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Justiça Juvenil no Brasil: continuidades e rupturas – Mariana Chies e Marcos Cesar Alvarez

No Brasil: primeiras iniciativas para a criação de legislação específica são do início do


século XX

O Instituto Disciplinar foi fundado em 1902, décadas antes do primeiro Código

Código de 1927

1942- Cria-se o SAM - destaca que esse modelo também tinha como objetivo a criação de
“indivíduos úteis”.

Lei n. 4.513 de 1964, estabeleceu-se a Política Nacional de Bem-Estar do Menor


(PNBEM),

A polícia, assim, não teria sido um agente periférico, mas fundamental na instituição das
representações sobre o menor e a menoridade

Nada muito distinto do discurso assistencialista e salvacionista anterior, agora em termos


um pouco distintos, com o tom grandioso e moralista do discurso autoritário conservador
promovido pelo governo militar. – Sobre o sistema de justiça juvenil instituído pelo PNBEM
durante a Ditadura

Emergência do código de 1927

O código acompanha tendências internacionais: responsabilidade penal da criança e do


adolescente transitou por três grandes etapas na América Latina: (i) do século XIX até
1919 e que vinha desde os Códigos Penais da Corte, possuía características meramente
retribucionistas; assim, “essa etapa considera[va] os menores de idade praticamente
igua[is] aos adultos, com exceção aos menores de sete anos” (Méndez, 2000, p. 9); (ii) a
segunda etapa tinha caráter meramente tutelar e, nesse sentido, é de se considerar que a
América Latina tinha influência de um movimento reformista que havia se iniciado nos
Estados Unidos (EUA) e passado pela Europa, que exigia “no sólo una legislación
especializada (las leyes de menores), sino también una administración especializada de la
cuestión minoril (los Tribunales de Menores)” (Méndez, 2000, p. 9). Assim, em 1919, a
Argentina fez a primeira reforma inspirada nessas ideias (Ley Agote), que só viria a se
consolidar no Brasil em 1927; (iii) a terceira etapa inicia-se em 1989, com a aprovação da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, das Nações Unidas. A partir dessa
etapa, crianças e adolescentes passariam a ser reconhecidos como sujeitos de direitos.

Porém há um desenvolvimento específico dessa questão no Brasil. No código Código criminal


do Império e no Códifo penal do Império, a imputabilidade de menores de 14 anos estava
sujeita ao critério de discernibilidade. De acordo com esses códigos, deveria ser avaliado se o
acusado tinha condições de discernir entre o certo e o errado, estando sujeitos à
responsabilização criminal apenas aqueles considerados capazes de realizar esse julgamento.
Porém críticas a esse ao critério de discernimento começam a ser articuladas ainda no século
XIX.

A preocupação com o crescimento de crianças nas ruas das cidades como São Paulo e Rio de
Janeiro, que experimentavam um rápido processo de urbanização, era compartilhada tanto
por setores populares, como a polícia, quanto por membros da elites, como juristas,
higienistas, médicos, filantropos e empresários. Nesse contexto, antes mesmo do surgimento
de legislação específica, são criados o Instito Disciplinar em São Paulo em 1902 e o juízo de
Menores, no Rio de Janeiro, em 1923; “O “menor”, a partir de então, será aquele que se
inscreverá privilegiadamente nas relações entre abandono e delinquência”.

O SAM, Serviço de Atendimento so Menor, equivalente ao sistema prisional, mas voltado a


crianças e adolescentes foi criado somente em 1942. Em 1943 é expedido O Decreto-Lei n.
6.026, que dispõe sobre as medidas cabíveis a menores que cometerem infrações penais. Na
lei, há uma vaga menção à possibilidade de vigilância:

§ 3º O Juiz poderá sujeitar o menor desligado em virtude de cessação da


periculosidade a vigilância, nas condições e pelo prazo que fixar, e cassar o
desligamento no caso de inobservância das condições ou de nova revelação de
periculosidade.

“O sam tinha como missão, por exemplo, resguardar os menores carentes, abandonados e
infratores e, para isso, centralizava a execução de uma política nacional de atendimento.
Executava, portanto, as medidas aplicadas pelos Juízes de Menores, com um caráter corretivo-
repressivo assistencial em todo o território nacional.”

Situado entre a caridade e a repressão, o SAM também tinha entre suas preocupações a
profissionalização dos menores. Porém, a violência nas institiuções do SAM passaram a
impulsionar críticas ao Codigo de 1927.

A Política do Bem Estar do Menor surge em 1964, -já durante a ditadura - em resposta a essas
criticas, criando umórgão nacional incumbido de gerir política a FUNABEM e orgaos estaduais.
AS Febems

A atuação da PNBEM estava pautada na prevenção e tratamento causas da marginalidade.


Nesse período, o conceito de periculosidade era amplamente aplicado, inclusive em texto
legal. A internação era a principal medida tanto para prevenção quanto para tratamento da
marginalidade e da periculosidade. Desenvolveu-se um saber oficial ideológica e
pseudocientífica, uma ciencia menorista divulgada pela revista Brasil Jovem

Existem muitas afinidades e relações entre a PNBEM e a Ditadura. Esse sistema era
reivindicado como conquista da “revolução” de 1964

Na década de 1970, impulsionados pelo discurso dos Direitos Humanos e pelas normativas
internacionais de proteção à infância, movimentos pela reforma dos sistema passam a se
articular. Nesse bojo, cresce o número de pesquisas dedicadas ao tema, Um dos marcos dessas
articulções foi a CPI do menor abnadonado

Em 1979 é instituído um novo código do menor, elaborado por um grupo dejuízes, juristas e
um médico. O conteúdo do novo código passou ao largo das reivindicações dos movimentos e
das discussões ocorridas no âmbito da CPI;

O código de 1979 inaugura a doutrina da situação irregular: Consideravam-se em situação


irregular as crianças e adolescentes: (1) privados de condições essenciais à sua subsistência,
saúde e instrução em razão de falta, ação ou omissão dos pais ou responsáveis ou da
manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; (2) vítimas de maus-tratos
ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsáveis; (3) em perigo moral, devido a
encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes e em exploração
de atividade contrária aos bons costumes; (4) órfãos ou em situação de abandono; (5) vistos
com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; e, por fim,
(6) os apontados como autores de infração penal

Os juízes seguiram imbuídos de amplos poderes na tomada de decisões sobre a vida de


crianças e adolescentes, especialmente a partir da perspectiva de que o magistrado não
deveria ocupar-se apenas das questões tipicamente jurídicas, mas também deveria ser capaz
de suprir as deficiências impostas pela ausência de políticas públicas adequadas (Cifali, 2019).
P 211

Entre as décadas de 1970-80 cria-se um corpo de estudos científicos sobre os problemas


relacionados ao sistema de justiça instituido pelo código de 1979, principalmente às mazelas
causadas pela internação, que permanecia como principal resposta à juventude em situação
irregular. Em meio a essas criticas, passou a ser defendido o atendimento comunitário, tanto
por parte de estudiosos quanto por movimentos sociais atuantes no campo da infância e
juventude.

O evento que marcou esse momento foi o i Seminário Latino-Americano de Alternativas


Comunitárias de Atendimento a Meninos e Meninas de Rua, realizado em Brasília no mês de
novembro de 1984. (p. 215)

No âmbito da reaertura democrática, as articulações por uma nova reforma no sistema de


justiça juvenil ganharam corpo. Essa articulação nacional levou à elaboração do artigo 227 da
Constituição

Assim, a Comissão Nacional Criança e Constituinte realizou um amplo processo de


sensibilização, conscientização e mobilização da opinião pública e dos constituintes. Foram
realizados Encontros Nacionais, debates em diversos Estados, ampla difusão de mensagens
nos meios de comunicação, eventos envolvendo centenas de crianças em frente ao Congresso
Nacional, distribuição de panfletos e abordagem pessoal aos parlamentares, participação dos
membros da Comissão em Audiências Públicas dos grupos de trabalho responsáveis pelas
diversas áreas temáticas do texto constitucional, bem como foi elaborada uma carta de
reivindicações contendo mais de 1,4 milhões de assinaturas de crianças e adolescentes,
exigindo dos parlamentares a introdução de seus direitos na nova Constituição Federal (Brasil,
2018b). p217

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