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ADOÇÃO NECESSÁRIA: EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO E DE POLÍTICAS

PÚBLICAS NA GARANTIA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Larissa Arcanjo da Silva1

RESUMO
Esta pesquisa tem como ponto de partida o Estatuto da Criança e do
Adolescente e a Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, que dispõe sobre a adoção,
analisados comparativamente aos dados dos cadastros de adoção do Brasil obtidos
pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), enfocando os perfis menos
procurados pelos pretendentes à adoção, buscando compreender se o direito das
crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária tem sido, de fato,
concretizado. A partir de uma pesquisa bibliográfica e documental foi proposta uma
breve perspectiva histórica sobre o instituto da adoção, sua definição e panorama
jurídico, além de discorrer sobre a importância da família para o desenvolvimento do
indivíduo. Seguidamente realiza-se uma análise crítica dos dados e políticas públicas
que tratam da promoção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Adoção. Criança. Adolescente. Família.

ABSTRACT
This research has as its starting point the Child and Adolescent Statute and Law nº
12.010, of August 3, 2009, which deals with adoption, analyzed in comparison with the
data from the adoption registers in Brazil obtained by the National Adoption System
and Refuge (SNA), focusing on the profiles least sought after by prospective adopters,
seeking to understand whether the right of children and adolescents to family and
community life has, in fact, been achieved. Based on a bibliographical and
documentary research, a brief historical perspective was proposed on the adoption
institute, its definition and legal panorama, in addition to discussing the importance of
the family for the development of the individual. Then, a critical analysis of the data

1Acadêmica do curso de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus


de Foz do Iguaçu. E-mail: Larissa.silva75@unioeste.br.
and public policies that deal with the promotion and defense of the rights of children
and adolescents is carried out.

Keywords: Adoption. Child. Adolescent. Family.

Introdução

O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei Nº 8.069 foi promulgado em 13


de julho de 1990 com o objetivo de promover a proteção e garantia dos direitos das
crianças e adolescentes no Brasil, entre eles estabelecendo as diretrizes para a
filiação socioafetiva denominada adoção. A Lei Nº 12.010, de 3 de agosto de 2009,
conhecida como Lei da Adoção trouxe algumas modificações nas regras do instituto,
fortalecendo a proteção integral da criança e do adolescente. Sendo assim, propõe-
se uma análise em relação à efetividade da legislação no contexto brasileiro da
adoção necessária, terminologia utilizada para descrever as adoções em que existe a
necessidade de uma maior atenção do Poder Judiciário, sendo elas: Adoção Tardia,
Adoção de Grupo de Irmãos, Adoção Especial e Adoção Inter-racial. Além disso, serão
analisados dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), desenvolvido
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o objetivo de registrar e controlar os
serviços de acolhimento de crianças e adolescentes.

O objetivo geral desta pesquisa é analisar comparativamente a legislação que


regulamenta a adoção no Brasil e os dados atuais de adoção, a fim de avaliar a
eficácia da garantia dos direitos de todas as crianças e adolescentes, enfocando os
que possuem menos probabilidades de serem adotados tendo em vista o perfil
desejado pelos pretendentes à adoção. São objetivos específicos desta pesquisa:
apresentar o conceito e o contexto histórico da adoção no Brasil; abordar a
importância da convivência familiar para o desenvolvimento do sujeito e preparo para
a vida em sociedade; diferenciar os tipos legais de adoção que ocorrem no Brasil;
analisar as legislações, tendo como foco os grupos de crianças e adolescentes em
situação de maior vulnerabilidade; analisar os dados recentes de adoção no Brasil,
comparando os “perfis desejados” pelos pretendentes à adoção com os que não se
enquadram nesta categoria; e investigar a existência de políticas públicas de incentivo
à adoção no Brasil, avaliando sua repercussão.
O método de abordagem utilizado na presente pesquisa é o hipotético-
dedutivo; quanto à metodologia de procedimento, é utilizado primordialmente o
método comparativo; já em relação às técnicas de pesquisa, instrumentos de pesquisa
bibliográfica e documental.

Segundo a Constituição Federal, art. 227,

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

A convivência em família natural ou substituta, prescrita na lei, tem um papel


extremamente importante no desenvolvimento do indivíduo, muito além da garantia
de suas necessidades básicas de sobrevivência, inclui a construção da identidade e
o desenvolvimento de valores e comportamentos que o capacitam para a vida em
sociedade, e deve ser garantida com absoluta prioridade, sem negligência ou
discriminação.

Os dados apresentados pelo Sistema Nacional de Acolhimento indicam que


há uma grande disparidade entre o número de pretendentes à adoção e a quantidade
de candidatos a serem adotados. Em uma situação hipotética de que o segundo
número fosse muito superior ao primeiro, seria compreensível o excedente de
crianças e adolescentes. No entanto, na realidade, segundo dados do CNJ (BRASIL,
2020, p.25), ocorre o contrário, e apesar do elevado número de pretendentes, a
grande maioria não está vinculada a nenhuma criança ou adolescente. Não se pode
reduzir a realidade apenas a quantitativos numéricos, sabendo que o processo de
adoção envolve fatores subjetivos como identificação e afetividade, que contribuem
para a compatibilidade entre adotantes e adotados, porém, é válido questionar o
motivo pelo qual tantos pretendentes à adoção não estão vinculados a nenhum
candidato e investigar se o real objetivo da adoção tem sido atingido no Brasil. Como
afirma Diniz (2010),

A adoção hoje, não consiste em dar filhos para aqueles que por motivos de
infertilidades não os podem conceber, ou por “ter pena” de uma criança, ou
ainda, alívio para a solidão. O objetivo da adoção é cumprir plenamente às
reais necessidades da criança, proporcionando-lhe uma família, onde ela se
sinta acolhida, protegida, segura e amada. (DINIZ, 2010,apud SILVA, 2012)

Tendo em vista o real objetivo da adoção expresso acima, pretende-se


analisar se os interesses das crianças e adolescentes, principalmente os que estão
em situação de maior negligência e vulnerabilidade têm sido, de fato, materializados
como a legislação estabelece, buscando contribuir para o acompanhamento de
políticas públicas existentes e, se necessário, propor novas abordagens, a fim de
aprimorar o sistema protetivo da infância e da juventude.

1 Definição e breve perspectiva histórica da adoção

De acordo com Oliveira (2020),“a adoção é uma forma de filiação não


biológica que depende da intervenção do Poder Judiciário – que, por meio de sentença
judicial, constitui como filha a pessoa nascida em família de origem diversa da família
adotiva” (OLIVEIRA, 2020, p. 35). Além disso, o autor defende a importância dos
vínculos afetivos, para a existência de paternidade e maternidade além do vínculo
biológico, afirmando que adoção além de um ato jurídico, é um “ato de amor”. Nesse
sentido, Venosa (2016) entende a adoção como a filiação civil, baseada não em
aspectos biológicos, genéticos ou sanguíneos, mas uma filiação “exclusivamente
jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas
afetiva”. (VENOSA, 2016 apud ALMEIDA, 2019, p.8).

De acordo com a análise de Lopes (2008, p. 24-42), há registros históricos


da adoção desde a antiguidade, por exemplo, no Código de Manu da sociedade Hindu,
no Egito, Palestina e no povo Hebreu. O Código de Hamurabi também trazia diretrizes
sobre o instituto, bem como o Direito Romano. Historicamente, a adoção é um direito
tutelado pelo Estado concernente aos pais adotivos com o objetivo de formar sua
família, e não ao direito das crianças abandonadas de serem amparadas por uma,
razão pela qual em muitas das sociedades antigas, os filhos adotivos não gozavam
dos mesmos direitos que os filhos biológicos, o que posteriormente foi superado, e a
filiação adotiva passou a conferir os mesmos direitos que a filiação biológica. A
referida concepção, de suprir a necessidade e o desejo dos pais adotivos, esteve
presente no Direito brasileiro no Código Civil (1916) e no Código de Menores (1979),
até à promulgação da Constituição Federal (1988) e do Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990), documentos a partir dos quais o foco passou a ser a garantia dos
direitos das Crianças e Adolescentes.

2 Papel da convivência familiar no desenvolvimento do indivíduo

Tratando-se do papel da família no desenvolvimento do indivíduo, Berger e


Luckmann (1976) definem o processo de socialização como “a ampla e consistente
introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela”
(BERGER E LUCKMANN, 1976, p. 175). Nesse sentido, existiriam duas fases de
socialização: a primária, que é descrita como a primeira experimentada na infância, e
por meio da qual o indivíduo se torna membro da sociedade; e a secundária, que
envolve qualquer processo subsequente pelo qual o indivíduo já socializado é
introduzido em novos setores de sua sociedade. Desde a filosofia grega tem-se a
concepção de que o homem é um ser social, porém os autores citados acima
sistematizam esse pensamento na ideia de que “o indivíduo não nasce membro da
sociedade. Nasce com a predisposição para a sociabilidade e torna-se membro da
sociedade” (BERGER E LUCKMANN, 1976, p. 173). Assim, “a socialização primária
cria na consciência da criança uma abstração progressiva dos papéis e atitudes dos
outros particulares para os papéis e atitudes em geral.” (BERGER E LUCKMANN,
1976, p. 178). Ou seja, a partir das situações particulares que vivencia, passa a
generalizar os significados e atribuí-los ao mundo. Como destaca Gomes (1992, p.
94-95), é necessário entender a dependência da socialização secundária em relação
à primária, constituindo um processo subsequente e condicionado pelo outro. Sendo
assim, toda a vida do indivíduo em sociedade será influenciada pela sua socialização
primária, em outras palavras, pela convivência familiar na infância.

Berger e Luckmann (1976, p.173-184) explicam ainda, que a socialização


exige mediadores entre o mundo físico e social e a criança, sendo que através de sua
relação com eles a criança faz sua aprendizagem de ser social, essa função
mediadora é desempenhada pela família. Desta forma, a tarefa socializadora familiar
é essencial, pois promove a aprendizagem de elementos culturais como a linguagem,
hábitos, costumes, papéis, valores, normas, entre outros, inserindo a criança no
mundo social.
Além disso, como afirma Gomes (1992), a família “promove a formação das
estruturas básicas da personalidade e da identidade” (GOMES,1992, p.96), e o
ambiente familiar contribui para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais,
de segurança, autoestima e autonomia do indivíduo. Winnicott (2005a; 2005b),
descreve que:

um ambiente familiar afetivo e continente às necessidades da criança e, mais


tarde do adolescente, constitui a base para o desenvolvimento saudável ao
longo de todo o ciclo vital. Tanto a imposição do limite, da autoridade e da
realidade, quanto o cuidado e a afetividade são fundamentais para a
constituição da subjetividade e desenvolvimento das habilidades necessárias
à vida em comunidade. Assim, as experiências vividas na família tornarão
gradativamente a criança e o adolescente capazes de se sentirem amados,
de cuidar, se preocupar e amar o outro, de se responsabilizar por suas
próprias ações e sentimentos. Estas vivências são importantes para que se
sintam aceitos também nos círculos cada vez mais amplos que passarão a
integrar ao longo do desenvolvimento da socialização e da autonomia.
(Winnicott, 2005a; 2005b. apud BRASIL, 2006, p. 38).

Além de Winnicott, O Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária


(BRASIL, 2006, p.38) cita diversos autores que trazem o embasamento teórico sobre
como a institucionalização e a separação da criança do convívio familiar e de relações
afetivas estáveis repercutem negativamente em seu desenvolvimento, desde a
satisfação de suas necessidades biológicas e afetivas até o seu amadurecimento e
constituição de uma vida adulta saudável. Sendo assim, é essencial que as crianças
e adolescentes que não tiveram a possibilidade de desfrutar de sua família natural e
originária tenham essa convivência garantida em uma família substituta. Como indica
Lopes (2008), a adoção “busca atingir o equilíbrio entre a norma e a atividade social
e humanitária. […] A finalidade precípua da adoção é dar uma família a uma criança,
é realizar o direito da criança de ter uma família” (LOPES, 2008, p. 85).

3 Panorama jurídico da adoção no Brasil

Diante do exposto acima, percebe-se a razão pela qual a família se constitui


a base e o núcleo natural e fundamental da sociedade, devendo ser protegida pelo
Estado como estabelece a Constituição da República Federativa do Brasil (1988) em
seu artigo 226. Além disso, a Constituição determina em seu artigo 227 a garantia da
convivência familiar e comunitária a todas as crianças e adolescentes. No caso de que
não seja possível a convivência no seio de sua família natural, de acordo com o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conforme seu Capítulo III - Do Direito à
Convivência Familiar e Comunitária, art. 19, “É direito da criança e do adolescente ser
criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu
desenvolvimento integral.” (BRASIL, 1990).

É válido lembrar que Lei Nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, trouxe algumas


alterações ao ECA (1990) no âmbito de entrega voluntária, destituição do poder
familiar, acolhimento, apadrinhamento, guarda e adoção de crianças e adolescentes.

O ECA (1990) descreve a prioridade pela reintegração da criança em


acolhimento institucional à sua família de origem, tendo esta medida prevalência em
relação a qualquer outra. É previsto ainda o programa de apadrinhamento às crianças
e adolescentes em acolhimento institucional, com o objetivo de proporcionar vínculos
externos a fim de estabelecer a convivência familiar e comunitária, contribuindo assim
com o seu desenvolvimento social, moral, físico, cognitivo, educacional e financeiro.

Tratando sobre a Família substituta, o ECA (1990) define a adoção como “[...]
medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados
os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa
[...]” (BRASIL, 1990). Sendo que em caso de conflitos de direitos entre os envolvidos
devem prevalecer os interesses do adotando.

O ECA (1990) dispõe ainda que os processos de adoção de crianças e


adolescentes com deficiência e doença crônica devem ter prioridade de tramitação, e
que grupos de irmãos devem ser colocados sob amparo da mesma família substituta,
a fim de evitar o rompimento dos vínculos fraternais. Além disso, no Art. 50, descreve
que enquanto não estiver vinculada a nenhuma família para adoção, a criança ou
adolescente deve ser amparada em programa de acolhimento familiar, ou seja, o
acolhimento familiar deve ser priorizado em relação ao acolhimento institucional.

3.1 Tipos de adoção

De acordo com Oliveira (2020, p. 55-66), a adoção pode ser classificada em


duas divisões importantes:
3.1.1 Em relação ao vínculo

Pode ser classificada em:

a) Adoção comum, em que toda a aproximação ocorre por meio do Poder


Público;
b) Adoção intuito personae, na qual os pais biológicos escolhem os pais
adotivos de seus filhos;
c) Adoção baseada em vínculos preexistentes, por exemplo, de vizinhos ou
parentes, esta modalidade é aceita com ressalvas e requer a
demonstração, com intervenção de advogado, do vínculo entre adotando
e adotantes.

3.1.2 Em relação aos adotantes

Nesse aspecto, a adoção pode ser:

a) Biparental, na qual os dois adotantes são necessariamente casados ou


estão em união estável, inclusive nas decisões mais recentes do Supremo
Tribunal Federal (STF), os adotantes em união homoafetiva têm sido
contemplados de maneira igualitária aos heterossexuais;
b) Monoparental, em que um único indivíduo adota, sendo solteiro, viúvo ou
divorciado;
c) Unilateral, em que o adotante pleiteia a concessão de adoção do filho de
seu cônjuge, devendo-se comprovar a paternidade socioafetiva.

4 Análise crítica

Tendo como base os pressupostos teóricos referidos anteriormente e as


diretrizes legais descritas, cabe analisar a eficácia da legislação concernente à
adoção, tendo como foco os perfis “desejados” e “indesejados” pelos pretendentes à
adoção, observando resultados práticos e dados estatísticos confiáveis, bem como
identificar se ações do Estado têm sido suficientes e eficazes na garantia dos direitos
das crianças e adolescentes para além da teoria.

4.1 “Perfis desejados” e “indesejados”


O Conselho Nacional de Justiça é o órgão do Poder Judiciário responsável
pelo controle e planejamento de estratégias e políticas judiciárias. Dentro das ações
voltadas para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes desenvolveu-se o
Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, que tem como objetivo fornecer
informações sobre os perfis de adotantes e adotandos. A seguir, apresentam-se
alguns dados selecionados do Diagnóstico sobre o Sistema Nacional de Adoção e
Acolhimento do ano de 2020 (BRASIL, 2020) e dados mais recentes obtidos no Portal
do Conselho Nacional de Justiça, em 2022 (BRASIL, 2022).

Segundo a análise de adoções realizadas desde 2015 até o início de 2020,


“5.204 (51%) foram de crianças de até 3 anos completos, 2.690 (27%) foram de
crianças de 4 até 7 anos completos, 1.567 (15%) foram de crianças de 8 até 11 anos
completos e 649 (6%) foram de adolescentes [...]” (BRASIL, 2020, p.14). Já em
relação aos processos ainda não concluídos, “1.042 (49%) são de crianças de até 3
anos completos, 640 (25%) são de crianças de 4 até 7 anos completos, 413 (16%)
são de crianças de 8 até 11 anos completos e 232 (9%) são de adolescentes”
(BRASIL, 2020, p.14). Na Figura 1, é possível observar a quantidade de crianças e
adolescentes que tiveram a adoção realizada e que estão em processo de adoção de
acordo com a idade.

Figura 1: Número de crianças e adolescentes adotados ou em processo de


adoção conforme a idade

Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, CNJ (BRASIL, 2020).


Em relação ao perfil desejado pelos pretendentes é importante comparar os
dados que estimam a quantidade de pretendentes à adoção, pretendentes em
processo de adoção e pretendentes que já adotaram alguma criança ou adolescente.
De acordo com o CNJ (BRASIL, 2020, p. 25), o primeiro número corresponde a
34.443; o segundo a 2.008 e o último, 9.887. Apesar do número de pretendentes ser
elevado, ainda existem 5.026 crianças disponíveis para adoção, pois o perfil desejado
pelos adotantes não é compatível com o perfil existente de crianças e adolescentes.
Sendo assim, 93,8% dos pretendentes não estão vinculados a nenhuma criança ou
adolescente.

Em relação ao número de crianças e adolescentes disponíveis para adoção,


3.458 encontram-se vinculadas a pretendentes, o que corresponde a 69% do total,
1.548 ainda não possuem pretendentes, o que corresponde a 31% do total. É
extremamente perceptível a influência da idade para a vinculação, tendo em vista que
93% dos adotandos não vinculados têm 7 anos de idade ou mais. (BRASIL, 2020, p.
27). Conforme observa-se nos gráficos, quanto maior a idade, há mais crianças e
adolescentes que não estão vinculados com algum pretendente; e quanto menor a
idade, há mais adotantes interessados. Na Figura 2, observa-se a quantidade de
crianças vinculadas ou não vinculadas a pretendentes de acordo com a idade, sendo
que a maior quantidade de não vinculados é de adolescentes.

Figura 2: Número de crianças e adolescentes disponíveis para adoção conforme a


idade atual

Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, CNJ (BRASIL, 2020).


Já na figura 3, observam-se dois gráficos, um relacionado às crianças e adolescentes
vinculados e outro aos não vinculados, sendo classificados de acordo com a idade
disponível e a idade desejada pelos pretendentes à adoção, percebe-se claramente
que a idade mais desejada é de 0 a 6 anos.

Figura 3: Idade atual das crianças e adolescentes disponíveis para adoção Vs Idade
desejada pelos pretendentes à adoção

Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, CNJ (BRASIL, 2020).

Outro dado que merece destaque, é que segundo este diagnóstico, a maioria
dos pretendentes deseja crianças com até 4 anos de idade e apenas 0,3% dos
pretendentes têm intenção de adotar adolescentes, sendo que estes representam
77% dos cadastros sem vínculo, e seu número é superior ao de pretendentes
interessados. Nesse sentido, a média da idade desejada pelos pretendentes da
adoção verifica-se inferior em todos os estados brasileiros em relação à média de
idade das crianças e adolescentes cadastrados e não vinculados. Apresenta-se ainda
que o número de adolescentes que atingiram a maioridade sem serem adotados foi
de 30% em relação ao total, alcançando 2.991 adolescentes sem a garantia adequada
do convívio familiar.

Outro fator decisivo na determinação dos perfis adotivos é a questão de


saúde. De acordo com os dados do SNA (BRASIL, 2020, p. 32), 20% das crianças e
adolescentes cadastrados apresentavam algum problema de saúde e mais de 8%
possuem deficiência intelectual. Segundo o diagnóstico, o número de adotandos
disponíveis geralmente constitui o dobro da quantidade de processos de adoção em
aberto, exceto no caso de candidatos com problemas de saúde e deficiências, em que
o número é de 4,2% superior. Apenas 4% dos pretendentes aceitam crianças com
deficiência física, e 1,7% com deficiência física e intelectual.

Em relação à etnia, mais de metade das crianças e adolescentes disponíveis


são pardos, cerca de 30% são brancos, aproximadamente 16% são pretos, e uma
porcentagem inferior a zero, amarelos e indígenas. Tratando-se dos pretendentes,
40% aceitam qualquer etnia, 24,5% preferem brancos, 20% pardos, 5,8% amarelos,
apenas 4,8% preferem pretos e 3,4% indígenas (BRASIL, 2022).

A Figura 4 apresenta a situação atual das crianças e adolescentes


classificadas por grupos de irmãos. Sendo que 1.852 crianças não possuem irmãos,
908 possuem um irmão, 648 possuem dois irmãos, 398 possuem 3 irmãos e 349
possuem mais de um irmão (BRASIL, 2022).

Figura 4: Número de crianças por quantidade de irmãos

(BRASIL, 2022)

Nesse aspecto, segundo dados do Portal do Conselho Nacional de Justiça


(BRASIL, 2022), 62,8% dos pretendentes aceitam apenas uma criança, 35% desejam
duas crianças, e apenas 2,2% pretendem adotar acima de duas crianças.
Sendo assim, percebe-se uma grande disparidade entre os perfis desejados
pelos pretendentes à adoção e os perfis reais de crianças e adolescentes disponíveis
para adoção, destacando-se alguns critérios determinantes como idade, existência de
problemas de saúde ou deficiências, etnia, e a existência de irmãos, que devem
segundo a legislação, prioritariamente, ser incluídos na mesma família substituta.
Conforme observado, a grande maioria dos pretendentes a adoção desejam bebês,
sem problemas de saúde, que não possuam irmãos, enquanto na realidade grande
parte dos adotandos são crianças maiores e adolescentes, muitos possuem doenças
e deficiências e estão inclusos em grupos de irmãos. De acordo com Oliveira (2020),

“[...] essa incongruência entre a expectativa de quem está na fila de adotantes


e a realidade dos adotandos impossibilita o convívio familiar dessas crianças
e adolescentes, que dificilmente encontrarão lugar em uma família substituta.
[…] E é assim que eles permanecem no limbo do acolhimento institucional
por um período demasiadamente longo, chegando muitas vezes à
maioridade.” (OLIVEIRA, 2020, p. 70)

Além dessa perspectiva sobre a adoção, foco principal da presente pesquisa,


é válido destacar também dados sobre o acolhimento institucional, alternativa de
acolhimento utilizada quando a permanência no seio da família de origem oferece
risco a integridade moral ou física da criança ou adolescente. Segundo o Diagnóstico
do SNA (BRASIL, 2020, p. 40), existem 34.157 crianças e adolescentes acolhidos no
Brasil, destes 96% se encontram em acolhimento institucional e apenas 4% em
acolhimento familiar, o que contraria a disposição do ECA de priorizar o acolhimento
familiar ao institucional. Sendo assim, a proteção, garantia e defesa dos direitos
dessas crianças não tem ocorrido de forma que seus interesses e desenvolvimento
adequado sejam contemplados, como prescreve a legislação.

4.2 Políticas Públicas relacionadas à adoção

Políticas públicas são o conjunto de ações e programas governamentais


articulados e desenvolvidos a fim de garantir de forma prática os direitos previstos na
legislação. A seguir, apresentam-se políticas implementadas pelo Governo Federal
para a garantia do direito das crianças e adolescentes à convivência familiar e
comunitária.
4.2.1 Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária

O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e


Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária é uma iniciativa do Governo
Federal, implementada em 2006, que tem como um dos seus principais objetivos
“ampliar, articular e integrar as diversas políticas, programas, projetos, serviços e
ações de apoio sociofamiliar para a promoção, proteção e defesa do direito de
crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária”. (BRASIL. 2006, p. 76).

O plano apresenta diversas diretrizes e estratégias, especificando as esferas


de atuação e planos de ação. As ações estavam previstas para um prazo de nove
anos, sendo assim deveriam ter sido implementadas até o ano de 2015. Também
foram estabelecidos instrumentos de monitoramento e avaliação. Trouxe como
inovação a implementação do Programa Famílias Acolhedoras, que é responsável por
organizar o acolhimento das crianças e adolescentes afastados de suas famílias de
origem em residências de famílias acolhedoras, de forma temporária, até que seja
possível a reintegração às famílias de origem. O funcionamento do Programa envolve
desde a mobilização, seleção e capacitação das famílias acolhedoras, até o
acompanhamento das famílias de origem a fim de possibilitar a reintegração, bem
como a articulação entre a Justiça da Infância e Juventude com o Sistema de Garantia
de Direitos.

Entre as diretrizes do Plano se destacam a centralidade da família nas


Políticas Públicas; garantia do princípio de temporalidade das medidas de
acolhimento, reordenamento dos programas de Acolhimento Institucional e a
centralidade da Adoção no interesse da criança e do adolescente.

Em 2019 foi iniciado um processo de avaliação da implementação do Plano,


tendo como objetivo identificar os resultados obtidos e propor ações que possibilitem
sua atualização. Segundo a avaliação realizada com o apoio do Ministério da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos, houve um avanço de 47,8% no aprimoramento
da legislação e ampliação de cobertura, com redução de desigualdades regionais,
além da profissionalização de equipes e serviços. Apesar disso, ainda se faz
necessário, de acordo com esta avaliação, o fortalecimento das políticas públicas de
prevenção do afastamento do convívio familiar, com foco em áreas de pobreza, saúde,
educação, moradia e assistência social.

4.2.2 Incentivo à adoção


Algumas iniciativas de incentivo à adoção encontradas na pesquisa foram:
a) Campanha Adotar é Amor, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, a
fim de mobilizar digitalmente e visibilizar a adoção na internet, em alusão
ao dia 25 de março – Dia Nacional da Adoção;
b) Projeto de Lei n. 1177/2017, do Estado de São Paulo, que busca instituir
a "Semana de Incentivo à Adoção Tardia" na primeira semana do mês de
setembro.

Conclusão

Em suma, após apresentar brevemente o conceito e o contexto histórico da


adoção no Brasil, abordar a importância da convivência familiar para o
desenvolvimento do sujeito e preparo para a vida em sociedade, incluindo desde a
construção de sua própria identidade e subjetividade até a sua socialização, foi feita
uma análise sobre a legislação brasileira que rege o instituto da adoção, tendo como
foco os grupos de crianças e adolescentes em situação de maior vulnerabilidade. A
seguir foram analisados os dados recentes de adoção no Brasil, comparando os
“perfis desejados” pelos pretendentes à adoção com os que não se enquadram nesta
definição e investigou-se a existência de políticas públicas de incentivo a adoção no
Brasil, avaliando sua repercussão.

Está expressa tanto na Constituição (1988), quanto no Estatuto da Criança e


do Adolescente (1990) a necessidade de proteção dos direitos das crianças e
adolescentes e a garantia da convivência familiar e comunitária, de forma que não
ocorra nenhuma forma de negligência ou discriminação, e as crianças e adolescentes
possam se desenvolver integralmente em um ambiente onde se sintam seguros,
amados e amparados, apesar disso, é evidente que a legislação atual e as ações do
Estado não garantem satisfatoriamente o amparo e a convivência familiar às crianças
e adolescentes que não se enquadram nos “perfis desejados” pelos pretendentes a
adoção, pretendentes estes que têm em seu imaginário uma ideia ilusória em relação
às crianças que estão disponíveis para serem adotadas. Nesse sentido, Almeida
(2019) afirma: “sendo a adoção um ato de amor, acima de tudo, já que quem adota
escolhe um filho ao qual dedicará todo o seu afeto, parece estranho que essa
disponibilidade para o amor seja tão seletiva e excludente.” (ALMEIDA, 2019, p.49).
De fato, essa seletividade na escolha dos adotandos demonstra que os pais adotivos
estão preocupados muitas vezes com os seus próprios interesses e padrões, em
detrimento do amparo e cuidado das crianças e adolescentes.

Ademais, evidencia-se a necessidade de ações e políticas públicas voltadas


para a promoção e ampliação de programas de famílias acolhedoras, tendo em vista
que a legislação estabelece como prioritário o acolhimento familiar ao institucional, no
caso também das crianças e adolescentes que ainda têm possibilidades de serem
reinseridos em seu núcleo familiar de origem, enquanto na prática quase a totalidade
dos acolhimentos têm ocorrido em caráter institucional.

Enfim, comprovou-se que não existem políticas públicas suficientes e eficazes


de incentivo à adoção, principalmente no que se refere à visibilidade das crianças e
adolescentes que fazem parte dos grupos mais vulneráveis, como idade avançada,
problemas de saúde e grupos de irmãos, e que precisam ter suas necessidades
conhecidas pela sociedade, inclusive por aqueles que já se encontram dispostos a
adotar, registrados nos cadastros oficiais de adoção e que poderiam ser sensibilizados
ao ter um contato mais próximo com a realidade das crianças e adolescentes
disponíveis para adoção, não reduzindo-os às características predispostas em
cadastros e registros, encerrando-os em simples “perfis”, mas contemplando-os em
toda a sua subjetividade, autenticidade, e dignidade humana.
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