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O Sistema de Garantia de Direitos

Apresentação
O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e
integração das instâncias públicas governamentais e da Sociedade Civil, na aplicação de
instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle da
efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis federal, estadual, distrital e
municipal (CONANDA, 2006, p. 3). A estruturação do Sistema de Garantia de Direitos materializou-
se por meio de legislações como a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, os quais oferecem um importante aparato legal para respaldar os direitos da
população.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer o processo histórico de constituição do


Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, a legislação existente e vai saber
como ocorre a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes na atualidade.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar o processo de constituição histórica do Sistema de Garantia de Direitos à criança e


ao adolescente no Brasil.
• Reconhecer a legislação, o conceito e a estrutura do Sistema de Garantia de Direitos.
• Analisar a efetivação da garantia de direitos à criança e ao adolescente na
contemporaneidade.
Desafio
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a proteção a indivíduos na faixa etária dos zero aos
18 anos de idade e estabelece punição para quem descumprir os preceitos constitucionais.

Conforme o artigo n.º 18-B: "Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os
agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar
de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou
tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro
pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão
aplicadas de acordo com a gravidade do caso".

Imagine que você é assistente social de uma organização sem fins lucrativos que atende
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

Como você, profissional dessa organização não governamental, pode contribuir para a resolução do
caso?
Infográfico
No que diz respeito aos direitos das crianças e adolescentes, é muito importante considerar e
mencionar a violência. Independentemente do tipo e da situação em que ela ocorre, crianças e
adolescentes devem ser protegidos. O Sistema de Garantia de Direitos de crianças e adolescentes
prevê atendimento especializado em casos de violência.

A seguir, no Infográfico, veja alguns procedimentos a serem adotados em situações de violência.


Aponte a câmera para o
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Conteúdo do livro
O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente se estruturou ao longo dos anos,
acompanhando as mudanças ocorridas na sociedade. Dentre os principais avanços da Legislação,
merece destaque a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente,
responsáveis pelas configurações atuais deste sistema.

Leia o capítulo O Sistema de Garantia de Direitos, do livro Serviço Social no Poder Judiciário, base
teórica desta Unidade de Aprendizagem, e conheça os principais aspectos relacionados ao Sistema
de Garantia de Direitos, assunto essencial para a formação e atuação do assistente social.

Boa leitura.
SERVIÇO SOCIAL
NO PODER
JUDICIÁRIO

Daniella Tech Doreto


O Sistema de Garantia
de Direitos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar o processo de constituição histórica do Sistema de Garantia


de Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil.
 Reconhecer a legislação, o conceito e a estrutura do Sistema de Ga-
rantia de Direitos.
 Analisar a efetivação da garantia de direitos à criança e ao adolescente
na contemporaneidade.

Introdução
A proteção destinada a crianças e adolescentes foi evoluindo ao longo
do tempo, paralelamente ao contexto histórico e político de cada época.
Em alguns períodos, crianças e adolescentes não eram considerados
sujeitos de direitos; em outros momentos, eram vistos como problemas,
especialmente as crianças pobres ou abandonadas. Hoje, considera-se
que crianças e adolescentes necessitam de uma atenção diferenciada,
considerando que são pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.
Neste capítulo, você vai conhecer a evolução da proteção à criança e
ao adolescente no Brasil e a legislação existente, que compõe o Sistema
de Garantia de Direitos atual. Além disso, você vai se familiarizar com os
principais elementos que contribuem para a efetivação dos direitos das
crianças e dos adolescentes no País.

Constituição histórica
Para você compreender como o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e
do Adolescente se constituiu no Brasil, deve considerar o contexto colonial,
entre os anos 1500 e 1800. Nesse período, o Estado não intervinha no contexto
2 O Sistema de Garantia de Direitos

familiar e cabia aos pais decidir sobre a vida dos filhos, incluindo, entre outros
aspectos, definições a respeito de casamentos. Nessa fase, também havia forte
interferência da Igreja, que buscava regular a moral e os costumes, influen-
ciando a forma como as famílias se organizavam. Por muito tempo, as crianças
e os adolescentes viveram sem amparo legal para protegê-los. Foi apenas no
século XX que se começou a olhar para as crianças e os adolescentes, mediante
a Declaração de Genebra dos Direitos das Crianças (PRATES, 2011).
Autores como Lima, Poli e José (2017) destacam que a atenção dada
a crianças e adolescentes do ponto de vista da legislação se desenvolveu
ao longo de três períodos principais: entre os séculos XVI e XIX (1501 a
1900); na primeira metade do século XX (1901 a 1950); e de meados do
século XX em diante. Os autores pontuam algumas particularidades. Por
exemplo: durante os séculos XVI a XIX, os índices de mortalidade entre
crianças e adolescentes eram elevados. Esse era um dos motivos para que
não houvesse tanto apego afetivo, o que evitava o sofrimento decorrente da
perda. Situações dessa natureza eram registradas não apenas no Brasil, mas
também em outros países. A condição econômica era o fator principal que
diferenciava o tratamento oferecido a crianças e adolescentes. Os filhos de
camponeses e artesãos viviam a infância com menos oportunidades do que
os filhos advindos de famílias de classes sociais mais altas, que possuíam
acesso maior a tudo o que era necessário para a vida em sociedade (LIMA;
POLI; JOSÉ, 2017).
A fase que começa em 1901 consolida o início da atenção estatal em relação
a crianças e adolescentes, que se tornam sujeitos da tutela do Estado, mas
ainda não portadores de direitos. Isso decorre do “[...] fato de a menoridade
naquela época ser considerada um status do indivíduo (semelhante ao estado
civil), prevalecendo o aspecto de ‘imperfeição’ destes indivíduos em fase de
desenvolvimento, e, atrelada a esta ‘imperfeição’, [havia] a necessidade de
proteção e cuidado [...]” (LIMA; POLI; JOSÉ, 2017, p. 318).
O primeiro Código de Menores do Brasil data de 1927 e também é conhecido
como Código de Menores de Mello Mattos. Ele versava sobre a assistência,
a proteção e a vigilância de menores de 18 anos de idade que estavam em
condição considerada irregular e também daqueles que tinham entre 18 e 21
anos, conforme situação expressa em lei. Considerava-se que estavam em
situação irregular aqueles sujeitos: privados de condições essenciais à sua
subsistência, como saúde e instrução obrigatória; vítimas de maus tratos ou
castigos imoderados impostos pelos pais ou responsáveis; em perigo moral ou
privados de assistência legal devido à falta de um dos pais ou responsáveis. A
situação era considerada irregular ainda para aqueles que possuíam desvio de
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conduta em razão de grave inadequação familiar ou comunitária e, por fim,


para aqueles que praticavam ato infracional (BRASIL, 1979).
Na década seguinte, mais especificamente entre os anos de 1930 e 1945,
a preocupação do governo junto a esse segmento era consolidar a formação
de pessoas sadias e úteis à sociedade. Para isso, o governo realizava ações
fiscalizatórias em internatos, para fins de abrigamento e ajustamento dos
adolescentes (SILVEIRA, 2003). Nesse período, são criados órgãos fede-
rais responsáveis por atuar junto a essa população, entre eles o Serviço
de Atendimento ao Menor (SAM), órgão responsável pela orientação e
pela organização dos serviços socioassistenciais prestados nos patronatos
agrícolas e nas instituições públicas. Os “menores”, como eram chamadas
as crianças e os adolescentes, eram encaminhados para internamento por
meio desse serviço.
O SAM foi extinto em meados da década de 1960, sendo posteriormente
proposta a criação da Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem)
e das Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (Febem) (MELIM, 2012).
Para Melim (2012), essa mudança foi apenas estrutural, uma vez que os
objetivos eram praticamente os mesmos e as crianças e os adolescentes po-
bres ainda eram considerados problemas para a sociedade. Em 1948, ocorre
a formalização da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim,
“ [...] a dignidade passa a ser reconhecida [...] como elemento intrínseco a
todos os membros da família humana, assegurando para todos os integrantes
desta direitos iguais e inalienáveis, além de irradiar a liberdade, a justiça e
a paz no mundo [...]” (LIMA; POLI; JOSÉ, 2017, p. 322).

Para aprender mais sobre o tema deste capítulo, confira o filme O Contador de Histórias
(2009), de Luiz Villaça. Ele retrata a vida de um garoto levado pela mãe para viver
na antiga Febem (atual Fundação Casa) pois ela acreditava que essa era a melhor
possibilidade para o filho até ele concluir os seus estudos.

Transcorridos alguns anos, entra em vigor a Lei nº 6.697, de 10 de outubro


de 1979, que institui um novo Código de Menores. Esse código traz uma nova
forma de olhar para a situação da criança e do adolescente do ponto de vista
legal. O Código de Menores de 1979 institui a figura do juiz de menores,
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responsável por “[...] julgar, administrar e buscar soluções socioassistenciais.


Também aparece a figura do Comissário de Menores, que era uma espécie de
política para os adolescentes [...]” (MELIM, 2012, p. 170). Como você pode
notar, ainda que de forma bem incipiente, somente então o Estado passa a
oferecer proteção e assistência para as crianças e os adolescentes. Entretanto,
faltava ainda atentar a situações como o trabalho infantil (muito utilizado nas
fábricas), que não era considerado prejudicial ao desenvolvimento de crianças
e adolescentes.
A partir da segunda metade do século XX, observa-se uma evolução
na proteção e na assistência à criança e ao adolescente. Agora, crianças e
adolescentes começam a receber atenção, proteção e amparo prioritário.
Nesse sentido, “[...] passaram a ser reconhecidos como agentes sociais e,
consequentemente, a infância passou a ser considerada uma fase da vida
que merece ser debatida, tornando-se objeto de discussão social através de
entidades constituídas para este fim [...]” (LIMA; POLI; JOSÉ, 2017, p. 323).
Melim (2012) comenta que essa evolução histórica indica que a forma como a
sociedade lidou com as crianças e os adolescentes ao longo dos anos impactou
as ações para o atendimento das necessidades dessa população. No geral, as
ações eram direcionadas especialmente para crianças e adolescentes pobres,
abandonados ou delinquentes, os chamados “menores” (MELIM, 2012).
Portanto, “A ideia de criminalização da pobreza reforçou historicamente
a implementação dessas ações, na tentativa de evitar que aquelas crianças
se tornassem potenciais marginais no futuro e ameaçassem a ordem social
instaurada [...]” (MELIM, 2012, p. 168).

Os Conselhos de Direito são importantes formas de participação da sociedade ci-


vil na defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Eles expressam a democracia
participativa e têm, entre outras atribuições, a função de formular e acompanhar o
desenvolvimento de políticas públicas. A participação nos Conselhos, presentes nos
âmbitos municipal, estadual e nacional, contribui para que as necessidades dessa
população sejam consideradas, para que os limites e as dificuldades sejam superados e
para que as políticas públicas sejam implementadas. No Sistema de Garantia de Direitos,
a participação popular nos Conselhos é essencial para a efetivação da cidadania e a
ampliação dos direitos de crianças e adolescentes.
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Foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que crianças e


adolescentes passaram a ser vistos como sujeitos de direitos. A Constituição
reconhece a necessidade de proteção integral a essa população, condição
reforçada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990.
As conquistas efetivadas tanto na Constituição Federal de 1988 quanto no
ECA são resultado de intensa mobilização da sociedade. Foi a articulação
e o fortalecimento de movimentos que tinham como finalidade lutar pelos
direitos das crianças e dos adolescentes que determinaram a inclusão do
direito integral e do novo paradigma na legislação.
Como você viu, por muitos anos, a atenção às crianças e aos adolescentes
não foi uma prioridade dos governos. A atenção era centrada na situação
de pobreza, bem como na tentativa de eliminar problemas da sociedade
e de obter mão de obra barata. Uma mudança começou a ser esboçada a
partir da década de 1940; entretanto, foi apenas com a Constituição Federal
de 1988 que os paradigmas enfim se transformaram, o que foi ratificado
pela aprovação do ECA, que considera as crianças e os adolescentes como
sujeitos de direitos. As conquistas asseguradas não ocorreram de forma
isolada ou por mero interesse dos governos da época: houve um processo de
disputas e lutas socialmente desenvolvidas ao longo dos anos, culminando
na Constituição Federal de 1988.

Legislação, conceito e estrutura


O Brasil possui legislações específicas para assegurar os direitos das crianças
e dos adolescentes. Como você viu, tais legislações só foram viabilizadas com
a promulgação da Constituição Federal de 1988. No entanto, antes de conhecer
a legislação atual, você deve se familiarizar com o Sistema de Garantia de
Direitos da Criança e do Adolescente. Veja o que afirma a Resolução nº 113,
de 19 de abril de 2006:

Art. 1º. O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente


constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais
e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funciona-
mento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos
direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual,
Distrital e Municipal (BRASIL, 2006, p. 1).
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O mesmo documento afirma que o Sistema deve “[...] articular-se com todos
os sistemas nacionais de operacionalização de políticas públicas, especialmente
nas áreas da saúde, educação, assistência social, trabalho, segurança pública,
planejamento, orçamentária, relações exteriores e promoção da igualdade e
valorização da diversidade [...]” (BRASIL, 2006, p. 1). A normativa propõe ainda
que os órgãos públicos que compõem esse sistema atuem de forma integrada, em
rede, a partir de eixos preestabelecidos: defesa dos direitos humanos, promoção
dos direitos humanos e controle da efetivação dos direitos humanos. Entretanto,
as instituições podem exercer suas funções em mais de um eixo (BRASIL, 2006).
O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente se efetiva
por meio das legislações que lhe dão base. Estas, por sua vez, se estruturam a
partir da Constituição Federal de 1988, que inaugurou uma nova perspectiva
de atenção a essa população. Juntamente ao ECA, esse aparato legal tem como
finalidade garantir a proteção integral e dar prioridade tanto ao atendimento
quanto à formulação de políticas públicas para crianças e adolescentes. No
seu art. 227, a Constituição Federal estabelece:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente


e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão (BRASIL, 1988, documento on-line).

Já o ECA veio ratificar as garantias estabelecidas na Constituição Federal.


Ele detalha essas garantias e estabelece que crianças e adolescentes possuem
os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, entretanto “[...]
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes,
por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em con-
dições de liberdade e de dignidade [...]” (BRASIL, 1990, documento on-line).

O ECA regula as garantias e direitos das pessoas na faixa etária de 0 a 18 anos de


idade, esclarecendo que criança é toda pessoa de 0 a 12 anos de idade incompletos;
já o adolescente é aquele que possui entre 12 e 18 anos. Excepcionalmente, o ECA
assegura os direitos às pessoas com até 21 anos.
O Sistema de Garantia de Direitos 7

O ECA assegura os direitos fundamentais respeitando a condição de pes-


soas em desenvolvimento. Esse é um dos principais avanços introduzidos.
Além de assegurar os direitos essenciais como educação, alimentação, saúde,
habitação, segurança, lazer e outros, o ECA considera que todas as crianças
e adolescentes são sujeitos de direitos:

Art 3º. Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas
as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação
familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência,
condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica,
ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie
as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem (BRASIL, 1990,
documento on-line).

O ECA dispõe ainda sobre o trabalho infantil e procura proteger crian-


ças e adolescentes de situações que possam colocar em risco ou violar a
sua integridade, a sua saúde e o seu desenvolvimento sadio e harmonioso.
Nesse sentido, reitera recomendações internacionais como as apresentadas
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão ligado às Nações
Unidas que visa a proibir e eliminar as piores formas encontradas de tra-
balho infantil. Além disso, o País dispõe de uma rede articulada que atua
na defesa dos direitos e contra a exploração infantil, mediante o trabalho
com Ministério Público, Ministério Público do Trabalho, Conselho Tutelar,
entre outros órgãos.
Transcorridos 10 anos da aprovação do ECA e mediante intensa mobili-
zação popular, foi sancionada a Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013, que
institui o Estatuto da Juventude. Tal estatuto dispõe sobre os direitos dos
jovens e sobre os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude
(BRASIL, 2013). De acordo com essa lei, jovens são as pessoas com idade
entre 15 e 29 anos de idade. Para evitar conflitos com a idade estipulada
pelo ECA, o Estatuto da Juventude prevê que, para jovens na faixa etária
entre 15 e 18 anos de idade, aplica-se o ECA e excepcionalmente o Estatuto
da Juventude, quando não conflitar com as normas de proteção integral ao
adolescente (BRASIL, 2013).
De forma geral, o Estatuto da Juventude busca assegurar saúde, profis-
sionalização, trabalho, renda, cultura, desporto e lazer. Estabelece ainda
o direito à diversidade e à igualdade, bem como os direitos à cidadania, à
participação social e política, à comunicação, à liberdade de expressão e à
representação juvenil. Outro avanço nessa legislação é a responsabilidade
atribuída ao Estado no sentido de assegurar programas ligados ao ensino
8 O Sistema de Garantia de Direitos

superior mediante a oferta de bolsas de estudo em instituições privadas e


financiamento estudantil. A aprovação de uma legislação específica para o
atendimento às necessidades dos jovens pode ser justificada pela relevância
dessa fase da vida.

Como você viu, a legislação brasileira avançou na proteção a crianças e adolescentes.


O fato de haver uma legislação específica favorece a construção de uma sociedade
mais justa e igualitária.

A efetivação de direitos na contemporaneidade


A reflexão sobre a efetivação dos direitos assegurados a crianças e adolescentes
passa pelos limites e pelas possibilidades da aplicação prática de tais direitos.
Assim, o ECA, enquanto instrumento legal para proteção e garantia de direi-
tos de crianças e adolescentes, é bastante abrangente. Isso vale tanto para as
suas garantias quanto para a forma como os direitos devem ser aplicados na
prática. Uma das principais inovações desse documento é o fato de considerar
crianças e adolescentes em sua condição peculiar de desenvolvimento. Entre
os avanços, considera-se:

[...] a denominada Doutrina da Proteção Integral, que consiste em considerar


a proteção dos direitos da infância e adolescência como prioridade absoluta
das políticas públicas em todos os seus níveis, como, por exemplo, na Edu-
cação, na Saúde, na Assistência Social e no Sistema de Justiça. Por sua vez,
foi instituído o denominado Sistema de Garantia de Direitos, uma rede de
instituições públicas que, em nível municipal, deve se responsabilizar pela
proteção e garantia dos direitos dos indivíduos que estão na menoridade
(FABIANO, 2016, p. 251).

A efetivação da política de atendimento e, consequentemente, da garantia


de que crianças e adolescentes tenham os seus direitos assegurados deve ser
realizada por meio de um “[...] um conjunto articulado de ações governamen-
tais e não governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios [...]” (BRASIL, 1990, documento on-line). Em outras palavras,
o Sistema de Garantia de Direitos deve estar adequadamente organizado
O Sistema de Garantia de Direitos 9

para atender às necessidades desse grupo populacional. De forma geral,


o ECA legitima a política nacional de atendimento, o que constitui um
importante avanço, bem como uma possibilidade para o desenvolvimento
de ações com vistas a garantir direitos desse público específico. Fabiano
(2016) comenta que a gestão autônoma proposta pela legislação em questão
favorece o desenvolvimento de práticas com base na realidade social local.
Com uma atuação articulada e complementar (instituições governamentais
e não governamentais), é possível combater as diversas formas de violação
de direitos.
Assim, o sistema de proteção, promoção e defesa dos direitos de crianças
e adolescentes é constituído por “[...] instituições com a responsabilidade
pela política, como Ministério Público, delegacias e varas especializadas,
Conselhos de Direitos (como instâncias de controle social), conselhos tutelares
(como instâncias de execução da política) e toda a rede de atendimento [...]”
(CFESS, 2010, documento on-line). Entretanto, embora haja um sistema
organizado e uma legislação direcionada para as necessidades de crianças
e adolescentes em sua totalidade, muitos dos direitos ainda sofrem as mais
variadas violações.
Atualmente, ainda há crianças e adolescentes fora do sistema escolar,
sem acesso à saúde pública de qualidade, com alimentação inadequada,
vivendo em condições insalubres e até mesmo sendo explorados por meio
de trabalho, violência doméstica, etc. As razões são as mais diversas, es-
pecialmente se você considerar a diversidade social, econômica e cultural
existente no País,

[...] além do distanciamento e ausência do diálogo interinstitucional e inter-


setorial, da carência de infraestrutura, de condições e qualidade de atendi-
mento, de pessoal capacitado (na óptica e na concepção dos direitos). Não
são poucas as situações em que crianças e adolescentes são tratados como
problema, reeditando a velha máxima da periculosidade, em vez de serem
considerados sujeitos de direitos, conforme a doutrina da proteção integral
pressuposta no ECA e em todas as normativas que dele derivaram. E esta
forma de tratamento, que contraria o Estatuto, tem resultado em maus
tratos, negligência e processo intenso de encarceramento juvenil (CFESS,
2010, documento on-line).

Assim, não são poucos os entraves para a efetivação da política de aten-


dimento a crianças e adolescentes: dificuldade no diálogo entre os serviços
ofertados pela rede, recursos escassos e a própria qualidade com que são
oferecidos os serviços. Nesse sentido, pode-se inferir que, apesar dos muitos
10 O Sistema de Garantia de Direitos

avanços consolidados e de todas as modificações ocorridas após a aprovação


do ECA, ainda persistem diversos desafios e limites para a efetivação da
política. Existem hoje programas e políticas fragmentadas e pontuais, que
pouco colaboram para que as crianças e os adolescentes saiam da eventual
condição em que se encontram. Isso se deve, entre outras razões, à persistên-
cia das características conservadoras que tais políticas apresentam, e não à
perspectiva do direito.
O Brasil vivencia um momento delicado do ponto de vista político, e a
perspectiva de regressão de direitos assola o País. É o caso de algumas ma-
térias que tramitam no Congresso, como a redução da maioridade penal e do
tempo de internação para adolescentes que cumprem medidas de privação de
liberdade (CFESS, 2010). Como você viu, os Conselhos de Direitos, previstos
na legislação brasileira, são importantes para assegurar direitos a crianças e
adolescentes, o que envolve o combate à violência, a erradicação do trabalho
infantil e a luta por direitos em geral. Hoje, há discussões para modificar a
estrutura e as funções dos Conselhos, o que não parece tão benéfico do ponto
de vista da luta por direitos.
Apesar de todos os limites para a plena efetivação dos direitos das crianças e
dos adolescentes na contemporaneidade, essa população é composta por sujeitos
de direitos. Além disso, a condição de pessoa em desenvolvimento da criança
e do adolescente não pode ser desconsiderada; por esse motivo, esse público
necessita de proteção especial (CFESS, 2010). Nesse sentido, é necessário
que todos aqueles que direta ou indiretamente atuam no Sistema de Garantia
de Direitos insistam “[...] na defesa de todas estas condições relevantes que
ainda não foram efetivamente aplicadas ao cotidiano de milhões de crianças
e adolescentes [...]” (CFESS, 2010, documento on-line).
O ECA concentra a preocupação com os direitos dessa população ao estabe-
lecer, entre outros elementos, direitos fundamentais como vida, saúde, respeito,
lazer e profissionalização, além de dispor sobre a proteção e a promoção dos
direitos de crianças e adolescentes. Apesar dos inúmeros avanços, ainda há
muito a ser efetivado para garantir a todas as crianças e adolescentes, em um
país desigual como o Brasil, os direitos de cidadania. Em outras palavras, o
desafio é fazer com que todas as crianças e adolescentes brasileiros sejam
sujeitos de direitos e deveres, para que aos poucos possam desenvolver um
papel consciente na sociedade.
O Sistema de Garantia de Direitos 11

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 01 set. 2019.
BRASIL. Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697impressao.htm. Acesso
em: 01 set. 2019.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 01 set. 2019.
BRASIL. Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe
sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude
e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm. Acesso em: 01 set. 2019.
BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente. Resolução nº 113, de 19 de abril de 2006. Dispõe sobre os
parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos
Direitos da Criança e do Adolescente. Brasília: CONANDA, 2006.
CFESS. CFESS manifesta: 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Bra-
sília: CFESS, 2010. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/cfess_
manifesta_20anosecaaprovado.pdf. Acesso em: 01 set. 2019.
FABIANO, E. O sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente: limites e
desafios históricos no reconhecimento da cidadania. Revista Escrita da História, [s. l.],
ano 3, v. 3, n. 6, p. 250–277, 2016.
LIMA, R. M.; POLI, L. M.; JOSÉ, F. S. A evolução histórica dos direitos da criança e do ado-
lescente: da insignificância jurídica e social ao reconhecimento de direitos e garantias
fundamentais. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 7, n. 2, p. 313–329, 2017.
MELIN, J. I. Trajetória da proteção social brasileira à infância e à adolescência nos
marcos das relações sociais capitalistas. Serviço Social & Saúde, Campinas, v. 11, n. 2,
p. 167–184, 2012.
PRATES, D. O. S. A violência sexual intrafamiliar e seus reflexos no processo de desenvolvimento da
personalidade criança e do adolescente. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização
em Direitos Humanos) – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Paranaíba, 2011.
SILVEIRA, D. O conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente de Florianópolis:
os (des)caminhos entre as expectativas políticas e as práticas vigentes. 2003. Dissertação
(Mestrado em Serviço Social) – Universidade Católica de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.
Dica do professor
O Sistema de Garantia de Direitos integra e articula a política de proteção a crianças e adolescentes
no País, buscando assegurar a proteção integral à essa população e considerando suas
necessidades como pessoas em desenvolvimento.

A seguir, na Dica do Professor, saiba um pouco mais sobre os principais aspectos da Resolução n.º
113, de abril de 2006.

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Exercícios

1) A atenção a crianças e adolescentes nem sempre aconteceu da mesma forma que


atualmente. Por muito tempo, as crianças viveram se um amparo legal que as protegesse.

Quando se passou a olhar de maneira diferente para essa população?

A) No século XX, mediante a Declaração de Genebra dos Direitos das Crianças.

B) Com a criação do Código de Menores.

C) Com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

D) Quando se registrou o aumento de menores abandonados.

E) Quando o Estado interveio na educação dos menores para assegurar a integridade da nação.

2) Em 1927, foi aprovada a primeira legislação voltada ao atendimento das crianças: o Código
de Menores.

Qual era a sua finalidade?

A) Prestar proteção integral à criança e ao adolescente em qualquer situação, bem como para
indivíduos entre 18 e 21 anos, conforme situação expressa em lei.

B) Coibir fortemente atos violentos praticados por menores e indivíduos entre 18 e 21 anos,
conforme situação expressa em lei.

C) Favorecer a forte repressão a atos infracionais praticados por crianças e adolescentes e


indivíduos entre 18 e 21 anos, conforme situação expressa em lei.

D) Prestar assistência, proteção e vigilância a menores de 18 anos em condições irregulares e


àqueles entre 18 e 21 anos, conforme situação expressa em lei.

E) Definir a palavra menor perante a Legislação e também definir métodos de repressão a atos
infracionais praticados por adolescentes.

3) “Articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da Sociedade Civil, na


aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção,
defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos
níveis federal, estadual, distrital e municipal” (CONANDA, 2006).

A afirmativa refere-se a que tipo de proteção a crianças e adolescentes?

A) Ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

B) Ao Código de Menores.

C) À Declaração Universal dos Direitos da Criança.

D) Ao Sistema Integrado e articulado para garantia de direitos das crianças.

E) Ao Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente.

4) O Estatuto da Criança e do Adolescente confirma e especifica alguns dos direitos


apresentados na Constituição Federal.

Qual é o grande avanço apresentado no Estatuto?

A) O fato de considerar crianças e adolescentes pessoas em desenvolvimento.

B) O fato de assegurar direitos básicos como alimentação, educação e saúde.

C) O fato de não considerar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.

D) O fato de entender que adolescentes a partir de 16 anos devam ser responsabilizados do


ponto de vista penal.

E) O fato de considerar a pobreza o grande desafio para a infância saudável.

5) Os jovens também são foco de políticas públicas específicas, conforme a Lei n.o 12.852, de
agosto de 2013.

A Lei n.o 12.852 se refere a quê?

A) Ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

B) Ao Estatuto do Adolescente.

C) Ao Estatuto da Juventude.

D) Ao Estatuto da Menor Idade.


E) Ao Estatuto do Menor.
Na prática
O Serviço Social atua em vários espaços de atendimento a crianças e adolescentes. De acordo com
o estatuto que regulamenta o direito de crianças e adolescentes, o acompanhamento inicia-se com
a mulher durante o processo de gestação.

A seguir, no Na Prática, veja um exemplo de atuação do Serviço Social que, dada a complexidade da
situação, requer atendimento em vários espaços e complexidades.
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Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

O Sistema de Garantia de Direitos e a proteção integral à


criança e ao adolescente: uma revisão bibliográfica
Neste artigo, os autores fazem uma revisão bibliográfica sobre o Sistema de Garantia de Direitos da
Criança e do Adolescente, buscando conhecer a configuração e atuação desse sistema.

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Violação de direitos de crianças e adolescentes no Brasil:


interfaces com a política de saúde
O artigo a seguir apresenta os principais desafios e contradições que permeiam a conquista da
cidadania de crianças e adolescentes brasileiros, especialmente o direito à saúde.

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Da “questão do menor” à garantia de direitos: discursos e


práticas sobre o envolvimento de adolescentes com a
criminalidade urbana
O artigo a seguir apresenta discussões referentes à criminalidade na adolescência, avaliada a partir
do discurso e da prática que se organizam em torno do fenômeno.
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