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Universidade Anhembi Morumbi

PROJETO A3 – SAÚDE ÚNICA

São Paulo

2022
Universidade Anhembi Morumbi

Professores: Fernanda Capucci Pazian e Felipe Abrahão

Tema: “Atendimento pouco humanizado para pessoas em situação de rua”

Período: Matutino

Alunas: RA:

Amanda Santana Xavier 125111363264

Ana Beatriz Jesus Costa 125111346457

Camila Yukari Morimoto 125111350831

Jackeline Santos Borges 125111348745

Heloisa Markevicius 125111372627

Maria Eduarda Silva 125111365047

Shaiane Wendy Macena Silva 125111355988

Sthefany Sena da Silva 125111362566

Suzana Lei 125111363140

São Paulo

2022
Introdução
A partir dos temas apresentados em aula e critérios exigidos para a escolha do tema encontramos
no “Atendimento pouco humanizado para pessoas em situação de rua” um tema com
muitas camadas e que em sua maioria estão todas voltadas a falta de equidade no tratamento de
pessoas em situação de rua. O direito à saúde é uma das principais garantias da Constituição
Federal de 1988 e um dos pressupostos básicos da dignidade humana. O atendimento a qualquer
cidadão não pode ser impedido nos órgãos de saúde pública, mesmo que a pessoa não tenha
casa ou documentos. Pelo contrário, as leis brasileiras estabelecem que qualquer pessoa tenha
direito “humanizado, acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em
virtude de idade, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, condições
econômicas ou sociais, de estado de saúde, anomalia, patologia ou deficiência”. Entretanto, o
preconceito é ainda o maior impedimento para que os moradores de rua possam ser atendidos
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), assim gerando uma frequente exclusão pela população,
governos e até mesmo pelos profissionais de saúde. Ao longo da pesquisa iremos falar sobre
quem são essas pessoas, como o problema afeta suas vidas e relatar como funciona na pratica o
tratamento de tal grupo.
De quem se trata
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, no mundo, 100 milhões de pessoas
carecem de moradia, e mais de um bilhão vive em habitações precárias.

Não existe atualmente um consenso acerca dos critérios que definem a situação de rua. Há o
reconhecimento de um espectro em que se tem, em um extremo, a ausência total de abrigo e
uso dos espaços públicos para dormir, viver, manter relações sociais e subsistir; e, no outro
extremo, é considerada sem lar a população ou indivíduo que transita entre endereços ou
permanece provisoriamente na casa de amigos ou familiares ou que não tem estabilidade
financeira para garantir a manutenção de sua moradia. Seja mais restritiva ou mais ampla,
qualquer definição adotada impacta a quantificação das pessoas que passam pela privação de
lar ou pela vulnerabilidade que pode nela culminar e consequentemente influencia a quantidade
de recursos destinados à população nela inserida.
No Brasil, apesar de o termo PSR sugerir definição restrita às pessoas que residem em via
pública, a Política Nacional para a PSR4 implementa uma definição ampla e proporcional à
diversidade de modos de vida que nela cabem:
Grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela
interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular.
São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças, cemitérios, etc.), áreas
degradadas (galpões e prédios abandonados, ruínas, etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e
albergues para pernoitar.
Essa definição brasileira é ampla o bastante para considerar que pessoas em situação de rua
exprimem a diversidade dos possíveis arranjos de sobrevivência na miséria urbana. Com ela,
introduz-se a crítica ao senso comum que coloca a PSR em um imaginário de mendicância,
passividade e estagnação. Passa-se agora à exposição de dados epidemiológicos que
demonstram a mobilidade e a pluralidade da PSR.
Utiliza-se como fonte principal para dados demográficos e epidemiológicos a Pesquisa
Nacional Sobre População de Rua de 20072 e a Pesquisa Censitária da População em Situação
de Rua,5 feita em 2015 na cidade de São Paulo. A primeira é representativa do território
nacional, tendo incluído 71 municípios em sua formulação, ao passo que a segunda pode ser
considerada atual e representativa da realidade de uma grande metrópole.
Surgimento de serviços de saúde voltados à
população em situação de rua
Na década de 1960, havia uma tímida iniciativa de organização da PSR de algumas cidades
brasileiras. Pessoas sem-teto realizavam mobilizações e manifestações por melhores condições
de vida e por políticas públicas que assegurassem sua autonomia. Pessoas que trabalhavam com
reciclagem e cuja maioria se encontrava em situação de rua organizaram as primeiras
associações e cooperativas de catadores, dando início, em seguida, ao Movimento Nacional dos
Catadores de Materiais Recicláveis.

A partir dessa organização e após a Constituição Federal de 1988, ocorreram mobilizações


sociais nas cidades brasileiras, a fim de denunciar as violações de direitos vividas pela PSR.
Foram consolidadas parcerias com entidades religiosas (fortemente representadas pela Pastoral
do Povo de Rua) e com organizações da sociedade civil, como estudantes e professores. Por
meio de fóruns, debates, manifestações públicas e a inserção de uma representação dos
indivíduos em situação de rua no Conselho de Assistência Social, afirmou-se a necessidade de
ações pelo acesso dessa população à garantia de direitos.
Especificamente relacionada ao acesso à saúde, a primeira experiência em 1999 foi o projeto-
piloto de Consultório de Rua na Bahia, que focava o atendimento de crianças e adolescentes
com uso problemático de álcool e drogas. O ano de 2003 é um marco nessa construção a partir
do “Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua” ocorrido em 26 de junho na cidade
de São Paulo. Nele, os movimentos populares e o Movimento Nacional da População em
Situação de Rua reivindicam veementemente o direito à saúde: entraves ao acesso, como
exigência de endereço para cadastro em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), precisavam ser
superados.
A partir daí, houve o surgimento de Programas de Saúde da Família (PSF) especiais, como o
PSF Sem Domicílio na cidade de Porto Alegre, em 2004. Em seguida, foram criadas as Equipes
de Saúde da Família para População em Situação de Rua (ESF Pop Rua) em São Paulo e no
Rio de Janeiro. A conformação dessas equipes foi orientada pela reivindicação dos movimentos
sociais de que os agentes comunitários de saúde fossem selecionados entre pessoas com
vivência da situação de rua atual ou pregressa.
Em 2009, um decreto federal cria a Política Nacional para a PSR, que constituiu também o
Comitê Técnico de Saúde para essa população por meio da Portaria MS/GM no 3.305, de 24
de dezembro. O objetivo desse comitê é a participação social de representantes da PSR,
sociedade civil e poder público, pensando, discutindo e deliberando propostas que visam
melhorar a oferta de cuidados. Em 2011, a ESF Pop Rua e a PSF Sem Domicílio passaram a
ser chamadas de equipes de Consultório de/na Rua (CnaR).
Paralelamente a essa construção, existiram iniciativas vinculadas à Política Nacional de Saúde
Mental que visavam à redução de danos para pessoas com uso abusivo ou dependência de
substâncias psicoativas (SPA). Nesse contexto, atuava o serviço chamado Consultório de Rua,
com foco em estratégias para reduzir agravos na PSR usuária de SPA, fazendo parte da Rede
de Atenção Psicossocial. Em 2012, a partir de reivindicações do MNPR pela integralidade do
cuidado, estabelece-se, por fim, a convergência dos CnaRs em um único serviço, que está
inserido na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).
Esse serviço tem como objetivo o acesso da sua população à saúde, e como norte sua própria
dissolução. Seu trabalho é intervir nas relações em que seu usuário está inserido – relações
entre trabalhador e usuário, entre trabalhador e território, entre usuários e população geral, entre
as redes de saúde e intersetorial e diversas outras, de modo que o objeto de cuidado são as
relações nas quais está inserida a população de rua. A sua prática procura evidenciar que toda
forma de vida é singular, e todo cuidado à saúde deve ser feito a partir do respeito à
singularidade. O CnaR trabalha, por fim, para que a sociedade possa prescindir dele.

Tempo de permanência na rua


As relações que as pessoas estabelecem com a rua e seus modos de vida ficam mais estáveis à
medida que seu tempo de permanência se estende. Essa é uma das principais diferenciações de
perfil de PSR.

Três principais grupos podem ser analisados:

o Pessoas que ficam na rua. Parcela caracterizada pela extrema mobilidade, seja por
ruptura de vínculos familiares, desemprego ou trabalho informal e/ou irregular, seja por
tratar-se de pessoa recém-chegada à cidade em busca de oportunidades e ainda sem
alojamento. Para esse grupo, a situação de rua é recente, seus vínculos com outras
pessoas na mesma condição são pequenos, sendo frequente que circulem e procurem
organização para alimentação e abrigo sozinhos. Em 2015, 40% dos frequentadores de
centro de acolhida tinham até um ano de situação de rua.

o Pessoas que estão na rua. Passam a utilizar-se da rua como local de pernoite e, passado
o período de adaptação a essa condição, já não a consideram tão ameaçadora. A partir
de então, começam a estabelecer vínculos, aprendem com colegas e criam suas próprias
estratégias de sobrevivência.

o Pessoas que são da rua. PSR que faz da rua um espaço permanente de moradia, onde
não há mais estranhamento com a vida na rua e sim um sentimento de pertencimento
relacionado a ela. Uma das características marcantes desse grupo é uma forte relação
com certo local ou região, com relações estáveis no território, seus comércios e
frequentadores. Esse perfil raramente se utiliza de centros de acolhida ou albergues. Na
mesma pesquisa paulista citada, 37% das pessoas que tinham a rua como principal
moradia estavam nessa condição há mais de 5 anos.
Uso de serviços de saúde
A relação da PSR com os serviços de saúde é sintomática de sua exclusão social. Existe um
despreparo profissional generalizado para lidar com as limitações de autocuidado e auto-
organização da vida na rua, sendo frequente o relato de discriminação social por parte de
profissionais para com as pessoas que procuram serviços espontaneamente. A pesquisa
nacional apontou que 43,8% das pessoas procuram hospitais e atendimentos de emergência em
primeiro lugar.

A PSR faz uso de serviços de saúde principalmente ao se deparar com sintomas agudos ou
graves, havendo pouca procura para problemas relacionados à prevenção e ao planejamento em
saúde. Isso se estabelece a partir da rotina dessa população, em grande parte voltada para o
suprimento de necessidades básicas de sobrevivência (como obtenção de alimentação). Pelo
mesmo motivo, percebe-se que, quando surge o desejo de cuidado em saúde, essa procura se
apresenta associada a uma ansiedade pela sua imediata resolução: estar doente, indisposto, com
menos mobilidade ou menos independência é uma vulnerabilidade nova que os submete ainda
mais às mazelas da rua.
Visto isso, serviços que se pautam em cuidado longitudinal, como Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e CnaRs são menos procurados, porque não são entendidos como lugares
que podem gerar soluções às demandas compreendidas como urgentes. Eles foram citados
respectivamente por 16 e 10% dos entrevistados quanto à sua afiliação. Para que o cuidado em
saúde seja efetivo entre a população de rua, justifica-se o uso de estratégias específicas e
serviços preparados para as peculiaridades de seu modo de vida.

Trabalho e geração de renda


Como o desemprego é uma das principais motivações para a perda da residência e a
permanência em situação de rua, a PSR que tem vínculo trabalhista formal é muito baixa: 2,2
a 7,2%.5 Trabalhos informais, ou “bicos”, são altamente prevalentes, sendo referidos por 57,7%
dos acolhidos e 73,8% das pessoas que permanecem vivendo na rua.

Mais de 20% das pessoas em situação de rua declararam não estar trabalhando formalmente,
porém mencionaram atividades artísticas, mendicância, reciclagem, atuação como flanelinha,
vendedor ambulante, entre outras atividades lícitas e ilícitas;2 e 15,7% pedem dinheiro como
principal meio de sobrevivência.
Outra forma de obtenção de renda é a inclusão em benefícios sociais, como Bolsa Família,
Benefício por prestação continuada, etc. A diferença entre acolhidos e pessoas que permanecem
na rua quanto ao recebimento de benefícios é bastante expressiva: 71,3% “da rua” não recebem
nenhum benefício contra 40,3% dos albergados. Isso demonstra maior capacidade de
organização das pessoas que frequentam albergues, assim como uma ineficácia das equipes da
assistência social e saúde em auxiliar as pessoas menos organizadas a garantirem seus direitos.
Transtorno mental
As pesquisas epidemiológicas brasileiras a respeito da PSR ainda são muito escassas, e aquelas
que abordaram o tema do transtorno mental se apoiaram na declaração das pessoas
entrevistadas, não havendo portanto padronização daquilo que seria considerado transtorno. No
entanto, é possível considerar que toda pessoa em situação de rua se encontra sob um contexto
de alto risco para sofrimento mental, podendo ou não apresentar sintomas ou impacto em sua
funcionalidade.

Pessoas com sintomas psicóticos graves são as mais associadas à ideia estigmatizada de PSR
com transtornos mentais. De fato, a pessoa que fala só, que apresenta autocuidado prejudicado,
que tem agitação psicomotora e perambula sem rumo é uma imagem frequente e fortemente
associada à ideia de sofrimento mental típico da rua. No entanto, ela não representa a maioria.
O silêncio a respeito do transtorno mental comum na PSR é alarmante e demonstra que essa
condição permanece rotineiramente invisibilizada perante casos em que a desorganização se
faz evidente. A naturalização da tristeza, do embotamento, do isolamento social, entre outros,
acarreta a banalização do sofrimento de uma parcela considerável da PSR, contribuindo para a
sensação de abandono e possivelmente aumentando o risco de suicídio nessa população.
Pessoas em situação de rua com doença mental que passam por diversos serviços e
experienciam boa coordenação de seus cuidados mostram melhora de sintomas, diminuição de
hospitalizações psiquiátricas e aumento de contatos ambulatoriais, quando comparadas com
pessoas que recebem cuidado habitual.

Prevalência de doenças
São numerosos os motivos para o adoecimento na rua. A insegurança alimentar (19% não se
alimentam todos os dias, sendo, que, frequentemente, a alimentação provém de restos), as
aglomerações (aumentando risco de transmissão de tuberculose [TB], vírus respiratórios,
infestações de pele) e a dificuldade de acesso a políticas preventivas são exemplos de como a
PSR está mais vulnerável a agravos de saúde do que a população geral.
Seria compatível pensar que essa população não tem acesso a rastreamentos, como neoplasia
de colo uterino ou diabetes por exemplo, ou a investigações diagnósticas, sendo comum o
diagnóstico tardio e a progressão das doenças conforme sua história natural até que haja acesso
efetivo à rede de saúde.
Mortalidade
Consequência final da alta morbidade, a mortalidade da PSR foi avaliada em alguns estudos
internacionais: em 1999, na cidade de Nova Iorque, foi encontrada uma mortalidade ajustada
para a idade 2 a 3 vezes maior do que a da população geral.

Com relação à causa das mortes, o estudo de Boston detalhou a mortalidade segundo faixas
etárias: entre 18 e 24 anos, a principal entre homens foi homicídio; entre 25 e 44 anos, para
ambos os sexos, a primeira causa foi síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids); o câncer
e as doenças cardiovasculares ocuparam os primeiros lugares na faixa etária de 45 a 64 anos.

População LGBT
A população que se declara lésbica, gay, bissexual ou transexual é um recorte peculiarmente
exposto à violência quando em situação de rua. Além disso, sua chegada à situação de rua
comumente carrega um histórico de rejeição e/ou exclusão do meio familiar prévio devido à
intolerância que permeia a sociedade.

A hostilidade sofrida no meio social da rua pode se apresentar desde maneiras sutis, como
apelidos pejorativos, até violência física grave, como espancamentos e linchamentos. É preciso
ressaltar que o Brasil é o país de maior taxa de homicídio de pessoas trans no mundo, e que a
vida como trans se dá sob a pressão dessa ameaça.
Institucionalmente, é corriqueira a falta de cuidado e ética com a identidade de gênero da
população trans. Tanto em centros de acolhida quanto em hospitais, pessoas são submetidas ao
constrangimento de permanecer em alas com cujo gênero não se identificam. Em ambientes
ambulatoriais, o nome social ainda tem pouco uso, e isso é um fator que contribui para a
descontinuidade de cuidados em saúde. Outro reflexo da exclusão social é a baixa taxa de
ocupação de postos de trabalho formal por pessoas trans, o que as pressiona a procurar meios
de subsistência ligados à mendicância e à prostituição. Especificamente no caso da prostituição,
essa circunstância aumenta o risco de exposição a infecções sexualmente transmissíveis e a
violência física e sexual.

Saúde bucal
Uma das prioridades entre demandas da população de rua, a saúde bucal representa 30% dos
desejos de cuidado autodeclarados. A garantia de acesso ao serviço especializado, além de
atender às demandas urgentes envolvendo dor, possibilita o reconhecimento de lesões suspeitas
de malignidade, a recuperação de função a partir da oferta de próteses e um importante resgate
da autoestima, que pode contribuir para a reinserção profissional e social da PSR.
Crianças
A garantia de direitos na infância e na adolescência é peculiar e complexa, principalmente
quando está inserida em um contexto social de alto risco para violência e vulnerabilidades
sociais. Tendo isso em vista, foram criadas, a partir de 1988, políticas de proteção à infância
que propõem superar o entendimento histórico de que crianças poderiam ou deveriam
contribuir no sustento dos lares, dando lugar à construção da ideia de que são sujeitos de direito.
A partir dessa conquista, o Estado passaria a se responsabilizar pelo fortalecimento das
famílias, evitando ao máximo processos de institucionalização.

No entanto, o Estado tem fracassado em promover políticas sociais de minimização da pobreza.


Dessa forma, ainda se observam, mesmo que em número menor, crianças e adolescentes
sozinhos, acompanhados de parentes ou “pais de rua” Brasil afora, contexto no qual a
institucionalização em abrigos ou hospitais psiquiátricos se mantém. Na prática, é perceptível
que a figura do Conselho Tutelar é amedrontadora para muitas famílias em situação de alta
vulnerabilidade, pois representa, para elas, o risco da dissolução de sua configuração familiar
e consequente aprofundamento da vivência da negação de direitos desses indivíduos.

Álcool e outras drogas


As pessoas em situação de rua que fazem uso de SPA são alvo de grande atenção dos serviços
de saúde, de segurança, das agendas políticas e da mídia. Mais ainda do que o psicótico grave,
a pessoa que vive um momento de uso problemático de drogas é fortemente associada à
criminalidade, à desnutrição, à falta de autocuidado e à alternância entre estados de agitação e
desfalecimento aos olhos da sociedade. Esse estigma pode ser fortalecido por dados
epidemiológicos caso se esqueça que toda sociedade, atual e pregressa, já experimentou ou
experimenta estados de alteração da consciência por SPA. A estigmatização dos indivíduos que
percebem prejuízo pelo uso de SPA deve ser superada por aqueles que pretendem oferecer
cuidado.

Dos indivíduos encontrados vivendo na rua, 83,8% referem fazer uso de alguma substância.
Não há dados avaliando subgrupos quanto à relação de dependência, uso abusivo, uso
frequente, regular ou experimentação.
Percebem-se, nas discussões do cuidado às pessoas em uso problemático de SPA, duas
vertentes: uma pela abstinência total, outra pela redução de danos. A primeira se utiliza
frequentemente de cuidados ambulatoriais e internações de curto, médio e longo prazo,
podendo chegar a 9 meses de duração; 30% das pessoas entrevistadas em São Paulo já passaram
por alguma internação por uso de substância.
A segunda não se pauta pela abstinência, tampouco se opõe a ela, pois tem como princípio a
construção de projeto terapêutico compartilhado com o usuário e estabelece junto a ele os
objetivos do cuidado. O foco é a diminuição de danos sociais e à saúde, além da potencialização
dos processos compatíveis com o projeto de vida da pessoa. Esse cuidado se dá prioritariamente
no ambiente ambulatorial sob a ótica do cuidado em liberdade.
Infestações e infecções de pele
Piolhos de corpo e escabiose estão altamente associados a aglomerações e são problemas
frequentes nos centros de acolhida para PSR, ocasionados pela higiene precária e rotatividade
de vagas de pernoite. Em um contexto de autocuidado favorecido, podem ter fácil resolução e
diminutas complicações, ao passo que, na situação de rua, têm grande impacto no conforto e
oferecem considerável risco à saúde: infecções de pele e partes moles não raro se seguem às
lesões iniciais, podendo causar danos ainda mais graves nos casos de evolução para úlceras,
necroses, amputações ou glomerulonefrites, dependendo da presença de comorbidades e do
acesso a cuidados no início do quadro.

Mulheres
Quando em situação de rua, as mulheres se encontram em um universo predominantemente
masculino, dominado pelas relações de violência e narrado pela leitura machista do território.
No Brasil, elas representam 18% da PSR,5 e mundo afora são estudadas pela alarmante taxa de
vitimização por violência física, sexual, sintomas depressivos e muitos outros agravos.

No Brasil, a violência contra a mulher, sobretudo a praticada por parceiros ou ex-parceiros, é


uma realidade compartilhada pela imensa parcela da população e amplamente subnotificada.
As mulheres em situação de rua vivem tal realidade ainda mais intensamente e apresentam
algumas estratégias de sobrevivência associadas a ela: vestir-se de forma masculinizada, tentar
passar despercebida e inibir aproximações masculinas. É comum a sustentação de
relacionamentos abusivos e muito agressivos pelas mulheres que vivem na rua, pois há a ideia
de que é melhor “apanhar de um do que de vários”, e de que esse companheiro fixo garante a
sua segurança contra agressões externas ao relacionamento. Algumas dessas mulheres saíram
de suas casas a partir do rompimento de um ciclo de violência com ex-companheiro, o que
torna ainda mais importante o manejo cuidadoso de casais vivendo relacionamentos abusivos.
Outro elemento de profundo sofrimento é a separação dos filhos, seja pela institucionalização
ou porque eles vivem com familiares. A frustração do desejo em exercer a maternidade, se
seguida de falta de rede de apoio, pode acarretar uma inviabilidade de ressignificação das
relações afetivas e sociais dessas pessoas.
A mortalidade entre mulheres jovens em situação de rua é igual à dos homens em situação de
rua, contrariando a tendência da população geral. Uma possível interpretação para esse dado
pode ser que os efeitos nocivos da vida na rua para as mulheres são ainda mais fatais do que
para os homens. Alguns estudos apontam mortalidade ajustada para idade aumentada de 5 a 30
vezes entre mulheres em situação de rua em comparação com mulheres com moradia estável.
O acesso à saúde
O direito à saúde é uma das principais garantias da Constituição Federal de 1988 e um dos
pressupostos básicos da dignidade humana. O atendimento a qualquer cidadão não pode ser
impedido nos órgãos de saúde pública, mesmo que a pessoa não tenha casa ou documentos.
Pelo contrário, as leis brasileiras estabelecem que qualquer pessoa tenha direito “humanizado,
acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em virtude de raça, idade,
religião, etnia, cor, orientação sexual, identidade de gênero, condições sociais ou econômicas,
de estado de saúde, anomalia, patologia ou deficiência”. Entretanto, o preconceito é ainda o
maior impedimento para que os moradores de rua possam ser atendidos pelo Sistema Único de
Saúde (SUS).

Apesar de já existir uma grande mobilização e sensibilização dos gestores públicos para dar
cumprimento à Portaria 3.305, de dezembro de 2009, do Ministério da Saúde (que institui o
Comitê Técnico de Saúde para a população em situação de rua), é frequente o recebimento de
relatos de agentes de saúde pública que se recusam a atender os moradores de rua, inclusive,
na UBS de Santa Cecília, região central de São Paulo, há constantes denúncias de pessoas em
situação de rua que são impedidas de ter acesso ao atendimento clínico por falta documentação
e de acesso ao cartão único de saúde.
Segundo com a diretora geral de atenção à saúde da SMS, Luciana Peixoto, atendimentos de
urgência e emergência podem ser realizados sem a necessidade do cartão do SUS. No entanto,
a legislação vigente exige o documento para atendimentos de média complexidade, o que
exigiria apresentação de um comprovante de residência.
Ainda assim, com apoio da Defensoria Pública, o órgão tem emitido o cartão SUS para a
população em situação de rua, que não possui residência fixa. “Diante da legislação do SUS,
para atendimento de média complexidade, que é pago por tabela SUS, a lei exige o cartão.
Nosso problema é só garantir uma forma de fazer o cartão. A gente agora já tem isso. A
Defensoria recebe o nome do morador, gera um termo, e a gente faz o cartão”, explicou.
Luciana ainda ressaltou o trabalho da SMS nos chamados Consultórios de Rua, programa que
faz parte da Política Nacional de Atenção Básica.
O preconceito ainda é o maior empecilho para que os direitos dos moradores de rua sejam
garantidos. “Temos uma sociedade que pede ao gestor público que tire as pessoas em situação
de rua da frente delas, que tirem da frente do colégio delas, da frente do prédio delas, e que se
coloque em qualquer lugar, longe da vistas delas, sem pensar no que é melhor para essas
pessoas ou em promover os direitos, a dignidade dessas pessoas” finalizou.
A realidade do acesso aos serviços de saúde
da população em situação de rua
Segundo enfermeiras entrevistadas na UBS de Santa Cecília e Santa Casa de São Paulo, o
acesso aos serviços de saúde da PSR se dá, preferencialmente, pelos serviços de urgência e
emergência. Os depoimentos a seguir são representativos dessa afirmação:
“Eles preferem mais esse tipo de atendimento: rápido, prático e sem vínculo (Entrevistada 1).
[...] a população de rua procura esse serviço por ela não ter uma referência de unidade básica,
quando elas necessitam elas veem, ou por vontade própria ou veem através do SAMU”.
Por mais que esses serviços deem garantia ao primeiro atendimento, não se responsabilizam
pela continuidade do acompanhamento, desconsiderando a atenção à saúde em rede, conforme
preconiza o SUS. Assim, os serviços transferem entre si a responsabilidade pelo atendimento
da PSR.
“Não, da UPA [Unidade de Pronto-Atendimento] não, até porque isso fica muito para as
unidades básicas de saúde. Isso é um serviço mesmo das unidades. A UPA já trabalha de outra
forma, não tem como trabalhar aquele público específico não. [...] nós somos para o
atendimento de urgência e emergência, então não trabalhamos com o acompanhamento dessas
pessoas, então assim, o que é pra a gente fazer a gente faz que é esse atendimento (Entrevistada
2).
Para o acesso ao serviço de saúde, por algumas vezes, é exigida a apresentação de documentos
de identificação pessoal e cartão SUS, como é possível apreender das falas a seguir:
“[...] os documentos necessários é o cartão do SUS, que com ele geramos as fichas de
atendimentos, tanto de hospitais, como UBS e UPA [...] documentos são identidade e CPF; se
a pessoa não tiver nenhum desses documentos atendemos normalmente e a ficha fica com falta
de informações. Faz o prontuário como flutuante e acolhemos e dependendo da necessidade o
referenciamos a outro serviço, mas só se houver necessidade. E é nessa referência que a coisa
pega, porque é necessária documentação, cartão SUS para que ele entre no sistema de
informação (Entrevistada 3).
Além disso, os formulários institucionais que orientam o primeiro atendimento e a assistência
prestada por parte dos profissionais de saúde, seguem padrões previamente estabelecidos, não
assegurando as especificidades da PSR.
“Como não existe uma assistência diferenciada ou registros diferenciados, para todos que
buscam o atendimento no PS do hospital, [todos] têm a mesma ficha de atendimento, os
mesmos impressos, então é o mesmo atendimento (Entrevistada 4).”
Diante disso, é possivel deduzir uma concepção e uma prática de acesso aos serviços de saúde
para PSR restrita ao primeiro atendimento, de forma que não assegura a especificidade dessa
população, dificultando o acesso à saúde a essa poulação.
Dificuldades enfrentadas pela PSR para o
acesso aos serviços de saúde
Entre as dificuldades relativas ao acesso aos serviços de saúde, cita-se a burocratização no
atendimento, em função da ausência do cartão SUS e de endereço fixo da pessoa em situação
de rua, conforme se pode perceber no depoimento a seguir.
“Às vezes, ele não possui documentação... Às vezes, por exemplo, ele apresenta determinada
doença, certo? Que precisa ter um acompanhamento, aí como ele não tem residência fixa, às
vezes isso dificulta porque, assim, a gente poderia estar entrando em contato com aquela
unidade mais próxima. [...] Precisa dá prosseguimento, aí essa é uma dificuldade, porque como
ele não tem uma residência fixa aí fica mais difícil assim, de localização, porque um dia ele
está aqui, outro dia, ele está em outro canto (Entrevistada 5).”
“Dificuldade com os moradores de rua, geralmente é com os documentos. Tem uns que não
têm cartão SUS, não tem nada. Aí pra marcar uma consulta com as especialidades, a exigência
é o cartão SUS, mas a maioria não tem nem carteira de identidade, sabe? (Entrevistada 6).”
Além dessa dificuldade, foi possivel perceber, também, o número reduzido de profissionais de
saúde nas instituições investigadas.
“A maior dificuldade é a quantidade de profissionais para suprir a demanda da unidade, são
muitas famílias para poucos profissionais de saúde. Como vamos ter tempo de procurar essas
pessoas de rua? (Entrevistada 7).”
“A maior dificuldade é a quantidade de profissionais, só tem um técnico de Enfermagem para
fazer os curativos e tem que ficar na unidade, não dá pra ir pra ir pra área (Entrevistada 8).”
Outra dificuldade diz respeito à desvalorização social que é dada à PSR pelos profissionais de
saúde, como se pode notar na fala a seguir: "Às vezes também é como os profissionais não
dessem muito valor a essa pessoa da rua" (Entrevistado 9).
Também houve menção à ausência de serviço organizado especificamente para a demanda da
PSR, em função do seu modo de viver e trabalhar na rua, passando a ideia de que ele,
individualmente, é o único responsável por buscar o acesso ao serviço de saúde:
“Com toda certeza é um usuário muito dificultoso, porque a Agentes Comunitários de Saúde
(ACS) pode encontrar ele em uma rua hoje e amanhã não sabe mais onde ele está, ele não está
nem aí (Entrevistado 10).”
Outra dificuldade diz respeito ao pouco conhecimento que a PSR tem sobre a organização do
serviço de saúde. "A maior dificuldade é o desconhecimento da população quanto ao próprio
serviço. Eles entendem que aqui é só urgência e emergência" (Entrevistada 11).
Essa desinformação não se restringe aos usuários, mas também aos próprios profissionais da
rede, quando estes afirmam: "mas em linhas gerais, não temos políticas para essa população de
rua, não existe, e se existem não funcionam" (Entrevistada 12).
Solução para o problema tratado
Portanto após todo o levantamento de dados e pesquisa de campo podemos concluir que apesar
das legislações vigentes, ensinamento que todos os profissionais de saúde recebem quanto ao
tratamento equitativo na prática não é assim que funciona são inumeros os problemas relatados
pelos entrevistados como a desinformação ou falta de politicas voltadas a este grupo
populacional, falta de profissionais comprometidos somente com essas pessoas, a dificuldade
no atendimento devido a falta de documentação.
Nota-se que em decorrencia destes problemas a população de rua fica excluida do acesso básico
de saúde só utilizando o mesmo em situações emergenciais, o que não é o correto segundo os
principios do SUS a saúde deve chegar a todos mesmo aqueles que tem dificuldades de estar
próximo a alguma unidade de saúde então fica o questionamento onde o sistema esta falhando
em levar saúde a essa população? O que poderia ou deve ser feito para mudar essa realidade?
Nosso grupo se mobilizou para tentar encontrar uma possível solução para este problema, após
pesquisas e considerações sobre a caracteristica nomade, falta de documentos e em alguns casos
a recusa de ir a uma unidade de saúde encontramos como um caminho o atendimento
humanizado movél com profissionais dedicados somente ao atendimento deste grupo, é
possivel encontrar causas sociais que realizam este trabalho mas sem profissionais de saúde e
o atendimento em sua maioria é realizado sem a necessidade de documentação do paciente,
então concluí-se que na pratica é sim possivel que o projeto tenha resultado. Em todo o país um
projeto parecido foi implementado também mas o projeto não teve muita atenção e algumas
condiões impostas para seu financiamento também são contraversas. Além de levar o
atendimeto as ruas é necessário ser mais brando com documentação para casos como de PSR,
disseminar a informação para os pacientes e profissionais que o atendimento aquela população
não se resume somente a casos de urgência.
É importante ressaltar que o atendimento não deve ser apenas paliativo mas que os profissionais
humanizem estes pacientes para que eles possam encontrar incentivo para ter iniciativa de
buscar tratamento por conta prória ter a esperança que existe uma vida além da rua.
Referências
• Brasil. Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a
População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e
Monitoramento, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 24 Dez 2009. [acesso
em 2019 jul 25]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7053.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7053.htm
• Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa,
Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Saúde da população em situação de rua:
um direito humano. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014. [acesso em 2019 jul 25].
Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_populacao_situacao_rua.pdf
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• Abreu D, Oliveira WF. Atenção à saúde da população em situação de rua: um desafio para
o Consultório na Rua e para o Sistema Único de Saúde. Cad. Saúde Pública. 2017;
33(2):e00196916.
• Hallais JAS, Barros NF. Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e
hipervisibilidade. Cad. Saúde Pública. 2015; 31(7):1497-1504.
• Hino P, Santos OJ, Rosa AS. Pessoas que vivenciam situação de rua sob o olhar da saúde.
Rev Bras Enferm. 2018; 71(supl1):732-740.
• https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=24767
• https://dssbr.ensp.fiocruz.br/consultorio-de-rua-desafia-sus-a-ser-de-fato-para-todos/
• https://jornaldebrasilia.com.br/brasilia/grupo-cristao-beneficia-pessoas-em-situacao-de-
rua-no-df/

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