional de
Programas Urbanos desempenha um papel importante nesse contexto e
tem como objetivo:

• “apoiar os municípios na implementação


do Estatuto da Cidade, ampliação do
acesso, por parte da população de menor
renda, à terra urbanizada;
• promover a integração, em todos os
níveis de governo, de programas de
regularização (urbanização e legalização)
com políticas includentes de planejamento
urbano;
• promover a integração e coordenação,
em todos os níveis de governo, das ações

59
nas áreas urbanas centrais, propiciando
sua ocupação em contraposição à
expansão periférica das cidades;
• promover o reconhecimento de maneira
integrada dos direitos sociais e
constitucionais de moradia e preservação
ambiental, qualidade de vida humana e
preservação de recursos naturais.

Seus objetivos específicos são:

• promover o reconhecimento dos novos


direitos e sua plena utilização, enfatizando
que são formas de direito real de
propriedade;
• priorizar soluções coletivas a problemas
que são coletivos;
• buscar a remoção dos obstáculos da
legislação federal fundiária, cartorária,
urbanística e ambiental;
• incentivar parcerias com a sociedade
civil, promovendo ampla participação
popular em todas as etapas das
intervenções de regularização fundiária;
• criação de uma rede de instituições não-
governamentais e entidades profissionais
que atuem no apoio técnico à gestão
urbana”(Fonte: www.cidades.gov.br).

Já a Secretaria Nacional de Habitação é responsável por formular


e propor instrumentos para a implementação da Política Nacional de
Habitação. Nesse sentido, busca desenvolver os trabalhos estratégicos que
possam contribuir para a redução do déficit habitacional brasileiro. Desta
forma, a questão habitacional precisa ser enfrentada de forma articulada
com as políticas urbana, fundiária e de saneamento.
A Política Nacional de Habitação é composta pelo Sistema e
Plano Nacional de Habitação, pelo Plano de Capacitação e
Desenvolvimento Institucional e, ainda pelo Sistema de Informação,

60
Monitoramento e Avaliação da área habitacional. É importante frisar que a
política fundiária para a habitação, está articulada à política urbana, tendo
um papel estratégico na implantação da Política Nacional de Habitação.
No âmbito dos municípios, a política fundiária tem como obrigação criar
as estruturas para a efetivação das políticas de desenvolvimento urbano,
capazes de viabilizar a implementação de programas habitacionais.
Criado em 2003, o Ministério das Cidades, tem como premissa
combater as disparidades existentes em nossa sociedade, buscando
transformar as cidades em ambientes com um caráter mais humanizado,
ampliando desta forma, o ingresso da população à moradia, ao saneamento
e ao transporte.
O Ministério tem como atribuição tratar da política de
desenvolvimento urbano e das políticas setoriais de habitação, saneamento
ambiental, transporte urbano e trânsito. Trabalha de forma articulada com
os estados e municípios, além dos movimentos sociais, organizações não
governamentais, setores privados e demais segmentos da sociedade.
“As cidades brasileiras abrigavam, há
menos de um século, 10% da população
nacional. Atualmente são 82%. Incharam,
num processo perverso de exclusão e de
desigualdade. Como resultado, 6,6
milhões de famílias não possuem
moradia, 11% dos domicílios urbanos não
têm acesso ao sistema de abastecimento
de água potável e quase 50% não estão
ligados às redes coletoras de esgotamento
sanitário. Em municípios de todos os
portes, multiplicam-se favelas” (Fonte:
www.cidades.gov.br).

A participação popular como forma de enfrentamento das


questões elencadas anteriormente é de fundamental importância, pois
apenas vivenciaremos a formulação e efetivação de políticas habitacionais

61
que propiciem a reversão desse quadro a partir do momento em que os
atores sociais envolvidos nessa questão se organizem de tal forma que
pressionem os governos no âmbito federal, estadual e municipal a
garantirem de fato seu direito à terra legalizada e infra-estruturada. A
participação em Fóruns, Conselhos de Direitos, entre outros, configura o
início do processo de mobilização popular em prol de demandas
específicas relacionadas ao quotidiano. Por outro lado, a participação
social pode contribuir para modificar os traços clientelistas, parternalistas
e elitistas de nossa política social.
O Conselho das Cidades (ConCidades) é formado por 71
titulares – 41 representantes de segmentos da sociedade civil e 30 dos
poderes públicos federal, estadual e municipal – além de 71 suplentes,
com mandato de dois anos. Engloba representantes de entidades de
movimentos populares, trabalhadores, empresários, ONGs e entidades
acadêmicas e profissionais com o objetivo de assessorar e propor diretrizes
para o desenvolvimento urbano, políticas de habitação, saneamento
ambiental e mobilidade urbana. É um instrumento que assegura a
participação cidadã nas decisões sobre as políticas públicas.
Dentre as atribuições do Conselho temos a contribuição aos
municípios na aplicação do Estatuto das Cidades.
“As ações de apoio direto à regularização
fundiária, através de destinação de recursos do
OGU – grifos nossos (Orçamento Geral da União)
se somam às ações de disponibilização de terras
públicas federais, às ações de sensibilização,
mobilização e capacitação de técnicos, gestores e
operadores do direito, resultando, até dezembro de
2004, no início de processos de regularização para
mais de 314 mil famílias no Brasil com o apoio
do Ministério das Cidades. Além dessas famílias,
outras 15.904 famílias já haviam recebido seus
títulos de posse” (Fonte: www.cidades.gov.br).

62
No Rio de Janeiro, segundo as informações disponíveis, as
favelas urbanizadas ainda não passaram pelo processo de regularização
fundiária. Por outro lado, a experiência da Rocinha também tem
caminhado lentamente, (Jornal O Globo de 03 de abril de 2006).
A população alvo do programa Papel Passado é configurada
pelos indivíduos de baixa renda que moram em favelas, loteamentos e
conjuntos habitacionais irregulares. Expressando, desta forma, uma ação
que preconiza a regularização fundiária sustentável. Seu objetivo é que
Estados, Municípios e o Distrito Federal tenham condições de garantir
nesses locais projetos de regularização urbanística ambiental e jurídico-
legal.
Embora se reafirme, em todos esses programas, a importância
do total respeito ao direito à habitação adequada, podemos observar, em
grande parte das nações, inclusive naquelas com alto grau de
desenvolvimento, uma grande indiferença em relação a esse direito, pois
mesmo estando presente em planos, projetos, ou até mesmo em leis, a
efetivação desse direito encontra barreiras difíceis de serem ultrapassadas.
Um número alarmante de pessoas carece do direito à habitação,
e este contingente desfavorecido verifica-se, mais facilmente, nos países
menos desenvolvidos economicamente, onde as desigualdades sociais
manifestam-se de forma mais acentuada.
A problemática habitacional, no geral, foi ampliada devido às
demandas em relação à mão de obra no início do processo de
industrialização, que, com a criação de empregos, atraiu milhares de
pessoas às cidades, em busca de uma maneira mais viável de
sobrevivência. Nas cidades, a grande demanda por moradias não foi
acompanhada, inicialmente, por uma oferta adequada. Proliferaram-se,
desta forma, as favelas e os subúrbios, que não comportavam, na maioria

63
das vezes, condições básicas e infra-estrutura necessária para uma vida
saudável.
A crise de moradia no Brasil está associada ao modelo
capitalista concentrador e excludente, ou seja, a falta de habitações
populares é conseqüência direta dos baixos salários, do desemprego e do
subemprego massivo. O déficit habitacional decorre, principalmente, de
uma distribuição profundamente desigual da renda e também das
condições específicas da produção e comercialização capitalista da
moradia, que impõem um elevado preço a essa mercadoria.
Em decorrência desse cenário, há um agravamento da crise da
moradia, cujas manifestações são: a especulação imobiliária, alto custo
dos imóveis e elevação dos preços dos aluguéis, dentre outras.
Diante do exposto, observamos a necessidade do respeito ao
direito à habitação adequada, como maneira de garantir a implementação
dos demais direitos econômicos e sociais.
Apesar da definição constitucional da habitação como
responsabilidade comum à União, Estados e Municípios, os instrumentos
que concretizariam essa co-responsabilidade são insuficientes e, na
prática, dividem mais as responsabilidades do que o poder de realizações.
Por essa razão, milhares de brasileiros continuam excluídos desse direito.
Assim, devido à carência de políticas efetivas na área da
habitação, provenientes de ações do poder público, instituições
internacionais e entidades não-governamentais estão se empenhando na
formulação de projetos que contemplem, na medida do possível, à efetiva
implementação do direito à habitação. Nesse sentido, entendemos como
necessária e evidente, a importância do estabelecimento de uma política
habitacional como instrumento insubstituível de inclusão social e de
melhoria da qualidade de vida dos próprios cidadãos.

64
Morar de forma adequada e regularizada num local que
contemple as condições mínimas de habitat, com acesso à infra-estrutura e
outros benefícios é, na verdade, uma forma concreta de afirmação de
cidadania, uma forma de possibilitar a todos o acesso a uma vida mais
saudável e segura.

• A política de regularização fundiária no Rio de Janeiro.

Em 03 de Abril de 2006, o jornal O Globo publicou matéria


acerca do anúncio do Governo Federal sobre o cadastramento de 15 mil
famílias, das comunidades da Rocinha e Vidigal para regularizar a posse
dos seus terrenos. É preciso salientar que os terrenos em que essas
edificações foram construídas são de propriedade privada e sua
regularização despende um número maior de tempo, podendo demorar
muitos anos. Tal cadastramento demonstra a preocupação em conter o
crescimento dessas favelas, mas sabemos que a concessão de títulos de
posse não é o suficiente para reverter a atual condição de moradia e,
principalmente, de vida em que esses indivíduos estão enclausurados.
A Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das
Cidades – Raquel Rolnik – considera que a regularização fundiária dessas
moradias deve estar atrelada à instalação de infra-estrutura urbana.
Apontando que o Governo Federal tem cerca de 1 bilhão em recursos para
repassar às prefeituras de todo o Brasil (Éboli, 2006). Contudo,
observamos registros de processos de regularização que iniciaram há pelo
menos dois anos e ainda não concluíram esse processo e tampouco
iniciaram a urbanização. Na comunidade da Ladeira dos Funcionários,
situada no bairro do Caju, das 863 famílias inscritas no programa apenas

65
cerca 200 famílias concretizaram o processo e receberam o documento que
garante o título de posse. Porém, nenhuma família conseguiu fazer o
Registro Geral do seu imóvel (RGI). O título garante a posse apenas do
terreno. “As certidões de terrenos são emitidas com subsídios: o morador
paga apenas uma quantia simbólica pelo metro quadrado construído.
Arquitetos da Secretaria de Urbanismo elaboram as plantas e sugerem
modificações nas residências para poderem ter o habite-se. Mas, caso o
morador deseje registrar a casa no RGI, terá que assumir os custos” (Éboli,
2006:8).
O processo de regularização fundiária das edificações da favela
da Rocinha teve início no ano de 2004 e abrange as comunidades do bairro
Barcelos, da UPMMR, Vila Laboriaux e Vila Cruzado. É no mínimo
estranho verificar que representantes do Governo Federal estão
anunciando o início da implementação do programa de regularização
fundiária, nesse momento, quando estamos tão próximos das Eleições
Presidenciais brasileiras, em 1º de Outubro de 2006.
Logo após o episódio da invasão de traficantes da comunidade da
Rocinha em direção à mata no alto Leblon, o Ministério Público do Estado
do Rio de Janeiro interpelado pelos moradores do bairro supracitado,
instaurou inquérito para debater o crescimento da comunidade mencionada
em direção ao asfalto. Em determinados locais da favela, como a região
denominada 199, localizada mais próxima do bairro do Leblon, existe um
muro de aproximadamente 400 metros, confeccionado há mais de 20 anos
que objetiva conter o crescimento da favela. Porém, pelos menos 30
metros do muro estão quebrados. A preocupação com o avanço das favelas
em direção aos bairros do entorno, é verificada através de fotos aéreas,
publicadas em matéria do jornal O Globo datado de 06 de Abril de 2006,
destaca o grande contraste existente entre esses dois mundos que vem
sendo potencializado.

66
“A Vila Parque da Cidade tomou conta de um
trecho da Gávea e convive lado a lado com
prédios de classe média alta; o Vidigal se expande
tanto em direção a São Conrado, quanto em
direção ao Leblon; a Rocinha conhecida como
Laboriaux cresce sem controle em direção ao
Maciço da Tijuca; e na Chácara do Céu, que já
pode ser vista do Leblon, a piscina da laje de um
barraco contrasta com a piscina de uma residência
de luxo com vista para o mar” (Miranda,
2006:22).

É evidente a preocupação da sociedade pertencente aos bairros


ditos “formais” em relação à aproximação da favela, mas seu interesse está
voltado apenas em afastar os barracos da comunidade de suas mansões de
alto luxo. A piscina de um barraco não pode estar lado a lado à piscina da
mansão em um bairro nobre. A única proximidade que permitem está
respaldada na relação de trabalho, quando é tolerada a inserção do
morador da favela em condomínios de luxo, shoppings centers, entre
outros, na condição de empregado. Percebemos que a solução encontrada
para reverter essa situação é a de segregar cada vez mais esses indivíduos
da cidade “formal”, através, por exemplo: do muro de contensão do
crescimento da favela da Rocinha, da remoção dessa população favelada
para áreas da cidade localizadas na periferia, subúrbio, baixada fluminense
ou para locais afastados da cidade, que não possuem interesse comercial
por não serem dotados de infra-estrutura urbana mínima.
Os conjuntos habitacionais pertencentes à zona Oeste da cidade
do Rio de Janeiro; Conjunto Cesarão, Conjunto Antares e Nova Sepetiba,
localizados respectivamente no bairro de Santa Cruz e Sepetiba, são
reflexos dessa política de remoção tão presente na ordem do dia dos
governos Estadual e Municipal. São locais carentes de infra-estrutura
básica, tais como: hospitais, postos de saúde, escolas suficientes para
absorver o número de crianças e adolescentes em idade escolar, transporte,

67
lazer, etc. Tal situação demonstra apenas o caráter excludente das políticas
habitacionais implementadas em nossa sociedade, reflexo da herança
tradicional das políticas públicas brasileira. Optam por excluir, segregar e,
não em incluiraas popuilaçõoes marginalizadas em todos os setores da
sociedade, de fornecer condições mínimas de moradia, a despeito dos
direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988,
pautado nos direitos sociais no capítulo II em seu Artigo 6º.

“São direitos sociais a educação, a saúde, o


trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição” (Constituição Federal,
2000:11).

O deputado estadual Carlos Minc (presidente da Comissão de


Meio Ambiente da ALERJ) apresenta em seu discurso a diretriz das
políticas destinadas ao público que necessita uma intervenção na área de
habitação.
“Uma solução dependeria de projetos de habitação
e transporte, a fim de criar condições para a
realocação dos moradores das favelas em outras
áreas da cidade: - Criei um projeto de Lei que deve
ser votado em maio, que determina que 10% das
habitações referentes a projetos públicos
habitacionais sejam reservadas e ocupadas por
famílias residentes em áreas de risco. Seria uma
forma de diminuir o problema da ocupação das
encostas em áreas ambientais” (Miranda, 2006:24).

No entanto, o objetivo da criação de novas políticas públicas na


área de habitação está pautado na formulação de estratégias para excluir os
favelados e de conter o crescimento desordenado dessas moradias em
direção às residências de alto luxo. No entanto, a formulação isolada
dessas políticas não surtirá efeito a contento sem a sua articulação às

68
políticas destinadas às áreas de saúde, geração de trabalho e renda,
transporte, lazer, entre outras, pois são fundamentais para proporcionar
condições dignas de vida para a população residente em favelas.

Favela da Rocinha, ano 2001. Evidente contraste


entre os prédios de luxo e os barracos na favela.
Fonte livro: “Favelas Cariocas 30 Anos" 2005, por
Fernando Bergamaschi.

69
O limite geográfico entre esses dois “mundos” são
de apenas alguns metros, mas a lacuna existente
no âmbito econômico-cultural é de mais de um
século.
Fonte: foto aérea de satélite
www.googleearth.com

A cada ano que passa o número de moradias na


favela cresce consideravelmente se aproximando
da cidade dita “formal”, sem nenhum suporte ou
infra-estrutura.
Fonte livro: “Favelas Cariocas 30 Anos" 2005, por
Fernando Bergamaschi

70
Imagem do Largo do Boiadeiro veiculada em site
(www.jeeptour.com.br) que explora o turismo na
favela da Rocinha por meio de passeios de jeep ou
de helicóptero.

71
CAPÍTULO V
A EXPERIÊNCIA DA FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO NO
PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DA
ROCINHA.

Nessa parte do trabalho tomamos as informações obtidas através


das entrevistas com a assistente social da Fundação Bento Rubião, Lucélia
Ambrósio Irmão, com os presidentes/representantes da Associação de
Moradores e Amigos do Bairro Barcelos - AMABB (Sr Ivan Silva), da
União Pró - Melhoramento dos Moradores da Rocinha – UPMMR
(Willian de Oliveira) e Associação de Moradores da Vila Laboriaux e Vila
Cruzado - (Tatiane Campos). As entrevistas realizadas tinham como
objetivo: verificar a forma como foi iniciado o programa Papel Passado na
Rocinha; os meios utilizados para a tomada de decisões; a interferência
das associações de moradores no Programa; o papel das três esferas de
governo; os parceiros envolvidos; a existência de um grupo específico
prioritário no atendimento; a interferência de políticos e do tráfico de
drogas; as estratégias para garantir a participação dos moradores; a
estrutura administrativa utilizada na implementação do programa; os
processos adotados no controle e acompanhamento da execução; os
bloqueios que impedem ou inibem a realização das propostas
progressistas; o plano para implementação do programa; o trabalho das
empreiteiras terceirizadas e seus respectivos contratos. Essas informações
foram complementadas por documentos como: folder e consultas no site
da Fundação Bento Rubião na Internet. Os documentos oficiais da FBR
apresentados para o Ministério das Cidades não foram disponibilizados
pela instituição. Vale ressaltar que por parte da assistente social da
Fundação houve não só disponibilidade para a realização da entrevista,
bem como esta profissional facilitou os contatos com as associações de

72
moradores acima mencionadas. No entanto, as entrevistas nem sempre se
realizaram, conforme o cronograma estabelecido, devido os constantes
conflitos entre a polícia e o tráfico de drogas no local o que
impossibilitava o trabalho de campo.
As entrevistas que se seguem nos permitirão vislumbrar algumas
questões sobre o trabalho que tem sido desenvolvido pela a FBR na favela
da Rocinha, com o apoio do Governo Federal.

- Sobre o início do Programa Papel Passado na Rocinha

De acordo com a assistente social da FBR, foi através de


contatos entre militantes do movimento popular presente no Ministério
que a Fundação Bento Rubião ficou conhecendo o programa Papel
Passado destinado ao financiamento para regularização de assentamentos,
ao mesmo tempo em que verificou que a instituição poderia ser
responsável pela implementação desse programa no Rio de Janeiro. Nesse
momento, foi iniciada uma articulação para inscrever e apresentar uma
proposta de implementação desse programa.
Na verdade, o projeto de regularização fundiária é muito maior
do que a simples regularização do imóvel. Implica na questão de
urbanização da área, da articulação com outras políticas, ultrapassando as
atribuições dessa ONG e envolvendo o Poder Público Estadual e
Municipal. Assim, a FBR deve se articular com o Estado e a Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro para realização de um amplo programa de
regularização fundiária. O recurso que a Fundação recebe é destinado ao
pagamento da topografia14, pagamento do cadastramento e da equipe que
vai realizar a ação. Considerando que o programa é mais amplo e implica

14
Arte de representar no papel a configuração de um terreno, de uma localidade, com todos os seus
acidentes geográficos, descrição exata e minuciosa de um lugar.

73
diferentes ações a Fundação entra com a contra partida, responsabilizando-
se pela continuidade do processo, acompanhando todas as ações
posteriores.
O projeto tem duração de um ano. Os recursos do Ministério das
Cidades são limitados embora os documentos relativos ao programa no
Rio de Janeiro e os técnicos envolvidos nesse trabalho não tenham
conhecimento do valor exato. No entanto, segundo a assistente social da
Fundação, existe uma meta, um valor estipulado para atingir o produto
final, numa perspectiva empresarial. Na solicitação de recursos ao
Ministério das Cidades, a FBR apresenta a comunidade que se beneficiará
da intervenção e a partir daí os recursos são liberados. A assistente social
da Fundação ressalta que nem sempre vem o valor solicitado. Muitas
vezes, parte dos recursos são cortados.
Havia uma aproximação anterior entre a Rocinha e a Fundação,
através de alguns militantes, fato que foi considerado na escolha do local.

● Sobre a escolha dos sub-bairros e o desenvolvimento do


Projeto.

Para a elaboração da proposta para o Ministério a Fundação


Bento Rubião se reuniu com a Pastoral de Favelas e algumas lideranças
que já discutiam a questão da regularização da Rocinha, para decidir as
áreas dessa favela onde se iniciaria essa intervenção. A Rocinha tem 23
bairros sendo escolhido dois desses bairros, considerados dois setores: o
bairro Barcelos e Vila Verde. O envio da proposta ao Ministério foi em
2004, tendo sido aprovada no início de 2005.

● Sobre a participação da população envolvida e meios


utilizados para a tomada de decisões.

74
Em 2005, foram realizadas apenas assembléias com a população
local, tendo o programa propriamente dito sido iniciado em 2006. Nessas
assembléias verificou-se uma baixa participação dos moradores, já que o
período de festas de final do ano não era propício para esse tipo de
reunião. No entanto, os técnicos da Fundação avaliaram que havia uma
expectativa por parte da comunidade e as assembléias se constituíam em
uma forma de oferecer as primeiras informações para a população local.
No segundo momento, a Fundação escolheu, para dar continuidade ao
programa na Rocinha, o terceiro e o quarto setor constituído pela parte
superior da favela: Vila Laboriaux e Vila Cruzado.
Segundo os presidentes das as associações dos sub-bairros
envolvidos, até o início do Programa não tinham conhecimento da
instituição que implementaria o trabalho na Rocinha. Isso só aconteceu
quando a Bento Rubião começou a procurar as lideranças locais para fazer
reuniões para trocar idéias, informar como seria o processo e convocar, ao
mesmo tempo, a comunidade para participar das reuniões.
Podemos perceber, através das falas, que antes mesmo da
aprovação/liberação dos recursos pelo Ministério das Cidades para a
Fundação Bento Rubião implementar o programa na Rocinha, esta já
mantinha uma relação com a comunidade, “um namoro antigo” como
declara a assistente social responsável pelo programa, mas seus moradores
desconheciam que esta instituição implementaria o programa na de
regularização fundiária na favela. Verificamos ainda, que o processo de
regularização é demorado, sendo, portanto inconcebível o prazo de um ano
dado pelo Ministério para a execução do programa. Vale ressaltar, que na
associação de moradores do bairro Barcelos, seu representante Sr. Ivan
obteve conhecimento do programa através do então ministro Olívio Dutra
que participou de uma reunião na comunidade para divulgar o programa,

75
antes do mesmo ser implantado pela FBR. Já os representantes das
associações de moradores UPMMR e Vila Laboriaux e Vila Cruzado
foram informados do programa pela própria Fundação Bento Rubião.
De acordo com o site “Último Segundo”15, em cerimônia no
Mirante do Vidigal, os ministros das Cidades, Márcio Fortes, e da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, assinaram convênio liberando R$1,5 milhão para
o cadastramento das famílias da favela do Vidigal.
Segundo o presidente da União Pró-melhoramentos da Rocinha
(UPMMR), William de Oliveira, o investimento do Ministério das
Cidades foi destinado ao cadastramento das famílias de (04) quatro dos
(36) trinta e seis sub-bairros da favela. O Sr. William ficou surpreso, pois
foi informado que a Rocinha não seria contemplada com recursos desse
novo investimento de R$ 1,5 milhão liberados para a favela do Vidigal.
Foi divulgado inicialmente que o orçamento teria o montante de R$ 4
milhões e que seria destinado às duas comunidades. O ministro Márcio
Fortes informou que o restante do dinheiro seria liberado, mas sem data
determinada (fonte: www.ultimosegundo.ig.com.br).
Não podemos esquecer que a comunidade da Rocinha foi a
primeira favela do Rio de Janeiro em que o Ministério das Cidades deu
início, há dois anos, ao processo de regularização fundiária. Contudo,
apesar desse processo não ter sido concluído nessa favela o Governo
Federal já anunciou a liberação de recursos para a favela do Vidigal. O
trabalho em diferentes favelas, realizado antes mesmo da finalização do
primeiro programa no Rio de Janeiro, demonstra que as autoridades
federais ao priorizarem o número de favelas atingidas estão utilizando o
programa de forma eleitoreira, colocando em segundo plano a
integralização do programa em uma favela ou priorizando a aplicação de
um montante maior de recursos em outra comunidade, desprezando a

15
Mais informações ver site: www.ultimosegundo.ig.com.br.

76
preocupação com a qualidade da execução desse programa. A
morosidade na conclusão do processo de regularização poderá contribuir
para a desmobilização popular, fragilizando a participação efetiva dos
moradores da comunidade.
Com relação aos meios utilizados para a tomada de decisões e a
participação popular, a assistente social da FBR afirma que a metodologia
do projeto enfatiza a participação popular. Nesse sentido, a estratégia
prevista compreendia a formação de comissões por ruas ou por quadras
para o acompanhamento e discussão do projeto. Ressalta que no bairro
Barcelos isso não funcionou:
“Eles não aceitaram, não quiseram participar.
Foram propostas reuniões quinzenais, mas a
população disse que não tinham tempo, que
tinham mais o que fazer”.

Dessa forma, não foi possível formar comissões e fazer esse


trabalho realmente participativo. Então, a participação se limitou às
assembléias. Foi feita uma primeira assembléia para apresentar o projeto.
A assistente social afirma ainda que quando tem algum evento na
comunidade na área da saúde: vacinação de idoso, campanha contra
dengue, etc. a Fundação aproveita a oportunidade para divulgar o projeto.
Considera, contudo, que nesse último caso trata-se de uma ação limitada,
pois uma campanha de vacinação, por exemplo, é para Rocinha inteira e às
vezes quem se interessa em saber sobre o programa de regularização não
está na área contemplada.
Os representantes das associações confirmam a realização de
reuniões, mas o do bairro Barcelos explica que não pôde participar de
todos esses encontros, por motivos diversos. Destaca, no entanto, que
havia interesse em entender como seria o projeto, a questão da
regularização e como seria dado o título de posse. Para ele a população só

77
sabia que iriam dar título de posse. Ressalta que o trabalho de
regularização no bairro Barcelos é muito complexo, pois há um número
muito grande de moradias, inclusive alugadas. Coloca que tanto os
representantes das associações como a comunidade, possuíam vários
questionamentos tais como: “Como seria realizado o processo de
regularização? O que acarretaria essa regularização? Vai ser regularizado
para quê? O que vai ser cobrado?”. Verbaliza ainda que poucas pessoas,
em relação ao número de habitantes do bairro Barcelos, conseguiram
apresentar documentação para dar entrada na justiça e garantir a posse de
seu imóvel.
Já o presidente da UPMMR destaca que participou de quatro
reuniões e que o início do programa se deu após um encontro que tiveram
com então Ministro Olívio Dutra para discutir a implementação do
programa na comunidade. Afirma que a decisão de começarem o processo
de regularização pelo bairro Barcelos foi um consenso entre as três
associações e algumas lideranças locais. Aponta que o bairro Barcelos “é a
área de entrada da Rocinha e ninguém começa nada de trás para frente”.
De acordo com a representante de Vila Laboriaux e Vila
Cruzado, a FBR ainda não iniciou o processo de regularização em sua área
de abrangência, pois estão tendo dificuldades em fechar contrato com a
empresa de topografia. Contudo, já participou de três reuniões destinadas
às três áreas iniciais de intervenção. Seu relato apresentou as dificuldades
que a FBR está enfrentando no processo de regularização no bairro
Barcelos, devido à existência de muitas casas alugadas que impede, muitas
vezes, a divulgação do programa para o verdadeiro proprietário.
Acrescenta ainda, que as reuniões com os moradores ainda não
aconteceram e, este seria o primeiro passo para implementação do
processo em sua área.
Nas falas dos representantes das associações de moradores do

78
bairro Barcelos e da UPMMR, observamos discursos onde eles nos
apresentam uma associação de moradores participativa, preocupada com o
bem – estar da população e que também incentiva a participação popular,
o que contrasta com o discurso acima explicitado da assistente social da
FBR em relação à participação da população e de suas entidades
representativas. A assistente social acrescenta ainda, que mesmo
elaborando estratégias para garantir a participação dos moradores
envolvidos nesse processo, apresentou as dificuldades que vem
enfrentando no decorrer do processo de regularização. Essa dificuldade de
participação da comunidade envolvida no processo de regularização
fundiária da Rocinha reflete a realidade brasileira no que tange a
participação popular. Em nossa sociedade, há poucos espaços efetivos de
participação popular dentro da estrutura institucional e também na
realidade cotidiana e, os que existem são mal utilizados e poucos
divulgados. Apesar do crescente número de experiências participativas,
elas ainda estão longe de representarem um número expressivo. A parcela
da população que participa é relativamente pequena frente às
possibilidades de ampliação da participação e exercício da cidadania.
Desta forma, com a ínfima participação da população nos orçamentos
participativos, nos conselhos populares de direito, entre outros, estes
espaços acabam por refletir e/ou legitimar projetos políticos pré-
formulados, que não configuram a autonomia da vontade popular.
O senhor Ivan pontuou a preocupação dos moradores em
relação aos impostos, principalmente o referente ao IPTU. O medo da
comunidade em relação aos impostos tem fundamento, pois segundo a
gerente do Programa Morar Legal da Prefeitura do Rio de Janeiro, Maria
José Parreira Xavier, a conclusão do processo de regularização fundiária
acarretará na legalização do imóvel e no conseqüente pagamento de
impostos. Porém, nesse primeiro momento do processo de regularização

79
esse imposto não será cobrado, mas sim, apenas quando concluírem a
regularização do imóvel.

● Sobre o papel das Associações de Moradores

Em relação à interferência das associações de moradores no


programa a assistente social da FBR afirma que houve pouca participação
das associações, pois, na sua avaliação, as associações de moradores não
colaboram para a divulgação do projeto, atribuindo a efetivação da
divulgação aos agentes contratados pela FBR. Acrescenta que a relação
com as associações é conturbada, pois avalia que “ao mesmo tempo em
que estamos articulados a eles, não podemos ficar presos a eles”.
Conclui que não é saudável para o projeto um envolvimento muito íntimo
com as associações devido ao receio que muitos moradores possuem em se
inserirem em um projeto em que as associações estejam vinculadas.
Os representantes das associações de moradores afirmam que o
grau de interferência das associações no projeto está associado à emissão
de documentações variadas: um recibo de compra e venda declaração de
moradia, entre outros e, a divulgação do projeto na comunidade. Não há
menção em relação ao papel político das Associações de moradores
enquanto representantes da população, sobre a discussão de propostas ou
contra-propostas formuladas em conjunto com os moradores. O
representante da AMABB acrescenta que “solicitava além de
testemunhas, recibo de compra e venda, contas de luz ou testemunhas
de longa data para emitir qualquer documento de comprovação de
moradia”. Estes serviriam para o morador apresentar à FBR e iniciar o
processo de regularização fundiária. Contudo, informa que a
documentação fornecida “não é gratuita, as associações cobram um
preço, uma taxa para fornecer esse certificado que é como se fosse um

80
título de propriedade fornecido pela associação. A AMABB cobrava
R$ 100,00 (Cem Reais)”. Mas em muitas situações, esse valor é reduzido,
pois, segundo o referido senhor é levado em consideração a situação
financeira atual do morador. Relata que em várias ocasiões o valor do
documento é reduzido em até 50%. A cobrança dos documentos é
justificada da seguinte forma: “não adianta uma associação fazer o
documento e distribuir gratuitamente, até porque a gente sabe que o
que é de graça não vale nada, porque não valorizam”.
Destaca ainda que o comodismo dos moradores o incomoda
muito, pois a associação procura fazer um trabalho de informar, divulgar,
através de visitas domiciliares, sobre os benefícios que a regularização
fundiária proporcionará para o dono do imóvel, mas esse trabalho não está
apresentando os resultados esperados. Verbaliza que a FBR não
esclareceu para a comunidade as regras do projeto, pois os moradores, em
sua maioria, desconhece que:
“O proprietário recebe inicialmente a documentação do
terreno, ele recebe o título de posse do terreno e não do imóvel, ou
seja, são dois processos, um é gratuito porque é pela FBR e esse
segundo, o morador precisa arcar com os custos devido o projeto não
contemplar essa questão”. Argumenta que as questões elencadas têm
sido desmistificadas ao longo do processo.
De acordo com o presidente da UPMMR, as associações
contribuíram de várias formas, desde a confecção de documentos até a
divulgação do projeto. Acrescenta que “declaração de residência a gente
fornece gratuitamente”, não esclarece assim, se a confecção dos demais
tipos de documentos é cobrada, como a do registro de imóveis.
A representante de Vila Laboriaux e Vila Cruzado confirma a
realização da preparação de documentos através das associações e o
fornecimentos dos mesmos para a FBR iniciar o processo de regularização

81
dos terrenos. Esclarece que a “pessoa tem que pagar uma taxa pelos
documentos emitidos, o Registro de Compra e Venda são 3% do valor
do imóvel e o comprovante de residência custa R$ 30,00 (Trinta
Reais)”.
Apesar das falas dos representantes das associações tentarem
mostrar o contrário, podemos perceber que a partir do momento em que
eles têm lucro sobre os documentos emitidos pelas associações,
caracteriza-se, de certa forma, uma vantagem em incentivar a
regularização fundiária dos imóveis da comunidade, pois vão lucrar com a
emissão de documentos.
Podemos perceber a contradição evidente na fala da assistente
social da FBR e dos representantes das associações de moradores em
relação à participação e a colaboração dessas últimas no projeto. De
acordo com a assistente social, a participação dos moradores/associação
no programa é insuficiente e, segundo sua avaliação, não se faz necessária,
considerando que o distanciamento entre as Associações e moradores pode
até colocar obstáculos ao trabalho. Por outro lado, entende que as
Associações ao se interessarem apenas pelos recursos auferidos, através da
emissão de documentos para a regularização, provocam um afastamento
do morador. Já o conteúdo das falas dos representantes das associações
reflete, mesmo que teoricamente, a preocupação dos mesmos em
contribuir para o êxito do projeto, embora fique explícito o interesse pelos
lucros na emissão dos documentos.
O receio de alguns moradores, contido na fala da assistente
social, em se envolverem no projeto devido à presença das associações,
evidencia a representação que essas instituições possuem na comunidade.
O envolvimento que, muitas vezes, os presidentes das associações de
moradores possuem com o tráfico de drogas, de colocarem os interesses
pessoais em detrimento aos da comunidade, são os traços mais marcantes

82
desse descrédito. Nesse sentido, o trecho da reportagem que se segue
coloca em evidência a problemática descrita acima. “A Polícia do Rio de
Janeiro prende o presidente da Associação de Moradores da Rocinha.
Willian de Oliveira é acusado de associação ao tráfico de drogas. Ele
também é suspeito de entregar propina a policiais militares para
evitar a repressão ao comércio de entorpecentes na favela”
(www.radiobandeirantes.com.br/reportagemonline).

● Sobre o Papel da Fundação Bento Rubião e das três esferas


de governo.

No que se refere ao papel das três esferas de governo no projeto,


a assistente social da FBR coloca que historicamente a Fundação não trás
como herança a parceria com o poder público. Nesse sentido, afirma “uma
coisa é trabalhar com, outra coisa é trabalhar para”. Destaca que a
Fundação tem a preocupação de não se tornar uma instituição terceirizada,
de manter seus preceitos originais e resguardar uma de suas diretrizes que
é a de ajudar na promoção de políticas públicas, ou seja, na reflexão de
políticas públicas. Acrescenta que o governo estadual anunciou, em 2004,
que estaria fazendo uma intervenção urbanística na Rocinha e a primeira
intervenção seria com o saneamento básico, através da CEDAE16.
Contudo, o governo do Estado apenas se manifestou como parceiro na
implementação do programa Papel Passado na Rocinha, através do ITERJ
(Instituto Estadual de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro) 17.
A referida instituição cedeu no início de 2005 oito cadastradores
para realizar um trabalho em conjunto com a Fundação e participar das
assembléias. Informa que “a Prefeitura se posicionou da seguinte forma: se

16
Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro.
17
Instituto de terras que também trabalha com regularização fundiária.

83
o Estado entrou na Rocinha o município se retira”. Desta forma, apenas no
segundo semestre de 2005 é que a SMU (Secretaria Municipal de
Urbanismo), através do POT18 concordou em realizar uma parceria. O
POT é o que chamamos de primo pobre do POUSO19, tem a mesma
lógica, é um posto de orientação social e urbanística, mas apenas atua na
comunidade em que tenha ocorrido a intervenção do Favela – Bairro.
Acrescenta que o POT foi implantado na Rocinha para conter o
crescimento da favela. Assim, não atuou na parte de urbanização
tampouco na parte de legislação.
De acordo com a assistente social a parceria com a Prefeitura foi
efetivada a partir do momento em que esta última aceitou trabalhar em
conjunto com a FBR, no sentido de aprovar a legislação urbanística nos
setores em que a Fundação realizasse a topografia e existisse o PAL
(Plano de Alinhamento e Loteamento). Verbaliza que sem o plano de
loteamento o processo de regularização não pode ser efetivado. Nesse
sentido afirma que: “foi meio que uma troca de favores, porque o POT
não tem condições de fazer a topografia e a Bento com esse projeto
tem a topografia. Então, cedemos o PAL da área e, a prefeitura teria
que aprovar o PAL que fizéssemos”.
Os representantes das associações de moradores do bairro
Barcelos e Vila Laboriaux e Vila Cruzado destacam a participação da
Prefeitura no processo de regularização. Contudo, enfatizam a necessidade
de uma participação mais efetiva desse órgão. O representante da
AMMAB acrescenta que a Prefeitura do Rio de Janeiro e o Governo do
Estado poderiam contribuir de maneira mais produtiva para o projeto,
porém suas participações foram simbólicas. Afirma que “o corpo a corpo
é só a Bento Rubião que vem fazendo desde o início. É um grupo

18
Posto de Orientação Técnica
19
Posto de Orientação Urbanística e Social.

84
pequeno, com um alcance pequeno para fazer um trabalho que requer
muitas pessoas, em horário quase que integral”. Verbaliza que no
decorrer do processo enfrentam a dificuldade de encontrar os proprietários
dos terrenos porque muitos deles trabalham durante a semana. Desta
forma, essa etapa despende muito tempo e somada ao número pequeno de
cadastradores impedem a conclusão do projeto. Critica a exigência do
projeto em contratar apenas cadastradores universitários para o trabalho,
em sua avaliação, esses cadastradores poderiam ter apenas o nível médio
de ensino. Segundo ele, essas questões limitam o trabalho.
Já a representante da Vila Laboriaux e Vila Cruzado coloca que
no mural da associação existe uma reportagem, onde anuncia que a
Prefeitura do Rio de Janeiro está apoiando a liberação do título de posse,
mas afirma: “não sei se esse apoio é apenas de boca e qual é o grau de
participação do município no programa”.
De acordo com o presidente da UPMMR, o Governo Federal
está tentando fazer política com o projeto de regularização. Salienta que
após o projeto de regularização já estar em andamento na Rocinha o
Ministro das Cidades, Márcio Fortes e, o Ministro da Justiça, Márcio
Tomás Bastos foram à favela anunciar que forneceriam o título de
propriedade. Sua indignação foi maior ainda, quando em um evento na
favela do Vidigal foi anunciada a liberação de verba para iniciarem o
processo de regularização naquela comunidade sem que esse processo
tenha sido concluído na favela da Rocinha. “Como dar título de
propriedade se nós somos gestores do programa em conjunto com a
Bento Rubião e outros parceiros? Então, como é possível alguém, do
nada, vir dar título de propriedade? Como vão implantar uma coisa
que já existe? É como dar um tiro no pé”. Segundo ele, “a Prefeitura e
o Estado não têm uma participação efetiva no programa, não
colaboram da forma que esperava”.

85
Conforme mencionado anteriormente, pela a assistente social da
FBR, a Prefeitura do Rio de Janeiro, depois de muitas negociações,
colaborou no programa de regularização fundiária através da Secretaria
Municipal de Urbanismo. Insiste que ocorreu foi uma troca de favores,
pois se por um lado a Prefeitura tinha que conter a aproximação dos
barracos da favela em direção às mansões dos bairros da elite carioca
enquanto a Fundação Bento Rubião necessitava dar continuidade ao
programa de regularização.
O representante da AMMAB declarou que a Prefeitura e o
Estado deveriam estar mais envolvidos no processo de regularização da
comunidade frisando que o Governo Federal apenas formulou e financiou
o programa. A fala do Sr. Willian expressa a indignação em relação à
atitude do Ministro das Cidades, Sr. Márcio Fortes, após o pleno
andamento do programa querer fazer política com a regularização
fundiária. Mencionou ainda que a prefeitura da cidade do R.J, cujo
prefeito em exercício é o Sr. César Maia, e o governo do Estado,
representado pela governadora Rosinha Garotinho, não estão engajados no
processo de regularização como deveriam. A Srª Tatiana tem
conhecimento que a Prefeitura está apoiando o trabalho, contudo não
relata o tipo e o grau do apoio desses dois níveis de governo. Tal
descompromisso, por parte dos governos Municipal e Estadual, em relação
ao programa de regularização mencionado faz parte da característica
tradicional e paternalista, das políticas públicas brasileiras.
É evidente a preocupação da sociedade pertencente aos bairros
ditos “formais” e dos dirigentes do Estado do Rio de Janeiro em relação à
aproximação da favela de suas áreas de moradia, mas seu interesse está
voltado apenas em afastar os barracos da comunidade de suas mansões de
alto luxo.
A assistente social da FBR aponta que os parceiros envolvidos

86
no projeto são: a arquidiocese do Rio de Janeiro, através da Pastoral de
Favelas; as organizações de moradores; as organizações representativas e
reconhecidas pela comunidade (associação de moradores); o Estado
através do ITERJ; a Prefeitura do Rio de Janeiro, através da SMU (POT).
Acrescenta ainda que existem os parceiros não oficiais, ou seja, que não
entram na camisa com o logo de sua instituição, mas que a Fundação pode
contar como colaborador do projeto. São eles: a direção do Posto de Saúde
da Rocinha, através da Srª Helena; as Igrejas Católicas, (as Igrejas
Evangélicas são mais fechadas), as escolas, os CIEPs; a Região
Administrativa. Essas instituições cedem espaço para a FBR tanto para a
divulgação do Projeto como para a realização de assembléias/reuniões. A
Light20 que emite comprovante de residência a partir do número de anos
que existe medidor de energia naquela moradia o que isenta os moradores
de taxas para obtenção de documentos junto às Associações de Moradores.
Destaca, que muitos moradores preferem utilizar outros mecanismos de
comprovação de tempo de moradia, pois as associações cobram de 10% a
20% do valor do imóvel na escritura. Salienta ainda que essas articulações
se dão muito mais de maneira informal (pessoa) do que pela instituição
como um todo, pois são parcerias estabelecidas com o indivíduo e não,
com a instituição em que ele atua ou faz parte.
Em relação aos parceiros colaboradores do projeto, os
representantes das associações de moradores são unânimes em afirmarem
a participação das associações nesse processo. O presidente da UPMMR
acrescenta que a ASPA (Ação Social Padre Anchieta); as lideranças
comunitárias – representantes de creches, associações de mulheres, ONGs
e moradores são parceiros na implementação e divulgação do projeto.
Segundo a representante da Vila Laboriaux/Vila Cruzado, além da FBR a
Arquidiocese do Rio de Janeiro atua como parceira no processo de

20
Ligth = Serviços de Eletrecidade S.A. da cidade do Rio de Janeiro.

87
regularização fundiária na Rocinha.
É importante frisar que a maioria dos parceiros enumerados pelo
o representante da UPMMR é constituída por parceiros que a assistente
social Lucélia denominou como não oficiais, caracterizando o forte
vínculo do Sr. Willian com as organizações da comunidade. A Srª Tatiane
mencionou como parceira apenas a Arquidiocese do Rio de Janeiro, a falta
de conhecimento em relação a essa questão pode ser explicada pelo fato
do Programa não ter sido iniciado no setor referente à Vila Laboriaux e
Vila Cruzado.
O site da Fundação Bento Rubião destaca como parcerias
realizadas pelo programa Terra e Habitação: Novib, Interamerican
Foudation, Misereor, Igreja São Pedro de Alcântara, União de Moradia
Popular - RJ, União Nacional de Moradia Popular, Caixa Econômica
Federal e Ministério das Cidades. Vale ressaltar, que o programa de
regularização fundiária realizado pela FBR na favela da Rocinha é uma
subdivisão do programa supracitado (www.bentorubiao.org.br).

● Sobre a população alvo do Projeto.

Em relação ao segmento da população alvo do Programa, a


assistente social da FBR afirma que o indivíduo necessariamente tem que
ser dono do terreno e, este último deve estar localizado na área que
delimitaram, inicialmente, para o trabalho. Acrescenta que o projeto não é
compulsório, ou seja, as famílias podem optar por aderir ou não ao projeto
de regularização fundiária. Contudo, explica que o objetivo do projeto é
atingir o maior número de posseiros, através de reuniões e cartilhas que
abordam a questão da regularização. Assim, sinaliza que a partir das
informações fornecidas os indivíduos terão argumentos suficientes para
avaliarem “se vale à pena ou não aderir ao projeto”. Mas, segundo sua

88
análise, há aqueles que entendem que declarar seu imóvel acarretará
prejuízos financeiros. Enfatiza afirmando que, na avaliação de muitos dos
moradores, o projeto não atende suas expectativas, na medida em que a
regularização se destina apenas ao terreno e, não ao imóvel como um todo.
Nesse sentido, coloca que os passos do projeto são: desenhar os
lotes; dizer a quem pertence aquele terreno se é de um único dono ou se é
fracionado, (quer dizer, pertence a vários posseiros). Após a essas etapas é
dada entrada do terreno no RGI (Registro Geral de Imóveis). Contudo,
para realizar esse registro é necessário o habite-se que é fornecido pela
Prefeitura, após o pagamento de uma taxa. Conclui que, necessariamente,
ocorrerá a cobrança do IPTU após esse processo. Verbaliza ainda, que os
bairros da Gávea e São Conrado cobram o IPTU mais alto no Rio de
Janeiro e, em algumas ocasiões, os moradores da Rocinha declaram que
residem nesses bairros, ou seja, não especificam que habitam na favela.
Desta forma, acabam por receber o IPTU altíssimo e entram na
inadimplência devido à falta de pagamento. Assim, acredita também que
muitos posseiros recusam participar do projeto, pois entendem que após a
regularização do terreno os impostos atrasados serão cobrados.
De acordo com o representante da AMABB, a FBR informou
que seriam fornecidos 1500 títulos de propriedade para os moradores do
bairro Barcelos, sem contar as outras áreas que ainda serão iniciadas.
Indaga-se sobre a questão do número total de moradias existentes no
bairro Barcelos e a quantidade reduzida de unidades imobiliárias
contempladas, oficialmente, pelo projeto. Segundo ele, a estimativa de
edificações existentes no bairro Barcelos está em torno de 5000 unidades
imobiliárias. Argumenta que o projeto deveria cobrir o número total de
edificações e, não apenas uma pequena parcela. Considera o projeto frágil,
na medida em que o mesmo não contempla a totalidade das edificações,
tampouco regulariza o terreno e também a edificação construída.

89
Verbaliza que essas informações não foram esclarecidas para a população,
pois “se chega a ser passada ninguém iria se inserir no projeto”. O
referido senhor destaca que o processo de regularização na área de Vila
Cruzado passará pelas mesmas dificuldades que se apresentaram no bairro
Barcelos, mas afirma que em Vila Laboriaux é uma divisão pequena da
favela e os moradores são mais organizados, por isso, o fornecimento do
título de propriedade será mais eficaz.
O presidente da UPMMR coloca que o grupo a ser trabalhado
são os moradores que estão interessados na regularização de sua
propriedade. Tal como o representante da AMABB afirma existir uma
cota, um número de pessoas a ser contempladas com a regularização de
seus imóveis. A representante de Vila Laboriaux e Vila Cruzado sinaliza
não ter conhecimento da existência de um grupo priorizado. Acredita que
todas as residências da localidade poderão se cadastrar para a
regularização de suas posses.
Segundo a assistente social Lucélia, o grupo prioritário a ser
assistido pelo o programa deve ser dono da propriedade a ser regularizada
e esta última deve estar localizada nos setores que foram anteriormente
delimitados para o processo de regularização do terreno. A falta de clareza
em relação ao objetivo do programa foi apontada pelo o Sr. Ivan como
uma questão que deve ser trabalhada pela Fundação Bento Rubião (FBR).
Seu questionamento se deve a não divulgação, por parte da FBR, sobre o
real objetivo do programa, pois, segundo ele, não chegou a ser esclarecido
pela Fundação que a regularização seria apenas do terreno e não do
imóvel. Nesse sentido, a fala do Sr. Ivan se contrapõe ao que colocou a
assistente social Lucélia. Essa última declarou, em sua entrevista, que
procura passar o máximo de informação sobre o programa durante as
reuniões, para que os próprios interessados no título de propriedade
possam avaliar os prós e contras da regularização de sua propriedade.

90
Contudo, acrescenta que a participação dos moradores não é satisfatória
dificultando a compreensão e posterior adesão dos mesmos.
Segundo o senhor mencionado, não foi esclarecido para a
população que a regularização seria apenas do terreno. Desta forma, a
maioria dos proprietários de imóveis acredita que a regularização também
será da edificação construída. Ressaltou, no entanto, que tem
conhecimento que o grupo prioritário para o atendimento contempla os
indivíduos que possuem imóveis nos setores delimitados pela FBR e que
estão interessados em regularizar sua propriedade.
Em entrevista, o Sr. Willian nos declarou que o grupo prioritário
seria o das pessoas interessadas em regularizar sua propriedade.
Acrescentou existir uma cota de regularizações por setores, porém, não
soube precisar o número. Já a Srª Tatiane entende que não exista um grupo
prioritário, acredita que são todos os possuidores de lotes/terrenos, da
localidade contemplada, que se interessarem pela regularização fundiária.
Segundo informações colhidas no site da Fundação Bento,
Rubião, esta faz uso de variados instrumentos jurídicos para garantir a
permanência e a posse da terra a grupos que se encontram sob eminência
de remoção. Para além da garantia do acesso à terra urbana e à infra-
estrutura, são realizadas ainda atividades complementares tais como:
levantamentos, elaboração de plantas dos assentamentos, cadastramentos
sócio-econômicos entre outros. Complementa afirmando que no decorrer
no ano de 2005 a instituição forneceu assessoria a 3.450 famílias em
processos de manutenção da posse e regularização fundiária em diversas
regiões do Estado do Rio de Janeiro perpassando desde Zona Central,
Zona Sul e Zona Norte, chegando aos bairros da Zona Oeste tais como:
Campo Grande e Bangu. As cidades do interior do Estado, Cabo Frio e
Macaé, também tiveram assessoria nesse campo. É importante ressaltar,
que de acordo com o site, na Favela da Rocinha 5.000 famílias estão em

91
processos de regularização fundiária, urbanística e ambiental, em parceria
com o Ministério das Cidades (www.bentorubiao.org.br).
Assim, todos concordam que é necessário repassar informações
sobre o Programa para a população. Curioso é que mesmo os presidentes
de associações, muitas vezes, não têm todos os dados desse programa e
reconhecem que, mesmo quando estão informados, a população vinculada
às suas associações desconhecem essas informações. Podemos então
concluir que as associações não estão desenvolvendo corretamente seu
papel no que diz respeito ao esclarecimento sobre o Programa.

● Sobre a interferência de Políticos


Em relação à interferência de políticos, a assistente social da
FBR destaca que não ocorreu a interferência destes na implementação do
projeto. Porém, muitos se valem do projeto, em andamento na Rocinha,
para fazer campanha política, ou seja, mesmo não sendo articulados ao
programa de regularização fundiária, desenvolvido na favela, absorvem
seus méritos para campanha política. Cita a Andréa Gouveia que utiliza o
projeto de forma eleitoreira, pois em seus discursos incorpora questões
sobre a regularização fundiária apresentando-se enquanto colaboradora
deste. “Ela promove algumas ações na comunidade e, nessas ações,
comenta a questão da regularização fundiária”. Existe ainda, segmento
políticos externo à Rocinha, que são as associações de moradores de São
Conrado e as comunidades do entorno, que olham a Rocinha enquanto um
perigo. Desta forma, entendem o processo de fornecimento do título de
posse como uma forma de fixar tais indivíduos na localidade próxima das
moradias de luxo. Verbaliza que a associação de São Conrado convidou a
FBR para várias reuniões, pois queriam discutir o projeto de regularização.

“Eles têm um projeto de remoção da Rocinha, apóiam

92
a ampliação/prolongamento do túnel para não se ver a
comunidade no trajeto às suas residências; cogitam a
construção de um muro para evitar a união da Rocinha
com a favela do Vidigal; sem contar as campanhas
para remoção da Rocinha”.

Os representantes das associações de moradores compartilham a


mesma opinião em relação à interferência de políticos no projeto. Segundo
eles, até a atual fase do projeto tal fato não ocorreu. Contudo, não
descartam essa possibilidade no período eleitoral.

O presidente da UPMMR confirma alguns vereadores


participaram de algumas reuniões, “mas participaram como público, para
ajudar, não para fazer política. Até porque não era uma época de política.
Então, não tiveram como utilizar o projeto politicamente e contribuíram
com idéias”.
A utilização de programas e/ou políticas públicas para garantir
vantagens políticas é muito comum na política brasileira. Historicamente o
clientelismo político perpassa a realidade do se “fazer política” em nossa
sociedade. Uma expressão característica do clientelismo é o voto
mercadoria, ou seja, a relação de barganha, em torno de vantagens
materiais, entre o eleitor e o cabo eleitoral. Representado por uma espécie
de líder local, que cuida dos interesses de seus representados,
principalmente junto às "autoridades públicas".
Desta forma, podemos dizer que o clientelismo é diretamente
oposto à democracia, sendo considerado ainda a apropriação privada da
coisa pública. A aceitação desse modelo avesso de “política” contribui
para um crescente e gradual desvio da democracia brasileira que vem se
manifestando no decorrer de nossa trajetória social. No entanto, com a
consolidação da democracia, através da socialização dos direitos de cada

93
cidadão e a organização desses últimos através de movimentos sociais pela
luta e garantia de suas demandas, podemos contar com um importante e
determinante fator para que o clientelismo seja reduzido a um patamar
insignificante.

● Sobre a interferência do tráfico de drogas


A interferência do tráfico de drogas, segundo a assistente social
da FBR, acontece quando a polícia invade a comunidade e entra em
conflito com os traficantes locais.

“Muitas vezes não podemos ir à campo e/ou reuniões


tiveram que ser desmarcadas, pois, durante os
conflitos entre polícia e traficante, as pessoas têm
medo de sair às ruas e encontrar o BOPE (Batalhão de
Operações Especiais da Polícia Militar) ou o Caverão
(carro blindado utilizado pelo BOPE nas investidas
nas favelas). No entanto, em vários momentos o
trabalho se fragilizou em decorrência do tráfico, por
conta da ação que ele tem na comunidade, mas não da
ação dele no projeto”.

O site da P. M. esclarece o que é operação especial da polícia


militar.

“É toda operação executada pelo BOPE, nos campos


da Defesa Pública, interna e territorial, caracterizada
pelo desenvolvimento de ações, com objetivos
específicos, para fazer frente a ocorrências que se
situem além da capacidade de ação das Unidades
Operacionais da PMERJ, exigindo o emprego da
tropa armada, equipada e especialmente treinada”
(www.policiamilitar.rj.gov.br/bope).

Os representantes das associações de moradores verbalizam que


não houve a interferência do tráfico no projeto. O representante da

94
AMMAB acrescenta que os traficantes apresentaram um receio inicial em
relação à implementação do projeto. Porém, após os devidos
esclarecimentos aquele receio inicial foi eliminado. Destaca que os
traficantes questionaram o trabalho realizado pela topografia, pois
efetuariam a descrição exata do terreno e, com isso, poderiam definir o
local específico da “boca de fumo”. As falas dos representantes da
UPMMR e da Vila Laboriaux/Vila Cruzado concluem que não ocorreu a
interferência do tráfico no projeto. A reação do Sr. Willian quando
indagado sobre a questão da interferência do tráfico foi interessante. Sua
resposta negativa foi incisiva, mudando logo de assunto. A Srª Tatiane
justifica argumentando que em sua área de abrangência não tem “boca de
fumo”.
● Sobre as estratégias para garantir a participação e controle
da execução do Programa
Em relação às estratégias adotadas para a garantia da
participação popular, o representante da AMMAB enumera as realizações
de visitas nas residências, com o objetivo de informar os moradores e de
divulgar quais são os benefícios em possuir o título de propriedade de sua
moradia.
Já o presidente da UPMMR acrescenta que, na maioria das
vezes, no decorrer de todo processo de intervenção ocorre certa
desmobilização e, continua sinalizando que elaboraram um plano de ação.
Segundo ele, suas ações estavam direcionadas em setores do sub – bairro
da Rocinha, assim, realizavam toda parte de divulgação e informação do
projeto para a população desses setores em um trabalho diário na
associação de moradores. Explica que as reuniões não atingiram todo o
montante da população desejada, devido, principalmente, ao clima de
tensão que a favela estava enfrentando com a ocupação da Rocinha pela
Polícia Militar. A representante de Vila Laboriaux e Vila Cruzado coloca

95
que a FBR está realizando um trabalho de divulgação em parceria com o
Posto de Saúde, com as creches e escolas da área. Porém, acredita não ser
necessária à utilização de tantos recursos como os que vêm sendo
empregados nos demais setores da Rocinha, pois entende que o número de
habitantes de sua localidade é consideravelmente menor que os do bairro
Barcelos e da UPMMR. Verbaliza ainda que a divulgação no “boca a
boca” será mais fácil, pois em sua localidade todas as pessoas se
conhecem e o mesmo não ocorre no bairro Barcelos, por exemplo, aonde
chega morador novo a todo instante.
Em relação aos processos adotados no controle e
acompanhamento da execução do projeto, a assistente social da FBR
afirma que adotou vários instrumentos para auxiliar o seu trabalho, são
eles: uma planilha de acompanhamento diário do cadastrador que é
utilizada para registrar os dados referentes às visitas domiciliares
realizadas com êxito ou não; a confecção de uma pasta de controle com os
documentos de cada morador que aderiu ao projeto; uma ficha de
orientação aos usuários que objetivam dar início ao processo de
regularização (esta contém os documentos necessários a serem entregues e
o local); o selo visita que é deixado nas residências em que, por mais de
três ocasiões, não foi possível abordar o posseiro; a declaração de recusa
do projeto.
Contudo, foi uma ficha criada mais que não teve nenhuma
assinatura, pois o indivíduo que recusa a adesão ao projeto recusa também
a assinatura de qualquer documento. A ficha de ocorrência foi criada para
facilitar a comunicação entre os membros da equipe; o caderno de visita
de usuários, onde é registrado o usuário que visitou o escritório da FBR
em busca de informações sobre o projeto; uma planilha em que consta o
estágio em que se encontra a ação do processo de regularização de cada
morador.

96
Na ocasião da entrevista a assistente social apresentou ainda o
cronograma do processo de regularização fundiária. Este documento
contém as etapas do processo, o primeiro passo para o morador recorrer à
obtenção da posse é a assembléia, o segundo é a topografia, o terceiro é o
cadastro, o quarto é a entrega de documentação dos moradores para a
FBR, o quinto é a assinatura de declaração e procuração, o sexto é a
confecção das plantas, o sétimo a petição e o oitavo a entrada no processo.
Esclarece que o bairro Barcelos está entre o quinto e o sétimo passo e que
nenhum morador deu entrada ao processo de regularização judicialmente.
Acrescenta que se trata de um processo muito demorado, que não depende
apenas da autorização do morador beneficiado para sua conclusão, pois
“após essa etapa ainda é necessário desenhar a planta do imóvel, apontar
os confrontantes, ou seja, quem é o proprietário da direita, o da esquerda e
o proprietário dos fundos”. Contudo, em muitas ocasiões não é possível
identificar tais posseiros. Afirma que Vila Laboriaux e Vila Cruzado estão
em estudo, pois fazem parte de uma área de proteção ambiental. Assim,
ressalta que a Prefeitura do Rio de Janeiro tem que definir as edificações
que não estão inseridas na área protegida. Apresenta como questões
relevantes para o impedimento do início da realização do processo de
regularização nessas áreas, a construção de várias moradias sob uma das
torres da Light e a construção de moradias sobre talvegues (rios não
canalizados). Sinaliza que:
“Pode existir habitação construída sobre um
talvegue, desde que seja canalizado e, em Vila
Cruzado, essa situação não foi resolvida. Deste
modo, essas casas também não podem ser
regularizadas e devem ser retiradas do local de
origem. Informa ainda que a GEORIO não forneceu
parecer exigindo a retirada das edificações. Porém, a
Rio Águas demarcou as moradias a serem removidas.
Nesse sentido, salienta que o órgão responsável pela
remoção e indenização das famílias é a Secretaria

97
Municipal de Habitação. Mas, de acordo com seu
relato, a SMH declarou que a Rocinha não é
prioridade”.

Os representantes da AMMAB e da UPMMR apresentam as


reuniões como um dos processos adotados para o controle do curso da
implementação do projeto. Enfatizam que durante o decorrer do processo
costumam apresentar suas dúvidas e questionamentos contribuindo para a
melhor realização do mesmo. No curso inverso a representante da Vila
Laboriaux e Vila Cruzado menciona que não foram discutidas formas de
controle na execução, pois acredita, como já colocou, “que em sua área o
processo não vai demorar tanto porque é menor”.
Segundo o Sr. Ivan, a forma que adotaram para acompanhar a
implementação do programa consistiu em participar das reuniões
realizadas pela FBR, mas acima de tudo em estar sempre presente e
indagando os conteúdos que não lhe pareciam claros e/ou poderiam ser
modificados/transformados para atender melhor as especificidades da
favela da Rocinha.
O Sr. Willian mencionou que participou da contratação da
equipe de topografia. Destacou que quando houve a divulgação do
ministro Márcio Fortes em relação à implementação do programa de
regularização na Rocinha, quando este já havia sido iniciado na
comunidade, procurou maiores informações com a assessoria do referido
ministro. O interesse do Sr. Willian sobre as questões referentes ao
programa foi abordado por ele como um método de controle e
acompanhamento da execução do programa em tela, além da participação
efetiva nas reuniões realizadas pela FBR. De acordo com a Srª Tatiane não
foi pensado pelos os representantes de sua área instrumentos de controle
do acompanhamento e execução do programa.
As falas do Sr. Ivan e do Sr. Willian demonstram a preocupação,

98
de cada um deles, em estarem presentes, participativos no processo de
tomada de decisão no decorrer da implementação do programa de
regularização, embora esse controle via participação popular não tenha
sido realizado, já que as associações não se colocam como um espaço
público para a tomada de decisões ou discussão.
A Srª Tatiane não apresenta essa preocupação. Devemos levar
em conta e garantir todos os canais de participação possíveis no desenrolar
de uma política pública, pois apesar do programa de regularização
fundiária da Rocinha estar sendo implantado por uma organização não
governamental este é um programa de interesse público desenvolvido pelo
governo federal pautado no programa Papel Passado.
Entendemos que para mudarmos a realidade política atual da
maioria dos municípios brasileiros e efetivarmos nossos direitos
garantidos na Constituição Federal de 1988, é preciso transformar a
maneira de se definir e implementar as políticas públicas no Brasil,
sobretudo, no plano local, distribuindo de maneira mais eqüitativa os
recursos disponíveis.
A democratização e a universalização dos direitos requerem tanto
uma sociedade civil fortalecida, como espaço e voz para poder participar
efetivamente. Contudo, a participação da sociedade civil nas políticas
públicas pressupõe o acesso à informação e transparência dos nossos
dirigentes na utilização dos recursos públicos. A população deve ter seu
espaço de participação garantido para que esta possa refletir sobre a sua
realidade, conhecer sobre os problemas enfrentados pela nossa sociedade,
para então tomar posição, fundamentar seus argumentos e articular-se a
grupos sociais interessados em interferir nos rumos da gestão pública
brasileira.
As estratégias apontadas pela a assistente social da FBR para
garantir a participação dos moradores são as que se segue: assembléias,

99
reuniões e a divulgação com carro de som. Acrescenta que um
mecanismo, que não obteve êxito, mas que seria uma forma de fortalecer
um grupo sem a interferência das associações de moradores são as
comissões. Continua afirmando que apenas no setor do bairro Barcelos
foram realizadas oito reuniões com os moradores e a equipe do projeto. A
assistente social começou uma metodologia de divulgar a reunião para os
moradores, dividindo a região por setores que comportavam três ruas cada.
Contudo, a metodologia mencionada acima também não apresentou os
resultados esperados. Desta forma, foi decidido pela equipe, que as últimas
reuniões, seriam divulgadas para comunidade em sua totalidade através de
carro de som e a distribuição de panfletos. Segundo a assistente social da
FBR, o produto dessa nova forma adotada para a divulgação atingiu suas
expectativas, pois apresentou um conteúdo de maior impacto na
comunidade.
Logo, destaca que no início do processo optaram por realizar a
divulgação por setores, divididos por um número definido de ruas (de três
em três ruas). No entanto, esse método não obteve um resultado
satisfatório forçando-os a elaborar uma outra estratégia. Nesse segundo
momento, a estratégia escolhida foi a divulgação do programa por toda a
favela em um carro de som e a distribuição de panfletos com informações
sobre o processo de regularização fundiária. De acordo com seu relato,
essa segunda estratégia apresentou um retorno maior em relação a
primeira.
As estratégias declaradas pelo Sr. Ivan se resumiram a apenas
uma. Esse último destacou as visitas domiciliares como estratégia de
divulgação do programa e, como conseqüência estimularia a participação
dos moradores. O Sr. Willian apresentou como estratégia um plano de
ação que dividiu a localidade em setores e, para posteriormente iniciarem
a divulgação. Segundo sua opinião, as reuniões organizadas pela FBR não

100
atingiram um número expressivo de pessoas devido ao período tenso, de
ocupação da favela pela P. M., em que a comunidade estava passando. A
Srª Tatiane colocou que em Vila Laboriaux e Vila Cruzado não é
necessário a elaboração de um plano estratégico para garantir a
participação dos moradores, pois se trata de uma particularidade da favela
da Rocinha. Tais localidades não possuem a complexidade e a
grandiosidade do bairro Barcelos, por exemplo, lá as pessoas se conhecem
e a maior estratégia será o “boca a boca”.
Podemos observar que é unânime entre os relatos a preocupação
em obter cada vez mais a participação dos moradores da favela, com
exceção da representante de Vila Laboriaux e Vila Cruzado que acredita
ser bem fácil a adesão dos moradores de sua área. A participação popular é
muito importante em todos esses processos de implementação de políticas,
programas, projetos, pois é nesse espaço onde poderão realizar o exercício
pleno da cidadania. Assim, a comunidade pode verbalizar suas demandas e
prioridades, não aceitando modelos prontos e/ou pré-estabelecidos
implantados de cima para baixo. A participação cidadã é fruto de muita
luta política, conquistada a partir dos movimentos sociais ao longo da
história da sociedade brasileira. Contrapõe-se ao modelo tradicional,
paternalista e clientelista das políticas públicas brasileira.

● Sobre a estrutura do Programa


A assistente social da FBR aponta que a estrutura administrativa
utilizada pelo projeto foi organizada a partir do cálculo realizado
considerando o número de famílias que seriam atingidas pelo projeto e o
tempo disponível para a efetivação do mesmo. A partir de então a equipe
estabeleceu o número mínimo necessário de cadastradores. Contudo,
devido ao significativo corte na verba disponibilizado pelo Governo
Federal, se fez necessário suprimir recursos humanos. Desta forma,

101
dispuseram de oito cadastradores contratados pela Fundação (estagiários
universitários das áreas de: serviço social, história, pedagogia,
administração e ciências sociais); uma (01) assistente social; um (01)
agente social; uma (01) secretária de campo; um (01) articulador de
campo; um (01) advogado com seus estagiários e um (01) arquiteto com
seus estagiários e oito cadastradores cedidos pelo ITERJ apenas pelo
período dos dois primeiros meses de projeto.
Os representantes das associações não têm conhecimento do
número total de profissionais envolvidos no projeto. O representante da
AMMAB verbaliza que o grupo de trabalho é inferior às necessidades e a
grandiosidade do projeto.
Em relação aos recursos humanos envolvidos no projeto, a
imprecisão das respostas dos representantes das associações de moradores
caracteriza a evidente falta de conhecimento e/ou esclarecimento dessa
questão. Fica claro que a FBR não estabeleceu esse diálogo com os
mesmos, apenas o Sr. Ivan demonstra ter consciência da necessidade de
um grupo de trabalho com um número maior de integrantes, pois dessa
forma, há a possibilidade de ocorrer um resultado satisfatório no que tange
ao processo de regularização fundiária. Na cartilha (Rocinha mais Legal:
uma questão de cidadania) oferecida pela FBR para a divulgação do
projeto de regularização a equipe técnica é apresentada conforme a
descrição abaixo:

Equipe de trabalho:
1) Coordenador executivo – Ricardo de Gôuvea Corrêa
2) Coordenação do programa terra e habitação – Valério da Silva
3) Consultora jurídica – Eliana Augusta de Carvalho Athayde

102
Equipe técnica
1) Coordenadora – Virgínia Murad (arquiteta e urbanista).

Área Social:
1) Coordenadora – Lucélia Ambrósio Irmão (assistente social)
2) Agente social – José Martins de Oliveira
3) Articulador – Gilson Cardoso

Área Jurídica
1) Coordenadora – Anamaria Ruivo de Mello (advogada)

Secretária de Campo – Aline Alves

● Sobre os bloqueios encontrados para a implementação do


Programa
Para a assistente social da FBR os bloqueios que impedem ou
inibem a realização das propostas progressistas, sobretudo no que tange a
questão da implementação do projeto, na área do bairro Barcelos, é o
posicionamento defensivo de algumas imobiliárias que administram
imóveis alugados no local. Estas, segundo a assistente social, costumam
boicotar o trabalho da FBR, pois, muitas vezes, não repassam para os
posseiros que devem procurar o escritório da Fundação para obterem
dados sobre o projeto. Nesse sentido, diz que muitos posseiros até a
presente data não têm conhecimento sobre o projeto. Afirma que não
entende o motivo pelos quais as imobiliárias recusam a parceria com o
projeto. Para ela os administradores não repassam para os proprietários
dos imóveis informações acerca do programa de regularização, pois acham
que o programa não irá beneficiá-los, quando na realidade entende que os
administradores serão beneficiados, já que poderão cobrar mais pela venda

103
e pelos os alugueis dos imóveis então regularizados. Acredita que a
regularização dos imóveis acarretará benefícios para os mesmos,
considerando que em uma área regularizada o indivíduo “sai da
ilegalidade para a formalidade e, assim os administradores poderão
cobrar mais pelos aluguéis e venda dos imóveis”.
O representante da AMMAB compartilha da mesma opinião da
assistente social da FBR sobre os administradores de imóveis. Segundo
ele, já foi realizado um trabalho com as imobiliárias locais para
desmistificar o ideário construído pelos administradores de imóveis. De
acordo com seu relato, os donos de administradoras não aceitam participar
das reuniões, mas lá tomariam conhecimento sobre o objetivo do programa
e desmistificariam o ideário que construíram sobre o programa. Contudo,
salienta que muitos deles “não querem que ocorra a regularização, por
falta de conhecimento sobre o programa. Eles acham que não vão ter
benefício nenhum com a regularização das propriedades”. Enfatiza que:

“O proprietário vai obter recursos através da


propriedade, ou seja, empréstimos, hipotecas. Ele
passa a ter um capital titulado, pois hoje os
proprietários têm um capital que apenas tem valor
dentro da Rocinha. Assim, não pode negociar esse
imóvel para fora da comunidade”.

Deste modo, acredita ser possível fazer com que esse capital
tenha valor em todo Rio de Janeiro.
O presidente da UPMMR contrapõe-se as afirmações anteriores
na medida em que salienta que não ocorreu nenhum impedimento para as
propostas progressistas. Aponta “que a comunidade estava aberta e não
teve nenhum tipo de resistência. O morador participou ativamente”.
A representante da Vila Laboriaux e Vila Cruzado compartilha
da mesma opinião do presidente a UPMMR, pois sinaliza que em sua área

104
de abrangência os moradores estão muito ansiosos com todo o processo e
não apresentaram resistências em relação à implementação do mesmo.
Podemos verificar os moradores podem estar insatisfeitos ou não
estarem interessados no Programa já que este não representa apenas
ganhos por parte da população, conforme entende a FBR e a maior parte
dos presidentes das associações. Há contradições nessa proposta, pois as
políticas criadas neste momento procuram formalizar os territórios
informais, transformando-as em um mercado fundiário-imobiliário
controlado pelo poder público, possibilitando-lhe melhor equilíbrio fiscal
na medida em que aumenta sua receita através da arrecadação de impostos
das novas áreas regularizadas. Essas políticas procuram ainda conter o
processo de densificação destas áreas aplicando um controle urbanístico.
Além disso, conforme nos referimos anteriormente, os custos decorrentes
do processo de regularização fundiária costumam expulsar do local as
populações mais empobrecidas. Por outro lado, trata-se de uma política
focalizada, já que vai se restringir a um pequeno grupo da população. Não
oferece alternativas para os inquilinos ou para aqueles que estão em área
de risco. Ao contrário do discurso da FBR que afirma que a regularização
fundiária deve ser um processo mais amplo implicando mesmo em ações
de urbanização, na Rocinha o Programa é bastante restrito. Não reconhece
minimamente os direitos dos ocupantes dessa área, ao mesmo tempo em
que será um Programa oneroso para a população atendida.

No que tange ao o plano de aplicação, empreiteiras terceirizadas


e os respectivos contratos, procedimentos e a prática de desembolso a
assistente social da FBR apresenta apenas a empresa de Topografia como
terceirizada. Acrescenta que a contratação da mesma se deu devido à
necessidade de uma “empresa especializada e que tenha os equipamentos
de topografia”.

105
Em relação à presença de empresas terceirizadas no projeto os
representantes das três associações entrevistadas afirmaram ter
conhecimento apenas da empresa de topografia. Porém, verbalizaram não
possuírem conhecimento específico sobre o respectivo contrato, os
procedimentos adotados para a contratação, tampouco sobre a prática de
desembolso. Isto revela a falta de controle dos interessados em relação às
empresas terceirizadas que devem priorizar interesses públicos.

106
CONCLUSÃO

No presente estudo buscamos realizar uma análise crítica


referente ao gradual processo de retirada do Estado brasileiro no que tange
a implementação das políticas públicas sociais, em particular as políticas
destinadas à área de habitação e, ainda observar a conseqüência da
transferência de suas responsabilidades para iniciativas da sociedade civil,
identificando práticas inerentes a nossa cultura política tradicional
sustentada pelo favor, elitismo e autoritarismo. Nosso olhar esteve
voltado, especialmente, às parcerias realizadas entre o Estado e a
sociedade civil, em particular a experiência do projeto de regularização
fundiária que vem sendo implementado na favela da Rocinha pela ONG
Bento Rubião, sinalizando os elementos de ruptura e continuidade da
política habitacional no Brasil permeada por práticas autoritárias, reflexo
da nossa cultura política tradicional.
No primeiro capítulo procuramos realizar um resgate histórico
sumário no que compreende a questão habitacional no Brasil,
especificamente, no Rio de Janeiro como também suas formas de
enfrentamento ao longo dos anos.
O surgimento das primeiras intervenções da política social
brasileira na área da habitação ocorreu no final do século XIX em resposta
ao crescente processo de urbanização desordenada, decorrente do
movimento de migração do campo para a cidade estimulado pelo processo
de industrialização em que se encontrava o país. O governo brasileiro
concedia incentivos fiscais às empresas privadas para a construção de
moradias para seus operários. Na realidade, esse panorama faz parte de

107
um programa de disciplinamento e reprodução da força de trabalho.
Percebemos ainda, que as intervenções públicas na área habitacional, na
primeira metade do século XX, não apresentam resultados expressivos
uma vez que eram caracterizadas por iniciativas que objetivavam
antecipar demandas das classes mais empobrecidas para que estas não
esboçassem algum nível de organização/mobilização. Apenas com a
abertura política iniciada ao final do Regime Militar que observamos o
esboço de grandes conquistas sociais, inclusive no que tange às políticas
habitacionais, pois o Estado paulatinamente, se torna mais democrático.
Na cidade do Rio de Janeiro, após a promulgação da Carta Constitucional
de 1988, observamos significativas transformações no que se refere às
políticas públicas para as favelas cariocas, uma vez que as orientações
contidas no Plano Diretor da cidade incorporam esses espaços como parte
integrante do cenário urbano, contrapondo o que era estabelecido no
Código de Obras de 1937 que não considerava a favela integrada ao
tecido urbano, tampouco os direitos dos favelados.
Nesse sentido, podemos afirmar que o Estado brasileiro,
historicamente, é caracterizado como centralizador de decisões, altamente
burocrático e autoritário. Que as críticas referentes ao nosso modelo de
proteção social são pautadas na multiplicidade de nuances que o delineia
como paternalista, clientelista e elitista. Contribuindo assim, com o
processo de desmobilização popular e limitando o exercício pleno da
cidadania.
Um número significativo da população da cidade do Rio de
Janeiro vive em condições sub-humanas. Os direitos sociais garantidos
pela Lei na Constituição de 1988 são ignorados/desrespeitados pelo poder
público, pois este não oferece, de maneira plena e universal, os canais de
utilização desses serviços.

108
Na década de 90, do século passado, o Estado brasileiro adota o
viés neoliberal como orientação econômico-social, dentre outras
conseqüências negativas para a sociedade, esse novo viés em nada
colabora para a redução das características autoritárias que permeiam a
cultura política do Brasil. Logo, o modelo neoliberal atua na contramão da
abertura de espaços de participação democrática e da garantia de direitos à
população. Esse contexto favorece a permanência de valores presentes na
em nossa cultura política como o paternalismo, o clientelismo, a falta de
participação popular, a corrupção e a cooptação, mencionados
anteriormente, como conseqüência perversa da utilização do Estado
apenas pela minoria dos setores dominantes da sociedade. Deste modo, se
faz necessário, para as condições de superação deste quadro de exploração
a abertura dos canais de participação, debates e discussões políticas. Tais
como: os Conselhos Municipais e Estaduais de Direitos, Movimentos
Sociais, ONGs, entre outros.
A discussão traçada no segundo capítulo nos possibilitou
verificar o papel das ONGs e, principalmente, sua contribuição no
contexto da política habitacional carioca. Para atingirmos tal objetivo
utilizamos a contribuição de Landim (2002), que demarca a evolução
histórica das denominadas Organizações Não Governamentais.
Constamos assim, que as ONGs no contexto brasileiro surgem no final do
século XIX, no âmbito da assistência social, da educação, da saúde, etc.
Sendo assim, nos anos pós 1930, período de crescimento do Estado, as
ONGs tiveram um papel relevante no que tange a prestação de seus
serviços para um expressivo contingente da população empobrecida, que
não eram incluídas como alvo das políticas sociais. A partir de 1970, a
participação das ONGs no cenário brasileiro começou a se intensificar,
pois vislumbramos a gênese de uma sociedade mais organizada e
combativa, que objetivava independência e um certo grau de autonomia

109
em relação ao Estado predominantemente autoritário. Nesse sentido, as
décadas de 1980 e de 1990 configuram-se como o período de evidente
progressão do crescimento dessas organizações.
A contribuição de Fernandes (2002) nos foi relevante na medida
em que nos acrescentou que embora os termos ONG e Terceiro Setor
possuam o mesmo sentido, a denominação Organização Não
Governamental tem sido mais vinculada e, caracteriza as organizações
que têm suas atividades direcionadas às questões que englobam o
cotidiano da coletividade. Contudo, apenas em 1986, no “Encontro
Nacional de Centros de Promoção Brasileiros” realizado na cidade do Rio
de Janeiro, que a nomenclatura ONG passou a ser utilizada. São ações que
perpassam desde intervenções na área da habitação, meio ambiente, etc. e,
fortalecem a atuação da sociedade civil.
Nossa análise nos possibilitou perceber ainda, que o poder local
é também responsável pela garantia da participação dos indivíduos no
acompanhamento das políticas, dos programas sociais e, acima de tudo, na
manutenção e acompanhamento do destino dos recursos da cidade. A
parceria também foi apresentada como uma questão importante, pois foi
apontada pela agenda Habitat como um elemento que favorece o
enfrentamento do monopólio do Estado a partir da mobilização dos
variados setores da sociedade civil. Constatamos que a formulação de
parcerias objetiva garantir a universalização do direito à habitação a todo
cidadão e, inclusive, fortalecer o desenvolvimento de assentamentos
humanos sustentáveis. No entanto, essas parcerias devem ter o controle
popular para o atendimento de necessidades que são públicas.
A partir do estudo realizado verificamos que não podemos
discutir as políticas sociais brasileiras sem levarmos em consideração a
relevância das Organizações sem fins lucrativos e sem mencionarmos as
características da cultura política tradicional do nosso país, em que

110
encontramos um modelo de política desenvolvido e orientado de cima
para baixo, sem a participação ou questionamento da população usuária
desses serviços. Desta forma, tais organizações podem contribuir para a
efetiva organização da sociedade civil, auxiliar no processo de promoção
da cidadania, entre outros. Mas, por outro lado, favorecer para ocultar o
processo de distanciamento gradual do Estado frente às políticas públicas.
No terceiro capítulo apresentamos um breve panorama da
Fundação Centro de defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião e, a
partir da análise dos parcos registros que nos foram disponibilizados,
percebemos que a referida ONG tem como prerrogativa difundir o
exercício da cidadania em consonância com a organização da população
empobrecida pela luta de seus direitos.
A FBR juntamente com a arquidiocese do Rio de Janeiro e o
Governo Federal, está desenvolvendo um trabalho de regularização
fundiária na favela da Rocinha que prevê o título de posse dos terrenos
ocupados. Entendemos que existe a preocupação acerca da problemática
da ocupação desordenada do espaço urbano carioca. Por isso, o governo
Federal estabeleceu convênio com a FBR objetivando cessar o
crescimento de moradias irregulares na cidade do Rio de Janeiro.
Contudo, se por um lado as ONGs contribuíram para a organização de
diversos setores da sociedade reivindicarem seus direitos, por outro, fica
claro que se os governos Federal, Estadual e Municipal estabelecerem
parcerias, com as organizações mencionadas, para a prestação de serviços
pontuais e, não a formulação de políticas universalizantes, a sociedade,
principalmente, as camadas mais pobres da população não conseguirão
efetivar seus direitos previstos em Lei.
Acreditamos que esse panorama contribui para a permanência da
cultura política orientada pela tradição patrimonial do mando pessoal e do
favor, pois não universaliza direitos e, sim, caracteriza uma intervenção

111
paliativa e pontual. Neste sentido, a população mais carente materialmente
absorve e/ou usufrui seus direitos como sendo a concessão de um favor. A
relação de favor, também denominada como o “jeitinho brasileiro”
ganhou grandes proporções em nossa sociedade incorporando-se a cultura
nacional. Tal “aceitação” pode ser justificada pela sutileza na forma de
dominação que, (...) “é mais dissimulada do que na relação escravista (a
outra relação da colônia) (...) Em termos políticos, fazer uso do favor
implica na aceitação, por parte da população, de que não possui direitos,
implica em delegar poder, em não exercer seu próprio poder” (GOMES,
2002:121). Deste modo, concluímos que o favor é um elemento que
caracteriza as relações de poder na sociedade brasileira, despolitiza
grandes parcelas da sociedade civil, que fica a mercê de seus governantes.
No capítulo quarto, discutimos a cruel realidade do processo de
urbanização do Brasil, em que verificamos um grande número de pessoas
habitando de maneira insalubre, em desacordo com as normas urbanísticas
previstas na Lei do país, e também, as formas de enfrentamento dessas
questões propostas atualmente pelo Governo Federal. Através das
contribuições de Fernandes (2001), que considera que o modelo de
urbanização brasileiro dificulta o acesso à terra, devido à permanência de
Leis ultrapassadas que não acompanharam a evolução histórica social,
procuramos mostrar que, de acordo com o conceito do autor mencionado,
a característica urbana se tornou uma questão estrutural e estruturante dos
processos de produção da cidade. Com isso, entendemos ser necessário
seu enfrentamento por meio de estratégias embasadas no planejamento
urbano e na gestão urbana, associadas às políticas sócio-econômicas.
Concluímos que, a partir da promulgação da Carta
Constitucional em 1988, o quadro jurídico brasileiro esboça uma
renovação. Nesse sentido, os habitantes de favelas conquistaram,
minimamente, o direito do acesso à terra. Verificamos ainda, que na

112
realidade brasileira a preocupação com o enfrentamento das questões
relacionadas à ilegalidade urbana emergiu no início da década de 90 do
século passado e marca o surgimento dos programas voltados para a
questão da regularização fundiária. A Emenda Constitucional n° 26, de 14
de fevereiro de 2000, garantiu a introdução do direito à moradia entre os
direitos sociais e em 10 de julho de 2001, sob a Lei n° 10.257,
observamos a criação do Estatuto da Cidade que prevê a formulação
de elementos jurídicos para a implementação da regulação fundiária.
Criado pelo Governo Federal o programa Papel Passado tem como
população alvo os indivíduos de baixa renda moradores de favelas.
Constatamos que na cidade do Rio de Janeiro o governo Federal
estabeleceu convênio com a Fundação Bento Rubião para
implementar, na favela da Rocinha, o programa de regularização
fundiária. Contudo, percebemos que tal política ainda é permeada por
ações de cunho eleitoreiro, pois representantes do Governo Federal
utilizam o programa, que já vem sendo desenvolvido na comunidade
da Rocinha desde 2004, como elemento de campanha eleitoral, .em
2006.
As condições de superação desse cenário, apenas serão
possíveis a partir do momento em que a população usuária dessas
políticas se organizarem para reivindicar intervenções públicas
habitacionais que estejam articuladas às políticas de saúde,
saneamento básico, educação, geração de trabalho e renda, entre
outras, pois somente assim, os moradores de habitações precárias em
áreas irregulares poderão usufruir de uma vida digna e saudável.
No quinto capítulo analisamos a experiência da Fundação
Bento Rubião na Rocinha, a partir das entrevistas realizadas com a

113
assistente social responsável pelo programa na comunidade e com os
representantes das Associações de Moradores do bairro Barcelos, da
UPMMR, da Vila Laboriaux e Vila Cruzado. Constatamos que a
implementação do programa de regularização fundiária na Rocinha
mantém a mesma lógica dos programas sociais pautados no ideário
da nossa cultura política tradicional que perdura ao longo dos anos.
Verificamos ainda, que expressa um modelo tradicional de
implementação de políticas públicas, que não difere em nada das
intervenções implementadas sem a participação popular, estabelecida
desde 1930. No exemplo analisado vimos que a participação da
população da Rocinha no Programa de Regularização Fundiária é pouco
significativa. A população, em sua maioria, segundo os próprios
informantes, desconhece dados importantes sobre o Programa e não houve
espaço para discussão/alteração do mesmo segundo as necessidades dos
moradores do local. O Programa tem sido implementado tal como foi
concebido pelo poder público, portanto, de cima para baixo, revelando o
autoritarismo no que diz respeito às ações governamentais. Sabemos que a
Regularização Fundiária atende a interesses contraditórios. De um lado,
responde aos interesses da população no sentido de lhe garantir o direito
de propriedade. Do outro lado, os interesses do capital estão presentes
com uma possível especulação imobiliária decorrente desse processo, bem
como dos interesses do poder público em relação ao controle e
desensificação da população favelada e aumento da arrecadação de
impostos, conforme nos referimos anteriormente. No que se refere à ONG
Bento Rubião sabemos, a partir das informações colocadas que ainda que
seu discurso enfatize a participação popular esta não está sendo garantida
na experiência analisada.

114
Deste modo, entendemos que a cultura política tradicional
brasileira, pautada no autoritarismo, no paternalismo, no elitismo,
entre outras denominações, persiste até os dias atuais. Assim, a
construção de políticas com bases democráticas faz parte de um
processo longo e que dependerá do esforço da população como um
todo na luta pela transformação de nossa cultura política e da relação
autoritária entre Estado e sociedade.
Não temos a pretensão de esgotar a discussão acerca do
tema. Contudo, nosso estudo pretende contribuir, minimante, para o
entendimento e abertura de novas análises referentes aos programas
de regularização fundiária desenvolvidos pelo Governo Federal e a
contribuição das ONGs nesse processo.

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