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UNIVERSIDADE METROPOLITANA

Núcleo de Educação a Distância


DE SANTOS

Teoria Política
Clássica

CIÊNCIAS SOCIAIS2
SEMESTRE 1
UNIVERSIDADE METROPOLITANA
Núcleo de Educação a Distância
DE SANTOS
Créditos e Copyright

NOVO, Nancy Lancha.

Teoria Política Clássica. Nancy


Lancha Novo: Núcleo de Educação a Distância da
UNIMES, 2015. 113p. (Material didático. Curso de
ciências sociais).

Modo de acesso: www.unimes.br

1. Ensino a distância. 2. Ciências


Sociais. 3. Política Clássica.

CDD 300

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DE SANTOS
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PLANO DE ENSINO

CURSO: Licenciatura em Ciências Sociais


COMPONENTE CURRICULAR: Teoria Política Clássica
SEMESTRE: 2º
CARGA HORÁRIA TOTAL: 80 horas

EMENTA:

Estudo dos aspectos formadores da política: poder, dominação, autoridade,


legitimidade, regime, Estado, governo e sistemas políticos clássicos. Os diferentes
significados ou acepções do termo Política e o sentido de Teoria Política Clássica. A
Política e os tipos de Poder. Os fundamentos das doutrinas filosófico-políticas da
Alta Idade Média. A Europa na transição da Idade Média para a Idade Moderna:
contexto de formação do Estado Moderno. “O Príncipe” e o exercício do poder. O
Leviatã de Thomas Hobbes. John Locke – o individualismo liberal. Montesquieu e o
liberalismo na França. Jean Jacques Rousseau – o pensador da igualdade.

OBJETIVO GERAL:
Apresentar os conceitos e autores fundamentais da teoria política e estudar o
contexto de formação do Estado moderno.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Unidade I - O pensamento político na Antiguidade


Objetivos da Unidade
Apresentar o conceito de Política, sua origem na polis grega e as formas de governo
e de organização política no mundo greco-romano, especialmente a democracia
ateniense.

Unidade II - O pensamento político na Idade Média e Moderna.


Objetivos da Unidade

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Apresentar a influência do pensamento de Aristóteles nas doutrinas da Idade Média,
apresentar algumas doutrinas filosóficas da Idade Média e na transição para a Idade
Moderna com destaque a Maquiavel.

Unidade III - Os autores contratualistas.


Objetivos da Unidade
Conhecer autores que pensaram um novo modelo de sociedade e discutiram sobre
a gênese do Estado Moderno; Apresentar o significado e a evolução do
Contratualismo.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

UNIDADE I: O pensamento político na Antiguidade.


UNIDADE II: O pensamento político na Idade Média e Moderna.
UNIDADE III: Os autores contratualistas.

Bibliografia Básica

ARISTÓTELES. Política. Trad. Mário da G. Kury. - 3ª ed. – Brasília, Editora


Universidade de Brasília, 1997.

MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Porto Alegre, L&PM, 2010

ROUSSEAU, J. J. O contrato social. Porto Alegre, L&PM, 2007

Bibliografia Complementar

WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política, v1. São Paulo, Editora


Ática, 2006.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Trad Carmen Varnalle...(et al...). 7ª ed,


Brasília, DF, Editora UNB, 1995.

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CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia - dos pré-socráticos a
Aristóteles. 2 ed. São Paulo, Companhia das Letras, 2002.

CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos


dias. – 6ª ed- Rio de Janeiro, Edit. Agir, 1993.

COULANGES, Fustel. A cidade antiga – estudo sobre o culto, o direito e as


instituições da Grécia e de Roma. São Paulo, RT, 2011.

METODOLOGIA:

A disciplina está dividida em unidades temáticas que serão desenvolvidas por meio
de recursos didáticos, como: material em formato de texto, vídeo aulas, fóruns e
atividades individuais. O trabalho educativo se dará por sugestão de leitura de
textos, indicação de pensadores, de sites, de atividades diversificadas, reflexivas,
envolvendo o universo da relação dos estudantes, do professor e do processo
ensino/aprendizagem.

AVALIAÇÃO:

A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e


apoiado nos trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como
forma de reflexão e aquisição de conhecimento dos conceitos trabalhados na parte
teórica e prática e habilidades. Prevê ainda a realização de atividades em momentos
específicos como fóruns, chats, tarefas, avaliações a distância e Prova Presencial,
de acordo com a Portaria de Avaliação vigente.

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Sumário

Aula 01_Os diferentes significados ou acepções do termo Política e o sentido de Teoria


Política Clássica. ............................................................................................................................. 8
Aula 02_A formação das cidades antigas – a pólis ou urbes I ..................................................10
Aula 03_A formação da cidade antiga – a pólis ou urbes II .......................................................13
Aula 04 _ governo e o poder político nas cidades antigas .........................................................17
Aula 05_As leis e o direito no mundo greco-romano - características e repercussões ...........19
Aula 06_A República de Platão ....................................................................................................22
Aula 07_A política e os tipos de poder .........................................................................................26
Aula 08_ A mudança social e a reorganização do poder: a experiência da democracia em
Atenas .............................................................................................................................................30
Aula 09_ A influência da obra de Aristóteles no pensamento político ocidental ......................34
Resumo - Unidade I .......................................................................................................................38
Aula 10_Os fundamentos das doutrinas filosófico-políticas da Alta Idade Média ....................40
Aula 11_O pensamento de São Tomás de Aquino .....................................................................43
Aula 12_A Europa na transição da Idade Média para a Idade Moderna ..................................46
Aula 13_Nicolau Maquiavel, tempo e obra ..................................................................................50
Aula 14_ A organização política na península itálica no século XVI .........................................53
Aula 15_As diferentes formas de acesso ao poder e as qualidades do príncipe de Maquiavel
.........................................................................................................................................................55
Aula 16_ O Príncipe e o exercício do poder. ...............................................................................58
Aula 17_ A Utopia – Tomás Morus ...............................................................................................61
Aula 18_ A utopia de Campanella – A Cidade do Sol ................................................................64
Aula 19_A Teoria do Direito Divino dos reis ................................................................................66
Aula 20_O Absolutismo Monárquico ............................................................................................69
Resumo - Unidade II ......................................................................................................................72
Aula 21_O Leviatã de Thomas Hobbes .......................................................................................74
Aula 22_O Leviatã de Thomas Hobbes II ....................................................................................77
Aula 23_O Leviatã de Thomas Hobbes III ...................................................................................80
Aula 24_John Locke – o individualismo liberal I..........................................................................82
Aula 25_John Locke – o individualismo liberal II.........................................................................84
Aula 26_Montesquieu I ..................................................................................................................87

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Aula 27_Montesquieu II .................................................................................................................89
Aula 28_ Jean Jacques Rousseau I .............................................................................................91
Aula 29_Jean Jacques Rousseau II .............................................................................................93
Aula 30_O contrato Social no pensamento de Jean-Jacques Rousseau .................................95
Aula 31_O significado do Contratualismo ....................................................................................98
Aula 32_A Evolução do Estado Moderno ..................................................................................100
Resumo - Unidade III ...................................................................................................................102

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Aula 01_Os diferentes significados ou acepções do termo Política e o sentido
de Teoria Política Clássica.

A proposta da aula inicial é discutir o que caracteriza a disciplina Teoria


Política Clássica. Para tanto, começaremos enfocando as diferentes acepções ou
significados do termo Política e as vinculações mais comumente associadas a ele.
O termo Política - Se você consultar um dicionário de língua portuguesa irá
encontrar uma referência que remete ao sentido histórico ou clássico da palavra, ou
seja, Política se origina de pólis - denominação da cidade - estado grega que se
caracterizava como uma unidade política autônoma, com governo próprio,
independente. Com o tempo, a palavra teve seu sentido ampliado abrangendo tudo
o que se refere à cidade e, por extensão, ao que caracteriza o urbano, civil e público.
Vejamos também o que nos acrescenta Bobbio, em seu Dicionário de Política
sobre o termo:
Derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo o
que se refere á cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil,
público, e até mesmo sociável e social, o termo Política se expandiu
graças à influência da grande obra de Aristóteles, intitulada Política,
que deve ser considerada como o primeiro tratado sobre a natureza,
funções e divisão do Estado, e sobre as várias formas de Governo.
com o significado mais comum de arte ou ciência de Governo , isto é,
de reflexão, não importa se com intenções meramente descritivas ou
também normativas, dois aspectos dificilmente discrimináveis, sobre
as coisas da cidade (BOBBIO, 1995, p. 954).

Grande jurista italiano e organizador da obra Dicionário de Política, Norberto


Bobbio chama a atenção, no excerto acima, para o fato do substantivo Política se
originar de um adjetivo, isto é, de politikós que designava o que era próprio às coisas
da cidade, ao social, ao público e ao civil. Salienta também que a expansão e o
significado assumido pela palavra deveram-se à contribuição de Aristóteles, na obra
Política, que enfocou as questões vinculadas ao Estado e ao Governo abrangendo,
portanto, a questão do poder e de suas manifestações na Grécia Clássica.
Iniciaremos nossos estudos distinguindo dois diferentes sentidos ou
acepções do termo Política mais comumente empregados em nosso cotidiano. Nas

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aulas subsequentes, abordaremos as vinculações sugeridas, ou seja, as implicações
com as questões de Poder, Estado e Governo situando-as historicamente e, sempre
que possível, apoiando-nos na obra de pensadores cujas ideias ainda hoje mantêm
um caráter de atualidade nos estudos da ciência política.
Importante salientar que a utilização da palavra Política implica tanto no nível
teórico, das reflexões, dos estudos, como também no nível concreto, assume o
sentido de práxis ou práticas que são implementadas pelas diferentes instâncias de
poder. Vejamos dois exemplos que permitem observar os dois sentidos apontados
acima:
Exemplo 1

Há aqueles que afirmam, de modo convicto e até defendem como uma qualidade, o
fato de não gostarem e não participarem de discussões e de política.

Exemplo 2

Ao governo municipal cabe discutir e viabilizar políticas que atendam aos interesses
dos cidadãos.

O termo Política, carregado de sentido histórico, remete tanto para a teoria


quanto para a prática de ações vinculadas ao poder, ao Estado e às formas e
exercício do governo. A Teoria Política Clássica enfoca o estudo e o esforço
interpretativo da obra de pensadores que, vivendo em diferentes momentos
históricos, refletiram sobre as principais questões que se apresentaram aos homens
no âmbito da política contribuindo, em suas respectivas épocas e ainda hoje, para as
discussões que envolvem o exercício do poder e a construção da cidadania. É
importante ressaltar que a atualidade das ideias desses pensadores confere-lhes o
caráter de clássicos da política e que, ainda hoje, trazem luz às discussões das
problemáticas que envolvem a vida social.

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Aula 02_A formação das cidades antigas – a pólis ou urbes I

A proposta desta aula é abordar o processo de formação dos primeiros


núcleos humanos no mundo grego e romano, constituídos a partir das famílias e dos
elementos que as caracterizaram e que resultaram no que ficou conhecido como
gens ou genos. Importante salientar que em nossas primeiras aulas consideramos
como referencia básica a obra A Cidade Antiga de Fustel de Coulanges, historiador
francês do século XIX reconhecido por seus estudos sobre a Antiguidade,
notadamente sobre os primórdios das civilizações grega e romana.
Vejamos o que afirma inicialmente Fustel de Coulanges e que será por nós
considerado:
Para conhecer a verdade a respeito desses povos antigos, deve-se estudá-
los sem pensar em nós, como se nos fossem completamente
desconhecidos, com o mesmo desinteresse e liberdade de espírito com que
estudaríamos a Índia antiga ou a Arábia. Encaradas desse modo, a Grécia e
Roma apresentam-se com um caráter absolutamente inimitável.

A advertência feita pelo autor constitui uma das preocupações fundamentais


do historiador e devem nortear aqueles que, como nós, recorrem à História. O
estudo e o entendimento de outras culturas exigem que se considere os referenciais
da época e a partir deles podermos reconhecer a importância do que nos foi legado
por aqueles que nos antecederam. Interessa-nos perceber os processos que
caracterizaram os primórdios da organização social no mundo grego e romano.
Vejamos como foi o primórdio da vida social entre os gregos e os romanos,
apoiando-nos ainda em Coulanges:

O estudo das antigas regras do direito privado fez-nos entrever, para além
dos tempos chamados históricos, um período de séculos, durante os quais
a família foi à única forma de sociedade. Essa família podia então conter em
seu extenso quadro vários milhares de criaturas humanas. Mas nesses
limites a associação humana era ainda muito acanhada; muito estreita para
as necessidades materiais, porque era difícil que a família fosse
autossuficiente para todas as necessidades da vida [...] A pequenez dessa
sociedade primitiva correspondia bem à pequenez da ideia que se tinha da
divindade. Cada família tinha seus deuses, e o homem não concebia nem

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adorava senão divindades domésticas [...] A ideia religiosa e a sociedade
humana, portanto, deviam crescer juntas.

A leitura do excerto é elucidativa da forma como se organizaram os primeiros


núcleos entre os gregos e os romanos apontando para o papel desempenhado pela
família que se ampliou com o tempo e que se diferenciava de outras famílias pelo
culto de deuses ou divindades particulares. Neste tipo de sociedade o poder e o
prestígio distinguiam os mais velhos, aqueles que deram origem ao núcleo familiar.
A ideia religiosa, o culto de deuses comuns foi outro elemento aglutinador e, em
torno dos deuses familiares e para seu culto, a família se reunia. Essa forma de
associação, marcada pela origem comum, os mesmos antepassados que, por isso
também eram cultuados juntamente com os deuses, constituiu os gens ou genos.
Vejamos, na sequência, como eram caracterizados:

A formação da gens antiga... derivou-se naturalmente da religião doméstica


e do direito privado das antigas idades. Que prescreve, com efeito essa
religião primitiva? Que o antepassado, isto é, o homem que por primeiro foi
sepultado no túmulo familiar, seja honrado perpetuamente como deus, e
que seus descendentes, reunidos cada ano junto ao lugar sagrado onde
repousa, lhe ofereçam o banquete fúnebre. O lar sempre aceso, o túmulo
sempre honrado pelo culto, eis o centro ao redor do qual todas as gerações
vêm viver, e pelo qual todos os ramos da família, por mais numerosos que
possam ser, continuam agrupados em um único feixe. Que diz ainda o
direito privado desses velhos tempos? Observando-se o que era a
autoridade na família antiga, vimos que os filhos não se separavam do pai;
estudando-se as regras da transmissão do patrimônio, constatamos que,
graças ao princípio da comunidade do domínio, os irmãos menores não se
separavam do mais velho. Lar, túmulo, patrimônio, tudo isso em sua origem
era indivisível. A família o era, por consequência. O tempo não a
desmembrava. Essa família indivisível, que se desenvolvia através das
idades, perpetuando de século em século seu culto e seu nome, era
verdadeiramente a gens antiga. A gens era a família, mas a família
conservando a unidade ordenada pela religião [...]

A organização social entre os gregos e os romanos assentou-se na família, com


as características específicas por nós estudados, conhecidos historicamente como

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gens ou genos, agrupamento indivisível e que se perpetuava no tempo. O
antepassado comum e os mesmos deuses, ambos cultuados pelo grupo,
constituíam elementos diferenciadores das gens ou genos. Aos mais velhos cabia o
exercício do poder e do prestígio social que desfrutavam como resultado da
distinção da gens na pólis ou urbe.

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Aula 03_A formação da cidade antiga – a pólis ou urbes II

A proposta desta aula é discutir o processo de formação da pólis e da urbs e


suas características principais. Para tanto, lançamos mão ainda da obra A Cidade
Antiga, de Coulanges, considerada uma referência para o estudo do período e
também integrante da bibliografia do curso. Recorreremos a Aristóteles visando
abordar a finalidade da cidade e da ação humana como prática social orientada para
determinados fins.

Como já vimos na aula anterior, à família ampliada, ou seja, o agrupamento


social que tinha um mesmo ancestral e deuses comum também conhecida como
gens ou genos, constituiu o núcleo básico da vida social entre os gregos e os
romanos. À medida que cresceram as famílias e se expandiram o convívio social
ocorreu à formação de associações entre elas, conforme veremos na descrição de
Coulanges:

A sociedade humana,..., não se engrandeceu como um círculo que pouco a


pouco se alargasse, ganhando de lugar em lugar. Pelo contrário, foram
pequenos grupos que constituídos já há muito tempo, se agregaram entre
si. Muitas famílias formaram a fratria, muitas fratrias a tribu, muitas tribus a
cidade. Família, fratria, tribu, cidade são, portanto, sociedades
perfeitamente semelhantes e nascidas umas das outras por uma série de
federações...Em religião subsistiu uma grande quantidade de pequenos
cultos, acima dos quais se estabeleceu um culto comum; em política
continuaram a funcionar uma porção de pequenos governos, e levantou-se
acima deles um governo comum. A cidade era uma confederação.
(COULANGES, 1929: 195).

A leitura do texto acima remete para o entendimento das alianças que


ocorreram entre as famílias e que formaram as frátrias (entre os gregos) e as cúrias
(entre os romanos), das frátrias ou cúrias na constituição das tribus e, da reunião
das tribus, resultou uma confederação que constituiu a cidade. É importante
salientar que os grupos mantinham sua individualidade e independência assim como
o culto de seus deuses e, como resultado da formação das alianças, havia a
constituição de novos cultos comuns ao grupo reunido e também de instâncias de

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poder e governo que incorporavam as partes integrantes. Disto resultava a
confederação representada pela cidade.
Com relação às cidades estado que integraram a Grécia salientam os
historiadores que a geografia da região sendo um território montanhoso e formado
por grande número de ilhas foi um dos elementos decisivos para a constituição da
pólis, cuja principal característica era a autonomia econômica, política e social
funcionando a cultura e a religião como elementos aglutinadores.

Salientamos que o ponto que mais nos interessa discutir nesse momento é a
forma de organização política que propiciou a constituição da cidade antiga e o
modo pelo qual o indivíduo era paulatinamente inserido em sua estrutura de
funcionamento.
Ainda tendo o autor Coulanges como referência, o que ocorria em Atenas era
que, ao nascer, a criança era admitida na família pelo culto religioso que se fazia
poucos dias após o nascimento. Este, poucos anos depois, entrava para a frátria por
uma nova cerimônia e, aos dezesseis ou dezoito anos, em outro rito no qual fazia
parte um juramento de respeito à religião da cidade, era apresentado e passava a
integrar a cidade.
Como podemos perceber, a inserção do indivíduo na vida da cidade era um
processo a ser construído desde o convívio inicial na família, passando pela
integração na vivência da fratria e da tribu e, como momento avançado, previa-se o
comprometimento com os valores fundamentais da pólis assentados em princípios
religiosos.
Cabe destacar que a formação da cidade, como associação, representava
um longo e difícil processo de alianças que, uma vez consolidado, propiciava a
fundação da cidade ou urbs. A povoação, dessa forma, funcionava como o
santuário, a fortaleza, o centro da associação, a residência dos que governavam e
também o lugar onde se aplicava a justiça. A inserção do indivíduo na vida da cidade
significava assumir seus valores e tradições que marcaram profundamente o homem
grego.

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Importante lembrar também que, durante muitos séculos, não era nas cidades
que os homens viviam, mas sim nos campos com suas famílias.

Recorremos à obra Política, de Aristóteles, objetivando compreender como o


filósofo caracterizou a cidade, sua finalidade e o sentido das ações humanas:

A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva,


após atingir o ponto de autossuficiência praticamente completa; assim, ao
mesmo tempo em que já tem a condição de assegurar a vida de seus
membros, ela passa a existir para lhes proporcionar uma vida melhor. Toda
cidade, portanto, existe naturalmente, da mesma forma que as primeiras
comunidades, aquela é o estágio final destas...Mais ainda: qual o objetivo
para o qual a coisa foi criada - sua finalidade – é o que há de melhor.

[...] O homem é por natureza um animal social, e um homem que por


natureza não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria
acima da humanidade...e se poderia compará-lo a uma peça isolada do jogo
de gamão...A característica específica do homem é que somente ele tem o
sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades
morais, e é a comunidade de seres com tal sentimento que constitui a
família e a cidade (ARISTÓTELES, 1997, p.15).

A leitura do excerto acima permite entender o caráter natural que Aristóteles


atribuía à cidade como decorrência do crescimento e união de vários povoados.
Defendia também como natural a dimensão social do homem e, desta forma, só
compreendia a existência humana enquanto inserida na vida social, na vida da
cidade. Contudo, segundo ele, o que deveria nortear a ação dos homens? Conforme
lemos acima, seria o bem comum, a justiça, pressupostos que demonstram a defesa
da ética na atuação do homem na vida e nas instituições da cidade.
Concluindo, o estudo do processo de formação das cidades antigas e dos
fundamentos da sua organização social visa permitir que possamos construir uma
visão histórica das instituições que nelas se originaram entendendo-as como produto
da ação humana que, embora situada no tempo, a ele sobreviveu como legado no
desenvolvimento posterior da sociedade. Retomar as ideias de Aristóteles sobre o

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que deveria ser a finalidade da cidade e, por extensão, de suas instituições e dos
objetivos que deveriam nortear a atuação pública, ou seja, a justiça e o bem comum
remetem para a questão da centralidade da ética no pensamento político clássico.

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Aula 04 _ governo e o poder político nas cidades antigas

A proposta desta aula é abordar os fundamentos do poder político e do


governo nas cidades antigas objetivando compreender o papel que desempenharam
na manutenção da ordem social.
O estudo da evolução política das cidades antigas permite afirmar que elas
passaram por processo que guardava semelhanças. Dessa forma, cumpre nele
destacar a importância da religião e de seus representantes na vida social, como
podemos depreender da leitura de Coulanges:

Assim como na família a autoridade estava inerente ao sacerdócio, e o pai,


como chefe do culto doméstico, era ao mesmo tempo juiz e mestre, assim o
grão-sacerdote da cidade era também seu chefe político. O altar, de acordo
com expressão de Aristóteles, conferia-lhe a dignidade. Essa confusão de
sacerdócio e de poder nada tem de surpreendente. Encontramo-la na
origem de quase todas as sociedades [...] (COULANGES, 1929: 279).
O princípio da autoridade baseada no desempenho da chefia do culto,
inicialmente pelo pai no âmbito da família e que se alargava na figura do grão -
sacerdote da cidade conferiu ao intermediário entre o homem e os deuses, o papel
de chefe político da comunidade. Ele também acumulava as funções de magistrado,
juiz e chefe militar.
Como decorrência dessa concentração de poderes nas mãos de um único
homem ocorreu o estabelecimento da monarquia como forma de governo
inicialmente estabelecida na maioria das cidades antigas e o fundamento religioso
foi à base da autoridade. Religião e tradições caminhando juntas deram à monarquia
o caráter hereditário e fizeram com que esta forma de governo perdurasse por
séculos.
Vejamos como o mesmo princípio, o da autoridade daquele que dirigia o
culto, prevaleceu entre os romanos no momento da escolha de seus mais
importantes governantes, como era o caso dos cônsules, conforme podemos
observar da leitura do trecho abaixo:

A designação do cônsul não cabia aos homens. A vontade ou o capricho do


povo não podia criar legitimamente um magistrado. Eis, portanto, como se

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escolhia um cônsul. O magistrado em exercício, isto é, um homem já na
posse do caráter sagrado e dos auspícios, indicava entre os dias fatos
aquele em que o cônsul devia ser nomeado. Durante a noite precedente, ele
velava, ao ar livre, com os olhos fixos no céu, observando os sinais
enviados pelos deuses, ao mesmo tempo em que pronunciava mentalmente
o nome de alguns candidatos à magistratura. Se os presságios fossem
favoráveis, era sinal de que os deuses aprovavam os candidatos. No dia
seguinte, o povo se reunia no campo de Marte; a mesma pessoa que havia
consultado os deuses presidia à assembleia. Dizia em voz alta o nome dos
candidatos, sobre os quais tomara os auspícios; se entre os que pediam o
consulado encontrava-se alguém para quem os auspícios não fossem
favoráveis, ele omitia seu nome. O povo não votava senão nos nomes
pronunciados pelo presidente (COULANGES, 1929).

Conforme nos esclarece o texto também entre os romanos ao representante


do sagrado, que dirigia o culto e consultava os deuses para saber do que era
propício, cabia o poder de indicar o momento mais propício e os nomes daqueles
que poderiam exercer o consulado, a mais alta magistratura ou posição no governo.
Ele presidia a cerimônia pública e pronunciava os nomes dos candidatos para
aprovação da assembleia que se reunia no Campo de Marte e legitimava a escolha
dos governantes.
Concluindo, a grande influência exercida pela religião e a concentração de
poderes nas mãos daqueles que dirigiam os cultos contribuiu para o
estabelecimento da monarquia como forma de governo que caracterizou a fase
inicial da evolução política da maioria das cidades antigas. O rei, assim como o
chefe da família, era visto como o depositário das coisas sagradas a quem os
homens deviam obediência. Foi o caráter sagrado que conferiu autoridade ao rei e
garantiu a manutenção da tradição e da ordem social durante séculos.

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Aula 05_As leis e o direito no mundo greco-romano - características e
repercussões

A proposta desta aula é abordar o fundamento das leis que vigoraram nas
cidades antigas, ou seja, o processo que resultou no surgimento dos primeiros
códigos escritos e a importância social deles.
Nos primórdios do desenvolvimento das civilizações, incluindo a grega e a
romana, as leis não eram escritas. Baseadas nos costumes e na tradição religiosa,
atribuíram-lhe os povos o caráter de sagradas, o que garantiu a sua manutenção por
longo tempo.
Verifique como Coulanges abordou as características e significados das
primeiras leis que vigoraram nas cidades antigas:

Durante longas gerações as leis eram apenas orais; transmitiam - se de pai


a filho, juntamente com a crença e as fórmulas de oração. Era uma tradição
sagrada que se perpetuava ao redor do lar da família ou do lar da
cidade....No dia em que começaram a ser escritas, consignaram-nas nos
rituais, em meio de cerimônias e preces...Mais tarde, a lei saiu dos rituais;
escreveram-na à parte; mas continuou o costume de guardá-la em um
templo, sob a custódia dos sacerdotes (COULANGES, 1929, p. 302).

A característica de serem orais marcou, conforme lemos acima, as primeiras


leis que regularam o convívio social, quer na família, quer na cidade, vinculando-as
profundamente com as tradições do grupo, principalmente a tradição religiosa que
era seu principal fundamento e que acarretou a associação com as crenças e rituais
do grupo.
Elas constituíram o denominado direito consuetudinário, isto é, o direito que
era fundamentado nos costumes e que, durante longo período, mediaram as
relações sociais. Todavia, com a expansão da sociedade e a diversificação das
classes sociais e das relações entre elas, o fato das leis não serem escritas e
permitirem muitas interpretações gerou conflitos.

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O registro escrito das leis, ou seja, a elaboração dos primeiros códigos
resultou de um longo processo de lutas e enfrentamentos dos trabalhadores e
população dominada contra a nobreza. A Lei das Doze Tábuas, que data de 450
a.C., escrita no período da república romana, exemplifica o processo e constituiu
base para outras conquistas sociais. A codificação das leis representou uma
garantia contra os desmandos da nobreza e governantes que, conforme lhes
interessava, interpretavam as normas consuetudinárias.

Leia o excerto abaixo e conheça um pouco mais a respeito das primeiras leis
e a forma como se configurou o direito nas cidades gregas e romanas:

A origem religiosa do direito antigo explica-nos ainda um dos principais


caracteres desse direito. A religião era puramente civil, isto é, especial para
cada cidade; e só poderia dar origem a um direito igualmente civil. Mas é
importante distinguir o sentido dessa palavra entre os antigos. Quando
diziam que o direito era civil, jus civile, nómoi politikói, eles não entendiam
com isso apenas que cada cidade tinha seu código, como em nossos dias
cada Estado tem o seu. Eles queriam dizer que suas leis não tinham valor
ou ação senão entre os membros de uma mesma cidade. Não bastava
morar em uma cidade para se estar sujeito às suas leis, e ser protegido por
elas; era necessário ser cidadão. A lei não existia para o escravo, como não
existia para o estrangeiro. Veremos mais adiante que o estrangeiro,
domiciliado em uma cidade, não podia ser proprietário, nem herdeiro, nem
testar, nem fazer contrato algum, nem aparecer diante dos tribunais
ordinários dos cidadãos. Em Atenas, se o estrangeiro fosse credor de um
cidadão, não podia processá-lo judicialmente pelo pagamento de uma
dívida, pois a lei não reconhecia a validade de seu contrato (COULANGES,
1929 p. 296).

Conforme observamos da leitura do texto acima as leis, seguindo a tradição


religiosa e social eram civis, ou seja, elaboradas e válidas para cada cidade e,
característica importante, a aplicabilidade da lei era restrita aos considerados
cidadãos local. Estrangeiros e escravos ficavam, portanto, sem o acesso e a
proteção das leis, situação que ocasionou conflitos no decorrer do tempo.

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Vale ressaltar também que a elaboração e aplicação das leis era privilégio da
nobreza e que, sobretudo em Roma, o direito incorporou ritos e palavras ou
expressões a ele associadas, como veremos no texto abaixo:

Entre os antigos, e, sobretudo em Roma, a ideia do direito era inseparável


do emprego de algumas palavras sacramentais. Se, por exemplo, tratava-se
de um contrato, um dos contratantes devia dizer: Dari spondes? — e o outro
devia responder: Spondeo. — Se essas palavras não fossem pronunciadas,
não havia contrato. Em vão o credor reclamaria o pagamento de uma
dívida, porque o devedor nada lhe deve, pois o que obrigava o homem no
direito antigo não era a consciência nem o sentimento de justiça, mas a
fórmula sagrada. Essa fórmula, pronunciada entre dois homens, estabelecia
entre ambos um vínculo de direito. Onde não houvesse fórmula não havia
direito (COULANGES, 1929, p. 303).

O texto acima permite perceber a importância que as palavras ou expressões,


referenciadas como fórmulas sagradas, desempenhavam no direito romano e em
sua aplicação. A fórmula Dari spondes? – ao que o outro deveria responder:
Spondeo, aproximadamente Você concorda? – Concordo-, pronunciadas na
discussão de um contrato, eram imprescindíveis; caso não houvesse a pronúncia da
fórmula, conforme lemos nada aconteceria.
Importante ressaltar a permanência e a ênfase dadas às expressões ou
fórmulas, ainda citadas em latim, nas sociedades cujo direito preserva a influência
do direito romano, como é o caso do Brasil.
É fundamental salientar que a luta pela obtenção de direitos e leis escritas
ocasionou verdadeira revolução social tanto na Roma republicana quanto na região
de Atenas. Os tribunos ou representantes da plebe romana desempenharam um
papel fundamental no processo e, em Atenas, os legisladores, principalmente Sólon
e Clístenes, contribuíram para as reformas sociais e para a constituição da
democracia ateniense.

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Aula 06_A República de Platão

“Ora, estabelecemos, e repetimos muitas vezes, se bem te recordas, que


cada um deve ocupar-se na cidade de uma única tarefa, aquela para a qual é melhor
dotado por natureza” PLATÃO, “A República” (Livro IV)
A proposta desta aula é apresentar o pensamento de Platão a respeito do
governo da cidade à luz de seus escritos em A República. Uma das grandes
contribuições da Grécia clássica foi no campo da ciência política destacando-se nele
as discussões sobre o Estado e o que deveria ser a sua filosofia. Cumpre salientar,
nesse campo, o papel desempenhado pelo filósofo Platão e suas reflexões a
respeito do que seria o Estado ideal.
Iniciamos apresentando alguns dados sobre Platão, cujo verdadeiro nome
era Arístocles. Filho de pais nobres nasceu ele em Atenas, em 428-7 a.C. e morreu
em 348-7 a.C. Seu nascimento deu-se pouco tempo depois da morte de Péricles,
que governou Atenas de 460 a 430 a.C., período de apogeu da vida política e
cultural de Atenas que se tornou a mais importante Cidade-Estado da Grécia. Ele foi
um crítico da democracia vivida em Atenas, sobretudo após a condenação e morte
de Sócrates, seu grande mestre, episódio que abalou suas convicções sobre os
homens e, principalmente, sobre a forma de governo da pólis e demais instituições
que nela prevaleciam. Platão fundou uma escola A Academia e, considerado um
profundo conhecedor da língua grega, utilizou-se de diálogos, a maioria deles tendo
Sócrates como interlocutor, para expor suas ideias.
Dentre os escritos de Platão, A República (Politeia) é o que mais se direciona
para a discussão da vida e instituições da pólis grega. O filósofo a escreveu após 50
anos e é considerada obra que representa a fase de maturidade do autor. Nos
diálogos que integram A República, Sócrates e vários personagens discutem a
respeito de uma cidade fictícia, Callipolis (cidade bela) procurando determinar como
deveria se constituir uma sociedade justa, sua organização social, seu governo e a
qualidade de seus governantes.
Segundo o filósofo, conviviam na pólis três classes sociais: a econômica
formada por agricultores, comerciantes e artesãos, a militar ou dos guerreiros e a
legislativa ou dos magistrados. E, conforme o pensamento de Platão, era da forma

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assumida pelo governo e do papel que as três classes nele desempenhavam que
resultaria um governo justo ou, no sentido oposto, um governo corrompido.

Vejamos, nos excertos abaixo, as ideias de Platão integrantes dos diálogos


de A República, ao enfocar as três classes e sua atuação no governo da pólis:

A classe econômica está encarregada da sobrevivência da Cidade, suprindo


as necessidades básicas da vida. Como na alma, essa classe se caracteriza
pela concupiscência, pela sede de riqueza e de prazeres. Se ela governar
(como acontece numa oligarquia, ou numa monarquia em que o rei vier
dessa classe ou na democracia, em que essa classe participa do governo
com mais poder do que as outras porque é mais numerosa e conta com
mais votos), a Cidade estará voltada para a acumulação de riquezas, para
uma vida de luxos e prazeres e para lutas econômicas sem fim,
aumentando o número de miseráveis e reduzindo o número de abastados,
A injustiça é evidente, pois a finalidade da Cidade é confundida com a má
atualização da dýnamis da classe econômica.
A classe militar ou dos guerreiros, menos numerosa do que a primeira, está
encarregada da proteção da Cidade. Porém, essa classe se caracteriza pela
cólera e pela temeridade, pelo gosto dos combates, pela invenção de
perigos e para ter o prazer de lutar e buscar fama e glória. Se ela governar
(como acontece nas oligarquias, aristocracias, e em monarquias em que o
rei é eleito entre os soldados ou numa democracia, em que essa classe
participa das assembleias, e na tirania, cuja origem é sempre militar),
lançará a cidade em guerras intermináveis, tanto externas quanto internas.
A injustiça é evidente, pois a finalidade da Cidade está confundida com a
má atualização da dýnamis dos guerreiros.
A classe dos magistrados, de todas a menos numerosa, está encarregada
de dar as leis e de faze las cumprir pela Cidade. Porém, essa classe, que
caracteriza pelo uso da razão, pode estar dominada pelas outras duas
classes mais numerosas do que ela e dispondo de instrumentos para
controlar os magistrados. A classe econômica os controla pela corrupção; a
classe militar os controla pelo medo. Além disso, se os magistrados não
possuírem a ciência da política e não conhecerem a ideia da justiça, qual
há de ser a qualidade das leis e do governo? A injustiça também é evidente,
pois a hierarquia das funções está embaralhada e a areté dos magistrados
não consegue realizar se (PLATÃO apud CHAUÍ, 2002, p.306).

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Como se pode observar da leitura dos trechos selecionados, Platão
considerava que cada classe social deveria desempenhar papel diferenciado na vida
da cidade e a cada uma delas corresponderia uma função da alma, do princípio vital.
Assim sendo, caberia à classe econômica integrada por agricultores, comerciantes e
artesãos, a mais numerosa e caracterizada pela concupiscência, prover a cidade
dos bens e serviços que ela necessitaria; à classe dos militares ou guerreiros,
considerada como bélica e afeita às temeridades e perigos, caberia a defesa da
cidade e à classe dos magistrados, a menos numerosa, caberia o governo porque
eles seriam os autores e responsáveis pelo cumprimento das leis. Considerando que
dýnamis tem o significado de poder, autoridade ou potência inerente à própria
natureza de alguém ou alguma para tornar possível a ação, entendemos a relação
construída por Platão a respeito de cada uma das classes sociais e das funções a
elas associadas assim como as características que o autor atribuiu a cada grupo.
Ainda considerando a leitura acima realizada e a questão da justiça ou do
que seria um governo justo, principal tema de A República, é possível afirmarmos
que Platão defende que somente a uma classe deveria caber o governo, a classe
dos magistrados. “Se a justiça díke e a virtude areté existem somente quando a
razão governa concupiscência e a cólera, então a Cidade deve ser governada
somente pelos magistrados”. O governo mais justo seria, portanto, o governo dos
filósofos, os portadores do conhecimento. Segundo o autor a educação das crianças
deveria ser assumida pela sociedade porque ela constituiria condição fundamental
para a construção de uma sociedade justa.
Cabe salientar ainda que o sentido de justiça na obra seja bastante diferente
do que entendemos hoje não tendo a ver com distribuição equânime de igualdade,
mas sim com a necessidade de que cada um reconheça o seu lugar na sociedade
segundo a natureza das coisas e não tente a ocupar o espaço que pertence a outro.
Esta é uma visão eminentemente conservadora da estrutura social e do papel que o
indivíduo nela ocuparia tendo suscitado muitas críticas no decorrer da História.
É importante ressaltarmos que, embora a república pensada por Platão
pudesse se realizar como um projeto elitista de governo dos filósofos ou magistrados
há que se destacar a preocupação do autor com o ideal ético do Estado e a defesa
de uma sociedade harmônica. Os fins que ele desejava atingir não eram nem a

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democracia nem a liberdade, mas a harmonia e a eficiência. Estas ideias
fundamentaram A República, primeira grande obra utópica que constituiu referência
para outras construções do mesmo teor pensadas por autores da Idade Média e
Moderna, como veremos no decorrer do curso.

Vale ainda salientar que Platão foi precursor dos chamados filósofos –
políticos, caminho também trilhado por Aristóteles e cujo pensamento discutiremos
na próxima aula.

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Aula 07_A política e os tipos de poder

A proposta da aula é discutir os conceitos de Poder e de Dominação


vinculados à política, entendida aqui no sentido de atividade ou práxis humana,
investigando a forma como aparecem na obra Política, de autoria do filósofo grego
Aristóteles.
Iniciamos verificando o que registra o Aurélio para o verbete PODER:

Poder – (do latim vulgar potere, calcado nas formas potes, potest e outras
de posse) V.T 1.Ter a faculdade de; 2. ter possibilidade de, ou autorização
para; 3. Estar arriscado ou exposto a; 4. Ter ocasião, ter oportunidade, meio
de conseguir; 5. Ter força para; ...; 8. Ter o direito, a razão, o motivo de;
,,,12. Dispor de força ou autoridade, ter calma, paciência para; ter
possibilidade; dispor de força ou autoridade; possuir força física ou moral;
ter influência, valimento (HOLLANDA, 1986).

Como podemos observar a palavra, que se originou do latim e era um


substantivo – posse -, é muito mais empregada como verbo, ou seja, prevaleceu o
sentido de ação e de ação direta que é exercida sobre outro ou, no sentido contrário,
que é sofrida pelo outro. O próprio significado da palavra indica a vinculação entre a
possibilidade do exercício do poder e a situação de estar sujeito ao poder. Outras
implicações também já aparecem descritas na explicação sobre a palavra, dentre
elas a de se ter condições para o exercício do poder, a faculdade de, a possibilidade
de, a autorização para ou, assumindo um viés diferenciado, ter ou dispor de força
para exercer o poder.
Na política as nuances de significado abrem um leque de temas para
discussão; inicialmente contrapõem exercício de poder e dominação e apontam para
a questão dos fundamentos do poder como a autoridade, a autorização, o direito e
também, a força. Esses temas - poder e fundamentos de poder - abordados em uma
perspectiva histórica - serão foco também de nossas próximas aulas.
Recorreremos ao pensamento de Aristóteles e à obra Política com o objetivo
de investigar a questão do poder, o que faremos após situar, ainda que de forma
sucinta, o autor em sua época apontando dados sobre a sua vida e produção.

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Aristóteles nasceu na atual Strava, território macedônico, e viveu no período
de 384 a.C. a 322 a.C., pouco tempo após a morte de Péricles quando Atenas vivia
sua fase de apogeu entre as Cidades-Estado gregas. Filho de médico bem
relacionado na corte da Macedônia, Aristóteles teve educação apurada e viveu parte
de sua vida entre os reis macedônicos e na cidade de Atenas. Em Atenas foi
discípulo de Platão (348-347 a.C.). Posteriormente, de 343 a 340 a.C., foi professor
de Alexandre, o grande promotor do helenismo e, provavelmente nesse período de
sua vida, aprofundou suas reflexões sobre política. Também com o apoio de
Alexandre Magno fundou sua escola em Atenas, época em que produziu grande
parte de sua obra, aproximadamente 400 estudos, a maioria deles restrita à escola e
muitos deles de autoria discutível. Dentre seus escritos destacamos Ética a
Nicômacos (referência ao nome de seu pai) e Política. Foi nos capítulos iniciais de
Ética a Nicômacos que Aristóteles empregou o termo política ao que considerou a
ciência da felicidade humana que, segundo ele, era integrada por duas partes, isto é,
a ética (estudo do caráter, ethos entre os gregos, foco de Ética a Nicômacos) e a
política (estudo da Cidade-Estado grega, que foi tema de Política).
Segundo o pensamento de Aristóteles, mais um dos filósofos-políticos cuja
obra constitui uma referência básica no estudo da teoria clássica sobre o poder,
podem ser identificadas três formas principais de poder: o poder paterno, o poder
despótico e o poder político e, conforme o autor, o interesse daquele em benefício
de quem se exerce o poder constitui o critério de distinção entre as diferentes formas
apontadas. O poder paterno atenderia aos interesses dos filhos, o despótico ao
interesse do senhor e o político ao interesse de quem governa e de quem é
governado.

Quanto ao poder paterno, Aristóteles identifica suas origens e o justifica


considerando a tradição. Associa a ela também o estabelecimento da Monarquia
como forma de governo, conforme aparece na obra Política:

É isto que Homero diz: “... cada um dita a lei aos filhos e às esposas...”, pois
eles vivem dispersos.(assim se vivia antigamente). Por esta mesma razão
todos os homens dizem que os deuses tinham um rei, pois uns ainda são e
outros já foram governados por reis (como os homens imaginam os deuses

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sob forma humana, supõem também que sua maneira de viver é
semelhante a deles) (ARISTÓTELES, 1997, p.14-15).

A leitura do trecho acima permite perceber a forma como Aristóteles explica a


origem do poder do pai, do chefe de família, assim como da associação feita com o
poder dos reis. Nas palavras do autor é uma mesma razão que fundamenta os dois
casos, ou seja, a tradição e tudo o que ela guardava de fundamentação religiosa.
A respeito do poder político, vejamos o que afirma Aristóteles:

Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade


se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens
são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as
comunidades visam a algum bem, é evidente que a mais importante de
todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este objetivo e
visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a
comunidade política (ARISTÓTELES, 1997, p.13).

A leitura do texto acima permite perceber o sentido que o filósofo Aristóteles


atribuía a ação humana e a construção do bem. Se este princípio deveria nortear
todas as ações humanas e a vida nas comunidades, na cidade, a comunidade
política, a atuação com vistas ao bem comum assumiria maior relevância e o
exercício do poder político deveria ter como meta a felicidade e o bem da
comunidade.
Considerando que os homens deveriam agir com vistas ao bem e à
felicidade, o objetivo da política, além de propiciar o bem comum, teria a ver com a
criação de formas de governo e instituições que contribuíssem para tal fim. Quanto
às formas de governo, Aristóteles defendeu a existência de três formas “puras” ou
perfeitas de governo. A Monarquia, o governo de um só, de caráter hereditário, que
deveria visar o bem comum, fundamentado na obediência às leis e às tradições; a
Aristocracia, governo de um pequeno número de pessoas, os melhores homens;
Governo Constitucional (nome genérico), governo do povo, da maioria, que exerce o
respeito às leis e beneficia a todos os cidadãos.
Estas três formas eram consideradas “puras” ou perfeitas porque teriam
como objetivo o bem comum. Mas, conforme Aristóteles, elas poderiam ser

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deturpadas ou corrompidas em sociedades “viciadas”, nelas o exercício do poder
atenderia e beneficiaria os interesses dos governantes em detrimento dos anseios
de todos. Aponta ele como formas de governo corrompidas: a Tirania, forma
distorcida da Monarquia, governo de um homem só que assume o poder por meios
ilegais; Oligarquia, forma impura da Aristocracia, governo de um grupo
economicamente poderoso e Democracia, governo do povo, a maioria exerce o
poder favorecendo preferencialmente os pobres.
Para o filósofo, a forma de governo ideal seria a Mista ou Timocracia,
apoiada nas classes médias, e as cidades que a adotassem poderiam ser bem
governadas.
Concluindo e avançando um pouco mais podemos afirma que o poder
político pertence à categoria do poder do homem sobre outro homem e pode ser
expresso de diferentes maneiras como na relação entre governantes - governados,
soberanos– súditos, Estado - cidadãos, autoridade - obediência. Enfocamos, por
ora, a forma como foi visto por Aristóteles situado, portanto, no referencial da
Antiguidade Clássica. Mais adiante, ao enfocarmos os pensadores modernos,
retomaremos as discussões sobre Poder.

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Aula 08_ A mudança social e a reorganização do poder: a experiência da
democracia em Atenas

O objetivo desta aula é dar continuidade às discussões sobre os regimes


políticos enfocando a mudança social e as diferentes formas de
organização/reorganização do poder que possibilitaram o estabelecimento da
democracia em Atenas. Recorreremos à obra Política, de Aristóteles, analista crítico
das instituições políticas que caracterizaram a Grécia Clássica e também a um
trecho do discurso de Péricles, que governou Atenas em sua fase áurea, ambos
abordaram as mudanças sociais e políticas ocorridas na mais destacada cidade -
Estado da Grécia.
Dando continuidade às discussões sobre a questão do poder e de regimes
políticos, veremos como a atuação das classes sociais, em Atenas, provocou
alterações na composição, no exercício do poder e em suas instituições repercutindo
na constituição de regimes políticos diferenciados.
É na e pela atividade política que se manifestam e expressam os interesses
dos grupos ou classes sociais, suas lutas e enfrentamentos que, em seus
desdobramentos, remetem para a questão do poder e do exercício dele na
sociedade. O estudo da constituição dos regimes políticos, seus fundamentos e
funcionamento possibilitam a percepção da dinâmica social e dos processos que
provocam a mudança social e ocasionam recomposições da ordem social e das
instituições políticas.
O amplo processo de mudança social ocorrido em Atenas iniciou-se com a
luta dos trabalhadores e escravos contra os privilégios da nobreza e pleiteando o
estabelecimento de leis que regulassem o convívio e as situações geradoras de
conflito. A obra dos legisladores Sólon (594 a.C.) e, principalmente, de Clístenes
(510 a.C.), denominado o “Pai da Democracia Ateniense”, permitiu que se
constituísse um cenário favorável à mudança e ao estabelecimento de novas
condições no convívio entre os grupos sociais que integravam a sociedade
ateniense.

Vejamos, a seguir, como o processo foi percebido e registrado por Aristóteles:

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[...] Aconteceu que os nobres e a multidão (povo) entraram em conflito por
largo tempo. Com efeito, o regime político era oligárquico em tudo; e, em
particular, os pobres, suas mulheres e seus filhos, eram escravos dos ricos.
Chamavam-lhes “clientes” ou hectómores (sextanários): porque era com a
condição de não guardarem para si mais de um sexto da colheita que eles
trabalhavam nos domínios dos ricos. Toda a terra estava num pequeno
número de mãos; e se eles não pagavam a sua renda (5/6 da colheita),
podiam ser tornados escravos, eles, suas mulheres e seus filhos; pois todos
os empréstimos tinham as pessoas por caução, até Sólon, que foi o primeiro
chefe do partido popular [...] O povo [...] não possuía nenhum direito [...] e o
povo revoltou-se então, contra os nobres. Depois de violenta e demorada
luta, os dois partidos concordaram em eleger Sólon como árbitro e arconte;
conferindo-lhe o encargo de estabelecer uma constituição [...]
[...] Sólon libertou o povo [...] pela proibição de emprestar tomando as
pessoas como caução... aboliu as dívidas tanto privadas como públicas
(ARISTÓTELES apud FREITAS, 1977, p. 67). A Constituição de Atenas).

Podemos perceber, da leitura do texto acima, a forma como a nobreza


impunha e mantinha seu poder e domínio social. A referência ao regime oligárquico,
constituído por representantes da nobreza, demonstra a atuação do regime político
em favor dos interesses dos nobres e em detrimento dos interesses do povo. A
escravidão por dívidas, situação que dificilmente era revertida, gerou comoção social
e desencadeou um processo ininterrupto de estabelecimento de leis e garantias em
favor do povo, ou multidão conforme aparece no texto.

No contexto desse processo de mudanças e dos desdobramentos da atuação


dos legisladores atenienses, foram criadas instituições que ampliaram a participação
da população nas decisões políticas, tal como o Conselho dos Quatrocentos ou
Bulé, com representantes das quatro tribos em que estava dividida a Ática e a
Eclésia, assembleia popular que aprovava as medidas propostas pela Bulé - ambos
resultantes da atuação de Sólon. Clístenes aprofundou o processo de reformas
dividindo a Ática em 10 tribos, o que resultou na diminuição do poder dos eupátridas
ou nobres, aumentou a participação na Bulé para Quinhentos membros e a Eclésia,
assembleia popular que chegou a reunir seis mil cidadãos das diferentes classes

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sociais e teve seus poderes decisórios ampliados fiscalizando a atuação das demais
instituições políticas e votando as propostas da Bulé. A implantação de tais reformas
mudou radicalmente a vida política e a sociedade de Atenas criando condições para
o desenvolvimento de uma experiência notável de governo.

Vejamos como Péricles, governante ateniense, descreve os mecanismos de


funcionamento e as qualidades da democracia ateniense:

Temos um sistema político [...] que se chama democracia, pois se trata de


um regime concebido, não para uma minoria, mas para as massas. Em
virtude das leis [...] todas as pessoas são cidadãos iguais. Por outro lado, é
conforme a consideração de que goza em tal ou tal domínio que cada um é
preferido na gestão dos nossos negócios públicos, menos por causa da sua
classe social do que pelo seu mérito. E nada importa a pobreza: se alguém
pode prestar serviço à Cidade, não é disso impedido pela obscuridade da
sua categoria. È como homens livres que administramos o Estado [...]
Obedecemos aos magistrados sucessivos, às leis e, sobretudo, às que
foram instituídas para socorro dos oprimidos [...].
Para tudo dizer numa só palavra: a nossa Cidade, no seu conjunto, é a
escola da Grécia (PÉRICLES apud FREITAS, 1977, p.68).

O período de governo de Péricles, de 461 a 429 a.C., ficou conhecido como a


Idade de Ouro de Atenas e seu testemunho permite perceber o papel atribuído às
leis no estabelecimento do sistema político e na vida social da cidade. A leitura do
texto possibilita observar a valorização das leis e dos magistrados, quer no tocante à
incorporação das massas ao processo político quer como proteção em socorro dos
oprimidos. Importante ressaltar que a visão manifestada por Péricles a respeito da
contribuição das leis para o aprimoramento do convívio social e político é
representativa do pensamento grego no período, assim como a defesa das
qualidades do regime democrático estabelecido em Atenas. Ainda que saibamos
que nem todos eram considerados cidadãos, situação em que estavam incluídas as
mulheres, os estrangeiros e os escravos, há de se reconhecer a magnitude da
experiência política e social ocorrida em Atenas propiciada pela criação de

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instituições e mecanismos de participação e decisão que incorporaram os cidadãos
na prática da política.

Vejamos como contraponto, algumas observações de Aristóteles a respeito


dos sistemas de governo:

Há, segundo me parece, duas categorias notáveis de repúblicas [...]; a


oligarquia, a qual compreende a aristocracia, [...] e a democracia [...] dentro
destas duas classes se formam todas as espécies de república, mas é
melhor não admitir como bem constituída senão uma só, ou, quando muito,
duas espécies; as outras aparecem como desvios da boa harmonia ou do
bom governo: as oligarquias, por excesso de intensidade e de despotismo;
as democracias, por excesso de relaxamento, próximo da dissolução
(ARISTÓTELES, 1997, p. 64-65).

Alerta o filósofo que, embora a oligarquia e a democracia constituam duas


formas notáveis de repúblicas, ou seja, duas formas de governo por ele
consideradas próprias ou puras de exercício de poder havia o risco de desvios.
Quanto à oligarquia, afirmava ele, os excessos ocasionariam o despotismo e, com
relação à democracia, o risco seria a dissolução caso não se garantisse que o
grande número de participantes das decisões atuasse com vistas aos fins próprios
da política, o bem e a justiça.
Concluindo, a política é uma atividade transformadora do real, da história. O
exercício da política possibilita criar as condições para a concretização da mudança
social, quer ocorra na dimensão da práxis ou prática individual quer ocorra no nível
institucional que decorre da atuação do Estado e seu agente, o governo. Os temas
discutidos nesta aula permitem perceber o papel que a política desempenha como
possibilidade de transformação social.

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Aula 09_ A influência da obra de Aristóteles no pensamento político ocidental

Esta aula tem como objetivo apresentar uma síntese das principais ideias de
Aristóteles sobre a vida e a prática política que, embora tenham sofrido
modificações, permaneceram como fundamentos de doutrinas e práticas políticas
que atravessaram o tempo e, ainda hoje, constituem elementos de referência nas
reflexões sobre as questões pertinentes à política e à cidadania. Recorremos à obra
Introdução à História da Filosofia, de Marilena Chauí, retirando dela a síntese da
contribuição do autor.
A obra Política, de autoria de Aristóteles, cuja leitura recomendamos,
constitui um verdadeiro tratado sobre a política e o governo na Cidade, no caso a
Cidade – Estado grego. Seus estudos sobre os regimes políticos e seus
fundamentos constituem uma das mais notáveis e reconhecidas contribuições do
filósofo. Podemos afirmar que as ideias ou princípios defendidos por Aristóteles em
Política representaram elementos de interlocução que desafiaram pensadores
ocidentais da Idade Média, dos tempos modernos e que, ainda hoje, permanecem
como instigantes nas reflexões sobre a práxis política.

Apontamos aqui alguns princípios da vida e da prática política definidos por


Aristóteles que, conforme Chauí, permanecem como postulados de referência no
pensamento político do ocidente:
1ª O homem, animal naturalmente político.

Esta é uma premissa básica do pensamento do autor e referência


fundamental na vida e práxis política. Segundo ele, o homem é um animal político
por natureza, ou seja, é da natureza humana buscar a vida em comunidade e,
portanto, a política não é por convenção, mas por natureza.

2ª As comunidades cronologicamente anteriores à Cidade

Os estudos de Aristóteles a respeito do papel desempenhado pela família e


pela aldeia ou vilarejo como comunidades cronologicamente anteriores e

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preparadoras para a convivência nas cidades persistiram como referências
históricas consagradas.

3ª A comunidade política

Afirmava o autor que a comunidade política, embora cronologicamente fosse


posterior à comunidade familiar e à comunidade de aldeia, precedia ambas do ponto
de vista lógico e ontológico por ser o fim (télos) para o qual as duas tenderiam
naturalmente.

4ª As constituições e os regimes políticos

Esta é outra notável contribuição do filósofo que perdura como referência


histórica. Segundo ele, as Cidades ou Estados se diferenciavam pelo tipo de
Constituição (politeia), isto é, pelo tipo de autoridade e de governo que adotavam. E,
considerando quem governava, estabeleceu a categorização de regimes políticos: a
realeza, o governo de um só, baseado na honra e na glória do governante; a
aristocracia, o governo de alguns, baseado na virtude ética dos governantes; o
regime constitucional ou popular o governo de todos, baseado na liberdade e na
igualdade de todos perante a lei. Salientamos que a obediência às leis da cidade era
premissa fundamental para Aristóteles assim como a consideração que o fim da vida
política deveria ser a vida justa e o bem comum dos cidadãos.

5ª Os cidadãos

Considerando que para o autor e para o pensamento da época, o


desenvolvimento pleno do cidadão, ou seja, a vida ética, só se realizava na
comunidade política, cabia a ela educar os cidadãos para o desenvolvimento das
virtudes individuais e coletivas, morais e intelectuais. Vale ressaltar aqui que a
condição da cidadania era restrita aos homens adultos livres nascidos no território
da Cidade. Mulheres, estrangeiros e escravos não partilhavam da condição cidadã.

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6ª As duas modalidades de justiça: partilha e participação

Segundo o pensamento aristotélico existiam dois tipos de bens: os que


podiam ser partilhados ou distribuídos (as riquezas) e os que eram indivisíveis e só
poderiam se dar na forma de participação, caso do poder (krátos). Aos cidadãos
cabia a participação no poder da Cidade, a justiça política, considerada a condição
de indivisibilidade do poder. Aos não cidadãos, que não participavam da vida política
da Cidade, eram aplicadas a justiça distributiva e a comutativa, procurando-se
garantir os direitos individuais e privados.

7ª A corrupção dos regimes e a Cidade justa ou perfeita

Conforme as ideias aristotélicas a justiça e o bem comum deveriam constituir


o fim da comunidade política e do governo da Cidade, premissa de grande aceitação
em todos os tempos. Quando o governo ou regime político perdiam esta perspectiva,
ocorria a corrupção ou degeneração. A realeza degeneraria na tirania (acúmulo de
poder pelos reis geraria revoltas populares e levaria à escolha de chefes que
governariam segundo interesses pessoais); a aristocracia, na oligarquia (a divisão
entre os aristocratas levaria à emergência dos demagogos, que procuravam angariar
o apoio popular para sua facção e, assim, tomar o poder) e o regime constitucional
ou popular na democracia.
Vale ressaltar que, para Aristóteles, a degeneração do regime popular em
democracia ocorria quando os dirigentes se tornavam demagogos e, procurando
conseguir o apoio do povo, tomavam posições que contrapunham os nobres ao
governo. No enfrentamento político, os representantes da nobreza também
recorriam ao povo, grupo mais numerosos, e faziam concessões pelas quais
conseguiam a ascensão ao governo. A crítica de Aristóteles apontava para a
consequência do processo, ou seja, a democracia resultava no governo dos pobres
conduzido pelos ricos.

8ª O regime misto

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Segundo Aristóteles, o regime misto reuniria elementos de oligarquia e
democracia visando realizar o justo meio entre os dois grupos opostos que dividiam
a Cidade, o dos ricos (pouco numeroso) e o dos pobres (maioria). O regime misto
propiciaria a existência efetiva da polis, com suas condições materiais e sociais, e
com suas divisões, criando forma de governo que concretizasse o ideal de justiça e
bem comum, fim da comunidade política. Conforme salienta Chauí: a políteia se
define, então, como regime de todos os homens livres (ricos e pobres), que buscam
verdadeiramente um bem comum, promovendo a integração e comunicação das
duas partes fundamentais.

9ª A cristianização da política aristotélica

Foi obra do pensamento cristão medieval que representou uma apropriação


das ideias dos clássicos sobre os fins da comunidade política, o convívio e o
governo da Cidade, vistos sob a ótica dos princípios e da doutrina cristã que
preconizava que “todo o poder vem do Alto”. A apropriação das ideias de Aristóteles
foi tão significativa que ele chegou a ser considerado O Filósofo da Igreja Católica
Romana.
Concluindo, esta aula apresentou uma síntese das ideias do filósofo
Aristóteles registrando sua notável contribuição para o pensamento político
ocidental. Acreditamos que você tenha reconhecido, entre os postulados
apresentados, princípios que ainda hoje regem, ou deveriam reger a vida e a prática
ou práxis política.

Consideramos que a discussão desses princípios pode constituir tema e


motivo para o desenvolvimento de práticas docentes de grande relevância social.
Importante destacar que esta aula encerrou a Unidade I, Os fundamentos do
pensamento político no mundo clássico, e constituirá subsídio importante para o
desenvolvimento da Unidade II, Os fundamentos do pensamento político moderno.

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Resumo - Unidade I

O que é importante realmente saber sobre a Teoria Política Clássica? O que não
pode ser esquecido pelo estudioso da Teoria Política no momento em que ele lê um
texto político desta época? Vamos a alguns tópicos que facilitarão a sedimentação
do seu aprendizado:

 O termo política é muito amplo e com inúmeros sentidos. Os diferentes

significados ou acepções do termo Política e o sentido de Teoria Política Clássica


serão tratados em seus variados aspectos.
 A constituição da pólis ou urbes, ou seja, a formação das cidades antigas são dois

dos fundamentos dos processos sociais e políticos que caracterizaram o nascimento


do saber político.
 A República de Platão. A questão da justiça ou do que seria um governo justo,

principal tema de A República, é possível afirmarmos que Platão defende que


somente a uma classe deveria caber o governo, a classe dos magistrados.
 A Política e os tipos de Poder. O poder político pertence à categoria do poder do

homem sobre outro homem e pode ser expresso de diferentes maneiras como na
relação entre governantes - governados, soberanos– súditos, Estado - cidadãos,
autoridade - obediência.
 O exercício da política possibilita criar as condições para a concretização da

mudança social, quer ocorra na dimensão da práxis ou prática individual quer ocorra
no nível institucional que decorre da atuação do Estado e seu agente, o governo.

Estes pontos são uma síntese do que vimos na unidade I sobre o pensamento
político na Antiguidade. Na próxima unidade vamos acompanhar o pensamento em
outro importante período: A Idade Média.

Referencias Bibliográficas

ARISTÓTELES. Política. Trad. Mário da G. Kury. - 3ª ed. – Brasília: Editora


Universidade de Brasília, 1997.

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BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Trad Carmen Varnalle...(et al...). 7ª ed.,
Brasília, DF, Editora UNB, 1995.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia - dos pré-socráticos a
Aristóteles. 2 ed.. São Paulo: 2002.
COULANGES, Fustel. A cidade antiga – estudo sobre o culto, o direito e as
instituições da Grécia e de Roma. 3ª d. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1929.
FERREIRA, A. B. de. F. Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. São Paulo,
Nova Fronteira, 1986.
FREITAS, Gustavo. 900 textos e documentos de História. Coimbra: Atlântida
Editora/ Plátano Editora, 1977.

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Aula 10_Os fundamentos das doutrinas filosófico-políticas da Alta Idade Média

O objetivo desta aula é discutir a influência do cristianismo no domínio das


doutrinas políticas, na Europa Ocidental, no início da Idade Média e, para tanto,
abordaremos alguns aspectos da obra de um dos principais teólogos do período,
Santo Agostinho.
Conforme discutimos nas aulas anteriores quando abordamos o mundo
clássico, principalmente quando enfocamos a obra de Aristóteles, Política, e de
legisladores e reformadores atenienses, vimos que as preocupações com a vida e o
convívio nas cidades, ou seja, com as questões relacionadas ao urbano e ao civil,
ocuparam grande parte do tempo e das preocupações dos homens e inspiraram
lutas sociais que envolveram a comunidade e resultaram em conquistas efetivas
para as classes sociais que estavam alijadas da posse da terra e de quaisquer
direitos sociais.
Todavia, no período histórico subsequente à Idade Média (aproximadamente
entre os séculos V ao XV), profundamente marcada, no mundo ocidental, pela
influência das ideias cristãs que se firmaram com a decadência do império romano,
as lutas pelo poder envolveram dois lados. De um lado, os descendentes dos
antigos reis romanos e os governantes dos reinos bárbaros e, de outro lado, os
representantes do cristianismo que constituíram, no período, a hierarquia da igreja
católica. Configurou-se, portanto, o confronto entre o poder temporal e o poder
espiritual, alijado o homem comum dessas disputas.
Conforme nos ensina a história, as invasões dos diferentes grupos bárbaros
e sua fixação em muitas regiões que antes integravam o império romano, resultaram
no processo de ruralização, ou seja, a população passou a viver, em sua maioria no
campo e nos feudos que se caracterizaram como unidades isoladas e
autossuficientes tanto na economia quanto na vida política e social. Nesta sociedade
marcada, portanto, pelo isolamento e pela dispersão constitui-se o poder da Igreja
Católica e do Alto Clero sobre a vida dos indivíduos. Prevaleceram os dogmas da
Igreja e o legado greco-romano pouco a pouco se restringiu, ficando as obras do
mundo clássico enclausuradas nos mosteiros e conventos. Muitos autores eram

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proibidos porque suas ideias, de alguma forma, representavam contestação aos
dogmas que imperavam.
A princípio os cristãos não se interessaram pelo poder temporal. Segundo a
doutrina, o reino de Jesus Cristo não era deste mundo. Todavia, à medida que as
ideias atingiram maior número de seguidores inclusive os imperadores, iniciaram-se
os embates que foram mais acirrados no Ocidente. No território que compreendia o
Império Romano do Oriente o Estado manteve seu poder e coesão por mais tempo.
A coexistência e os enfrentamentos entre os dois poderes, o temporal e o
espiritual na Europa Ocidental, marcaram o período e a obra dos primeiros
pensadores cristãos, entre eles Santo Agostinho que viveu de 354 a 430 d.C. e
contribuiu para a constituição da filosofia patrística, obra dos primeiros padres da
Igreja. Uma das obras de Santo Agostinho é A Cidade de Deus, datada de 413 a
426, de onde retiramos um excerto que permite observar o tipo de argumentação
que faz uso o filósofo, na fase inicial da Idade Média:

Dois amores construíram duas cidades: o amor de si levado até o desprezo


de deus edificou a cidade terrestre, civitas terrena, o amor de Deus levado
até o desprezo de si próprio ergueu a cidade celeste; uma rende glória a si,
a outra ao senhor; uma busca uma glória vinda dos homens; para a outra,
Deus, testemunha da consciência é a maior glória. (SANTO AGOSTINHO,
apud ARANHA, 1996, p. 70).

A leitura do excerto permite perceber a contraposição entre os mundos


temporal e espiritual representados por Santo Agostinho como cidades opostas,
sendo a primazia da cidade celeste justificada com elementos da doutrina cristã.
Este tipo de argumentação está associado à fase inicial de justificativa do
cristianismo, marcada pelo elogio dos fundamentos da Igreja e pela dimensão que a
fé assumia como única via de acesso à verdade e à felicidade; no dizer de Santo
Agostinho, pela “filosofia cristã”. O principal fundamento da “filosofia cristã” é o
conceito de beatitude encontrado, conforme o autor, nas Sagradas Escrituras
assentado na intuição e na fé. A discussão sobre a felicidade, conforme pudemos
observar do texto lido deve orientar o pensar filosófico sobre a condição humana.
Santo Agostinho desenvolveu também estudos sobre o papel dos sentidos na
construção do conhecimento enfocando a memória e a reminiscência, temas

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tratados por ele em Confissões (ano 400), constituindo os fundamentos da Teoria da
Reminiscência que alcançou repercussão na educação.
o Agostinho viveu no princípio da Idade Média, no período conhecido como a
Alta Idade Média, contribuindo com seus escritos para o fortalecimento do
cristianismo e para a afirmação do poder espiritual sobre o temporal, situação que se
firmou como principal característica do período medieval na Europa Ocidental.

Os primeiros teólogos ou pensadores cristãos, destacando-se entre eles


Santo Agostinho, atuaram no sentido de justificar, pelas Sagradas Escrituras e pela
fé, o que seria o domínio da Igreja e o que deveria mobilizar os homens, ou seja, a
beatitude. A vida na cidade deveria, portanto, constituir vivência dos preceitos das
Sagradas Escrituras e constituir um caminho para se chegar a Deus. A obediência
aos preceitos e aos dogmas religiosos era a forma de se alcançar a felicidade
terrena.

Durante a Idade Média, por influência do cristianismo, perderam força os


princípios defendidos pelos autores clássicos como norteadores do convívio social,
situado no plano da vida terrena e, em contrapartida, assumiram relevância os
fundamentos religiosos, a obediência aos preceitos e dogmas das Sagradas
Escrituras como modelos que deveriam inspirar os homens e suas ações. Como
veremos em nossa próxima aula, esta tendência irá se aprofundar alcançando
predomínio social no período.

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Aula 11_O pensamento de São Tomás de Aquino

A proposta da aula é dar continuidade ao estudo das doutrinas políticas na


Idade Média Ocidental enfocando as ideias do filósofo, teólogo e professor São
Tomas de Aquino. Importante destacar que recorremos à coleção Os Pensadores,
volume intitulado Santo Tomás de Aquino, como uma das fontes utilizadas para a
elaboração da aula.
Iniciaremos enfocando a vida e o período histórico em que viveu e escreveu
São Tomas de Aquino. Ele nasceu no ano de 1225, no castelo de Rocca-secca,
próximo de Aquino, região das Duas Sicílias, e faleceu no ano de 1274, em
Fossanova, território da atual Itália. Iniciou seus estudos na Abadia de Montecassino
complementando sua formação em outras regiões da Europa como Roma, onde
entrou para a Ordem dos dominicanos, posteriormente estudou teologia em Colônia,
situada na Alemanha. Lecionou na Universidade de Paris e também em
universidade italiana. Sua mais importante obra foi a Suma Teológica, onde expôs
os dogmas cristãos. Para o autor existiam duas fontes de conhecimento: a fé cristã,
transmitida pela Escritura, pelos pais e pela tradição da Igreja e as verdades
adquiridas pela razão humana (a valorização da razão aproxima seu pensamento ao
de Platão e Aristóteles).
A vida de Tomás de Aquino foi marcada por estudos e reflexões propiciadas
pelo momento cultural em que vivia a Europa, fase de estabelecimento das
universidades e de retomada de estudos dos clássicos. Ainda sobre o período em
que viveu São Tomás de Aquino, a Baixa Idade Média, é importante salientar que
continuavam os embates entre aqueles que defendiam a supremacia da autoridade
eclesiástica, ou seja, o predomínio do poder espiritual, e os defensores da
autoridade laica. Todavia, após muitos confrontos ocorridos na fase anterior, formou-
se um terceiro grupo, o dos defensores da independência recíproca entre os dois
poderes considerando-os, ambos, como emanações da vontade divina. Esta terceira
posição ganhou força com as mudanças ocorridas a partir do século XII, dentre elas,
o florescimento comercial entre Ocidente e Oriente que resultou no ressurgimento ou
fortalecimento das comunas ou cidades, na afirmação da burguesia como classe
social que se colocou à frente do processo e que pretendia o governo de suas

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comunas ou cidades, e também no movimento cultural que ficou conhecido como
renascimento. Do renascimento resultou, em primeiro momento, uma retomada das
discussões e autores clássicos salientando-se, entre eles, a obra de Aristóteles e, na
sequência, entre os séculos XVI e XVII, o movimento que se convencionou chamar
de renascimento científico. A conjuntura acima descrita, iniciada no século XII e que
se prolongou aproximadamente até o século XVII, gerou muitas mudanças na
sociedade europeia, inclusive no pensamento e nas doutrinas políticas.
Dentre as obras de São Tomás de Aquino destaca-se a Suma Teológica, na
qual ele concede lugar à política e aos assuntos sociais dialogando com a obra
Política, o estudo clássico de Aristóteles. Segundo os estudiosos da obra de Aquino
é importante salientar que o pensador procurou, a partir de seus estudos e reflexões
e considerando as discussões da época, realizar uma síntese do pensamento cristão
com a leitura e o diálogo que estabeleceu com a obra de Aristóteles, atividade
conhecida como síntese tomista, que pretendeu conciliar filosofia e teologia, razão e
fé.
Nessa tarefa, no tocante à política, conforme salienta MOSCA (1968), Aquino
enfrentou dificuldades para trabalhar a afirmativa atribuída a São Paulo, um dos
patriarcas da Igreja, Omnis potesta a Deo que, segundo os defensores do poder
laico, quando interpretada literalmente, justifica a obediência ao poder temporal, ao
governo qualquer que seja ele. Em Suma Teológica, o autor afirma que Deus quis
que houvesse governo, cuja escolha é decisão dos homens e diferencia o tirano a
titulo, aquele que usurpa o poder, do tirano ab exército, soberano cuja origem é
legítima, mas que, a posteriori, abusa de seu poder. Segundo Aquino, o tirano a
título pode legitimar sua atuação se governar em benefício dos súditos e, em outra
condição afirma, que quando a tirania se torna insuportável, justifica-se a rebelião.
Ainda tratando da atividade política, Santo Tomás distingue três tipos de leis
que dirigem a comunidade ao bem comum. O primeiro é constituído pela lei natural
(conservação da vida, geração dos filhos, desejo da verdade); o segundo inclui as
leis humanas ou positivas, estabelecidas pelo homem com base na lei natural e
dirigidas à utilidade comum; finalmente, a lei divina guiaria o homem à consecução
de seu fim sobrenatural (aperfeiçoamento de sua natureza), enquanto alma imortal.

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É importante salientar que as ideias e a obra de São Tomás de Aquino que
tratam das relações entre o poder espiritual e o poder temporal revelam a procura de
equilíbrio entre as tendências conflitantes da época. O Estado (poder temporal) é
concebido, por ele, como instituição natural, cuja finalidade consistiria em assegurar
o bem comum.
Por outro lado, a Igreja seria uma instituição dotada fundamentalmente de
fins sobrenaturais. Assim, o Estado não precisaria se subordinar à Igreja como se
ela fosse um Estado superior. A subordinação do Estado à Igreja deveria limitar-se
aos vínculos entre a ordem natural e a ordem sobrenatural, na medida em que esta
aperfeiçoaria a primeira.
A síntese tomista permitiu que se fortalecesse a escolástica, doutrina da
Igreja que marcou profundamente o final da Idade Média, tanto pela repercussão
que alcançou nas universidades quanto pelos efeitos que produziu no interior da
própria igreja católica, abrindo discussões que contrapunham os integrantes de
ordens religiosas e fundamentaram a contestação dos dogmas religiosos.

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Aula 12_A Europa na transição da Idade Média para a Idade Moderna

A proposta da aula é enfocar o contexto de transição da Idade Média para a


Idade Moderna, as transformações econômicas e políticas que levaram à formação
e fortalecimento das comunas, que marcaram a origem de muitas cidades
modernas, caracterizadas pela emergência de formas de poder local que passaram
a contracenar com o poder e a influência da Igreja Católica Romana.
O período que se estendeu do século XII ao XV, conforme já começamos a
discutir, correspondeu a uma fase de grandes mudanças na vida da Europa
Ocidental, a maioria delas decorrentes do florescimento do comércio entre Ocidente
e Oriente. O dinamismo do processo comercial atingiu profundamente a ordem
feudal contribuindo para que se rompesse a situação de isolamento que caracterizou
a vida dos feudos na Europa Ocidental.
À medida que as atividades comerciais e manufatureiras se expandiram
foram se formando os burgos, locais onde os burgueses concentravam as
transações comerciais. Com o tempo, os burgueses, comerciantes que possuíam
dinheiro, adquiriram a liberdade para as terras que ocupavam tornando-as territórios
independentes do poder dos senhores feudais e locais de atração para todo aquele
que queria ser livre. Constituíram-se assim as comunas que desenvolveram
governos próprios liderados por chefes, que exerceram o governo em nome do
grupo.
Da reunião dos mestres artesãos surgiram as corporações e federações de
ofícios ou artes e, à medida que se fortaleceram muitas delas constituíram também
comunas que contavam com o apoio da nobreza da região. As comunas alcançaram
notável poder na região de Flandres (Holanda atual), na região que corresponde
hoje à Alemanha e, principalmente, no norte da Itália atual, sobressaindo aí Gênova
e Veneza, prósperos centros comerciais e de redistribuição de mercadorias para a
parte ocidental da Europa.
Foram precisamente nessas comunas, muitas delas denominadas repúblicas
como foi o caso de Gênova e Veneza, prósperas cidades do norte da península
itálica que, no decorrer do século XVI, travaram-se embates entre o poder temporal

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que estava nas mãos dos grandes comerciantes, e o poder espiritual, representado
pelos bispos e pelo poder papal, este último já plenamente constituído.
Se você assistiu ao filme Giordano Bruno (1973), cujo tema foi a vida do
filósofo egresso da Igreja e formado nos quadros da escolástica, lembrará não
somente do percurso intelectual e de formação e vida de Giordano como também da
próspera Veneza e do conflito que nela se instaurou durante o processo que
envolveu o pensador. Certamente se lembrará da forma como os comerciantes,
representados pelo governo local, enfrentaram o poder e os desígnios da Igreja e de
seus representantes procurando manter a autonomia e a liberdade nas decisões.
Todavia, como mostra o desenlace do filme, após muitas discussões prevaleceram
ainda as decisões vinculadas ao poder espiritual, à alta hierarquia da Igreja Católica.
Mas o contexto favorável à manutenção do poderio da Igreja mudou, em curto
espaço de tempo, com a ascensão dos governantes das cidades que procuravam
afirmar seu poder e estender os territórios sob seu domínio.
Retomando o que já estudamos na aula anterior, iremos nos lembrar de que
São Tomás de Aquino nasceu no decorrer do século XIII, na península itálica,
vivenciando o início do processo de mudanças que culminou com a emergência das
prósperas repúblicas italianas. Suas preocupações e reflexões tinham a ver com o
contexto vivido que direcionou sua obra e o diálogo com os escritos de Aristóteles,
dentre eles com Política. Vimos que o filósofo defendia um equilíbrio nas relações
entre o Estado, representante do poder temporal, considerado por ele como uma
instituição natural voltada para a construção do bem comum, e a Igreja, principal
instância do poder espiritual, dotada fundamentalmente de fins sobrenaturais.
Reconhecendo a natureza e níveis de atuação diferenciados para o Estado e a
Igreja, Aristóteles acenou com a perspectiva da não subordinação do Estado à
Igreja. Superando a visão conflitante que predominava na época e inovando no
entendimento do processo histórico que estava em curso, a afirmação do poder dos
governantes das cidades que se firmou como um fenômeno que acarretaria
profundas mudanças na convivência entre os poderes.

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Vejamos como Kristeller analisa a influência de A Política, de Aristóteles, na
obra Suma Teológica, de São Tomás de Aquino e o que o autor destacou como foco
das preocupações de São Tomás:

Discutindo a Política, em sua Suma Teológica e em seu tratado inacabado


Do governo dos príncipes, Santo Tomás naturalmente procurou adaptar as
ideias de Aristóteles sobre o direito e a sociedade civil às condições que
prevaleciam, em uma sociedade basicamente feudal e monárquica, no
Norte da Europa. Mas era óbvio, em especial para teóricos do quilate de
Marsílio de Pádua, que as preocupações de Tomás de Aquino se
aproximavam mais dos problemas das pequenas cidades Estado
republicanas, como as do Norte da Itália. Por isso, embora as universidades
italianas nada tivessem feito pela redescoberta das obras de Aristóteles,
não surpreenderá que sua moral e política não tardasse a exercer forte
influência sobre o pensamento político peninsular (KRISTELLER, apud
SKINNER, 2006, p. 72).

A leitura do trecho aponta para a influência de Política, de Aristóteles, no


pensamento de São Tomás de Aquino na adaptação que o pensador fez das ideias
aristotélicas, principalmente aquelas pertinentes ao direito e à sociedade civil, para o
contexto histórico vivenciado pelas cidades italianas na época. E, conforme nos
alerta Kristeller citando Marcílio de Pádua, a situação das repúblicas do norte da
Itália parecia concentrar as atenções de São Tomás.
Lembramos que Gênova e Veneza, repúblicas localizadas ao norte da
península itálica, firmavam-se como líderes no comércio de produtos orientais na
Europa e, nelas, o grupo de comerciantes assumiu a liderança política elegendo
seus representantes como governo da cidade. Sinal de novos tempos que
colocavam o desafio de repensar a convivência entre os poderes espiritual e
temporal.
A obra de São Tomás de Aquino foi profundamente marcada pelo momento
histórico em que o autor viveu, ou seja, a fase de transição do mundo feudal para os
tempos modernos. Retomando a herança do pensamento clássico, focado em
Aristóteles, ele procurou conciliar razão e fé, filosofia e teologia e, abordando as
relações entre o poder espiritual e temporal, propôs uma alternativa nova, o

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equilíbrio entre os poderes. Para alguns estudiosos do período, as ideias de São
Tomás a respeito da convivência entre os poderes atendiam à finalidade de conciliar
as posições conflitantes da época, mas conforme ressaltam outros, elas
possibilitaram assentar os fundamentos do que se configurou como o Estado
Moderno. Esse será o foco de nossas próximas aulas.

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Aula 13_Nicolau Maquiavel, tempo e obra

A proposta da aula é situar historicamente a vida e a obra do escritor italiano


Nicolau Maquiavel, autor de O Príncipe.
Certamente você já ouviu os termos maquiavelismo e maquiavélico e,
conforme suas leituras e interpretações, o sentido que guarda deles, assim como o
faz grande parte das pessoas, é pejorativo. É provável que essas palavras também
o façam lembrar-se de uma frase, Os fins justificam os meios associada à obra de
Maquiavel remetendo, muitas vezes para a atuação e as ações de políticos. E,
também nesse caso, paira um significado que não registra boas impressões.
Pois bem, iniciaremos agora o estudo do autor cujo nome e obra deram
origem a tantas discussões procurando ultrapassar os sentidos que marcam o senso
comum. Nicolau Maquiavel, no italiano Niccoló Machiavelli, cuja obra mais
conhecida é O Príncipe, nasceu em Florença no ano de 1469, filho de uma família
tradicional de Toscana adepta do partido guelfo ou pontificial. Vários membros de
sua família, inclusive seu pai, um jurisconsulto, exerceram cargos públicos;
Maquiavel seguiu a tradição ocupando o cargo de chanceler e secretário no governo
da república de Florença por aproximadamente catorze anos, período em que foi
encarregado de várias missões no exterior. A política era para ele, portanto, um
aprendizado que se originou na vida familiar e que, pela experiência pessoal, se
ampliou direcionando a elaboração da obra que lhe deu grande prestígio. Prestou
serviços para as mais poderosas famílias de Florença em sua época, os Bórgia e os
Médicis rivais na política.

Conforme já salientamos foi em Florença, uma das mais prósperas repúblicas


do norte da península itálica, que o autor viveu e teve a oportunidade de refletir
sobre os conflitos que marcaram a época, os enfrentamentos entre o poder espiritual
acometido por disputas internas que envolveram as maiores famílias na luta pelo
papado destacando-se dentre elas os Bórgia, e os governantes representantes do
poder laico, temporal, oriundos da poderosa burguesia da região.
Dentre as missões que lhe deram notoriedade está a que desempenhou junto
a César Bórgia, em 1502, representando Florença junto ao poderoso duque. Foi

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nessa época e também pela aproximação com o duque Valentino e a legação à
Romanha, que se consolidou seu pensamento e seu destino de escritor político. No
período, além das atribuições do ofício, estudou história e poesia e atuou na
organização política e militar de Florença propondo, inclusive a constituição de uma
milícia nacional para substituir as tropas mercenárias.
Esta aproximação com os Bórgia definiu o que lhe aconteceu nos anos
imediatamente subsequentes e nos rumos que sua vida tomou. Com a reintegração
dos Médici, representantes dos banqueiros e ricos comerciantes, Maquiavel foi
afastado do cargo e, logo depois, exilado da república de Florença. Poucos anos
após, em 1513, foi preso acusado de conspirar contra o cardeal Giovanni de Médici.
Anistiado, com a ascensão do papa Leão X, permaneceu ainda exilado por um ano.
Foi no exílio que escreveu O Príncipe, Os discursos sobre a primeira década de Tito
Lívio, Os Sete Livros sobre a arte da guerra, as Comédias e a Vida de Castruccio
Castracani.
Conforme você leu acima, a atuação de Maquiavel junto a César Bórgia,
chefe político conhecido pela violência contra seus adversários na luta pela criação
de um novo estado na região central da península itálica, constituiu fundamentos
para sua teoria política a respeito do perfil e da forma como deveriam agir os
governantes para alcançarem o poder, nele se manterem e garantirem a
prosperidade nos territórios dominados. Agora leia e reflita sobre o que aparece na
Dedicatória de O Príncipe:

Niccoló Machiavelli
Ao Magnífico Lorenzo,
Filho de Piero de Médici

Ás mais das vezes, costumam aqueles que desejam granjear as graças de


um Príncipe, trazer-lhe os objetos que lhes são caros, ou com os quais os veem de
leitar-se [...] Desejando eu oferecer a Vossa Magnificência um testemunho qualquer
de minha obrigação, não achei, entre os meus cabedais, coisa que me seja mais
cara ou que tanto estime, quanto o conhecimento das ações dos grandes homens
apreendido por uma longa experiência das coisas modernas e uma contínua lição

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das antigas; as quais, tendo eu, com grande diligência, longamente cogitado,
examinando – as, agora mando a Vossa Magnificência, reduzidas a um pequeno
volume [...] Não ornei esta obra e nem a enchi de períodos sonoros ou de palavras e
floreios ou de qualquer outra lisonja ou ornamento extrínseco [...] porque não quis
que coisa alguma seja seu ornato e a faça agradável senão a variedade da matéria
e a gravidade da obra [...] (MACHIAVELLI, s/d.).

Você observou para quem Maquiavel dedicou O Príncipe? Como tinham se


desenvolvido as relações dos Médici com Maquiavel? Podemos perceber o sentido
da dedicatória? Quais características Maquiavel atribuiu a obra O Príncipe?
A obra O Príncipe, reuni informações e conselhos para os governantes
empenhados no estabelecimento e consolidação do poder nos territórios sob sua
dominação. Além de constituir um guia de ação política que alcançou notável
repercussão, é um registro da situação de lutas que ocorreram na península itálica,
no final do século XV e início do XVI, processo que resultou na fragmentação do
território e na emergência de fortes lideranças locais, ou seja, os representantes do
poder temporal que, paulatinamente, se firmaram na Europa Ocidental. Para um
destes príncipes, Lorenzo de Médici, foi dedicado a obra considerada um marco que
revolucionou as ideias sobre a política e instaurou as bases do pensamento político
moderno.

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Aula 14_ A organização política na península itálica no século XVI

A proposta da aula é dar continuidade às discussões sobre a principal obra de


Maquiavel, O Príncipe, enfocando o processo de reorganização política que ocorreu
na península itálica nos séculos XV e XVI e que resultou na formação dos
principados liderados pelos representantes da burguesia oriundos de famílias de
ricos comerciantes e banqueiros que, por vezes, controlavam também o poder
espiritual elegendo bispos e papas. Esse processo foi alvo das reflexões de
Maquiavel que percebeu seus desdobramentos.
Vejamos agora o que registrou o autor no Capítulo I de O Príncipe a respeito
dos principados:

Todos os Estados, todos os domínios que têm havido e que há sobre os


homens, foram e são repúblicas ou principados. Os principados ou são
hereditários, cujo senhor é príncipe pelo sangue, por longo tempo, ou são
novos. Os novos são totalmente novos como Milão com Francesco Sforza,
ou são como membros acrescentados a um Estado que um príncipe adquire
por herança, como o reino de Nápoles ao rei da Espa-nha. Estes domínios
assim adquiridos são, ou acostumados à sujeição a um príncipe, ou são
livres, e são adquiridos com tropas de outrem ou próprias, pela fortuna ou
pelo mérito (MACHIAVELLI, s/d p. 33).

A leitura acima aponta para o entendimento de Maquiavel a respeito da


formação dos Estados e das formas de governo neles estabelecidas, a república ou
o principado. Salienta o autor que alguns principados eram de origem antiga e o
poder transmitido por hereditariedade; outros, como Milão, era de constituição
recente. Destaca também que alguns principados, denominado por ele de livres,
foram constituídos pela ação de tropas, pela fortuna ou mérito do governante. Outra
possibilidade de formação dos principados, conforme o observado pelo autor, era
pela doação real de terra.
Conforme vimos na aula anterior, a atuação de Maquiavel exigiu e
possibilitou que ele percorresse não só a península itálica, mas também as regiões
vizinhas, e pudesse perceber a forma como foi superada a fragmentação do poder
político que caracterizou a Idade Média Ocidental sob o feudalismo, ou seja, o

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processo de formação dos reinos e principados. Em muitas regiões da Europa
Ocidental, desde o século XIII, ganhou força um movimento de restauração do poder
monárquico com o estabelecimento de reinos e principados sob a liderança de
famílias da nobreza tradicional.
O território da península itálica foi palco de lutas para a constituição de
reinos, inclusive com o estabelecimento de dominação estrangeira na região e, na
formação de muitos principados, destacaram-se os condotieri, lideranças locais que
à frente de milícias mercenárias estabeleceram o poder em suas regiões. As lutas e
a fragmentação do território da península itálica, inclusive com o estabelecimento de
domínios liderados por nobreza estrangeira, preocuparam Maquiavel e constituíram
motivação de seus estudos e escritos.
César Bórgia, segundo os estudiosos a fonte de inspiração de Maquiavel a
respeito das características que deveriam compor o perfil do príncipe, lançou mão
dos exércitos papais com o fim de estabelecer um principado no centro da península
e não poupou aqueles que o abandonaram ou que o traíram em seu
empreendimento.
No norte da península, região de muitos confrontos, dominaram os
comerciantes e banqueiros, isto é, os burgueses, cujo poder se consolidou na Idade
Moderna e, no centro onde se estabeleceu a sede da Igreja e do papado, a situação
adquiriu outro contorno e foi alvo de sucessivos acordos entre o poder temporal e o
espiritual que procurou manter para si a Romanha.
As lutas políticas que ocorreram na península itálica, principalmente as que
marcaram o panorama de final do século XV e décadas iniciais do século XVI,
período em que viveu e produziu Maquiavel, constituíram preocupações para os
estudos do autor e motivação de seus escritos. É neste contexto que devemos
entender as observações do autor e, conforme veremos na aula seguinte, os
atributos que ele aponta como desejáveis para o líder político, o príncipe, que tem
como objetivo final impor-se no quadro de lutas, estabelecer e manter o domínio das
regiões e populações sob seu governo.

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Aula 15_As diferentes formas de acesso ao poder e as qualidades do príncipe
de Maquiavel

A proposta da aula é discutir, enfocando a obra de Maquiavel, a diferenciação


que o autor aponta nas vias de acesso ao poder e, ainda conforme sua obra, as
qualidades que formam o perfil do príncipe destacando –se, nesse sentido, o
conceito de virtú. Para a continuidade das discussões a respeito de O Príncipe,
selecionamos alguns excertos para discussão:

Excerto 1
DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM COM ARMAS E
VIRTUDES DE OUTREM (Capítulo VII)
Aqueles que somente por fortuna se tornam príncipes, pouco trabalho têm
para isso, é claro, mas se mantém muito penosamente. Não têm nenhuma
dificuldade em alcançar o posto, porque para aí voam; surge, porém, toda
sorte de dificuldades depois da chegada. É quando o estado foi concedido
aos que estão na dependência exclusiva da vontade e boa fortuna de quem
lhes concedeu o Estado, isto é, de duas coisas extremamente volúveis e
instáveis.

Excerto 2
DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM PELAS ARMAS E
NOBREMENTE (Capitulo VI)
Nos principados novos, governados por príncipes novos, na luta pela
conservação da posse, as dificuldades estão na razão direta da capacidade
de quem os conquistou. E porque o fato de levar-se alguém a príncipe
pressupõe valor ou boa sorte, evidentemente qualquer destas razões tem a
propriedade de mitigar muitas dificuldades.

A leitura comparativa dos dois excertos permite contextualizar as duas


formas de acesso ao poder nos principados; como primeira possibilidade e conforme
o Excerto I, a de acesso por hereditariedade, decorrente das doações da nobreza
proprietária de terras que as controlava e garantia a posse, o que na maior parte das
vezes, como frisou Maquiavel, deixava o príncipe na dependência de duas coisas
muito instáveis, à boa fortuna ou sorte e a vontade do outro.

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Como segunda possibilidade, o que aparece no Excerto 2, Maquiavel
pressupõe que valor e boa sorte constituíram capacidades e atributos pessoais que
garantiram aos novos governantes a conquista do principado.
A atuação e conquistas do príncipe, segundo Maquiavel, guardavam relação
com suas qualidades pessoais. Isso nos permite discutir o conceito de virtú
empregado pelo autor, relacionado à origem da palavra, Vir (homem) e Vis (força).

A virtú atribuída pelo autor como grande qualidade do príncipe, significa


potência, poder, ou vontade de poder. À virtú se complementava ou englobava
também a ideia da fortuna (sorte) e a da occasione (oportunidade) que deveriam ser
percebidas e aproveitadas pelo príncipe. Estes conceitos, incorporados na ideia da
virtú, representariam qualidades que, segundo o autor, eram imprescindíveis para o
sucesso da ação e da atuação política de um governante e constituiriam, portanto, o
que poderíamos hoje considerar como elementos de perfil do príncipe de Maquiavel.

Vejamos, no Excerto 3, o que o autor denomina de Principado Civil, situando


a forma de acesso do governante ao poder e a divisão social existente nas cidades,
uma divisão de classes que têm interesses antagônicos e inconciliáveis, na visão de
Maquiavel, e que constitui o quadro de atuação do príncipe. Leia o excerto e reflita
sobre ele:

Excerto 3
DO PRINCIPADO CIVIL (CAPÍTULO IX)
Mas analisando outro caso, quando um cidadão, não por sua crueldade ou
outra qualquer intolerável violência, e sim pelo favor dos concidadãos se
torna príncipe de sua pátria – o que se pode chamar de principado civil (e
para chegar a isto não é necessário grandes méritos nem muita sorte, mas
antes uma astúcia feliz). Digo que se chega a esse principado ou pelo favor
do povo ou pelo favor dos poderosos. É que em todas as cidades se
encontram estas duas tendências diversas e isto nasce do fato de que o
povo não deseja ser governado nem oprimido pelos grandes e estes
desejam governar e oprimir o povo.

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Como você pode perceber da leitura do excerto acima, Maquiavel aponta
outra forma de acesso ao poder, ou seja, aquela que configura o que ele denomina
de Principado Civil que dependeria da “astúcia feliz” do governante e do apoio que
ele conseguisse mobilizar entre os cidadãos. O autor salienta que o favor do povo ou
dos poderosos, grupos sociais que tinham interesses divergentes, e a seu ver
inconciliável, era a via de acesso ao poder. Ressalta, assim, perspectivas diferentes
para a atuação política do príncipe no governo da cidade.
Você sabe que o reconhecimento da divisão social existente na sociedade
e a forma como o autor abordou os interesses dos diferentes grupos, povos e
poderes,, vendo-os como antagônicos e inconciliáveis, permitiram que muitos
teóricos afirmassem que a sua obra foi direcionada. Além disso, houve a crítica de
que teve como alvo preferencial, o grupo social que sofreu os efeitos da dominação
da nobreza, do papado e dos príncipes? Pois é, esta posição contraria a visão
dominante que considera O Príncipe como um tratado para governantes que
privilegiam a dominação de seus povos e adversários.

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Aula 16_ O Príncipe e o exercício do poder.

A proposta da aula é continuar a discussão sobre O Príncipe enfocando o


exercício do poder e o relacionamento com os súditos.
Iniciaremos apresentando um excerto que apresenta algumas das ideias
defendidas por Maquiavel que mais motivaram e que continuam motivando
discussões a respeito da atuação do governante:

DOS QUE ALCANÇARAM O PRINCIPADO PELO CRIME Capítulo VIII


É de notar-se, aqui, que, ao apoderar-se dum Estado, o conquistador deve
determinar as injúrias que precisa levar a efeito, e executá-las todas de uma
vez, para não ter que renová-las dia a dia. Deste modo, poderá incutir
confiança nos homens e conquistar-lhes o apoio beneficiando-os [...] As
injúrias devem ser feitas de todas de uma vez, a fim de que, tomando-se-lhe
menos o gosto, ofendam menos. E os benefícios devem ser realizados
pouco a pouco, para que sejam melhor saboreados.

A leitura do trecho acima possibilita conhecer um pouco mais do pensamento


de Maquiavel e o sentido de sua obra; preocupou-se ele em apontar formas de
atuação que garantissem ao governante manter o domínio sobre os súditos. Assim
sendo, propôs ao príncipe que tomasse as medidas impopulares de uma só vez
porque o desgaste seria menor. De outra forma, as ações que pudessem
representar benefícios para os súditos e resultar em aumento de prestígio do
príncipe deveriam ser tomadas aos poucos.
Estes ensinamentos alcançaram repercussão na história do pensamento
político, inicialmente criticados, mas, no decorrer do tempo e da história, eles
serviram de fundamentos à atuação de muitos políticos. Você pode perceber a
permanência desses pressupostos de atuação na práxis política recente? E quanto à
origem de alguns daqueles sentidos pejorativos atribuídos à obra de Maquiavel?
Para finalizar nosso estudo sobre O Príncipe, citaremos um trecho bastante
conhecido que apresenta a combinação de qualidades ou capacidades que o
governante deveria combinar e a forma como ele deveria se comportar quanto aos
compromissos assumidos, ou seja, a palavra dada:

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DE QUE FORMA OS PRÍNCIPES DEVEM GUARDAR A FÉ DA PALAVRA
DADA – CAPÍTULO XVIII

Quanto seja louvável a um príncipe manter a fé e viver com integridade, não


com astúcia, todos o compreendem; contudo, observa-se, pela experiência,
em nossos tempos, que houve príncipes que fizeram grandes coisas, mas
em pouca conta tiveram a palavra dada, e souberam, pela astúcia,
transformar a cabeça dos homens, superando, enfim, os que foram leais.
Devem saber, portanto, que existem duas formas de se combater: uma,
pelas leis, outra, pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos
animais. Como, porém, muitas vezes, a primeira não seja suficiente, é
preciso recorrer à segunda. Ao príncipe torna-se necessário, porém, saber
empregar convenientemente o animal e o homem. Isto foi ensinado à
socapa aos príncipes, pelos antigos escritores, que relatam o que
aconteceu com Aquiles e outros príncipes antigos, entregues aos cuidados
do centauro Quiron, que os educou. É que isso (ter um preceptor metade
animal e metade homem) significa que o príncipe sabe empregar uma e
outra natureza. E uma sem a outra é a origem da instabilidade. Sendo,
portanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta. Deve
dela tirar as qualidades da raposa e do leão, pois este não tem defesa
alguma contra os laços, e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser
raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos... Por isso,
um príncipe não deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne
prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir.. Se
os homens todos fossem bons, este preceito seria mau. Mas, dão que são
pérfidos e que não a observariam a teu, também não és obrigado a cumpri-
las para com eles.

Como percebemos da leitura do excerto acima, Maquiavel considerava que a


lealdade e a integridade eram qualidades louváveis no governante, mas ressaltava
que a astúcia tinha permitido a muitos o sucesso político e grandes realizações.
Saber combinar a lei e o emprego da força, qualidades do perfil de homem e de
animal, garantiria o poder ao príncipe. E quanto à manutenção da palavra dada, ao
cumprimento dos compromissos assumidos, o fundamental a ser considerado é que
revertesse em proveito do poder do príncipe. Importante destacar que, para
Maquiavel, entre ser respeitado e temido, ao príncipe interessaria mais impor o
temor entre os súditos.

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Você acredita que os ensinamentos de Maquiavel ao príncipe, no século XVI,
esgotaram a validade na época? Ou remetem para a atuação de políticos nos
séculos subsequentes? Será que ainda hoje existem seguidores das ideias
preconizadas por ele? Saiba que O Príncipe foi e continua sendo leitura de
cabeceira de muitos governantes que estabelecem o diálogo com a obra e fazem
anotações em edições pessoais, muitas delas foram publicadas e merecem ser
lidas.
A obra O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, considerada estudo inaugural da
política e do Estado moderno, ocupa papel central na história do pensamento
político ocidental. O autor tratou a política como atividade de natureza própria,
diferenciada e independente de conceitos relacionados à moral e à ética, o que deve
ser levado em conta ao lermos sua obra. A seleção dos excertos trabalhados
objetivou propiciar a cada aluno o entendimento e a interpretação autônoma de O
Príncipe, assim como lançar as temáticas abordadas para sua reflexão.

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Aula 17_ A Utopia – Tomás Morus

A proposta da aula é abordar a obra de Tomás Morus, A Utopia, entendendo-


a no contexto da Inglaterra do século XVI e também como um escrito
contemporâneo à principal obra de Maquiavel, O Príncipe.

Depois de Maquiavel, Tomás Morus foi o escritor político de maior destaque


no século XVI. Enquanto Maquiavel escreveu O Príncipe, inspirado e direcionado
pela atuação da próspera burguesia italiana e pelo processo de fortalecimento do
poder temporal, Tomás Morus notabilizou-se pela autoria da obra A Utopia, palavra
de origem grega que significava “em lugar nenhum” ou “não lugar”, abordando uma
sociedade utópica que representava um contraponto à sociedade inglesa da época.
As repercussões dos estudos de ambos foram bastante grandes. Exemplo disso é
que, a partir de seus escritos, foram cunhados termos como maquiavélico ou
maquiavelismo e utopia ou utópico. Vamos procurar entender, na aula de hoje,
porque a obra de Morus atingiu tanta repercussão.
Tomás Morus nasceu em Londres, em 1472, de família provavelmente
oriunda de Veneza. Seu pai, juiz do Conselho do Rei, pertencia à pequena nobreza.
Estudou em Oxford onde adquiriu formação clássica e é considerado um dos mais
notáveis humanistas da Europa. Participou da Câmara dos Comuns e, no governo
de Henrique VIII, ocupou altos postos no Estado. Em 1529 foi elevado ao cargo de
Eminente Chanceler do Rei, o que não o livrou de anos mais tarde, precisamente em
1535, ser punido por defender teses contrárias aos interesses do monarca inglês no
conflito com o papado. Morus foi o precursor, na época moderna, do gênero literário
caracterizado pelos projetos de sociedades ideais.
Na primeira parte de A Utopia, Tomás Morus descreveu as condições de vida
da sociedade inglesa do século XVI, marcadas pelo efeito das guerras civis que
atingiram a Inglaterra, mas, principalmente, pelo processo conhecido como
cercamento de terras realizado pelos nobres visando aumentar os pastos para a
criação de ovelhas, o que reverteria na ampliação da produção de lã. O cercamento
expulsou a população trabalhadora dos campos e criou um exército de miseráveis
nas cidades. Esta conjuntura, certamente, influenciou o autor. A segunda parte do

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livro narra a vida na ilha de Utopia, descoberta por certo capitão Rafael Hitlodeo que
teria seguido o caminho de Vespúcio.

Vejamos alguns trechos da segunda parte de A Utopia:

A ilha da Utopia contém 54 cidades vastas e magníficas. A linguagem, os


costumes, as instituições e as leis são em todas elas perfeitamente
idênticas [...] Um mínimo de 20000 passos de terreno é concedido para
cada cidade para o cultivo e subsistência [...] Os habitantes consideram-se
como uma espécie de rendeiros, e não como proprietários do solo [...] No
meio dos campos há casas...que servem a exércitos de trabalhadores que a
cidade envia periodicamente para o campo) num sistema de turnos) [...]
cada 30 famílias faz todos os anos a eleição de um magistrado chamado
sigrofante [...] Os sigrofantes [...] proclamam príncipe um dos quatro cidadão
s eleitos pelo povo [...] O principado é vitalício, a não ser que o príncipe as
pire a tirania (MORUS apud FREITAS, 1976 p.. 198).

Conforme situamos acima, o trecho reproduzido pertence à segunda parte da


obra e relata aspectos da vida na ilha de Utopia. Podemos observar que a situação
dos trabalhadores difere totalmente da que imperava na Inglaterra da época.
Importante salientar que, na ilha de Utopia, não havia propriedade privada da terra e
que os governantes eram eleitos pela população que poderia destituí-los dos cargos,
caso pretendessem exercer a tirania. Também aqui aparece o contraponto com as
instituições que imperavam na Inglaterra e com a centralização do poder nas mãos
dos reis.
Prosseguindo com a leitura de trecho da segunda parte de Utopia,
observemos o que aparece como a finalidade das instituições e o objetivo da vida
dos homens:
O fim das instituições sociais na Utopia é, antes de mais nada, o atender às
necessidades de consumo público e individual, depois deixar a cada um
tanto tempo quanto possível para se libertar da servidão do corpo, cultivar
livremente o espírito, desenvolver as suas faculdades pelo estudo das
ciências e das artes. É neste completo desenvolvimento que eles baseiam a
verdadeira felicidade [...] Eis o seu catecismo religioso: a alma é imortal;
Deus, que é bom, criou-a para ser feliz [...] Definem a virtude como a
maneira de viver consoante a natureza...O homem que segue os impulsos

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da natureza é o que obedece à voz da razão [...] Ora a razão inspira, antes
de mais nada, amor a todos os mortais e a adoração pela majestade divina
[...]

A leitura atenta permite afirmar que Morus inspirou-se nos ideais do


cristianismo primitivo, evangélico e ascético. Segundo alguns autores, há a defesa
de um socialismo religioso, conforme nos sugere o início da citação quando se
refere ao fim das instituições sociais que seria o atendimento das necessidades de
consumo público e individual.
A Utopia, obra de Tomás Morus, embora considere em sua primeira parte o
contexto histórico da Inglaterra no século XVI, encaminhou-se para a vertente de
construção de uma sociedade imaginária, ideal, utópica e, neste sentido, retomou a
tradição clássica inaugurada pela obra A República, de autoria de Platão; também
podemos aproximar Utopia com a Cidade de Deus, de Santo Agostinho, escrita no
início da Idade Média.

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Aula 18_ A utopia de Campanella – A Cidade do Sol

A proposta da aula é discutir a obra A Cidade do Sol, de autoria de Tommaso


Campanella, vista no contexto europeu do início da Idade Moderna.

Tommaso Campanella viveu no período de 1568 a 1639 que, conforme já


salientamos nas aulas anteriores, foi uma época de dificuldades para a grande
maioria da população europeia que, habitando nos campos, sofria a opressão dos
proprietários de terras atingidos pelo desenvolvimento do comércio e das cidades. A
situação opressiva contribuiu para a escrita das chamadas obras utópicas, dentre
elas A Utopia, de Morus, que já abordamos na aula anterior, e também A Cidade do
Sol, de autoria de Tommaso Campanella.
Em A Cidade do Sol, uma cidade feliz, governada por um sacerdote chamado
Metafísico, os homens viviam de forma muito diferente do que ocorria na sociedade
europeia. Vejamos alguns trechos da obra melhor entendê-la:

[...] Subitamente encontramos um numeroso grupo de homens e de


mulheres [...] que logo nos levaram à Cidade do Sol [...] (Nessa nação)
todos de acordo, determinaram começar uma vida filosófica, pondo todas as
coisas em comum [...] Dizem eles que toda a espécie de propriedade tem
origem e força na posse separada da e individual das casas, dos filhos e
das mulheres. Isso produz o amor próprio [...] Ao contrário, perdido o amor
próprio, fica sempre o amor da comunidade [...] Todos, sem distinção, são
educados juntos em todas as artes [...] Não tem o sórdido costume de
manter servos, bastando -lhes, sendo muitas vezes supérfluo, o trabalho
próprio [...] (CAMPANELLA apud FREITAS, 1996, p. 199).

Na continuidade do texto, Campanella aborda a forma como era o governo na


Cidade do Sol, fruto de discussões e eleição da assembleia de moradores. Como
podemos perceber existem vários pontos comuns com A Utopia, obra de Morus,
dentre eles a vida em contato com a natureza, a não existência da propriedade
privada, o trabalho visto como forma de garantir a sobrevivência, a crença na
bondade e no discernimento dos homens. Cumpre mencionar que as duas obras
foram inspiradas no legado de Platão.

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Campanella procurou, na segunda parte da obra, defendê-la dos críticos
salientando que A Cidade do Sol era obra de homens inspirados nas verdades do
Evangelho. Os príncipes, de outra forma, tinham outras inspirações. Veja como o
autor faz o contraponto entre os dois tipos de governo:

Apresentamos a nossa república, não como dada por Deus, mas como uma
descoberta filosófica da razão humana, para demonstrar que a verdade do
Evangelho é conforme a natureza.... Afirmo que essa república, como o
século de ouro, é desejada por todos e reclamada por Deus... Se não é
praticada, isso se deve à maldade dos príncipes, que submetem os povos a
si, e não ao império da razão suprema... (CAMPANELLA, apud FREITAS,
1976).

A leitura do trecho acima permite perceber o entendimento de Campanella a


respeito da construção da almejada sociedade ideal, fruto da razão humana
organizada seguindo a verdade do Evangelho. O autor deixa claro uma crítica ao
poder dos príncipes, que já estudamos em Maquiavel, os quais governavam
motivados por interesses terrenos, na maioria das vezes prevalecendo à imposição
do poder e dos desígnios pessoais.
Importante salientar que, por suas posições críticas ao poder dos
governantes e tendo se unido à população pobre da Calábria, Campanella foi
acusado de conspirador e condenado à prisão perpétua sob a acusação de heresia,
por sorte foi perdoado pelo papa e libertado.
Nas duas últimas aulas, quando tratamos de A Utopia e A Cidade do Sol,
abordamos dois autores que encontraram na criação de cidades ideais a forma de
se contrapor ao fortalecimento do poder temporal, do poder dos príncipes e de reis
que, todavia, consolidou-se nos séculos seguintes. O fortalecimento do poder real,
que atingiu o ápice no absolutismo monárquico, será tema de nossas próximas aulas
quando enfocaremos as teorias que serviram como justificativa para tal.

CIÊNCIAS SOCIAIS 65
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Aula 19_A Teoria do Direito Divino dos reis

A proposta da aula é discutir as ideias de Jean Bodin e Jacques Bossuet,


autores de teorias que justificaram o absolutismo monárquico. O primeiro foi um
jurista e professor de direito e o segundo foi um bispo católico.
Nas últimas aulas, cujo foco foi a obra de Maquiavel, discutimos o processo
de centralização de poder nas mãos dos governantes civis, os príncipes e os reis. A
aliança dos reis com a burguesia permitiu o aumento do poder e do prestígio dos
monarcas europeus e o estabelecimento do absolutismo, que atingiu o auge na
França, no século XVIII.
Afirma-se que nenhuma obra difere tanto de O Príncipe, escrito por
Maquiavel, do que os Seis Livros da República ou, abreviadamente, A República,
escrita por Jean Bodin, um jurista e professor de Direito de longos arrazoados,
marcados pela influência e moral religiosa cristã, e preocupado com o Bem do
Estado. Bodin viveu no século XVI, período em que a Igreja católica enfrentou forte
oposição e divisões decorrentes do avanço do protestantismo. Neste quadro
escreveu sua obra defendendo, vigorosamente, as ideias e a moral cristã. A
República foi publicada no ano de 1556, período crítico para a Igreja Católica.

Vejamos como o autor abre o primeiro capítulo da obra e apresenta os


pressupostos de sua argumentação:

República é um reto governo de muitos lares e do que lhes é comum, com


poder soberano. Apresentamos esta definição em primeiro lugar porque, em
todas as coisas, se deve procurar o fim principal e, em seguida, os meios de
alcançá-lo. Ora, a definição não é mais do que o fim do assunto que se
apresenta se não estiver bem alicerçada, tudo quanto sobre ela se construir
logo desabará.
O entendimento de Bodin a respeito de República, esclarecido na abertura da
obra, é o que nos foi dado pelas civilizações clássicas, ou seja, o de coisa pública, e
não o de forma de governo oposta à monarquia e ao império. Esta referência
constituiu um pressuposto da obra.

CIÊNCIAS SOCIAIS 66
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Devemos salientar que Bodin, ao abordar a questão da legitimidade do
governo da comunidade, considera que ele deveria ser um governo reto e bem
ordenado, o que remete também para a aproximação com o pensamento de Platão.
Vejamos como Jean Bodin situa o poder dos reis:

Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes


soberanos, e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para
governar os outros homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a
fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a obediência,
a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu
príncipe soberano despreza a deus, do qual é a imagem na terra (BODIN
apus CHEVALLIER, 1993, p. 61-62).

Conforme podemos depreender da leitura do excerto, Bodin justifica o poder


dos príncipes soberanos como sendo uma representação divina, cabendo a eles o
governo dos outros homens que lhes devem respeito, reverência e obediência.
Outro autor, frequentemente citado e estudado como defensor da teoria do
direito divino dos reis é o bispo de Meaux, Jacques – Benigne Bossuet, que viveu no
período de 1627 a 1704, fase posterior a da vida de Bodin e momento em que o
poder dos reis franceses praticamente estava consolidado.
Leremos um trecho da obra Política tirada da Sagrada Escritura, de Bossuet,
para conhecer os argumentos utilizados pelo autor:

Três razões fazem ver que este governo (o da monarquia hereditária) é o


melhor. A primeira é que é o mais natural e se perpetua por si próprio [...] A
segunda razão...é que esse governo é o que interessa mais na conservação
do Estado e dos poderes que o constituem: o príncipe, que trabalha para o
seu Estado, trabalha para os seus filhos, e o amor que tem pelo seu reino,
confundido com o que tem pela sua família, torna -se- lhe natural [...] A
terceira razão tira-se da dignidade das casas reais [...] A inveja, que se tem
naturalmente daqueles que estão acima de nós, torna-se aqui em amor e
respeito; os próprios grandes obedecem sem repugnância a uma família
que sempre viram como superior e à qual se não conhece outra que se
possa igualar [...] O trono real não é o trono de um homem, mas o trono do
próprio Deus [...] Os reis [...] são deuses e participam de alguma maneira da
independência divina [...] O rei vê de mais longe e de mais alto; deve

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DE SANTOSacreditar-se que ele vê melhor, e deve obedecer-lhe sem murmurar, pois o
murmúrio é uma disposição para a sedição (BOSSUET apud FREITAS,
1976: 201).

Como podemos perceber da leitura do excerto, o autor afirma que o direito do


rei é um direito natural e hereditário assentado na família, cuja reprodução garante a
continuidade do poder do grupo familiar à frente do Estado. Segundo Bossuet, o
amor que o rei sente pela família naturalmente abrangerá o amor pelo seu reino.
Como corolário da argumentação, o autor afirma que o trono do rei não é o trono de
um homem, mas sim o trono de Deus. Os reis são deuses, no dizer de Bossuet, que
veem de mais longe e de mais alto devendo ser reverenciados e obedecidos,
qualquer murmúrio ou objeção ao poder real é visto como sedição.

As ideias defendidas por Bossuet, assim como aquelas de autoria de Bodin,


constituem os argumentos que justificam o poder dos reis, denominados de
argumentos de autoridade, de convencimento, por serem emitidos por pessoas de
reconhecido prestígio. A forma como descreveram e justificaram o poder real não
abria nenhuma possibilidade para discussão do mesmo. Você percebeu elementos
de aproximação na forma como os dois autores justificaram o poder absoluto dos
reis? Reflita sobre eles.
A obra de Jean Bodin e a de Bossuet devem ser entendidas no contexto de
afirmação do poder dos reis sobre o restante da sociedade. Elas contribuíram para
legitimar uma forma de governo que alcançou seu ponto mais expressivo na França,
no século XVIII, com os soberanos Luiz XIV, que afirmou “L’Etat c’est moi”, (O
Estado sou eu), ou seja, ele se considerava a encarnação do Estado, pensamento
adotado também por seu sucessor, Luiz XIV que, todavia, não conseguiu manter
poder e prestígio. Luiz XIV viveu outro contexto, o de contestação das ideias
absolutistas e foi guilhotinado durante a Revolução Francesa.

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Aula 20_O Absolutismo Monárquico

A proposta da aula é discutir os fundamentos do absolutismo monárquico.


Na aula anterior apresentamos dois teóricos, Bodin e Bossuet, que se
notabilizaram pela defesa da teoria do direito divino como justificativa para
fundamentar o poder dos reis. Os dois eram franceses e foi nesse país, conforme
veremos, que o poder absolutista assumiu contornos mais nítidos.
A transição da Idade Média para os tempos modernos foi marcada, entre
outros fatores, pelo processo de concentração do poder político, inicialmente em
mãos de chefes locais conforme vimos com relação à península itálica e,
posteriormente e de forma mais ampla, o poder se concentrou em mãos dos reis que
se aliaram à burguesia, classe ascendente no período, com o objetivo de neutralizar
o poder antes concentrado pela nobreza.
Dessa aliança resultaram processos como a expansão marítimo comercial
dos países europeus ocidentais pelos Oceanos Atlântico, Índico e Pacífico e a
consequente exploração das regiões atingidas, quadro que caracterizou a fase
compreendida do século XV ao XVIII. Como decorrência do incremento das
atividades comerciais e manufatureiras ocorreu a acumulação primitiva de capitais, o
que permitiu o desenvolvimento da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra por
volta de 1750 e que, posteriormente, estendeu-se para a Bélgica, França e regiões
da Alemanha atual.
O enriquecimento da burguesia, classe que liderava o comércio e a produção
manufatureira, propiciou também o de seus aliados, os reis, que aumentaram seu
poder político e prestígio social. Foi na França, no decorrer do século XVIII, que o
absolutismo atingiu seu auge marcando a atuação do rei Luiz XIV. Selecionamos
trecho de um discurso para observarmos a forma como se posicionava Luiz XIV:

O Estado sou Eu

É somente na minha pessoa que reside o poder soberano... é somente de


mim que os meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a
plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome,
permanece sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim

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voltado; é unicamente a mim que pertence o poder legislativo, sem
dependência e sem partilha; é somente por minha autoridade que os
funcionários e os tribunais procedem, não à formação, mas ao registro, à
publicação, à execução da lei, e que lhes é permitido advertir-me o que é do
dever de todos os úteis conselheiros; toda a ordem pública emana de mim,
e os direitos e interesses da nação, de que se pretende ousar fazer um
corpo separado do Monarca, estão necessariamente unidos com os meus e
repousam inteiramente nas minhas mãos (apud FREITAS, 1976, p. 201).

A leitura do excerto do discurso proferido por Luiz XIV, extraído da Resposta


ao Parlamento de Paris, na sessão de 03 de março de 1766, deixa clara a
percepção que o rei tinha a respeito de seu poder e atribuições. Segundo ele, em
sua pessoa se originavam e se concentrava o poder soberano, a autoridade e os
poderes do Estado, inclusive o Legislativo, representado pelo Parlamento.
No Antigo Regime, o Parlamento assessorava o rei como tribunal e conselho
no tocante às discussões, publicações e execução de leis e despachos reais, Luiz
XIV deixou claro, em seu discurso, como percebia o papel por ele desempenhado e
também o que cabia ao Parlamento. Embora o Parlamento tivesse como
prerrogativa discutir os despachos e atos do rei podendo até mesmo adverti-lo, Luiz
XIV desafiou a assembleia e colocou-se, como podemos perceber da leitura, acima
dela declarando-se também, ele próprio, o poder legislativo. Os conselheiros
poderiam advertir-lhe, mas as decisões eram conforme os interesses e vontade de
Luiz XIV.
Pela postura demonstrada no texto vendo-se, ele próprio, como centro e
encarnação do poder, Luiz XIV ficou conhecido como o “Rei Sol”. A ele é atribuída a
frase: “O Estado sou Eu”, que representa a encarnação do poder na pessoa do
monarca. Esta ideia, também defendida por seu sucessor Luiz XV, representa o
auge do poder absoluto do rei.
É importante lembrar que, enquanto na França do século XVIII e
principalmente no período de governo de Luiz XIV, os monarcas concentravam em
suas mãos todo o poder, na Inglaterra, desde o século anterior, os reis haviam sido
destituídos de muitos de seus poderes pelo Parlamento, inclusive do poder
legislativo, fonte de constantes atritos entre soberano e Parlamento. Esse
movimento de afirmação do Parlamento sobre a autoridade real desencadeou as

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revoluções liberais inglesas que derrubaram os reis, muitos deles sendo executados
no processo, e instauraram as bases do convívio entre monarca e Parlamento no
Parlamentarismo inglês.

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Resumo - Unidade II

Vamos ver nesta unidade os fundamentos do pensamento político moderno,


ou seja, do período da formação do Estado moderno, suas instituições sociais e
suas teorias. Vamos a alguns tópicos que facilitarão a sedimentação do aprendizado
da unidade II:

 Os fundamentos das doutrinas filosófico-políticas da Alta Idade Média. Os principais


pensadores do período como São Tomás de Aquino, Nicolau Maquiavel, Tomás
Morus, etc.
 A Europa na transição da Idade Média para a Idade Moderna, isto é, o contexto de
formação do Estado Moderno. As transformações econômicas e políticas que
levaram à formação e fortalecimento das comunas caracterizadas pela emergência
de formas de poder local que passaram a contracenar com o poder e a influência da
Igreja Católica Romana.
 A constituição da pólis ou urbes, ou seja, a formação das cidades antigas são dois
dos fundamentos dos processos sociais e políticos que caracterizaram o nascimento
do saber político.
 O tempo e a obra de Nicolau Maquiavel. A obra O Príncipe, além de constituir um
guia de ação política que alcançou notável repercussão, é um registro da situação
de lutas que ocorreram na península itálica, no final do século XV e início do XVI,
processo que resultou na fragmentação do território e na emergência de fortes
lideranças locais.
 A Utopia de Thomas Morus. Embora considere em sua primeira parte o contexto
histórico da Inglaterra no século XVI, encaminhou-se para a vertente de construção
de uma sociedade imaginária, ideal, utópica e, neste sentido, retomou a tradição
clássica inaugurada pela obra A República, de autoria de Platão.

Estes pontos são uma síntese do que vimos na unidade II sobre o pensamento
políticna Idade Média e início da Idade Moderna. Na próxima unidade vamos
acompanhar o pensamento político no período moderno.

Referencias Bibliográficas

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ARANHA, Maria Lúcia A. Idade Média: a formação do homem de fé. In História da
Educação. - 2 ed - São Paulo: Ed. Moderna, 1996.

CHEVALLIER, Jean Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos


dias. – 6ª ed- Rio de Janeiro : Edit. Agir, 1993.

FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de História. Lisboa: Plátano


Editira, 1976, (Vol. II).

MACCHIAVELLI, N. O Príncipe. Trad. Lívio Xavier. Rio de Janeiro: Edições de


Ouro, s/d.

MOSCA, G; BOUTHOUL, G. História das Doutrinas Políticas. - 3 ed. - Rio de


Janeiro: Zahar, 1968.

SANTO AGOSTINHO. Os Grandes Pensadores. Trad. J. Oliveira Santos. São


Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.

SANTO TOMÁS DE AQUINO. Seleção de textos. In: Os pensadores. São Paulo:


Abril Cultural, 1973, Vol. VIII.

SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo:


Companhia das Letras, 2006.

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Aula 21_O Leviatã de Thomas Hobbes

A proposta da aula é iniciar a discussão da obra O Leviatã, de autoria de


Thomas Hobbes.
Nossas últimas aulas enfocaram o processo de centralização do poder
político que resultou na formação dos Estados Modernos e no Absolutismo
monárquico.
Como vimos a obra O Príncipe, de autoria de Maquiavel, enfocou o acesso ao
poder, a permanência e o fortalecimento dos governantes que lideravam os Estados
europeus que se formavam direcionando, a eles, sugestões ou propostas de
atuação com vista ao estabelecimento da dominação interna em seus territórios,
assim como a supremacia sobre os adversários e seus domínios. Seu objetivo maior
foi, portanto, o governo e a prosperidade dos domínios do príncipe.
Nas aulas subsequentes enfocamos as utopias de Morus e Campanella que
propuseram a criação de cidades ideais, pensadas como reação ao momento social
de pobreza que atingiu a população trabalhadora na Europa Ocidental e ao processo
de consolidação do poder nas mãos dos reis, que resultou no absolutismo
monárquico. Vimos também como Bodin e Bossuet contribuíram, com sua teorias a
respeito da origem divina do poder dos reis, para a consolidação do absolutismo na
França e, tomando trecho de discurso de Luiz XIV, procuramos compreender como
o “Rei Sol” defendeu o poder encarnado em sua pessoa.
Iniciamos, nesta aula, o estudo de Leviatã, ou A Matéria, a Forma e o Poder
de um Estado Eclesiástico e Civil, de autoria de Thomas Hobbes, obra que também
atingiu grande repercussão constituindo, ainda hoje, referência recorrente nos
estudos e análises políticas.
Se você consultar uma edição antiga de O Leviatã verá estampada na folha
de rosto uma imagem assim descrita por Chevallier:

[...] um meio corpo emergindo por detrás das colinas, dominando uma
paisagem de campos, bosques e castelos que precedem uma imponente
cidade – um gigante coroado. É moreno de bastos cabelos e bigode, com
um olhar fixo, penetrante, com um sorriso imperceptivelmente sarcástico
[...]. A parte visível de seu corpo, busto e braços, é feita de milhares de

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pequeninos indivíduos aglomerados. Com a mão direita empunha, erguendo
-a acima do campo e da cidade, uma espada; com a mão esquerda um
báculo episcopal. Abaixo, enquadrando o título da obra, defrontam-se duas
séries de emblemas em contraste, uns de ordem temporal e militar, os
outros de ordem espiritual ou eclesiástica: um forte, uma catedral; uma
coroa, uma mitra; um canhão, os raios de excomunhão; uma batalha com
cavalos empinados; um concílio com as vestes talares[...] (CHEVALLIER,
1993).

O que significaria a imagem? Como entendê-la? Vamos recorrer às palavras


de Hobbes, na Introdução do Leviatã, para compreender essa alegoria:

A arte do homem [...] pode fazer um animal artificial [...] Mais ainda, a arte
pode imitar o homem, obra prima racional da natureza. Pois é justamente
uma obra de arte esse grande Leviatã que se denomina coisa pública ou
Estado (Commonwealt), em latim Civitas, o qual não é mais do que um
homem artificial, embora de estatura muito mais elevada e de força muito
maior que a do homem natural, para cuja proteção e defesa foi imaginado
(HOBBES, apud CHEVALLIER, 1993, p. 66).

A leitura do excerto acrescida das informações sobre a imagem que abre a


edição da obra permite identificar o Leviatã com a idéia da coisa pública, do Estado,
simbolizado pelo gigante da figura. Este gigante, que aparece acima e dominando a
cidade é, conforme Hobbes, uma criação humana que representaria os milhares de
homens que o integram. O autor utiliza a referência da República inglesa
(Commomwealt) e da Civitas romana como instituições de caráter semelhante
produzidas pela arte e inteligência do homem. Salienta ainda que esta criação
artificial, o Estado, foi pensada para atuar em prol da defesa e proteção dos homens
assumindo proporções e força que sobrepujam as do homem natural. Pode-se
entender aqui uma referência ao leviatã, monstro bíblico descrito no Livro de Jô, do
qual se afirmou que não havia poder na terra que a ele pudesse se comparar.

Vejamos o que mais acrescenta Hobbes sobre o Leviatã:

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Nele, a soberania é uma alma artificial, pois que dá a vida e o movimento a
todo o corpo [...] A recompensa e o castigo[...] são os seus nervos. A
opulência e as riquezas de todos os particulares, a sua força. Salus populis,
a salvação do povo, é a sua função [...] A equidade e as leis são para ele a
razão e vontade artificiais. A concórdia é a sua saúde, a sedição sua
doença, e a guerra civil sua morte. Enfim, os pactos e os contratos, que, na
origem presidiram a constituição, agregação e união das partes desse corpo
político, assemelham-se ao Fiat ou façamos o homem, pronunciado por
deus na criação (HOBBES apud CHEVALLIER, 1993, p. 66).

A leitura do excerto possibilita entender as características que o Estado


deveria assumir destacando-se, entre elas, a soberania, o reconhecimento do poder
de mando, como aspecto determinante para o funcionamento da vida social, a
vigilância, a força e a riqueza que resultam da união de todos sob a tutela do Estado.
A promoção da igualdade e a observância das leis constituiriam, para Hobbes, a
função do Estado. Aponta ainda o autor que a concórdia é indício do bom
funcionamento do Estado, já a sedição, representada pela emergência de situação
de agitações, revoltas ou motins, denotaria seu mal funcionamento e a guerra civil,
sua morte, ou seja, a perda de sentido ou função do Estado. Para Hobbes, a ideia
de pacto, de contrato entre os homens, fundamentou a criação do Estado.
Thomas Hobbes nasceu na Inglaterra, estudou em Oxford e complementou
sua formação na França e na Itália. Podemos dizer que foi homem de seu tempo,
viveu intensamente a política e sobre ela refletiu produzindo obra que demonstra as
preocupações que marcaram o século XVII.

O que teria motivado Thomas Hobbes a escrever O Leviatã? Pense nisso


porque continuaremos discutindo a obra nas próximas aulas.

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Aula 22_O Leviatã de Thomas Hobbes II

A proposta da aula é continuar a discussão da obra Leviatã, de Thomas


Hobbes, situando-a no contexto vivido pela sociedade inglesa no século XVII.
Situaremos, historicamente, o conceito de pacto ou contrato social empregado pelo
autor.
Thomas Hobbes (1588 -1679), inglês, com formação em Oxford, viveu em
período marcado por intensas discussões que tinham por temas principais a realeza,
os direitos da consciência individual e as diferentes interpretações da Bíblia. O clima
agitado, na opinião de Hobbes, debilitava a Inglaterra, minava a autoridade pela
base e preparava a guerra civil (cf. Chevallier, 1993).
Foi em decorrência da situação política que, em 1640, Hobbes partiu para a
França vivendo em exílio voluntário por mais de dez anos. Na França e na Itália
compartilhou das discussões sobre ciências e política.
Escreveu De Corpore Político, ainda na Inglaterra, e De Cive (Do Cidadão),
na França, onde preparou o Leviatã, publicado em 1651.
Thomas Hobbes entendia o convívio social como situação de enfrentamento
entre os homens. Segundo ele, no estado da natureza os homens viviam em
constantes conflitos. Havia igualdade, mas igualdade manifesta na condição de que
todos eram inimigos e o estado de guerra permanente visava a preservação, embora
ocasionasse insegurança generalizada, medo e morte. Como os homens superaram
a situação de conflitos constantes?
Vejamos o que afirma o autor:

Todos os homens se igualam em suas paixões, isto é, no esforço de


satisfazer o desejo e de afastar o indesejável. Mesmo as eventuais
diferenças de força física ou de inteligência não devem ser levadas em
conta: o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por
secreta imaginação, quer aliando-se com os outros... (HOBBES, apud
WEFFORT, 1998, p. 60).

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Reconhece Hobbes que é da natureza do homem lutar por suas paixões e
aponta que, pela inteligência ou pela construção de alianças, o homem poderia
ampliar suas forças.
Na visão do autor, portanto, somente por interesse, por necessidade, os
homens procurariam o convívio com os outros homens. Considera ele que a
sociedade política é uma criação artificial, fruto de um pacto voluntário, que
pressupõe:
Que um homem concorde , quando outros também o façam, e na medida
em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo,
em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação
aos outros homens com a mesma liberdade que aos outros homens permite
em relação a si mesmo (HOBBES, apud WEFFORT, 1998, p. 60).

A leitura do excerto esclarece que, a concordância em renunciar ao direito


sobre todas as coisas em prol do convívio com os outros homens, é aspecto
fundamental para a constituição do pacto ou contrato social que daria origem à
sociedade política. Desse pacto resultaria a constituição de uma instância de poder
que substituiria e representaria a vontade de todos.
É importante esclarecermos que a ideia de pacto ou contrato não foi
inventada por Hobbes. Segundo Chevallier(1993), ela tivera origem na antiguidade e
era atribuída a Epicuro ou a pensadores anteriores a ele quando procuravam
explicar, de forma racional, a origem do Poder. O intuito, na época, era o de limitar o
Poder e fundar racionalmente o Poder dos súditos.
Durante a Idade Média, os teólogos da Igreja retomaram a ideia do contrato
estabelecendo dois tipos: o pactum unionis ou societatis, pelo qual os homens
isolados na natureza se constituiriam em sociedade e o pactum subjectionis ou de
submissão, pelo qual a sociedade constituída pelo pacto transferiria seus poderes,
sob certas condições, para um senhor, um soberano.
Foi no segundo tipo, o de pactum subjectionis ou de submissão, que Thomas
Hobbes inspirou-se ao escrever o Leviatã, retomando a ideia de que pelo pacto os
homens superariam o estado da natureza e renunciariam aos seus direitos naturais
transferindo o Poder para uma instância superior, cujo domínio se estenderia a toda
a sociedade.

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É importante lembramos o cenário político em que viveu Hobbes, uma
Inglaterra agitada por discussões religiosas e políticas e pelos enfrentamentos entre
os reis e o Parlamento, situação que levou à decapitação do rei Carlos I (1649) e à
Revolução
Gloriosa (1689) que estabeleceu a monarquia constitucional; a partir daí a
realeza ficou submetida ao Parlamento. Este contexto foi determinante para as
reflexões do autor sobre a questão do Poder e da sociedade política e serviu de
inspiração para seu Leviatã.
Foi dele a frase “homo homini lupus”, ou seja, o homem é o lobo do homem. A
partir desta perspectiva, hobessiana, portanto, o que restaria como possibilidade
para o convívio entre os homens, como se daria a vida social?

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Aula 23_O Leviatã de Thomas Hobbes III

A proposta da aula é dar continuidade ao estudo de Leviatã, de Thomas


Hobbes, enfocando o sentido de pacto ou contrato social como fundamento do
Estado Moderno.
Retomando o que estudamos na aula anterior vimos que, segundo Hobbes,
foi em prol da ideia da convivência em paz que o homem concordou em abrir mão
do direito sobre todas as coisas e de renunciar ao poder de decisão transferindo-o
para outra instância. Vejamos como o autor aborda esta questão:

Designar um homem ou uma assembleia de homens como representante


de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor
de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a
praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos
submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas
decisões a sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é
uma verdadeira unidade de todos eles numa só e mesma pessoa, realizada
por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é
como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito
de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de
homens, com a condição de transferires a eles teu direito, autorizando de
maneira semelhante todas as suas ações (HOBBES apud WEFFORT,
1998).

A leitura do excerto auxilia no entendimento do sentido do pacto defendido


por Hobbes e nas implicações dele decorrente. A ideia de pacto constitui um
pressuposto que possibilita justificar a transferência do poder de decisão do
indivíduo para outra instância, um homem ou uma assembleia de homens,
reconhecendo e autorizando todas as suas ações. Na medida em que os homens
estabelecem um pacto entre si e concordam em abrir mão do poder transferindo-o
para outra instância, representada por homem ou assembleia, estão reconhecendo a
soberania de suas decisões. É importante salientarmos que, segundo o pensamento
de Hobbes, o pacto foi realizado entre os homens; a instância que os representa e
que tem poderes soberanos não participou dele.

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Leia o que pensava Hobbes sobre a prerrogativa do uso da força pela
instância de poder que se colocava acima dos homens:
As leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, em
resumo, fazer aos outros os que queremos que nos façam) por si mesmas, na
ausência de temor de algum poder capaz de levá-las a serem respeitadas, são
contrárias a nossas paixões naturais,...E os pactos sem a espada não passam de
palavras, sem força para dar qualquer segurança para ninguém (HOBBES, apud
WEFFORT, 1998).
A leitura dos dois excertos acima auxilia -nos a entender um pouco mais
daquela imagem que, conforme vimos, aparecia nas primeiras edições
de Leviatã mostrando um gigante, cujo corpo era formado de milhares de homens, e
que trazia na mão direita uma espada empunhada acima do campo e da cidade.
Concluímos com uma citação de Hobbes e sua explicação sobre a origem e
característica do Estado Moderno:

Tal é a origem desse grande Leviatã, ou, melhor, desse deus mortal, a que
devemos, com o auxílio do Deus imortal, nossa paz e nossa proteção.
Porque, armado do direito de representar cada um dos membros do
Commonwealth (Civitas, Estado), é detentor, por isso mesmo, de tanto
poder e força que se torna capaz, graças ao terror que inspira, de dirigir as
vontades de todos à paz no interior e ao auxílio mútuo contra os inimigos do
exterior (HOBBES apud CHEVALLIER, 1993 p. 71).

Segundo Hobbes, a ideia de pacto social, de renúncia total a favor desse


homem artificial, que passa a concentrar todas as forças, todas as vontades e todos
os poderes de cada homem, transformando-os em uma só força, um só poder, que
são de um único corpo, o corpo político, isto é, o Estado, constituiu o principal
fundamento para o poder ilimitado do Estado,. O Leviatã foi muito criticado mas
permaneceu como uma obra de referência para o pensamento político ocidental.
Ressaltamos, mais uma vez, a importância do contexto histórico em que
viveu Hobbes para sua produção. O Leviatã justifica o Estado forte que, segundo as
ideias do autor, seria capaz de garantir a paz e a segurança da sociedade.

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Aula 24_John Locke – o individualismo liberal I

A proposta da aula é enfocar a obra de John Locke, conhecido como defensor do


individualismo liberal.

John Locke (1632 - 1704) foi opositor dos monarcas da dinastia Stuart vivendo, parte
de sua vida, exilado na Holanda. Só retornou à Inglaterra, sua terra natal, após a
Revolução Gloriosa de 1688 e o estabelecimento da monarquia parlamentar.
No ano de 1690, portanto após seu retorno à Inglaterra, escreveu suas mais
importantes obras: Dois Tratados sobre o Governo Civil e Ensaio acerca do
entendimento humano. Locke escreveu também Alguns Pensamentos Referentes à
Educação (1693) e Racionalidade do Cristianismo (1695). A situação de espoliação
a que estava submetida a classe trabalhadora nos diferentes países da Europa
Ocidental, sofrendo os desmandos dos reis e da nobreza, constituíram inspiração
para a escrita de suas obras marcada pela exaltação do individualismo.
John Locke, assim como Hobbes, partiu da ideia da ideia da precedência do estado
da natureza no desenvolvimento da sociedade salientando que, em tal fase, todos
os homens eram livres, iguais e independentes vivendo segundo os preceitos da
razão: cada um sendo livre para dispor de seu corpo, mas ninguém poderia abusar
da liberdade a ponto de prejudicar os outros. Como no estado da natureza estava
assegurada a preservação, a cobiça e a agressão justificariam a punição do
agressor, ou seja, daquele que afrontava os princípios da razão e da natureza.
Essas ideias, a de liberdade, de independência, dos direitos individuais e respeito às
regras do convívio baseado na razão são fundamentais no pensamento e na obra de
Locke. Assim, vejamos:

Para entender corretamente o poder político, e derivá-lo de seu original,


devemos considerar em que estado todos os homens naturalmente se
encontram, ou seja, um estado de perfeita liberdade para ordenar suas
ações, e dispor de seus bens, e de pessoas conforme julguem adequado,
dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou estar na
dependência da vontade de qualquer outro homem [...] Um estado também
de igualdade, onde todo o poder e toda a jurisdição sejam recíprocos,
nenhum tendo mais que o outro (LOCKE, apud STRATHERN, 1997, p. 61)

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Conforme podemos ler no excerto Locke, ao abordar o poder político, afirma
que ele deriva e tem como limite a lei da natureza. O exercício do poder político livre,
autônomo e considerado como direito de todos é pensado em relação de liberdade e
reciprocidade entre os homens; a liberdade de ações e decisões guarda relação
direta, portanto, com o direito do outro.
Complementemos agora, considerando o que afirmou Locke sobre o governo
civil:
O governo civil é o remédio adequado para as inconveniências do estado da
natureza, que certamente serão grandes, onde os homens possam ser
juízes de suas próprias causas, já que com facilidade se pode imaginar que
aquele que tenha sido tão injusto a ponto de prejudicar seu irmão
dificilmente será tão justo a ponto de se condenar por esse ato (LOCKE
apud STRATHERN, 1997, p. 62).

Conforme salienta o autor, o governo civil representa um aprimoramento em


relação ao estado da natureza. Salienta ele que, sendo os homens juízes de suas
próprias causas, pode - se entender que prevaleça a tendenciosidade e não a justiça
nas decisões.
A defesa da ideia de reciprocidade na relação entre os homens e também
entre governantes - governados aproxima o pensamento de Locke ao de Hobbes,
pressupõe o consentimento e a ideia de contrato social. Nesta aula abordamos
pontos de aproximação entre as ideias de Locke e as de Hobbes; ambos
pressupõem, respectivamente em Dois Tratados sobre o Governo Civil e no Leviatã,
que o pacto social representou a superação do convívio no estado da natureza, para
Locke justificando a existência do governo civil e, para Hobbes, a constituição do
Leviatã.

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Aula 25_John Locke – o individualismo liberal II

A proposta da aula é aprofundar a discussão da obra de John Locke,


enfocando o livro Dois Tratados sobre o Governo Civil.

Na aula passada apresentamos aspectos da obra de Locke salientando


pontos de aproximação com os escritos de Thomas Hobbes, notadamente quanto à
precedência de uma sociedade de natureza com relação à sociedade política,
quanto à forma como se pressupunha nela o convívio, ou seja, calcado nas leis
naturais e quanto ao fim da vida em comunidade, que era o bem estar social. A ideia
de igualdade e reciprocidade na relação entre os homens foi reconhecida por ambos
como base para a constituição do pacto social.
Hoje abordaremos temas que caracterizam a obra de Locke e o distinguem
como o filósofo da liberdade individual, do papel desempenhado socialmente pelo
poder legislativo e, sobretudo, pela forma como preconizou que o povo deveria agir
no caso de desrespeito aos seus interesses ou violação de suas prerrogativas.
Locke, em Dois Tratados sobre o Governo Civil, publicado no ano de 1690,
abordou a questão dos poderes sobre os quais se assentava o governo civil. É
fundamental lembrar que já havia ocorrido a Revolução Gloriosa (1688), na
Inglaterra. Ela constituiu um marco na história política do mundo ocidental porque
retirou dos reis e passou ao Parlamento a prerrogativa do governo. As ideias de
Locke e o papel que o autor confere ao Poder Legislativo advêm das condições
concretas que marcaram o início da monarquia parlamentar inglesa.
Vejamos o que pensava Locke sobre o Poder legislativo:

DA EXTENSÃO DO PODER LEGISLATIVO

Uma vez que o grande objetivo do ingresso dos homens em sociedade é a


fruição da propriedade em paz e segurança, e que o instrumento e o grande
meio disto são as leis estabelecidas nessa sociedade, a primeira lei positiva
e fundamental de todas as comunidades consiste em estabelecer o poder
legislativo enquanto primeira lei natural fundamental, que deve reger até
mesmo o poder legislativo. Ela é, em si mesma, a preservação da

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sociedade e - até o ponto em que seja compatível com o bem público – de
qualquer pessoa que faça parte dela. Esse poder legislativo não é somente
o poder supremo da comunidade, mas sagrado e inalterável nas mãos em
que a comunidade uma vez o tenha colocado; nem pode qualquer edito de
quem quer que seja, concebido por qualquer maneira ou apoiado por
qualquer poder que seja, ter a força e a obrigação de uma lei e não tiver
sanção do legislativo escolhido e nomeado pelo poder publico; porque, sem
isto, a lei não teria o que é absolutamente necessário à sua natureza de lei:
o consentimento da sociedade, sobre a qual ninguém tem o poder de fazer
leis senão pelo próprio consentimento daquela e pela autoridade dela
recebida (LOCKE,apud WE-FFORT, 1998, p. 100).

A leitura do excerto demonstra a valorização do Poder Legislativo que,


segundo o autor, na medida em que representa as leis que regulam o convívio
social, deve ser considerado como fundamental, constituindo poder supremo,
sagrado e inalterável quando investido pela comunidade. Segundo o autor, somente
a sociedade civil ou o seu consentimento podem motivar alterações legais. Percebe-
se também a valorização da sociedade civil no pensamento do autor, somente ela
confere autoridade à atuação do Legislativo.
Selecionamos mais um excerto de Dois Tratados sobre o Governo Civil, leia
com atenção o que defendeu Locke, no ano de 1690:

DA DISSOLUÇÃO DO GOVERNO

Sempre que os legisladores tentam tirar e destruir a propriedade do povo,


ou reduzi-lo á escravidão sob poder arbitrário, entram em estado de guerra
com ele, que fica assim absolvido de qualquer obediência mais,
abandonado ao refúgio comum que Deus provi-denciou para todos os
homens contra a força e a vio-ência. O que disse acima a respeito do
legislativo em geral também se aplica ao executor supremo. Que,
recebendo duplo encargo – ter parte no legislativo e exercer a suprema
execução da lei -, age contra um e outro quando se esforça por firmar a
própria vontade como lei da sociedade.. (LOCKE, apud WEFFORT, 1998, p.
108).

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Você percebeu a situação descrita e o que deixou claro John Locke? No caso
do legislador ou do executor das leis, portanto de elementos que integram o governo
civil, tentarem tirar ou destruir a propriedade do povo ou induzi-lo à escravidão
criando um estado que ele denominou de estado de guerra entre o povo e os
governantes, fica o povo absolvido ou, mais modernamente, desobrigado de
obedecê-los. Pois é, Locke prega, no século XVII, a desobediência civil.
E, encerrando nosso estudo sobre John Locke, leia o que ele afirmou a
respeito do poder de julgar a atuação do Legislativo ou o Executivo:
Nesse ponto é provável que formulem a pergunta comum: Quem julgará se o
príncipe ou o legislativo agem contrariamente ao encargo recebido?...
A isto respondo: O povo será o juiz; porque quem poderá julgar se o
depositário ou o deputado age bem e de acordo com o encargo a ele confiado senão
aquele que o nomeis, devendo, por tê-lo nomeado, ter ainda poder para afastá – lo
não agir conforme seu dever? Se isto for razoável no caso particular de homens
privados, por que seria de outra forma no de maior importância que afeta o bem
estar de milhões, e também quando o mal, se não for prevenido, é maior e a
reparação muito difícil, dispendiosa e arriscada? (LOCKE, apud WEFFORT, 1998, p.
110).
A quem caberia julgar ou decidir o destino dos governantes que agem
contrariamente aos interesses do povo? Segundo John Locke, ao povo!
John Locke é considerado um precursor do liberalismo. Em Dois Tratados
sobre o Governo Civil apresenta a ideia de um pacto entre governante - governados
e, no caso de rompimento do pacto pelo governante, segundo o autor cessa o
compromisso do povo para com ele. Contra os maus legisladores, aqueles que
agem contra os interesses do povo, John Locke defende a desobediência do povo.

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Aula 26_Montesquieu I

A proposta da aula é iniciar o estudo da obra de Montesquieu, Do Espírito das


Leis, situando o contexto de vida e produção do autor.

Charles Loms de Secondat, também conhecido como barão de Montesquieu,


viveu no período de 1689 a 1755, na França. Conhecido autor iluminista, destacou-
se pela oposição ao absolutismo dos Bourbons, na França, e por suas ideias a
respeito de sistemas políticos, governo e pela Teoria dos Três Poderes. Sua obra
mais importante foi Do Espírito das Leis, publicada em 1748.
O século XVIII, período de produção do autor, foi marcado pela forte
oposição ao poder dos reis absolutistas e por revoluções que representaram duro
golpe para seus representantes, como foi o caso da Revolução Francesa (1789 a
1799). Deve-se salientar a importância que as ideias iluministas desempenharam no
contexto, propondo a valorização do indivíduo, a liberdade de pensamento e o
predomínio da razão; no pensamento científico o iluminismo provocou verdadeira
revolução. O clima era de contestação, sobretudo na política.
Montesquieu e os iluministas franceses eram admiradores das ideias de
Locke e simpatizantes do movimento que limitou o poder dos reis ingleses
estabelecendo a monarquia parlamentar. A obra de Locke repercutiu intensamente
na França influenciando as reflexões de Montesquieu. Segundo Montesquieu, em O
Espírito das Leis, pode-se distinguir três espécies de governo, a saber: o
republicano, o monárquico e o despótico, interessando a ele discutir a natureza de
cada uma dessas espécies.
Vejamos o que afirmou Montesquieu sobre as espécies de governo:

Para descobrir lhes a natureza basta a ideia que deles têm os homens
menos instruídos. Suponho três definições, ou antes, três fatos: um, que o
governo republicano é aquele em que o povo em bloco, ou somente uma
parte do povo, detém o poder soberano; o monárquico, aquele em que um
só governa, mas por leis fixas e estabelecidas; ao passo que no despótico
um só, sem lei e sem regra arrasta tudo pela sua vontade e pelos seus

CIÊNCIAS SOCIAIS 87
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DE SANTOScaprichos [...] A liberdade política não se encontra senão nos governos
moderados [...] (MONTESQUIEU apud FREITAS, 1976, p. 24).

Conforme se pode depreender da leitura do excerto, a natureza das formas


de governo depende daqueles que detêm o poder e da forma como ele é exercido.
Considera o autor que o Governo Republicano é aquele em que o povo detém o
poder soberano; o monárquico caracteriza-se como o exercido por uma só pessoa
com base em leis fixas e estabelecidas; já o governo despótico não possui limites
para ação. Salienta Montesquieu que, somente nos governos moderados encontra-
se a liberdade política.
Quanto às limitações do poder, leia o que o autor aponta:

[...] Para que se não possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição
das coisas, o poder faça parar o poder. Uma constituição pode ser tal que
ninguém seja coagido a fazer aquilo a que a lei o não obriga, nem a não
fazer aquilo que a lei lhe permite [...] A liberdade do cidadão é essa
tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem da sua
segurança; e para que se tenha essa liberdade, é preciso que o governo
seja tal que o cidadão não possa temer um outro cidadão. (MONTESQUIEU
apud FREITAS, 1976).

A leitura do texto acima esclarece a posição de Montesquieu com relação à


necessidade de limitar o exercício do poder, criando formas de conter os abusos. A
ideia de pôr freio no poder não era nova, sendo que discussões a este respeito
ocorreram desde a Idade Média. Se considerarmos o momento histórico em que
viveu Montesquieu, auge do absolutismo monárquico na França, entenderemos o
imperativo que se colocava no sentido de restringir o poder dos reis.
Para Montesquieu, mais do que julgar os governos importou compreender a
natureza e o princípio de cada espécie de governo, bem como suas implicações.

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Aula 27_Montesquieu II

A proposta da aula é aprofundar a discussão da obra de Montesquieu O


Espírito das Leis, enfocando a Teoria dos Três Poderes.

Montesquieu, na obra O Espírito das Leis, publicada em 1748, abordou a


Teoria dos Três Poderes (também chamada de Tripartição dos Poderes do Estado
ou Teoria da Separação dos Poderes), tendo sido influenciado pelas ideias de John
Locke, o qual atribuiu ao poder Legislativo importância fundamental.
Montesquieu, ao estudar o funcionamento do poder do Estado, preocupou-se
em moderá-lo e para tanto propôs a divisão das funções do Estado em três poderes
independentes, mas que deveriam se relacionar harmonicamente: o Legislativo,
Executivo e o Judicial (ou Judiciário). Tal autor considerou, ainda, que cada poder
deveria ter funções e competências próprias, cabendo a um fazer as leis, ao outro,
executá-las, e ao outro julgar.
A proposta de divisão dos poderes do Estado de Montesquieu fundamentava-
se na ideia de que apenas o poder seria capaz de conter o poder, criando-se um
“Sistema de Freios e Contrapesos” justificando-se, portanto, a autonomia de cada
um dos poderes e a necessidade de serem compostos por diferentes grupos e
pessoas.
A citação abaixo demonstra a importância que o autor atribui à separação dos
poderes como forma de garantia de liberdade e, assim como Locke, ao poder
legislativo em razão de sua competência para elaboração das leis:

Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistratura, o poder


legislativo está unido ao poder executivo, não existe liberdade... E também
não existe liberdade se o poder de julgar (poder judicial) não estiver
separado do poder legislativo (poder de fazer as leis) e do poder executivo
(poder de executar, pôr em prática as leis. Deveria caber ao povo em corpo
(inteiro e em bloco) o poder legislativo. Mas isso é impossível nos grandes
Estados e sujeito a muitos inconvenientes nos pequenos, pelo que é preciso
que o povo faça por meio de representantes seus tudo aquilo que não pode,
fazer por si próprio (diretamente) (MONTESQUIEU, apud FREITAS, 1976,
p. 24).

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Montesquieu na obra ora comentada propõe que o poder Executivo deveria
ser exercido por um monarca enquanto que o legislativo dividir-se-ia em duas casas
separadas e independentes: uma câmara composta por representantes do povo
(corpo dos comuns) e outra formada por nobres (corpo dos nobres), tendo esta
última direito de veto sobre as decisões do corpo dos comuns.
O excerto abaixo sintetiza as ideias acima colocadas:

[...] Há sempre num Estado pessoas distintas pelo nascimento, a riqueza e


as honras; mas se fossem confundidas com o povo, e se não tivessem (na
escolha ou eleição daqueles representantes) mais do que um voto, como os
outros, a liberdade comum seria a sua escravidão [...] A parte que eles têm
na legislação deve, portanto, ser proporcional às outras vantagens que têm
no Estado: o que acontecerá se formarem um corpo (uma câmara, uma
assembleia) que tenha o direito de paralisar as iniciativas do povo, como o
povo tem o direito de paralisar as daquele corpo. Assim o poder legislativo
será confiado ao corpo dos nobres e ao corpo escolhido para representar o
povo [...] O poder executivo deve estar em mãos de um monarca [...] porque
esta parte do governo [...] é mais bem administrada por um do que por
muitos.(MONTESQUIEU, apud FREITAS, 1976, p. 25)..

Outrossim, percebe-se claramente da leitura do texto acima, que


Montesquieu prefere o regime monárquico defendendo para a nobreza um papel
diretivo e diferenciado no governo e na elaboração das leis partilhando ela, com os
representantes do povo, da tomada de decisões.
A Teoria dos Três Poderes, proposta por Montesquieu na obra O Espírito das
Leis, apresenta a separação dos poderes como forma de aperfeiçoar o
funcionamento do Estado, coibindo abusos, o que reverte em benefício da
sociedade.
Cumpre mencionar que as repercussões práticas da Teoria dos Três Poderes
estão presentes até os dias atuais, fundamentando a organização de grande parte
dos Estados contemporâneos.

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Aula 28_ Jean Jacques Rousseau I

A proposta da aula é iniciar a discussão sobre a contribuição de Rousseau,


conhecido como um autor de muitos escritos, sendo a maioria deles, obras
polêmicas que marcaram o pensamento político ocidental moderno e
contemporâneo.
Nascido em Genebra, na Suíça, no ano de 1712, Rousseau, era filho de pai
calvinista, com quem iniciou sua formação. Dirigiu-se para a França, trabalhando e
estudando naquele país. Lá entrou em contato com Diderot, autor enciclopedista
que, reconhecendo o talento de Rousseau, encomendou-lhe estudo para inclusão na
Enciclopédia. Durante toda sua vida foi conhecido como o Cidadão de Genebra.
As obras mais comentadas deste autor foram O Contrato Social e Discurso
sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens (datado de
1755).
Diferentemente de Hobbes, Rousseau defendia que o homem é naturalmente
bom, porém a socialização o corrompe. Segundo ele, no estado de natureza, os
indivíduos eram livres e viviam de forma igualitária, pacificamente, isolados em
florestas, até que houve o estabelecimento da propriedade privada e, em
decorrência dela, fundou-se a sociedade civil, estado em que predominou o conflito
social (semelhante ao estado de natureza descrito por Hobbes), conforme se pode
perceber do excerto abaixo:
Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os
Homens

O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou se de dizer: “Isto é


meu”, e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo foi o verdadeiro
fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, mortes, quantas
misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que,
arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seus
semelhantes: “Guardai vos de escutar este impostor; estais perdidos se
esquecerdes que os frutos são para todos, e que a terra é de ninguém!”
Mas existe um grande indício de que as coisas aí já tivessem chegado ao
ponto de não poderem mais continuar como estavam: pois esta ideia de
propriedade provindo de muitas ideias anteriores, que não puderam nascer

CIÊNCIAS SOCIAIS 91
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senão sucessivamente não se formou repentinamente no espírito humano:
foi preciso fazer progressos, adquirir muito engenho e luzes, transmiti los e
aumentá- los de geração para geração, até chegar ao último limite do
estado de natureza (ROUSSEAU, 1954, p. 97).

O excerto acima é um dos mais conhecidos de Rousseau e critica de forma


veemente o direito à propriedade privada, reconhecendo nela a origem das
desigualdades sociais, o que causou forte reação na sociedade da época. O autor
foi perseguido em função de suas ideias tendo de refugiar-se em Genebra.
Em síntese, Rousseau preconizava que os homens eram naturalmente bons,
livres e iguais, sendo que a propriedade privada gerou a sociedade civil e a situação
de conflito.
O pensamento de Rousseau constituiu um dos principais fundamentos
ideológicos da Revolução Francesa e de outros movimentos revolucionários
subsequentes.

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Aula 29_Jean Jacques Rousseau II

A proposta da aula é aprofundar o estudo da obra de Rousseau


enfocando Do Contrato Social. Do Contrato Social é tido como a mais importante
obra de Jean Jacques Rousseau na qual ele expõe sua concepção de Pacto Social
e de Contrato Social.
Segundo Rousseau os homens abandonaram o estado de natureza no qual
eram livres para viverem aprisionados na sociedade em razão de convenções. Deste
modo, para ele, ordem social não é natural, conforme se pode depreender da leitura
do excerto abaixo:

Do Contrato Social
Livro 1
CAPITULO 1 OBJETO DESTE PRIMEIRO LIVRO
O homem nasce livre, e por toda parte encontra se Aprisionado. O que se
crê senhor dos demais, não deixa de ser mais do que eles. Como se deu
esta transformação? Eu o ignoro. O eu poderá legitimá la? Creio poder
resolver esta questão.
Se considerasse somente a força e o efeito que dela deriva, eu diria:
“Quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; mas
logo que possa sacudir esse jugo e o faz. Age ainda melhor pois,
recuperando sua liberdade pelo mesmo direito com que esta lhe foi
roubada, ou ele tem o direito de retomá la ou não o tinham de subtraí Ia”.
Mas a ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os
outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza: funda se,
portanto, em convenções. Trata-se de saber que convenções são essas [...]
(ROUSSEAU, 1954).

Rousseau diferencia direito de força, pois, enquanto o primeiro é um conceito moral,


baseado na razão, a força é apenas um poder físico, que ele não considera legítimo,
como podemos depreender da leitura do trecho abaixo:

CAPÍTULO III DO DIREITO DO MAIS FORTE


O mais forte não é nunca forte o bastante para ser sempre o senhor, se não
transforma sua força em direito e a obediência em dever. Daí o direito do
mais forte; direito aparentemente tomado com ironia, e na realidade

CIÊNCIAS SOCIAIS 93
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DE SANTOS estabelecido como princípio. Mas jamais alcançaremos uma explicação
para esta palavra? A força é um poder físico; não imagino que moralidade
possa resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, não
de vontade; quando muito, é um ato de prudência [...] Convenhamos então
que a força não faz o direito e que só se é obrigada a obedecer aos poderes
legítimos.

O estado de sociedade aparece no pensamento de Rousseau como a luta


entre fracos e fortes sendo que a força predomina. Para superar esse estado
ameaçador os homens decidem fazer um contrato social, que dá origem à sociedade
civil, ao poder político e às leis.
Segundo Rousseau, por este contrato os homens concordariam em colocar
em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção de uma instância
de poder (o Estado) que representaria a vontade geral. Neste ponto, o contrato
social defendido por Rousseau daquele proposto por Hobbes, conforme veremos na
próxima aula.
Cumpre ressaltar que, para o autor, os indivíduos não renunciariam a sua
liberdade e nem aos seus direitos naturais, mas apenas, fariam um pacto para
protegê-los.

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Aula 30_O contrato Social no pensamento de Jean-Jacques Rousseau

A proposta da aula é enfocar o contrato social segundo o pensamento de


Rousseau.
Conforme vimos nas aulas anteriores, a passagem do estado de natureza, ou
primitivo segundo Rousseau, para a sociedade civil se deu por meio de um contrato
resultante da união entre todos os homens com o objetivo da preservação de seus
direitos. Vejamos como Rousseau entendia os termos deste pacto:

CAPÍTULO VI DO PACTO SOCIAL


Suponhamos os homens chegando ao ponto onde os obstáculos que
impedem sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela sua
resistência, as forças que cada indivíduo dispõe para se manter nesse
estado. Então, esse estado primitivo não pode mais subsistir e o gênero
humano pereceria se não mudasse de modo de vida.
Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente
unir e orientar as que existem, não os tem outro meio para se preservar
senão formando, por agregação, um conjunto¬ de forças que possa
sobrepujar a resistência, impelindo as para um só móvel e levando as a agir
em concerto. Esta soma de forças não pode nascer senão do concurso
de muitos; mas sendo a força e a liberdade de cada homem os
principais instrumentos de sua preservação, como poderia ele
empenhá - Ias sem prejudicar e sem negligenciar os cuidados que a si
mesmo deve? Esta dificuldade, reconduzida ao meu assunto, pode ser
enunciada nestes termos: “Encontrar uma forma de associação que
defenda e proteja, com toda a força comum, a pessoa e os bens de
cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece,
contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”. É
esse o problema fundamental ao qual o Contrato Social dá a solução.

As cláusulas deste contrato são de tal forma determinadas pela natureza do


ato, que a menor modificação as tornaria vãs e sem nenhum efeito; de sorte que,
embora não tenham jamais sido formalmente enunciadas, são em todas as partes as
mesmas, em toda parte tacitamente admitidas e reconhecidas, até que, violando-se
o pacto social, cada um volta a seus primeiros direitos e retoma sua liberdade
natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciara àquela.

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Essas cláusulas, bem entendidas, reduzem-se todas a uma só: a
alienação de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda,
pois, em primeiro lugar, desde que cada um se dê completamente, a condição
é igual para todos e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa
em torná-la onerosa aos demais (grifo nosso) (Rousseau, 1954).
Como você pode depreender da leitura do excerto, os termos do contrato
social preconizado por Rousseau consideravam que, ao associarem-se para somar
forças, cada homem preservava sua liberdade e força, não obedecendo senão a si
mesmo e mantendo-se livres como antes. Segundo o autor, a manutenção da
liberdade de cada um na associação foi o problema fundamental solucionado
pelo Contrato Social. Outro aspecto importante, apontado como cláusula básica no
contrato, consagrava que seria em nome da comunidade toda que se daria a
alienação de cada associado com todos os seus direitos.
O contrato de Rousseau previa, portanto, que cada um poria em comum sua
pessoa e todo o seu poder sob a direção de uma vontade geral; e cada um,
obedecendo a essa vontade geral, obedeceria a si mesmo. A liberdade consistiria,
em última instância, em obedecer ao corpo ou coletivo social, que representaria a
soma das vontades da maioria. O povo, como corpo social, assumiria o papel de
soberano único; a lei representaria a vontade do todo.
A repercussão das ideias de Rousseau causou grande impacto constituindo
fundamento ideológico para muitas revoluções que defenderam como palavras de
ordem a soberania popular, a liberdade e a igualdade entre os homens. Apontam
alguns autores que, em outro sentido, as ideias do autor também fundamentaram os
regimes opressivos.
Como você pode perceber, a ideia de contrato social de Rousseau diferia, em
muitos pontos e no essencial, da defendida por Thomas Hobbes, que propunha a
alienação do direito de todos em nome do soberano, do Estado, considerando que
só existiria reciprocidade entre os homens. O Estado, ou o soberano, constituiriam,
conforme o autor, instância de poder acima da sociedade.
Rousseau foi o grande defensor da liberdade e da igualdade de todos na
comunidade e da soberania do povo que, segundo ele, era a melhor garantia para a

CIÊNCIAS SOCIAIS 96
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liberdade individual, pois a liberdade era a obediência às leis que expressavam a
vontade geral. O autor foi precursor da crítica contundente à propriedade privada e
suas ideias são associadas, com ferq6Uência, às ideias anticapitalistas e socialistas.

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Aula 31_O significado do Contratualismo

O objetivo da aula é apresentar uma síntese do que se convencionou


denominar de Contratualismo. Importante frisar que Norberto Bobbio e sua
obra Dicionário de Política constituíram a base do estudo que propiciou esses
apontamentos.

Para uma definição de Contratualismo:

Com o termo Contratualismo tornou-se comum identificar teorias muito


diversas entre si.
Em sentido muito amplo, o Contratualismo compreende todas aquelas teorias
políticas que veem a origem da sociedade e o fundamento do poder político
(chamado, quando em quando, potestas, imperium, Governo, soberania, Estado)
num contrato, isto é, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos,
acordo que assinalaria o fim do estado natural e o início do estado social e político.
Num sentido mais restrito, por tal termo entende-se uma escola que floresceu
na Europa entre os começos do século XVII e os fins do século XVIII e teve entre
seus expoentes máximos Thomas Hobbes (1588 a 1679), John Locke (1632 a 1704)
e Jean Jacques Rousseau ( 1712 a 1778).
É fundamental fazermos também uma distinção analítica entre três possíveis
níveis explicativos:

Há os que sustentam que a passagem do estado da natureza ao estado da


sociedade é um fato histórico realmente ocorrido, isto é, estão dominados pelo
problema antropológico da origem do homem civilizado;
Outros, pelo contrário, fazem do estado da natureza mera hipótese lógica, a
fim de ressaltar a ideia racional ou jurídica do Estado, do Estado tal qual deve ser, e
de colocar assim o fundamento da obrigação política no consenso expresso ou tácito
dos indivíduos a uma autoridade que os representa e encarna;
Outros ainda, prescindindo totalmente do problema antropológico da origem
do homem civilizado e do problema filosófico e jurídico do Estado racional, veem no

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contrato um instrumento de ação política capaz de impor limites a quem detém o
poder.
O Estado da Natureza, as Necessidade do Homem e a Divisão do
trabalho:

Um dos elementos essenciais da doutrina contratualista é o estado da


natureza, que seria aquela condição que da qual o homem teria justamente saído,
ao associar-se, mediante um pacto, com os outros homens. É difícil dizer no que
consiste, apresentado mais como uma hipótese lógica negativa sobre como seria o
homem fora do contexto social e político, para poder assentar as premissas racional
do poder.
Para Hobbes e Spinoza, o estado da natureza é de guerra, para outros com
Locke, é de paz, se bem que precária, e, para Rousseau, de felicidade.
Contratualismo e Constitucionalismo – o Contratualismo não é somente uma
teoria global que explica as origens da sociedade e do poder político e, por
conseguinte, sobre a natureza racional do Estado. Na história medieval e moderna,
o contrato é amiúde também um fato histórico, ou seja, parte integrante de um
processo político que leva ao Constitucionalismo e, em especial, à necessidade de
limitar o poder do Governo por meio de um documento escrito que estabeleça os
respectivos e recíprocos direitos e deveres (cf. Bobbio, 1995).
Esperamos que agora, ao final de nosso curso de Teoria Política Clássica, os
elementos que trouxemos na síntese estejam claros para você. Na dúvida, recorra
às aulas e participe também do fórum de discussão sobre Contratualismo.

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Aula 32_A Evolução do Estado Moderno

O objetivo da aula é apresentar um artigo para discussão; ele possibilita a


síntese do que estudamos e abre perspectivas para a continuidade das discussões
no curso de Teoria Política Contemporânea.

A Evolução do Estado Moderno por André-Noël Roth


O Estado Moderno emergiu progressivamente desde o século XV como forma
específica de dominação política. Ele se distingue do feudalismo por três elementos
principais. Em primeiro lugar, institui se a separação entre uma esfera pública,
dominada pela racionalidade burocrática do Estado, e uma esfera privada sob o
domínio dos interesses pessoais. Em segundo lugar, o Estado Moderno dissocia o
poderio político (poder de dominação legitima legal-racional) do poderio econômico
(posse dos meios de produção e de subsistência), que se encontram reunidos no
sistema feudal. E para terminar, o Estado Moderno realiza uma estrita separação
entre as funções administrativas e políticas, tornando-se autônomo da sociedade
civil.
Tradicionalmente admite se que o Estado Moderno tomou duas formas
principais: o Estado Liberal e o Estado Social. O primeiro emergiu com as
revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX; o segundo começou a construir-se
desde o final do século XIX até aproximadamente os anos 1970.
Anos desde os quais se considera esse último em crise.

O Estado Moderno de tipo liberal tem acompanhado e tem favorecido o


desenvolvimento da economia capitalista. O Liberalismo que lhe inspira está
baseado sobre o princípio da limitação da intervenção estatal, da liberdade do
indivíduo e da crença na superioridade da regulação “espontânea’ (Hayek) da
sociedade. O Estado Liberal se concebe como a garantia da proteção do indivíduo
contra a limitação de sua liberdade para qualquer forma de corporativismo (Lei “Le
Chapelier” na França). Ele tem a imagem de um protetor dos direitos dos indivíduos.
Cumpre sua tarefa graças à monopolização dos meios de violência física (exército,
polícia) e do poder jurídico , (direito, justiça). Ele só tem a legitimidade do uso da

CIÊNCIAS SOCIAIS 100


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coação jurídica e física. Em contrapartida, o Estado renuncia a intervir nos campos
econômicos e sociais que são de caráter puramente privado.
O Estado Social (ou Providência) se desenvolveu com a raiz da Revolução
Industrial. A destruição rápida das solidariedades tradicionais, familiares e
territoriais, obrigou o Estado a intervir cada vez mais, desde o último quartel do
século XIX e, sobretudo, desde a Primeira Guerra Mundial, nos campos econômico
e social. Esta é a “Grande Transformação” descrita por Polanyi: a redução da
capacidade autorreguladora da sociedade civil necessitou da intervenção do Estado
na “questão social” (seguros, direito do trabalho...) e da economia (política
monetária, proteção contra a competição,...). O Estado Social tem tido a missão de
favorecer, no quadro nacional, o crescimento econômico do país e a proteção social
dos indivíduos. Ele se converteu em instrumento de transformação e de regulação
sociais. O Estado, vetor do progresso, era capacitado para responder às demandas
dos cidadãos e dos grupos. A doutrina de Keynes facilitou a legitimação da
intervenção estatal em todos o setores da vida econômica e social nacional. Na
terminologia de Weber, o Estado Moderno passou de uma associação ordenadora
(ideal do Estado de Direito Liberal) para uma associação reguladora (o Estado de
Direito Social). Habermas fala de um capitalismo organizado pelo Estado.
A crise atual do estado indica que os mecanismos econômicos, sociais e
jurídicos de regulação, postos em pé há um século, já não funcionam. O Estado
Nacional já não está em capacidade de impor soluções, seja de um modo autoritário,
ou seja, em negociação com os principais atores sócio-políticos nacionais, aos
problemas sociais e econômicos atuais (ROTH apud Faria, 1996).
Este artigo apresenta o olhar de um jurista realizando a síntese do percurso
do Estado Moderno, bem como enfoca as problemáticas a ele associadas na
atualidade.
Esperamos ter propiciado a você, com o esforço que realizamos na seleção
de autores e textos para discussão, o embasamento para a construção de um
referencial próprio de análise marcado pela autonomia de pensamento sobre a
Teoria Política Clássica.

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Resumo - Unidade III

Nesta unidade vimos as principais obras e autores que apresentaram teorias


sobre a questão do contrato social objetivando entender as especificidades e as
problemáticas decorrentes dessas teorias. Vamos a alguns tópicos que facilitam o
aprendizado da unidade III:

 O Leviatã de Thomas Hobbes. A obra permite identificar o Leviatã com


a ideia da coisa pública, do Estado, simbolizado pelo gigante da figura. A
promoção da igualdade e a observância das leis constituiriam, para Hobbes, a
função do Estado.
 A obra de John Locke conhecido como defensor do individualismo
liberal. As ideias de liberdade, de independência, dos direitos individuais e
respeito às regras do convívio baseado na razão são fundamentais no
pensamento e na obra de Locke.
 Montesquieu e o liberalismo na França. Na obra O Espírito das Leis, ao
estudar o funcionamento do poder do Estado, preocupou-se em moderá-lo e
para tanto propôs a divisão das funções do Estado em três poderes
independentes, mas que deveriam se relacionar harmonicamente: o Legislativo,
Executivo e o Judicial (ou Judiciário).
 O tempo e a obra de Jean Jacques Rousseau. Do Contrato Social é
tido como a mais importante obra de Jean Jacques Rousseau na qual ele expõe
sua concepção de Pacto Social e de Contrato Social.
 O Contratualismo compreende todas aquelas teorias políticas que
veem a origem da sociedade e o fundamento do poder político num contrato, isto
é, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos, acordo que
assinalaria o fim do estado natural e o início do estado social e político.

Estes pontos são uma síntese do que vimos na unidade III sobre o
pensamento político na Era Moderna. Tal unidade acompanhou o pensamento
político no período moderno e o advento do Contratualismo parte integrante de um
processo político que leva ao Constitucionalismo e, em especial, à necessidade de

CIÊNCIAS SOCIAIS 102


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limitar o poder do Governo por meio de um documento escrito que estabeleça os
respectivos e recíprocos direitos e deveres.

Referencias Bibliográficas
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola e PASQUINO, G. Dicionário de Po-
lítica. Trad. Carmen Varialle... (et. al.) – 7 ed.- Brasília/DF, Editora Universidade de
Brasília, 1995.
CHEVALLIER, Jean Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos
dias. – 6ª ed- Rio de Janeiro : Edit. Agir, 1993.
FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de História. Lisboa: Plátano
Editira, 1976, (Vol. II).
ROTH, André Noël. O Direito em crise: fim do Estado Moderno? In: FARIA José
Eduardo (Org.). Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros, 1996.
ROUSSEAU, J. J. Du contrat social ou Principes ou droit politique. Tradução de
Cid Knipell Moreira. Paris, Éditions Garnier, 1954.
STRATHERN, Paul. Locke (1632-1704) – em 90 minutos. Rio de Janeiro: Zahar,
1997.
WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política. – 10 ed. - São Paulo:
Editora Ática, 1998.

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