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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes


Curso de Graduação em Serviço Social
Disciplina: Política de Proteção a Criança e ao Adolescente
Docente: Ana Lúcia Batista Aurino.
Estagiária Docente: Wênia Martins.
Discente: Maria Ester Ramos de Oliveira Santos.

RIZZINI, Irene; PILOTTI, Francisco. A Arte de Governar crianças: a história das


políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 2ª. Ed. São
Paulo: Cortez, 2009.

Introdução

Este exposto busca apresentar uma resenha crítica da segunda edição do livro
"A arte de governar a infância: a história das políticas sociais da legislação e da
assistência à infância no Brasil" (2009), de Irene Rizzini, esta é Doutora em
Sociologia pelo IUPERJ, mestre em Serviço Social pela University of Chicago -
School of Social Service Administration e graduada em Psicologia pela Universidade
Santa Úrsula, e do sociólogo chileno Francisco J. Pilotti, autor de diversas obras que
tem como enfoque as políticas e a infância.
O livro se aprofundou em vários documentos relacionados à infância e
adolescência no Brasil, buscando assim ter uma visão mais ampla de como as
crianças eram percebidas no país desde seu princípio, não deixando de abordar
mais profundamente as políticas voltadas à infância no decorrer da história.

Desenvolvimento

Já no início do livro percebe-se um contexto de como a infância foi tratada no


decorrer do tempo, quais eram suas relações com a família, com o Estado e a igreja,
sendo esta última imprescindível na percepção de como os valores morais e
religiosos eram aplicados. É exposta também a história das políticas sociais, de
assistência e da legislação. Que muitas das vezes eram aplicadas para manter as
desigualdades sociais no sistema capitalista!
Posteriormente temos como foco as crianças pobres, e os responsáveis por
assisti-las naquela época. Estes eram os Jesuítas que eram responsáveis pela
conversão dos pequenos indígenas. Os senhores escravocratas, que ficavam
responsáveis pelas crianças escravas, os mesmos exploravam a mão de obra
infantil mesmo após a Lei do Ventre Livre “até os 14 anos, podendo, então,
ressarcir-se dos seus gastos com ela [a criança], seja mediante seu trabalho gratuito
até os 21 anos, seja entregando-a ao Estado, mediante indenização” (p. 18). Outros
órgãos voltados para as crianças mais pobres eram as câmaras municipais, as
Santas Casas de Misericórdia e asilos, que desde 1521 eram responsáveis por
cuidar das crianças abandonadas, um artefato muito conhecido na época, disposto
por essas instituições era à roda dos expostos. O auge dos asilos foi no século XIX,
o grande intuito deles era fornecer uma educação industrial para inserir os pequenos
no mercado de trabalho quanto antes.
Já os tribunais tinham a responsabilidade de encaminhar as crianças
"delinquentes" para casas de correção ou reformatórios. Por fim se tinha as famílias,
que por serem pobres muitas das vezes eram consideradas incapazes de cuidar dos
seus próprios filhos, desta forma o Estado com os Jesuítas interviam retirando ou
restringindo o pátrio poder dos pais, assim que julgasse que aquela família era
inadequada, devido a está ação muitas crianças eram classificadas como
abandonadas mesmo que contra a vontade de seus familiares.
Um ponto positivo desta obra é o cuidado em passar a visão e ação das
inúmeras de instituições ativas em diversas épocas sobre as crianças podres, como
essas e suas famílias eram tratadas.
Outro destaque fora as políticas de inserção dos desvalidos em trabalhos
precoces e precários, pelo fato dessas crianças serem desfavorecidas
economicamente estas eram incentivadas a se inserirem no mercado de trabalho
quanto antes, aquelas que estavam em asilos aprendiam sobre o trabalho nas
indústrias. É importante ressaltar também que sua mão de obra era extremamente
desvalorizada, ganhavam até seis vezes menos que um adulto, mesmo trabalhando
a mesma quantidade de horas. Diferente dos validos que possuíam uma infância
normal com brincadeiras e estudos.
Várias foram às tentativas de criação de leis que visassem à proteção das
crianças em trabalhos perigosos, entretanto, essas tentativas não tiveram êxito.
Neste trecho a autora deixa em evidência que o principal motivo dos projetos que
visavam à proteção de crianças no trabalho serem ignorados era a manutenção da
dominação das classes de elite sobre as classes subalternas, a conversação do
poder, esta era uma forma de impedir que uma criança pobre acendesse
socialmente.
O vínculo entre o público com o privado perante os atendimentos de
assistência oferecidos a essas crianças também é citada, mostrando assim o uso de
dinheiro público para interesses e patrimônios particulares. Além desta ligação com
interesses secundários, o livro ainda traz a relação entre a ordem e a cidadania, que
se expressa em políticas repressivas para aqueles que são considerados
"perigosos", logo percebe-se aí a política de menorização que considera a criança
como um ser incapaz, menor. As instituições que visavam pôr em prática essas
políticas alternavam em: assistência (abrigos, albergues e asilos) e jurídica
(patronatos, casas correcionais, prisões, centros de internato, etc.).
É perceptível a importância desta passagem do livro, a abordagem concreta
sobre o trabalho (exploração) infantil durante tal período e a diferença entre os
validos e desvalidos associado à manutenção de poder dos privilegiados, essa visão
nos traz uma melhor percepção da quão profunda é a desigualdade de classe no
sistema capitalista e a que níveis absurdos pode-se chegar, afetando diretamente
crianças e direitos.
Ao adentrar nas políticas para a infância durante a República Velha
percebemos que a omissão, paternalismo e repressão são características marcantes
em tal momento. Há também a continuidade das relações clientelistas e
coronelistas, com as trocas de favores e o uso da máquina pública já citada
anteriormente.
A visão liberal durante esse período traz o pensamento de uma não
intervenção do Estado na área social, que como consequência causará inúmeros
impactos no âmbito da criança e adolescente, a burguesia será contra até mesmo a
mínima garantia de direitos para o proletariado, com argumento de que a concessão
destes iria ferir liberdade de contrato.
Como (Araújo, 1993) aponta as famílias no início do século XX eram
compostas por pai, mãe e mais de 5 filhos, logo era quase impossível para os pais
proverem o sustento necessário e uma educação de qualidade a essas crianças
através de seus trabalhos, isto ocasionava em uma entrada na vida adulta muito
precoce, antes mesmo dos 10 anos muitas crianças de famílias de baixa renda
estavam trabalhando, seja nas fábricas, nas ruas pedindo esmola, vendendo doces
ou como engraxate. Além desses motivos é possível acrescentar também o aumento
da criminalidade do final do século XIX, assassinatos contra menores de 18 anos
eram frequentes, com esses fatores a mortalidade infantil chegou a quase 34%.
A maneira em que o governo da época encontrou para solucionar estes
problemas foi à repressão, em 1902 foi proposta uma lei que autorizava o governo a
criar colônias correcionais para a reabilitação profissional de "capoeiras, meninos
viciosos jogados na capital e vadios", está foi a Lei n° 947. Enquanto isso o trabalho
infantil prosseguia de forma indiscriminada, as tentativas de regularização para
diminuição da mortalidade infantil continuavam, entretanto, não obtinham êxito, além
de receber críticas dos liberais, que usavam o argumento de que haveria um
aumento da criminalização, visto que as crianças ficariam ociosas sem o trabalho,
além de ressaltar a importância do salário para famílias das mesmas.
A relevância dessa parte do livro é imprescindível, é perceptível o impacto
negativo que o liberalismo trouxe para as políticas voltadas à criança, viés esse que
pode ser percebido até os dias atuais, com as inúmeras falas do atual presidente
neoliberalista Jair Bolsonaro e seus seguidores, apoiando e incentivando o trabalho
infantil.
Aos poucos os higienistas e juristas vão ganhando força. Nesse período um
dos maiores causadores de mortalidade infantil era indústria, este fato ocasionava
uma rivalidade entre os higienistas e os empresários. O código de menores de 1927
se deu como resultado dessa discussão dos higienistas, este aboliu a roda dos
expostos e estabeleceu a proteção legal até os 18 anos, isso significou a inserção
da criança e do adolescente na esfera do direito e da tutela do Estado brasileiro,
entretanto, o código tinha muitas falhas e não rompeu com as relações absurdas já
existentes, muitas empresas contrariaram tal código, que definia o início do trabalho
aos 12 anos. Enquanto isso é possível observar que os juristas avançaram com
suas ideias repressivas e moralistas.
Já durante a Era Vargas o país vivenciou a revolução de 30 que fez com que o
Estado tentasse um novo pacto com a igreja, essa tentativa trouxe a inserção do
ensino religioso facultativo, houve também em 1932 o reforço da ideia do trabalho
precoce, porém, 5 anos mais tarde foram criados o código nacional de educação e o
plano nacional de educação.
Na década de 1940 surgiram instituições como Centro Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC) como forma de garantir a mão de obra barata, apesar de serem iniciativas
do governo quem realmente assumiu essas funções foram os grandes empresários.
Ainda no âmbito do Estado, a assistência das crianças e adolescentes a partir do
ano de 1941 se dá por meio do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), este tinha
funções que giravam em torno da educação, porém, na realidade era com uma
espécie de internato, seu viés era extremamente repressivo e corretivo. Esse serviço
resultou no estreitamento das relações entre o público e o privado, constituindo
assim um clientelismo marcado por inúmeras corrupções.
Outra parte positiva do livro é resgate do papel e a visão que os grandes
empresários tinham no início do século XX da proteção a criança e ao adolescente e
como se dava a relação desses com o Estado. Porém, teria sido interessante um
aprofundamento maior nos atos de corrupção cometidos por essa elite.
A próxima parte do livro retrata a era populista onde a política de
desenvolvimento e de massa é o meio predominante durante tal época. Neste
período há também a nova constituição, por significou a criação de direitos para os
trabalhadores, como salário mínimo familiar, assistência sanitária e médica aos
trabalhadores e as gestantes, previdência social e a proibição do trabalho para
menores de 14 anos. A importância da preservação da saúde das crianças e a
inserção destas na escola passam a serem temas debatidos, mas não se observa
uma real mudança nos indicadores sociais, não há um aumento de significativo de
crianças matriculadas em instituições de ensino.
Além dessas políticas ocorreu à manutenção de estratégias de controle social,
que utilizava métodos repressivos, o que é ocasionou em 1960 questionamentos e
várias denúncias contra o SAM, elas consistiam em: alimentação indigna, utilização
do trabalho de menores no interior das instituições e superlotação, também
acreditava-se que essas instituições eram fábricas de delinquentes. Esta polêmica
faz com que em 19/64 com o golpe militar a assistência à infância volte a ser motivo
de segurança nacional, então as forças armadas assumem tal papel, dando origem
ao novo órgão denominado de Fundação Nacional do bem-estar do Menor
(FUNABEM) substituindo de vez o SAM. Na mesma década as indústrias elaboram o
Serviço Social da Indústria (SESI) e os empresários criam Serviço Social do
Comércio (SESC) como uma maneira de diminuir os inúmeros conflitos políticos e
trabalhistas que se originaram no pós-guerra. Neste ponto do capítulo abordado se
torna visível mais uma vez a grande manipulação feita pelos poderosos empresários
em favor da manutenção do capital, somando-se a interesses próprios, infelizmente
não há um real interesse em minimizar as expressões de desigualdade da
sociedade em que vivemos, por mais que essa questão tenha sido abordada de
forma lucida e completa pelos autores um pouco mais de aprofundamento teria sido
bem-vindo.
Durante o período ditatorial há uma enorme intervenção do Estado de forma
autocrática e repressiva em todos os setores, também ocorre uma intensa relação
entre o capital multinacional, as empresas estatais e o capital privado nacional.
Como resultado desta aliança surge o "milagre econômico". É nesse contexto que a
FUNABEM se ergue como mais uma forma de controle social em nome da
segurança nacional.
No fim da década de 70 a crise se instala de forma mais acentuada nas
famílias menos favorecidas, fazendo com que o número de crianças abandonadas
cresça devido à pobreza. Esse fato resulta na superlotação de locais como a
FUNABEM, logo a verba enviada tornou-se insuficiente, causando
consequentemente um aumento na criminalização de crianças e adolescentes.
Os autores relatam que em 1979 se dá o novo código de menores, e com ele o
trabalho infantil volta se aceito a partir de 12 anos, toda essa situação tira mais uma
vez as crianças da escola.
Durante os anos 80 com o fim da ditadura militar, as crianças em situação de
risco ganham mais visibilidade com os movimentos sociais, como o Movimento
Nacional dos Meninos de Rua, tais movimentos levaram a pauta para Constituição
Federal de 1988 e conseguiram fazer com que os direitos das crianças e
adolescentes fossem garantidos, protegendo e qualquer forma de abuso, garantindo
que a criança e o adolescente seriam dever do Estado e da sociedade tendo direito
a vida, a saúde, à educação, ao lazer, a cultura, a dignidade, ao respeito, a
liberdade, etc. A idade penal ficou definida a partir dos 18 anos e o trabalho foi
proibido até os 14 anos, com exceção dos aprendizes. Esses direitos ficaram
estabelecidos nos artigos 227, 220 e 229.
Infelizmente nota-se no governo de Sarney um incentivo ao trabalho infantil
como a criação do programa bom menino, este permitia a contratação de jovens a
partir dos 12 anos, entretanto, havia a obrigação das crianças estarem devidamente
matriculadas em escolas e terem uma carga horária de trabalho de no máximo 4
horas, a remuneração seria de meio salário mínimo. O intuito desse programa ainda
seguia a linha de pensamento de que com o trabalho precoce a criminalidade entre
as crianças e adolescentes iria diminuir.
Dando continuidade os autores abordam o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) criado em junho de 1990, que reafirma a defesa da criança e
adolescente, já expressada na Constituição Federal de 1988. Em seu primeiro artigo
o estatuto reconhece a criança e o adolescente como cidadãos que devem ter
proteção integral, efetivando seus direitos e estabelecendo a relação entre o Estado
e a sociedade na operacionalização prática dessa política, assim surgem os
conselhos municipais de direitos e conselhos tutelares.
Nos anos seguintes os avanços em relação política de proteção à criança e ao
adolescente continuam surgindo, em outubro de 1991 é lançado o manifesto que
assume responsabilidades para melhoria do ensino fundamental, e contra a
violência com crianças, já é 92 é acrescentado no manifesto o compromisso com a
saúde. Também há o firmamento de um termo de compromisso entre o Ministério do
Trabalho, o Mistério Público Federal e a Secretaria da Polícia Federal que tinha por
objetivo a prevenção, a repressão e a erradicação do trabalho ilegal e forçado de
crianças e adolescentes.
Essa incrível finalização de capítulo traz uma ótima percepção de como a
política de assistência à criança e adolescente sofreu e inúmeros abalos, idas e
vindas, percas e ganhos ao longo do tempo, mostrando também como foi
imprescindível o papel dos movimentos sociais, das lutas por melhor qualidade de
vida a todos, de como é a persistência quando se trata de direitos é importante.

Considerações Finais
É possível concluir a grande relevância que tal obra tem para o melhor
entendimento das lutas, adversidades e vitórias que a política de proteção à criança
e adolescente enfrentou no decorrer da história brasileira.
Não acredito que haja pontos negativos neste livro, contém ótima uma
linguagem e abordagem, que fizeram com que a leitura fosse agradável e fluida,
permitindo passar o conhecimento nele contido para um público extremamente
amplo, o que é tão importante no atual contexto ultraneoliberal em que vivemos,
onde há uma negação e quebra de direitos, inclusive no âmbito de proteção as
crianças e adolescentes, que por sua vez apenas agrava as situações de
vulnerabilidade já existes no Brasil.

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