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Estatuto da Criança

e do Adolescente
Amanda Máximo
AULA 1
Contexto Histórico da
Proteção Jurídica e Social
da Infância e da Juventude
1. IDADE ANTIGA

As relações familiares, nas civilizações antigas, não eram


estabelecidas pelos relacionamentos afetivos ou
consanguíneos, mas sim pela religião.

Na Roma antiga, a autoridade familiar era o pai, que tinha a


incumbência de cumprir os deveres religiosos.
Ademais, possuía total poder sobre os filhos enquanto estes
vivessem em sua casa, independentemente de idade, uma
vez que, naquela época, não havia diferenciação entre
maiores e menores de idade.

Nesse período, os filhos eram considerados propriedade do


pai, que decidia até sobre a vida e a morte daqueles que
sequer eram considerados sujeitos de direitos.
Na Grécia antiga, conhecida pelos seus guerreiros, somente
viviam as crianças que possuíam saúde e eram fortes.

O Estado grego, objetivando treinar novos guerreiros,


obtinha, por meio de transferência efetuada pelo pai, o poder
total sobre os filhos, passando estes a serem considerados
patrimônio.
Não raro, na antiguidade, era o sacrifício de crianças fracas,
com algum tipo de moléstia, com deficiência ou alguma má-
formação.

Os povos hebreus eram exceção a essa cultura de sacrifícios,


que aceitavam a venda dos filhos como escravos, mas não
permitiam que eles fossem abortados ou sacrificados.
Ademais, entre os filhos não havia tratamento igualitário, na
medida em que o filho primogênito era possuidor de
privilégios, detentor dos direitos decorrentes da sucessão
hereditária e o incumbido de cumprir os deveres religiosos.

Posteriormente, a civilização romana efetuou a distinção


entre menores púberes e menores impúberes. Essa distinção
teve como consequência a atenuação das punições aos
menores pela prática de ilícitos, tornando as sanções mais
brandas.
Nesse sentido:

A justificativa para a atenuação da pena era a equiparação


do impúbere a uma pessoa que não tinha o estado
intelectual de discernimento completo, bem como o fato de
se entender que as pessoas dessa idade ainda não
praticariam atos voluntários. (SHECAIRA, 2008, p. 23).
Desse modo, ainda que de maneira incipiente, houve uma
preocupação com os interesses dos menores, com a
relativização dos atos praticados por menores considerando
a puberdade na aplicação da pena.
2. IDADE MÉDIA E O CRISTIANISMO

O marco principal da Idade Média foi o aumento dos


seguidores da religião cristã e a grande influência da igreja
no sistema jurídico e nos reinados do período.

Com o Cristianismo, houve a defesa do direito à dignidade


para todas as pessoas, incluindo os menores.
Passou-se a pregar a obrigatoriedade do respeito como
mandamento bíblico. Isso culminou na redução da
severidade que existia na relação entre pai e filho.

A Igreja, por meio das reuniões entre bispos e outras


autoridades eclesiásticas, passou a prever punições corporais
e espirituais aos pais que abandonavam ou humilhavam seus
filhos.
Por outro lado, o matrimônio era considerado um manto
sagrado e, com isso, as crianças que nasciam fora do
casamento eram consideradas uma afronta a essa instituição
sagrada.

Com isso, essas crianças eram discriminadas e, por serem


frutos do “pecado”, não deveriam possuir direitos.
Nesse período, em relação às formas de punição:

Até os sete anos, o menor era considerado infante e, como


tal, gozava de total irresponsabilidade penal. Dos sete aos
doze anos, para as mulheres, e dos doze aos quatorze, para
os homens, a responsabilidade era duvidosa, devendo
obedecer ao critério do discernimento. A partir dessa idade
a responsabilidade era reconhecida, mas a pena era
aplicada de forma atenuada. (SHECAIRA, 2008, p.25).
Verificou-se, portanto, o início de um caráter diferenciado
no tratamento social e penal dado ao menor, com a
categorização do rigor das punições em relação ao sexo e a
idade.
3. CONTEXTO HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil, no período de sua descoberta, os portugueses


trouxeram as Ordenações Afonsinas, promulgadas antes por
D. Afonso V, em Portugal, no ano de 1446.

Elas não tiveram grande aplicação concreta, pois sua


vigência se deu até o ano de 1521, quando foram criadas as
Ordenações Manuelinas, período em que o País ainda estava
recebendo expedições portuguesas.
As Ordenações do Reino foram as que tiveram maior
aplicação:

(...)ao pai era assegurado o direito de castigar o filho como


forma de educá-lo, excluindo-se a ilicitude da conduta
paterna se no “exercício desse mister” o filho viesse a
falecer ou sofresse lesão (MACIEL, 2017, p. 49).
Nesse sentido, caso filho falecesse ou se machucasse em
virtude de castigo aplicado pelo pai, este não sofreria
punição alguma sob a justificativa de que sua conduta se deu
para educa-lo.
Durante o período do império as penas eram cruéis e a
repressão à criminalidade era fundada no medo.

De acordo com as Ordenações Filipinas, o indivíduo que


contasse com 7 (sete) anos de idade, já podia ser
responsabilizado penalmente e ter uma pena aplicada em
decorrência de alguma conduta delituosa.
Havia, porém, certa redução de pena para o indivíduo dos 7
(sete) aos 17 (dezessete) anos, apesar de o tratamento dado
ser semelhante ao do adulto.

Ao indivíduo que contava com mais de 17 (dezessete) anos


já era possível aplicar a pena de morte por enforcamento.
Com a entrada em vigor do Código Penal do Império, no ano
de 1830, passou-se a exigir um exame de capacidade de
discernimento antes de ser aplicada a pena.

Aqueles que contavam com menos de 14 (quatorze) anos de


idade não poderiam ser responsabilizados penalmente.
Posteriormente, passou a vigorar o Primeiro Código Penal
dos Estados Unidos do Brasil (nomenclatura que era
utilizada na época).

Esse Código Penal pouco inovou em relação ao Código


Penal do Império no âmbito das possíveis penalidades
aplicáveis aos menores.
No ano de 1551, iniciou-se a política do recolhimento não
penal no Brasil, com a fundação da primeira casa de
recolhimento de crianças.

Os padres jesuítas eram os responsáveis por administrar


essas casas, que tinham como objetivo afastar as crianças
negras e índias de seus pais, cujas culturas eram
consideradas “selvagens”.
No início do período republicano, houve a fundação das
entidades assistenciais que adotaram atividades de caridade
ou práticas higienistas.

Isso ocorreu em virtude da grande migração dos escravos


recém-libertos, que ocasionou o aumento da população de
São Paulo e do Rio de Janeiro.

As doenças, os “sem-tetos”, o analfabetismo, dentre outros,


eram considerados males sociais que poderiam prejudicar a
construção da imagem da nova república.
Em 1906, foram inauguradas as Casas de recolhimento. Elas
eram divididas em escolas de prevenção, escolas de reforma
e colônias correcionais.

As escolas de prevenção tinham o objetivo de educar


menores abandonados, conhecidas também como escola de
reforma e colônias correcionais, que tinham por finalidade a
recuperação do jovem em conflito com a lei.
Em 1912 houve uma grande evolução no pensamento
jurídico infantojuvenil, na tentativa de seguir os modelos
internacionais já existentes. Assim, foi proposta a criação de
tribunais e juízes da infância e da juventude.

Com o pensamento de que os jovens carentes eram aqueles


que tinham a predisposição para delinquir, foi construída a
doutrina da situação irregular.
Com a publicação do Decreto nº 5.083, o primeiro Código
de Menores do Brasil, depois substituído pelo Código Mello
Matos, as medidas assistenciais ganharam relevo e a família
passou a ter maiores responsabilidade com seus menores.

Quando se levava a questão para os atos infracionais


praticados, as crianças e os adolescentes de até 14 anos eram
submetidos a medidas punitivas com caráter educacional. Os
que se encontravam entre 14 e 18 anos eram submetidos a
punição atenuada.
Foi na Constituição de 1937 que a Assistência Social passou
a ter um espaço no campo jurídico, dando maior amplitude
aos cuidados com as populações mais carentes.

Nesse período, a característica marcante da recuperação dos


jovens delinquentes era a substituição da orientação da
família pela determinação de regras do Estado.
Todos os movimentos pós segunda guerra mundial
influenciaram de forma direta as questões de políticas
infantojuvenis no Brasil.

Com visões jurídicas e sociais, em 1943 foi instalada uma


comissão com o dever de revisar o Código Mello Matos,
trazendo novos aspectos aos direitos da criança e do
adolescente no Brasil.
Nos anos 1960, com a instauração do Regime Militar no
Brasil, houve grande retrocesso quanto à melhoria e a
aplicação dos sistemas, direitos e programas, direcionados
aos menores.

Foi uma época de grandes problemas, como desvio de


verbas, superlotação dos locais que abrigavam os menores,
falta de educação e a menor possibilidade possível de
recuperação.
Após o período militar, começaram os debates acerca de um
novo código que fosse totalmente contra a forma de
segregação e a falta de recuperação até ali marcantes.

Apenas com a promulgação da Constituição Federal de


1988, o país teve como acreditar em um novo modelo de
atuação no campo infantojuvenil.
4. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A NOVA PERSPECTIVA
DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL

A nova ordem constitucional trouxe uma mudança de


paradigma nos direitos da Criança e do Adolescente no
Brasil.

O ponto principal foi a mudança da nomenclatura “menor”


para “criança” e “adolescente”, colocando-os agora como
sujeitos de direitos e deveres, com garantias e proteções.
Nesse período, a legislação passou a refletir um pensamento
mais coletivo e social, buscando maior igualdade e
preocupação com o lado social das políticas para aqueles
mais necessitados.

A proteção às crianças e aos adolescentes passa a ser


integral, sem exclusão por qualquer que fosse o critério.
O Brasil passou a ter uma das melhores e mais completas
legislações infantojuvenis, observando assegurar a garantia
de tais direitos para todos, com aplicação de políticas
públicas que fossem eficazes.

Como veremos à frente, a lei é perfeita e traz um amplo rol


de garantias que, se aplicadas na prática, têm o condão de
mudar, de forma significativa, a vidas das crianças e
adolescentes.
Grandes segmentos foram determinantes para a criação do
Estatuto da Criança e do Adolescente.

• Os movimentos sociais;

• Os membros da Justiça e do campo jurídico;

• E as Políticas Públicas aplicadas.


REFERÊNCIAS

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de


Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos.
4. Ed. Rio de Janeiro: Lumens Iuris, 2007.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o Direito


Penal Juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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