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UNIVERSIDADE

Núcleo de Educação a Distância


METROPOLITANA DE
SANTOS

Teoria
Antropológica
Clássica

SEMESTRE
CIÊNCIAS 2
SOCIAIS 1
UNIVERSIDADE
Núcleo de Educação a Distância
METROPOLITANA DE
Créditos e Copyright

SANTOS
TOJI, Simone.

Teoria Antropológica
Clássica. Simone Toji. Santos: Núcleo de Educação
a Distância da UNIMES, 2015. 102p. (Material
didático. Curso de ciências sociais).

Modo de acesso: www.unimes.br

1. Ensino a distância. 2. Ciências


Sociais. 3. Antropologia Clássica.

CDD 301

Este curso foi concebido e produzido pela Unimes Virtual. Eventuais marcas aqui
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UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PLANO DE ENSINO

CURSO: Licenciatura em Ciências Sociais


COMPONENTE CURRICULAR: Teoria Antropológica Clássica
SEMESTRE: 2º
CARGA HORÁRIA TOTAL: 80 horas

EMENTA:

A disciplina apresenta as principais tradições de pensamento que consolidaram a


Antropologia enquanto ciência e marco teórico dentro das ciências sociais.
Apresenta reflexão teórica e metodológica sobre conceitos fundamentais da
antropologia social britânica, do culturalismo norte-americano e do estruturalismo
francês por meio do estudo de autores fundamentais e de conceitos como os de
cultura, sociedade, função, estrutura e símbolo. Estabelece diálogo com temas
atuais como a diversidade cultural, as relações de poder, as religiões, as relações
dos homens com o mundo natural, indicando a vitalidade dos clássicos para pensar
o mundo atual.

OBJETIVO GERAL:

Apresentar as bases conceituais e as principais tradições do pensamento


antropológico clássico. Discutir e refletir a relação destes conceitos com temas
atuais.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Unidade I - A noção de cultura e sua relação com a identidade brasileira

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Objetivos da Unidade

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Entender a noção de cultura e o que estuda a sociologia da cultura: a cultura como
algo construído e não dado a priori. Explicitar as conexões entre a noção de cultura
e as relações de poder, tendo em vista a construção da identidade nacional. Pensar
neste o contexto o lugar da cultura para a formação Estado nacional brasileiro.

Unidade II - O nascimento da cultura brasileira: a colônia

Objetivos da Unidade

Apresentar como a cultura brasileira foi construída no período colonial e suas


transformações a partir do início do século XX, quando se dá a modernização
política e econômica no país. Mostrar como a difusão da cultura no Brasil está
ligada principalmente neste período às classes dominantes e à elite agrária.

Unidade III - A cultura de massa no contexto da modernização

Objetivos da Unidade

Entender a ideia da cultura de massa em suas diversas expressões no Brasil:


cinema, rádio, televisão, música e teatro. Mostrar como o desenvolvimento dessa
cultura se relaciona com a industrialização brasileira e o desenvolvimento das
relações capitalistas.

Unidade IV - A cultura brasileira e sua construção no âmbito do Estado

Objetivo da unidade

Compreender como a identidade nacional e a cultura brasileira foram consideradas


de diferentes maneiras e compreender qual o sentido de uma identidade ou memória
que se querem nacionais. Retomar das teorias raciais do século XIX, bem como
aquelas sobre a cultura popular, mostrando sua reverberação nas teorias sobre a
formação nacional que vigoraram ao longo do século XX. Entender a unidade
cultural da nação como um construto, em última medida, ideológico.

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CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

UNIDADE I: Apontamentos históricos sobre o surgimento da Antropologia enquanto


ciência e a construção da alteridade.

UNIDADE II: A antropologia social britânica.

UNIDADE III: A Escola Sociológica Francesa e o Estruturalismo Antropológico.

UNIDADE IV: O culturalismo norte-americano.

Bibliografia Básica

BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2005.

EVANS-PRITCHARD, E. E. Os Nuer. São Paulo: Perspectiva, 1978.

LÉVI-STRAUSS, Claude Antropologia Estrutural 1. Rio de Janeiro, Tempo


Brasileiro, 1970.

Bibliografia Complementar

MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo, Cosac e Naify, 2005.

MARCONI, Maria de Andrade. Antropologia: Uma Introdução. São Paulo: ATLAS,


2008.

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, LTC, 1989.

MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e Costume na Sociedade Selvagem. Brasilia,


Editora UNB, 2008.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Sobre o Pensamento Antropológico. Rio de


Janeiro, Tempo Brasileiro, 2003.

METODOLOGIA:
A disciplina está dividida em unidades temáticas que serão desenvolvidas por meio
de recursos didáticos, como: material em formato de texto, vídeo aulas, fóruns e

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atividades individuais. O trabalho educativo se dará por sugestão de leitura de

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textos, indicação de pensadores, de sites, de atividades diversificadas, reflexivas,
envolvendo o universo da relação dos estudantes, do professor e do processo
ensino/aprendizagem.

AVALIAÇÃO:

A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e


apoiado nos trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como
forma de reflexão e aquisição de conhecimento dos conceitos trabalhados na parte
teórica e prática e habilidades. Prevê ainda a realização de atividades em momentos
específicos como fóruns, chats, tarefas, avaliações a distância e Prova Presencial,
de acordo com a Portaria de Avaliação vigente.

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Sumário
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Aula 01 – Viajantes, relatos oficiais, missionários: primeiras impressões de um outro mundo 9
Aula 02 - A sistematização do conhecimento: o surgimento do antropólogo ...........................14
Aula 03 - Terminologia e tradições do pensamento antropológico............................................17
Resumo da Unidade I ....................................................................................................................19
Aula 04 - Os antecessores: Rivers, Haddon, Seligman e a Expedição Cambridge ao Estreito
de Torres.........................................................................................................................................21
Aula 05 - Malinowski e a consolidação do Funcionalismo .........................................................23
Aula 06 - A instituição do trabalho de campo como método de trabalho dentro da
Antropologia....................................................................................................................................26
Aula 07 - Radcliffe-Brown e a noção de estrutura social............................................................29
Aula 08 - Evans-Pritchard, os Nuer e a preocupação com os sistemas políticos africanos ...32
Aula 09 - Bateson e o Naven ........................................................................................................35
Aula 10 - Gluckman e os processos de conflito ..........................................................................37
Aula 11 - Victor Turner e a noção de drama social .....................................................................40
Aula 12 - A influência do estruturalismo francês - Leach ...........................................................42
Aula 13 - Mary Douglas e as abominações do Levítico..............................................................45
Resumo da Unidade II ...................................................................................................................47
Aula 14 - Durkheim e o olhar sociológico ....................................................................................50
Aula 15 - As Formas Elementares da Vida Religiosa, de Émile Durkheim...............................53
Aula 16 - Mauss e o fato social total - a questão da reciprocidade ...........................................56
Aula 17 - “As Técnicas Corporais”, de Marcel Mauss.................................................................59
Aula 18 - Lévi-Strauss – vida e obra ............................................................................................61
Aula 19 - O Estruturalismo e a noção de estrutura social ..........................................................63
Aula 20 - As Estruturas Elementares do Parentesco, de Lévi-Strauss, e seu impacto sobre
os estudos antropológicos.............................................................................................................65
Aula 21 - Análise estrutural de mitos ............................................................................................68
Aula 22 - O Pensamento Selvagem, de Lévi-Strauss.................................................................70
Resumo da Unidade III ..................................................................................................................73
Aula 23 - Franz Boas como pioneiro na Antropologia Americana ............................................75
Aula 24 - Cultura e personalidade ................................................................................................78
Aula 25 - Margareth Mead e a noção de ethos ...........................................................................80

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Aula 26 - Outros enfoques: Geertz e a interpretação das culturas ...........................................82

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Aula 27 - Estruturalismo e História: Marshall Sahlins .................................................................84
Resumo Unidade IV .......................................................................................................................86
Aula 28 - Os Diários de Malinowski ..............................................................................................88
Aula 29 - O “Estar Lá” – a visão de Geertz sobre a etnografia malinowskiana ........................91
Aula 30 - O nativo também faz etnografia ...................................................................................93
Aula 31 - Na Antropologia Brasileira ............................................................................................95
Aula 32 - Um poema ......................................................................................................................97
Resumo Unidade V ......................................................................................................................100

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Aula 01_Viajantes, relatos oficiais e missionários: primeiras impressões de um
outro mundo
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Nesta primeira aula, conheceremos alguns antecedentes que alimentaram
a formação de um corpo de conhecimento sobre terras longínquas e povos
diferentes dos europeus. Essa preocupação foi a semente para a criação da
disciplina específica Antropologia. Vamos passear por essas histórias!
A história das ciências está vinculada ao modo como os europeus
organizaram o conhecimento, de forma sistemática e intensiva, principalmente a
partir do século XIX. Porém, antes dessa maneira de conceber o saber, o
conhecimento era produzido de modo espontâneo e sem muitas regras de
procedimentos. No caso da história da Antropologia, o "conhecimento espontâneo"
anterior fora produzido principalmente por três tipos de agentes: os viajantes, os
cronistas oficiais e os missionários.
Corriam os séculos XV, XVI e XVII, momento em que a Europa realizava sua
expansão marítima. Ibéricos, italianos, entre muitos europeus, se aventuraram por
águas e terras desconhecidas, em busca de oportunidades vantajosas de comércio.
Lugares nos quais só se ouvia falar em lendas e histórias fantásticas eram, então,
visitadas. Povos com costumes e modos de pensar diferentes eram contatados. A
Índia, a China, o Oriente se tornaram rota da busca por especiarias. A América é
descoberta a oeste. E todo o empreendimento da colonização é posto em
movimento.
O mundo se alargara e colocou em cena novos atores - índios e nativos de
modos estranhos aos olhos europeus. Nas novas terras, o Novo Mundo, necessitava
ser conhecido. Na dinâmica colonial, a produção de documentos sobre o que era
inédito ficou a cargo de alguns sujeitos errantes. Que tal adentrar em alguns desses
relatos, tendo por referência a empresa de colonização portuguesa e o Brasil?

Camões, poeta viajante, pode nos indicar como as esquadras portuguesas


encaravam esses percursos marítimos:

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Desembarcamos logo na espaçosa

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Parte, por onde a gente se espalhou,
De ver cousas estranhas desejosa,
Da terra que outro povo não pisou.

(...)

Nem ele entende a nós, nem nós a ele,


Selvagem mais que o bruto Polifemo.
(...)

(CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. Canto V, sonetos 26 e 28. Ateliê Editorial, 1999.)

Esse trecho faz referência a uma parada do navio do narrador lírico no


continente africano, enquanto ruma em busca das Índias Orientais. A descrição é de
uma terra desconhecida, habitada por "selvagens", que o viajante português não
consegue decifrar.

Passando para um exemplo de relato oficial sobre terras recém


descobertas, podemos apreciar a própria Carta de Pero Vaz de Caminha:

Senhor,
Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães
escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova,
que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso
minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que --
para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!
(..)
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e
bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem
mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de
mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o
beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento
de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na
ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; ea parte
que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E

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trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo

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no falar, nem no comer e beber.
(CAMINHA, Pero Vaz. Carta ao Rei Dom Manoel. Ed. Crisálida, 2002.)

Aqui, o escrivão oficial da frota de navios do descobrimento do Brasil - a ainda


Terra de Santa Cruz - descreve os habitantes com os quais a tripulação tomou
contato, enfatizando a relação pacífica engendrada e classificando os indígenas
como "inocentes".
Ao contrário desta visão edílica, Hans Staden, mercenário alemão que esteve
no Brasil por duas vezes, nos fornece um olhar mais aterrorizador dos habitantes
que aqui encontrou, que o aprisionaram, até ser libertado por um comerciante
francês:
(...) A seguir retoma o tacape aquele que vai matar o prisioneiro e diz: "Sim,
aqui estou eu, quero matar-te, pois tua gente também matou e comeu
muitos dos meus amigos". Responde-lhe o prisioneiro: "Quando estiver
morto, terei ainda muitos amigos que saberão vingar-me". Depois golpeia o
prisioneiro na nuca, de modo que lhe saltam os miolos, e imediatamente
levam as mulheres o morto, arrastam-no para o fogo, raspam-lhe toda a
pele, fazendo-o inteiramente branco, e tapando-lhe o ânus com um pau, a
fim de que nada dele se escape. Depois de esfolado, toma-o um homem e
corta-lhe as pernas, acima dos joelhos, e os braços junto ao corpo. Vêm
então as quatro mulheres, apanham os quatro pedaços, correm com eles
em torno das cabanas, fazendo grande alarido, em sinal de alegria.
Separam após as costas, com as nádegas, da parte dianteira. Repartem
isto entre si. As vísceras são dadas às mulheres. Fervem-nas e com o caldo
fazem uma papa rala, que se chama mingau, que elas e as crianças
sorvem. Comem essas vísceras, assim como a carne da cabeça. O miolo
do crânio, a língua e tudo o que podem aproveitar, comem as crianças.
(..)Tudo isso vi, e assisti. (...) (STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. 1ª
ed., 1557. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1974, pp. 176-8)

Descrevendo os rituais de morte e canibalismo de inimigos, esse aventureiro


europeu nos mostra um novo mundo mais "infernal".

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Por fim, chegamos ao relato de um missionário francês, que preocupado
com a salvação das almas dos silvícolas nos fornece descrições de nativos do
Maranhão:

Como se explica que os tupinambás, compartilhando a culpa de Adão e


sendo herdeiros de seu pecado, não tenham herdado também a vergonha,
consequência do pecado, como ocorreu com todas as nações do mundo?
Pode-se alegar, em sua defesa, que em virtude de ser velho costume seu
viverem nus, já não sentem pudor ou vergonha de mostrar o corpo
descoberto e o mostram com a mesma naturalidade que nós as mãos. Eu
direi entretanto que nossos pais só sentiram a vergonha e ocultaram sua
nudez quando abriram os olhos, isto é, quando tiveram conhecimento do
pecado e perceberam que estavam despidos do belo manto da justiça
original. (...). Riscam com jenipapo as sobrancelhas, previamente
arrancadas, e assim passam grande parte de sua existência, muito
satisfeitas com tal mister. Os maiores e mais valentes guerreiros, para se
tornarem mais estimados pelos seus companheiros e temidos de seus
inimigos, têm por hábito picar e tatuar figuras no corpo (assim como
fazemos em nossas couraças) por meio de um pedaço do osso da canela
de certos pássaros, que afiam como navalhas.

(Claude d’Abeville. História da Missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão


e terras circunvizinhas. 1ª ed., 1614. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Editora da
Universidade de São Paulo, 1975, pp. 216-18)

Como bem assinalou esse missionário, a questão da possibilidade da


salvação das almas dos indígenas jazia no argumento da consciência do pecado.
Como os índios não tinham essa dimensão, eles eram apenas ingênuos, cujas
almas não estavam perdidas. E porque esses índios tinham alma, então, eles
também tinham humanidade, não eram animais brutos.
A passagem por esses variados escritos nos expõe o mosaico de visões e
posições acerca das novas terras e novos povos que o processo de colonização

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colocou em evidência para os europeus ocidentais. Será a Antropologia que surgirá

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mais tarde como disciplina para sistematizar e organizar esse tipo de conhecimento.

O texto aponta que o conhecimento sobre lugares e povos


exógenos ao continente europeu foi produzido por três agentes principais da
dinâmica colonial, os viajantes, os cronistas oficiais e os missionários. Tais relatos
serão mais tarde sistematizados e trabalhados de modo científico pela Antropologia.

Compare os trechos dos relatos apresentados durante a aula com


algum escrito sobre habitantes do espaço. Você acha que há semelhanças no modo
de descrever características que nos parecem estranhas? O desconhecido provoca
simpatia ou medo?

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Aula 02_A sistematização do conhecimento: o surgimento do antropólogo

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Em nossa segunda aula, acompanharemos a Antropologia ganhar status de
ciência.

Seguindo nosso percurso, o século XIX foi o momento em que muitos


conhecimentos tomaram a forma de ciência. A prática científica se tornou um modo
reconhecido de produzir o saber e criou suas regras e procedimentos específicos.
Assim também aconteceu com a Antropologia.
As universidades europeias se tornaram o lugar privilegiado para se
desenvolver a ciência. E desse modo, também surgiram profissionais especializados
para produzir o conhecimento, os cientistas. No caso da Antropologia, esses
profissionais foram chamados de antropólogos ou etnólogos.
Nos primórdios da formação da Antropologia como ciência, a maneira de
realizar os estudos se consolidou no que hoje chamamos de “antropologia de
gabinete”. Isto é, os antropólogos da época utilizavam-se dos relatos de viajantes,
missionários e dados dos governos das metrópoles coloniais para realizar suas
pesquisas. Eles não viajavam até os locais que investigavam, tampouco faziam
contato com as populações estudadas. Eles faziam todo o trabalho recolhendo
material a partir das mesas de seus escritórios.
Por esse tempo, havia duas correntes de pensamento dominantes nas
reflexões da Antropologia: o Evolucionismo e o Difusionismo.

O Evolucionismo se pôs em evidência após o lançamento da obra de


Charles Darwin, A Evolução das Espécies. Inspirados nessas discussões, cientistas
sociais como Comte e Spencer transpuseram noções como evolução, competição,
adaptação, para o plano da sociedade dos homens. Nesse sentido, surgiram ideias
como a de progresso da civilização. E se na sociedade humana não havia diferença
de espécies, havia as diferenças raciais. Por isso, muitos estudos antropológicos
voltaram-se para confirmar a existência de raças entre os homens e de verificar
quais seriam as raças superiores e as raças inferiores. Tendo como parâmetro que a

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sociedade europeia ocidental era o modelo de povo civilizado, todos os outros povos
acabaram sendo
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classificados como primitivos ou selvagens. Afora
consequências políticas e morais de tais pressupostos, o termo “primitivo” adentrou
as

a disciplina, não sendo raro até hoje ouvir que a Antropologia é o “estudo das
sociedades primitivas”. Porém, o uso do termo primitivo não carrega mais o valor
pejorativo do evolucionismo. Os principais antropólogos evolucionistas foram Lewis
Henry Morgan e Edward Burnett Tylor.

Já o Difusionismo se caracterizava por pensar que certo elemento


de um grupo social teria sido emprestado ou transformado de uma outra sociedade
matriz. Assim sendo, escolhia-se um item, como por exemplo o uso do fogo na
alimentação, e se costurava uma série de ligações históricas entre vários grupos
humanos, que hipoteticamente teriam entrado em contato e desenvolvido formas
semelhantes ou transformadas de uso do mesmo item. Essa corrente de
pensamento foi uma reação contra o evolucionismo, mas coexistiu com ele. Foi uma
escola antropológica que tentou entender a natureza da cultura, em termos da
origem da cultura e da sua extensão de uma sociedade a outra. O empréstimo
cultural seria um mecanismo básico de evolução cultural. O Difusionismo defendeu
que as diferenças e semelhanças culturais eram causa da tendência humana para
imitar e a absorver traços culturais e a diversidade cultural explica-se pelas relações
de empréstimo e não pela invenção independente. William Halse Rivers Rivers foi
um exemplo um antropólogo difusionista.
Contextualizadas as ideias científicas e antropológicas em voga, não
podemos nos esquecer de que o mundo vivia sob o colonialismo direto ou indireto.
Isso quer dizer de uma certa forma o conhecimento era produzido dentro da
dinâmica de relação entre países metrópoles e países colônias, países civilizados ou
países primitivos. A Antropologia balançava entre ser uma ciência que contribuía
para produzir mais conhecimento sobre os “primitivos” para melhor ajudar a
dominação da empresa colonial ou ser o registro do que restou nos países novos
depois que a colonização “destruiu”.

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A partir do século XIX, a Antropologia se estabelece como ciência e
seus profissionais, os antropólogos, voltavam suas mentes para ideias de correntes
de pensamento como o Evolucionismo e o Difusionismo.

Importante: É importante ressaltar que ainda em muitas situações o termo


primitivo carrega valor pejorativo quando usado em situações em que é ainda
relacionado a leituras evolucionistas, mesmo dentro do senso comum. É importante
fazer esta ressalva, pois, mesmo quando encontrada nos textos antropológicos, a
referência a “sociedades primitivas” deve levar em consideração que a antropologia
estudada nos dias atuais já não mais utiliza os métodos, leituras e conceitos desses
primeiros autores conhecidos como fundadores do evolucionismo cultural e do
evolucionismo social.

Você acredita na existência de raças humanas? Quais as consequências


dessas concepções?

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Aula 03_Terminologia e tradições do pensamento antropológico

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Finalizando esta unidade, aprenderemos algumas variações na
designação do pensar e fazer antropológico, segundo as tradições britânica,
francesa e americana. Vamos primeiramente obter uma visão abrangente da
questão.

O que denominamos aqui no Brasil como Antropologia tem suas variações de


nome em outros lugares. Isso acontece dependendo da história de formação da
disciplina em cada país específico.

Por exemplo, na França, a criação dos estudos antropológicos está


vinculada à disciplina da sociologia. A chamada Escola Sociológica Francesa,
iniciada por Émile Durkheim no final do século XIX, teve papel determinante no
desenvolvimento da antropologia como ciência. Porém, nesse início, os assuntos
antropológicos eram chamados de Etnologia, sendo uma especialidade dentro da
disciplina de sociologia. Os temas tratavam das formas de vida religiosa, das formas
de trocas de povos da Oceania, dos índios norte-americanos, entre outros. Mais
tarde o termo antropologia ganhou força e se tornou disciplina independente.

No caso da Grã-Bretanha, a primeira cadeira da disciplina na Universidade de


Cambrigde foi chamada de Antropologia Social. Sob esse nome é que se
concentraram os estudos sobre povos da Oceania e África.

Para os norte-americanos, os estudos antropológicos ganharam a alcunha


de Antropologia Cultural, iniciando pesquisas principalmente sobre as populações
indígenas remanescentes do povoamento americano e sobre os esquimós.

As experiências de trabalho e criações teóricas dessas três linhas


contribuíram para consolidar um corpo de pensamento antropológico. Por isso,

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apesar das diferentes denominações e variações, elas ajudaram a formar o corpo de

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conhecimento que é a Antropologia.

No Brasil, a disciplina recebe simplesmente o nome de Antropologia,


enquanto Etnologia aparece como referência de estudos sobre os índios brasileiros.

As próximas unidades apresentarão mais detalhadamente as tradições de


pensamento dentro da Antropologia acima apresentadas.

Resumo: Esta aula tratou da variação de nomes dados à Antropologia


como disciplina científica. Na tradição francesa, usou-se primeiro o termo Etnologia.
Na britânica, consolidou-se com o nome de Antropologia Social. Enquanto nos EUA,
estabeleceu-se com a denominação de Antropologia Cultural. Apesar da variação,
todos contribuíram por cristalizar a Antropologia enquanto disciplina científica.

Reflexão: Tente lembrar se você já ouviu alguns dos termos


apresentados. De que assunto ele tratava?

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Resumo da Unidade I

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Nesta primeira unidade, tomamos contato com o contexto histórico e de
formação da Antropologia enquanto saber científico. Antes dela, relatos de viajantes,
missionários e cronistas oficiais produziram o conhecimento de lugares distantes e
populações diferentes do ambiente europeu.
A Antropologia nasceu dentro da dinâmica do empreendimento colonialista e
correntes de pensamento como o Evolucionismo e o Difusionismo estavam em voga
nessa época.
Para a formação da Antropologia como ciência cada lugar desenvolveu uma
variação de termo para a disciplina. Na França, primeiramente foi chamada de
Etnologia. No Reino Unido, estabeleceu-se como Antropologia Social e nos EUA
ficou conhecida como Antropologia Cultural. Essas três tradições de pensamento
formam a chamada Antropologia Clássica.

Glossário da Unidade I

Antropologia de gabinete: antropólogos do final do século XIX e início do


XX que se utilizavam dos relatos de viajantes, missionários e dados dos governos
das metrópoles coloniais para realizar suas pesquisas. Eles não viajavam até os
locais que investigavam, tampouco faziam contato com as populações estudadas.
Eles faziam todo o trabalho recolhendo material a partir das mesas de seus
escritórios.
Antropologia Cultural: termo utilizado pelos os norte-americanos para se
referir aos estudos antropológicos.
Antropologia Social: denominação consolidada na Grã-Bretanha para a
disciplina de Antropologia.

CIÊNCIAS SOCIAIS 19
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Evolucionismo: corrente de pensamento dentro da antropologia baseada nas

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ideias de Charles Darwin, de A Evolução das Espécies, e em Comte e Spencer, que
transpuseram noções como evolução, competição, adaptação, para o plano da
sociedade dos homens. Nesse sentido, surgiram ideias como a de progresso da
civilização. Estudos sobre raça e progresso das sociedades foram desenvolvidos.
Escola Sociológica Francesa: grupo de estudiosos, liderados por Émile
Durkheim, que teve papel determinante no desenvolvimento da antropologia como
ciência no final do século XIX.
Difusionismo: corrente de pensamento que se caracterizava por selecionar
certo elemento de um grupo social e verificar se teria sido emprestado ou
transformado de uma outra sociedade matriz, de modo histórico e geográfico.

Referências Bibliográficas da Unidade I

D´ABEVILLE, Claude. História da Missão dos padres capuchinhos na ilha do


Maranhão e terras circunvizinhas. 1ª ed., 1614. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/Editora da Universidade de São Paulo, 1975, pp. 216-18.
CAMINHA, Pero Vaz. Carta ao Rei Dom Manoel. Ed. Crisálida, 2002.
LÉVI-STRAUSS, Claude. “Lugar da Antropologia nas Ciências Sociais e problemas
colocados por seu ensino”. In: Antropologia Estrutural. Tempo Brasileiro, Rio de
Janeiro, 1996.
CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. Canto V, sonetos 26 e 28. Ateliê Editorial, 1999.
STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. 1ª ed., 1557. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/Edusp, 1974, pp. 176-8.

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Aula 04_Os antecessores: Rivers, Haddon, Seligman e a Expedição Cambridge

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ao Estreito de Torres

Antes de nos concentrarmos no Funcionalismo como corpo teórico da


Antropologia, nesta aula, vamos acompanhar alguns precursores que abriram os
caminhos na Grã-Bretanha.

Como trabalhamos na Unidade I, a Antropologia se institucionaliza como


disciplina científica no final do século XIX. No Reino Unido, a Universidade de
Cambrigde e a London School of Economics serão as primeiras universidades a
oficializar cursos de estudos antropológicos.
É, então, por iniciativa da Universidade de Cambrigde que é organizada em
1898 uma expedição à Oceania, a chamada Expedição Cambridge ao Estreito de
Torres, que visitou terras e populações da Melanésia e Nova Guiné. Coordenada
por Alfred Cort Haddon, a expedição reuniu especialistas de várias áreas como a de
Biologia, Botânica e, claro, da de Antropologia. O grupo coletou objetos de cultura
material - como utensílios, ferramentas de nativos - espécimes da fauna e da flora
local, além de realizar registros de imagens de danças e rituais.
Antropólogos como William Halse R. Rivers e Charles G. Seligman reuniram
informações e material sobre os povos locais. Ainda sob a prática da antropologia
de gabinete, esses cientistas fizeram o esforço de viajar e entrar em contato com as
populações que eram objeto de suas pesquisas. Eles chegavam de navio até as
localidades, contatavam as autoridades coloniais do lugar e pediam a elas que lhes
apresentassem grupos de nativos. Esses antropólogos se utilizaram do apoio de
intérpretes para realizar o preenchimento de fichas de informações sobre os nativos,
enquanto os aborígenes aguardavam em fila em frente à mesa do pesquisador,
posta do lado de fora da embarcação.
Tal expedição ao Estreito de Torres inspirou a realização de outras viagens,
como a expedição de um ano de Walter Baldwin Spencer e Francis James Gillen em
1901 e a Expedição Antropológica de Oxford e Cambridge à Austrália Ocidental em

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1910-11, com a participação de Alfred Radcliffe-Brown. Além disso, transformou a

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área da Oceania em foco para o desenvolvimento teórico da Antropologia.

Resumo: O texto fala da experiência da Expedição Cambridge ao


Estreito de Torres, que foi um antecedente importante para o desenvolvimento dos
estudos antropológicos na Grã-Bretanha. Tal viagem estabelece a Oceania como
área-foco de pesquisa e se mostra como uma transição entre a antropologia de
gabinete e a antropologia de campo.
Importante: Note que, apesar de terem viajado em tais expedições, alguns
desses autores ainda são considerados parte dos antropólogos de gabinete, pois
estudavam também dados trazidos por cronistas e viajantes. Os antropólogos
ingleses que deixam de ter tal alcunha são os que começam a realizar pesquisas de
campo em que convivem com as sociedades pesquisadas, como Edward Evans-
Pritchard e Bronislaw Malinowski. É preciso lembrar também que, nem todos os
antropólogos de gabinete são evolucionistas ou difusionistas. Marcel Mauss é uma
grande referência dentro da antropologia até hoje e foi um antropólogo que escreveu
textos baseados em fontes trazidas por outros autores.

Reflexão: Imagine que você faz parte de uma expedição a um lugar


remoto na região amazônica do Brasil, onde você não conhece ninguém. O que
você esperaria encontrar por lá? Como você procederia para entrar em contato com
os povos que habitam a região?

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Aula 05_Malinowski e a consolidação do Funcionalismo

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Em nossa quinta aula, conheceremos o trabalho de Bronilaw Malinowski e
sua contribuição aos estudos antropológicos.

Bronilaw Malinowski nasceu na Polônia em 1884 e até seus vinte e poucos


anos estudava Ciências Exatas e realizava seu doutoramento em Física e Química
na Alemanha. Conta a lenda que de uma hora para outra, ele cai doente e tem de
parar com sua pesquisa. É quando, enfermo, lhe cai nas mãos o livro de James
Frazer, O Ramo de Ouro, e Malinowski decide estudar Antropologia. Então, já
restabelecido, parte para a Inglaterra e vai estudar na London School of Economics.
Sob a orientação do Profº Seligman, ele vai para a Austrália para realizar pesquisa
nos arquipélagos da Oceania. É quando eclode a I Guerra Mundial e Malinowski,
como cidadão de passaporte austríaco, é considerado um “estrangeiro inimigo”.
Então as autoridades australianas permitem que ele permaneça nas Ilhas Trobriand,
estudando os nativos dali e convivendo com eles.
Durante todo o período da guerra, Malinowski fica estabelecido junto aos
trobriandeses. Como um golpe do acaso, seu trabalho antropológico é obrigado a se
tornar intensivo, isto é, ele passa a morar na aldeia junto com os aborígenes durante
períodos prolongados de pelo menos um ano. Abandonado pela esfera oficial, o
pesquisador fica sem intérprete e tem de aprender a língua vivendo junto com os
nativos.
Terminada a I Guerra Mundial em 1918, Malinowski retorna à Inglaterra e em
1922 publica a obra Argonautas do Pacífico Ocidental, baseada na sua estadia nas
Ilhas Trobriand. A partir desse trabalho, Malinowski impõe novos modelos de
referência para a Antropologia. Primeiro, ele muda os parâmetros de obtenção das
informações para a pesquisa, instituindo o trabalho de campo como método
necessário e legítimo. Segundo, ele mostra um novo arcabouço teórico para explicar
a dinâmica de uma sociedade, que será mais tarde denominado de Funcionalismo.

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Nesta aula, vamos analisar alguns conceitos do citado Funcionalismo e
deixaremos a próxima aula para aprofundar as atribuições do trabalho de campo
como novo método de pesquisa.
Vamos apreciar esse corpo teórico por meio da obra Argonautas do Pacífico
Ocidental.
Em sua obra seminal, Malinowski nos coloca em contato com os grupos
trobriandeses, localizados na Melanésia. Para o autor, a sociedade trobriandesa
deveria ser explicada por meio das atividades que desenvolve e não por hipóteses
históricas que não poderiam ser comprovadas, já que esses grupos não possuíam
escrita. Desse modo, é enfatizada uma abordagem sincrônica das instituições
sociais, ou seja, a sociedade é explicada a partir das ações e referências que
elabora no presente. Ao mesmo tempo, todas as atividades realizadas pelas tribos
das Ilhas Trobriand estão articuladas entre si, de maneira que todas as partes da
sociedade são interdependentes. Assim, nos agrupamentos trobriandeses, a
instituição que melhor demonstra essa interligação entre partes sociais é o kula.
O kula se refere ao sistema de trocas desenvolvido pelas tribos trobriandesas, que
não visa apenas o caráter econômico, mas também tem caráter cerimonial. A troca
no kula não se satisfaz na troca de produtos, mas é também uma forma dos nativos
se relacionarem e celebrarem os encontros. Como as populações pesquisadas
vivem em ilhas, as trocas são realizadas por meio de canoas. Assim, a construção
de canoas e as práticas religiosas estão relacionadas para a execução do kula.

Entretanto , há um aspecto do Kula para o qual devo chamar a atenção,


tendo em vista sua importância teórica. Vimos que essa instituição
apresenta vários aspectos intimamente ligados e que se influenciam
mutuamente. Para tomar apenas dois: a iniciativa econômica e o ritual
mágico formam um todo inseparável, onde as forças da crença mágica e os
esforços dos homens moldam-se e influenciam-se mutuamente.

Parece-me que uma análise e comparação mais profunda da maneira pela


qual dois aspectos da cultura dependem funcionalmente um do outro, deve
fornecer algum material interessante para a reflexão teórica.[1]

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Desse modo, se a sociedade é considerada uma totalidade cujas partes
estão articuladas, a interligação é assegurada porque cumpre uma função para
manter o todo social e para satisfazer as necessidades dos indivíduos envolvidos.

Resumo: Nesta aula, conhecemos um pouco da trajetória de Bronislaw


Malinowski e de como sua experiência de trabalho com as tribos das Ilhas Trobriand
resultou na inclusão do trabalho de campo como método científico na Antropologia e
na proposição de análise teórica denominada Funcionalismo. O Funcionalismo toma
a sociedade como um todo, cujas partes estão articuladas porque exercem uma
função social.

Importante: O funcionalismo recebeu este nome justamente por considerar


que uma sociedade é formada por partes interligadas que se relacionam
funcionalmente. Ex: fabricação de canoas se relaciona com a troca de conchas, ou
seja, um comportamento é realizado em função de outro. Deste modo, a lógica dos
comportamentos dentro de um grupo se explica por ela mesma no momento em que
está sendo observada e não na comparação com outros grupos em outros períodos
históricos (isso é uma abordagem sincrônica)

Reflexão: É possível pensar as trocas da sociedade ocidental atual na


perspectiva do kula? Por quê?

[1] MALINOWSKI, Bronislaw - Argonautas do Pacífico Ocidental, São Paulo, Abril,


Coleção Os Pensadores, 1977 Cap. XXII, p. 369.

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Aula 06_A instituição do trabalho de campo como método de trabalho dentro
da Antropologia
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Como adiantado na aula passada, hoje vamos analisar mais atentamente


as características que constituem o modelo de pesquisa de campo instituído a partir
de Malinowski.

A estadia prolongada de Malinowski nas Ilhas Trobriand e a publicação


de Argonautas do Pacífico Ocidental definiram um novo modo de obter dados e
informações sobre nativos de terras distantes.
Como já ensaiara as diversas expedições britânicas realizadas no final do
século XIX e começo do XX, era preciso chegar até os grupos pesquisados.
Porém, Malinowski estabeleceu parâmetros rigorosos para o que viria a ser
conhecido como trabalho de campo. Vamos seguir alguns de seus critérios.
Antes de mais nada, o antropólogo deve “afastar-se da companhia de outros
homens brancos, mantendo-se assim em contato o mais íntimo possível dos
nativos.”[1] Isso quer dizer que o pesquisador deve ir viver junto com os
pesquisados durante um longo período, segundo o autor, no mínimo um ano,
evitando apenas contatos esporádicos.
O antropólogo também não deve se utilizar de intérpretes para se relacionar
com os nativos, deve evitar ao máximo a utilização de intermediários para obter as
informações sobre a vida social local e deve também aprender a língua nativa, o que
lhe possibilitará não tomar a opinião pessoal de intérpretes como dado da pesquisa.
E o mais importante de tudo, o antropólogo deve tentar se integrar à vida
cotidiana do grupo que escolheu estudar, tomando parte dos afazeres e eventos
quando possível. A isso Malinowski dá o nome de observação participante, pois é
no relacionamento com os pesquisados que o cientista vai apreendendo as
instituições sociais. O diário etnográfico se mostra como instrumento ideal para o
acompanhamento da jornada de pesquisa.

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Dessa maneira, o isolamento do antropólogo de sua sociedade original e a

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imersão na cultura do pesquisado, de modo ativo, servirão de base para constituir
um trabalho de campo intensivo e acurado.

Malinowski ainda aponta que no trabalho de campo, o pesquisador não


deve se ater a fatos exóticos ou sensacionais. Deve acompanhar sistematicamente
os fenômenos que acontecem na vida social nativa e procurar os princípios e leis
que a organizam. Ao mesmo tempo, deve sempre atentar para a diferença do que os
pesquisados dizem e o que eles fazem, pois nem sempre o declarado é realizado.
Além disso, o autor despreza a utilização de formulários ou questionários
estatísticos, pois muitos dos fenômenos importantes à vida social dos pesquisados
não aparecem nesse tipo de coleta de dados.
Após a convivência e apreensão de informações junto aos nativos, cabe ao
pesquisador sistematizar e realizar uma análise profunda do que recolheu e
vivenciou, ligando as diversas facetas do cotidiano social do pesquisado. Então,
como resultado final, o antropólogo deve apresentar uma etnografia, isto é, sua
experiência em campo articulada da análise social.
Isso não quer dizer que não houve outros autores que também estavam
preocupados em realizar trabalho de campo intensivo. Veremos mais à frente a
experiência de Franz Boas nos EUA. Mas Malinowski foi alguém que se tornou
referência no assunto e criou uma reflexão a respeito.

Resumo: O texto acima discorreu sobre o estabelecimento do trabalho de


campo como método científico na Antropologia através do trabalho de Malinowski.
Entre os principais critérios para realizar o trabalho de campo estão: viver junto dos
pesquisados de modo intensivo, não utilizar intermediários - como os intérpretes -
para obter as informações de pesquisa e participar das atividades cotidianas ou
rituais dos pesquisados quando possível por meio da observação participante.

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Reflexão: Compare métodos de trabalho de ciências diferentes da
Antropologia. O que dá a objetividade e a legitimidade desses estudos em
comparação à Antropologia?

[1] MALINOWSKI, Bronislaw. “Introdução”, In: Argonautas do Pacífico Ocidental, São


Paulo: Abril, Coleção Os Pensadores, 1977.

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Aula 07_Radcliffe-Brown e a noção de estrutura social

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Nesta aula vamos acompanhar o desenrolar da teoria antropológica na
Grã-Bretanha por meio do autor Radcliffe-Brown, que ficou conhecido por
desenvolver um tipo de teoria estrutural funcionalista. Vamos conhecer alguns de
seus conceitos.

Radcliffe-Brown nasceu em Birmingham em 1881. Cursou a Universidade de


Cambridge em Ciências Mentais e Morais e teve entre seus mestres Charles Samuel
Myers e William Halse R. Rivers, que participaram da Expedição ao Estreito de
Torres. Em, 1904 tornou-se aluno de Rivers em Antropologia. Orientado por Rivers e
Alfred Cort Haddon, Radcliffe-Brown realizou estudos nas Ilhas Andaman, na
Oceania entre 1906 e 1908. Já em 1910 passa a exibir grande influência da
concepção teórica do francês Durkheim. Em 1922, publica The Andaman Islanders.
A partir do final da década de 1930, as elaborações teóricas de Radcliffe-
Brown passam a ganhar preponderância no mundo acadêmico britânico.
A preocupação de Radcliffe-Brown era produzir estudos sobre sociedades
que não tinham escrita, e por isso, não eram passíveis de realizar estudos históricos,
era preciso abordar os processos sincrônicos da vida social. Traduzindo: imagine
chegar num grupo social, que não possui registros escritos e você deve realizar
alguma avaliação a respeito. Você se limita a observar os elementos da vida nativa
no tempo presente, que lhes estão disponíveis. A principal fonte de informações
pode ser o sistema de parentesco atuante. Assim fez Radcliffe-Brown. Vejamos
seus conceitos-chave.
A primeira noção é o de relações sociais, que são os vínculos e interações
entre as pessoas. A rede contínua e organizada de relações sociais é
denominada estrutura social.
“... os componentes ou unidades de uma estrutura social são as pessoas e
uma pessoa é um ser humano considerado não como um organismo, mas como
tendo uma posição numa dada estrutura social.”[1]

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As relações sociais entre as pessoas são controladas por normas e regras. A

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essas normas e comportamento estabelecidas numa certa forma de vida social dá-
se o nome de instituição social. Assim, as regras de comportamento que um
homem deve ter com relação a seus filhos é um tipo de instituição social como a
paternidade.

Outra ideia importante é a de processo social, porque para o autor a


realidade que o antropólogo estuda não é uma entidade em si, mas é o processo da
vida social, que “consiste numa multidão imensa de ações e interações dos seres
humanos, agindo individualmente ou em conjunto com outros indivíduos ou grupos
de indivíduos”
Já o conceito de função social é a relação entre a estrutura social e o
processo da vida social, na qual um depende do outro para se manterem. Para as
relações entre as pessoas continuarem a existir, é preciso que as regras e
instituições sociais sejam ativadas e exercidas, para que a vida social continue seu
processo e vice-versa.
Radcliffe-Brown, ao contrário de Malinowski, deu maior ênfase na
interpretação dos fenômenos sociais na abordagem sociológica e não na abordagem
psicológica do homem.
Brown também ajudou a fundar a disciplina de Antropologia em países como
a Austrália e a África do Sul, acompanhando o ritmo da dinâmica colonial inglesa.
Também presenciou a mudança de foco da Antropologia Social Britância que vinha
atuando intensamente na Oceania e agora passava a analisar as sociedades na
África.

Resumo: O texto apresentou o desenvolvimento teórico que se seguiu ao


funcionalismo malinowskiano, que foi elaborado por Radcliffe-Brown. Tal grade
teórica fico chamada como Estruturo-funcionalista, pois foram trabalhados os
conceitos de estrutura social, instituição, função social e processo social.

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Importante: Podemos dizer que Malinowski enfatiza aspectos da vida

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psicológica do homem no sentido de que ele volta-se para inclinações humanas para
explicação dos fenômenos (a troca, nesse sentido, é um fenômeno humano).
Enquanto isso, Radcliffe-Brown interpreta os comportamentos como parte das
relações sociais que nos fazem humanos (a troca, nesse sentido, é uma
manifestação empírica de uma relação social). São leituras filosóficas para pensar
os comportamentos humanos um pouco distintas uma da outra, mas ambos ainda
são considerados antropólogos.

Reflexão: Tente aplicar alguns conceitos estudados nesta aula sobre a


genealogia da sua família. Observe as relações de matrimônio, consanguinidade ou
afinidade e tire alguma conclusão a respeito.

[1] RADCLIFFE-BROWN, A. “Introdução”, In: Estrutura e função na sociedade


primitiva. Petrópólis: Vozes 1973, p.17.

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Aula 08_Evans-Pritchard, os Nuer e a preocupação com os sistemas políticos
africanos
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Continuando com a história de desenvolvimento da Antropologia Social


Britânica, nesta aula, vamos conhecer o trabalho de Evans-Pritchard.

Herdeiro de Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard o sucedeu na cátedra de


Antropologia Social na Universidade de Oxford em 1946. Em 1937, ele publicara
Bruxaria, Oráculos e Magia, sobre os Azande, na qual a principal preocupação era a
questão da racionalidade nas práticas e crenças africanas. Aos estudos de
parentesco, incluiu as preocupações a respeito dos sistemas políticos, com a
publicação juntamente com Fortes, em 1940, de Sistemas Políticos Africanos.

Ainda em 1940, Evans-Pritchard publica sua monografia Os Nuer, povo


africano que habitava ao sul do rio Nilo. É sobre este trabalho que a aula de hoje
será desenvolvida.

Os Nuer eram grupos que ocupavam a África Oriental, juntamente com outros
agrupamentos que se localizavam nas proximidades dos cursos d´água do rio Nilo.
Evans-Pritchard estabeleceu contato com esse grupo justamente no momento em
que eles combatiam tropas britânicas e soldados do governo do Sudão. O
antropólogo fez inúmeras incursões junto aos Nuer em 1930, 1931, 1935 e 1936,
que foram interrompidas devido falta de financiamento ou aos problemas de conflito
com as tribos, mas juntando todo o período declara que realizou quase um ano de
pesquisa.

Segundo o autor, o principal interesse dos Nuer é a sua preocupação com o


gado. Os bovinos expressavam todo o orgulho e as relações sociais de prestígio
entre aqueles africanos. Outro ponto, é que a economia de criação do gado estava
intimamente ligada ao ritmo ecológico e social. Desse modo, o tempo Nuer era
dividido em duas estações principais, a estação das chuvas e a estação da seca.
Essas estações também eram marcadas pela mobilidade espacial, pois no tempo
das chuvas, os Nuer permaneciam nas planícies, engordavam seu gado e se

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sustentavam da caça e da roça. No tempo das secas, eles migravam para perto das

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margens dos rios e se alimentavam da pesca. Os Nuer não concebiam um tempo
abstrato, eles marcavam o tempo por meio das atividades, a hora de levar o gado
para pastar, o momento de se mudar para os rios. Por isso, eles não lutavam contra
o tempo, o tempo eram as próprias atividades que realizavam.

Os Nuer não apresentavam instituições exuberantes, nem práticas que


chamassem muita atenção, nem cultura material impressionante. O mesmo
acontecia com suas formações políticas. Eram grupos sem um centro visível de
poder, não havia chefes todo-poderosos. Os guerreiros, chefes da pele de leopardo,
que só atuavam nos momentos de combate e de modo temporário. Havia também
os profetas que possuíam função sagrada, mas não governavam, nem julgavam. Por
essas características, os Nuer foram considerados uma sociedade constituída por
uma espécie de anarquia ordenada.

Um artifício de construção da identidade Nuer foi descrito por Evans-


Pritchard. Dependendo quem for o interlocutor, um Nuer pode se identificar
como lou, lak ou leng. Se o Nuer fala com um estrangeiro, ele se apresenta como
Nuer, se ele fala com alguém de outra tribo, ele se apresenta como da tribo lou, se
fala com alguém de sua tribo, ele apresenta sua linhagem de parentesco. O mesmo
ocorre nas disputas, dependendo do inimigo as tribos se associam ou travam lutas
entre si.

As linhagens etárias e de parentesco aparecem como formas de organização


social juntamente com as formas políticas.

Resumo: Nesta aula, vimos a inclusão da preocupação com sistemas


políticos na tradição de pensamento da Antropologia Social Britânica por meio do
autor Evans-Pritchard e sua etnografia sobre os Nuer, povo da parte oriental do
continente africano.

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Importante: Note que o autor, assim como Radcliffe-Brown e Malinowski,

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está preocupado em entender as relações sociais a partir do que é apresentado
pelos nativos e não a partir de comparações históricas ou culturais, seguindo uma
postura crítica em relação ao evolucionismo cultural e ao difusionismo,
respectivamente. Evans-Pritchard mostrou como uma sociedade sem Estado se
organiza e organiza suas relações com outros grupos ao estudar os Nuer.

Reflexão: Contraposto a que modelo de sistema político os Nuer foram


considerados como sociedade “anárquica”? Algumas tribos indígenas brasileiras
também não possuem uma forma centralizada de poder, você considera que são
sociedades sem formas de poder constituído? Por quê?

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Aula 09 - Bateson e o Naven

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Nesta parte, iremos conhecer a obra de Gregory Bateson em Naven, cuja
elaboração teórica ficou esquecida dentro da história da disciplina, mas atualmente
começa a ser redescoberta, dada sua originalidade. Vamos resgatá-la.

Gregory Bateson era um cientista natural na Universidade de Cambrigde, até


que A.C. Haddon o convidasse para estudar Antroplogia e o enviasse à Nova Guiné.
Bateson recebeu a influência teórica tanto de Malinowski quanto de Radcliffe-Brown
a sua formação, como podemos perceber no uso muito particular de noções como
função social e forma estrutural. Em 1936, publica Naven.
Naven é um comportamento cerimonial dos povos Iatmul da Nova Guiné,
Oceania, no qual os homens se vestem de mulher e as mulheres vestem-se de
homem, numa apresentação recheada de zombaria, em que o gesto mais
característico acontece quando um “tio” esfrega as nádegas na perna do “sobrinho”.
Essa encenação é ativada toda vez que o filho da irmã, o laua, executa pela primeira
alguma tarefa considerada importante como pescar o primeiro peixe ou construir
uma canoa.
A partir desse rito, Bateson vai trabalhar planos múltiplos e simultâneos da
cultura Iatmul. Transformando os conceitos do funcionalismo malinowskiano, as
noções do estruturalismo de Radcliffe-Brown e a antropologia cultural americana, ele
desenvolve os planos sociológico, estrutural e emotivo com as idéias de função
estrutural, função ethológica, função afetiva, função eidológica e função sociológica
para explicar o sentido do ritual naven.
Um dos pontos de sua originalidade é colocar que a cultura Iatmul só poderia
ser coerentemente compreendida se desvendada juntamente com o aspecto
emotivo do rito, a zombaria e seu aspecto cognitivo e simbólico.

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Resumo: Aqui vimos a contribuição de Gregory Bateson, na sua obra Naven,
que trata da cultura dos povos Iatmul da Nova Guiné, por meio de um rito de
zombaria, cujo elemento afetivo é importante para entender os outros aspectos da
cultura.

Reflexão: Você conhece algum outro autor que ficou muitos anos
esquecidos e só depois de muitos anos sua obra é redescoberta. Por que você acha
que isso acontece?

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Aula 10_Gluckman e os processos de conflito

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Esta aula apresentará a evolução da Antropologia Social Britânica para os
problemas de conflito, processo e integração ritual por meio da obra de Max
Gluckman.
Max Gluckman nasceu na África do Sul, foi para a Universidade de Oxford em
1934 para realizar seu doutorado em Antropologia. Realizou trabalho de campo
entre os Zulus entre 1936 e 1938 e, em 1940, publicou seu primeiro ensaio na
obra Sistemas Políticos Africanos, organizada por Fortes e Evans-Pritchard. Lá, já
demonstrava sua preocupação com as formas de oposição e conflito. A partir de
1939, colaborou para o desenvolvimento do Instituto Rhodes Livingstone e transferiu
seus estudos dos grupos zulus para os grupos da África Central.
Em 1949, Gluckman foi nomeado professor na Universidade de Manchester
para criar o novo departamento.
Nas análises de Gluckman, os ritos apresentam-se como pontos privilegiados
para a observação da dinâmica social. A vida social possui uma estabilidade
dinâmica, e não estática, da qual os conflitos podem restabelecer o equilíbrio social.
Ao discorrer sobre rituais de rebelião no sudeste da África, o autor nos
mostra formas institucionalizadas de conflitos com função de integração social. Isto
significa que existem cerimônias, que apresentam propositalmente elementos de
tensão social para confirmar a estrutura do sistema social.

...eu as chamo de rituais de rebelião. Demonstrarei que seguem esquemas


tradicionais estabelecidos e sagrados nos quais são questionadas as
distribuições particulares de poder e não a própria estrutura do sistema. Isso
permite protesto institucionalizado, além de renovar a unidade do sistema
de várias e complexas maneiras.[1]

Aqui é importante também a noção de processo social, pois as instituições


sociais só são confirmadas quando colocadas sob a pressão do conflito e, assim,

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postas em movimento para revitalizar a estrutura social. Cerimônias que afirmam o

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conflito e a tensão, como as dos grupos zulus, que acabam por representar
simbólica e dramaticamente as relações sociais, em toda a sua ambivalência,
conseguem levar à unidade e prosperidade da sociedade e não à mudança social.

A aceitação da ordem estabelecida como certa, benéfica e mesmo sagrada


parece permitir excessos desenfreados, verdadeiros rituais de rebelião, pois
a própria ordem age para manter a rebelião dentro de seus limites. Assim,
representar os conflitos, seja diretamente, seja inversamente, seja de
maneira simbólica, destaca sempre a coesão social dentro da qual existe os
conflitos. Todo sistema social é um campo de tensões, cheio de
ambivalências, cooperações e lutas contrastantes. [2]

Gluckman ainda desenvolveu estudos sobre as áreas urbanas e rurais,


focando os africanos como trabalhadores que se deslocam pelo sistema rural e
industrial ao mesmo tempo. Desse modo, também foi pioneiro nos estudos de
antropologia urbana.

Resumo: Nesta parte vimos como o tema dos conflitos se desenvolve


dentro da tradição de pensamento da Antropologia Social Britânica por meio do
trabalho de Max Gluckman. E seus trabalhos sobre os povos africanos zulus, ele
ressalta que existem rituais de rebelião, isto é, formas institucionalizadas de
demonstrar os conflitos sociais, de maneira que tal prática acaba por reforçar a
unidade do sistema social.

Importante: As preocupações de Gluckman inauguram um método e uma


postura teórica nova dentro da antropologia que caracteriza o pensamento da escola
de Manchester: o estudo dos processos sociais internos a cada sociedade.
Compreendemos melhor essa nova forma de pensar a estrutura social a partir do
evento narrado pelo autor. Além disso, Gluckman nos permite ampliar o olhar sobre
a estrutura social quando assume que estruturas sociais podem conter diferentes

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grupos culturais e que há um processo histórico interno a cada sistema que explica a

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relação de forças entre seus membros.

Reflexão: Se você considerar o futebol uma forma de ritual de conflito


institucionalizado, no qual dois times rivais entram em disputa seguindo regras bem
precisas, quais seriam as suas significações, simbolizações e quais os seus efeitos
para a sociedade brasileira?

[1] GLUCKMAN, Max - Rituais de rebelião no sudeste da África. In: Cadernos de


Antropologia. Editora Universidade de Brasília. 1974

[2] GLUCKMAN, Max. Idem

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Aula 11_Victor Turner e a noção de drama social

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Na aula que segue, vamos estudar como a preocupação sobre os
processos sociais de conflitos na Antropologia Social Britânica desemboca na
elaboração teórica sobre o simbolismo social principalmente através da noção de
drama social na obra de Victor Turner.

Victor Turner nasceu em 1920 e foi aluno de Gluckman na Universidade de


Manchester no final da década de 1940. Iniciou seus estudos analisando os
processo de conflito e resolução de conflitos em sociedades tribais da região da
África Central. Em 1957, publica Schism and Continuity in an African Society,
analisando a organização social Ndembu.

A obra de Gluckman já anunciava certa preocupação sobre os processos de


significação e representação presentes nas formas rituais de conflito. Porém, Turner
vai se concentrar mais no desenvolvimento teórico do aspecto simbólico do ritual.
Isso fica evidente com a publicação, em 1967, de The Forest of Symbols – Aspects
of Ndembu Ritual, em que aponta como os rituais estão carregados de simbolismo
social. Na obra citada, o autor apresenta os vários níveis de observação e
interpretação presentes nos elementos rituais, sublinhando a multivocalidade dos
símbolos, isto é, um mesmo símbolo pode representar coisas distintas, de acordo
com as diferentes fases do ritual, e também coisas diferentes para pessoas distintas.

Assim como Gluckman, que se inspirou na influência das teorias de


Durkheim, Turner considera que o ritual reforça os valores sociais e por isso integra
a sociedade, salienta que o símbolo é um agente de unidade social da comunidade,
mas também da manutenção da estrutura social.

Em 1974, é publicado o livro Dramas, Fields and Metaphors, trabalho no qual


Turner enfatiza o caráter simbólico da ação humana. Considerando que a ação
humana ocorre na forma de processo e que ela se evidencia diante dos conflitos
sociais existentes sob uma forma dramática, isto é, performática. A essas unidades
de ação no processo não-harmônico ou desarmônico, que surgem em situações de

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conflito, o autor dará o nome de drama social. Essas situações são mais evidentes

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quando ocorrem rituais coletivos, porém podem estar presentes também em eventos
históricos ou políticos. Os dramas sociais são carregados de símbolos – símbolos
culturais, símbolos rituais – que são originados e ao mesmo tempo sustentam os
processos temporais de mudanças nas relações sociais. Símbolos instigam a ação
social e por isso participam das transformações que os dramas sociais colocam em
movimento.

Aqui é possível perceber como Turner se apropria das noções de


processos social, de processos de conflito e, ao amalgamá-las com idéias sobre o
simbolismo da ação humana, cria o conceito de drama social.

Resumo: Acima vimos como a Antropologia Social Britânica desenvolveu


o conceito de drama social, por meio da obra de Victor Turner, a partir das noções
de processo social e processos de conflito social, de modo a enfatizar o aspecto
simbólico da ação humana.

Reflexão: Se você tomar as ocupações de terras realizadas por


movimentos de trabalhadores sem-terra como drama social, quais elementos da
sociedade brasileira são revelados?

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Aula 12 _ A influência do estruturalismo francês - Leach

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Nesta aula, vamos acompanhar o impacto que a obra de Lévi-Strauss,
antropólogo francês, causa na Antropologia Social Britânica, influenciando os
trabalhos de autores como Edmund Leach e Mary Douglas.

A partir da década de 1950, como já observamos na obra de Turner, muitos


antropólogos estavam dispostos a transferir seus interesses das normas para os
sistemas simbólicos. A obra teórica de Lévi-Strauss, denominada sob o
termo Estruturalismo, entusiasmou muitos antropólogos britânicos, principalmente
Edmund Leach e Mary Douglas.
Pontuamos aqui que o Estruturalismo será trabalhado na Unidade II, que
abordará a tradição de pensamento da Antropologia desenvolvida pelos franceses.
Nesta aula, vamos acompanhar mais de perto os trabalhos de Edmund
Leach, tratando da obra de Mary Douglas na próxima. Vamos ao trabalho.
Edmund Leach estudava Engenharia em Cambridge, quando, depois de
formado, passou alguns anos na China. Foi quando decidiu fazer Antropologia e
ingressou na London School of Economics no começo da década de 1930. Foi aluno
de Malinowski e em 1938 realizou algum trabalho de campo entre os Curdos do
Oriente Médio, mas decidiu por realizar seus estudos de campo ao lado dos
guerrilheiros Kachins, na Birmânia.
Em 1954, Leach publica Sistemas Políticos da Alta Birmânia, sua tese de
doutorado. Nesse trabalho, é enfatizado o caráter instável das formas culturais,
políticas e de relacionamento entre as pessoas, que não eram estáticas, mas
navegavam entre noções extremas e opostas, que serviam de tipos ideais para as
pessoas classificarem e de posicionarem. Esses tipos ideais eram o gumlao,
princípio igualitário e quase anárquico; a forma gumsa, princípio intermediário e
instável; e estado Shan. Por vezes as comunidades kachins realizavam
combinações desses tipos ou mudavam de um tipo para outro.

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A partir da década de 1960, Leach se mostra mais íntimo das elaborações

SANTOS
teóricas do Estruturalismo e experimenta o método. A sua contribuição particular
consistiu em ampliar a gama de aplicações e em racionalizar o método em alguns
aspectos. Nas oposições binárias do método estruturalista, existe um terceiro termo
que não é A nem é B. Devido sua natureza anômala, esse terceiro elemento é
cercado de tabus e proibições. Por exemplo, os animais podem ser classificados em
animais de estimação, animais de lavoura, animais selvagens etc. Quanto mais
íntimo da relação com os homens, menor a propensão do homem de se alimentar do
animal. Assim não se come os animais de estimação, mas se come os animais de
caça em situações especiais de apuro.

Leach se interessava particularmente por analisar as anomalias dentro do


esquema estruturalista, isto é, a criatura que não se ajusta nitidamente em qualquer
das categorias usuais. Desse modo, lhe seduz analisar o nascimento virgem,
presente não só na Nossa Senhora cristã e ocidental, mas também em contos de
tribos africanas.
Como vimos, embora existisse uma tradição genuinamente britânica de
análise antropológica baseada na preponderância das relações sociais e da
estrutura social sobre as categorias culturais, houve um interesse por parte de
antropólogos britânicos de assimilar a perspectiva intelectualista de Lévi-Strauss.

Resumo: O texto apresenta a influência do método estruturalista de Lévi-


Strauss sobre alguns antropólogos britânicos como Edmundo Leach e Mary
Douglas. Leach ampliou o alcance do método e se interessou por analisar os
elementos que eram considerados anomalias e tabus nas sociedades.

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Reflexão: Tente enumerar alguns personagens ou objetos que são foco
de tabu, proibição ou são olhados com suspeitas, como o lobisomem, uma
encruzilhada, entre outros. O que os fazem anômalos? Quais os elementos que eles
carregam, que normalmente não são vistos juntos e ao mesmo tempo?

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Aula 13_Mary Douglas e as abominações do Levítico

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Como anunciado na aula anterior, continuamos a acompanhar a influência do
estruturalismo francês sobre a Antropologia Social Britânica, agora enfocando a obra
de Mary Douglas.

Se na aula anterior iniciamos a discussão sobre a influência do método


estruturalista sobre o pensamento britânico com os trabalhos de Edmund Leach,
passamos a enfocar a proposta de Mary Douglas.

Mary Douglas estudou na Universidade de Oxford, tendo sido orientada por


Evans-Pritchard. Ela faz uma apropriação muito particular das teorias de Malinowski,
Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard junto com o Estruturalismo francês.

Em “As Abominações do Levítico”, análise das regras de alimentação ditadas


por um livro do Velho Testamento bíblico, a autora faz considerações sobre as idéias
de poluição e contaminação.

Antes de qualquer coisa, ela considera que as idéias de poluição só fazem


sentido quando “em referência a uma estrutura total de pensamento cujo ponto-
chave, limites, linhas internas e marginais se relacionam por rituais de
separação.”[1]

Assim, os animais indicados como proibidos de serem ingeridos se reportam


à referência de ser santo, ser total e uno. A santidade é unidade, integridade e
perfeição do indivíduo e da espécie.

Os animais proibidos pela regra dietética do Levítico são impuros e


imperfeitos porque transitam entre categorias que deveriam estar separadas. Os
ruminantes como os bovinos, as ovelhas e cabras são animais de carne pura porque
são ruminantes e têm casco fendido. Já o coelho é considerado ruminante, mas não
tem casco fendido, por isso sua carne é proibida. Assim também com o porco, que
tem casco fendido, mas não é ruminante.

Também as criaturas que não respeitam a classificação de vida apropriada


em terra, em água ou em ar são proibidas. A doninha, o crocodilo, os lagartos são

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impuros porque que têm teriam duas mãos e dois pés, mas andam com todos os

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quatros. Os animais que rastejam são impuros porque se movem como peixes, mas
andam sobre a terra.

Todos esses elementos vão contra a idéia de integridade e unicidade, pois


são compostos de aspectos que deveriam estar separados. E desse jeito, vão contra
a noção de santidade.

Se a interpretação proposta aos animais proibidos está correta, as leis


dietéticas teriam sido signos que a cada momento inspiravam meditação
sobre a unidade, pureza e perfeição de Deus. Pelas regras de evitação, à
santidade foi dada uma expressão física em cada encontro com o mundo
animal e a cada refeição. A observância das regras dietéticas teriam então
sido uma parte significativa do grande ato litúrgico de reconhecimento e
culto que culminava no sacrifício no Templo.[2]

Desse modo, finalizamos aqui nosso percurso pelos clássicos da Antropologia


Social Britânica.
Resumo: Nesta aula, tomamos contato com a obra de Mary Douglas e sua
proposta muito particular de análise, utilizando-se dos métodos do estruturalismo
francês.
Reflexão: Você já presenciou outras formas de proibição alimentar? Você
consegue sugerir algum tipo de explicação para tal proibição?

[1] DOUGLAS, Mary. "As abominações do Levítico". Pureza e Perigo. Perspectiva,


São Paulo, Cap.3.

[2] DOUGLAS, Mary. Idem

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Resumo da Unidade II
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A Unidade II tratou de apresentar os principais autores e temas
desenvolvidos pela Antropologia Social Britânica clássica.

Começando pela experiência da Expedição Cambridge ao Estreito de


Torres, que foi um antecedente importante para o desenvolvimento dos estudos
antropológicos na Grã-Bretanha. Tal viagem estabelece a Oceania como área-foco
de pesquisa e se mostra como uma transição entre a antropologia de gabinete e a
antropologia de campo.

Com Bronislaw Malinowski, conhecemos sua experiência de trabalho com as


tribos das Ilhas Trobriand, que resultou na inclusão do trabalho de campo como
método científico na Antropologia e na proposição de análise teórica
denominada Funcionalismo. O Funcionalismo toma a sociedade como um todo,
cujas partes estão articuladas porque exercem uma função social.
Seguido ao funcionalismo malinowskiano, foi elaborado por Radcliffe-Brown
uma grade teórica chamada como Estrutural-funcionalista, na qual são
trabalhados os conceitos de estrutura social, instituição, função social e processo
social.
Por meio do autor Evans-Pritchard vimos a inclusão da preocupação
com sistemas políticos na tradição de pensamento da Antropologia Social Britânica
e sua etnografia sobre os nuer, povo da parte oriental do continente africano.
Também acompanhamos a contribuição de Gregory Bateson, com sua
obra Naven, que trata da cultura dos povos Iatmul da Nova Guiné, por meio de um
rito de zombaria, cujo elemento afetivo é importante para entender os outros
aspectos da cultura.
Com Max Gluckman percebemos como o tema dos conflitos se desenvolve
dentro da tradição de pensamento da Antropologia Social Britânica. Em seus
trabalhos sobre os povos africanos zulus, ele ressalta que existem rituais de

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rebelião, isto é, formas institucionalizadas de demonstrar os conflitos sociais, de

SANTOS
maneira que tal prática acaba por reforçar a unidade do sistema social.
Com Victor Turner, a Antropologia Social Britânica desenvolveu o conceito de
drama social, a partir das noções de processo social e processos de conflito social,
de modo a enfatizar o aspecto simbólico da ação humana.
Por fim, a influência do método estruturalista de Lévi-Strauss sobre alguns
antropólogos britânicos como Edmundo Leach e Mary Douglas produziu trabalhos
inovadores, ampliando o alcance do método estruturalista.

Glossário da Unidade II
Estrutural-funcionalismo: teoria antropológica que trabalha com os
conceitos de estrutura social, instituição, função social e processo social.
Etnografia: obra escrita com o relato da experiência em campo realizada pelo
antropólogo, articulada de análise social.
Funcionalismo: arcabouço teórico que considera a sociedade como um todo
formado por partes articuladas, que se relacionam porque atendem às funções
sociais.
Observação participante: quando o antropólogo deve tentar se integrar à
vida cotidiana do grupo que escolheu estudar, tomando parte dos afazeres e
eventos quando possível.
Trabalho de campo: método da Antropologia para obter informações e dados
para pesquisa.

Referências Bibliográficas da Unidade II

DOUGLAS, Mary. “As abominações do Levítico", In: Pureza e Perigo. Perspectiva:


São Paulo.
EVANS-PRITCHARD, Edward. E. "Tempo e Espaço". Os Nuer. São Paulo:
Perspectiva, 1978.

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GLUCKMAN, Max. “Rituais de rebelião no sudeste da África”. In: Cadernos de
Antropologia. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1974.
SANTOS
KUPER, Adam. Antropológos e Antropologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
LEACH, Edmund - "O nascimento virgem". In: Edmund Leach. Coleção Grandes
Cientistas Sociais, São Paulo, Ática, 1983.
MALINOWSKI, Bronislaw. "Introdução" e Cap. III - "Características essencias do
Kula", In: Argonautas do Pacífico Ocidental, São Paulo: Abril, Coleção Os
Pensadores, 1977 ,.
RADCLIFFE-BROWN, Alfred. Cap. 1 - "O irmão da mãe na África do Sul"; Cap.6- "A
teoria sociológica do totemismo". Cap. 9 - "Sobre o conceito de função nas Ciências
Sociais"; Cap. 10 - "Sobre a Estrutura Social". In: Estrutura e função na sociedade
primitiva. Petrópólis: Vozes 1973,.
RADCLIFFE-BROWN, Alfred - "Sistemas Políticos Africanos de Parentesco e
Casamento". "O método comparativo em Antropologia Social". In: Radcliffe-Brown.
Coleção Grandes Cientistas Sociais, São Paulo: Ática, 1978.
TURNER, Victor. “Liminaridade e Communitas" e "Ruptura e continuidade em uma
sociedade africana". In: O processo ritual. Petrópólis: Vozes, 1974.

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Aula 14_Durkheim e o olhar sociológico

SANTOS
A partir desta aula, iremos conhecer a tradição de pensamento da escola
francesa, começando por Émile Durkheim.
Émile Durkheim nasceu em 1858 e foi o criador da disciplina de Sociologia na
França. Foi a partir da sua preocupação em tornar a Sociologia uma ciência legítima,
que desenvolveu seus trabalhos teóricos. Para ele, cabia à Sociologia estudar
os fatos sociais. Em As regras do método sociológico, ele descreve que os fatos
sociais devem ser tratados como coisa, isto é, devem ser considerados como
fenômenos exteriores aos indivíduos, não passíveis de intervenção pela psicologia
individual. Isso seria tão patente, que os fatos sociais exerceriam uma pressão
coercitiva sobre os indivíduos. Um fato social se constitui quando expressa as
crenças e os modos de conduta instituídos pela coletividade. À sociologia caberia
estudar esses fenômenos e representações de caráter coletivo. Um fato social só
pode ser explicado por outro fato social.
Obras como Da Divisão do Trabalho Social e O Suicídio influenciaram
cientistas sociais no mundo todo, como bem vimos no estrutural funcionalismo, da
Antropologia Social Britânica. Sua idéia de ordem moral, na qual são evidenciadas
regras de comportamento coletivas, como normas e sanções, ecoou nas
formulações antropológicas britânicas.
Para Durkheim, existem dois modelos de sociedades: as sociedades
segmentares e as sociedades modernas. As sociedades segmentares desenvolvem
relações entre os indivíduos do tipo da solidariedade mecânica, isto é, relações por
similitude, em que a maioria das pessoas possui cada uma as mesmas atribuições.
Seria uma sociedade de morfologia homogênea e simples. O indicador da
solidariedade mecânica seria o direito repressivo. As sociedades modernas
desenvolvem relações de diferença entre seus indivíduos, chamada solidariedade
orgânica. Morfologicamente heterogêneas, as sociedades modernas seriam
complexas e seu indicador é o direito restitutivo. A divisão do trabalho social faz
parte do modelo de solidariedade orgânica e sua função seria a coesão social,
manter a ordem social.

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É através da obra, As Formas Elementares da Vida Religiosa, que
Durkheim irá se aproximar dos estudos antropológicos ao tratar do sistema totêmico
das tribos australianas. Essa obra será objeto de análise na próxima aula.

Durkheim também será estimulador da pesquisa antropológica ao produzir a


revista de artigos L´Anné Sociologique e através dela divulgar trabalhos de caráter
antropológico. Além disso, irá formar discípulos como Marcel Mauss, que irá
desenvolver teoricamente a bagagem durkheimiana recebida. Durkheim e Mauss
são conhecidos por pertencerem à tradição da Escola Sociológica Francesa.
Ligada ao desenvolvimento da Sociologia é que a Antropologia frutificou no caso
francês.

Resumo: Vimos que o início dos estudos antropológicos na França se deu


dentro do desenvolvimento da Sociologia como disciplina científica, por meio do
trabalho de Émile Durkheim. Este realizou estudos de caráter sociológico e
antropológico e formou outros pesquisadores, como Marcel Mauss. Sua contribuição
é denominada como Escola Sociológica Francesa.
Importante: É importante citar outro livro de Durkheim que influenciará
diretamente a Lévi-Strauss em suas aventuras sobre a antropologia do pensamento
humano, o livro: As formas elementares da vida religiosa[1]. Neste livro, o autor
desenvolve um estudo de cunho mais epistemológico e não sociológico sobre o
papel das crenças e das relações sociais na construção das categorias básicas a
partir das quais pensamos (como totalidade, tempo e espaço). A próxima aula
tratará deste assunto com maior atenção.

Reflexão: Para você o que define a fronteira entre a Sociologia e a


Antropologia?

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[1] DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: O sistema totêmico
na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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Aula 15_As Formas Elementares da Vida Religiosa, de Émile Durkheim

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Nesta aula, iremos nos deter na citada obra de Durkheim, trabalho de
referência dentro dos estudos de religião e teorias do conhecimento.

As Formas Elementares da Vida Religiosa é uma obra publicada em 1912.


Nela, Durkheim visa demonstrar a relação entre a origem das categorias de
conhecimento e as formas religiosas. Para realizar seu intento, seu método é partir
do estudo das religiões mais simples, que a seu ver, estariam presentes nas
sociedades primitivas como as tribos australianas. Desse modo, tanto as religiões
das sociedades mais simples quanto as das sociedades mais complexas guardam
uma mesma natureza: a de traduzir alguma necessidade humana permanente.

“No fundo, portanto, não há religiões falsas”

Como todas as religiões são comparáveis, e como todas são espécies de


um mesmo gênero, há necessariamente elementos essenciais que lhes são
comuns. (...) Na base de todos os sistemas de crenças e de todos os cultos,
deve necessariamente haver um certo número de representações
fundamentais e de atitudes rituais que, apesar da diversidade de formas,
têm sempre a mesma significação objetiva e desempenham por toda parte
as mesmas funções.[1]

Dentre as religiões consideradas mais simples na época estavam o


naturismo, o animismo e o totemismo. O autor irá escolher o totemismo dos grupos
australianos.
A religião é definida como um sistema de crenças e ritos. A religião seria um
todo, cujas partes seriam complexos de mitos, de dogmas, de ritos, de cerimônias
interligadas.

Os fenômenos religiosos classificam-se naturalmente em duas categorias


fundamentais: as crenças e os ritos. As primeiras são estados de opinião,
consistem em representações; as segundas são modos de ação

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determinadas. Entre esses dois tipos de fatos há exatamente a diferença

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que separa o pensamento do movimento.[2]

Em todas as crenças religiosas existe em comum um modo de classificar as


coisas reais ou ideais, duas classes opostas, designadas pelos
termos profano e sagrado. Assim sendo, o fenômeno religioso se caracteriza por
essa divisão bipartida.

Além disso, Durkheim concluirá que a religião é coisa social. As


representações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades
coletivas, os ritos são maneiras de agir que se destinam a manter ou refazer alguns
dos estados mentais dos grupos em coletivo.
Assim sendo, os sistemas de representação do homem teriam origem
religiosa. O espírito humano não só seria enriquecido por tais representações, mas
seria formado de fato por elas, para adquirir as categorias básicas do entendimento
como as noções de tempo, espaço, gênero, causa, etc. A religião permite a
formação dessas categorias porque tem origem social, e as categorias do
pensamento humano também são coisas eminentemente sociais, já que são
exteriores aos indivíduos e universais.
Desse modo, a crença religiosa não é uma ilusão, nem é inferior às
experiências científicas, ela é uma forma de elaboração do mundo sensível.

Portanto, longe de o ideal coletivo que a religião exprime dever-se a não sei
que poder inato do indivíduo, foi antes na escola da vida coletiva que o
indivíduo aprendeu a idealizar. Foi ao assimilar os ideais elaborados pela
sociedade que lê se tornou capaz de conceber o ideal. Foi a sociedade, que
arrastando-o em sua esfera de ação, suscitou-lhe a necessidade de se alçar
acima do mundo da experiência e, ao mesmo tempo, forneceu-lhe os meios
de conceber outro mundo.[3]

Assim como a sociedade engendra a religião, sendo esta uma maneira de


restauração moral da sociedade, ao enfatizar a coesão, ficaria evidente que a vida
social é a fonte do pensamento lógico.

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E por isso, se sociedades primitivas têm religião e esta é a origem do

SANTOS
pensamento lógico, então, primitivos também têm pensamento lógico através de
suas representações coletivas. Em última instância, qualquer grupo que se coloque
como coletivo tem a capacidade de engendrar vida lógica.

Resumo: Acima, acompanhamos o desenvolvimento da obra As Formas


Elementares da Vida Religiosa, de Émile Durkheim, na qual ele demonstra a origem
social das religiões e, como as religiões seriam a origem do pensamento lógico,
então as categorias universais do pensamento também seriam de origem coletiva.

Reflexão: Procure uma categoria de pensamento universal que é possível


depreender de algum rito religioso que você já participou.

[1] DURKHEIM, Émile. “Introdução”: In: As Formas Elementares da Vida Religiosa.


São Paulo: Martins Fontes, 1996.
[2] DURKHEIM, Émile. “Definição do Fenômeno Religioso e da Religião", Livro 1,
Capítulo1. In: As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
[3] DURKHEIM, Émile. “Conclusão”, In: As Formas Elementares da Vida Religiosa.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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Aula 16_Mauss e o fato social total - a questão da reciprocidade

SANTOS
Na sessão presente, vamos conhecer o desenvolvimento teórico da
antropologia na França, por meio de um discípulo de Durkheim, Marcel Mauss.

Assim como Durkheim, Marcel Mauss também não realizou trabalho de


campo para construir suas obras. Ambos se utilizaram da análise comparativa e
recolhiam o material de suas pesquisas principalmente nas etnografias realizadas
por outros antropólogos ou estudiosos. Por isso tinham o cuidado de analisar as
suas fontes, comparando suas similitudes e diferenças, e testando os limites delas.
Assim, Mauss diferenciava entre etnografia e etnologia. A primeira tratava-se
de trabalho extensivo de coleta de informações, mapeamento e levantamento de
dados. Já a segunda, era o trabalho intensivo de ultrapassar o caráter descritivo da
etnografia e produzir uma síntese.
Uma de suas obras de referência é o trabalho Ensaio sobre a Dádiva,
publicado no Anné Sociologique de 1923-1924. Nele, o autor elabora considerações
a respeito da troca nas sociedades consideradas primitivas – tribos polinésias,
melanésias e norte-americanas – e sociedades arcaicas – romanos e germânicos. O
método utilizado é o da comparação de casos fornecidos por etnografias realizadas
por outros.
Ao iniciar sua investigação, Mauss aponta que os grupos sociais estudados
realizam suas trocas não somente entre indivíduos, mas que são as “coletividades
que se obrigam mutuamente, trocam e contratam; as pessoas presentes ao contrato
são pessoas morais – clãs, tribos, famílias...”[1]
Além disso, essas trocas incluem não só produtos, mas também gentilezas,
banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas. À esse
sistema de prestações e contra-prestações, ele chama de sistema de prestações
totais, nas quais diferentes aspectos da vida social são expressos por meio da
troca.

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Assim, Mauss desenvolverá o conceito de fato social total.

Nesses fenômenos sociais totais, como nos propomos chamá-lo, exprimem-


se, ao mesmo tempo e de uma vez só, toda espécie de instituições:
religiosas, jurídicas e morais – estas políticas e familiais ao mesmo tempo;
econômicas – supondo formas particulares de produção e de consumo, ou
antes, de prestação e de distribuição, sem contar os fenômenos estéticos nos
quais desembocam tais fatos e os fenômenos morfológicos que manifestam
essas instituições. (MAUSS, Marcel - Sociologia e Antropologia. São Paulo,
EDUSP, 1974, vol. 2, “Ensaio sobre a Dádiva”, p. 41)

Nas trocas, existem operações elementares que a constituem, como a obrigação


de dar, a obrigação de receber e obrigação de retribuir. Nas sociedades polinésias, a
obrigatoriedade de retribuir um presente recebido é dada por meio da idéia de mana,
que é a força mágica e espiritual da pessoa que dá o presente, pois se assim não for
feito, a pessoa que recebe o regalo, pode perder seu prestígio e autoridade. Além
disso, a própria coisa dada tem o seu hau, isto é, carrega em si a força que obriga a
retribuição do presente.
Mauss analisa as trocas até chegar aos contratos realizados nas sociedades
romanas e germânicas e a criação da moeda.
As trocas seriam um exemplo de fato social total que expressam ao mesmo
tempo múltiplas dimensões da vida social.
Mauss retoma o tema da reciprocidade, já levantado por Malinowski por meio do
trabalho sobre o kula - as trocas intertribais trobriandesas. Porém, se Malinowski
analisa as trocas por meio de sua bagagem funcionalista, demonstrando como as
várias partes da sociedade se articulam em função de um fenômeno, Mauss
considera que as trocas são momentos em que diversas facetas da sociedade se
expressam juntas e ao mesmo tempo.

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Resumo: Com Mauss, acompanhamos o desenvolvimento da
Antropologia francesa com um discípulo de Durkheim e a retoma do tema da
reciprocidade sob o conceito de fato social total, em que a análise visa apreender os
múltiplos planos da vida social que se expressam juntas e ao mesmo tempo num
dado fenômeno.

Reflexão: Pense nas trocas de presente do Natal, como você as encara


após conhecer o trabalho de Mauss?
[1] MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a Dádiva”. In: Sociologia e Antropologia. São
Paulo, EDUSP, 1974, vol. 2, p. 44.

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Aula 17_“As Técnicas Corporais”, de Marcel Mauss

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Continuando a conhecer a obra de Marcel Mauss, nesta aula, vamos
apreciar seu artigo “As Técnicas Corporais”, seminal para pensar a influência social
sobre o corpo.

“As Técnicas Corporais” é um artigo publicado em 1936, que tem como


objeto “as maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de maneira
tradicional, sabem servir-se de seus corpos”.[1]
Mostrando que o corpo não possui uma estrutura ou uma movimentação inata
ou natural, Mauss enumera diversas formas de perceber como o corpo é plástico e
de perceber que sua movimentação não é “natural”.
Primeiro, mostra como os movimentos do corpo podem ser diferentes no
período histórico. Rememora que, quando aprendeu a nadar, as pessoas eram
ensinadas a cuspir água quando expiravam, mais recentemente, o nado “clássico”
se transformou no nado crawl.
A especificidade de técnicas pode ser de caráter nacional, o autor lembra que
os franceses cavavam de modo diferente dos ingleses. E quando, durante a guerra,
os primeiros tiveram de substituir os segundos, todas as ferramentas também
tiveram que ser substituídas.
A divisão de técnicas corporais também pode ocorrer entre sociedades
diferentes, como uma tribo africana, em que as pessoas dormem em pé, ou entre os
sexos – mulheres usam o corpo diferentemente de homens - ou ainda conforme a
idade das pessoas, jovens e crianças usam o corpo de modo diferente dos idosos.
Para Mauss, o corpo humano aprende modos de se movimentar, isto é, é
através da educação que o corpo se forma. Porém, esses hábitos quando
incorporados se tornam inconscientes e, por vezes, podem parecer automáticos.
As técnicas corporais podem ser consideradas como fatos sociais totais, pois
por meio delas, se articulam planos múltiplos e instantâneos, que estão intimamente
ligados, como as dimensões psicológica, fisiológica e social. Quando uma pessoa
arremessa uma bola, ela pode estar psicologicamente brava, ao mesmo tempo,

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realiza movimentos com os braços e os troncos para atirar o objeto, e ainda

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performa o tiro de acordo com um estilo de jogo que é coletivo, como no beisebol.

Técnica é “um ato tradicional e eficaz”[2]. A transmissão de uma técnica só


é possível se há tradição, isto é, quando está no domínio coletivo, que quer a
continuidade desse bem. E só pode ser eficaz quando também é expresso de modo
mecânico e presente.
Para o autor, “o corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do
homem”.[3] E demonstrando por meio de inúmeros casos, aponta que os usos
corporais podem ser variados e múltiplos, sendo um assunto que está na
intersecção de disciplinas como a psicologia, a fisiologia e a sociologia.

Resumo: Vimos com Mauss, por meio do trabalho “Técnicas Corporais”,


que os usos corporais podem ser variados e articulam diferentes planos da vida
social ao mesmo tempo.

Reflexão: Focalize o movimento de sentar. Faça uma enumeração de


diferentes modos de sentar conforme o país, a ocasião, o sexo, entre outros.

[1] MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a Dádiva”. In: Sociologia e Antropologia. São
Paulo, EDUSP, 1974, vol. 2, p. 211.

[2] MAUSS, Marcel. “Técnicas Corporais”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo,
EDUSP, 1974, p. 217.

[3] MAUSS, Marcel. Idem.

CIÊNCIAS SOCIAIS 60
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Aula 18 _Lévi-Strauss – vida e obra

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Claude Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas, em 1908 e faleceu em 2009.
Iniciou seus estudos em Direito e Filosofia na Universidade de Sorbonne, em Paris.
Não completou os estudos em Direito, conseguindo a licenciatura em Filosofia no
ano de 1931. Após alguns anos de professorado em escolas secundárias, aceitou o
convite para integrar uma missão cultural ao Brasil. No Brasil, lecionou de 1934 até
1938.
Após um período como adido cultural na embaixada francesa de Washington,
nos EUA, Lévi-Strauss retornou a Paris em 1948. Foi então que recebeu seu grau de
Doutor pela Sorbonne, ao apresentar (dentro da tradição francesa) duas teses, uma
'maior' e outra 'menor'. Elas foram Família e vida social entre os Nambikwara e As
Estruturas elementares do parentesco.
Em 1959, Lévi-Strauss foi nomeado para a cadeira de Antropologia Social do
Collège de France. Por volta desse período publicou Antropologia Estrutural, uma
coleção de ensaios em que oferece tanto exemplos como manifestos programáticos
do estruturalismo. Começou a organizar uma série de instituições destinadas a
estabelecer a Antropologia como disciplina de estudos na França, como o
Laboratório para Antropologia Social e o jornal l'Homme, onde os pesquisadores
publicavam o resultado de suas pesquisas.
Em 1962, Lévi-Strauss publicou aquele que para muitas pessoas é seu
trabalho mais importante, O Pensamento Selvagem. Na primeira parte do livro ele
descreve sua teoria da cultura e do pensamento. Já como celebridade mundial, Lévi-
Strauss passou a segunda metade da década de 1960 trabalhando em um projeto
maior, um estudo apresentado em quatro volumes intituladoMythologiques.
Lévi-Strauss é doutor honoris causa de diversas universidades pelo mundo.
Mesmo aposentado, Lévi-Strauss continuou a publicar ocasionalmente volumes de
meditações sobre artes, música e poesia, bem como reminiscências de seu
passado. Sua última publicação, ainda em vida, foi o livro O suplício de Papai Noel.

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Resumo: Nesta aula, acompanhamos a vida e a produção intelectual de
um dos mais influentes pensadores da Antropologia Francesa, Claude Lévi-Strauss.

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Aula 19 _O Estruturalismo e a noção de estrutura social

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Nesta aula, vamos analisar a noção de estrutura que Lévi-Strauss se
propôs a desenvolver em seu método de análise estrutural.

Segundo Lévi-Strauss, a noção de estrutura social não se refere a uma


realidade empírica. Esta postura vai de encontro às considerações de Radcliffe-
Brown, que aponta que a estrutura social é uma rede concreta formada de unidades
menores, e também concretas, que são as relações sociais. Para Lévi-Strauss, as
relações sociais são a matéria-prima de dados observáveis de uma realidade social,
enquanto a estrutura social é o modelo invisível que organiza tais dados.
Dentro das análises estruturais, para ser considerado uma estrutura, um
modelo deve ter caráter de sistema, isto é, se um elemento do sistema é modificado,
todas as outras partes também são transformadas. Além disso, um modelo deve
permitir prever como o modelo reagirá em caso de mudança de um de seus
elementos.
Os modelos podem ser conscientes, como as regras e normas manifestas em
leis e contratos, ou podem ser inconscientes. A análise estrutural visa normalmente
a atingir os modelos inconscientes. Mas os modelos conscientes muitas vezes
mascaram os modelos inconscientes que organizam a vida social.
Para o antropólogo chegar a esses modelos inconscientes, ele deve atentar
para os modelos construídos pelos próprios “nativos”, pois os pesquisados sempre
têm uma explicação a respeito de sua cultura. São esses modelos “feitos em casa”
que permitem a melhor via de acesso às categorias inconscientes do pensamento
indígena.
É por isso que é importante o antropólogo atentar para o discurso nativo,
registrando-o principalmente por meio de uma boa etnografia. Cabe, então, em
seguida, atingir o modelo inconsciente, implícito na teoria nativa. Esse trabalho de
construção de modelos seria a etnologia, que a análise estrutural permite realizar.

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Para o autor, não só assuntos relacionados ao parentesco são passíveis de
serem abordados pelo método estruturalista: ele poderia ser aplicado a problemas
etnológicos diversos. Mais à frente, acompanharemos a aplicação da análise
estrutural sobre os mitos.
Uma das críticas ao método estrutural é sua inabilidade em lidar com a noção
de tempo histórico. Mas para Lévi-Strauss, o tempo histórico seria um plano que
estaria incluído dentro da explicação “nativa”. Pois o autor identifica que há
sociedades que identificam um tempo histórico contínuo e cumulativo - como a
ocidental; e há sociedades que vêm um tempo a-histórico, circular e recorrente -
como muitas sociedades tribais. Desse modo, o tempo histórico não seria uma
categoria universal e inconsciente.

Resumo: Acima, pudemos nos familiarizar com a noção de estrutura social


vista a partir da análise estruturalista de Lévi-Strauss. Tal ideia faz menção a
modelos inconscientes que sustentam a cultura e que o método estruturalista
permite atingir.

Reflexão: Pense no seu cotidiano e sugira algo que possa ser considerada
como “teoria nativa”? Lembre-se que para ser uma teoria, é preciso que seja
compartilhada por um grupo e não individual.

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Aula 20_As Estruturas Elementares do Parentesco, de Lévi-Strauss, e seu

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impacto sobre os estudos antropológicos.

Aqui vamos apreciar de forma mais intensa a obra As Estruturas


Elementares do Parentesco, de Lévi-Strauss, de maneira a analisar como esse
trabalho dialoga com trabalhos anteriores dentro da Antropologia.

Publicada em 1949, a obra As Estruturas Elementares do Parentesco causou


grande impressão no ambiente acadêmico antropológico ao retrabalhar o tema do
parentesco, tão caro à Antropologia Social Britânica, de modo original.
Lévi-Strauss entende por estruturas elementares do parentesco

os sistemas ou a nomenclatura que permite determinar imediatamente o


círculo de parentesco e o de alianças, ou seja, os sistemas que prescrevem
o casamento com um certo tipo de parente, ou se assim preferir, os
sistemas que definem todos os membros do grupo como parentes,
distinguindo-os em 2 categorias: conjuntos possíveis e conjuntos
proibidos...[1]

Ao mesmo tempo que se utiliza do método comparativo, tão trabalhado pela


Antropologia Social Inglesa, também procura generalizar e estabelecer os princípios
gerais da questão, conforme a tradição de pensamento da Escola Sociológica
Francesa, analisando alguns casos limitados.
Tentando buscar as estruturas mais elementares, Lévi-Strauss reintroduz a
distinção clássica entre natureza e estado de sociedade, tentando buscar esse
primeiro elemento que iniciou o estado dos homens viverem em sociedade.
Adotando os termos natureza e cultura, Lévi-Strauss considera natureza e cultura
não como fases históricas pelas quais a humanidade teria passado - primeira pelo
estado de natureza e depois pelo estado de sociedade. O autor considera a
distinção natureza e cultura como instrumento lógico, isto é, um artifício do
pensamento que ajudará a encontrar o modelo inconsciente das estruturas de
parentesco.

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O elemento que pode realizar a passagem do estado de natureza para o de

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cultura é a regra de proibição do incesto, regra que não permite o casamento entre
pais e filhos e entre irmãos. Pois se a cultura se caracteriza pela presença de regras,
e a natureza pela universalidade, o tabu do incesto se apresenta como regra, ao
mesmo tempo que possui caráter universal.

A proibição do incesto não é, nem puramente cultural, nem puramente de


origem natural, ela não é tampouco uma dosagem de elementos compostos
parcialmente de natureza ou parcialmente de cultura. Ela é uma arrancada
fundamental graças à qual ocorre a passagem da natureza à cultura.[2]

A regra de proibição do incesto faz com que cada homem renuncie a um certo
número de mulheres, como sua mãe, suas irmãs e suas filhas, liberando-as para
outrem. Ao mesmo tempo, se todos os homens assim o fazem, cada homem
também recebe um número de mulheres que lhe é permitido casar. Desse modo, a
proibição do incesto cria o fato cultural da possibilidade de alianças matrimoniais,
fora do grupo consanguíneo. É a partir dessa regra que os grupos humanos
organizam diferentes modos de endogamia – casamento dentro do grupo social – e
exogamia – união de aliança fora do grupo social.
A regra de proibição do incesto fundamenta a troca entre os grupos sociais.
Pois a partir de uma interdição, é possível realizar a reciprocidade.
Retomando o tema da reciprocidade, já trabalhado por Malinowski e Mauss,
Lévi-Strauss, leva a conceber a integração da sociedade como um modelo de
comunicação, pois se a linguagem se faz na troca de signos, o parentesco se
estrutura na troca de pessoas e bens, por meio da proibição do incesto.
O início da sociedade se articula com o início do pensamento simbólico,
quando se realiza a passagem da natureza à cultura.

Resumo: Resumimos essa sessão sobre a obra As Estruturas


Elementares do Parentesco, de Lévi-Strauss, como trabalho que retoma os temas
do parentesco e da reciprocidade, trabalhados dentro da Antropologia e que, pela
análise estrutural, propõe uma abordagem linguística sobre o início da sociedade e

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do pensamento lógico, em que a passagem da natureza à cultura leva à troca de

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bens, mulheres e signos linguísticos.
Importante: Seguindo uma leitura rousseauniana da nossa natureza humana,
Lévi-Strauss considera que o início da sociedade se articula e coincide com o início
do pensamento simbólico porque o homem é um ser eminentemente racional,
cultural e social. Nesta perspectiva, o homem no estado de natureza como foi
abstraído pelos filósofos contratualistas não é objeto da antropologia porque é
somente uma abstração. Sua teoria também é uma crítica aos estudos
evolucionistas culturais e difusionistas, por partir da ideia de que o homem que não
pensa e não se relaciona em sociedade é uma mera abstração e partindo da ideia
de que a história só pode ser lida a partir da fala nativa.

Reflexão: Pense no mito de Édipo, qual regra de parentesco é quebrada


na história?

[1] LÉVI-STRAUSS, Claude. “Introdução”. In: As estruturas elementares do


parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

[2] LÉVI-STRAUSS, Claude. “Capítulo 2”. In: As estruturas elementares do


parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

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Aula 21 _ Análise estrutural de mitos

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A seguir, tomaremos contato com o modo de proceder da análise
estrutural no objeto em que mais frutificou: os mitos. Vamos conhecê-lo.

A análise estrutural, apesar de poder ser aplicada a uma infinidade de temas


antropológicos, apresenta suas mais refinadas contribuições no trabalho com os
mitos. Mitos são narrativas dos tempos fabulosos ou heroicos, histórias de
significação simbólica ou ainda representação de fatos ou personagens exagerados.
O próprio Lévi-Strauss encarregou-se de demonstrar o êxito do método
estrutural na análise dos mitos, principalmente na sua obra de fôlego Mitológicas.
Para ele, os mitos não carregam sentidos intrínsecos e determinados, como
coloca Carl Jung, em que tal símbolo teria um significado universal único
correspondente. O significado dos mitos varia conforme o contexto e a posição em
que seus elementos constitutivos são colocados.
Para introduzir os procedimentos da análise, o autor estabelece um paralelo
entre o método estrutural e a linguística.
Na linguagem, segundo Saussure, existe a diferença entre língua e fala. A
língua se refere às regras de utilização da linguagem, o modelo abstrato expresso,
por exemplo, na gramática. A fala é o momento temporal da enunciação, em que a
linguagem acontece e é irreversível. Os mitos estariam na posição intermediária
entre a língua e a fala, carregando ao mesmo tempo um caráter não-histórico e
histórico. Isso quer dizer que o mito é formulado num dado momento singular, mas
também apresenta elementos estruturantes, que não mudam no tempo e que
permitem chegar a um sentido não-aparente.
O mito se utiliza da linguagem para se expressar, mas se apropria dela num
nível diferente.

“O mito é linguagem, mas uma linguagem que tem um nível elevado, e onde o
sentido chega, se é lícito dizer a decolar do fundamento linguístico sobre o qual
começou rolando.”[1]

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O mito é formado de unidades constitutivas chamadas mitemas. Os
mitemas são conjuntos de orações que expressam uma determinada relação entre
alguns dos elementos da história, como relação de proximidade entre personagens,
relação de agressividade, etc.
Assim, ao nos depararmos com um mito, decompomo-lo nos mitemas, que
expressam um tipo de relação entre os elementos. Então organizamos os mitemas
em colunas segundo o tema de suas relações: proximidade repulsa, idade
avançada, travestismo, ou que seja. Ao dispor assim, nos deparamos com a uma
nova organização de sentidos dentro da história, e tal rearranjo nos permite chegar a
um significado mais amplo e universal, que, antes, não era evidente.
Um dado muito importante para Lévi-Strauss é que na análise estrutural dos
mitos não importa qual versão do mito seja empregada, porque não haveria versões
verdadeiras, todas seriam válidas, já que o método estrutural se preocupa em extrair
o sentido não expresso e inconsciente do mito.

Resumo: Nesta aula, acompanhamos o modo como o método estrutural


se aplica na análise de mitos, decompondo-os em unidades menores como os
mitemas e reorganizando as relações de sentido da história, para, assim, atingir o
significado que paira além das palavras expressas no mito.

Reflexão: Tente aplicar o método estrutural sobre alguma lenda brasileira.


É possível extrair um outro sentido que não estava à mostra na história?

[1] LÉVI-STRAUSS, Claude. “A estrutura dos mitos”. In: Antropologia Estrutural. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970.

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Aula 22_O Pensamento Selvagem, de Lévi-Strauss

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Nesta aula, mais uma vez, vamos nos ater sobre uma das obras de Lévi-
Strauss, O Pensamento Selvagem. Vamos analisá-la.

O Pensamento Selvagem foi lançado em 1962, sua preocupação se volta às


expressões de conhecimento das sociedades ditas primitivas, como o pensamento
mágico, o pensamento mitológico e os sistemas de classificação primitiva, que se
utilizam de elementos concretos como o uso de animais, a referência a plantas ou
formações geológicas para se realizarem.
Contra a ideia de que os “primitivos” não têm capacidade de formular
conceitos e empregar termos abstratos, Lévi-Strauss critica autores que supõem que
os primitivos se interessem em classificar apenas as plantas e animais que supram
necessidades alimentares e econômicas.
Para o autor, o horror ao caos e a necessidade de ordem seria algo universal
nos homens e também seria a base para todo pensamento organizar e classificar o
mundo. Desse modo, tanto as classificações totêmicas, a magia e as histórias
míticas seriam modos distintos de conhecimento, mas de mesmo valor que o
pensamento científico.
Não haveria uma hierarquia evolutiva, na qual ao pensamento primitivo
seguiria a ciência como pensamento mais desenvolvido. Ao contrário, tanto um
quanto outro, teriam a mesma característica de serem formas de conhecimento do
mundo. Porém, o pensamento mágico ou mítico incorpora em si a particularidade de
trabalhar mais perto da percepção e da intuição do palpável, o que o autor chama
poeticamente de ciência do concreto.

... é que existem dois modos diferentes de pensamento científico, um e


outro funções, não certamente estágios desiguais de desenvolvimento do
espírito humano, mas dois níveis estratégicos em que a natureza se deixa
abordar pelo conhecimento científico – um aproximadamente ajustado ao da
percepção e ao da imaginação, e outro deslocado, como se as relações

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necessárias, objeto de toda ciência, neolítica ou moderna, pudessem ser

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atingidas por dois caminhos diferentes: um muito próximo da intuição
sensível e outro mais distanciado.[1]

O “pensamento do concreto” se caracteriza pela operação de bricolage,


que não organiza um trabalho por meio de um plano preconcebido, como na ciência,
e seus resultados são imprevistos. A bricolage realiza tarefas diversificadas, suas
considerações estão entre a percepção e a conceituação, seu veículo de expressão
são os signos. Pois os signos não são transparentes como os conceitos científicos,
há deslizamento de relações entre a imagem e a idéia, que produzem incessantes
construções e reconstruções de significados. A bricolage (ou melhor abrasileirando,
a “mistureba”) usa resíduos e fragmentos de coisas estruturadas, organizando-os de
novas maneiras.

Argumentando que não somente as sociedades “primitivas” teriam o privilégio


de se utilizarem da “ciência do concreto”, Lévi-Strauss cita a arte, dimensão tão cara
à sociedade ocidental, como um exemplo de espaço social que também se aproveita
da operação de bricolage. A arte funde em si o senso estético, emocional e palpável
dos materiais utilizados na obra junto das concepções abstratas e do caráter de
projeto estruturado que a obra de arte encerra em si. A arte, nesse sentido, seria
também um modo de conhecimento do mundo.

Resumo: Na obra Pensamento Selvagem, de Lévi-Strauss, vimos como


mitos, magia e nomenclaturas não-científicas podem ser consideradas como forma
de conhecimento de mesmo valor do pensamento científico, porém diferenciando
deste pela relação íntima com a realidade concreta e perceptiva e pela utilização da
operação de bricolage.

Importante: Ao definir a ciência do concreto como uma forma de pensamento


que pode ser chamada também, no livro, de pensamento selvagem, Lévi-Strauss

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não está carregando os termos de qualificações que o denigrem em detrimento do

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pensamento científico. Ao contrário, a brincadeira feita com esses termos indica que
o pensamento baseado no arranjo de elementos concretos é mais livre (usando a
metáfora do “selvagem”) que o pensamento científico. Segundo o autor, o
pensamento científico parte de estruturas para criar operações racionais, portanto,
está “preso” a estas estruturas. Tais estruturas seriam os símbolos e conceitos
(números, conceitos filosóficos e científicos). No caso da ciência do concreto,
fenômenos e materiais naturais servem como elementos para construir reflexões
sobre o universo que nos cerca. Segundo o autor, ambas as formas de pensar são
racionais, somente a forma como operam são diferentes.

Reflexão: A que tipo de diversidade cultural chegamos quando se encara


que o saber “primitivo” é correspondente ao conhecimento científico?

[1] LÉVI-STRAUSS, Claude. “A ciência do concreto”. In: Pensamento Selvagem. São


Paulo: Ed. Nacional, 1976, p. 30.

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Resumo da Unidade III

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O início dos estudos antropológicos na França se deu dentro do
desenvolvimento da Sociologia como disciplina científica, por meio do trabalho de
Émile Durkheim. Este realizou estudos de caráter sociológico e antropológico e
formou outros pesquisadores, como Marcel Mauss. Sua contribuição é denominada
como Escola Sociológica Francesa. Apreciamos sua obra As Formas Elementares
da Vida Religiosa.

Com Mauss nos envolvemos com sua noção de fato social total e o tema da
reciprocidade, além de adentrar pelo seu artigo “Técnicas Corporais”.
Depois, pudemos nos familiarizar com a noção de estrutura social vista a
partir do Estruturalismo de Lévi-Strauss. Tal idéia faz menção a modelos
inconscientes que sustentam a cultura e que o método estruturalista permite atingir.
Estudamos os trabalhos Estruturas Elementares do Parentesco e Pensamento
Selvagem.

Glossário da Unidade III

Estruturalismo: análise antropológica que lida com a noção de estrutura


social. Diferentemente dos britânicos, tal idéia faz menção a modelos inconscientes
que sustentam a cultura e que o método estruturalista permite atingir. Teve como
figura propulsora, Lévi-Strauss.
Fatos sociais: objeto de análise da Sociologia segundo Émile Durkheim.
Fato social total: fenômeno social que apresenta ao mesmo tempo múltiplas
dimensões da sociedade.
Profano e sagrado: modo de classificar as coisas reais ou ideais em duas
classes opostas, dentro fenômeno religioso.

CIÊNCIAS SOCIAIS 73
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Totemismo: religião de sociedade primitivas, como as australianas e norte-

SANTOS
americanas, que tinham como referência animais e plantas.

Referências Bibliográficas da Unidade III

DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social, São Paulo: Livraria Martins


Fontes, 1995.

DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Livraria


Martins Fontes, 1996.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Livraria Martins


Fontes, 1996.

MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EDUSP, 1974, vol. 1 e 2.


LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1970.

LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco, Petrópolis:


Vozes, 1982.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Totemismo hoje. São Paulo: Abril Cultural, Coleção "Os
Pensadores", 1976.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Pensamento Selvagem. São Paulo: Ed. Nacional, 1976.

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Aula 23 - Franz Boas como pioneiro na Antropologia Americana

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A partir daqui, vamos experienciar os trabalhos da Antropologia
Culturalista nos Estados Unidos. Comecemos esta aula com o antropólogo Franz
Boas.
Franz Boas nasceu em 1858 e era alemão de origem judaica. Formado na
Alemanha, como geógrafo e psicofísico, estudou Geografia com Friedrich Ratzel
(1844-1904) que afirmava que o meio ambiente era o fator determinante da cultura.
Emigrou para os E.U.A., onde desenvolveu a sua carreira científica de
antropólogo. Realizou muito cedo trabalho de campo, viajando até ao Ártico para
estudar as sociedades esquimós.
Deu aulas na Universidade de Columbia e foi diretor do American Museum of
Natural History, em Nova York. Formou antropólogos como Melville Herskovits,
Alfred L. Kroeber, Robert Lowie, Edward Sapir, Margaret Mead, Ruth Benedict e
Clyde Kluckhohn.
Boas é conhecido por inspirar as mais diversas vertentes antropológicas,
como se pode observar por meio de seus discípulos, que desenvolveram, cada um,
diferentes estudos. Kroeber encaminhou-se para a Antropologia Física, Sapir
aprofundou estudos sobre a língua das sociedades não-ocidentais, Mead e
Benedict, investigaram a relação entre personalidade e cultura.
Para Boas, a tarefa do antropólogo era investigar as tribos primitivas que
careciam de história escrita, descobrir restos pré-históricos, estudar tipos humanos e
a linguagem.
De todas as suas idéias, a formulação do conceito de etnocentrismo e a
necessidade de estudar cada cultura singularmente por seus próprios termos
exercem, ainda nos dias de hoje, uma enorme influência nos estudos
antropológicos. Em sua obra, Boas se contrapôs aos evolucionistas, que
compreendiam as culturas das sociedades não-caucasianas como inferiores. É
através de seus estudos que a idéia de uma escala evolutiva das sociedades
partindo de agrupamento de homens "selvagens" ou "naturais" e chegando as

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"sociedades civilizadas" européias vai sendo gradualmente abandonada pelos

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estudos antropológicos.

Ele desenvolveu a idéia de relativismo cultural, defendendo que não há


culturas superiores nem inferiores. Os sistemas de valores devem compreender-se
dentro do contexto particular de cada cultura e não de acordo com os padrões da
cultura do antropólogo. Criticou o evolucionismo e defendeu que os mesmos efeitos
poderiam se dar por diferentes causas. Também defendeu que muitas das
semelhanças culturais eram originadas pela difusão, mais que pela invenção
independente, e que, em muitos casos, a evolução não avança do simples para o
complexo, antes o contrário (ex.: formas de arte, linguagem etc.).
Cada cultura teria a sua própria história. Para compreender a cultura teríamos
que tentar reconstruir a história de cada cultura.
Apontava que cada cultura é uma unidade integrada, fruto de um
desenvolvimento histórico peculiar. Enfatizou a independência dos fenômenos
culturais com relação às condições geográficas e aos determinantes biológicos,
afirmando que a dinâmica da cultura está na interação entre os indivíduos e
sociedade.
Antes mesmo de Malinowski postular a retirada da posição do intérprete como
intermediário da pesquisa do antropólogo, Boas trabalhou a ideia de que os
antropólogos deviam dominar as línguas dos povos estudados, com o objetivo de
conhecer o mapa da organização básica do intelecto humano.
Esforçou-se por estudar as culturas índias dos EUA, porque estavam em risco
de extinção. Em vez da prática evolucionista de enquadrar dados etnográficos em
categorias pré-definidas, Boas salientou a necessidade de um cuidadoso e intensivo
estudo em primeira mão, livre de todo prejuízo ou preconceito. As generalizações e
as leis surgiriam depois de ter os dados apropriados.

Resumo: Vimos aqui a vida e trabalhos realizados por Franz Boas,


pioneiro nos estudos antropológicos nos Estados Unidos.

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Reflexão: Quais as características são semelhantes e quais são diferentes
no modo de realizar trabalho de campo entre Malinowski e Franz Boas?

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Aula 24_Cultura e personalidade

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Nesta sessão, vamos conhecer o trabalho de Ruth Benedict, que
juntamente com Margareth Mead, foi discípula de Boas e desenvolveu trabalhos
com a preocupação sobre a relação entre a cultura e a personalidade individual.

Criada pelas estudiosas estadunidenses Ruth Benedict e Margareth Mead,


discípulas de Franz Boas, influenciadas pela Psicanálise e pela obra de Nietzsche, a
vertente antropológica que enfoca a relação cultura e personalidade concebe a
cultura como detentora de uma personalidade básica, partilhada por todos os
membros e aprendi da socialmente.
Para Ruth Benedict, a Antropologia se interessa pela diversidade de
costumes existentes entre as diferentes culturas humanas, por isso o método
comparativo não só expressa as particularidades das sociedades, mas também
demonstra o relativismo cultural.
A autora, preocupada com a posição do indivíduo dentro das culturas,
considera que a transmissão dos costumes se dá por meio da educação dos
homens. Porém, para moldar o comportamento do indivíduo, existem padrões de
forma aos quais as pessoas se orientam.

A história da vida individual de cada pessoa é acima de tudo uma


acomodação aos padrões de forma e de medida tradicionalmente
transmitidos na sua comunidade de geração a geração. Desde que o
indivíduo vem ao mundo, os costumes do ambiente em que nasceu moldam
a sua experiência dos fatos e a sua conduta[1].

O estudo das diferentes culturas e seus padrões de costumes, como as das


grandes civilizações ou as das sociedades primitivas, serve de laboratório para o
estudo da diversidade de instituições humanas. A Antropologia não visaria
reconstituir as origens da espécie humana, mas demonstrar a plasticidade dos
modos de vida dos homens. Por isso, as culturas devem ser consideradas nas suas
particularidades e nos seus tipos locais.

CIÊNCIAS SOCIAIS 78
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Os padrões de hábitos e comportamento são os elementos que determinam a

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particularidade de dada cultura. Cada cultura seleciona os elementos que podem
integrar o seu arranjo cultural, que a autora nomeia como configuração. A cultura é
um todo articulado, nos quais quanto mais os padrões culturais e os modelos
emocionais e intelectuais se mostrarem homogêneos, mais integrada se mostrará a
cultura.
Ruth Benedict, seguindo ao filósofo Nietszche, distinguiu dois tipos de
culturas, entre os índios norte-americanos:
a) Dionisíacas (i.e. ameríndios), que enfatizam o êxtase e a violência.
b) Apolíneas (i.e. os zunhi), que destacam a moderação e o equilíbrio.

Resumo: Vimos o trabalho de Ruth Benedict, que foi discípulas de Boas e


desenvolveu trabalhos com a preocupação sobre a relação entre a cultura e a
personalidade individual, por meio do conceito de padrões de cultura.

Reflexão: Você conseguiria descrever qual é o padrão de personalidade


do brasileiro?

[1] BENEDICT, Ruth - Padrões de Cultura. Lisboa: Livros do Brasil, 1934, p. 15

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Aula 25 - Margareth Mead e a noção de ethos

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Dando continuidade aos estudos de personalidade e cultura na
Antropologia Culturalista Norte-Americana, vamos ver o trabalho de Margareth
Mead.
Margareth Mead também foi aluna de Ruth Benedict, finalizando seus estudos
de Antropologia na Universidade de Columbia em 1929. Em 1925, ela realizou
trabalho de campo na Polinésia.
Na Nova Guiné, ela analisou pelo menos três grupos sociais: os Arapesh, os
Mundugumor e os Tchambuli. Ela observou que entre os Arapesh, tanto homens
quanto mulheres eram pacíficos no temperamento e que ambos não guerreavam.
Entre os Mundugumor, era o oposto, tanto homens quanto mulheres tinham um
temperamento guerreiro. Já os Tchambuli, os homens gostavam de se adornar e as
mulheres trabalhavam e tinham senso prático.

Os traços do caráter que qualificamos como masculinos ou femininos, são,


muitos deles, se não na totalidade, determinados pelo sexo, de uma
maneira tão superficial quanto o vestuário, as maneiras e o penteado, que
uma determinada época, atribui, indiferentemente a um ou a outro sexo.[1]

Assim, a diferença de temperamento nos sexos é o resultado de uma lenta e


tenaz construção social. As simplicidades das sociedades primitivas permite isolar
campos de estudo, tais como a descrição dos procedimentos familiares e
institucionais, e a análise da construção da personalidade.
Assim, Mead analisa as culturas a partir do componente da personalidade
individual, criando a noção de ethos, ou estilo de cultura. Ethos seria o modelo de
ação e afetividade que orienta o comportamento dos indivíduos numa determinada
cultura.
A partir dessa noção, a autora também desenvolveu estudos sobre as
gerações. De acordo com Margaret Mead, existiriam 3 tipos de culturas:

CIÊNCIAS SOCIAIS 80
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a)
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Culturas pós-figurativas: onde os filhos aprendem, em primeiro lugar, com

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os pais. O novo é uma continuação e repetição do velho, negando-se a mudança.
Os velhos e os avôs têm muita importância. A mobilidade social é reduzida e o
passado forma um continuum com o presente e o futuro. Cultura da família extensa.

b) Culturas co-figurativas: quebram o sistema pós-figurativo. Os jovens


rejeitam o modelo dos adultos e aprendem formas culturais inovadoras. Os adultos
acabam por verificar que os seus métodos são insuficientes ou pouco adequados à
formação do jovem e à sua integração na vida adulta. Os jovens conseguem a
mobilidade social por si desejada; ignoram os padrões dos adultos ou são-lhes
indiferentes. Cultura da família nuclear. Os velhos e os seus conhecimentos deixam
de ser pensados como necessários.

c) Cultura pré-figurativas: os adultos aprendem com os seus filhos. Nesta


nova sociedade, só os jovens estão à vontade, pois dominam os progressos
científicos. Em extremo, os adultos não têm descendentes e os filhos não têm
antepassados. O futuro é agora e produz-se uma quebra entre uns e outros. O que
interessava aos adultos já não interessa aos jovens.

Resumo: Vimos o trabalho de Margareth Mead, que desenvolveu


trabalhos com a preocupação sobre a relação entre a cultura e a personalidade
individual, por meio do conceito de ethos, estilo de cultura.

Reflexão: Quais seriam o ethos de comportamento de mulheres e homens


da sociedade brasileira?

[1] MEAD, Margaret. Sexo e temperamento. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1976

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Aula 26 _Outros enfoques: Geertz e a interpretação das culturas

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Nesta sessão, veremos a experiência singular de Clifford Geertz dentro da
Antropologia Americana, que, junto de Franz Boas, foi um dos antropólogos mais
influentes. Vamos conhecê-lo.

Clifford Geertz nasceu na Califórnia em 1926. Serviu a marinha americana


entre 1943 e 1945 e, quando retornou aos EUA, estudou Letras em Ohio. Ele se
formou em filosofia em 1950 e decide estudar Antropologia na Universidade de
Harvard, doutorando-se em 1956 pelo Departamento de Relações Sociais. Desde
então realizou trabalho de campo no Marrocos, Bali e Indonésia.
Geertz se tornou conhecido, principalmente a partir dos anos 1960, por
desenvolver uma “Antropologia Simbólica”, que enfatiza o papel dos significados na
sociedade. Seu conceito de cultura é semiótico

... que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele


mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise;
portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como
uma ciência interpretativa, à procura do significado.[1]

O papel do antropólogo é o de registrar os vários níveis de significado


possíveis das categorias culturais que presencia, escolhendo entre as estruturas de
significação e determinando sua base social e importância. Isto é o trabalho de
etnografia, a que o autor chamará de descrição densa.
A cultura só é possível de ser decifrada porque ela é pública, porque seus
significados são compartilhados por todos que fazem parte dela. Desse modo,
existem sistemas culturais, cujos elementos estão articulados num discurso social. O
etnógrafo “inscreve” o discurso social. E ao fazê-lo, anota sua particularidade,
porque o discurso social ocorre num dado momento e numa dada localidade. Para o
autor, a natureza da etnografia é sempre microscópica, não é possível realizar

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grandes vôos intelectuais, como querem os estuturalistas chegar às categorias

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universais de pensamento.
Ao postular que a cultura é pública e que o etnógrafo não é o único herói que
pode construir significados por meio dela, Geertz também critica a autoridade do
pesquisador sobre o pesquisado, abrindo as portas para toda uma geração de
antropólogos discutir as relações do etnógrafo e de seus nativos.

Resumo: Nesta aula, conhecemos Geertz e sua contribuição para uma


antropologia que se preocupe com os significados colocados em movimento pelos
homens, além de sua consideração sobre a etnografia por meio da noção de
descrição densa.

Reflexão: Qual a diferença do conceito de cultura dos culturalistas – Boas,


Benedict, Mead – e o de Geertz?

[1] GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. LTC: Rio de Janeiro, 1989,
Cap.1, p.4

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Aula 27_Estruturalismo e História: Marshall Sahlins

SANTOS
Aqui, vamos ver outra vertente desenvolvida na Antropologia Americana,
agora com o antropólogo Marshall Sahlins.

Nascido em 1930, Marshall Sahlins formou-se em Antropologia e realizou


também seu mestrado na Universidade de Michigan, estudando com o Prof. Leslie
White, da vertente materialista da cultura. Doutourou-se em 1954 na Universidade
de Columbia. No final dos anos 1960, ele passou dois anos em Paris, onde entrou
em contato com o pensamento estruturalista e acompanhou os movimentos
estudantis de 1968. Em 1973, ele se tornou professor da Universidade de Chicago.
Sahlins realizou suas pesquisas nas Ilhas Fiji e no Hawaii, neste último,
enfocou as histórias do Capitão Cook.
Uma de suas principais contribuições na década de 1970 foi pensar a relação
entre História e Antropologia, e o modo como diferentes culturas entendem e fazem
história.
Em Ilhas de História, ele considera que a cultura se organiza como um
sistema cujas estruturas simbólicas organizam uma sociedade particular. Existe
uma diferença entre estrutura e evento, de modo que a primeira está no âmbito do
sincrônico e o segundo, no do diacrônico. As estruturas não existem por si só e não
são formas estáticas, elas são dinâmicas, de modo que as categorias culturais
devem se fazer presentes novamente, quando acionadas pelo evento. É quando as
estruturas são colocadas em movimento que há a possibilidade do evento produzir a
inovação, isto é, as estruturas se transformam dentro de possibilidades limitadas.
Sahlins propõe uma antropologia histórica não apenas para conhecer como
os eventos são ordenados pela cultura, mas como a cultura é reordenada no
processo histórico. “Como a reprodução de uma estrutura torna-se
transformação?" Um evento pode ser atualização ou realização contingente do
padrão cultural, de modo que "a cultura é historicamente reproduzida na ação". Mas
Sahlins não interrompe aí seu argumento. "Como as circunstâncias contingentes da
ação não se conformam necessariamente aos significados que lhes são atribuídos

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por grupos específicos, sabe-se que os homens criativamente repensam seus

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esquemas convencionais. É nesses termos que a cultura é alterada historicamente
na ação.” (SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1990).

Sahlins retoma as questões exatamente no ponto em que foram deixadas por


Lévi-Strauss e Braudel. Para desenvolver a antropologia que ele defende —
estrutural e histórica — Sahlins recupera dialeticamente estrutura e acontecimento,
cultura e história, permanência e mudança, sincronia e diacronia. Afinal, quanto mais
as coisas mudam, mais continuam as mesmas.

Resumo: Acima, acompanhamos o trabalho de Marshall Sahlins, que


conseguiu articular estrutura e história em sua contribuição aos estudos
antropológicos.

Reflexão: Como você pensa os processos de mudança históricas? Há


coisas que permanecem? Há coisas que se modificam?

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Resumo Unidade IV

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Iniciamos nosso passeio pela Antropologia Culturalista Norte-
Americana por meio da vida e trabalhos realizados por Franz Boas, pioneiro nos
estudos antropológicos nos Estados Unidos.
Com Ruth Benedict, que foi discípulas de Boas, acompanhamos seus trabalhos
sobre a relação entre a cultura e a personalidade individual, por meio do conceito de
padrões de cultura.
Também na mesma direção de estudos de cultura e personalidade, vimos o trabalho
de Margareth Mead, que desenvolveu trabalhos por meio do conceito de ethos,
estilo de cultura.
Geertz contribuiu para uma antropologia que se preocupe com os significados
colocados em movimento pelos homens, além de sua consideração sobre a
etnografia por meio da noção de descrição densa.
Marshall Sahlins, que conseguiu articular estrutura e história em sua contribuição
aos estudos antropológicos.

Glossário da Unidade IV
Descrição densa: modo de registrar os vários níveis de significado possíveis das
categorias culturais, escolhendo entre as estruturas de significação e determinando
sua base social e importância. O trabalho de etnografia.
Ethos: o modelo de ação e afetividade que orienta o comportamento dos indivíduos
numa determinada cultura
Padrões de cultura: conceito que formula a existência de um modelo de
comportamento e sentimento, que sirva de molde para os indivíduos de uma cultura
particular.

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Relativismo cultural: idéia de que não há culturas superiores nem inferiores. Os

SANTOS
sistemas de valores devem compreender-se dentro do contexto particular de cada
cultura e não de acordo com os padrões da cultura do antropólogo.

Referências Bibliográficas da Unidade IV

BENEDICT, Ruth. Padrões de cultura. Lisboa: Livros do Brasil, 1934.


BENEDICT, Ruth. O Crisântemo e a espada. Perspectiva: São Paulo, 1972.
BOAS, Franz. Race, Language and Culture. New York: Macmillan Company, 1940.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
MEAD, Margaret. Sexo e temperamento. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1976.
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.

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Aula 28 _Os Diários de Malinowski

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Nesta aula, vamos problematizar os parâmetros construídos classicamente
para um elemento que se incorporou à Antropologia, de maneira quase identitária à
disciplina, o trabalho de campo. Vamos ao imbrólio.

Desde que Bronislaw Malinowski (1884-1942) publicou Argonautas do


Pacífico Ocidental, em 1922, o trabalho de campo se tornou a pedra fundamental do
ofício do antropólogo.
Até aquele momento, a profissão de antropólogo não era muito clara. A
disciplina era formada por pessoas que pesquisavam sobre povos distantes, sem
nunca ter contato com eles, estando suas descrições baseadas nas informações de
viajantes, missionários e funcionários coloniais.
Malinowski, além de contestar a chamada “antropologia de gabinete”, propôs
um modelo para a produção de informações sobre outras sociedades. O antropólogo
deve realizar trabalho de campo, devendo passar longos períodos junto dos povos
estudados, acompanhando a vida cotidiana e os eventos especiais. Também deveria
prescindir de ter um intérprete, deveria aprender a língua nativa e coletar ele mesmo
os dados e informações.
Além disso, o pesquisador deveria, quando possível, tomar parte das
atividades dos nativos, para sentir-se como humano junto de outros. Esse método
de trabalho se tornou conhecido como observação participante.
Assim, Malinowski se tornou quase uma espécie de herói entre os
antropólogos ao estabelecer um novo paradigma de trabalho, que se tornou
presente em qualquer estudo que levasse o nome de antropológico.
Mas em 1967, quando o diário de campo de Malinowski foi publicado, Um
Diário no sentido estrito do termo, causou grande assombração ao revelar o lado
menos generoso da experiência de campo.

As cadernetas que deram origem ao Diário foram encontradas entre os


pertences de Malinowski após sua morte, em 1942. Escritas em polonês, abrangem

CIÊNCIAS SOCIAIS 88
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dois períodos do trabalho de campo do autor no Pacífico Sul: de setembro de 1914 a

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agosto de 1915, na região de Mailu, e de outubro de 1917 a julho de 1918, nas Ilhas
Trobriand, totalizando 19 meses. Com certeza, Malinowski não escreveu os diários
com a intenção de publicá-los.

Tomando contatos com esses escritos, vemos que o pesquisador das Ilhas
Trobriand não teve a estadia edílica descrita nos Argonautas. Escrito em polonês,
por vezes encontramos um Malinowski, mal-humorado, entediado e até enfurecido
com os nativos. A simpatia extrema pelos nativos e seu modo de vida que lemos
nos Argonautas contrasta com o tratamento que no Diário Malinowski dedica aos
seus informantes, chamando-os muitas vezes de insolentes, atrevidos e estúpidos.

"Esforcei-me por afastar os olhos do livro e mal pude acreditar que estava
entre selvagens neolíticos, e sentado aqui pacificamente enquanto coisas terríveis
ocorriam lá (na Europa)".
(...)
"De modo geral, meus sentimentos para com os nativos decididamente
tendem para 'Exterminar os brutos' ".
(...)
"Pensei na minha posição atual com relação ao trabalho etnográfico e aos
nativos. Meu desapreço por eles, minha saudade da civilização”. [1]
A partir de então, os antropólogos entraram em debate sobre a natureza e a
legitimidade do trabalho de campo.
Sem entrar em julgamentos morais, os Diários de Malinowski revelaram com
contundência que a etnografia também é uma construção, mais precisamente uma
construção literária. Mostrou também as dificuldades que o antropólogo vive em
campo, não sendo, de fato, nenhum herói. Essas discussões irão ganhar fôlego com
toda uma geração de antropólogos, que irão questionar as bases de legitimidade e
autoridade da disciplina e do ofício de antropólogo.

CIÊNCIAS SOCIAIS 89
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Resumo: No texto acima, vimos o impacto que a publicação dos diários de
campo de Malinowski teve sobre o paradigma clássico do trabalho de campo.

Reflexão: Você acha que o trabalho de campo deve revelar a


subjetividade do pesquisador? Que outros modelos de etnografia é possível pensar?

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Aula 29 _O “Estar Lá” – a visão de Geertz sobre a etnografia malinowskiana

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Seguindo com a discussão sobre o trabalho de campo e a etnografia, a
seguir vamos acompanhar a opinião de Geertz a respeito.
Geertz foi um autor seminal sobre as discussões em torno do trabalho de
campo. Sua obra forneceu subsídios para rediscutir as relações entre pesquisador e
pesquisado, ao admitir que o trabalho do antropólogo é escrever etnografias.
A partir daí muitos outros pesquisadores se debruçaram sobre o tema de
como escrevem os etnógrafos. Porém, Geertz tem sua própria posição. Vamos
acompanhá-la.
Geertz não é tão radical quanto são alguns estudiosos, que consideram que o
trabalho de etnografia seja apenas imagens e um mero jogo de palavras. Para ele, o
que convence em um trabalho etnográfico não é o estilo da escrita, mas é a ideia
do estar lá.

A capacidade dos antropólogos de nos fazer levar a sério o que dizem tem
menos a ver com uma aparência factual, ou com um ar de elegância
conceitual, do que com sua capacidade de nos convencer de que o que eles
dizem resulta de haverem realmente penetrado numa outra forma de vida
(ou, se você preferir, de terem sido penetrados por ela) – de realmente
haverem, de um modo ou de outro, ‘estado lá’. E aí, ao nos convencer de
que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita. [1]

O que daria a autoridade ao trabalho do antropólogo é o “estar lá”, ter atingido


o desconhecido e convencer de que “esteve lá”.
Porém, existe a construção do “estar lá”, como bem mostrou a comparação
entre a etnografia sobre as sociedades trobriandesas e os diários íntimos de
Malinowski. Só que o “estar lá” em pessoa e o “estar lá” em termos escritos não é a
mesma coisa.

Estar lá em termos autorais, enfim, de maneira palpável, é um truque tão


difícil de realizar quanto o estar lá em pessoa, o que afinal exige, no

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mínimo, pouco mais do que uma reserva de passagens e q permissão para

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desembarcar, a disposição de suportar uma certa dose de solidão, invasão
de privacidade, desconforto físico, uma certa serenidade diante de
excrecências corporais estranhas e febres inexplicáveis, a capacidade de
permanecer imóveis para receber insultos artísticos, e o tipo de paciência
necessária pra sustentar uma busca interminável de agulhas invisíveis. E o
tipo autoral do estar lá vem ficando cada vez mais difícil.[2]

Resumo: Anteriormente, pudemos perceber que o trabalho de campo não


se resume ao “estar lá”, é também preciso escrever a etnografia que realiza uma
construção sobre o trabalho de campo.

Reflexão: Você considera que a etnografia é apenas “história de


pescador”? O que faz a importância da etnografia?

[1] GEERTZ, C. Vidas e Obras. São Paulo: Record, 1987

[2] GEERTZ, C. Idem

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Aula 30_O nativo também faz etnografia

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Nesta sessão, veremos o surgimento da preocupação dos antropólogos de
que os “nativos” também realizam pesquisa antropológica.

A partir dos anos 1970, além da discussão sobre a escrita da etnografia, outra
questão veio à tona para problematizar o fazer antropológico: a de que os “nativos”
também realizam pesquisa antropológica.
Os antropólogos tradicionalmente foram sempre provenientes da Europa e dos
Estados Unidos, devido até a história de formação da disciplina. Porém, a partir dos
anos 1970, iniciou-se o movimento de independência de inúmeros países asiáticos e
africanos, espaços sempre explorados como lugares foco das pesquisas
antropológicas. Além da reivindicação de autonomia política, muitos pesquisadores
africanos e asiáticos começaram a aparecer e a questionar a antropologia clássica.
Agora uma Antropologia emergente fazia parte do debate científico e os nativos,
que outrora foram tratados como objeto de pesquisa, agora se tornavam sujeitos da
pesquisa.
É nesse momento que a definição clássica de que a Antropologia era a ciência
que estudava as sociedades primitivas ficou inapropriada de vez. Pois se já quase
não havia sociedades primitivas, mas grupos e países que se “ocidentalizavam”,
tomavam contato das influências ocidentais, reivindicavam autonomia e, agora,
também realizam pesquisas, então o termo sociedades primitivas entrou em crise.
Assim, a disciplina, além de se repensar metodologicamente, também teve de se
repensar tematicamente. Não é à toa que estudos sobre “as sociedades complexas”
ou a antropologia de dimensão urbana começaram a se consolidar.

Resumo: Nesta aula, vimos que a Antropologia começou a se repensar a


partir dos anos 1970, quando os “nativos” também começaram a realizar pesquisa.
Houve o movimento de independência de inúmeros países africanos e asiáticos, que

CIÊNCIAS SOCIAIS 93
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foram objetos clássicos dos estudos antropológicos e uma reivindicação de

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autonomia científica, agora os nativos também eram sujeitos de conhecimento.

Reflexão: Onde você acha que o Brasil se localiza dentro da discussão


desta aula?

CIÊNCIAS SOCIAIS 94
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Aula 31_ Na Antropologia Brasileira

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Após apreender as tradições de pensamento antropológico clássico,
vamos problematizar o caso do Brasil frente a elas.
Passamos por todo esse percurso de estudo pelas tradições de pensamento
antropológico da Antropologia Social Britânica, da Escola Sociológica Francesa e do
Estruturalismo Francês e do Culturalismo Norte-Americano e variantes americanas
porque elas influenciaram e influenciam a antropologia brasileira.
A história da Antropologia brasileira tem sua particularidade, mas sempre
dialogou com a bagagem clássica.
No Brasil, os clássicos da Antropologia ajudaram a discutir questões como a
raça. A mestiçagem como degeneração e a mestiçagem como salvação. Gilberto
Freyre, por exemplo, foi aluno de Franz Boas.
Também os estudos sobre os índios brasileiros tiveram impulso a partir dos
clássicos. Lévi-Strauss foi professor de antropologia da Universidade de São Paulo e
sua abordagem teórica estruturalista foi muito atuante para explicar muitas
sociedades indígenas brasileiras.
A grande particularidade dos estudos antropológicos brasileiros em relação aos
clássicos é que os “objetos” de pesquisa estão presentes em território nacional.
Além do que, os intelectuais estão sempre muito preocupados por pensar a questão
da identidade nacional. É como se os pesquisadores no Brasil estivessem sempre
preocupados em conhecer o próprio país. A questão "Que país é esse?" ou então "O
que faz do Brazil, Brasil?". Temos olhos constantemente voltados para nós mesmos.
De qualquer forma, os clássicos aqui tratados sempre figuram como referências
para discutir a antropologia feita no Brasil.

Resumo: Acima, constatamos que as tradições de pensamento como a


Antropologia Social Britânica, a Antropologia Francesa e a Antropologia Culturalista

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Norte-Americana são referências para a Antropologia feita no Brasil e por isso sua

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importância em conhecê-los.

Reflexão: Na Antropologia Brasileira, cada pesquisador opta por uma


abordagem teórica. Por qual linha de pensamento você mais simpatizou? Qual tema
você desenvolveria?

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Aula 32 - Um poema

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Finalizando a disciplina, apresentamos um poema de Rudyard Kipling,
autor britânico do século XIX, que esteve na Índia e em outros lugares do Oriente e
tem uma obra voltada para esses encontros com o desconhecido e para a
alteridade. Vamos ao poema:

MANDALAY

Perto do velho Moulmein Pagoda, fitando preguiçosamente o mar


Há uma garota de Burma e eu sei o que ela pensa de mim;
Porque o vento está nas palmeiras, e os sinos dos templos eles dizem,
“Volte, Soldado Inglês, volte para Madalay!”
Volte para Mandalay,
Onde a velha Flotilla tem
Não ouve seus passos pisando de Rangoon a Mandalay?
Na estrada de Mandalay,
Onde os peixes-voadores brincam,
E a manhã sobe como um trovão longe da China através da Baía!
Sua anágua era amarela e sua capa era verde
E seu nome era Supi-Yaw-Lat, o mesmo que Rainha da Reverência
E eu a vi primeiro em meio à fumaça de raiz branca
E seus beijos cristinos perdidos aos pés de um ídolo.
Ídolo em flores feitos de barro
Por que o chamam de Grande Deus Buda
Coragem o bastante ela carrega pelas imagens quando a beijei onde ela estava
Na estrada para Mandalay...

Quando a névoa estava nos campos de arroz e o sol baixava vagarosamente


Ela pegava seu pequeno banjo e cantava “Kulla-la-lo!”

CIÊNCIAS SOCIAIS 97
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Com seu braço sobre meu ombro e seu rosto sobre o meu

SANTOS
Assistíamos aos navios e os hathis empinhando madeira
Elefantes estavam empilhando madeira
No sludgy, squdgy lago
Onde o silencio suspende aquele peso que você tanto teme dizer!
Na estrada para Mandalay...
Mas tudo isso passou – há muito tempo e lá longe
E não há ônibus circulando de Bank para Mandalay
E estou aprendendo o que o soldado de dez anos fala
“Se você ouvir o Oriente chamando, você não deve segui-lo por nada.”
Não! Você não deve segui-lo por nada,
Mas então vem o cheiro de alho
E o brilho do sol e as palmeiras e os sinos dos templos
Na estrada para Mandalay...
Estou cansado de gastar as solas nas pedras do asfalto
E a barulhenta chuva inglesa acorda a febre de meus ossos
Por isso eu ando com cinqüenta camareiras de Chelsea a Strand,
E elas falam um monte de amor, mas o que elas entendem?
Rosto forte e mão robusta
Lei! O que elas entendem?
Eu tenho uma camareira mais doce e diligente numa terra mais limpa e mais verde
Na estrada para Mandalay...
Navegue-me a algum lugar à leste de Suez, onde o melhor parece o pior,
Onde não há os Dez Mandamentos e um homem pode aplacar sua sede;
Porque os sinos dos templos estão tocando e é lá que eu queria estar—
Perto do velho Pagoda, fitando preguiçosamente o mar,
Na estrada para Mandalay,
Onde a velha Flotilla tem,
Com nossa enfermidade sob as tendas quando nós fomos para Mandalay
Na estrada para Mandalay
Onde os peixes-voadores brincam,

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E a manhã sobe como um trovão fora da China através da Baía!(tradução livre:
Simone Toji)
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Reflexão: Quais as imagens sobre o Oriente são levantadas? E Sobre o
Ocidente?

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Resumo Unidade V

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Vimos o impacto que a publicação dos diários de campo de Malinowski
teve sobre o paradigma clássico do trabalho de campo. Pudemos perceber com
Geertz que o trabalho de campo não se resume ao “estar lá”, é também preciso
escrever a etnografia e realizar uma construção sobre o trabalho de campo. E
finalizamos constatando que as tradições de pensamento como a Antropologia
Social Britânica, a Antropologia Francesa e a Antropologia Culturalista Norte-
Americana são referências para a Antropologia feita no Brasil e por isso sua
importância em conhecê-los.
Terminamos, então, com um poema de Kipling e usa visão sobre o oriente
como contraponto ao ocidente e de como este ocidente vê um oriente mágico,
mitificado, exótico...
Espero que tenham gostado da disciplina e que possam pensar e repensar a
antropologia a partir dela.

Glossário da Unidade V

Estar lá: forma de denominar o trabalho de campo ao estilo de Malinowski.

Referências Bibliográficas da Unidade V

GEERTZ, C. Vidas e Obras. São Paulo: Record. 1987


KUPER, Adam. Antropólogos e Antropologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
_____. Cultura. A visão dos Antropólogos. EDUSC, 2002.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Sobre o Saber Antropológico. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1988.

CIÊNCIAS SOCIAIS 10

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