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ACOLHIMENTO FAMILIAR: OS DESAFIOS ENFRENTADOS PARA SUA

IMPLEMENTAÇÃO E MANUTENÇÃO

Priscila Daiane Rocha, Londrina -PR, Brasil.*


contato: priscila-rocha1@hotmail.com

Palavras-chave: Acolhimento familiar. Crianças e adolescentes. Direito a convivência familiar e


comunitária. Desinstitucionalização.

Introdução

O acolhimento de crianças e adolescentes com direitos violados tem se destacado em


discussões sociais e jurídicas, em busca de soluções que aumentem a proteção, o cuidado e a
garantia do direito a convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes que estão em
situação de suspensão/perda do poder familiar. Entre os fatores responsáveis pelo aumento
dessas discussões, está o crescimento no número de crianças e adolescentes em situação de
medida protetiva, a dificuldade de reorganização da família de origem, a complexidade de
localização da família extensa para inclusão dos mesmos e a constatação da extensa permanência
destes em abrigos.
Uma das alternativas propostas como solução para garantir esse direito é o acolhimento
familiar; no Brasil esse Serviço de Acolhimento Familiar (SAF) passou a ganhar espaço nas
legislações a partir de 1988, com a Constituição Federal, e em 1990 com o ECA, porém só com a
lei Brasileira nº 12.010 de 03 de agosto de 2009, que foi ressaltado e ocorreu uma reformulação
na ideia que se tinha desse programa.
O acolhimento familiar no Brasil ainda está em processo de expansão, nos últimos anos
muitos municípios vêm optando por essa modalidade de acolhimento. Considerando o impacto
que a implementação desse programa de acolhimento traz e todos os fatores que o envolve, essa
pesquisa se faz congruente por discorrer os pontos mais importantes que envolvem o
acolhimento familiar.
O presente estudo se propõe a apresentar as construções dos direitos protetivos da criança
e adolescente com direitos violados, as demandas que estão em debate em termos de seleção,
preparação e acompanhamento das famílias acolhedoras. Para tal discussão é necessário pensar
sobre os vários protagonistas dessa ação: família acolhedora, equipe dos programas, crianças e
adolescentes destituídos do poder familiar, família de origem.
O objetivo geral desse trabalho é problematizar os princípios do acolhimento familiar que
estão em debate em âmbito nacional, no que se refere as mudanças propostas para o ECA. Para
melhor abordar esse objetivo, o trabalho buscará, de forma específica, identificar como a
produção atual de defesas e oposições colocam-se em relação ao acolhimento familiar e discutir
os pontos positivos e negativos deste programa.
A pesquisa possibilitou acesso a um tema que tem um grande impacto social na vida das
crianças e adolescentes em medida de suspensão do poder familiar e na vida das famílias
acolhedoras, viabilizando o conhecimento sobre o assunto e um olhar crítico quanto ao
acolhimento familiar e as políticas públicas para a infância e adolescência.

Aspectos metodológicos

A metodologia utilizada para desenvolvimento da pesquisa se caracteriza como


qualitativa, contou com o levantamento das legislações brasileiras voltadas à proteção da criança
e do adolescente e das leis federais que operacionalizam e validam o Acolhimento Familiar.
O levantamento bibliográfico partiu das bases de dados periódicos CAPES (Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e Scielo (Scientific Eletronic Library Online),
PePSIC (Periódicos Eletrônicos em Psicologia). Abrangendo trabalhos de várias áreas de
conhecimento, como Psicologia, Antropologia, História e Serviço Social. Os dados foram
coletados de várias fontes: artigos, revistas e livro. As palavras chaves utilizadas para pesquisa
dos artigos foram acolhimento familiar, família acolhedora, alterações no ECA, direito a
convivência familiar. Dos artigos e textos levantados, foram selecionadas as publicações
nacionais, a partir de 2000, ano em que o acolhimento familiar passa a ter repercussão e os
pesquisadores começaram a problematiza-lo.

As legislações que regem sobre crianças e adolescentes no brasil: código de menores 1927,
1979 e eca
Em 1927, no Brasil, cria-se um Código de Menores (CM) por decreto no 17943-A, o
Estado passa a se responsabilizar pelas crianças e adolescentes menores de 18 anos abandonados
ou delinquentes, porém apesar do código ser criado para proteção dos “menores” era utilizado
como um sistema de controle de caráter repressivo.
Alguns questionamentos foram levantados quanto à forma exposta no CM de 1927: o
primeiro é referente ao tratamento dos menores; o segundo é a definição discriminatória, em que
alegava que a delinquência estava relacionada à pobreza (PORTO; WARTCHOW, 2015). Outro
ponto destacado no CM é o que eles denominam de “infantes expostos”, que são as crianças de
até sete anos de idade que estejam em situação de abandono.
No ano de 1979 foi instituído uma nova versão do CM de número 6.697 (BRASIL,
1979), foi apresentado avanços pouco significativos quanto a proteção da criança e do
adolescente. Continuou a ser usado o termo “menor” para se referir aos infantes, manteve
assegurada a proteção aos sujeitos de até 18 anos de idade, que se encontre em situação irregular
e estende para os que têm entre 18 e 21 anos em casos definidos judicialmente. Segundo o artigo
2º (BRASIL, 1979, p. 1) é considerado em situação irregular o menor privado de condições
essencial a sua subsistência, vitima de maus tratos ou castigos, perigo moral, privado de
assistência legal e autor de infração penal.
A assistência e proteção apresentadas em 1979, continuaram a serem apresentadas com
um caráter repressivo principalmente no que se refere a intervenção do Estado sobre a família, o
que contribuiu para o avanço da política de internatos e prisões.
Em meio aos avanços sociais e jurídicos da década de 80 e 90 no Brasil, está a
promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 que passa a garantir os direitos humanos e
traz uma visão ampla no que se refere aos direitos da criança e do adolescente. Em meio aos
avanços é instituído o ECA, lei número 8.069 de 13 de julho de 1990 (BRASIL 1990), que passa
a garantir à criança e ao adolescente os direitos como demais cidadãos.
O ECA traz inúmeras transformações, algumas delas são, a referência gramatical
utilizada, em que a expressão “menor” é substituída por “criança ou adolescente”, a ruptura com
a situação do menor irregular, passando a garantir direitos integrais, abrangendo todas as
crianças e adolescentes. Segundo Valente (2013) a proteção à criança e ao adolescente deixa de
ser um problema individual, passando a ser um compromisso universal e executado como
política pública.
Com essas mudanças é assegurado cuidados e deveres como forma de prevenção, na
busca de resultados efetivos para proteção e medidas cabíveis para os que estão destituídos do
poder familiar. Essa mudança é apresentada no artigo 4º do ECA (BRASIL, 1990, p. 11) ficou
estabelecido como dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
garantir o direito da criança e adolescente à convivência familiar e comunitária.
Passados 27 anos da criação do ECA e diante de um elevado número de crianças em
situação de perda ou suspensão do poder familiar e a prolongada estadia das crianças nas
instituições de abrigamento, surgiu um questionamento dentro das políticas públicas, se essa
forma de acolhimento tem sido efetiva e tem assegurado à criança o direito da convivência
familiar.

A família e o rompimento de vínculos parentais

Ao falarmos de crianças e adolescentes que estão com vínculos familiares fragilizados ou


rompidos, faz-se necessário, primeiramente, entender o conceito de família que circula na
sociedade e na legislação brasileira. Atualmente, falar sobre família é muito complexo, não
temos uma única conceituação e nem um único modelo do que é ser família e da representação
dela na sociedade. E isso pode ser observado em Sarti (2015, p. 21) “Com seus laços
esgarçados, torna‑se cada vez mais difícil definir os contornos que a delimitam [...] além de
sofrer importantes abalos internos tem sido alvo de marcantes interferências externas”.
O tema família no Brasil passou por mudanças com a CF de 1988, mudança essa descrita
no art.226 em que é reconhecida e garantida a proteção do estado para as famílias constituídas
por união estável e a família monoparental. Nas palavras de Alves (2006, p. 329): Até o advento
da Constituição Federal de 1988, o conceito jurídico de família era extremamente limitado e
taxativo, pois o Código Civil de 1916 somente conferira o status familiae, àqueles agrupamentos
originados do instituto do matrimônio.
Com o ECA em 1990 houve o que Sarti (2015, p. 35) chamou de “dessacralização” da
família, pois de acordo com ela, o ECA começa a repensar que a família tanto pode ser um local
positivo quanto nocivo para o desenvolvimento de uma criança ou adolescente, mas por outro
lado, não nega a importância dos vínculos familiares para o desenvolvimento psicossocial dos
mesmos.
A falta de intervenções direcionadas ao atendimento das novas configurações da família
contemporânea e o enfraquecimento da organização de muitas famílias, são uma das vertentes
relacionadas ao aumento do processo de destituição do poder familiar. A condição social é outro
fator que ainda é relevante para medida de destituição do poder familiar e, sobre o assunto,
Aguera, Cavalli e Oliveira (2010, p. 4) descrevem “nas famílias pobres a questão torna-se mais
grave devido ao estigma que sofrem por serem muitas vezes culpabilizadas pelo fracasso de seus
membros”.
O crescimento no número do rompimento de vínculos parentais tem levado ao aumento
do número de crianças e adolescentes destituídos do poder familiar e encaminhados para abrigos.
Essas medidas tomadas indicam que até nos dias de hoje não se tem conseguido apresentar
respostas mais humanizadas para as crianças e adolescentes que enfrentam essas situações
(VALENTE, 2008).

Diferenciando: Acolhimento familiar x acolhimento institucional e guarda subsidiada

Para abordarmos as atuais formas brasileiras de acolhimento das crianças e adolescentes


afastados da família de origem é relevante fazer uma contextualização da história dos “abrigos”
no país. No período colonial, referia-se à criança abandonada por “enjeitada” ou “exposta”, o
abandono de crianças só era tolerado se ocorresse em locais apropriados como hospitais ou
conventos.
Foi no século XVIII que segundo Marcilio (2006), foram fundadas as “rodas dos
expostos”, a primeira em Salvador, a segunda no Rio de Janeiro e a terceira em Recife. O nome
“roda dos expostos”, relaciona-se à forma como eram entregues as crianças. Elas eram
depositadas em um objeto de forma cilíndrica, na qual a pessoa depositante tocava um sino, que
avisava a vigilante que uma criança havia sido abandonada, era permitido o anonimato da pessoa
que abandonava. O infante acolhido na roda dos expostos geralmente era encaminhado para uma
casa de ama-de-leite que cuidava dele até os 3 anos de idade. O índice de mortalidade das
crianças deixadas nas rodas era muito alto, principalmente no primeiro ano de vida. (KREUZ,
2001, p. 14).
As rodas de expostos começaram a ter seu declínio com o termino do sistema
escravocrata; a última a ser fechada foi a de Salvador em 1950. O Brasil foi o último país a
acabar com esse sistema da roda dos enjeitados (MARCILIO, 2006). Passado esse período
começa a ser instituído no Brasil uma assistência filantrópica. Com esse processo passou a ser
repensado as formas de acolhimento das crianças e adolescentes que se encontram em processo
de suspensão ou perda do poder familiar, sendo um processo que ocorre até os dias atuais.
O acolhimento que está presente há mais tempo no país é o institucional, anteriormente
denominado “abrigamento em entidade”. Refere-se a uma instituição pública ou privada que
recebe as crianças e adolescentes e tem por objetivo garantir seus direitos de acordo com o ECA.
Essas instituições contratam funcionários que assumem esse papel de cuidar da casa e das
refeições das crianças e adolescentes. Este recurso de acolhimento é visto como necessário para a
segurança imediata da criança e adolescente, porém nocivo se for por tempo prolongado, uma
vez que é visto como prejudicial por impossibilitar a individualidade da criança e do adolescente.
Fonseca (2004) problematiza que, com a carência de políticas públicas adequadas, o abrigo ainda
funciona como um “colégio interno”.
Outra opção de acolhimento é a guarda subsidiada, onde a família extensa ou pessoas que
tem vínculo com a criança ou adolescente, podem ter a guarda temporária deles, até que seja
tomada uma decisão judicial definitiva. “A guarda subsidiada pressupõe vínculos já existentes e
em situações de longa permanência” (VALENTE, 2013, p. 115).
O acolhimento familiar é a terceira opção legal de acolhimento presente no Brasil.
Conforme descrito no título 3 dessa pesquisa, esse acolhimento é feito por famílias que não
tenham vínculo sanguíneo e nem afetivo com a criança. Por ser novo e introduzido recentemente
como um programa e ainda serem escassos os trabalhos divulgados sobre essa modalidade de
acolhimento, acarreta em má interpretação, o que leva muitas vezes a uma distorção de seu real
objetivo conforme proposto pela política nacional, sendo muitas vezes confundido com a guarda
subsidiada e até mesmo com a adoção. Valente (2012, p. 579) destaca que o nome “acolhimento
familiar” por si só não consegue se expressar sozinho, muitas vezes confundido com “adoção”,
“não existindo informações suficientes que diferencie com clareza a adoção, acolhimento
familiar, acolhimento informal e guarda subsidiada”.

O acolhimento familiar e o papel da equipe nesse serviço

No passado quando os membros familiares tinham dificuldades na criação e sustento de


uma criança ou adolescente, encontravam como solução a entrega das mesmas para que outras
famílias realizassem esse papel. Pode-se dizer que essas “famílias de criação” são uma forma
ilegal e informal do que é conhecido atualmente como acolhimento familiar (FONSECA, 2004).
Essa alternativa de acolhimento passou a ser legalizado com o ECA em 1990 e até hoje está em
processo de modificações e ampliação.
Com os avanços do ECA é que o acolhimento familiar passou a ser uma possibilidade, e a
partir foi documento do serviço de proteção social na Política Nacional de Assistência Social,
segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) (MDS, 2004) que
passa a ser detalhada mais informações de como funciona esse acolhimento. O detalhamento da
sua operacionalização está descrito no documento de tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais (MDS, 2009), no qual o mesmo é inserido como uma modalidade de
atendimento integral de Proteção Social Especial e de Alta Complexidade.
Em 03 de agosto de 2009, foi disposto a lei nº 12.010, que apresentou reformulações
importantes para o ECA, principalmente no que tange ao acolhimento familiar e prioriza essa
forma de acolhimento. Porém, o acolhimento em família ou institucional ainda são colocados no
ECA como última alternativa, buscando primeiro a manutenção na família de origem ou na
extensa.
O acolhimento familiar se caracteriza como uma medida de caráter provisório até que se
tenha uma definição judicial definitiva. O prazo de acolhimento é de 6 meses a 1 ano, podendo
ser prorrogado pelo mesmo período de acordo com decisão judicial. Segundo Valente (2008)
família acolhedora é entendida por aquelas famílias que se voluntariam a acolher uma criança ou
adolescente em seu espaço familiar, oferecendo todos os cuidados básicos de afeto, amor e
orientação.
O processo de acolhimento familiar se inicia a partir de uma autorização judicial a qual
notifica a equipe do município responsável pelo programa que uma determinada criança pode ser
incluída no programa de acolhimento. A equipe, após análise do perfil e preparação da família
cadastrada, aponta para os juízes que ela pode receber a criança ou o adolescente. Ao receber a
criança, a família, fica sob responsabilidade da equipe, que acompanhará essa família e a família
de origem da criança ou adolescente.
O acolhimento familiar está em fase de expansão, ainda são poucos os municípios que
têm o serviço estruturado e em funcionamento. Os dados do Censo do Sistema Único da
Assistência Social (Censo SUAS) 2016 mostram que 522 municípios brasileiros têm o SAF, que
atende 1.837 crianças e adolescentes (BRASIL, 2017).
Ressalta-se que as famílias que se cadastram como acolhedoras não podem estar na fila
de adoção, nem pretender adotar e precisam ter a consciência de que não poderão adotar a
criança ou o adolescente que acolherem. Essa medida é tomada para que a colocação em familia
acolhedora não seja um “atalho” para a adoção, “como uma espécie de prova” (KREUZ, 2001, p.
119).
A equipe multidisciplinar tem um papel significativo para a efetivação do acolhimento
familiar. O trabalho dessa equipe, segundo a tipificação nacional (BRASIL, 2009), é o de
seleção, preparação, cadastramento, acompanhamento das famílias acolhedoras, orientação e
encaminhamentos para a rede de serviços locais e a articulação do contato entre a família de
origem e a criança/adolescente. Delgado (2010, p. 462) destaca que compete ao assistente ou
educador social assegurar a relação da criança/adolescente com família de origem e ser uma
ponte para a construção do vínculo entre eles e a família acolhedora.
Dessa forma é possível constatar a importância de seleção e treinamento dessa equipe,
esse preparo teórico e prático que irá permitir reconhecer o perfil apropriado para ser uma
família acolhedora, identificar possíveis inadequações dessas famílias ao proposto do
acolhimento.

Um debate sobre as vantagens e desvantagens do acolhimento familiar


Como já apontado nessa pesquisa, vimos que com a criação do ECA foram ampliadas as
discussões acerca do cuidado para garantir os direitos da criança e do adolescente,
principalmente o direito a convivência familiar e comunitária daqueles que estão destituídos do
poder familiar. O acolhimento familiar surgiu em meio a esse processo, o que tem gerado uma
ampla discussão em torno dos pontos positivos e negativos dessa alternativa.
Com a necessidade de implementação desse serviço, os municípios têm aumenta a
atenção para esse assunto e com essa demanda foi criada uma comissão no congresso nacional
para discutir se esse tipo de abrigamento realmente é eficaz, quais benefícios ou malefícios para
a criança e adolescente trará, como será esse processo de implantação do serviço, a fim de evitar
retrocessos na legislação e retorno a velhos modelos de tratamento da situação da criança e
adolescente em situação de destituição do poder familiar.
Os teóricos vêm se debruçando sobre alguns aspectos específicos do acolhimento familiar
e dentre as vantagens apontadas, estão o direito a convivência familiar e comunitária e a garantia
da individualidade da criança e adolescente, incidindo diretamente em confronto com o
acolhimento institucional.
Nesse sentido Cerutti (2010, p. 8) aponta que o acolhimento institucional submete a
criança e adolescente a um contexto sem espaços de escutas, impedindo o desenvolvimento
psicossocial saudável. Logo, o acolhimento familiar, pode proporcionar essa individualidade, no
acolhimento familiar as crianças e adolescentes recebem uma atenção individualizada.
Partindo da visão do acolhimento familiar como proteção, Sacristan (2001) destaca que
dentre os pontos positivos desse tipo de acolhimento está o contato com outros estilos de vida,
ampliando as expectativas e perspectivas de futuro da criança ou adolescente acolhido.
Alguns teóricos apresentam pontos mais críticos do acolhimento familiar, é a vinculação
entre a família acolhedora e a criança e o subsídio recebido pelas famílias. Nesse contexto,
Cabral (2004, p. 12) aponta a importância de se ter um aprofundamento nos estudos e discussão
sobre esse tipo de acolhimento. Assim coloca: “[...] Não significa puramente a transposição de
um modelo de atendimento para outro, como se o Acolhimento Familiar fosse uma ‘solução’
para substituir o estado atual das coisas”.
Delgado (2010, p. 459) descreve a dualidade das relações que a criança ou adolescente
precisará administrar essa vivência com a família acolhedora e continuará a ver os familiares de
origem. Essas duplas relações são complexas, muitas vezes envolvem rotinas totalmente
diferentes.
Diante desses pontos levantados, percebe-se o quanto o acolhimento familiar precisa ser
melhor explicado, para que consiga atingir o objetivo de contribuir para a desinstitucionalização
de crianças e adolescentes em casas abrigo e cumpra a função a qual se propõe. “O acolhimento
familiar é um contexto familiar alternativo que representa um enorme desafio para o principal
ator, a criança/adolescente, e para os seus outros protagonistas” (DELGADO, 2010, p. 459).

Considerações Finais

Atualmente a condição das as crianças e os adolescentes têm conquistado uma atenção


específica nas políticas sociais públicas, principalmente no que se refere a garantia dos seus
direitos, porque as demandas por abrigamento vem aumentando e em contrapartida diminuindo
as vagas de acolhimento nas instituições.
Desde o período colonial no Brasil, as crianças e adolescentes em processo de destituição
do poder familiar ou abandono são colocados em abrigos, e nesse período o que chamamos de
acolhimento institucional, era realizado pelas casas das rodas dos expostos, uma entidade que
recebia as crianças e tinha foco no cuidado da parte religiosa/espiritual delas. Infelizmente,
apesar de ser uma iniciativa que tinha como finalidade evitar o abandono das crianças em lugares
impróprios, ainda o cuidado com elas era pequeno, o que as levava a uma baixa qualidade e
expectativa de vida. Essa forma de abrigo institucional que está instituída desde meados do
século XVIII, dificulta a inclusão de outras formas de acolhimento no Brasil.
A situação da criança e do adolescente não apresentou um avanço significativo no país
nem mesmo com os códigos de menores (1927 e 1979), ambos legislavam somente sobre os
denominados “menores” delinquentes/abandonados, as crianças e adolescentes eram tratados
com ações de cunho coercitivo, não garantindo um cuidado com o seu desenvolvimento.
As legislações brasileiras passaram a colocar a criança e adolescente como sujeito de
direito, a partir da constituição federal de 1988 e o ECA em 1990, garantindo a eles a proteção,
saúde, educação e o direito a convivência familiar e comunitária. Porém, só os marcos
normativos não são suficientes para a concretização de um direito, é indispensável ações por
parte do poder público e da sociedade civil, para que políticas públicas que estruturem e
garantam a proteção preconizada pelas normativas sejam efetivadas.
O Estado brasileiro se encontra em um momento de reordenamento das políticas de
proteção à infância e adolescência e, com isso, revendo a questão de abrigamento das crianças e
adolescentes em instituições. Para dar sustentação na defesa da nova forma de acolhimento tem
apontado como defesa, o longo período de busca da família extensa e a burocracia existente no
processo de adoção, sendo essas uma das causas que tem levado ao longo período de crianças e
adolescentes em acolhimento e desconsiderando a atenção e cuidado que a criança/adolescente
precisa nessa fase do desenvolvimento.
Precisamos assumir essa realidade complexa que está no país e ponderar as diversas
formas de acolhimento, o que não significa extinguir o acolhimento institucional, mas cuidar
para que as formas de acolhimento sejam exercidas com qualidade e compromisso, levando em
consideração que isso envolve a capacitação dos funcionários, qualidade do ambiente de
acolhimento e, principalmente, a sensibilidade para os acompanhamentos realizados pelas
equipes tanto das instituições, quanto das famílias acolhedoras.
Ao falar sobre acolhimento familiar, necessariamente se discute as mudanças no papel da
família, essa família que deixa de ser o centro seguro, os novos arranjos familiares e a vinculação
afetiva. Levantando questionamentos importantes, serão incluídos nesse programa as novas
configurações de família? Como será para equipe acompanhar essas famílias, visando ser algo
ainda pouco aceito culturalmente? As informações quanto essas novas configurações de família
no acolhimento familiar, ainda são escassos nas legislações e nas discussões.
Essa pesquisa elencou algumas das discussões que são levantadas pelos autores diante do
acolhimento familiar, entre os pontos positivos levantados está a proteção que pode ser oferecida
por essa modalidade de acolhimento, principalmente a garantia da convivência familiar e
comunitária. Os pontos que podem gerar consequências negativas são, a vinculação das crianças
e adolescentes com as famílias acolhedoras, o subsídio recebido pelas famílias e a falta do
acompanhamento cuidadoso da equipe. Diante disso, nota-se a importância de uma equipe bem
preparada, uma boa estrutura de trabalho, para que assim consiga dar suporte a essa
criança/adolescente, e cuidar para que a colocação em família substituta não crie expectativas e
confunda os protagonistas dessa situação, que é a criança e adolescente.
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