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SERVIÇO SOCIAL
Poções - BA
2016
1
MICAELLEN OLIVEIRA GOMES
Poções - BA
2016
2
Dedico este Trabalho de Conclusão de
Curso a minha família!
3
AGRADECIMENTOS
4
O insucesso é apenas uma oportunidade para
recomeçar de novo com mais inteligência.
(Henry Ford)
5
GOMES. Micaellen Oliveira. O PAPEL DO SERVIÇO SOCIAL COM A
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA. 2016. 43 páginas. Trabalho de
Conclusão de Curso Graduação em Serviço Social – Unopar, Universidade
Norte do Paraná.
RESUMO
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GOMES. MICAELLEN OLIVEIRA.THE ROLE OF SOCIAL SERVICE WITH
POPULATION IN STREET SITUATION. 2016. 43 PAGES. WORK
COMPLETION COURSE DEGREE IN SOCIAL WORK UNOPAR, NORTH
UNIVERSITY OF PARANÁ.
ABSTRACT
This Work Course Conclusion (TCC) has its study on the theme The Role of
Social Services to the Population Homeless. The work deals with the reality
of the homeless, analyzing their existential territories, their attachment
points, how is the occupation of public space and the strategies developed
by them to build their lives in a complete social exclusion scenario. We seek
to understand the reasons that lead people to the streets, the factors that
cause them to remain and those who lead them to leave the streets or
relocating. Still shows the Confronting policies to alleviate the situation of
misery and social exclusion that is subject to homeless people. It
emphasizes the need to think of homeless people as subjects of rights and
not as objects of charity.
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SUMÁRIO
1-INTRODUÇÃO.......................................................................................................09
8
1. INTRODUÇÃO
9
imposta pela natureza seletiva de programas, projetos e serviços são fatores
que contribuem com o não alcance da população em situação de rua. (SILVA,
2009).
No entanto, segundo Silva (2009), existem ainda outros fatores
que contribuem para este distanciamento entre a população em situação de
rua e a efetivação de seus direitos enquanto cidadãos, entre eles as marcas
históricas impregnadas na política de assistência social. Esta é a política que
possui mais programas dirigidos a esse segmento, sobretudo programas de
acolhida temporária como abrigos, albergues, moradias provisórias,
repúblicas. Além disso, o preconceito e o estigma social que atingem a
população em situação de rua constituem outro ângulo de explicação para
essa completa vulnerabilidade e falta de proteção social. (SILVA, 2009).
Há muitas demandas que acabam por vezes a limitar a ação
profissional impedindo-a de romper com as barreiras do pontual e
emergencial tanto por exigirem uma atuação diferenciada e rápida por parte
dos profissionais de Serviço Social.
Neste contexto, Vasconcelos (2003) explicita, como sendo
desafios para Serviço Social o enfrentamento dos problemas cotidianos sem
descolá-los de suas causas estruturais, ou seja, da forma como a sociedade
está organizada com o sistema capitalista de exploração e precarização do
trabalho. Neste sentido, o assistente social ao atender casos isolados
dotados de especificidades não deve perder de vista a dimensão dos
interesses coletivos, pois é aí que se encontram as possibilidades e as
respostas aos problemas que são aparentemente individuais.
1.1 OBJETIVOS:
10
Conhecer a realidade da população em situação de rua;
Analisar as políticas públicas direcionadas a População em Situação de
Rua;
1.2 JUSTIFICATIVA:
1.3 METODOLOGIA:
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2. POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: ASPECTOS GERAIS
12
se apenas de conhecer os seus problemas e de buscar uma solução cientifica
para eles. Em outras palavras, a sociedade é boa, sendo necessário, apenas,
"curar as suas doenças".
Já os pensadores Marx e Engels (1848), defendiam que a
superação definitiva de tal sistema seria alcançada por uma sociedade sem
classes. Contudo, para que isso fosse possível, os trabalhadores deveriam
conduzir um processo revolucionário incumbido da missão de colocar a si
mesmos frente ao Estado, com a instalação de uma ditadura do proletariado.
Esse regime ditatorial teria a função de assumir os meios de
produção e socializar igualmente as riquezas. Dessa forma, seriam dados os
primeiros passos para o alcance de uma sociedade igualitária. Na medida em
que essa situação de igualdade fosse aprimorada, o governo proletário
cederia lugar para uma sociedade comunista onde o Estado e as
propriedades seriam finalmente extintas. (SOUZA, 2001, p. 53).
A origem da população em situação de rua é uma expressão da
exclusão social, que a cada dia mais vem atingindo a população brasileira.
Alguns autores, tais como Costa (2005) e Silva (2009), afirmam que os fatores
que contribuem para o crescimento do fenômeno população em situação de
rua estão fortemente ligados a questão do trabalho e renda desde o momento
em que surgiu na história da humanidade. Esta problemática é considerada
uma expressão da questão social que aparece como consequência das
transformações que ocorreram na sociedade para atender exigências
capitalistas.
A sociedade brasileira e demais sociedades capitalistas tem
presenciado um processo de reestruturação desde as últimas três décadas, a
qual vem atingindo fortemente o campo do trabalho. Ao contrário das ideias
que advogam o fim do trabalho e da classe operária, trata-se de um processo
complexo e multifacetado, que não atingiu apenas a classe operária, mas, ao
contrário, incide fortemente, ainda que de forma desigual, no conjunto dos
assalariados e dos grupos sociais que vivem do trabalho (Hirata e Pretéceille,
2002).
Diante desta realidade a autora Costa (2009), afirma que é
possível verificar uma grande diferença na situação de vida da população
trabalhadora. Nesse contexto a sociedade torna-se dependente do consumo e
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o trabalho torna-se cada vez mais importante e fundamental para que os
cidadãos possam manter sua sobrevivência; porém com a lógica de
acumulação de capital e com as desigualdades geradas por todas estas
modificações, nem todos podem ter acesso ao mundo do trabalho formal e,
assim, muitos trabalhadores vêm tendo os seus direitos violados e perdendo
seus empregos, passando a ficar apenas disponíveis para o mercado, para
quando este precisar da sua força produtiva a custos baixos.
Segundo L. Morandi (2004), o estoque líquido de Riqueza
Privada no Brasil, no ano de 1970 equivalia a 1,97 do PIB, já no ano de 1995,
equivalia a 2,82. Isso ocorre em consequência de que o desemprego, a
recessão, a queda de renda atingem, em primeiro lugar, as camadas de renda
mais baixa da população. A proporção de pobres no Brasil encontra-se em
21,9 pontos percentuais acima do padrão internacional de países com
renda per capita igual a sua. Isso reforça a tese de que a principal causa da
pobreza é a péssima distribuição de renda e não a sua escassez. Isso passou
a ocorrer com mais intensidade na medida em que se operou a globalização
com a abertura das fronteiras e dos mercados, com a acumulação das
riquezas nas mãos de poucos, em razão da individualização dos lucros.
Outro aspecto que tem de ser entendido como forte gerador de
desigualdade salarial é a falta de acesso do trabalhador à educação. Países
como o Brasil têm se preocupado com investimentos em capital físico e
tecnológico nessa área, relegando para um nível secundário o investimento
em material humano. Verifica-se que a falta do trabalho segrega o ser
humano, deixando sem condições de acesso à escolaridade a ele próprio e
seus filhos, produzindo-se um círculo vicioso. Realmente, sem trabalho digno
não há condições dignas de sobrevivência, nem de educação. Sem educação
não se pode disputar um mercado de trabalho imensamente restrito e
qualificado, pois o pobre não consegue deixar esse círculo por si mesmo, a
menos que, de alguma forma, haja a intervenção de terceiro.
Portanto, é necessária uma melhor distribuição de renda e de
riqueza, uma vez que da riqueza extrai-se renda e com a renda as pessoas
podem ter acesso às condições dignas de sobrevivência.
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Historicamente o fenômeno da população em situação de rua
sempre esteve presente no seio e no cotidiano de nossa sociedade brasileira,
porém com outras denominações, conhecida entre as décadas de 1970 a
1980 por “mendigos”; está a nomenclatura aplicada para as pessoas que
habitam as ruas.
De acordo com Bottil et al (2009), no Brasil uma grande parcela
da população tem a sua realidade marcada pela pobreza extrema e utilizam a
rua ou locais inapropriados para a sua moradia. Este autor afirma também que
existem “endereços tão precários (áreas faveladas, ocupações de áreas
próximas a estradas e rodovias, ocupações de áreas de eminente risco, etc.)
que, em última análise, facilmente rivalizam sob o ponto de vista da
precariedade com qualquer logradouro público” (BOTTIL et al, 2009, p. 164).
Conforme GIORGETTI (2006), a população em situação de rua
é:
Todo indivíduo migrante, imigrante ou nascido em uma grande
metrópole, que tem o seu ‘fundo de consumo [completamente]
dilapidado’ e não consegue mais repor tal fundo e promover o
seu bem-estar. Após atravessar um momento em que ocorre
o afastamento do mercado de trabalho, a desestruturação
familiar e o rompimento com as antigas relações que
compunham sua rede de sociabilidade (sem falar, na maioria
dos casos, da dolorosa experiência do preconceito social),
esses indivíduos passam a depender da rede pública de
proteção social, quando não se apropriam do espaço público,
transformando-o em moradia. (GIORGETTI, 2006, p.25).
15
No ano de 2007 à 2008, realizou-se um estudo, que buscou
levantar dados acerca da caracterização socioeconômica da população em
situação de rua no Brasil, por meio de entrevistas aplicadas às pessoas que
estavam vivendo nesta realidade de risco social. Este estudo foi nomeado por
Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua.
De acordo com o que foi apresentado nos dados da Pesquisa
Nacional Sobre População em Situação de Rua (2008), dentre o total de
pessoas que participaram deste levantamento, 71,3% delas informaram pelo
menos um desses três motivos, como sendo o principal fator que fortemente
influenciou a sua inserção à esta condição de vulnerabilidade, problemas
relacionados ao alcoolismo ou drogas 35,5%, desemprego 29,8% e
desavença com familiares (pai/mãe/irmão) 29,1%. Os demais informaram que
os motivos seriam outros, além destes apresentados, não sabendo ou não
querendo especificar quais as causas para estarem vivendo nessa realidade.
Com estas informações é possível avaliar que as principais
causas que levam as pessoas a morar e sobreviver nos espaços da rua estão
em sua maioria relacionados aos fatores de origem estrutural e biográfica.
Fraga (2011, p.29) analisa que estes fatores que dão origem a condição de
população em situação de rua, por muitas vezes podem estar entrelaçados
uns nos outros, ou seja:
Um pode ser causa ou consequência do outro.
Exemplificando, pode-se dizer que em alguns casos o
rompimento ou fragilização dos vínculos familiares podem
estar vinculados ao desemprego e/ou ao alcoolismo e uso de
drogas, ou vice e versa. Estes fatores de forma isolada ou
inter-relacionados podem conduzir o indivíduo a situação de
rua (FRAGA, 2011, p.29).
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2.2 Conceito do Termo População em Situação de Rua
17
utilidade social poderia atribuir-lhes” (Castel, 1997, p. 181). Para sua
sobrevivência, como todos na sociedade de consumo, dependem do mercado.
A diferença está em que este mesmo mercado não mais precisa de sua força
de trabalho, único valor de que dispõem para o processo de troca. Como não
participam do processo de circulação de mercadorias, simplesmente sobram.
Nesse contexto, insere-se a população em situação de rua. São
homens, mulheres, jovens, famílias inteiras, grupos, que têm em sua trajetória
a referência de ter realizado alguma atividade laboral, que foi importante na
constituição de suas identidades sociais. Com o tempo, algum infortúnio
atingiu suas vidas, seja a perda do emprego, seja o rompimento de algum laço
afetivo, fazendo com que aos poucos fossem perdendo a perspectiva de
projeto de vida, passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência e
moradia. (COSTA, 2005, p.19).
De acordo com Bulla, et al (2004, p. 113-114), de uma forma
geral, a população em situação de rua apresentam-se com vestimentas sujas
e sapatos surrados, denotando a pauperização da condição de moradia na
rua; no entanto, nos pertences que carregam, expressam sua individualidade
e seu senso estético.
Snow e Anderson (1998, p. 77) afirmam que o mundo social da
população em situação de rua constitui-se em uma subcultura, ainda que
limitada ou incompleta. Trata-se de um mundo social que não é criado ou
escolhido pelas pessoas que vivem nas ruas, pelo menos inicialmente, mas
para o qual foram empurradas por circunstâncias alheias ao seu controle.
Partilham, contudo, do mesmo destino, o de sobreviver nas ruas e becos das
grandes cidades.
A população em situação de rua se encontra em estado de
extrema pobreza. Seu espaço social é demarcado pela falta de recursos que
possibilitem uma moradia digna. Sofrem o estigma da rejeição e da
invisibilidade social. Na luta pela sobrevivência, os sujeitos buscam assegurar
o direito a sua cidade, seu território e o respeito diante das adversidades
sociais e culturais.
Dentro da perspectiva do território, a população em situação de
rua está em decadência dos vínculos empregatícios, o que reforça a falta de
subsídios para criar possibilidades de trabalho entre esses sujeitos. A
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desestruturação, em um contexto onde os direitos sociais e a busca pela
dignidade disputam, lado a lado, um lugar para serem reconhecidos e
conquistados, fortalece o discurso pelo qual as potencialidades individuais e
do grupo são reduzidas e a vulnerabilidade atinge, diretamente, não só a
família, mas também a autoimagem, a autoestima e a identidade subjetiva.
Marília Sotero (2009) afirma:
A população em situação de rua vive em permanente estado
de vulnerabilidade. São vulneráveis por não ter documentos e
certidões, indispensáveis à cidadania. Vulneráveis por não
possuir casa, dinheiro ou emprego fixo. São vulneráveis,
enfim, por não ter acesso à educação e por encontrarem
dificuldade até mesmo para receber cuidado de saúde. Esses
fatores ampliam situações de violência, fome e medo que
esse grupo vivencia em seu cotidiano. (Marília Sotero, 2009,
p.799).
19
desigualdades sociais. “O preconceito torna-se, portanto, uma espécie de
barreira que faz com que o indivíduo sinta-se intimidado a exercer seu direito
de ir e vir, de efetuar transações bancárias, de consumir e até mesmo de
procurar os serviços de saúde” (FRAGA, 2011, p. 33).
Segundo as afirmações de Bessa (2009), alguns Estados
brasileiros, por considerarem essa população extremamente perigosa,
recorrem a práticas higienistas com o intuito de eliminar esta problemática da
sociedade, utilizando-se de métodos violentos tais como “massacres,
extermínios ou recolhimento forçado das ruas” (BESSA, 2009, p. 88).
Sudbrack (2004) afirma que diversos municípios brasileiros tem
adotado a prática de remoção forçada dos moradores de rua dos locais que
estão vivendo e direcionando-os para localidades mais pobres, muitas vezes
essas cidades recorrem ao extermínio desta população. O autor destaca que
o extermínio da população em situação de rua no Brasil ocorre principalmente
nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Recife.
Grande parte da população não integrante do fenômeno
população em situação de rua é a favor da remoção ou extermínio deste
segmento populacional, pois acreditam que estes não passam de ladrões,
mendigos e que se encontram nessas condições de vulnerabilidade por opção
própria, que há oportunidades de desenvolverem atividades que possam
mudar suas condições de vida, mas que esses não querem aproveitá-las
creem que a inserção no fenômeno é fruto de escolhas individuais.
Portanto, os preconceitos têm sua sustentação em bases
afetivas e irracionais, amparadas na desinformação, na ignorância, no
moralismo, no conservadorismo e também no conformismo. Heller (1989)
afirma que o preconceito, abstratamente considerado, é sempre moralmente
negativo. Porque “todo preconceito impede a autonomia do homem, ou seja,
diminui sua liberdade relativa diante do ato de escolha, ao deformar e
consequentemente, estreitar a margem real de alternativa do indivíduo”
(HELLER, 1989 p. 59).
Giorgetti (2006, p. 20), afirma que “quanto maior for o
preconceito negativo em relação ao morador de rua, menor a possibilidade de
ele ter reconhecida sua cidadania”. No intuito de compreender as
representações sociais que fundamentam o preconceito sobre as pessoas em
20
situação de rua a autora supracitada classifica o preconceito como uma
mediação da exclusão social, pois, “sua definição supõe um julgamento
antecipado ou prematuro que pode assumir características excludentes”
(GIORGETTI, 2006, p. 62).
A reflexão realizada por Giorgetti (2006) nos leva a pensar
acerca de quantas vezes ao passar por uma pessoa em situação de rua já o
prejulgamos de forma negativa, sem nem sequer conhecer sua trajetória de
vida e as condições sociais e econômicas que o levaram a tal situação.
Segundo PINSKY (2007) o preconceito materializado em
diferentes formas de discriminação, é uma realidade objetiva para amplos
segmentos de homens e mulheres. Isso porque as diferenças no jeito de ser e
viver tem significado uma área fácil para a manifestação de múltiplas
modalidades de opressão. Raça, etnia, gênero, orientação sexual e outros,
são alvos de questões historicamente ligadas à intolerância e ao preconceito.
PINSKY (2007) adverte para o entendimento de que:
O preconceito abstratamente considerado, via de regra
apresenta-se com conteúdo oxilógico negativo. Isso porque,
todo preconceito impede a autonomia do homem, ou seja,
diminui sua liberdade relativa diante do ato de escolha, ao
reformar e, consequentemente estreitar a margem real de
alternativa do indivíduo. (PINSKY, 2007, p.65).
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sujeitos, revela-se essencial o desenvolvimento de políticas públicas que
barrem, na prática, os rótulos de exclusão, que sejam capazes de permitir o
acesso sem fronteiras, com ações que garantam a permanência e a inclusão
daqueles em maior situação de risco social.
A realidade constituída para a população em situação de rua é
um desafio para intervenções voltadas para o seu contexto organizativo e as
estratégias de sobrevivência desenvolvidas no espaço urbano. As propostas
que envolvem um modelo assistencial que atenda uma população em
situação de vulnerabilidade e exclusão se aproximam mais da utopia por
desconsiderarem os desejos e as necessidades do ponto de vista de quem
vive o cotidiano das ruas. Fatores, esses, que distanciam as políticas de
cuidado e acessibilidade reivindicadas pela população em situação de rua,
sendo um agravo na reestruturação da identidade e nas possibilidades de
acesso aos direitos de todo cidadão.
É necessário buscar uma participação ativa nos programas e
serviços voltados para esse público, bem como a criação de espaços como
fóruns, debates e reuniões que discutam as práticas e o acesso a redes
básicas de saúde, moradia, emprego, alimentação, educação, lazer e esporte.
Também devem exigir o cuidar humanizado as necessidades da população
em situação de rua.
As ações especificadas percorrem um caminho que envolve uma
prática na política de redução de danos, dentro dos princípios de equidade,
uma atenção assistencial que considere a população em situação de rua
dentro de sua realidade, oferecendo estratégias de defesa pela vida e
multiplicando possibilidades de resgate da cidadania e garantia dos seus
direitos.
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3. DEFINIÇÕES DE POBREZA E SUAS CAUSAS
24
classe trabalhadora significava não possuir renda suficiente para o
atendimento das necessidades básicas. Os pobres eram aqueles que
permaneciam no mercado informal, e que por constituírem a parte atrasada da
economia, em oposição à modernização do trabalho formal, não conseguiam
romper com a lógica da pobreza e adotar os novos valores urbanos-industriais
das sociedades capitalistas desenvolvidas (CERQUEIRA, 2011, p.33).
Na segunda metade da década de 1970, e ainda ao longo da
década seguinte, a pobreza passou a ser entendida não somente como
reflexo da não inserção no mercado de trabalho, mas como resultado de uma
admissão laboral precária e instável. Nesta terceira fase o pobre se
transformou no trabalhador cuja renda não lhe permitia viver dignamente, e
cujo status de trabalhador era eventualmente questionado (CERQUEIRA,
2011, p.33).
O significado de pobreza passou a corresponder à insuficiência,
e o pobre começou a ser chamado de população de baixa renda. Para
Valladares (1991), essa classificação do pobre consentiu tornar a ação social
do governo no combate à pobreza mais focalizada. Os pobres não eram mais
identificados como marginais ou vadios, mas como trabalhadores que não se
apropriavam do desenvolvimento econômico e do bem-estar social. A pobreza
passou a refletir a desigualdade, e a segregação entre ricos e pobres ficava
cada vez mais evidentes com a criação de periferias nas grandes cidades,
também presente na contemporaneidade.
Existem muitos discursos acerca da pobreza sob diferentes
focos: sanitarista, jurídico, político, econômico. A evolução dos conceitos
revela uma estreita relação com a própria trajetória do processo de
urbanização, com as transformações que ocorrem no mercado de trabalho
urbano, com a inserção da população pobre nas cidades e com o papel de
ator social e político que vem sendo atribuído às camadas populares ao longo
do tempo (VALLADARES, 1991).
De acordo com Cerqueira (2011), o avanço da urbanização da
pobreza ocorreu concomitantemente ao forte êxodo rural, capaz de gerar um
enorme excedente de mão-de-obra pouco qualificada e de baixa escolaridade
que perambulava pelas cidades industrializadas. Aqueles poucos que
conseguiam um emprego formal, muitas vezes não eram capazes de arcar
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com o sustento da sua família, tendo em vista os baixos salários e a dinâmica
distinta entre campo e cidade.
Para Lavinas (2003), a pobreza deve ser abordada como um
fato eminentemente urbano, não apenas porque a maioria dos pobres vive
nas cidades, mas principalmente porque a sua reprodução é mediada pela
reprodução do modo urbano das condições de vida, através da dinâmica do
mercado de trabalho e do caráter do sistema de proteção social. Cada período
da história corresponde a uma ideia particular e distinta da pobreza urbana.
Se antes da sociedade burguesa, a pobreza encontrava-se
ligada a um quadro de escassez, pela lógica do aumento de riquezas, esse
quadro estava propenso a se reduzir. Todavia, o fato é que a reprodução da
pobreza foi potencializada, pois as condições que pressupunham sua
redução, e quiçá sua supressão, são justamente as alavancas para um
sistema econômico firmado na desigualdade e na injustiça social (NETTO,
2001).
Segundo Cerqueira (2011), a relação entre capital e trabalho,
especialmente a exploração da massa de trabalhadores, não trouxe somente
o desemprego como resultado relevante; outro reflexo desse novo sistema
socioeconômico foi o processo de pauperização da classe trabalhadora. A
pauperização, ou pauperismo6, constitui o aspecto mais imediato da
instauração do capitalismo em seu estágio industrial, e é uma condição para
que a riqueza se desenvolva e a produção capitalista se mantenha.
A pauperização pode ser classificada como absoluta ou relativa.
A pauperização absoluta é identificada quando as condições de vida e
trabalho dos proletários experimentam uma degradação geral (queda do
salário e dos padrões de alimentação e moradia, intensificação do ritmo de
trabalho, aumento do desemprego, entre outras). A pauperização relativa, por
sua vez, caracteriza-se pela degradação parcial das condições de vida e
trabalho dos proletários através do crescimento da parte apropriada pelos
capitalistas, e pode ocorrer mesmo quando as condições de vida dos
trabalhadores melhoram (NETTO; BRAZ, 2006).
Segundo Lavinas (2003), a pobreza é um estado de carência e
privação que pode colocar em risco a própria condição humana. Ser pobre é
ter a sua cidadania ameaçada, seja pela não satisfação de necessidades
26
básicas (fisiológicas e outras), seja pela incapacidade de mobilizar esforços e
meios em prol da satisfação de tais necessidades; é não se beneficiar de um
padrão de subsistência mínimo, baseado na ingestão diária de um dado valor
calórico; é não poder usufruir plenamente das condições de vida que lhe
permitem atuar de forma participativa em uma sociedade.
Tal discussão acerca da delimitação do conceito de pobre
desperta a atenção sobre como identificar, analisar ou estimar a pobreza,
considerando se tratar de uma construção social. É importante ressaltar que
pobreza não pode ser definida como um estado quantitativo em si mesmo, ela
é sempre um estado relativo, haja vista que expressa a existência de vínculos
entre aqueles designados como pobres e os demais. Também não é possível
escapar da máxima de que a pobreza é uma consequência da desigualdade
extrema imposta pelo mercado de trabalho, através de empregos sem
qualificação e salários irrisórios, aquém dos patamares de subsistência
(CERQUEIRA, 2011, p. 35).
Segundo Salama e Destremau (2001), as causas da pobreza
são basicamente duas: as voluntárias e as involuntárias. Na Inglaterra,
Thomas Malthus culpabilizava os pobres por sua condição de pobreza, e por
muitos anos essa ideia manteve-se intacta. Para ele, as causas da pobreza
estavam diretamente relacionadas à velocidade com que os pobres se
reproduziam, que se mostrava superior à velocidade de produção dos
alimentos.
Com o surgimento das Poor Laws inglesas, os pobres eram
classificados para, posteriormente, serem alocados em determinados espaços
que obrigavam o trabalho. Os órfãos, os doentes e as viúvas eram rotulados
como pobres involuntários, e por isso, dignos, enquanto os desempregados
eram classificados como pobres voluntários, já que não queriam trabalhar
para se manter, e por essa razão, eram indignos. A pobreza, então, era
entendida como uma condição natural das pessoas que, por alguma situação,
precisavam de amparo; por outro lado, a mendicância mostrava uma
deformação do caráter, não merecendo qualquer apoio ou ajuda (SALAMA;
DESTREMAU, 2001). Sendo assim, é possível compreender que as causas
da pobreza estiveram sempre relacionadas às condições de vida, saúde,
trabalho e renda.
27
Partindo do pressuposto que o conjunto de pobres de uma
determinada nação possui composição heterogênea quanto aos seus
rendimentos, alguns vivendo abaixo do mínimo vital, outros numa situação um
pouco menos crítica, mas ainda bastante adversa, é possível calcular a
intensidade da pobreza a partir de uma medida de desigualdade
(CERQUEIRA, 2011, p.36)
Esse cálculo é baseado em um indicador de pobreza relativa8,
no qual o rendimento mínimo é fixado na proporção de 2/3 da renda média da
população. Os indivíduos cuja renda per capita for inferior a tal valor já estão
automaticamente suscetíveis a serem atendidos pelas políticas assistenciais.
Vivem na pobreza absoluta ou na indigência todos aqueles que possuem seu
déficit de renda abaixo do mínimo de consumo vital (CERQUEIRA, 2011,
p.36) É válido frisar que a pobreza não deve ser apenas
compreendida como resultado da iníqua distribuição de renda e poder, mas
também da distribuição dos meios de produção e das relações entre as
classes, atingindo a totalidade da vida dos indivíduos sociais (IAMAMOTO,
2001), ou seja, não se trata simplesmente da restrição de renda ou ausência
de bem-estar, mas do não acesso a oportunidades que estimulem as
capacidades dessas pessoas, impedindo que conquistem ou resgatem a sua
autonomia.
Segundo Cerqueira (2011), as condições enfrentadas pela
população em situação de rua exemplificam muito bem a situação exposta. A
perda do emprego, a precarização das relações informais de trabalho, a
instabilidade econômica e a inadequação aos sistemas de proteção social
incitam a perda da sua identidade produtiva e pessoal. O indivíduo encontra-
se isolado, desfiliado10, pois é consciente de que a ausência de renda e as
condições de extrema pobreza em que vive reduzem significativamente a
probabilidade de ressocialização. Não se percebe, por parte do poder público,
uma tentativa real de emancipação pela via da qualificação e reinserção no
mercado de trabalho, desenvolvendo a capacidade de auto alavancagem
dessas pessoas para que alcancem níveis minimamente aceitáveis de
qualidade de vida.
É notável que o pobre não consegue se apropriar do
crescimento e da prosperidade econômica do país em que vive. Mesmo
28
integrado ao sistema, ele mantém-se alheio ao que o cerca, demonstrando
certa inadequação social, que se manifesta em uma inserção precária,
instável e frágil na economia, o que provoca no indivíduo o sofrimento e o
isolamento, acentuando ainda mais a sensação de não pertencimento
(LAVINAS, 2003).
De acordo com Cerqueira (2011), durante a convivência com
outras pessoas é que o indivíduo aprende a viver em sociedade, a obedecer
regras e a reforçar seus objetivos de vida. Tal interação é essencial para
fortalecer o senso de pertencimento àquela sociedade, reconhecendo direitos
e deveres, seus e dos outros. No caso da população em situação de rua, o
sentimento de não pertencimento é reflexo de um conjunto de fracassos
pessoais diante das expectativas criadas pela sociedade, como o
desemprego, que dificulta o acesso ao mercado de consumo, e o rompimento
ou fragilização dos vínculos familiares, que frequentemente despertam para a
condição de carência extrema na rua, dentre inúmeros outros fatores que
desencadeiam uma degradação pessoal capaz de minar a identidade social
daquele indivíduo.
Para o senso comum, o pobre é aquele que carece de bens
materiais. Simples assim. O que é facilmente esquecido é o seu
posicionamento em um status social específico, inferior e desvalorizado, que
marca profundamente a sua autoimagem. Essa perda de status social reflete
o estigma hoje associado a todas as populações que se encontram em
situação de grande precariedade socioeconômica. A imagem do pobre sobre
si mesmo é extremamente relevante para que a sua capacidade de agir e
reagir não sejam prejudicadas pela vivência do preconceito e da perda
intrínseca do seu valor como indivíduo (CERQUEIRA, 2011, p.38).
Segundo Cerqueira (2011), grande parte das estratégias de
enfrentamento da pobreza é responsabilidade dos governos locais, que optam
por atender cada situação individualmente, buscando regulá-la com a
implementação de programas diversificados e, como já dito, focalizados. A
cobertura dos programas assistenciais é restrita e a sua eficácia é discutível.
Percebe-se uma expectativa desses governos para que as cidades, enquanto
espaços públicos democráticos que se consolidam junto à própria cidadania,
sejam capazes de promover a equidade, a emancipação e a integração social,
29
resolvendo o problema da pobreza.
Quando entendida como insuficiência de renda e recursos, a
pobreza está profundamente associada à dinâmica macroeconômica e ao
regime de proteção social existente, ele mesmo derivado dos princípios de
solidariedade e convenções eleitos por cada sociedade. Para enfrentá-la,
portanto, é fundamental estabelecer ações prioritárias e poder contar com as
redes de apoio, parceiras na luta contra a pobreza. Entretanto, há de se tomar
o cuidado para que interesses locais não substituam o papel do Estado. Como
destaca Lavinas (2003), vencer a pobreza é libertar cada indivíduo das
privações que podem ameaçar sua existência ou comprometer sua trajetória
de vida; o que implica compensar pelo viés da redistribuição de meios,
recursos e renda a todos aqueles que se encontrarem abaixo de um patamar
considerado aquém do mínimo aceitável.
Os grandes desafios para enfrentar a pobreza são aumentar a
renda per capita através do crescimento econômico sustentado e diminuir as
disparidades internacionais (ESTENSSORO, 2008). Porém, essa receita para
combater a pobreza demanda muito tempo. Por isso o crescimento econômico
é condição necessária para superar a pobreza, mas não é condição suficiente
para dar conta de tamanha façanha. É preciso investigar outros meios para
combatê-la eficazmente.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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