Você está na página 1de 210

- 1 -

- 2 -
CONHECIMENTO &
EDUCAÇÃO NA
MODERNIDADE
ENSAIOS CRÍTICOS

- 3 -
DIREÇÃO EDITORIAL: Willames Frank
DIAGRAMAÇÃO: Jeamerson de Oliveira
DESIGNER DE CAPA: Jeamerson de Oliveira
IMAGEM DE CAPA: https://www.pexels.com
O padrão ortográfico, o sistema de citações e referências bibliográficas são
prerrogativas do autor. Da mesma forma, o conteúdo da obra é de inteira e
exclusiva responsabilidade de seu autor.
Todos os livros publicados pela Editora Phillos estão sob os direitos
da Creative Commons 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR

2017 Editora PHILLOS


Av. Santa Maria, Parque Oeste, 601.
Goiânia-GO
www.editoraphillos.com
editoraphillos@gmail.com
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S210p
BEZERRA, Ciro – COSTA, Claudio da

Conhecimento & educação na modernidade ensaios críticos. [recurso digital] /


Ciro Bezerra, Claudio da Costa. – Goiânia-GO: Editora Phillos, 2019.

ISBN: 978-85-52962-86-1

Disponível em: http://www.editoraphillos.com

1. Teoria social. 2. Modernidade. 3. Jürgen Habermas.


4. Educação. 5. Karl Marx. I. Título.
CDD: 370

Índices para catálogo sistemático:


1. Educação 370

- 4 -
CIRO BEZERRA
CLAUDIO DA COSTA

CONHECIMENTO &
EDUCAÇÃO NA
MODERNIDADE
ENSAIOS CRÍTICOS

- 5 -
Direção Editorial
Willames Frank da Silva Nascimento

Comitê Científico Editorial


Dr. Alberto Vivar Flores
Universidade Federal de Alagoas | UFAL (Brasil)

Drª. María Josefina Israel Semino


Universidade Federal do Rio Grande | FURG (Brasil)

Dr. Arivaldo Sezyshta


Universidade Federal da Paraíba | UFPB (Brasil)

Dr. Dante Ramaglia


Universidad Nacional de Cuyo | UNCUYO (Argentina)

Dr. Francisco Pereira Sousa


Universidade Federal de Alagoas | UFAL (Brasil)

Dr. Sirio Lopez Velasco


Universidade Federal do Rio Grande | FURG(Brasil)

Dr. Thierno Diop


Université Cheikh Anta Diop de Dakar | (Senegal)

Dr. Pablo Díaz Estevez


Universidad De La República Uruguay | UDELAR (Uruguai)

Dr. Anderson de Alencar Menezes


Universidade Federal de Alagoas | UFAL (Brasil)

- 6 -
S OBRE AOS A UTORES

Ciro de Oliveira Bezerra

Doutor em Sociologia pela Universidade


Federal de Pernambuco (2006).
Atualização em Planejamento Estratégico
em Saúde Pública pela Escola Nacional de
Saúde Pública (ENSP-RJ/1995). Mestrado
em Educação pelo Instituto de Estudos
Avançados em Educação (IESAE-FGV/RJ,
1994). Especialista em Teoria Jurídica e Práticas Sociais
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (NIDS-
UFRJ/1989). Graduado em Ciências Econômicas pela
Universidade Federal Fluminense (UFF/1988). Atualmente
professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL) e pós-doutorado em Geografia Agrária, com
pesquisa em Desenvolvimento Territorial e Educação do
Campo em Alagoas: potencialidades econômicas e
socioeducativas nos assentamentos da reforma agrária
(UNESP/FTC/NERA; 2011-2013). Desenvolve pesquisas
em Fundamentos da Educação, apoiadas, sobretudo, nas
perspectivas marxistas, foucautianas e bourdieunianas; com
vivências profundas e projetos de ensino, pesquisa e
extensão no Ensino Médio e Superior, através do método da
leitura imanente, principal dinamizador do Programa
Formação de Si, que desenvolve no momento presente. Tais
pesquisas e programa são realizados com os integrantes dos
Grupos de Estudo Milton Santos e Sociologia do Trabalho
Pedagógico, Currículo e Formação Humana.

Claudio da Costa

- 7 -
Graduado em PEDAGOGIA, pela
Universidade Estadual de Alagoas
(Uneal/2002). É especialista em
PSICOPEDAGOGIA (Faculdades
Integradas de Amparo - São
Paulo/2003). MESTRE em Educação
(Absoulute Christian University/
2018). Tem experiência na área de Pedagogia e Letras
(UNEAL, IES), com ênfase em Formação de Professores,
atuando principalmente nos seguintes temas: Currículo,
Ensino/aprendizagem, Formação de Professores, Educação
Brasileira e Políticas Públicas. Exerce atividade docente na
Educação Básica desde 1998 e no Ensino Superior desde
2003 (graduação). Ministrou aula na Universidade Estadual
de Alagoas - UNEAL - no Curso de Formação de
Professores - PGP. Foi Aluno Especial do Mestrado em
educação Brasileira (CEDU - UFAL) na Disciplina Análise
do Discurso na Pesquisa Educacional com a Professora
Maria do Socorro Aguiar Cavalcante e Ana Gama Florêncio.
Assumiu a função de Assessor de Planejamento na
Secretaria de Educação no Município de Campo Alegre /
AL; Trabalhou como Secretário Adjunto de Educação no
Município de Campo Alegre / AL. Coordena as ações do
Instituto Céu Aberto. Participa dos grupos de Estudo e
Pesquisa Milton Santos e Sociologia do Trabalho
(pedagógico), Currículo e Formação Humana (UFAL),
orientado pelo Prof. Dr. Ciro Bezerra.

- 8 -
S UMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................ 10
CAPÍTULO 1.......................................................... 21
TEORIA SOCIAL E MODERNIDADE - MARX,
WEBER, HABERMAS e GRAMSCI
1.1 Trabalho humano, racionalidade e ação
comunicativa 29
1.2 Esboço da teoria do agir comunicativo 37
CAPÍTULO 2.......................................................... 47
A MODERNIDADE EM HABERMAS
2.1 Crítica da sociedade moderna 53
2.2 Crítica à filosofia do sujeito 59
CAPÍTULO 3........................................................... 74
A PRODUÇÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO
EM MARX
3.1 A produção social do conhecimento em
Gramsci 88
3.2 Singularidades do pensamento moderno e pré-
moderno 93
3.3 Pensamento mágico e pensamento esclarecido 101
3.4 Entre os limites e virtudes da razão sábia 130
Á GUISA DE CONCLUSÃO 169
REFERÊNCIAS (UNIDADE I) 190
REFERÊNCIAS (UNIDADE II) 199

- 9 -
I NTRODUÇÃO

Nas três últimas décad as do século XX,


decorrente de contínuas erupções de inovações
tecnológicas, que jorravam desde o período entre
Guerras na indústria armamentista de destruição
em massa, intensificou -se o ritmo do
desenvolvimento das forças produtivas,
impulsionado pela mo bilização da ciência como
estratégia de acumulação de capital. Tal fato
revelou o quanto educação e desenvolvimento
estão interligados. Esse entrelaçamento acabou
resultando na necessidade de se elaborar políticas
educacionais para promover o desenvolvimen to
econômico do capitalismo. Aos poucos as
“organizações culturais sociais”, que inclui as
instituições escolares, embutidas no coração do
sistema cultural dos Estados Nacionais
(GRAMSC I, 1980), se manifestaram como
componentes fundamentais naquele lócus e m que
as pessoas circulam como mercadorias no mercado
de trabalho.
Com a revolução científica as atividades
vinculadas ao conhecimento se elevaram à
condição pública e ganharam o mundo com a
descoberta da imprensa. Para os produtores de
conhecimento passou -se a oferecer distinção,
status, recursos para realização de estudos, tempo
para realizar pesquisas e experiências em

- 10 -
laboratórios, bem como inventar instrumentos de
medida e verificação. Mas para ter acesso a tudo
isso aquele que pretendesse galgar a pos ição de
produtor de conhecimentos precisava ser
reconhecido por seus pares, publicar os resultados
das pesquisas realizadas, socializar o
conhecimento e ter a coragem de enfrentar a
crítica. Isso muitas vezes levou a lutas, duelos e a
própria morte.
Essa nova dinâmica da produção e
circulação do conhecimento demoliu a imagem do
mundo antigo e fez aparecer a imagem do mundo
moderno. A modernidade é uma civilização que
está ligada muito fortemente a essa dinâmica em
que o conhecimento passou a ser processado. Não
seria exagero reconhecer nesse processo a sua
própria base de sustentação, aquela que deu
vitalidade ao maior de seus projetos: a
emancipação humana. Mas o mundo moderno
apenas se afirmaria com uma nova moralidade e
um conjunto de instituições legitim adas
socialmente no século XIX. Os valores e as
instituições modernas criaram a identidade
necessária para revelar a importância e a
necessidade de se preservar os processos de
sociabilidade que se abriram, mesmo que para isso
fosse necessário usar a força e a violência,
simbolicamente organizada, pelo Estado Moderno,
de caráter liberal, isto é, representativo dos
interesses burgueses.

- 11 -
A hermenêutica joga um papel fundamental
na modernidade. Ela disciplina os critérios e os
processos de compreensão, julgame nto e
interpretação, capazes de mobilizarem as visões de
mundo no cotidiano vivido pelas pessoas. É capaz
de despertar, fomentar, comprometer o imaginário
do mundo do conhecimento (complexo social e
categorial). Convencer a necessidade de socializar
as descobertas, que estas não devam se fechar ao
mundo dos astrônomos e matemáticos, mas
ganharem as ruas das cidades, para serem
desfrutadas pelo conjunto da sociedade. Assim
compreendida, a hermenêutica do conhecimento
científico passa a ameaçar a ordem religi osa
constituída e gerar conflitos, perseguições,
condenações e tortura (excomunhão, heresia e a
inquisição: o corpo queimado vivo para gerar
medo e sujeição ao poder religioso).
A modernidade veio se afirmando
lentamente, até se constituir como tradição
vigorosa e audaz, com as armas, estratégias e
intenções cunhadas em grande parte pelos
iluministas, dois séculos depois do Renascimento.
Mas, apesar de seu frescor revolucionário nada
garantia que a afirmação da modernidade. Nos
termos defendidos pelo projet o iluminista, seria
necessária e suficiente para a realização do projeto
emancipatório. O que se confirmou na história foi
o contrário: A modernidade não conseguiu abolir
os conflitos elementares que geram a injustiça

- 12 -
social, os interesses e as contradiçõe s de classe,
apenas criou formas legítimas que dissimulam as
desigualdades e as segregações: o poder
burocrático legitimado, cujos pressupostos são:
escolarização universal, diploma universitário,
concursos públicos, portanto, a institucionalização
da meritocracia; sufrágio universal; direitos
humanos, entre outras formas de legitimação.
Os críticos dessa modernidade, de natureza
capitalista, se esforçam em tornar público, à luz
do dia, o que se oculta nos projetos históricos em
pugna, que representam os in teresses do capital e
os interesses dos trabalhadores assalariados. As
disputas entre tais projetos envolvem o uso dos
poderes constituídos institucionalmente, as formas
de violência física e simbólica, e o conhecimento
técnico e científico. Todos integrad os as ações do
complexo de forças unidas em torno do projeto
histórico que se digladiam.
Ora, desde o momento em que a
emancipação humana foi posta como horizonte
pelo campo de forças políticas do trabalho e
passou a contrariar interesses as forças desse
campo passaram a ser perseguidas
sistematicamente por projetos históricos opostos e
em termos teóricos e práticos. Uma perseguição
que aos olhos do capital é justa porque procura
manter a ordem constituída em norma jurídica e,
portanto, justa e legítima.

- 13 -
Foi esse fato, a princípio, que nos motivou
a investigar algumas teorias sociais
comprometidas com o projeto emancipatório na
modernidade. Para tanto, selecionamos como
objeto para estudo duas teorias que reconhecem a
importância teórica e política do projet o
emancipatório na modernidade. As teorias
marxistas (Marx, Lukács e Gramsci) e
habermasianas. Elas apresentam, do nosso ponto
de vista, intencionalidades convergentes sobre a
problemática da emancipação, embora divirjam
nas formas e conteúdos de alcançá -la. Mas
identificam obstáculos relevantes que obstruem os
propósitos de levar a termo o projeto histórico da
emancipação humana na modernidade . Projeto que
envolve, a um só tempo, os conhecimentos, as
técnicas e, portanto, toda a humanidade.
Aprofundemos, então, as justificativas que nos
levaram a selecionar essas teorias.
No primeiro capítulo procura -se conferir
essa materialidade em termos de apresentar os
teóricos que esta pesquisa irá trabalhar no
desdobramento de conceito da modernidade e suas
imbricações para o complexo das teorias em
questão. Sendo admitida como variável da equação
produtiva a perspectiva da dinâmica
sociometabólica do capital. A modernidade passou
a ser socioterritorializada como antídoto e
panaceia à miséria e pobreza reinantes no mu ndo
desorganizado pela dinâmica sócio destrutiva do

- 14 -
capital. E que vislumbrando a historicidade da
modernidade até o século XIX, identifica na
valorização do capital o principal obstáculo para a
emancipação societal na modernidade.
No primeiro capítulo será considerado a
relação com o pensamento gramsciano, o qual se
revela importante porque ele mantém o espírito
jacobino da emancipação preservado pela teoria
social marxiana, realizando uma análise teórica do
conhecimento mais ampla do que os clássicos do
marxismo. Essa ampliação não é centrada no
campo semântico e hermenêutico da economia
política, mas na filosofia e sociologia política.
Com a guinada gramsciana percebe -se que a teoria
social marxiana ganha novos rumos e
potencialidades virtuais. Além disso também
confirma a hipótese da imanência da politicidade
do conhecimento .
Gramsci chama atenção da universalidade da
produção/apropriação social do conhecimento na
modernidade capitalista. O quanto ela estrutura a
personalidade dos indivíduos e desenvolve
posturas diferenciadas. Essa dinâmica está na base
das concepções de mundo e desenvolvem a
consciência unitária em contraposição às
consciências desagregadas e fragmentárias do
senso comum. E a partir destes entendimentos será
tomado como objeto de pesquis a esta categoria.
A partir do segundo capítulo será tratado o
desdobramento da visão habermasiana da

- 15 -
modernidade, propõe-se estudar e pesquisar o
sentido específico que o trabalho pedagógico
assume na sociedade capitalista do século XXI,
mais do que pautar esse fenômeno geohistórico
como objeto de pesquisa, é um posicionamento
teleológico político, uma questão de classe, um
compromisso com a formação da consciência das
classes trabalhadoras. Nisso se insinua o que
compreendemos por politicidade do conhecime nto.
Pesquisar não é um ato fortuito e arbitrário, que
optar simplesmente em inscrever a investigação
dentro dos princípios da neutralidade axiológica,
é um ato ético -político, que envolve, ao mesmo
tempo, paixão e a construção da verdade. Buscar a
verdade com paixão não anula ou nega a lucidez
da “razão sabia”.
Por conseguinte, o capítulo terceiro está
relacionado a produção social do conhecimento a
luz de Marx, desse modo privilegia -se como objeto
dessa investigação a sua teoria social. Com esse
entendimento, a teoria que levou o projeto
emancipatório às últimas consequências, propondo
a socialização das riquezas e do poder frente à
dominação e opressão do capital. Desenvolveu -se
essa estratégia não de forma “ingênua”, mas
profunda e sistemática, tanto em termos teóricos
como políticos. A teoria social marxiana conecta
essas duas dimensões à sua estratégia
emancipatória, sem renunciar o espírito jacobino
que se erigiu no iluminismo. O problema da

- 16 -
opressão e da dominação é enfrentado em sua
totalidade, como “processo de reprodução
sociometabólico do capital”.
Como é possível vivenciar a
produção/apropriação do conhecimento como
momento efetivo de emancipação? Por que seus
resultados não são capazes de universalizar essa
liberdade e autonomia? Se for demasiado utópico
pensar nessa hipótese considerando as diversas
esferas da vida moderna, já que o conhecimento
científico plasma, junto a outros fenômenos
societais, os vários planos de sociabilidade da
civilização moderna; por que, ao menos nas
unidades de produç ão/apropriação social do
conhecimento, não se verifica a efetividade dos
elementos emancipatórios?
O contrário parece verdade, predomina a
forma alienada, burocrática e corporativa de
“reprodução intelectual da realidade”. Quais,
então, os limites da emanc ipação propugnada pela
produção/apropriação social do conhecimento no
mundo contemporâneo? Ou será que a valorização
do capital também dela se apoderou e a submeteu
aos propósitos e dinâmicas dominadoras e
opressoras de sua reprodução? E se ocorreu essa
subsunção da produção/apropriação social do
conhecimento pelo capital, como ela se processa e
se mantém na história à revelia do pensamento
crítico e libertário sobre o conhecimento?

- 17 -
Como se observa, a solução do problema
enunciado da ambivalência do conheci mento
revela obstáculos, contradições e revezes que
obstruem o projeto emancipatório na modernidade.
No próprio âmbito das perspectivas que se dizem
emancipatória existem fraudes e deserções,
desvios e camuflagem. Tudo isso levanta suspeitas
sobre a autenticidade de algumas perspectivas
teóricas que dizem assumir o projeto
emancipatório. Qual o significado do conteúdo
emancipatório dessas perspectivas, tendo em vista
as forças que afirmam a dominação do capital?
Como elas concebem essas forças e quais as ar mas
que privilegiam em seus ataques? Se o projeto
emancipatório desenvolveu -se sob as matrizes da
liberdade e da igualdade, da universalização e
publicização do conhecimento, afirmando os
pressupostos da humanização contra a barbárie, a
materialidade da produção/apropriação do
conhecimento científico vem revelando,
historicamente, a hegemonia da face perversa do
conhecimento científico. Além das várias
correntes críticas e progressistas que constituem
esse campo minado da vertente emancipatória,
disputando a publicização de seus pressupostos
teóricos, há também as correntes adversárias.
Se o conhecimento na modernidade
continuou a clamar pela autoconsciência do
indivíduo: “conhece-te a ti mesmo”, o iluminismo
incluiu outro princípio que traz, propriamente, o

- 18 -
espírito jacobino à modernidade, em um mundo
dominado pelas forças transcendentes: “que o
mundo seja como a vontade, o desejo, a justiça e a
representação dos seres humanos”.
Saber o lugar que o ser humano ocupa na
história, conhecer a situação em que ele se
encontra visando alcançar o que se tem como
“vontade, necessidades e representação”
representa a luz acesa pelo iluminismo. Enquanto
movimento teórico e político o iluminismo pode
ser concebido como um campo de forças, com
muitas cisões em seu seio; ma s dotado de uma base
material comum, de onde emergem questões
comuns, perguntas e problemas que passaram a
afligir os seres humanos e que erigiram as bases e
fundamentos da civilização moderna. Essa base
material se exprime nas cidades urbanas que
exigem infraestrutura adequada; na distribuição do
poder de governar através do regime democrático;
na socialização do progresso material; na
universalização do conhecimento científico e
filosófico; na busca pelo enriquecimento das
Nações e dos indivíduos; no sist ema do poder
político controlado pela opinião pública e pelo
sufrágio universal; na industrialização que atende
as demandas materiais e a dinâmica de valorização
do capital. Acreditamos ser importante neste
esboço analisar, pelo menos basicamente,
importância do conhecimento que tem se revelado
de uma forma tão decisiva para a reprodução

- 19 -
sociometabólica do capital que se tem a sensação
de estarmos entrando em uma nova civilização, a
civilização informacional ou “sociedade
[capitalista] do conhecimento”. Mas por maior
materialidade e concretude que tenha essa tese o
fato é que ainda persiste em grandes proporções os
problemas da dominação e opressão do capital:
aumenta a concentração das riquezas e do poder
entre os capitalistas e multiplicam -se nos países
dependentes a miséria e as “comunidades -
lúmpen”. Nesse contexto a ambivalência do
conhecimento é resposta com grandes
desvantagens para as forças emancipatórias. Por
essas razões o espírito jacobino do projeto
emancipatório precisa ser despertado de sua
apatia.

- 20 -
C APÍTULO 1

T EORIA S OCIAL E M ODERNIDADE - M ARX,


W EBER, H ABERMAS e G RAMSCI

Para expressar a compreensão da realidade


socialmente existente é necessário o uso de
categorias. Categorias são formas de ser que
representam realidades concretas: os seres
precisamente como eles são. De acordo com
Aristóteles (2000) as categorias representam seres
percebidos pelos sentidos humanos, que os
registram como memória e sentimentos. As
categorias, sob esse aspecto, têm referência na
realidade, são manifestação e pr essão do real nos
sentidos humanos, e assim são registrados. Estão
ancoradas no mundo concreto, abstrato e
metafísico.
O problema reside no fato de as categorias
poderem ser concebidas de diferentes maneiras e,
alguns pensadores, utilizam -nas de forma line ar e
unilateral, sem fazer as mediações necessárias
entre pensamento e ser ou os seres realmente
existentes.
Gramsci, importante marxista italiano,
vivenciando a história de seu país sob o fascismo
de Mussolini, e o rebento da Revolução Russa,
formulou categorias importantes referenciadas no

- 21 -
mundo humano. Com a intenção de comunicar o
que compreendia, conseguiu formular uma
categoria de grande relevância para esclarecer o
complexo trabalho-educação: o princípio
educativo do trabalho .
O princípio educativo d o trabalho, em
Gramsci, é abordado considerando a imbricação de
três complexos sociais: o da política, da
socialização dos conhecimentos (educação) e o do
trabalho. Por isso nomeamos essa perspectiva, do
princípio educativo do trabalho, de perspectiva
trinitária.
A importância dessa reflexão acerca da
categoria princípio educativo do trabalho , decorre
de dois fatos. O primeiro é a falta de consenso do
significado desta categoria entre os pesquisadores.
Diante desse fato, o objetivo não é propor ou
sugerir outra interpretação. Muito menos assumir
um lado desta contenda. Importa, tão somente,
refletir sobre a formulação de Gramsci, e extrair
desse trabalho elementos que possam enriquecer a
conceituação da categoria trabalho pedagógico.
Um dos objetivos específ icos é evidenciar a
concentricidade desta forma de trabalho, no
âmbito da “totalidade complexa das múltiplas
determinações”, na modernidade.
Sabe-se que há muito a avançar na
elaboração do conceito da categoria trabalho
pedagógico, no âmbito do complexo tr abalho, que
é impensável, na sua dialética, sem o educativo,

- 22 -
como será demonstrado. Para tanto, é necessário
realizar pesquisas empíricas, ir além das revisões
bibliográficas ou, o que é o mesmo, “listar e
comentar uma ampla bibliografia específica sobre
o tema”, como faz Nosella na coletânea de artigos
organizado por Tomaz T. da Silva (1991).
Então, tendo como referência a imbricação
entre os complexos do trabalho e da educação, e
fundado na teoria da dialética do trabalho de
Lukács (2004), podemos pensar tais complexos
fundidos em um uma unidade, galvanizados em
trabalho-educação.
O primeiro fato importante a considerar é
que não há um único entendimento da categoria
princípio educativo do trabalho. No âmbito do
complexo trabalho -educação o conceito da
categoria é posto em questão. E, no debate
acalorado entre diversos pesquisadores não há
lugar para a acomodação intelectual. O segundo é
considerar os efeitos teóricos das formulações
conceituais que se afastam das interpretações
hegemônicas. No âmbito das c iências humanas,
sobretudo no complexo trabalho -educação, os
conflitos são perenes.
Procura-se formular o conceito da categoria
princípio educativo do trabalho à luz de duas
fontes: Os trabalhos acadêmicos (artigos,
dissertações, teses e livros) que circul am no
complexo trabalho -educação e artigos do
periódico L’Ordine Nuova. O objetivo é evidenciar

- 23 -
a perspectiva trinitária da categoria princípio
educativo do trabalho , de Gramsci. Princípio que
pode ser aproximado de um dos componentes da
dialética do trabalho formulado por Lukács
(2004): a elaboração dos meios. Esta, como toda e
qualquer elaboração, é portadora de princípio
educativo que, a depender da forma social
personificada, forja personalidades autônomas ou
personalidades subalternas.
O materialismo histórico parecia definhar
em suas auguras e, mesmo para alguns, perdido
completamente a capacidade explicativa da
realidade social contemporânea. Como “tudo que é
sólido desmancha no ar o marxismo também” teria
se desmanchado. Desmanchava -se na assertiva d e
uma pergunta que se disfarçava, sorrateiramente,
em uma contraditória afirmação exclamativa,
como de hábito acontece com os argumentos pós -
modernos, que aderiram acriticamente ao
relativismo (SANTOS, 1997, pp. 23 -49). Para
outros, entretanto, menos impet uosos e mais
cuidadosos em desacreditar no materialismo
histórico, era inegável a imperiosidade em
reconstruí -lo (HABERMAS, 1990). O que importa
é que minou-se o marxismo de todas as formas e
ele perdeu, relativamente, para alguns, a
importância que adquir ira na primeira metade do
século XX para as ciências humanas.
As teorias sociais da racionalidade
econômica de Weber e do agir comunicativo de

- 24 -
Habermas mostraram -se, para muitos, categorias
vitais para explicar a dinâmica da modernidade
capitalista, decorr ente dos destroços das Grandes
Guerras, do fascismo e do stalinismo.
Acontecimentos que findaram as ilusões de um
capitalismo concorrencial e instituíram uma
transição para outra forma de capitalismo, o
capitalismo monopolista e oligopolista. Em suas
estratégias mais amplas este procurava negociar
seus anéis para reproduzir o processo de
dominação e exploração. Em termos sociais, isto
significa conciliar compromissos entre as forças
do Estado com as forças do mercado. Foi neste
contexto que as teorias da ma is-valia e da luta de
classes começaram a ser criticadas e, buscando
legitimar as teses de Marx contra ele próprio,
perguntava-se se também sua teoria social não ter -
se-ia “desmanchado no ar”.
A “gaiola de ferro” da burocracia e sua
racionalidade, na versã o pessimista de Weber,
e/ou “a busca de transparência” mediada pelo
“consenso fundado”, sob as bases do que foi
definido como agir comunicativo, na versão
otimista de Habermas, elevaram -se a primeiro
plano, nas reflexões da sociedade, em finais do
século XX e limiar do XXI. Comprovam este fato
os projetos editoriais da grande imprensa, escrita
e televisiva, e as linhas de pesquisa em Ciências
Humanas, junto aos intelectuais que optaram
politicamente em aderir a este empreendimento de

- 25 -
grande mote. Os projeto s editoriais da grande
imprensa, escrita e televisionada, como as linhas
de pesquisas dos Programas de Pós -graduação,
são, também eles, projetos políticos, cuja
estratégia imediata é a reprodução da esfera
pública burguesa.
As teorias sociais de Weber e Ha bermas
pareciam se encaixar perfeitamente no pressuposto
epistemológico da Estrutura das Revoluções
Científicas de Kuhn (2000), cuja tese fundamental
é que um paradigma científico sucede outro numa
marcha que tem apenas novos paradigmas como
horizonte, uma característica tautológica da
história das ciências, conservadora e atrasada
quando comparamos tais teses com, por exemplo,
o revolucionário Bacon. A concepção idealista de
Kuhn (2000) sobre a ciência é oposta concepção
materialista desenvolvida por Lukác s em seus
Prolegômenos de uma Ontologia dos Ser Social
(2010). Kuhn apresenta em sua famosa obra um
movimento radicalmente autônomo do
pensamento, sem qualquer mediação ou
determinação com a realidade concreta. Como se
os cientistas fossem apolíticos e a -históricos. O
que fortaleceu o renascimento do idealismo e do
ecletismo, sobretudo aquele inspirado nas teses
epistemológicas de Popper (2000): “A
falseabilidade como critério de demarcação”.
Ambos, Kuhn e Popper, dominam, ainda hoje,
amplamente, a filosofi a da ciência.

- 26 -
O que parece razoável admitir é que todo
esse complexo de fatos faz parte de um período
histórico da modernidade, que está agonizando
com a crise do neoliberalismo e da sua ideologia,
a pós-modernidade. O que nos desafia a buscar,
com mais ri gor e empenho, a reconstrução crítica
de novas concepções de ciência, sobretudo no
âmbito das ciências humanas, desde uma
perspectiva crítica e ontológica. Esse
posicionamento crítico nos impõe, reavivar o
marxismo como teoria “prático -crítica”, num
esforço intelectual que precisa considerar todos
esses acontecimentos.
De qualquer forma a crítica às
determinações marxistas do homem e do
conhecimento foram contundentes e radical. Sua
morte foi decretada e, com ela, o fim da história,
das lutas de classe e a possibilidade de analisar a
realidade da acumulação flexível mediante o
complexo categorial do trabalho. Essas falas se
reproduziram com grande alcance e ressonância
em Congressos, Encontros, Simpósios,
Seminários, Fóruns, Comunicações Acadêmicas.
Enfim, nas salas de aulas das Universidades e,
infelizmente, nos Programas de Pós -graduação das
Ciências Humanas e Sociais. Nestas falas os
marxistas foram associados à figuras bizarras e
mitológicas como os dinossauros. Foram
considerados jurássicos. Figuras exót icas do
parque montado pelos intelectuais pós -modernos,

- 27 -
financiados pelo grande capital que controla a
publicação em massa para a massa da sociedade.
Entretanto, apesar das flagrantes limitações
das teorias de Habermas e Weber em resolverem
os problemas ou propor alternativas à degradação
da natureza e a barbárie social, elas trazem
questões que merecem reflexão. Sobretudo serem
confrontadas. Esta é a intenção deste texto.
Discutir e confrontar algumas categorias analíticas
das teorias sociais de Marx, Webe r e Habermas.
Principalmente destes dois últimos pensadores. O
propósito não é esgotar esse confronto, mas
contribuir neste debate. Serão analisadas, tão
somente, categorias que reputamos basilares no
construto teórico destes pensadores: trabalho,
racionalidade, agir comunicativo e filosofia do
sujeito. Categorias que, certamente, se
desenvolvem em uma base concreta de relações
sociais, onde nós nos situamos historicamente,
inclusive os pensadores que formularam as teorias
sociais e as categorias que lhes p ermitiram
analisar a sociedade vigente. Essa base é a
modernidade. O desafio do texto consiste, então,
em confrontar essas categorias na dinâmica da
modernidade capitalista.

- 28 -
1.1 Trabalho humano, racionalidade e ação
comunicativa

As teorias sociais de We ber e Habermas


parecem contrapostas. A primeira marcada por
uma sociologia pessimista, enquanto a segunda se
ancora na esperança, na emancipação humana. A
primeira afogada na racionalização do capitalismo
tardio, em que são capitulados os sentidos da
liberdade humana e a própria possibilidade da
democracia. Racionalização mais do que explicar
a acumulação e apropriação privada do poder e das
riquezas, o capitalismo monopolista, procura
focalizar as motivações culturais das ações
econômicas capitalistas.
A dinâmica da racionalização weberiana é
explicada muito mais por motivações subjetivas do
que pela acumulação ampliada do capital.
Habermas incorpora criticamente a acumulação e
a reprodução para apontar os limites desses
processos esboçados, principalmente, na
Introdução à Crítica da Economia Política de
Marx, quando se pensa as possibilidades
emancipatórias da modernidade, e desbrava outra
trajetória: a da razão comunicativa.
As teses de Weber desembocam e fortalecem
as perspectivas continuístas do modo de produção
capitalista, na medida em que elas postulam que a
alternativa à racionalização do mundo, a perda dos
sentidos espontâneos do humano no capitalismo é

- 29 -
a religião, a vocação política ou a vocação
científica (CHACON, 1988; WEBER, 1982, pp.
97-183). Al ternativas situadas no mundo da
cultura. O mundo do trabalho, das condições
materiais de existência estaria, para Weber,
enjaulado numa gaiola de ferro – metáfora
utilizada para representar a racionalidade
instrumental encarnada e reproduzida pelo corpo
burocrático.
A hipótese de Weber ecoa como crítica
radical à utopia Marxiana. Faz uma critica a crítica
da economia política e crítica à teoria da revolução
social. Consiste numa acomodação intelectual às
“crises” do capitalismo. Nisto se funda a sua teoria
social sobre o poder, o status e as classes sociais .
Não há alternativa às sociedades baseadas nas
“comodidades”, na alienação, na ideologia da
regulação do mercado. Não há esperança na teoria
social de Weber, mas angústia e frustração.
Somente possíveis d e serem sublimadas na ciência
e na religião. Abandona -se o capitalismo a sua
própria sorte: à lógica destruidora e consumidora
dos recursos existentes para a produção de
mercadorias. Não há qualquer resistência ao
Capital nos prognósticos de Weber. Ele abr e mão
dos ideais libertários e admite a fatalidade de um
mundo rotinizado, industrializado e racionalizado
conforme os ditames da burocratização do Estado
Moderno.

- 30 -
Por sua vez, uma das características de
Habermas foi não ter aberto mão da esperança e da
utopia. Postulados básicos empunhados pelo
Iluminismo contra as razões obscurantistas. Nisto
Habermas aproxima -se do marxismo. A teoria
social de Habermas pretende contribuir para a
emancipação humana. Possui uma forte crença nas
energias da democracia. Cont ra a colonização do
sistema (a lógica e regulação do mercado e as
intervenções do Estado), resiste o mundo social da
vida. Enquanto as relações sociais no sistema são
marcadas por imperativos enunciados por
autoridades sem rostos, onde as técnicas e as
tecnologias e os discursos tecnocráticos se
orientam por uma razão monológica; no mundo da
vida a interação social se funda na ética solidária,
numa razão dialógica, onde os locutores fazem
emergir espaços públicos onde se busca o consenso
progressivo. Exempl os desses espaços seriam os
novos movimentos sociais que surgiram nas
décadas de setenta e oitenta no Brasil. Ao
contrário de se submeterem à razão estratégica de
conteúdo utilitarista e corporativa, conforme os
partidos políticos e sindicatos, os novos
movimentos sociais (feminista, ecológico, por
exemplo), segundo Habermas, atuariam sob os
princípios do que compreende como razão
comunicativa.
A ciência que para Weber (1982, p. 154 -186)
é um alívio diante da racionalização do mundo

- 31 -
capitalista, desde que f ecundada pela vocação,
aparece em Habermas “como ideologia”. Isso não
significa a derrota da razão ou que devemos nos
entregar ao desespero do niilismo e do
irracionalismo.
É verdade que as ideologias com e através
dos discursos distorcem a verdade, oblite ram a
transparência, reificam as formas sociais. Mesmo
assim, através de princípios que persistem no
mundo social da vida como a honestidade, a
solidariedade e a transparência há possibilidades
de se garantir, para Habermas, sentidos e práticas
sociais virtuosos. O ser humano pode reavivar
intersubjetividades fundadas na razão
comunicativa. A razão não se reduziria à razão
instrumental. Esta é apenas uma das suas faces ao
lado da razão estético -expressiva e comunicativa,
que se autonomizou dos “conteúdos do mundo da
vida dos grupos sociais e dos sujeitos
socializados” na modernidade.
Habermas acredita na ampliação da
democracia, nas potencialidades de ambientes
sociais que valorizem decisões baseadas no
princípio do consenso progressivo através do
diálogo, que instaurem práticas sociais interativas
onde se busque a pretensão de validar os discursos
através de fundamentações legítimas, na
possibilidade do mundo social da vida impedir o
sistema colonizar – ou racionalizar, na linguagem
de Weber – as potencialid ades de libertação que

- 32 -
foram despertadas com o Renascimento,
Humanismo e o Iluminismo.
Se Habermas afasta-se de Weber em
determinados aspectos da teoria social parece
aproximar-se dele em outros. Na medida em que
seu foco é a democratização do poder, conqu istada
e ampliada, paulatinamente, com o ingresso, cada
vez maior, de “novos movimentos sociais” na
arena política. E com a inserção desses
movimentos vai se desenhando e se conformando
um projeto coletivo de sociedade. Como fica,
nesse processo, o núcleo duro que resiste, desde a
aurora do capitalismo, a politização empreendida
pelos novos movimentos sociais, o mundo do
trabalho? Quais as possibilidades da
democratização do poder nessa “esfera privada”,
que é o mundo do trabalho, justamente quando se
pretende alargar práticas sociais baseadas no agir
comunicativo?
Ao incluir o mundo do trabalho no âmbito
dos subsistemas da razão instrumental Habermas
parece revelar uma descrença na atuação de
energias emancipatórias da razão comunicativa
nesse mundo. Tudo i ndica que ele se conformou às
normas discursivas existentes nesse mundo. Weber
enquadrou-o sob a égide das normas burocráticas.
Normas que funcionam sob o imperativo do
capital. Ora, se render a esse fato é abortar o
projeto de resistência da razão comunic ativa. A
não ser que pensemos burocraticamente, e aí sob a

- 33 -
lógica, mais uma vez, da razão instrumental: que
existem vários mundos e uma racionalidade
apropriada para cada um deles. Com esse
argumento, naturalizamos e reproduzimos a ideia
da divisão social do trabalho no contexto da
racionalização da sociedade, uma espécie de
divisão social da racionalidade entre as duas
grandes esferas da modernidade: o quadro
institucional e os subsistemas da razão
instrumental. O mundo do trabalho compreendido
neste subsistema.
A complexidade do mundo do trabalho faz
duvidar dessa taxionomia de Habermas. Faz
questionar a rigidez da sua visão dualista de
sociedade. Dentro desse mundo convivem as
diversas faces da razão: a instrumental, a estético -
expressiva, a comunicativa e até outras. A
hegemonia entre elas se define pela correlação de
poder existente em cada unidade de produção. O
tipo de organização social do trabalho também é
um complexo social importante que deve ser
considerado. Um empreendimento econômico
baseado no trabalho autônomo se diferencia de um
empreendimento econômico baseado no trabalho
assalariado. Observa-se nas organizações do
primeiro tipo a utilização expressiva de princípios
normalmente encontrados no mundo social da
vida, que fortalecem uma intersubj etividade
comunicativa.

- 34 -
A autogestão do trabalho, no âmbito da
economia solidária (KRAYCHETE, 2000;
SINGER & SOUZA, 2000), vem sendo apontada
por teóricos da sociedade como pertencendo aos
novos movimentos sociais. Portanto, resistindo à
colonização do sis tema no seu próprio interior (um
combate camicase?). Se eles estiverem corretos em
suas análises isso exige, no mínimo, que se reveja
a visão dualista habermasiana de sociedade, que se
reconsidere o enquadramento unilateral do mundo
do trabalho no subsiste ma da razão instrumental,
que se admita o conflito entre razão instrumental
e razão comunicativa em seu contexto, que se faça
uma crítica propositiva ao enquadramento desse
mundo na esfera privada e se pesquise os
processos de politização nesse mundo no se io da
economia solidária.
Não há porque aceitar a inclusão grega da
economia na esfera privada e rejeitá -la no âmbito
da esfera pública. Tanto Habermas como Hannah
Arendt parecem admitir acriticamente a
localização do mundo do trabalho na esfera
privada. Desta aceitação decorre uma série de
consequências teóricas e práticas, que não poderei
tratar nesse trabalho. Tivessem esses autores
admitido a hipótese contrária, o mundo do trabalho
inserido na esfera pública, suas conclusões e
teorias sociais se colocar iam, necessariamente, de
uma outra forma. No que concerne
especificamente a Habermas ele não teria tratado

- 35 -
com desprezo o mundo do trabalho (ANTUNES,
2000) tendo em vista a dimensão que ele atribui a
razão comunicativa no processo de emancipação
do ser hum ano. O enquadramento unilateral do
mundo social do trabalho ao sistema limita muito
o universo daquilo que ele chama de mundo social
da vida. Como se o trabalho tivesse sido capturado
“para sempre” pelo sistema; fosse “gene” do qual
se desdobraria o sistem a.
Como Habermas vê a sociedade? Quais as
críticas que ele faz a modernidade? Quais as
consequências da secundarização do mundo do
trabalho para o projeto emancipatório na
modernidade? É possível pensar a sociabilidade do
trabalho humano nos termos em que Habermas
pensa a complexa sociabilidade do mundo social
da vida?. A intenção é, tão somente, aproximar
Habermas da perspectiva Marxiana; procurando na
democracia radical, na revolução social contra o
sistema capital, verificar as contribuições
oferecidas p ela teoria do agir comunicativo. No
capitalismo, Habermas que me perdoe, é
ingenuidade política pensar na eficácia prática de
sua teoria. Mas ele tem muito a nos ensinar com
sua teoria do agir comunicativo, utilizada na
análise da modernidade, na crítica d a sociedade e
da filosofia do sujeito.

- 36 -
1.2 Esboço da teoria do agir comunicativo

Observando os limites conceituais das


razões modernas, reduzidas ao aspecto cognitivo -
instrumental, Habermas amplia o seu significado.
Além do aspecto cognitivo -instrumental ele inclui
a dimensão normativa e estético -expressiva. A
razão ampliada de Habermas supera o aspecto
monológico e assume uma tridimensionalidade
que, em termos esquemáticos, pode ser
representada na figura 1 :

Figura 1 – Tridimensionalidade de Habermas


RAZÃO RAZÃO
COGNITIVA RAZÃO ESTÉTICO
INSTRUMENTAL NORMATIVA EXPRESSIVA

Fo nt e: o a uto r

Habermas argumenta que em contextos onde


se exige a negociação para se chegar a um
entendimento sobre fatos, normas ou vivências,
deve imperar a razão comunicativa ou normativa.
Esta comportaria três dimensões do mundo: o
objetivo (fatos, acontecimentos); o social (normas
e solidariedade) e o subjetivo (sentimentos e
emoções). Nos espaços onde predomina a razão
normativa a linguagem e as características
simbólicas assumem aspectos relevantes. De
acordo com Rouanet (1987, p. 159) tais el ementos

- 37 -
garantiriam a possibilidade do consenso
progressivo:

Cad a lo c uto r , p ar t ic i p and o d e u ma


in ter ação li n g u is ti ca me nt e med iat izad a,
es tá al e ga nd o q u e s ua s afir ma çõ e s so b r e
fa to s e a co nt eci me nto s são v erd ad e ira s,
q ue a no r ma s ub j ace n te às s ua s açõ es é
j us ta e q ue a e xp r es são d o s s e u s
se n ti me n to s é v er a z.

A razão comunicativa sobre fato, norma e


expressão também é constituída por afirmações
verdadeiras, ações justas e sentimento veraz,
respectivamente. Os locutores, células desse
contexto dialógico, são os protagonistas de
sociabilidades que conformam e legitimam a
racionalidade comunicativa. Ao admitir a locução,
quem interliga os locutores, Habermas privilegia
os atos de fala como linguagem. Ora, tudo é
linguagem, não há interação humanamente
possível sem estar mediatizada pela linguagem, a
fala é uma modalidade de linguagem. Mas em
contextos normativos os atos de fala assumem
características próprias na formação de
personalidades das pessoas. É através dos atos de
fala que os locutores buscam validar as mensagens
proferidas. O processo de validação é básico para
se estabelecer a possibilidade do consenso
progressivo.
As pretensões de validade podem ser aceitas
ou contestadas. Se o entendimento visado pelo

- 38 -
processo comunicativo é aceito pelos locutores
garante-se o consenso progressivo; se rejeitado,
desencadeia-se um processo argumentativo com
vistas a garantir o espaço que viabilize as bases do
consenso progressivo.
Habermas classifica a ação comunicativa,
voltada para garantir espaços que busquem
estabelecer consensos progressivos, em dois tipos:
a) a ação instrumental, que segue normas técnicas
e busca transformar o mundo objetivo e b) a ação
social, que se caracteriza por ser estratégica,
observadora das regras de escolha racional e busca
persuadir diferentes locutores que participam do
diálogo.
Ao contrário dos subsistemas onde
predominam a razão instrumental, em que os atos
de fala são imperativos e independem do
enunciador e se admite, inclusive, a hipótese da
incontestabilidade. Em contextos onde pr edomina
a ação comunicativa os locutores contestam e
questionam recomendações baseadas em normas,
na medida em que se revelem ilegítimas.
Em função de tais aspectos Rouanet (1987,
p. 159) distingue os atos de fala imperativos dos
atos de fala normativos:

I mp er at i vo s são d i f er e n te s d e no r ma s e
não co mp o r ta m p r et e ns õ es d e va lid ad e,
ma s d e p o d er , p o r q ue o i nt erlo c uto r
o b ed ece c e ga me n te a i mp e rat i vo s, p ara
ev it ar s a nçõ e s / .../ [ Da í q ue] q u a nd o u ma
no r ma é r ej ei tad a, e n tr a e m j o go a crí ti ca:

- 39 -
q ua nd o u m i mp er at i v o é rej eitad o , e ntr a
e m j o go u m co n tr ap o d e r. P o d er só p o d e
ser s ub st it u íd o p o r o u tr o p o d er.

Os lugares próprios da razão comunicativa


além de comportar o consenso progressivo, a
aceitação crítica e/ou rejeição das pretensões de
validade, também admitem a historicidade. Isto
significa que há uma correlação de forças entre
racionalidade técnica e racionalidade
comunicativa, em contextos da razão
comunicativa; e, dependendo da conjuntura, a
racionalidade técnica pode exercer hegemonia.
Persiste uma dualidade de poder no contexto da
modernidade (COUTINHO, 1987), no espaço
interativo.
De acordo com Habermas a hegemonia da
razão técnica em âmbitos normativos constitui
uma anomalia ou distorção, um desvio com relação
à perspectiva comunicacional. Um dos
explicadores dessa distorção são as ideologias.
Como dificilmente as ideologias se disciplinam na
modernidade tais distorções dificilmente serão
controláveis e contornáveis.
As ideologias invadem o processo
argumentativo, as barreiras para impedir tal
invasão são difíceis de serem edificadas e
fortalecidas. Elas invadem e distorcem a
comunicação intersubjetiva. Tal infiltração mostra
a fragilidade da objetividade discursiva,
afirmando os interesses de poder nelas embutido e

- 40 -
revelando a falácia da busca desinteressada da
verdade. O processo de consenso progressivo pode
ser condicionado pelas artimanhas das ideologias.
O problema é saber, precisamente, quando a
argumentação sofre o ataque ideológico e se existe
argumentação sem ideologia. É plausível a
hipótese de Habermas ou essa distorção tem causa
em outro determinante social 1?
Admitindo tal distorção Habermas sugere
que os interlocutores devem estar atentos a alguns
aspectos dos atos de fala no processo
argumentativo: a validade e gênese do discurso, a
força persuasiva e as constelações de poder, as
formas e contextos em que estão situados. No
âmbito da razão comunicativa e mesmo da razão
estético-expressiva, a luta pelo exercício do poder
influencia os fluxos argumentativos. A validade e
gênese do argumento bem como as forças
persuasivas explicitam os poderes que se agarram
e aderem ao argumento. Com isso Habermas
admite a perda de espontaneidade dos locutores
nas relações intersubjetivas. É necessário cada
interlocutor instituir censores internos que vigiem
e rastreiem os atos de fala com intenção e

1
P ara Mar x e Gr a ms ci a id eo lo g ia é co ns ti t ut i va d o se r
so c ial . P o rta nto , el as p l as ma m o p r o ce s so ar g u me n ta ti vo .
Não há co mo er g uer b a r r eir a s co n tr a a s id eo lo gi a s. El as
não se lo ca li zar ia m à p a r te d o ser so ci al, ma s a es te seri a
i ma ne n te s. De s te p o nto d e vi s ta é u m eq uí vo co p en sa r e m
in v a são e d is to r ç ão d a co mu n i caç ão i nt er s ub j et i va
p r o vo c ad o p e la s id eo lo g ia s.

- 41 -
capacidade de identificar as ideologias e o poder
oculto no discurso. E isto de acordo com a
constelação de cada ambiente. Mesmo assim,
corre-se o risco desse identificador interno, esse
policial que espreita e vigia, ser corrompido, uma
vez que ideologias não têm caráter ou pudor, seu
objetivo, na acepção habermasiana, é iludir,
trapacear e falsear a veracidade argumentativa.
Nas palavras de Michael Löwy em As Aventuras de
Karl Marx contra o Barão de Münchhausen 2,
ideologia é falsa consciência. Essa concepção de
ideologia empobrece a teoria de Habermas.
Na interpretação de Rouanet nas relações
argumentativas entre locutores, a desonestidade é
uma possibilidade e seu antídoto é a
fundamentação. Isto significa admitir conflit os
latentes, mesmo em contextos normativos. Como
mundo humano, ambientes organizados sob a razão
comunicativa não estão imunes às distorções
provocadas pelas ideologias. A alternativa
otimista seria admitir hipoteticamente a
veracidade dos locutores e atri buir possíveis
distorções à ignorância ou ao inconsciente. Dessa
forma se rejeita cabalmente a ideia dos
interlocutores agirem em contextos do mundo da
vida com intenção consciente de “trapacear”.

2
LÖWY, Michael. As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de
Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento.
São Paulo: Busca Vida, 1987.

- 42 -
No p r o ce s so ar g u me n t ati vo , E go d e ve
s up o r q u e Al ter é v er a z, p o i s d e o u tra
fo r ma não i n gr e s sar ia na r el ação
ar g u me nt at i va, e ao m es mo te mp o ser
se n sí v el à p o ss ib i lid ad e d e q ue atr á s d a
no r ma i n vo cad o p o r Alt er e stej a u m
i mp er a ti vo d i s si mu lad o e d es co n hec id o
d o p r ó p r io i n ter lo c u to r , n a med id a e m
q ue se tr at a d e u m p r o ce s so id eo ló gico e ,
p o r ta nto , e m gr a nd e med id a i n co ns cie n te.
( R OU ANET , 1 9 8 7 , p . 6 0 )

Os participantes em processos sociais que


buscam o consenso progressivo, na medida em que
pretendem validar suas mensagens são obrigados a
fundamentar suas afirmaç ões e discursos. Para
Habermas (1995, p. 376) a fundamentação é o
explicitador de ideologias. No processo dialógico
o desdobramento das explicações que
fundamentam o discurso, no seu prosseguir, acaba
revelando as intenções do interlocutor.

A tar e fa d a f u nd a m e n tação , i sto é, a


cr ít ic a d as p r et e nsõ e s d e va lid ad e
r eal izad as n a p er sp e ct i v a d o p art ic ip a nt e,
não p o d e e m úl ti ma i ns tâ n cia s er
d is so c iad a d o p o n to d e v i sta ge né ti co ,
q ue d e s e mb o ca n u ma c rít ica id eo ló g ica
r eal izad a na p er sp e ct i va d a ter cei ra
p es so a, d ir i g id a à mi s t u ra d e p re te n sõ e s
d e p o d er e d e ver d ad e . (H AB E RM AS ,
1995, p. 376)

Na dicotomia básica entre o espaço racional


normativo e o espaço cognitivo -instrumental
Habermas formula a sua teoria da sociedade, que

- 43 -
comporta o choque entre dois mundos: o sis tema e
o mundo da vida. O que incomoda na teoria
habermasiana é a redução do mundo da vida a uma
certa contenção das invasões e colonização do
sistema. Impor barreiras parece a única ação
possível, e prudente, do mundo da vida, frente aos
ataques do sistem a, o que se faz com a
fundamentação do discurso.
O mundo social da vida seria constituído de
ambientes próprios para manifestação das
interações espontâneas voltadas para constituir
consensos progressivos; marcado por princípios
implícitos às argumentações formuladas na
intenção de serem validadas; as evidências são
aceitas como princípios, portanto, sem a
necessidade de serem tematizadas; admite -se
certezas pré-reflexivas incontestáveis, como a
postura veraz dos locutores. O mundo da vida pode
ser consider ado como o escopo do espaço
normativo ideal, lugar privilegiado da
racionalidade comunicativa. São exemplos de
espaços ordenados segundo a razão comunicativa
a família, a escola, as “organizações de tempo
livre”, etc.
De acordo com Rouanet (1987, p. 161) s ão
três os componentes do mundo da vida: cultura,
sociedade e personalidade.

- 44 -
A c u lt ur a é o e sto q u e d e sab er d a
co mu n id ad e q u e co nté m o s co n te úd o s
se mâ n t ico s da tr ad i ção , o nd e os
p ar ti cip a nte s s e ab as te c e m d o s mo d elo s
in ter p r et at i vo s ne ce s sár io s ao p ro c e ss o
co mu n ic at i vo . A so c ied a d e, st r ictu sen su ,
é co mp o st a d o s o r d e na me n to s l e gí ti mo s
p elo s q u ai s o s p ar t icip a nt e s re g ul a m s u a
so l id ar ied ad e co m d e te r mi nad o s gr up o s
so c iai s. A p er so n al id ad e é u m co nj u nto
d e co mp e tê nc ia s q ue q ua li fic a m u m
s uj ei to p ar a p ar ti cip a r d e i nt eraçõ e s e q ue
p er mi te m a e ss e s uj e ito co n s tr uir e
co n so lid ar s u a id e nt id ad e.

O sistema é um espaço na modernidade


marcado pela racionalidade instrumental. Embora
historicamente a racionalidade hegemônica nesse
espaço tenha origem no mundo da vida, dele se
desprendeu para voltar -se contra ele num momento
seguinte, imbuído da intencionalidade de dominá -
lo e submetê-lo. Tal espaço integra -se
legitimamente sob uma regulação própria. São
exemplos desse espaço os contextos da economia
(regulada pelo meio dinheiro); da ciência e
tecnologia (regulada pelo meio ideologia; o Estado
weberiano burocrático (regulado pelo meio poder).
No confronto entre esses mundos Habermas
constata, na modernidade, uma tendência
constante do sistema colonizar o mundo da vida, e
as crises estruturais do capitalismo tardio devido
a este fato. A descolonização exigiria a
reconquista de complexos do mundo da vida,
perdidos para o sistema político estatal, científico

- 45 -
e tecnológico e econômico. Para se contrapor a
essa violência Habermas propõe armas distintas
daquelas utilizadas pelo sistema. Ao contrário da
ação estratégica ele apresenta a ação
comunicativa.

- 46 -
C APÍTULO 2

A M ODERNIDADE EM H ABERMAS

Habermas concebe a modernidade


constituída de duas esferas, a cultural e a social.
No âmbito da esfera cultural a modernidade
dessacralizou as visões de mundo tradicional,
realizando uma crítica mordaz às visões míticas e
religiosas. A fé cristã no destino, na criação divina
e o conhecimento como causa do pecado original
foram radicalment e abalados como critérios de
coesão social. No lugar dos princípios religiosos
forjaram-se as esferas axiológicas da ciência, da
moral e da arte. Tais esferas, retomadas a partir da
cultura greco-romana, passaram a ser reguladas
pela razão e não mais pela revelação. As visões e
decisões passaram a ser atribuídas ao julgamento
humano.
Foi nesse contexto que se desdobrou e se
cristalizou a filosofia do sujeito: a ideia do ser
humano como ser autônomo e autor da história. O
destino, a criação e o conhecimento sobre o mundo
espiritual e físico passaram a ter como autoridade
o ser humano. O humanismo é o movimento
estético e representante autêntico da filosofia do
sujeito: o homem como centro do universo, e a

- 47 -
humanização de onde tudo se origina e que a todos
provê.
A história passou a se confundir com a
história da humanização do ser humano.
Humanização que se processou em duas direções.
De um lado no desenvolvimento dos potenciais
científicos, morais estéticos e de outro no da
racionalização. Ambos contribuíram p ara a
autonomização ou desencaixe, como prefere
Giddens, de campos sociais que até então existiam
como potência nas sociedades tradicionais.
No âmbito social a modernidade se
caracteriza por complexos de ações autônomas (o
Estado e a economia), que escapam
crescentemente ao controle consciente dos
indivíduos, através de dinamismos anônimos e
trans-individuais (o processo de burocratização,
por exemplo).
O social e seus complexos, enriquecidos por
práticas e vivências, seja no âmbito do Estado, da
economia e da cotidianidade, não existe em sua
dinâmica totalmente fora de controle. A
burocracia, por exemplo, é uma forma de controle
tecnocrático das sociedades modernas, diferente
da forma de controle aristocrático feudal e
imperial. Seja como aristocracia ou bu rocracia
esta forma de controle já existia no Antigo Regime
que antecedeu ao capitalismo (TOCQUEVILLE,
1979). No contexto capitalista, essa “aristocracia”
é essencialmente tecnocrática, dada a nova

- 48 -
configuração da divisão técnica de trabalho e das
relações sociais de produção. Seus títulos
mobiliários não são mais os condes, barões e
marqueses: os nobres; mas os médicos,
engenheiros, advogados, economistas: os
profissionais . Na modernidade o status que
distingue homens e mulheres são os títulos
adquiridos no sistema escolar, legitimado pelo
espírito da meritocracia, inscrita na ideologia do
individualismo. A Política e a economia foram
fundidas na modernidade, para viabilizar
extensivamente o controle dos complexos sociais.
A regulação da sociedade ocorre so b os auspícios
das elites hegemônicas nessas esferas: econômica,
política e social.
O capitalismo é um modo de produção que a
sua dinâmica funcional impõe a socialização do
poder e das riquezas, dado as suas características
de concorrência econômica, que e xige, em escala
ampliada, mercados cada vez mais extensos, e a
representação política como legitimação do
sistema de poder. Essa socialização e as formas
como ela é operada lhes garantem legitimidade
política e social ao mesmo tempo em que lhes
conferem a neutralidade suficiente para encobrir a
dominação.
Apesar de a burocratização ser um processo
coletivo, muitas vezes percebido como necessário
e natural ao funcionamento do sistema – “trans-
individual” – é decorrente do jogo de forças e

- 49 -
“negociação silenci osa” (dissimulada) entre
grupos e classes sociais diversas; vale dizer,
interesses divergentes que, em algum momento, se
conciliaram de maneira “surda”, num consenso
progressivo forjado historicamente. Por isso esse
processo não pode ser entendido como “di namismo
anônimo”, como pensa Rouanet (1987, p. 149).
A abordagem dos complexos cultural e
social coloca Habermas como um típico
representante do pensamento crítico moderno. Ele
é receptivo às esperanças que alimentam o espírito
da modernidade. A dessacral ização promovida
pelo humanismo renascentista, primeiro portal de
entrada para o mundo moderno (HELLER, 1982),
fez nascer espaços e práticas sociais que
reacenderam consigo a razão comunicativa em
meio às formas ideológicas de dominação.
Habermas constata desde a origem da
modernidade a existência de um drama: enquanto
no âmbito cultural e intelectual observa -se o
alargamento da emancipação do ser humano, uma
abertura para o desenvolvimento das
potencialidades humanas. O complexo social
apresenta desempenho dispare 3. Neste verifica -se

3
P o d e mo s, e n tão , ad mi t ir q ue a r azão co mu n i c ati v a s e
ef et i va ma i s co n cr e ta me n te no s co mp l e xo s cu lt ur al e
so c ial , d e ma n eir a d i v er s a. P o r co n se g u i n te, e n fre n ta
d iv er sa s d i fi c uld ad es p ar a se o b j eti v ar. Es ta a ss ert i va
s u ger e al g u ma s q u es tõ e s: o q ue p er mi ti u no co mp le xo d a
cu lt ur a e d a so c iab ilid a d e a r a zão co mu n i ca ti v a a v a nçar
ma i s d o q ue e m o utr o s co mp le xo s d o s er so ci al? O q ue

- 50 -
fatos eticamente inaceitáveis: fome, concentração
de riquezas, destruição da biosfera, guerras,
desemprego, analfabetismo. A realidade histórica
que projetou a emancipação do ser humano acabou
por abortá-la.
Concordando com tal paradoxo Agnes
Heller 4 (1982, p. 9) argumenta que a modernidade
despertou a consciência histórica do ser humano,
mas a realização histórica dessa consciência foi
impedida pelas contradições do capitalismo. Em
outros termos, a modernidade enquanto projeto
civilizatório é bem mais ampla do que o
capitalismo. Este constitui apenas um modo de
produção historicamente possível no interior do
projeto civilizatório da modernidade (NORBERT
ELIAS, 1994, 2 v.).

exp li ca o co n str a n gi m e nto d a r az ão co mu n i ca t iv a ne s se s


ca mp o s te má t ico s? O q u e j u sti f ic a a s r e si s tê nc ia s e fo rç a s
d e o u tra s fo r ma s d e r a zão co ntr a a r az ão co m u ni ca ti va?
Co mo a raz ão co mu n i c a ti va s e ma ter ial iz a no s co mp le xo s
d a c ul t ura e d o so c i al na mo d er n id ad e? É p rec iso
id e nt i fi car ta i s fo r ça s e r e si s tê nc ia s p ara a va l iar mo s as
ca us a s e xp l ica ti v as d o d r a ma al ud id o p o r Hab er m as. Se nd o
verd ad e ira s e s sa s d i fer e nç as d a fo r ma d e a t uaç ã o d a ra zão
co mu n ic at i va, co nt i n ua r a tr ata r a at ua ção d e fo r ma
ho mo gê n ea n e ss as e s fe r as i mp ed e m q u e a v a n ce mo s na
p o s sib ili d ad e d e co n tr i b ui r p ar a u ma p ro p o si ção ma i s
ef et i va d a at ua ção d a r az ão co mu n i ca ti v a no â mb i to so c ial .
4
HE LLE R, A. O ho me m do R ena s ci me nto . Li sb o a :
P r ese n ça,
1982.

- 51 -
Uma formulação mais adequada do ponto de
vista de Heller seria considerar que embora a
modernidade tenha aberto condições para a
emergência da razão comunicativa o capitalismo
obliterou e, com isso, bloqueou as suas
potencialidades no âmbito social. A causa
explicativa do drama da modernidade encontra -se
no modo de produção capitalista. O projeto
civilizatório da modernidade para prosseguir na
história tem que construir outro modo de produção
social de existência, o que tem consequências
genéricas e particulares, imprevistas. Como
estamos vendo, o novo e o indiz ível marcam o
espírito da modernidade.
Ao admitir que o problema da modernidade
se encontre nos entraves sociais que impedem a
razão comunicativa se realizar plenamente, a
superação desses entraves significa um
pressuposto para a realização das potencialid ades
humanas. A modernidade lhe aparece como um
projeto inacabado e inconcluso. Existem forças
que impedem essa realização, não é resultado nem
do Espírito, tampouco da Natureza, o ser humano
é um ser histórico. Habermas admite a
possibilidade do ser human o transcender as
circunstâncias sociais, desde que sob a
racionalidade comunicativa, aquela que seria
capaz de levar a cabo as virtualidades
emancipatórias do projeto iluminista.

- 52 -
Habermas realiza três críticas à
modernidade: crítica a sociedade, ao saber e a
filosofia do sujeito. Iremos focar a duas dessas
críticas: a crítica da sociedade e a crítica a
filosofia do sujeito.

2.1 Crítica da sociedade moderna

Na sociedade moderna persiste, para


Habermas, opressão e violência. Isto significa que
existem formas e exercícios de poder ilegítimos
atuando ativamente na totalidade complexa do ser
social. A questão que se coloca, então, é
compreender como se efetivam os mecanismos
ilegítimos de dominação visando contrapor -se a
ele e concretizar o projeto emancipatóri o na
modernidade. O problema é como construir uma
dominação legítima no sistema capitalista. Mas é
possível haver legitimidade da razão comunicativa
neste sistema?
De acordo com Habermas, em Técnica e
Ciência Como “Ideologia” , as formas ilegítimas
de poder se sustentam pelas ideologias, que
facilitam a dominação do subsistema de ação
instrumental (a burocracia e o mercado) sobre a
esfera da interação, o mundo da vida ou mundo
cotidiano. Em outros termos, as forças
vivificadoras do controle técnico sobre a n atureza,
sobre o “complexo de normas que orientam a
interação linguisticamente mediatizadas” – a

- 53 -
racionalidade instrumental (norteada pelo máximo
de prazer) – domina a razão simbólica e
comunicativa (razões que protagonizariam, para
Habermas, a solidarieda de).
A expansão da racionalidade utilitarista para
outros contextos sociais escravizaria
racionalidades outras distintas da racionalidade
estratégico-finalista. O problema da invasão e
colonização da razão instrumental sobre outros
tipos de racionalidade n ão é, para Habermas, um
problema ontológico, próprio da modernização
capitalista, mas funcional 5. Haveria certa
disfunção da modernidade possível de ser
corrigida.
Parece que nesse particular Habermas
admite um ponto de equilíbrio entre os
subsistemas da r azão instrumental e o quadro
institucional que seja capaz de estabilizar tal
inconformidade. A cristalização de uma fronteira
parece, na acepção habermasiana, suficiente para
corrigir as investidas da razão instrumental. Ele
parece discordar de uma mudança qualitativa na
modernidade. Esta perspectiva de Marcuse vê o
problema da ruptura como uma especificidade da

5
Es se é u m d o s p r o b le ma s d a p er sp e ct i va e ma n cip ató ri a d e
Hab er ma s . A me u v er co n f i g ur a u ma e ma n c ip aç ã o p arci al.
A ma ter ia lid ad e d a d o mi n aç ão d o cap ita l n ão se e fet i va
p ela ra zão , ma s f u nd a me n ta l me n te no mu n d o d a v id a e
co mo e ste es tá d is so c ia d o d o mu nd o d o t rab a l ho não o
alca n ça. É e s se fa to q ue p ar ece ab o r tar a p ro p o si ção
hab er ma si a na.

- 54 -
modernidade capitalista. Marx já apontou essa
contradição imanente ao sistema capitalista, capaz
de ser resolvida apenas sob uma nova ordem
social, ainda que no contexto da modernidade. O
socialismo e o comunismo aparecem como
momentos de radicalização que forjam a
descolonização do mundo social da vida pela razão
instrumental, mas através da revolução, dado a
impossibilidade de se estabelecer o cons enso entre
as forças sociais em luta.
A dinâmica entre o quadro institucional e o
subsistema de ação instrumental está na base das
explicações da dominação ilegítima. Dinâmica
marcada por uma forma de equilíbrio instável.
Rouanet (1987, p. 157) expõe como Habermas
explicita a convivência entre o quadro
institucional e o subsistema da ação instrumental,
em três contextos históricos.

a) Nas sociedades tradicionais havia uma


clara superioridade do quadro
institucional sobre os subsistemas de
ação instrumental. O quadro
institucional era quem oferecia as visões
do mundo legiti madoras da or dem social,
possuía um caráter mítico, reli gioso e
metafísico. As consequências práticas da
primazia do quadro institucional sobre os
sistemas de ação i nstrumental eram
j ustificar o poder da classe hegemônica.
Dessa for ma esse poder i mpediria a

- 55 -
temati zação da sua ilegiti midade. O
quadro institucional tinha um caráter
político, quem deter minava a for ma e as
características de funcionamento da ação
instrumental.
b) No capitalismo conco rrencial a ação
instrumental ganha autonomia e passa a
sobrepuj ar a esfera interativa. Isto
significa que o individualismo e a
competitividade, como valores, ganham
universalidade e passam a legiti mar as
práticas sociais. O mercado e a
apropriação pri vada passam a definir os
lugares dos indi víduos e estruturar a
hierarquia social. A regulação social
operada pela esfera econômica se
caracteriza pelo discurso técnico,
despolitizando as deci sões, a dominação
se torna invisí vel.
c) O capitalismo monopolista é palc o de
nova mutação. As crises, ainda tênues no
capitalismo concorrencial, se explicitam
a luz do dia e o Est ado é chamado a
intervir para i mpedir o colapso da ordem
capitalista. As medidas anticíclicas e as
políticas voltadas para o bem -estar social
revelam o “esgotamento” do mercado
como regulador soci al [da produção,
distribuição e circulação] do poder e das
riquezas. Haber mas vê nesse movi mento
a repolitização dos subsistemas de ação
instrumental, apesar de persistir relações
de poder assi métricas.

- 56 -
Habermas em sua crítica a sociedade não
trabalha com os conceitos de sociedade civil e de
hegemonia desenvolvidos por Gramsci. Eles são de
grande potencial explicativo se incorporados
criticamente à crítica habermasiana da sociedade
moderna. A organização inter nacional do Estado
Moderno no pós -guerra, foi marcada pela Guerra
Fria, era inspirada em bases estratégicas e não em
bases interativas. E mesmo no contexto do Estado
de providência os subsistemas de ação
instrumental, através das forças tecnoburocráticas,
não deixaram de expandir a racionalidade
instrumental, apesar da emergência dos partidos de
massa e dos movimentos sociais.
Se na civilização tradicional a legitimação
era operada desde cima pela aristocracia, na
civilização moderna, seja no capitalismo
concorrencial ou monopolista, a legitimação
persiste sendo operada pelo alto, pelos que
controlam os mecanismos de distribuição de poder
e riquezas. Não importa o lugar de onde parte a
legitimação da dominação, se do quadro
institucional ou do subsistema de ação
instrumental. O que importa é o “campo de forças
sociais” que preside e dirige a legitimação da
dominação. Naqueles ou em qualquer espaço da
sociedade. O que se revela na modernidade
capitalista é uma fusão de classes hegemônicas na

- 57 -
política e na economia, estruturantes de um novo
quadro institucional e processo de legitimação.
Habermas não ressalta tal conflito no
capitalismo tardio. Seu programa teórico, desde a
Mudança Estrutural da Esfera Pública foi
considerar, de um lado, o tradicional e, de outr o, a
modernidade enquanto projeto civilizatório. O
capitalismo não aparece como particularidade
histórica na modernidade, mas confunde -se com
ela.
Para legitimar -se o capitalismo monopolista
passou a “transformar medidas práticas em
medidas técnicas [e] ap resentar as tarefas do
Estado como tarefas puramente administrativas,
sujeitas a regras, que não precisam de qualquer
justificação senão a sua própria eficácia, e não as
normas, que exigiriam uma tematização
inconveniente que acabaria por tornar transparen te
a estrutura do sistema de dominação” (ROUANET,
1987, p. 158).
De acordo com Rouanet (ibidem, p. 158),
“nas sociedades tradicionais o poder é justificado
pelos mitos e pela religião , no capitalismo liberal
é mascarado pela ideologia da justa troca e no
capitalismo tardio é escamoteado por uma
ideologia que nega a existência de algo a ser
legitimado”.
Com a justificativa baseada em diferentes
ideologias ( mitos e religião; justa troca e
escamoteação ou neutralidade da norma) os

- 58 -
servos e escravos nas socieda des tradicionais e os
assalariados na modernidade, foram excluídos do
exercício de governar. Essas forças são aquelas
que atuam no contexto da esfera interativa.

2.2 Crítica à filosofia do sujeito

O sujeito e a filosofia do sujeito são


produtos da civili zação moderna. Do primeiro
sopro dessa civilização, em torno do século XVI,
nasceram seus primogênitos: o Renascimento e o
Humanismo. Neste contexto emergiu a consciência
do homem como ser histórico. Uma nova era que
trouxe ideais, sonhos e desejos de proj etos e
conquistas. Mas o egoísmo, o desemprego e a
degradação ambiental também vieram com a
modernidade. Os limites pré -modernos como o
Juízo Final, a predestinação e a criação divina do
universo foram suspensos para dar lugar a novas
visões de mundo. O di a do Juízo Final foi afastado,
a vida presente passou a ser uma alternativa
concreta frente às promessas de um paraíso
celestial. O peso do pecado original foi sacudido
dos ombros de homens e mulheres e as
potencialidades humanas valorizadas e postas sob
a responsabilidade da vontade e das condições
sociais.
Agnes Heller (1982, p. 9) enumera as
transformações operadas na civilização moderna:

- 59 -
a) O indi víduo passa a ter a sua própria
história de desenvolvi mento pessoal, tal
como a sociedade adquire também a sua
história de desenvol vi mento;
b) As identidades contraditórias entre
indivíduo [particularidade] e sociedade
[universalidade] se manifestam em todas as
categorias fundamentais;
c) A relação entre indi ví duo e situação social
torna -se fluida; o passado, o presente e o
futuro (o tempo) transformam -se e m
criações humanas. Nesse contexto
cristalizam os sentimentos genéricos de
liberdade, fraternidade e i gualdade;
d) O tempo e o espaço humani zam -se e as
proj eções de um mundo j usto, i gualitário e
democrático transfor ma -se e m utopias
possíveis a serem alcançadas.

Apesar dessas transformações ocorridas na


era moderna o ser humano não conseguiu livrar -se
dos bloqueios ao seu desenvolvimento em
potencial. “O homem cria o mundo, mas não recria
a humanidade: a história e a situaç ão mantem -se
externa a ela. O conceito de homem não supera a
noção de corsi e recorsi, o movimento cíclico não
se transforma numa espiral” (ibidem, p. 9).
Contudo forja -se a abertura para o problema do
autodesenvolvimento do ser humano. Na
perspectiva da f ilosofia do sujeito,

- 60 -
d e Ho b b e s a Ro u ss ea u , o p a ss ad o d a
h u ma n id ad e tr a n s fo r ma - se – n u m p l a no
s up er io r – e m hi s tó ria. Dep o is d a
Re vo l ução Fr a n ce sa, o p ró p rio p re se n te –
e m f i g ur a s tão i mp o r ta nt es co mo He g el e
B alza c – s e tr a n s fo r ma t a mb é m e m
hi s tó r i a. F i na l me n te c o m M ar x e a
ne g ação d a so c ied ad e b ur g ue sa , é o
p r ó p r io f u t ur o q ue s ur ge co mo h i stó r ia
( HE LLER , 1 9 8 2 , p . 9 ) .

A filosofia do sujeito dessacralizou o tempo


e o espaço social: desfez os laços que vinculavam
servos e senhores à terra; a Reforma luteran a abriu
um canal direto entre o ser humano e o
transcendente, explodindo com a mediação da
ordem católica; e até as corporações de ofícios
perderam a legitimidade de regulamentar o mundo
do trabalho. Em uma palavra: o ser humano fez -se
livre em vontade e p ropriedade. Criou
possibilidades materiais para uma nova
civilização. A liberdade de expressão e o direito
de ir e vir tornaram -se direitos humanos. Pode
então o ser humano avaliar, criticar e escolher o
futuro social e individual. Esse sentimento de
potência e autonomia passou a orientar a
totalidades dos complexos sociais e culturais.
A modernidade trouxe a diferenciação
social, a diversidade e a pluralidade em meio ao
desenvolvimento social acelerado. A pluralidade
reverenciada por Heller é uma caracterí stica
marcante do mundo moderno. Forjada nas
corporações de ofícios pela divisão social do

- 61 -
trabalho, a diferenciação social passou a distribuir
as pessoas em papéis e funções, dentro de uma
hierarquia subordinada à lógica do capital. Os
mecanismos legitimadores de distribuir as
ocupações e os cargos nas organizações sociais,
sejam elas públicas ou privadas, também se
cristalizaram na modernidade, prenunciando
aquilo que viria a se constituir como o espírito do
capitalismo .
Foram sendo destruídas, pouco a po uco, as
relações orgânicas entre indivíduo e comunidade,
ser humano e natureza.
Os princípios, costumes e normas que
ligavam os membros de uma família, que
determinavam o lugar de cada um na ordem social
perderam forças. A mobilidade social passou a se
fazer em novas bases, erigindo uma nova
hierarquia e, por conseguinte, novos critérios de
distribuição do poder e das riquezas. O mérito e a
recompensa do esforço pessoal é a máxima desta
nova civilidade. Princípio que aparentemente
comprometido com a justiça passou a disseminar,
verdadeiramente, o egoísmo, a competição e o
individualismo; isto é, as bases do utilitarismo
econômico de Jeremy Bentham.
Neste contexto o indivíduo passou a
transitar como personalidade jurídica, como
proprietário. E, hoje, como suj eito de direito.
Agora pertence a uma classe e a estratificação
desta em cargos, ocupações e profissões que lhe

- 62 -
proporciona rendimento. Não é mais o nascimento
que determina sua liberdade, mas seu ofício. O
destino passa a depender do seu esforço pessoal,
daquilo que fez da sua vida. Para ser bem sucedido
é necessário compreender e deixar -se subsumir na
ordem do capital, à dinâmica social fundada na
ordem das leis do mercado. De acordo com Heller
(1982, p. 16):

Fo i p r ec i sa me n te o ap ar eci me n to d e u ma
r ela çã o i nd i vid u al co m a so c ied ad e, a
esco l ha d o s e u p r ó p r io d es ti no p o r cad a
ind i víd uo , q ue to r no u ne ce s sário s u ma
p er sp ect i va, u m se n tid o d o s v alo re s e u m
mo d o d e co mp o r t a me n t o cad a vez ma i s
ind i vid u al i sta [ ...] o a sp ec to es se n ci al
co n s is ti a e m a v al iar at é q ue p o nto
d ei xar a a s ua ma r ca no m u nd o [. ..] As si m,
o ind i víd uo co meço u a mo d e lar o se u
p r ó p r io d e st i no , e n ão ap e na s n u m
se n tid o é ti co , a d i alé ti c a d o ho me m e d o
d es ti no tr a n s fo r mo u - se na c ate go r ia
ce ntr al d e u m co nc ei to d i n â mi co d o
ho me m.

O processo de individuação desencadeado


pelos processos de diferenciação social forjou o
desencaixe e a autonomização de complexos
sociais e culturais que projetaram o ser humano
como ser histórico e autor do seu destino. Essa
imagem estabeleceu uma nova condição humana: a
percepção de si como ser histórico e
transcendente. O ser humano, mesmo situado, pode

- 63 -
se projetar para além do presente imediato. Pode
se ver no passado e no futuro.
Ao refletir sobre a crítica de Habermas à
filosofia do sujeito Rouanet (1987, p. 174)
descreve esse processo de individuação nos
seguintes termos:

O E u o c up a ao me s mo te mp o a p o siç ão d e
u m s uj ei to e mp ír ico no mu nd o , o nd e se
en co ntr a co mo o b j e t o en tre o u tro s
o b j eto s, e a p o si ção d e u m s uj e ito
tr a n sce nd e nta l, q ue co ns tit u i es s e mu n d o
co mo o co n j u n to d o s o b j eto s d a
exp er i ê nci a p o s sí v el. O ho me m é o b j eto
d o co n h ec i me n to e f u n d a me nto d e to d o
sab e r . Co mo s uj e ito e m p írico , e le é d ad o
atr a v és d a a ná li se d a v id a, d o t rab a l ho ,
d a lí n g ua ; co mo s uj ei t o tra ns ce nd e n ta l
ele é a fo nt e e f u nd a me n t o d a b io lo gia , d a
eco no mi a, d a f ilo so f ia. O s uj e ito q ue
r ef le te so b r e si me s mo [au to co n sc ie n te]
se ci nd e n u m E u q u e se v ê co mo o b j eto
d es sa r e f le xão o p a ca e co n ti n g e nte , e
n u m E u q ue p r e te nd e to rna r tra n sp ar e nte
es se Eu o p a co pela to ma d a de
co n sc iê n cia . Exi s te s emp re p a ra o
Co g i to , u m r e síd u o d e r ea lid a d e q u e n ã o
a ced e à co n s ci ên cia . A f a ixa d a rea lid a d e
q u e p o d e se r p en sa d a t em se mp re co mo
co r re la ta u ma fa ixa i mp en sa d a /... / A
exi st ên c ia d o i mp en sa d o imp õ e a o h o m em
u ma ta r efa – a d e p en sa r o i mp en sa d o . A
no r ma t i vid ad e d o Co gi to q ue q u er
ap r ee nd er o i mp e ns a d o s ub st it u i a s
an ti g as no r ma t i vid ad e s reli g io s a s. É a
p a la v ra q u e q u e r fa ze r f a la r o si lên cio , a
lu z q u e q u e r d e va s sa r o in t ra n sp a ren te
/.../ O s uj eit o se ci nd e n u m E u q ue s e
se n te co mo a uto r d e to d as a s co i sa s e d e

- 64 -
s ua p r ó p r i a h is tó r i a, e n u m E u q u e se sab e
p r o d u to d e u ma o r i ge m i n fi ni ta me n te
ar ca ica. O ho me m é a o ri ge m d e t ud o e
p r o d u to d e u ma o r i ge m q ue o u ltr ap a s sa
( itá li co s no s so s) .

Qual a posição de Habermas diante desse


sujeito que tem consciência de sua histór ia e,
consequentemente, da sua transcendência? Desse
sujeito versátil e criador de uma segunda natureza,
a humanidade emergente com a modernidade?
Abre-se uma dupla interpretação. Para
Rouanet Habermas rejeita não só a filosofia do
sujeito, que encontra na filosofia cartesiana sua
maior expressão, como o próprio sujeito
consciente da história, erigido na modernidade.
Rejeita simultaneamente, portanto, o sujeito
transcendental e o sujeito empírico. Em duas de
suas obras Habermas explicita sua crítica ao
sujeito transcendental, que elabora seus
procedimentos metodológicos e reflexivos a partir
do paradigma da consciência. Esse paradigma
transpôs para as Ciências Humanas e Sociais a
dicotomia sujeito e objeto, tal como se impõem nas
Ciências Exatas e Naturais. Quanto ao sujeito
empírico da modernidade, não há uma crítica com
tantas evidências, daí não podermos afirmar com
tanta veemência, como faz Rouanet, uma rejeição
total a ideia de sujeito. A intersubjetividade, por
exemplo, é uma relação entre sujeitos empí ricos
situados no mundo da vida.

- 65 -
Habermas rejeita o discurso filosófico
centrado no sujeito individuado e cindido entre a
dimensão histórica e transcendental. Um sujeito
que se confronta com o objeto: “o mundo das
coisas cognoscíveis e manipuláveis”. Nesta
filosofia o próprio sujeito se converteria em objeto
cognoscível e manipulável pelas Ciências
Humanas e Sociais. Para Habermas essa
abordagem centrada no sujeito cindido entre dois
mundos, o transcendente e o histórico, ao contrário
de abrir possibilidades à emancipação fortalece a
dominação. É preciso então construir uma
perspectiva diversa da cartesiana; que ele propôs
como abordagem comunicativa. Para ele o
paradigma comunicativo desloca o foco para
intersubjetividade.
A característica das relações inte rsubjetivas
é a busca do entendimento mútuo, da
solidariedade. Ao contrário de outras relações
movidas pela estratégia de poder. Habermas
fundamenta sua perspectiva na teoria da linguagem
dos atos de fala. Uma linguagem imanente e
partícipe da colonização do que compreende como
sistema. Qual, então, a contribuição da perspectiva
habermasiana para a emancipação na modernidade
quando se considera a colonização do sistema
sobre o mundo da vida?
Habermas pertence a uma linhagem de
filósofos que, como Marcuse (1 987), procurou
elucidar as formas encontradas pela sociedade

- 66 -
moderna, industrial e capitalista, para continuar
reproduzindo as condições de dominação e
exploração, através de processos legítimos.
Mesmo com todas as comodidades e
desenvolvimento tecnológico persiste na
modernidade formas de exercer o poder que
impedem a liberdade e a igualdade social em larga
escala. Para esses filósofos o paradigma da
consciência, seja empirista e ou positivista,
capitularam diante da hegemonia da razão centrada
no sujeito. Ele também situa Marx nesta linhagem
que incorpora “a filosofia do sujeito centrado” e
acusa o materialismo histórico de reduzir a vida
social à produção, conforme exposto no Prefácio
da Introdução à Crítica da Economia Política de
1859.
A centralidade qu e o mundo do trabalho
ocupa nas análises de Marx não decorre por
predileção temática, mas pelas condições da
sociedade moderna no capitalismo. A centralidade
da economia foi ganhando importância em vários
pensadores de acordo com a expansão dos
mercados e a consolidação do Estado Moderno.
Desde a economia política clássica a produção
passou a ser revelada como o núcleo da dominação
do capital. Marx concordando com tal hipótese
desenvolveu esforços para explicitar os processos
efetivos e ideológicos que corr oboram com essa
dominação. Ao fazer uma crítica a modernidade
capitalista desenvolveu a proposição de sua

- 67 -
superação através da radicalização da democracia,
que não deveria se limitar ao mundo da política,
mas estender -se ao mundo do trabalho.
As críticas reducionistas atribuídas por
Habermas a Marx também podem ser revertidas ao
próprio Habermas, na medida em que ele considera
a razão comunicativa como centralidade do
processo emancipatório na modernidade. Se Marx
reduziu a vida social à produção Habermas r eduz
a vida à razão comunicativa. Mas o contexto
histórico permite Habermas ter uma visão
privilegiada da sociedade, mais ampla do que a de
Marx. Este não assistiu a ampliação da sociedade
civil, a socialização da política pela democracia de
massas, a form ação dos partidos de massa, a
emergência dos movimentos sociais, entre outros
acontecimentos, como a Revolução Russa. A
crítica habermasiana, cultural e social, passa por
essa materialidade, e sua teoria da ação
comunicativa procura abarcar a dimensão do
mundo da vida, ainda em germe, no capitalismo
concorrencial.
O ponto de partida da emancipação humana
para Marx é o mundo do trabalho, mas Habermas
o considera como um subsistema da racionalidade
instrumental e por isso incompatível com os
procedimentos nec essários ao desenvolvimento do
agir comunicativo. A primeira vista torna -se
impossível qualquer aproximação dessas
perspectivas. Se Habermas nega o mundo do

- 68 -
trabalho no âmbito de suas reflexões Marx é cético
quanto a possibilidade de superar os processos d e
dominação através da filosofia ou mudança de
paradigma. A não ser que este admita uma
transformação simultânea das mentalidades e da
apropriação privada em coletiva. O ponto de
partida não seria a linguagem ou agir
comunicativo, mas uma atividade específ ica que
contivesse em si ação e reflexão em movimento,
isto é, que ligasse os seres humanos entre si
constituindo como que uma rede de intercâmbio
social e cultural, essa atividade é o trabalho.
A questão é que o trabalho não se faz sem
comunicação, daí os seguintes interrogantes: é
possível pensar sobre as modalidades do agir
comunicativo no âmbito do trabalho? É possível
refletir sobre a teoria do agir comunicativo fora da
dualidade sistema e mundo da vida? Será que não
existe reminiscência do agir comuni cativo no
contexto do sistema estatal e econômico? Será o
agir comunicativo, predominante na
intersubjetividade do mundo da vida e movido pelo
entendimento mútuo, a protoforma da
sociabilidade humana? Em que medida os
procedimentos do agir comunicativo pod em ser
convertidos em força propulsora do processo
emancipatório na modernidade?
Se num primeiro momento a razão
comunicativa se explicitou no mundo da vida, o
contexto social da modernidade conteve sua

- 69 -
expansão através da racionalidade instrumental.
Racionalidade imanente à emergência da filosofia
do sujeito. Implicitamente é essa a vinculação
possível feita por Habermas, daí a necessidade de
rejeitar essa filosofia. Ela estaria a serviço da
dominação e não da emancipação. A razão
comunicativa, assolada pe las ideologias místicas e
religiosas teria sido capturada, na modernidade,
pela ideologia do sujeito, que também atua como
colonizador no mundo da vida. A filosofia do
sujeito epistemológico é entendida, por Habermas,
como ideologia do sujeito histórico. E le não
distingue a concepção e ação dessas diferentes
formas de sujeitos, para ele tais sujeitos se
equivalem, como demonstra Rouanet. Agem sob a
consideração do outro como objeto e, dessa forma,
não conseguem se colocar diante dele a não ser
racionalizando-o, orientando -se com a custódia da
racionalidade instrumental.
Quando o sujeito atua no mundo sob a
orientação da filosofia do sujeito transporta -se a
racionalização cognitivo -instrumental para todos
os contextos sem distinguir e considerar o aspecto
prático-político e estético -expressivo da razão. O
totalitarismo ou absolutismo da razão
instrumental, própria da filosofia do sujeito,
obstrui a percepção intersubjetiva e aborta a
comunicabilidade como instância específica do
mundo da vida e entendimento de sse mundo.

- 70 -
A dicotomia sujeito -objeto, no campo da
epistemologia, ou os processos de subjetivação e
objetivação, no social, institui a figura do sujeito
monológico: o sujeito que se converte em objeto
de si mesmo; o sujeito consciente de si, do mundo
físico e espiritual. Essa condição do sujeito
consciente e autônomo leva a autoconsciência e a
autonomização de suas práticas, dos contextos e
dos valores. De campos ligados a existência que
podem ser situados historicamente.
O sentimento de potência imanente a o
sujeito monológico se expandiu para outras
práticas e papéis sociais e foram personificados
pelos indivíduos como critérios do agir prático -
moral. “Foi assim, segundo Rouanet (1987, p.
179), que a razão subjetiva passou a impor -se à
razão intersubjetiva como a única forma possível
de razão, e ironicamente os críticos da cultura
caíram na armadilha de denunciar a ditadura do
sujeito recorrendo às próprias categorias da
filosofia do sujeito”.
Não seria significativo pensar na hipótese
do sujeito dialógico? Ou Habermas considera essa
dialética entre sujeitos como intersubjetividade? A
centralidade da emancipação social no sujeito
histórico, individual e coletivo, impede a
visibilidade coletiva dessa responsabilidade,
legitimando o indivíduo e deslegitimando o
coletivo. Mas se assim for, não podemos entender

- 71 -
a intersubjetividade como relações entre sujeitos,
relações sociais?
O problema então parece ser mitificado por
Habermas. A negação do sujeito como explicador
da dominação (sujeito -classe em Lukács), é post o
como sendo de responsabilidade da modernidade.
De um sistema que é posto acima das práticas
sociais, um sistema -sujeito, uma modernidade -
sujeito, uma racionalidade -sujeito. E para superar
a ideologia legitimadora da colonização do
sistema sobre o mundo d a vida uma razão-sujeito,
a razão comunicativa, uma intersubjetividade -
sujeito deve ser acionada, valorizada e expandida.
As reflexões de Rouanet (1987, p. 180) nos
conduzem a essa interpretação, na medida em que
admite “a modernidade [com quem] produziu e sse
resultado ambíguo de ao mesmo tempo criar
condições para intersubjetividade e para sua
anexação pela razão subjetiva autonomizada”.
É necessário abandonar a filosofia do sujeito
para realizar uma crítica consistente da
modernidade. E as ciências humana s, a psicologia
e a sociologia, seriam incapazes, para Habermas,
de fazer essa crítica. Em termos sociológicos basta
pensar em Durkheim, em seu esforço de explicar a
coisa como objeto da sociologia. De alguma forma
a relação sujeito-objeto é reposta. O emp irismo
lógico procura sair dessa relação elegendo a lógica
e suas linguagens como possibilidade de elevar e
garantir a cientificidade das ciências sociais em

- 72 -
contraposição as naturais. Mas ao mantê -la na
pesquisa empírica acaba fortalecendo a filosofia
do sujeito, transformando fenômenos sociais e a
própria linguagem em objeto. Habermas propõe a
reconstrução do saber científico.

- 73 -
C APÍTULO 3

A P RODUÇÃO S OCIAL DO C ONHECIMENTO


E M M ARX

Os problemas e soluções aqui enfrentados,


que elegeu como objeto as dinâmicas da
modernidade capitalista: educação escolar no
século XXI provocam o pensamento e a busca de
um aprofundamento das lacunas teóricas, que não
são poucas. As inferências deixam mais
questionamentos que resultados. Apenas
transparecem sínteses provis órias e a certeza de
que há muito caminho a percorrer. É que não se
chega a seu limiar apenas com teoria.
Nessa trajetória, e com essa consciência,
muitas vezes tonar -se duvidosa a nossa capacidade
de equacioná-lo satisfatoriamente. E essa dúvida
persiste ainda hoje! O objeto apresenta uma
dinâmica de difícil apreensão, além de poder ser
abordado de diversas perspectivas. A análise de
seu conteúdo não se esgota no momento particular
de uma etapa acadêmica. Ao contrário, sentimos
que só agora há um pouco de lucidez sobre as
dimensões do problema a ser enfrentado.
O problema consiste em apreender a
dinâmica da ambivalência do conhecimento no
projeto emancipatório na modernidade, apoiados

- 74 -
em algumas categorias da teoria social marxiana.
Desse modo, serão priori zadas algumas categorias
propostas por Marx e Gramsci. Por outro lado,
buscou-se um esforço implícito de manter
presentes as implicações da teoria marxiana e seu
corpus categorial com o debate contemporâneo
sobre o conhecimento, sobretudo, o debate
sociológico em torno do que se tem enunciado de
“sociedade ‘capitalista’ do conhecimento”.
Tendo em mente esse debate, decidimos
construir uma perspectiva sobre a produção e
apropriação social do conhecimento, mas sob os
fundamentos categoriais da teoria marxiana . Logo,
serão criticadas e ressaltadas as possibilidades de
o conhecimento contribuir, como categoria teórica
e prática, para a realização do projeto
emancipatório da modernidade. E será explicada
porque, historicamente, ele tem se revelado muito
mais como obstáculo, do que favorecido a
realização deste projeto.
Inúmeras teorias concorrem e disputam o
status e a autoridade dessa explicação, outras
tantas negam a problemática da emancipação. De
fato, é uma problemática que envolve duas outras
categorias que parecem esgotadas pela hegemonia
de algumas concepções teóricas que emergiram
nas quatro últimas décadas do século XX, nas
universidades: a história e a utopia. Justamente o
que constitui o tripé da teoria social marxiana:
emancipação, história e utopia. M as elas aparecem

- 75 -
plasmadas pelas filosofias hegeliana e
feuerbachiana, do socialismo utópico francês e da
economia política inglesa. Influências que
deixaram marcas e cicatrizes profundas na teoria
social marxiana. Por essa razão, é importante
investigar a trajetória da teoria social marxiana e
verificar o que ela tem de particular com as
categorias apontadas acima.
Verifica-se com essa incursão que existe
uma politicidade que funciona como fermento da
teoria. Ela se caracteriza pela busca em ajustar o
abstrato ao concreto. E faz deste, do concreto, o
princípio da verdade. A teoria é ancorada na
realidade do mundo. Para Marx, o pensamento é
expressão do ser.
Posicionar o pensamento nesses termos
implicou uma reviravolta na filosofia. Isto é, o
ponto a partir do qual a filosofia social se
metamorfoseia em teoria social. A diferença entre
uma e outra, para Marx, é que a especulação ou
metafísica, o idealismo alemão que tanto criticou,
fez da história uma história cujo móbil foi
concebido como Espírito, por Hege l; e fez do
materialismo um naturalismo cujo móbil foi
concebido como Humanismo, por Feuerbach.
Marx, que viveu a historicidade de seu tempo e
sofreu as influências da mentalidade iluminista,
deu consequência ao pensamento que o antecedeu
e que tomou como referência para desenvolver
seus estudos críticos. Para tanto, fundiu a história

- 76 -
com o materialismo e temperou essa fusão com o
espírito jacobino e a crítica da economia política,
mantendo as bases do humanismo de Feuerbach.
As leituras que fizemos dessa trajetória
apontaram a necessidade, mais uma vez, de criticar
a crítica que apresenta a teoria social marxiana
como reducionista, como produtivista. Mas o alvo,
que não pode ser desenvolvido aqui, era travar um
debate com a teoria do agir comunicativo de
Habermas, não no sentido de mostrar as diferenças
e os pontos divergentes que afastam Marx de
Habermas e vice -versa; embora o propósito era
convergência e elucidar complementaridade entre
as racionalidades e a crítica da economia política.
Buscou-se tal convergência, mediados por
Gramsci, pela categoria gramsciana da catarse e do
princípio educativo do trabalho. Se tal estudo,
nesse momento, teve que ser postergado,
avançamos no que foi considerado o mais rico da
teoria social marxiana, a sociologia da luta de
classes.
No capítulo foi enunciado essa sociologia,
revelando seu teor político acerca do
conhecimento – o que ressaltamos mediante à
categoria que chamamos de politicidade do
conhecimento –, em contraposição à acusação,
insustentável, de ser o marxismo uma forma de
economicismo. No capítulo dois notou -se o que
persiste “encoberto”: a politização do

- 77 -
conhecimento pelo capital, dissimulado pela
ambivalência do conhecimento na modernidade.
A política do capital feita na esfera da
produção/apropriação do con hecimento através da
dialética entre relações de produção e formas
sociais. As armas do capital utilizadas aqui são o
fetichismo e a reificação. No âmbito da cultura a
arma do capital é a ideologia; e no âmbito
específico da política e da epistemologia, a
hipóstase.

 O fetichismo e a reificação do conhecimento


Na análise do fetichismo e da reificação
observamos que o conhecimento assume um papel
relevante na modernidade. Embora Marx não tenha
tratado da concreticidade do conhecimento, nos
termos da sociologia que desenvolveu, apoiados
em Hodgskin, podemos desenvolvê -la e extrair
consequências importantes sobre a política do
capital para o conhecimento na modernidade.
Sob esse aspecto o conhecimento ocupa um
papel relevante na modernidade. Ele é
mercadorizado . Como mercadoria não deixa de
apresentar aquele duplo aspecto, ou ambivalência,
anunciada por Marx (1980a) em O Capital: como
valor de uso, atende, especificamente, às
necessidades do gênero humano; e como valor de
troca apresenta contradições forjadas na trama
dialética entre relações de produção e formas
sociais. Para viabilizar a exploração da força de

- 78 -
trabalho e a expropriação do conhecimento
acumulado por ela, o capital tem que desenvolver
uma política: a “coisificação” ou a personificação
das formas sociais das mercadorias. Estas são
objetivações das relações sociais de produção. Na
medida em que as mercadorias se desprendem das
relações sociais e ganham valor de mercado,
ascendem à condição de fetichismo de mercadoria
e podem, com esse mecanismo, ser vividas como
identidade pelas pessoas, podem ser
personificadas; dessa forma, reificam a
subjetividade e, por conseguinte, as relações
intersubjetivas.
Para explicar a ambivalência do
conhecimento na modernidade capitalista
recorremos à sociologia marxian a. Aplicou -se a
“teoria sociológica da abstração” ao processo de
produção/apropriação social do conhecimento. E
descobrimos a efetividade da política do capital
para controlar o que se constitui, hoje, como a
maior fonte de riquezas produzidas socialmente na
modernidade capitalista: o conhecimento. Esse
controle, como expusemos, ocorre sob dois eixos:
privado e estatal. Da mesma maneira que Marx
expôs em O Capital, em termos abstratos, a trama
dessa política analisando a mercadoria,
procuramos, em termos co ncretos e aproximativos,
“descobrir” como essa política se realiza por uma
forma social que incorpora todas as características
da mercadoria, que é o certificado do

- 79 -
conhecimento conferido à força de trabalho
potencial discente e à força de trabalho acabada
docente, no processo de produção e apropriação do
conhecimento -mercadoria.
Com a teoria sociológica de Marx e a
concepção de conhecimento de Hodgskin,
construímos o modelo do fetichismo e reificação
do processo de produção/apropriação do
conhecimento, par a explicitar o que esse modelo
encobre: a exploração da força de trabalho e a
expropriação do conhecimento que esta força de
trabalho acumulou durante o percurso formativo,
que a enriqueceu e a valorizou.

 A categoria ideologia
A categoria ideologia também esclareceu
outra ambivalência apresentada pelo
conhecimento na modernidade capitalista. Trata -
se aqui da dialética entre representação social e o
“processo de vida real”. Em nosso estudo
procuramos mostrar que essa obra, mais do que
qualquer outra, explicita a transição de Marx &
Engels da filosofia social para a teoria social.
Transição efetuada, particularmente, a partir da
crítica à concepção da consciência e do
conhecimento dos hegelianos de esquerda e à
concepção materialista de Feuerbach.
As reflexões sobre a crítica de Marx &
Engels revelaram a fragilidade da crítica dos
hegelianos de esquerda à teologia e à religião,

- 80 -
quando temos como referência a “libertação do
mundo e da humanidade”.
O deslocamento das “forças
transcendentais” libertadoras para as “ideias,
pensamentos e conceitos”, que constitui o que os
hegelianos concebem como “consciência”, apenas
substitui Deus pela consciência, mas mantém o
caráter mítico da religião na filosofia. Isto porque
a consciência, para os hegelianos, é posta como
ente metafísico. A consciência, como mediadora
da emancipação humana, mesmo em Feuerbach, foi
naturalizada. Do ponto de vista feuerbachiano, o
ser humano é visto exclusivamente como “objeto
sensível”, dotado de consciência e capacidade de
representação, mas n ão é evidenciado como
“sujeito sensível”, dotado de consciência, mas
como expressão, materialização ou exteriorização
da “natureza física dos indivíduos”, da “forma de
‘manifestarem a vida’” e do “modo de vida
determinado”.
Para os hegelianos as representa ções sociais
são produtos da consciência. É esta que constrói
“cadeias reais” que aprisionam, oprimem e
impedem os seres humanos de reconhecerem a sua
humanidade. A concepção dos hegelianos de
esquerda concede autonomia absoluta à
consciência. E atribui a ela a condição de sujeito
da emancipação humana. Pois é a consciência,
pensam, que imprime e infunde no ser humano os
sentidos da sua existência porque, mediada pelas

- 81 -
representações que realiza, cria a memória: suas
crenças e valores.
Marx e Engels revelam que, ao contrário da
concepção dos hegelianos de esquerda acerca da
ambivalência do conhecimento filosófico, das
tensões entre “mundo real” e “representação
social”, a consciência não é sujeito das
representações, não é a força geradora, mas efeito
dessa ambivalência que se materializa em ideias,
pensamentos e conceitos. Sujeito das
representações sociais para Marx & Engels, são os
“processos vitais”, “existenciais”, “os problemas
humanos concretos”. Para a hipótese que nos
propomos a desenvolver neste est udo, isto
significa não mais um posicionamento filosófico,
mas político. Para Marx & Engels, o objeto
merecedor de investigação não são mais os
“problemas de entendimento e compreensão”,
tipicamente filosóficos, mas o “processo de vida
real”, a “atividade vital”, o “desenvolvimento
prático dos homens”.
O conhecimento é o produto do esforço
intelectual, as interpretações e concepções sobre
os mais diversos temas. Isto é, a representação
social. De um ponto de vista materialista da
história é insuficiente cri ticar as “ilusões da
consciência”, das “representações religiosas” pela
consciência e colocar no lugar da consciência
religiosa uma consciência crítica. Importa fazer a
crítica das “relações humanas, dos gestos

- 82 -
humanos, das cadeias e limites humanos”, pois são
estas as cadeias reais. Mas como proceder
criticamente com essa intensão e objetivo?
Marx & Engels propõem uma postura
diferente dos hegelianos de esquerda; sugerem o
“posicionamento ‘prático -crítico’”, a “filosofia da
práxis”, a “perspectiva do mater ialismo”, cujo
fundamento é o ser social e a “efetivação concreta
do sujeito da história”. Mais do que isso, propõe o
ponto de partida dessa teoria social: os
“indivíduos reais”, a “ação dos indivíduos”, as
“condições materiais de existência encontradas e
construídas”. A “ciência real”, a teoria social, ao
contrário da “especulação filosófica”, tem que ter
“bases empíricas verificáveis”. Para além do jogo
do verdadeiro e do falso operado tautologicamente
pelo conhecimento, Marx & Engels propõem como
critério da teoria social a dialética da objetivação
e da subjetivação, que tem no plano originário do
ser social a sua protoforma. O primado desse plano
é constituído, abstratamente, de três categorias
concretas: o ser humano, a natureza e a atividade
que desencadeia o metabolismo entre eles, o
trabalho humano.
O conhecimento comprometido com a
emancipação humana precisa considerar como
ponto de partida uma outra ambivalência que os
hegelianos de esquerda não conseguiram
identificar. E a centralidade desta não é mais a
consciência, mas os “vínculos sociais e as relações

- 83 -
sociais” na historicidade; os “indivíduos
particulares” que ao reproduzirem as condições de
existência “desenvolvem um determinado modo de
vida”, não apenas econômico e material, mas
“relações soci ais e políticas determinadas” sob o
princípio materialista que concebe as
representações sociais, as estruturas sociais e o
Estado como expressão e objetivação de como os
seres humanos trabalham e produzem o “processo
de vida real”.
Com essa concepção mate rialista da
história, Marx & Engels reposicionam a
ambivalência do conhecimento, não mais centrada
na mediação da consciência, mas no “processo de
vida real”. É o “mundo vital humano” que assume
na concepção da filosofia da práxis relevância
teórica. Dito de outra forma, quando se tem como
meta compreender a sociedade o “mundo vital
humano” é a pedra fundamental.

 A categoria hipóstase
A categoria hipóstase revelou uma outra
ambivalência do conhecimento, a tensão dialética
entre a particularidade e a un iversalidade. Embora
Marx & Engels não tenham desenvolvido uma
teoria estrita da categoria hipóstase, o esforço que
foi feito em estudá-la revelou-se numa importante
contribuição da teoria social marxiana quando
temos em mente a teoria e a filosofia políti ca.

- 84 -
O alvo desse estudo foi a crítica que Marx
desfechou sobre as concepções que não
distinguem, com precisão, as relações dialéticas
entre particularidade e universalidade, mas sobre
um tema específico: a sociedade civil e o Estado
moderno. Este é o posic ionamento típico da escola
de pensamento jurídico -político que se conhece
como contratualista. Para os contratualistas o
contrato é resultado da vontade firmada entre
homens livres. O que, para Marx, na modernidade
capitalista, não se confirma em termos un iversais.
Na realidade desta modernidade, esse postulado só
é válido para a classe burguesa, os proprietários
de capital. Valendo -se das categorias
particularidade e universalidade, Marx esclarece a
trama social entre os interesses corporativos e o
interesse público, que plasmam a realidade da
sociedade civil e do Estado.
Com esse estudo constatou -se que,
hipostasiado, o contrato social funciona como o
certificado funciona no contexto de realidades
fetichizadas e reificadas, mas com uma
particularidade: a h ipóstase põe em relevo a
dialética entre as características específicas e as
generalizações possíveis dos fenômenos sociais,
as posições subjetivistas e objetivistas do
conhecimento. Sobre esse aspecto contribui,
significativamente, para a crítica material ista e
histórica às filosofias políticas do liberalismo
clássico e, especificamente, ao contratualismo.

- 85 -
O posicionamento teórico hipostasiado
desconsidera a historicidade na produção social do
conhecimento. O ponto de vista abstrato da teoria
desconsidera as “bases empíricas de verificação”
como critério necessário de alcançar a verdade. Ao
contrário, tendem a transitar da abstração à
generalização sem considerar a trama das
mediações que dão materialidade aos fenômenos
políticos e sociais. Dessa forma, a h ipóstase se nos
revelou como um procedimento teórico -
metodológico pertinente ao sujeito do
conhecimento. Trata -se do desconhecimento ou
rejeição da imbricação entre a particularidade do
fato social e a totalidade envolvente desse fato.
Marx questiona os tr atamentos teóricos que
pretendem conhecer a realidade humana sem
aproximar a categoria da história da categoria
práxis social. É na aproximação dessas categorias
que Marx descobriu o caráter da hipóstase na
modernidade capitalista. A hipóstase revela -se em
tal modernidade na medida em que a liberdade
individuada é radicalizada e abole,
concomitantemente, todas as formas possíveis de
controle social sobre os “processos de vida real”.
Para Marx a radicalização da liberdade
individuada sem a concomitante liber tação do
controle social forjado nas condições materiais de
existência significa o “culminar da humilhação e
da inumanidade” do ser humano, uma
“pseudoliberdade”. Isto é, a liberdade burguesa é

- 86 -
uma liberdade parcial porque alimenta, de igual
modo, a radicalidade da desigualdade individuada.
A contradição da liberdade burguesa está no
descompasso entre liberdade política e
desigualdade econômica. Todos os homens são
livres proprietários para firmar o contrato social,
em termos jurídicos, sob a mais absoluta
desigualdade real. E esta contradição, diz Marx, é
resolvida na materialidade do “Estado moderno
acabado”. A constituição societária do “Estado
moderno acabado” se erige, desse modo, sobre a
hipóstase da modernidade capitalista, o
conhecimento que desconhe ce ou rejeita a
ambivalência entre particularidade histórica e
universalidade abstrata.
O mais significativo da análise da categoria
hipóstase foi ter constatado que é através dos
construtos teóricos hipostasiados que o fetichismo
da mercadoria e a reifica ção da personificação
social são legitimados. Deste ponto de vista, a
hipóstase é anterioridade a toda ideologia que
falseia a realidade. Mas esse falseamento só é
possível porque se vive em uma sociedade
reificada. Foi essa articulação entre o corpus
categorial da teoria social marxiana o mais
significativo deste estudo que elegeu o fetichismo,
a ideologia e a hipóstase como categorias -chaves
da análise sociológica marxiana. Nesta,
constatamos o fato de em todas essas categorias se
afirmar uma ambivalência que envolve o

- 87 -
conhecimento. Uma afirmação que repousa sobre o
primado da ambivalência genérica e originária
entre a natureza e o ser social. Sobre a categoria
fetichismo e reificação, Marx põe em relevo a
ambivalência do conhecimento na tensão dialética
entre relações de produção e formas sociais; sobre
a categoria ideologia, a ambivalência do
conhecimento é posta pela dialética entre
representação social e “processo de vida real”; e
sobre a categoria hipóstase, a ambivalência do
conhecimento se manifesta na dialética entre
particularidade e generalidade ou universalidade.

3.1 A produção social do conhecimento em Gramsci

A ambivalência do conhecimento se
apresenta de uma forma diferente na perspectiva
gramsciana. Gramsci enfatiza a emancipação
mediada pelo conhecimento em termos ético -
políticos. Ele articula três dimensões sociais em
sua filosofia da práxis: conhecimento, política e
cultura.
Diferentemente de Marx, que apresenta as
relações concretas de trabalho como alienadoras e
desumanizadoras, Gramsci vê aspectos
libertadores no mundo do trabalho, inclusive no
lócus fabril, da produção propriamente capitalista.
Em sua visão, a atividade produtiva é
concomitantemente um processo formativo que
desenvolve a personalidade dos produtores. A

- 88 -
atividade laboral é dotada de um princípio
educativo que possibilita ampliar a concepção de
mundo dos produtores. Quando é o caso,
desenvolve a personalidade autônoma; quando
não, forma personalidade subalterna. O trabalho
proporciona conhecimento ao produtor e, dessa
forma, cultura, ainda que restrita à cultura do
trabalho.
Constata-se neste estudo que a sociologia
gramsciana, diferentemente da de Marx, explora
outras possibilidades oferecidas pela ambivalência
do conhecimento. O conhecimento assume uma
dimensão universal. Em Marx o conhecimento se
mantém demasiadamente preso às relações de
produção. Ou embutido na força de trabalho, na
capacidade produtiva, ou subjacente às teorias e
filosofias sociais. Na reflexão realizada,
precisamente no capítulo anterior, fizemos um
esforço para formular como se efetiva a produção
social do conhecimento para Marx, a partir da
teoria do fetichismo e da reificação. Em Gramsci
o procedimento foi discutir a sua compreensão
político-pedagógica do conhecimento.
Gramsci apresenta uma concepçã o original
sobre o desenvolvimento intelectivo. A
ambivalência do conhecimento é posta pela
dialética entre a técnica e a política. Isto é, a
formação intelectual, que inclui a formação para o
trabalho, não se resume à formação da força de
trabalho potenci al para atuar como capital variável

- 89 -
nas unidades econômicas. Esta formação também
desenvolve a capacidade política da força de
trabalho potencial. De acordo com Gramsci, a
produção/apropriação de conhecimentos também
desenvolve a capacidade de dirigente, a
capacidade de criar e gerir organizações sociais
autônomas. Esse aspecto formativo é importante
porque Gramsci tem como pressuposto que as
pessoas participam de um determinado grupo
social, o que não se pode evitar. O conhecimento
amplia as possibilidades de a pessoa produzir, mas
também de atuar no âmbito dos grupos sociais,
elevando sua compreensão técnica, mas também
ético-política. O que ocorre no momento catártico,
no processo evolutivo de uma visão que se desloca
do senso comum para o bom senso.
Em todas as formas de sociabilidade
Gramsci vê esta ambivalência entre técnica e
política operar através do conhecimento. Ele
destaca as potencialidades desta ambivalência
operar o processo de emancipação no âmbito do
partido político, que é uma instituição bu rguesa. O
partido se apresenta para Gramsci como um
intelectual moderno. Aquele que é capaz de
aglutinar identidade e unidade entre a diversidade
de concepções de mundo. E pondo em ação essas
concepções de mundo, desencadear um processo
de emancipação. A o rganização do partido, as
atividades que nele são desenvolvidas
proporcionam a formação técnica e política dos

- 90 -
seus militantes. Gramsci vê nisso uma escola para
as classes subalternas que almejam construir uma
sociedade emancipada da modernidade capitalist a.
Não é apenas o partido que tem essa proeza
educativa; na concepção de democracia popular
ele concebe os conselhos e o que chama de
“instituições de vida social” como espaços capazes
de articular a técnica e a política para desenvolver
a concepção de mundo dos produtores. As
atividades nesses espaços sociais são importantes
porque elevam as concepções de mundo restritas
dos produtores, normalmente locais ou regionais,
a uma visão cosmopolita e universal. Essa
elevação da personalidade, para Gramsci, é cap az
de influenciar a vontade. Esta é uma outra
problemática ausente em Marx: a influência da
ampliação da dialética entre técnica e política
sobre a vontade do produtor. Se a concepção que
decorre da dialética entre técnica e política eleva
através do conhe cimento a personalidade do
produtor, Gramsci observa que o conhecimento
também comporta a dimensão da vontade, um
aspecto subjetivo importante na ambivalência que
marca o ponto de vista gramsciano sobre o
conhecimento, resultante da relação da técnica
com a política.
Baseado nos resultados apresentados até
aqui, este estudo permite -nos concluir que o
conhecimento ocupa um lugar relevante na teoria
social marxiana, no que tange à emancipação no

- 91 -
projeto emancipatório na modernidade. Está
associado a dois movi mentos, que, longe de
ambíguos, preferimos caracterizá -los como
ambivalentes. Em termos genéricos, abstratos ou
universais, quando visto na perspectiva do
desenvolvimento das forças produtivas, o
conhecimento contribui para a evolução social,
para elevar o ser humano de uma situação
encerrada nas necessidades, para uma situação
histórica, vivenciada na fruição das
potencialidades humanas universais.
Por esse prisma, o conhecimento alimenta e
vivifica a utopia marxiana da emancipação
humana. Mas por outro ân gulo, quando
consideramos as particularidades e as
determinações históricas, ele perde, parcialmente,
a força libertadora e transforma os sujeitos
produtores de conhecimento -mercadoria em alcova
do capital. Este é o obstáculo mais ruinoso à
realização do p rojeto emancipatório da
modernidade mediado pelo conhecimento.
Gramsci ampliou a perspectiva
emancipatória da teoria social marxiana quando
alargou a compreensão do conhecimento dentro da
trama da dialética entre a técnica e a política. E
observou que na p rodução/apropriação social do
conhecimento, além das unidades formativas
controladas pelo Estado e pelo capital, existe uma
infinidade de instituições onde também são
desenvolvidos e produzidos conhecimentos. Ele

- 92 -
percebeu claramente que o conhecimento não se
reduz ao processo de enriquecimento e valorização
da força de trabalho potencial. Está imbricado à
esfera ético -política que é importante considerar
quando se tem em vista que a emancipação não se
efetiva apenas por um processo de ruptura
explosiva, mas processual. E admitindo o
postulado da emancipação processual, a categoria
hegemonia preenche um aspecto importante. Mais
uma vez a produção/apropriação de conhecimento
se apresenta como vital: ela está na base da
construção de um projeto hegemônico de
emancipação social das classes subalternas na
modernidade capitalista, que implica saber
produzir e saber governar.

3.2 Singularidades do pensamento moderno e pré -


moderno

Os anos quarenta do século vinte


apresentaram -se como uma bifurcação. Uma
encruzilhad a para o pensamento emancipatório 6

6
E mb o ra B o a v e nt ur a d e So uza Sa nto s ( 2 0 0 1 e 2 0 0 2 ) ve n ha
tr ab a l ha nd o i nt e ns i va m en te n a a t ua li zação d a cat e go ri a
e ma nc ip aç ão . N e ste tr ab al ho u ti li za mo s o s ig n i ficad o
e ma nc ip aç ão co mo co nt r ap o siç ão a s id e ia s mí t ica s e
ali e nad o ra s, a mb a s p o d e nd o s er lo ca li zad a s no ca mp o
esp e cí fico d a ali e naç ão , ta l co mo e n te nd id o p o r Mar x
( 1 9 8 4 ) e, p o s ter io r me n te , p o r Mé szár o s ( 1 9 8 1 ). E m ter mo s
p o lít ico s, e aq u i Ca st o r iad i s ( 1 9 8 3 ) d e u u ma gr a nd e
co n trib u iç ão , a e ma n cip aç ão es tá re lac io n ad a ao s
p r o ce sso s so ci ai s q ue c o nt r ib ue m ta n to p ara fo rtal ecer a

- 93 -
que ganhou os seus contornos gerais no
Renascimento e se afirmou como tradição na
civilização moderna, através do Iluminismo. A
marca distintiva dessa tradição é a importância
atribuída às tensões da razão na busca do
esclarecimento e da autonomia.
Rouanet (1987), em célebre e belo artigo,
aborda essas tensões analisando a ambivalência da
razão na modernidade: o conflito entre a razão
louca e a razão sábia 7. Mais os anos quarenta,
como dizíamos, foram marcados por guerras; pela
expansão do fascismo na Itália, Alemanha,
Portugal e Espanha e pelo stalinismo, que através

au to no mi a d a s o r ga n iza ç õ es so c iai s, at ua n te s no â mb ito d a


so c ied ad e c i vi l, co mo p ar a e xp a nd ir o e sp aço so ci al
p úb lico , vi a a mp li ação d a d e mo cr a cia . São e s se s d o i s
r efere n cia s, teó r ico e p o lít ico , q ue te mo s e m me n te q ua nd o
fa la mo s e m e ma n c ip aç ã o .
7
“A raz ão se d e f i ne p o r s ua fo r ma d e r el ac io nar - s e co m a s
p ai xõ e s, s ej a m e la s a gr es si v as o u a mo r o sa s. E s sa rel ação
p o d e s er co g n it i va o u m o r al. No p r i meir o ca so , o q ue e st á
e m j o go é a ma io r o u me no r v al id ad e d o co n hec i me n to ; no
se g u nd o , a maio r o u me no r i nd ep e nd ê nc ia d o s uj ei to . No
p r i me iro re g is tr o , co lo c a - s e a q ue st ão d a ma io r o u me n o r
in ter ferê n cia d o s co nd i cio na me n to s a f et i vo s n o trab a l ho
d o p en sa me n to ; n o se g u nd o , d a ma io r o u me no r se ve rid ad e
d a razão no co ntr o le e in ib i ção d o d e sej o . N o reg i stro
co g n it i vo , a d ial ét ica r a zão -p a i xão f u nd a u m v í nc u lo co m
a v erd ad e ; no se g u nd o c o m a l ib er d ad e... Q ua nd o o v í nc ulo
é p o s it i vo , is to é , q u and o a r azão es tá a s erv iço d o
co n h eci me nto o b j e ti vo e d e u ma vid a p as s io na l tão l i vre
q ua n to p o ss í ve l, e st a mo s d i a nte d a ra zã o sá b ia ...
I n tera g i nd o co m a p a i xã o , a r az ão sáb i a p ro d uz o sab er, no
p la no co g n it i vo , e a au to no mi a, no p la n o mo r al”
( R OU ANET , 1 9 8 7 , p .4 4 9 )

- 94 -
do estado burocrático -autoritário, sufocou os
movimentos autônomos dos trabalhadores e da
sociedade civil soviética, ao mesmo tempo em que
submeteu as forças comunistas internacionais ao
centralismo “democrático” dos Partidos
Comunistas. Estes se transformaram em
verdadeiros aparelhos ideológicos do stalinismo.
Podemos dizer que foi um período em que a razão
louca subordinou a razão sábia aos seus ditames.
Tem-se, então, dois lineamentos nesse
período. Do lado do fascismo, conservador e
capitalista: guerra, mortes e perseguições e do
lado do stalinismo, emancipador e comunista:
guerra, mortes e perseguição. Há, portanto, um
problema, uma identidade de lineamento s entre
duas perspectivas de sociedade que se dizem
antagônicas pelos seus protagonistas. Dentro desse
quadro, ou se abandona essas perspectivas ou se
restabelece a perspectiva emancipatória em novas
bases teóricas e políticas. Operação que deve ser
simultânea.
Essa foi a conjuntura onde emergiram várias
alternativas teóricas e políticas. Dentre elas a
teoria crítica, protagonizada por Horkheimer e
Adorno, mas abandonada e abatida, quando
incorporadas às reflexões desses pensadores, as
ideias de Nietzsche, crítico radical da razão.
Outro pensador influente no pensamento de
Horkheimer e Adorno foi Weber. Weber formulou
a metáfora do mundo desencantado e enjaulado na

- 95 -
gaiola de ferro. A gaiola representa a razão,
chamada por Horkheimer e Adorno de razão
instrumental. Esses pensadores fundamentam o
ceticismo à razão promovido por Horkheimer e
Adorno, na Dialética do esclarecimento . A
“esperança dos desesperados” que alimentava, por
um tênue fio, as ideias e inspirações de Walter
Benjamim é golpeada. Mas no seio d esse mesmo
contexto, emergem novas teorias emancipatórias,
empreendedoras de releituras e interpretações da
sociedade moderna, fundadas na razão. Uma razão
que não tem os mesmos conteúdos loucos
apresentados por Horkheimer e Adorno. Como diz
Rouanet, esses pensadores: Benjamin, Gramsci,
Lukács e, mais adiante, Perelman e Habermas,
afirmam os aspectos sábios da razão e se esforçam
em manter vivas as chamas das esperanças dos
desesperados.
Lukács chegou a abandonar suas convicções
dogmáticas baseadas na teori a do reflexo e
formulou, no penúltimo quartel do século vinte,
uma filosofia crítica original, visando entender a
dinâmica da sociedade moderna. Ele promoveu,
inspirado em Nicolai Hartmann, a reinvenção do
marxismo, demolindo os fundamentos teóricos e
interpretativos do estruturalismo e do marxismo
analítico, em sua Ontologia do ser social .
Habermas, por sua vez, incorporando outros
referenciais epistemológicos, inclusive estranhos
ao marxismo, de matriz americana, promoveu,

- 96 -
através da crítica fecunda às po sições paradoxais
e céticas de Horkheimer e Adorno, e a teoria do
poder de Nietzsche e Foucault, a valorização das
razões do iluminismo, não pactuando com o
velório da esperança.
Habermas dá uma “guinada pragmática” na
linguagem e recoloca a tensão dialéti ca como força
do pensamento crítico, tensão decorrente das
contradições recompostas entre sistema e mundo
da vida. Em tal recomposição ele vislumbra o agir
comunicativo como antípoda do agir instrumental,
capaz de motivar as esperanças das forças
emancipatórias.
Cada um a sua maneira, frutos de suas
histórias pessoais, políticas e experiências de
vida, Lukács e Habermas, enfrentam e resistem aos
duros golpes do irracionalismo contemporâneo. E
na trajetória da tradição emancipatória da
modernidade desenvolvem teorias alimentadoras
dessa tradição em nosso tempo. Ao considerarem
a história, revelam que nem tudo é fortuito,
contingencial, efêmero, “nem tudo que é sólido
desmancha no ar” do modo de produção
capitalista. Parece-me que o trabalho em Lukács e
a democracia em Habermas são reconhecidos como
categorias antropológicas permanentes na cultura
ocidental e, portanto, universais e perenes, como a
ética e a estética.
A legitimidade da aproximação das teorias
de Habermas e Lukács se justifica por eles fazerem

- 97 -
parte de uma corrente de pensadores que se
alinham à perspectiva emancipatória na
civilização moderna, por preservarem a utopia
como categoria sociohistórica fundamental no
projeto emancipatório da modernidade.
Será realizada essa aproximação entre
Habermas e Lukács priorizando a análise de
Habermas sobre as categorias conhecimento,
ideologia, ciência e o interesse.
O trabalho consiste em três partes. Na
primeira, mais extensa, discutiu -se as diferenças
entre as estruturas do pensamento esclarecido e as
do pensamento mágico. Diferenças claramente
expostas por Maurice Godelier (2001), em seu
livro O enigma do dom , onde ele discute,
fundamentalmente, com Marcel Mauss e Claude
Lévi-Strauss, as diferentes possibilidades de
formação e interpretação dos vínculos so ciais pela
dádiva. Analisando as possibilidades de
interpretar a formação dos laços sociais pela
dádiva, Godelier explicita as diferenças entre
interpretação e compreensão do pensamento
mágico e do esclarecimento.
A utilização do livro de Godelier deve -se a
forma direta com que aborda as diferenças entre o
pensamento esclarecido e o pensamento mágico,
este não deixa de ser uma forma de esclarecimento.
Na abordagem de Godelier podemos perceber
claramente a impossibilidade em validar o
pensamento mágico nos m esmos termos que

- 98 -
validamos o pensamento esclarecido, utilizando -se
ou não da teoria crítica da ideologia. Tema
recorrente em O entrelaçamento de mito e
esclarecimento: Horkheimer e Adorno , onde
Habermas critica as posições de Horkheimer e
Adorno e a de Nietzsche. Nesse artigo Habermas
não explicita, tão bem como Godelier, as
diferenças entre pensamento mítico e o
esclarecimento. Apenas identifica os riscos e
consequências das tentativas teóricas de
purificação do esclarecimento ou do mito, e a
utilização purificada dessas categorias ideais e
abstratas, na interpretação e compreensão da
realidade social. Habermas ressalta o fato de mito
e esclarecimento estarem mais entrelaçados do que
separados, em contraposição a Horkheimer e
Adorno e a teoria de poder de N ietzsche, que os
enfocam como polos opostos.
Horkheimer e Adorno renunciam a ideologia
como categoria de análise sociológica da
modernidade, consequentemente, renunciam a
teoria crítica da ideologia, uma vez que a própria
razão teria se transformado em ide ologia. Nesses
termos, a ideologia não pode ser mais utilizada
para desvendar a ideologia, a ideologia teria se
transformado em mito. Daí a necessidade de
desmitologizar a razão e o poder da razão, ao
contrário de persistir na crítica das ideologias que
impedem a efetivação do projeto da modernidade.

- 99 -
O projeto da modernidade, na interpretação
de Horkheimer e Adorno, esgotou as suas energias
emancipatórias ao se transformar em mito. A
modernidade não tem mais condições de realizar
as potencialidades humanas. Por outro lado, a
ideologia também teria esgotado as possibilidades
de poder contribuir criticamente com a
interpretação sociológica dos fenômenos sociais.
Aprofundaremos esse debate no momento
oportuno.
A segunda parte desse trabalho tratou -se do
conhecimento científico, um campo dotado de uma
razão particular, mas dentro dos limites
assinalados na parte precedente. Aqui
ressaltaremos a ambivalência da razão científica
na modernidade. Podendo aproximar -se da
conservação ou da emancipação, mas, sobretudo,
dos aspectos conservadores quando ciência e
técnica são reduzidas a força produtiva. Nesse
caso a ciência procura disfarçar os seus
compromissos com o poder, e a técnica se
transmuta em ideologia.
A terceira parte discutiu -se uma situação
limite, aquela em que o esclarecimento se
subordina aos interesses dos grupos sociais
específicos. O que só é possível com a
despolitização do discurso científico e a
transformação do ser humano em um ser
unidimensional. Habermas, mesmo nesse momento
crítico da razão, não se entrega às azas do

- 100 -
saudosismo e as glórias do passado. Não há
qualquer insinuação de regresso, de volta as
origens, de eterno retorno. Embora a tradição
perdure no presente, é neste e olhando para uma
sociedade emancipada, que Habermas desenvolve
a sua teoria do agir comunicativo. As tensões que
determinam a história contemporânea acontecem
entre o sistema e o mundo da vida. E é preciso
enfrentar esse confronto. Habermas também não se
entrega às interpretações desencantadas com a
modernidade. Como pensad or iluminista, reavalia
essa tradição procurando renovar seus
fundamentos teóricos sem, contudo, abandonar a
índole rebelde, jacobina e emancipatória.
Embora dividido em partes o objetivo desse
trabalho é mostrar como se incorpora à teoria do
conhecimento de Habermas o debate sobre o
esclarecimento, o mito, a ciência, a ideologia e o
interesse. Esse debate é enriquecido com a crítica
que Habermas faz a ciência e a técnica, que
poderia ser estendida à tecnologia, quando as
mesmas se transmutam em ideologia.

3.3 Pensamento mágico e pensamento esclarecido

Não utilizamos como apoio para nossas


reflexões a “tradição mítica de Homero” por
considerá-la insuficiente para os objetivos que nos
propomos: demarcar as diferenças entre o
pensamento mágico e o pensament o esclarecido.

- 101 -
Entre o mito e o esclarecimento. No lugar da
tradição homérica recorremos aos estudos
antropológicos de Godelier (1977 e 2001) que,
além de analisar as características do “mito
fundador”, ressalta as características mágicas do
pensamento e o s seus limites em relação ao
pensamento esclarecido.
Godelier apresenta em sua obra três
interpretações que pretendem explicar a gênese da
“produção e reprodução do laço social”. Uma se
baseia nos fundamentos do pensamento mágico, a
interpretação de Marcel Mauss. E as outras, a de
Claude Lévi -Strauss e a do próprio Godelier, que
são radicalmente diferentes nas pretensões de
validar seus argumentos, fundamentam suas
interpretações na estrutura do pensamento
esclarecido. Essas teorias concedem a dádiva ou
dom um lugar especial na explicação da gênese do
laço social. Primeiramente, antes de chegar aos
vínculos dessas interpretações com as devidas
estruturas de pensamento, é preciso saber o que é
a dádiva? E, “como foi mantida através dos séculos
e chegou nas diversas formas de sociedade que
coexistem nos dias de hoje na superfície desta
nossa terra”? (GODELIER, 2001, p.7).
Godelier argumenta que os estudos sobre a
dádiva emergiram do esforço de se compreender a
sociedade ocidental. Poderíamos dizer, também,
modernidade ocidental: com todas as suas mazelas
e potencialidades. Godelier, tal como Habermas e

- 102 -
Lukács, é um antropólogo alinhado à perspectiva
emancipatória e contribui para esclarecer algumas
zonas cinzentas da análise habermasiana.
A proposição dos laços sociais serem
originários da dádiva difere da hipótese dos
mesmos serem fundados nas trocas 8, tal como
proposto por Lévi -Strauss em As estruturas
elementares do parentesco , de 1949 e Introdução
à obra de Mauss, de 1950. Na hipótese da dádiva
a restituição aparece como criadora de obrigações
interpessoais, em afirmação de vínculos
interdependentes, mas também de vantagens e
necessidades. Já na perspectiva das trocas,
motivada essencialmente por interesses e
necessidades econômicas, a restituição é
espontânea, não ocorre por qualquer norma, mas
fundamentalmente por vantagens econômicas. Se
na dádiva estabelece-se a dinâmica da tríplice
obrigação do dar, receber e restituir ou devolver;
na troca a dinâmica pode ser interrompida se no
fluxo da cadeia do intercâm bio alguém, um grupo
ou sociedade chegar a conclusão da inexistência de
vantagem no intercâmbio. Diferentemente da troca
ad hoc, apenas a dádiva gera solidariedade e
transcende os interesses imediatos dos indivíduos.

8
De a co rd o co m Lé v i -S tr au s s “a so ci ed ad e fu nd a - se so b re
a tro c a e só e xi s te a tr a v é s d a co mb i nação d e to d o s o s t ip o s
d e tro ca – mu l h er e s ( p a r en te sco ) , d e b e n s (e co n o mia), d e
r ep re se nt açõ e s e d e p ala vr as ( c ul t ur a l, et c .)” (ap ud
GO DE LIE R, p . 1 5 ) .

- 103 -
E se gera solidariedade alimenta o sent imento de
generosidade, seja ele religioso ou laico. Essa foi
a descoberta de Mauss.
Cabe então explicar a natureza “da força que
há na coisa que se dá [como dádiva] e que faz com
o donatário a restitua?”. E também, “qual é a regra
de direito e de interess e que, nas sociedades de
tipo atrasado ou arcaico, faz com que o presente
recebido seja obrigatoriamente restituído?”
9
(ibidem, p. 14, ga ). As respostas dadas por Mauss,
Lévi-Strauss e Godelier envolvem a estrutura do
pensamento mítico e do pensamento escl arecido.
Para nossas reflexões interessa, sobretudo, a
primeira questão formulada por Mauss.
O que, então, de especial, existe na coisa
que desencadeia a tríplice obrigação? Mauss
argumenta que “a coisa é dotada de um espírito”
que obriga aquele que recebe restituir para não ser
punido, pois a coisa deve retornar ao doador
originário, após percorrer as mãos de diferentes
donatários 10.

A p ro p ó s ito d o h a u, d o e sp í ri to d a s
co i sa s [ ...] To ma ti Ra n a ip i ri [ ...] n o s d á ,
co mp l eta men t e p o r a c a so e n en h u ma
p rev en çã o , a ch a ve d o p ro b le ma [ ...]
a q u ilo q u e n o p r es en t e r eceb id o n ã o é

9
Vo u u ti li zar, a tí t ulo d e ab r e v ia ção , ( ga) p ara gr i fo s d o
au to r e ( g m) p ar a gr i fo s me u s.
10
Es sa e xp l ic ação d e Ma u s s e nco nt r a s e u s fu nd a m en to s no s
co n cei to s p o l i né sio s d e h a u e ma n a ( e sp ír ito d a s co is as)
r ela tad o s p e lo sáb io ma o r i T a mat i Ra n aip i ri.

- 104 -
in e rte . M e smo a b a n d o n a d a p elo d o a d o r,
ela a in d a é a lg o d el e. Atr a vé s d e la , e le
tem a s cen d ên cia so b re o b en e fic iá rio
[ ...] . No fu n d o , é o ha u q ue q u er vo ltar a
se u l u gar d e na sci me nto , a o sa n t u á rio d a
flo re sta e d o c lã e a o p ro p rie tá rio [ ...] .
No d i rei to ma o ri, o v í n cu lo d e d i re ito ,
vín cu lo a t ra v és d a s co i s a s, é u m v ín cu lo
d ’ a lma , p o i s a p ró p ria co i sa tem u ma
a lma [ .. .] . An ima d a , mu i ta s ve ze s
in d iv id u a l i za d a [ ...] ela ten d e a vo l ta r a
seu ‘ la r d e o r ig e m’ o u a rep ro d u zi r, p a ra
o clã e p a ra o so lo d o q u a l sa iu u m
eq u i va le nt e q ue a s ub s ti tu i [ ...] (Maus s,
ap ud GO DE LI E R , 2 0 0 1 , p . 2 8 , itá lico s
no s so s) .

Há nessa referência o que é típica no


pensamento mágico, a deificação das coisas e das
relações so ciais. Por acreditar no espírito da
floresta, de onde vem os recursos que se
transformam em coisas dadas como dádiva, os
maoris admitem também que “as coisas têm uma
alma”. A visão anímica translada por todo cosmos.
Argumentações desse tipo não podem ser
esclarecidas ou verificadas, não são passíveis de
validação. Não se pode demonstrar a sua verdade,
mesmo em termos lógicos. Ela é baseada na crença
e crença não se discute. Qual o problema de
argumentações desse tipo? Segundo Habermas, a
adesão social a ela s se faz por meio de uma
“vinculação autoritária”, baseada nas forças da
tradição.
Lévi-Strauss discorda da explicação de
Mauss. Ela não esclarece o que de especial há na

- 105 -
coisa que retorna a seu doador original.
Simplesmente concorda com os fundamentos
explicativos do pensamento mágico: a existência
na coisa de um espírito que a vivifica e pune quem
dela se apropriar e a retém como propriedade
privada, impedindo seu fluxo espiritual. A
explicação de Mauss não satisfaz Lévi -Strauss.
Para ele há “um erro de m étodo que um
estruturalista jamais teria cometido e que provinha
do fato de que Mauss tinha abaixado a guarda,
esquecido por um instante o espírito científico
para ‘deixar -se mistificar’ por uma teoria
‘indígena’” (Mauss, apud GODELIER, 2001,
p.14).
Lévi-Strauss, encarnando outro tipo de
espírito, chamado por Comte de espírito científico
ou espírito positivo, argumenta que “a explicação
do conjunto dos fatos sociais que fazia do social
uma combinação de formas de troca 11 deveria ser
buscada nas estruturas in conscientes do espírito,
em sua capacidade de simbolizar” (apud Godelier,
2001, p. 14 - 15).

O ha u não é a r azão ú lt i ma d a t ro ca ; é a
fo r ma co n sci e nt e so b a q ua l o s ho me n s d e
u ma d e ter mi n ad a so c ie d ad e, e m q u e o
p r o b le ma t e n ha uma i mp o rtâ n ci a
p ar ti c ul ar , a p r e e nd er a m u ma n ece s sid ad e
in co n sci e nt e, c uj a r a zã o e stá e m o utro
lu g ar . D ep o i s d e d i st i n g ui r a co n cep ç ão

11
P o rta nto d ar, r ec eb er e r etr ib uir s ão mo me n to s d e u ma
ú ni ca e me s ma co is a, a t r o ca.

- 106 -
ind í ge n a, ser i a nec e s sár io red uz í -l a
atr a v és d e u ma cr ít ic a o b j eti v a q ue
p er mi ti s se a ti n g ir a r ea lid ad e s ub j eti v a.
Or a, e s ta te m mu i to me n o s c ha n ce s d e se
en co ntr ar e m elab o r açõ e s co n sc ie n te s d o
q ue na s es tr ut u r a s me n t ai s i nco n sci e nt es
q ue se p o d e a ti n g i r a tra vé s d a s
in s ti t ui çõ e s e, mel h o r a i nd a, na
li n g ua g e m ( Lé vi - S t rau s s, ap ud
GO DE LI E R, p . 3 0 ) .

Nessa formulação de Lévi -Strauss


encontramos os fundamen tos estruturais do
pensamento esclarecido, enunciados por
12
Habermas (1985). Há uma clara distinção entre
objetividade e subjetividade, consequentemente,
entre sujeito e objeto. O esforço do pensamento em
livrar-se, através da crítica teórica, daquilo que é
dado aos sentidos conscientes para atingir o lugar
onde se encontram a validade da argumentação,
que pretende ser verdadeira, “as estruturas mentais
inconscientes”. São nessas estruturas onde
encontramos o móbil que faz as coisas doadas
como dádivas retornarem aos doadores originais
como retribuição, as necessidades inconscientes.
A sociedade em Lévi -Strauss aparece como
resultado da capacidade de simbolizar, isto é,

12
“O p e ns a m e n to m ág ico n ão p er mi te ne n h u ma
d i fere n cia ção co nce it u a l b á si ca e ntr e co is as e p es so a s,
en tre ser es i na n i mad o s e a ni ma d o s , e ntr e o b j eto s q ue
p o d e m ser ma n ip ul ad o s e a ge n te s, ao s q ua i s a trib u í mo s
açõ e s e ma n i fe st açõ e s l in g u í st ica s” ( H AB E RM AS, 1 9 8 5 :
p . 1 6 4 ). O p e n sa me n to e sc lar e cid o p er mi te t ud o aq u ilo q u e
o p e ns a me n to má g ico é i mp ed id o .

- 107 -
como linguagem. A ordem social é uma ordem
simbólica, como também são os vínculos sociais.
Portanto, na perspectiva straussiana observa -se o
primado do simbólico sobre o “real”. Nos termos
formulados por Habermas (ibidem, p.164):
“primado do mundo dos conceitos sobre o mundo
das coisas”. Para Lévi -Strauss, “o símbolo, afinal,
é mais real do que a ‘realidade’ que significa”
(GODELIER, 2001, p. 16).
Godelier rejeita a primazia do simbólico
sobre o real porque é uma primazia arbitrária e sem
lastro. Não explica, por exemplo, a historicidade
do simbólico e tampouco da própria primazia.
Como, então, discutir a validade desse argumento
dentro dos critérios do pensamento esclarecido?
Apesar de se situar dentro da estrutura do
pensamento esclarecido é uma afirmação tão
mística como a argumentação dos maoris sobre o
espírito movimentar coisas e relações. Lévi-
Strauss acredita que a sociedade emergiu
subitamente, como a explicação sobre a origem do
mundo pela filosofia do big -bang.

Qu a i sq u e r q u e ten h a m s id o o mo men to e
a s ci r cu n s tâ n c ia s d e s u a a p a riçã o n a
esca la d a v id a a n ima l, a li ng ua g e m só
po d e t e r na sc i do d e r e pe nte . As co i sa s
n ã o p o d em t er co me ç a d o a sig n if ica r
p ro g re ss iva men te. De p o is de u ma
tra n s fo r ma çã o , cu jo es tu d o n ã o d i z
re sp e ito à s c iên c ia s so c ia i s, ma s à
b io lo g ia e à p s ico lo g ia , tev e lug a r u ma
pa s sa g e m de u m e st á g io e m q ue na da

- 108 -
t in ha u m s ent i do pa ra u m o ut ro e m qu e
t udo t i n ha se nt i do [ ...] Em o u t ra s
p a la v ra s , n o mo men to e m q u e o u n iv er so
in te i ro , d e u ma só ve z, to rn o u - se
sig n if ica tivo , e le n ã o se to rn o u , p o r i sso ,
ma i s co n h e cid o , me s m o sen d o v e rd a d e
q u e a a p a r içã o d a l in g u a g em i r ia
p rec ip i ta r o r it mo d e d e sen vo lv im en to d o
co n h eci men to [ ...] t udo se pa s so u co mo
se a h u ma n ida de t iv e s se a d qu ir ido de
rep ent e u m do mí n io i men so e u m ma pa
det a lha do d es se s do mí n io s co m a no çã o
de sua s r ela çõ es rec íp r o ca s , ma s tiv e ss e
leva d o mi lên io s p a ra p erc eb e r q u a i s
sí mb o lo s d et er min a d o s no ma p a
rep re sen ta va m o s d ife re n te s a sp ec to s d o
d o mín io [ ...] Co mo a li ng ua g e m , o
so c ia l é u ma r ea l ida de a u tô no ma , a
me sma , a liá s, o s sí mb o l o s sã o ma i s r ea i s
q u e a q u i lo q u e s imb o li za m, o s ig n i fica n te
p rec ed e e d e te rm in a o si g n ifi ca d o ( Lé vi -
Str a us s ap ud GO DE LI E R, 2 0 0 1 , p . 4 0 ,
itá li co s e ne gr ito s no s so s.

Nos trilhos de Mauss e municiado das


descobertas da antropóloga Annette Weiner sobre
o caráter ambivalente da dádiva, isto é, que as
coisas que se dão como dádiva também podem ser
conservadas, como os dons e os saberes sagrados
que são inalienáveis: “que não se devem dar e não
se devem vender”. Godelier, como Lévi -Strauss,
também contribui no esclarecimento das
diferenças entre o pensamento mágico e o
pensamento esclarecido, mas fundament a sua
argumentação no social e não nas estruturas
mentais do inconsciente. Essa atitude intelectual

- 109 -
de Godelier, diferentemente da de Mauss e da de
Lévi-Strauss, permite abrir um debate em torno da
pretensão de validade dos seus argumentos, uma
vez que a socialidade tem história e materialidade.
Vamos ao argumento de Godelier ( 2001, p.71-72):

A re lig iã o n ã o é, cer ta m en te , a
exp l ica çã o ú l ti ma d o co mp ro mi s so a q u e
se o b rig a va m o s in d iv íd u o s e o s g ru p o s
d e n ã o se sep a ra rem – p elo men o s n ã o
co mp l eta men t e – d e cer ta s ‘ co i sa s’
n ece s sá r ia s à rep ro d u ç ã o d e ca d a u m e
d e to d o s . Nã o sã o a p en a s ra zõ e s ‘mo ra i s’
q u e o b r ig a m a v ela r p a ra n ã o d i sp e r sa r
o u p a ra n ã o s e a fa s ta r – se m su b st itu í -
la s – d e r ea l id a d e s co l o ca d a s e vi vid a s
co mo n ece s sár ia s p a ra a r ep ro d u çã o d e
ca d a u m, co mo de to d o s. E sta
n ece s sid a d e p o d e se r m a te ria l o u id ea l,
ma s e m q ua lq uer c aso é so ci al . O q u e a
re lig iã o fa z n ã o é im p o r u m ca rá te r
in a li en á ve l à s co i sa s co mu n s, ma s imp o r
u m ca rá t er sa g ra d o à in t erd içã o d e
a lien á - la s ( ne gr ito s e i t áli co s no s so s).

Social em que sentido? Que força social faz


com que a coisa dada como dádiva retorne a seu
doador original? O que Godelier entende por
socialidade? Como a socialidade promovida pela
dádiva forja laços sociais? A resposta de Godelier
é importante porque ele utiliza a teoria crítica da
ideologia – que Horkheimer e Adorno afirmaram
ser incapaz de responder aqueles problemas que já
expusemos anteriormente: o stalinismo, o

- 110 -
fascismo e as guerras –, para desvelar como as
forças sociais fazem essa façanha.
Essa força, a princípio, não corresponde a
qualquer “realidade imaginária, [aquela que] tem
por conteúdo ideias e símbolos que conferem ao
objeto uma força social, uma força utilizada pelos
indivíduos e pelos grupos para agirem uns sobre
os outros, quer para estab elecer novas relações
sociais, quer para reproduzir as mais antigas”
(ibidem, p.104).
De acordo com Godelier “o conteúdo
imaginário não se reduz... à simples presença do
doador na coisa dada” (ibidem, 2001, p. 104). Ele
possui uma objetividade social que o transcende, e
para esclarecê-la exige-se uma estrutura de
pensamento diferente da estrutura mágica.
Devemos evitar também as hipóstases do
pensamento esclarecido, esclareceremos a seguir
as características do pensamento hipostasiado.
Para Godelier a coisa dada como dádiva
circula não por força espiritual ou necessidades
inconscientes, mas por motivos sociais:

É..p o rq u e a s co i sa s d a d a s ‘n u n ca e stã o
co mp l eta men t e d e sl ig a d a s’ de seu
p ro p rie tá rio , q u e e la s leva m co n s ig o
a lg u ma co isa d e s eu s er, q u e a t ra vé s
d ela s as p es so a s se l ig a m, se
co mp ro me te m. S ã o re l a çõ es ‘p es so a is’
q u e se e sta b e le cem , p es so a s q u e se
co mp ro me te m. E a c o isa d a d a é a
g a ra n t ia de s eu s co mp ro m i sso s

- 111 -
( GO DE LI E R , 2001, p. 105, it ál ico s
no s so s) .

Godelier (2001, p. 105) diz mais:

Nã o p o d e mo s n o s co n ten ta r e m f ica r
n es te n í vel [ ta u to ló g ico , so l ip si sta] , n o
q u a l a q u ilo q u e se o b ri g a a d a r é o fa to
d e q u e d a r o b r ig a e is to a b re
imed ia ta men te u m c ír cu lo d e o b rig a çõ e s
mú tu a s, p o is a ce ita r re c eb er é o b r ig a r a
re tr ib u i r, a ‘ re st itu i r’ e tc. Po i s se ca d a
u m p o d e e sco lh e r d a r a u m e n ã o a o u tro
o u r eceb e r d e u m e n ã o d e o u t ro , n in g u é m
n es ta s so ci ed a d e s – se d ese ja co n t in u a r a
exi st i r, i s to é, rep ro d u zi r - se
rep ro d u zin d o su a s r ela ç õ es co m o u t ro s –
p o d e d eixa r d e d a r e d e rec eb e r (i tá li co s
no s so s) .

A hipótese de Godelier é a seguinte: “ por


trás das pessoas e de suas relações existe,
portanto, uma outra realidade, social, impessoal,
objetiva, que se afirma sobre todos e em todos os
momentos e sem jamais se interromper ” (ibidem,
p. 105, negritos nossos) .
Essa realidade social e objetiva “não se
reduz aos aspectos imaginários e simbólicos das
coisas dadas [tampouco] aos dados da consciência
subjetiva e intersubjetiva e que seria sua fonte,
explicaria sua existência” (ibidem, p. 105).
Fonte inacessível ao pensament o mítico
porque desprovido de uma teoria crítica da
ideologia que desvele o segredo da força presente
nas coisas dadas como dádiva. Olhando para os

- 112 -
interesses das pessoas sobre essas coisas Mauss
não deixa de captar essa fonte com sua intuição,
mas não se deixa conduzir por ela.

A vid a ma te r ia l e mo ra l, a tro ca ,
fu n cio n a m n es ta s so c i ed a d es so b u ma
fo r ma d e si n ter e s sad a e a o mes mo te mp o
o b r i gató r ia . A lé m do ma is , es ta
o b rig a çã o s e exp ri me d e mo d o m ít ico ,
ima g in á r io o u , se a ss im p r ef er i rmo s,
si mb ó l ico e co le t i vo : ela a s s u me o
a sp ect o do i nt ere s se l ig a do à s co i sa s
t ro ca da s ( n e gr i to s no ss o s) – es ta s n u n ca
fica m co mp le ta m en t e d es lig a d a s
d a q u ele s q u e a s tro ca ra m; a co mu n h ã o e
a a li a n ça que es ta b el ece m sã o
re la t iva m en t e in d i s so lú vei s. Na
rea lid a d e , e st e s ímb o lo d a vid a so c ia l –
a p er ma n ê nc ia d a i n f l u ên cia d a s co i sa s
tro ca d a s – n ã o fa z sen ã o t ra d u zi r
b as ta nt e d ir et a me n te a ma n ei ra co mo o s
su b g ru p o s d e s ta s so ci ed a d e s
seg men ta d a s, d e t ip o a rca ico , e s tã o
p er ma n en t em en te i mb ri ca d o s u n s n o s
o u tro s e s en t em tu d o d e v er u n s a o s o u t ro s
( Ma u ss ap ud GO DE LI E R, 2 0 0 1 , p . 1 0 5 ,
ne gr ito s e i tá lico s no s so s).

A obrigação objetiva da vida social revela


que “‘as coisas trocadas nunca ficam
completamente separadas’ de seus proprietários”
(GODELIER, 2001, p. 105). Mas a estrutura do
pensamento esclarecido não se conforma com essa
explicação, com a teoria crítica da ideologia ele se
pergunta “sobre as razões pelas quais esta
obrigação teria de assumir uma forma mítica” e

- 113 -
não outra. Não se conforma, como o pensamento
mítico, que simplesmente “as pessoas acreditam”
e pronto.
“As coisas não se deslocam por nada nem
sozinhas”, argumenta Godelier (ibidem, p. 155).
Mas, então, o que as move? O que as move são
vontades de “produzir [inter]dependência,
solidariedade e vantagens preservando ao mesmo
tempo o status das pessoas em um mundo em que
a maior parte das relações sociais é produzida e
reproduzida pela instituição de laços de pessoa a
pessoa” (ibidem. 155 – 156). Godelier conclui: “o
que a pôs em movimento, o que traçou
antecipadamente o seu cam inho, o que fez ir e
depois voltar a seu ponto de partida foi a vontade
dos indivíduos e/ou dos grupos de produzir (ou
reproduzir) entre eles relações sociais que
combinem solidariedade e [inter]dependência...
nem tudo é jogo nesse jogo, ...por trás do jog o há
muitas necessidades enraizadas no social,
necessidades sociais . Mas há no ser social do
homem mais do que a soma de suas necessidades...
os homens não se contentam em viver em
sociedade e em reproduzí -la como os outros
animais sociais, mas têm de produzir sociedade
para viver” (ibidem, p. 156, negritos nossos).
Não são, portanto, os espíritos da floresta ou
as forças do inconsciente que movem as coisas,

- 114 -
o q u e a s p õ e e m mo v imen to e a s fa z
ci rcu la r e m u m s en t id o , d ep o i s e m o u t ro
e e m o u t ro a in d a e tc. , é se mp r e a vo n tad e
d o s i nd i v íd uo s e d o s gr up o s d e
es tab e lec er la ço s p e s so ai s de
so l id ar ied ad e e/o u [ i nt er]d ep e nd ê nc ia
en tr e el es ( G ODE LI E R, 2 0 0 1 , p . 1 5 7 ).

Caberia aqui discutir as características


dessa vontade uma vez que foi nela que Nietzsche
chegou, à v ontade de poder presente em todo
raciocínio fundado no pensamento esclarecido.
Para Nietzsche não há qualquer virtude nesse
raciocínio, uma vez que ele se encontra maculado
pela dominação. Horkheimer e Adorno também
questionam esse raciocínio, raciocínio q ue foi
subordinado às ações com respeito a fins e,
portanto, a autoconservação. Na vontade de
estabelecer laços pessoais de solidariedade e
[inter] dependência está presente a pretensão de
conservar o status, em conservar a estrutura
hierárquica e o lugar d e quem exerce poder nessa
estrutura. Mas Godelier não se fixa na vontade,
apenas desloca dos espíritos e do inconsciente para
os seres humanos o lugar original dessas forças.
Godelier (2001, p. 157) alerta:

A vo n t a d e d e e s ta b el ece r ta i s la ço s
p es so a i s exp r ime ma i s q u e a vo n ta d e
p es so a l d o s in d i víd u o s e d o s g ru p o s, e
ma i s a t é q ue o do mí n i o da v o nta de , d a
lib e rd a d e d a s p e s so a s (in d i vid u a is e
co le tiva s ). Po i s a q u ilo q u e se p ro d u z o u
se r ep ro d u z a t ra v és d o e sta b e le ci men to

- 115 -
d es se s la ço s p e sso a i s é o co n ju n to o u
u ma p a r te es sen cia l d a s re la çõ e s so c ia i s
q u e co n st itu em a b a s e d e su a so c ied a d e e
q u e lh e imp ri me m u ma ce rta ló g i ca
g lo b a l q u e é, a o m es mo te mp o , fo n te d a
id en t id a d e so c ia l d o s in d ivíd u o s e g ru p o s
memb ro s [ . ..] o q u e se ma n i fe sta a t ra vé s
d o s o b je tivo s q u e p e rs eg u em [ ...] n ã o sã o
a p en a s su a s vo n ta d e s p es so a is , ma s
n ece s sid a d e s a - p e s so a i s o u im - p es so a is
lig a d a s à n a tu r eza d e su a s re la çõ e s
so c ia i s e q u e re s su rg e m se m ce s sa r d a
p ro d u çã o - rep ro d u çã o d es sa s rela çõ e s
(q u e r s e t ra te d e re la çõ es d e p a ren te sco ,
d e p o d er o u d e r ela çõ e s co m o s d eu se s e
o s e sp í ri to s d o s mo r t o s ) ( ne gr ito s e
itá li co no sso s) .

A conclusão de Godelier sobre o que faz as


coisas dadas como dádiva retornarem aos
produtores-doadores foi explicitada, é o social e
tudo aquilo que o constitui. Um so cial que
transcende as vontades e caprichos particulares
das pessoas e dos grupos.

As co i sa s n ã o se d e s lo ca m p o r e la s
me sma s, sã o co lo ca d a s em mo vi men to
p ela vo n ta d e d o s h o men s, m a s e sta
vo n ta d e é e la m es ma a n i ma d a p o r fo rça s
su b ja cen t es , n e ce ss id a d es in v o lu n tá ria s,
imp e s so a i s, q u e a ge m e m p er ma n ê nc ia
so b re o s in d i víd u o s, so b re a q u e le s q u e
to ma m d eci sõ e s co mo t a mb ém so b re o s
q u e a s su p o r ta m, p o r q u e a tra vé s d a s
a çõ es d o s in d iv íd u o s e d o s g ru p o s sã o a s
re la çõ e s so c ia i s q u e se rep ro d u zem e s e
en ca d eia m, é a s o ci ed a d e to d a in te i ra
q u e re - cr ia e o fa z n ão i mp o rt a nd o a
fo r ma e o g r a u d e co n sc iê nc ia q u e o s

- 116 -
ato r e s te n h a m, i n d iv id ua l e/o u
co le ti va me nt e, d e ss as nec es s id ad e s
( GO DE LI E R , p . 1 5 7 , it á lico s no s so s).

Cabe aos pensadores e pesquisadores,


munidos das ferrame ntas intelectuais adequadas e
necessárias, desbravar como um bandeirante as
sociedades específicas para descobrir e tornar
visível essas relações sociais. Visibilidade que é
posta a prova permanentemente pelo
questionamento das suas pretensões de validade.
As reflexões de Godelier procuram se
desvencilhar das razões do pensamento mítico,
aquelas que atribuem ao espírito o poder de fazer
as coisas circularem. Como vimos, a explicação de
Godelier se afasta da explicação mítica e questiona
a pretensão de Lévi -Strauss valida -la sob os
fundamentos das “estruturas mentais
inconscientes”. Para Godelier “as realidades e as
forças subjacentes ao deslocamento das coisas
dadas eram sociais”, de cunho sociológico e não
psicanalítico (ibidem, p. 158). A crítica de
Godelier a Lévi -Strauss revela uma outra coisa:
que as pretensões de validade da argumentação,
dentro das razões do pensamento esclarecido, se
realizam dentro da diversidade. Uma característica
do esclarecimento é o de não comportar uma única
explicação para os mesmos fenômenos sociais, daí
a necessidade de aperfeiçoamento incondicional
das ferramentas metodológicas utilizadas pelos
pesquisadores. É por isso que mesmo considerando

- 117 -
salutar as razões do pensamento mágico Godelier
não pode concordar com elas, ele co nhece
instrumentos metodológicos que apontam para
outras causas mais plausíveis, discutíveis e
consistentes.

É co mp le ta n d o a a n á li se a n t ro p o ló g ica
d e Ma u s q u e p u d emo s cr it ica r a s su a s
lim ita çõ e s se m f ica rmo s en cu r ra la d o s n o
me smo i mp a ss e, s em to ma r mo s a s
rep re sen ta çõ e s in d íg e n a s de u ma
rea lid a d e co mo eq u i va le nt es 13 à q u ela s
q u e sã o co n st ru íd a s p o r u m p en sa m en to
es tra n g ei ro q u e se q u er c ien tí fico e
cr ít ico [ p e n sa me n to e s clar ecid o ] e n ã o
p o d e, p o r p r in c íp io , p a rt ilh a r d e s sa s
rep re sen ta çõ e s (m e smo d ev en d o
n ece s sa r ia m en te l evá - la s a s é rio e, d e
q u a lq u e r fo r ma , vo lta r a ela s p a ra
exp l icá - la s ta mb é m ) ( G ODE LIE R, 2 0 0 1 ,
p . 1 5 9 , i tál ico s no s so s) .

Com relação a argumentação de Lévi -


Strauss a crítica de Godelier é de outra natureza.
Discordando da explicação de Lévi -Strauss,
Godelier se vale da teoria crítica da ideologia ou,
em outros termos, da teoria crítica do fetichismo,
para desvelar aquilo que verdadeiramente faz as

13
E ste fo i o me s mo p r o c e d i me nto d e Ho r k hei mer e Ad o r no
q ua nd o n i ve lar a m o mi t o ao es cla r ec i me n to : “o mito j á é
esc lar eci me nto e o e sc l ar ec i me n to ac ab a p o r r ev ert er à
mi to lo gi a ” (H ab er ma s , p . 1 5 5 ) . Go d e li er ne g a a
p o s sib ili d ad e o nto ló gic a, me s mo no p e n sa me nto , d es sa
eq u i va lê nc ia. O q u e é d e mo n s tr ad o co m a ut il izaç ão d a
teo ri a cr ít ica d a id eo lo g ia e d o fe tic h i s mo , a s e g ui r.

- 118 -
coisas circularem como dádiva, as relações
sociais. A teoria crítica da ideologia é necessária
porque as relações sociais não são dadas
imediatamente aos seres humanos, imediatamente
apenas são fornecidas aos sentidos as primeiras
impressões. Para conhecer as relações sociais
autênticas é preciso então fazer um detur. É
preciso decompor a realidade sem desfazer-se dos
nexos que revelam a sua totalidade.

S e a b a se so c io ló g ica se ju n ta e se
co mb in a co m u m si s t ema d e c r en ça s
má g ico - r eli g io sa s n a ex is tên c ia d e u ma
a lma , d e u m e sp í ri to , d e u ma fo r ça q u e
imp e le a co isa a a g i r e a se d e slo ca r p o r
si m es ma , tu d o va i s e p a s sa r co mo s e
fo s se m as p ró p r ia s co i sa s que
a r ra s ta ss em a s p e s so a s a trá s d e la s, co mo
se, i mp e lid a s p o r seu e s p ír ito , su a fo rça
p ró p ria , e la s s e e s fo r ça s se m p a ra
re to rn a r ma i s o u m en o s d i re ta m en te ,
ma i s o u m en o s rá p id o , em d i r eçã o à
p es so a q u e p ri mei ro a s p o ssu i e q u e a s
d eu ( G ODE LI E R, 2 0 0 1 , p . 1 5 9 ).

Essa é uma característica do pensamento


hipostasiado 14 aludido anteriormente. Uma
distorção das estruturas do pensamento
esclarecido, que abrindo mão da teoria crítica da
ideologia, não consegue alcanç ar as forças
dinâmicas da sociedade e suas contradições. O

14
U ma d is to rç ão , u ma i n v er s ão no p e n sa me n to d as rela çõ e s
r eai s e x i st e nte s n a p r á ti ca.

- 119 -
pensamento distorcido pela hipóstase
metamorfoseia as relações intersubjetivas,
ancoradas nas relações sociais, e as desloca para
uma das dimensões dos sujeitos, como são as
“estruturas inconscient es da mente”. As
consequências desse descentramento se tornaram
previsíveis depois de Marx:

Em ve z d e se a p r e sen ta r em co mo a to re s,
o s h u ma n o s se a p re sen ta m co mo a tu a d o s.
Em ve z d e s imp le sm en te a g i re m so b r e
o u tr em p o r in te rm éd io d o s o b j eto s q u e
d ã o , ele s s e a p re sen ta m co mo a tu a d o s
p elo s o b je to s q u e d ã o o u rec eb em ,
su b m et id o s à s su a s vo n ta d e s e a o s seu s
d es lo ca m en to s. A ca u sa to rn a - se efe ito , o
meio s e t ra n sfo r ma em a g en te, o a g en t e
se t ra n sfo r ma em mei o , e o o b jeto e m
su j ei to ( GO DE LI E R, 2 0 0 1 , p . 1 6 1 -1 6 2 ,
itá li co s no s so s) .

Um dos princípios básicos da estrutura do


pensamento esclarecido é apresentar as relações
como relações sociais personificadas,
diferentemente da despersonificação processada
pelo pensamento mítico, mas não só por este,
também por interpre tações processadas no âmbito
do pensamento esclarecido que não se valem da
teoria crítica do fetichismo. Mas essa
personificação é importante quando o
esclarecimento procura validar seus argumentos
tendo em vista a teoria crítica da ideologia. Lévi -
Strauss, que também reivindica validade científica

- 120 -
para sua explicação também despersonifica as
relações sociais, quando busca nas “estruturas do
inconsciente da mente” a fonte da força que move
as coisas, dadas como dádiva e contra -dádiva.
O princípio fundamenta l do pensamento
mítico funciona inversamente ao pensamento
esclarecido. Uma de suas características é
justamente a hipóstase.

Os o b je to s se t ra n sfo rm a m em su jei to s e
o s su jei to s em o b j eto s . Nã o sã o ma i s
(a p en a s ) o s se re s h u ma n o s q u e a g e m u n s
so b re o s o u t r o s, u n s co m o s o u ro s, p o r
in te r méd io d a s co isa s; s ã o a s co i sa s, e o s
esp ír ito s [ ma s ta mb é m p ara u n s o
in co n sci e nt e] q u e o s a n ima m, q u e a g em
d o ra va n te so b re e la s me s ma s , p o r
in te r méd io d o s h u ma n o s ( GO DE LI E R,
2 0 0 1 , p . 1 6 2 , itá li co s no s so s) .

A interpretação do pensamento esclarecido


questiona a afirmação “das crenças mágico -
religiosas emprestarem alma às coisas” (ibidem, p.
162). Isto porque “elas não explicam a origem real
da obrigação de dar de volta (restituir) aquilo que
se recebeu ou um equivalente” (ibi dem, p. 162).
Para finalizar essa diferenciação entre pensamento
esclarecido e pensamento mítico, vejamos como
Godelier opera a teoria crítica da ideologia para

- 121 -
desvelar as relações sociais presentes no mito dos
baruyas 15.
Em primeiro lugar é preciso frisar , com
Godelier, que um símbolo é visto como um objeto
e que “não é o objeto que cria as diferenças, são
as diversas lógicas dos domínios da vida social que
lhe conferem sentidos diferentes na medida em que
se desloca de um para outro e troca de função e de
emprego” (ibidem, p. 165, itálicos nossos). Esse é
um axioma fundamental não só da teoria crítica do
fetichismo, mas do próprio renascimento: o ser
humano é o sujeito da história humana.
Godelier está interessado em explicitar “as
lógicas dos domínios da vida social” presentes no
mito dos baruyas. Mito investido de
representações imaginárias da vida, da riqueza e
do poder. Mito que materializa o visível e o
invisível.
Nas sociedades arcaicas a fertilidade é
cercada de mistérios. Diversos mitos ocultam a
dominação entre os sexos, as linhagens e os clãs.
Baruyas, por exemplo, é o “nome do clã que tinha
a função ritual mais importante nas iniciações
masculinas: fazer os meninos passarem da infância
à adolescência, transformá -los em jovens
guerreiros” (ibidem, p. 167). Não há entre os
baruyas jovens guerreiras, as mulheres foram

15
“Os b ar u ya s são u ma t r ib o q u e v i ve no s d o i s va le s d e
u ma c ad e ia d e mo nta n h as d o i nt er io r d a No v a G ui né , a s
Eas ter n Hi g h la nd s” ( G O DE LI E R, 2 0 0 1 , p . 1 6 7 ) .

- 122 -
afastadas das armas e seus saberes expropriados.
São os homens que recebem os saberes de seus
ancestrais e realizam os cerimoniais. Numa
determinada idade, entre três e quatro anos, os
meninos são retirados do convívio materno para
receberem os segredos do clã e se socializarem.
Mas também conservar as justificativas míticas da
seguimentação social das diferentes linhagens
existente entre os baruyas.
Os cerimoniais de iniciação reproduzem a
geografia social das sociedades arcaicas: os
lugares a serem ocupados pelos candidatos
legítimos dentro da estratificação social. Os
cerimoniais de iniciação reafirmam os lugares das
linhagens e, dentro delas, os lugares dos
indivíduos, conforme as trad ições. Essas tradições
guardam sua memória no mito fundador, que
transfere seus poderes para os saberes e objetos
sagrados. Os mitos escondem, justamente, as
relações de poder e dominação ocultos em tais
objetos e saberes.

O mi to d e fu n d a çã o d o s b a ru ya s t a mb é m
é p er fe ita men te e xp l íci to n o q u e co n ce rn e
à s fu n çõ es e a o s t a t u s d o s h o men s co m
kw a i ma t n ié 16, q u e n ã o so men t e in st itu e m

16
“kw a i ma tn ié p r o v é m d e kw a la , ‘ ho me m’, e y it ma n ia
‘ fa zer cr e scer, a u me n tar ’. U m kw a i ma t ni é e, p o rta nto , u m
o b j eto q u e co nt é m o p o d er d e fa ze r c re sc er e m o s ser e s
h u ma no s, e o s b ar u y as ap r o x i ma m es ta p ala vr a d e
ny ma tn ié , q ue s i gi n i fic a ‘ fe to ’ o u ‘ap r e nd iz x a mã ’. U m
kw a i ma tn ié não e x i ste s o zi n ho . E le faz p arte d e u m p ar , e

- 123 -
a d o m in a çã o ma scu lin a e co mu n i ca m a o s
fu tu ro s g u e rr ei ro s a fo rça d o S o l e d o s
g ra n d e s g u e r re iro s mo r to s o u t ro ra , ma s
d is tin g u em e m ca d a g er a çã o a q u ele s q u e
vã o su ced e - lo s, a q u el es q u e se rã o o
a b rig o d e to d a a t r ib o , a q u ele s cu jo n o me
va i c re sc er co mo o d ele s : o s a o ula tta , o s
ko u la ka , o s g ra n d es g u e rr ei ro s, o s
xa mã s, cu jo st a t us n ã o se h e rd a , ma s s e
me rec e, se mo s t ra e se d emo n st ra
( GO DE LI E R , 2 0 0 1 , p . 1 7 9 , ne g rit o s e
itá li co s no s so s) .

O mito dos baruyas esconde as relações


sociais de dominação entre as linhagens e os
sexos. A mulher, impedida de guardar os
kwaimatnié é excluída, para sempre, de adquirir
qualquer status. E, o mais cruel , impedida de
desvendar os motivos dessa exclusão, uma vez que
a posse do kwaimatnié foi concedida aos seus
ancestrais masculinos, como dádiva do Sol. Eis o
mito fundador dos baruyas. Esse mito é guardado
em segredo pelos homens, podendo pagar com a
vida aquele que o divulgar. Como desfazer,

ne s te p ar ele é ma c ho e fê mea. O ma i s p o d ero so d o s d o i s,


o ma is ‘q ue n te ’, é o kw a i ma t n ié mu l he r . O ú nic o q ue p o d e
g uard á -lo é o ho me m q ue ‘r ep r e se n ta ’ s ua l i n ha ge m q u a nd o
es ta l i n ha ge m p o ss u i u m p ar d e kw a i ma t ni é . É e le q ue
ma n u s eia o kw a i ma t ni é mu l h er ; o o u tr o , o ma c ho , é
d ei xad o a s e us ir mã o s r eai s o u c la s si fica tó r i o s, q ue o
s si st e m e m s ua s f u nçõ e s r i t uai s. O n ú mero e a na t urez a
d es te s c as ai s d e kw a i ma t nié e o f ato d e q ue o ma i s
p o d ero so d o s d o is s e j a mu l her são co i sa s ma nt id a s
co mp le ta me n te e m se gr ed o p ar a a s mu l h ere s, cria n ça s e
p ara o s i ni ci ad o s no s p r i me ir o s e st á gio s” (ib id e m, 1 7 3 ,
ne gr ito s e i tá lico s no s so s )

- 124 -
reflexivamente, essa argumentação? Como
decompô-la e questioná -la com a utilização dos
critérios interpretativos do pensamento mítico?
Na interpretação de Godelier (2001, p. 179)
“as iniciações constituem uma ordem soci al
superior àquela das relações de parentesco. É a
ordem da solidariedade masculina e da unidade
política e ideológica de toda a tribo”. Mais adiante
afirma: “a divisão desigual dos kwaimatnié traduz
diretamente, portanto, as relações de poder, de
lugares distintos em uma hierarquia, na totalidade
político-religiosa que é a sociedade dos baruyas”
(ibiem, p. 181, negritos nossos).
Godelier descreve a distribuição do poder na
segmentação da sociedade dos baruyas, nos
seguintes termos:

To d o s o s c lã s d o s d esc e n d en te s d o s
re fu g ia d o s d e B r a ve g ar eub ara ma n d e uc 17,
a s si m co mo o s nd e lié , p a r ti cip a m p o r
cer to d o s t ra b a lh o s d e in icia çã o , ma s n ã o
n o me s mo lu g a r, n ã o n o me s mo es tá g io ,
n ã o a tra v és d o s m es mo s ri to s. O co n ju n to
d o s e stá g io s e d o s rito s q u e o s
rep ro d u zem s e a p r es e n ta co mo u ma

17
Lu g ar o nd e v i ve m o s b ar u ya s , co n fo r me re la t o d e u m
na ti vo : “o utro r a to d o s o s ho me n s v i via m e m u m me s mo
lu g ar, u m l u g ar s it u ad o p er to d o mar . U m d i a , o s ho me n s
sep a rara m- s e e no s so an ce str al, o a n ce str al d e no s sa
p r ó p ria l i n ha ge m, o s k u a r ra n d a r ia m , o s k wa r ra n d a ria s
sb a ru ya s, o s k wa r ra n d a ria s r s d o clã d o s b ar u ya s, ele vo u -
se no s are s e vo o u até o l u gar o nd e d esd e e n tão v i ve mo s,
Bra v eg a r eu b a ra ma n d eu c , nã o lo n ge d e Men ya mya ”
( ib id e m, 1 7 5 ).

- 125 -
es tru tu ra q u e se d e sd o b ra en t re d o i s
mo men to s cru cia is e o s u n e: a s ep a ra çã o
fo r ça d a d o s men in o s d o mu n d o fe min in o
e a p e r fu ra çã o d o n a r iz (p a s sa g em d o
p ri me iro e stá g io ) é a t a re fa d o c lã d o s
tc ha tc he s ; a p a ssa g em, a lg u n s a n o s ma i s
ta rd e, d o s men in o s, d o mu n d o d a
a d o le scên cia a o mu n d o d o s ‘h o men s
jo ven s’ (p a ssa g em d o seg u n d o p a ra o
te rce iro es tá g io ) é t ra b a lh o d o clã d o s
b a ru ya s... ” ( GO DE LI E R, 2 0 0 1 , p . 1 8 1 ,
itá li co s no s so s) .

A questão fundamental é que “em uma


totalidade hierarquizada não existem relações
verdadeiramente recíprocas. Existem apenas
relações assimétricas de complementaridade e de
interdependência. Em uma hierarquia, mesmo se
todos os clãs têm seu lugar; nenhum ocupa
exatamente o mesmo lugar e nem mesmo um lugar
equivalente ao dos outros... Uma totalidade
hierarquizada é, portanto, um conjunto de relações
complementares, no limite insubstituíveis umas as
outras, um ‘todo que forma um sistema’ ” (ibidem,
p. 182).
Godelier vê na dádiva e no mito dos baruyas
as relações sociais qu e os permeiam porque está
calcado na teoria crítica da ideologia. Encantado
pela descoberta do potlatch, Mauss descobre nas
coisas que se dão como dádiva a força vivificadora
dos espíritos. A compreensão do potlatch o
permite ver nas trocas mais do que ela s parecem
aos olhos das sociedades primitivas: a gênese dos

- 126 -
vínculos sociais operados pela tríplice obrigação
do dar, receber e retribuir. Mas, enigmatizado por
essa descoberta, escapa -lhe as relações sociais
presentes na circulação das coisas que se dão c omo
dádiva. Mauss apenas vê solidariedade e
reciprocidade, forças que aproximam os humanos
e são responsáveis pela continuidade sócio -
histórica. Mesmo os contradons antagonistas, que
testemunham rivalidades entre as coisas que se dão
como dádiva, não são s uficientes para lhe fazer
perceber as relações sociais imanentes a dádiva.
Estas se escondem nos espíritos da floresta.
Tampouco tais relações podem se tornar visíveis
se as buscarmos na ordem simbólica ou na
capacidade criadora dessa ordem, submersa na
estrutura inconsciente da mente.
A teoria crítica do fetichismo, como
proposta por Godelier, pode contribuir,
efetivamente, com o esclarecimento desse enigma
porque sai do mundo mágico e se desvencilha dos
critérios do pensamento desse mundo. Também
discorda da pretensão de validar a explicação das
forças que fazem as coisas circularem entre os
baruyas na ordem simbólica que, de acordo com a
proposição de Lévi -Strauss surge de repente, sem
qualquer explicação. Premissa que soa muito mais
como uma concordância de fé do que racional. A
ordem simbólica proposta por Lévi -Strauss muito
se aproxima da ideia do mito fundador dos

- 127 -
baruyas. A esse respeito Godelier (2001, p.182)
comenta:

Nã o h á n en h u ma ra zã o p a ra a fi r ma r ,
co mo fa z Lév i - S tra u s s, q u e u m to d o , p o r
fo r ma r u m si st ema , d e p en d e d e cab o a
r ab o d o si mb ó l ico , q u e o sig n if ica n t e (o
si mb ó l ico ) n el e ‘ p rec ed e e d ete r min a ’ o
sig n if ica d o . O s is te ma p o lít ico - re lig io so
d o s b a ru ya s, o lu g a r d e seu s clã s n o
in te r io r d e u ma h ie ra rq u ia é b a sea d o n a
p o s se d e sig u a l d o s p o d e re s ‘i ma g in á r io s ’
q u e leg it ima m e sta h ie ra rq u ia . Uma
ló g ica s imb ó li ca é u ma ló g ica d e
re la çõ e s, ma s e s ta s n ã o se r ed u zem a
seu s si mb ó lico s. E, le v a n d o em co n ta a
p o li s sem ia d o s sí mb o lo s , o co n t eú d o d a s
re la çõ e s não pode s er red u zid o
d ir eta men t e d a a n á li se d e seu s s ímb o lo s ,
n em se red u z ir a e le s ( i t áli co s no s so s).

Agora, com a ideia mais precisa do


significado de mito e consciente dos seus limites
explicativos 18 podemos avaliar melhor a crítica
que Habermas faz à tentativa de Horkheimer e
Adorno promoverem o “p rocesso de

18
U ma d a s c ar ac ter ís ti c as f u nd a me nt ai s d o p e n sa me n to
esc lar ecid o é a p o ss ib i li d ad e d e d i álo go ab ert a p o r ele. E le
ex i ge a d e mo n str ação d o s ar g u me n to s. E x i gê nc ia q u e
acab a s e tr a ns fo r ma nd o na s p r ó p r ia s fo r ça s d o se u
d ese n vo l vi me nto . U m o ut r o fa to é a r ad ica lid a d e q ue el e
in tro d uz e n tre o s d eb a ted o r e s. U ma p o lê mic a le vad a a
ex a us tão n u m d et er mi n ad o mo me n to p o d e s er reto mad a
p o st erio r me n t e a p ar t ir d a co n sta taç ão d e p o n to s
p r o b le má ti co s . As s i m, co mo ar g u me n ta H a b er ma s, o
p en sa me nto e scl ar e cid o to r na o d iá lo go ra ci o na l me n te
in e s go tá v el. A me n o s q u e s e ne g ue a r a zão .

- 128 -
autodestruição do esclarecimento”. O que
significa retornar ao mundo dos mitos e a sua
estrutura de pensamento.
Parece que essa possibilidade é impensável
após os esclarecimentos de Godelier. Hoje, nem os
negros (que um dia justificaram a sua co ndição de
escravos por não possuírem alma) nem as
mulheres, pelos motivos aludidos anteriormente,
ou qualquer “desesperado”, legitimaria um mito
que anunciasse uma hierarquia social que não
permitisse a mobilização social, que destruísse as
“esperanças” depositadas nessa possibilidade:
mudar de situação social; melhorar de lugar;
adquirir status.
Será que duvidar dessa possibilidade,
argumentar que nessa “esperança” se esconde o
mito da modernidade, que a mesma não passa de
uma ilusão, é duvidar da razão sá bia? É colocar a
razão em questão?
De acordo com Habermas, no mínimo, é
paradoxal. Um paradoxo que impede a
continuidade do próprio esclarecimento. Vejamos
então o debate entre Habermas e aqueles que,
mesmo utilizando-se do pensamento esclarecido
como Hork heimer e Adorno, argumentam não
haver diferença entre mito e esclarecimento, no
processo de cognição e ação humanas.

- 129 -
3.4 Entre os limites e virtudes da razão sábia

Na leitura da obra Dialética do


Esclarecimento, de Horkheimer e Adorno,
Habermas constata uma aproximação muito forte
desses pensadores com as posições teóricas do
Marquês de Sade e de Nietzsche. Os chamados
filósofos “malditos”. Essa aproximação resultou
num distanciamento dos aspectos “construtivos”,
reconhecidos por Habermas em outros escrit os
daqueles pensadores, quando ancoravam suas
reflexões na teoria do fetichismo.
A renúncia a razão levou Horkheimer e
Adorno buscarem outras âncoras teóricas para
legitimar os seus argumentos. Nessa busca,
especificamente na Dialética do esclarecimento ,
eles questionaram radicalmente a razão, e com
isso, segundo Habermas, dão continuidade ao
“processo de autodestruição do esclarecimento”,
iniciado por Nietzsche e atualizado pelos pós -
estruturalistas.
Importa discutir nesse item as
consequências dessa “auto destruição do
esclarecimento” atualizada, tendo em vista a
discussão anterior sobre as diferenças entre o
pensamento mágico e o esclarecido. E as críticas
que Habermas faz aos autores da Dialética do
Esclarecimento, mas enriquecendo -as com as
ideias de Luk ács.

- 130 -
Primeiramente, Habermas discorda do
conceito de esclarecimento enunciado por
Horkheimer e Adorno, por eles desprezam a “força
libertadora do conceito 19”.
Horkheimer e Adorno assumiriam, para
Habermas, uma perspectiva paradoxal ao negar a
“força libertadora do conceito”. Negam essa força
ao mesmo tempo em que procuram conciliar as
suas ideias com a ideia benjaminiana da
“esperança (desejo de liberdade ou emancipação)
dos desesperados”.
Habermas ressalta a incompatibilidade dessa
conciliação. Por isso afa sta-se e rejeita as teses de
Horkheimer e Adorno: “ esta atitude
[conciliadora] não é mais a nossa” (p. 153). E por
quê? Porque é um contrassenso integrar o
irracionalismo dos malditos com a razão

19
Aq u i c ab e p er g u n tar o q ue é co nce ito p ara H ab er ma s?
Co mo e xp li car a s ua fo r ça? Da me s ma ma n eira q ue
Go d el ier s e p er g u n ta so b r e o p rin cíp io mo to r d a s co i sa s
q u e s e d ã o co mo d á d iv a , p o d e mo s p er g u n tar a Hab er ma s
q ua l o p r in cíp io mo t o r d o s co n ce ito s? P o r q u e o
“es cl arec i me n to ” te m u ma fo r ç a lib e rtad o r a? Q ua l o
cr it ério q ue p o d e mo s u til iz ar p ar a c er t i fi car q ue e s sa s
fo r ça s são me s mo e ma n cip ad o r as e n ão d o mi n a d o ras? O
esc lar eci me nto lib er t a d e q u ê? Q ual a nec e s sid ad e o u
i mp o rt â nci a d e o e scl ar eci me n to e ma n cip ar? V er no t a d e
r o d ap é n ú mero 1 .
Na med id a e m q ue Hab er ma s r e ve la u ma s i mp a tia p ara co m
o mar x is mo . E e st e atr ib ui a p rá xi s e não s i mp l e s me n te ao
co n cei to , p al a vr a o u i d eia o p ap el e ma n cip at ó rio . Não
es tari a el e to ma nd o o mar x i s mo h ip o sta s i ad a me n te:
d esco n s id era nd o a p r i m azia o n to ló g ica d a p rá xi s e não d o
co n cei to no p ro ce s so d e e ma nc ip aç ão d o ser so c i al?

- 131 -
emancipadora, ancorada na esperança. A posição
de Habermas é mostrar a inconsistência paradoxal
de se rejeitar as estruturas do pensamento
esclarecido com a pretensão de esclarecer melhor
o esclarecimento.
Habermas se propõe a analisar esse
paradoxo a partir da simetria entre as ideias de
Horkheimer e Adorno e “o m odelo da auto-
suplantação totalizadora da crítica da ideologia”.
Modelo que leva a crítica da cultura moderna e a
desconfiança do esclarecimento. Curioso é que
esse modelo, como o de Lévi -Strauss, vai buscar
no inconsciente psicanalítico a validação e
legitimidade dos seus argumentos, suspendendo as
relações sociais como base de validação.
O modelo do inconsciente psicanalítico é o
seguinte:

Os h o m en s fo r ma m su a id en tid a d e n a
med id a em q u e a p r en d em a d o m in a r a
n a tu r eza ex te r io r a o p r eço d a r ep r e ssã o
d e su a n a tu re za in t er io r . Es sa f ig u ra d o
p en sa men to o fe re ce o mo de lo pa ra u ma
de scr içã o so b a qua l o pro ce sso d e
esc la r eci me nt o r ev e la sua fa ce d e
J a nu s: o p re ço d a r en ú n cia , d a a u to -
o cu lta çã o , d a co mu n ica çã o ro mp id a d o
EU co m su a p ró p r ia n a tu r eza , q u e se
to rn o u a n ô n i ma n a fo rm a d o “i s so ” (E s ),
é in t e rp r eta d o co mo co n seq u ên c ia d e
u ma in t ro ve r sã o d o sa c r ifí cio . O E U, q u e
a n te s lu d ib r ia ra o d e st in o m ít ico n o
sa c ri fí cio , é d e n o vo a tin g id o p o r el e
a s si m q u e se vê fo rça d o a in tro je ta r o

- 132 -
sa c ri fí cio .. . ( G ODE LI E R, 2 0 0 1 , p . 1 5 8 ,
ne gr ito s e i tá lico s no s so s).

A sociedade moderna só existe mediante a


castração: a renúncia do desejo e da vontade.
Mesmo se admitirmos que essa renúncia é
pactuada, feita sob a “coação não coercitiva do
melhor argumento”, em nada diminui o peso da
castração. O ser humano é obrigado,
involuntariamente, a se submeter, ainda que sob o
estatuto da razão. O que é mais agravante, pois
essa é a instância que o deveria emancipar. Logo,
a razão domina o ser humano, tanto quanto o mito.
Essa é a posição de Horkheimer e Adorno.
Habermas vê um aspecto positivo na
castração ou sacrifício. O mito instaura uma
tensão no ser humano, o instinto e a vontade de
suplantá-lo. O ser social nele não se realiza ou
encontra estabilidade. Muito pelo contrário. O
mito estimula a ação, impulsiona o ser humano
para o campo de batalha, para lutas, a princípio,
inauditas. Impõe o desafio de enfrentar o outro
desconhecido e intrigante, numa luta contínua e
incessante. Essa é uma aventura significativa,
ainda que revele um “trajet o de fuga do sujeito
diante dos poderes míticos” (2002, p. 155).
Por isso Habermas argumenta: o ato cruel do
sacrifício esconde e sublima o impulso da
vingança. Através dessas ações mulheres e
“homens se redimem da maldição das potências
vingativas por mei o da apresentação do substituto

- 133 -
simbolicamente valorizado” (2002, p.156).
Imaginar que o sentimento de vingança devesse ser
liberto das profundezas do ego reprimido é fazer
pouco caso da vida. O que reprime o desejo de
vingança são as relações sociais e cu lturais.
Portanto, diferente de Horkheimer e Adorno,
Habermas enfatiza que as tensões entre
esclarecimento e mito podem ajudar a entender os
tipos e opções dos vínculos sociais na
modernidade, já que é impensável o ser humano
existir desvinculado da socied ade: as famosas
hobinsonadas criticadas por Marx. Ou ele se
efetiva sob o signo da “coerção autoritária” ou da
“coação não coercitiva do melhor argumento”.
Essas são as escolhas conscientes que o ser
humano “pode fazer”.
A “coerção autoritária” pode ser ob servada
nas sociedades arcaicas, como no mito dos
baruyas. E a “coerção legítima” nas sociedades
que viveram na antiguidade clássica e inventaram
a democracia como norma social, como geografia
social: distribuição dos lugares sociais dotados de
status sob o critério da cidadania.
Mas, em termos cognitivos, o
esclarecimento contrapõe -se à perspectiva
mitológica. Ele “quebra o feitiço [o fetichismo e a
hipóstase] das forças coletivas por meio dos
discernimentos conquistados e convertidos em
fonte de motivação ”

- 134 -
Como antítese e como força cognitiva “o
esclarecimento contraria o mito e escapa, com
isso, de seu poder” (2002, p. 155) 20. Para
Horkheimer e Adorno as tensões entre mito e
esclarecimento são aparentes. Eles enfraquecem a
antítese e força do esclareciment o e propõem,
segundo Habermas, “a tese de uma cumplicidade
secreta: ‘o mito já é esclarecimento e o
esclarecimento acaba por reverter à mitologia’”
(2002, p. 155), tendo como âncora o modelo
psicanalítico. Como vimos anteriormente com
Godelier (2001), essa reversão é uma “contradição
em termos”.
Se essa equação entre mito e esclarecimento,
formulada por Horkheimer e Adorno, em termos
lógicos é possível, em termos sociohistóricos é
improcedente. Ela iguala fatos históricos de
naturezas diferentes, como demon strado por
Godelier. É essa equação que Habermas
caracteriza como “processo de autodestruição do
esclarecimento”. Em outros termos, a validade das
identidades sociais obedece a uma lógica distinta
da lógica do inconsciente psicanalítica. Além da
lógica, temos que considerar a situação e natureza
histórica dos fatos sociais.

20
E m q u e o “p o d er d o m ito ” o b str u i e i mp ed e o p ro j eto
e ma nc ip at ó rio d a mo d er nid ad e. O u, e m q u e o “p o d er d o
esc lar eci me nto ” tr a n sce nd e “o p o d er d o mi to ” e p o s sib ili t a
a re al iza ção d es s e p r o j eto . S ão q ue s tõ e s r esp o nd i d a s no
ite m a nt erio r p o r Go d el i er ( 2 0 0 1 ) .

- 135 -
De acordo com Godelier (2001), a lógica das
sociedades, para além do modelo do mito e do
inconsciente, deve ser buscada nas relações
sociais: o modelo do inconsciente é um modelo
específico, voltado para o drama do mundo interior
do indivíduo com o mundo exterior; já o modelo
do mito se fundamenta em argumentos de fé; a
intersubjetividade, as relações entre sujeitos,
obedecem, preponderantemente, a uma lógica
fundada na dinâmica das relaç ões sociais. Para
validar os argumentos baseados nas relações
intersubjetivas temos que desvendar a lógica das
relações sociais, determinantes em cada situação
histórica. Isto não quer dizer que os modelos do
mito e do inconsciente devam ser descartados e
tratados como inferiores ao modelo das relações
sociais. A importância deles obedece a lógicas
específicas. Qualquer generalidade, nesse caso,
pode criar problemas cognitivos.
O problema suscitado por Habermas é o
seguinte: se na medida em que o ser humano
emancipa-se do seu estado primitivo, mediado
pelo esclarecimento, afirma o seu EU frente ao
mundo externo e, consequentemente, forja a sua
identidade, nem por isso, “no processo histórico -
universal do esclarecimento, a espécie humana
[que] distanciou -se cada vez mais das origens...
não se livrou da compulsão mítica para a
repetição” (2002, p. 158).

- 136 -
Aqui temos que entender o significado de
repetição para poder comentar essa afirmação de
Habermas com coerência. E o faremos sob os
estudos de Lessa (1997) sobr e a ontologia do ser
social de Lukács.
Lukács, segundo Lessa, distingue três
esferas ontológicas: a do ser inorgânico, do ser
vivo e do ser humano. A ontologia do gênero
mineral pode ser caracterizada como a ontologia
do ser inorgânico ou esfera inorgânica . Dos seres
que não têm vida.

S eu p ro ce sso d e tra n sfo r ma çã o , su a


evo lu çã o , n a d a ma i s é sen ã o u m
mo vi men to p elo q u a l a lg o se tra ns fo r ma
e m u m o ut ro a lg o d i st into : a p ed ra s e
co n ve rt e em te r ra , a mo n ta n h a em va le, a
fo r ça me câ n ica em ca lo r. Nen h u ma
p ed ra , a o lo n g o d e su a h is tó ria , p o r ma i s
lo n g e q u e n o s co n d u z a a i ma g in a çã o ,
p o d er ia d a r o r ig em a a co n tec im en to s
[ d ife ren te d a q u e le s re st r ito s a o s s er es d o
g ên ero m in e ra l] ( LES S A, 1 9 9 7 , p . 1 4 ,
ne gr ito s e i tá lico s no s so s).

A ontologia do gênero biológico pode ser


caracterizada como ontologia do ser vivo, de
natureza biológica, orgânica. Esse gênero
compreende os seres vivos não humanos. “Seu
processo de transformação, sua evolução, nada
mais é senão um movimento pelo qual a vida se
caracteriza pela incessante recolocação do
mesmo”: “A goiabeira produz goiabas, que

- 137 -
produzirão sementes as quais, por seu lado, ao
produzirem mais goiabeiras, reporão o mesmo
processo de reprodução biológica (LESSA, 1997,
p. 14, itálicos nossos)”.
A ontologia do gênero humano pode ser
caracterizada como ontologia do ser vivo, de
natureza social. Esse gênero compreende os seres
humanos.

A h i stó ria d o s er h u ma n o se co n s ti tu i na
inc e ssa nt e p ro d uçã o de no v o s fa to s,
no v o s a co nt e ci me nt o s, no v a s sit ua çõ e s .
[ Em co n tra p o s içã o a o n to lo g ia d o se r
o rg â n i co] n a h istó r ia d o s s er e s h u ma n o s
o s a co n tec im en to s n u n c a se rep e te m. O
me ro r eco lo ca r do mes mo que
ca ra c te ri za a rep ro d u çã o b io ló g i ca , o u o
to rn a r- se o u t ro d a e s f era in o rg â n i ca ,
ja ma is p o d er ia m re su lt a r n u ma h is tó ria
[ h u ma n a] ( LE SS A, 1 9 9 7 , p . 1 4 , ne gr ito s
e it ál ico s no s so s) .

Com a diferenciação dessas três ontologias


de Lukács não podemos concordar com Habermas
quando ele afirma que “no processo histórico -
universal do esclarecimento, a espécie humana
[que] distanciou -se cada vez mais das origens...
não se livrou da compulsão mítica para a
repetição”. Primeiro porque não é uma
característica do ser social “a incessante
recolocação do mesmo” ou a repetição. E, de
acordo com a característica do processo evolutivo
do ser humano, tal distanciamento permite ,

- 138 -
realmente, um salto histórico, com relação ao
pensamento mítico. Isso não impede que o ser
humano continue a criar “novos mitos”, embora em
um plano mais complexo. Mas nunca por motivos
compulsivos, inconscientes. É provável, como
acontece hoje, que no l ugar de se pensar na
hipótese de se criar novos mitos seja mais
plausível pensar na criação de hipóstases e
fetichismos ou, como prefere Rouanet (1987),
pelas “ilusões da consciência”. Formas distorcidas
do pensamento esclarecido, mas perfeitamente
possível de reparos através da teoria crítica da
ideologia e da crítica dos mecanismos de defesa.
Habermas parece esquecido da
particularidade ontológica do ser humano que é a
consciência: a reflexão que precede e preside o
agir humano. O agir humano engloba o ag ir
comunicativo. Mas, por causa da consciência, o
agir humano é um agir complexo: de comparação,
interpretação, reavaliação, escolhas e
comunicação. A processualidade do agir humano
orienta o ser social a agir conforme a experiência
histórica de cada um e a situação que o envolve.
Isto faz com que cada ser humano seja um ser
singular na universalidade e gênero da natureza
desse ser. Sobre esse aspecto Lessa (LESSA, 1997,
p. 15) argumenta:

A p ecu l ia rid a d e d a fo rm a d e se r d a vid a


[ h u ma n a] e stá n o fa to d e ela req u e re r,
co m a b so lu ta n e ce s sid a d e, u m p ro ce sso

- 139 -
d e a cu mu la çã o p ecu lia r, e xc lu s ivo d o
mu n d o d o s [ h u ma no s] . A tra vé s d e le, to d a
n o va si tu a çã o co n cr e ta é a va l ia d a
a tra vé s d e u ma co n t ra p o si çã o co m to d o s
os co n h e ci men to s e exp e ri ên c ia s
p a s sa d a s, co m e lem en t o s d a si tu a çã o
p re sen te e co m a s p e r sp ect iva s tra ça d a s
... co mo a n t ev isã o id ea l d o s eu fu tu ro . E
en tã o , n ã o a p en a s a s i tu a çã o co n c re ta ,
p re sen te, é d el im ita d a n o co n f ro n to co m
to d o s es te s e lem en to s, co mo ta mb é m a s
p o s sív ei s a l te rn a tiva s d e re sp o st a s a ela
sã o a va lia d a s e, d en t r e ela s, u ma é a
esco lh id a co mo a me lh o r p a ra re sp o n d e r
a o p ro b l ema d o q u a l s e t ra ta ( LES S A,
1 9 9 7 , p . 1 5 , itá li co s no s so s).

De acordo com Lessa, “esse processo de


acumulação [é] a base ontológica do incessante
acréscimo de novos conh ecimentos, ao longo do
tempo, acerca da natureza e da sociedade”. Dentro
dessa dinâmica “os humanos podem se elevar a
uma consciência do seu em -si, do que de fato são,
o que possibilita algo inédito: um ser que se
reconheça na sua própria história... um gênero que
se reconhece enquanto gênero em processo de
construção” (LESSA, 1997, p. 15 -16).
Existe, portanto, uma distinção da
processualidade entre as três ontologias:

A in o rg â n i ca , cu ja [ n a tu re za] é o
in ce s sa n te to rn a r - s e o u tro min era l; a
es fe ra b io ló g i ca , cu j a [ n a tu r eza] é o
rep o r o me smo d a rep ro d u çã o d a vid a ; e
o se r so c ia l, q u e s e p a rt icu la r i za p ela
in ce s sa n te p ro d u çã o d o n o vo , a t ra v és d a

- 140 -
tra n s fo r ma çã o d o mu n d o q u e o ce rca d e
ma n ei ra co n sc ien te men t e o ri en ta d a , [ o
q u e é o me smo q u e d i ze r ] teo lo g ica m en te
p o sta [ ...] Ap esa r d e d is tin ta s a s t rê s
es fe ra s o n to ló g i ca s e stã o
in d i s so lu v el men t e a r tic u la d a s: sem a
es fe ra in o rg â n i ca n ã o h á vid a , e sem a
vid a n ã o h á se r so c i a l. I sto o co r re
p o rq u e há u ma pro c es s ua l i da d e
ev o l ut iv a q u e a r ti cu la a s t rê s e sf era s
en t re si: d o in o rg â n i co su rg iu a vid a e ,
d es ta , o se r so c ia l. E s sa p ro ce ssu a lid a d e
evo lu tiva é r esp o n sá vel p elo s t ra ço s d e
co n tin u id a d e q u e a rt i cu la m a s t rê s
es fe ra s en t re s i ( LE S S A, 1 9 9 7 , p . 1 6 -1 7 ,
n eg r ito s e itá li co s n o sso s ) .

Quais as implicações dessa teoria ontoló gica


de Lukács? “Que o ser social pode existir e se
reproduzir apenas em uma contínua e ineliminável
articulação com a natureza [orgânica e
inorgânica]” (ibidem, p. 17). Nas palavras de
Lukács:

O h o mem , memb ro a t iv o d a so c ied a d e,


mo to r d a s su a s tra n s fo r ma çõ e s e d o s seu s
a va n ço s , p e r ma n ec e em s en t id o
b io ló g i co ... u m en te n a t u ra l: em s en t id o
b io ló g i co , a su a co n sc iên c ia – n ã o
o b sta n te to d a s a s mu d a n ça s d e fu n çã o
ma i s d eci s iva s n o p la n o o n to ló g i co – e stá
in d i s so lu v el men t e lig a d a a o p ro ce s so d e
rep ro d u çã o b io l ó g ica d o seu co rp o ; d a d o
o fa to ma i s g e ra l d e ta l lig a çã o ; a b a s e
b io ló g i ca d a v id a p e rma n ece in ta cta
ta mb é m n a so ci ed a d e (Lu k ác s, ap ud
LE S S A, 1 9 9 7 , p . 1 7 , i tá lico s n o s so s ) .

- 141 -
Importa ressaltar nessas reflexões sobre a
ontologia do ser social que “a unidade última do
ser não é destruída pela gênese e pelo
desenvolvimento das três esferas ontológicas”
(ibidem, p. 18):

Co m a g ên es e e o d es en vo lv im en to d a
vid a e d o se r so c ia l, a u n id a d e é ma n t id a
n u m p a ta ma r ma i s ele va d o , g a n h a n o va s
ma t iz es e se to rn a ma is r i ca e a r ticu la d a .
Es sa u n id a d e o n to ló g ica ú l ti ma se
evid en cia , p o r e xe mp lo , ta n to n o fa to d e
a rep ro d u çã o so cia l req u e re r u ma
p er ma n en t e tro ca o rg â n ica co m o mu n d o
n a tu ra l, co mo p e lo fa to d e q u e, s em
n a tu r eza , n ã o p o d e h a ver s e r so cia l
( LES S A, 1 9 9 7 , p . 1 8 , i t á lico s n o s so s ) .

Uma outra característica da ontologia do ser


social é que “a reprodução do novo, através da
transformação conscientemente orientada do real,
se constitui no momento predominante do salto
que marca a gênese do ser social” (LESSA, 1997,
p. 18). Segundo Lessa “a categoria do trabalho
exerce o momento predominante do salto da vida
ao mundo dos homens” (ibidem, p. 22).
Voltaremos a essa argumentação adiante.
Se levarmos em conta as características
lukácsianas da ontologia do ser social a hipót ese
de repetição habermasiana não se justifica. Menos
ainda se justifica dizer que a repetição é
consequência da racionalização do mundo. E
deduzir, ainda dessa repetição racionalizada, que

- 142 -
o mundo está desencantado, soa como uma
afirmação opaca. Sobre o princípio motor da
racionalização do mundo, Habermas diz o
seguinte:

[ é] a p ressã o p a ra d o m in a r
ra c io n a l men t e a s fo rç a s n a tu ra is q u e
a mea ça m d o ex te rio r [ q u e] p ô s o s
su j ei to s n a v ia d e u m p ro ce s so d e
fo r ma çã o q u e in ten si fica a té a d e sme su ra
a s fo rça s p ro d u t iva s p o r [ me io] d a p u ra
a u to co n se rva çã o , ma s d eixa d ef in h a r a s
fo r ça s d e reco n ci lia çã o q u e t ra n sc en d em
a m era a u to co n se rva çã o . A d o m in a çã o
so b re u ma n a tu r eza ex te rio r o b je tiva d a e
u ma n a tu re za in te rio r rep ri mid a é o
sig n o p e r ma n en t e d o esc la r ec imen to
( H AB E R M AS, o p . ci t., p . 1 5 8 , itá li co s
n o s so s) .

Habermas, dado a sua abertura eclética, abre


espaço para diversos modelos interpretativos
conflitantes. Há uma possibilidade enorme de
complementação entre eles, mas essas
possibilidades não deixam de ter seus ri scos. Esse
é o processo próprio do desenvolvimento do
esclarecimento, a experimentação criativa e
arriscada. Do contrário, paralisaríamos o processo
inventivo e criativo do pensamento moderno.
Sem qualquer precaução, Horkheimer e
Adorno generalizaram a tes e weberiana do
desencantamento do mundo. Ao processarem tal
generalização admitiram os seguintes
pressupostos: 1) a equivalência entre mito e

- 143 -
esclarecimento, tal como Nietzsche admite; 2)
fundamentam a sua crítica da cultura sobre essa
equivalência e 3) in corporam abstrações e
nivelamentos que questionam a plausibilidade de
seu empreendimento (ibidem, p. 159). Habermas
passa a analisar o impacto desses pressupostos
incorporando outra tese presente na Dialética do
Esclarecimento.

A p ró p r ia ra zã o d es t ró i a h u ma n id a d e
q u e [ a] to rn o u p o s sí ve l [ E p o r q u e a
d es tró i?] [ p o rq u e] o p ro c es so d e
esc la rec im en to se d eve , de sd e o co me ço ,
ao i mp u l so da a u to co n se rva çã o ;
[ p ro ce s so] q u e mu tila a ra zã o , vi sto q u e
a re cla ma a p en a s n a s fo r ma s d a
d o min a çã o ra c io n a l co m re sp ei to a fin s
d a n a tu r eza e d o s i mp u lso s, ju sta men t e
co mo ra zã o in s t ru m en ta l (ib id e m, p .1 5 9 ,
n eg r ito s e itá li co s n o sso s ) .

Aqui Habermas indica a característica da


razão instrumental: “a dominação racional com
respeito a fins da natureza e dos impulsos”
(ibidem, p. 159).
Desta forma “a razão permanece submetida
aos ditames da racionalidade com respeito a fins
até em seus mais recentes produtos... na ciência
moderna, nas ideias universalistas do direito e da
moral e na arte autônoma” (ibidem, p. 159,
negritos nossos ). Nos mesmos termos,
“Horkheimer e Adorno estão convencidos de que a
ciência moderna voltou a si mesma no positivismo

- 144 -
lógico e renunciou à pretensão empática de
conhecimento teórico em favor da utilidade
técnica” (ibidem, p. 159). E, uma vez mais, na
Dialética do Esclarecimento, Horkheimer e
Adorno argumentam: “... as próprias ciências são
absorvidas pela razão instrumental... todo critério
normativo (decomposição das imagens religiosas e
metafísicas do mundo) perdura seu crédito em face
da autoridade da ciência, que é a única que restou”
(ibidem, p. 160).
Habermas desfecha uma crítica frontal à
esse argumento de Horkheimer e Adorno. Critica a
unilateralidade da força discursiva da Dialética do
Esclarecimento, a tese niveladora que
desconsidera “os traços e ssenciais da modernidade
cultural”. Na perspectiva habermasiana a crítica
de Horkheimer e Adorno a modernidade é injusta.
Diz Habermas: “a Dialética do Esclarecimento não
faz justiça ao conteúdo racional da modernidade
cultural, que foi conservado nos idea is burgueses
(e também instrumentalizado por eles)” (ibidem,
p. 162).
A “dinâmica da ciência moderna” e “a
autorreflexão das ciências” impulsionam o
esclarecimento “para além da produção do saber
tecnicamente útil”. Mesmo a “fundamentação
universalista do direito e da moral” personificada
“nas instituições dos Estados constitucionais, nos
tipos de formação democrática da vontade, nos
padrões individualistas da formação de

- 145 -
identidade” não podem ser reduzidos à
racionalidade do “saber tecnicamente útil” ou
instrumental. Persiste a “pulsão” emancipadora, a
“esperança dos desesperados” (ibidem, p. 162).
Persiste, de acordo com Habermas,

...a p r o d u ti v id ad e e a fo rça e xp lo si va d a s
exp er i ê nci as e st ét ica s fu nd a me n t ai s q u e
u ma s ub j et i vid ad e lib era da dos
i mp er a ti vo s d a a ti v id ad e co m r esp ei to a
f i ns e d as co n ve n çõ e s d a p erc ep ção
co tid ia na o b t é m a p ar ti r d e se u p ró p rio
d esc e ntr a me n to ; e x p er i ên cia s e xp o s ta s
na s o b r a s d e va n g ua r d a, art ic ul ad a s na
li n g ua g e m p e lo s d is c ur so s d a cr ít ica d e
ar te e q ue al ca nç a m ta mb é m u m c erto
ef ei to il u mi nad o r – p elo me no s, co mo
ef ei to i ns tr ut i vo d e c o nt ra ste – no s
r eg i str o s valo r at i vo s d a a uto - rea li zaç ão ,
enr iq ue cid o s d e mo d o i no vad o r ( ib id e m,
p . 1 6 2 -1 6 3 ) .

Habermas se faz a seguinte pergunta: “quais


motivos teriam levado Horkheimer e Adorno a
conduzir sua crítica do esclarecimento a uma tal
radicalidade, colocando em risco o próprio projeto
do esclarecimento (?)” (p. 163). Esse risco,
assumido por Horkheimer e Adorno, e a falta de
perspectiva da Dialética do Esclarecimento,
parecem ser explicados pela rejeição à “crítica da
ideologia marxista”, que, segundo os autores, não
respondiam aos problemas por eles questionados.
Com a rejeição da teoria crítica da ideologia
“torna-se claro por que a Dialética do

- 146 -
Esclarecimento tem de nivelar de modo esp antoso
a imagem da modernidade” (ibidem, p. 161).
A passagem a seguir é esclarecedora para
entender a crítica, nos parágrafos subsequentes,
que Habermas desfecha sobre Horkheimer e
Adorno.

A d ig n id a d e p ró p ria d a mo d e rn id a d e
cu ltu ra l co n si st e n a q u i l o q u e M a x We b e r
d en o min o u d e d ife ren c ia çã o e sp e cí fi ca
d a s e sf era s d e va lo r. Ma s, co m ela , a
fo r ça d a n eg a çã o , a ca p a cid a d e d e
d is cr im in a r en t re o ‘ si m’ e o ‘n ã o ’ , n ã o
é p a ra l isa d o , ma s a n te s po t en cia liza da .
Qu e stõ e s d e ve rd a d e, ju s ti ça e g o sto
p o d em en tã o se r ela b o ra d a s e
d esd o b ra d a s seg u n d o su a s re sp e ct iva s
ló g ica s in te rn a s ( ib id e m , p . 1 6 1 , n eg r ito s
e itá li co s n o s so s ) .

Potencialidade que não deixa de ter


problemas. É preciso considerar que a tese do
mundo desencantado, “da dignidade da
modernidade cultural”, ou ainda, nos termos de
Lukács, “da processualidade evolutiva do ser
social” que permite o ser humano se deparar com
novas “questões de verdade, justiça e gosto”,
acontecem determinadas historicamente, e isso é
decisivo em termos das sociedades e do
esclarecimento da trama das relações sociais.
Como reconhece Habermas, essa processualidade
acontece nos marcos da “economia capitalista e do

- 147 -
estado moderno”. Negar esse fato é negar a
história, um dos pilares da razão sábia.

Ce r ta men te (d i z Ha b er ma s ) co m a
eco n o m ia ca p ita li sta e o es ta d o mo d ern o ,
re fo r ça - se ta mb ém a tend ên cia d e
red u zi r to d a s a s q u e stõ e s d e va l id a d e a o
lim ita d o h o r izo n te d a ra cio n a l id a d e co m
re sp e ito a f in s d e su je it o s q u e co n se rva m
a si me smo s, o u d e s is te ma s q u e
co n se r va m su a p ró p ria e xi st ên cia
( ib id e m, p . 1 6 2 , n eg ri to s e itá li co s
n o s so s) .

Habermas faz uma ressalva importante. A


redução do pensamento esclarecido à
racionalidade com respeito a fins é apenas uma
tendência, não uma fatalidade intransponível. A
amplitude da modernidade cultural tem revelado a
sua autonomia necessária para não se deixar
dominar pela racionalidade instrumental. Diz ele:

No en ta n to , co m e s sa t en d ên cia p a ra u ma
reg re s sã o so cia l d a ra zã o co n co r re a
p re s sã o , em n a d a d es p re zí vel , p a ra a
d ife ren cia çã o p ro g r es s i va d a ra zã o q u e
a s su me a ss im u ma fo rma p ro ced u ra l,
p re s sã o e s ta i n d u zid a p e la
ra c io n a l iza çã o d a s ima g en s d o mu n d o e
d o s mu n d o s d a vid a [ d e ca rá te r n ã o
in s t ru men ta l] ( ib id e m, p . 1 6 2 , itá li co s
n o s so s) .

De acordo com Habermas são as


divergências entre os sujeitos atuante s no âmbito
do esclarecimento que autonomizam esferas

- 148 -
sociais que podem respirar ares distintos daqueles
ventilados pela razão com respeito a fins. O que
ocorre com o campo da cultura.
Enfocaremos agora os motivos que levaram
Habermas a acusar Hokheimer e Adorno de
injustos, na crítica que fazem a modernidade
cultural.

Co m a a s s i mi laç ão n at ura li st a e n tre


p r ete n sõ e s d e va lid ad e e p re te n sõ e s d e
p o d er , co m a d e str u içã o d as fac uld ad e s
cr ít ic as, co nco r r e o ap e rfe iço a me n to d a s
cu lt ur as d e esp ec ial i sta s [p ro mo v id o p e lo
mu n d o acad ê mi co ] , na s q ua i s u ma es fera
ar ti c ul ad a d e v al id ad e p ro p o rcio na u ma
esp e ci f ic id ad e à s p r ete n sõ e s d e verd ad e
p r o p o si cio n al, d e j us te z a no r ma ti v a e d e
au te n tic id ad e, e mb o r a t a mb é m u ma v id a
p r ó p r ia e so t ér ic a, [ s ej a ] a me aç ad a, p o r
s ua vez , p el a d is so c ia ç ão co m a p r á xi s
co mu n ic at i va d o co t id i ano (ib id e m, p .
162).

Para Hokheimer e Adorno, “a arte, fundida


com o divertimento, teria sido paralisada em sua
força inovadora e esvaziada de todo conteúdo
crítico e utópico” (p. 160). Em vez de forjar
identidades, “momento graças ao qual a obra de
arte transcende a realidade... nos traços (do estilo)
em que aparece a discrepância [ela] fracassa [no]
esforço apaixonado em busca de identidade”
(ibidem, p.160, negritos nossos).
Hokheimer e Adorno diferenciam “o estilo
da grande obra de arte” da “obra medíocre”. Esta

- 149 -
se confunde com o divertimento. A primeira nega
a se expor ao fracasso da identidade, enquanto a
segunda “se atém à semelhança... ao sucedâneo da
identidade”, a cópia e ao simulacro. E concluem:
“a indústria cultural acaba por colocar a imitação
como algo de absoluto” (ibidem, p. 161).
A crítica ao “caráter afirmativo da cultura
burguesa” se torna impotente e é neutralizada
(ibidem, p. 161). Habermas constata que os termos
da crítica da cultura são os mesmos expedientes
utilizados por Horkheimer e Adorno na crítica da
ciência, da moral e da arte. E, consequentemente,
desembocam nas mesmas conclusões: todas as
formas de culturas são subsumidas pela indústria
cultural, o que não é verdade para Haberma s.

A p ró p r ia sep a ra çã o d o s d o m ín io s
cu ltu ra is , a d eco mp o s içã o d a ra zã o
su b sta n c ia l , p e rso n if ic a d a a in d a n a
re lig iã o e n a me ta f í sica , d e svi ta l i za a ta l
p o n to o s mo men to s d a r a zã o , i so la d o s e
p ri va d o s d e su a co esã o , q u e r eg r id e m a
u ma ra cio n a lid a d e a se rv iç o da
a u to co n se rva çã o to rn a d a s elva g em. Na
mo d er ni da de cu lt ura l , a ra zã o [e nã o a
ra cio na l ida d e] é de sp i da
def in it iv a me nt e d e s u a pr ete nsã o d e
v a li da d e e a s si mi la da a o p uro po d er . A
ca p a cid a d e c r ít ica d e to ma r p o siçã o a n t e
a lg o co mo u m ‘ s im’ o u u m ‘n ã o ’, d e
d is tin g u i r en tr e en u n c ia d o s vá l id o s e
in vá l id o s é i lu d id a , n a med id a em q u e
p o d er e p re ten sã o d e va l id a d e en tra m e m
u ma tu r va fu sã o ( ib id e m , p . 1 6 0 , n eg ri to s
e itá li co s n o s so s ) .

- 150 -
Essa é a crítica fundamental de Horkheimer
e Adorno a modernidade cultural: a fusão entre
razão e poder. Com tal identidade há um
fechamento de qualquer possibilidade de
emancipação social. É o fim da “esperança dos
desesperados”.
Assiste-se o esgotamento das possibilidades
do esclarecimento identificar e esclarecer os
processos e mecanismos que dominam os seres
humanos, praticamente em todas as esferas do ser
social: do mundo da vida, da ciência e da cultura.
Quanto ao mundo do trabalho, nada pode se
argumentar. O mundo do trabalho, para
Horkheimer e Adorno, é o mundo que encarnou
definitivamente a razão instrumental.
Argumentação com a qual o próprio Habermas
concorda. A razão transfigura -se em mito: “... o
esclarecimento acaba por reverter à mitologia”
(ibidem, p.155).
Nota-se a interpretação de Habermas dessa
transfiguração e co mo ele formula su a crítica a
Hor khei mer e a Adorno:

‘P o d er e p r et e ns ão d e v alid ad e fu nd e m -
se ’ n i ve la nd o e ho mo ge n ei za nd o
en u n ciad o s vá lid o s e i n vá lid o s, o q ue
d ese mb o ca no r e lat i vi s mo : i mp ed i me n to
d a d i f er e nc iaç ão e e vid e nc iaç ão d e
p r io r id ad e s n a to mad a d e p o s iç ão . A
co n seq u ê nc ia é u ma p ar ali sa ção d a aç ão
co n sc ie n te, p o i s a r a zão é ‘il ud id a ’
( ib id e m, p . 1 6 2 ) .

- 151 -
Ora, tais características não são as mesmas
encontradas no mito?
No modo do pensamento mítico “os sujeitos
têm um comportamento ambíguo em relação a os
poderes originários” (ibidem, p. 163). Com isso
não conseguem formar identidades e emancipar -se
da natureza exterior e interior, naufragando nas
forças do poder do mito. Como não consegue
suplantá-las o pensamento esclarecido, para
Horkheimer e Adorno a s recria sob novos signos,
como por exemplo, a racionalização. Segundo
Habermas, “Horkheimer e Adorno concebem o
esclarecimento como a tentativa fracassada do es -
capulir (ent-springen) dos poderes do destino”
(ibidem, p. 163).
Cria-se assim um “vazio deses perador da
emancipação [da cultura moderna]... forma pela
qual a maldição das potências míticas atinge ainda
seus fugitivos” (p. 163). Os protagonistas da
modernidade cultural são, assim, fugitivos de uma
perseguição poderosa: a mitologização da
realidade. A realidade moderna, juntamente com o
pensamento esclarecido, está fadada a viver nas
sombras e no mundo aparente. Mundos contra os
quais o esclarecimento fracassou como arma para
enfrentá-los.
É o fracasso do esclarecimento,
consubstanciado nas guerras, stalinismo e
fascismo, que leva Horkheimer e Adorno a

- 152 -
abandonarem a teoria crítica da ideologia pelo que
eles chamam de desmitologização. Com a
transfiguração da razão em mito é preciso
desmitologizar a razão, e para isso a teoria crítica
da ideologia, com o teoria crítica das distorções do
pensamento esclarecido, é impotente.
Consequentemente, Horkheimer e Adorno
“definem a via da desmitologização como
transformação e diferenciação dos conceitos
básicos” (ibidem, p. 164).
Essa argumentação, para Habermas é, na
verdade, um paradoxo:

O m ito d e ve su a fo rça t o ta li za d o ra , co m
q u e o rg a n iza to d o s o s f en ô m en o s
p erc eb id o s n a su p er fí cie em u ma red e d e
co r re sp o n d ên cia s, de rela çõ e s, de
se melh a n ça s e co n tra s te s, a co n c ei to s
b á si co s , n o s q u a i s u n e ca teg o r ia l men t e
a q u ilo q u e a co mp r een sã o mo d e rn a d o
mu n d o n ã o p o d e ma i s ju n ta r (p . 1 6 5 , s e
itá l ico s n o s so s ).

Aqui temos uma outra questão. Além da


razão fundir -se ao poder, os conceitos racionais
perderam a sua força: a possibilidade de apreender
a dinâmica da totalidade das relações sociais que
mantém a sociedade moderna integrada e
articulada.
O que “a compreensão moderna do mundo
não pode mais juntar” (?) O processo de
autonomização da realidade social: o mundo do

- 153 -
trabalho, da arte, da cultura, da vida, etc. Cada
mundo constitui, cada vez mais extensa e
intensamente, a sua própria variedade e
universalidade. A sociedade moderna, como
totalidade social, tornou -se complexa e
fragmentada, e perdeu a sua unidade. Na
perspectiva de Lukács essa é uma ilusão da
estrutura do esclarecimento funcionalista e
positivista, não do esclarecimento que se
fundamenta na ontologia do ser social 21.
Os “conceitos básicos”, que antes uniam
categorialmente essas dimensões do ser social, na
medida em que campos sociais foram se
desprendendo desse ser, aparentemente, se tornou
impraticável, em termos teóricos, qualquer esforço
de analisar a sua totalidade. Vale dizer, a
articulação entre universalidade, particularidade e
singularidade do ser social. As forças dos
processos particulares acabaram por constituir
universalidades específicas, pouco sintonizadas

21
Ma i s u ma v ez é i mp o r ta nt e r e gi s trar q ue u ma d a s
p o te nc ial id a d es do p en sa me n to e sc lar ecid o , em
co n trap o si ção ao p e n s a me nto mí t ico , é a n eg ação d e
ar g u me nto s ap r e s e nta d o s co mo v ál id o s , pois os
ar g u me nto s n ão p o d e m as s u mi r a co nd i ção d o ab so l uto
co mo são o s ar g u me n to s mí t ico s. I s to não s i g ni fi ca ad mit ir
o rela ti v is mo co mo no r m a d o p e ns a me n to e sc lare cid o . M a s
r eco n hec er q ue d ep e nd o d a p r io r id ad e es tab e l ecid a p elo
p en sa me nto e sc lar ecid o ele mu d a d e fi g ur a. S ão d i fere n te s
as co nc l u sõ e s d o p e n sa me n to e scl ar e cid o q ue p rio riz a as
es tr ut ur as d o i nco n sci en te co mo mo d elo e x p lic at i vo ,
d aq u ela s q u e p r io r iz a a s es tr ut ur a s d o ser so c ia l.

- 154 -
com a universalidade do ser social. Ficou difícil
falar em conceitos básicos do ser social. Na
verdade, cada campo exige para ser esclarecido e
compreendido o domínio de conceitos básicos a ele
referente. Esse desdobramento da sociedade
moderna abriu os precedentes necessários para o
relativismo se justificar e se estabelecer enquanto
perspectiva político -filosófica. O que é
perfeitamente percebido por Habermas:

‘P o d er e p r et e ns ão d e v alid ad e fu nd e m -
se ’ n i ve la nd o e ho mo ge n ei za nd o
en u n ciad o s vá lid o s e i n vá lid o s, o q ue
d ese mb o ca no r e lat i vi s mo : i mp ed i me n to
d a d i f er e nc iaç ão e e vid e nc iaç ão d e
p r io r id ad e s n a to mad a d e p o s iç ão . A
co n seq u ê nc ia é u ma p ar ali sa ção d a aç ão
co n sc ie n te, p o i s a r a zão é ‘il ud id a ’
( I b id e m, p . 1 6 2 ) .

Se conceitos básicos são categorias que


permitem o ser social agir no mundo,
reflexivamente, e admitindo a emergência de
diversos mundos com seus respectivos conceitos
básicos, o desafio filosófico passou a se constituir
na tentativa de visualizar e explicitar os laços que
ligam esses mundos em um “mundo unificado
(“globalizado”). Ou melhor, explicar a totalidade
do ser social. Ou então, uma outra posição teórica
legítima, que se render à fragmentação do ser
social como um processo natur al e irreversível e,

- 155 -
portanto, um não -problema para o pensamento: o
relativismo.
Apesar de Habermas rejeitar boa parte da
epistemológica moderna, erigida sobre a
dicotomia sujeito x objeto, parece não abrir mão
da relação entre pensamento e realidade, nos
termos propostos por Hegel e aprofundados por
Marx. Os conceitos não flutuariam no pensamento,
mas teriam sua âncora na realidade, tendo a
linguagem como médium. Essa é, certamente, uma
posição inovadora de Habermas: “ A linguagem, o
médium da exposição, não está ainda tão desatada
da realidade [autonomizada] a ponto de o signo
convencional poder separar -se, de modo geral, do
conteúdo semântico e do referente” (Ibidem, p.
165).
Se para Lukács o trabalho é a protoforma do
ser social. Vale dizer, aquele médium que mantém
o ser social unido como reprodução renovada de
seus conceitos básicos. Para Habermas a
protoforma é a linguagem. Apesar da diferença
categorial básica ambos estão imbuídos do mesmo
propósito: mostrar a unidade da modernidade. Na
perspectiva de Lukács, temos o seguinte:

As tr ê s e s fer a s o nt o ló gic as s ão ...


d is ti n ta s e... ar tic u lad a s... o es t ud o d e
cad a u ma d el a s d e ve rev el ar t a nto o s
mo me n to s d e d i s ti n ção o nt o ló gi ca co mo ,
ta mb é m, o s d e ar tic u la çã o o n to ló gi ca q ue
p er mei a m a s tr ê s e s f er a s d o ser. E m se
tr at a nd o d o s er so cia l, es sa e x i gê nc ia

- 156 -
ge n ér i ca se p ar t ic u lar i z a n a ne ce ss id ad e
d e d es ve lar d e q ue mo d o se o p era e s sa
si mu lt â nea di st in çã o e a rtic ula çã o do
mu n d o do s ho me n s co m o co nj un to da
na t u reza ... no co n te xt o d a o n to lo g ia
lu k ác si a na . ..[ o p e rad a p e la]
p r o ce ss u al id ad e i n ter n a à ca te go r ia
tr ab a l ho ( Le ss a, p . 2 1 , e se g u i nt es ,
ne gr ito s no s so s) .

Como Lukács explica tal processualidade


interna à categoria trabalho?

[ De a co r d o co m no s so a uto r] o fa to q ue –
e m co ne xão co m o tr ab al ho co ncre to
d ad o – so me n te u m r e fl e xo e fe ti va me nt e
co r r eto d as r al açõ e s ca u s ai s co lo cad a s e m
q ue s tão p elo o b j e ti vo d o trab al ho p o d e
fa zer co m q ue el a s se tr a n s fo r me m, co mo
é ab so l u ta me n te n ece s sá rio , e m rel açõ e s
ca us ai s p o sta s, le va nã o so me n te a u m
co n s ta nt e co n tr o le e ap e rfe iço a me n to d o s
ato s d e r e f le xo , a ma s ta mb é m à s ua
ge n er a liz ação . À m ed id a q ue a
exp er i ê nci a d e u m tr ab al ho co ncr eto é
ut il iz ad a e m o u tr o tr ab al ho , se p ro d uz
gr ad u al me n t e u ma s ua – re lat i va -
au to no mi zaç ão , o q u e q uer d iz er q ue s ão
ge n er a liz ad a s e f i xad as d e ter mi n ad a s
o b ser v açõ e s q ue não ma i s r e fer e m d e
mo d o e xc l u si vo e d ir eto a u m ú n i co
p r o ced i me n to , ma s ad q ui re m, ao i n vé s,
u m cer to car áte r d e ge ner al id ad e co mo
o b ser v açõ e s q ue d iz e m r esp e ito a e v e nto s
d a n at ur e za e m g er a l . São e s ta s a s
ge n er a liz açõ e s q ue fo r n ece m o s ger me s
d as f u t ur a s c iê n cia s ( e o u tra s es fera s
so c iai s, co mo a c ul t ur a) c uj o s i níc io s,
co mo p ar a a g eo me tr ia e a ari t mé ti ca, se
p er d er a m ao lo n go d o te mp o . M es mo q ue

- 157 -
não s e t e n ha u ma c l ara co n sc iê n cia ,
al g u ma s ge n er a liz açõ e s ap e na s i n ic iai s
co n tê m j á p r i n c íp io s d eci si vo s d a s
ciê nc ia s p o ster io r e s rea l me n te
au tô no ma s. P o r e x e mp l o , o p ri ncíp io d a
d esa n tr o p o mo r f iza ção .. . ” ( Lu kác s, c it ad o
e m LE S S A, 1 9 9 7 , p . 3 7 ) .

Sobre a centralidade da linguagem,


Habermas (1990, p.15) argumenta:

A p as sa g e m d o p ar ad i g ma d a filo so fia d a
co n sc iê n cia p ar a o p ar ad ig ma d a filo so fia
d a li n g u a ge m co n s ti t ui u m co r te. .. A
p ar tir d e st e mo me n to , os si n ai s
li n g uí s ti co s, q ue se r via m ap e na s co mo
in s tr u me n to e eq u ip a me n to das
r ep r e se nt açõ e s, ad q u ir e m, co mo rei no
in ter med i ár io dos s i g ni ficad o s
li n g uí s ti co , u ma d i g nid ad e p ró p ria
[ au to no mi a] . As r e la çõ e s e ntr e l i n g ua g e m
e mu n d o , e n tr e p r o p o si ção e e s tad o s d e
co i sa s, s ub s ti t ue m a s r elaçõ e s s uj e ito -
o b j eto . O tr ab a l ho d e co n st it u ição d o
mu n d o d e i xa d e ser u ma tare fa d a
s ub j et i vid ad e tr a ns ce n d en ta l p a ra se
tr a n s fo r mar e m e str u t ur as gra ma ti ca is. O
tr ab a l ho r eco n s tr ut i vo d o s l i n g ui st a s
en tr a no l u gar d e u ma in tro sp ec ção d e
d i fíc il co ntr o le. P o i s, a s regr as , se g u nd o
as q u ai s o s si g no s são e ncad e ad o s, a s
fr a s es fo r ma d a s e os e n u nc iad o s
p r o d uz id o s, p o d e m s e r d ed u zid as d e
fo r ma çõ e s li n g u í st ica s q ue s e ap re se nt a m
co mo al go j á e xi s te n te.

Busca-se de esclarecer que as referências


acima são modos particulares de aproximações
entre Lukács e Habermas. Formas que eles

- 158 -
encontraram para situar a razão. Isso não signi fica
que eles aceitem a razão sem reservas. Muito pelo
contrário, Habermas reconhece a importância das
críticas à razão, que sacudiram uma ortodoxia
filosófica persistente, que vinha se processando na
modernidade desde o século dezenove. Ortodoxia
que fazia reverência a uma razão instrumental.
Para Habermas (1990, p.16):

Os co nc ei to s c ét ico s d e razão t i vera m u m


ef ei to ter ap ê ut ico so b re a filo so fi a,
d ese n ca n ta nd o -a e co n fi r ma nd o -a n a s ua
f u nç ão d e g u ar d i ã d a r acio na lid ad e. De
o ut r o lad o , p o r é m, d i fu nd i u -s e t a mb é m
u ma cr ít ica r ad ica l à r azão , a q ua l n ão
so me n te p r o t es ta co n tr a a tra n s fo r ma ção
d o e nt e nd i me n to e m r az ão i n st r u me nt al,
co mo ta mb é m id e n ti f ica a razão e m ger al
co m r ep r e ss ão p r o c ur a n d o , a s e g uir, d e
mo d o fa ta li st a o u e st áti co , e nco n trar
r ef ú g io e m a l go to ta l me nt e o ut ro .

Essa aproximação de Lukács e Habermas


revela a concordância com pelo menos um aspecto
fundamental da tradição hegelo -marxiana: “a
imagem linguística do mundo permanece
entretecida com a ordem do mundo” (Habermas,
1985, p. 164). Em out ros termos, reafirma -se o
entrelaçamento entre o mundo dos conceitos
(básicos ou não, relativo ou não) e o mundo das
coisas. Na afirmação de Habermas: “c ategorias de
validade como ‘verdadeiro’ e ‘falso’, ‘bom’ e
‘mau’, estão ainda ligadas a conceitos empír icos

- 159 -
como troca, causalidade, saúde, substância e
fortuna” (ibidem, p. 164, itálicos nossos ).
Se a relação entre “categorias de validade”
e “conceitos empíricos” é uma característica do
pensamento esclarecido o mesmo não acontece
com o pensamento mítico.

O p e n sa me nto má g ic o n ão p er mi te
ne n h u ma d i f er e n cia ção co n cei t ua l b á s ica
en tr e co i sa s e p e sso as, e ntr e s ere s
in a ni ma d o s e a n i mad o s, en tre o b j e to s q ue
p o d e m se r ma nip u lad o s e ag e nt es, ao s
q ua i s atr ib uí mo s a çõ e s e ma ni fe s taçõ es
li n g uí s ti ca s ( ib id e m, p . 1 6 4 ).

Mas a razão que se fundiu ao poder se torna


impotente para demolir os mitos da modernidade.
De acordo com Horkheimer e Adorno: “s omente a
desmitologização rompe aquele encanto que, para
nós, aparece como uma confusão entre natureza e
cultura” (ibidem, p. 164).
E, por que desmitologização?

[ P o r q ue] o p r o c es so d e es clar ec i me n to
co nd u z a d e sso cia li zaç ã o d a na t urez a e a
d es na t ur a li zaç ão d o mu n d o h u ma n o ; co m
P ia get, p o d e -s e co nc eb ê - lo (o p ro ce s so
de es cl ar ec i me n to ) co mo um
d esc e ntr a me n to d a i ma ge m d o mu n d o
( ib id e m, p . 1 6 4 ) .

Identificado o processo de esclarecimento


como causador da dessocialização da natureza e da
desnaturalização do ser social, não resta outra

- 160 -
alternativa senão abandonar o processo de
esclarecimento. Essa é a conclusão de Horkheimer
e Adorno. Eles rejeitam a hipótese emancipadora
do esclarecimento e sugerem a desmitologização.
Como, então, desmitologizar os processos de
dominação mitologizados pela razão instrumental?
O que há de importante nessas considerações
de Habermas é, justamente, que o esclarecimento,
apesar de admitir a associação da imagem do
mundo com o mundo, essa associação é histórica:
na medida em que o mundo muda a sua imagem
acompanha essa mudança. E a percepção, entre um
e outro, também muda. O problema é que inexistia
a possibilidade dessa percepção nas sociedades
arcaicas em função da natureza do pensamento
mítico. Na modernidade isso se torna possível
porque se operou um “descentramento” entre o
mundo e a imagem, em que um e outro podem ser
diferenciados e cada qual esclarec idos em suas
particularidades e dinâmicas internas. Em história
chamamos esse fenômeno de dessacralização ou
secularização, que corresponde o ser humano se
tornar sujeito do seu destino, se tornar livre da
hipótese de que o seu destino estaria já traçado p or
uma divindade.
O “descentramento da imagem do mundo” é
responsável pela fragmentação ou territorialização
do mundo em diversos mundos, habitados pelos
humanos. Nesse processo de diferenciação ou
complexificação do ser social: “[o] mundo

- 161 -
exterior diferencia-se no mundo objetivo do ente
[do ser social] [o mundo exterior também se
diferencia] no mundo social das normas
(regulação interpessoal). [E] ambos [mundo
objetivo e social] destacam -se do mundo
interior, das vivências subjetivas , próprias de
cada um” (p. 164-65, negritos e itálicos nossos) .
A modernidade inaugura uma historicidade
própria, fundada na diferenciação extensiva e
intensiva do ser social. Isto significa admitir que
a história do mundo objetivo do ser social é um
processo criador de novos es paços sociais. A
processualidade evolutiva do ser social é uma
processualidade que cria esferas sociais cada vez
mais diversificadas e interdependente. À
redefinição das esferas sociais corresponde a
redefinição da geografia social, isto é, a criação
de novos territórios sociais emergentes e
autônomos. Se há um limite do planeta terra, esse
limite parece tênue, de porosidade inaudita, na
historicidade do ser social. O mundo objetivo do
ser social é, ele próprio, o processo de
diferenciação desse mundo em no vas esferas
sociais: ligadas a arte, a cultura ao trabalho, etc.
Para Weber, argumenta Habermas (2001,
p.165):

Es se p ro ce s so [ h is tó rico de
d esc en t ra men to d a ima g em d o mu n d o]
co n tin u a n a ra c io n a l iza çã o d a s i ma g en s
d o mu n d o q u e, p o r su a ve z, en q u a n to

- 162 -
re lig i ã o e me ta f í sic a [ p en sa m en to
u tó p ico , “d ia lé ti ca d a esp e ra n ça ”] , sã o
tr ib u tá ri a s 22 da d es mi to lo g iza çã o
( itá li co s no s so s) .

O que Habermas analisa são procedimentos


da desmitologização, enquanto descentramento da
compreensão no mundo. Nesse sentido ele também
analisa “procedimentos da crítica da ideologia”.
Nesse drama, entre mito e esclarecimento,
“como desenvolvimento de uma compreensão
descentrada do mundo”. Habermas põe a cunha do
“procedimento da crítica da ideologia”. Mas
quando é possível a crítica da i deologia, em que
contexto histórico?

So me n te q ua nd o se s ep a ra m o s co n te xto s
d e s e nt id o s [ i mp r e ssõ e s] d o s co nte x to s
fa ct u ai s [ a co nt eci me n t o s], as rel açõ e s
in ter n as d a s e xt er na s; s o me n te q ua nd o a
ciê nc ia, a mo r a l e a art e se
esp e ci al izar a m cad a q ua l e m u ma
p r ete n são d e v al id ad e , se g u i nd o ló gi ca s
p r ó p r ia s e p ur i f icad a s d o s r es íd uo s
co s mo ló gi co s , teo ló gi c o s e c ul t urai s ;
so me n te e n tão p o d e s ur gi r a s usp ei ta d e
q ue a a uto no mi a d a v alid ad e q u e u ma
teo r i a, sej a e mp í r ic a o u no r ma ti v a,
r ecl a ma p ar a si é ap ar e nt e, p o is e m se u s
p o r o s i n fi ltr a m - s e i n ter e s se s e p re te n sõ e s
d e p o d er si g ilo so 23 ( ib id e m, p . 1 6 5 ).

22
A me ta fí si ca e a r e li g iã o são u m d e sd o b ra me n to d o mi to .
23
Des se mo d o o e nt e nd i m en to d e Hab er ma s so b re i d eo lo gi a
r eco lo ca a p ro b le má t ica d a f al sa a s ser ti v a, d o en go d o , o
q ue se p r o c ura es co nd er , o q ue não se d es e j a to rn ar
tr a n sp are n te. A id eo lo g i a es co nd e a s r e la çõ e s d e p o d er e

- 163 -
É importante dar continuidade a essa
formulação de Habermas:

A c r í tic a i n sp ir ad a p o r u ma tal s u sp ei ta
p r ete nd e d e mo n str ar q u e a teo ri a s u sp e it a
exp r e ss a... e m s e us e n u nc iad o s, p a ra o s
q ua i s r ec la ma u ma v alid ad e fo r ma l,
d ep e nd ê nc ia s q ue não p o d e ad mi t ir s e m
p er d er cr ed ib il id ad e ( ib i d e m, p . 1 6 5 ).

Mas quando a “crítica torna -se crítica da


ideologia”?

Q ua nd o a cr ít ic a p r e te n d e mo str ar q ue a
va lid ad e d a teo r ia n ão se s ep aro u
s u fi cie n te me n t e d o co n te xto d e o ri ge m
q ue ... se o c u lta u ma i líc it a me sc la d e
p o d er e va lid ad e e c uj a r ep u taç ão se d e v e
j us ta me n te a es s a me s cla (ib id e m, p . 1 6 5 -
66).

O que “a crítica da ideologia pretende


desvendar”?

Pre ten d e mo st ra r exa ta men t e co m o , em


u m n í vel p a ra o q u a l é co n st itu tiva a
rig o ro sa d is tin çã o en t re co n te xto s d e
sen tid o e co n te xto s fa c tu a i s, e s sa s
me sma s r ela çõ e s in te rn a s e ex te rn a s se
co n fu n d e m – e o fa zem p o rq u e p r et en sõ es
d e va l id a d e sã o d e te rm in a d a s p o r

d o mi naç ão . A cr í ti ca d a id eo lo g ia p r o c ura , j u st a me n te,


to r nar tra n sp ar e n te o q ue se o c ul ta d e lib erad a me n te o u
não . P ro c ura d es v e nd ar o q u e s u sp ei ta.

- 164 -
re la çõ e s d e p o d e r ( i b id e m, p. 166,
itá l ico s n o s so s ) .

Qual o significado e as implicações da


crítica da ideologia no contexto moderno?

A cr íti ca d a id eo lo g ia n ã o é u ma teo ria a


co n co r r er co m o u t ra s, se rve - s e a p en a s d e
d ete rm in a d a s su p o si çõ es t eó r ica s.
Ap o ia d a n ela s, co n te s ta a ve r d ad e d e u ma
teo ria su sp ei ta , a o r e v elar su a fal ta d e
ver ac id ad e ( ib id e m, p . 1 6 6 , itá li co s
n o s so s) .

Mas a crítica da ideologia apresenta uma


diferença fundamental com relação a
desmitologização. Ela “continua o processo de
esclarecimento na medida em que, a uma teoria
que pressupõe uma compreensão desmitologizada
do mundo, demonstra seus laços com o mito,
segundo a pista de um erro categorial
supostamente superado” (ibidem, p. 166).
Percebe-se aqui um primeiro movimento reflexivo
da razão sábia.
Mas e quando o esclarecimento estende essa
crítica sobre os seus fundamentos, que é a razão,
sobre o próprio esclarecimento? Quando se duvida
do próprio esclarecimento?
Responder a tal inquisição significa
introduzir um segundo movimento da razão sábia.
O movimento q ue a torna insana. Aquele que faz a
crítica de si mesmo, do próprio esclarecimento.

- 165 -
Qu a n d o a p ró p ria c r ít ic a d a id eo lo g ia é
su sp ei ta d e n ã o p ro d u zi r (ma i s ) ve rd a d e s
– o e sc la re ci me nt o t o rna - se ref le x iv o
[ crí ti co d e s i m es mo o u a u to c rí tico] p ela
seg u n d a ve z. [ E q u a nd o i sso a co nte ce] a
d ú vid a e sten d e - s e... à ra zã o , cu jo s
cr ité r io s a c rí tica da id eo lo g ia
en co n t ra rá nos id ea is b u rg u e se s 24.
(I b id e m, p . 1 6 6 , i tá l ico s n o s so s ) .

A essa altura Habermas se pergunta: “por


que Horkheimer e Adorno se veem obrigados a
autonomizar a crítica em relação aos seus próprios
fundamentos”? (Ibidem, p. 166). Essa atitude
marca um traço neurótico do esclarecimento, uma
vez que a autonomização não é resultante de
qualquer critério epistemológico, mas motivado
pela dinâmica do ser s ocial. Quem dá rumo e
impulsiona o pensamento não é o pensamento em
si, mas o pensamento no mundo. O pensamento
como dimensão da práxis. Essa argumentação de
Habermas é fundamental. Se é assim, então,
devemos buscar no mundo dos seres humanos os
processos sociais que enfraquecem as “esperanças
dos desesperados” e não no fracasso de qualquer
dimensão do ser social, como a razão. Para
reencantar o mundo não basta abrir a gaiola de
ferro que aprisiona a razão.

24
Os id eai s d a r e vo l u ção fr a n ce sa e a me ri c an a: d e
lib erd ad e, i g ua ld ad e e f r ater n id ad e d e sd e q ue d en tro d a s
lei s ap ro vad a s d e mo cr a t ica me n te .

- 166 -
Na fase áurea da teoria crítica a “crítica
marxista da ideologia” era uma de suas fontes de
inspiração. E ela denunciava, com todas as forças,
as contradições entre a universalidade, o
“potencial racional expresso nos ‘ideais
burgueses’”, e a particularidade, posta no “sentido
objetivo das instituições”. Essa contradição básica
“empresta às ideologias da classe dominante a
aparência ilusória de teorias convincentes [e] de
outro, oferece o ponto de partida para uma crítica,
empreendida de maneira imanente, dessas
construções, que elevam ao interesse univers al o
que de fato serve apenas à parte dominante da
sociedade” (ibidem, p. 168).
Na interpretação marxista desses processos
hipostasiados “a crítica da ideologia decifrava no
mau uso das ideias um fragmento da razão
existente, o culto a si mesmo, e lia -as como uma
diretriz que poderia ser cumprida por movimentos
sociais, na medida em que se desenvolviam forças
produtivas excedentes” (ibidem, p. 168).
Havia uma forte esperança “os teóricos
críticos conservaram nos anos trinta uma parte da
confiança, própria à filosofia da história, no
potencial racional da cultura burguesa, que
deveria ser liberada sob a pressão das forças
produtivas desenvolvidas” (p. 168).
Posteriormente, decepcionados com o
arrefecimento revolucionário: o stalinismo e a
vitória do fascismo. Essa esperança sucumbiu no

- 167 -
começo dos anos quarenta. Tais fatos fizeram
“Horkheimer e Adorno considerarem a crítica
marxista da ideologia como esgotada e deixaram
[com isso] de acreditar que a promessa de uma
teoria crítica da sociedade pudesse ser cumpri da
com os meios das ciências sociais. Em vez disso,
exercem uma radicalização e uma auto -
suplantação da crítica da ideologia para esclarecer
o esclarecimento sobre si mesmo” (ibidem, p.
168).
Na interpretação de Habermas da Dialética
do Esclarecimento (o d esencanto venceu a
esperança)

S e a ve rd a d e d a cu lt u ra b u rg u e sa é
rev ela d a p elo c in i s mo q u e ca ra c te ri za a
co n sc iên cia d o s e sc ri t o re s ‘ ma ld ito s’,
n ã o r e sta n a d a a q u e p o d er ia a p ela r a
cr ít ica d a id eo lo g ia ; e se a s fo rça s
p ro d u t iva s en tra m e m fu n e sta si mb io s e
co m a s re la çõ es d e p ro d u çã o , q u e
d eve ria m u m d ia r eb en ta r, ta mb é m n ã o
h á ma i s d in â mi ca a lg u ma n a q u a l a
cr ít ica p u d es se d ep o s ita r su a s
esp e ra n ça s ( ib id e m, p . 1 6 9 , itá li co s
n o s so s) .

Dessa forma “Horkheimer e Adorno vêm


abalados os fundamentos da crítica da ideologia –
mas pretendem se ater, contudo, à figura
fundamental do esclarecimento” (ibidem, p. 169).
Eles voltam às armas do esclarecimento, utilizadas
contra o mito, para o próprio esclarecimento num

- 168 -
ato suicida. De acordo com Habermas: “o que o
esclarecimento efetuou em relação ao mito,
aplicam mais uma vez sobre o processo do
esclarecimento em seu todo. Ao voltar -se contra a
razão, enquanto fundamento de sua própria
validade, a crítica torna -se total” (p. 169).

Á GUISA DE CONCLUSÃO

Diante de nossa análise o que parece


razoável admitir é que todo esse complexo de fatos
faz parte de um período histórico da modernidade,
que está agonizando com a crise do neoliberalismo
e da sua ideologia, a pós -modernidade. O que nos
desafia a buscar, com mais rigor e empenho, a
reconstrução crítica de novas concepções de
ciência, sobretudo no âmbito das ciências
humanas, desde uma perspectiva crítica e
ontológica. Esse posicionamento crítico nos
impõe, segundo penso, reavivar o marxismo como
teoria “prático -crítica”, num esforço intelectual
que precisa considerar todos esses
acontecimentos.
De qualquer forma a crítica às
determinações marxistas do homem e do
conhecimento foram contundentes e radical. Sua
morte foi decretada e, com ela, o fim da história,
das lutas de classe e a possibilidade de analisar a
realidade da acumulação flexível mediante o
complexo categorial do trabalho. Essas falas se

- 169 -
reproduziram com grande alcance e ressonância
em Congressos, Encontros, Simpósios,
Seminários, Fóruns, Comunicações Acadêmica s.
Enfim, nas salas de aulas das Universidades e,
infelizmente, nos Programas de Pós -graduação das
Ciências Humanas e Sociais. Nestas falas os
marxistas foram associados à figuras bizarras e
mitológicas como os dinossauros. Foram
considerados jurássicos. F iguras exóticas do
parque montado pelos intelectuais pós -modernos,
financiados pelo grande capital que controla a
publicação em massa para a massa da sociedade.
Se em mais de 40 anos a capacidade
explicativa da realidade foi o principal motivo da
segregação dos cientistas sociais ao marxismo,
parece que a atual crise do capitalismo está
derrubando as cercas que o isolavam, e ele está aos
poucos vindo a respirar o ar público que o
negavam. Hoje, além da identidade, do gênero, da
etnia, e da multicultarilidad e, temas consagrados
pelos pós-modernos, faz -se necessário discutir as
desigualdades e a luta de classes. Neste contexto
de crise do capital parece claro a impossibilidade
de o consenso progressivo resolver a crise.
Tampouco recorrer à religião, a qualquer antípoda
da “ética protestante” para resolver o problema da
ganância do capital, do seu “espírito capitalista” .
Alguns pensadores analisados nessa
pesquisa oferecem fundamentos para questionar a
convicção teórico -abstrata de uma fronteira real

- 170 -
entre infraestrutura e superestrutura. A
inconsistência desse postulado teórico -dualista se
torna evidente quando consideramos a
“reprodução sócio metabólica do capital”
(Mészáros, 2002, 2004), e a trama da racionalidade
dessa reprodução (Weber, 1982, 1985 e Habermas ,
1997, 2002); sobretudo, quando se considera a
categoria trabalho humano (Lukács, 1978, 1981a)
como protoforma do desenvolvimento originário
do ser humano e sua centralidade no
desenvolvimento da modernidade capitalista
(Marx, 1978, 1980, 1982, 1984 e Gra msci, 1974,
1977, 1981a, 1981b, 1988a, 1988b). As categorias
reprodução, racionalidade e trabalho plasmam a
totalidade dinâmica da modernidade capitalista.
Considerando a característica plasmática
dessas categorias nem sempre o procedimento
empirista do conhecimento científico, que implica,
necessariamente, em decompor a complexidade do
ser social em partes mais simples, visando facilitar
o trabalho da pesquisa, em sua estratégia de
compreender e desvendar o desconhecido, é
adequado. Corre-se sempre o risco de uma análise
focalizada e parcial, os famosos recortes, se
prender às categorias de superfície de um
fenômeno social em detrimento das categorias de
profundidade. Por isso a necessidade de estarmos
atentos para o fato de quando admite -se o
fenômeno como um todo, categorias que a
princípio se revelam secundárias num enfoque

- 171 -
parcial apresentam peso relevante na explicação
mais abrangente, não podendo ser simplesmente
descartadas como categorias espúrias.
No caso das ciências humanas esse
procedimento quase sempre resulta em
contradições incontornáveis. As mais agudas
decorrem da universalização do método empírico
quando o fundamento se apoia apenas em
pressupostos analógicos. Tal generalização se
justifica em função da relativa eficácia dos
resultados alcan çados pelos procedimentos das
pesquisas empíricas, empreendidos nas ciências
naturais, que exigem um rigor mais exato de
precisão em suas investigações. Com base nessa
hipótese, parece inquestionável, para alguns
pesquisadores sociais, a universalização do s
métodos empíricos, e a falta de outras razões que
legitimem ou critique esses procedimentos além do
exclusivo critério analógico.
Se é relativamente convincente os limites da
transposição metodológica, de um campo a outro
do conhecimento, quando feito ar bitrariamente
sem considerar critérios objetivos, ou mesmo
fundar-se em um único critério como o analógico.
Converte-se também em grande obstáculo para o
desenvolvimento do conhecimento científico a
cristalização de classificações convencionais que
sujeitam e obrigam as análises teóricas à uma
determinada região das ciências humanas, como é
o caso, largamente aceito, de situar o objeto de

- 172 -
pesquisa como econômico, social, político ou
cultural. E ainda, no interior dessas disciplinas,
localiza-lo em campos temáticos bem delimitados.
Se é impraticável deixar de privilegiar certas
disciplinas em qualquer pesquisa sistemática é
questionável submeter -se a esse procedimento
como se submete o louco a uma camisa de força.
Seguindo essa linha de raciocínio
questionamos as críticas que enquadram Gramsci
como “teórico da superestrutura”, ainda que em
suas reflexões a política 25 (Coutinho, 1996, 2003),

25
O me s mo aco n te ce co m Hab er ma s ( 2 0 0 2 ) e m s u a a ná li se
so b re “A cr is e d e le g i ti ma ção d o cap it al is mo tard io ”,
q ua nd o se p ro p õ e a s ub st it u ir a c r ít ica d a eco no mi a
p o lít ic a b a se ad a, so b r e t u d o , n as ca te go r ia s co n st r uíd a s p o r
Mar x, p o r c at e go r ia s m ai s a fe it as a a ná li se d o si s te m a
p o lít ico .
Es se d e slo ca me n to se j u st i fi ca, se g u nd o H ab er m as, d e v id o
à re g u lar id ad e d a i n ter v en ção e sta ta l no aj u s te d as “cr i se s
si s tê mi ca s d a eco no m ia no s p a í se s d e ca p ita li s mo
av a nçad o ”. Ao r es s al ta r a ce n tr al id ad e d a p o lít ic a na
le gi ti ma ção d o s is te ma cap i tal , el e não se tr a n s fo r ma e m
u m teó rico d a s s up e r e s tr ut ur a s. Ap e na s d es co n sid era a
r ele v â nci a da d i a lét ica i n fr a es tr ut u r a ver su s
s up er es tr ut ur a, q ue n u m a d e ter mi n ad a co nj u nt u r a hi s tó ri ca
d e lo n go alc a nce – co mo no s te mp o s lo n go s car a cter izad o s
p o r B ra ud e l ( 1 9 9 0 ) – , p o d e p o r e m e vid ê nc ia u ma o u o u tra,
se m e li mi n ar, e f et i va me nt e, ta l d ia lé tic a. A co n sid eraç ão
d a d i alé ti ca i n f r a e str u t u r a v er su s s up er e str u t ura e xp l ica ,
e m p ar te, o s d i ver so s d e ter mi n i s mo s t eó ri co s na s c iê nc ia s
h u ma n a s. O q u e d iz er d o p o nto d e vi st a hab er ma sia no
ne s se i n ício d o séc u lo XXI , q ua nd o to d o s o s i nd i cad o r es
ma cro re v ela m a mi n i mi zação d o es tad o n a i n ter v e n ção d a
eco no mi a, so fr e nd o a so ci ed ad e u ma fo rt e
d esr e g ula me n t ação , q u e s u a ab o r d a ge m d ev e ser
d esc art ad a? P ar e ce q ue e ss e q u es tio n a me n to rev el a o s

- 173 -
mas do que qualquer outra disciplina ganhe
centralidade. Também é questionável, de acordo
com as características da modern idade capitalista
contemporânea, admitir a tão propalada tese da
“primazia” do mundo do trabalho, da
infraestrutura econômica, sobre outras dimensões
societárias, localizadas na superestrutura, como a
esfera política, social e cultural, tal como Marx
(1982) a formulou no século XIX. Em nosso
entender a dialética dessas instâncias é mais forte
e merece ser evidenciada como tal, em detrimento
do determinismo rígido que limita a característica
dinâmica do desenvolvimento histórico e
sociológico da modernidade capitalista.
É que a centralidade do trabalho, na
contemporânea modernidade capitalista, evidencia
uma gama de trabalhos concretos, articulados pela
complexa rede de divisão de trabalho, que,
juntamente com a estratificação social, ambas
determinadas pelo sistema capital, continuam a
presidir e orientar a distribuição das riquezas e do
poder, em todas as esferas societárias.
Considerado essa proposição deveras
esclarecedora quando se pensa na dialética

p r o ced i me n to s t eó r i co s ad o tad o s p o r Ar r i g hi (1 9 9 6 ) ma i s
co n s is te n te s, p o r co n sid er ar a i mp o r tâ n ci a d e c ate g o r ia s
co mo o s “ci clo s si st ê mi co s d e ac u mu l aç ão d e c ap it al” n a
ab o rd a ge m d e t e ma s t ão a mp lo s co mo a d i nâ mi c a d a
r acio n al id ad e o u l e gi ti ma ção d o si st e ma c ap i t al. Ar ri g hi
ad mit e cl ara me n te a d ia lé ti ca e ntr e i n frae str u t ura
( eco no mi a) e s up er e str u tu r a ( p o lí tic a ) .

- 174 -
infraestrutura versus superestrutura. Ela expressa
o que conseguimos avançar reflexivamente, nessa
investigação, à contragosto da teoria social
habermasiana que, apesar de todos os avanços
epistemológicos reconhecidos, não conseguiu se
libertar da dualidade convencional entre
infraestrutura (trabalho) e supere strutura
(interação) (Habermas, 1997): seja em sua teoria
do conhecimento -interesse ou interesses
cognitivos, quando associa o conhecimento
técnico, prático e emancipatório às esferas do
trabalho, da linguagem e do poder (Habermas,
1987), sem ressaltar o d evido entrelaçamento
desse associacionismo; em seu diagnóstico sobre a
“Crise de legitimação do capitalismo tardio”,
quando observa o deslocamento da “crise do
sistema” (trabalho, economia, mercado) para a
“crise de identidade” (interação, social, sociedad e
civil), em função das desmandas sociais crescentes
frentes a escassez dos recursos estatais,
comprometendo a “legitimação política” do estado
de providência, mas que, mesmo assim, consegue
arrefecer e diluir a luta de classes 26 à “déficits de
legitimidade” (Habermas, 2002a); ou mesmo em
“Para a reconstrução do materialismo histórico”
(Habermas, 1990a), quando nivela a importância
da “dimensão do conhecimento e da consciência
prático-moral” (interação) à “dimensão do

26
O q ue e sta mo s co n s id er a nd o co mo d i al éti ca e ntre
in frae s tr ut ur a e s up er e st r u t ur a.

- 175 -
conhecimento técnico -científico” (trabal ho); e em
“Racionalidade e comunicação” (Habermas,
2002b), quando enfatiza a importância da
“competência comunicativa” ou “pragmática
universal” (interação) frente a racionalidade meio -
fim (trabalho), para o projeto emancipatório da
modernidade. Como se vê , a obra de Habermas é
prisioneira da dualidade trabalho (infraestrutura)
e interação (superestrutura). Em sua síntese
programática em Teoria da Ação Comunicativa
Ainda considerando o questionamento do
dualismo entre infraestrutura e superestrutura, em
termos reais, chama-se a atenção para o seu
desdobramento ético -político: as tentativas de
dissociar o teórico e filosófico do político e da
realidade social. Nesse caso, quando admitimos a
categoria totalidade temos em mente a interação
entre ser e pensament o, no amplo alcance da
diversidade das ciências humanas. O sentido mais
relevante da totalidade está no fato de se admitir a
verificação e o contraste do pensamento com o
mundo existente; na crítica que avalia as
características da imanência e transcendênc ia, da
objetividade e subjetividade com a história,
inclusive a intersubjetividade própria das
sociedades modernas, industriais e capitalistas.
Essa tomada de posição pode estremecer
convicções demais arraigadas ao princípio
racional empirista e ao dualism o acima indicado.
Admite-se, de imediato, prováveis resistências e

- 176 -
mesmo rejeição à hipótese apresentada.
Justamente por ela postular a existência, dentro
das esferas propriamente superestruturais da
organização da cultura, da arte, do
desenvolvimento intelectual, de uma
infraestrutura econômica que as orientam e as
subordinam, muito fortemente, aos princípios e
critérios genéricos do modo de produção que lhes
dá sentido, coesão, movimento e identidade, como
é o caso do modo de produção capitalista; ainda
que este o faça sob críticas e protestos como
aconteceu na década de sessenta do século XX.
É plausível admitir a existência de uma
gama irrefutável de trabalhos concretos,
assalariados ou não, valorizados ou não,
qualificados ou não, que habitam as esferas das
superestruturas, ainda que fora dos padrões
originários do trabalho humano, postulados por
Lukács (1978, 1981ª), que conceitua o trabalho
como uma categoria mediadora das relações entre
ser humano e natureza. O que não deixa de ser uma
relação entre sujeito (ser humano) e objeto
(natureza) mediada pelo trabalho. Argumenta -se
que apesar do trabalho humano se fazer presente
nas esferas superestruturais eles discrepam da
conformação lukácsiana. As esferas que
caracterizam a superestrutura parecem validar as
características daquele padrão que Habermas
(1997, 1987) identificou existir nas relações
interativas, entre sujeitos e sujeitos, ou melhor, o

- 177 -
que ele cunhou como relações intersubjetivas. De
acordo com Lukács (1979a, 1979b, 1981a) essa é
uma tendência do desenvolvimento do ser social,
na medida em que se afasta das barreiras naturais
e se supera as carências materiais, alargando
aquele mundo que Marx chamou na Ideologia
Alemã de mundo da liberdade e momento de
fruição das potencialidades propriamente
humanas.
A hipótese desta pesquisa, relembrando, é
que aquela “determinação econômica em última
instância”, proposta por Marx (1982) em sua
Introdução à Crítica da Economia Política foi
desconcentrada, descentralizada e se dispersou
com as novas tecnologias e formas de organização
do trabalho, na segunda metade do século XX. A
superestrutura não é mais tão autônoma como no
século XIX, ela foi subsumida realmente, pelas
mídias, pelo marketing e pela rede TIC’s
(tecnologias de informação e comunicação), à
reprodução sócio metabólica do capital 27, e não

27
É o q u e aco n tec e u c o m o co n hec i me n to c i en tí fico .
T ecno lo g ia d a i n fo r maç ão co m a I n ter n et r eco n str u i u a s
fo r ma s trad icio n ai s d o tr ab al ho i nte le ct ua l . Qu a nd o
p en sa mo s na o r g a niz aç ão d o co n h eci me nto co nc e ntr ad o
na s i n st it u içõ es d e e n si n o é mai s co n v e nie n te co nc ei t uar o
tr ab a l ho i nt ele ct u al co mo tr ab al ho p ed a gó gi c o . O fa to
f u nd a me nt al é q u e o tr a b al ho p ed a gó gi co não p o d e ma is
ser p e ns ad o co mo no sé c ulo X X. As T IC ’
r efu n cio n a l izar a m o tr ab al ho p ed a gó g ico ao tra n s fo r ma r o
co n h eci me nto e m me r cad o r i a e fa zer d o trab al ho
p ed a gó gico o tr ab a l ho co n cr e to q ue nec es s ita e xtr air o

- 178 -
pode mais se furtar às normas institucionais
impostas pelo estado e ao metabolismo do capital:
aos seus médiuns, mediações e determinações. É
plasmada vertical, horizontal e transversalmente
por todos os médiuns e categorias fundamentais
que dão sentido societal à modernidade capitalista.
Explorando, sobretudo, uma esfera
superestrutural específica que se tornou vital e a
mais importante no final do século XX para a
modernidade capitalista, as instituições de ensino
responsáveis em organizar, concentrar,
centralizar, produzir e socializar o conhecimento
científico, dado que este passou a se configurar
como mercadoria ou riqueza social. Problema que
fazemos questão de ressaltar com a análise da
problemática do que est amos chamando, na
ausência de uma categoria sociológica mais
precisa que embasa essa análise intencional, de
trabalho pedagógico.
A princípio parece apenas uma provocação
aos olhos dos diversos tipos de “determinismos”
e/ou “primazistas” afastarmo -nos de tal dicotomia,
tão assente nos clássicos do marxismo (Marx,
1982), e mesmo em alguns teóricos do marxismo
ocidental (ver Merquior, 1987 e Anderson, 2004).

ma io r vo l u me d e ma i s va li a. Co m a s ub s u n çã o real d o
tr ab a l ho p ed a gó gi co ao cap i tal a p r o d ut i vid ad e, o rit mo , a
q ua lid ad e, e mp o b r eci me nto e d e sq ua li f ic ação d a fo rça d e
tr ab a l ho d o ce n te e d isc e nte so fr e u ma r ad ic al
tr a n s fo r ma ção .

- 179 -
Abordar a relação infraestrutura (trabalho) e
superestrutura (interação) como campos conexos e
vinculados a uma esfera societal tida comumente
como superestrutura, onde a categoria trabalho
ofusca-se diante da força da ideia de lazer, prazer,
fruição e divertimento é pouco comum. Por outro
lado, quando se analisa as características do
conhecimento científi co aí também situados,
constata-se pelo menos dois fatos marcantes: (a) a
inexistência de uma consciência social do esforço
que demanda uma autêntica produção/apropriação
social do conhecimento científico, do seu valor
como riqueza estratégica para a repro dução do
capital – o mais grave é que isso ocorre entre os
sujeitos produtores do conhecimento, o corpo
social docente e discente, daí o baixo valor quando
pensamos em uma hierarquia pública de
prioridades; (b) que as formas de exploração do
capital se apr esentam sob as formas mais sutis e
inescrupulosas em função de toda tradição que
envolve o trabalho intelectual, “espiritual” e que
preferimos conceituá -lo como trabalho
pedagógico.
Mas aqueles fatos marcantes, na medida em
que consideramos a história do c apitalismo da
segunda metade do século XX (Arrighi, 1996); a
nova dimensão da categoria profissionalização
(Villarreal, 2002, e Freidson, 1998); que
concentramos o foco na organização da cultura
(Gramsci, 1988b) e observamos, sistematicamente,

- 180 -
o trabalho pedagógico realizado nas unidades
educacionais de países capitalistas dependente
como os da América Latina, Central e do Sul, e da
África (Saviani, 1987; Paro, 1986, 1993; Bett y
Oliveira, 1996; Oliveira, 2000), aquela névoa se
dissipa e dá visão a um comple xo processo de
produção/apropriação social do conhecimento
científico, em termos corporativos (Kuhn, 2000 e
Morin, 2001), como forma estratégica de
reprodução e acumulação de capital, esboçando
uma economia política do conhecimento científico
plasmada por racionalidades complementares, que
se misturam e se determinam precipuamente.
É dentro dessa dinâmica que
compreendemos como em cada esfera social, em
cada subsistema superestrutural do capitalismo
contemporâneo existe, de forma bem concreta,
articulada e integrada à rede ou cadeia de
produção/apropriação social do conhecimento
científico, da divisão de trabalho da “indústria de
conteúdos” ou indústria do conhecimento, a
dialética entre superestrutura e infraestrutura.
Uma divisão de trabalho que liga a ind ústria do
conhecimento a outras subsistemas industriais de
forma orgânica e inextricável, como é a indústria
gráfica, a indústria de papel e celulose, química,
etc.
Com isso queremos dizer que a
autonomização e diferenciação de cada esfera
superestrutural, daquilo que normalmente

- 181 -
compreendemos como mundo do trabalho, obedece
à expansão do sistema capital. Não significa,
absolutamente, a transição do mundo das
necessidades para o mundo da liberdade. No
sistema capital, como Marx argumentou contra a
economia política clássica em seus Manuscritos de
Paris (1984), a expansão e desenvolvimento do
capital implicam, proporcional e inversamente, no
aumento da miséria crescente da força de trabalho.
O que vem acontecendo com as unidades de ensino
em sociedades de cap italismo dependente,
principalmente no ensino básico, invadidas
continuamente por pedagogias lúdicas, é a
subsunção da capacidade cognitiva infantil às
necessidades requeridas pelo capital sem qualquer
pudor.
A evolução que consolidou a modernidade
capitalista decorre desse processo dialético de
autonomização e diferenciação entre infraestrutura
e superestrutura. Esse processo perpassa todo e
qualquer subsistema das esferas que constituem
essas estruturas. Arrighi (1996) demonstrou em
uma exposição, como o Estado-nação
(superestrutura) e o capital (infraestrutura)
imbricaram -se nos ciclos sistêmicos de
acumulação genovês e holandês e se entrelaçam,
contemporaneamente, no ciclo sistêmico de
acumulação sob a hegemonia dos norte -
americanos. E ainda como essa di alética
empreende e subordina outros subsistemas à

- 182 -
dinâmica desses ciclos. Isto significa que
instituições sociais genuínas que emergem no
âmbito do Estado, do mercado ou da sociedade
civil mantém -se sob a tensão latente da
infraestrutura e da superestrutu ra. Nem mesmo
instituições tradicionais como família, escola,
igreja, partidos políticos e empresas lhe escapam.
Se em grupos sociais primários, como a
“família ampliada”, baseada no trabalho
doméstico e nas relações de parentesco, a
sociabilidade orgânica é pouco desenvolvida e a
moral, a ética e a afetividade assumem grande
relevância na reprodução social. Grupos sociais
como igrejas exibem uma divisão de trabalho mais
definida, especialização de funções legítimas e, no
mínimo, diferenciação e distinção e ntre aqueles
que se dedicam à vida espiritual e aqueles que se
obrigam à vida material. Por conta disso temos
uma organização social mais complexa entre
autoridades diferentes e hierarquia social que
diferenciam e segregam os indivíduos. Nos grupos
religiosos se distingue o trabalho eclesiástico,
dotado de status e autoridade, de outras formas de
trabalho inferiores. Dotado de superioridade, o
trabalho eclesiástico pode intervir na ordem moral
e nas organizações sociais; as atividades laicas
sem as mesmas prerrogativas se diferenciam do
trabalho eclesiástico.
A teoria do agir comunicativo de Habermas
não tem como compreender a

- 183 -
produção/apropriação do conhecimento como
momento de valorização do capital na
modernidade capitalista, mas é de vital
importância pa ra explicar as relações
intersubjetivas que se efetivam no encontro
didático e pedagógico entre as forças de trabalho
docente e discente, mediado pelo diálogo. Esse
encontro representa aquilo que Habermas tem em
mente quando fala em “tipo ideal de fala”: a ação
voltada para o entendimento ou compreensão. É
um espaço mais real do que o próprio Habermas
imaginara quanto formulou a categoria “tipo ideal
da fala” para exprimir o momento exato em que
ocorre o agir comunicativo.
No encontro didático -pedagógico, lugar
onde se processa a “idealidade da fala” que
encarna o agir comunicativo habermasiano,
também se efetiva o processo de
produção/apropriação do conhecimento mediado
pelo diálogo entre os sujeitos pedagógicos com
pretensões ao entendimento e a compreensã o, e
que, portanto, não deixa de ser produtivo, tanto no
desenvolvimento das personalidades daqueles
diretamente implicados, na socialização de normas
e valores, como na valorização e enriquecimento
da força de trabalho docente e discente. Por essas
razões, o encontro didático -pedagógico como
lugar onde se processa o “tipo ideal da fala”, que
move os sujeitos em busca do entendimento e da
compreensão, mas também de conhecimentos,

- 184 -
fortalece a hipótese de que as teorias de Habermas
e Marx não são excludentes, mas se complementam
no caso dessa realidade empírica que é o encontro
didático-pedagógico, que se efetiva nas unidades
de produção/apropriação do conhecimento,
mediado pelo trabalho pedagógico.
No que concerne o princípio educativo do
trabalho, quando apr eendido e registrado por
Gramsci, em artigos escritos para L’Ordine Nuova,
ocorre em momento revolucionário, em jornadas
de insurreição, onde os trabalhadores de Turim
irradiam e direcionam suas ações político -
sindicais contra a FIAT e o estado burguês
italiano.
O momento principal ocorre quando
Gramsci elabora sua proposta de funcionamento
dos Conselhos de Fábrica, entre 1919 e 1920, no
periódico L’Ordine Nuova . No processo de
elaboração de uma proposta para ação sindical dos
trabalhadores, ele vive uma si tuação dramática em
se decidir onde sustentar esse princípio.
Por várias vezes, ao falar da organização do
trabalhador assalariado, repete, seguidamente, o
que se tornou uma “obsessão stalinista”, que a
direção da organização (vanguarda, líderes)
deveria se caracterizar por “coesão”, “disciplina”
e ação política sistemática e regular, visando
“homogeneizar a classe trabalhadora” e, através de
um “forte e rígido centralismo”, levá -la ao poder.

- 185 -
Esse “levá-la ao poder” é o papel atribuído
pelo stalinismo à van guarda política. Na medida,
entretanto, que seguem os textos do periódico,
quando trata da questão polêmica que levou à
expulsão de Tasca e ao racha do Partido Socialista
Italiano, fundando-se o Partido Comunista, ele
reformula sua posição e propõe como es tratégia a
formação de uma democracia direta , ainda que
baseada numa “incipiente” forma de representação
política. Portanto, na medida em que o contexto
muda as proposições políticas gramscianas
mudam, e a trama das conjecturas se desfaz para
dar lugar a uma concepção original (NOSELLA, p
1992).
Nos Conselhos de Fábrica, para Gramsci, os
trabalhadores estariam livres da influência dos
“oportunistas”, que procuravam conservar seu
poder sobre a classe trabalhadora, os burocratas
sindicais e do partido.
As proposições de Gramsci se justificam: os
conselheiros ou delegados dos Conselhos viveriam
o dia-a-dia no mundo do trabalho, próximos às
transformações técnico -industriais e
compartilhando as aflições coletivas e pessoais
dos trabalhadores, ou seja, no interio r mesmo do
mundo do trabalho.
Aos sindicatos e partidos revolucionários,
caberia criar um campo de hegemonia nacional e
popular, para estas instituições não serem
corrompidas pelo capital, como aconteceu com os

- 186 -
sindicatos que passaram a fabricar burocratas e
reduziram os dirigentes sindicais a calculadores de
direitos trabalhistas.
O ponto crucial de ruptura com a burocracia
foi a defesa da participação dos trabalhadores nos
Conselhos, com autonomia e poder de decisão e
direção, mesmo não sendo estes associ ados aos
sindicatos. Era um impacto sobre o “centralismo
democrático”, de tipo stalinista, colocando
Gramsci em frontal discórdia, inclusive, com a
concepção de hegemonia leninista.
Para os trabalhadores assalariados
exercerem poder efetivo, deveriam
institucionalizar uma forma de organização
política-educativa-empresarial, no âmbito da
sociedade concreta, em que a estrutura dessa
organização, suas instâncias de representação e
decisão, fossem controladas pelos trabalhadores
assalariados, apenas desta forma haveria
condições de o trabalhador controlar as decisões
estruturais que têm impacto direto sobre as suas
condições de materiais de existência. A
apropriação do poder e das riquezas, a politização
da formação do trabalhador dependeria de
organizações dess e tipo, e o currículo, a formação
de professores, a avaliação de desempenho do
trabalho pedagógico, deveriam ser organizados
desta forma, sob o controle dos sujeitos
pedagógicos e não pela tecnoburocracia escolar ou
gestores escolares.

- 187 -
Ao discutir as relaç ões orgânicas entre
trabalho-educação-política, a partir da categoria
princípio educativo do trabalho, Gramsci amplia,
inclusive, o significado de política. Essas relações
orgânicas podem ser visualizadas na sua forma de
ressignificar o instrumento de trab alho. Vejamos
como Gramsci procede.
Como se vê, é a compreensão política da
formação do trabalhador que Gramsci valoriza e
põe em questão quando analisa a organização dos
Conselhos. São as similitudes presentes entre tais
organizações e as organizações soc iais, que
permitem Gramsci afirmar ter o trabalho um
princípio educativo.
Segundo Gramsci, isso ocorreria por alguns
caminhos:
1. Quando a representação política e a
organização educacional incluírem em
seus conselhos, pedagogos, professores
e educadores para gerir o ensino em
todos os níveis. Em outros termos, se a
manutenção financeira da escola é papel
do Estado, a política educacional deve
ser proposta, executada e gerida pelos
pedagogos, educadores e professores.
2. Dos programas curriculares devem fazer
parte conteúdos de política e ética,
principalmente os conteúdos clássicos,
como também a legislação política,
inclusive o funcionamento das

- 188 -
instituições oficiais. Enfocar
instituições, como os sindicatos, não de
maneira formal, mas sob a forma de
seminários ou ciclos de seminários.
3. Gramsci procura combinar em sua
proposta educativa não só os
conhecimentos técnicos e instrutivos,
mas também aqueles saberes
relacionados às humanidades por
considerá-los imprescindíveis para a
formação humana.

O educativo para Gramsci ocorre na práxis


humana. Nas atividades realizadas pelos seres
humanos. É na práxis que o ser humano desenvolve
suas capacidades intelectuais e morais. Em
atividade mobilizamos uma série de recursos e,
dentre eles, os instrumentos de trabalho. Para
tanto é necessário elaborar os instrumentos, o que
ocorre historicamente. Gramsci consegue superar
a visão estreita de enxergar o instrumento de
trabalho como algo indiferente que se pode dispor
em uma “caixa de ferramenta”.
No percurso dessa escrita, busc ou-se refletir
algumas vezes que a centralidade do trabalho se
manifestou de forma tão radical na sociedade
moderna como nessa aurora do século XXI,
momento singular que inaugura um novo ciclo do
capitalismo, a sociedade do conhecimento. Nesta

- 189 -
sociedade o assalariamento como mediação ou
acesso a poder e riquezas perde força.

REFERÊNCIAS (UNIDADE I)

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do t rabalho :


ensaios sobre a afir mação e a negação do trabalho . São
Paulo: Boitempo Editorial, 2000, p. 135 -183.

ARENDT, Hannah. A condição humana . 5ª


edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1991.

BENJAMIN, Walter. A moderni dade e os modernos .


Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 2000.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha


no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986.

BRAUDEL, F. Civili zação material, economia e


capitalismo séculos XV –XVIII . São Paulo: Martins
Fontes, 1995.

BRAVERMAN, Har ry. Trabalho e Capital


Monopolista: a degradação do trabalho no século
XX. Rio de Janeiro, Guanabara Ko ogan S.A., 1987.

CARDOSO, Fernando H. Aspectos polí ticos do


planej amento. In: Bett y M. Lafer (or g.) Planejamento
no Brasil. São Paulo, Ed. Perspecti va, S.A., 5ªed.,
1987.

- 190 -
CASTORIADIS, C. Socialismo ou barbárie : o
conteúdo do socialismo. São Paulo: Ed. Br asiliense,
1983.

CHACON, Vamireh. Max Weber: a crise da ciência e


da política. Rio de Janeiro: Forense Uni versitária.
1988.

CHIZZOTT I, Antonio. Pesquisa em Ciências


Humanas e Sociai s. 5 ed. São Paulo:
Cortez/2001.

COHEN, Ira. Teoria da estruturação e pr áxi s social.


In: GIDDENS, A & J., TURNER ( Or gs .). Teoria
social hoje. São Paulo: Ed. UNESP, 1999. p. 393 -446.

COUT INHO, C. N. A dualidade de poderes : estado,


revolução e democraci a na teoria marxista. 2ª ed. São
Paulo: Ed. Brasiliense, 1987.

______. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento


político. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007.

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabal ho social .


2ª ed. São Paulo: Mart ins Fontes, 1999.

ELIAS, N. Formação do Estado e civilização . Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, Volume 2. 1993. (O
processo Ci vili zador)

- 191 -
ELIAS, N. Uma história dos costumes . Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, Volume 1. 1994. (O
processo Ci vili zador)

FEUERBACH, Ludwi g. Princípios da f ilosof ia do


f uturo: e outros escritos. Lisboa: Ediç ões 70, 1988a.

FERREIRA, Jonatas. Técnica e liberdade. In: Revista


de cultura política Lua Nova . São Paulo: CEDEC, nº
51, 2000, p. 119 -143.

FREIDSON, E. O renascimento do prof issionalismo .


São Paulo: EDUSP, 1998.

GERTH, H. H. & MILLS, C. Wri ght. (Or g.) . Max


Weber: Ensaios de Sociologia. 5ª edição. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara, 1982.

GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade .


São Paulo: UNESP, 1991.

______. Modernidade e identidade . Rio de Janeiro:


Ed. Jorge Zahar, 2002.

GODELIER, M. O Enigma do Dom. Rio de Janeiro:


Civili zação Brasileira, 2001.

______. Hori zontes da Antropologia . Lisboa:


Edições 70, 1977.

GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a organização


da cultura. 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1988a.

- 192 -
______. A Concepção Dialética da História . 4ª ed.
Rio de Janeiro: Ci vilização Brasileira, 1981.

GRAMSCI, Antonio & BORDIGA, Amadeu.


Conselhos de Fábrica . São Paulo: Brasiliense, 1973.

HABERMAS, J. Verdade e justif icação: ensaios


filosóficos. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

______. Teoria y práxis: estudos de filosof ia social .


4ª ed. Madrid: Tecnos, Rei mpressão, 2002.

______. Racionalidade e Comunicação . Lisboa:


Edições 70, 2002.

______. Excurso sobre o envelhecimento do


paradigma da produção. In: O discurso filosófico da
modernidade: doze lições. São Paulo: Martins Fontes,
2000, p. 109 -119.

. Técnica e ciência como “ideologia” . Lisboa:


Edições 70, 1997.

. Para a reconstrução do materialismo


histórico. 2 a ed. São Paulo: Brasiliense, 1990a, p 11 -
46 e 111 -162.

. Mudança estrutural da esf era pública :


investi gação quanto a uma categoria da sociedade
burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

- 193 -
. A Teoria da Ação Comunicativa . Bost on:
Beacon Press, 1985. 2v.

. Para a Reconstrução do Materialismo


Histórico. São Paulo, ed. Brasiliense, 1990.

HELLER, Agnes. O Homem do Renascimento .


Lisboa: Presença, 1982.

HELMUT, Thielen. Além da modernidade?: para


a globalização de uma esperança conscientizada.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.

HILARY, W. Uma resposta ao neoliberalismo :


argumentos para uma nova esquerda. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar. 1998.

HONNETH, Axel. Teoria crítica. In GIDDENS, A


& J., TURNER (Orgs.). Teoria social hoje. São
Paulo: Ed. UNESP, 1999, p. 503 -552.

KONDER, Leandro. O f uturo da f ilosof ia da práxis :


o pensamento de Marx no século XX I. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992.

KOSÍK, Karel. Dialéti ca do Concreto . Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1969.

KRAYCHETE, Gabriel et all. Economia dos setores


populares: entre a r ealidade e a utopia. Rio de

- 194 -
Janeiro/Petrópolis. Vozes; Rio de Janeiro: Capina;
Salvador: CESE e UCSAL, 2000.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos


humanos: um diálogo com o pensamento de Hanna
Arendt. São Paulo, Ed. Schwarcs, 1988.

LESSA, S. O ref lexo como ‘não -ser’ na Ontologia de


Lukács: uma polêmi ca de décadas. Rev. Crítica
Marxista n. 4, Ed. Xamã, São Paulo, 1997.

LÖWY, Michael . As Aventuras de Karl Marx contra


o Barão de Münchhausen: marxismo e positi vismo na
sociologia do conheci mento . São Paulo: Busca Vida,
1987.

LOCKE, John. Segundo trat ado sobre o governo


ensaio acerca do entendimento humano . Trad. Anoar
Alex e E. Jacy Montei ro. 2ª edição. São Paulo: Abril
Cultural, 1978, pp. 33 -344.

LUKÁCS, G. Ontología del ser social : el trabaj o.


Traducción de Antonino Infranca e Mi guel Vedda.
Buenos Aires: Herramienta, 2004.

MANGUENAUER, L. et alli. Os complexos


industriais na economia brasileira . Rio de Janeiro,
UFRJ, UFRJ/ IEI, dez 1984.

MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial .


Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

- 195 -
MACPHERSON, C.B. A teoria polí tica do
individualismo possessivo : de hobbes até Locke,
Trad. Nelson Dantas, Rio de Janeiro Ed. Paz e Terra
S.A., 1979.

MATUS, Carlos. Política, Planejamento & Governo .


Brasília: IPEA, 2v, 1993.

MARX, Karl & ENGELS. A ideologia Alemã I .


Lisboa: Presença e Li vraria Martins Fontes, 1980.

MARX, Karl. O Capit al: crítica da economia política.


2ª edição. São Paulo: Nova Cultural, Coleção Os
Economistas, 1985, Volume 1 e 2.

. A questão j udaica. Rio de Janeiro: Achiamé,


sdp.

MÉSZÁROS, I. Marx: a teoria da alienação. Rio de


Janeiro: Zahar, 1981.

MERQUIOR, José Guilherme. Nova República do


Brasil: o caminho soci al -liberal . Boleti m de pesquisa
latino -americana, vol. 6, n. 2, 1987b.

OFFE, C. Trabalho e Sociedade: problemas


estruturais e perspectivas par a o futuro da “Sociedade
do Trabalho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileir o, 1989,
pp 13-111.

OLIV EIRA, Francisco de. A economia brasileira :


crítica a razão duali sta. 5ª edição. Petrópolis/RJ:
Vozes, 1987.

- 196 -
. Os direitos do antivalor : a economia polít ica
da hegemonia i mperfei ta. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.

. A economia da dependência imperf eita . 5ª


ed. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1989.

. Elegia para uma re(li)gião : sudene, nordeste.


O planej amento e conflito de classes. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Paz e terra, 1981.

PARO, V.H. Administração escolar: introdução


crítica. São Paulo: Cor tez, 1986.

PERRY. Anderson. Considerações sobre o Marxismo


Ocidental. Nas trilhas do Materialismo Histórico. São
Paulo: Boitempo Ed., 2004.

ROUANET, S. P. As razões do iluminismo . São


Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 11 -36, 147 -192
e 217 -228.

. Teoria Crítica e Psicanálise . Rio de Janeiro:


Tempo Brasileiro, 1986, pp. 257 -318.

. Razão e pai xão . In: Eduardo Novaes (coor d.).


Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Editora Schawar cs,
1990, pp. 437 -467.

RUBIN, Isaak Illich. A teoria marxista do valor . São


Paulo: Brasiliense, 1980.

- 197 -
SANTOS, B. de S. Uma concepção multicultural de
direitos humanos . Lua Nova, n. 39, 1997.

SAV IANI, Demer val. Escola e Democracia . São


Paulo: Cortez/Auto res Associados, 1987.

SCHAFF, A. A sociedade inf ormática : as


conseqüências sociais da segunda r evolução
industrial. 4ª ed. São Paulo: UNESP/Brasiliense,
1995.

SCHUMPETER, Joseph A. A teoria do


desenvolvimento econômico . São Paul o: Abril
Cultural. Coleção Os Economistas, 1982.

SINGER, P. & SOUZA, A. R. ( or g.). A Economia


Solidária no Brasil : a autogestão como resposta ao
desemprego. São Paul o: Contexto, 2000.

SMITH, Adam. A riqueza das nações : investigação


sobre sua natureza e suas causas. 2ª edição. São Paulo:
Abril Cultural/ Nova Cultural, Volume II, 1983 e
Volume I, 1985.

TOCQUEV ILLE, Alexis. O antigo regime e a


revolução. 2ª edição. São Paulo: Abril Cultural,
Coleção Os Pensadores, 1979.

VILLARREAL, M. A. R. Sociologia da Profissão


de Graduados Soci ais. Tese de Doutorado,
Departamento de Sociologia I e educação na

- 198 -
Universidade de Alicante, Alicante, Espanha.
2002.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito


Capitalista. 4ª edição. São Paulo. Li vraria Pioneira
Editora, 1985 .

. Ciência e Política: a política como vocação e


a ciência como vocação. In: GERTH, H. H. & MILLS,
C. Wright. (Or g.). Max Weber: Ensaios de
Sociologia. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara, 1982, pp. 97 -183.

. Economia e Sociedade : fundamentos da


sociologia compreensivas . Brasília/DF: Editora da
UNB, 1999, Volume 2, pp. 155 -580.

REFERÊNCIAS (UNIDADE II)

ADORNO, T. Educação e Emanci pação . São Paulo:


Paz e Terra, 1995.

ARRIGHI, G. O longo século XX: dinheiro, poder e


as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro:
Contratempo; São Paulo: Ed. UNESP, 1996.

ARISTÓTELES. Etica Nichomachea : test o greco a


fronte. Tradução de Claudio Mazzarelli. Milano:
Bompiani , 2000.

AVELINO, Kelly Weires Rodri gues Soares.


Competências colet ivas : uma realidade em

- 199 -
organi zações públicas? / Kelly W eires Rodri gues
Soares Avelino. – 2015. 125 f .

BEJAMIN, W. A modernidade e os modernos . Rio de


Janeiro: Tempo brasileiro, 2000.

BERGER P. & LHCKMANN, T. A construção social


da realidade : tratado de sociologia do conhecimento.
8ª ed. Rio de Janeiro/Petróp olis: Vozes, 1985.

BRAUDEL, F. Civili zação material, economia e


capitalismo séculos XV –XVIII . São Paulo: Martins
Fontes, 1995.

. História e ciências sociais . 6ª ed. Lisboa:


Presença, 1990.

CASTORIADIS, C. Socialismo ou barbárie : o


conteúdo do socialism o. São Paulo: Ed. Brasiliense,
1983.

COLLIOT -THELÈNE, C. Haber mas, leitor de Marx e


de Max Weber. In: Crítica Marxista . São Paulo:
Boitempo Editorial, nº 12, 2001, p. 41 -58.

COUT INHO, C. N. Gramsci: um estudo sobre seu


pensamento político . 2ª ed. Rio de Janeiro:
Civili zação brasileira, 2003.

. Marxismo e política : a dualidade de poder es


e outros ensaios. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1996.

- 200 -
. A dualidade de poderes : estado, revolução e
democracia na teoria marxista. 2ª ed. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1987.

CUBBERLY, Elwood P. Administração escolar


pública: uma declaração dos princípios fundamentais
subj acentes à or ganização e administ ração da
Educação Pública. EUA: Houghton Mifflin, 1916.

DELLA VOLPE, G. Rousseau e Marx: a liberdade


igualitária. Lisboa: E dições 70, 1982.

DITTRICH, Alexandre . ABIB, José Antônio


Damásio. O sistema ético skinneriano e
conseqüências para a prática d os analistas do
comportamento. Psicol. Reflex. Crit. [online]. 2004,
vol.17, n.3, pp.427 -433. Disponí vel
em:<http://dx.doi.or g/ 10.1590/S0102 ->Acesso em:
27.07.2016.

ELIAS, N. O processo Civili zador . Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Editor, 2 v., 1994.

ENGELS & MARX. Escritos da j uventud de


Frederico Engels . Tradução e or gani zação de
Wenceslao Roces. México: Fondo de Cultura
Económica, 1981.

FEUERBACH, L. Princípios da f ilosofia do f uturo :


e outros escritos. Lisboa: Edições 70, 1988a.

. A essência do cristi anismo: Ludwi g


Feuerbach. São Paulo/Campinas: Papirus, 1988b.

- 201 -
. Manif estes philosophiques . Paris: Presses
Uni versitaires de France, 1973.

FREDERICO, C. O jovem Marx: as ori gens da


ontologia do ser social . São Paulo: Cortez, 1995.

GORZ, A. Adeus ao prol etariado: para além do


socialismo. Rio de Janeiro: Forense -Uni versitária,
1987.

GRAMSCI, A. Poder, Política e Partido . São Paulo:


Brasiliense, 1990.

. A. Os Intelectuais e a organização da
cultura. 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1988a.

. Maquiavel, a política e o estado moderno . 6ª


ed. Rio de Janeiro: Civili zação Brasileira, 1988b.

. A Concepção Dialética da História . 4ª ed.


Rio de Janeiro: Ci vilização Brasileira, 1981.

. Antologia. Lisboa: Estampa, vol. II, 1974.

. El instrument o de trabaj o. In: Antologia.


Lisboa: Estampa, vol. II, 1974, p. 66 -71.

HABERMAS, J. La lógica de las ciencias sociales . 3ª


ed. Madrid: Tecnos, Reimpressão, 2002.

- 202 -
. Teoria y práxis : est udos de filosofia social .
4ª ed. Madrid: Tecnos, Rei mpressão, 2002.

HARVEY, D. Condição pós -moderna: uma


pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 9ª
ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

HARVEY, D. Condição pós -moderna: uma pesquisa


sobre as origens da mudança cultural. Tradução de
Adail Ubiraj ara Sobral e Maria Stel a Gonçalves. São
Paulo: Loyola, 2013.

HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do espírito . 5ª


ed. Rio de Janeiro/Petrópolis: Vozes, 2000.

HELLER, A. Teoría de las necesi dades en Marx . 2ª


ed. Barcelona: Provença, 1986.

. Feuerbach redi vi vo . In: HELLER, A. Críti ca


de la ilustración . Barcelona: Ediciones Península,
1984.

. O Homem do Renascimento . Lisboa:


Presença, 1982.

. Sociología de la vi da cotidiana . Barcelona:


Península, 1977.

HELLER, A. & FEHÉR, F. A condição política


pós-moderna. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002.

- 203 -
HELMUT, T. Além da modernidade?: para a
globalização de uma esperança conscientizada.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.

HENRIQUES, L. S N. Notas sobre a relação entre


ciência e ontologia. In: Temas de Ciências Humanas .
São Paulo, nº 4, 1978, p. 27 -40.

HODGSK IN, T. A def esa do trabalho contra as


pretensões do capit al ou a improdutividade do
capital demonstrada em relação às presentes
associações de jornal eiros . 2ª ed. São Paulo: Nova
Cultural, (Coleção Os Economistas), 1986, p. 28 9-
336.

KLIEBARD, Herbert M. Os princípios de Tyler.


Currículo sem Fronteiras , v.11, n.2, p. 23 - 35,
Jul/Dez 2011.

KONDER, L. O f uturo da f ilosofia da práxis : o


pensamento de Marx no século XX I. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992.

KUHN, T. S. A estrut ura das revol uções ci entíf icas .


São Paulo: Editora Per spectiva, 2000.

LYOTARD, J. F. A condição pós -moderna. 2ª ed.


Lisboa: Gradi va, 1989.

LUKÁCS, G. A arte como con sciência do


desenvol vi mento da humanidade. In: NETO, J. P.

- 204 -
(Org.): Sociologia . São Paulo: Áti ca, (Coleção
Grandes Cientistas Sociais), nº 20, 1981b, p. 189 -203.

. Ontologia do ser social : a falsa e verdadeira


ontologia de Hegel. São Paulo: Li vraria Editora
Ciências Humanas, 1979a.

. Ontologia do ser social : os princípios


ontológicos fundamenta is de Marx. São Paulo:
Livraria Editora Ciências Humanas, 1979b.

. As bases ontológicas do pensamento e da


atividade do homem . In: Temas de Ciências
Humanas. São Paulo, nº 4, 1978a, p. 1 -18.

MAAR, W. L. A for mação em questão: Lukács,


Marcuse e Adorno. In: ZUIN, Antonio A. S. et. All.
Educação danif icada : contribuição à teoria crítica da
educação. Petrópolis/RJ: Vozes, 1997, p.45 -88.

MACÁRIO, J. A categoria totalidade em questão .


Ceará: UECE, 2004. Mimeo.

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Opere di Marx


ed Engels: 1835 -1843, v.I. Roma: Riunite, 1980.

MARX, K. & ENGELS, F. Textos sobre educação e


ensino. 2ª ed. São Paulo: Moraes, 1992.

. (Grundrisse) primera mitad : Karl Marx


líneas fundamentales de la crítica de la economia
política. Barcelona; Buenos Ai res e México, D.F:
Crítica Grupo Editorial Grij aldo, v. 21, 1977.

- 205 -
. (Grundrisse) segunda mitad : Karl Marx
líneas fundamentales de la crítica de la economia
política. Bacelona; Buenos Aires e México, D.F::
Crítica Grupo Editorial Grij aldo, v. 22, 1978.

MARX, K. A sagrada f amília : crítica da crítica crítica


contra Bruno Bauer e consortes. 2ª ed. Lisboa:
Editorial Presença; São Paulo: Livraria Martins
Fontes, sem data de publicação [sem ano de
publicação].

. A questão judaica . 3ª ed. São Paul o:


Centauro, 2002.

. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann . 6ª ed.


São Paulo: Paz e Terra, 1997.

. Crítica de la f ilosofia del direito de Hegel .


Buenos Aires: Editori al Claridad, 1989.

. Capítulo VI Inédito de O Capital : resultados


do processo de produção i mediata. São Paulo: Editora
Moraes, 1985b.

. O capital : crítica da economia política. 2ª ed.


São Paulo: Nova Cultural, (Coleção Os Economistas),
1985b, V. 1, Tomo 1 e 2.

. Manuscritos : economia y filosofia . Madrid:


Alianza Editorial, 1984.

- 206 -
. O capital: Crítica da Economia Política. V ol.
I, li vro II, São Paulo: Abril Cultural, 1983a.

. O capital . Trad. Port. Rio de Janeiro:


Civili zação Brasileira, v. 3, Li vro I. São Paulo: Abril
Cultural,1983b.

. O capital : Crítica da Economia . São Paul o:


Abril Cultural. V ol. III- li vro II (1983d).

. Para a crítica da economia política : salário,


preço, lucro, o rendi mento e suas fontes. São Paulo,
Abril Cultural, 1982.

. O capital : crítica da economia política. 6ª ed.


Rio de Janeiro: Ci vilização Brasileira, 1980a.

. A ideología alemã . São Paulo: Martins font es,


1980b.

MARCUSE, H. Razão e revolução : Hegel e o advento


da teoria social. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1978.

MÁRKUS, G. Marxismo y “antropologia ”.


Barcelona: Grij albo, 1974a.

. A teoria do conheci men to no jovem Marx.


Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1974b.

MENDES. Aspectos da Educação nos Estados


Unidos: A Formação de Professores no Século
XIX. 2013. Disponível em:

- 207 -
<https://www.webartigos.com/artigos/aspectos -
da-educacao-nos-estados-unidos-a-formacao-de-
professores -no-seculo-
xix/111895#ixzz5MUGNA63c > Acesso em:
27.07.2016.

MOREIRA, A. F. B. (or g). Conhecimento


educacional e f ormação do prof essor : questões
atuais. Campinas/SP: Papirus, 1994.

MORIN, E. Ciência com consciência . 5ª edição. Rio


de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

MOUZELIS, Nicos P., 1967. Organisation and


Bureaucracy. Chicago: Al dine Publishing Company.
1967.

NAPOLEONI, C. Lições sobre o capí tulo VI


(Inédito) de Marx. São Paulo: Li vraria Editora
Ciências Humanas, 1981.

NETTO, J. P. Marxismo impenitente : cont ribuição à


historia das ideias mar xistas. São Paulo: Cort ez, 2004.

NOSELLA, P. A escola de Gramsci . Porto Alegre:


Artes Médicas, 1992.

. O trabalho como princípio educativo em


Gramsci. In: SILVA, T. T. ( Or g.) Trabalho, educação
e prática social : por uma teoria da for mação humana.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1991, p. 134 -159.

- 208 -
OLIV EIRA, B. O trabalho educativo : reflexões sobre
paradigmas e problemas do pensamento pedagógico
brasileiro. São Paulo/ Campinas: Autores Associados,
1996.

PIAGET, J. A epistemologia genética ; Sabedoria e


ilusões da filosofia; Problemas de psicologia genética.
2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

PINTO. Ál varo Vieira. Consciência e realidade


nacional. Rio de Janeiro: ISEB, 1960. 2 v.

POPPER, K. R. A lógi ca da pesquisa cientif ica . São


Paulo: Ed. Cultrix, 2000.

PORTELLI, H. Gramsci e o bloco histó rico. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1977.

REALE, G. & ANT ISERI, D. História da f ilosof ia . 5ª


ed. São Paulo: Paulus, Vol. I -li vro I (1990 a); Vol. II. -
livro II (1990b); Vol. III - livr o III ( 1990c).

RUBIN, I. I. A teoria marxista do valor . São Paulo:


Brasiliense, 1980.

SCHAFF, A. A sociedade inf ormática : as


conseqüências sociais da segunda r evolução
industrial. 4ª ed. São Paulo: UNESP/Brasiliense,
1995.

SOUZA, Antônio Lisboa Leitão. O Novo PNE: mais do


mesmo na garantia do direito à educação. In Novo
Plano Nacional de Educação (PNE): debates e tensões.

- 209 -
Or gani zadoras Andréi a Ferreira da Silva, Melânia
Mendonça Rodri gues. - 1. ed. - Campina Grande:
EDUFCG, 2013. 107-125 p.

TAYLOR, Frederick Winslow . The principles of


scientif ic management . 1911. New Yor k: H arper &
Brothers.

WEBER, M. Estudos políticos : Rússia (1905 e 1917).


2004. Rio de Janeiro: Azougue.

- 210 -

Você também pode gostar