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Abordar o tema dos direitos da criança implica olhar para ela como pessoa humana íntegra, completa
enquanto criança e incompleta enquanto em crescimento e desenvolvimento. O aqui e agora, que define o
ser atual, e o crescimento e desenvolvimento, que constitui o transformar-se, se imbricam de tal maneira
que um sem o outro quebra a unidade essencial. Essa interação dinâmica determina que tenha direitos
como toda pessoa humana, direitos específicos do ser-criança e direitos próprios da “condição
peculiar de desenvolvimento”.
Este artigo é uma revisão da trajetória dos direitos da criança no Brasil, com um breve resgate das fontes
internacionais. Revisitamos o tema com as perguntas: “que transformações ocorreram nos últimos
cento e cinquenta anos na concepção e na atitude da sociedade em relação à criança? Como
incidiram elas nas políticas públicas voltadas à primeira infância?”.
Essas perguntas se justificam pelo fato de que nossa própria experiência e o conhecimento que as ciências
constroem sobre o desenvolvimento na infância influenciam o modo como olhamos para as crianças, sobre
o que delas esperamos e sobre o que lhes oferecemos para protegê-las, promovê-las e apoiar seu
desenvolvimento. Alguma coisa é tão importante para elas que passa a ser definida e defendida como
direito. Quais são as coisas não apenas importantes, mas essenciais, que devem ser incluídas no rol dos
direitos da criança?
A intenção, bastante modesta, deste texto é refletir, à luz de alguns acontecimentos histórico-culturais, sobre
o olhar em movimento da sociedade e a atitude em transformação do Estado que aportaram na atual visão
sobre a criança cidadã, sujeito social de direitos, de direitos específicos decorrentes da dupla dimensão: o
ser-criança, enquanto um em si e enquanto ser em desenvolvimento.
Hoje há consenso de que a criança é cidadã de pleno direito. A legislação internacional e nacional a
esse respeito é precisa e vigorosa. Mas entre a Declaração, a Convenção dos Direitos da Criança, a
Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as condições de vida e desenvolvimento
das crianças em nosso País medeia uma distância estupenda. Os progressos, no entanto, são tantos, que
dão solidez à esperança de que há uma determinação na sociedade brasileira e no poder público de colocar
a criança no patamar da dignidade que tem como pessoa e cidadã.
1. COMEÇOS INTERNACIONAIS DO INTERESSE HUMANITÁRIO E POLÍTICO PELAS CRIANÇAS
Não é privilégio nem pioneirismo do nosso tempo preocupar-se com a infância, ocupar-se da criança. Mas,
inegavelmente, o século XX merece o qualificativo de “século da criança”. Isso, no entanto, não o redime da
barbárie de duas guerras mundiais nem das atrocidades das lutas étnicas e fratricidas. Paradoxalmente,
quando a dor da humanidade é mais atroz, o rosto da criança é invocado. Não se trata, certamente, de
mecanismo de compensação, mas de resgate do humano sob os escombros dos erros adultos. O bom
dessa escavação é que ela redescobre a criança e a ética, em parte, se recompõe. Mas o movimento é
cíclico. Nos tempos de crise, as medidas de austeridade, que visam ajustar a economia e as finanças dos
países, causam prejuízos maiores sobre as crianças, enquanto beneficiam os mais ricos e o capital
financeiro. Por isso, o século da criança entrega para o século XXI a tarefa de pôr em prática os direitos da
criança. E o Brasil, conforme a Constituição Brasileira, com absoluta prioridade.
• Em 1919, com a criação da Liga das Nações (que mais adiante evoluiu para a ONU), a comunidade
internacional abre os olhos para a necessária proteção social e governamental das crianças.
• A Declaração de Genebra, em 1924, adotada pela Liga das Nações, é o primeiro tratado internacional
sobre os direitos da criança. Foi escrita com base nas ideias, princípios e práticas do médico e educador
Janusz Korczak. A Declaração de Genebra fala dos direitos específicos da criança e das responsabilidades
dos adultos em atendê-los. Aqui surge o princípio de que em situação de desgraça, calamidade, na guerra
ou na paz, a criança deve ser a primeira a receber socorro.
• O UNICEF foi criado em 1947 para providenciar os cuidados às crianças órfãs e abandonadas que
estavam vivendo em extrema penúria na Europa após a II Guerra Mundial. Ao tornar-se organismo
permanente da ONU (1953), estendeu suas ações a todo o mundo, em programas de sobrevivência, saúde,
aleitamento materno, alimentação e educação, e passou a ser o órgão específico, presente e ativo na
defesa dos direitos da criança. A Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar (OMEP) foi criada em
Praga, em 1948, sob o auspício da UNESCO e foi, por décadas, órgão de consultoria dessa Organização
nos assuntos da educação infantil. A motivação inicial foi a situação deplorável das crianças nos pós-guerra
e seu propósito era defender o direito à educação e aos cuidados nos primeiros anos de vida, os mais
cruciais para a formação humana.
• A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão (França, 1789), afirma que “a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência
especiais”. As crianças são citadas com extrema parcimônia, mas o princípio do direito a cuidados e
assistência especial sedimentou o caminho para posteriores especificações.
• Na década que transcorre sob a luz da Declaração dos Direitos Humanos vai sendo gestada uma
declaração sobre o caráter único e específico da infância e a necessidade de adequar aqueles direitos
gerais da pessoa humana à particularidade da vida e desenvolvimento infantil.
• Em 1959 é firmada a Declaração dos Direitos da Criança. Como “declaração”, não tinha força mandatória,
mas foi um reconhecimento universal importante para se galgar novos patamares. Um deles foi a
proclamação pelas Nações Unidas do “Ano Internacional da Criança” (1979). Nesse ano, a Polônia propõe a
criação de um Comitê para escrever o texto de uma Convenção sobre os direitos da criança.
• De 1979 a 1989 foram dez anos de estudo, debates, revisões, aperfeiçoamentos até que as Nações
Unidas propuseram a assinatura da Convenção dos Direitos da Criança (CDC). Um ano depois já tinha sido
ratificada por 20 países, adquirindo com isso o caráter de obrigatoriedade. A Convenção dos Direitos da
Criança é o texto internacional da ONU que mais rapidamente obteve o consenso dos países e que
alcançou o maior número de ratificações: 190 de 192 (apenas os Estados Unidos e a Somália não o
ratificaram até hoje).
• Vários outros documentos (tratados, convenções, cartas) das Nações Unidas, posteriores à CDC, se
referem a direitos específicos das crianças, por exemplo, sobre o trabalho infantil, crianças em conflitos
armados, deficiência, pornografia, prostituição infantil entre outros.
4. NOVO AVANÇO NO MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFÂNCIA – LEI 13257 DE 8 DE MARÇO DE 2016
Uma lei que pavimenta o caminho entre o que a ciência diz sobre as crianças, do nascimento aos 6 anos, e
o que deve determinar a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância.
Direito de brincar, de ser cuidado por profissionais qualificados em primeira infância, de ser prioridade nas
políticas públicas. Direito a ter a mãe, pai e/ou cuidador em casa nos primeiros meses, com uma licença-
maternidade e paternidade justa. Direito a receber cuidados médicos consistentes, especialmente os que
estão em condições de desproteção social.
Essas são algumas das linhas que tecem o Marco Legal da Primeira Infância, uma lei costurada a muitas
mãos durante dois anos e sancionada no dia 8 de março de 2016.
Uma vitória que começa a fechar a lacuna entre o que diz a ciência e o que estava na lei, por meio da
criação de programas, serviços e iniciativas baseados no do desenvolvimento integral das crianças desde o
nascimento até os seis anos de idade.
Alguns destaque dessa lei:
Garantir às crianças o direito de brincar.
Priorizar a qualificação dos profissionais sobre as especificidades da primeira infância.
Reforçar a importância do atendimento domiciliar, especialmente em condições de vulnerabilidade.
Ampliar a licença-paternidade para 20 dias nas empresas que aderirem ao programa Empresa
Cidadã.
Envolver as crianças de até seis anos na formatação de políticas públicas.
Instituir direitos e responsabilidades iguais entre mães, pais e responsáveis.
Prever atenção especial e proteção a mães que optam por entregar seus filhos à adoção e
gestantes em privação de liberdade.
Fontes de Pesquisa:
obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia (camara.leg.br)