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MARCOS BANDEIRA
Referências: AMIN, Andréa Rodrigues. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e
práticos. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
a) IDADE ANTIGA
Nas antigas civilizações, os laços familiares eram estabelecidos pelo culto à religião e não pelas relações afetivas ou
consanguíneas.
Os filhos mantinham-se sob a autoridade paterna enquanto vivessem na casa do pai, independentemente da
menoridade, já que àquela época não se distinguiam maiores e menores. Filhos não eram sujeitos de direitos, mas
sim objeto de relações jurídicas, sobre os quais o pai exercia um direito de proprietário. Assim, era-lhe conferido o
poder de decidir, inclusive, sobre a vida e a morte dos seus descendentes.
Os gregos mantinham vivas apenas crianças saudáveis e fortes. Em Esparta, cidade grega famosa por seus guerreiros,
o pai transferia para um tribunal do Estado o poder sobre a vida e a criação dos filhos, com o objetivo de preparar
novos guerreiros. As crianças eram, portanto, “patrimônio” do Estado. No Oriente, era comum o sacrifício religioso
de crianças, em razão de sua pureza.
A exceção ficava a cargo dos hebreus, que proibiam o aborto ou o sacrifício dos filhos, apesar de permitirem a venda
destes como escravos. Os direitos sucessórios limitavam-se ao primogênito e desde que fosse do sexo masculino.
Em um segundo momento, alguns povos indiretamente procuraram resguardar interesses da população
infantojuvenil. Mais uma vez foi importante a contribuição romana, que distinguiu menores impúberes e púberes,
muito próxima das incapacidades absoluta e relativa de nosso tempo.
b) IDADE MÉDIA
O Cristianismo trouxe uma grande contribuição para o início do reconhecimento de direitos para as crianças:
defendeu o direito à dignidade para todos, inclusive para os menores.
Como reflexo, atenuou a severidade de tratamento na relação pai e filho, pregando, contudo, o dever de respeito,
aplicação prática do quarto mandamento do catolicismo: “honrar pai e mãe”.
Por meio de diversos concílios, a Igreja foi outorgando certa proteção aos menores, prevendo e aplicando penas
corporais e espirituais para os pais que abandonavam ou expunham os filhos. Em contrapartida, os filhos nascidos
fora do manto sagrado do matrimônio (um dos sete sacramentos do catolicismo) eram discriminados, pois
indiretamente atentavam contra a instituição sagrada, àquela época única forma de se constituir família, base de toda
sociedade.
c) O DIREITO BRASILEIRO
No Brasil colônia, as Ordenações do Reino tiveram larga aplicação. Mantinha-se o respeito ao pai como autoridade
máxima no seio familiar. Contudo, em relação aos índios que aqui viviam e cujos costumes eram de todo próprio,
havia uma inversão de valores. Dada a dificuldade que os jesuítas encontraram para catequizar os índios adultos e
percebendo que era muito mais simples educarem as crianças, utilizaram-nas como forma de atingir os pais. Em
outras palavras, os filhos passaram a educar e adequar os pais à nova ordem moral.
Para resguardo da autoridade parental, ao pai era assegurado o direito de castigar o filho como forma de educá-lo,
excluindo-se a ilicitude da conduta paterna se no “exercício desse mister” o filho viesse a falecer ou sofresse lesão.
Vigentes as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era alcançada aos 7 anos de idade. Dos 7 aos 17 anos, o
tratamento era similar ao do adulto com certa atenuação na aplicação da pena. Dos 17 aos 21 anos de idade, eram
considerados jovens adultos e, portanto, já poderiam sofrer a pena de morte natural (por enforcamento). A exceção
era o crime de falsificação de moeda, para o qual se autorizava a pena de morte natural para maiores de 14 anos.
Houve uma pequena alteração do quadro com o Código Penal do Império, de 1830, que introduziu o exame da
capacidade de discernimento para aplicação da pena. Menores de 14 anos eram inimputáveis. Contudo, se houvesse
discernimento para os compreendidos na faixa dos 7 aos 14 anos, poderiam ser encaminhados para casas de correção,
onde poderiam permanecer até os 17 anos de idade.
Em paralelo, no campo não infracional, o Estado agia por meio da Igreja. Já em 1551 foi fundada a primeira casa de
recolhimento de crianças do Brasil, gerida pelos jesuítas que buscavam isolar crianças índias e negras da má
influência dos pais, com seus costumes “bárbaros”. Consolidava-se o início da política de recolhimento.
No século XVIII, aumenta a preocupação do Estado com órfãos e expostos, pois era prática comum o abandono de
crianças (crianças ilegítimas e filhos de escravos, principalmente) nas portas das igrejas, conventos, residências ou
mesmo pelas ruas. Como solução, importa-se da Europa a Roda dos Expostos, mantida pelas Santas Casas de
Misericórdia.
Casas de recolhimento são inauguradas em 1906, dividindo-se em escolas de prevenção, destinadas a educar menores
em abandono, escolas de reforma e colônias correcionais9, cujo objetivo era regenerar menores em conflito com a
lei.
A influência externa e as discussões internas levaram à construção de uma Doutrina do Direito do Menor, fundada
no binômio carência delinquência. Era a fase da criminalização da infância pobre. Havia uma consciência geral de
que o Estado teria o dever de proteger os menores mesmo que suprimindo suas garantias. Delineava-se, assim, a
Doutrina da Situação Irregular.
Em um inevitável desenrolar dos fatos, em 1926 foi publicado o Decreto n. 5.083, primeiro Código de Menores do
Brasil que cuidava dos infantes expostos e menores abandonados. Cerca de um ano depois, em 12 de outubro de
1927, veio a ser substituído pelo Decreto n. 17.943-A, mais conhecido como Código Mello Mattos. De acordo com
a nova lei, caberia ao Juiz de Menores decidir-lhes o destino.
A família, independentemente da situação econômica, tinha o dever de suprir adequadamente as necessidades básicas
das crianças e dos jovens, de acordo com o modelo idealizado pelo Estado. Medidas assistenciais e preventivas foram
previstas com o objetivo de minimizar a infância de rua.
Já no campo infracional, crianças e adolescentes até 14 anos eram objeto de medidas punitivas com finalidade
educacional. Já os jovens, entre 14 e 18 anos, eram passíveis de punição, mas com responsabilidade atenuada.
Foi uma lei que uniu justiça e assistência, união necessária para que o Juiz de Menores exercesse toda sua autoridade
centralizadora, controladora e protecionista sobre a infância pobre, potencialmente perigosa. Estava construída a
categoria Menor, conceito estigmatizante que acompanharia crianças e adolescentes até a Lei n. 8.069/90.
A Constituição da República do Brasil de 1937, permeável às lutas pelos direitos humanos, buscou, além do aspecto
jurídico, ampliar o horizonte social da infância e juventude, bem como dos setores mais carentes da população.
A tutela da infância, nesse momento histórico, caracterizava-se pelo regime de internações com quebra dos vínculos
familiares, substituídos por vínculos institucionais. A preocupação era correcional e não afetiva.
No final dos anos 1960 e começo da década de 1970 iniciam-se debates para reforma ou criação de uma legislação
menorista. Em 10 de outubro de 1979 foi publicada a Lei n. 6.697, novo Código de Menores, que, sem pretender
surpreender ou verdadeiramente inovar, consolidou a doutrina da Situação Irregular.
Durante todo esse período, a cultura da internação, para carentes ou delinquentes, foi a tônica. A segregação era vista,
na maioria dos casos, como única solução.
a) DOCUMENTOS INTERNACIONAIS
O primeiro documento internacional que expôs a preocupação em se reconhecer direitos a crianças e adolescentes foi
a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, em 1924, promovida pela Liga das Nações. Contudo, foi a
Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1959, o grande marco no reconhecimento de
crianças como sujeitos de direitos, carecedoras de proteção e cuidados especiais.
A ONU, atenta aos avanços e anseios sociais, mormente no plano dos direitos fundamentais, reconheceu que a
atualização do documento se fazia necessária. Em 1979 montou um grupo de trabalho com o objetivo de preparar o
texto da Convenção dos Direitos da Criança, aprovado em novembro de 1989 pela Resolução n. 32.
Pela primeira vez, foi adotada a doutrina da proteção integral fundada em três pilares: 1) reconhecimento da peculiar
condição da criança e jovem como pessoa em desenvolvimento, titular de proteção especial; 2) crianças e jovens têm
direito à convivência familiar; 3) as Nações subscritoras obrigam-se a assegurar os direitos insculpidos na Convenção
com absoluta prioridade.
Outro importante documento internacional, com relevância na área de prevenção do crime e do tratamento
delinquencial são as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores, mais
conhecidas como Regras de Beijing. Apresentam orientações preventivas, com destaque para proteção social dos
jovens, assim como orientações para atuação da justiça delinquencial aplicada a menores, com destaque para a defesa
e resguardo dos direitos fundamentais e garantias processuais.
c) PRINCÍPIO DA MUNICIPALIZAÇÃO
É princípio prioritário na concretização da política de atendimento estabelecida no ECA.
A Constituição da República descentralizou e ampliou a política assistencial. Disciplinou a atribuição concorrente
dos entes da federação, resguardando para a União competência para dispor sobre as normas gerais e coordenação
de programas assistenciais.
O legislador constituinte reservou a execução dos programas de política assistencial à esfera estadual e municipal,
bem como a entidades beneficentes e de assistência social.
A relevância do Poder Público local na legislação estatutária é facilmente verificável. O art. 88 elenca as diretrizes
da política de atendimento determinando sua municipalização, criação de conselhos municipais dos direitos da
criança, criação e manutenção de programas de atendimento com observância da descentralização político-
administrativa.
A Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que constituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(Sinase), conferiu aos Municípios o dever de formular, instituir, coordenar e manter o Sistema Municipal de
Atendimento Socioeducativo, criando e mantendo programas de atendimento para execução das medidas em meio
aberto.
Contudo, mostra-se indispensável tornar a municipalização real, exigindo que cada município instale seus conselhos
– sendo essencial, nesse aspecto, a atuação do Ministério Público –, fiscalizando a elaboração da lei orçamentária,
para que seja assegurada a prioridade nos programas sociais e a destinação de recursos para programações, culturais,
esportivas e de lazer, voltadas para a infância e juventude (art. 59), estabelecendo convênios e parcerias com o terceiro
setor.
A despeito da regra geral da municipalização do atendimento, é certo que Estado e União são solidários ao Município
na tutela e resguardo dos direitos infantojuvenis.
b) DIREITO À VIDA
Trata-se de direito fundamental homogêneo considerado como o mais elementar e absoluto dos direitos, pois
indispensável para o exercício de todos os demais.
Exemplificando de forma singela, se um adolescente estiver à beira da morte, deve-se buscar, minimamente,
assegurar os recursos para tentar mantê-lo vivo, ou se inevitável a morte precoce, que, ao menos, seja digna, com
tratamento e apoio.
c) DIREITO À SAÚDE
Trata-se de direito fundamental homogêneo, mas com certo grau de especificidade em relação à saúde adulta.
No sistema de garantias do ECA cabe à família, comunidade e Poder Público assegurar esse direito fundamental
estreitamente vinculado ao direito à vida.
Cabe aos pais, como dever inerente ao poder familiar, cuidar do bem-estar físico e mental dos filhos, levando-os
regularmente ao médico, principalmente na primeira infância, fase em que a saúde é mais frágil e inspira maiores
cuidados, manter a vacinação em dia e, principalmente, se manter atentos aos filhos.
Mas a garantia da saúde não envolve apenas cuidados médicos. A saúde pela alimentação é uma realidade. Promover
uma nutrição adequada significa prevenir doenças decorrentes de desnutrição, carência de algum nutriente ou
obesidade infantil, hoje, um dos grandes males da infância.
Se a família não reúne condições de alimentar adequadamente a prole – muitas vezes numerosa –, cabe ao Poder
Público elaborar políticas sociais executáveis por meio de programas de alavancagem social garantidores de renda
mínima.
d) DIREITO À LIBERDADE
É normalmente traduzido como o direito de ir e vir. Mas não é só. A liberdade preconizada no art. 16 do Estatuto da
Criança e do Adolescente é mais ampla. Consequência natural da adoção do princípio fundamental da dignidade da
pessoa, compreende o direito à autodeterminação, à busca pela construção de sua identidade, valendo-se do direito à
liberdade de opinião, expressão, crença e culto religioso, liberdade para brincar, praticar esportes, divertir-se,
participar da vida em família, na sociedade e vida política, assim como buscar refúgio, auxílio e orientação. Em suma,
liberdade para ser.
Caberá aos pais, família e comunidade fiscalizar o exercício desse direito concedido pró-criança e adolescente e não
em seu desfavor.
Cabe ao CMDCA formular políticas públicas de acolhimento e ao Poder Público executá-las de forma eficaz, não se
limitando a recolher o público infantojuvenil de rua, mas também apoiá-lo, compreendê-lo, identificar as causas que
motivaram o enfrentamento dos perigos das ruas, não se esquecendo de cuidar da família, sem a qual todo o trabalho
realizado acabará por se mostrar inócuo.
A liberdade de opinião e a de expressão são complementares: a opinião é passiva e a expressão é ativa. Opinar é
formar o convencimento, expressar é externá-lo.
Assim, crianças e jovens têm o direito de ser informados e, portanto, aos pais, parentes, comunidade, profissionais
de educação, médicos, enfim, todos os que fazem parte do cotidiano infantojuvenil, é incumbido o correlato dever de
informar.
Crença e cultos religiosos livres também estão compreendidos no direito à liberdade. Os pais, no cumprimento do
dever de educar, devem oferecer aos filhos educação formal e moral, formação religiosa.
A liberdade de brincar, praticar esportes e se divertir, com respeito à sua peculiar condição de pessoa em
desenvolvimento, é liberdade de ser criança e adolescente. Os esportes são importantes para o desenvolvimento
motor, físico e integração social de crianças e jovens. Atividades lúdicas, como brincar e se divertir, integram e
permitem experiências que se refletem no amadurecimento paulatino da criança e do adolescente.
f) DIREITO À EDUCAÇÃO
O processo educacional visa à integral formação da criança e do adolescente, buscando seu desenvolvimento, seu
preparo para o pleno exercício da cidadania e para ingresso no mercado de trabalho (art. 205 da CF).
Educação é direito de todos, sem distinção. Assegurá-lo é dever dos pais, por meio da matrícula dos filhos na rede
de ensino; dever da sociedade, fiscalizando os casos de evasão ou de não ingresso na escola por meio do Conselho
Tutelar, dos profissionais de educação ou qualquer outro meio e principalmente, dever do Poder Público, mantendo
uma oferta de vagas que permita o livre e irrestrito acesso à educação.
Pessoas com deficiência são titulares do direito fundamental à educação em todos os níveis do sistema educacional,
de forma a alcançar o máximo de desenvolvimento. O poder público deve assegurar, criar, desenvolver, implementar,
incentivar, acompanhar e avaliar o sistema educacional inclusivo.
Nessa toada, evitando-se ações que possam estimular a exclusão do estudante que apresenta alguma deficiência,
principalmente cognitiva, é vedado às instituições privadas de ensino, de qualquer nível e modalidade, cobrar valores
adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento das determinações
estabelecidas no art. 28 da referida lei.