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Defendendo a Ciência –

Dentro do Razoável
Entre o Cientificismo e o Cinismo

Susan Haack

Tradução: Eli Vieira

Stentor Books
Brasília
2023
“Neste livro de alta qualidade acadêmica e de pensamento,
Haack oferece uma avaliação justa e equilibrada da
empreitada científica, analisando suas complexidades,
reconhecendo suas limitações... Muito recomendado.”
— Choice

“...trabalho original de uma acadêmica de reputação


mundial sobre a natureza da ciência e seu impacto em
questões culturais que tocam o interesse público... profundo
e acessível, com argumentos oferecidos com uma prosa
honesta característica, de grande claridade...”
— Paul R. Gross, professor de ciências da vida,
Universidade da Virgínia.

“...uma leitura recompensadora, ...um tratamento


excepcionalmente ponderado de uma questão muito
importante.”
— Times Higher Education Supplement

“...um livro revigorante e com frequência divertido... muito


importante e oportuno.”
— International Journal of Research and Method in
Education

“…leitura obrigatória… escrito com inteligência... de uma


erudição enorme...”
— Nederlands Tijdschrift tegen de Kwakzalverij

“Difícil que exista algum problema central na filosofia da


ciência contemporânea que não seja enfrentado pela
Haack... envolvente, provocativo e bem argumentado.”
— Iyyun: The Jerusalem Philosophical Quarterly
“…uma contribuição excelente e importante à filosofia da
ciência.”
— Jurimetrics

“...um livro maravilhoso, não se pode perder.”


— Chemical Education Today

“...erudição, claridade e paixão impressionantes.”


— Times Literary Supplement

“...analítico e animado, erudito e divertido.”


— New Scientist
Publicado em 2023 pela Stentor Editorial
Defendendo a Ciência — Dentro do Razoável: Entre o Cientificismo e o
Cinismo
Copyright © 2023 de Susan Haack. ISBN: 978-65-991670-3-4
Traduzido e editado por Eli Vieira do original Defending Science—Within
Reason: Between Scientism and Cynicism. Prometheus Books, 2007. ISBN:
978–1–59102–458–3
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida sem expressa autorização
da Stentor Editorial, CPNJ 40.156.230/0001-69.
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Quando se volta a atenção para o edifício magnífico das
ciências físicas, e se vê como foi construído; quantos
milhares de vidas morais desinteressadas de homens jazem
enterrados sob suas meras fundações; que paciência e
adiamento, que abdicação de preferências, que submissão
às leis gélidas do fato externo está forjada em suas próprias
rochas e rebocos; quão absolutamente impessoal ele paira
em sua vasta imponência — e então [percebe-se] o quão
insensato e desprezível parece todo sentimentalista envolto
em suas cortinas de fumaça, fingindo decidir coisas a partir
de seu sonho privado!
— William James, “The Will to Believe”

Não há métodos científicos que sozinhos levem ao


conhecimento! Temos de enfrentar as coisas
experimentalmente, ora irritados com elas, ora gentis, e ser
em sequência justos, apaixonados e frios com elas. Uma
pessoa lida com as coisas como um policial, uma segunda
como um pai confessor, uma terceira como um andarilho
inquisitivo. Algo pode ser extraído delas ora com a
simpatia, ora com a força; a reverência pelos seus segredos
levará uma pessoa adiante, a indiscrição e a desonestidade
em revelar os seus segredos fará o mesmo por outra. Nós
investigadores somos, como todos os conquistadores,
navegadores, aventureiros, de uma moralidade audaz, e
devemos nos conformar com sermos considerados de todo
maus.
— Friedrich Nietzsche, Daybreak

A falsidade é tão fácil, a verdade é tão difícil... Até quando


não há motivo para ser falso, é muito difícil dizer a verdade
exata...
— George Eliot, Adam Bede
Conteúdo
Não Um dos Garotos – Memórias de Uma Acadêmica Desajustada
I
II
III
Prefácio à Edição de Bolso
1. O Sensismo-Comum Crítico e Seus Maus Interpretadores
Incompreensão nº 1: Que Minha Posição Não é Realmente “Entre o
Cientificismo e o Cinismo”
Incompreensão nº 2: Que Penso que a Ciência é “Só Senso Comum”
Incompreensão nº 3: “É Só Uma Analogia”
Incompreensão nº 4: “Já Sabíamos Disso Antes”
Incompreensão nº 5: “Livro Desconexo”
2. Notícias da Rede do Senso Comum Crítico
Prefácio à Edição Original
Agradecimentos
Capítulo 1: Nem Sagrada Nem Embuste
O Manifesto do Senso Comum Crítico
Do Velho Deferencialismo ao Novo Cinismo
O Sensismo-Comum Crítico
O Caminho a Percorrer
Capítulo 2: Sopa de Prego
Uma Breve e Opinativa História do Velho Deferencialismo
O Velho Deferencialismo, à Moda Dedutivista
O Velho Deferencialismo, à Moda Indutivista
A Revolução Kuhniana
Dois Novos Deferencialistas
O Pior Inimigo da Ciência e Seu Melhor Amigo
E para concluir
Capítulo 3: Dicas para o Enigma das Evidências Científicas
Uma História “Só Sei Que Foi Assado”
Garantia — A Concepção Pessoal
Garantia — A Concepção Social
Garantia — A Concepção Impessoal
Garantia, Justificação e Confirmação
Para Ilustrar: As Evidências para a Dupla Hélice
Corvos Pretos, Arenques Vermelhos, Esmeraldas Verduis e Tudo Mais
E para concluir
Capítulo 4: O Braço Longo do Senso Comum
Em Vez de uma Teoria do Método Científico
“Nada mais que um refinamento do pensamento do dia a dia”
Auxílios Científicos à Investigação
Para Ilustrar: A Busca pela Dupla Hélice
Revisitando o Velho Deferencialismo e o Novo Cinismo
E para concluir
Capítulo 5: Realisticamente Falando
Como a Ciência, Atrapalhada e Às Vezes Forjada, Avança
Observação e Teoria
Gerais e Explicação
Verdade e Progresso
E para concluir
Capítulo 6: O Mesmo, Só Que Diferente
Integrando o Intencional
Ciência social intencional
A questão da redução
A questão da realidade
Questões de método
Questões de valor
A questão do progresso
E para concluir
Capítulo 7: Uma Proposta Modesta
O Programa Sensato em Sociologia da Ciência
Neutralismo, cinismo e o “problema da reflexividade”
O Programa Forte
O Programa Radical
A Etnometodologia da Ciência
O Programa Sensato
E para concluir
Capítulo 8: Mais Forte Que A Ficção
Ciência, Literatura e a “Literatura da Ciência”
Ciência e literatura; textos científicos e literários
Retórica radical da ciência
Retórica razoável da ciência
E para concluir
Capítulo 9: Emaranhada no Espinheiro
A Ciência no Direito
O Direito e o Depoimento Científico: Uma Breve História
O Direito e o Depoimento Científico: Um Breve Comentário Epistemológico
Morais da História
E para concluir
Casos Citados
Canadá
Inglaterra
Capítulo 10: Questão de Honra
Sobre a Ciência e a Religião
Uma Breve Excursão Histórica
O Criacionismo e a “Teoria do Design Inteligente”
Tentativas de reconciliação
Religião, moralidade e a “vontade de crer”
E para concluir
Capítulo 11: O que o homem pode atingir quando realmente aplica sua mente
O Valor e Os Valores da Ciência
O Valor Epistemológico da Ciência
O Epistemológico e o Ético
Naturalismo Modesto
Respostas a algumas reservas quanto ao valor da ciência
Custos da ciência, riscos da tecnologia
E para concluir
Capítulo 12: Até que acabe
Reflexões Sobre o Fim da Ciência
Ideias sobre o “fim da ciência”: uma breve história e análise
O tema do rebaixamento
O tema da aniquilação
Os limites da ciência
E, finalmente, para concluir
Bibliografia
Não Um dos Garotos – Memórias de Uma Acadêmica
Desajustada

Uma vez ouvi um carpinteiro iletrado, conhecido meu,


dizer: “Há muito pouca diferença entre um homem e outro;
mas a pouca que tem é muito importante”.
— William James (1890)[1]

Em seu coração, todo homem sabe muito bem que, sendo


singular, ele estará no mundo apenas uma vez, e que
nenhuma chance inimaginável juntará por uma segunda vez
numa só unidade uma combinação tão estranhamente
variegada quanto ele é.
— Friedrich Nietzsche (1874)[2]

Lembrando meus mais de cinquenta anos na academia, percebo que – embora eu


sempre tenha sentido que escolhi a carreira certa e que venho fazendo o trabalho
que vim ao mundo para fazer – nunca fui um dos garotos; ou sequer uma das
garotas, também. Sempre fui meio que uma desajustada.
Por um lado, nunca me encaixei bem, socialmente falando. Na verdade,
ainda me lembro do choque cultural quando cheguei pela primeira vez a Oxford:
Ninguém na minha família tinha se formado em universidade; meu sotaque
denunciava minhas origens de baixa classe média; eu não tinha estudado, como a
maioria dos meus colegas, numa escola privada; e não estava bem-preparada
para o nível de trabalho esperado de mim. Eu nem sabia o nome das refeições –
o que eu tinha crescido chamando de “jantar” era “almoço”, e o que eu tinha
crescido chamando de “chá” era “jantar”. De forma bem inconsciente, em pouco
tempo aprendi a falar melhor; por força de trabalho bem duro, logo alcancei o
nível acadêmico. Mas foi só muitos anos depois que entendi até que ponto
Oxford funcionava por “contatos” e pedigree em vez de educação.[3]
E até muito mais tempo depois, quando me tornei uma professora bem
estabelecida, sentia-me desconfortável entre colegas e pares. Nunca fui muito
boa em jogar conversa fora com pessoas que mal conheço;[4] não gosto de
cerveja, nem de vinho barato, nem do uísque preferido de um diretor; detesto
aquelas “recepções” barulhentas; e nunca consegui disfarçar o quanto não me
interesso por discussões sobre futebol, críquete ou, mais tarde, futebol
americano, basebol etc.; ou o quão incomodada eu ficava com aquelas conversas
unilaterais e de reafirmação mútua sobre assuntos políticos, tanto os reais quanto
os acadêmicos...
Além disso, aprendi ao longo dos anos que tenho um temperamento
resistente a comboios, filosóficos ou não; que sou péssima em fazer
“networking”, no jogo de favores acadêmicos mútuos, em “me dar bem com os
outros para me dar bem”, e na autopromoção; que eu tenho uma tolerância muito
baixa a reuniões em que nada do que eu falo faz qualquer diferença no que
acontece depois; e que sou indiferente ao tipo de lealdade institucional que, ao
que parece, permite a muitos que acreditem na maravilha que são “nossos”
estudantes ou “nosso” departamento ou “nossa” escola ou “nossa” universidade
simplesmente porque são nossos. Também não sinto o que penso ser uma
lealdade de gênero, um senso de que devo me aliar a outras mulheres na minha
profissão simplesmente porque são mulheres – não mais do que sinto que devo
me aliar a todo e qualquer filósofo britânico apenas porque ele ou ela é britânica.
E, francamente, tenho repulsa pela corrida sórdida pelo topo após aqueles
“rankings” malditos que agora são tão comuns em departamentos de filosofia.
Em resumo, nunca fui boa na politicagem acadêmica, em nenhuma de suas
profusas formas.
E, acima disso tudo, tenho o hábito deplorável de dizer o que penso, sem
talento nem inclinação para titubear sobre discordâncias ou para abafar críticas
com tato lisonjeiro, e um jeito irritante de ver o lado engraçado das alegações
pretensiosas e flagrantemente absurdas dos filósofos – que não existem crenças,
[5]
que é superstição se importar com a verdade das próprias crenças,[6] que o
feminismo nos obriga a “reinventar a ciência e a teorização”,[7] e assim por
diante.
Mas, na maior parte, para o presente propósito, também nunca me encaixei
bem intelectualmente; de alguma forma, meus interesses e minhas ideias quase
sempre conseguiram ficar fora da moda do momento, e muitas vezes fora da
tendência dominante como um todo. Mais ou menos desde o princípio, pareço
ter nadado contra a maré intelectual.
Quando comecei, reconheceram, mesmo que meio a contragosto, que
talvez mulheres pudessem fazer filosofia – de preferência ética, estética e
similares, que são o lado supostamente mais “leve” da disciplina. Mas eu sempre
estive fora do compasso;[8] considerava ética difícil a nível proibitivo – mas
quando aprendi lógica, achei-a mais agradável, mais tratável, ao formular
questões filosóficas às quais eu poderia contribuir. Na verdade, ainda me lembro
da Philippa Foot, depois de eu ter escrito um artigo sobre a lógica deôntica para
meu treinamento em ética com ela, observar, bem gentil, que “sim, entendo;
obviamente é esse tipo de coisa que você prefere!” E quando cheguei ao meu
primeiro emprego como palestrante muito júnior ao college New Hall,
Cambridge, fiz um trato com um college vizinho: eu ensinaria lógica aos rapazes
do St. John’s em troca de aulas de ética do Renford Bambrough para as moças
do New Hall. (Um desses rapazes, aliás, era Graham Priest, a quem ensinei
lógica, do cálculo proposicional ao teorema de Gödel – embora eu fique feliz em
dizer que não fui eu, mas Richard Routley, o responsável pelo desvio posterior
dele para a assim chamada “lógica dialética”.)
Mas, até na lógica, logo me encontrei ainda fora de compasso:
argumentando, contra a insistência de Quine de que “povos pré-lógicos” e,
portanto, lógicas desviantes eram meramente “míticos”, uma invenção de
tradutores ruins,[9] que pode haver sistemas lógicos desviantes genuínos, e até
que era possível que tal sistema poderia ser melhor que o sistema clássico Frege-
Russell. Contudo, estou me precipitando aqui; antes de explicar por que minhas
ideias nunca estiveram na tendência dominante, devo dizer algo sobre como
essas ideias evoluíram e por que o escopo do meu trabalho se revelou tão mais
amplo que o da maioria. Pois uma das formas pelas quais eu nunca me encaixava
intelectualmente é que, numa época em que a filosofia profissional se tornava
gradualmente mais e mais hiperespecializada, meus interesses cresciam mais e
mais amplos.
I

William James uma vez descreveu seu trabalho filosófico como “voos”
(palestras e artigos) e “pousos” (livros).[10] A metáfora aviária é linda; mas a
minha versão seria diferente. Depois das primeiras vezes em que esvoaçou, meu
trabalho parece ter consistido em abrir minhas asas (estendendo meu escopo para
novas questões e novos campos), daí pousar e ciscar por alguma coisa nutritiva
(descoberta de novos detalhes, novos problemas, novas formas de navegar por
território estranho), depois mergulhar em recuada (retorno a velhas questões à
luz do que enxerguei com a nova perspectiva) e então, abrindo minhas asas um
pouco mais, continuar adiante, ciscando um pouco mais fundo – e assim por
diante. Na verdade, poder-se-ia descrever minha jornada como filósofa do jeito
que Samuel Butler descreve a jornada do Ernest Pontifex rumo à maturidade
intelectual: como o voo da narceja,[11] que faz um ziguezague por muitos
campos.
Então, embora eu tenha começado na lógica e na filosofia da linguagem,
assim que me pediram para ensinar o curso de um ano em epistemologia e
metafísica, oferecido pelo departamento de filosofia da Universidade de
Warwick, comecei a abrir minhas asas enquanto pensava, lecionava, e por fim
escrevia sobre essas novas questões. Por volta desse tempo comecei a ler C. S.
Peirce a sério, instada pela forma casual com que Quine dispensava as
observações dele sobre a verdade;[12] e fui inspirada a me aprofundar e a me
esticar mais. Então, depois de Deviant Logic[13] e de Philosophy of Logics,[14]
comecei a trabalhar de verdade em epistemologia; por fim, depois de muitos
anos, terminei Evidence and Inquiry.[15]
Este último livro atraiu uma bateria de convites inesperados para defender
a objetividade dos padrões epistêmicos contra céticos de vários tipos, o que
demandou uma envergadura de asas maior de mim, quando desenvolvi a
resposta contínua ao ceticismo pós-modernista expressada nos ensaios do
Manifesto de uma Moderada Apaixonada.[16] Entre os meus alvos estavam as
críticas feminista radical, pós-colonialista e sociológica das pretensões das
ciências de nos dizer algo sobre como o mundo é; e então essa crítica levou-me,
oportunamente, aos tópicos e temas ainda mais ambiciosos deste Defendendo a
Ciência – Dentro do Razoável, que oferece uma explicação não apenas da
epistemologia da ciência e de seus pressupostos metafísicos, mas também do seu
lugar na sociedade e sua relação com a lei, a literatura e a religião.
Meu envolvimento em questões sobre a lei, como muitas das minhas
viradas filosóficas, foi quase puro oportunismo intelectual fortuito e por acaso —
neste caso, suscitado pela minha descoberta de que um colega da escola de
direito da Universidade de Miami estava usando meu Evidence and Inquiry num
curso sobre a análise de evidências. Conforme aprendi mais sobre a razão pela
qual meu trabalho era relevante para acadêmicos da área, descobri que, embora
eu tivesse uma teoria da evidência e de sua qualidade, o sistema legal estava
lidando diariamente com evidências bem mais complexas e entrelaçadas do que
qualquer filósofo poderia imaginar. Então passei muitos anos refinando e
ampliando minhas ideias funderentistas[a] enquanto as aplicava no direito,
explorando as consequências da minha filosofia sensista-comum crítica da
ciência para o manejo de depoimentos de especialistas[b] pelos tribunais;[17] e —
entrevendo as novas possibilidades pelo canto do meu olho — gradualmente me
familiarizando com o trabalho do Oliver Wendell Holmes Jr., e depois
desenvolvendo minha própria filosofia neopragmática do direito.[18] Essa
empreitada envolveu, em parte, pensar em sistemas legais enquanto instituições
sociais em evolução, retornando a ideias que eu tinha desenvolvido antes na
metafísica e na filosofia das ciências sociais.
A esta altura, eu havia lido os antigos pragmatistas por muitos anos e,
como resultado, minhas ideias metafísicas já tinham se mudado para bem além
do foco analítico dominante na linguagem e esquemas conceituais: A minha
metafísica, como a minha filosofia da ciência, é “do mundo”, e assim depende da
experiência; não, entretanto, da experiência pesquisadora que as ciências
precisam, mas de uma atenção detida a aspectos da experiência cotidiana que são
tão familiares que, em geral, mal os notamos. Essa foi a abordagem que me
levou ao Realismo Inocente, uma imagem ontológica — bem diferente de
formas mais familiares de realismo — de um mundo mais bem descrito como
um universo pluralístico.[19] Isso exigiu que eu voltasse a questões do Evidence
and Inquiry enquanto desenvolvia e aprofundava o entendimento da mente que
eu começara a esboçar em resposta ao ceticismo de Stich e dos Churchlands
sobre a existência das crenças e outras atitudes proposicionais. De um jeito
similar, meu pensamento sobre o papel da lógica, primeiro na ciência e depois na
lei, levou-me de volta a questões de Philosophy of Logics sobre o escopo e os
limites dos métodos formais.[20] E dar aulas sobre filosofia e literatura —
concentrei-me em romances epistemológicos —foi não apenas um deleite
enorme, como meus muitos debates com Meggan Padvorac, mas também levou-
me a todo tipo de perguntas interessantes sobre a integridade intelectual,
evidências enganosas, raciocínio de fachada e muito mais.

O livro Putting Philosophy to Work[21] agregou muito disso tudo, junto com
algumas reflexões sardônicas sobre o estado da minha profissão, que agora está
eivada de incentivos perversos que aos poucos minam o desejo genuíno de
descobrir coisas, sem o qual a filosofia séria é impossível. Ainda mais
recentemente, ao notar uma marcada ascensão do cientificismo na filosofia,
como na nossa cultura mais geral, voltei a questões do Defendendo a Ciência
para articular qual é esse erro, que forma ele tem, e o que tem de mal nele.[22] E
ultimamente, depois de décadas lutado contra as exigências cada vez mais
despropositadas de pareceristas, editores, revisores e, em especial, editoras
acadêmicas, voltei minha atenção para a condição horrorosa das publicações
acadêmicas.[23]
Como eu disse, desde que comecei a ler Peirce a sério nos anos 1970, meu
trabalho tem sido sempre informado pelos insights da tradição pragmatista
clássica — que é avessa ao método a priori e concentrada no mundo; que
repudia as falsas dicotomias e busca por continuidades, e, o que é mais relevante
aqui, não se preocupa com limites entre as disciplinas ou dentro delas. A “área
de especialização” e “área de interesse” de anúncios de emprego e currículos
sinalizam que a norma da nossa profissão hoje é que a maioria das pessoas
trabalhem em duas ou três áreas no máximo; e, sem dúvida, algumas pensam que
eu tenho mania de invadir o território de sua propriedade. Mas, na realidade, só
estou fazendo o que é preciso para seguir ideias e problemas até onde me levam,
sem muita preocupação com as fronteiras dessas especialidades profissionais e
subespecialidades.[24] Consequentemente, embora meu caminho às vezes cruze o
dos outros — o caminho daqueles assim chamados “epistemólogos das
virtudes”, por exemplo, ou o da turma da “epistemologia dos depoimentos”, ou o
trajeto daqueles ateus cientificistas que se aliam aos “Brights”[25] etc. — sempre
fui a forasteira.
Ademais, embora meu trabalho tenha se tornado cada vez mais
interdisciplinar, de certo modo nunca foi interdisciplinar das formas em voga
atualmente. Não faço neurofilosofia, por exemplo, ou filosofia da literatura, nem
mesmo filosofia do direito, como são geralmente entendidas hoje; e eu nunca
tive entusiasmo nenhum por aqueles cursos ministrados em conjunto, em que
docentes de diferentes departamentos falam cada um uma coisa diferente,
deixando os alunos atônitos. E, é claro, também sou uma forasteira na minha
atitude em relação à história da filosofia, cujo estudo, para ser sincera, parece ter
o desprezo de muitos da tendência dominante analítica; e no meu pragmatismo,
que seria prontamente reconhecível para Peirce, James, Dewey, Mead, ou para
Sidney Hook ou Stan Thayer, aliás, mas é totalmente dissimilar ao Pragmatismo
Vulgar do Rorty e seus seguidores, e bem distante do Pragmatismo “Analítico”
do Brandom e seus discípulos. (Não vou me esquecer tão cedo da reação quando
mencionei as contribuições importantes do George Herbert Mead à filosofia da
mente numa palestra na NYU: “Mead? Cadê ele?” — ao que parece, a plateia
pensou que eu estava falando de algum filósofo da mente contemporâneo
promissor, que não conheciam.) Não me encaixo bem nem mesmo no círculo de
especialistas em Peirce, em James, em Dewey etc., embora eu tenha muitos bons
amigos entre eles; pois a minha preocupação sempre foi não apenas entender e
interpretar esses pensadores notáveis do passado, mas aprender com eles —
encontrar, nas ideias deles, formas de lidar com os problemas que encontrei no
meu trabalho.
II

Mas não são só o escopo e o foco do meu trabalho, mas também o seu conteúdo
e abordagem, que não se encaixam bem no molde convencional. De fato, até o
meu estilo de escrita — que, diferente do estilo pomposo e impessoal “das
ciências sociais” adotado por tantos filósofos hoje, é direto, sem artifício e ainda
informal, conversacional, idiomático, às vezes até engraçado[26] — fica longe da
norma. Mas concentrar-me-ei aqui na minha abordagem filosófica e no conteúdo
do meu trabalho.
Mesmo no início, quando eu ainda me concentrava principalmente na
lógica e na filosofia da linguagem, nunca me senti tentada a participar do “auge
davidsoniano” que na época dominava a filosofia britânica, nem a me afiliar ao
culto ao Kripke, ou a me juntar ao grupo de discípulos do Popper ou à turma
rival dos indutivistas. Embora me preocupasse em entender as complexidades
técnicas da teoria da verdade de Tarski, não me dispunha a ter a esperança de
que essa teoria fizesse todo o trabalho filosófico que Popper, ou Davidson,
esperava dela. E, por mais que nessa época eu estivesse impressionada
(impressionada demais, penso agora) com a prosa sedutora e suave do Quine, e
com o senso de substância filosófica importante que a perspicácia lógica dele
passava, eu não era nenhuma seguidora dele. Trabalhei com as lógicas
desviantes que ele considerava míticas; também apontei inconsistências nas
ideias dele sobre a analiticidade,[27] trabalhei duro para descobrir que razões
poderiam subjazer a seu repúdio dogmático contra a lógica modal quantificada, e
fiz perguntas sobre a epistemologia e a metafísica da lógica que ele dispensava
com uma pergunta retórica: “se a pura lógica não é conclusiva, o que é?”[28] De
fato, o plural no título do meu Philosophy of Logics [Filosofia das Lógicas]
revelava por si minha inclinação dissidente.
Contudo, quando comecei a escrever Evidence and Inquiry, encontrei-me
ainda mais em descompasso com outros da área. Aqui, descobri que as falsas
dicotomias eram ainda piores que aquelas que encontrara no meu trabalho lógico
anterior: fundacionalismo vs. coerentismo, é claro, mas também internalismo vs.
externalismo, abordagens lógicas vs. causais, evidencialismo vs. fiabilismo,
apriorismo vs. cientificismo, e assim por diante. Depois de muito trabalho,
cheguei ao meu funderentismo, casando os pontos fortes do fundacionalismo e
do coerentismo e, ao mesmo tempo, evitando suas fraquezas, e incluindo tanto
elementos internos quanto externos. A minha abordagem punha no centro as
evidências e a qualidade delas, mas, concomitantemente, preocupava-se em
articular a conexão entre uma crença ser mais ou menos justificada pelos padrões
funderentistas e a probabilidade de ela ser verdadeira. Minha abordagem era
também naturalista, no sentido de permitir aos resultados da psicologia e outras
áreas uma relevância contributiva à epistemologia, mas de forma nenhuma num
sentido cientificista. (Queimando as pestanas com “Epistemologia
Naturalizada”, a este ponto eu tinha percebido o quão habilidoso era o jeito de
fazer filosofia de Quine em disfarçar ambiguidades fatais que ofuscavam
insights genuínos.) E assim por diante.
A resposta da tendência dominante da epistemologia foi previsivelmente
defensiva. Apesar de eu ter argumentado em detalhes penosos que o
funderentismo é de fato uma abordagem nova, alguns simplesmente não
conseguiram escapar da falsa dicotomia de fundacionalismo vs. coerentismo:
Muitos autores estavam convictos de que eu era na realidade uma
fundacionalista enrustida; outros, igualmente convictos de que de que eu era na
verdade uma coerentista enrustida. E, quanto a evidencialismo vs. fiabilismo —
bem, meu repúdio a essa falsa dicotomia suscitou uma troca de correspondência
bizarra com Alvin Goldman, que ao que parece não era capaz de escapar dela.
Primeiro, ele me mandou um rascunho de artigo no qual me descrevia como
focada exclusivamente nas evidências e não atenta à verdade; em resposta ao
qual eu educadamente apontei que o último capítulo do meu livro tratava
precisamente da relação entre qualidade evidencial e verdade provável. Ele
mandou outro rascunho como tréplica, agora me descrevendo fiabilista como
ele; em resposta ao qual pedi-lhe, um pouco menos polida, para por favor olhar
meu capítulo 7 — devotado a uma crítica minuciosa do fiabilismo — e para
remover a nota em que me agradecia pela ajuda!
Embora eu tenha tocado rapidamente em questões sobre depoimentos e
sobre a conduta de investigações, Evidence and Inquiry enfocara em primeiro
lugar o grau de justificação de crenças de sujeitos individuais cognoscentes. Na
tendência dominante, porém, o interesse nessas questões cruciais havia
diminuído rapidamente — não porque, ao que parece, as pessoas acreditavam
que soluções foram encontradas, mas porque ficaram entediadas com elas e
preferiram seguir em frente. A atenção dominante voltou-se à epistemologia
social e à epistemologia das virtudes — e, quase invariavelmente, de volta à
gettierologia, que em 1993 eu pensei que estava, graças aos céus, em declínio.
(Uma década antes, escrevi um artigo explicando por que “paradoxos” do tipo
Gettier eram inevitáveis, e inofensivos, dado o desencaixe entre o caráter
gradativo da justificação e o caráter categórico do conhecimento; mas não achei
que valesse a pena publicar até a segunda edição, de 2009, de Evidence and
Inquiry, no auge de mais uma moda gettierológica.)[29]
Contudo, apesar da recepção na maior parte defensiva, para meu desalento,
entre os especialistas em epistemologia, a primeira edição de Evidence and
Inquiry encontrou muitos leitores alhures, entre filósofos de outras áreas,
juristas, cientistas naturais, economistas etc. — inclusive alguns que me
pressionaram a dar um veredito sobre a especialidade então florescente da
“epistemologia feminista”. Sensatamente ou não, concordei; mas concluí que,
até onde eu podia ver, não havia conexão nenhuma entre o feminismo e a
epistemologia, como demandava o termo “epistemologia feminista”. A ideia de
que a epistemologia feminista representaria “saberes femininos” simplesmente
reintroduzia estereótipos sexistas antigos e indefensáveis; a ideia de que
considerações sobre o que seria para a vantagem das mulheres devem determinar
a escolha de teorias não apenas comprometeria a pesquisa ao politizá-la, mas
também prejudicaria a possibilidade de até determinar o que seria para a
vantagem feminina.
Essa empreitada não me deixou muito popular entre algumas feministas
profissionais, que pensaram, evidentemente, que as mulheres na filosofia
deveriam se unir — poderíamos ter nossas disputas ferrenhas, mas devemos
mostrar nossa solidariedade em face ao sexismo que elas acreditavam ser
endêmico na área. Eu devo, concluíram elas, ser algum tipo de reacionária, hostil
ao feminismo. É disso que estava falando quando mencionei que eu nunca fora
uma das garotas, assim como nunca fui um dos garotos: embora eu respeite e
goste de algumas das mulheres na filosofia, gosto delas e as respeito como
indivíduos, não como coabitantes do meu “gênero”. (Respeito e gosto de alguns
dos homens da área, também!)
Também não ajudou, provavelmente, quando alguns anos depois escrevi o
que eu esperava e acreditava ser um ensaio bastante ameno em que expressei
algumas reservas acerca da ação afirmativa, e, em específico, acerca da
contratação preferencial de mulheres nas universidades:[30] um ensaio que um
parecerista queria suprimir do meu Manifesto de Uma Moderada Apaixonada, e
que nenhum revisor ousava sequer mencionar. (Isso foi perturbador; mas, como
eu disse na introdução do livro, “antes o ostracismo que o farisaísmo”.[c])[31]
Infelizmente, também não ajudou quando, pouco tempo depois, escrevi minha
própria declaração de posição humanista, individualista e feminista — com
destaque não a mulheres-como-classe, mas o que todos os seres humanos têm
em comum, e o que é singular a respeito de cada indivíduo.[32] A esta altura, temo
que as filósofas feministas já tinham certeza que eu era incorrigível e não se
rebaixariam a me ler.
Mas o Manifesto não só abordou a turma da “filosofia feminista”, mas
também uma grande variedade de confusões pós-modernas, inclusive confusões
sobre a ciência. Filósofos da tendência dominante parecem ter na maior parte
ignorado o pós-modernismo; mas alguns filósofos da ciência dessa tendência,
provavelmente instados pelas alegações desvairadas de sociólogos radicais da
ciência, haviam começado, com muito cuidado, a tentar acomodar alguns
elementos sociais em seus modelos lógicos da inferência científica. Mais uma
vez, encontrei-me em desalinho. Para começar, eu não via a filosofia da ciência
como uma especialidade que pairava sozinha, mas como relacionada
intimamente tanto à epistemologia quanto à metafísica. Em consequência, pus-
me a pensar de modos bem alheios às linhas comuns do fim do século XX e
começo do século XXI, modos mais afins a ideias de pensadores como Thomas
Huxley, Albert Einstein, John Dewey, Percy Bridgman e Gustav Bergmann.
Então, em Defendendo a Ciência — Dentro do Razoável desenvolvi o que
chamei de minha filosofia da ciência do Senso Comum Crítico.

Como já tinha sugerido em Evidence and Inquiry,[33] em Defendendo a


Ciência proponho que a pesquisa científica é contígua à investigação[d] empírica
cotidiana, mas vai além disso: É geralmente mais cuidadosa, mais detalhada,
mais rigorosa; com frequência conta com instrumentos e outras ferramentas
especializadas; e é geralmente fruto do trabalho de muitas pessoas, intra e
intergeracional. Não há um “método científico”, isto é, não há um método usado
por todos os cientistas, e só por eles. Existem os procedimentos familiares da
investigação cotidiana: fazer uma conjectura informada, ver se ela se mantém
firme diante das evidências que se têm e evidências adicionais que se obtêm,
julgar se deve ser aceita, se nenhuma conclusão deve ser tirada antes de uma
busca por mais evidências, ou se começar tudo de novo é necessário; mas esses
procedimentos não são usados somente por cientistas. E há as ferramentas e
procedimentos especiais desenvolvidos pelos cientistas ao longo de centenas de
anos — dos modelos e metáforas para ajudar a imaginação, instrumentos de
observação e medida para ajudar os sentidos, ao cálculo, teoria da probabilidade,
computador etc. para ajudar os poderes de raciocínio, aos meios de disseminação
dos resultados para que as evidências possam ser compartilhadas, e incentivos
para manter os cientistas produtivos e honestos; mas esses “auxílios” científicos
à investigação, sempre em evolução e com frequência locais a uma área
científica específica, não são usados por todos os cientistas. Esses auxílios
acionam a imaginação dos cientistas, estendem e refinam seu alcance sensorial,
permitem novos poderes de raciocínio, e (até certo ponto) mantêm a honestidade
e encorajam a criatividade e o compartilhamento dos resultados. É assim que as
ciências se tornaram tão bem-sucedidas.
As evidências para alegações científicas, continuou meu argumento, são
contíguas às evidências para alegações empíricas cotidianas, só que vão além
disso — uma mistura de evidências sensórias e razões, mas bem mais complexa
e entrelaçada: Os componentes experienciais são com frequência mediados por
instrumentos, com todo o seu respaldo teórico; o raciocínio com frequência
depende de programas de computador, com todos os pressupostos embutidos
neles; e tais evidências são quase sempre um recurso compartilhado, resultado
do trabalho de muitas pessoas. Ao pensar no compartilhamento de resultados,
isto é, no acúmulo de evidências dos cientistas, fui obrigada a me aprofundar em
questões sobre os aspectos sociais da epistemologia, só tocados em Evidence and
Inquiry.
As evidências para alegações científicas repousam, no fim das contas, na
experiência, e são indivíduos, obviamente, que têm experiência. Mas as
evidências para tais alegações são quase sempre um recurso compartilhado.
Desse modo, ao contrário dos epistemólogos sociais, que pareciam preocupados
com a garantia de alegações científicas para um grupo ou equipe de pessoas,
comecei do que eu já tinha feito em Evidence and Inquiry para explicar o grau a
que uma alegação seria garantida para um indivíduo. Depois, voltei-me à
questão de como lidar com o grau de garantia para muitas pessoas, sejam elas
membros da mesma equipe ou distribuídas ao redor do mundo ou até pelos
séculos; que sugeri que é uma questão do grau de garantia para um indivíduo
hipotético que tivesse todas as evidências possuídas por essas pessoas todas
juntas, descontado por alguma medida do quão justificada cada pessoa está em
acreditar que as outras são confiáveis. E, finalmente, construí uma explicação do
grau de garantia de uma alegação científica em um certo tempo.[34] (Isso, como
notei, virou do avesso a “epistemologia sem um sujeito cognoscente” de
Popper.)[35]
Essa abordagem sugeriu um papel importante para a sociologia da ciência
epistemologicamente informada: por exemplo, na forma de perguntas sobre que
tipos de ambiente permitem tais trabalhos e que tipos o impedem, que tipos de
incentivos perversos encorajam fraudes científicas, e assim por diante. Mas isso
estava mais de acordo com as ideias de pensadores sociológicos mais antigos
como Robert Merton do que com o ceticismo radical acerca das pretensões
epistemológicas das ciências então em voga entre os mais promissores
sociólogos da ciência.
Além disso, tracei uma distinção entre ciências sociais e naturais de uma
forma meio fora do padrão; e repudiei as falsas dicotomias que penso que
impediam um entendimento de como os dois tipos são semelhantes (ambas usam
os mesmos procedimentos e métodos da investigação empírica cotidiana) e como
são diferentes (as ciências sociais usam auxílios especializados diferentes, e
buscam tipos diferentes de explicação, em termos de crenças, desejos, planos,
medos etc. das pessoas, em vez de forças físicas). Assim, eu estava mais do que
um pouco fora de linha com o pensamento dominante entre os filósofos das
ciências sociais, também.
Os fios epistemológicos do meu Defendendo a Ciência se entrelaçaram
com elementos metafísicos derivados da concepção de um universo pluralista no
cerne do Realismo Inocente que eu então desenvolvia. Mas, de novo, eu estava
em descompasso. Alguns filósofos da ciência queriam evitar compromissos
ontológicos completamente, alguns queriam derivar tais compromissos de
teorias científicas, e alguns queriam contornar a questão apelando para uma
teoria Kripke-Putnam da referência para termos de tipos naturais. Eu, no entanto,
estava defendendo que — embora deva haver tipos reais e leis reais para a
ciência sequer ser possível — não há garantia de que o vocabulário científico
atual corresponda a tipos reais, e é por isso que a linguagem da ciência está em
mudança e transformação constante; e que essas mudanças e transformações de
significado não precisam impedir a pesquisa, mas podem na verdade fazê-la
avançar quando se aproximam de tipos reais no mundo. Isso sugeria uma outra
razão (além da falha em acomodar contribuições da experiência) pela qual
aqueles modelos formais da inferência científica não funcionavam; e sugeria que
as metáforas tão usadas pelos cientistas são não apenas importantes auxílios à
imaginação, mas que podem também contribuir para a evolução do vocabulário
científico.[36]
Infelizmente, mas talvez previsivelmente, Defendendo a Ciência foi
recebido com pouco entusiasmo pelo establishment da filosofia da ciência: Um
resenhista teve até o mau gosto de reclamar que os pensadores em quem eu me
baseava estavam mortos — não alavancou o número de citações dele e de seus
amigos, suponho! Outro resenhista, aparentemente bem incapaz de ler o livro,
pensou que eu tinha dito que a ciência é “só senso comum”.[37] No entanto, assim
como Evidence and Inquiry, Defendendo a Ciência encontrou em outros lugares
um público grande e agradecido: entre filósofos não especializados na área, entre
cientistas de todo tipo, e entre advogados e juristas com dificuldades para
entender como tratar melhor o depoimento científico — mas chegarei a eles mais
tarde.
Quando pensei a respeito da relação entre a ciência e a literatura
imaginativa, preocupei-me com as similaridades e as diferenças entre as duas,
em especial com a diferença entre o imaginativo (comum a ambas) e o
imaginário (a província da ficção). Foi quando eu estava pensando sobre
literatura, aliás, que meu caminho se cruzou com o dos epistemólogos das
virtudes; ou, mais precisamente, com o da Linda Zagzebski e seus seguidores.[38]
(Eu já tinha arquivado a “epistemologia das virtudes” do Sosa[39] em “fiabilismo”
na minha cabeça, e ele próprio em “teorias fracassadas”). Virtudes
epistemológicas, concluí, são frequentemente mais bem entendidas através dos
detalhes ricos de romances como Arrowsmith do Sinclair Lewis, The Way of All
Flesh do Samuel Butler, e Gaudy Night da Dorothy Sayers. Mas, em vez de
explorar a riqueza desses recursos, a turma da “epistemologia das virtudes”
parecia ter se contentado com uma lista meio banal de virtudes descritas com
brevidade, e não tinha articulado que aquilo que faz uma virtude ser
epistemológica é a relação do sujeito às evidências, e sua reação a elas. Então,
encontrei-me a ver navios mais uma vez quando, num congresso sobre a
epistemologia das virtudes em que falei sobre o romance semiautobiográfico
extraordinário do Butler, um membro da plateia perguntou-me como é que eu
tinha chegado a esse exemplo (completamente ausente, percebi, na literatura de
“epistemologia das virtudes”). Tentei explicar que o livro tinha meu afeto há
anos, mas que só recentemente eu tinha articulado suas lições epistemológicas.
Ele ficou pasmo.
Lembro-me de pensar, enquanto escrevi o capítulo 9 de Evidence and
Inquiry (“Pragmatismo Vulgar: Uma Perspectiva Nada Edificante”, trad. livre),
que se eu fosse Richard Rorty e realmente acreditasse, como ele declarou
acreditar, que os padrões de avaliação epistemológica eram puramente
convencionais, eu não me daria ao trabalho de perseguir epistemólogos, que são
peixe pequeno; estaria pronta para desmantelar o sistema legal — o qual, se
realmente não há padrões objetivos de avaliação das evidências, não poderia ser
mais que uma farsa cruel. Sem surpresa, então, depois vi-me atraída por questões
sobre epistemologia e o direito da evidência e, em especial, a forma como o
sistema legal trata os depoimentos científicos.
Porém, outra vez, vi-me em discordância com os epistemólogos sociais,
alguns dos quais tinham começado a se interessar por questões a respeito de
depoimentos, e estavam aplicando seu trabalho a contextos legais. Pareciam
satisfeitos demais com o que soava para mim como soluções verbais sem
aplicação prática; e seu trabalho não parecia informado o suficiente pelos
pormenores centrais das evidências do mundo real em casos ou procedimentos
do mundo real, ou por uma atenção às restrições muito especiais à apresentação
de evidências que são impostas por leis e procedimentos jurídicos. E, já que eu
não via grande diferença entre os graus de prova e probabilidades matemáticas,
eu estava de modo ainda mais acentuado em dissonância com a ala bayesiana da
“Nova Abordagem das Evidências” então predominante em círculos do direito;
mas, ao mesmo tempo, também não me impressionava sua principal rival, a
abordagem “baseada em narrativas” — muita gesticulação, poucos detalhes. E
nem os filósofos, nem os juristas tiveram grande interesse na minha resposta à
crítica do Peirce ao adversarialismo,[e] também não se interessaram pela minha
resposta às objeções do Bentham às regras de exclusão de evidências.
Enquanto meus interesses em direito começavam a se estender a questões
sobre evidências científicas em específico, a Suprema Corte dos EUA passava
uma série de decisões sobre os padrões de admissibilidade de tais depoimentos
numa trilogia de casos: Daubert (1993), Joiner (1997) e Kumho Tire (1999).[40] E
meu primeiro artigo sobre essas questões foi até motivado por um artigo de
jornal relatando que, no caso Joiner, a Suprema Corte julgara que não há
distinção real entre metodologia e conclusões.[41] Mas, de novo, eu estava fora do
pensamento dominante. Os juristas não ficaram muito interessados quando
mostrei que a decisão do juiz Blackmun sobre o caso Daubert confundia as
filosofias da ciência de Popper e Hempel, incompatíveis entre si; nem, o que me
surpreende mais, quando mostrei que essa decisão também confundia
“científico” com “confiável”, como se todo depoimento científico, e somente
ele, fosse confiável. Também desinteressados, até onde sei, estavam os filósofos
da ciência.
Todavia — talvez porque num texto mais antigo nessa área eu tinha feito
uma piada memorável sobre o juiz Blackmun misturar seus Pempels com seus
Hoppers[42] — logo comecei a receber convites interessantes na área do direito;
e, por fim, sem planejar nada, tornei-me algo como uma especialista nas
evidências epidemiológicas que são muitas vezes cruciais para casos de danos
por exposição a substâncias tóxicas. Previsivelmente, no entanto, o livro
Evidence Matters,[43] onde muito desse trabalho pode ser encontrado, tem muito
pouca semelhança com textos padrões em direito sobre evidências, ou com
outros trabalhos filosóficos na área.
Naturalmente, o livro é pragmatista em sua orientação; mas não, é claro,
no sentido de seguir a ideia confusa do juiz Posner de que o pragmatismo
significa evitar teorias. Em vez disso, é pragmatista porque é uma abordagem pé-
no-chão e elementar ao direito, bem em linha com as ideias do O. W. Holmes ou
do Benjamin Cardozo, também um pragmatista legal da estirpe clássica. A
epistemologia a que o livro apela é funderentista, e a filosofia da ciência é
Sensista-Comum Crítica. Executar este trabalho permitiu que eu aprofundasse
minha crítica funderentista do atomismo epistemológico, em que argumentei que
uma miríade de evidências, nenhuma suficiente por si só, podem em algumas
circunstâncias garantir conjuntamente uma conclusão ao grau de prova
legalmente exigido; e que falham o probabilismo legal, ao postular que os graus
de prova diferem de probabilidades matemáticas, e os esforços bayesianos de
analisar as evidências, e que o padrão de admissibilidade do “duplo risco” para
evidências epidemiológicas em casos de exposição a produtos químicos são má
epistemologia e má política. O volume também inclui pensamentos sobre a
verdade no direito, e sobre a relação entre lei e moralidade; nenhuma dessas
coisas seguindo o tipo padrão, como é típico para mim. Além disso, pela razão
de muitos desses convites da área do direito terem incluído outros países —
Reino Unido, Canadá, Europa afora, América Latina afora, e até China —
Evidence Matters é provavelmente mais atento a diferenças importantes de
procedimento probatório em diferentes jurisdições que muitos dos trabalhos
acadêmicos sobre evidências judiciais; escrevi sobre isso especificamente em
seguida.[44]
Quando apresentei um artigo inicial sobre a epistemologia e o direito da
evidência na Escola de Direito de Notre Dame[45] (EUA), John Finnis comentou
que eu era “uma pragmatista de verdade, não igual ao Rorty”. Isso me levou a
começar a ler Holmes a sério. O primeiro resultado disso foi um artigo sobre a
famosa palestra dele “O Caminho do Direito”, em que defendi, contra a opinião
convencional, que a assim chamada “teoria da previsão” do Holmes não era nada
disso, mas apenas o primeiro passo na direção de algo mais sutil e mais
profundo. Depois escrevi um artigo explorando a crítica dele da ideia do
Christopher Columbus Langdell de um sistema legal como um conjunto de
axiomas a partir dos quais decisões corretas poderiam ser deduzidas. Holmes
tinha razão, defendi, em dizer que “a vida do direito não tem sido a lógica, mas a
experiência”;[46] mas ficou em aberto se o aparato mais poderoso da lógica
moderna, do qual Langdell e Holmes não tinham conhecimento, poderia estar à
altura de formalizar decisões legais. Não poderia, concluí; assim fazendo de mim
mesma uma resistência contra muitos, especialmente na Europa, que trabalham
em lógicas do direito de um tipo ou outro.[47] A razão para os limites do
formalismo aqui, percebi, assim como nas ciências, estava nas mudanças e
transformações de significado dos conceitos legais ao longo do tempo.[48]
Tudo isso por fim levou-me a desenvolver minha própria filosofia
neoclássica pragmatista do direito. O Realismo Inocente propõe um universo
pluralista de substâncias, coisas, tipos, fenômenos, leis etc. naturais sobrepostos,
no “nosso” pequeno canto desse universo, por uma série de artefatos humanos,
físicos, sociais, imaginativos, intelectuais etc. Sistemas legais são um universo
pluralista dentro desse universo pluralista; de fato, o sistema legal dos EUA é um
universo pluralista em si mesmo, dentro desse universo pluralista de sistemas
legais dentro do universo pluralista do mundo. Isso levantou muitas perguntas
boas sobre a evolução dos sistemas legais, as formas com que sistemas
diferentes tomam algo emprestado um dos outros, e assim por diante. (Mas eu
não me concentrei em perguntas familiares como “o que é o direito?” — à qual
só posso responder que o conceito do direito é em si nebuloso e em evolução.)
Embora o subtítulo de Defendendo a Ciência seja “Entre o Cientificismo e
o Cinismo”, devotei mais espaço a derrubar o cinismo do que a combater o
cientificismo, pela simples razão que as críticas anticientíficas de sociólogos
radicais e retóricos da ciência, críticos feministas e pós-colonialistas da ciência
etc., pareciam ser o perigo mais imediato. Em pouco tempo, no entanto, houve
um tipo de retaliação, tanto na academia quanto na nossa cultura mais geral: uma
ascensão alarmante na popularidade de um cientificismo grosseiro, muitas vezes,
mas não sempre, alimentado por um sentimento antirreligioso. Minha primeira
resposta foi tentar articular exatamente o que é o cientificismo, o que há de
errado nele, e como notar seus sinais indicadores;[49] minha resposta seguinte foi
continuar esse trabalho mostrando a fraqueza extraordinária da filosofia
cientificista que estava ficando em voga.[50]
Isso, naturalmente, pôs-me às rusgas com a mobilização instantânea da
“Filosofia Experimental” e com os reducionistas de todo tipo, de Ladyman e
Ross com sua assim chamada “metafísica naturalizada” ao Alexander Rosenberg
e sua bravata deprimente de que “a física conserta todos os fatos”. Também me
pôs em dissonância com muitos leitores da Free Inquiry — uma revista à qual eu
havia contribuído em muitas ocasiões — quando eu disse em suas páginas que se
pode repudiar o cientificismo sem ter qualquer intenção religiosa, e que não era
menos falacioso defender que, se a religião não explica nada, a ciência deve
explicar tudo, do que defender que, se a ciência não pode explicar algo, a
religião deve explicá-lo.[51]
De qualquer modo, embora a este ponto eu me sentisse ainda mais
apartada da maioria na minha profissão, havia um lado positivo: elucidar a
diferença crucial entre a filosofia cientificista de hoje e a aspiração de Peirce de
fazer científica a filosofia — querendo com isso dizer que ela deveria ser
efetuada com uma “Atitude Científica”, o desejo genuíno de encontrar a
verdade, e pelo uso do “Método Científico”, isto é, a experiência e a razão —
permitiu-me articular o motivo pelo qual pode parecer que se consegue fazer
filosofia do alto da poltrona, quando, na verdade, ela depende da experiência.
Como tinha defendido Peirce, diferente das ciências, que exigem a experiência
especializada e de pesquisa, o que a filosofia exige é uma atenção detida a
aspectos da experiência que todos temos no cotidiano, mas raramente notamos.
Isso significa que se pode fazer filosofia em qualquer lugar, sem necessidade de
expedições, instrumentos etc., mas não que é um exercício puramente a priori. E
isso, é claro, é precisamente o caminho do meio que precisamos, o caminho para
evitar tanto as extravagâncias da especulação a priori desenfreada e sem âncora
quanto as extravagâncias iguais e opostas da “filosofia experimental” e todas as
outras formas de cientificismo agora abundantes na nossa área.
E, pelo artigo da Free Inquiry ter começado com uma concordância com a
observação do editor, em sua carta convite, de que a filosofia profissional está
em mau estado, enquanto discordava do diagnóstico dele — que o problema é a
ascensão de trabalhos com orientação religiosa na área e a influência horrenda da
Fundação Templeton — o trabalho se acomodou bem com outros textos meus
sobre o estado da profissão: “O Absurdismo e Suas Consequências” (1996),[52]
sobre a cultura deplorável dos subsídios e projetos de pesquisa; “Fora de
Compasso: A Ética Acadêmica em um Ambiente de Absurdos” (2013),[53] sobre
as virtudes necessárias para fazer o bom trabalho intelectual e como nossas
universidades sobreadministradas as erodem sistematicamente; e “A
Fragmentação da Filosofia” (2016),[54] sobre o estilhaçamento desastroso da
nossa disciplina em múltiplas subespecialidades e facções. Isso, junto à minha
frustração com as publicações acadêmicas — os esforços extraordinários que
tive que fazer para ser tratada como autora em vez de produtora de conteúdo
descartável sem direito ao meu próprio trabalho — levou-me a prosseguir com
esse trabalho em outro texto, “O Golpe da Publicação Acadêmica: Que Fizeram
dos Direitos dos Autores?” (2019).[55]
Há muito tempo penso que a filosofia deveria ser não hermética e absorta
em si mesma, mas engajada, preocupada com o que Dewey chama de
“problemas dos homens”. Suponho que foi por isso, à luz de um convite recente
para dar a palestra Theoria, que escolhi um tópico que envolvesse minhas
preocupações lógicas, epistemológicas, metafísicas e terrenas: a ideia de que
estamos agora vivendo na era da “pós-verdade”. O tema se acomodou bem junto
a uma série de artigos anteriores sobre a verdade, no curso dos quais desenvolvi
minha abordagem “Laconicista” (termo da Kiriake Xerohemona) para o
conceito. Mas, mesmo quando estou escrevendo sobre a “pós-verdade”, minha
inclinação é distintiva. O problema, enfatizei, é que a ideia de que estamos agora
na pós-verdade é ambígua; e que, embora seja verdade em um sentido (a falta de
preocupação com a verdade está crescendo), é falsa em outro (o conceito da
verdade é ilegítimo, ultrapassado).
Não posso adivinhar, obviamente, qual das minhas ideias sobreviverá ao
teste do tempo, se alguma; só posso ter a esperança de que algumas, ao menos,
sobreviverão. Porém, posso ficar bem certa de que jamais farão parte da
tendência dominante, ao menos não durante o meu tempo de vida. Como disse
Peirce uma vez, “há um desvio no meu danado cérebro que me impede de pensar
como outras pessoas pensam”;[56] acho que há um desvio no meu cérebro,
também.
III

Sem surpresa, nunca tive um emprego “prestigioso”, nem obtive um grande


subsídio, nem tive alguma cadeira acadêmica com o poder da patronagem, nem
outra coisa do tipo. Nada disso me incomodou de fato; embora estaria mentindo
se dissesse que não me incomoda quando um daqueles poucos “sortudos” e bem-
relacionados que parecem levar vidas acadêmicas encantadas sente-se no direito
de me tratar com condescendência. E, naturalmente, não gosto de críticas sem
base a coisas que eu nunca disse, nem de reações absurdamente defensivas a
ideias minhas que ameaçam àqueles que teriam de admitir que estavam errados
se eu estava certa.
Suponho que eu poderia ter desenvolvido um couro mais grosso, pois os
acadêmicos podem ser — bem, eles podem ser bem desagradáveis. Não quero
gastar muito tempo nisso, mas apontarei alguns exemplos particularmente graves
do tipo de coisa que estou falando. Fiquei desanimada ao descobrir que Bernard
Williams — que havia chefiado o departamento de filosofia de Cambridge
quando eu era estudante de doutorado lá — tinha simplesmente ignorado a ajuda
que lhe dei, décadas depois, em resposta ao pedido dele por referências sobre o
pragmatismo; e em vez disso usou “pragmatismo” para se referir às confusões do
Rorty — e ignorou minha resposta aos equívocos do Rorty sobre a verdade,
como se fosse tão sem sofisticação e sem sutileza quanto a do John Searle ou do
Jay Rosenberg.[57] Fiquei desapontada ao descobrir que, em 2008, quando Anil
Gupta “descobriu” que precisamos de uma teoria da justificação empírica que
combine os pontos fortes do fundacionalismo e do coerentismo, ele nem mesmo
mencionou o meu trabalho.[58] Fiquei triste ao descobrir quantas pessoas se
empolgaram com um artigo lastimável de fraco do Peter Tramel que alegava que
meu funderentismo é uma forma de fundacionalismo — ao que parece, sem ter
lido nem Tramel nem a mim mesma com cuidado.[59] Fiquei descontente quando
os organizadores de um congresso sobre “o ponto e o propósito da avaliação
epistêmica” — no qual o meu artigo foi o único que fez referências a questões
do mundo real! — pediram-me para fazer meu artigo “mais parecido com o
nosso” antes da publicação.[60] E fiquei desalentada quando os editores de várias
antologias quiseram incluir minha crítica à epistemologia feminista, mas não
pareciam ter interesse nenhum a respeito, ou conhecimento nenhum, do meu
trabalho epistemológico mais construtivo.
E então veio o editor-chefe de um periódico para o qual eu estava
montando uma edição sobre “Epistemologia Feminista: A Favor e Contra”, que
insistiu que eu aceitasse o que ele sabia que era um artigo muito fraco de uma
feminista badalada. O motivo, revelou-se, não era que ele pensava que eu não
deveria rejeitar artigos ruins de gente badalada — por mais que isso já fosse
ruim o suficiente; era que aceitar esse artigo fraco mancharia a imagem das
epistemólogas feministas — o que não era o projeto que eu havia concordado
em participar. (Resisti; e em vez disso aceitei um artigo equilibrado e sóbrio do
Iddo Landau[61] — o começo da nossa atual amizade de décadas.)
Mas, ainda que eu certamente preferisse ter sido menos solitária
intelectualmente e — por mais que eu tenha gostado dos meus debates com
Peirce et al. — ter tido mais pessoas vivas com quem conversar, houve com
certeza um lado bom. Desfrutei de uma vida intelectual plena — com todas as
frustrações e decepções que uma vida assim inclui inevitavelmente, de fato, mas
também com seus momentos de alegria e da companhia agradável do “intelecto
limpo e bem-humorado”.[62] Desfrutei do privilégio de ensinar a gerações de
estudantes de muitos e diversos talentos, alguns dos quais se tornaram meus
bons amigos e colegas respeitados; e de fazer, ao longo do caminho, não
“contatos”, mas amigos valiosos, entre pensadores filosóficos, e agora, jurídicos
— e muitos outros, também, ao redor do mundo. Alguns desses, infelizmente,
não estão mais vivos; mencionarei em particular Robert L. Heilbroner,[63]
Jacques Barzun,[64] Peter Strawson,[65] Louise Rosenblatt,[66] e Sidney Ratner.[67]
Às vezes, as pessoas sugerem que o meu trabalho não foi tão valorizado
como deveria “porque você é mulher”. Contudo, na minha estimativa, em muitos
recantos o meu trabalho foi valorizado como deveria; mas, concedo, aconteceu
mais entre pessoas às margens do que na tendência dominante. E, embora eu
certamente tenha encontrado a minha parcela de sexismo,[68] também tive uma
sorte enorme nesta seara, notavelmente na prática admirável de Oxford de
avaliar anonimamente os exames finais dos estudantes — sem a qual pode ser
que eu não tivesse passado da primeira etapa.[69] Suspeito, no entanto, que meu
maior problema não foi meu sexo, mas meu temperamento teimosamente
independente.[70]
Como se vê, minha independência acadêmica e intelectual, a liberdade de
pensar nas coisas por mim mesma, somente dificultadas (somente!) pelas minhas
próprias fraquezas, preconceitos e pontos cegos, vieram com um preço bem alto:
isolamento, um sentimento de alienação, e às vezes ressentimento real e
hostilidade da parte de alguns que não estão dispostos, ou não estão na posição
de pagar pelo preço que tal liberdade exige. (Talvez isso explique minha
experiência no Centro de Humanidades da Universidade de Minnesota, onde
minha primeira palestra teve uma plateia minúscula, minha segunda palestra teve
uma plateia bem maior; e, depois da segunda, um estudante de pós-graduação
tímido se aproximou, deu-me um pacote marrom — que continha uma cópia de
Envy [Inveja],[71] do Helmut Schoeck, com a nota “Para Susan Haack, com
admiração” — e fugiu antes que eu pudesse agradecer.)
Encerrarei com uma memória preciosa, uma anedota favorita que é música
para meus ouvidos: Em algum tempo em meados dos anos 1990, Sidney Ratner
me telefonou para me contar que, durante um jantar no Instituto de Estudos
Avançados de Princeton na noite anterior, Morton White, que sabia alguma coisa
do meu trabalho no pragmatismo, havia lhe perguntado “quem é ela?” — uma
pergunta que esperava pela resposta “ela é aluna de Fulano de Tal, da
Universidade Tal”. “Espero que eu não tenha dito alguma coisa errada”,
continuou Sidney. “O que você disse?”, perguntei. “Eu disse que ‘ela é muito
independente’”, disse Sidney; “foi uma resposta aceitável?” — ao que eu
respondi, “Sidney, se você não estivesse em Nova Jersey, te daria um beijo!”
Aquela foi a resposta mais gentil, além de mais acertada, que ele poderia ter
dado.[72]
Prefácio à Edição de Bolso
Até resenhistas leem prefácios.
— Philip Guedalla[73]

A primeira edição deste livro apareceu em 2003 — só cinquenta anos depois da


descoberta da estrutura do DNA por Watson e Crick, e dez anos após a decisão
histórica da Suprema Corte sobre o depoimento científico no caso Daubert:[74]
uma feliz coincidência. Agora, ao escrever este novo prefácio à edição de bolso,
tenho uma oportunidade não apenas de esclarecer alguns mal-entendidos sobre a
minha posição, como também de comentar sobre alguns desenvolvimentos
científicos e legais notáveis que tocam nos temas do livro: as batalhas em
conselhos de educação e nos tribunais sobre a “Teoria do Design Inteligente”; a
crescente tormenta de litígio a respeito do medicamento Vioxx;[f] o progresso em
direção a Marte. Até poderei dizer, uma ou duas vezes, “eu avisei”: outra feliz
coincidência.
1. O Sensismo-Comum Crítico e Seus Maus Interpretadores

Como escrevi no prefácio da primeira edição, este livro “não tem a intenção de
ser outro combatente nas ditas ‘Guerras da Ciência’. Em vez disso, seu propósito
é articular um entendimento novo, e tomara que verdadeiro, do que é a ciência e
do que ela faz” — um novo entendimento, como promete o subtítulo, “entre o
cientificismo e o cinismo”. Alguns leitores, entre eles os resenhistas que
escolheram títulos memoráveis como “Faça Sentido, Não Faça Guerra”[75] e
“Esqueça Popper: Leia Susan Haack!”[76] — pensaram que eu tive sucesso na
tarefa que escolhi; mas, inevitavelmente, alguns não concordaram.
“Primeiro... uma nova teoria é atacada como absurda; depois ela é aceita
como verdadeira, porém óbvia e insignificante; [e] por fim, é considerada tão
importante que seus adversários alegam que a descobriram sozinhos”; assim
disse William James, exasperado com a recepção de seu pragmatismo.[77] Dito e
feito: alguns leitores pensaram que o que eu disse não é verdade; alguns
pensaram que, embora seja verdade até certo ponto, não tem importância real; e
alguns pensaram que as principais ideias já eram bem conhecidas na tendência
dominante de hoje da filosofia da ciência. Outros suspeitaram que a minha
abordagem poderia não ser, como propagandeada, intermediária entre o
cientificismo e o cinismo; e alguns pareciam não entender como o livro se
organiza. Então — como se diz, mesmo? — “ouça com muito cuidado; vou dizer
isso só mais uma vez...”

Incompreensão nº 1: Que Minha Posição Não é Realmente “Entre o


Cientificismo e o Cinismo”
Até agora, ninguém me acusou de cinismo; mas alguns poucos leitores
suspeitaram que eu sou adepta do cientificismo.
Ao escrever no capítulo de abertura que “estamos confusos quanto ao que
a ciência pode ou não fazer”, classifico as confusões em dois tipos: a
cientificista, “um tipo exagerado de deferência à ciência, uma gana excessiva de
aceitar como respeitável qualquer alegação feita pelas ciências, e de dispensar
todo tipo de crítica à ciência e seus praticantes como preconceito anticientífico”,
e a anticientífica, “um tipo exagerado de suspeita da ciência, uma gana excessiva
de ver a assinatura dos poderosos em toda alegação científica, e de aceitar todo
tipo de crítica à ciência e seus praticantes como um abalo às suas pretensões de
nos dizer como o mundo é”. Mas a ciência não é sagrada, acrescento, nem é uma
trapaça de vigarista; ela é falível, limitada, e um empreendimento integralmente
humano, mas, por tudo isso, um empreendimento de notável sucesso, comparado
a outros. Esses temas estão ao longo do livro todo, da minha crítica ao Velho
Deferencialismo na filosofia da ciência e o Novo Cinismo na sociologia da
ciência às minhas discussões do lugar da ciência na nossa cultura, seu valor e
seus perigos.
No cerne da empreitada científica, como na história, na obra acadêmica do
direito e da literatura, no jornalismo investigativo, no trabalho dos detetives etc.,
está a pesquisa, a investigação; e a investigação científica está sujeita aos
mesmos padrões de honestidade, minuciosidade, e respeito pelas evidências aos
quais está toda investigação. Como todas as investigações, a investigação nas
ciências é falível e imperfeita, muitas vezes atrapalhada, e suscetível à corrupção
pelos preconceitos e interesses. Mesmo assim, de seu jeito falível, atrapalhado e
humano, as ciências naturais, ao menos, encontraram bastante coisa sobre o
mundo e como ele funciona, e assim “ganharam não a nossa deferência acrítica,
mas o nosso respeito equilibrado”.
Talvez alguns leitores pensaram que, já que eu considero legítimos e
centrais ao entendimento da empreitada científica os conceitos de evidência,
garantia, verdade e realidade, minha abordagem não pode ser tão diferente da
dos Velhos Deferencialistas. Mas ela é; pois não interpreta os padrões da boa
evidência e da investigação bem-conduzida como internos às ciências, nem
como explicáveis, como supuseram os Velhos Deferencialistas, exclusivamente
em termos formais e lógicos estritos. Além disso, minha abordagem repudia o
falso contraste entre o racional e o social que é presumido tanto pelos Velhos
Deferencialistas quanto pelos Novos Cínicos. É mais objetivista — mais
racionalista, em um sentido da palavra —que a concepção dos Novos Cínicos;
mas ao mesmo tempo menos imperialista, e menos formalista, que a dos Velhos
Deferencialistas.
Outros leitores provavelmente pensaram que é cientificista a minha recusa
a minimizar as tensões entre as visões de mundo científicas e religiosas, e meu
respeito pelo modo como “as ciências gradualmente chegaram, item a item
resolvido com diligência, numa ... visão mais bem-garantida do mundo e de nós
mesmos, ... aceitaram a inevitabilidade da ignorância e da incerteza, e
desenvolveram modos modestos e previsíveis, amplificando os recursos da
investigação empírica cotidiana, de descobrir como as coisas são”. Não
concordo. Afinal, critico a tentativa de reconciliação de Stephen Jay Gould dos
supostos “magistérios separados” da ciência e da religião em parte porque ela
não leva a religião a sério o suficiente; e o meu julgamento que a imagem de
mundo da ciência é muito mais bem-garantida que a da religião é precisamente
isso, um julgamento epistemológico — não uma expressão de deferência acrítica
à ciência, muito menos uma adoração à ciência.

Incompreensão nº 2: Que Penso que a Ciência é “Só Senso Comum”


Sinalizando minha concepção das ciências como contínuas com a investigação
em geral, tomo emprestado do Peirce o termo “Sensismo-Comum Crítico”.
Alguns leitores apreciaram a ideia (“bem intuitiva”, uma resenhista escreveu) e o
termo (“maravilhosamente apropriado”, ela continuou).[78] Mas outros, ao que
parece ignorando a parte “Crítica”, entenderam que eu disse que a ciência é “só
senso comum”,[79] e por isso fizeram as objeções mais óbvias: que as teorias
científicas aceitas hoje estão muito longe de concepções do senso comum sobre
o mundo; que os cientistas desenvolveram controles experimentais, testes de
significância estatística etc. que dificilmente são rotineiros em investigações
cotidianas. Verdade; mas eu mesma disse tudo isso — de forma inconfundível e
clara, ou ao menos foi o que eu, ingênua, supus.
A ideia central do Sensismo-Comum Crítico é que a investigação nas
ciências é como a investigação empírica do tipo mais comum e habitual — só
que conduzida com maior cuidado, detalhe, precisão e persistência, e muitas
vezes por muitas pessoas em tempo intra e intergeracional; e que as evidências
que dizem respeito às declarações e teorias científicas são como as evidências
que dizem respeito às declarações mais comuns e habituais sobre o mundo — só
que mais densas, mais complexas e quase sempre como um recurso
compartilhado. A qualificação crucial está sinalizada não apenas pelo “Crítico”
em “Sensismo-Comum Crítico”, mas também pelo subtítulo do capítulo 3,
“Dicas para o Enigma das Evidências Científicas: Uma História ‘Só Sei que Foi
Assado’”, e pelo título do capítulo 4, “O Longo Braço do Senso Comum: Em
Vez de uma Teoria do Método Científico”. A qualificação também é expressa em
citações do Einstein: a ciência é “nada mais que um refinamento do nosso
pensamento do dia a dia”, e do Thomas Huxley: “[o] homem da ciência
simplesmente usa com exatidão escrupulosa os métodos que todos nós, por
hábito e a todo momento, usamos sem cuidado”.
O uso honorífico muito comum mas muito enganoso de “ciência” e
“científico” como termos genéricos de elogio epistêmico obscurece um fato que
seria de outra forma óbvio, que nem todos os cientistas e não só eles são bons
investigadores, e encoraja uma preocupação infrutífera com o “problema da
demarcação” de como traçar a linha entre a ciência genuína e os impostores. Mas
em seu uso mais direto e descritivo, a palavra “ciência” simplesmente se refere a
uma federação informal de tipos de investigação em um tipo de pergunta
característica (se não fechada ou definível de forma delimitada) sobre o mundo.
Esse uso mais direto alivia as antigas ansiedades sobre a demarcação, e limpa o
caminho para uma reavaliação de velhas perguntas sobre o “método científico”.
Não há um modo singularmente racional de inferência ou procedimento de
investigação que seja usado por todos os cientistas, e apenas por eles, e que seja
responsável pelos sucessos extraordinários das ciências; nenhum “método
científico”, num entendimento comum desse termo. Todos os investigadores
empíricos sérios — historiadores, detetives, juristas e acadêmicos das letras etc.,
e também cientistas — usam sua imaginação para levantar uma hipótese que, se
verdadeira, explicaria algum evento ou fenômeno intrigante; saem em busca de
todas as evidências relevantes que possam encontrar; e usam seu julgamento
para aceitar a conjectura, modificá-la, rejeitá-la e começar tudo de novo, ou
descobrir como conseguir evidências mais decisivas.
Há, no entanto, muitos e vários métodos científicos, em constante
evolução, e amiúde locais a esta ou àquela área da ciência. Ao longo dos séculos,
os cientistas desenvolveram uma grande variedade de procedimentos especiais,
técnicas e ferramentas, “auxílios” à investigação, para tomar emprestada a
palavra oportuna de Francis Bacon: modelos e metáforas que alongam a
imaginação; instrumentos de observação que estendem e amplificam as
capacidades sensoriais humanas; dispositivos para o desenho experimental —
controles, duplo-cego, etc. — para ajudar no descarte de fatores interferentes;
numerais, o cálculo, técnicas estatísticas, e, agora, programas de computador
cada vez mais complexos e sofisticados que melhoram os poderes de raciocínio
humanos; até uma organização social interna que permite o compartilhamento de
evidências e a divisão do trabalho, e ajuda a manter a maioria dos cientistas, na
maior parte do tempo, razoavelmente honestos. E esses refinamentos e
amplificações dos recursos e procedimentos da investigação empírica cotidiana,
embora sejam, é claro, falíveis e imperfeitos, tendem na maior parte e no geral a
estender o alcance evidencial, a manter o respeito pelas evidências, e a permitir
uma avaliação mais rigorosa do seu valor. A investigação científica é uma
extensão do inquérito empírico do dia a dia; não é “só senso comum”.

Incompreensão nº 3: “É Só Uma Analogia”


Minha explicação para a garantia das declarações científicas começa com uma
analogia entre a estrutura das evidências e um jogo de palavras cruzadas. Alguns
leitores pensaram que eu peguei a analogia do Einstein, que eu cito no início do
capítulo 3. Não é bem assim; como eu disse na página seguinte, comecei a
desenvolver essa analogia anos antes de descobrir a antecipação (muito breve,
mas muito bem-vinda) dele. Pior que isso, alguns leitores pensaram que a
analogia é a minha teoria da evidência e da garantia. Mais uma vez, não é assim;
é só o primeiro passo na direção de tal teoria.
A medida do quão razoável é uma resposta nas palavras cruzadas depende
do quão bem ela se encaixa de acordo com as dicas e outras palavras
entrecruzadas já preenchidas. Analogamente, a medida de garantia de uma
alegação depende do quão bem ela é apoiada pelas evidências da experiência
(análogas às dicas nas palavras cruzadas), e por razões (análogas às palavras
entrecruzadas já preenchidas); do quão bem-garantidas são essas razões,
independentemente da alegação em questão; e do quanto foi incluído das
evidências relevantes nas evidências usadas. Mas o papel da analogia “é apenas
sugerir ideias, que então precisam parar em pé sozinhas”; e, longe de ser o fim
da história, é onde o trabalho duro começa.
Considero que o grau de garantia de uma alegação científica, como o de
qualquer outra alegação empírica, depende da qualidade das evidências
disponíveis a certo tempo; e considero que as evidências que dizem respeito às
alegações científicas incluem evidências da experiência (perceptuais) e de razões
(crenças de fundo, isto é, outras proposições já aceitas). São indivíduos que
veem, ouvem, sentem cheiros etc., e são indivíduos que têm crenças. Então, o
primeiro estágio na construção de uma teoria detalhada é articular a concepção
pessoal de garantia (“p é garantido para o indivíduo x ao grau n no tempo t”); o
próximo é articular a concepção social (“p é garantido para o grupo G ao grau n
no tempo t”); e o terceiro é articular a concepção impessoal (“p é garantido ao
grau n no tempo t”).
Considero que as evidências da experiência consistem não em proposições,
mas em eventos perceptuais — uma pessoa ver ou ouvir ou etc. isso ou aquilo; e
que contribuem à garantia de uma alegação para aquela pessoa em virtude do
modo como a língua é aprendida. Mas, em vez da distinção familiar entre a parte
observacional da linguagem, supostamente aprendida ostensivamente, e a parte
teórica, supostamente aprendida pela definição verbal, proponho um continuum
que vai das palavras e frases aprendidas em grande parte pela associação com a
experiência visual etc. contínua e, em menor parte, através de conexões
intralinguísticas, às palavras e frases aprendidas em grande parte pelas conexões
intralinguísticas e, em menor parte, por associações experienciais. Quanto mais a
aparência (visual etc.) que as coisas são desse ou daquele modo contribuir para o
significado das expressões em uma alegação, maior será a contribuição das
evidências da experiência para a sua garantia.
De modo diverso das evidências da experiência, as razões são
proposicionais; mas a sustentação, como a interpreto, não é uma questão
estritamente lógica. Em vez disso, a medida de sustentação dada pelas razões de
alguém depende do quão bem elas e a alegação em questão se encaixam num
relato explicativo. Mas o poder explicativo exige um vocabulário que identifique
tipos reais de coisa ou fenômeno; e assim a sustentação depende do conteúdo,
não só da forma.
Por dar um papel epistemológico tanto às interações perceptuais dos
cientistas com coisas individuais e eventos ao seu redor quanto à relação dos
termos nos vocabulários das ciências a tipos de coisa e fenômeno, o Sensismo-
Comum Crítico é, como digo, “pé no chão”. É também, em certo sentido,
realista. Diferente do instrumentalismo, considera que as teorias científicas são
(ordinariamente) verdadeiras ou falsas; diferente do empirismo construtivo,
considera que os cientistas estão tentando descobrir não apenas respostas
“empiricamente adequadas”, mas verdadeiras a perguntas que lhes dizem
respeito; e diferente do construtivismo social radical, do idealismo linguístico e
do irrealismo, considera que há um mundo real — isto é, um mundo
independente de como o descrevemos ou acreditamos que ele seja.
Mas o meu realismo é modesto e “inocente”. Permite que reconheçamos
que nossos poderes perceptuais são limitados, imperfeitos e às vezes distorcidos
pelas nossas expectativas; não exige uma classe puramente distinguível de
enunciados[g] observacionais, ou de coisas observáveis. Permite que
reconheçamos que a verdade não é transparente, e que o progresso científico é
incerto e muitas vezes atrapalhado; não faz alegação nenhuma sobre a verdade
das teorizações científicas atuais. Entende o “real” de forma modesta, como
“independente de como acreditamos que seja”; e concebe os tipos
modestamente, como nós de propriedades mantidas juntas por leis reais. O cerne
realista do Sensismo-Comum Crítico é simplesmente este: para que a
investigação cientifica seja possível — para que qualquer tipo de investigação
empírica seja possível — nossos órgãos sensoriais devem ser capazes de nos pôr
em contato com as coisas e eventos do mundo, e essas coisas e eventos deve ser
de tipos, e sujeitas a leis.[80]
O Sensismo-Comum Crítico é terreno, modestamente realista — e também
social. Pois o grau de garantia de uma alegação para um grupo de pessoas
depende em parte da eficiência de compartilhamento das evidências entre os
seus membros; e o grau de garantia de uma alegação num certo tempo depende
em parte de qual é a melhor evidência adquirida por qualquer indivíduo ou grupo
naquele tempo.
Mesmo com tudo isso em mãos, resta mais trabalho a fazer: articular os
conceitos de justificação e confirmação, e sua relação com a garantia; explicar as
razões para o ceticismo não apenas a respeito das expectativas para uma “lógica
indutiva” formal, mas também a respeito da contribuição que o cálculo
matemático de probabilidades poderia fazer ao nosso entendimento da garantia;
e resolver os velhos “paradoxos da confirmação”, e desambiguar a tese da
subdeterminação do Quine. “Só uma analogia?” Acho que não.

Incompreensão nº 4: “Já Sabíamos Disso Antes”


Alguns leitores, fazendo a concessão de que o que eu digo é verdade e até
importante, pensaram que minhas ideias eram meras variações de temas já
familiares à tendência dominante da filosofia da ciência; em resumo, pensaram
que “nós já sabíamos disso antes”. Entretanto, nenhum deles deixaram muito
claro quem exatamente é “nós” — ou o que é “isso”; na verdade, todos pareciam
ter uma concepção bem permissiva do que seria “dizer a mesma coisa”.
De fato, como eu digo no capítulo 2, “a ideia de que concepções
estreitamente lógicas e formais da ciência são inadequadas já ficou bem
familiar” na atual tendência; “também não estou sozinha ao ter a aspiração de
articular uma explicação que não seja [para usar minha terminologia]
deferencialista nem cínica”; mas, continuo: “meu diagnóstico do que mais está
em falta, de modo mais conspícuo e consequente [tanto no Velho
Deferencialismo quanto no Novo Cinismo], ... não será tão familiar; nem minha
explicação da natureza e estrutura das evidências para alegações e teorias
científicas, nem minha abordagem Sensista-Comum Crítica a questões a respeito
dos métodos da ciência”. Embora muitos além de mim reconheçam agora a
necessidade de ir além de uma abordagem estritamente lógica, não creio que
tenham feito mesmo o que precisa ser feito, como tentei fazer.
Não que a minha abordagem prescinda de antecedentes; mas minhas
dívidas intelectuais mais importantes não são à filosofia da ciência recente, mas
a pensadores muito mais antigos. Como fico feliz em reconhecer, além de
Einstein e Huxley, John Dewey, James Conant, Percy Bridgman e Gustav
Bergmann também conceberam a pesquisa científica, como eu faço, como um
refinamento e extensão ampla da investigação empírica cotidiana. (Se eu
estivesse escrevendo o livro agora, eu acrescentaria Sidney Hook à lista.) Até
onde sei, no entanto, esse insight não foi adotado ou desenvolvido na filosofia
mais recente da ciência.
Além disso, como eu reconheceria com prazer se soubesse disso quando
escrevi o livro, John Maynard Keynes e Richard von Mises eram céticos, como
eu sou, a respeito da relevância do cálculo matemático das probabilidades para
as questões epistemológicas: Keynes suspeitou que pode não ser possível
creditar valores numéricos a probabilidades epistêmicas, ou mesmo ordená-las
sempre; von Mises insistiu que o cálculo das probabilidades se aplica somente
aonde lidamos com uma grande classe de eventos uniformes, não a
probabilidades epistêmicas.[81] Mas esse insight também não foi adotado ou
desenvolvido na filosofia mais recente da ciência.
Admitidamente, muitos outros além de mim têm agora dúvidas sobre a
viabilidade de uma distinção nítida entre enunciados observacionais e teóricos, e
reconhecem a falibilidade até daqueles enunciados mais próximos da observação
— embora isso dificilmente seja um insight da filosofia recente da ciência, mas
fora reconhecido há décadas por Popper e Hempel (nenhum dos quais, contudo,
soube o que fazer com isso). Mas o meu entendimento das evidências da
experiência como feitas não de enunciados, mas de eventos perceptuais, e minha
explicação de como tais evidências contribuem para a garantia de alegações
científicas, certamente não são um lugar comum na filosofia recente da ciência.
[82]

Reiterando: muitos outros além de mim agora veem a ciência como uma
empreitada profundamente social — embora isso também dificilmente seja um
insight da filosofia recente da ciência, mas será completamente familiar para
qualquer um que tenha lido Peirce ou Dewey.[83] Mas a minha ênfase no
compartilhamento de evidências e sua relevância à garantia, e nos modos como a
organização interna e o ambiente externo à ciência podem ajudar ou prejudicar o
seu progresso, também não é um lugar comum na filosofia recente da ciência.[84]
A concepção Sensista-Comum Crítica das dimensões sociais da ciência
também não tem muito em comum com os temas característicos da recente
sociologia radical da ciência, Science Studies, crítica feminista da ciência etc.: o
sexismo, racismo, classismo etc. alegadamente por trás das pretensões
epistêmicas das ciências. Como as citações no início do capítulo 6 revelam, o
Senso Comum Crítico tem mais afinidade com as ideias do Robert Merton
(agora, ao que parece, considerado irremediavelmente obsoleto nos Science
Studies) e do Michael Polanyi (aparentemente bem fora do radar deles).
Recuso-me a assumir “a tarefa hercúlea de pesquisar todas as várias
expressões sociológicas, etnometodológicas, feministas, literário-teóricas etc.
etc. do Novo Cinismo... [ou] todas as várias abordagens bayesianas, de teoria das
decisões, neopopperianas, da teoria do erro, modelo-teóricas, neopragmatistas,
naturalizadas, neoinstrumentalistas/construtivo-empíricas etc. etc. desenvolvidas
na tendência dominante da filosofia recente da ciência”. Mas noto pontos
significativos de concordância, e de discordância, enquanto desenvolvo meu
próprio projeto construtivo. Se tivessem consultado o índice, alguns daqueles
que imaginaram que eles ou seus amigos já tinham dito tudo teriam descoberto
que eu critico explicitamente a ideia familiar que atribuem erroneamente a mim.
“Já sabíamos disso antes”? Mais uma vez: acho que não.

Incompreensão nº 5: “Livro Desconexo”


A resenhista que descreveu o livro como “parecido com dendritos ou corais em
vez de um colar de contas” viu como a estrutura ramificante dele veicula “a
multiplicidade e variedade da ciência e dos problemas e questões que a cercam”.
[85]
Essa estrutura argumentativa se ramifica a partir de um cerne de ideias
epistemológicas e metafísicas trabalhado na primeira metade do livro até às
questões a respeito do lugar na ciência na nossa cultura, tratadas depois.
Infelizmente, no entanto, alguns leitores perderam de vista as várias formas em
que as ideias sobre evidências, método, realidade, tipos e leis atuam ao longo de
todo o argumento.
Por exemplo: como afirma o título do capítulo 6, as ciências naturais e
sociais são “O Mesmo, Só Que Diferente”. Os cientistas sociais, como os
cientistas naturais, fazem hipóteses potencialmente explicativas e checam o quão
bem elas resistem às evidências; mas os tipos de explicação que buscam, e os
tipos de evidência de que dependem, são diferentes. Sem surpresa; pois
exploram aspectos diferentes do mundo, uma realidade social que um Realismo
Inocente modificado nos ajuda a entender. Isso, por sua vez, sugere o modo
como as ciências sociais podem ser integradas às ciências naturais, embora não
reduzidas à física ou à biologia.
Reiterando: sociólogos cínicos da ciência, aparentemente esquecendo que
a ciência é um tipo de investigação, negligenciam o papel das evidências; mas
uma sociologia sensata e epistemologicamente informada poderia nos ajudar a
entender os modos como a organização interna e o ambiente externo à ciência
podem propiciar o compartilhamento de evidências e a divisão do trabalho
intelectual, e encorajar a honestidade e a minuciosidade — ou desencorajá-las
(capítulo 7). De forma similar, os retóricos radicais que enfatizam
exclusivamente a “literatura da ciência” negligenciam o caráter terreno da
investigação científica, e obscurecem as diferenças entre a investigação limitada
pelas evidências e a imaginação livre; mas uma retórica da ciência razoável e
epistemologicamente informada poderia contribuir para a nossa compreensão
dos mecanismos do compartilhamento de evidências e das mudanças e
adaptações dos vocabulários da ciência (capítulo 8).
E repetindo: no caso Daubert a Suprema Corte, talvez seduzida pelo uso
honorífico do termo “ciência”, procurando à exaustão por um critério para
distinguir depoimentos genuinamente científicos, e portanto confiáveis, de
“ciência lixo”, conformou-se com um amálgama instável do falseacionismo do
Popper com o confirmacionismo do Hempel (capítulo 9).[86]
Sobre a relação entre a ciência e a religião: enquanto “ciência” se refere
principalmente a uma categoria de investigações e só em segundo plano a um
corpo de proposições aceitas, o cerne de uma religião (no sentido relativamente
estrito em que a questão da compatibilidade com a ciência faz sentido) é um
corpo de crenças, um credo. A teologia, diferente da religião, está no campo das
investigações; mas, diferente das ciências, é descontínua com a investigação
empírica cotidiana tanto ao se apoiar na experiência religiosa e na revelação
como supostas fontes de evidências, quanto ao acolher explicações
sobrenaturais. Mas (como sugere Einstein) a paixão pelo entendimento que
motiva o cientista dedicado tem algo em comum com a autotranscendência do
homem religioso (capítulo 10).
Sobre o valor e os perigos da ciência: a ciência é valiosa não apenas pelo
conhecimento acumulado até aqui, e não apenas pelos modos com os quais a
tecnologia melhorou as nossas vidas, mas também como uma manifestação do
talento humano para a investigação, “representa[ndo], em seu melhor, uma
amplificação impressionante e refinamento das capacidades cognitivas
humanas”; entretanto, como em qualquer outra empreitada humana, a sua
integridade pode ser ameaçada por pressão política, por interesses comerciais, ou
pela simples vaidade, ganância ou orgulho (capítulo 11).
E finalmente: previsões do “fim da ciência” vão das antecipações cínicas
de que as pretensões epistemológicas das ciências por fim serão percebidas
como infundadas, aos medos pessimistas de que em algum momento a sociedade
se tornará relutante a apoiar o empreendimento científico, às esperanças
otimistas de que alguma hora todos os itens no colossal jogo de palavras
cruzadas serão respondidos.
Quase não seria necessário dizer: este livro é em si estruturado como um
jogo de palavras cruzadas. Inevitavelmente, tive de deixar alguns itens sem
resposta; feliz e fortuitamente, agora posso preencher algumas das palavras, aqui
e ali.
2. Notícias da Rede do Senso Comum Crítico
Como poder-se-ia esperar, as notícias são mistas: batalhas por causa de aulas de
biologia no ensino médio revelam que a “guerra entre a ciência e a teologia” está
longe de acabar, e controvérsias científicas e legais a respeito da drogas Vioxx e
Celebrex revelam como os interesses dos financiadores podem entrar no
caminho do progresso científico; mas, depois de muit trapalhada e fracasso, uma
pequena onda de especulação sobre a possiblidade de vida primitiva em Marte
começa a levar a direções promissoras.
No começo do livro eu brinco, sem malícia, com as pretensões
epistemológicas implícitas em termos como “Ciência da Administração”,
“Ciência Biblioteconômica”, “Ciência Militar”, “Ciência Mortuária” e “Ciência
da Criação”. Depois, observo mais de perto a última manifestação da assim
chamada “ciência” da criação, a Teoria do Design Inteligente (DI). Notando que
em 2000 um editorial do Wall Street Journal descreveu a DI como “uma teoria
sofisticada que agora começa a ser expulsa das melhores universidades do país”,
comento que “[a] empolgação intelectual criada por essa ‘teoria sofisticada’ não
se estende a departamentos de biologia; e por boas razões: o design inteligente
dificilmente ganha o título de ‘teoria’, muito menos ‘teoria sofisticada’...”.
Não se nota ainda nenhum entusiasmo vindo dos departamentos de
biologia; mas a esta altura, graças em grande parte aos esforços do Centro de
Ciência e Cultura e do bem-financiado Discovery Institute, de Seattle, a Teoria
do Design Inteligente chegou às manchetes — e aos tribunais. Em 2005, os
tribunais da Geórgia e da Pensilvânia decidiram que as “notas de aviso sobre a
evolução” propostas em livros didáticos de biologia e salas de aula de escolas
públicas violam a Cláusula de Estabelecimento da Primeira Emenda da
Constituição.[87] O caso Kitzmiller, da Pensilvânia, também é especialmente
relevante.
Em novembro de 2004, o Conselho de Diretores da Escola Secundária de
Dover anunciaram que haveria uma exigência de que os professores lessem a
seguinte declaração:
Os Padrões e Normas Acadêmicos da Pensilvânia exigem
que os alunos aprendam a respeito da Teoria da Evolução
de Darwin e que, em certo momento, façam uma prova
padronizada, parte da qual cobra evolução.
Pela razão de a Teoria de Darwin ser uma teoria, ela
continua a ser testada conforme novas evidências são
descobertas. A Teoria não é um fato. Lacunas na Teoria
existem para as quais não há nenhuma evidência. Uma
teoria é definida como uma explicação bem testada que
unifica uma ampla gama de observações.
O Design Inteligente é uma explicação para a origem
da vida que difere da opinião de Darwin. Seu livro de
referência, Sobre Pandas e Pessoas, está disponível para os
alunos que estiverem interessados em obter uma
compreensão do que o Design Inteligente de fato envolve.
Em relação a qualquer teoria, encorajamos os alunos
a manter a mente aberta. A escola deixa a discussão das
Origens da Vida para alunos individuais e suas famílias.
Enquanto um distrito regido por Normas, a instrução em
sala de aula tem foco em preparar os alunos para atingirem
proficiência em avaliações baseadas em Padrões e Normas.
Se um professor se recusasse a ler a declaração, um administrador a leria no
lugar dele; nenhuma discussão seria permitida.
Tammy Kitzmiller e outros pais de alunos da Escola Dover a processaram
alegando que isso violava a Primeira Emenda. Em dezembro de 2005, o juiz
John E. Jones III deu a sua sentença a favor dos requerentes: uma análise
detalhada e muito firme de questões constitucionais, e uma crítica sóbria às
armações do conselho escolar para passar a resolução e ao passado criacionista
do livro recomendado, Sobre Pandas e Pessoas. (Antes da sentença, todos os
oito membros do conselho sendo processados foram removidos
democraticamente do conselho escolar.[88] Depois do julgamento, o juiz Jones
ordenou que os réus pagassem U$1 milhão em custos:[89] um grande
desincentivo, imagina-se, para outros conselhos escolares que pensem em seguir
o exemplo de Dover.)
Essa nota de aviso é uma bagunça horrenda de confusões. Começa e
termina com uma clássica sugestão falsa, insinuando, sem dizê-lo
explicitamente, que a escola ensina a biologia evolutiva só porque é obrigada
pelas normas e padrões acadêmicos do estado. Combina incoerentemente um uso
muito fraco de “teoria”, em que chamar algo de “teoria” é desqualificante pela
sugestão de que é apenas a opinião de alguém, não um fato conhecido, com um
uso muito forte de “teoria”, que implica que uma “teoria” ainda não testada ou
em descrédito na atualidade não é uma teoria de forma nenhuma. (Talvez a ideia
seja expressar, sem dizer explicitamente, que enquanto a teoria da evolução é “só
uma teoria” — afinal, “[l]acunas na Teoria [da evolução] existem para as quais
não há evidência nenhuma” — o Design Inteligente é uma teoria no sentido
forte, bem testada e explicativa.) A nota sugere que a teoria da evolução é uma
teoria da origem da vida; ela não é. E, quanto à sugestão risível de que os alunos
e seus pais deveriam descobrir como a vida se originou debatendo a questão ao
redor da mesa da cozinha — ah, deixa pra lá!
Por mais que seja minuciosa e minuciosamente sensata, a sentença do juiz
Jones não captura todas essas confusões; na maior parte, para o presente
argumento, ela depende mais do que eu gostaria de algumas alegações
questionáveis a respeito do status do naturalismo e da demarcação da ciência. O
juiz Jones descreve o “naturalismo metodológico” como “uma convenção
autoimposta da ciência”. Porém, se você não se deixar ludibriar pelo uso
honorífico de “ciência” ao ponto de pensar que classificar uma explicação
proposta como “não científica” é ipso facto mostrar que ela não serve — o que
seria mesmo cientificismo — você perceberá que não há razão para favorecer o
naturalismo acima do sobrenaturalismo. O problema com as explicações
sobrenaturais não é que a convenção científica as evita; os cientistas as evitam
porque elas não fazem o trabalho de explicar. “[O] compromisso com o
naturalismo não é uma mera expressão de um tipo de imperialismo científico;
pois as explicações sobrenaturais são tão alheias ao trabalho dos detetives e dos
historiadores, e às nossas explicações habituais sobre por que a comida estraga
ou os ônibus se atrasam, quanto são alheias à física e à biologia”. Ao postular
um projetista que não está no espaço nem no tempo, a Teoria do Design
Inteligente “não oferece nem o mais minúsculo dos degraus a partir do qual se
poderia galgar para uma explicação específica de como foi Deus”. É só “Porque
Ele falou, e tudo se fez” em um novo vocabulário chique.
Os requerentes consideraram o DI uma ideia essencialmente religiosa,
apontando, por exemplo, que referências ao “design inteligente” na edição mais
recente do livro Pandas foram implantadas por substituição de referências à
“criação” na primeira edição. Previsivelmente, os réus afirmaram que o design
inteligente é uma teoria científica. E assim, referências popperianas talvez
inevitáveis à testabilidade — agora combinadas com a deferência à publicação
revista por pares encorajada pelo caso Daubert — são ouvidas na decisão do
caso Kitzmiller. Mas o debate que veio após a sentença sobre a “ciência” da
criação no caso McLean[90] deveria ter nos ensinado que o velho critério da
falseabilidade não vai funcionar, e nos lembrou da incerteza do próprio Popper
sobre a teoria da evolução ser ou não científica.[91] Embora casos como o
Kitzmiller tornem questões sobre a demarcação quase inescapáveis, não há
realmente uma solução satisfatória: a categoria “não ciência” é ampla demais,
diversa demais, e as questões políticas e educacionais em jogo nesses casos
legais são diferentes demais das questões que Popper enfrentava.
É verdade que proponentes da Teoria do Design Inteligente parecem estar
envolvidos no tipo de pseudopesquisa que chamamos de “advocacy research”
(“pesquisa” política ou “pesquisa” ativista); infelizmente, no entanto, a
supressão da investigação genuína que mais parece ativismo às vezes também
acontece, talvez em menor grau, nas ciências biológicas (e outras). Talvez esteja
sendo ingênua; mas me pego pensando melancolicamente sobre um mundo em
que tais casos nunca aconteceriam, pois os conselhos escolares apreciariam os
motivos educacionais bons e suficientes contra incluir a Teoria do Design
Inteligente no currículo de ciências: que nenhuma evidência substancial a apoia,
nem mesmo ao grau mais modesto possível.
Os proponentes do design inteligente sem dúvida responderiam que as
dificuldades da teoria evolutiva justificam levar o DI a sério. Não é verdade;
pois, como percebe o juiz Jones, “só evolução ou Design inteligente” não esgota
as opções. Os autores do Pandas põem ênfase especial em “como eram
realmente grandes as diferenças entre peixes primitivos e anfíbios”.[92] Então, é
quase bom demais para ser verdade — mas é verdade: em abril de 2006, um
artigo na Nature descreveu novos fósseis descobertos de um peixe gigante com
cabeça de crocodilo com 375 milhões de anos, chamado “Tiktaalik”, que tinha
escamas, brânquias e barbatanas, e outros atributos de peixe, mas também, nas
barbatanas dianteiras, formas primitivas de dedos, protopulsos, cotovelos e
ombros; o que parece ser um elo na evolução de alguns peixes da vida aquática
para caminhar na terra seca.[93] Um porta-voz do Discovery Institute,
manifestando preocupação, afirmou que “poucos pesquisadores de ponta [do DI]
argumentaram contra a existência de formas transicionais”.[94] Eita.

No começo do livro, aviso que “não há razão para complacência a respeito da


condição atual da ciência ... Embora as técnicas e instrumentos científicos sejam
cada vez mais sofisticados, os mecanismos necessários para sustentar a
integridade intelectual estão sob pressão”. Uma preocupação é que as cada vez
maiores pressões de carreira sobre os cientistas podem encorajar a
desonestidade, do aparo de arestas e trapalhadas à fraude completa: outro tópico
que tem ocupado as notícias ultimamente. Em um mês, janeiro de 2006,
descobrimos que o dr. Hwang Woo Suk — tão celebrado em sua pátria, a Coreia,
que sua promessa de fazer pessoas paralisadas andarem foi impressa em um selo
postal — fabricou evidências na pesquisa dele de clonagem de células-tronco
humanas;[95] e uma “Manifestação de Preocupação” na revista Lancet revelou
que um artigo do dr. Jon Sudbø, publicado no ano anterior, relatando um estudo
que supostamente mostrava que os anti-inflamatórios não esteroides (NSAIDs)
reduzem o risco de câncer de boca, era completamente baseado em dados
fabricados — e também, como ele admitiu, dois estudos anteriores de sua
autoria.[96]
Outra preocupação é que o trabalho científico apoiado pela indústria
privada pode ser distorcido pelos interesses ocultos dos financiadores. Neste
contexto, noto de passagem que os fabricantes das drogas Vioxx e Celebrex
“aparentemente buscavam diminuir a importância da pesquisa que sugerira que
essas novas drogas populares para a artrite — nas quais mais dinheiro de
publicidade está sendo gasto que na Coca-Cola — poderiam trazer um risco
maior de infartos”.[97] Agora, essa notícia perturbadora chegou às manchetes.
Pelos cinco anos e meio durante os quais o Vioxx ficou no mercado, a
fabricante Merck gastou mais de U$100 milhões por ano em publicidade direta
para o consumidor; mais de 80 milhões de pessoas tomaram a droga; e as vendas
anuais ultrapassaram U$2,5 bilhões.[98] Em setembro de 2004, a Merck removeu
o Vioxx do mercado por causa de preocupações a respeito de riscos
cardiovasculares. Quando chegou o fim de abril de 2006, um grupo intrépido de
advogados estava oferecendo, por uma porcentagem de qualquer indenização
imposta à Merc, um “pacote de litígio” que tornaria mais fácil para firmas
menores de advocacia assumirem processos relacionados ao Vioxx; em
novembro de 2006 já havia cerca de 24 mil processos judiciais sobre o Vioxx
pendentes contra a empresa, inclusive um aberto por seguradoras e outras partes
que pagaram pelo Vioxx tomado por milhões de pacientes.[99] Quando a Merck
removeu o Vioxx, a Pfizer suspendeu sua campanha publicitária gigantesca, mas
continuou a afirmar que nenhum estudo mostrava que o Celebrex apresentava
riscos cardiovasculares. Agora, no entanto, as propagandas para o Celebrex
alertavam em letras grandes que a droga “pode aumentar a chance de infarto ou
acidente vascular que pode causar a morte”. O primeiro processo contra a Pfizer
por causa do Celebrex, originalmente agendado para começar em junho de 2006,
foi adiado.[100]
Então, o que aconteceu? Por mais de 40 anos, os NSAIDs convencionais
foram usados para o controle da dor crônica; mas essas drogas trazem um risco
aumentado de úlceras hemorrágicas em pacientes suscetíveis. Então, parecia um
grande avanço quando novos NSAIDs foram desenvolvidos para inibir a enzima
Cox-2, que causa inflamação, sem afetar a enzima Cox-1, que protege o
organismo contra efeitos gastrointestinais adversos. Esses novos medicamentos
incluíam o Vioxx (rofecoxib) e o Celebrex (celecoxibe), aprovados pela FDA em
1999.[101]
O primeiro grande ensaio clínico da Merck, o estudo VIGOR, mostrou que
o Vioxx trazia um risco menor de efeitos gastrointestinais adversos que o
medicamento rival naproxeno (Aleve); e o estudo menor seguinte da empresa, o
estudo ADVANTAGE, mostrou o mesmo. Depois da aprovação da FDA, um
relatório do estudo VIGOR foi submetido ao periódico New England Journal of
Medicine, onde apareceu em novembro de 2000.[102] Esses resultados sugeriram
benefícios gastrointestinais; mas também sugeriram uma taxa significativamente
maior de infarto do miocárdio nos que estavam tomando Vioxx em comparação
aos que estavam tomando naproxeno por mais de dezoito meses.[103] A Merck
atribuiu isso a um efeito cardioprotetivo do naproxeno;[104] mas, no começo de
2001, uma revisão da FDA concluiu que “é obrigatório conduzir um ensaio que
avalie especificamente o risco cardiovascular de [inibidores da Cox-2]”.[105]
Nenhum ensaio do tipo foi conduzido; mas em 2002 a Merck foi obrigada a
adicionar uma etiqueta de advertência à bula. Em 2004, o terceiro grande ensaio
clínico da Merck, o estudo APPROVe — projetado para mostrar que o Vioxx
diminuía o risco de pólipos no cólon — foi interrompido pelo conselho de
monitoramento da segurança dos dados quando se revelou que pacientes que
recebiam 25mg de Vioxx por mais de dezoito meses tinham quatro vezes mais
incidência de eventos tromboembólicos sérios. Isso levou à remoção do
medicamento do mercado.[106]
Em abril de 2005, o New York Times noticiou que o relatório publicado do
ensaio ADVANTAGE havia omitido três mortes por complicações cardíacas
entre os pacientes do Vioxx. O suposto autor principal explicou que os cientistas
da Merck haviam projetado, pago e conduzido o estudo, e escrito o relatório; o
papel dele era só dar uma ajuda editorial depois que o artigo fosse escrito, e ele
não tinha conhecimento das mortes adicionais.[107] Em dezembro daquele ano, o
New England Journal publicou uma “Manifestação de Preocupação” sobre
“imprecisões e deleções” no relatório do ensaio VIGOR: três ataques cardíacos
entre pacientes Vioxx tinham sido omitidos. A Merck respondeu que ocorreram
após a data-limite do ensaio; mas, em nome da revista, o dr. Jeffrey Drazen
explicou que o estudo havia sido projetado de forma enganosa: a data-limite
após a qual parava de acompanhar os efeitos gastrointestinais era mais tardia que
a data-limite depois que parava de acompanhar os efeitos cardiovasculares. Só
mais tarde descobrimos que um correspondente havia alertado aos editores da
revista anos antes sobre infartos omitidos, em junho de 2001; e que a revista
havia sido estimulada a publicar sua “Manifestação de Preocupação” em
dezembro de 2005, a conselho do especialista em relações públicas Edward
Cafasso, que lhes avisou que, em face ao depoimento que seria dado no dia
seguinte num caso Vioxx pelo editor executivo dr. Gregory Curfman, era
essencial que a revista publicasse algo imediatamente.[108]
E quanto ao Celebrex? O estudo CLASS, concluído e publicado no
Journal of the American Medical Association em 2000,[109] indicou que o
Celebrex trazia um risco significativamente menor de efeitos gastrointestinais
adversos que os NSAIDs convencionais. Posteriormente, no entanto, cartas à
revista apontaram que o artigo relatava somente dados dos primeiros seis meses
de um ensaio de doze meses, enquanto as informações mais completas
disponíveis no site da FDA revelavam que “[p]ara a segurança do trato GI
superior, e também segurança global, não parece haver vantagem significativa
para o Celebrex”; e que pacientes com doença cardiovascular preexistente
haviam sido excluídos do estudo.[110] Em dezembro de 2004, um estudo
publicado online sugeriu que o Celebrex oferecia alguma proteção contra infarto
do miocárdio não-fatal; mas, no mesmo mês, o Instituto Nacional do Câncer
interrompeu o ensaio de Proteção contra Adenoma com Celebrex (APC), e um
segundo ensaio, o estudo PreSAP, por causa de um risco duas vezes e meia
maior de infarto agudo do miocárdio e acidente vascular em pacientes que
tomaram 400mg de Celebrex por dia, e um aumento de 3,4 vezes em pacientes
que tomaram 800mg.[111] Isso levou à adição de uma nota de advertência na bula
e nas propagandas do Celebrex. Mais tarde, ocorreu uma reviravolta na história:
uma análise dos resultados dos dois estudos interrompidos, noticiada na reunião
anual da Associação Americana da Pesquisa do Câncer, em abril de 2006,
mostrou uma redução dramática no risco de câncer colorretal nos pacientes que
tomaram Celebrex.[112]
Em meados de dezembro de 2005, a Clínica Cleveland anunciou que
conduziria um ensaio clínico internacional de cerca de 20 mil pacientes para
avaliar a segurança relativa do ibuprofeno, naproxeno e celecoxibe.[113] Contudo,
se os interesses dos financiadores não tivessem entrado na frente, será que não
teríamos descoberto anos atrás a quais pacientes os NSAIDs poderiam
beneficiar, e a quais é mais provável que façam mais mal do que bem?

E agora, notícias melhores.


No começo do livro, para ilustrar como as evidências se ramificam,
descrevo a controvérsia a respeito de um meteorito marciano de quatro bilhões
de anos descoberto na Antártida, e que revelou conter o que poderiam ser dejetos
fossilizados de bactérias. Mais adiante, para ilustrar o quão irregular e
assimétrico pode ser o progresso nas ciências, descrevo a saga dos esforços para
conseguir mais evidências: as sondas que se queimaram na atmosfera de Marte,
ou se espatifaram por causa de falhas de software ou, em um caso, por causa de
uma confusão entre libras e quilogramas nos cálculos dos engenheiros. Mesmo
assim, acrescento, “não duvido muito que a verdade no fim vai se revelar”.
Neste momento, várias naves especiais exploratórias estão orbitando
Marte; os robôs móveis Spirit e Opportunity estão colhendo informações
geológicas sobre a superfície;[114] e outro meteorito marciano, este descoberto no
Egito, está rendendo mais pistas.[115] Agora sabemos que houve um dia água em
Marte, e que o segundo meteorito, como o primeiro, contém o que poderiam ser
fósseis marcianos. E há uma nova reviravolta nessa história, também: em março
de 2006, a sonda Cassini detectou um jato de gelo em uma das luas de Saturno,
Encélado — uma indicação de que um oceano pode estar escondido sob a
superfície congelada.[116] Ainda não sabemos se houve vida bacteriana primitiva
em Marte, ou alhures; mas estamos chegando mais perto de saber.[h]

“Então pronto”, como diria o Underground Grammarian.[i] “Não te deixe


desanimar nada”.[117]

Dezembro de 2006.
Prefácio à Edição Original
Meu título fala em “Defender a Ciência”; mas, embora de vez em quando se
ouça o ruído distante de uma batalha, ou um cheiro sutil de pólvora, este livro
não tem a intenção de ser mais um combatente nas ditas “Guerras da Ciência”.
Em vez disso, seu propósito é articular um entendimento novo, e tomara que
verdadeiro, do que é a ciência e do que ela faz. Discussões sobre o Velho
Deferencialismo, com seu foco na “lógica da ciência”, na estrutura,
racionalidade e objetividade, e sobre o Novo Cinismo, com seu foco em poder,
política e retórica — e sobre as correntes culturais profundas de admiração e
mal-estar a respeito da ciência, das quais ambos são manifestações — servem
aqui somente como pano de fundo para este projeto construtivo.
Meu título fala em defender a ciência “Dentro do Razoável”, e a
brincadeira com ambos os sentidos disso é intencional. Defenderei as pretensões
da ciência de nos dizer como o mundo é, mas somente de uma forma bem
modesta e qualificada (“dentro do razoável” em seu sentido coloquial), e da
perspectiva de uma compreensão mais geral de capacidades e limitações
cognitivas humanas, e do nosso lugar como investigadores no mundo (“dentro
do razoável” em um sentido mais filosófico). A ciência conseguiu descobrir
muito sobre o mundo e como ele funciona, mas é uma empreitada
profundamente humana, desorganizada, falível e atrapalhada; e, em vez de usar
um método singularmente racional não disponível a outros investigadores, é
contínua com a investigação empírica mais corriqueira, “nada mais que um
refinamento do nosso pensamento do dia a dia”, como Einstein afirmou certa
vez. Não há um “método científico” distintivo e independente do tempo, só
modos de inferência e procedimentos comuns a todas as investigações sérias, e
os multifacetados “auxílios” que as ciências gradualmente desenvolveram para
refinar as nossas capacidades cognitivas naturais: para amplificar os sentidos,
aumentar o alcance da imaginação, estender o poder de raciocínio, e manter o
respeito pelas evidências.
Por um tempo brinquei com a ideia de começar assim: “Não existe método
científico, e este livro trata disso”.[118] Mas isso teria sido esperto demais pela
metade; ou no mínimo uma meia verdade. Pois, uma vez que as ideias principais
sobre evidências científicas e pesquisa científica começaram a ficar mais nítidas,
e eu tinha aprendido o suficiente sobre a história da biologia molecular para
ilustrar essas ideias com episódios científicos da vida real, vislumbrei novas
formas de abordar as questões difíceis, mas fascinantes, bem além do meu
propósito original: sobre as diferenças entre a ciência e a literatura, as tensões
entre a ciência e a religião, as interações da ciência com o direito; e sobre o lugar
da ciência nas nossas vidas, seu valor, seus perigos, seus limites, e até a
possibilidade de sua aniquilação, culminação ou completude última. Sem dúvida,
é por isso que este parece agora ser o mais pragmatista dos meus livros:
influenciado aqui por Peirce, ali por James, sua abordagem das ciências sociais é
informada pelo trabalho do Mead, sua preocupação com ciência e valores por
Dewey; e, acima de tudo, através do exemplo dessa rica tradição, o livro é
liberado da relutância e desconforto da filosofia analítica em pisar fora de
questões além das linguísticas, lógicas ou conceituais.
Vim a enxergar de forma mais clara que a ciência é valiosa não apenas
pelo “edifício magnífico” do conhecimento construído ao longo dos séculos por
muitas gerações de cientistas, não apenas pelos desenvolvimentos tecnológicos
que tornaram nossas vidas mais longas e mais confortáveis, mas como uma
manifestação do talento humano para a pesquisa em seu melhor, que é limitado,
imperfeito, mas às vezes impressionante. Vim a entender com mais firmeza que,
embora escritores investiguem e cientistas escrevam, a palavra “literatura” não
se refere, como a palavra “ciência”, a uma federação de tipos de investigação,
mas a uma federação de tipos de texto; e, assim, entende-se o quanto não faz
sentido e é desnecessário se preocupar se a ciência é mais importante que a
literatura ou vice-versa.
Como foi que me envolvi em um projeto tão vasto, custoso e exaustivo
quanto esse? Pelas razões habituais; ou, ao menos, minhas razões habituais.
Pensei — dadas as ideias que eu havia rascunhado em Evidence and Inquiry
sobre o lugar das ciências dentro da investigação empírica mais geral, e alguns
ensaios no Manifesto de Uma Moderada Apaixonada em que eu tinha enfrentado
algumas extravagâncias de autointitulados “críticos culturais” da ciência — que
um número suficiente dos itens nessa parte do jogo de palavras cruzadas estavam
respondidos, com letras suficientes servindo como dicas para os itens
incompletos; de modo que deveria ser não exatamente fácil, mas bem dentro do
factível, eu dizer algo útil sobre o conhecimento científico e a pesquisa
científica, e sobre o lugar da ciência na nossa cultura. Como de praxe, quando
comecei o trabalho, eu não fazia ideia de onde estava me metendo.
Especificar tudo se mostrou quase tão difícil quanto pensar em tudo. Fiz o
meu melhor para ser tão direta quanto possível, fugir de tecnicalidades
desnecessárias, e evitar a insipidez turva horrorosa que permeia muito da prosa
acadêmica contemporânea. Mas, sem dúvida — como alguns leitores pensarão
que minhas ideias são radicais demais, e outros que não são radicais o suficiente;
e alguns reclamarão que eu não passo tempo suficiente nas minúcias da filosofia
recente da ciência, ou dos novos “Science Studies”, e outros, que passo tempo
demais nisso; e alguns vão me repreender por devotar pouca atenção a detalhes
arcanos da mecânica quântica, e outros por devotar pouca atenção a questões
éticas sobre a pesquisas com células-tronco — alguns acharão meu estilo muito
seco e analítico, e outros vão achá-lo exuberante e literário demais, ou irônico e
brincalhão demais. Que posso dizer eu, salvo que George Eliot tinha razão: “até
quando você não tem motivo para ser falso, é muito difícil dizer a verdade
exata”; ainda mais difícil quando você tem um motivo, tal como a relutância
polida em ofender, quando a superação da ofensa é necessária para que seja dito
sem titubear que as imagens de mundo científica e religiosa são de fato
incompatíveis, que não podem realmente ser reconciliadas.
Ao escrever este Prefácio — quase o último passo em uma longa jornada
de muitos falsos começos e curvas erradas, na qual momentos ocasionais de
iluminação e júbilo precisaram compensar por longos trechos de quase-
desesperança e por um senso constante das minhas inadequações — penso em
Eliot de novo, quando ela refletiu, muitos anos após a publicação, sobre seu
romance Romola: “Não há outro livro a respeito do qual eu sinta mais
profundamente que posso jurar por cada frase como escrita com o melhor que eu
tenho a oferecer”.[119] Tal seriedade vitoriana está fora de moda na academia de
hoje, mas captura meus sentimentos sobre este livro com precisão.
Agradecimentos
O capítulo 1 deste livro, “Nem Sagrada Nem Embuste”, é uma versão bastante
revisada e adaptada de “Defendiendo la ciencia — dentro de la razon,” traduzido
por Wenceslao González e publicado em Málaga, na Espanha, em Filosofía
actual de la ciencia, ed. Pascual Martínez Friere, Contrastes, Supplemento 3,
37-56, em 1998. Uma versão em inglês modificada, “Defending Science —
Within Reason”, foi publicada em Santa Catarina, Brasil, na Principia 3, nº 2,
187-211, em 1999; e uma tradução em língua chinesa por Chen Bo em Pequim,
na Studies in the Dialectic of Nature, nº 5, 11-19, em 2001. Uma versão
resumida do capítulo 3, “Dicas para o Enigma das Evidências Científicas”,
apareceu na Principia 5, nº 1-2, 253-81, em 2002. O capítulo 8, “Mais Forte que
a Ficção”, é uma versão bem expandida e modificada de “Science, Literature,
and the ‘Literature of Science’”, publicado na Partisan Review 67, nº 4, 640-47,
e na Occasional Papers 47, American Council of Learned Societies, 45-56,
ambas no outono de 2000; também inclui material de “Misinterpretation and the
‘Rhetoric of Science’: Or, What Was the Color of the Horse?”, publicado na
Texts and Their Interpretation, Catholic Philosophical Quarterly, 1998, 69-91. O
capítulo 9, “Emaranhada no Espinheiro”, aproveita bastante coisa do “An
Epistemologist in the Bramble Bush: At the Supreme Court with Mr. Joiner”,
publicado no Journal of Health Politics, Policy, and Law 26, nº 2, 217-48, em
abril de 2001, e reimpresso eletronicamente na Philosophy, Science, and Law no
outono do mesmo ano.
Várias versões dos capítulos do livro deram base às minhas palestras como
Professora Phi Beta Kappa Romanell, ministradas na Universidade de Miami em
1997; à minha Palestra Memorial Gail Stine na Wayne State University, e às
minhas palestras Bermann na Universidade de Umeå, Suécia, em 1999; às
minhas palestras Cowling no Carleton College, minhas palestras Gilbert Ryle na
Trent University, Canadá, minhas palestras Spenser-Leavitt no Union College, e
minha palestra Gustav Bergman na Universidade de Iowa, em 2000; à minha
palestra Henri J. Renard na Creighton University, e à minha palestra pública na
Universidade Estadual de Michigan, com apoio da Fundação Templeton, em
2001; e às minhas palestras como Professora Lansdowne na Universidade de
Vitória, Colúmbia Britânica, e à palestra que dei por ocasião do meu
recebimento do Prêmio de Destaque Acadêmico do Corpo Docente da
Universidade de Miami, em 2002.
E partes do livro foram apresentadas em departamentos de filosofia, em
congressos, e como palestras públicas em universidades ao redor do mundo, de
Madrid, Santiago de Compostela e La Coruña, na Espanha; Lund, Estocolmo e
Uppsala, na Suécia; a Florianópolis, no Brasil, além de universidades e centros
universitários através dos EUA e do Canadá. Uma versão resumida do capítulo 3
foi apresentada, por exemplo, no Colóquio Internacional de Lógica,
Epistemologia e Filosofia da Ciência organizados pelos editores da Principia em
Florianópolis, em 2001, e no seminário “Mind and Language” na NYU, no
departamento de filosofia da VPI, e no Congresso Europeu de Filosofia
Analítica, em Lund, 2003. O artigo curto que por fim foi expandido no capítulo
8 foi apresentado na reunião anual do American Council of Learned Societies em
1999; e uma versão inicial do capítulo completo foi apresentada no Seminário de
Tópicos em Ciência e Humanidades do Centro Whitney de Humanidades em
Yale mais tarde naquele ano, no Fórum de Pensamento Contemporâneo na
Universidade da Virgínia em 2000, e como uma palestra pública organizada pelo
Departamento de Letras da Universidade da Geórgia em 2001. O artigo mais
curto que deu base ao capítulo 9, originalmente escrito para uma conferência
organizada pela Escola de Direito e pelo Departamento de Filosofia da
Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, foi apresentado aos cursos
de direito das instituições de Penn, Virgínia, Maryland, Iowa, Boston, Creighton
e a Faculdade de William e Mary; o capítulo completo foi apresentado na Escola
de Direito da Case Western Reserve University, e, com alguns pensamentos
sobre as diferenças entre a cultura do direito nos Estados Unidos e no Canadá, na
Escola de Direito da Universidade de Dalhousie, na Nova Escócia.
Aprendi bastante, em todas essas ocasiões, com os comentários e
perguntas dos ouvintes; como aprendi também com um pequeno exército de
correspondentes prestativos, entre eles não apenas filósofos, mas também
cientistas, historiadores da ciência, engenheiros, economistas, acadêmicos do
direito e das letras; e com estudantes que fizeram perguntas pertinentes,
trouxeram artigos e recortes que pensaram que poderiam me interessar, ou só
faziam uma cara atônita apropriada quando eu dizia alguma coisa
incompreensível. Sou grata a todas as muitas pessoas que me ajudaram, de
diferentes formas, a fazer este livro melhor do que ele teria sido se eu tivesse me
digladiado com ele sozinha — muito grata também aos bibliotecários da Escola
de Direito da Universidade de Miami, e em especial à Virginia Templeton, pela
assistência bibliográfica. Agradeço especialmente ao Mark Migotti, que leu o
rascunho todo datilografado, levantou boas perguntas e fez sugestões úteis, e até
me acompanhou no processo final de caçar trechos repetitivos e arrumar frases
convolutas e truncadas; e, como sempre, ao Howard Burdick — pois os habituais
sine qua nons não cobrem nem a metade.
Capítulo 1: Nem Sagrada Nem Embuste
O Manifesto do Senso Comum Crítico
Que os homens se precipitem violentamente de um extremo,
sem passar mais ou menos para o extremo contrário, não é
algo que se espera da fraqueza da natureza humana.
— Thomas Reid, Essays on the Intellectual Powers[120]

As atitudes para com a ciência variam da admiração acrítica em um extremo,


passando pela desconfiança, ressentimento, e inveja, à difamação e hostilidade
aberta no outro. Confundimo-nos a respeito do que a ciência pode ou não pode
fazer, e a respeito de como ela faz o que faz; a respeito de como a ciência difere
da literatura ou da arte; a respeito da possibilidade de a ciência ser realmente
uma ameaça à religião; a respeito do papel da ciência na sociedade e do papel da
sociedade na ciência. E somos ambivalentes a respeito do valor da ciência.
Admiramos suas conquistas teóricas, e acolhemos desenvolvimentos
tecnológicos que melhoram as nossas vidas; mas nos decepcionamos quando
resultados esperados não vêm com celeridade, ficamos desanimados quando as
descobertas científicas ameaçam crenças estimadas sobre nós mesmos e nosso
lugar no universo, desconfiados do que percebemos como a arrogância ou
elitismo dos cientistas, perturbados diante do custo enorme da pesquisa
científica, e desiludidos quando lemos a respeito de fraudes científicas, má
conduta ou incompetência.
Por mais que sejam complicadas, as confusões podem ser classificadas em
dois tipos amplos, as cientificistas e as anticientíficas. O cientificismo é um tipo
exagerado de deferência para com a ciência, uma disposição excessiva a aceitar
como confiável qualquer alegação feita pelas ciências, e a dispensar todo tipo de
crítica à ciência ou a seus praticantes como preconceito anticientífico. A
anticiência é um tipo exagerado de suspeita contra a ciência, uma disposição
excessiva a ver os interesses dos poderosos por trás de toda alegação científica, e
a aceitar todo tipo de crítica à ciência ou a seus praticantes como um
enfraquecimento de suas pretensões de nos contar como o mundo é. O problema,
é claro, é saber quando a deferência, ou a suspeita, é “excessiva”.
Desemaranhar as confusões é mais difícil por causa de uma incômoda
dualidade de uso. Às vezes, a palavra “ciência” é usada simplesmente como um
modo de se referir a certas disciplinas: física, química, biologia etc., geralmente
também antropologia e psicologia, às vezes também sociologia, economia etc.
Mas com frequência — talvez mais comum do que o contrário — “ciência” e
seus cognatos são usados de forma honorífica: os publicitários nos exortam a ter
roupas mais limpas com um novo e científico produto;[121] professores de
pensamento crítico nos exortam a raciocinar cientificamente, a usar o método
científico; júris estão mais dispostos a acreditar em um depoente quando ouvem
que o que ele tem a oferecer é evidência científica; a astrologia, radiestesia,
homeopatia ou quiropraxia ou acupuntura são descartadas como pseudociências;
céticas quanto a essa ou àquela alegação, as pessoas reclamam que ela não tem
uma explicação científica, ou exigem prova científica. E assim por diante.
“Científico” tornou-se um termo de elogio epistêmico para toda situação, com o
significado “forte, confiável, bom”. Não é de se admirar, então, que psicólogos e
sociólogos e economistas às vezes sejam tão zelosos ao insistir que têm direito
ao termo. Também não é de se admirar que praticantes de outras áreas —
“ciência administrativa”, “ciência biblioteconômica”, “ciência militar” e até
“ciência mortuária” — estejam ávidos por reivindicá-lo.
Diante dos sucessos impressionantes das ciências naturais, esse uso
honorífico é compreensível até certo ponto. Mas é profundamente infeliz.
Obscurece o fato que seria óbvio de que nem todos os praticantes de disciplinas
classificadas como ciências, e não só eles, são investigadores honestos,
minuciosos e bem-sucedidos; muitos cientistas são preguiçosos, incompetentes,
sem imaginação, azarados ou desonestos, enquanto muitos historiadores,
jornalistas, detetives etc. são bons investigadores. O uso nos tenta à preocupação
infrutífera com o problema de demarcar a ciência de verdade dos impostores.
Encoraja-nos a uma atitude demasiado acrítica e impensada para com as
disciplinas classificadas como ciências, o que, por sua vez, provoca inveja contra
elas, e estimula um tipo de cientificismo — a imitação imprópria, por praticantes
de outras disciplinas, dos maneirismos, terminologia técnica, matemática etc. das
ciências naturais. E provoca ressentimento contra as disciplinas assim
classificadas, o que encoraja atitudes anticientíficas. Às vezes pode-se ver a
inveja e o ressentimento trabalhando juntos: por exemplo, naqueles
autodenominados etnometodologistas que fazem “estudos laboratoriais” da
ciência, observando, como diriam eles, parte do complexo industrial no negócio
de produção de inscrições;[122] ou — mesmo que a contragosto, temos que
admitir o brilhantismo retórico dessa autodescrição — na “ciência da criação”.
[123]
E, mais para o propósito presente, esse uso honorífico fica como obstáculo
ao reconhecimento franco de que a ciência — isto é, ciência no sentido
descritivo — não é nem sagrada, nem um embuste.
A ciência não é sagrada: como todas as empreitadas humanas, é
profundamente falível, imperfeita, intermitente em suas conquistas, muitas vezes
atrapalhada, às vezes corrupta, e obviamente incompleta. Entretanto, também
não é um embuste: as ciências naturais, ao menos, certamente então entre as
mais bem-sucedidas empreitadas humanas. O cerne do que precisa ser
destrinchado diz respeito à natureza e às condições do conhecimento, evidência e
investigação científicas; é epistemológico. (Não esqueci a observação irônica do
Jonathan Rauch: “Se você quiser esvaziar a festa num coquetel, diga
‘epistemologia’”;[124] mas a palavra é bem indispensável para os meus propósitos
pois, diferente do termo “teoria do conhecimento”, tem as formas de adjetivo e
advérbio.) O que precisamos é um entendimento da investigação nas ciências
que é, no sentido comum e não-técnico da palavra, realista, que não superestime
nem subestime o que as ciências podem fazer.
O que temos, no entanto, é uma Babel confusa de explicações concorrentes
insatisfatórias da epistemologia da ciência. Como chegamos a este ponto?
Do Velho Deferencialismo ao Novo Cinismo
Era uma vez — a expressão é um aviso que o que vem aí é uma história caricata
— as credenciais epistemológicas da boa ciência empírica precisavam ser
defendidas contra alegações rivais da escritura sagrada ou da metafísica a priori.
Oportunamente, veio a se pensar que a ciência desfruta de uma autoridade
epistemológica peculiar por causa do seu método singularmente objetivo e
racional de investigação. Na sequência dos sucessos extraordinários da nova
lógica moderna, os esforços sucessivos de articular a “lógica da ciência” deram
origem a inúmeras versões concorrentes do que chamo de “Velho
Deferencialismo”:[125] a ciência faz progresso indutivamente, pelo acúmulo de
teorias verdadeiras ou provavelmente verdadeiras confirmadas por evidências
empíricas, por fatos observados; ou dedutivamente, pelo teste das teorias contra
enunciados básicos e, conforme as conjecturas falseadas são substituídas pelas
corroboradas, aumentando a verossimilhança de suas teorias; ou
instrumentalmente, pelo desenvolvimento de teorias que, embora não capazes
em si de oferecer verdade, são instrumentos eficientes de previsão; ou etc. etc.
Houve numerosos obstáculos: o ceticismo com origem em Hume a respeito da
indução; os paradoxos da confirmação; o “novo enigma da indução” apresentado
pelo “grue”[j] do Goodman; a tese da dependência teórica da observação do
Russell Hanson e outros; a tese do Quine da subdeterminação de teorias mesmo
por todas as evidências observacionais possíveis.[126] Mas presumiu-se que esses,
embora reconhecidamente difíceis, fossem superáveis ou evitáveis.
É tentador descrever esses problemas em termos kuhnianos, como
anomalias postas diante do paradigma do Velho Deferencialismo quando um
rival começava a despontar. O próprio Kuhn, como logo ficou aparente, não
tinha a intenção de minar radicalmente as pretensões da ciência de ser uma
empreitada racional. Mas a maioria dos leitores de A Estrutura das Revoluções
Científicas, perdendo de vista muitas sutilezas e muitas ambiguidades, só
ouviram: a ciência progride, ou “progride”, não pelo acúmulo de verdades bem-
confirmadas, nem pela eliminação de conjecturas que se mostram falsas, mas por
perturbações revolucionárias em um processo cataclísmico cuja história é
posteriormente escrita pelo lado que venceu; não há padrões neutros de
evidências, somente os padrões incomensuráveis de diferentes paradigmas; o
sucesso de uma revolução científica, assim como o sucesso de uma revolução
política, depende de propaganda e controle de recursos; a mudança de lealdade
de um cientista a um novo paradigma é menos como uma mudança racional de
ideia e mais como uma conversão religiosa — uma conversão após a qual as
coisas parecem tão diferentes para ele que poderíamos que dizer que ele vive
“em um mundo diferente”.
Ainda assim, um quarto de século atrás, quando Paul Feyerabend
proclamou que não existe método científico, que apelos à “racionalidade” e às
“evidências” não são mais que bullying retórico, que a ciência não é superior à
astrologia ou ao vodu, só mais bem entrincheirada, ele foi amplamente
considerado — e se descrevia como — o “bobo da corte” da filosofia da ciência.
Deferencialistas pós-kuhnianos, adicionando “incomensurabilidade” e “variância
de significado” à sua lista de obstáculos a serem superados, modificaram e
adaptaram as abordagens mais antigas; mas se mantiveram convencidos não
apenas da racionalidade da empreitada científica, mas também do poder de
métodos formais e lógicos para explicá-la.
Mas depois, sociólogos, feministas e multiculturalistas radicais, teóricos
literários radicais, retóricos e semiólogos, e filósofos de fora de círculos estritos
da filosofia da ciência começaram a voltar as suas atenções para a ciência. Os
proponentes dessa nova quase-ortodoxia, embora discordassem entre si sobre os
detalhes menores, eram unânimes ao insistir que o suposto ideal da investigação
honesta, do respeito pelas evidências, da preocupação com a verdade, é um tipo
de ilusão, uma cortina de fumaça disfarçando as operações do poder, da política
e da retórica. Na medida em que se preocupavam em alguma medida com os
problemas que preocupavam a tendência dominante da filosofia da ciência —
dependência teórica, subdeterminação, incomensurabilidade e o resto —
proclamavam-nos insuperáveis, e mais confirmação de que as pretensões
epistemológicas das ciências são indefensáveis. Apelos a “fatos” ou “evidências”
ou “racionalidade”, defenderam eles, nada mais são que um logro ideológico
para esconder a exclusão desse ou daquele grupo oprimido. A ciência é em
grande parte ou no todo uma questão de interesses, negociação social, ou
construção de mitos, a produção de inscrições ou narrativas; não apenas ela não
tem autoridade epistêmica especial e nenhum método singularmente racional,
mas é, na verdade, como todas as alegadas “investigações”, só política. Em
resumo, chegamos ao Novo Cinismo.[127]
Feyerabend, que parece em retrospecto o Velho Cínico paradigmático,
prometeu nos livrar da “tirania de... tais conceitos abstratos como ‘verdade’,
‘realidade’ ou ‘objetividade’”. Agora, os Novos Cínicos como o Harry Collins
nos garantem que “o mundo natural tem um papel pequeno ou inexistente na
construção do conhecimento científico”;[128] e o Kenneth Gergen que a validade
de proposições teóricas nas ciências “não é afetada de forma nenhuma por
evidências factuais”.[129] A Ruth Hubbard adverte que “a ciência feminista deve
insistir na natureza política do trabalho científico”;[130] e a Sandra Harding
pergunta por que não é “tão iluminador e honesto referir-se às leis de Newton
como o ‘manual de estupro de Newton’ quanto chamá-las de ‘mecânica de
Newton’”.[131] O etnometodologista da ciência Bruno Latour anuncia que “[t]odo
esse negócio sobre a racionalidade e a irracionalidade é o resultado de um ataque
feito por alguém às associações que ficam no caminho”;[132] e o retórico da
ciência Steve Fuller propõe “uma concepção ‘rasa’... que localiza o caráter de
autoridade da ciência não em um conjunto esotérico de capacidades ou um
entendimento especial da realidade, mas em apelos à sua forma de conhecimento
que outros sentem que devem fazer para legitimar as suas próprias atividades”.
[133]
O Richard Rorty informa a seus leitores que “[o] único sentido em que a
ciência é exemplar é que é um modelo de solidariedade humana”,[134] e o Stanley
Fish que “a distinção entre o beisebol e a ciência não é tão firme em definitivo”.
[135]
Ao reagir contra o cientificismo em direção ao qual o Velho Deferencialismo
às vezes chegava a uma proximidade desconfortável, e ao precipitar-se
violentamente para o extremo oposto, os Novos Cínicos adotam um tom
inegavelmente anticientífico.
Talvez não seja surpresa que muitos cientistas tenham passado a considerar
a filosofia da ciência no máximo irrelevante — “mais ou menos tão útil para
cientistas quanto a ornitologia para os pássaros”.[136] Com a exceção de alguns
popperianos entusiasmados, cientistas em atividade na maior parte parecem ter
ficado incônscios ou indiferentes às aspirações dos Velhos Deferencialistas de
lhes oferecerem conselho sobre como proceder. Mas em 1987 — provocados
pela observação do Alan Chalmers, no começo da sua introdução popular à
filosofia da ciência, que “começamos confusos e terminamos confusos um nível
acima”[137] — os físicos Theocharis e Psimopoulos publicaram uma crítica
apaixonada aos “traidores da verdade”: Popper, Kuhn, Lakatos e Feyerabend, “o
pior inimigo da ciência”. E conforme cresceu a influência do Novo Cinismo,
mais cientistas se prontificaram a defender a honra de seu empreendimento: Paul
Gross e Norman Levitt em Higher Superstition; Max Perutz denunciando a
retórica da ciência como “um logro disfarçado de disciplina acadêmica”;
Sheldon Glashow desconstruindo sua carta de convite para uma conferência
sobre O Fim da Ciência; Alan Sokal fazendo paródia da “crítica cultural” pós-
moderna da ciência; e Steven Weinberg respondendo aos “adversários culturais”
da ciência.[138] Às vezes fizeram um bom trabalho; mas, sem surpresa, não
aspiraram a fornecer uma explicação realista da epistemologia da ciência
necessária para uma defesa adequada contra as extravagâncias do Novo
Cinismo.
A tendência dominante na filosofia da ciência, enquanto isso, tornara-se
cada vez mais especializada e dispersa. Apesar de muitos filósofos da ciência
terem ignorado o Novo Cinismo, alguns o enfrentaram: John Fox criticando
autodeclarados “etnometodologistas da ciência”; Larry Laudan em batalhas
contra os proponentes do “programa forte” em sociologia da ciência; Mario
Bunge protestando contra a influência do romantismo e do subjetivismo; Noretta
Koertge se digladiando com os construtivistas sociais.[139] Às vezes fizeram um
bom trabalho, também. E, com uma disposição maior de acomodar os aspectos
sociais da ciência,[140] uma virada na direção de uma ou outra forma de
naturalismo, e, desde a defesa influente do Bas Van Fraassen do empirismo
construtivo, algo como um recuo das formas fortes de realismo científico, houve
esforços para reconhecer os elementos de verdade aos quais o Novo Cinismo faz
acenos, sem sucumbir às suas extravagâncias. Mas alguns filósofos da ciência da
tendência dominante — em especial, talvez, aqueles mais receosos de não
ofender as feministas — parecem ter ido longe demais na direção do Novo
Cinismo: como a ocasião em que Ronald Giere sugeriu que poderia haver algo
aproveitável no conceito nazista de “física judia”, como nas reclamações de
feministas sobre a masculinidade da ciência;[141] e muitos outros, ainda se
agarrando à dependência do Velho Deferencialismo de métodos formais e
lógicos como suficientes para articular a epistemologia da ciência, parecem não
ter ido longe o suficiente. Na minha opinião, de qualquer forma, o entendimento
realista que precisamos continua a nos escapar.[142]
Entretanto, conforme articulo minha explicação Sensista-Comum Crítica
— que creio ser capaz de corrigir o otimismo exagerado do Velho
Deferencialismo sem sucumbir ao desespero faccioso do Novo Cinismo — não
esquecerei da lição de cautela da história do estudante que teria observado em
sua prova de Introdução à Filosofia que, enquanto alguns filósofos acreditam que
Deus existe, e alguns filósofos acreditam que Deus não existe, “a verdade, como
quase sempre, fica em algum lugar no meio”. Embora haja elementos de verdade
tanto no Velho Deferencialismo quanto no Novo Cinismo, uma estratégia bruta
de partir ao meio não vai funcionar; pois a verdade, como Oscar Wilde disse tão
bem, “é raramente pura e nunca simples”.[143]
O Sensismo-Comum Crítico
O Sensismo-Comum Crítico reconhece, como o Velho Deferencialismo, que há
padrões objetivos de evidências melhores e piores e de investigação bem ou mal
conduzida; mas propõe um entendimento mais flexível e menos formal de quais
são esses padrões. O Sensismo-Comum Crítico reconhece, como o Novo
Cinismo, que a observação e a teoria são interdependentes, que o vocabulário
científico muda e se transforma no significado, e que a ciência é uma empreitada
profundamente social; mas vê esses aspectos não como obstáculos a um
entendimento de como as ciências atingiram os seus sucessos notáveis, mas
como parte de tal entendimento.
Os padrões centrais da boa evidência e da investigação bem conduzida não
são internos às ciências, mas comuns à investigação empírica de todo tipo. Ao
julgar onde a ciência teve sucesso e onde fracassou, em que áreas e ocasiões se
saiu melhor e em quais se saiu pior, estamos fazendo um apelo aos padrões pelos
quais julgamos a solidez de crenças empíricas, ou o rigor e a minúcia da
investigação empírica em geral. Muitas vezes, é verdade que somente um
especialista pode julgar o peso das evidências e a minúcia de precauções contra
erros experimentais etc.; pois tais julgamentos exigem um conhecimento amplo
e detalhado da teoria de fundo, e uma familiaridade com o vocabulário técnico
não disponíveis ao leigo. De qualquer forma, o respeito pelas evidências, o
cuidado ao pesá-las, e a persistência ao buscá-las, longe de ser desideratos
exclusivamente científicos, são padrões pelos quais julgamos todos os
investigadores, detetives, historiadores, jornalistas investigativos etc., além dos
cientistas. Em suma, as ciências não são epistemologicamente privilegiadas.
Elas são, no entanto, epistemologicamente destacadas; ao menos as
ciências naturais, por mais que sejam falíveis e imperfeitas, tiveram sucesso
extraordinário pelos padrões epistemológicos centrais de todas as investigações
sérias. Mas a distinção, diferente do privilégio, deve ser merecida; e as ciências
naturais merecem não a nossa deferência acrítica, mas o nosso respeito
equilibrado.
As evidências para alegações e teorias científicas — que consistem não só
nos “dados” ou “enunciados observacionais” do Velho Deferencialismo, mas em
evidências da experiência e razões trabalhando juntas — são como as evidências
empíricas em geral, mas ainda mais complexas e com mais ramificações.
Pensemos na controvérsia sobre o meteorito de quatro bilhões de anos
descoberto na Antártida, que possivelmente veio de Marte cerca de 11 mil anos
atrás, no qual encontraram o que poderiam ser dejetos de bactérias fossilizadas.
Alguns cientistas espaciais acreditam que são evidências de vida marciana do
passado; outros pensam que os rastros bacterianos podem ter sido absorvidos
enquanto o meteorito estava na Antártida; outros acreditam que o que parecem
dejetos fossilizados de bactérias poderiam ser meros artefatos da instrumentação.
Como sabem que o meteorito, ao liberar gases específicos quando aquecido,
indica com isso que veio de Marte? Que tem cerca de 4 bilhões de anos? Que
essa é a aparência de dejetos fossilizados de bactérias? Como itens em um jogo
de palavras cruzadas, as razões se ramificam em todas as direções.
A razoabilidade de um item das palavras cruzadas depende do quão bem
ele é apoiado por sua dica e por itens que fazem interseção com ele e já foram
respondidos; e da razoabilidade desses outros itens, independente do item em
questão; e de quanto do jogo já foi concluído. Similarmente, o que fazem as
evidências serem mais fortes ou mais fracas, uma alegação ser mais ou menos
garantida, depende de quais são as evidências em apoio; do quão seguras elas
são; independente da alegação em questão; e da quantidade de evidências
relevantes que inclui.
Enquanto os julgamentos da qualidade evidencial são de perspectiva,
dependentes de crenças de fundo sobre, por exemplo, quais evidências são
relevantes para o quê, a qualidade evidencial em si é objetiva; os determinantes
da qualidade evidencial não são subjetivos ou dependentes de contexto, como
supõem os Novos Cínicos. Também não são, no entanto, puramente lógicos,
como pensavam os Velhos Deferencialistas; eles são mundanos, dependentes da
interação dos cientistas com coisas e eventos particulares no mundo, e da relação
da linguagem científica a tipos e categorias de coisas. A observação interage
com as crenças de fundo, como as dicas interagem com itens de palavras
cruzadas já preenchidos: quais observações são consideradas relevantes, e o que
é notado quando se fazem observações, depende de pressupostos de fundo; e o
funcionamento de instrumentos de observação tais como o espectrômetro de
massa e o microscópio de transmissão de altíssima resolução, nos quais esses
cientistas espaciais se basearam, depende de outras teorias científicas.
A investigação científica é contínua com os aspectos mais ordinários da
investigação empírica cotidiana. Não há um modo de inferência, nem um
“método científico” exclusivo às ciências e com garantia de produzir resultados
verdadeiros, provavelmente verdadeiros, mais aproximadamente verdadeiros ou
mais empiricamente adequados. Como disse Percy Bridgman, “o método
científico, até onde é um método, nada mais é que fazer o melhor que se pode
com a sua mente, sem amarras”.[144] E, até onde é um método, ele é o que
historiadores ou detetives ou jornalistas investigativos ou o resto de nós fazemos
quando realmente queremos descobrir algo: fazemos uma conjectura informada
sobre a possível explicação de um fenômeno intrigante, checamos se para em pé
diante das melhores evidências que pudermos juntar, e depois usamos nosso
julgamento a respeito de aceitá-la, mais ou menos tentativamente, ou modificá-
la, refiná-la ou substituí-la.
Investigar é difícil e exige bastante, e muitas vezes cometemos erros. Às
vezes o problema é uma falta de vontade; não queremos saber tanto assim ao
ponto de nos dar ao trabalho de descobrir, ou não queremos mesmo saber, e
fazemos de tudo para não descobrir. E, mesmo com a melhor vontade do mundo,
muitas vezes falhamos. Nossos sentidos, nossas imaginações e nossos intelectos
são limitados; não podemos sempre ver, ou adivinhar, ou raciocinar, de forma
boa o suficiente. Os sucessos notáveis das ciências naturais não são devidos a
um método científico singularmente racional, mas a uma vasta gama de
“auxílios” à investigação desenvolvidos por gerações de cientistas para superar
as limitações naturais humanas. Os instrumentos de observação estendem o
alcance sensorial; os modelos e metáforas estendem os poderes da imaginação;
as inovações linguísticas e conceituais permitem um vocabulário que representa
melhor tipos reais de coisas e eventos; técnicas de modelagem matemática e
estatística permitem o raciocínio complexo; o engajamento cooperativo e
competitivo de muitas pessoas numa grande malha de subcomunidades intra e
intergeracionais permite a divisão do trabalho e o agrupamento das evidências, e
— apesar de ser de forma muito falível e imperfeita — ajudou a manter a
maioria dos cientistas, na maior parte do tempo, razoavelmente honestos.
Assim como eu e você completamos as palavras cruzadas mais rápido e
com mais precisão se o seu conhecimento de Shakespeare e ouvido afiado para
trocadilhos complementa o meu conhecimento de música popular e olho clínico
para anagramas, a investigação científica é avançada por talentos
complementares. E as interações entre cientistas, tanto dentro de gerações quanto
entre elas, são essenciais não apenas para a divisão do trabalho científico, mas
também para o compartilhamento das evidências científicas, para uma malha
delicada de confiança razoável na competência e honestidade dos outros. Além
disso, as alegações científicas são mais ou menos garantidas, e há uma grande
área cinza onde opiniões podem divergir razoavelmente a respeito de uma
alegação ser garantida o suficiente para ser posta em manuais, ou se deve ser
sujeitada a mais testes, avaliada com mais cuidado diante de uma alternativa, ou
o quê. Não pode haver mais regras para quando uma teoria deve ser aceita ou
rejeitada do que poderia haver regras para quando preencher um item nas
palavras cruzadas e quando apagá-lo com a borracha; “o” melhor procedimento
é que cientistas diferentes, alguns mais ousados, outros mais cautelosos,
procedam de formas diferentes.
As teorias científicas são (normalmente) verdadeiras ou falsas. Uma
alegação ou teoria científica é verdadeira só no caso de as coisas forem como ela
diz que são; por exemplo, se ela diz que o DNA é uma um alicerce de
macromolécula em dupla hélice com pares formados por bases desiguais, é
verdadeira só no caso de o DNA ser um alicerce de macromolécula em dupla
hélice com pares formados por bases desiguais. A verdade, assim como a
qualidade evidencial, é objetiva; isto é, uma alegação é verdadeira ou falsa,
como evidências são melhores ou piores, independente de alguém, ou toda
pessoa, acreditar que é. Mas não há garantia de que todo cientista seja
inteiramente objetivo, isto é, um buscador desinteressado da verdade,
completamente livre de vieses, imune a preconceitos e partidarismos; longe
disso. De qualquer forma, as ciências naturais conseguiram, de forma geral e
duradoura, superar os vieses individuais por meio de um compromisso
institucionalizado à transparência e escrutínio mútuos, e pela competição entre
partidários de abordagens rivais.
Um estereótipo popular vê “o cientista” como objetivo em todo sentido,
não meramente ao ser livre de viés ou preconceito, mas como não-emotivo, sem
imaginação, estólido, um pensador paradigmaticamente convergente. Talvez
alguns cientistas sejam assim; mas, demos graças, nem todos são. “Demos
graças” porque a imaginação é essencial à investigação científica de sucesso, e
uma obsessão apaixonada por este ou aquele problema, mesmo um compromisso
apaixonado com a verdade dessa ou daquela conjectura elegante, mas ainda sem
base, ou um desejo apaixonado de superar um rival, podem contribuir para o
progresso da ciência. Outro estereótipo, dessa vez mais filosófico que popular,
vê “o cientista” como essencialmente um pensador crítico que se recusa a aceitar
qualquer coisa por ser dita por autoridade. Um compromisso sistemático a testes,
checagens e transparência e escrutínio mútuos é uma das coisas que
contribuíram para o sucesso da investigação nas ciências naturais; mas este é e
deve ser combinado com a autoridade institucionalizada de resultados bem
garantidos. Não que itens de palavras cruzadas, uma vez preenchidos, nunca
possam ser revisados; mas só se alguns forem considerados garantidos que é
possível isolar uma variável por vez, ou enfrentar um novo problema com a
ajuda das soluções dos outros para velhos problemas.
Nem todas as teorias científicas estão bem apoiadas por boas evidências. A
maioria delas são descartadas quando as evidências se voltam contra elas; quase
todas, em algum ponto de sua carreira, são especulações com base tênue; e, sem
dúvidas, algumas são aceitas, até arraigadas, com base em evidências frágeis.
Não obstante, as ciências naturais desenvolveram teorias profundas, amplas e
explicativas que são bem ancoradas na experiência e que se engatam de forma
surpreendente umas às outras; e, assim como o preenchimento plausível de itens
longos e que cruzam muitas outras palavras aumenta em muito as chances de
completar mais do jogo, esses sucessos possibilitaram ainda mais sucessos. O
progresso nas ciências é irregular e intermitente, e cada passo, como cada item
das palavras cruzadas, é falível e reversível. Mas cada avanço genuíno tem o
potencial de permitir outros, como faz um item robusto das palavras cruzadas —
“nada triunfa como o triunfo” é a frase que vem à mente.

Anteriormente, enfatizei as interações complicadas entre indivíduos que


possibilitam a divisão do trabalho científico e o agrupamento das evidências
científicas. Mas, é claro, a ciência é uma empreitada social também em outro
sentido: é uma instituição social incorporada à sociedade ao redor, afetando e
sendo afetada por outras instituições sociais; sujeita a forças políticas e culturais,
influencia e é influenciada pelas crenças e valores da sociedade ao redor.
Anteriormente, enfatizei as formas em que o caráter social da investigação
natural-científica contribuiu para seu sucesso. Mas é claro que tanto a
organização social quanto o ambiente externo da ciência podem prejudicar, além
de permitir a investigação boa e frutífera.
Os desastres da ciência soviética e nazista nos lembram da gravidade com
que a investigação pode ser distorcida e prejudicada quando cientistas buscam
defender conclusões politicamente desejadas em vez de descobrir como as coisas
de fato são. Menos melodramáticos, mas ainda perturbadores entre os entraves
em potencial que vêm à mente são a necessidade de gastar grandes quantidades
de tempo e energia para obter verbas, e para impressionar quem quer que seja
que as concede, em tempo hábil, com o seu sucesso; a dependência de recursos
de organizações que têm interesse que os resultados sejam tais e quais, ou que o
acesso aos recursos seja negado aos rivais; a pressão para resolver problemas
considerados socialmente urgentes em vez de aqueles mais susceptíveis a
soluções com o estado da arte na área; um volume de publicações tão grande
que impede em vez de possibilitar a comunicação. Seria pouco honesto não
admitir que essa lista não encoraja a complacência a respeito da condição atual
da ciência. Antes, avanços científicos importantes podiam ser feitos com uma
vela e um pedaço de linha; mas parece que os cientistas fizeram a maior parte
desse tipo de avanço. Conforme a ciência progride, mais e mais equipamento
caro é necessário para obter mais e mais observações exóticas; e, quanto mais a
ciência depende de recursos de governos e de preocupações de grandes
indústrias, pior é o risco de alguns dos entraves listados. Enquanto as técnicas e
instrumentos científicos se tornam cada vez mais sofisticados, os mecanismos
necessários para sustentar a integridade intelectual são postos em tensão.

No que diz respeito às ciências sociais, não é fácil pensar em exemplos de


descobertas análogas a itens de palavras cruzadas preenchidos plausivelmente
que sejam longos e cheios de interseções com outros itens, nem ter certeza de
que um progresso real foi feito — não é de se admirar que algumas pessoas
neguem que as “ciências” sociais sejam ciências de verdade. O entusiasmo de
cientistas sociais pelas técnicas matemáticas e pela investigação cooperativa e
competitiva que ajudou as ciências naturais a aproveitar sucessos anteriores às
vezes estimulou um tipo de obscuridade afetada e matematizada, e pensamento
precocemente gregário (ou dogmaticamente faccioso). Mais para o presente
argumento, no que diz respeito às ciências sociais, alguns dos preconceitos aptos
a atrapalhar a investigação honesta são políticos e profissionais. No que diz
respeito às ciências físicas, dada a manifesta irrelevância do sexo, raça ou classe
para o conteúdo da teoria física, as reclamações dos Novos Cínicos sobre a
disseminação de sexismo, racismo, classismo etc. dentro delas parecem forçadas.
Mas onde interessa às ciências humanas e sociais, dada a manifesta relevância de
sexo, raça ou classe para o conteúdo de algumas teorias, preconcepções políticas
e profissionais podem vir juntas, e as alegações parecem só exageradas.
Talvez seja pelo fato de as ciências sociais serem especialmente
susceptíveis à influência de preconceito e viés políticos que os sociólogos da
ciência parecem especialmente susceptíveis a fazer um argumento pavoroso que
é ubíquo entre os Novos Cínicos — a “Falácia do Se-Passa-Por”:[145] o que se
passa por, ou seja, o que foi aceito por cientistas como sendo fato conhecido ou
evidência objetiva ou investigação honesta etc. às vezes revelou-se não ser nada
disso; portanto as noções de fato conhecido, evidência objetiva, investigação
honesta etc. são logro ideológico. A premissa é verdadeira; mas a conclusão
obviamente não a segue. De fato, esse argumento não apenas é falacioso, mas
também autodepreciativo: pois, se a conclusão fosse verdade, a premissa não
poderia ser um fato conhecido para o qual evidência objetiva tivesse sido
descoberta pela investigação honesta. Por mais pavoroso que seja esse
argumento, no entanto, ele teve um papel significativo ao encorajar a aliança
recente da sociologia radical da ciência com o Novo Cinismo.
Como resultado, muitos sociólogos da ciência trataram com frieza ou até
hostilidade não apenas a tendência dominante da filosofia da ciência, mas
também a própria ciência; e isso reforçou a relutância já presente entre alguns
filósofos da ciência dominantes, e entre os próprios cientistas, de levar a sério a
sociologia da ciência como uma aliada em potencial na tarefa de entender a
empreitada científica. Essa querela infeliz entre a epistemologia e a sociologia
obscureceu o potencial de contribuição de uma sociologia sensata da ciência ao
nosso entendimento de quais arranjos estimulam e quais desestimulam a
investigação boa, minuciosa e honesta, a comunicação eficaz de resultados, os
testes e críticas eficazes.

Já que tanto o cientificismo quanto as atitudes anticientíficas têm como raiz


maus entendimentos sobre o caráter e os limites da investigação científica e do
conhecimento científico, até aqui concentrei-me em questões epistemológicas.
Mas de forma alguma pretendo negar a legitimidade ou denegrir a importância
daquelas difíceis perguntas éticas, sociais e políticas sobre o papel da ciência na
sociedade: quem deve decidir, e como, que pesquisas um governo deve
financiar? Quem deve controlar, e como, o poder para o bem e para o mal
desencadeado pelas descobertas científicas?
Como está implícito, a questão sensível da ciência e valores é sensível, em
parte, por causa das suas muitas ambiguidades. A investigação científica é um
tipo de investigação; então os valores epistemológicos, entre eles em especial a
criatividade e o respeito pelas evidências, são necessariamente relevantes — o
que não equivale a dizer que a investigação científica sempre ou inevitavelmente
é exemplar de tais valores. Mas os valores morais e políticas também são
relevantes; é legítimo perguntar, por exemplo, se algumas formas de obter
evidências são moralmente inaceitáveis, ou se o acesso e aplicações de
resultados científicos potencialmente explosivos devem ser controlados, e, se
sim, como e por quem.
Alguns Novos Cínicos sugerem que o fato de que as descobertas
científicas podem ser aplicadas em maus usos é uma razão para duvidar das
credenciais dessas descobertas; e alguns insinuam que aqueles de nós que
acreditam que a ciência fez muitas descobertas verdadeiras, ou mesmo que existe
verdade objetiva, revelam-se moralmente deficientes de alguma forma. Mas não
é suficiente apontar a confusão óbvia, nem protestar contra a flagrante tentativa
de exibição de superioridade moral. É essencial, também, articular respostas
sóbrias a respeito do papel da ciência na sociedade: apontar, entre outras coisas,
que somente pela investigação honesta e minuciosa podemos descobrir que
meios de atingir mudanças sociais desejáveis seriam efetivos. E, como sempre, é
essencial evitar os exageros do partido cientificista tanto quanto as
extravagâncias da turma anticiência: apontar, entre outras coisas, que as decisões
sobre quais modos de lidar com o poder que o conhecimento científico do
mundo nos dá são sábios ou justos não são em si questões técnicas que possam
ser responsavelmente deixadas para cientistas responderem sozinhos.
O Caminho a Percorrer
O que ofereci até aqui foi, é claro, somente o mais rascunhado dos esboços
preliminares, desenhado nas linhas mais gerais. Questões se aglomeram com
densidade e rapidez: sobre o lugar das ciências dentro da investigação empírica
em geral, sobre as falhas em uma concepção estreitamente lógica da
racionalidade, sobre a natureza, estrutura e agregação das evidências científicas,
sobre a busca longa e fracassada pelo “método científico”, sobre as ideias da
verdade, objetividade e progresso; sobre as diferenças e as similaridades entre as
ciências naturais e as sociais; sobre as diferenças, e as similaridades, entre o
papel das metáforas e das inovações linguísticas na ciência e na literatura; sobre
a potencial relevância da sociologia e da retórica da ciência para a sua
epistemologia; sobre as tensões entre a ciência e a religião; sobre o papel da
ciência na sociedade — suas interações com o direito, por exemplo, ou suas
relações com a indústria; e sobre a possibilidade de a política poder, ou dever,
ser mantida fora da ciência.
O caminho a percorrer é longo, e íngreme em alguns lugares. Como
Ishmael, “tento todas as coisas; alcanço o que eu puder”.[146]
Capítulo 2: Sopa de Prego
Uma Breve e Opinativa História do Velho Deferencialismo
Não acho que se pode ter esperança de entender [a ciência]
ao menos que se aprecie que..., por mais formal que seu
simbolismo possa às vezes se tornar, ela não é um exercício
de lógica. Quando alguns filósofos falam sobre a lógica da
investigação científica... Posso apenas supor que estão
falando metaforicamente.
— Henry Harris, “Rationality in Science”[147]

Acreditando, corretamente, que a ciência é, em algum sentido, um projeto


racional, os Velhos Deferencialistas presumiram, incorretamente, que a nova
lógica formal seria suficiente para articular o seu cerne epistemológico;
acreditando, corretamente, que o Velho Deferencialismo tinha falhado, os Novos
Cínicos concluíram, incorretamente, que as pretensões epistemológicas das
ciências são indefensáveis. Claro que este diagnóstico excessivamente apressado
simplifica o que é na verdade um emaranhado complexo de problemas; mas
serve o seu propósito se direciona a nossa atenção para a assimilação do que é
racional ao estreitamente lógico tomada como certa pelos Deferencialistas, e não
desafiada pelos Cínicos.[148]
Essa assimilação foi estimulada pela ascensão da lógica moderna
matematizada, e pela consequente virada de uso à qual alude minha referência a
uma concepção “estreitamente lógica” da racionalidade. No século XX, uma
concepção mais antiga e mais ampla da lógica como a teoria do que é bom no
proceder do raciocínio foi substituída por uma concepção mais estreita da lógica
como a teoria formal da validade. De forma similar, devido ao sucesso de uma
marca em particular, a como “bombril” se tornou uma palavra genérica para
palha de aço[k] e “xerox” para fotocópia, a palavra “lógica” gradualmente perdeu
o seu escopo mais antigo e mais amplo e assumiu a conotação moderna e mais
estreita, criando as condições para uma confusão do razoável ou racional — o
lógico, no sentido amplo — com o formal e estreitamente lógico.[149]
Na verdade, o positivismo lógico era chamado de “lógico” numa
contradistinção a formas mais antigas de positivismo simples por causa de sua
confiança nos notáveis avanços feitos por Boole, Peirce, Frege, Russell etc. na
lógica dedutiva formal. Essas inovações formais, motivadas no começo em parte
pelo desejo de entender os fundamentos da matemática, pareciam o próprio
modelo do rigor; e compreensivelmente estimularam a esperança —
especialmente entre filósofos preocupados com a física, a mais matematizada
das ciências — de que a nova lógica, ou algo muito parecido com ela, seria
suficiente para responder a questões centrais sobre os fundamentos da ciência.
De acordo com as formulações iniciais do positivismo lógico, há apenas dois
tipos de enunciados com sentido: os analíticos, incluindo os enunciados da
lógica e da matemática, e os empiricamente verificáveis, incluindo os
enunciados da ciência empírica. Todo o resto é, cognitivamente falando, sem
sentido, no máximo uma expressão de emoção. Muito da filosofia tradicional —
metafísica, ética, estética — foi descartado, junto com a teologia, como
verborragia disparatada ou poesia ruim. Se a filosofia não tivesse de ser
abandonada completamente, ela tinha que ser reinventada; e então ela foi, na
forma de “lógica da ciência”. “Dedicar-se à filosofia”, disse Carnap, “só pode ser
fazer o esclarecimento dos conceitos e frases da ciência pela análise lógica. O
instrumento para isso é a nova lógica”.[150]
Desde o começo, no entanto, houve um problema a respeito do status dos
enunciados teóricos. A ideia original era que os termos teóricos são
simplesmente abreviações de um monte de termos observacionais, e que
enunciados teóricos são redutíveis a enunciados observacionais por meio de
regras de correspondência conectando os dois vocabulários. Mas logo essa ideia
incorreu em dificuldades, e foi necessário reconhecer que as teorias científicas
não são conclusivamente verificáveis. Algum relaxamento da posição
verificacionista original era necessário.
Três principais respostas a isso emergiram. O instrumentalismo reconstruiu
as generalizações irrestritas e os “enunciados” teóricos como fora do escopo do
critério da verificabilidade do sentido; não são realmente enunciados, mas regras
para a derivação dos enunciados observacionais. O indutivismo, nas várias
formas propostas por Reichenbach, Carnap e Hempel, enfraqueceu a exigência
original da verificabilidade ao permitir que enunciados se qualificassem como
empiricamente providos de sentido contanto que pudessem ser probabilizados ou
conformados pela evidência observacional.[151] A meta era uma lógica indutiva
análoga aos sistemas dedutivos mais familiares, mas que formalizasse uma
relação de confirmação ou de probabilização em vez de implicação lógica. O
dedutivismo do Popper, em contraste, substituiu a verificabilidade como um
critério do significado pela falseabilidade como um critério de cientificidade. De
acordo com Popper, teorias científicas não podem ser probabilizadas ou
confirmadas, nem podem ser verificadas; mas podem ser falseadas — e a lógica
da falsificação é a regra dedutiva do modus tollens, na qual de “se p então q” e
“não-q” se infere “não-p”.

Deixo o instrumentalismo de lado agora[152] para dar foco às respostas


indutivista e dedutivista. Para fazer uma cronologia, além de um diagnóstico, faz
sentido começar com o dedutivismo, a forma mais pura da abordagem
estreitamente lógica: apesar de não ter aparecido na tradução em inglês até 1959,
a edição original em alemão de Logik der Forschung do Popper, publicada em
1934, era conhecida por Carnap, Hempel etc.; e, apesar de o dedutivismo
enfrentar dificuldades especiais nele próprio, o indutivismo não é menos
vulnerável aos problemas subjacentes criados pela assimilação do racional ao
estreitamente lógico.
Um modelo estreitamente lógico da epistemologia da ciência sugere uma
imagem da evidência científica e da inferência que envolve cadeias de
enunciados em um vocabulário fixo e pré-determinado, ancorado em enunciados
observacionais cuja verdade pode ser tomada como garantida, e associado por
relações de implicação dedutiva, ou por relações análogas, mas mais fracas, de
apoio indutivo. O modelo é inadequado para reconhecer que a garantia dos assim
chamados “enunciados observacionais” depende em parte de crenças de fundo e
também da observação; não tem espaço para a inovação conceitual, para
mudanças de significado ou de vocabulário; não pode permitir que o apoio
evidencial possa depender não apenas da forma, mas do conteúdo, da relação dos
enunciados com o mundo; é severamente posto sob a tensão de questões a
respeito da abrangência das evidências; e faz com que o caráter social da ciência
pareça no mínimo incidental, e no máximo constrangedor.
Não é de se admirar, então, que, quando comecei a vislumbrar as falhas do
Novo Deferencialismo, não parava de me lembrar da boa e velha piada à qual
meu título faz alusão: Um vendedor aparece em uma vila trazendo consigo um
prego grande que, alega ele, faz uma sopa ótima só de mexer água quente com
ele. Os aldeões prontamente dão a água quente; mexendo a água quente, o
vendedor explica que a sopa de prego pura é boa, mas sopa de prego com cebola
é ainda melhor. Os aldeões prontamente dão as cebolas; mexendo mais, o
vendedor explica que a sopa de prego com cebola é muito boa, mas sopa de
prego com cebola e cenoura é ainda melhor. Os aldeões prontamente dão as
cenouras, ... e assim por diante. E também não é de se admirar que, quando notei
como as consequências céticas do dedutivismo do Popper são silenciosamente
omitidas para um falibilismo mais plausível, mas que não é mais puramente
dedutivista, e como elementos semânticos e pragmáticos são silenciosamente
introduzidos na descrição da confirmação de Hempel, que é supostamente pura
sintaxe, uma observação astuta do J. L. Austin ficava ecoando na minha cabeça:
que em todo pensador filosófico importante “há a parte em que ele o diz, e a
parte em que retira o que disse” — a parte em que os Velhos Deferencialistas
oferecem explicações estreitamente lógicas da epistemologia da ciência, e a parte
em que põem discretamente ingredientes de fora da lógica na sopa.
O Velho Deferencialismo, à Moda Dedutivista
A abordagem do Popper é chamada de “dedutivismo” porque defende que a
única lógica envolvida na ciência é dedutiva; de “falseacionismo” porque
defende que a marca distintiva de uma teoria científica é a falseabilidade, e que a
essência do método científico é a conjectura ousada e o teste severo; e de
“racionalismo crítico” porque defende que a racionalidade da ciência está na
susceptibilidade das teorias científicas à crítica. Também chama pelo rótulo de
“negativismo lógico”: “lógico” porque, apesar de suas discordâncias com os
antigos positivistas e seus herdeiros, Popper não está menos à mercê da
assimilação do que é objetivo ou que é lógico do que eles; “negativismo”
porque, ao substituir a verificação pela refutação, ele vira a imagem positivista
lógica de cabeça para baixo. Mas o dedutivismo linha dura revela-se não a
filosofia da ciência sedutoramente falibilista que o Popper nos leva a esperar,
mas a um ceticismo disfarçado;[l] e essa sopa aguada dedutivista pode ser
transformada no nutritivo minestrone descrito no cardápio só quando se
acrescentam ingredientes não-dedutivos e, em última análise, extralógicos.
Deixe-me começar pelo começo, com a parte em que Popper o diz. O
primeiro momento do falseacionismo, como o primeiro momento do
verificacionismo, é um critério de demarcação. Mas Popper preocupa-se em
demarcar não o que tem significado do disparate, mas a ciência de verdade, tal
como a teoria da relatividade de Einstein, das disciplinas não-científicas como a
matemática pura ou a história, da metafísica e dos mitos pré-científicos, e de tais
pseudociências como as teorias psicanalíticas de Freud e Adler e o “socialismo
científico” do Marx.[153]
Curiosamente, Popper reconheceu desde o começo que seu critério de
demarcação é uma “convenção”; e, em 1959, na nova introdução à edição
inglesa de A Lógica da Descoberta Científica, ele até afirma que o conhecimento
científico é contínuo com o conhecimento do senso comum.[154] Entretanto, o
critério de demarcação — para se classificar como científica, uma teoria deve ser
não verificável, mas falseável, isto é, potencialmente capaz de ser mostrada falsa
se for falsa — é central à filosofia da ciência dele. Popper às vezes diz coisas
como “deve ser possível para um sistema empírico científico ser refutado pela
experiência”;[155] mas a formulação oficial da falseabilidade é lógica, redigida em
termos de relações entre enunciados: uma teoria empírica científica é uma
generalização universal incompatível com algum enunciado básico, isto é, um
enunciado singular que relata a ocorrência de um evento observável a um lugar e
tempo especificados.[156]
De acordo com Popper, sabemos desde Hume que a indução é
injustificável; não pode haver lógica indutiva. Há apenas a dedução de
enunciados básicos a partir de uma conjectura, e, quando um enunciado básico
potencialmente falseador é aceito como verdadeiro, dedução da negação da
conjectura. A racionalidade da ciência está não em um método para a
acumulação de teorias verificadas ou bem confirmadas ou prováveis, mas na
eliminação do erro enquanto conjecturas ousadas e improváveis são submetidas a
testes severos. Daí o suplemento metodológico do Popper para o seu critério
formal: as teorias científicas não deveriam ser protegidas de refutação por
modificações ad hoc ou “convencionalistas”.[157]
A tradução do título do Logik der Forschung do Popper, A Lógica da
Descoberta Científica, é notoriamente enganosa, já que, de acordo com Popper,
não há lógica da descoberta científica; pois questões a respeito de como se chega
às teorias são psicológicas ou sociológicas, isto é, causais, não lógicas.[158] No
entanto, também não seria correto dizer que o foco do Popper está na lógica da
justificação científica; pois ele insiste que as teorias científicas nunca são
justificadas. No máximo, uma teoria é “corroborada”, isto é, testada, mas ainda
não falseada. O grau de corroboração depende do número e da severidade dos
testes em que passou; é relativo a um tempo específico e, diz-nos Popper,
depende em parte da sinceridade dos esforços de falsear a teoria. E o fato de uma
teoria ser corroborada, não importa a que grau, não mostra que é racional
acreditar nela, ou que é verdadeira, nem mesmo que é provável; na verdade, a
testabilidade de uma hipótese é inversamente correlacionada ao seu grau de
probabilidade lógica. A corroboração também não é uma medida de
verossimilhança ou de aproximação à verdade, mas somente um indicador de
como a verossimilhança de uma teoria aparece, relativamente a outras teorias, a
certo tempo.
Isso tudo é preocupante o suficiente; mas há um problema ainda mais
sério: não está claro que a descrição do Popper realmente permita que qualquer
conjectura científica seja mostrada falsa. Uma conjectura é “falseada”, diz ele,
quando um enunciado básico incompatível com ela é aceito. Mas ele defende
que a aceitação de enunciados básicos é uma questão de convenção, uma decisão
por parte da comunidade científica.[159] Pois relações lógicas só podem se dar
entre enunciados, não entre enunciados e eventos; e, dessa forma, enunciados
básicos nunca podem ser justificados pelas observações de um cientista — não
mais do que por ele batendo o punho na mesa. Lembrando com um sorriso
irônico que Popper reclamou que o velho positivista Otto Neurath “joga fora o
empirismo inadvertidamente”, eu noto as aspas cuidadosamente aplicadas com
as quais ele disfarça o fato de que ele fez precisamente a mesma coisa: “os
enunciados observacionais devem ser testáveis, intersubjetivamente, pela
‘observação’”.[160] Popper sugere que seu convencionalismo é inofensivo porque
está no nível dos enunciados básicos; tais enunciados são testáveis, ele aponta, e
a decisão certa é parar naqueles que são “especialmente fáceis de se testar”.[161]
Mas como?, pergunta-se, e por que devemos parar aí? (Até um popperiano tão
leal quanto John Watkins sente-se obrigado a perguntar: então por que os
cientistas não fazem um último esforço para de fato testar esses enunciados
básicos? Por que decidir aceitar o enunciado “há um hipopótamo na garagem”
quando poderíamos simplesmente ir até lá e olhar?)[162]
Como observa David Stove, apesar de continuar usando as palavras
“conhecimento”, “descoberta” etc., Popper as despiu de sua conotação de
sucesso;[163] pois as “descobertas” às quais o “conhecimento científico objetivo”
dele faz referência são apenas conjecturas que os cientistas ainda não
conseguiram falsear. E, como aponta Alan Olding em uma resenha do livro do
Stove, Popper também despiu palavras de fracasso como “falsear” de sua
conotação essencial também; pois uma teoria que é “falseada”, no sentido dele,
pode não ser falsa.[164] Isso é um ceticismo enrustido.
Mas, depois, há as partes em que Popper retira o que disse; tais como
“Filosofia da Ciência: Um Relato Pessoal”, publicado em 1957, onde Popper
descreve várias vezes hipóteses que foram testadas, mas ainda não falseadas
como (não “corroboradas”, mas) “confirmadas”. Porém, em uma nota de rodapé
adicionada em 1959 à edição em inglês do Lógica da Descoberta Científica,
Popper relata que, muito antes, Carnap havia traduzido mal a sua palavra
“Bewährung” para “confirmada”, e que, por um tempo, pensando que a questão
era meramente verbal, ele não apenas tinha deixado essa tradução infeliz passar,
mas até que ocasionalmente ele próprio usava “confirmada”; mas, continua ele,
isso tinha sido um grande erro da sua parte, já que transmitia a falsa impressão
que, se uma teoria tivesse sido corroborada, significa que é provavelmente
verdadeira, ou que é racional acreditar nela.[165]
Em outros lugares, Popper concede que a corroboração de uma teoria
significa que é racional preferi-la, num sentido pragmático, como base para a
ação; mas ele acrescenta que isso não significa que a preferência é “racional” no
sentido de ser baseada em boas razões para pensar que a teoria será bem-
sucedida no futuro — não pode haver “boas razões” neste sentido.[166] Então
parece que toda essa “concessão” equivale a dizer que, ao decidir como agir, é
melhor que escolhamos teorias que até ali não sabemos se são falsas.
O medo de que o reconhecimento de um papel epistemológico para as
observações dos cientistas deve levar a um subjetivismo indesejável é
encontrado não apenas nas primeiras obras do Popper, mas também em sua
defesa mais tardia da “epistemologia sem um sujeito cognoscente”. Mas há
também passagens, mais antigas e mais tardias, onde Popper parece retirar o que
disse ao negar a relevância da observação para a justificação dos enunciados
básicos. Já no Lógica da Descoberta Científica encontra-se uma bela analogia
que retrata a ciência como repousando não sobre o chão firme de enunciados
observacionais infalíveis, mas sobre pilares atolados num pântano,[167] e um
argumento no sentido de que até o enunciado básico mais simples, como “Eis
aqui um copo d’água”, está impregnado de teoria; o que sugere não um
convencionalismo, mas uma concepção falibilista de enunciados básicos como
parcialmente justificados pelas observações dos cientistas. E, bem depois disso,
em resposta a críticas de Anthony Quinton e A. J. Ayer, aparentemente evitando
a negação anterior dele da relevância da experiência para a justificação, é essa
posição falibilista muito mais plausível que Popper defende.[168] Ele não explica,
no entanto, como ela poderia ser acomodada dentro de uma abordagem que
dispensa a ideia de evidências que dão apoio sem ser conclusivas, e que, como é
uma abordagem puramente lógica, só pode acomodar relações entre enunciados.
Os admiradores do Popper — não só filósofos, mas também cientistas
distintos, e até alguns juízes da Suprema Corte dos EUA — às vezes juntam as
partes em que ele diz às partes em que ele retira o que disse, saindo com a
impressão de que ele forneceu um critério cristalino de demarcação e uma
descrição firme do método científico que, ao reconhecer a restrição da
experiência, considera que teorias que sobreviveram a testes estão deste modo
confirmadas. Uma vez ouvi o Sir Hermann Bondi, declarando-se um popperiano
convicto, dizer que a cosmologia se tornou uma ciência em 1826, quando
Wilhelm Olbers fez a primeira conjectura cosmológica falseável; uma conjectura
que, continuou Bondi, foi em seguida redondamente falseada, e substituída por
uma nova conjectura que é agora bem confirmada pelas evidências
observacionais.[169] Essa má leitura do Popper é bem parecida com a da Suprema
Corte em Daubert, onde o critério da falseabilidade para a demarcação é
proposto como um indicativo do que é um depoimento genuinamente científico,
logo, confiável.[170]
Mas as partes em que Popper o diz na verdade não podem ser
reconciliadas com as partes em que ele retira o que disse — não mais do que a
maravilhosa analogia dele comparando o conhecimento científico a uma catedral
medieval construída ao longo dos séculos por gerações de trabalhadores poderia
ser conciliável à sua explicação oficial que faz a ciência mais parecida com um
projeto de construção sem fim em que uma estrutura é demolida e substituída
por outra que no devido tempo é demolida e substituída, ... e assim por diante.
O Velho Deferencialismo, à Moda Indutivista
Até o ponto em que os problemas da abordagem de Popper emergem de seu
dedutivismo, uma abordagem indutivista poderiam resolvê-los; até o ponto em
que resultam de seu compromisso com o modelo estreitamente lógico, no
entanto, é improvável que uma abordagem em termos de uma lógica formal da
confirmação se sairia muito melhor. Como veremos, não se sai.
Carl Hempel é tão comprometido quanto Popper com a ideia de que a
lógica é a chave para entender a racionalidade da empreitada científica; na
verdade, um verbete no Philosopher’s Lexicon define “mentalidade Hempel” —
de forma indelicada, sim, mas também astuta — como uma tendência a presumir
que todos os problemas filosóficos podem ser representados na linguagem da
lógica de primeira ordem. E, diferente de Reichenbach ou Carnap, Hempel não
tenta explicar a confirmação apelando para o cálculo de probabilidades. Na
verdade, por causa de sua concepção do método “hipotético-dedutivo” da
ciência, e de sua descrição das teorias científicas como estruturas dedutivas, ele
foi às vezes classificado como um dedutivista.[171] Mas Popper o identifica
especificamente como um daqueles indutivistas de quem ele discorda;[172] e isso
parece apropriado diante do fato de que Hempel não apenas critica o critério
falseacionista de demarcação de Popper, mas também dedica vários artigos a
articular a “lógica da confirmação”.
Quando Hempel anuncia que tal lógica é “um dos mais urgentes
desideratos da atual metodologia da ciência empírica”, e até que ela explicará “o
que determina a solidez de uma hipótese... o modo como sobrevive ao ser
testada, isto é, quando confrontada por observações relevantes”,[173] soa como se
ele esperasse que a lógica fosse resolver as questões principais da epistemologia
da ciência. Entretanto, ele reconhece que a lógica da confirmação nada nos dirá
sobre como se chega a novas teorias ou conceitos — esta é uma questão
psicológica; nem nos dirá quando devemos aceitar uma hipótese ou quando
devemos rejeitá-la — que podem não ser formalizáveis. Até aqui, talvez, tudo
está bem. Mas logo Hempel retirou até a alegação relativamente modesta de que
a lógica da confirmação explicará quando uma hipótese é sólida; logo depois ele
retrai até a alegação mínima de que uma teoria puramente sintática explicará sob
quais condições uma evidência apoia uma hipótese; e muito rápido ele introduz
os primeiros ingredientes não lógicos à sua sopa supostamente sintática.
Hempel faz uma distinção entre um sentido relativo e um absoluto de
“confirmar”: no sentido relativo, a confirmação é a relação entre uma hipótese e
os enunciados evidenciais que a apoiam; no sentido absoluto, a confirmação é a
propriedade que uma hipótese tem quando é apoiada por evidência que é em si
sólida. A “lógica da confirmação” do Hempel é uma lógica só da confirmação
relativa. Para uma explicação da confirmação absoluta, exigiríamos,
adicionalmente, uma descrição do que faz os enunciados observacionais serem
confiáveis.[174]
Hempel presume que as hipóteses científicas e enunciados observacionais
podem ser expressos em uma “linguagem da ciência” especificável, incluindo
“um vocabulário observacional claramente delimitado de termos que designam
atributos mais ou menos [sic] observáveis de coisas e eventos”. Um enunciado
observacional é aquele que ou afirma ou nega que um dado objeto tem uma
propriedade observável. Quais propriedades são observáveis, no entanto, é algo
relativo aos instrumentos de observação usados; e, continua Hempel, “a
convenção” [sic] deve ser que os enunciados observacionais são “não
irrevogáveis”.[175] Diferente de Popper, Hempel não nega que a observação é
relevante para a solidez das teorias científicas; em vez disso, relegando o
problema da observação confiável para a pragmática, ele restringe de forma
severa o escopo de sua descrição puramente lógica.
Além disso, no curso da discussão que Hempel faz do “paradoxo do
corvo”, logo transparece que mais ingredientes além da lógica são necessários
até para descrição dele da confirmação relativa. Hempel primeiro defende que o
critério de Nicod — que qualquer exemplo de uma generalização universal a
confirma —, embora não seja uma condição necessária da confirmação, é
suficiente. Mas, junto à Condição da Equivalência — que algo que confirma
uma hipótese confirma qualquer hipótese logicamente equivalente a ela —, a
condição suficiente de confirmação de Nicod causa um aparente paradoxo. Pelo
critério de Nicod, “x é não-preto e x é um não-corvo” confirma “todas as coisas
não-pretas são não-corvos”; então, pela Condição de Equivalência, também
confirma o logicamente equivalente “todos os corvos são pretos”. Mas isso
implica que uma observação de um sapato branco ou de um arenque vermelho
confirma “todos os corvos são pretos”; o que é contraintuitivo, para dizer o
mínimo. Hempel insiste, no entanto, que não é esse resultado, mas a intuição que
ele ofende, que está em erro. Achamos que o resultado é paradoxal só porque,
em vez de nos focar estritamente na relação da hipótese H com a evidência E,
introduzimos sorrateiramente informações de fundo sobre o número de coisas
não-pretas em contraste ao número de corvos ao redor; e desse modo “falhamos
em observar a ficção metodológica... de que não temos evidência adicional para
H além daquela incluída em E”.[176]
E revela-se que a descrição de Hempel da confirmação relativa também
exige conceitos semânticos. Hempel primeiro define o desenvolvimento da
hipótese H para uma classe finita de indivíduos, C: um enunciado que diz o que
H diria se existissem apenas aqueles objetos que são elementos de C. Depois ele
define a confirmação direta: um relato observacional O diretamente confirma H
se O acarreta o desenvolvimento de H para a classe de objetos mencionados em
O. E, por fim, ele define a confirmação simplesmente: O confirma H se H é
acarretada por uma classe de frases, cada uma das quais é diretamente
confirmada por O.[177] Apesar de ter sido apresentado em um artigo de título
“Uma Definição Puramente Sintática da Confirmação”, Hempel mais tarde
descreve isso (usando “satisfazer” no sentido técnico da concepção semântica da
verdade de Tarski)[178] como o “critério da satisfação”, porque a ideia básica é
que uma hipótese é confirmada por um relato observacional se for satisfeita na
classe finita daqueles indivíduos mencionados no relato.
De qualquer forma, à época de seu “Posfácio sobre a Confirmação”
(1964), Hempel estava preparado para fazer a concessão a seus críticos que a sua
definição era estreita demais,[179] e que pode ter sido imprudente começar, como
ele fez, com uma concepção categórica da confirmação (relativa), em vez de
definir primeiro os graus de confirmação. Mas a concessão mais significativa
veio com a reação dele a “um aspecto bem diferente do problema”:[180] o
paradoxo “verdul” do Nelson Goodman.[181] x é verdul só no caso de ser
examinado antes do tempo t, e é verde, ou de não ser examinado antes de t, e é
azul. Adaptando o exemplo de Goodman ao seu próprio “paradigma
ornitológico”, Hempel percebe que seu critério implica que um corvo observado
antes de t e revelado preto confirma que “todos os corvos são prancos”, o que
implica que todos os corvos não examinados antes de t são brancos — o que é
bastante contraintuitivo. Ao contrário do paradoxo dos corvos, admite Hempel, o
paradoxo verdul é real. Seguindo a sugestão do Goodman que um predicado é
projetável só no caso de ser arraigado, isto é, de ter sido usado em
generalizações previamente projetadas, ele concede que um critério puramente
sintático da confirmação pressupõe hipóteses formuladas em termos projetáveis,
e que tais termos “não podem ser isolados por meios sintáticos apenas”.[182] Mas
esta é só uma forma ambígua de dizer que a confirmação não é uma noção
puramente lógica; o que é, consequentemente, retirar tudo o que disse.
Mais de um quarto de século depois, Hempel estava preparado para
conceder que “algumas ideias avançadas por Kuhn parecem... importantes e
iluminadoras”. Agora, negando que a meta da ciência é descobrir verdades sobre
o mundo, ele alega que “considerações legais” mostram que o fato de que as
teorias científicas estarem em conformidade com evidências empíricas “não tem
relação nenhuma com a questão sobre a sua verdade”.[183] Em vez de seguir o
insight do qual o paradoxo “verdul” lhe aproximou tão tentadoramente — que há
um elemento extralógico na sustentação dada pelas evidências, que não só a
forma, mas também o conteúdo da linguagem científica é importante — nesse
tempo Hempel ao que parece abandona seu conhecimento anterior de que os
enunciados observacionais são falíveis, e esquece sua distinção anterior entre a
confirmação relativa e a absoluta, os ingredientes mais nutritivos que ele tinha
antes posto na sopa.

Informado, presume-se, pela nossa disposição a falar que essa ou aquela


alegação científica é “provável” ou “plausível”, outro estilo de indutivismo
buscou no cálculo matemático das probabilidades uma base para a “lógica da
ciência”. A versão mais prematura foi devida a Hans Reichenbach, que propôs
uma revisão probabilística do critério da verificação, de acordo com a qual um
enunciado faz sentido somente se for possível determinar o seu grau de
probabilidade. “Provável”, defendia Reichenbach, tem somente uma
interpretação, a frequentista: a probabilidade de um evento é o limite da
frequência relativa desse tipo de evento numa dada sequência infinita. De acordo
com a regra direta da indução, quando a frequência relativa de uma propriedade
na amostra disponível para nós é n, na ausência de conhecimento especial do
limite dessa sequência devemos postular que a frequência relativa aproximar-se-
á de um limite de aproximadamente n enquanto a sequência continua. E de
acordo com a justificação pragmática da indução de Reichenbach — apesar de
não sabermos, nem podermos saber, se sequências na natureza têm realmente
limites —, se tiverem, então, se continuarmos a seguir a regra direta,
descobriremos essa ordem.[184]
Como Reichenbach, Rudolf Carnap pensa que o princípio da verificação
deve ser relaxado. Como Reichenbach, Carnap assume uma abordagem
probabilística para a lógica indutiva. Porém, diferente de Reichenbach,[185]
Carnap traça uma distinção entre dois tipos de probabilidade (um passo à frente
essencial, apesar de ser só o primeiro passo na direção de distinguir os muitos
usos de “provável”).[186] O conceito da frequência, argumenta Carnap, a
probabilidade1, aplica-se a classes de eventos e é inerentemente impróprio como
uma explicação da relação das evidências às hipóteses científicas; para este
propósito precisamos de um conceito lógico, a probabilidade2, que representa
uma relação entre enunciados análoga a uma implicação lógica, mas mais fraca
que ela.[187]
Como Hempel, Carnap reconhece que a lógica da confirmação não é uma
refeição completa, só uma entrada; a lógica indutiva não pode constituir uma
epistemologia completa da ciência mais que a lógica dedutiva pode constituir
uma epistemologia completa da matemática. Ele se preocupa somente com “o
aspecto lógico da confirmação”, como uma medida de apoio evidencial;[188] a
aplicação dessa medida também exigirá uma “metodologia” — incluindo uma
Exigência de Evidências Totais, com o efeito de que julgamentos do grau de
confirmação de uma hipótese devem ser baseados em todas as evidências
disponíveis.[189] A concepção de lógica do Carnap, no entanto, é mais ampla que
a do Hempel; baseando-se não exclusivamente na forma, mas em relações de
significado analítico entre predicados, o que faz dela abertamente semântica.[190]
A evidência E implica dedutivamente a hipótese H só no caso de todos os
estados possíveis de coisas em que E é obtida são estados de coisas em que H é
obtida. Analogamente, o grau ao qual E apoia indutivamente H depende da
medida à qual os estados possíveis de coisas em que ambas E e H são obtidas se
sobrepõem aos estados de coisas nos quais E é obtida.[191] Trabalhando em uma
linguagem fixa com uma ou mais famílias de predicados mutuamente
incompatíveis tais como “verde”, “azul”, “preto”, “branco” etc., Carnap define
uma função de medida (representando o tamanho dos conjuntos relevantes de
estados possíveis de coisas), e então caracteriza o grau ao qual E confirma H, a
probabilidade2 de H dado E, como a razão da medida da conjunção de H e E à
medida de E. Sob certos pressupostos sobre as características lógicas das funções
de medida e de confirmação, mostra Carnap, a probabilidade2 satisfaz teoremas
padrões do cálculo de probabilidades.
Na verdade, assim como Hempel, Carnap logo admite que sua lógica
indutiva não é uma descrição completa nem mesmo do apoio evidencial. Já que
se aplica somente a linguagens com uma estrutura artificialmente simples, não
pode aspirar a fornecer uma medida, por exemplo, do grau de confirmação da
teoria de Einstein pelas evidências observacionais disponíveis quando ela foi
formulada, ou pelas evidências observacionais disponíveis em 1919; tais
evidências são “imensamente amplas”, e a teoria de Einstein não é formulada de
acordo com “os padrões rigorosos da lógica moderna” — o defeito,
aparentemente, está na formulação de Einstein, não na lógica moderna! Carnap
nos assegura, ainda, que a lógica indutiva pode ir além do grau de confirmação
da hipótese de que todos os cisnes são brancos pela evidência de que x é um
cisne e é branco para “evidências mais complexas” — tais como que y é um
cisne e é ou pequeno ou branco (ai ai).[192]
Além disso, apesar de sua austeridade, alguns ingredientes da sopa do
Carnap são difíceis de engolir. Cada um dos exemplos positivos aumenta
igualmente o grau de confirmação de uma hipótese geral restrita — quando mais
um corvo preto de uma zona temperada, certamente, não deve aumentar o grau
de confirmação de “todos os corvos são pretos” tanto quanto um espécime preto
do Ártico ou da Antártida. (Carnap admite que a variação dos exemplos deve ser
acomodada de alguma forma.) Conforme cresce o tamanho do domínio, o
incremento de confirmação dado por cada exemplo positivo é menor; assim,
como determinado por c*, a função de confirmação que Carnap favorece, o grau
de confirmação de uma hipótese irrestritamente universal por qualquer
quantidade de evidência é zero, já que, com generalizações irrestritas, sempre
haverá um número indefinidamente grande de exemplos ainda não observados.
(Carnap sugere que previsões racionalmente baseadas em evidências passadas
não precisam se basear em generalizações irrestritas.) Esforços de consertar os
defeitos da abordagem do Carnap,[193] ainda baseados no pressuposto de que o
grau de confirmação é analiticamente fundamentado em relações de significado
dentro de uma linguagem fixa e pré-determinada, tiveram no máximo um
sucesso limitado.
Apesar de Carnap nunca ter retirado tudo o que disse, como Hempel
parece ter feito, ele escreve com tamanha astúcia e senso afiado sobre os riscos
de produzir “uma teoria que é maravilhosa de se observar em sua exatidão,
simetria e elegância formal, mas lamentavelmente inadequada para a tarefa...
para a qual foi destinada”; isso, continua ele, “é um aviso direcionado a [mim
mesmo] pelo [meu] superego crítico”.[194]
A Revolução Kuhniana
Thomas Kuhn apresenta um paradigma do temperamento intelectual
“naturalista” que Carnap contrasta a seu próprio — e considera que corre o risco
oposto: uma teoria “rica em detalhes, mas fraca em poder explicativo”.[195] Então
é compreensível por que os leitores de A Estrutura das Revoluções Científicas,
acostumados à dieta estreitamente lógica e severamente restrita recomendada
pelo Velho Deferencialismo, estivessem susceptíveis a se empanturrarem
indiscriminadamente, ou, por outro lado, a rejeitar o menu de Kuhn como se
fosse irremediavelmente indigesto. Kuhn oferece um alívio em boa hora para a
simplificação que toma “todos os cisnes são brancos” como o padrão de uma
afirmação científica, presume uma linguagem científica fixa, e põe no centro a
distinção de descoberta versus justificação. Mas ele parece mais do que um
pouco desanimador em questões de evidência e método; dessa forma, apesar de
rica em ingredientes históricos, a sua sopa deixou os clientes mais judiciosos
famintos por mais carne epistemológica.
Permita-me começar com a parte em que Kuhn o diz — com a imagem
radical que levou muitos de seus admiradores, e quase todos os seus críticos, a
vê-lo como o pai do Novo Cinismo. Não há uma confrontação de teoria e
observação como filósofos ingênuos da ciência tomam por garantida. Em
períodos de ciência normal, o paradigma reinante (um conglomerado de teoria,
experimentos exemplares, instrumentação etc.) é empregado na resolução de
inúmeras dificuldades que todo paradigma sempre enfrenta, e qualquer fracasso
é atribuído ao praticante. Mas se anomalias persistentemente inexplicáveis
causarem uma crise, e se um paradigma rival está disponível, pode acontecer
uma revolução, pequena ou grande, na qual um paradigma é suplantado por
outro, um novo e incomensurável modo de ver e conceituar o mundo. Não há
padrões de evidência independentes de paradigmas, nem observações neutras,
nem experimentos cruciais, nem constância de significado entre paradigmas; em
vez disso, em algo como uma mudança de Gestalt, os convertidos ao novo
paradigma passam a ver o mundo de forma diferente, literal e metaforicamente.
Proponentes de paradigmas rivais não exatamente discordam, mas falam línguas
diferentes, em incompreensão mútua. A mudança de fidelidade de um cientista a
um novo paradigma é parece mais uma conversão religiosa do que uma mudança
de ideia racionalmente defensável — uma conversão tão drástica que ele não
apenas vê o mundo diferente, mas pode-se até dizer que passa a “responder a um
mundo diferente”.[196]
Quanto ao progresso da ciência, não é mítico, exatamente, mas não é o que
parece. Em períodos de ciência normal, claro, há progresso — mas está nos
olhos de quem vê; de que outra forma poderiam os cientistas normais ver o
próprio trabalho? E os episódios revolucionários serão vistos como progresso
também, pois será a história contada pelo lado vencedor que chegará aos
manuais. Então, de qualquer forma, a história da ciência será vista como
progressiva; mas “ajuda mesmo imaginar”, pergunta Kuhn, “que há alguma
descrição completa, objetiva, verdadeira da natureza e que a medida apropriada
da realização científica é o ponto ao qual ela nos aproxima dessa meta final?”[197]
— é evidente que é uma pergunta que espera pela resposta “não”. No capítulo
final de A Estrutura das Revoluções Científicas, notando que até ali sentiu
necessidade de usar a palavra “verdade” só uma vez,[198] Kuhn sugere que a
história da ciência é mais bem imaginada como uma evolução-a-partir-de do que
como progresso-em-direção-a.
Mas, depois, há as partes em que ele retira o que disse. O paradigma
elétrico devido a Franklin aumentou enormemente a “efetividade e eficiência” da
pesquisa, “fornecendo evidências para uma versão societária [sic] da máxima
metodológica apurada do Francis Bacon; ‘A verdade emerge mais prontamente
do erro do que da confusão’”. Ao menos alguma parte das realizações de
resolução de problemas da ciência normal “sempre se mostra permanente”. Há
certas regras e compromissos “sem os quais homem nenhum é um cientista”: ele
deve “se preocupar em entender o mundo e estender a precisão e escopo” com
que a ciência o organiza, deve “fazer escrutínio de... algum aspecto da natureza
em grande detalhe empírico”, e “se esse escrutínio revela bolsões de aparente
desordem, esses devem desafiá-lo a um novo refinamento de suas técnicas
observacionais ou a uma articulação mais aprofundada de suas teorias”.[199]
Além disso, as expressões de aparência radical que assustaram os críticos
de Kuhn são quase sempre resguardadas, sugerindo uma visão menos radical.
Enquanto os paradigmas mudam, “é como se a comunidade profissional tivesse
sido transportada para outro planeta... É claro que nada exatamente desse tipo de
fato ocorre... No entanto... podemos querer dizer que depois de uma revolução
os cientistas estão respondendo a um mundo diferente”.[200] “[O] princípio da
economia instar-nos-á a dizer que depois da descobrir o oxigênio Lavoisier
trabalhou em um mundo diferente. Indagarei em breve sobre a possibilidade de
evitar essa locução estranha”.[201] E: não obstante a aparência das coisas para ele,
“o cientista depois de uma revolução ainda está enxergando o mesmo mundo”.
[202]

E em textos posteriores Kuhn insistiu que havia sido mal entendido. Em


1970, especulando de forma muito sugestiva a respeito do papel da inovação
conceitual na ciência, e observando que “embora a lógica seja uma poderosa...
ferramenta de investigação científica, pode-se ter conhecimento sólido em
formas às quais a lógica dificilmente pode ser aplicada”, Kuhn sugere que
Popper não está tão errado a respeito da ciência revolucionária, mas que ignorou
os processos mais cumulativos da ciência normal; assim, ao que parece, tendo
em vista tanto a refutação quanto a acumulação, no fim das contas.[203] Em 1983,
ele assevera que sua preocupação sempre foi tanto epistemológica quanto
sociológica: “o que tem no que os cientistas fazem, tenho perguntado, que faz o
fruto de seu trabalho conhecimento?” A preocupação recente de sociólogos da
ciência com os interesses sociais e econômicos, continua ele, ignorando tais
interesses cognitivos como o amor pela verdade, “amiúde parece um desastre”;
embora ele estrague um pouco o efeito ao acrescentar, depois de “amor pela
verdade”, “temor do desconhecido, se preferir”.[204] Em 1993, ele sugere que a
incomensurabilidade de paradigmas não é afinal de contas uma questão de
intraduzibilidade mútua — é só que o vocabulário novo é adquirido diretamente,
não por tradução; e, em uma reconstrução impressionantemente modesta de suas
alegações radicais e incoerentes anteriores, ele escreve sobre um pluralismo de
mundos “profissionais” (ênfase minha).[205] “Eu nunca quis”, ele escreveu para
mim em 1995, “impugnar a racionalidade da ciência”.
Dois Novos Deferencialistas
Apesar de tudo, A Estrutura das Revoluções Científicas foi um desafio aos
Novos Deferencialistas, tanto os indutivistas quanto os dedutivistas, para renovar
os seus esforços de articular e defender a racionalidade da ciência. O
compromisso com um modelo estreitamente lógico foi enfraquecido, mas não
abandonado.
“Excessos românticos em reação a pedantismo lógico excessivo... não são
desconhecidos na história da filosofia”, escreveu Mary Hesse na introdução do A
Estrutura da Inferência Científica; apesar de, continuou ela, “a sua duração ser
geralmente breve” (o que, em vista do crescimento acelerado do Novo Cinismo
ao longo do quarto de século após a publicação do livro dela, agora parece
otimista demais). Mas o que é mais importante para o presente propósito é a
promessa da Hesse de mapear uma “via media entre os extremos do formalismo
e do relativismo histórico”.[206] A descrição do menu é apetitosa; e a receita da
Hesse inclui alguns ingredientes que soam muito promissores.
Tanto Popper quanto Hempel reconheceram que não há distinção nítida
entre enunciados observacionais e enunciados teóricos; mas nenhum deles foi
capaz de acomodar esse reconhecimento em seu relato oficial. Hesse também
repudia a ideia de linguagens observacional e teórica nitidamente distintas; mas
ela oferece algo para pôr no lugar — um “modelo de rede”, derivado do Quine,
de uma malha de predicados interrelacionados acoplados à observação por
alguns de seus nós.[207] Todos os predicados descritivos são aprendidos por meio
de associações empíricas diretas (isto é, por ostensão), por meio de outros
predicados aprendidos assim, ou por uma combinação de ambos; mas nenhum
predicado pode derivar o seu significado de associações empíricas diretas
apenas.[208] Hesse também reconhece que a investigação científica depende de
classificações de coisas, eventos e fenômenos particulares em tipos. Em vez de
uma concepção absoluta de universais, ela adota uma abordagem de semelhança
familiar generalizada de acordo com a qual as semelhanças definem classes
significantes quando esses predicados se introduzem em leis, apoiando previsões
a respeito de mais propriedades de membros da classe.
Contudo, ao caracterizar generalizações parecidas com leis como aquelas
acarretadas ou probabilizadas por teorias já aceitas, Hesse interpreta a distinção
entre leis e generalizações acidentais como epistemológica em vez de
ontológica[209] — um cripto-nominalismo que dilui significativamente a sopa
dela. Além disso, como sugere o título, esse livro da Hesse ainda pertence à
tradição da “lógica da ciência”; especificamente, à tradição da lógica indutiva
carnapiana, abordando a inferência científica pela via da teoria da probabilidade.
Similarmente a Carnap, Hesse pensa em probabilidades como indicativos
de relações de aposta em proposições; mas, diferente de Carnap, ela as interpreta
não objetivamente, mas em um sentido personalista, como graus de crença
racional — com “racional” inviabilizando graus de crença de tal forma que uma
pessoa que aposta neles perderia em qualquer circunstância. Com proposições
irrestritamente universais, um único elemento de evidência negativa poderia
resultar em uma perda, mas nenhuma quantidade finita de evidências positivas
poderia resultar em um ganho; então tais proposições têm probabilidade zero.
Hesse evita essa objeção migrando para o instrumentalismo, reconstruindo
generalizações irrestritas como regras para a inferência analógica de um tipo de
generalização restrita para outro.[210] Mas ela está mais preocupada com a
objeção de que a abordagem da probabilidade é fraca demais, já que qualquer
atribuição de probabilidades que satisfaça os axiomas do cálculo de
probabilidades é “racional” no sentido de fazer apostas de forma coerente.
O teorema de Bayes, um corolário do axioma da multiplicação do cálculo
de probabilidades, afirma que (contanto que a probabilidade da evidência E não
seja zero)[211]
Bayesianos sugerem fortalecer a concepção personalista da crença racional pela
interpretação do teorema de Bayes como uma exigência sobre a mudança de
crenças racional. Em conformidade com a transformação bayesiana, a
probabilidade a posteriori da hipótese H — o grau de crença racional em H dada
a nova evidência E — deve ser a probabilidade a priori de H e E dividida pela
probabilidade a priori de E. Alguns têm até a esperança de explicar a
convergência de opiniões na comunidade científica apelando para o fato de que
(sob certas condições) as atribuições iniciais diferentes de probabilidades a priori
com o tempo dariam na mesma probabilidade a posteriori. Mas assim como
Carnap — que, um quarto de século antes, tinha feito um alerta contra dar peso
epistemológico excessivo ao teorema de Bayes[212] — Hesse tem ressalvas.
As probabilidades a posteriori teriam de ser calculadas levando em conta
todas as evidências disponíveis; uma linguagem fixa deveria ser assumida; e,
uma vez que se desiste da ideia de uma distinção nítida entre enunciados
observacionais e teóricos, a corrigibilidade das evidências apresenta um
problema complicado. Interpretar enunciados evidenciais como descrições de
relatos da observação — o exemplo dela, interessantemente impregnado de
teoria: “é relatado que no tempo t o NaCl se dissolve em água”[213] — Hesse
sugere o “postulado da correspondência”: enunciados observacionais contidos
em relatos da observação são com mais frequência verdadeiros que falsos. Mas
ela reconhece que saber quais distribuições iniciais de probabilidades e regras de
transformação funcionarão “depende crucialmente do quão bem adaptado o
organismo aprendiz está a condições reais contingentes do mundo”; e então
prossegue para investigar não a necessidade, mas a suficiência dos métodos
bayesianos “como explicações de certos aspectos locais da indução científica”.
[214]

Hesse identificou dois dos mais importantes ingredientes ausentes nas


receitas dos Velhos Deferencialistas: uma descrição robustamente falibilista da
observação e dos enunciados observacionais, e uma séria apreciação da
importância da relação entre particulares e universais. Infelizmente, contudo, os
ingredientes mais epistemologicamente nutritivos dela simplesmente não passam
pelo espremedor de legumes bayesiano. Talvez seja por isso que, já em 1974,
Hesse parecia um pouco relutante a usar a palavra “verdadeiro” sem o benefício
das aspas cautelosas; e por isso que, em 1995, encontramo-la com um
temperamento pós-modernista, expressando “simpatia à subordinação explícita
da filosofia do conhecimento a sistemas de valor de algum tipo”, persuadida que
“não á uma descrição universal de como conhecemos”, e vendo esperança só no
“compromisso paciente ao discurso contínuo”[215] — sintomas clássicos de
desnutrição epistemológica.

O muito mais influente “Refutação e a Metodologia dos Programas de Pesquisa


Científicos” do Imre Lakatos também tentou reconhecer algo da riqueza da
imagem feita por Kuhn sem sacrificar a racionalidade da empreitada científica;
porém, diferente do livro da Hesse, de uma forma dedutivista. Como observa o
Stove, no Lakatos as aspas evasivas de cautela às quais Popper às vezes recorre
tornaram-se ubíquas, um tipo de tique literário. Com as “tempestades de aspas
neutralizantes” do Lakatos”,[216] trata-se não apenas da parte ele que ele o diz e
da parte em que ele retira o que disse, mas de uma sensação perturbadora de
estar enxergando as coisas em dobro: a imagem racionalista crítica e sofisticada,
de aparência atraente, que aparece se as aspas cautelosas forem ignoradas, e a
imagem espantosamente irracionalista que aparece quando elas são levadas a
sério.
Emulando Popper, Lakatos descreve a si mesmo como alguém que articula
a “lógica da descoberta científica”. Tal qual Popper, Lakatos está preocupado
com a questão da demarcação, mas se apresenta fazendo uma distinção não
apenas entre ciência e não ciência, mas também entre a investigação honesta e a
desonesta. Porém, diferente de Popper, que só faz protestos veementes contra o
que ele percebe como o relativismo de Kuhn,[217] Lakatos se esforça em
reconhecer as complexidades das teorias científicas e de seu desenvolvimento
histórico, sua interpenetração de teoria, instrumentação e observação; e em
articular o insight de que “não há racionalidade instantânea”.[218]
A racionalidade da ciência só pode ser entendida ao se assumir uma visão
menos atomística das teorias, e uma visão mais diacrônica do método científico.
Uma teoria científica consiste em um cerne cercado por um cinturão protetivo de
pressupostos auxiliares que lhe protegem da refutação observacional.[219] O
núcleo duro de uma teoria científica não pode ser partido pela observação
sozinha, mas somente por uma teoria alternativa, no que Lakatos chama de
“transferência de problemas”.[m] Uma transferência de problemas é progressiva
só se envolver uma modificação que prevê novos fatos — essa é a versão de
Lakatos das restrições de Popper contra modificações ad hoc. Um programa de
pesquisa científica é uma série de teorias sucessivas com seus pressupostos
auxiliares associados, procedimentos instrumentais etc. A qualquer tempo,
alguns programas de pesquisa são progressivos — bons, honestos, empíricos,
científicos — e outros são degenerantes. A “estratégia racional firme” que
assegura a racionalidade da ciência é sustentar os programas de pesquisa
progressivos, programas que fazem transferências de problemas progressivas e
incrementadoras de conteúdo[220] — claro que, acrescenta Lakatos, o novo
conteúdo deve ser corroborado “ao menos aqui e ali” — e abandonar os
programas degenerantes.
Soa reconfortante, não? Mas há algumas moscas muito grandes, inclusive
uma mosca popperiana agora muito familiar, na sopa. Tal qual Popper, na parte
em que ele o diz, Lakatos insiste que os enunciados básicos nunca podem ser
justificados pela observação — ele até usa as palavras do Popper: “não mais do
que batendo o punho na mesa”.[221] Tal qual Popper, na parte em que ele retira o
que disse, Lakatos também argumenta que os enunciados básicos, que são
impregnados de teoria, são falíveis; mas não oferece uma descrição de como a
observação contribui para a justificação. Em vez disso, alinhado com a
conclusão radical do primeiro argumento, recorre a escrever sobre o papel não da
observação, mas da “observação” com aspas cautelosas.
As aspas cautelosas aparecem primeiro na descrição de Lakatos faz da
posição “metodológica falseacionista sofisticada” que atribui ao Popper: “só
aquelas teorias — isto é, as proposições não-‘observacionais’ — que proíbem
certos estados ‘observáveis’ de coisas, e portanto podem ser ‘falseadas’ e
rejeitadas, são ‘científicas’”.[222] Mas por conta própria, também, ele não escreve
a respeito de evidências observacionais, mas de evidências “observacionais”,
não a respeito da refutação, mas da “refutação”, não a respeito das hipóteses
auxiliares refutáveis no cinturão protetivo de uma teoria, mas das hipóteses
“refutáveis”, não a respeito da base empírica da ciência, mas de sua “base
empírica”, e assim por diante. A recomendação de aparência plausível, que
cientistas devem seguir programas de pesquisa progressivos que
consistentemente introduzam conteúdo novo e refutável que possa ser
corroborado, torna-se uma recomendação peculiar que cientistas devem seguir
programas de pesquisa “progressivos” que consistentemente introduziam
conteúdo novo e “refutável” que possa ser “corroborado”.
E Lakatos fica em apuros não apenas onde segue Popper, mas também
onde rompe com ele. Dando-se conta de que, se os cientistas seguissem a
metodologia falseacionista simples do Popper, o progresso poderia ser impedido
pela rejeição prematura de conjecturas promissoras, Lakatos aponta que a
ciência pode avançar se uma teoria que em seus estágios iniciais é vaga, turva ou
até incoerente for protegida de refutação — a teoria pode melhorar.[223] Mas,
claro, a ciência também pode avançar se um velho programa de pesquisa que
caiu em tempos difíceis e depois degenerou é protegido da refutação — o
programa também pode melhorar (como Lakatos admite mais tarde). Mas isso
nos deixa no fim das contas sem qualquer “estratégia racional firme” para fazer
progresso científico.

Figura 1. "Traidores da verdade? Da esquerda para a direita: Karl Popper, Imre Lakatos, Thomas Kuhn e
Paul Feyerabend." (Esses notáveis filósofos da ciência apareceram na edição de 15 de outubro de 1987 da
Nature em uma parte de um artigo com o título "Onde a Ciência Deu Errado”.)

Então, quando Paul Feyerabend dedica Contra o Método “a Imre Lakatos,


amigo e colega de anarquismo” (Lakatos morreu antes de escrever a resposta que
havia sido planejada), ele não está só sendo ludicamente irritante como sempre;
ele notou que a filosofia da ciência do Lakatos — como a filosofia popperiana
que foi o ponto de partida dela[224] — de forma alguma é tão estavelmente
racionalista como foi vendida (ver Figura 1).
O Pior Inimigo da Ciência e Seu Melhor Amigo
A inclinação do Feyerabend a ser deliberadamente ultrajante e provocativamente
maluco está apta a induzir um tipo de vertigem intelectual — como se ele tivesse
posto sorrateiramente alguma coisa alucinógena na sopa! Certamente, com
frequência ele soa como “o pior inimigo da ciência”.[225] Mas, aqui e ali, por
exemplo, quando ele se lembra de perder a paciência “quando um debate sobre
as conquistas científicas foi interrompido por uma tentativa de ‘esclarecer’, onde
o esclarecimento significou a tradução para alguma forma de lógica pidgin[n]”,
[226]
ele soa surpreendentemente como um sensista-comum crítico enrustido. “A
nossa é uma época”, escreve Thomas Szasz, “na qual verdades parciais são
incansavelmente transformadas em falsidades totais, e depois aclamadas como
revelações revolucionárias”;[227] mas desemaranhar as verdades parciais do
Feyerabend das falsidades totais em que ele persiste em transformá-las é algo
dificultado pela política confessa dele de escrever de forma a confundir os
“raciofascistas” que tentam nos forçar a falar em “verdade”, “objetividade” etc.
Em seu papel como bobo da corte do establishment do Velho
Deferencialismo, fazendo troça da ciência pidgin popperiana e da lógica pidgin
positivista, Feyerabend faz pose de anarquista epistemológico ou dadaísta. (O
Manifesto Dadaísta do Tristan Tzara começa assim: “Por princípio sou contra
manifestos, como sou contra princípios.”) O único princípio que não inibe o
progresso é: qualquer coisa serve. Ah, e “progresso” pode significar o que
quiser. Não há padrões universais; falar de “verdade”, “objetividade”,
“racionalidade”, “progresso” etc. é propaganda que serve aos interesses do
establishment da ciência e seu asqueroso capacho, a indústria da filosofia da
ciência. Ei, argumento é propaganda! As teorias científicas não são verificadas,
confirmadas, refutadas ou corroboradas pela observação, que é impregnada de
teoria; elas são “estabelecidas” por retórica, política, chicana, oportunismo.
Quando uma às vezes incomensurável teoria substitui outra, a ciência pode ir
para a frente, ou para trás, ou para os lados, ou...; ah, e “a frente” etc. pode
significar o que quiser.
A ciência é só uma forma de vida entre muitas; sua suposta superioridade à
medicina popular, vodu, astrologia etc. é uma ilusão alimentada pelo sucesso de
suas ambições imperialistas. Os benefícios da civilização científica também não
são o que se alega que são; o que descrevemos de forma condescendente como
culturas “primitivas” podem se sair tão bem quanto, ou melhor, ao ajudar as
pessoas a lidar com as coisas. Na verdade, a ciência se tornou tão perigosamente
poderosa que, em vez de tremer diante do velho e cansado fantasma do Lysenko,
seria melhor se buscássemos a política democrática para coibir os seus excessos.
Mesmo assim, dentro do “pior inimigo da ciência”, talvez haja um amigo
— reconhecidamente, um amigo dado às mais irritantes extravagâncias, e que, às
vezes, ao mostrar a língua para o Velho Deferencialismo, me faz lembrar da
advertência da minha avó que, se o vento mudar enquanto você estiver fazendo
careta, vai ficar com ela na cara para sempre. (Como não era socióloga, minha
avó não pensou em me dizer que, quanto mais bizarras forem as caretas, mais
prestigiosos e lucrativos serão os empregos acadêmicos que você obterá.) De
qualquer forma, apesar de todos os seus exageros, Feyerabend tem algum insight
a respeito dos perigos de uma abordagem lógica estreita demais, um senso da
complexidade e desorganização da ciência, do papel da sorte, do oportunismo
intelectual, do bom e velho improviso, bem em falta nas filosofias de Carnap ou
Hempel ou Popper ou até Hesse ou Lakatos.

Muitos, sem dúvida, pensam que W. V. Quine está entre os melhores amigos
filosóficos da ciência; entretanto, como em Feyerabend, a situação não é tão
direta quanto poderia parecer. Certamente não há dúvida quanto à admiração do
Quine pelas conquistas da ciência, especialmente da física. E em seus textos
encontra-se, se não uma filosofia sistemática da ciência, uma visualização de
valor: a boa descrição que ele faz, junto com Ullian, do apoio mútuo entre
explicação e o que é explicado,[228] por exemplo, e sua descrição prenhe da
ciência como “resolvendo um problema com a ajuda de soluções para outros”.
[229]
(E, evidentemente, é como resolver palavras cruzadas; uma carta do Quine
descrevendo a minha analogia das palavras cruzadas como “um bom desenho de
palito do método científico” encorajou alguns dos pensamentos que
desenvolverei adiante.) Entretanto, uma tese do Quine foi um forte estímulo para
o Novo Cinismo — tão poderoso, provavelmente, quanto qualquer coisa em
Kuhn, a quem Quine dispensa friamente como um niilista epistemológico.[230]
A tese em questão é a “subdeterminação”. Para uma tese tão influente, no
entanto, “a” tese da subdeterminação é difícil de delimitar precisamente. Em
“Dois Dogmas”, Quine escreve que “qualquer afirmação pode ser considerada
verdadeira, não importa o que vier, contanto que façamos ajustes suficientes em
outros pontos do sistema”; em Palavra e Objeto, que “não temos razão para
supor que as irritações superficiais do homem até para com a eternidade
admitem qualquer sistematização que seja cientificamente melhor ou mais
simples que todas as outras possíveis. Parece mais provável... que incontáveis
teorias alternativas ficariam empatadas no primeiro lugar”;[231] e em “Sobre
Teorias Empiricamente Equivalentes do Mundo”, que “a ciência natural é
subdeterminada... não só por observação passada mas por todos os eventos
observáveis”, ou, de forma mais oficial, que inevitavelmente há “formulações
teóricas que são empiricamente equivalentes, logicamente incompatíveis, e
irreconciliáveis pela reconstrução de predicados”.[232] Além disso, conforme as
afirmações do Quine sobre a subdeterminação set tornam mais precisas, também
se tornam mais resguardadas, até que no fim do “Teorias Empiricamente
Equivalentes” ele está pronto para se comprometer só com o que ele chama de
uma “versão derradeira”: “nosso sistema do mundo está fadado a ter alternativas
empiricamente equivalentes que, se fôssemos descobri-las, não veríamos forma
de reconciliá-las pela reconstrução dos predicados”.
Não há, conclui Quine, “verdade extrateórica” — uma conclusão que,
admite ele, “soa como relativismo cultural”.[233] Aqui começa a ficar aparente por
que ele também foi chamado de negativista lógico;[234] não por causa de uma
ênfase no papel da dedução na refutação, como Popper, mas por causa da sua
predileção por tirar conclusões enfaticamente negativas e até aparentemente
céticas ou relativistas a partir de resultados lógicos formais. A surpresa inicial
sobre os Novos Cínicos abraçarem uma tese do Quine de forma tão calorosa é
logo dispersada; eles esperam que a subdeterminação dará lugar para valores
sociais tomarem a “folga” evidencial, um termo do Quine que adotaram com
entusiasmo. Conforme a vertigem intelectual ameaça surgir mais uma vez, o
diagnóstico é confirmado: a raiz do problema está na concepção estreitamente
lógica da racionalidade compartilhada pelos Velhos Deferencialistas, tanto os
indutivistas quanto os dedutivistas, e pelos Novos Cínicos.
E para concluir
Até aqui, claro, a ideia de que concepções estreitamente lógicas e formais da
ciência são inadequadas já ficou bem familiar; também não estou sozinha ao
articular uma descrição que não seja (como eu coloquei) deferencialista nem
cínica, e na qual os aspectos racionais e sociais da ciência se entrelaçam. Mas o
meu diagnóstico do que está em falta de forma mais conspícua e consequente
tanto na abordagem estreitamente lógica dos Velhos Deferencialistas quanto nas
abordagens historico-socio-retóricas dos Novos Cínicos — no mundo — não
será tão familiar; nem a minha descrição da natureza e estrutura da evidência
para alegações e teorias científicas, nem minha abordagem sensista-comum
crítica a questões a respeito dos métodos da ciência.
Em linha com o meu diagnóstico, a descrição desenvolvida no que vem a
seguir será, como direi, mundana.[235] Também será eclética, acomodando muitos
insights da tradição mais antiga da filosofia da ciência que esbocei. Ao contrário
da “epistemologia sem sujeito cognoscente” do Popper, a minha descrição
começará com a evidência experiencial, com as observações dos cientistas; mas
conforme o foco se voltar para o compartilhamento de evidências e divisão do
trabalho científico, será bem no espírito da metáfora da catedral do Popper.
Reconhecerá a importância dos aspectos sociais da ciência e de mudanças e
inovações linguísticas, corretamente enfatizadas por Kuhn, e a dependência que
os métodos e técnicas especiais das ciências têm de teorias prévias; mas revelará
que a suposta relatividade paradigmática de padrões de evidência é um tipo de
ilusão epistemológica. Como o indutivismo, permitirá que as evidências possam
ser sustentadoras sem serem dedutivamente conclusivas; mas, negando que a
sustentação é uma questão exclusiva de forma, reconhecerá um elemento de
verdade no ceticismo do dedutivista a respeito da “lógica indutiva”. Como o
indutivismo, reconhecerá que há alegações mais ou menos garantidas
objetivamente; mas, conforme revela por que basear uma teoria da garantia na
teoria matemática das probabilidades não funcionaria, compartilhará algo do
espírito da crítica do Popper ao probabilismo. Acomodará o insight da Hesse que
precisamos de uma explicação seriamente falibilista do papel da observação e da
atenção detida ao lugar dos universais, e a observação astuta do Lakatos que “a
racionalidade trabalha mais lentamente do que a maioria das pessoas tendem a
pensar, e, mesmo ao trabalhar, é falível”.[236] E, reconhecendo a densidade do
mundo que investigamos e nossas limitações como investigadores,[237] minha
abordagem reconhecerá que as evidências estão fadadas a serem complicadas,
ambíguas e amiúde potencialmente enganosas, que a investigação é difícil e
exigente, e que o progresso é intermitente e irregular.
Não tentarei assumir a tarefa hercúlea de inspecionar todas das muitas e
variadas expressões sociológicas, etnometodológicas, feministas, literário-
teóricas, retóricas etc. etc. do Novo Cinismo; mas algumas serão postas sob meu
escrutínio conforme meu argumento progride.[238] Também não tentarei assumir a
não menos hercúlea tarefa de inspecionar todas das muitas e variadas abordagens
bayesianas, de teoria das decisões, neopopperianas, da teoria do erro, modelo-
teóricas, neopragmatistas, naturalizadas, neoinstrumentalistas / construtivo-
empíricas etc. etc. desenvolvidas na tendência dominante da filosofia da ciência
recente; mas haverá oportunidade de notar alguns pontos de concordância, e de
discordância, conforme meu argumento progride.[239]
Capítulo 3: Dicas para o Enigma das Evidências
Científicas
Uma História “Só Sei Que Foi Assado”[o]

A liberdade de escolha [de conceitos e teorias científicas] é


de um tipo especial; não é de forma alguma similar à
liberdade de um escritor de ficção. Em vez disso, é similar
àquela de um homem engajado em resolver um enigma de
palavras bem projetado. É verdade que ele pode propor
qualquer palavra como solução; mas há somente uma
palavra que realmente soluciona o enigma em todas as suas
partes. É uma questão de fé que a natureza — como ela é
perceptível aos nossos cinco sentidos — assume a forma de
tal enigma bem formulado. Os sucessos colhidos até agora
pela ciência... dão um certo estímulo a essa fé.
— Albert Einstein, “Física e Realidade”[240]

O que é a evidência científica, e como ela garante alegações científicas? Aquele


uso honorífico em que “evidência científica” é vagamente equivalente a “boa
evidência” não compensa o esforço. Quando escrevo “evidência científica”,
quero dizer, simplesmente, a evidência que diz respeito às alegações e teorias
científicas. A evidência científica, nesse sentido, é como a evidência que diz
respeito a alegações empíricas em geral — porém, vai além disso: é mais
complexa e mais dependente de instrumentos de observação e da agregação de
recursos evidenciais.
A única forma de partirmos à descoberta de como é o mundo é contar com
nossa experiência de coisas e eventos particulares, e com as hipóteses que
concebemos sobre os tipos, estruturas e leis das quais essas coisas e eventos
particulares são exemplos, checadas diante de mais experiência e mais hipóteses,
e sujeitadas a escrutínio lógico. As evidências relevantes a qualquer alegação
empírica são resultado da experiência e do raciocínio até ali, uma malha de
muitos fios de variadas forças ancorados mais ou menos firmemente na
experiência e tecidos mais ou menos firmemente como uma imagem explicativa.
Então, examino questões a respeito de evidências, garantia etc. não com um
isolamento lógico imaculado, mas no contexto dos fatos sobre o mundo e nosso
lugar como investigadores no mundo. E deliberadamente evito o jargão familiar
do Velho Deferencialismo sobre a confirmação de teorias pelos dados ou pela
observação ou enunciados básicos, para sinalizar que minha concepção de
evidência, que não pressupõe distinção entre enunciados observacionais e
teóricos, é consideravelmente mais ampla que “dados”; que minha concepção de
garantia é temporal, pessoal e social de forma não eliminável; e que minha
concepção de descrição dos determinantes da qualidade evidencial não é
puramente formal, mas mundana, e não linear, mas multidimensional.
As evidências científicas, como as evidências empíricas em geral,
normalmente incluem evidências da experiência e razões, e ambas as evidências
positivas e as negativas. São complexas e se ramificam, estruturadas — para usar
a analogia que há tempos considero útil, mas só recentemente encontrei
antecipada por Einstein — mais como um jogo de palavras cruzadas do que
como uma prova matemática. Uma malha fortemente interligada de razões
(itens) bem ancoradas na experiência (dicas) pode ser uma indicação muito forte
da verdade de uma alegação ou teoria; é por isso, em parte, que “evidência
científica” adquiriu o seu uso honorífico. Porém, onde a ancoragem experiencial
é incerta, ou onde as crenças de fundo são frágeis ou puxam em diferentes
direções, haverá ambiguidade e o potencial de engano.
Evidentemente, o papel de uma analogia é apenas sugerir ideias, que então
precisam parar em pé sozinhas; evidentemente, a utilidade de uma analogia de
forma alguma impede a possibilidade de que outras serão frutíferas também; e,
claro, uma analogia é apenas uma analogia. As evidências científicas não são
como um enigma de palavras cruzadas em todos os seus aspectos: não haverá
nada como, por exemplo, receber as respostas na edição seguinte do jornal; nem
há (apesar da discordância de um filósofo do século XVII que pensa que os
cientistas decifram o Livro da Natureza escrito por Deus) uma pessoa que cria o
jogo. O meu uso da analogia das palavras cruzadas, ao contrário do palavreado
levemente pejorativo de Kuhn sobre a ciência normal ser “resolução de
enigmas”, também não tem a intenção de transmitir qualquer sugestão de leveza
ou de mera rotina. Mas a analogia vai se mostrar um guia útil para algumas
questões centrais a respeito do que faz as evidências serem melhores ou piores.
Todos nós, na mais ordinária das investigações cotidianas, dependemos de
habilidades perceptuais aprendidas como a leitura, e muitos de nós dependemos
de óculos, lentes de contato e aparelhos auditivos; nas ciências, a observação é
muitas vezes de alta habilidade, e muitas vezes mediada por instrumentos
sofisticados que por si dependem de teoria. Todos nós, na mais ordinária das
investigações cotidianas, encontramo-nos reavaliando a verdade provável dessa
ou daquela alegação conforme novas evidências aparecem; os cientistas devem
revisar suas avaliações repetidamente conforme membros da comunidade fazem
novos experimentos, conduzem novos testes, desenvolvem novos instrumentos
etc. Todos nós, na mais ordinária das investigações cotidianas, dependemos do
que outras pessoas nos dizem; um cientista praticamente sempre conta com
resultados atingidos por outros, dos trabalhos sedimentados de gerações passadas
aos últimos esforços de seus contemporâneos.
Estre trecho de uma reportagem de 1996 a respeito daquele meteorito
marciano controverso dá uma ideia do quão “além disso” a evidência científica
pode ser:
Uma equipe de resgate encontrou [um meteorito de 2kg
designado ALH84001] em 1984... 4 bilhões de anos antes,
ele era parte da crosta de Marte. (Os cientistas sabem disso
porque, quando a rocha é aquecida, ainda solta uma
mistura de gases que é singular da atmosfera marciana.) ...
Desse modesto pedaço de rocha os cientistas
desvendaram... evidências que levam a uma conclusão
espantosa. Richard Zare, um membro da equipe, químico de
Stanford, usou lasers e um detector extremamente sensível
chamado espectrômetro de massa para achar moléculas
chamadas hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Os
HAPs resultam da combustão; são encontrados em fumaça
de diesel e na fuligem... Mas também vêm da decomposição
de organismos vivos. O resíduo do ALH84001, diz Zare,
“lembra muito o que você tem quando a matéria orgânica
se decompõe”. ... Sob outro sensor de alta tecnologia, um
microscópio de transmissão de altíssima resolução, [os
cientistas] descobriram que as faixas finas em preto e
branco na borda dos carbonatos eram feitas de cristais
minerais com 10 a 100 nanômetros de espessura... Os
cristais no meteorito tinham formas como cubos e gotas
d’água, similar às formadas por bactérias na Terra. [David
MacKay do Centro Especial Johnson diz que] “Temos essas
linhas de evidência. Nenhuma delas é definitiva sozinha,
mas, tomadas em conjunto, a explicação mais simples é
vida marciana primitiva.” ... Alguns cientistas da área
expressaram mais otimismo que outros.[241]

Desde então houve uma polêmica acalorada a respeito de isso realmente


ser evidência de vida primitiva marciana ou não. Em 1998, novos estudos
químicos comparando os materiais orgânicos no meteorito aos encontrados no
gelo antártico ao redor mostraram que quantidades significativas dos compostos
orgânicos do meteorito são contaminação terrestre; mas esses estudos não
examinaram as moléculas cruciais, os HAPs. É provável que a polêmica
continue ao menos até que novas amostras de rocha e solo marcianos possam ser
buscados por equipamento robótico espacial.[242]
Como sugere o exemplo, a garantia vem em graus, e é relativa a um
tempo; uma ideia científica, geralmente muito especulativa no começo, tende ou
a se tornar mais bem garantida ou a ser considerada insustentável, conforme
mais evidências emergem ou são descartadas. Como o exemplo também sugere,
falar em grau de garantia de uma alegação a um tempo, simplesmente, é um
modo resumido de falar a respeito do quão garantida a alegação é àquele tempo
pelas evidências possuídas por alguma pessoa ou grupo de pessoas.[243]
Já que são indivíduos que veem, ouvem etc., minha descrição começa com
a concepção pessoal, o grau de garantia de uma alegação para uma pessoa a um
tempo. O próximo passo, ao distinguir as evidências experienciais de uma
pessoa e suas razões, e ao explicar como as duas trabalham juntas, é articular o
que faz das evidências de uma pessoa no que diz respeito a uma alegação
melhores ou piores, e dessa forma o que faz da alegação mais ou menos
garantida para ela. Depois, para articular algo do que está envolvido no
compartilhamento de evidências, precisarei extrapolar do grau de garantia de
uma alegação para a pessoa a um tempo para o grau de garantia de uma alegação
para um grupo de pessoas a um tempo; e depois sugerir uma descrição da
concepção impessoal do grau de garantia de uma alegação a um tempo,
simplesmente. Então estarei pronta para dizer algo a respeito de como o conceito
de garantia se relaciona aos conceitos de justificação e confirmação; para
explicar como o grau de garantia se relaciona idealmente ao grau de
credibilidade; e para discriminar o que é objetivo do que é questão de
perspectiva nos conceitos de garantia, justificação e razoabilidade.
Pela razão de alegações científicas garantidas serem sempre garantidas
pela experiência de alguém ou de alguns, ou pelo raciocínio de alguém ou de
alguns, uma teoria da garantia deve começar pelo pessoal, e então ir para o
social, antes que possa dar conta do sentido impessoal com que falamos de uma
teoria bem garantida ou de uma conjectura mal fundamentada. Isso, obviamente,
é talvez o mais distante possível que se pode estar do ideal do Popper de uma
“epistemologia sem um sujeito cognoscente”. Ironicamente, no entanto, é uma
posição quase tão simpática à analogia dele do conhecimento científico como
uma catedral construída ao longo de séculos por gerações de pedreiros,
carpinteiros, vidraceiros, escultores de gárgulas etc. quanto a minha analogia do
conhecimento científico como similar a uma parte de um vasto jogo de palavras
cruzadas gradualmente preenchido por gerações de especialistas em anagramas,
trocadilhos, alusões literárias e assim por diante.
Garantia — A Concepção Pessoal
O que determina o grau de garantia de uma alegação para uma pessoa em um
tempo é a qualidade das evidências dela a respeito dessa alegação nesse tempo.
“Evidências dela” referem-se tanto às evidências experienciais (que ela vê, ouve
etc. isso ou aquilo, e a lembrança dela de ter visto, ouvido etc. isso ou aquilo —
suas evidências experienciais passadas), quanto às suas razões (outras crenças
dela). Há assimetrias significativas entre evidências experienciais e razões, como
há entre dicas e itens de palavras cruzadas: de modo mais importante, a questão
da garantia vem à tona no que diz respeito às razões de uma pessoa, como vem à
tona no que diz respeito aos itens de palavras cruzadas; mas eventos e estados
perceptuais etc., como as dicas para as palavras cruzadas, não têm, nem precisam
ter, garantia.[244]
Permita-me tomar primeiro as evidências experienciais.
Na lei e na vida cotidiana há um uso de “evidência” que significa
“evidência física” e se refere a impressões digitais, marcas de mordida,
documentos etc. reais. Ouvimos relatos de novas evidências a respeito de um
acidente de avião coletadas no fundo do oceano, ou de novas evidências a
respeito de um crime descobertas no apartamento de um suspeito. A minha
descrição acomodará esse uso, não diretamente, mas de uma forma oblíqua, ao
considerar garantido que, na observação científica, como na percepção em geral,
interagimos por meio dos nossos órgãos sensoriais com as coisas ao nosso redor
— com os resíduos de gases liberados por aquele meteorito marciano quando é
aquecido, com material sobre as lâminas de um microscópio, com as fotos de
difração de raio X do DNA tiradas pela Rosalind Franklin, e assim por diante.
Então, na minha descrição, os resquícios do avião, a carta incriminadora etc. são
os objetos da evidência experiencial, o que é percebido. As evidências
experienciais de uma pessoa são a sua interação perceptiva de uma forma ou
outra — com o olho nu à distância na penumbra, por meio de um microscópio
poderoso com boa iluminação etc. — com uma coisa ou evento.
Ao pensar em evidências experienciais na ciência, é natural falar não em
percepção, mas em observação; e aqui — como quando falamos de observações
feitas por um detetive, ou de um paciente estar “sob observação” no hospital —
a palavra carrega uma conotação de ato deliberado. A observação científica é
ativa, seletiva; chama por talento, habilidade e às vezes treinamento especial ou
conhecimento de fundo, além de paciência e olho clínico. Muitas vezes é
mediada por instrumentação. As evidências experienciais e as razões trabalham
juntas, como a razoabilidade de uma resposta para um item de palavras cruzadas
depende em parte do seu encaixe com a dica e em parte do seu encaixe com os
itens que a cruzam. Não presumo uma classe de alegações (os “enunciados
observacionais” das descrições de alguns dos Velhos Deferencialistas) que é
totalmente garantida pela experiência por si só; em vez disso, considero que as
evidências experienciais e as razões carregam o fardo em diferentes proporções
para diferentes alegações. Mas também não presumo que cada alegação
científica tem a sua própria evidência experiencial, como tem cada item de um
jogo de palavras cruzadas convencional; com frequência é mais como em um
jogo não-convencional de palavras cruzadas no qual um agrupamento de itens
compartilha uma dica, ou um punhado de dicas.
Tudo isso, obviamente, considera correta a relevância da experiência para
a garantia. Que dizer, então, do argumento do Popper pela irrelevância da
experiência — que, já que só pode haver relações lógicas entre enunciados, não
entre enunciados e eventos, os cientistas verem, ouvirem etc. isso ou aquilo não
pode ter nenhuma relação com a garantia de alegações e teorias científicas? É
verdade que as relações lógicas valem apenas entre enunciados (ou seja lá quais
forem os veículos da verdade) ; mas a conclusão que Popper tira — que, por
exemplo, alguém ver um cisne negro é totalmente irrelevante para a
(ir)razoabilidade da sua aceitação do enunciado de que há um cisne negro em tal
lugar a tal tempo, e, assim, para a (ir)razoabilidade da sua rejeição do enunciado
de que todos os cisnes são brancos — é mais ou menos tão profundamente
implausível quanto uma conclusão pode ser; tão implausível que o próprio
Popper a mescla à tese bem diferente que estou defendendo, que as evidências
experienciais são relevantes mas não suficientes.[245] Isso ainda não nos conta
como a experiência contribui para a garantia; mas nos conta que o outro
pressuposto do qual depende o argumento do Popper pela irrelevância da
experiência — que a garantia é uma questão exclusiva de relações lógicas entre
enunciados ou proposições — tem que ser falsa.
Então, como é que a experiência contribui para a garantia? Uma resposta
simples poderia fiar-se na velha ideia de que, enquanto os significados de muitas
palavras são aprendidos pela definição verbal em termos de outras palavras, os
significados de palavras observacionais são aprendidos por definição ostensiva,
conforme o aprendiz da língua ouve a palavra usada por alguém apontando para
algo ao qual ela se aplica.[246] Assim, uma pessoa ver um cachorro garante a
verdade da sua crença de que há um cachorro presente em virtude do fato de que
“cachorro” é ostensivamente definido de tal forma que assegura que é
apropriado usar a palavra só em tais circunstâncias observáveis como esta. Essa
descrição, com sua divisão simples de termos entre os observacionais e os
outros, e de definições entre as ostensivas e as verbais, não bastará como está. A
linguagem é muito mais sutil do que isso, as interconexões de palavras com
circunstâncias observáveis e entre si são muito mais emaranhadas — conforme o
aprendiz da língua logo descobre ao dominar “cachorro de brinquedo”, “parece
com um cachorro” etc., e aprende mais a respeito do que exige a verdade de “é
um cachorro”, e o que ela impede. De todo modo, a ideia central parece certa: as
nossas interações perceptuais com o mundo nos dão algum grau de garantia para
alegações sobre o mundo por causa das conexões das palavras com o mundo e
entre si que aprendemos quando aprendemos a língua.
Talvez possamos preservar essa ideia central enquanto remediamos as
deficiências da dicotomia simples entre definições ostensivas e verbais. Mesmo
uma correção muito simples, substituindo a dicotomia de predicados
observacionais versus teóricos por um continuum de mais ou menos
observacionais, mais ou menos teóricos, seria uma melhoria. Mas seria melhor
dar espaço para a possibilidade de diferentes falantes aprenderem uma palavra
de formas diferentes, e dos termos poderem ser aprendidos ou por uma
combinação de ostensão e explicação verbal ou completamente pela explicação
verbal. Ao corrigir o contraste simples de definições ostensivas versus verbais,
ao dar espaço para a malha emaranhada de conexões extra e intralinguísticas de
palavras, poderíamos explicar como as evidências experienciais podem
contribuir para a garantia de uma palavra, e também como a garantia dada a uma
alegação pela experiência de uma pessoa pode ser aprimorada ou tolhida pelas
razões dela.
Quase todos nós encontramos uma frase como “este é um copo d’água”,
[247]
no primeiro exemplo, ouvindo-a no uso de circunstâncias normais em que
um copo d’água é visível tanto para quem ensina quanto para quem aprende. Em
seguida, porém, aprendemos muitas ressalvas e complicações: um copo d’água
tem tal aparência, cheiro, gosto etc., contanto que o observador e as
circunstâncias da observação sejam normais; se a substância no recipiente
realmente é água, ela dará tais e quais resultados sob a análise química; etc. etc.
Então, ver a coisa pode garantir parcialmente, mas só parcialmente, a alegação
de que há um copo d’água presente; pois um observador normal sob
circunstância normal pode dizer que é um copo d’água ao olhar, mesmo que haja
espaço para erro.
Um biólogo molecular tem que aprender a ler uma fotografia de difração
de raio X, assim como todos nós tivemos que aprender a ler. Alguém que tenha
aprendido o predicado “hélice”, ostensivamente ou não, pela referência a
exemplos simples como um fio de telefone, mas que não tenha experiência em
fotografias de difração de raio X, não conseguiria entender muito da fotografia
da Rosalind Franklin da forma B do DNA. Tão logo James Watson a viu, no
entanto, ele ficou fortemente convicto de que a molécula do DNA é helicoidal.
Ter visto a fotografia garantiu parcialmente, mas só parcialmente, a alegação
dele. Pois um observador treinado sob circunstâncias apropriadas pode dizer que
é uma hélice ao olhar para uma fotografia (boa o suficiente) de difração de raio
X, mesmo que haja espaço para erro.
Em suma: uma pessoa ver etc. isso ou aquilo pode contribuir para a
garantia de uma alegação quando termos-chave são aprendidos por associação
com essas circunstâncias observáveis — quanto mais (ou menos) forem assim,
mais (ou menos) o significado desses termos é exaurido por essa associação. As
evidências experienciais consistem não em proposições, mas em interações
perceptuais; e contribuem para a garantia não em virtude de relações lógicas
entre proposições, mas em virtude das conexões entre as palavras e o mundo
estabelecidas no aprendizado da língua.

Agora, permita-me lidar com as razões.


Quando, antes, referi-me meio casualmente às razões de uma pessoa como
outras crenças que ela tem, não tinha me esquecido que, de acordo com alguns
filósofos, entre eles Peirce e Popper, a crença não tem lugar na ciência.
Concordo que a fé, no sentido religioso, não tem lugar na ciência; embora, na
sua capacidade profissional, os cientistas aceitem várias alegações como
verdadeiras, isso geralmente é, ou deveria ser, algo tentativo, e sempre, por
princípio, reexaminável à luz de novas evidências. No meu entendimento, no
entanto, acreditar em algo é aceitá-lo como verdadeiro, neste exato sentido
falibilista;[248] é por isso que eu às vezes falarei do “grau de credibilidade” que
uma pessoa atribui a uma alegação ou teoria.
Infelizmente, não será suficiente interpretar as razões de uma pessoa como
aquelas proposições às quais ela dá algum grau de credibilidade, ignorando o
fato de que algumas de suas crenças são arraigadas e outras adotadas de forma
frágil — não mais do que seria suficiente, ao julgar a plausibilidade de uma
resposta para um item de palavras cruzadas, ignorar o fato de que um item que
cruza com ele está escrito firmemente a tinta, enquanto outro está só levemente a
lápis. Se um item de palavras cruzadas que intersecta o item em questão está
preenchido levemente a lápis, conta menos, positiva ou negativamente, do que se
estiver preenchido a tinta indelével; analogamente, se uma pessoa dá só um grau
modesto de credibilidade a uma razão a favor ou contra uma alegação, ela deve
contar menos, positiva ou negativamente, do que se for uma razão defendida de
forma mais arraigada. Um jeito de lidar com isso seria tratar a pessoa que atribui
alguma credibilidade, porém incompleta, a uma proposição como se desse
credibilidade total a uma versão da mesma proposição com ressalvas, incluindo
entre as razões dela “há uma boa chance que p”, “é provável que p” ou “é
possível que p” (em cujo caso precisaremos encontrar uma forma de acomodar
tais proposições com ressalvas à nossa descrição da sustentação pelas
evidências). Outro jeito, que explorarei em mais detalhes adiante, seria incluir as
proposições sem as ressalvas, e compensar por meio do ajuste do grau de
garantia da alegação para a qual são razões a favor ou contra (em cujo caso
precisaremos evitar introduzir inconsistências interpretando mal alguém que não
faz ideia se p ou não como se desse tanto a p quanto a não-p algum grau de
credibilidade).
Diferente das suas evidências experienciais, as razões de uma pessoa são
proposicionais; e assim poderia parecer que ao menos aqui devemos estar fixos
no domínio da lógica. Porém, não é assim. As razões se ramificam, mais como
os itens de um jogo de palavras cruzadas do que como os passos de uma prova
matemática. A plausibilidade de um item das palavras cruzadas depende não só
do quão bem ele se encaixa nas dicas e em qualquer das outras palavras que o
cruzam, mas também do quão plausíveis são esses outros itens preenchidos,
independente do item em consideração, e do estado de completude do jogo.
Analogamente, a qualidade das evidências de uma pessoa no que diz respeito a
uma alegação depende não só do quão sustentadoras são as suas razões para essa
alegação, mas também do quão garantidas são essas razões, independente da
alegação em consideração, e da quantidade das evidências relevantes que as
evidências da pessoa incluem. Além disso, como fica claro, nem mesmo a
sustentação — nem mesmo a conclusividade, que é o limite da sustentação — é
simplesmente uma questão de lógica.

Para que razões sejam conclusivas a respeito de uma alegação — isto é, para que
a sustentem ao grau mais alto possível — não é suficiente que elas impliquem
dedutivamente a alegação. Pois proposições inconsistentes implicam
dedutivamente qualquer outra proposição (de p e não-p, segue-se que q, não
importa o que q possa ser);[249] mas razões inconsistentes não são evidências
conclusivas para qualquer coisa, muito menos para todas as coisas (p e não-p não
é evidência conclusiva para qualquer q, muito menos para todo q).[250] Por
exemplo, suponha que a evidência é: que o assassino é ou Smith ou Jones; que a
pessoa que cometeu o assassinato é canhota; que Smith é destro; e que Jones é
destro. Isso implica dedutivamente que Jones é o culpado; e que Smith é o
culpado; e que alienígenas são os culpados. Mas certamente não é evidência
conclusiva para uma qualquer dessas alegações, muito menos para todas elas.
Entretanto, se a evidência fosse: que o assassino é ou Smith ou Jones, que a
pessoa que cometeu o assassinato é canhota, que Smith é destro, e que Jones é
canhoto, seria conclusiva a respeito de Jones ser o culpado. Assim, a
conclusividade exige que a evidência implique dedutivamente a alegação em
consideração, mas não a sua negação também; isto é, que implique
dedutivamente essa alegação de forma diferencial, e não só em virtude do fato de
que, sendo inconsistente, implica toda proposição, não importa qual.[251]
O princípio de que tudo se segue dedutivamente a partir de uma
contradição é um princípio da lógica clássica. Então os lógicos não clássicos
podem objetar que, embora a inferência a partir de “p e não-p” para um “q”
arbitrário seja válida na lógica clássica, há toda uma gama de sistemas não
clássicos — lógicas paraconsistentes, lógicas da relevância, lógicas conexivas
etc. etc. — nos quais essa inferência não é válida; e propor que conciliemos a
conclusividade das evidências com a implicação dedutiva apelando para tais
lógicas. Suspeito que a motivação para tais sistemas fora do padrão deriva ao
menos em parte de uma confusão entre questões lógicas e epistemológicas; mas
não descarto a possibilidade de que possam lançar alguma luz sobre o modo
como as evidências inconsistentes poderiam, em algumas circunstâncias, ser
mais do que simplesmente indiferentes a respeito da sustentação.[252]
Mais uma vez, os advogados poderiam protestar que depoimentos
inconsistentes podem ser extremamente informativos. De fato, podem ser; mas
que a testemunha A diz que p, enquanto a testemunha B diz que não-p, não
constitui evidência inconsistente no sentido em questão aqui (isto é, evidência na
forma “p e não-p”). É verdade que uma pessoa que esteja ciente de uma
inconsistência nas evidências dela no que concerne alguma alegação está numa
posição parecida com a de um advogado diante de depoimentos inconsistentes;
e, se ele é sensato, tentará identificar as crenças de fundo responsáveis pela
inconsistência, e avaliar se são mais bem garantidas. A testemunha A viu o
assassinato de perto, um jurado poderia assim raciocinar, a B viu de longe, então
o depoimento da A é mais provável de estar correto; ou: A é o cunhado do réu,
enquanto B é um estranho para ele, então B tem menos motivos para mentir. Um
cientista que percebe que há uma inconsistência em suas evidências pode
raciocinar de um jeito parecido: “minha confiança de que o DNA é composto de
quatro nucleotídeos em ordem regular é menos bem garantida que minha
confiança de que a virulência bacteriana está contida no ácido nucléico, não em
proteínas; então, entre a minha evidência de que o DNA é o material genético, e
minha evidência de que ele não é, a primeira é mais provável de estar correta”.
Mas isso é bem compatível com o meu propósito, que é mostrar que evidências
inconsistentes não são evidências conclusivas.
***

Contra o fundo das disputas familiares entre as alas indutivista e dedutivista do


Velho Deferencialismo, pode parecer que reconhecer de que existem evidências
sustentadoras-mas-nã0-conclusivas equivaleria a declarar apoio ao partido
indutivista. Mas não é assim. Há evidências-sustentadoras-mas-não-conclusivas;
mas não há uma lógica indutiva sintaticamente caracterizável, pois a sustentação
por evidências não é uma matéria puramente formal.
David Mackay observa que, embora as evidências derivadas daquele
meteorito não sejam definitivas, “a explicação mais simples é vida marciana
primitiva”. Ele considera correto que até ali as evidências sustentavam a ideia de
vida marciana primitiva porque ter existido vida bacteriana em Marte há muito
tempo explicaria como as coisas vieram a ser do jeito que as evidências dizem.
E, estando ele certo ou não acerca de vida bacteriana em Marte, ele tem razão em
presumir uma conexão entre a sustentação e a explicação.
A conexão não é, contudo, simplesmente que as evidências sustentam uma
alegação em virtude de ela ser a melhor explicação para as evidências. A
sustentação por evidências não é categórica, mas uma questão de grau. Que haja
uma incidência significativamente maior de câncer de pulmão em fumantes do
que em não-fumantes, por exemplo, é algo que sustenta a alegação de que fumar
causa câncer de pulmão; mas o grau de sustentação é realçado de forma muito
significativa pelas evidências adicionais de danos genéticos específicos
associados ao câncer de pulmão e causados pelo fumo. Além disso, há aquele
“reforçamento mútuo entre uma explicação e o que ela explica”.[253] No exemplo
dado, as evidências sustentam a alegação em virtude do potencial da alegação de
explicar as evidências. Mas a conexão explicativa pode ir em ambos os sentidos;
em outros casos, é alternativamente uma questão de as evidências
potencialmente explicarem a alegação. Que haja um cavado de baixa pressão se
movendo para sudeste, por exemplo, é algo que sustenta a alegação de que o
furacão Floyd virará para o norte antes que chegue à costa sul da Flórida, pois
haver tal cavado de baixa pressão explicaria a curva do furacão para o norte.
Então “a inferência à melhor explicação” é muito unidirecional, e captura
somente uma pequena parte de um cenário maior no qual o grau de sustentação
pelas evidências é atado ao grau de integração explicativa das evidências à
alegação em questão.
A integração explicativa é um conceito bonito, mas não é fácil de
descrever. Mas está claro, em todo caso, que nem a explicação nem, a fortiori, a
integração explicativa ou a sustentação por evidências podem ser conceitos
estreitamente lógicos. Pois a explicação, como a previsão, exige a classificação
das coisas em tipos reais. Sabendo que os gansos migram para o sul quando
tempo esfria, prevemos que quando o tempo estiver mais frio este ganso vai voar
para o sul, e explicamos que este ganso voou para o sul porque o tempo ficou
mais frio — o que só é possível porque a classificação de alguma coisa como um
ganso identifica-lhe como em um tipo cujos membros se comportam dessa e
daquela forma. Há a mesma generalidade tácita nos exemplos anteriores: por
exemplo, se “cavado de baixa pressão” e “furacão” não capturaram fenômenos
meteorológicos reais conectados por leis reais, a previsão seria injustificada e a
aparência de explicatividade seria falsa. A explicatividade não é um conceito
puramente lógico, mas mundano.
Então, se pensarmos na sustentação como uma relação entre frases, será
uma relação sensível ao vocabulário, que exige predicados que identifiquem
tipos; em outras palavras, não será sintática, uma questão apenas de forma, mas
amplamente semântica, dependente das extensões dos predicados envolvidos. (O
ponto é encoberto, mas não anulado, se pensarmos na sustentação, em vez disso,
como uma relação entre proposições.) Isso sugere a razão pela qual os cientistas
se encontram com tanta frequência obrigados a modificar o vocabulário de sua
área, mudando o uso de termos velhos e introduzindo novos: um vocabulário
pode não apenas ser mais ou menos conveniente ou mais ou menos transparente
no significado, mas também — o que é mais importante — mais ou menos bem
sucedido em identificar tipos de coisas, substâncias ou fenômenos.

O quão plausível é um item nas palavras cruzadas é algo que depende não só da
qualidade do encaixe com a dica e com outros itens já respondidos que cruzam
com ele, mas também do quão plausível são esses outros itens, independente do
item em consideração, e do quanto já foi respondido do jogo completo.
Analogamente, o grau de garantia de uma alegação para uma pessoa em um
tempo depende não só do quão sustentadoras são as evidências dela, mas
também do quão abrangentes elas são, e do quão seguras são as suas razões,
independente da própria alegação.
As evidências de uma pessoa são as melhores evidências a respeito de uma
alegação quanto mais (menos) garantidas forem suas razões a favor da (contra a)
alegação em questão, independente de qualquer apoio dado a elas por aquela
alegação em si. Assim (em linha com o segundo jeito possível de tratar razões
em que se acredita de forma fraca) podemos incluir uma proposição entre as
razões de uma pessoa se ela lhe der algum grau de credibilidade, sem dar mais
peso do que deveríamos a razões em que se acredita parcialmente; pois as “p” ou
“q” sem ressalvas incluídas como substitutas serão menos independentemente
seguras do que a “possivelmente p” ou “talvez q” com essas ressalvas, que
representariam mais precisamente o baixo grau de credibilidade dado pela
pessoa. Uma razão fracamente credível para uma alegação contribuirá menos
para a garantia dela.
Apesar de a cláusula da segurança independente mencionar a garantia, não
há uma circularidade viciosa. Em um jogo de palavras cruzadas, a razoabilidade
de um item depende em parte de seu encaixe aos outros itens, e
consequentemente do quão razoáveis eles são, independente do item em
consideração. Similarmente, a garantia de uma alegação depende em parte da
garantia de outras alegações que a apoiam, independente de qualquer apoio dado
a elas pela própria alegação. Esse entrelaçamento de alegações e teorias que se
sustentam mutuamente não oculta um círculo vicioso, não mais que o
entrelaçamento de palavras cruzadas que se sustentam mutuamente. Também
não nos ameaça com uma regressão infinita, nem deixa a malha toda flutuando
no ar; pois as evidências experienciais, que não têm necessidade de garantia,
funcionam como âncora para as alegações científicas, como as dicas o fazem
para os itens das palavras cruzadas.
A qualidade das evidências de uma pessoa, e, portanto, o grau de garantia
de uma alegação para ela, também depende da quantidade das evidências
relevantes que as suas evidências incluem. A abrangência é um dos
determinantes da qualidade evidencial, não uma consideração a posteriori a ser
relegada à metodologia. (Um delineamento preciso do critério da abrangência,
no entanto, chamaria por uma extensão da concepção de evidência na qual me
apoiei até aqui; pois nesse contexto “todas as evidências relevantes” tem de
significar algo como “respostas a todas as perguntas relevantes”.) Mesmo se
apoiar firmemente a alegação em questão, mesmo se for muito segura em si, a
evidência é de pior qualidade na medida em que informações relevantes
estiverem ausentes. A fragilidade na dimensão da abrangência tende a tornar as
evidências enganosas, isto é, sustentadoras para uma conclusão falsa; e já que as
evidências concernentes a uma alegação científica nunca são absolutamente
abrangentes, sempre há a possibilidade de que, conforme novas evidências
emergem, as evidências até aquele ponto revelar-se-ão terem sido antes
enganosas.
Pelo motivo de os determinantes da qualidade evidencial serem
multidimensionais, e de uma alegação poder se dar bem em uma dimensão, e
outra alegação em outra, não se assegura uma ordenação linear de alegações
rivais no que diz respeito aos graus de garantia. Além disso, as três dimensões
interagem. Uma evidência que é ruim na dimensão da abrangência é com
frequência também ruim na dimensão da sustentação; enquanto uma evidência
que é muito sustentadora para uma alegação com frequência é carente de
segurança independente.
Isso lança alguma luz na velha discordância a respeito do status da
evidência negativa. A tese do Popper de que as alegações científicas podem ser
falseadas, mas não verificadas ou confirmadas, deriva em parte de seu critério da
demarcação (que iguala o “científico” ao “falseável”), e em parte do pressuposto
de que um único exemplo negativo refuta uma generalização. A posição
atribuída a Quine e Duhem, em contrapartida, é que as leis e generalizações
científicas não são mais decisivamente falseáveis do que são decisivamente
verificáveis. À parte o problema da demarcação, não há discordância a respeito
da relação evidencial entre os exemplos negativos e as generalizações. Popper
tem razão, é claro, que a evidência negativa precisa ser levada em consideração;
e tem razão, por exemplo, que haver um cisne negro no aeroporto de Perth a uma
dada hora é uma razão conclusiva contra a generalização de que todos os cisnes
são brancos. Mas os seus críticos têm razão em insistir que isso não resolve a
questão. A conclusividade é o mais alto grau da sustentação; mas a sustentação é
apenas uma dimensão da qualidade evidencial. Ela não garante a decisividade,
que exigiria, adicionalmente, que a razão conclusiva fosse independentemente
segura de forma perfeita, e que compreendesse todas as evidências relevantes.[254]
Garantia — A Concepção Social
Agora, permita-me voltar minha atenção à garantia de uma alegação para um
grupo de pessoas.[255]
Em 1954, George Gamow fundou o Clube de Gravatas do RNA, um grupo
de 20 pessoas — uma pessoa para cada aminoácido — devotado a descobrir a
estrutura do RNA e a forma como ele constrói as proteínas. Cada membro tinha
que ter uma gravata preta de RNA bordada com uma cadeia de açúcar-fosfato e
purinas e pirimidinas amarelas, e um broche de gravata com a abreviação em três
letras de seu respectivo aminoácido; depois houve até materiais de papelaria do
Clube de Gravatas do RNA, com uma lista de oficiais (“Geo Gamow,
Sintetizador; Jim Watson, Otimista; Francis Crick, Pessimista; ...”).[256] Muito
poucas comunidades científicas, no entanto, são tão definitivamente
identificáveis quanto essa; a noção de uma comunidade científica é notoriamente
vaga, e a especificação de critérios pelos quais uma comunidade é científica, sem
falar no que deve contar como uma comunidade do tipo, é uma tarefa
descomunal de difícil.
Na verdade, “a” comunidade científica à qual os filósofos da ciência às
vezes se referem com otimismo é provavelmente mais mítica do que real; na
realidade é um monte de subcomunidades em constante mudança, algumas
firmemente interconectadas e algumas mais frouxas, algumas aninhadas em
outras e algumas com sobreposição, algumas efêmeras e algumas persistindo por
muitas gerações de dedicados. Então não tem problema que eu drible os
problemas vexatórios a respeito da individuação das comunidades e
subcomunidades científicas, pois a minha presente tarefa é especificar do que
depende o grau de garantia de uma alegação para qualquer agrupamento de
cientistas, seja o agrupamento uma subcomunidade unida ou um grupo disperso
e artificial.
“A experiência de um homem não é nada se ficar sozinha”, escreveu C. S.
Peirce,[257] querendo dizer que o engajamento de muitas pessoas, intra e
intergeracional, é uma das maiores qualidades da empreitada científica. Ele tinha
razão; e não apenas porque isso permite às ciências estender seu alcance
evidencial para bem além daquele de qualquer indivíduo. Mas não é uma bênção
sem ambiguidades. Pois em qualquer grupo de cientistas provavelmente haverá
discordâncias a respeito da alegação cuja garantia está em consideração, e a
respeito das razões a favor ou contra essa alegação; as evidências experienciais,
além disso, são sempre as evidências experienciais de algum indivíduo; e até no
grupo mais unido de cientistas haverá falhas de comunicação, com cada membro
obtendo acesso apenas imperfeito às evidências dos outros.
Dado que indivíduos diferentes dentro de um grupo de cientistas podem
discordar não apenas no grau de credibilidade que dão à alegação em questão,
mas também nas suas crenças de fundo, não podemos interpretar as evidências
do grupo como uma simples soma de todas as evidências dos membros. Mas a
analogia das palavras cruzadas sugere uma forma de superar essa primeira
dificuldade. Pense em muitas pessoas trabalhando nas mesmas palavras
cruzadas, concordando que a nº 2 vertical é “flagrante”, e a nº 3 horizontal é
“gigante”, mas discordando a respeito da nº 4 horizontal, que alguns pensam que
é “intenção” e outros pensam que é “intensão”. O que determinaria a
razoabilidade, dadas as evidências possuídas por esse grupo de pessoas, de um
item que depende da nº 4 horizontal? Presume-se que o que determinaria é a
razoabilidade se a resposta em disputa para o item é ou “intenção” ou “intensão”
(ou equivalente, uma vez que as respostas rivais concordam nas primeiras letras,
se as últimas letras forem “ção” ou “são”). Similarmente, onde há discordância
nas crenças de fundo dentro de uma comunidade científica, a melhor abordagem
pode ser interpretar que as evidências do grupo contêm não a conjunção das
crenças de fundo rivais, mas a sua disjunção. Entretanto, essa solução geral
precisará de ajustes consideráveis para acomodar as discordâncias de diferentes
qualidades: a comunidade pode, por exemplo, estar mais ou menos dividida ao
meio, ou pode haver apenas um dissidente.
É sempre uma pessoa individual que vê, ouve, recorda etc. No trabalho
científico, no entanto, muitas pessoas podem fazer observações da mesma coisa
ou evento; de um eclipse a partir de observatórios nos hemisférios norte e sul,
por exemplo. Ao observar a mesma coisa ou evento de diferentes lugares, os
cientistas têm acesso a uma parte maior da informação que a coisa ou evento
provê. E, quando muitas pessoas fazem a mesma observação, elas podem
discriminar as excentricidades das percepções de um indivíduo em particular do
que pode ser percebido por todos os observadores normais. Às vezes, uma
pessoa alega que pode ver o que ninguém mais consegue: todas as observações
que supostamente confirmavam que a diluição homeopática da peçonha de
abelha diminui a granulação das células sanguíneas, aparentemente, foram feitas
por uma observadora, Elisabeth Davenas. Em tais circunstâncias, a pessoa
envolvida é um observador especialmente talentoso (como Jacques Benveniste
afirma sobre a Srta. Davenas), ou então ele ou ela está, como dizemos, “vendo
coisas” (como John Maddox e a equipe da Nature que ele mandou para
investigar o trabalho do laboratório do Benveniste afirmam que a Srta. Davenas
deve estar).
Ao contar com as observações dos outros, os cientistas dependem da
competência perceptual desses outros, do funcionamento dos instrumentos dos
quais dependem, e da honestidade e precisão de seus relatos. É uma questão não
só de simples crédito mútuo, mas de confiança mútua justificada (geralmente
com âncora implícita nas credenciais do observador ou do instrumento). Os
cientistas, de modo razoável, levarão em conta que o compromisso de um
observador com essa ou aquela teoria pode fazê-lo mais propenso que outros a
notar alguns aspectos do que ele ou ela vê; e, se têm base para suspeitar que o
observador tem defeitos perceptuais, falhas de instrumento, desonestidade ou
autoengano — seja diretamente ou, no caso daqueles experimentos com
homeopatia, pela razão de os supostos resultados serem tão extraordinários —
podem duvidar razoavelmente da confiabilidade dos seus relatos observacionais.
Em um grupo de cientistas, mesmo se cada um tiver as suas próprias evidências
experienciais, a maioria depende das evidências de segunda mão dos outros.
Assim, a garantia de uma alegação para o grupo dependerá em parte do quão
razoável é a confiança de cada membro nos relatos dos outros sobre as suas
observações; e em parte (agora chego na terceira dificuldade mencionada antes)
da qualidade da comunicação dentro do grupo.
Não parece muito apropriado permitir que uma alegação é garantida para
um grupo no qual as evidências não são compartilhadas, mas meramente
dispersas: como no caso de dois cientistas com uma distância de séculos entre si,
o mais recente não conhecendo o trabalho do mais antigo, ou no caso de grupos
de pesquisa rivais, nenhum dos quais tendo visto os relatórios do outro. Não
consideraríamos uma alegação bem garantida para um grupo de pessoas, mesmo
se entre si possuíssem evidências fortes a favor dela, ao menos que as evidências
fossem comunicadas entre os membros do grupo. Somente quando as evidências
são compartilhadas — como no caso de muitas pessoas trabalhando na mesma
parte das palavras cruzadas que podem espiar sobre os ombros umas das outras
— a sua junção evidencial pode garantir uma alegação. “Eficiência de
comunicação” cobre toda uma gama de problemas: o quão efetivos são os
processos de revisão e publicação em assegurar que bons trabalhos sejam
publicados rápido, e não submersos num mar de trabalhos inferiores; o quão
bons são os meios de encontrar material relevante; a que ponto as conferências
conseguem ser ocasiões para a comunicação genuína e a informação mútua em
vez de mera autopromoção e networking; o quão cogente e clara é a forma como
os trabalhos são apresentados.
Assim, poderíamos pensar no grau de garantia de uma alegação para um
grupo de cientistas como sendo o grau de garantia dessa alegação para um
indivíduo hipotético cujas evidências são a junção das evidências de todos os
membros do grupo, só interpretadas de modo a incluir não as conjunções, mas as
disjunções das razões disputadas, e descontadas por alguma medida do grau ao
qual cada membro está justificado ao acreditar que os outros são observadores
confiáveis e idôneos, e da eficiência ou ineficiência da comunicação interna ao
grupo.
Garantia — A Concepção Impessoal
Agora posso dizer algo a respeito da concepção impessoal, do grau de garantia
de uma alegação a um tempo, simplesmente.
Quando, observando a ciência do lado de fora, pergunta-se quais alegações
e teorias são bem garantidas e quais são mal garantidas, é essa concepção
impessoal que é a mais saliente. Mas dizer que uma alegação ou teoria é bem ou
mal garantida a um tempo deve ser entendido como uma forma elíptica de se
dizer que é bem ou mal garantida pelas evidências possuídas por alguma pessoa
ou algum grupo de pessoas àquele tempo. E, já que uma alegação pode ser bem
garantida para este grupo ou pessoa, mas mal garantida para aquele grupo ou
pessoa, a questão é de quem são as evidências das quais se considera
implicitamente que a garantia “impessoal” depende.
Interpretarei que ela depende das evidências de uma pessoa ou grupo cujas
evidências são, em certo sentido, as melhores. “Em certo sentido” pois neste
contexto “melhores evidências” significam “melhores indicadores da provável
verdade da alegação ou teoria em questão”. Esta é uma adaptação de uma
concepção legal de “melhores evidências”,[258] e não deve ser confundida com
“melhores evidências” no sentido de “evidências que dão o maior grau de
garantia para a alegação ou teoria em questão”. A diferença é que, no sentido
relevante aqui, o que importa é o quão seguras e abrangentes são as evidências,
sejam elas apoiadoras ou abaladoras, favoráveis ou desfavoráveis à verdade da
alegação em questão.
Quando há comunicação eficiente dentro de um grupo, as evidências
compartilhadas no grupo podem ser melhores do que as de qualquer membro
individual; mas, quando a comunicação interna ao grupo é ruim, as evidências de
um indivíduo podem ser as melhores. Por exemplo, depois de tentar sem sucesso
atrair o interesse do Karl Nägeli por seu trabalho, Gregor Mendel publicou o
artigo dele “Experimentos em Hibridização de Plantas” no periódico da
Sociedade de Ciência Natural em Brunn, Morávia, onde mofou sem leitores por
décadas; então, por um tempo, as evidências dele a respeito da teoria particulada
da herança eram bem melhores do que as de qualquer outro — em ambos os
sentidos. A teoria era mais garantida para ele do que para qualquer outro, mas as
evidências dele eram também as melhores no sentido em causa aqui: isto é, os
melhores indicadores da verdade provável da teoria. Eram também, no sentido
relevante, as melhores evidências a respeito da teoria rival, a da mistura; para a
qual, no entanto, eram desfavoráveis.
Mais uma vez: em 1944, Oswald Avery não estava pronto para dizer em
suas publicações científicas, como ele sugeriu em uma carta a seu irmão, que os
seus experimentos indicavam que o DNA, e não a proteína, é o material
genético. Então, por um tempo, as evidências dele a respeito da hipótese da
proteína como material genético eram, no sentido em causa aqui, melhores do
que as de qualquer outro: isto é, os melhores indicadores da verdade provável da
hipótese — mas desfavoráveis. As evidências dele também eram, no sentido
relevante, as melhores evidências a respeito da hipótese rival do DNA como
material genético; para a qual, é claro, eram favoráveis. Muito depois, no
entanto, em seu manual de biologia molecular, Watson referir-se-ia à “bomba de
Avery”, a “primeira prova real do papel genético dos ácidos nucléicos”;[259] e, no
calendário da Universidade Rockefeller para o ano acadêmico de 2001, ao lado
de uma foto charmosa do Avery usando um chapéu engraçado na festa de natal
da Rockefeller em 1940, o texto nos informa que foi Avery, com seus colegas
Colin MacLeod e Maclyn McCarty, quem “mostrou pela primeira vez que os
genes são feitos de DNA”.
Garantia, Justificação e Confirmação
Agora posso enfrentar a questão da relação da garantia aos outros conceitos
como a justificação e a confirmação.
Para que uma alegação seja garantida em algum grau, exigirei (não que as
evidências indiquem que a alegação é mais provável do que sua negação, mas)
somente que as evidências indiquem que a alegação é provável a um nível não-
desprezível. A alegação p é bem garantida para um indivíduo se as suas
evidências indicam firmemente que p; a alegação é garantida o bastante para ele
se as suas evidências têm força o bastante para indicar que p; é garantida de
forma fraca para ele se as suas evidências fracamente indicarem que p; e é não
garantida para ele se as suas evidências não indicarem que p — seja porque
indicam que não-p, ou porque são empobrecidas demais até para indicar
fracamente p ou não-p.
Que uma alegação seja altamente garantida para uma pessoa não é algo
que assegure que ela está em boa forma epistêmica a respeito dessa alegação.
Um cientista pode aceitar como verdadeira uma alegação com maior ou menor
confiança; ou aceitar a sua negação como verdadeira com maior ou menor
confiança; ou não dar credibilidade à alegação nem à negação. Idealmente, ele
daria à p o grau de credibilidade que ela merece. Mas ele pode não alcançar esse
ideal porque p é bem garantida para ele, mas ele dá a ela credibilidade baixa
demais, ou porque p é mal garantida para ele, mas ele dá a ela credibilidade alta
demais. Essas falhas podem ser descritas, respectivamente, como subcrença e
sobrecrença.
Além disso, podem não ser as evidências que um cientista possui que o
levam a dar a uma alegação um determinado grau de credibilidade. Ele pode dar
algum grau de credibilidade a uma alegação porque está impressionado pelo fato
de que uma figura influente em sua profissão a endossou, ou porque quer muito
que as coisas sejam como a alegação diz que são, ou etc. Em cujo caso direi que,
mesmo que a alegação esteja garantida para ele, ele não tem justificação ao dar o
grau de credibilidade que lhe dá.[260] (Nota para Karl Popper: a justificação, no
sentido explicado há pouco, é uma noção parcialmente causal; e as evidências
experienciais podem contribuir para a justificação da crença de uma pessoa
precisamente ao contribuir causalmente para que ela aceite a crença.)
A qualquer tempo, algumas alegações científicas e teorias são bem
garantidas; outras são mal garantidas, se garantidas de todo; e muitas estão entre
um estado e outro. Às vezes, várias alegações concorrentes podem todas ser
garantidas a certo grau. Quando ninguém tem evidências boas o suficiente para
decidir, uma alegação e a sua negação podem ser ambas não garantidas; em cujo
caso a melhor opção é — admitindo que, no momento, simplesmente não
sabemos — procurar por mais evidências e vasculhar nossos cérebros por outras
hipóteses candidatas
A maior parte das alegações e teorias científicas começam como
conjecturas informadas, mas altamente especulativas; algumas parecem estar
próximas de certas por um tempo, e depois se revelam erradas; algumas parecem
estar fora de cogitação por um tempo, e depois se revelam corretas. Muitas, por
fim, são consideradas em parte certas, mas também em parte erradas. Algumas
sofrem mutação, mudando no conteúdo para sobreviver às novas evidências de
uma forma adaptada. Idealmente, o grau de credibilidade dado a uma alegação
pela subcomunidade científica relevante a um tempo — presumindo que
possamos dar algum sentido a essa ideia não muito clara — estaria
correlacionado apropriadamente ao grau de garantia da alegação àquele tempo.
Os processos pelos quais uma comunidade científica coleta, peneira e pesa as
evidências são falíveis e imperfeitos, então o ideal de forma nenhuma é sempre
atingido; mas são bons o suficiente que se pode fazer a aposta razoável de que
muito da ciência contida no manual está correta, enquanto só uma fração da
ciência de fronteira de hoje sobreviverá, e a maior parte enfim terá se revelado
equivocada. É só uma aposta razoável, no entanto; todas as coisas nos manuais
já foram um dia ciência especulativa de fronteira, e a ciência de manual às vezes
se revela embaraçosamente errada.

Direi que uma alegação está confirmada quando evidências adicionais aumentam
o seu grau de garantia, com o grau de confirmação dependendo do incremento de
garantia. Assim interpretado, o conceito de confirmação não apenas é distinto
dos conceitos de garantia e sustentação, mas os pressupõe. Alguns Velhos
Deferencialistas, no entanto, usaram “confirmar” sem diferenciá-lo de
sustentação, garantia e confirmação. As confusões geradas por tais ambiguidades
permanecem, por exemplo, na ideia ainda comum de que as evidências já
possuídas no tempo em que uma teoria foi proposta não podem sustentá-la; o
que parece plausível somente se a sustentação e a confirmação são postas juntas.
[261]

Na minha aplicação da palavra, podemos descrever que evidências


confirmam um alegação (1) quando novas evidências, isto é, evidências das
quais ninguém tinha posse antes, elevam o seu grau de garantia; (2)
retrospectivamente, quando uma alegação antes já garantida a algum grau
tornou-se mais garantida quando emergiram determinadas evidências então
novas, mas agora familiares; ou (3) para avaliar o grau de garantia de uma
alegação relativo a determinadas evidências, e depois relativo a essas evidências
acrescidas de evidências adicionais não incluídas antes no cômputo.
Isso sugere uma forma de abordar uma antiga controvérsia a respeito de
previsões verdadeiras serem especialmente confirmatórias. Por um lado, é
deveras impressionante que astrônomos prevejam que o cometa Halley
reaparecerá ou que o sol passará por um eclipse em determinado tempo futuro, e
acertem. Por outro lado, é deveras intrigante que o fato de que uma afirmação
diz respeito ao futuro pudesse, por si só, imbui-la de qualquer importância
epistemológica especial. A explicação é que, embora seja correta a intuição de
que a previsão bem-sucedida pode ser fortemente confirmatória, a razão disso
não é simplesmente que é uma previsão verdadeira. A verificação de uma
previsão derivada de uma alegação é sempre evidência nova, no sentido exigido
por (1) ou (retrospectivamente) por (2). Entretanto, novas evidências podem
concernir eventos passados e não apenas os futuros; por exemplo, se um cálculo
astronômico tem como consequência que houve um eclipse solar em um
determinado tempo na história antiga, e depois novas evidências são encontradas
que de fato houve, essa “pós-visão” confirma a teoria tanto quanto uma
verdadeira previsão o faria. Além disso, evidências adicionais no sentido em (3),
mesmo se não forem novas evidências nos sentidos em (1) e (2), podem também
ser confirmatórias.
Até este ponto, eu disse apenas que as evidências confirmatórias elevam o
grau de garantia de uma alegação. No uso comum, no entanto, “confirmar” é
muitas vezes usado de forma comparativa, para indicar que evidências adicionais
garantem p acima de alguma rival q. Poderíamos dizer que as evidências
adicionais que elevam o grau de garantia de p mas diminuem o grau de garantia
de q “confirmam p acima de q”. No uso comum, mais uma vez, “confirmar”
também carrega com frequência uma sugestão de que a alegação confirmada
está agora não meramente mais garantida, mas firmemente garantida.
Poderíamos dizer que as evidências adicionais que elevam o grau de garantia de
p para além de algum limiar especificado são “fortemente confirmatórias”.
Talvez você tenha notado que, apesar de eu ter falado em termos de graus
de credibilidade, graus de garantia e graus de confirmação, e, ocasionalmente, de
probabilidades, até agora evitei falar diretamente de “provável”. A este ponto, a
razão deve estar bem óbvia: o cálculo clássico de probabilidades, originalmente
concebido para representar a matemática dos jogos de azar, parece se encaixar
mal no papel de graus de garantia. Dificilmente poderia constituir uma teoria da
garantia, se este conceito for tão sutil e complexo quanto parece ser. Também
não poderia constituir um cálculo de graus de garantia; pois a probabilidade de p
e a probabilidade de não-p devem dar 1 na soma, mas, se há evidências
insuficientes para decidir entre elas, nem a alegação nem a sua negação podem
ser garantidas a qualquer grau. Por exemplo, os cientistas acreditam agora que a
doença da vaca louca é causada por príons, moléculas proteicas dobradas de
forma anômala dentro da célula;[262] mas nem esta alegação nem a sua negação
eram sequer inteligíveis até que o conceito de macromolécula foi desenvolvido,
e nenhuma delas tinha garantia a qualquer grau até que a significância do
dobramento de macromoléculas começou a ser entendida, e a doença da vaca
louca foi identificada.
Naturalmente, dadas as minhas reservas acerca do probabilismo em geral,
não tenho inclinação a aceitar especificamente o bayesianismo (também não me
esqueci que até um probabilista tão determinado quanto Carnap alerta contra os
perigos de dar um peso epistemológico grande demais ao teorema de Bayes).
Claro, não há nada de errado com o teorema em si, enquanto teorema do cálculo
de probabilidades; e, presume-se, quando se engajam em raciocínio estatístico,
os cientistas às vezes calculam probabilidades do modo bayesiano. Contudo,
como reconhecem até os bayesianos mais entusiásticos, os graus de
credibilidade, interpretados de forma puramente descritiva, não precisam
satisfazer os axiomas do cálculo de probabilidades; podem não ser coerentes. E
se, como defendi acima, os graus de garantia também não precisam satisfazer os
axiomas desse cálculo, então há boa razão (acima e além de preocupações
familiares a respeito da origem das probabilidades a priori) para negar que o
teorema de Bayes pudesse ser um modelo adequado dos reajustes dos cientistas
para graus de garantia à luz de novas evidências.

Por mais que seja complexa e difusa, a evidência é uma restrição real à ciência.
E, apesar de o grau de garantia de uma alegação a um tempo depender da
qualidade das evidências de alguma pessoa ou de algum grupo àquele tempo, a
qualidade das evidências não é subjetiva ou relativa à comunidade, mas objetiva.
Contudo, não se segue da objetividade da qualidade evidencial que ela seja
transparente para nós. Na verdade, juízos da qualidade das evidências dependem
das crenças de fundo da pessoa que faz o juízo; são questão de perspectiva. Se
você e eu estamos trabalhando no mesmo jogo de palavras cruzadas, mas demos
respostas diferentes para a 4 vertical altamente intercruzada, discordaremos a
respeito do fato que a 12 horizontal termina em um F, ou do fato que termina em
um T, ser algo que faz a nossa resposta plausível. Se você e eu estamos no
mesmo comitê de contratação, mas você acredita que a caligrafia é uma
indicação do caráter enquanto eu penso que isso é besteira, discordaremos a
respeito do fato que um candidato faz laços em seus fs ser relevante para a
possibilidade de contratação — mas a possibilidade de que é relevante depende
da possibilidade de ser verdade que a caligrafia é uma indicação do caráter.
De forma bem geral, os juízos de uma pessoa da relevância das evidências,
e, consequentemente, do quão abrangentes essas evidências são, ou da qualidade
da explicação de uma alegação para determinados fenômenos, e,
consequentemente, do quão sustentadora ela é, estão fadados a depender de seus
pressupostos de fundo. Se a pessoa pensa que a cor da pelagem provavelmente
varia a depender das condições climáticas, ela pensará que é relevante para uma
generalização sobre as variedades de urso se as evidências incluem observações
do Ártico do da Antártida; se ela pensa que a estrutura e a composição de uma
molécula determinam a sua função, insistirá em perguntar, como relata Roger
Kornberg que os biólogos moleculares começaram a perguntar com o advento da
química estrutural, “[c]omo se faz com as peças fundamentais; como se faz com
blocos e os tipos de coisa que sabemos que constituem as moléculas?”[263] E
assim por diante.
Quando há sérias diferenças nas crenças de fundo entre um grupo de
cientistas e outro, haverá discordância até a respeito de quais evidências são as
relevantes para o quê, e a respeito do que constitui uma explicação —
discordâncias que só serão solucionadas se e quando as questões subjacentes
forem resolvidas (ou que podem, como observou notoriamente o Max Planck,
simplesmente evaporar conforme os apoiadores de um lado da disputa se
aposentarem ou morrerem).[264] O que foi considerado relatividade de paradigmas
ou de qualidade evidencial é um tipo de ilusão epistemológica; mais uma vez,
como no exemplo da grafologia, saber se a evidência é relevante, se isso é uma
boa explicação para aquilo, se a evidência é de fato forte ou fraca, se uma
alegação é de fato bem ou mal garantida, é uma questão objetiva.
Às vezes os cientistas sabem que não têm todas as evidências relevantes
para uma questão; e às vezes têm uma ideia astuta de qual é a evidência que
precisam, mas não têm. Porém, às vezes, dadas as evidências que têm, podem
não ser capazes de julgar, ou podem julgar mal, quais evidências adicionais são
necessárias, se alguma. Não podem saber sempre o que é que não sabem; podem
nem ter, a certa altura, o vocabulário para fazer as perguntas cujas respostas
seriam evidências relevantes. Também não podem sempre vislumbrar as
hipóteses alternativas que, se lhes ocorressem, permitiriam que eles revisassem
as suas estimativas da sustentação dada por suas evidências. E assim por diante.
Já que a qualidade evidencial não é transparente, e cientistas só podem fazer o
melhor que puderem, um cientista pode estar sendo razoável ao dar a uma
alegação um grau de credibilidade que é desproporcional à qualidade real e
objetiva de suas evidências, se essa qualidade real é inacessível para ele. A
razoabilidade, assim entendida, é questão de perspectiva.
Para Ilustrar: As Evidências para a Dupla Hélice
Até aqui, este texto foi abstrato de forma austera, para não dizer agonizante. Para
tornar a imagem mais concretamente vívida, considerarei as evidências de
Watson e Crick para o seu modelo da estrutura do DNA; mas primeiro, permita-
me esboçar alguns pontos de referência na história da genética e da biologia
molecular.
Quando, um século antes da descoberta de Watson e Crick, Darwin propôs
a teoria da evolução, ele aceitou implicitamente a teoria da mistura para a
herança (que na verdade apresentava dificuldades à evolução). Darwin não sabia
que Mendel já estava desenvolvendo a teoria particulada; mas a genética
mendeliana não estava integrada à teoria da evolução até os anos 1930.
A quarta edição de um texto padrão sobre os mecanismos da
hereditariedade, publicada em 1951, pouco antes da descoberta de Watson e
Crick, resume o que se sabia à época: que os genes são carregados pelos
espermatozoides ou óvulos ou ambos, já que somente esses gametas ultrapassam
a barreira entre as gerações; que, em geral, dentro de uma espécie,
espermatozoide e óvulo contribuem igualmente para a herança dos genes; que,
uma vez que, apesar de o óvulo ter muito citoplasma, o espermatozoide é quase
todo feito de núcleo, o núcleo deve ser a parte essencial do gameta para a
transmissão de genes; que, dos componentes do núcleo, somente o material da
cromatina é precisamente dividido na mitose e segregado durante a maturação;
que há paralelos notáveis entre o comportamento dos genes como visto nos
resultados de cruzamentos e o comportamento dos cromossomos como visto sob
o microscópio; então “parece ser inescapável a conclusão... de que os genes
mendelianos são carregados nos cromossomos”.[265]
A substância que conhecemos agora como DNA foi descoberta em 1869
por Friedrich Meischer, que a chamou de “nucleína” porque era um componente
do núcleo da célula distinto das proteínas; ele pensou que a função principal dela
era armazenar o fósforo. Em 1889, Richard Altmann conseguira obter a nucleína
livre de proteínas, e sugerira o nome “ácido nucléico”.[266]
No começo do século XX, presumiu-se que a maioria das moléculas
poliméricas eram agregados de moléculas bem menores. A ideia da
macromolécula, o tipo ao qual sabemos agora que o DNA pertence — moléculas
muito longas unidas por ligações covalentes e dobradas de forma compacta na
célula — foi introduzida primeiro pelo Hermann Staudinger em 1922. Foi tão
controversa que, em 1926, quando Staudinger apresentou a ideia à Sociedade de
Química de Zurique, muitos membros distintos na plateia tentaram dissuadi-lo,
e, ao fim da reunião, ele teve que “gritar ‘Hier stehe ich, ich kann nicht anders’
em desafio aos seus críticos”.[267]
Por um bom tempo, a proteína foi considerada o material genético. De
acordo com a hipótese do tetranucleotídeo, geralmente atribuída ao Phoebus
Levene,[268] o DNA era construído com base em quatro nucleotídeos seguindo
um ao outro em uma ordem fixa; e, desse modo, era uma molécula simples
demais para carregar a informação genética (motivo pelo qual, em 1944, Avery
estava publicamente relutante a tirar a conclusão que agora parece óbvia a partir
do seu trabalho). Mas em 1950 a hipótese do tetranucleotídeo foi derrubada
pelas evidências do Erwin Chargaff de que as quatro bases do DNA ocorrem em
proporções com ampla variação em leveduras, bactérias, bovinos, ovinos, suínos
e humanos. A especificidade que poderia ser carregada por sequências diferentes
de nucleotídeos, percebeu Chargaff, “é de fato enorme”. Ainda assim, há uma
uniformidade marcante dentro dessa diversidade — uma equivalência quase
exata na razão de purinas para pirimidinas; “se isso é acidental”, continuou
Chargaff, “não se pode dizer ainda”.[269]
Quando Watson e Crick se interessaram pela composição e estrutura dos
genes e a transmissão de características herdadas, a conjectura de que a proteína
é o material genético já havia sido descartada não só pelo trabalho do Avery (que
mostrou que a virulência bacteriana estava contida no ácido nucléico em vez de
na proteína), mas também pelo rastreamento radioativo de Hershey e Chase (que
mostrou que não é a proteína, mas o DNA de um bacteriófago o que entra na
bactéria e se multiplica).[270] Em A Dupla Hélice, Watson descreve aqueles que
ainda consideravam inconclusivas as evidências para o DNA acima das proteínas
“tolos intratáveis que não falhavam em apostar nos cavalos errados”.[271] Daí o
parágrafo lacônico de introdução do artigo que vou tomar como base (não o
artigo muito curto no qual Watson e Crick anunciaram primeiro a sua descoberta,
mas a publicação mais longa e detalhada, publicada no mesmo ano, em que
sugeriram um mecanismo da replicação do DNA),[272] que observa que “seria
supérfluo discutir a importância do DNA”.
Talvez não seja tão supérfluo, no entanto, acrescentar algumas palavras
para dar uma noção da escala da coisa. As medidas nas quais se baseiam Watson
e Crick estão em unidades angstrom, sendo um angstrom uma parte em dez
bilhões de um metro. Ou, se preferir, eis John Kendrew descrevendo em pés e
polegadas imperiais: “Todo o DNA em um único ser humano alcançaria até além
do sistema solar”, mas “de alguma forma, três pés dele devem estar enovelados
dentro de uma única célula talvez com diâmetro de um milésimo de uma
polegada”.[273]
Considerando certo que o DNA carrega a especificidade genética de vírus
e deve portanto ser capaz de autorreplicação exata, Watson e Crick apresentaram
evidências químicas e físico-químicas que indicam que o DNA é uma longa
molécula fibrosa dobrada sobre si mesma na célula; evidências de que a fibra
consiste em duas cadeias; evidências de que a sua estrutura é uma dupla hélice
de duas cadeias complementares; e um mecanismo possível pelo qual tal
estrutura poderia passar pela autorreplicação exata exigida para carregar a
informação genética.
Eles começam pelo que é conhecido a respeito da fórmula química do
DNA: uma cadeia muito longa, cujo alicerce é feito de uma alternância de
grupos de açúcar e fosfato, juntos por ligações diéster 3’-5’ regulares, com uma
base nitrogenada acoplada a cada açúcar, geralmente uma entre quatro tipos (as
purinas: adenina e guanina; e as pirimidinas: timina e citosina). A estrutura é
regular em um aspecto (as ligações internucleotídeos do alicerce), mas irregular
em outro (a sequência de diferentes nucleotídeos nas bases empilhadas na parte
interna). A análise físico-química envolvendo medidas de sedimentação, difusão,
dispersão da luz e viscosidade indica que o DNA é uma estrutura muito
assimétrica com aproximadamente 20 Å de largura e muitos milhares de
angstrons de comprimento, e relativamente rígida. Esses resultados são
confirmados pela microscopia eletrônica, que revela fibras muito longas com
cerca de 15 a 20 Å de largura.
As evidências para as duas cadeias vêm principalmente do trabalho de
difração de raio X que usa o sal de sódio do DNA extraído do timo de bezerro,
purificado e puxado em fibras. Elas indicam que há duas formas de DNA: a
forma A cristalina e a menos ordenada forma B paracristalina, com um conteúdo
maior de água. A fotografia de raio X indica a distância de espaçamento entre os
nucleotídeos; e a densidade medida da forma A, junto às dimensões celulares,
mostra que deve haver dois nucleotídeos em cada grupo do tipo, então é muito
provável que a unidade cristalográfica consiste em duas cadeias distintas de
polinucleotídeos. A correspondência de medidas indica que a unidade
cristalográfica e a fibra estudada pela microscopia eletrônica são a mesma coisa.
Tudo isso sugere que o DNA deve ser regular o suficiente para formar um
cristal tridimensional, apesar do fato de as suas cadeias componentes poderem
ter uma sequência irregular de nucleotídeos de purina e pirimidina; e, já que
contém duas cadeias, estas devem ser relacionadas regularmente uma à outra.
“Para explicar essas descobertas”, Watson e Crick propõem
uma estrutura na qual as duas cadeias estão espiraladas em
torno de um eixo em comum e unidas por pontes de
hidrogênio entre as bases de nucleotídeo. Ambas as cadeias
seguem hélices destras, mas as sequências dos átomos nos
alicerces de fosfato-açúcar seguem direções opostas e dessa
forma são relacionadas por uma díade perpendicular ao
eixo da hélice. Os grupamentos fosfato e açúcar estão na
parte externa da hélice, enquanto as bases estão na parte
interna. [Para encaixar o modelo às observações do DNA
do tipo B] nossa estrutura tem um nucleotídeo em cada
cadeia a cada 3,4 Å na direção da fibra, e faz uma volta
completa depois de 10 de tais intervalos, isto é, depois de
34 Å. A nossa estrutura é bem definida e todas as distâncias
e ângulos de ligação, incluindo as distâncias de van der
Waals, são estereoquimicamente aceitáveis.
... As bases são perpendiculares ao eixo da fibra e
juntam-se em pares... somente alguns pares encaixar-se-ão
na estrutura, [já que] presumimos que o alicerce de cada
cadeia de polinucleotídeo está na forma de uma hélice
regular. Desse modo, independente de quais bases estejam
presentes, as ligações glicosídicas (que ligam açúcar e
base) estão distribuídas de uma forma regular no espaço...
O resultado é que um membro do par de bases deve sempre
ser uma purina e o outro uma pirimidina para fazer uma
ponte entre as duas cadeias. (p. 125)
Reconhecendo que este modelo ainda não foi ainda mostrado correto, eles
observam que três tipos de evidência o apoiam: evidências de raio X da forma B
sugerem fortemente uma estrutura basicamente helicoidal, com uma alta
concentração de átomos na circunferência da hélice em conformidade com um
modelo com os alicerces para fora, e indicam que as duas cadeias de
polinucleotídeo não estão espaçadas igualmente ao longo do eixo, mas que estão
deslocadas uma da outra por cerca de três oitavos do eixo da fibra (evidências de
raio X da forma A são mais ambíguas); as curvas de titulação anômalas de DNA
não degradado com ácidos e bases sugerem que a formação de pontes de
hidrogênio é característica da estrutura; os dados analíticos mostram que,
embora a razão de adenina para citosina possa variar, a quantidade de adenina é
próxima da de timina, e que a quantidade de guanina é próxima à de citosina
mais 5-metilcitosina — as regras de Chargaff — um “resultado muito
impressionante” que sugere uma estrutura envolvendo pares de base.
“Dessa forma, acreditamos que as evidências experimentais atuais
justificam a hipótese de trabalho de que as características essenciais do nosso
modelo estão corretas...”, concluem Watson e Crick; e continuam para uma
sugestão de que, sob este pressuposto, cada uma das cadeias complementares do
DNA pode servir como um molde para a formação de uma nova cadeia
acompanhante sobre si.

Quase todos os ingredientes essenciais da minha análise dos conceitos de


evidência e garantia encontram-se neste exemplo: graus de garantia, mudando
com o tempo; confirmação, incremento da garantia, conforme novas evidências
emergem; o compartilhamento de recursos evidenciais; evidência positiva e
negativa; evidência observacional e razões trabalhando juntas; o papel dos
instrumentos e técnicas de observação especiais; a estrutura ramificante das
evidências; sustentação, segurança independente e abrangência como
determinantes da qualidade evidencial; a conexão íntima entre a sustentação com
a integração explicativa, e por consequência a sua sensibilidade à identificação
de tipos.
Quando Watson e Crick começaram o seu trabalho, podiam considerar
certo que estavam lidando com um tipo de molécula (do qual se revelou que
havia duas, e, em 1980, quando o DNA com uma curva canhota — o Z-DNA —
foi encontrado, três formas);[274] ou seja, as macromoléculas, cujas estruturas
estavam sendo gradualmente resolvidas; e que estavam em conformidade a essas
e àquelas categorias e leis químicas conhecidas.
As evidências de Watson e Crick incluem ambos resultados experimentais
e observacionais, e outros conhecimentos presumidos de ordem biológica,
química etc. As suas evidências observacionais fiam-se em todo tipo de técnicas
e equipamentos complicados (microscopia eletrônica, cristalografia de raio X,
procedimentos para extrair e purificar a substância em investigação, titulação,
sedimentação etc. etc.). A confiabilidade desses depende, por sua vez, de outras
teorias de fundo e outras evidências observacionais.
Muitas de suas evidências são extraídas do trabalho alheio — a fotografia
de raio X da Franklin, as regras do Chargaff etc. etc. Nas notas do artigo em que
me baseio, 23 outros artigos estão citados; mas esta é apenas a ponta de um
iceberg enorme, pois Watson e Crick também dependem implicitamente de um
vasto corpo que àquele tempo podia simplesmente ser considerado certo como
conhecimento de fundo.
Pela razão de a sua apresentação na fala ou texto precisar ser linear, pode
parecer que a estrutura das evidências deve ser analogamente encadeada. Mas o
caso em mãos mostra o quanto isso está longe da verdade. As evidências que
Watson e Crick apresentam, e o conhecimento de fundo que consideram certo,
não podem ser interpretados de modo plausível de uma forma linear simples.
Envolvem, em vez disso, agregados ramificantes de evidências: a analogia das
palavras cruzadas não vem só à minha mente, mas também, independentemente,
à mente de Paul Meehl[275] — de fato, dado que Watson e Crick intrigavam-se
com A (adenina), G (guanina), T (timina) e C (citosina), a analogia é quase
irresistível.
Há o apoio mútuo: do modelo da dupla hélice por sua capacidade de
explicar a autorreplicação do gene, da explicação da autorreplicação pelo
modelo; do modelo por sua consonância com as regras de Chargaff, da
significância biológica dessas regras por sua consonância com o modelo; da
interpretação daquelas fotografias de raio X como sugestivas de uma dupla
hélice por considerações cristalográficas teóricas, da significância dessas
técnicas pelo poder explicativo do modelo da dupla hélice; e assim por diante.
Há uma interdependência ubíqua entre as evidências perceptuais e o
conhecimento de fundo: entre os padrões observados nas fotografias de raio X e
as considerações teóricas a respeito da cristalografia de raio X, e assim por
diante.
Watson e Crick descartam essa ou aquela hipótese por ser inconsistente
com o que é sabido (assim pensam, com confiabilidade suficiente); como
observou Crick mais tarde, resolver um problema de qualquer complexidade
exige uma sequência completa de passos, e, já que qualquer passo em falso pode
levar ao caminho errado, “é de extrema importância não se deixar cair na
armadilha das próprias ideias erradas”.[276] E, conforme novas evidências
emergem, eles avaliam e reavaliam a probabilidade de que o seu modelo está
correto, bem da forma como se poderia avaliar a razoabilidade de uma resposta a
um item das palavras cruzadas: dados esses e aqueles itens já respondidos, dado
que parecem ser garantidos o suficiente, esta conjectura a respeito da solução
para a 5 vertical pode ser descartada, aquela outra parece mais provável.
Eles argumentam a favor da consistência de sua hipótese com o que já é
sabido/observado; e a favor de sua capacidade de sugerir o mecanismo pelo qual
um fenômeno de ocorrência conhecida poderia funcionar. Fazem alusão a
fundamentos para acreditar na confiabilidade das técnicas das quais dependem; e
apontam para evidências adicionais que, se obtidas, aumentariam ou
diminuiriam a probabilidade de que a sua hipótese fosse verdadeira.
Watson e Crick expressam confiança considerável, mas não perfeita, na
sua estrutura do DNA, menos em seu esquema proposto de duplicação. Já no
momento da publicação do artigo mais longo citado aqui, estão mais confiantes
de sua estrutura em dupla hélice do que estiveram nos artigos mais breves
publicados antes no mesmo ano — mais evidências já tinham surgido. O grau de
garantia relativamente menor dado à sua descrição da duplicação do DNA é
devido a dificuldades que eles só podem ter a esperança de que “não sejam
insuperáveis”. Na verdade, só nos anos 1980, quando foi descartada a hipótese
rival das cadeias lado a lado, que facilitava o problema de saber como as duas
cadeias se separavam, a estrutura da dupla hélice do DNA foi, como diz Crick,
“finalmente confirmada”.[277]
Corvos Pretos, Arenques Vermelhos, Esmeraldas Verduis e Tudo Mais
Comparada às evidências da vida real para alegações científicas da vida real, a
velha preocupação com “isto é um corvo e isto é preto” e sua relação com “todos
os corvos são pretos” parece estupendamente simples e unidimensional. Ainda
assim, pode-se perguntar se tenho algo útil a dizer a respeito de corvos pretos,
arenques vermelhos,[p] esmeraldas verduis e tudo mais; e a resposta é merecida.
Sendo breve: tais enigmas são artefatos das concepções estreitamente lógicas de
evidência, garantia e confirmação que contestei; eles evaporam quando se
reconhece que a sustentação por evidências não é uma questão puramente
formal, mas que depende do conteúdo substantivo dos predicados, do seu lugar
numa malha de crenças de fundo, e da sua relação com o mundo.
O “paradoxo do corvo”, lembre-se, é que se segue de pressupostos
aparentemente óbvios que “y é não-preto e y é um não-corvo”, como “x é um
corvo e x é preto” confirma “todos os corvos são pretos”. Hempel responde que
a conclusão “paradoxal” é verdadeira; só parece contraintuitiva porque
contrabandeamos nas informações de fundo que há muito mais coisas não-pretas
do que não-corvos. Goodman observa que, se fossem todas as evidências, “isto é
não-preto e um não-corvo” confirmaria “todas as coisas não-pretas são não-
corvos” e até “nada é ou preto ou um corvo” além de “todos os corvos são
pretos”. Então, “não é mais surpreendente que, sob as restrições artificiais do
exemplo, a hipótese de que todos os corvos são pretos é também confirmada”.
[278]
Mas o exemplo é muito mais artificial do que até Goodman e Hempel
reconhecem.
Com “confirmação”, Hempel e Goodman querem dizer confirmação
relativa, concebida como uma relação entre proposições análoga à implicação
dedutiva, mas mais fraca que ela. Mas a sustentação por evidências é bem menos
parecida com a implicação dedutiva do que eles consideram que a
“confirmação” é: depende da integração explicativa, que não é claramente
atomística, mas uma questão do intercruzamento de evidências, e não puramente
sintática, mas sensível ao conteúdo e extensão dos predicados. Além disso, não
está claro que sequer faça sentido imaginar que alguém tenha apenas a evidência
que isto é não-preto e um não-corvo, ou que aquilo é preto e um corvo, sem
saber nada sobre o que é um corvo, o que é uma ave etc.
Na verdade, o dicionário Webster (nona edição, 1991) define um corvo
como uma ave corvídea de cor preta lustrosa, onde “corvídeo” significa “da
família dos corvos”; e rotineiramente identificamos aves como corvos com base
parcialmente em sua cor — embora meu livro de ornitologia descreva que o
corvo de Chihuahua tem uma fina faixa de penas brancas no pescoço, e os
ornitólogos pudessem descobrir uma variedade aparentada idêntica aos corvos
familiares exceto pela cor. Mas o ponto importante aqui é que “corvo” não é um
simples termo observacional, mas um predicado de tipo; e que, mesmo no mais
simples dos casos de sustentação de uma generalização científica por exemplos
observados, leis e tipos estão envolvidos implicitamente.
Sabemos que em algumas espécies de ave muitos esquemas de cores são
encontrados, que em algumas há diferença de cor entre machos e fêmeas, ou
variedades de cores diferentes em diferentes zonas climáticas, ou mudanças
sazonais de plumagem; e que há albinos ocasionais. Sendo a classe de todos os
corvos, embora finita, não pesquisável, temos de descobrir — checando machos
e fêmeas, variedades de zona temperada e não temperada, plumagem de verão e
de inverno etc. — que nó de propriedades reúne todas as coisas do tipo, e quais
propriedades valem apenas para alguns, e quais, e por quê. É por isso (assim
como no trabalho do Chargaff com o DNA) que nos preocupamos com a
variação dos exemplos, mais interessados em um corvo fêmea preto do que em
mais outro corvo macho preto, mais em um corvo preto do Ártico que em mais
outro corvo preto de uma zona temperada, e mais em um cisne preto ou papagaio
azul do que em um sapato branco ou arenque vermelho.
O enigma do Goodman é chamado de “novo enigma da indução” porque realoca
o velho problema do Hume: já que não todos, mas só alguns predicados são
indutivamente projetáveis, devemos nos perguntar não como podemos saber que
exemplos não observados serão como os observados, mas quais predicados são
projetáveis, e por quê — por que, em particular, “verde” e não “verdul”.
“Verdul”, como Goodman o caracteriza, “aplica-se a todas as coisas examinadas
antes do tempo t só no caso de serem verdes, mas a outras coisas só no caso de
serem azuis”.[279] O paradoxo é que no tempo t a hipótese de que todas as
esmeraldas são verduis, que prevê que as esmeraldas examinadas em seguida
serão azuis, é tão bem “confirmada” quanto a hipótese de que todas as
esmeraldas são verdes, que prevê que as esmeraldas examinadas em seguida
serão verdes. De um ponto de vista estreitamente lógico, a relação entre “todas
as esmeraldas observadas até agora foram verdes” e “todas as esmeraldas são
verdes” é justamente a mesma relação entre “todas as esmeraldas observadas até
agora foram verduis” e “todas as esmeraldas são verduis”. Porém, apesar de o
paradoxo do corvo não lhe ter dado hesitações a respeito da concepção formal de
“confirmação”, Goodman reconhece que a diferença entre “verde” e “verdul”
não é estreitamente lógica.
De acordo com Goodman, a diferença relevante entre “verde” e “verdul”
deve ser sócio-histórica: só predicados arraigados no uso científico são
projetáveis. Isso soa como se impusesse um conservadorismo conceitual
impeditivo sobre a empreitada científica. De acordo com Quine, a diferença
relevante é semântica em um sentido amplo, tendo a ver com a extensão do
termo: só predicados de tipos naturais são projetáveis.[280] Isso soa como se
dependesse da ideia estranha de que coisas verdes — grama, abobrinha, kiwi,
alguns veículos da Chrysler, muitos cortadores de grama, algumas das blusas no
meu guarda-roupa etc. etc. — constituem um tipo natural. Mas há um elemento
de verdade na resposta do Goodman que, entendido propriamente, pode ser
combinado com um elemento de verdade na resposta do Quine para gerar uma
solução mais plausível: o arraigamento na linguagem da ciência não é um
simples acidente sócio-histórico, mas uma indicação (apesar de, claro, uma
indicação falível) do entrelaçamento das evidências e da relação íntima com o
mundo à qual aspira a linguagem científica.
Como deixei de lado antes o problema de “preto” ocorrer na definição do
Webster para “corvo”, agora deixarei de lado o problema de a definição do
Webster de “esmeralda” ser “uma rica variedade verde de berilo”[281] (e que
“esmeralda”, como “corvo”, é às vezes usado como um adjetivo de cor). A
hipótese verdul não acarreta que qualquer esmeralda mudará de cor; mas
acarreta que qualquer esmeralda examinada primeiro depois de t será azul e não
verde. Na esteira rolante que sai das trevas da mina profunda, as esmeraldas que
emergem antes de t são verdes, enquanto aquelas que emergem depois desse
tempo serão azuis; as novas folhas de grama primeiro visíveis no gramado no dia
após t, diferente das verdes antigas ainda lá desde o dia anterior, serão azuis;[282]
e assim por diante.
As evidências que temos a respeito da cor das esmeraldas não são
simplesmente que todas as esmeraldas observadas até agora foram verdes e que
todas as esmeraldas observadas até agora foram verduis (o que é tão implausível
quanto a ideia de que “isto é preto e isto é um corvo” poderia equivaler a todas
as evidências que temos relevantes à cor dos corvos); são toda uma malha de
evidências sobre a composição de gemas, a óptica da percepção da cor etc.
Nenhuma dessas evidências oferece qualquer estímulo à ideia de que a
composição mineral, ou as leis ópticas etc. poderiam ser diferentes em tempos
diferentes; nem, portanto, à ideia de que esmeraldas examinadas logo após
algum tempo futuro t serão azuis. E tudo isso é em si parte de um punhado bem
maior de itens das palavras cruzadas; pois o novo enigma da indução não diz
respeito apenas a esmeraldas verduis, mas também a corvos prancos, ursos
polares bretos etc.
Mas não poderia haver uma linguagem em que “verdul” e “azerde” fossem
primitivos, e “verde” e “azul” definidos? E, se usássemos tal linguagem, nossas
evidências não falariam do outro jeito? Se você pensa em termos estreitamente
lógicos, a possibilidade de tal linguagem parece inegável. Mas como tal
linguagem poderia ser aprendida? Entendemos “verdul” porque entendemos
“verde” e “examinado logo antes de t”; e entendemos “verde” porque nosso
aparato visual é sensível à luz de tal e qual comprimento de onda.[283] Então,
podemos ser treinados para usar “verde” na presença de esmeraldas, grama,
abobrinha, kiwi etc. Não está claro para mim, contudo, que poderíamos aprender
“verdul” e “azerde” do nada.
De qualquer modo, suponhamos, para o presente argumento, que
poderíamos; e que um vocabulário de verdulor, com “verdul” e “azerde”
primitivos e “verde” e “azul” definidos por referência a um tempo t antes do
presente — digamos, no começo do ano 2000 — tivesse sido arraigado. A este
ponto, presume-se, os cientistas teriam notado que as novas folhas de grama
estão crescendo azerdes, não verduis, e que as safiras que agora emergem da
mina são verduis, não azerdes; e assim, presume-se, teriam começado a suspeitar
que algo estava muito errado com a física da cor (ou verdulor) deles e com a sua
óptica da percepção de cor (ou verdulor).[q]
De fato, é possível que haja singularidades sobre as quais ainda não
estamos cientes, e talvez até sobre as quais nunca saberemos. Se houvesse, é
possível que nunca teríamos acertos. Mas este é só um reconhecimento da
imperfeição da nossa condição epistemológica.

Esmeraldas verduis e arenques vermelhos distrativos não tiveram um papel


significativo de estimular os Novos Cínicos em seu desencantamento com as
ideias de evidência, garantia etc.; mas a tese da subdeterminação do Quine não
apenas estimulou o empirismo construtivo e outros tipos de não-realismo na
tendência dominante da filosofia da ciência, como também teve um papel
significativo no Novo Cinismo. É citada pelo Feyerabend na ala da esquerda na
filosofia da ciência, por Longino e Nelson na crítica feminista da ciência, por
Bloor e Collins na sociologia da ciência — todos os quais, com muitos outros, a
consideram uma ameaça radical à objetividade da qualidade evidencial, da
garantia etc.
Às vezes, parece que os cínicos simplesmente invocam a autoridade do
Quine em apoio à ideia de que, quando as evidências disponíveis a certo tempo
são insuficientes para escolher entre teorias rivais, é apropriado decidir com base
em política qual deve ser aceita. Porém, já que se pode presumir que a tese do
Quine é focada no que é estritamente teórico, considerações políticas parecem
simplesmente fora de lugar. A teoria dos quarks ou kwarks é mais progressista
politicamente? — a pergunta não faz sentido. Para além disso, no entanto, há
dificuldades no tocante a qual tese ou teses a “subdeterminação” se refere, e
quais são as bases para acreditar que ela ou elas são verdadeiras.
Distinguindo múltiplas variantes, Larry Laudan argumenta efetivamente
que a “subdeterminação” agrupa alegações que são verdadeiras, mas não radicais
(por exemplo, “teorias não são acarretadas logicamente por seus exemplos
positivos”), com alegações que são radicais, mas não verdadeiras (por exemplo,
“toda teoria está tão bem sustentada pelas evidências quanto qualquer uma de
suas rivais”).[284] Embora eu tenha problemas com muitos dos detalhes, e prefira
substituir o seu “confirmada por exemplos positivos” etc. por um vocabulário
diferente, a estratégia do Laudan tem mérito. A fórmula “teorias são
subdeterminadas pelos dados” faz um vago aceno em direção a toda uma família
desregrada de teses: que as teorias nunca são conclusivamente verificadas ou
falseadas, ou que as teorias nunca são mais ou menos garantidas; que, para
qualquer teoria e qualquer evidência, há sempre uma teoria rival garantida ao
mesmo nível, ou que todas as teorias são igualmente garantidas; que as teorias
são subdeterminadas por todos os dados disponíveis, ou por todos os dados
possíveis; pelos enunciados observacionais, ou pelas evidências em sentido mais
amplo; etc. Talvez a subdeterminação seja verdadeira, mas não radical quando
“dados” e “subdeterminação” são interpretados de forma estreita; radical, mas
não verdadeira, quando são interpretados de forma ampla.
Tomar todas as permutações e combinações uma por vez seria uma tarefa
hercúlea; concentrar-me-ei aqui na interpretação que iguala a subdeterminação à
“equivalência empírica”: a tese de que, para qualquer teoria científica, há outra
que é empiricamente equivalente, mas incompatível com a primeira. Duas
teorias são empiricamente equivalentes, diz-nos Quine, só no caso de que uma
acarreta o mesmo conjunto de “condicionais de observação”, isto é, enunciados
cujos antecedentes especificam coordenadas espaço-temporais e cujos
consequentes aplicam o mesmo predicado observacional. Duas teorias são
incompatíveis só no caso de, para algum enunciado que se segue de uma, a
negação dele ou algum enunciado que se traduz na negação dele se segue da
outra. Então, para que a tese da equivalência empírica sequer seja enunciável,
exige-se uma forma de distinguir teorias incompatíveis com as mesmas
consequências empíricas das variantes notacionais da mesmíssima teoria, e de
identificar a classe de enunciados observacionais que constitui as consequências
empíricas de uma teoria. A primeira distinção pressupõe noções robustas de
significado e tradução (pois, como reconhece Quine, o que tem a aparência de
teorias empiricamente equivalentes, mas incompatíveis, podem na verdade ser
apenas variantes verbais uma da outra); a segunda pressupõe uma distinção clara
entre predicados observacionais e teóricos.
Mas Quine está oficialmente comprometido com a negação de ambas as
pressuposições! (Então talvez não seja de se admirar que, quanto mais preciso
ele é ao formular a tese da equivalência empírica, mais ele põe ressalvas ao seu
compromisso com ela.) O ceticismo do Quine sobre o intensional e a tese dele da
indeterminação da tradução prejudicam a primeira pressuposição; e o
compromisso dele à ideia de que a observacionalidade é uma questão de grau
prejudica a segunda. Se Quine tem razão em rejeitar uma ou ambas as
pressuposições, a tese da equivalência empírica está em apuros.
Opiniões do Quine sobre significado e tradução à parte, é duvidoso se os
critérios para identificar e individuar as teorias científicas são factíveis. Ao invés
disso, sob uma rubrica singular como “teoria da evolução”, termos familiares
podem assumir camadas adicionais de significado e abandonar algumas das
antigas conotações, novas alegações podem ser acrescentadas e as velhas
alegações removidas. Mas me concentrarei aqui na segunda pressuposição, a
distinção observacional/teórico.
Quando dá à tese da equivalência empírica a sua articulação mais explícita,
em “Teorias Empiricamente Equivalentes do Mundo”, Quine sugere que são
observacionais aqueles predicados que podem ser aprendidos ostensivamente.
Mas este é um recuo sério desde a descrição muito mais sofisticada que ele havia
oferecido em Palavra e Objeto, onde tinha tratado a observacionalidade como
uma questão de grau e o aprendizado ostensivo e verbal como entremeados. E
essa concepção do aprendizado da linguagem (à qual se assemelha bastante a
descrição que dei antes ao explicar a relevância da experiência para a garantia)
[285]
é bem superior à descrição dicotômica crua à qual apela Quine quando está
sob pressão. Ela simplesmente implica, no entanto, que não há uma classe
identificável de enunciados observacionais ou predicados observacionais. E, ao
menos que haja tal classe, a tese da equivalência empírica não é sequer
enunciável, e a fortiori não verdadeira (mas também não falsa).
Como a ressalva entre parênteses indica, não estou propondo uma tese da
“inequivalência empírica”, mas repudiando os termos pelos quais a tese do
Quine é formulada. A qualquer ponto, haverá questões demais que as evidências
disponíveis serão impróprias para resolver. Algumas, ao menos, serão resolvidas
quando novas evidências — cuja natureza é possível que nem possamos
imaginar ainda — emergirem. Por exemplo, não muito tempo após Henri
Poincaré ter escrito que, enquanto Fresnel acreditava que a vibração é
perpendicular ao plano da polarização, e Neumann acreditava que era paralela,
“procuramos há muito tempo por um experimento crucial que decidiria entre
essas duas teorias, e não conseguimos encontrá-lo”,[286] a questão foi resolvida
por um experimento de Heinrich Hertz. Entretanto, assim como em um jogo real
de palavras cruzadas poderia haver palavras diferentes que se encaixem com a
dica e todas as letras determinadas pelos itens interseccionais, então pode haver
questões científicas que poderiam não ser respondidas nunca, não importa
quanto tempo continuasse a pesquisa científica. Não há como assegurar que até
mesmo as melhores evidências que poderíamos ter não deixariam lacunas ou
ambiguidades insolúveis. Neste caso, o máximo que poderíamos descobrir pela
investigação é p ou q. Mas isso, novamente, é apenas para reconhecer a
imperfeição da nossa condição epistêmica.
E para concluir
O que temos ainda está bem longe de uma descrição completamente detalhada
da natureza e estrutura das evidências científicas e do que lhes faz mais fortes ou
mais fracas — está mais para uma análise preliminar da composição química
daqueles conceitos do que para a descrição detalhada da sua estrutura molecular
que eu gostaria, idealmente. Como, mais especificamente, a observação e as
crenças de fundo trabalham juntas? O que está envolvido, mais especificamente,
em tais conceitos como integração explicativa e tipos, dos quais simplesmente
fiz uso de bom grado? O que minha longa história sobre evidências e garantia
tem a ver com a verdade das alegações científicas, ou com o progresso na
ciência? E — a pergunta da qual vou tratar em seguida — o que essas coisas têm
a ver com a preocupação tradicional com o “método científico”?
Capítulo 4: O Braço Longo do Senso Comum
Em Vez de uma Teoria do Método Científico

O método científico, até o ponto em que é um método, é


fazer o melhor que se pode com a mente, sem barreiras.
— Percy Bridgman, “The Prospect for Intelligence”[287]

Imagine um cientista trabalhando em parte de um enorme jogo de palavras


cruzadas: fazendo um palpite informado sobre algum item, checando mais de
uma vez se corresponde à dica e aos itens que cruzam com ele, se esses
correspondem às suas dicas e outros itens adicionais, pesando a probabilidade de
que alguns deles poderiam estar errados, experimentando novos itens à luz deste
etc. Grande parte do jogo está em branco, mas muitos itens já estão preenchidos,
alguns em tinta quase indelével, alguns a lápis, alguns com força, outros de leve.
Alguns estão em inglês, alguns em suaíli, alguns em flamengo, alguns em
esperanto etc. Em algumas áreas, muitos dos itens longos estão firmemente
escritos à tinta, em outras áreas, poucos ou nenhum. Alguns itens foram
preenchidos há séculos por cientistas há muito mortos, alguns só na semana
passada. Às vezes e em certos lugares, sob o risco de demissão ou coisa pior,
somente palavras do dicionário da Novilíngua podem ser usadas; em outros há
pressão para preencher determinados itens desse jeito e não daquele, ou para
avançar para uma parte completamente em branco do jogo em vez de trabalhar
em partes mais fáceis, parcialmente já preenchidas — ou para não trabalhar em
certas partes do jogo de forma alguma. Equipes rivais disputam a respeito de
alguns itens preenchidos a lápis ou até a tinta e depois apagados, talvez em uma
dúzia de línguas e durante décadas. Outras equipes cooperam para elaborar um
procedimento para produzir todos os anagramas de uma dica com o tamanho de
um capítulo ou um dispositivo para ampliar aquela dica ilegível de pequena, ou
procurar equipes que estão trabalhando em outras partes do jogo para ver se já
têm algo que poderia ser adaptado, ou perguntar se têm certeza que naquela
posição é preciso haver um S. Alguém alega ter notado um detalhe nesta ou
naquela dica que ninguém viu antes; outros elaboram testes para checar se a
pessoa é um observador especialmente talentoso ou está vendo coisas, e ainda
outros trabalham com instrumentos para olhar mais atentamente. De tempos em
tempos, ouvem-se acusações de dicas alteradas ou espaços preenchidos de preto.
Às vezes, há reclamações dos que trabalham em uma parte do jogo que
bloquearam sua visão para outra parte. De vez em quando, um item longo, que
se entrecruza com vários outros que por sua vez se entrecruzam com vários
outros, é apagado por uma gangue de jovens turcos que insistem que toda uma
área do jogo deve ser refeita, dessa vez, naturalmente em turco — enquanto
outros tentam, letra a letra, ver se a maior parte do galês original não poderia ser
mantida... Não tenho a intenção de engabelar o leitor com uma metáfora em vez
de um argumento. Mas de fato tenho a intenção que o meu quadro de palavras
sugira que o que acredito é verdadeiro, que a investigação científica é muito
mais desordenada e muito menos metódica do que os Velhos Deferencialistas
imaginavam; mas, ainda assim, muito mais limitada pelas exigências das
evidências do que sonham os Novos Cínicos.
A analogia das palavras cruzadas mostrou-se um guia útil para questões a
respeito das evidências; mas alguns podem sentir que, onde se trata das questões
de método, a analogia parece manifestamente inútil. Afinal, o que diz o
“método” de resolver palavras cruzadas, a não ser que deve-se adivinhar algum
item à luz de sua dica, depois tentar outros itens à luz de suas dicas e de itens já
respondidos; e que, quando uma resposta que parece plausível revela-se
incompatível com as outras, não se deve desistir dela tão fácil, nem insistir nela
tão obstinadamente? E o que isso nos diria a respeito do “método científico”, a
não ser que se deve fazer uma conjectura informada a respeito da explicação de
um fenômeno de interesse, ver se resiste às evidências que se tem e evidências
adicionais que se puder obter; e que, quando uma conjectura que parece
plausível revela-se incompatível com algumas dessas evidências, não se deve
desistir dela tão fácil, nem insistir nela tão obstinadamente?
Correto; mas, para o meu modo de pensar, a analogia é útil. Ela nos
direciona à conclusão correta: há menos no “método científico” do que as
aparências indicam. A investigação científica é categoricamente diferente de
outros tipos? Não. A investigação científica é contígua à investigação empírica
cotidiana — só que vai além disso. Há um modo de inferência ou procedimento
de pesquisa usado por todos os cientistas, e somente por eles? Não. Há apenas,
por um lado, modos de inferência e procedimentos de pesquisa usados por todos
os investigadores, e, por outro lado, técnicas especiais matemáticas, estatísticas
ou inferenciais, ou instrumentos e modelos especiais etc., que são locais a esta
ou àquela área da ciência. Isso prejudica as pretensões epistemológicas da
ciência? Não! As ciências naturais são epistemologicamente destacadas e
atingiram seus sucessos notáveis em parte pelo motivo preciso de que têm
dispositivos e técnicas especiais pelos quais amplificaram os métodos da
investigação empírica cotidiana.
Apesar daquele uso honorífico irritante de “ciência” e seus cognatos, nem
todos os bons investigadores são cientistas, e não só eles. E não há um
procedimento ou modo de inferência distintivo usado por todos dos praticantes
da ciência, e que garanta resultados se não verdadeiros, aproximadamente
verdadeiros, ou provavelmente verdadeiros, ou mais empiricamente adequados
— não há o “método científico”, na forma em que a expressão tantas vezes foi
entendida. A investigação nas ciências é contígua aos outros tipos de
investigação empírica. Mas os cientistas elaboraram muitos e variados meios de
estender e refinar os recursos do quais todos nós dependemos na mais banal das
investigações empíricas cotidianas. Experimentos controlados, por exemplo —
às vezes considerados distintivos das ciências — não são usados por todos os
cientistas, ou apenas por cientistas; astrônomos e teóricos evolutivos não os
usam, mas mecânicos de automóveis, encanadores e cozinheiros os usam. Em
muitas áreas da ciência, no entanto, as técnicas de controle experimental foram
desenvolvidas a uma fina arte.
Já em Evidence and Inquiry eu sugeri que as ciências, embora distintas
epistemologicamente, não são privilegiadas; e que “não há razão para pensar que
[a ciência] tem posse de um método especial de investigação não disponível para
historiadores ou detetives ou o resto de nós”;[288] mas esses esforços breves
iniciais para articular o lugar das ciências naturais entre as investigações em
geral foram educadamente ignorados pela comunidade epistemológica. Mais
tarde, lembrei-me da observação de John Dewey que “temas e procedimentos
científicos emergem dos problemas e métodos diretos do senso comum”,[289] e do
Science and Common Sense do James B. Conant; e depois, para minha surpresa
e deleite, encontrei Thomas Huxley observando que “[o] homem da ciência
simplesmente usa com exatidão escrupulosa os métodos que todos nós,
habitualmente e a cada minuto, usamos sem cuidado”,[290] Albert Einstein que “a
ciência como um todo nada mais é que um refinamento do pensamento do dia a
dia”,[291] Percy Bridgman que “não há um método científico como tal, ... a
característica mais vital do proceder do cientista tem sido meramente fazer o
máximo que puder com a sua mente”[292] — e Gustav Bergmann descrevendo as
ciências, em uma expressão maravilhosamente eufônica, como o “braço longo”
do senso comum.[293] É neste espírito que ofereço, aqui, não uma nova teoria do
método científico, mas uma exploração dos limites da investigação empírica
cotidiana, e dos recursos que ela demanda; e dos modos e meios
surpreendentemente variegados que as ciências encontraram para fazer de si
mesmas “além disso”.
“Nada mais que um refinamento do pensamento do dia a dia”
Há “muito falatório sobre o método científico”, escreve Bridgman; mas, ele
continua, na verdade é muito barulho por quase nada.[294] Os cientistas cuidam de
buscar respostas verdadeiras às suas perguntas; então, como todos os
investigadores empíricos sérios, eles devem checar as evidências da forma mais
exaustiva possível, e tentar coibir qualquer tendência ao pensamento ilusório.
Além disso, devem usar quaisquer métodos ou técnicas específicas que possam
ser elaboradas, de acordo com o tema e à luz do que já se sabe, que possam
ajudar a tratar de questões de seu interesse.[295] Isso está correto, até certo ponto.
Mas quais são os padrões e recursos gerais da investigação empírica bem
conduzida? O que a investigação empírica bem conduzida exige dos
pesquisadores? E como, exatamente, a investigação científica é “além disso”?
Investigar, diferente de compor uma sinfonia, preparar um jantar, escrever
um romance, ou pleitear um caso perante a Suprema Corte é uma tentativa de
descobrir a verdade paraf alguma pergunta ou perguntas; embora às vezes o
resultado não seja uma resposta, mas uma percepção de que a pergunta estava de
alguma forma mal formulada, e, muitas vezes, uma vez que se responde a uma
pergunta, encontra-se uma bateria de novas perguntas. Na academia, na política
— em todo lugar, na verdade — a pseudoinvestigação é ubíqua: o raciocínio de
fachada, em que se defende alguma proposição com a verdade da qual já se tem
um compromisso irreversível; e o raciocínio falso, em que se defende alguma
proposição à verdade da qual se é indiferente, mas com o avanço da qual se tem
algo a ganhar. Mas a investigação genuína é um esforço de boa fé para chegar-se
à verdade do assunto em questão, não importa a cor que essa verdade tenha.[296]
Há investigação empírica e (ao menos ao que parece; mas agora não é hora
de entrar em questões a respeito da epistemologia da matemática ou da lógica)
[297]
investigação não empírica. Dentro da categoria da investigação empírica há a
natural-científica, a social-científica, a histórica, a forense, e assim por diante,
além da investigação cotidiana sobre quando parte o avião, onde comprar farinha
de chapati, como fazer a impressora imprimir em itálico, o que foi que você
comeu e lhe fez passar mal etc. Algumas investigações são mais bem conduzidas
— mais escrupulosas, mais detalhadas, mais imaginativas etc. — e algumas
menos. Isso se aplica a investigações de todo tipo, inclusive a científica.
Como todos os investigadores empíricos, os cientistas buscam dar uma
descrição verdadeira de como é alguma parte ou aspecto do mundo; porém não
só qualquer velha descrição verdadeira — “ou o universo se originou em uma
grande explosão ou não” não serve —, mas uma descrição substantiva,
significativa e explicativa. Isso não se atinge facilmente. Tudo o que temos para
começar, afinal, é o que vemos, ouvimos etc. Conceber conjecturas explicativas
plausíveis pode forçar a mente humana a seus limites; as evidências sempre são
incompletas e ramificantes, muitas vezes potencialmente enganosas, e com
frequência ambíguas; angariar mais evidências é trabalho duro e pode exigir uma
engenhosidade considerável de artifício experimental. E não há garantia de
sucesso, então há sempre a tentação de procurar atalhos e acreditar no que nos dá
esperança, ou medo, ou de pensar que o que os nossos patrocinadores querem
ouvir é como as coisas de fato são.
Embora as teorias científicas sejam às vezes espantosamente conflitantes
com as crenças do senso comum, a investigação científica é contígua de modo
reconhecível à investigação empírica cotidiana do tipo mais familiar. Henry
Harris imagina pessoas pré-históricas tentando descobrir se o rio que corre por (o
que agora chamamos de) Oxford é o mesmo rio que passa em Henley jogando
nele toras borradas com alguma tintura específica em Oxford e perguntando a
contatos em Henley se eles as viram. Daí ele descreve os esforços dos
fisiologistas de descobrir o que acontece com grandes números de linfócitos que
entram no sangue pela linfa até que, por fim, ao marcá-los com isótopos
radioativos, J. L. Gowans descobriu que os linfócitos passam do sangue para a
linfa e depois voltam ao sangue.[298]
Todos os investigadores empíricos — biólogos moleculares e musicólogos,
entomólogos e etimólogos, sociólogos e teóricos das cordas, jornalistas
investigativos e imunologistas — fazem conjecturas informadas sobre a possível
explicação dos fenômenos de seu interesse, checam o quanto essas conjecturas
resistem às evidências que já têm e evidências adicionais que possam obter, e
depois usam o seu julgamento para saber se devem insistir na conjectura,
abandoná-la, modificá-la ou o quê. Precisam de imaginação, de inventar
explicações plausíveis em potencial para os fenômenos problemáticos, elaborar
modos de angariar as evidências necessárias, e descobrir potenciais fontes de
erro; cuidado, habilidade e persistência, procurar quaisquer evidências relevantes
que ninguém tem ainda, além de evidências relevantes que outras pessoas têm;
honestidade intelectual, a fibra moral de resistir à tentação de ignorar evidências
que poderiam comprometer as suas conjecturas, ou de manipular evidência
desfavorável que não se pode evitar; raciocínio rigoroso, descobrir as
consequências das suas conjecturas; e bom juízo ao avaliar o peso das
evidências, não turvado por desejos ou medos ou esperanças de ganhar titulação
ou resolver um caso rápido ou agradar a um patrocinador ou mentor ou tornar-se
rico e famoso.
Fazer uma conjectura informada (“informada” é a palavra em operação)
exige inferência: que esta conjectura implica que outra é consistente e ainda
outra é inconsistente com as informações de fundo. E checar como uma
conjectura sobrevive às evidências exige inferência; que, se a hipótese for
verdadeira, esta consequência se segue, que a hipótese é confirmada a algum
grau quando se descobre que a consequência é obtida, que é provavelmente falsa
se se descobre que a consequência não é obtida, e assim por diante. O ponto não
é que os cientistas não fazem tais inferências, nem que a lógica não tem nada a
nos dizer sobre elas. É só que os detetives, jornalistas investigativos,
historiadores e o resto de nós também fazemos essas inferências; de forma que a
lógica não pode explicar sozinha como as ciências obtiveram os seus sucessos
(muito menos por que falham com frequência).
A busca dos Velhos Deferencialistas pelo “método científico” — uma
lógica indutiva da descoberta ou da confirmação, a conjectura e refutação por
modus tollens do dedutivismo popperiano, aplicações repetitivas do teorema de
Bayes ou o que for — punha o foco apenas em uma parte de toda uma história
complicada. O que precisamos em vez disso é uma explicação multidimensional
dos sucessos, e dos fracassos, das ciências: uma explicação que não vai ignorar a
natureza e estrutura das evidências, mas que também fará um apelo em parte às
contingências históricas, em parte ao tema das ciências naturais, e em parte aos
modos pelos quais os cientistas conseguiram estender, aprofundar e fortalecer a
investigação cotidiana.
Entre as razões para os sucessos da investigação natural-científica, um
teria de ser não o acaso, exatamente, mas o fato de que houve alguns indivíduos
notáveis com o temperamento e o talento para a especulação a respeito de como
o mundo funciona, e o suficiente de outros indivíduos para aproveitar as partes
em que as palavras se cruzam no jogo, em um tempo e em um lugar onde o
clima social e intelectual permitiu-lhes perseguir as suas investigações e
comunicar os seus resultados. Isso sugere onde podemos começar a procurar por
uma explicação da razão pela qual a ciência moderna cresceu quando e onde
cresceu, em vez de tê-lo feito antes ou alhures; a expressão que vem à mente é
“massa crítica”.
Outra razão está no tema das ciências naturais, na profunda interconexão
dos fenômenos naturais. Pode ser isso que Wilson tem em mente quando ele
sugere que o método da ciência é o “reducionismo”, uma investigação
sistemática de partes componentes cada vez menores das coisas. Mas tal análise,
por mais importante que seja, é apenas uma de muitas abordagens científicas. No
meu entender, a significância epistemológica da interconexão dos fenômenos
naturais está mais no modo com que cada novo passo na compreensão permite
os próximos.
Agora a expressão que vem à mente é “nada triunfa como o triunfo”. Isso
chama a nossa atenção para os muitos e variados auxílios à investigação que os
cientistas elaboraram — meu principal foco no que vem a seguir. Para os
propósitos de exposição, contarei com uma divisão simplificada dos auxílios à
imaginação, auxílios aos sentidos, auxílios ao raciocínio e auxílios ao
compartilhamento de evidências e à honestidade intelectual — porém, por todos
serem atados às metas da investigação e às capacidades e limitações dos
investigadores humanos, são todos intimamente entrelaçados.
Auxílios Científicos à Investigação
A palavra “auxílio” foi tomada de empréstimo do Francis Bacon, que — por
mais que ele estivesse equivocado ao esperar por uma lógica indutiva mecânica
da descoberta, e que (como William Harvey disse de forma pouco gentil a
respeito dele) “ele escrevesse sobre a ciência como um burocrata”[r] — acertara
algo importante quando alertou para os perigos de um desespero artificial a
respeito da possibilidade da investigação bem-sucedida, e para a necessidade de
elaborar formas de superar as nossas limitações sensoriais e cognitivas e para a
fragilidade do nosso compromisso com a descoberta.[299] Como Bacon entendia
bem, nós humanos somos criaturas falíveis, a nossa imaginação, nossos sentidos
e nossas capacidades cognitivas são limitados, e a nossa integridade intelectual é
frágil; a pressa, o desleixo, a labuta vazia e a ilusão vêm mais fácil para nós do
que a empreitada difícil e exigente da investigação minuciosa, honesta e criativa.
De qualquer modo, somos capazes de fazer investigação bem conduzida; e de
elaborar meios, apesar de imperfeitos e falíveis em si, de superar as nossas
limitações e fraquezas naturais; até de descobrir quando esses meios imperfeitos
e falíveis de superar essas limitações e fraquezas têm mais chance de falhar, e
elaborar formas de evitar as armadilhas.
As exigências e recursos subjacentes que são comuns a todas as
investigações empíricas são constantes; mas os auxílios científicos estão em
constante evolução. Embora alguns se estendam por diferentes ciências e até
além, muitos são locais a áreas específicas da ciência. Geralmente dependem de
obras científicas anteriores, e, quando as obras mais antigas das quais dependem
são sólidas, permitem que a ciência aproveite os seus sucessos; claro que,
quando as obras anteriores das quais um auxílio científico depende não são
sólidas, os cientistas podem dar um passo em falso — assim como no jogo de
palavras cruzadas.
Os modelos, metáforas e analogias que ajudam a imaginação dos cientistas
incentivaram alguns dos Novos Cínicos a assimilar a ciência à literatura
imaginativa, e alguns a reclamar que as metáforas e analogias refletidas no
conteúdo das teorias científicas são socialmente regressivas; os instrumentos de
observação que estendem os poderes perceptuais dos cientistas incentivaram a
ideia de que a observação é dependente demais de teoria para constituir uma
checagem genuína por evidências; as situações artificiais em laboratório que às
vezes são necessárias para testar alegações teóricas incentivaram a noção de que
as teorias científicas descrevem não o mundo natural, mas somente uma
“realidade” criada pelos próprios cientistas; e o caráter social da investigação
científica estimulou a concepção do conhecimento científico como nada além de
uma construção social que serve aos interesses dos poderosos. E alguns dos
Novos Cínicos defendem que o caráter local e em evolução dos auxílios
científicos revela que os padrões da investigação bem conduzida são relativos ao
contexto ou ao paradigma.
Mas tudo isso é reação exagerada. É verdade que, por haver sempre o risco
de que obras anteriores das quais dependem este ou aquele instrumento ou
técnica revelar-se-ão equivocadas, há sempre o risco de fracasso. É verdade que,
ao julgar o quão minuciosos ou cuidadosos foram os trabalhos anteriores, os
cientistas precisam fiar-se no que pensam que sabem sobre quais evidências são
relevantes, quais são as potenciais fontes de erro experimental, e assim por
diante. A investigação científica é falível, em outras palavras; e os julgamentos
do que é investigação bem ou mal conduzida, como os julgamentos do valor das
evidências, são questão de perspectiva, dependente de crenças de fundo. Mas as
conclusões relativistas às quais Kuhn e outros parecem ser atraídos obviamente
não se seguem.

Toda investigação, inclusive a investigação científica, exige imaginação. Como


diz C. S. Peirce, “[q]quando um homem deseja ardentemente saber a verdade,
seu primeiro esforço será imaginar o que essa verdade pode ser... [H]á, afinal,
nada além da imaginação que possa lhe fornecer um indício da verdade... Para
milhares de homens uma maçã em queda nada mais era que uma maçã em
queda, e compará-la à lua seria considerado por eles algo ‘fantasioso’”. Mas,
diferente de um artista ou escritor, um cientista “sonha com explicações e
leis”[300] — explicações e leis que, quando ele tem sucesso, não são imaginárias,
como entidades fictícias, mas reais.
A nossa imaginação, como nossos outros poderes, é limitada; e assim,
entre os auxílios com os quais contam os cientistas, estão modelos, analogias e
metáforas. Em La théorie physique, publicado em 1914, Pierre Duhem
contrastou a mentalidade abstrata, lógica, sistematizadora e geométrica, segundo
ele, dos físicos continentais com a mentalidade visualizadora e imaginativa dos
ingleses, que ele considerava uma distração para a abstração matemática no
verdadeiro coração da física. No livro do Oliver Lodge sobre eletrostática, ele
reclamou que “pensamos que estávamos entrando na morada tranquila e ordeira
da razão, mas nos encontramos numa fábrica”; pois não há nada no livro além de
“cordas que deslizam sobre polias que rolam ao redor de tambores que passam
por contas peroladas [e] rodas dentadas que são articuladas uma à outra e a
ganchos”.[301] Até vejo Duhem arrancando os próprios cabelos quando John
Kendrew convida seus leitores a imaginar “um homem... ampliado ao tamanho...
do Reino Unido”, e explicando que assim “uma única célula poderia ter talvez o
tamanho do prédio de uma fábrica... [N]essa escala, uma molécula de ácido
nucleico... seria mais fina que um único fio elétrico encapado na nossa fábrica”.
[302]
Hoje em dia, estudantes de biologia às vezes aprendem a pensar na célula
como uma cidade complexa, com as mitocôndrias atuando como usinas de
energia, complexos de Golgi como postos de correio etc. Mas, diferente de
Duhem, vejo matemática vs. construção de modelos, análise vs. analogia,
sistematização vs. símile como falsas dicotomias; os modelos, analogias e
metáforas têm um papel importante não apenas pedagogicamente mas também
na construção de teorias, como auxílios à imaginação.
“Os modelos, analogias e metáforas” são uma mistura heterogênea que
inclui tudo, dos arranjos físicos reais de moldes e válvulas etc. a metáforas
magistrais como a “mão invisível” da teoria dos mercados do Adam Smith;
todos, no entanto, assemelham um fenômeno menos familiar ou acessível a um
mais familiar e acessível. Um papel para os modelos físicos, tais como a série de
maquetes da molécula do DNA de Watson e Crick, é o de auxílio visual para a
imaginação, possibilitando aos cientistas a visualizar a molécula, como o
modelo, em três dimensões. E embora algumas metáforas científicas sejam mais
decorativas do que funcionais, outras sugerem questões a serem investigadas,
direções a serem olhadas. Claro, uma metáfora pode impelir cientistas diferentes
a olharem em direções diferentes; e às vezes podem atrair a investigação para o
que se revela ser a direção errada.
Como críticos da ciência gostam de apontar, às vezes as metáforas e
analogias que os cientistas usam invocam fenômenos sociais familiares: tais
como a metáfora da “molécula mestre”, a respeito da qual a Evelyn Fox Keller
faz uma grande problematização feminista (porém, até onde posso determinar,
nunca foi, como ela sugere, uma ideia influente na biologia molecular). As
metáforas científicas podem ser cognitivamente importantes, e é possível que
desencaminhem a imaginação assim como podem guiá-la a direções frutíferas.
Mas o quão frutífera ou não é uma metáfora não depende da (in)desejabilidade
dos fenômenos sociais que ela invoca; tais considerações simplesmente não têm
qualquer relação com a possibilidade de que pensar em termos de
acompanhantes moleculares[s] (para usar um exemplo de influência genuína),[303]
ou investimento parental, ou o que for, levará a destinos que se revelem
frutíferos.

Toda a investigação empírica depende da experiência; mas, entre os modos pelos


quais a investigação nas ciências é com frequência “além disso”, está que a
experiência da qual ela depende não é sem ajuda, mas possibilitada e mediada
por instrumentos de todo tipo; não é descontrolada, mas aberta a escrutínio por
outros da comunidade; e não é deixada à própria sorte ou à mera feliz
coincidência, é deliberada, planejada e controlada.
Permita-me começar pelos instrumentos de observação, do familiar
microscópio ou telescópio aos instrumentos muito mais sofisticados e esotéricos
que agora estendem os poderes sensoriais dos cientistas. Na história de tais
instrumentos talvez não haja caso mais marcante de “nada triunfa como o
triunfo” que o imageamento médico. Wilhelm Roentgen tirou a primeira
fotografia de raio X em 1895 (e, em 1901, recebeu o primeiro prêmio Nobel da
história). Os primeiros raios X dentais foram feitos em 1896; os primeiros raios
X diagnósticos foram feitos em um campo de batalha na Abissínia em 1897, no
mesmo ano as fotografias de raio X foram usadas pela primeira vez em tribunal.
Ao longo das décadas seguintes, a teoria dos raios X — ondas eletromagnéticas
de comprimento de onda curto, entre 0,01 e 10 nanômetros — foi desenvolvida.
Entre 1919 e 1927, os meios de contraste, primeiro ar, depois lipoidal, depois
iodeto de sódio, depois dióxido de tório, começaram a tornar as fotografias de
raio X mais informativas. A tomografia, que é uma imagem de uma seção
interna do paciente, foi introduzida por Jean Kieffer nos anos 1930; a
cristalografia de raio X deriva do mesmo período. Nos anos 1970, máquinas de
imageamento mais rápidas estavam sendo desenvolvidas, e agora, com
tecnologia sofisticada da informação, temos tomografia computadorizada;
ressonância magnética, em que os ossos desaparecem e os tecidos ficam visíveis;
tomografia por emissão de pósitrons, que usa marcadores radioativos e
instrumentos para detectá-los e criar imagens; e a tomografia de emissão de
elétrons.[304]
A teoria da qual depende um instrumento poderia se revelar equivocada, e
talvez de modos que prejudicarão a confiança dos cientistas em seu
funcionamento; mas, se a teoria é bem garantida, esse efeito, embora possível,
não é provável. A instrumentação é dependente de teoria; mas o que explica o
funcionamento de um instrumento é raramente, se em algum momento, a própria
teoria que tem alguma consequência que ele está sendo usado para testar, e cuja
confirmação está fadada a acontecer com as observações mediadas pelo
instrumento. Em vez disso, é uma questão de os cientistas se voltarem à óptica
para explicar o funcionamento do microscópio por meio do qual estudam a
constituição de determinadas células, ou do telescópio por meio do qual estudam
os movimentos de determinada estrela. É verdade que as teorias científicas se
entrecruzam, como fazem as palavras cruzadas, então a possibilidade remota de
uma dependência mútua danosa não pode ser exatamente excluída em princípio.
É verdade que, no começo, os cientistas às vezes precisavam entrar em detalhes
e delongas para persuadir outros da confiabilidade de seus instrumentos. É
verdade que às vezes os cientistas confundem artefatos dos seus instrumentos
com evidências autênticas (como alguns acreditam que é o que se passa com as
supostas evidências de vida bacteriana em Marte). Mas nada disso significa que
os instrumentos não são, geralmente, verdadeiros auxílios.

Investigadores sérios de todo tipo são ativos na busca por evidências:


historiadores caçam documentos, entrevistam sobreviventes etc.; detetives
seguem e observam suspeitos etc. Mas a investigação natural-científica é muitas
vezes “além disso”, na medida em que envolve a trama de circunstâncias nas
quais essa ou aquela evidência estará disponível. Os investigadores científicos
são postos à prova para projetar experimentos que serão os mais informativos
possíveis, isolando exatamente a variável de interesse — como se faz ao
trabalhar nos itens interseccionais a uma palavra que a cruzam exatamente nas
letras que diferenciam soluções rivais uma da outra. Os experimentos do Oswald
Avery para identificar a substância responsável pela “transformação bacteriana”
dão um exemplo vívido da finesse e do conhecimento factual exigidos pelo bom
desenho experimental.
Em camundongos injetados com uma preparação do tipo R de
pneumococos vivos não-virulentos e com o tipo S, morto e virulento, Frederick
Griffith havia descoberto pneumococos vivos e virulentos da forma S. Depois,
colegas do Avery descobriram que as mesmas transformações bacterianas
poderiam ser produzidas in vitro. Para achar o que era responsável por isso,
Avery primeiro desenvolveu um processo elaborado para extrair o “princípio
transformador”, qualquer que fosse ele, obtendo menos de 30% de um mililitro
dele de mais de 75 litros de cultura. Depois, ele sujeitou esse extrato a testes
padronizados para achar proteína, que deram resultados negativos; e a testes
padronizados para achar DNA, que deram resultados muito positivos. Sob
análise química, ele descobriu que o extrato tinha a proporção 1,67:1 de
nitrogênio para fósforo que seria esperada do DNA, mas não das proteínas. Daí,
descobriu que as enzimas conhecidas por degradar as proteínas ou o RNA
deixavam o extrato intacto, mas as conhecidas por degradar o DNA o destruíam.
Depois, usando testes imunológicos, descobriu que nem a proteína dos
pneumococos nem polissacarídeos capsulares estavam presentes. Colocou uma
amostra do extrato na centrífuga ultrarrápida e encontrou um padrão de
sedimentação consistente com o do DNA do timo de bezerro. Por fim, descobriu
que, sob eletroforese, as moléculas do extrato permaneciam unidas e migravam
relativamente rápido, como fazem os ácidos nucleicos; e que o extrato absorvia a
luz ultravioleta com o mesmo perfil do DNA.
Em uma carta a seu irmão, Avery escreveu: “[A] substância é altamente
reativa e... tem alta conformidade com os valores teóricos do ácido
desoxirribonucleico puro... Quem poderia imaginar?”[305] (Por causa da
influência da hipótese do tetranucleotídeo, no entanto, ele teve o cuidado de
apontar na conclusão do seu artigo publicado que ele não tinha ainda excluído a
possibilidade de que o princípio transformador não fosse o próprio DNA, mas
pequenas quantidades de outra coisa adsorvida ao DNA.)
Agora, pense na multiplicidade de formas de assegurar que os
experimentos e observações não estão contaminados, fisicamente ou de outro
modo: das mundanas, tais como a proibição de levar comida ao laboratório onde
os experimentos bioquímicos estavam sendo conduzidos, listas de checagem
para assegurar sistematicamente que equipamentos complicados estão
funcionando propriamente, modos padronizados de anotar achados
observacionais para que os detalhes relevantes não sejam esquecidos; às mais
sofisticadas, como o protocolo duplo cego; às questões difíceis sobre, por
exemplo, quais procedimentos de amostragem são os mais apropriados dado o
problema em questão, e quais poderiam viciar os resultados.
A pertinência de tomar essas precauções em vez daquelas — proibir
comida e animais de estimação no laboratório, digamos, mas não sapatos ou
canetas esferográficas — depende de pressupostos a respeito de que tipo de coisa
poderia interferir. É concebível que esses pressupostos pudessem estar errados, e
que às vezes são muito trabalhosos de se descobrir; que aspectos do modo como
o experimentador conduz um determinado teste psicológico, ou que fatos sobre o
próprio experimentador, poderiam afetar a resposta? Quando eu critico o
desenho experimental de um estudo psicológico em que as probandas ouviram
antes da hora que o propósito das entrevistas de que participavam era identificar
seus “modos de saber femininos”, considero certo que ter dito isso a elas isso
introduziu a chance de que os resultados seriam enviesados por sugestão.[306] É
concebível que eu pudesse estar enganada. Mas que as precauções não sejam
infalíveis não significa que elas não são, geralmente, auxílios reais.
Quando criticamos investigação mal-conduzida, podemos reclamar de
esforço insuficiente para angariar as evidências relevantes; de um detetive
preguiçoso: “ele sequer quis rastrear a empregada para perguntar o que ela viu”.
Ou podemos reclamar de cuidado insuficiente ao analisar o valor das evidências;
de um historiador desleixado — um exemplo real, do tumulto causado por uma
carta que supostamente mostrava que a Marilyn Monroe tinha chantageado o
presidente Kennedy:[307] “ele saltou à conclusão que a carta era genuína,
ignorando o fato de que o endereço inclui um código postal e que tinha sido
usada uma fita de correção, quando nenhuma das duas coisas existiam quando a
carta supostamente foi escrita”. E assim por diante.
Esse tipo de reclamação é igualmente relevante na investigação científica;
mas nela também reclamamos de forma justificável quando precauções
específicas apropriadas a uma dada área não são respeitadas. Como observa
Bridgman, “quando o cientista se atreve a criticar o trabalho de seu colega, como
não é incomum, ele não baseia sua crítica em tais generalidades áureas como
uma falha em seguir o ‘método científico’, mas a sua crítica é específica,
baseada em alguma faceta da situação em particular”.[308] Os críticos de um
estudo que supostamente estabeleceu a eficácia médica da oração, por exemplo,
levantaram a objeção de que ele não era inteiramente um duplo cego;[309] a
mesma objeção que Maddox e sua equipe fazem ao trabalho do laboratório do
Benveniste que supostamente mostrou eficácia da alta diluição em remédios
homeopáticos: “nenhum esforço substancial foi feito para excluir o erro
sistemático, inclusive o viés do observador” e “o fenômeno descrito não é
reproduzível no sentido comum da palavra”. Interessantemente, no entanto, um
pensamento bem humeano subjaz a ambas as críticas: a ideia de que preces feitas
em nome do paciente, inadvertidamente para ele, poderiam ajudar na
recuperação é uma ideia estranha à ciência médica; a ideia de que uma “solução”
tão diluída que não contém nem mesmo uma molécula do suposto “soluto”
funcionaria porque deixa traços na “memória” da água está em flagrante conflito
com todas as teorias químicas aceitas, de tal forma que é muito mais provável
que as alegadas descobertas sejam o resultado de erro experimental, ou do
autoengano por parte do experimentador, do que serem genuínas.[310]
Investigar a nossa susceptibilidade ao erro neste ou naquele aspecto
melhora o nosso entendimento de quais resultados têm mais chance de serem
devidos ao erro experimental ou a outros tipos de erro. Por exemplo, a detecção
de fraude na investigação científica é com frequência engatilhada quando
alguém nota que esses ou aqueles resultados alegados são “bons demais para
serem verdade” — confirmam uma hipótese de uma forma mais asseada do que
a falibilidade humana ou instrumental sugeriria.
***

Oportunamente, considerando o desenho experimental e as precauções contra o


erro experimental, começo a me aventurar no reino dos auxílios ao intelecto;
mas, até aqui, mal toquei nos muitos refinamentos e amplificações do raciocínio
com os quais as ciências contaram.
Uma das facetas mais marcantes de grande parte da investigação natural-
científica é o seu caráter matemático. De fato, a ciência moderna poderia ser
considerada uma filha da união da matemática e da física (antecipada por
Arquimedes, iniciada em plena seriedade por Galileu, a quem Gillespie chama
de o melhor estudante de Arquimedes, e aperfeiçoada em Newton).[311] Basta
lembrar que, há não muito tempo, a palavra “computador” se referia não a
máquinas, que até ali eram só um sonho na cabeça de Alan Turing, mas a
mulheres computadoras contratadas para calcular as trajetórias na artilharia (e,
antes disso, a mulheres contratadas para calcular as posições das estrelas à mão),
[312]
para apreciar o papel da matemática como parte da evolução dos auxílios
científicos: da contagem por meio de ranhuras em varas ou nós em cordas,
passando pelos algarismos romanos, e depois arábicos, pelo cálculo, e, agora, ao
computador.
Em vez de ter sido elaborada especificamente para aplicações científicas, a
matemática que se mostra vital às ciências muitas vezes é desenvolvida por
outras razões. As geometrias não-euclidianas, por exemplo, foram desenvolvidas
em resposta a perguntas sobre a (in)dependência do postulado das paralelas de
Euclides, sem qualquer ideia de aplicações físicas; mas a teoria geral de
Riemann dos espaços curvos de duas, três ou mais dimensões era precisamente o
formalismo que Einstein precisava para articular a matemática da relatividade
geral. Foi uma feliz coincidência, também, quando em 1960 Murray Gell-Mann
e Yuval Ne'eman descobriram que a já existente matemática de conjuntos de Lie
poderia caracterizar a mistura de elétrons e neutrinos na teoria eletrofraca.[313]
Já na época da descoberta de Watson e Crick da estrutura do DNA, a
pesquisa biológica estava se tornando quase tão matemática quanto a física ou a
química. Agora, cálculos sofisticados são feitos muito mais rápido e com mais
acurácia por computadores do que por humanos; e lemos na imprensa sobre a
maratona computacional de um mês na qual físicos do Laboratório Nacional
Brookhaven calcularam o momento magnético do múon, e sobre a operação
vasta de supercomputador por meio da qual a Celera Genomics produziu seu
mapa do genoma humano. Ao seu repertório familiar de experimentos in vivo
(com uma criatura viva) e in vitro (em tubo de ensaio ou placa), os biólogos
agora acrescentaram experimentos “in silico” — isto é, simulados em
computador.[314]
Mas o computador é só o exemplo mais óbvio da grande categoria de
“auxílios ao raciocínio”. Outros seriam as várias e ainda controversas técnicas de
metanálise, que combinam um monte de estudos epidemiológicos ou de outro
tipo para extrair mais informações do que qualquer um deles poderia dar
isoladamente. Em 2001, por exemplo, dois pesquisadores dinamarqueses
reanalisaram as evidências para o “efeito placebo”, cuja existência era
considerada certa desde 1995, quando Henry Beecher relatou que cerca de 35%
dos pacientes melhoram por placebo. Alguns médicos agora usam placebos
como tratamentos; e alguns pesquisadores médicos devotam seu tempo a
descobrir como os placebos poderiam funcionar. Mas os drs. Hrobjartsson e
Gotzsche sugerem que o suposto efeito é em grande parte um mito. De 727
ensaios potencialmente elegíveis, eles reanalisaram 114 estudos (envolvendo no
total cerca de 7500 pacientes com 40 doenças diferentes) que julgaram “bem
desenhados”; esses dividiam os pacientes em (1) aqueles que recebiam o
tratamento médico real, (2) aqueles que recebiam um placebo, e (3) aqueles que
não recebiam nada. Excetuando um pequeno efeito na redução da dor, eles
concluíram que há pouca evidência de que os placebos têm efeitos clínicos
significativos.[315]
Hrobjartsson e Gotzsche criticam os métodos de pesquisa do Beecher por
serem inadequados para distinguir os efeitos dos placebos dos efeitos do curso
natural das doenças, regressão à média, e outros fatores (por exemplo,
automedicação dos pacientes, a possibilidade de que alguns “placebos” não são
totalmente inertes afinal de contas). Mas eles também reconhecem que os seus
próprios métodos podem precisar de mais refinamento, observam que vários
tipos de viés podem ter afetado as suas descobertas também, especialmente onde
se trata de resultados relatados de forma subjetiva. E, de fato, durante o ano após
a publicação de seu artigo, os autores de muitos outros artigos sugeriram que as
conclusões de Hrobjartsson e Gotzsche eram exageradas.[316] Qualquer que seja a
verdade, este trabalho, e as reações de outros cientistas a ele, ilustra vividamente
a finesse exigida por tais refinamentos metanalíticos do raciocínio, e sua
dependência do conhecimento factual.

O caráter social da investigação científica, às vezes visto como uma ameaça às


suas pretensões epistemológicas, é mais bem concebido como outro tipo de
auxílio falível. Há muitos trabalhos que são feitos melhor se muitas pessoas
estiverem envolvidas; mas o trabalho científico não é muito similar a descascar
cinquenta quilos de ervilhas, o que pode ser feito mais e mais rápido quanto mais
pessoas estiverem envolvidas, nem muito similar a carregar uma tora pesada,
que pode ser levantada por muitas pessoas, mas não por uma só. É complexo,
intrincado, multifacetado e — sim! — comparável a trabalhar em um vasto jogo
de palavras cruzadas.
A garantia é uma questão de grau; os graus de garantia de teorias rivais,
além disso, não se conformarão necessariamente a uma ordem linear. Na grande
zona cinzenta onde é razoável uma atitude mais ou menos otimista direcionada a
uma alegação garantida até certo ponto, mas não garantida de forma inelutável,
não há passo fácil dos graus de garantia para “regras de aceitação e rejeição”.
Uma conjectura ainda mal formulada pode ser digna de ser explorada apesar de
ser, até aquele ponto, não garantida; o que mais importa é que “o” melhor jeito
de prosseguir é muitas vezes que diferentes membros da comunidade prossigam
de formas diferentes.
Como observou Duhem, as ciências se encontram com frequência em um
estado de indecisão entre abordagens mais ousadas e mais cautelosas para um
problema ainda não solucionado.[317] Alguns de nós se apressam em passar a
borracha em um item das palavras cruzadas quando as restrições que ele impõe
sobre outros itens começam a ser um empecilho, outros são mais lentos para
adotar mudanças; se trabalharmos juntos, pode ser que eu às vezes lhe impeça de
se agarrar demais a uma ideia fixa, e que você me impeça de desistir fácil demais
de uma ideia promissora. Isso sugere que a investigação científica tende a ser
melhor quando a comunidade inclui, como geralmente incluirá, alguns que
saltam rápido à especulação a respeito de possíveis novas teorias quando as
evidências começam a desfavorecer a opinião dominante atual, e outros que
estão mais inclinados a tentar modificar a antiga teoria pacientemente.[318]
Michael Polanyi já fez a importante observação que, embora o melhor jeito
de organizar um exército de descascadores de ervilhas poderia ser com uma
pessoa na direção, isso seria tão inapropriado para a investigação científica, por
causa de sua complexidade articulada, quanto seria organizar uma equipe de
pessoas para trabalhar em um gigantesco quebra-cabeças[319] — ou, como ele não
disse, mas eu direi, em um vasto jogo de palavras cruzadas. Como percebeu
Polanyi, é melhor para pessoas diferentes, com seus temperamentos mais e
menos conservadores, seus diferentes pontos fortes e pontos fracos, que cada
uma faça o que faz melhor. Entre os numerosos e variados talentos que são úteis
para a ciência, a criatividade intelectual extraordinária que permitiu àqueles
heróis da história da ciência fazer os seus espantosos saltos teóricos logo vem à
mente. Mas a lista é longa e diversa, incluindo, entre outros, aquele dom especial
de perceber padrões no que se vê, com o qual alguns cientistas parecem ter sido
agraciados como outras pessoas são agraciadas com talento musical; a
engenhosidade no desenho experimental ou em elaborar instrumentos ou testes
ou modelos matemáticos; e a pura paciência e trabalho penoso de checar e
rechecar.
Agora, questões a respeito de comunicação, competência especializada e
autoridade começam a entrar no foco. Se não se deve desperdiçar esforços pela
reduplicação, o trabalho de cada um precisa estar disponível de forma gratuita e
conveniente para os outros. E os cientistas precisam não apenas de poder olhar
por cima do ombro uns dos outros enquanto trabalham, mas também de erguer-
se sobre os ombros daqueles que vieram antes; pois cada um teria que começar
do nada se não pudesse aproveitar os resultados anteriores. Questões de
comunicação, de transmissão de resultados, fazem interseção com questões a
respeito de competência especializada e autoridade. Periódicos entupidos de
artigos escritos por excêntricos e malucos dificultarão o trabalho de
investigação. Daí a necessidade de modos de distinguir o investigador excêntrico
e incompetente do investigador competente — credenciais, revisão por pares —
de forma a assegurar que o que os periódicos disponibilizam não é lixo, mas
trabalho valioso.
Como as precauções tomadas contra a contaminação de laboratório etc.,
esses mecanismos são falíveis. Revisores imperfeitamente honestos podem ser
tentados a impedir a publicação dos trabalhos dos rivais; revisores
imperfeitamente qualificados podem não ter o conhecimento de fundo necessário
para uma avaliação justa; revisores sem imaginação podem falhar em apreciar
ideias verdadeiramente inovadoras. Há, além disso, um amplo espectro que vai
da conjectura criativamente heterodoxa à patologicamente amalucada; a ideia
doida não vem necessariamente marcada na testa como irremediável, nem a
criativamente heterodoxa como promissora. Qual trabalho é julgado valioso e
qual é sem valor é algo que tem que depender do que é considerado um fato
conhecido. Dessa forma, como escreve Martin Gardner ao dispensar Immanuel
Velikovsky por ultrapassar os limites do razoável ou científico, suas opiniões,
“se corretas, exigiriam que a física, a astronomia, a geologia e a história antiga
fossem reescritas”.[320] O que é considerado fato conhecido às vezes é falso — o
trabalho do Darwin, afinal de contas, exigiu uma reescrita de muito do que era
aceito como fato conhecido sobre o registro fóssil — então esses julgamentos
podem ser equivocados; mas, como no caso das precauções contra a
contaminação experimental discutidas antes, que essas precauções sejam falíveis
não é algo que significa que não são, geralmente, verdadeiros auxílios.
Precisamos ir além de pensar em termos de “a união faz a força” para um
entendimento de que se está tratando de uma divisão do trabalho do mais sutil
tipo, ou tipos; e ir além de pensar que a ciência depende de “confiança” para
articular o equilíbrio delicado da crítica e escrutínio mútuos e
institucionalizados, e da autoridade institucionalizada de resultados bem
garantidos que a investigação natural-científica atingiu quando esteve no seu
melhor. Os cientistas contam com a competência especializada uns dos outros;
mas, como essas palavras foram escolhidas para indicar, a confiança e autoridade
envolvidas não são privilégio de pessoas específicas ou posições específicas,
mas distinções que precisam ser conquistadas.
À minha imagem de cientistas olhando por sobre os ombros uns dos
outros, ou erguendo-se sobre os ombros daqueles que vieram antes, preciso
acrescentar que, já que a investigação nas ciências pode ser competitiva, além de
cooperativa, os cientistas às vezes se acotovelam mutuamente para se excluir
(faço o melhor que posso, com minhas limitações, mas a imagem pede pelos
talentos de um Brueghel!). Embora não seja assim de forma invariável ou
necessária, a competição entre indivíduos ou times rivais pode ser produtiva: a
esperança de ganhar dos outros na disputa pelo prêmio Nobel pode estimular
milagres de esforço intelectual; os proponentes de uma abordagem ou teoria são
motivados a buscar evidências desfavoráveis à sua rival, cujos proponentes são
motivados a negligenciar ou minimizar. A competição pode ser outro desses
auxílios; não, como o microscópio, uma ajuda aos sentidos humanos limitados,
nem, como uma analogia bem escolhida, uma ajuda às nossas imaginações
limitadas, mas uma ajuda à nossa energia limitada e à nossa integridade
intelectual frágil.
Os auxílios sociais, como os outros, são falíveis. Como a qualidade de
boato da literatura sobre o efeito placebo sugere, com suas várias camadas de
referências cruzadas em inúmeros artigos científicos, todos apontando de volta
para aquele único estudo questionável do Beecher, a confiança dos cientistas no
trabalho dos outros às vezes é descabida. A competição pode levar ao
desperdício de recursos, até ao ponto de suprimir trabalho bem feito; a
cooperação pode prolongar uma caçada infrutífera. Mas “fazer o melhor que se
pode com a mente” também inclui tentar descobrir em que circunstâncias os
instrumentos ou práticas de citação têm chance de levar ao engano, em que
circunstâncias a competição tem chance de degringolar e se tornar
contraproducente, em que circunstâncias a cooperação tem chance de degenerar
para o expansionismo burocrático, para trabalhos inferiores ou promoção mútua.
E, se conseguirmos descobrir essas coisas, podemos elaborar salvaguardas —
imperfeitas e falíveis, como sempre, mas ainda assim úteis — contra o fracasso
das precauções.

Os auxílios científicos são muitas vezes locais. (Um físico não precisa se
preocupar, como se preocupa o bioquímico, com animais de estimação no
laboratório — ao menos não pelas mesmas razões!) Entretanto, a investigação
científica e de outros tipos estão agora entrelaçadas de várias formas, e os
auxílios “científicos” também são usados pelas outras. Detetives contam com
técnicas da ciência forense tais como tipagem sanguínea, identificação genética e
outras. Historiadores começaram recentemente a usar uma técnica elaborada
para a detecção do câncer de mama para decifrar os “cartões postais” de chumbo
em que os soldados romanos escreviam às suas famílias.[321] Outros historiadores
usaram análise de nêutrons para mostrar que pedaços de jaspe encontrados em
um assentamento no norte da Terra Nova continham elementos residuais
presentes só no jaspe da Groenlândia e da Islândia, confirmando a conjectura de
que os vikings haviam chegado à América do Norte meio milênio antes de
Colombo.[322] A General Motors usa técnicas estatísticas desenvolvidas pelo
Centro de Controle de Doenças para detectar “epidemias” potenciais de defeitos
em seus carros e caminhões.[323] E assim por diante. Ocasionalmente, mas menos
frequentemente, os cientistas tomam empréstimos de outros investigadores;
quando, por exemplo, uma árvore genealógica compilada pelo pai de um doente
mostrou-se uma pista essencial para a identificação do defeito genético
responsável pela pancreatite hereditária.[324]
Para Ilustrar: A Busca pela Dupla Hélice
Já que usei os artigos científicos deles para ilustrar alguns temas acerca das
evidências científicas, parece apropriado voltar à descrição do Watson de como
ele e Crick descobriram a estrutura do DNA, para ilustrar alguns temas a respeito
da investigação científica. Watson reconta os eventos como eles aparentavam
para ele na época; outros envolvidos, como sabemos — inclusive Crick —, nem
sempre viam as coisas do mesmo jeito.[325] Ainda assim, o livro A Dupla Hélice,
apesar de sua impetuosidade, suas personalidades, seus comentários indelicados
sobre os “brotos” nas festas de Cambridge[t] e sobre o senso estético da Rosalind
Franklin para se vestir, é revelador, precisamente por causa da sua falta de tato, a
respeito de como a ciência às vezes conseguiu aproveitar ao máximo os pontos
fortes humanos, e de como um ego pode ser posto a serviço da criatividade e do
respeito pelas evidências. É um livro que faz lembrar de forma tocante aquele
aforismo do Diderot: “dizer que o homem é feito de força e fraquezas, de visão e
cegueira, de capricho e grandeza, não é criticá-lo; é defini-lo”.[326]
Em seu prefácio, Watson diz que sua esperança é que o livro mostre que “a
ciência raramente progride da maneira direta e lógica imaginada por quem está
de fora. Em vez disso, seus passos à frente (e às vezes para trás) são com
frequência eventos muito humanos.” Até aqui, ótimo. Mas ele continua, “eventos
humanos em que as personalidades e as tradições culturais têm papeis
essenciais”; o que alguns cínicos poderiam considerar um endosso à ideia da
ciência como “negociação social”. Logo fica nítido, no entanto, que ele não está
dizendo nada de radical, mas somente meditando sobre as peculiaridades dos
britânicos, em especial a relutância deles de adentrar forçosamente um problema
que consideram da competência de outrem.
Mas estou me apressando. Poucos dias após chegar em Cambridge e
conhecer Francis Crick, Watson conta-nos que “sabíamos o que fazer; imitar
Linus Pauling e derrotá-lo no próprio jogo dele”. Se conseguissem, poderiam
resolver “um problema esmagadoramente importante”.[327] Já se pode sentir a
combinação íntima de ambição e respeito pelas evidências que caracteriza a
história toda.
Uma competição contra Pauling exigia a cooperação com Maurice Wilkins
e Rosalind Franklin em Londres, por mais que Crick preferisse evitar o
incômodo pessoal de interferir em um problema no qual Wilkins trabalhara por
anos (aqueles “fatores culturais” em ação) — porque o grupo de Londres tinha
fotografias de difração de raio X do DNA potencialmente cruciais, que poderiam
economizar meses de trabalho pelo descarte de configurações teoricamente
possíveis.
Logo Watson e Crick pensaram que a solução estava quase a seu alcance.
Ambos Crick e o cristalógrafo de Cambridge Bill Cochran chegaram, por rotas
diferentes, a uma teoria plausível da difração dos raios X por moléculas
helicoidais confirmada pela inspeção visual dos diagramas de raio X do Max
Perutz. E, a partir do relato do Watson de uma palestra da Franklin, parecia que
“só um número pequeno de soluções formais eram compatíveis com a teoria
Cochran-Crick e com os dados experimentais da Rosy”.[328]
Depois de um dia brincando com suas peças de construção de modelos,
tinham algo promissor — um modelo de três cadeias compatível com a teoria
Cochran-Crick e com as localizações dos reflexos do raio X nas fotografias da
Franklin, mas carente de checagem quanto às intensidades relativas delas.
Porém, quando Wilkins e Franklin chegaram de Londres para olhá-lo, o
resultado não foi um triunfo, mas um fiasco constrangedor. De qualquer forma,
Franklin tinha sempre desaprovado os improvisos com modelos, e ainda não
estava convencida de que o DNA era helicoidal. Mais importante, “as objeções
dela não eram mera perversidade”; Watson havia memorizado a quantidade
errada de água em sua amostra de DNA — o modelo correto precisava conter ao
menos dez vezes mais água do que tinha naquele modelo dele e do Crick.
Embora fosse possível lotar as regiões vagas na periferia da hélice com as
moléculas extras de água, continua Watson, com a água extra envolvida “o
número de modelos do DNA potenciais aumentava de forma alarmante”.[329] O
otimismo de antes com uma solução rápida acabara.
Watson aprendeu técnicas de difração de raio X, mas depois se distraiu
com problemas a respeito da vida sexual das bactérias. De tempos em tempos,
ele e Crick brincavam mais com seus modelos de DNA, mas “quase de imediato
Francis viu que o raciocínio que tinha nos dado esperança momentânea não
levava a nada”. E então uma carta do Pauling para seu filho, na época um
estudante de pesquisa em Cambridge, trouxe “a notícia há muito temida”:
Pauling tinha uma estrutura para o DNA.[330] Talvez se eles pudessem reconstruir
o que Pauling tinha feito antes que vissem o artigo dele, pensaram, eles
poderiam partilhar o crédito. E então, quando saiu o artigo do Pauling, e seu
modelo soava suspeitosamente igual ao modelo abortado um ano antes, talvez,
pensaram eles, poderiam já ter o crédito se não tivessem se contido a respeito. E
então, ao estudar as ilustrações, eles perceberam que Pauling ou tinha feito uma
descoberta revolucionária na teoria química subjacente, ou tinha cometido um
erro elementar. Mas não haveria razão para manter tal descoberta teórica em
segredo, então tinha de ser um “tropeço inacreditável”.
“Apesar de parecer que a balança ainda pendia contra nós, Linus ainda não
tinha ganhado o Nobel”;[331] mas poderia ser fatal perder tempo comemorando o
erro do Pauling...
Alguns dias depois, Watson viu as fotografias da forma B do DNA tiradas
pela Franklin; o padrão, “incrivelmente mais simples” que nas fotografias
anteriores, era evidência abundante de que a estrutura era helicoidal. Uma vez
que “o reflexo meridional em 3,4 Å era bem mais forte do que qualquer outro
reflexo”, percebeu Watson, “isso só poderia significar que as bases de purina e
pirimidina com espessura de 3,4 Å estavam empilhadas umas sobre as outras, em
uma direção perpendicular ao eixo helicoidal”, e ambas as evidências do
microscópio eletrônico e do raio X sugeriam que o diâmetro da hélice era cerca
de 20 Å. Crick ainda não estava convencido de que deveriam procurar por um
modelo de duas cadeias em vez de três cadeias; mas Watson já estava
persuadido, com base no fato de que coisas biológicas gostam de vir em pares.
Watson ainda não estava convencido do palpite da Franklin que o alicerce
deveria estar por fora da estrutura e não por dentro; mas começou a gostar da
ideia depois de desmontar “um modelo de alicerce central particularmente
repulsivo”.[332]
Passando suas noites no cinema, decepcionado que as cenas de nudez da
Hedy Lamarr haviam sido cortadas do Ecstasy, e sonhando vagamente que a
qualquer momento a resposta de repente lhe ocorreria, Watson encontrou uma
solução de aparência tão promissora que a mencionou numa carta a Max
Delbrück — só para que fosse posta em frangalhos menos de uma hora depois,
quando o cristalógrafo Jerry Donohue “disse alegremente que por anos os
químicos orgânicos vinham favorecendo formas tautoméricas específicas acima
das alternativas sem fundamento sólido. Na verdade, os textos de química
orgânica estavam eivados de figuras com formas tautoméricas muito
improváveis. A figura da guanina que eu esfregava na cara dele era quase com
certeza falsa”.[333] Não havia truque que salvasse a ideia.
Mas logo Watson pensou noutra compatível com as reservas do Donohue e
espantosa em seu poder explicativo:
De repente percebi que um par adenina-timina unido por
duas pontes de hidrogênio era idêntico na forma a um par
guanina-citosina unido por ao menos duas pontes de
hidrogênio... [N]enhuma gambiarra era necessária...
Suspeitei que agora tínhamos a resposta ao enigma do
motivo pelo qual o número de resíduos de purina era
exatamente igual ao número de resíduos de pirimidina.
Duas sequências irregulares de bases poderiam ser
empacotadas no centro de uma hélice se uma purina sempre
fizesse ponte de hidrogênio com uma pirimidina. Além
disso, a exigência das pontes de hidrogênio significava que
a adenina sempre se parearia à timina, enquanto a guanina
poderia se parear somente com a citosina. As regras de
Chargaff subitamente se revelaram como uma consequência
da estrutura em dupla hélice para o DNA. Mais empolgante
ainda, esse tipo de dupla hélice sugeria um mecanismo de
replicação muito mais satisfatório do que o pareamento
igual-com-igual que considerei brevemente.[334]
Crick inicialmente ficou pouco interessado quando Watson lhe contou a respeito
da descoberta do Chargaff das regularidades nas proporções relativas de bases de
purina e pirimidina no DNA, mas logo se convenceu da sua importância. Ao
checar, ele não encontrou nenhum outro jeito de satisfazer as regras de Chargaff,
e estava preparado para contar a todos que eles haviam descoberto o segredo da
vida. Porém, eram necessárias mais construções de modelos, mais mensurações
cuidadosas para assegurar que não tinham feito gambiarra com uma série de
contatos entre átomos que fossem quase aceitáveis separadamente, mas
impossíveis em conjunto, e mais consultas junto a Wilkins e Franklin para
comparar os dados de raio X com as previsões do modelo.
Na mesma semana, cartas de Pasadena revelaram que Pauling “ainda
estava bem fora do prumo”. Watson preferia não contar nada ao Pauling por
enquanto, mas Delbrück, que “odiava qualquer forma de segredo em assuntos
científicos”, contou-lhe mesmo assim; e “os méritos biológicos insuperáveis de
uma molécula de DNA autocomplementar fez com que ele concedesse a derrota
na corrida”. Neste tempo mal importava se Pauling sabia, já que “as evidências
favorecendo os pares de base estavam se acumulando cada vez mais”.[335]

Mesmo resumido, esse magnífico romance policial científico ilustra o que eu


disse antes, que “a investigação científica é muito mais desordenada e muito
menos metódica do que os Velhos Deferencialistas imaginavam; mas, ainda
assim, muito mais limitada pelas exigências das evidências do que sonham os
Novos Cínicos”.
Os cínicos mais determinados não se deixam abalar. Ultimamente, os
estudantes da retórica da ciência têm voltado sua atenção para a história do
Watson, e até para o primeiro artigo de Watson e Crick na Nature, com sua
suposta estrutura retórica paralela: S. Michael Halloran sugere que o trabalho de
Watson e Crick começou uma revolução na biologia por causa de sua ousadia
retórica de usar “nós” em vez da voz passiva; Alan Gross sugere que “o senso de
que uma molécula com essa estrutura realmente existe... é um efeito de meras
palavras, números e figuras judiciosamente usadas com efeito persuasivo”.[336]
Mas, pelo contrário — e apesar do fato de que ele parece ter exagerado a
competição com Pauling, representado mal a posição da Franklin no King’s
College e a atitude dela para com hélices etc. etc.[337] —, a descrição do Watson
ilustra o entrelaçamento íntimo dos aspectos evidenciais, pessoais e sociais da
ciência, e o papel dos auxílios científicos à investigação.
Um palpite informado é checado com referência às evidências que têm e
evidências adicionais que podem obter, é modificado, mas afunda por causa do
erro sobre o conteúdo de água; depois, palpites mais bem informados são
tentados, checados, modificados, descartados, até que um finalmente resiste e é
preenchido à caneta — desculpe, é submetido à Nature, e por fim traz aos
autores o prêmio Nobel. A inter-relação de inferência e julgamento, a
dependência de crenças de fundo em si falíveis, estão sempre presentes. A
conjectura que depende do erro sobre o conteúdo de água talvez estivesse
correta, todavia — mas não, era forçada demais. A estrutura “há muito temida”
do Pauling talvez estivesse correta, também, se ele tivesse as evidências para
mudanças revolucionárias que seriam necessárias na teoria química subjacente
— mas não, ele não tinha. Os modelos com alicerce interno talvez estivessem
certos — mas não, aqueles esforços constrangedores não estavam dando em
nada. A estrutura em dupla hélice com alicerce externo e pares de base igual-
com-igual talvez estivesse certa, se os textos de química orgânica não estivessem
favorecendo arbitrariamente certas formas tautoméricas acima de outras — mas
eles estavam.
Ouvimos, na história do Watson, fragmentos de temas familiares dos
debates dos Velhos Deferencialistas: uma conjectura inicial é falseada quando o
erro sobre o conteúdo de água é descoberto, e a estrutura do Pauling é falseada
quando o tropeço em química é notado; os modelos com alicerce interno
começam a lembrar um programa de pesquisa degenerante; e, é claro, por fim a
solução da dupla hélice, do alicerce externo etc. é confirmada (garantida) a tal
grau que seria irrazoável não aceitá-la. Mas essas inferências são todas feitas no
contexto da malha de outras crenças, muito mais parecida com um jogo de
palavras cruzadas do que com a construção de uma prova matemática.
E há também modelos e metáforas, os instrumentos, e a cooperação e
competição com outros cientistas que ajudaram Watson e Crick a vislumbrar
estruturas potenciais para o DNA, a obter as evidências necessárias, e a
continuar motivados e honestos. Aquelas peças de construção de modelos, com a
ajuda e incentivo de metáforas a respeito de “quais moléculas gostam de se
sentar juntas”, servem como auxílios à imaginação espacial e, feitas em escala,
como checagens evidenciais de quais estruturas são estereoquimicamente
possíveis. As evidências observacionais são mediadas pelas técnicas de difração
de raio X — cuja teoria está sendo elaborada enquanto trabalham; mas, assim
que Watson vê as fotografias da forma B do DNA da Franklin, fica “boquiaberto
e com o coração acelerado”, e, quando Crick as vê, ele leva só “dez segundos”
para perceber sua importância.[338] E este é um conto de competição e cooperação
desde o começo; mas, longe de transformar a busca da estrutura do DNA em
mera negociação social, a competição é um estímulo ao esforço intelectual, a
cooperação é uma forma de divisão de trabalho e de extensão do alcance
evidencial.
Mais de 30 anos depois, meditando sobre como ele e Watson conseguiram
a proeza, Crick escreve que “queríamos saber os detalhes da estrutura com
paixão... Se merecemos algum crédito, é pela persistência e pela disposição a
descartar ideias quando elas ficavam insustentáveis... Consideramos [o
problema] tão importante que estávamos determinados a pensar a respeito dele
com delongas e intensidade, de qualquer ponto de vista relevante... [Nossas
discussões eram] muito exigentes e às vezes intelectualmente exaustivas”.[339]
Isso lembra a resposta do Newton a um admirador que queria saber como ele fez
as suas descobertas: “Pelo pensamento incessante a respeito delas”;[340] e o
Conselho a um Jovem Investigador do Santiago Ramon y Cajal, que a coisa
crucial é a concentração sustentada, a “orientação firme de todas as suas
faculdades em direção a um único objeto de estudo... que os franceses chamam
de esprite de suite”.[341]
Revisitando o Velho Deferencialismo e o Novo Cinismo
E voltando a olhar para o Velho Deferencialismo e o Novo Cinismo, faço uma
associação irresistível com aquele maravilhoso poema infantil “Os Cegos e o
Elefante”. Um hindu, tateando o flanco do elefante, decide que o elefante “é
muito parecido com uma parede”, outro, pegando o rabo, que o elefante “é muito
parecido com uma corda” etc.:
E assim os homens do Hindustão
Discutiram alto, sem um norte,
Cada um com a sua opinião
Excedendo-se em convicção forte
Apesar de terem todos razão
Cometeram erros de toda sorte.[342]
Os Velhos Deferencialistas estavam corretos em considerar certo que as
ciências naturais tiveram notáveis sucessos. Mas estavam errados na medida em
que supuseram que a explicação para esses sucessos deve ser um método de
investigação de caráter estreitamente lógico ou quase-lógico, exclusivo à ciência,
e que assegure, se não o sucesso, ao menos o progresso. Os Novos Cínicos estão
corretos em seu ceticismo quanto a haver, no sentido esperado, tal coisa de “o
método científico”; e veem que concentrar-se com exclusividade exagerada nos
aspectos estreitamente lógicos da ciência é algo que dissimula o fato de que, seja
o que mais for, a ciência é uma instituição social. Mas estão errados quando
concluem que toda a ideia de que a investigação natural-científica é de alguma
forma epistemologicamente destacada deve ser uma ilusão. Em vez de insistir
mais no argumento geral, permita-me aplicá-lo, à luz da descrição articulada
aqui, a alguns debates antigos sobre o problema da demarcação e a distinção
descoberta/justificação.
Para os Velhos Deferencialistas — para os popperianos em especial, mas
de forma oblíqua para alguns positivistas, também — distinguir a ciência da não-
ciência era uma preocupação importante, tanto encorajadora quanto encorajada
pelo uso honorífico de “ciência” e pelo mito de um método científico
singularmente racional.[343] Mas se os Velhos Deferencialistas eram preocupados
demais com o problema da demarcação, os Novos Cínicos (ao pensar na ciência
como só mais uma instituição social grande e poderosa, ou como só outra
criação imaginativa, não necessariamente diferente da ficção) exageram ao
descartar as pretensões epistemológicas das ciências. Quanto ao uso honorífico
de “científico”, um incômodo, e meu ceticismo quanto ao “método científico” no
sentido deferencialista, não estou disposta a dar ao “problema da demarcação” a
alta prioridade dada por alguns dos Velhos Deferencialistas. Todavia, tomando
“ciência” como algo que capta uma federação de tipos epistemologicamente
destacados de investigação, dou a preocupações epistemológicas um lugar muito
mais central do que os Novos Cínicos.
A primeira coisa a se dizer é que a “não-ciência” é uma categoria ampla e
diversa, incluindo as muitas atividades humanas além da pesquisa, as várias
formas de pseudoinvestigação, a investigação de caráter não-empírico, e as
investigações empíricas de outros tipos que não a científica; e que, para
complicar mais as coisas, há muitos casos limítrofes e mistos. O uso de
“científico” e seus cognatos como termos gerais de elogio epistêmico é algo que
tenta os cientistas e também os leigos (e juízes — mas chegaremos a isso depois)
a criticar a ciência mal conduzida como se não fosse ciência de fato; mas o “não
científico” é tão inútil como crítica epistêmica genérica quanto o “científico”
como elogio epistêmico genérico.
A expressão “pseudociência”, que se presume referir a atividades que
pretendem ser ciência, mas não são de verdade, merece atenção especial. Seu
tom pejorativo deriva em parte da sua imputação de falsas pretensões, mas
também em parte das conotações honoríficas de “científico”. Eis Bridgman, mais
uma vez: “o cientista ativo está sempre preocupado demais com detalhes
específicos para querer gastar seu tempo com generalidades”.[344] No meu
entender, também, em vez de criticar obras chamando-as de “pseudocientíficas”,
é sempre melhor especificar o que, exatamente, há de errado com elas: que não
são investigação honesta ou séria; que repousam sobre pressupostos para os
quais não há boa evidência, ou que são vagos demais para serem submetidos à
checagem evidencial; que usam simbolismo matemático, ou talvez um aparato
de aparência elaborada, de forma puramente decorativa; etc.
Lakatos fica preocupado que “se Kuhn está certo, não há demarcação
explícita entre ciência e pseudociência, nem distinção entre progresso científico
e decadência intelectual, não há nenhum padrão objetivo de honestidade
intelectual... [Q]uais critérios, então, ele pode oferecer para demarcar o
progresso científico da degeneração intelectual?”[345] Em poucas frases, Lakatos
mistura ciência, progresso científico, honestidade intelectual e a boa saúde
intelectual de uma cultura — todos conceitos bem distintos, mas
interrelacionados de formas complexas e sutis. Em particular, a disposição a
reconhecer evidências negativas não é um critério da ciência genuína, mas uma
condição da honestidade intelectual — para os cientistas e para os investigadores
de todo tipo. Darwin escreve que ele sempre seguiu “uma regra áurea, a saber,
que sempre que um fato publicado, uma nova observação ou pensamento me
ocorria que fosse oposto aos meus resultados gerais, tomar nota disso sem falta e
imediatamente; pois descobri com a experiência com tais fatos ou pensamentos
tinham muito mais chance de escapar da memória do que os favoráveis”:[346] uma
experiência que é familiar a qualquer um — cientista, historiador, jornalista ou
até filósofo — que já tenha feito uma investigação a sério.
Claro, para alguns propósitos é necessário traçar uma linha rígida entre a
ciência e as outras coisas. Um possível jeito de fazer isso é pensar que as
ciências diferem das outras atividades, como o sapateado ou o ativismo, por
serem tipos de investigação; diferem de outros tipos de investigação empírica,
tais como história ou pesquisa jurídica ou literária, em virtude de seu objeto de
estudo; e, talvez, diferem da teologia natural em virtude dos tipos de explicação
que aceitam. Por mais que seja rudimentar, este não é um ponto de partida ruim
para explicar, digamos, como é que as ciências diferem da literatura ou da
indústria do entretenimento. Porém, se queremos entender os aspectos históricos
da ciência social ou biologia evolutiva ou cosmologia, sem mesclar a ciência à
história, precisaremos de algo mais sutil. E, se queremos entender como o
criacionismo difere epistemologicamente da cosmologia física ou da biologia
evolutiva, é melhor que nos concentremos diretamente nas questões de evidência
e garantia, em vez de perder tempo discutindo se o criacionismo é ciência ruim
ou não é ciência de forma nenhuma.
Agora, tratemos da distinção entre descoberta e justificação. Os Velhos e
Novos Deferencialistas tinham a esperança de confinar os aspectos sociais e
psicológicos das ciências no contexto de descoberta, e de se concentrar no mais
simpático, arrumado e lógico contexto de justificação.[347] Mas os novos cínicos,
naturalmente, disputam a legitimidade dessa distinção. Essa celeuma fomentou
tanto a tendência deferencialista a simplificar demais o processo da investigação
quanto a prontidão cínica a ignorar o papel das evidências.
O problema não é tanto que não há distinção para ser captada pelo
contraste de descoberta versus justificação, mas que há distinções demais. Há
certamente uma diferença entre a questão de como se chegou a uma teoria e a
questão do quão boas são as evidências a respeito dela. Há certamente estágios
diferentes de investigação: uma teoria é concebida, desenvolvida, testada,
refinada, modificada, apresentada em periódicos etc. E há certamente uma
diferença entre questões psicológicas e sociológicas a respeito da investigação
científica e as questões epistemológicas. Mas identificar o contexto de
justificação como o estágio de apresentação na investigação, como faz
Reichenbach, é arriscar confundir a questão da qualidade evidencial com a
questão do que um cientista faz para persuadir os colegas da verdade de sua
teoria. E identificar o contexto de descoberta como a esfera do psicológico ou
sociológico e o contexto de justificação como a esfera do lógico, como faz
Popper, é arriscar dissimular o fato de que chegar a uma hipótese não é
geralmente algo feito às cegas, mas algo que envolve inferência, e aquela coleta,
compartilhamento e avaliação das evidências concernentes a uma hipótese que
são geralmente um projeto comunitário.
Como no problema da demarcação, o que eu recomendaria é uma mudança
de ênfase: dessa vez, no papel da inferência no processo pelo qual os cientistas
chegam a teorias, e das interações entre cientistas enquanto avaliam o valor das
evidências. Nenhuma regra de inferência assegura uma boa conjectura; mas uma
boa conjectura deve ser compatível com (se possível, deve acarretar) o que já se
sabe. Pense na força das restrições sobre as possíveis soluções para a estrutura
do DNA dada a vasta malha de crenças de fundo da qual dependeram Watson e
Crick, e nas fotografias da Franklin da forma B. Watson chegou à exata natureza
dos pares de base “por feliz coincidência”, recorda Crick, mas poderia ter sido
feito por eliminação através do teste sistemático dos pares sugeridos pelas regras
de Chargaff.[348] E, como algo que é inferencial está envolvido na elaboração de
uma conjectura plausível, algo social — a interação de membros mais ou menos
conservadores da comunidade científica conforme as evidências necessárias para
decidir entre uma conjectura e suas rivais são buscadas e peneiradas — tem um
papel no processo pelo qual ela é por fim posta em manuais ou descartada.
E para concluir
Comentando aquele artigo recente no New England Journal, o dr. Clement
McDonald, que dezoito anos antes tinha publicado um artigo questionando a
autenticidade do efeito placebo, observa que “a coisa boa na ciência é que, mais
cedo ou mais tarde, a verdade vem à tona”.[349] Sem dúvida, isso soa um pouco
ingênuo; de qualquer modo, de uma forma rudimentar, captura algo importante.
O progresso foi irregular; mesmo assim, graças às ciências naturais, agora
sabemos muito mais sobre o mundo do que sabíamos, por exemplo, 400 anos
atrás.
Se a história do DNA ilustra a glória, a saga do meteorito marciano ilustra
a irregularidade. 1996: cientistas sugerem que os carbonatos que o meteorito
emite constituem evidências de vida primitiva bacteriana em Marte; 1997: outros
cientistas sugerem explicações rivais para os carbonatos; 1998: outros sugerem
que os resquícios bacterianos são contaminação terrestre; 1999: fotografias de
satélite indicam que pode haver água sob o gelo permanente do subsolo
marciano, e o veículo espacial Polar Lander é enviado para buscar por mais
evidências; janeiro de 2000: o Lander é considerado perdido ao ter caído num
cânion em Marte; fevereiro de 2000: conjecturou-se que sinais misteriosos
podem estar sendo enviados pelo Lander; abril de 2000: investigadores da
NASA pensam que o Lander caiu na superfície gelada marciana e se partiu; abril
de 2001: a sonda Odyssey da NASA é lançada; junho de 2002: anuncia-se que
dados da nova sonda sugerem que oceanos de gelo ainda cobrem Marte,
aumentando a probabilidade de que houve vida lá.[350] Não tenho muita dúvida de
que a verdade por fim virá à tona.
Permita-me sugerir uma reinterpretação amigável da observação de
Lakatos de que “não há racionalidade instantânea”, e da concepção de Kuhn da
história da ciência como “escrita pelo lado vencedor”. O progresso pode ser
pequeno e paulatino, ou grande e revolucionário, ou algo intermediário aos dois
estados. Pode ser um acidente feliz ou até um erro sortudo, como quando, em
sua ignorância ou confusão, um cientista propõe uma conjectura incompatível
com o que é considerado fato conhecido, mas, na realidade, não é fato nenhum.
Às vezes, em algumas áreas, a investigação científica fica estagnada, ou até
regride; e pode ser só com o benefício do retrospecto que fica claro que esta ou
aquela mudança foi progressiva. De qualquer modo, se minha descrição está
correta, não é mistério a razão pela qual, no geral e de todo e a longo prazo, a
investigação natural-científica fez progresso. Pois ela conta com auxílios que,
embora falíveis e imperfeitos, geralmente tendem a ajudar a imaginação,
estender o alcance evidencial, e enrijecer o respeito pelas evidências. De forma
alguma todo passo será na direção certa; mas, na medida em que os auxílios têm
sucesso, a tendência geral será na direção de uma ancoragem experiencial mais
forte e uma integração explicativa aprimorada.
Ainda assim, muitos leitores, tanto os cuidadosamente sofisticados quanto
os impulsivamente cínicos, provavelmente suspeitarão que a minha conclusão de
aparência modesta, mas conclusão reconfortante, pode depender sub-
repticiamente de um realismo acrítico e indefensável de ambicioso. Para tratar de
tais preocupações, terei de me aprofundar em questões a respeito de observação
e teoria, gerais e explicação, verdade e progresso.
Capítulo 5: Realisticamente Falando
Como a Ciência, Atrapalhada e Às Vezes Forjada, Avança

Não finjamos duvidar na filosofia do que não duvidamos


nos nossos corações.
— C. S. Peirce, “Some Consequences of Four
Incapacities”[351]

Tentei fazer meu relato realista, no sentido mais comum e cotidiano da palavra:
nem otimista demais nem pessimista demais, reconhecendo plenamente as
conquistas da ciência, mas também a falibilidade disseminada, as imperfeições e
defeitos, a pura desorganização dessa empreitada notável, mas profundamente
humana. Agora é hora de reconhecer explicitamente que, na minha insistência
que entender as complexidades das evidências científicas e da investigação
científica é algo que exige atenção não apenas a questões de lógica, mas também
ao mundo e ao nosso lugar como investigadores no mundo, estão implícitos
outros tipos de realismo mais tecnicamente filosóficos.
Há um mundo real; e as ciências buscam descobrir algo a respeito de como
ele é. Claro, seres humanos intervêm no mundo, e nós, com as nossas atividades
físicas e mentais, somos parte do mundo. O mundo que nós humanos habitamos
não é a natureza bruta, mas a natureza modificada por nossas atividades físicas e
forrada com nossas redes semióticas, incluindo as construções imaginativas de
escritores e artistas, e as explicações, descrições e teorias de detetives,
historiadores, teólogos etc. — e de cientistas. As construções imaginativas de
romancistas e artistas, suas personagens e eventos fictícios, são imaginativas e
imaginárias. Mas, quando têm sucesso, as construções imaginativas de
investigadores, suas entidades teóricas e categorias, não são imaginárias, mas
reais, e as suas explicações verdadeiras.
A investigação científica bem-sucedida, como a investigação empírica
bem-sucedida de qualquer tipo, é possível somente porque nós, e o mundo,
somos de um certo jeito. Até a investigação empírica mais rotineira seria
impossível se não tivéssemos órgãos dos sentidos com a competência de detectar
informações a respeito de coisas e eventos particulares ao nosso redor, e a
capacidade intelectual de fazer conjecturas generalizadas e elaborar formas de
checar essas conjecturas diante de mais evidências; ou se as coisas e eventos
particulares do mundo sobre o qual podemos estar perceptualmente cientes não
fossem de tipos e sujeitos a leis. Se não fosse assim, não poderíamos categorizar
as coisas ou descobrir generalizações úteis sobre elas; nem as ciências naturais
— mais profundas e detalhadas que a investigação empírica cotidiana, muito
mais unificadas, mais precisas, mas ainda profundamente falíveis, imperfeitas e
incompletas — poderiam ter conseguido identificar gradualmente tipos reais de
coisa ou substância, discernir sua constituição interna, e descobrir leis da
natureza.
A minha abordagem é realística a respeito da percepção, de tipos e leis, do
mundo, da verdade. Porém, embora meu realismo seja extensivo, ele não é
extremo; na verdade, ele é bem modesto. Nossos órgãos dos sentidos nos põem
em contato com coisas e eventos do mundo, mas os nossos sentidos são
limitados, imperfeitos e às vezes distorcidos pelas nossas expectativas; e não há
uma classe nitidamente identificável de enunciados puramente observacionais,
ou de coisas observáveis. Há tipos reais; mas isso é só para dizer que alguns nós
de propriedades são unidos por leis. Há verdades objetivas, e as ciências às vezes
conseguem descobrir algumas delas; mas a verdade não é transparente, e o
progresso não é garantido.
Hoje em dia, reconhecer mesmo um Realismo Inocente como este é
convidar críticas, por um lado que você ingenuamente falhou em compreender o
caráter conceitualmente ou linguisticamente ou textualmente construído do
mundo, ou a relatividade da verdade ou da evidência à comunidade ou ao
paradigma; e, por outro lado, que você deve estar comprometido a ideias
metafísicas ou epistemológicas que são indefensáveis de ambiciosas. Mas espero
que o meu Realismo Inocente seja modesto o suficiente para escapar da acusação
de ambição indefensável, e sutil o suficiente para acomodar as complexidades
que tentaram alguns a sucumbir a formas ambiciosas indefensáveis de idealismo
linguístico ou conceitual.[352]
Não aspiro a oferecer um argumento decisivo de que há um mundo real
etc.; encontro-me meio perdida para saber quais proposições menos controversas
poderiam possivelmente servir como premissas para tal argumento. O que me
move, e tenho esperança que lhe mova também, é um tipo diferente de
consideração: a investigação científica é uma extensão altamente sofisticada,
complexa, sutil e socialmente organizada da nossa confiança cotidiana na
experiência e no raciocínio. Como a investigação empírica cotidiana, ela pode
ter sucesso somente se houver um mundo real conhecível em alguma medida por
criaturas com poderes sensoriais e intelectuais como os nossos. Peirce comenta
que “um homem deve ser definitivamente maluco para negar que a ciência fez
muitas descobertas verdadeiras”;[353] e não tenho dúvida de que a investigação
científica muitas vezes teve sucesso. Mas, para desacoplar a conclusão realista
inocente de que há um mundo real conhecível em alguma medida por criaturas
como nós, não é estritamente necessário estabelecer que a investigação científica
às vezes tem sucesso; é suficiente que a investigação empírica cotidiana tenha —
do que, em seu coração, ninguém realmente duvida.
Assim, a tarefa diante de mim é expandir a estrutura conceitual
compactada e carente de articulação aqui para uma longa e fina fibra verbal.
Talvez não seja fantasioso demais pensar que os temas gêmeos do Realismo
Inocente, na metafísica, e o Sensismo-Comum Crítico, na epistemologia,
formam o alicerce duplo-helicoidal do meu modelo, entrelaçado ao redor da
série de pares de base conceituais nos quais me concentrarei no que se segue:
observação e teoria, gerais e explicação, verdade e progresso.
Observação e Teoria
O método da investigação empírica cotidiana, e o método da ciência (“até onde
é um método”, repito, ecoando o Bridgman mais uma vez), é o método da
experiência e do raciocínio; ou, já que ambos trabalham tão juntos, talvez “o
método de experiência-e-raciocínio” seja um termo melhor. Presume-se às vezes
que reconhecer a interdependência da percepção e crença de fundo, ou da
observação e teoria, é em si negar que a experiência pode ser uma restrição
evidencial real. Mas isso é um erro. A percepção é dependente de crenças de
fundo, e a observação da teoria? Sim, em mais de uma forma. Há uma categoria
privilegiada de enunciados observacionais infalíveis, ou de coisas observáveis?
Não, e não mais uma vez. Ainda assim, as evidências dos sentidos em última
análise ancoram as nossas teorias ao mundo; e são uma restrição real.
Ao interagir com coisas e eventos ao nosso redor, captamos algumas das
informações que fornecem — mas só algumas. É por isso que somos vulneráveis
a certos tipos de ilusão (e podemos prever, por exemplo, que em tais e quais
circunstâncias a estrada à frente vai parecer molhada mesmo que não esteja, e
explicar por quê); e somos susceptíveis a figuras ambíguas enigmáticas
projetadas para nos convidar a preencher as lacunas dessa forma — ou daquela.
Sabemos todos virar uma coisa de cabeça para baixo, ou checar atrás dela;
cheirar ou provar ou cutucar, além de olhar; chamar outra pessoa para vir
examinar também. Por mais que nosso aparato perceptual tenha limitações, por
mais que sejamos susceptíveis à má percepção e à influência deturpadora das
nossas expectativas, há algo teimoso a respeito da aparência das coisas, algo
receptivo ao evento perceptual. Os cientistas tramam formas de interagir com as
coisas e eventos ao seu redor de formas mais sutis, mais indiretas e mais
complexas do que o resto de nós, e são ainda mais céticos a respeito de supostos
fenômenos que apenas um observador pode ver. Para veicular o senso apropriado
de premeditação e artifício, no contexto das ciências geralmente falamos de
“observação” em vez de simples percepção; pois observações científicas, como
diz Kuhn, são mais bem descritas como “o que é coletado com dificuldade” do
que como “o que é dado”.[354] De fato, algumas observações científicas são mais
feliz coincidência do que tramadas. Uma reportagem recente conta que um
estudante de pós-graduação buscava por espécimes numa praia e notou uma
centopeia de aparência peculiar que tinha um número par de pares de patas —
uma descoberta notória, pois até agora a crença generalizada era que todas as
centopeias possuem um número ímpar de pares de patas. Porém, até neste caso
foi o conhecimento de fundo do estudante que o levou a pensar em contar, e
assim a fazer uma “descoberta maravilhosa que acrescenta muito ao nosso
conhecimento das centopeias”.[355] Mas com muita frequência, quais observações
os cientistas decidem fazer — seguir esta macaca e sua prole em vez de aquele
macaco e seus amigos, assistir ao eclipse deste lugar e também daquele outro,
checar estes e aqueles aspectos da reação química — dependem das crenças de
fundo que determinam quais evidências experienciais consideram relevantes à
alegação em questão.
Com muita frequência, também, a observação científica conta com
instrumentação, e, em consequência, com os pressupostos teóricos introduzidos
ao desenho dos instrumentos. Esses pressupostos raramente são do mesmo
domínio que as alegações que eles ajudam os cientistas a checar; e não precisam
ser conhecidos pelo cientista a fazer as observações, que muito provavelmente só
se fia na integridade dos produtos de um fabricante, e portanto, indiretamente, na
competência de outros cientistas.
Em uma inversão paradoxal deliberada, Sir Arthur Eddington uma vez
aconselhou que “é uma boa regra não confiar demais nos resultados
observacionais... até que sejam confirmados pela teoria”.[356] Isso chama a
atenção para o fato de que, como a observação e a teoria trabalham juntas, as
coisas podem dar errado: os pressupostos que levam um cientista a fazer essas
observações em vez daquelas, ou que subjazem ao funcionamento dos
instrumentos de observação dos quais ele depende, podem ser falsos; e, se são
falsos, ele pode fazer as observações erradas, ou falhar em fazer as certas, ou ser
ludibriado pelo que na verdade é só um artefato do seu instrumento. Mas,
quando as coisas dão certo, e são verdadeiros os pressupostos que levam os
cientistas a fazer essas observações em vez daquelas, ou que subjazem ao
funcionamento dos instrumentos de observação dos quais dependem, eles podem
aproveitar aqueles sucessos anteriores e avançar com a investigação científica.
A aparência das coisas para um observador depende de suas vistas, de
condições de iluminação, distância, ângulo etc., e de qualquer instrumento de
observação que ele use. Mas qual juízo uma observação elicita depende não só
da aparência das coisas para ele, mas também de suas crenças de fundo. Robert
Root-Bernstein relata que cerca de 10% dos seus estudantes acreditam com base
na Bíblia que os homens têm menos costelas que as mulheres, que fez com que
examinassem esqueletos e raios X por si; mas até depois disso alguns ainda
alegavam que os esqueletos masculinos tinham um par a menos de costelas, e ele
teve que acompanhar ao lado deles enquanto recontavam duas ou três vezes até
que reconhecessem que o número é o mesmo.[357]
As fotografias de difração de raio X do DNA da Rosalind Franklin
parecem as mesmas para um observador especialista e para um leigo; mas o
especialista percebe o que o leigo não percebe, e — ou melhor, “percebe o que
é”, pois perceber é uma questão de ser movido pelo que se vê a julgar que a
coisa é tal e qual — o julgamento dele a respeito do que vê é diferente.
Observação similar é a do Russell Hanson que, diferente de um bebê esquimó,
um cientista verá uma máquina de raio X como uma máquina de raio X, ou verá
que é uma máquina de raio X.[358] Isso é verdade; mas “ver como” e “ver que”
são locuções que se referem não simplesmente ao evento perceptual, mas
também, de forma menos explícita, ao julgamento que ele elicita.
Quanto mais se sabe, mas se percebe. Em 1973, no grande acelerador de
partículas no CERN, Gargamela — uma enorme câmara de bolhas contendo
doze metros cúbicos de propano líquido, cujo nome vem da mãe do Gargântua
— tirou milhares de fotografias. Um escaneador detectou uma delas por ser
estranha e nova; a coisa importante é um fraco tracinho enlaçado, “a assinatura
de um elétron”, como coloca Gerald Holton, uma indicação de um evento raro,
mas revelador. O escaneador levou a fotografia a um estudante de pesquisa, que
a entregou ao líder interino do grupo, que a mostrou ao diretor do instituto, que a
reconheceu como justamente o que tinham esperança de achar: uma indicação da
dispersão neutrino-elétron, uma confirmação da teoria da unificação das forças
eletromagnética e fraca na força “eletrofraca”.[359]
Kuhn faz referência a um experimento em que os probandos, ao ver cartas
anômalas tais como um seis vermelho de espadas, primeiro consideraram o que
viam cartas normais, depois começaram a fazer ressalvas (“é a seis de espadas,
mas há algo errado com ela — o preto tem um contorno vermelho”), e depois
expressaram desconforto e confusão acentuados.[360] Talvez esquecendo que é
uma pressuposição do experimento, ela própria baseada na observação, que as
cartas anômalas exibiam espadas vermelhas, Kuhn é tentado a tirar a conclusão
radical de que a aparência das coisas é dependente demais da teoria para que as
evidências experienciais sirvam como âncora para alegações científicas. Mas
isso é bem diferente de um experimento conduzido sob condições de luz abaixo
do padrão, ou em que os probandos usam lentes de contato tingidas; e uma
possível interpretação é bem conservadora: os probandos registram o estímulo
visual normalmente, mas seu julgamento do que estão vendo é enviesado pela
sua expectativa de que o naipe de espadas deve ser preto. Outra, no entanto, é
mais radical: o estímulo visual registrado é distorcido pelas expectativas dos
probandos, como se um molde mental fosse de alguma forma superposto ali.[361]
De qualquer modo, a falha em perceber algum aspecto do que se vê, um
julgamento errado do que se vê, e até o tipo de mau registro do estímulo visual
que, na interpretação mais radical, explica as respostas dos probandos no
experimento das cartas, são todos remediáveis ao dar-se mais informações para o
observador. Com um pouco de tempo e paciência, o experimentador no
experimento das cartas poderia mostrar aos probandos que eles tinham sido
enganados pela correção do falso pressuposto de que aquelas eram cartas
normais; com um pouco mais de tempo e paciência, um cristalógrafo de raio X
poderia mostrar ao leigo o que ele falhou em perceber pela transmissão do
conhecimento que lhe falta sobre que padrão é esperado de uma molécula
helicoidal. E, claro, aquele bebê esquimó pode crescer e se tornar um
radiologista. Sem dúvida, como aponta Kuhn, um cientista “pode não ter recurso
além do que vê com seus olhos e instrumentos”.[362] Isso não significa, contudo,
que as más percepções dos cientistas são irremediáveis, mas que pode ser que
somente em retrospecto, depois de mais desenvolvimentos científicos, que o
remédio se torna disponível.
Em todo evento perceptual, como eu disse, há algo recebido, algo
resistente à vontade do receptor e independente de suas expectativas. Em todo
julgamento, porém, mesmo naqueles julgamentos mais imediatamente elicitados
pela observação, há algo interpretativo a algum grau e, portanto, falível. Não há
nenhuma categoria nitidamente distinguível de enunciados cujo significado é
exaurido pela experiência. Isso não é para dizer que as observações são de
alguma forma proposicionais — não são; elas são eventos. É para dizer apenas
que o significado de qualquer enunciado depende das conexões entre as suas
palavras e outras, além das conexões com o mundo aprendidas diretamente por
ostensão. Tomemos, por exemplo, um cientista que olha um medidor e julga que
o ponteiro marca 7 na escala. Nem mesmo tal julgamento é inteiramente livre de
interpretação; é elicitado pelo cientista enxergando a escala, mas só diante o
fundo de suas crenças sobre metros, escalas e as convenções a respeito de
flechas e numerais.
Negar que há uma categoria nitidamente distinguível de enunciados
observacionais livres de interpretação não é dizer que “isto é um copo d’água”
ou “isto ficou verde” ou “eis um corvo” são realmente enunciados teóricos; é
apenas insistir que até frases aprendidas inicialmente por ostensão também têm
conexões atribuidoras de significado com outras frases. Também não é negar
que, a qualquer tempo, alguns enunciados atribuem propriedades que de forma
nenhuma são observáveis — enunciados “puramente teóricos”, como
poderíamos chamá-los. Certamente há enunciados assim; mas a fronteira do
“puramente teórico” muda constantemente com os avanços nos instrumentos de
observação.
O que é observável para nós depende em parte do nosso aparato perceptual
humano (cães podem ouvir sons que não ouvimos, morcegos podem se orientar
por sonar etc.). Significa que, embora não haja nenhuma classe nitidamente
delimitada de enunciados observacionais, há uma classe nitidamente delimitada
de coisas observáveis (incluindo elefantes, dálias etc., mas excluindo elétrons,
DNA etc.)? Não. O que é observável depende não apenas das nossas capacidades
perceptuais, mas também da nossa engenhosidade de elaborar os instrumentos
para estender e aprimorar os nossos poderes de detecção; a fronteira do
observável, em outras palavras, como a fronteira do “puramente teórico”, muda
constantemente com os avanços nos instrumentos de observação.[363]
Gerais e Explicação
O que cientistas observam são coisas e eventos particulares. E muitas vezes,
também, fazem alegações sobre os particulares: sobre os movimentos desse ou
daquele planeta, a significância desse ou daquele fóssil, a corrente de eventos
nos primeiros poucos minutos depois do Big Bang. Entretanto, a generalização é
crucial para as ciências, pois a sustentação por evidências está atada à integração
explicativa, e a explicação aos tipos e leis. Na verdade, como eu disse antes, a
possibilidade em si da investigação científica exige que haja, como diria Peirce,
“gerais reais”; de outra forma, embora pudéssemos descrever coisas e eventos
particulares, não poderíamos explicar nem prever.
Em sua articulação mais prematura do modelo de lei de cobertura da
explicação, com foco nos casos nos quais o que está para ser explicado é algum
fato ou evento em particular, Carl Hempel e Paul Oppenheim exigiam que o
enunciado factual a ser explicado fosse deduzível de um enunciado de condições
iniciais mais um enunciado de lei.[364] Refinamentos subsequentes estenderam o
modelo a explicações de nível baixo para leis de nível mais elevado e para
explicações estatísticas em que a relação entre explanans e explanandum é
probabilização em vez de deducibilidade. Embora o modelo de lei de cobertura
tenha sido criticado tanto por ser forte demais quanto por ser fraco demais,[365] no
meu entender ele tem duas virtudes expressivas: ele admite o papel dos gerais
(eu acrescentaria que predicados de tipo podem servir como substitutos para
enunciados explícitos de lei); e reconhece que a explicatividade não é um
conceito meramente pragmático, mas um conceito epistemologicamente
substantivo.
Hempel e Oppenheim conceberam explicações como argumentos que
transmitem credibilidade racional às suas conclusões. Agora, no entanto, diz-se
às vezes que essa ideia foi “efetivamente desacreditada”.[366] Concentrando-se na
versão estatística do modelo de lei de cobertura, Wesley Salmon defendeu que o
poder explicativo não pode ser sinonimizado à relevância evidencial porque uma
explicação estatística pode não aumentar a probabilidade a priori de seu
explanandum. Suponha, por exemplo, que expliquemos que o contador Geiger
no laboratório emitiu um único clique porque captou os pontos radioativos no
mostrador do relógio de um técnico; mas que, por causa de uma falha recorrente,
há uma probabilidade de 0,005 que no curso de um segundo o contador Geiger
captará uma emissão espúria, enquanto a probabilidade de que capte uma
emissão do relógio seria muito menor, digamos 0,001.[367] Tomados em seus
próprios termos bayesianos, tais exemplos podem parecer persuasivos; mas isso
só revela a inadequação desses termos. O nosso exemplo mostra que o poder
explicativo não pode ser sinonimizado à relevância estatística; mas, já que a
relevância estatística não pode ser sinonimizada à sustentação por evidências,
não se segue que não existe tal conexão entre a sustentação e a explicação, como
defendi.
Ultimamente diz-se por vezes que a explicação é só uma noção pragmática
ou retórica. Bas Van Fraassen, um expoente influente da explicação como
dependente de contexto, lembra-nos do argumento do Russell Hanson que um
médico poderia explicar que uma morte foi causada por hemorragia múltipla,
enquanto um advogado poderia explicar que ela foi causada por negligência por
parte do motorista, e um urbanista que foi pela presença de arbustos altos na
curva e assim por diante.[368] Mais uma vez, aponta Van Fraassen, identificamos
aquelas galhadas excessivas e não outros fatores contribuintes como a causa da
extinção do alce gigante irlandês porque as galhadas são o que há de mais
saliente para nós. Verdade. Mas é a saliência, não a explicação, que é
pragmática: o médico, o advogado, o urbanista etc. todos põem o foco nas
conexões particulares na longa cadeia causal que lhes interessam em especial;
pomos o foco naquela parte da história causal completa a respeito da extinção do
alce que nos interessa em especial.[369]
Nancy Cartwright pergunta a respeito das camélias que ela plantou sobre
compostagem, algumas das quais floresceram, mas outras morreram.[370]
Podemos explicar que algumas plantas morreram porque o solo estava quente,
enquanto outras vingaram porque o solo era fértil, ela diz, sem sabermos quais
são os fatores que deram na diferença e sem podermos especificar qualquer lei
de cobertura sem exceções. Mas isso é só uma explicação parcial, como uma
nota promissória com uma cláusula não especificada de ceteris non paribus
(talvez as mudas muito novas e subdesenvolvidas sejam danificadas pelo calor,
enquanto as mudas mais velhas e robustas sejam capazes de se beneficiar da
fertilidade). O exemplo da Cartwright, como o do Salmon, sugere que há
vantagens em se pensar, como eu fiz, em termos de graus de explicatividade, de
histórias explicativas melhores ou piores, em vez de em explicação
simplesmente.
Preferi o termo “integração explicativa” ao mais familiar “coerência
explicativa” porque, já que ela exige a introdução da experiência, a minha
descrição da qualidade evidencial não é coerentista. Entretanto, posso aproveitar
o trabalho do Paul Thagard (que, já que dá um papel distinto às “frases de
dados”, não é puramente coerentista, de qualquer forma),[371] com foco particular
em uma característica que Thagard destaca por aumentar o grau da coerência
explicativa — amplitude, consiliência,[372] ou, como direi, escopo — e como ela
se entrecruza com outra, a especificidade. Tanto o escopo, amplitude de poder
explicativo, a capacidade de unificar fenômenos de aparência diversa, quanto a
especificidade, identificação de mecanismos causais específicos, aumentam a
integração explicativa. Como revela a conexão entre a explicação e os gerais, a
especificidade sozinha não é o bastante. Nas margens de sua cópia do Filosofia
Zoológica do Lamarck — “livro muito ruim e inútil” — Darwin faz a objeção
“não é a mesma teoria para plantas e animais”;[373] o argumento dele é que a
descrição do Lamarck exige uma explicação diferente da variação nas plantas,
que não têm hábitos a ajustar de acordo com condições ambientais, e outra para
animais. Mas o escopo sozinho também não é o bastante; daí a reclamação de
Lavoisier contra a hipótese do flogisto, que é tão vaga que “se adapta a toda e
qualquer explicação que se quiser”.[374] (Veremos mais tarde que é o escopo sem
a especificidade que dá a explicações do tipo “Deus quis” o seu apelo espúrio.)
[375]

Em 1964, quando o Relatório do Cirurgião Geral asseverou uma ligação


causal entre o fumo e o câncer de pulmão, 29 estudos controlados ao redor do
mundo haviam estabelecido uma correlação forte; porém, apesar de mais de 200
compostos carcinogênicos terem sido encontrados na fumaça de tabaco, o
mecanismo causal não era conhecido.[376] As mulheres revelaram-se mais
susceptíveis que os homens; mas, de novo, não se sabia por quê. Há pouco
tempo, no entanto, o dano genético específico causado pelo cigarro foi
identificado, e, mais recentemente, o papel dos hormônios femininos de acelerar
a coisa foi identificado também. Agora há uma explicação unificadora, que
combina a especificidade e o escopo exatamente da forma correta: uma
descrição do dano causado pela fumaça do cigarro, firmemente integrada ao
nosso conhecimento da fisiologia da célula e da biologia molecular, e fortemente
entrelaçada com o que sabemos a respeito de hereditariedade, evolução etc. As
evidências atuais são muito mais sustentadoras para a alegação do que as
evidências anteriores eram.

Mas o que são tipos, e o que significa dizer que são reais? Ian Hacking sugere
que pensemos no real em termos daquilo com o qual podemos interagir ou que
podemos manipular;[377] Steven Weinberg escreve que as leis da física são reais
da mesma forma que as rochas são.[378] Mas eu tomei de empréstimo o termo do
Peirce, “gerais”, em parte porque o próprio fato de que ele não é familiar nos
lembra que tipos e leis são — ora, gerais; não são particulares comuns como as
rochas, e não podemos manipulá-los como podemos manipular as fibras do
DNA. Eu diria, num primeiro palpite bruto, que os tipos não são simplesmente
propriedades ou similaridades, mas mais parecidos com um monte de
propriedades mantidas juntas por leis, isto é, aglomerados de propriedades que
são co-ocorrentes porque são conectadas por leis; e que um tipo é real só no caso
de ser independente do que cremos que ele é, isto é, o aglomerado de
propriedades é conectado por leis independentemente das nossas classificações.
Isso sugere a razão pela qual os cientistas às vezes conseguem prever com
sucesso que as coisas desse ou daquele tipo terão tais e quais propriedades até ali
insuspeitadas;[379] e explica a razão pela qual os cientistas médicos consideram a
homeopatia irrecuperável: as “doenças” que ela alega curar são amontoados
bizarros de sintomas — quase como um formigamento no dedinho do pé
esquerdo acompanhado de sonhos sobre ladrões — sem qualquer conexão entre
si que seja compreensível para a medicina; isto é, não são gerais reais.
Isso também sugere por que razão quais gerais são reais não é algo que
podemos ler diretamente na nossa linguagem, mas algo pelo qual precisamos
trabalhar para descobrir. Um grande passo no entendimento do mal de
Alzheimer, por exemplo, veio quando os cientistas identificaram um novo tipo
de molécula desconhecido até ali, a proteína precursora amiloide (“APP”), que
entremeia as membranas dos neurônios; e depois três tipos de enzimas —
secretases alfa, beta e gama — que cortam a APP em formas mais curtas. Juntas,
as enzimas beta e gama produzem uma proteína mais curta e mais pegajosa, a
beta amiloide, que se acumula no fluido ao redor dos neurônios formando as
placas características do Alzheimer.[380]
Mas o meu primeiro palpite bruto certamente carece de refinamento, pois
os diferentes tipos de tipo incluem não apenas o que é físico e químico, onde o
palpite é menos insatisfatório, mas também o que é biológico e social, onde ele
parece muito estreito e restritivo demais. Não pretendo voltar a um tipo mais
antigo de essencialismo biológico, nem negar que, desde Darwin, viemos a
enxergar tipos biológicos como não simplesmente organizados ao redor de
aglomerados de propriedades, mas em parte pela ancestralidade em comum.[381]
Como foi escolhido para ilustrar o exemplo das investigações dos cosmólogos a
respeito dos primeiros minutos do nosso universo, há elementos de contingência
histórica até mesmo na física; mas esse elemento é bem maior na biologia. E,
quanto maior é este elemento, mais frouxamente são aglomeradas as
propriedades — em malhas de semelhanças de família em vez de nós firmes; que
é o motivo pelo qual as classificações biológicas envolvem um elemento maior
de decisão. (As coisas são ainda mais complicadas nas ciências sociais; mas
adiarei essas complicações.)
Até aqui, evitei deliberadamente um tema surrado da filosofia da ciência:
As expressões de tipo têm significado descritivo, ou são expressões puramente
referenciais que têm como extensão todas as coisas do mesmo tipo que um
exemplar não problemático: este limão, este tigre, esta pepita de ouro? Mesmo
agora, em vez de enfrentar essa questão, quero começar pelo destaque de que a
linguagem da ciência, apesar de ser mais regrada e mais bem definida que
muitos outros setores das linguagens naturais das quais ela faz parte, é, todavia,
bem diferente das linguagens artificialmente precisas e abstratas da lógica
formal. Há, além disso, muitas palavras que as ciências tomaram emprestadas da
linguagem ao redor, e não poucas que a linguagem ao redor tomou emprestadas
das ciências. Categorias e distinções elaboradas para linguagens lógicas mais
regradas podem não funcionar tão bem aqui.
Olhando um dicionário comum, tem-se alguma ideia das complexidades da
linguagem científica e das suas relações intricadamente desordenadas com a
linguagem maior na qual ela se insere. O dicionário Webster define “ouro” como
“um elemento maleável dúctil amarelo que ocorre principalmente isolado ou em
alguns minerais e é usado especialmente em moedas, joias e próteses dentárias”,
e dá como definição secundária “algo avaliado como o mais fino de seu tipo”,
como em “coração de ouro”; também indica ao leitor a uma tabela dos elementos
que dá o símbolo (Au), o número atômico (79) e o peso atômico (196,9665).
“Elétron”, no entanto, tem uma definição puramente técnica: “uma partícula
elementar que consiste em uma carga de eletricidade negativa igual a cerca de
1,602 vezes 10-19 coulombs e que tem uma massa em repouso de cerca de
9,109534 vezes 10-28 gramas ou cerca de 1/1836 da massa do próton”. Temos
também o verbete para “quark”, que diz [com meu itálico]: “uma partícula
hipotética que carrega uma carga elétrica fracionária, a respeito da qual se pensa
que vem em vários tipos (como up, down, strange, charmed e bottom), e é
considerada um componente dos hádrons”.[382] E eis o verbete “flogisto”: “o
princípio hipotético do fogo antes considerado uma substância material”.
Os manuais científicos com frequência incluem também glossários nos
quais os autores tentam capturar informações essenciais sobre as coisas ou
substâncias discutidas. Expressões de tipo têm significados descritivos —
significados descritivos nos quais está embutido o conhecimento científico
presumido, seja isso feito de forma confiante (como no “elétron”) ou de forma
tentativa (como no “quark”), e que muda e se transforma conforme nosso
conhecimento cresce; mas não há uma distinção nítida entre o que está embutido
no significado de “X” e o que é apenas conhecimento presumido a respeito de X.
O que costumava se pensar que era conhecimento a respeito de X pode
gradualmente se tornar parte do significado de “X”, se ficar firmemente
arraigado, ou pode silenciosamente cair fora do significado por completo, caso
se revele enganoso. A palavra “proteína” deriva do grego protos, que significa
“primeiro, primário”; mas os cientistas (e o resto de nós) continuam a usar a
palavra, sem qualquer senso de paradoxo, mesmo que agora saibamos que não é
a proteína, mas o DNA, que tem importância biológica primária. Do mesmo
modo, os cientistas continuam a usar “RNA” — ácido ribonucleico — embora
saibam agora que a substância é encontrada na maior parte não no núcleo, mas
no citoplasma.
Mas a perspectiva de que as expressões de tipo são puramente referenciais
não teria a vantagem de manter a referência estável ao longo das mudanças no
nosso conhecimento das coisas ou substâncias em questão? É certo que a
perspectiva estabiliza a referência; na verdade, poder-se-ia dizer que congela a
referência. Mas não está claro que isso seja desejável. Pois, às vezes, quando
desenvolvimentos teóricos levam a distinções entre tipos antes agrupados —
vários tipos de RNA, por exemplo — queremos dizer, em retrospectiva, que os
cientistas tinham antes falado do RNA sem distinções, não percebendo a
diferença entre o RNA de transferência, o RNA mensageiro e o RNA ribossomal.
Às vezes não há uma continuidade simples de referencial.
Entretanto, há um elemento importante de verdade na perspectiva
puramente referencial: a referência é crucial, pois os cientistas fazem inovações
linguísticas e mudanças de significado porque buscam categorias que se
encaixem em tipos reais. Mas podemos reconhecer que a referência é crucial
sem negar que as expressões de tipo têm significado descritivo. O argumento
lembra Locke e está implícito em Peirce; e ressoa com uma expressão boa de
uma fase precoce do Hilary Putnam:[383] em suas constantes mudanças e reajustes
de terminologia, as ciências aspiram a expressões de tipo que representem
“conceitos de aglomerados de lei”, que são agrupamentos de propriedades cuja
ocorrência é imposta pelas leis da natureza.
E quanto ao fenômeno que Putnam chama de “divisão do trabalho
linguístico”? Uma concepção de expressões de tipo como descritivas e também
referenciais pode acomodar confortavelmente esse fenômeno, mas não do jeito
exato proposto pela perspectiva puramente referencial. Como todos percebem ao
adquirir uma segunda língua, mas tendem a esquecer quando põem foco na
primeira, o domínio linguístico vem em graus; e não apenas quanto ao tamanho
do vocabulário, domínio da sintaxe etc., mas, para o presente propósito, quanto à
compreensão de significados. Leigos muitas vezes têm no máximo uma
compreensão parcial do significado de termos científicos, enquanto os
especialistas têm uma compreensão mais plena. Relaxando a conexão entre
significado e referência, estamos dispostos a descrever que um cientista do
século XVII, ou um leigo moderno, está falando de ouro, mesmo que esteja
enganado ou seja ignorante a respeito de muito do que os cientistas agora sabem
que são as suas características, contanto que ele entenda o termo bem o bastante
para identificar o ouro como, digamos, o metal amarelo do qual são feitas as
moedas e as joias. Em parte, é pela razão de o domínio do leigo da linguagem
científica ser geralmente imperfeito que as evidências científicas são muitas
vezes opacas ou absolutamente incompreensíveis para aqueles que estão de fora
da subespecialidade científica relevante.
Quase toda área do esforço humano tem o seu jargão especializado. Penso,
neste contexto, no vocabulário especial criativo da época dos navios veleiros,
cujos muitos resquícios agora enriquecem o inglês comum.[u] Não há nada de
errado com isso, em absoluto. Porém, há algo de errado com o jargão cujo
principal propósito é simplesmente impressionar os outros com seu
conhecimento supostamente arcano. Há muito tempo William Gilbert fez a
distinção essencial quando declarou que “empregaria às vezes palavras novas e
desconhecidas não para cobrir as coisas com uma terminologia pedante (como os
alquimistas costumam fazer) e fazê-las obscuras, mas de forma que as coisas
ocultas sem nome... possam vir a público de modo simples e completo”.[384] E
John Locke tinha um termo formidável — “obscuridade afetada”[385] — para
aquela “terminologia pedante que escurece as coisas”. Locke pensava que a
filosofia é especialmente susceptível a esse defeito; mas agora parece afligir as
ciências sociais ao menos na mesma proporção, e, ultimamente, também tem
adentrado a teoria literária de forma impressionante. Como o uso honorífico de
“científico”, esse é um tipo de elogio indireto às ciências naturais, nas quais a
terminologia técnica e a inovação conceitual são ferramentas essenciais — isto é,
ferramentas essenciais para produzir uma linguagem adequada para os seus
propósitos explicativos.
Verdade e Progresso
A palavra “ciência” faz referência a uma federação informal de tipos de
investigação empírica; a meta da ciência é a verdade substantiva, significativa,
explicativa. Por mais óbvio que isso pareça para mim e, espero, para você, não é
tão simples nem tão incontroverso quanto poderia pensar.
Eis Bridgman, mais uma vez: “os objetivos de todos os cientistas têm isto
em comum — que todos estão tentando chegar à resposta correta para um
problema em particular à mão. Isso pode ser dito em linguagem mais pretensiosa
como a busca da verdade”.[386] Concordo. Se você está tentando achar a resposta
para alguma pergunta, a sua meta é chegar à resposta verdadeira: por exemplo,
que p, que não-p, ou, talvez, que é bem mais complicado que isso. E os
cientistas, penso eu, estão tentando descobrir as respostas verdadeiras para as
perguntas que investigam. Às vezes é isso que nos dizem: William Harvey,
declarando-se “um partidário só da verdade”, escreve que a sua investigação das
funções do coração e das artérias foi realizada “para que a verdade possa ser
confirmada, e o que é falso corrigido pela dissecção, experiência multiplicada e
observação precisa”;[387] Charles Darwin, especulando a respeito das fontes da
organização do tipo mamífero, notando que “algumas aves podem se aproximar
de animais, e alguns dos vertebrados de invertebrados”, faz uma pausa para fazer
um alerta a si mesmo — “Deus sabe se isso concorda com a Natureza:
Cuidado”;[388] James Watson sonhou em “resolver a estrutura do DNA”.
Isso não é para negar que um cientista possa também ter outros objetivos
(por exemplo, conseguir uma verba para fazer o trabalho, ganhar o prêmio
Nobel); é só para afirmar que sua meta proximal, até onde ele faz investigação
genuína, é descobrir respostas verdadeiras para perguntas com as quais se
preocupa. Nem é para negar que, embora muitos cientistas pensem em si
mesmos como envolvidos na busca da verdade, outros se afastem da ideia,
afirmando que só buscam chegar a descrições consistentes com as aparências;
Van Fraassen lembra “o fenomenalismo do Ernst Mach, o convencionalismo do
Henri Poincaré e o ficcionalismo do Pierre Duhem”.[389] Nem mesmo é para dizer
que os cientistas que se afiliam ao instrumentalismo ou ao empirismo
construtivo necessariamente farão seu trabalho de forma diferente, ou pior, que
os cientistas com persuasão mais realista. É apenas para dizer que a concepção
deles do que estão fazendo é modesta demais.
A meta da ciência não pode ser descobrir verdades, defende Hempel em
seu temperamento mais tardio e quase kuhniano, porque as alegações científicas
raramente são verificadas ou falseadas de forma decisiva, e nos casos em que as
evidências conclusivas podem estar disponíveis — alegações existenciais
verificáveis por exemplos positivos, ou generalizações falseáveis por exemplos
negativos — essas evidências supostamente “conclusivas” constituem prova
apenas sob a condição de que os enunciados observacionais em questão sejam
verdadeiros.[390] Mas o primeiro argumento é um simples non sequitur; e o
segundo depende, além disso, de uma confusão de sustentação com garantia, de
conclusividade com decisividade.
A minha tese não é que os cientistas buscam A VERDADE, se isso
significa algo a mais além de buscarem respostas verdadeiras para as suas
perguntas; nem que, quando propõem respostas para as suas perguntas, que
sempre ou necessariamente considerem essas respostas a verdade provada. Com
grande frequência, um cientista afirmará nada mais a respeito de uma conjectura
além de que ela é provavelmente, ou possivelmente, ou aproximadamente
verdadeira. Às vezes, os cientistas afirmam que só estão a oferecer uma
idealização que, apesar de não ser verdadeira para nenhum objeto real,
representa como as coisas seriam em certas circunstâncias irrealizáveis mas
idealizadas. E, sem dúvida, os cientistas frequentemente se preocupam com
metas subordinadas tais como fazer funcionar equipamento recalcitrante, pensar
numa boa forma de classificar os dados, ou conseguir o que for necessário para
dar o próximo passo na pesquisa.
A tese de que o objetivo da ciência é a verdade substantiva, significativa e
explicativa tem dois elementos: (1) os cientistas buscam respostas verdadeiras a
perguntas que lhes preocupam; (2) eles se preocupam com perguntas
substantivas e significativas. A este ponto deve estar claro que o segundo
componente, como o primeiro, é normativo de forma velada: um cientista
preguiçoso com ânsia de produzir algo publicável, que se restringe a perguntas
facilmente respondíveis mas não substantivas, apesar de não ser exatamente
como um cientista desonesto que não está tentando realmente achar a resposta
verdadeira, mas só algo bom o suficiente para se safar, está em falta com o
trabalho.
Eu digo “verdade substantiva, significativa e explicativa” porque o
objetivo da empreitada é entender coisas e eventos no mundo, não simplesmente
empilhar verdades. Não tenho a intenção de descartar a possibilidade de que, por
exemplo, possa haver leis definitivas que não sejam em si susceptíveis a mais
explicações; mas deixarei para depois as questões sobre os limites da ciência.[391]
De fato, ao incluir “explicativa”, tenho a intenção de indicar que “substantiva,
significativa” deve ser entendido em um sentido epistemológico, pois a
preocupação aqui está na meta da ciência enquanto uma forma de investigação.
Se a ciência deve também servir a outros interesses — por exemplo, se deve dar
prioridade a perguntas cujas respostas são politicamente desejáveis, ou se deve
arquivar perguntas cujas respostas poderiam ser politicamente impalatáveis — é
uma questão importante, mas diversa, que, mais uma vez, devo protelar.[392]

Naturalmente, considero que as teorias científicas são, como parecem ser,


aglomerados complexos de enunciados ou proposições, candidatas genuínas à
verdade ou à falsidade. Claro, nem toda proposição científica é ou verdadeira ou
falsa. Na investigação científica, como na investigação de todo tipo, o que
consideramos perguntas legítimas às vezes se revelam defeituosas; perguntas
sobre as propriedades do flogisto, por exemplo, revelaram-se baseadas em um
pressuposto falso — não existe essa substância. De acordo com o
instrumentalismo à moda antiga, no entanto, “enunciados” teóricos na ciência
nunca são verdadeiros ou falsos. Na verdade, não são enunciados no fim das
contas, mas só instrumentos ou ferramentas ou ingressos de inferência para fazer
previsões observacionais. Mas essa proposição não pode sequer ser formulada
sem uma distinção limpa entre enunciados observacionais vs. teóricos (ou, em
vez disso, enunciados observacionais vs. “enunciados” teóricos); e não parece
tendenciosa — exceto para aqueles comprometidos com uma teoria
verificacionista antiquada do significado.
Os principais temas do “empirismo construtivo” do Van Fraassen são que
o objetivo da ciência não é chegar a teorias explicativas, nem mesmo chegar a
teorias verdadeiras, mas somente chegar a teorias adequadas empiricamente (isto
é, observacionalmente); e que aceitar uma teoria não é acreditar que ela é
verdadeira, mas apenas acreditar que ela é empiricamente adequada.[393] A
adequação empírica, concede Van Fraassen, “vai bem além do que podemos
saber a qualquer tempo determinado”; contudo, a alegação de que os cientistas
só aceitam e não acreditam em suas teorias “nos livra da metafísica”.[394] Esse
uso pejorativo de “metafísica”, é claro, ecoa os empiristas lógicos mais antigos.
Van Fraassen reconhece que a distinção entre enunciados observacionais e
teóricos não é robusta, de forma que não podemos isolar o conteúdo empírico de
uma teoria pela divisão da sua linguagem em duas partes.[395] Ele propõe que em
vez disso nos apoiemos na distinção entre coisas e eventos observáveis e não
observáveis, identificando o conteúdo empírico de uma teoria pela referência às
subestruturas empíricas de seus modelos. Quando ele parte para especificar as
subestruturas empíricas de uma teoria como aquelas que podem ser “descritas
em relatos experimentais e de mensuração”,[396] soa como se ele estivesse se
apoiando de forma velada na distinção linguística que ele rejeita explicitamente;
mas talvez seja só um lapso. Ainda assim, não estou convencida de que a
distinção entre coisas e eventos observáveis e não observáveis seja robusta o
suficiente para aguentar o peso que o empirismo construtivo põe sobre ela.[397]
Um empirista construtivo que interpretou “observável” da forma mais
estreita, como algo que se aplica apenas a coisas detectáveis pelos sentidos
humanos nus, seria incapaz de explicar a motivação dos cientistas para elaborar
instrumentos de observação. Um empirista construtivo que (como eu) interpretou
“observável” de forma mais ampla, como algo que também se aplica a coisas
detectáveis por quaisquer instrumentos que estejam disponíveis, enquanto evita
esse problema, ainda seria incapaz de explicar a motivação para elaborar novos
instrumentos. Um empirista construtivo que interpretou “observável” de forma
ainda mais ampla, como algo que se aplica a coisas detectáveis por instrumentos
ainda não inventados, mas fisicamente possíveis, evitaria esses problemas; mas
deixaria realistas como eu se perguntando por que razão os cientistas não devem
investigar o motivo pelo qual nenhum instrumento fisicamente possível poderia
tornar esses ou aqueles fenômenos detectáveis por criaturas com sentidos como
os nossos.
Ronald Giere propõe a “ciência sem leis” e o “realismo sem verdade”,
exortando-nos a pensar nos cientistas não como pessoas que tentam descobrir
leis — uma ideia que ele descreve como um artefato da mescla de teologia e
matemática peculiar à ciência do século XVII —, mas como pessoas que fazem
modelos; e dessa forma estão preocupadas com o encaixe dos modelos em vez
de com a verdade de proposições. Giere parece usar “lei” de um jeito ambíguo:
às vezes se refere (como no meu uso) a algo a respeito do mundo, mas muitas
vezes se refere, ao invés disso, a enunciados que supostamente representam leis
nesse sentido mundano. Essa ambiguidade torna mais fácil que o desejável a
sugestão de que, se os enunciados de lei que os cientistas elaboram não são exata
ou incondicionalmente verdadeiros, então não há leis no outro sentido — o
mundano. Giere também usa “modelo” de uma forma que inclui tudo, dos
modelos físicos, como as representações de brinquedo da molécula de DNA de
Watson e Crick, aos mapas, diagramas etc., a modelos em um sentido lógico
abstrato. De forma ainda mais confusa, apesar de ele gostar de colocar seus
slogans em itálico, a ciência sem leis, realismo sem verdade (e naturalismo sem
racionalidade, mas deixarei isso para depois),[398] também nos conta que ele não
quer dizer, estritamente falando, que a ciência poderia realmente funcionar sem
leis, ou sem verdade. Eu concordo com a parte em que ele retira o que disse.
Junto a metáforas e analogias, os modelos são importantes auxílios à
imaginação; às vezes, como no caso dos modelos em escala do DNA de Watson
e Crick, eles também servem como checagens evidenciais; e, às vezes, como nos
modelos de computador de processos complexos, servem como ferramentas de
previsão. (Neste contexto, penso naqueles meteorologistas de televisão
explicando encabulados após a passagem do furacão Irene que todos os modelos
deles previram que a tempestade se desviaria de Miami; só que, infelizmente,
todos os modelos estavam errados.) Quando os cientistas constroem modelos do
que aconteceria se tais e quais coisas ocorressem, de vez em quando investem
enormes esforços para instalar artificialmente essas tais e quais coisas hipotéticas
no laboratório ou no acelerador de partículas. Porém, mesmo quando as
condições especificadas no modelo não se realizam até que a atividade do
cientista as realize, a meta é de fato caracterizar uma possibilidade que, se o
modelo está correto, era real o tempo todo.
Giere sugere que sua abordagem orientada por modelos é acolhedora para
um tipo desejável de pluralismo; porque pode haver diferentes modelos
científicos úteis para o mesmo fenômeno, assim como pode haver diferentes
mapas úteis do mesmo território.[399] Então pode; assim como pode haver
diferentes metáforas ou analogias úteis para o mesmo fenômeno. Isso nos obriga,
contudo, a nos perguntar quando é que os modelos são diferentes mas
compatíveis, e quando é que são incompatíveis. Embora soe um pouco estranho
descrever modelos como verdadeiros ou falsos, podemos descrever e, de fato, os
descrevemos como compatíveis ou incompatíveis com outros modelos, ou com
as evidências; ou como certos ou errados. O modelo de três cadeias de Watson e
Crick estava errado, era incompatível com as evidências da Franklin sobre o
conteúdo de água do DNA; seus modelos de alicerce interno eram incompatíveis
com seus modelos de alicerce externo; e seu modelo final, com duas cadeias,
alicerce externo e pares de base igual com diferente, que Watson descreveu
como “bonito demais para não ser verdade”,[400] era o modelo certo: representava
o DNA como uma molécula em dupla hélice, com alicerce externo etc., e o DNA
é uma molécula em dupla hélice, com alicerce externo etc. Conseguimos
entender a ideia do “encaixe” de um modelo, ou a ideia de estar “certo” ou
“errado”, só em termos de tipos, leis — e verdade.

Quando Arthur Fine diz que “a atitude natural ontológica”[401] para qualquer um
que se envolva em qualquer tipo de investigação é pressupor a realidade dos
objetos de sua investigação, uma realista inocente como eu concordará — ao
menos que, acrescenta ela, estejamos falando da investigação a respeito de haver
mesmo um monstro do lago Ness, um Abominável Homem das Neves, o flogisto
ou outra coisa desse tipo. Entretanto, como deixa clara a cláusula do “ao menos
que”, isso não responde a perguntas adicionais como “sim, mas existe mesmo um
Deus / o flogisto / um mundo independente da nossa crença sobre como ele é?”,
nem mostra que elas são ilegítimas. O fato de que a “atitude natural ontológica”
não é menos natural para o teólogo do que para o historiador ou para o cientista
revela que há perguntas legítimas que a perspectiva do Fine deixa em aberto.
É inútil investigar uma pergunta caso se acredite que ela parte de
pressupostos falsos. Isso vale tanto para as coisas menores — é incompreensível
por que razão alguém investigaria as propriedades do flogisto se não pensasse
que existe essa substância; quanto para as maiores — é incompreensível a razão
pela qual alguém tentaria descobrir como são as coisas no mundo se não
pensasse que há um mundo real que é assim e não de outro jeito (o que não é
para negar que, quando não se tem certeza se os pressupostos de uma pergunta
são satisfeitos, faz sentido examiná-los para determinar se a pergunta é legítima
ou não).
Também é incompreensível por que motivo alguém se dedicaria
seriamente à investigação científica, ou à investigação empírica cotidiana, se não
pensasse que o mundo é cognoscível em alguma medida por criaturas com
capacidades como as nossas; assim como é incompreensível por que motivo
alguém se dedicaria a sério à investigação teológica se não pensasse que a
deidade é cognoscível em alguma medida por criaturas com capacidades como
as nossas. (“A sério” porque alguém poderia efetuar a investigação teológica no
mesmo espírito com o qual poderia, digamos, desenvolver um mapa de todos os
detalhes geográficos de sua coleção de 54 volumes de romances do Tolkien.) De
qualquer forma, caso o pressuposto seja falso, a investigação séria desse tipo —
científica ou teológica — seria uma empreitada tão fadada ao fracasso quanto
buscar por um Santo Graal inexistente ou inacessível.
Alguns filósofos, sociólogos e retóricos da ciência radicais professam
reservas a respeito da legitimidade do conceito de verdade. Mas é difícil levar
muito a sério essas reservas; pois, como observa Peirce, qualquer pessoa que crê
em qualquer coisa, ou que faz qualquer pergunta, reconhece assim
implicitamente, mesmo que negue explicitamente, que existe a verdade.[402] Eis,
por exemplo, Michel Foucault, tentando agarrar o conceito de verdade mesmo
enquanto tenta rejeitá-lo: “Cada sociedade tem o seu regime de verdade... isto é,
os tipos de discurso que ela aceita... como verdadeiros; os mecanismos... que
permitem que se distinga afirmações verdadeiras das falsas... as técnicas e
procedimentos valorizados na aquisição da verdade.”[403]
O status de uma descrição (sintética) como verdadeira ou falsa depende em
parte do que ela diz, o que é uma questão de convenção linguística humana; mas,
dado o que ela diz, seu status de verdadeira ou falsa depende do caso de as
coisas que ela descreve serem como ela as descreve. Dizer que uma afirmação é
verdadeira é dizer que as coisas são do jeito que ela representa que são. É
verdade que há um passarinho cardeal no comedouro fora da janela do meu
escritório enquanto escrevo estas palavras só no caso de haver um passarinho
cardeal no comedouro fora da janela do meu escritório enquanto escrevo estas
palavras; é verdade que o DNA é uma macromolécula em dupla hélice, com
alicerce externo e pares de base igual com diferente só no caso de o DNA ser
uma macromolécula em dupla hélice, com alicerce externo e pares de base igual
com diferente; é verdade que 7 + 5 = 13 só no caso de 7 + 5 = 13; e assim por
diante.
Partir daqui para uma explicação geral completa da verdade — generalizar
o “dizer do que é que ele é, ou do que não é que ele não é, é a verdade; dizer do
que é que ele não é, ou do que não é que ele é, é a falsidade” do Aristóteles de
forma que se aplique a todos os enunciados, não importa a forma — é uma tarefa
teórica difícil. Provavelmente, a abordagem mais simples e direta é a do Frank
Ramsey: dizer que uma proposição é verdadeira é dizer que ela é a proposição
que p, e p;[404] mas isso ainda nos deixa carentes de uma explicação dos
quantificadores sentenciais dos quais ela depende, e assim não é tão simples ou
direto quanto pode parecer à primeira vista. Mas seria tolo evitar o conceito de
verdade com base na falta de completude desse trabalho.
Alguns enunciados descrevem-nos e alguns descrevem as coisas no mundo
que dependem de nós. O status de verdade ou falsidade de um enunciado que
nos descreve depende de como nós somos; e o status de verdade ou falsidade de
um enunciado que descreve coisas que dependem de nós depende de como essas
coisas são — para tais descrições, esses são os aspectos relevantes de “como o
mundo é”. Mas até o status de verdade ou falsidade dessas descrições não
depende de como você ou eu ou qualquer outro pensa que o mundo é. Às vezes,
ao falar sem cuidado, dizemos que algo é verdadeiro para você, mas não para
mim. Mas o que queremos dizer é apenas que este algo — digamos, gostar de
Wagner ou ter mais de 1,80m — é verdade a seu respeito, mas não a meu
respeito; ou então que você acredita em seja lá o que for, mas eu não acredito.
Podemos descrever como o mundo seria, ou como teria sido, se não
houvesse ou tivesse existido ser humano nenhum. Antes de haver seres humanos
e línguas humanas, a frase “Existem rochas” não existia; então, se frases portam
a verdade e a falsidade, não é o caso que “Existem rochas” era verdadeira antes
que houvesse pessoas, ou que “Existem rochas” teria sido verdade mesmo se
nunca tivessem existido pessoas. De qualquer modo, existiram rochas antes que
existisse pessoas, e rochas teriam existido mesmo se pessoas nunca tivessem
existido. Essa é uma descrição parcial de como o mundo seria, ou teria sido, se
nenhuma pessoa existisse ou tivesse existido.
Aprendemos a língua pela afirmação ou assentimento de frases e
fragmentos de frase nas circunstâncias em que são afirmáveis; mas as línguas
humanas são produtivas, permitindo a produção de frases com significado
linguístico cujo valor-verdade podemos não ser capazes de determinar, e talvez
jamais seremos não importa quanto tempo se invista na investigação. Algumas
perguntas a respeito do passado distante, por exemplo (que talvez fossem
respondíveis se a investigação tivesse sido feita naquele tempo), podem estar
agora impossíveis de responder. Os seres humanos são susceptíveis não apenas
ao erro, mas à ignorância; e não apenas à ignorância temporária, retificável por
mais uma semana ou ano ou século ou milênio de investigação, mas talvez, em
algumas instâncias, à ignorância invencível. Mas também somos capazes de
descobrir alguma coisa a respeito de como o mundo é.

Quando escrevo sobre “o mundo”, quero dizer o único mundo real — um mundo
ao mesmo tempo heterogêneo e integrado, algo no sentido do título magnífico
com face de Jano[v] do William James, Um Universo Pluralista;[405] e eu sinalizo
a minha intenção de rejeitar tanto o irrealismo, a tese de que não há mundo real,
e o pluralismo, a tese de que há mais de um. Mas muita coisa depende de
exatamente o que se quer dizer com “mundo” ou “mundos”, de forma que uma
desambiguação é necessária.
Como talvez seja apropriado, o “pluralismo” tem muitas interpretações,
em algumas das quais, apesar das aparências, ele é bem compatível com o
“único mundo real” do Realismo Inocente. Às vezes “mundo” é usado de forma
mais ou menos equivalente a “aspecto do mundo”, e “há muitos mundos”
significa apenas “o mundo tem muitos aspectos”. É claro que o mundo tem
muitos aspectos; mas o jeito pluralista de afirmá-lo pode distrair a atenção do
fato de que é precisamente pela razão de os cientistas, historiadores, sociólogos,
detetives etc. todos investigarem várias partes ou aspectos do mesmo mundo que
as suas investigações algumas vezes se sobrepõem, e podem fazer empréstimos
umas às outras.
E quanto à tese do Popper que há três mundos — mundo 1, o mundo das
coisas físicas; mundo 2, o mundo dos estados mentais; e mundo 3, o mundo de
entidades abstratas, números, problemas, proposições e teorias?[406] Se esta fosse
apenas uma expressão desajeitada da ideia de que o mundo tem três aspectos, o
pluralismo dele poderia ser interpretado como mais um daqueles quase-
pluralismos verdadeiros-mas-expressados-de-forma-enganosa; mas se for mais
que um modo de dizer, uma expressão do compromisso do Popper com um
dualismo cartesiano de mente e corpo,[407] não pode ser acomodado dessa forma.
Às vezes, novamente, “mundo” significa “mundo possível”. Faço a
concessão de que há possibilidades reais, mas não realizadas — reconhecer
gerais reais, afinal de contas, é reconhecer que, como diz Peirce, existem os
pode-seres e os poderia-seres além dos de-fato-seres e os vai-seres que são reais;
[408]
e, claro, concedo que o mundo poderia ter sido diferente. Alguns realistas
modais, no entanto, partem dessa premissa inocente para a conclusão nada
inocente de que o mundo verdadeiro é apenas um mundo possível entre muitos.
Isso não posso aceitar; embora se possa interpretar mundos possíveis como
formas que o mundo verdadeiro poderia ter assumido, o mundo verdadeiro não
pode.
Permitirei a mim mesma um pequeno riso de apreciação quando Nelson
Goodman se distancia de alguns de seus contemporâneos, “especialmente
aqueles perto da Disneylândia”, que se ocuparam “fazendo e manipulando”
mundos possíveis[409] — e quando ele faz uma objeção ao “materialista
monopolista” que insiste que tudo o que não for falso ou sem sentido deve ser
redutível à física.[410] Porém, quando Goodman alega que não há um único
mundo real, somente as muitas “versões” feitas por artistas, escritores, cientistas
etc., sinto-me obrigada a apontar que “versão” é um termo relativo; exige um
“de...”. Goodman às vezes fala de “versões de mundo”, ou de descrições sob
diferentes quadros de referência, que são “ambas verdadeiras sobre o mesmo
mundo”; mas às vezes ele também resguarda seu papo sobre “o mundo” com
aspas cautelosas. Isso só disfarça a dificuldade: é inevitável perguntar qual é a
coisa à qual fazem referência as versões feitas por artistas, escritores, cientistas
etc.; mas a resposta certa — o mundo, isto é, o mundo — está oficialmente fora
de questão para ele.
Dada a tese de Goodman que os cientistas, escritores, artistas etc. fazem
mundos, as ideias dele se mostraram atraentes para alguns, inclusive aqueles
inclinados a apagar as diferenças entre a ciência e a literatura, que são tentados
por um tipo de idealismo linguístico. Chamamos esta coleção de estrelas de “O
Grande Carro”, esta massa de água de “O Oceano Pacífico”. Há uma
arbitrariedade no nome (poderia haver uma cultura na qual o que chamamos de
“O Grande Carro” é chamado de “O Rabinho do Canguru”, e o que chamamos
de “O Oceano Pacífico” é chamado de “A Grande Água Cinza”); e no que
contamos como um particular (poderia haver uma cultura na qual uma estrela a
mais ou a menos é contada como parte do grupo, ou na qual a parte daquela
massa de água em que a tribo pesca tem um nome, e a parte fora de suas águas
territoriais tem outro).
Alguns são tentados a concluir que criamos a constelação, ou o oceano, ao
dar-lhe nome. Não criamos. Antes que qualquer pessoa chamasse o Grande
Carro de “O Grande Carro”, não havia nada chamado “O Grande Carro”; e antes
que qualquer pessoa chamasse o Oceano Pacífico de “O Oceano Pacífico”, não
havia nada chamado “O Oceano Pacífico”. Mas aquelas estrelas, e aquela massa
de água, estavam ali mesmo assim, e teriam estado ali mesmo se nunca tivessem
existido seres humanos ou línguas humanas. Talvez, ao olhar para o céu noturno,
você se espante com o pensamento de que o Grande Carro existia muito antes de
haver pessoas, e continuará a existir, provavelmente, bem depois de os seres
humanos se extinguirem; o seu pensamento tem completa coerência.
Seja como for, é um erro — um erro caracteristicamente nominalista —
focar-se em expressões que se referem a particulares, tais como “O Grande
Carro” ou “O Oceano Pacífico”, em vez de expressões de predicado,
substantivos comuns e adjetivos que representam tipos de coisa ou substância,
tais como “elefante” ou “platina”. Se dermos atenção demais a termos singulares
e atenção de menos a predicados gerais, ficamos susceptíveis a exagerar a
arbitrariedade dos predicados e a esquecer que uma das tarefas da ciência é
descobrir categorias e classificações compatíveis com aglomerados de lei no
mundo.

Assim como Fine, resisto ao “progressismo” embutido em alguns estilos


recentes de realismo científico — até certo ponto. Que a ciência progride, ou
como o faz, não é algo que deve ser embutido na nossa metafísica, mas
elaborado a partir da nossa epistemologia; depende de fatos a nosso respeito
além de fatos a respeito do mundo menos nós. O progresso científico foi ganho a
duras penas; está longe de ser constante ou uniforme, e longe de ser automático.
A linguagem científica é constantemente refinada, adaptada, modificada,
retrabalhada; quais evidências são consideradas relevantes a esta ou àquela
questão, que tipo de descrição é considerada potencialmente explicativa a este ou
àquele fenômeno é algo em constante reajuste; e não há garantia de um acúmulo
inevitável de verdades, ou uma substituição inevitável de teorias falsas por
teorias mais próximas da verdade etc. Mesmo assim, a ciência progride.
Assim como Peirce, diante de “trilhões e trilhões” de hipóteses que
poderiam ser explicações em potencial para um fenômeno problemático, você
poderia perguntar como os cientistas conseguem encontrar aquela que calha de
ser a verdade. Assim como Peirce, eu responderia que a evolução deu aos seres
humanos um instinto para adivinhar qual, “embora ele esteja errado muito mais
vezes do que certo, ainda assim a frequência relativa em que está certo é... a
coisa mais maravilhosa na nossa constituição”;[411] um instinto, posso
acrescentar, que é contínuo com a capacidade não autoconsciente de outros
animais de reconhecer predadores ou alimento.
Assim como Duhem, você poderia se perguntar de que jeito, dado que “a
lógica não determina com precisão estrita o tempo em que uma hipótese
inadequada deve ceder”, ou, como eu prefiro dizer, dado que as evidências
científicas nunca são absolutamente decisivas, os cientistas conseguem em
algum momento escolher a hipótese correta. Duhem apela para a ação do bom
senso; Polanyi fala de habilidades, perícia, o julgamento pessoa de um cientista.
[412]
Tais respostas não estão erradas; mas, como o papo a respeito de um cientista
ter um bom “faro” para uma teoria plausível, ou a respeito de ele reconhecer
uma ideia como “bonita demais para não ser verdade”,[413] há alusão e metáfora
demais nelas do que seria o ideal.
Ramon y Cajal escreve com desgosto sobre o “pesquisador sibarita” que
ama estudar a natureza em primeiro lugar pelas suas qualidades estéticas.[414]
Mas Steven Weinberg joga mais luz na questão ao sugerir que a beleza avaliada
propriamente numa teoria científica é a de um tipo bem particular, a
simplicidade esparsa ou rigidez lógica que, nos domínios mais fundamentais da
física (mas não em todo lugar na ciência), é um indicador da verdade em
potencial; e quando ele compara a capacidade de um cientista de apreciar tal
beleza à capacidade de um domador de reconhecer um bom cavalo. Um bom
faro para uma teoria científica, como um bom olho para um cavalo de corrida,
envolve uma capacidade de invocar irrefletidamente o conhecimento tácito — o
conhecimento que talvez não se sabe articular se instado a fazê-lo.
Tradicionalmente, os filósofos da ciência têm perguntado: o progresso
científico é gradual ou revolucionário? É uma questão de revisão de crenças ou
de mudança conceitual? É uma questão de acúmulo de verdades, ou de repúdio a
falsidades chegando mais perto da verdade? A minha analogia do jogo de
palavras cruzadas, como a analogia da catedral do Popper, sugere que a menos
enganosa das respostas simples é: “todas as anteriores”. Às vezes há um
acúmulo de verdades (preenchimento de itens das palavras cruzadas); às vezes
há um repúdio a falsidades (passar a borracha em itens antigos preenchidos); às
vezes há uma aproximação da verdade (substituição de uma resposta que erra em
muitas letras por uma que erra em menos). Alguns passos são mais largos
(substituição de um item longo e das muitas palavras que cruzam com ele) e
outros são mais curtos (substituição de um item curto e das poucas palavras que
cruzam com ele). Há revisões de valores-verdade atribuídos a proposições num
vocabulário familiar, e revisões que envolvem uma mudança nas estruturas
conceituais e também nas crenças (refazer os itens de uma parte do jogo em
inglês americano em vez de inglês britânico, em galego em vez de em
castelhano, ou em malaio em vez de em inglês).
É quando as alterações são grandes, e, em especial, quando envolvem
grandes mudanças nas estruturas conceituais e também nas crenças, que ficamos
inclinados a falar de uma revolução científica. Já que alterações nas crenças e no
aparato conceitual podem ser menores ou maiores, a diferença entre as mudanças
revolucionárias e as outras é uma questão de grau.[415] Essa consequência poderia
ser perturbadora se “revolucionário” implicasse a incomensurabilidade; mas, já
que não implica, não é. Não há garantia de que a revisão conceitual melhore a
linguagem da ciência; mas, ao menos em algumas ocasiões, quando os cientistas
introduzem terminologia nova ou alteram o significado do vocabulário antigo,
em pequena ou grande escala, eles refinam suas categorias e conceitos de forma
a fazer um melhor encaixe com o mundo. E, quando o fazem, muitas vezes
encontram modos de aproveitar esses sucessos também; por exemplo, passar
daquela “nucleína” indiferenciada para o DNA, depois para o A-DNA, B-DNA e
o Z-DNA; para o RNA, depois ao RNA mensageiro, RNA transportador e RNA
ribossomal.
Não há garantia de que a cada passo novas verdades sejam adicionadas, ou
de que se chega mais perto da verdade para alguma questão. De qualquer
maneira, enquanto a investigação científica progride, muitas vezes ela obtém
sucesso em adicionar mais verdades; e, quando o faz, geralmente encontra
formas de aproveitar essas novas verdades — encontrar outras verdades,
elaborar novos instrumentos ou técnicas, revisar categorias e classificações
antigas, e assim por diante. Às vezes descobre que as ideias e teorias antes
aceitas precisam ser revisadas ou que têm que ser abandonadas à luz dessas
novas verdades. E com frequência tem sucesso em chegar a números mais
precisos, em refinar e desambiguar o seu vocabulário, em substituir uma teoria
aproximadamente verdadeira por uma teoria verdadeira ou uma maior
aproximação, ou em modificar uma teoria de forma que ela tenha mais partes
verdadeiras; e, quando o faz, muitas vezes encontra formas de aproveitar esses
resultados mais refinados. Interpretado de um jeito falibilista robusto, isso sugere
que “cumulativa” e “autocorretiva” são termos que não erram muito.
Não há garantia de que teorias atualmente aceitas, mesmo nas ciências
“maduras”, sejam verdadeiras. Mesmo assim, os sucessos preditivos e
tecnológicos constituem evidências a favor das teorias das quais dependem as
previsões e as tecnologias. Que a fuselagem raramente se desmanche nas juntas
é uma razão, embora não uma razão absolutamente decisiva, para pensar que as
teorias a respeito do desgaste de metais das quais dependem os projetistas de
avião são ao menos aproximadamente verdadeiras; e, quanto maiores são esses
sucessos, e quanto mais interconectadas são as partes de teoria envolvidas,
melhores são as razões para pensar assim. Putnam defende que ao menos que as
teorias da ciência madura fossem no mínimo aproximadamente verdadeiras, seus
sucessos preditivos seriam milagrosos.[416] Eu defendo, mais modestamente, só
que as consequências verdadeiras de uma alegação ou teoria constituem
evidências que são sustentadoras a algum grau, e dessa forma garantem-na a
algum grau.
O sucesso das ciências naturais de elaborar auxílios técnicos cada vez mais
eficientes foi realmente extraordinário. Pense nos anúncios das revistas
científicas para aparatos e serviços científicos cada vez mais sofisticados (no
verso das páginas de uma edição recente da Science estão anúncios de marcações
personalizadas de DNA e RNA, de sequenciamento de proteína, DNA e RNA,
clonagem de genes, purificação de plasmídeos, “oligonucleotídeos de alta pureza
livres de sal” etc. etc.); ou nas formas cada vez mais rápidas e eficientes de
compartilhar informações (a biblioteca do Departamento de Física de Harvard,
relata Holton, recebe mais de 5 mil artigos pré-prelo por ano, agora mais
acessíveis por intermédio de um serviço eletrônico de arquivo personalizado);[417]
ou nas técnicas cada vez mais sofisticadas de modelagem em computador. Mas,
com tudo isso, não há espaço para complacência. Conforme a ciência se torna
mais cara, de tal modo que somente governos e grandes preocupações industriais
podem pagar para sustentá-la, conforme acumulam as pressões de carreira,
conforme se multiplicam as oportunidades para um cientista ficar rico com as
suas descobertas, conforme explode o mercado para perícia de especialistas, não
há garantia de que os mecanismos que até agora nutriram a imaginação científica
e sustentaram o respeito pelas evidências continuarão a fazê-lo.
E para concluir
Richard Burian explica com apenas três palavras o que permite que as ciências
filtrem as coisas boas de uma vasta efusão de ideias boas, ruins e medíocres,
ideias sofisticadas, ingênuas ou de meia tigela: “terapia de realidade”.[418] É isso
mesmo — se todas as complexidades que passei os últimos três capítulos
explorando estão entendidas. Os auxílios científicos à investigação, falíveis e
imperfeitos como são, ativam a imaginação, estendem o alcance evidencial, e —
até certo ponto — enrijecem o respeito pelas evidências. E isso mantém as
ciências — até certo ponto — em contato com o mundo.
As ciências naturais, quero dizer; mas as ciências sociais não são
diferentes? Se há tipos e leis sociais, não seriam muito diferentes de tipos e leis
naturais? E como se poderia dizer que, até este ponto ao menos, as ciências
sociais atingiram algo similar aos sucessos impressionantes das ciências
naturais? De fato, um homem não teria que ser “definitivamente maluco”, mas
no mínimo um tanto calejado, para negar que as ciências sociais fizeram muitas
descobertas verdadeiras. É hora de explorar as diferenças — e as similaridades.
Capítulo 6: O Mesmo, Só Que Diferente
Integrando o Intencional

Somente se uma região da investigação puder ser aberta na


qual a abordagem científica e a humanista desempenham
seus papéis característicos, poderemos ter esperança de
ganhar conhecimento do homem — conhecimento em vez de
imaginação, e do homem em vez de átomos sociais.
— Adolf Lowe, “Comentário” (sobre Hans Jonas)[419]

Os unificadores pensam que as ciências naturais e sociais são essencialmente


similares. Os bifurcadores pensam que elas são essencialmente diferentes. Os
unificadores otimistas — inclusive muitos Velhos Deferencialistas — pensam
que as ciências sociais, se ainda não são tão boas quanto as naturais, podem se
tornar um dia; geralmente sustentando que as ciências sociais usam o mesmo
método que as ciências naturais, e que em princípio elas são redutíveis à física.
Os bifurcadores otimistas, afastando o sonho da redução, pensam que o método
da ciência social é sui generis, e veem as ciências sociais como separadas, mas
iguais; diferentes, mas não inferiores às ciências naturais. Mas há também
pessimistas dos dois lados. Os unificadores pessimistas — inclusive muitos
Novos Cínicos — veem as ciências naturais e sociais como similarmente
permeadas por interesses, política e retórica. Os bifurcadores pessimistas veem
as “ciências” sociais como tão inferiores que não merecem de fato ser
classificadas como ciências.
Mais uma vez, é como os cegos com seu elefante: “Apesar de terem todos
razão, cometeram erros de toda sorte”. Como a minha avó costumava dizer
quando explicava uma nova ideia para mim: “Sabe tal coisa? Então, isso é o
mesmo, só que diferente”. As ciências sociais são como as ciências naturais, só
que não das formas que supuseram tradicionalmente os unificadores; mas
também são dissimilares, só que não das formas que supuseram tradicionalmente
os bifurcadores. E as perspectivas das sociais não são nem tão promissoras
quanto esperam os otimistas, nem tão lúgubres quanto temem os pessimistas.
As ciências sociais são similares às ciências naturais, ou são diferentes?
Bem, as duas coisas. Todas são formas de investigação empírica sistemática; mas
as ciências sociais têm objeto de estudo diferente e, já que apelam às crenças,
intenções, esperanças, medos etc. das pessoas para explicar o comportamento
delas, elas são, como colocarei, intencionais. A ciência social intencional é
redutível à física? Não — e sim. Explicações social-científicas em termos de
crenças, objetivos etc. não são redutíveis a explicações na física de qualquer
forma parecida com o modo simples que alguns unificadores otimistas
esperavam; ainda assim, as ciências sociais intencionais não são de todo
desconexas com as ciências naturais, mas integradas a elas. A ciência social
intencional investiga o mesmo mundo que a ciência natural? Claro que sim; mas
são aspectos do mundo que são intencionais em vez de brutalmente físicos. As
instituições sociais são constituídas em parte pelas crenças das pessoas etc.; são
reais, mas também socialmente construídas.
A investigação social-científica intencional usa o mesmo método que a
investigação natural-científica? Sim — e não. Como investigadores empíricos de
todo tipo, os cientistas sociais fazem conjecturas sobre a explicação de algum
fenômeno intrigante, checam o quão bem essas conjecturas resistem às
evidências e usam seu juízo para continuar a partir daí. Mas as explicações
buscadas são de um tipo muito diferente das explicações natural-científicas; a
interpretação das evidências exige um tipo diferente de informação de fundo; e a
investigação social-científica exige tipos diferentes de “auxílio”.
A ciência social intencional é livre de valores? Claro que não; mas, por
outro lado, claro que sim. Os cientistas sociais muitas vezes investigam
problemas que afetam as nossas sensibilidades morais ou políticas; além disso, o
que pretende ser “investigação” social-científica com muita frequência se
confunde com algo que parece mais ativismo. Apesar disso, como as
investigações de todo tipo, a social-científica está sujeita a determinados valores
epistemológicos, entre eles ser desinteressada — isto é, em um dos sentidos
desta expressão polissêmica, ser “livre de valores”. Por que as ciências sociais
intencionais não parecem ter feito nada parecido com o progresso
impressionante das ciências naturais? Por uma série de razões, entre elas que o
ideal do respeito pelas evidências é ainda mais difícil de atingir na investigação
social-científica do que na natural-científica, e que tomar emprestado auxílios
matemáticos e metodológicos da física na esperança de parecer “científica” é
algo que se revelou às vezes contraproducente.
É bem simples — exceto pelas muitas complicações. Mas as complicações
são tremendas; tão tremendas que eu só posso ter a aspiração de fazer um esboço
das continuidades subjacentes entre as ciências sociais e naturais, e das
diferenças mais importantes.
Ciência social intencional
Como a “ciência natural”, a “ciência social” recruta uma federação informal de
tipos de investigação; mas uma federação de tipos de investigação com objeto de
estudo diferente daquele das ciências naturais. É lugar comum dizer que os
objetos das ciências sociais são muito mais complexos que os das ciências
naturais; e é verdade. A questão difícil é qual tipo especial de complexidade,
exatamente, estaria no objeto de estudo das ciências sociais, mas não no da
biologia humana.
Nós humanos somos criaturas usuárias de símbolos capazes de formar
crenças, intenções e metas complexas, e de representar o mundo para nós
mesmos por meio de frases, mapas, imagens e diagramas — criaturas cujo
comportamento depende em parte de como representamos o mundo, a nós
mesmos e nosso lugar no mundo. Ademais, são em parte as crenças e intenções
compartilhadas que fazem um arranjo de pessoas ser um grupo, tribo,
comunidade ou sociedade, e que fazem as instituições sociais tais como o
dinheiro ou o matrimônio possíveis. A biologia humana, por mais complexa que
seja, não tem que tratar das crenças, intenções, esperanças ou medos das
pessoas; mas a psicologia, a sociologia, a economia etc. têm que fazê-lo.
Entretanto, os cientistas médicos que investigam doenças psicossomáticas
ou o efeito placebo vão tratar das crenças das pessoas; logo, há uma
sobreposição. Os cientistas naturais às vezes precisam levar em conta as crenças
das pessoas; os cientistas sociais às vezes não precisam. Dentro das disciplinas
classificadas como ciências sociais, algumas partes são quase indistinguíveis das
ciências naturais, enquanto outras são próximas da história e até, embora mais de
longe, do trabalho literário ou do direito.[420] A antropologia e a geografia, para
tomar dois dos exemplos mais óbvios, têm ambos os lados físico e sociológico
— às vezes reconhecidos como instituição: a Universidade Duke tem dois
departamentos de antropologia; e em Stanford o que antes era um departamento
recentemente se dividiu em Ciências Antropológicas, acomodando aqueles cujo
trabalho é próximo das ciências da Terra, da biologia evolutiva etc.; e
Antropologia Cultura e Social, acomodando aqueles com mais afinidade à
hermenêutica e sociologia.[421] De forma mais notória, algumas partes da
psicologia investigam criaturas incapazes de representação, ou aspectos da
mente humana não ou pré-representacionais, enquanto outros estudam o
comportamento humano como ele é mediado por crenças e metas. Algumas
pesquisas — por exemplo, a respeito de correlatos cerebrais-fisiológicos
possíveis de (supostas) diferenças cognitivas entre homens e mulheres —
ultrapassam a fronteira entre o intencional e o não-intencional. Pode ser
extremamente difícil descobrir quais perguntas podem ser respondidas sem fazer
referência às representações que as pessoas fazem do mundo e de si mesmas, e
quais não podem; esse é um motivo para algumas daquelas batalhas internas à
psicologia.
As ciências sociais amiúde são descritas como “interpretativas”. Às vezes
isso sinaliza uma assimilação da interpretação social-científica à literária. De
qualquer forma, a polissemia de “interpretativo” cria problemas importantes. Em
um sentido, todas as investigações empíricas, inclusive a natural-científica, são
interpretativas: envolvem a interpretação das evidências que, embora às vezes
fortes e às vezes fracas, estão sempre incompletas a algum grau ou de outra
forma imperfeitas. Em outro sentido, toda investigação conduzida em conjunto é
interpretativa: por envolver o compartilhamento de evidências, exige que
investigadores interpretem os relatos uns dos outros de suas observações,
experimentos e teorização. Assim, para destacar o foco característico nas
crenças, desejos, intenções etc. das pessoas enquanto evito as ciladas do
“interpretativo”, escolhi falar da ciência social “intencional”.
A investigação social-científica intencional sempre inclui as crenças, metas
etc. das pessoas em sua alçada; mas cada ramo faz isso com seu jeito próprio e
distinto. Psicólogos investigam o papel da expectativa no erro perceptual; os
economistas calculam as interações mútuas da confiança do consumidor e as
taxas de juros; os sociólogos estimam qual incremento de desempenho cognitivo
pode ser atribuído às escolas autônomas; os antropólogos tentam entender a
importância de uma dança ritual na vida da tribo. (Um antropólogo pode ter que
resolver equações simultâneas para investigar as crenças e motivações das
pessoas que estuda ao mesmo tempo que tenta descobrir como traduzir a língua
delas — a interpretação em um sentido adicional). Mas não são essas diferenças,
por mais que sejam importantes, mas o caráter intencional compartilhado por
todos esses tipos de investigação social-científica, o que faz a questão da
redução tão controversa e tão difícil.
A questão da redução
O reducionismo, no sentido ontológico-epistemológico em questão aqui, é a tese
segundo a qual os vocabulários das outras ciências, inclusive as ciências sociais,
pode em princípio ser expressado em termos do vocabulário da física, e suas leis
derivadas das leis da física. O programa da Unidade da Ciência, artigo
demonstrativo do positivismo lógico, era em parte uma expressão de fé nessa
ideia: assim, no Estrutura Lógica do Mundo, Carnap assumiu a tarefa de mostrar
como derivar o enunciado “é costumeiro levantar o chapéu para uma dama
conhecida que se encontra na rua” a partir das leis da física (e essas leis, por fim,
dos enunciados a respeito das “experiências elementares” de um sujeito). Ele não
conseguiu. Mais recentemente, quando deslancharam a sociobiologia e a
neurofisiologia cerebral, as aspirações reducionistas tenderam a dar uma guinada
mais empírica e menos linguisticamente analítica.
As constantes da natureza humana ficam salientes para nós quando
estudamos outros humanos de muito tempo atrás, ou culturas muito diferentes da
nossa. Lembro-me, alguns anos atrás, de topar com um artigo de enciclopédia a
respeito de Burkina Faso (antigo Alto Volta) ilustrado com a fotografia de
mulheres de uma vila nos arredores de Uagadugu, quase nuas e com aparência
de manchadas de lama, conversando enquanto trabalhavam: as mulheres mais
novas estavam moendo milhete, explicou a legenda, enquanto as mais velhas
selecionavam botões de flores para o molho. Quão absolutamente
inconfundíveis, apesar de diferenças culturais vastas, são as semelhanças
humanas!
E quando estudamos outras criaturas, percebemos que as nossas interações
sociais próprias são de certas formas como aquelas dos lobos, dos leões, até das
formigas. Num sentido amplo, outros animais além de nós têm culturas — não
culturas no sentido de catedrais góticas, Shakespeare e Verde, ou de peixe com
batata frita,[w] cerveja morna e torcida organizada de futebol; mas
comportamento ou habilidades partilhadas entre outros da mesma espécie e
adquiridas deles, em vez de geneticamente programadas ou compelidas pelo
ambiente — tal como o ritual adotado por baleais de orcas que vivem perto da
Ilha de Vancouver, que se alinham em formação quando encontram outro baleal.
Os primatólogos identificaram mais de 39 formas tradicionais de comportamento
no chimpanzé, incluindo cavar à procura de cupins, capturar formigas, coletar
tutano com ferramenta, usar folhas como assentos, quebrar nozes contra rochas
ou árvores e usar galhos longos para alcançar frutas — que se qualificam, no
sentido amplo em questão aqui, como culturais.[422] As continuidades com nossos
parentes biológicos mais próximos podem ser espantosas. Kanzi, o jovem
bonobo inteligente que aprendeu a língua de sinais que psicólogos estavam
tentando sem sucesso ensinar à sua mãe adotiva, foi descrito como tendo
semelhança incrível com uma criança de dois anos. Apontando para Austin (um
companheiro chimpanzé), seu treinador disse a ele que “se você der sua máscara
ao Austin, vou deixar você comer um pouco do cereal dele”; Kanzi prontamente
entregou a máscara a Austin e apontou para a caixa de cereais.[423]
Ainda assim, não é desrespeito aos golfinhos, chimpanzés, bonobos et al.
reconhecer que a capacidade dos seres humanos para a linguagem, representação
e aprendizado vai bem além daquela do mais inteligente dos nossos parentes
mais próximos. Somente nós humanos fazemos arte, arquitetura, publicidade,
burocracia, crime, calendários, roupas, culinária, trambique, computação, dança,
drogas, criação de cães, engenharia, fogo, agricultura, móveis, jogatina, fofoca,
hospitais, corrida de cavalos, insanidade, piadas, reis, direito, literatura, lógica,
matemática, dinheiro, códigos morais, música, mito, nações, jornais, ópera,
columbicultura, filosofia, enigmas, cerâmica, qualificações, quantificação,
religião, esportes, lojas, escolas, ciência, feitiçaria, mercado de ações, transporte,
tecnologia, teologia, teatro, projeto, verso, visões, guerra, escrita, previsão do
tempo, xenofobia, yoga, zoológicos etc. etc.
Ainda assim, nós humanos somos animais; há análogos no comportamento
de outros animais para muitos dos comportamentos humanos e empreendimentos
na minha lista; e fatos biológicos certamente restringem quais arranjos sociais
são humanamente possíveis. Temos determinadas necessidades nutricionais;
nosso tempo de vida típico é certa quantidade de anos; nos reproduzimos de
forma sexuada, e nossos filhotes são indefesos por um tempo longo; somos
animais sociais, territoriais, dotados de linguagem — e hierárquicos, também,
como notou o sociólogo Vance Packard bem antes da ascensão recente da
sociobiologia. (“Fiquei interessado na estratificação social primeiro quando era
um menino do campo no norte da Pensilvânia”, escreveu ele em 1959, “quando
meu pai mostrou para mim que uma das nossas vacas, acho que o nome dela era
Gertrudes, sempre entrava pela porteira primeiro na hora de comer”.)[424] Quais
exatamente são as constantes biológicas, e exatamente qual é a força das
restrições delas às sociedades humanas, é uma questão controversa; mas que há
algumas de tais restrições parece incontroverso. Também incontroversa é a
variedade extraordinária de sociedades humanas, os espantosamente variados
modos que humanos encontraram para viver juntos em grupos; e o papel de
contingências locais de geografia e clima,[425] e acidentes da história.
Tentando trazer o máximo possível do comportamento humano para dentro
do escopo de determinantes biológicos, os sociobiólogos às vezes descrevem
animais não-humanos de um modo antropomórfico. E. O. Wilson soa quase
como Richard Adams[426] quando ele medita sobre “o que pensa um peixe
elétrico” que se orienta por campo elétrico, ou descreve formigas emitindo os
feromônios que alertam outras formigas de perigo como “dizendo a outras
formigas, efetivamente: perigo, venham depressa; ou perigo, dispersem-se”.[427]
Nós, como as formigas, somos criaturas sociais; e há iluminação em ver que
tanto os sinais de feromônios da formiga ceifeira vermelha quanto, digamos, o
sistema legal americano podem ser descritos, na bela expressão de Wilson, como
“redes semióticas”. Mas até os sociobiólogos mais ambiciosos concedem que há
diferenças grandes e consequentes entre uma formiga emitindo seus feromônios
e um caixa de banco apertando o botão de alarme e gritando “Perigo! Venham
depressa!”; até Wilson sente-se instado a dizer “efetivamente”.[428]
Diferente do comportamento da formiga, muito do comportamento
humano é mediado pelas nossas crenças, esperanças, medos etc. A reação de
sucção ao ser amamentado de um bebê humano pode ser explicada sem a
atribuição de crenças ou desejos ao bebê; ele tem uma tendência instintiva a
virar a cabeça quando algo toca sua bochecha e uma tendência instintiva a sugar
quando algo toca sua boca. A explicação do porquê eu vou à geladeira para
pegar um copo de leite, no entanto, exige referência a eu querer beber leite ou
crer que há leite na geladeira.[429] Uma parte do que fazemos é puramente
instintiva; e uma parte é devido ao pânico, raiva, confusão ou puro hábito. Mas o
modo como cada pessoa é e se comporta, restrito por universais biológicos,
mediado por especificidades culturais, depende em parte de suas crenças e
motivações. Não precisamos ter a capacidade de especificar todos os aspectos
pelos quais o comportamento humano é determinado biologicamente para saber
que não é determinado biologicamente em todo aspecto, para ver que a verdade
do reducionismo dependerá de as crenças etc. serem redutíveis a estados
neurofisiológicos (ou seja lá qual outra base física uma futura ciência poderia
descobrir). Uma filosofia séria da ciência social exigirá uma filosofia séria da
mente.

Apesar de todos os impressionantes sucessos recentes das neurociências, o sonho


que as crenças e metas serão reduzidas à neurofisiologia e finalmente à física
permanece, ora, um sonho. Na verdade, às vezes parece hoje em dia que o sonho
se tornou um pesadelo: quando, por exemplo, com ganas de fazer uma redução
sem dificuldades das crenças, esperanças e medos a estados neurofisiológicos, e
notando que a atividade cognitiva sem cessar dos gânglios da lesma do mar não
envolve representações, Paul Churchland conclui que “a psicologia popular é
falsa, e... sua ontologia é uma quimera. Crenças e desejos estão na categoria do
flogisto, do calórico e dos elementos da alquimia”[430] — não há nenhuma.
(Como é que ele tem coragem de dirigir um carro, pergunta-se, ou de entrar em
um?)
E mesmo os mais ferrenhos defensores do reducionismo parecem titubear
na hora do aperto. Discutindo a ubiquidade transcultural do simbolismo das
cobras, Wilson — que é comprometido com o reducionismo não apenas como “o
método da ciência”, mas também como uma verdade ontológica[431] — promete
uma análise do sonho de um mágico com uma serpente “ao nível do átomo”.
Mas nenhuma análise do tipo está por vir; na verdade, poucas páginas depois
Wilson reconhece que até agora “as vias neurais da aversão a cobras não foram
exploradas”.[432] Ainda assim, presumindo uma concepção quase-lockeana do
significado como imagens mentais, na maior parte do tempo ele parece confiante
que uma explicação reducionista desses “nós” está próxima; até que, logo depois
de declarar que o livre arbítrio é uma ilusão, ele escreve que “não pode haver
determinismo do comportamento humano, ao menos não em obediência ao
modo simples com que as leis físicas descrevem o movimento dos corpos”,[433]
porque o conteúdo da mente evolui de acordo com a história singular do
indivíduo. Isso soa correto; mas também soa, como percebe Wilson, como apelos
por um pouco de concessão da agenda reducionista.
A representação toma uma vida própria: a capacidade para a linguagem,
ou, mais exatamente, para o uso de signos convencionais, traz consigo a
capacidade de formar crenças e intenções complexas, de passar adiante
habilidades e informações, de ter pensamentos que nunca foram pensados antes.
Uma criatura sem essa capacidade pode manifestar aversão a cobras, mas
somente uma criatura com essa capacidade pode acreditar, no sentido mais pleno
da palavra, que as cobras são perigosas. Isso não é para negar que outros animais
se comportam de formas que nos tentam a descrevê-los como acreditando nisso
ou esperando por aquilo (eu mesma digo, dos cardeais que piam no meu deque
às oito da manhã, que eles pensam que o atendimento está piorando, pois as
sementes de girassol deles já deviam estar no comedouro); nem é para negar que
a capacidade para a linguagem ou uso de signos é uma questão de grau, ou que
um primata talentoso pode atingir algo como as habilidades linguísticas de uma
pequena criança humana. É apenas para insistir que as capacidades para a
linguagem e para a crença, no sentido mais pleno da palavra, caminham juntas;
pois nesse sentido mais pleno a crença envolve um amálgama característico de
disposições verbais e não-verbais.
Uma pessoa que acredita que cobras são perigosas terá uma disposição
muito complexa e multifacetada, ou padrão de disposições:[434] resumida e
grosseiramente, gritar ao ver e fugir de cobras; estremecer ao ver fotos de
cobras; e emitir ou concordar com frases a respeito do perigo das cobras. A
asserção e concordância podem ser insinceras; mas não há necessidade de se
preocupar quanto à asserção sincera poder ser explicada somente como asserção-
acompanhada-por-crença e asserção insincera somente como asserção-não-
acompanhada-por-crença. Alguém cuja asserção é insincera falará de forma
diferente a depender de quem está ouvindo; e não agirá da forma como fala: a
pessoa vai assegurar a seu inimigo que o gelo é espesso o suficiente para
sustentar o peso dele, mas não vai caminhar sobre o gelo ela própria — como diz
o ditado, faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.
“Ele andou sobre o gelo”, dizemos, “porque acreditou que ele era espesso
o suficiente para sustentá-lo”. Alternativamente, pense no esquema típico de
uma história de detetive, quando a polícia faz uma armadilha para pegar um
suspeito levando-o a acreditar que provas incriminadoras estão prestes a ser
encontradas em certo lugar, e seguindo-o quando ele se apressa para escondê-las
ou destruí-las. Não há um risco da minha descrição ter transformado uma
explicação real (ele fez x porque acreditava que p) em algo como uma tautologia
(ele fez x porque estava disposto a fazer x)? Não. Ela nos diz que levar o
suspeito a creditar que p induz uma disposição vigente que provavelmente
resultará numa manifestação do comportamento incriminador esperado na
presença de outras crenças (que vão me pegar se eu não destruir as provas) e
desejos (de não ser pego); mas isso não é uma tautologia.
Com as crenças comuns e banais, disposições verbais e não-verbais se
entrelaçam tanto de forma causal quanto referencial: a representação do mundo
que o sujeito faz para si mesmo de dada forma sustenta causalmente a sua
disposição a agir assim, e as frases com as quais ele está disposto a concordar
tratam de coisas no mundo com respeito às quais ele está disposto a agir assim,
na tríade semiótica característica — pessoa, palavras, mundo. (Com crenças
matemáticas e altamente teóricas, no entanto, quaisquer disposições não-verbais
pode ser muito oblíquas; e há também aquelas crenças, como dizemos, “sobre” o
Santo Graal, o Abominável Homem das Neves e assim por diante.)
Longe de propor um behaviorismo skinneriano do tipo não-olhe-na-caixa-
preta, presumo que o padrão de disposições envolvidas ao crer que... está
fundado em uma configuração neurofisiológica extremamente complexa;
“configuração”, em vez de “estado”, pois o que está envolvido é uma rede
extremamente complexa de interconexões entre receptores, o que for que registra
a entrada da informação, e ativadores, o que for que inicia o comportamento,
verbal e não-verbal.[435] Entretanto, o padrão de disposições envolvidas em
acreditar, por exemplo, que cobras são perigosas deve ser realizável
neurofisiologicamente em mais de uma forma; pois, enquanto minha crença que
cobras são perigosas envolve entre outras coisas uma disposição de emitir ou
aceitar várias frases em inglês, a crença do Ivan que cobras são perigosas
envolve entre outras coisas uma disposição a emitir ou aceitar várias frases em
russo. Agora, talvez, você se pergunte como Ivan e eu podemos ter a mesma
crença — afinal, eu não disse há pouco que temos disposições multifacetadas
diferentes?[436] Não. No sentido relevante, temos a mesma disposição: de nos
comportar assim, e de emitir ou aceitar frases que, embora diferentes, são
imbuídas da mesma relação com as coisas e eventos do mundo.
Mas agora (como William James teria dito) chegamos à carne do coco.
Pensando nas crenças e seu papel no comportamento humano, somos puxados
para duas direções. De uma perspectiva, a coisa essencial parece ser o conteúdo
de uma crença; de outra, sua realização física. Somos puxados na direção do
reducionismo quando refletimos que, como um hábito pode sustentar ou inibir
outro, então uma crença pode ser a razão de uma pessoa para outra, ou contra
outra; o que significa que o primeiro padrão de disposições sustenta ou inibe o
último (para simplificar bastante; normalmente todo um nexo de razões sustenta
ou inibe uma crença). O raciocínio e a explicação do comportamento exigem que
as crenças tenham um papel causal; e as interações causais das crenças com
outras crenças e metas podem produzir comportamento deliberado são
acontecimentos físicos na cabeça de uma pessoa, e devem estar de acordo com
as leis físicas. Isso faz parecer óbvio que acreditar que p somente é estar nesse
tipo neurofisiológico de configuração.
Ou não é? Se queremos saber por que motivo Jack tirou um pote da
geladeira, cheirou-o, jogou-o fora, entrou em seu carro, dirigiu até o
supermercado e comprou maionese, uma explicação parecida com “a
engrenagem A no cérebro do Jack se engajou com a roda B que moveu a
alavanca C” poderia realmente funcionar? É claro que uma explicação
neurofisiológica de verdade seria vastamente mais complexa que a minha
caricatura; mas como ela capturaria a relação da representação do mundo do
Jack com sua ação no mundo? O sonho reducionista é que uma configuração
neurofisiológica corresponda à proposição que Carnap tinha uma tia que vivia
em Viena de alguma forma como a configuração do DNA corresponde a olhos
vermelhos em moscas das frutas. Mas essa parece a analogia errada: em vez
disso, uma explicação de uma pessoa enrubescendo por causa do calor na sala,
ou pulando por causa de um barulho alto, precisaria reconhecer não apenas seus
estados internos, mas também a conexão desses estados com o ambiente; e uma
explicação de seu rubor por causa de um comentário constrangedor que ouviu
por acaso precisaria reconhecer as conexões de seus estados neurofisiológicos
com essas palavras, e o uso dessas palavras em sua comunidade linguística.
Pense em um relógio despertador, que certamente é uma coisa física. O
alarme do relógio é um acontecimento físico que surge quando essas e aquelas
engrenagens e rodas, ou esses e aqueles contatos elétricos, interagem dentro do
relógio. Mas a explicação para o alarme tocar às 7h30 da manhã não é exaurida
pela descrição das engrenagens e contatos, sem referência às convenções
humanas sobre o tempo; nem há alguma coisa inerente às engrenagens ou
contatos enquanto tais que os façam ser relativos ao tempo. Os seres humanos,
também, são coisas físicas, e seu fazer desses ou daqueles ruídos ou marcas ou
movimentos é algo que surge por acontecimentos neurofisiológicos. Mas a
explicação da minha ida à geladeira para pegar um copo de leite não é exaurida
por uma descrição neurofisiológica dos disparos elétricos no meu cérebro, sem
referência ao conteúdo das minhas crenças etc.; ou seja, mais uma vez, sem
referência a convenções humanas, um ciclo sociocultural. Também não há algo
nos pedaços de gosma no meu cérebro, enquanto tais, que os faça relativos ao
leite; isso depende de suas conexões com o leite e com “leite”.
Isso não é para dizer que as propriedades físicas do material em questão
não importam; é claro que importam — nossos cérebros não poderiam ser feitos
de manteiga ou de lata, não mais que um relógio poderia ser feito de penas ou
pudim. Mas a crença que p é realizável por sejam lá quais forem as
configurações que pudessem ser ligadas apropriadamente por causas ao mundo,
a palavras na língua da pessoa e a seu aparelho motor; e o que é necessário para
identificar as famílias relevantes de configurações neurofisiológicas é a
referência a padrões de comportamento linguístico na comunidade linguística de
uma pessoa, à referência e ao significado, e às coisas no mundo às quais se
relacionam suas crenças: isto é, ao que faz esta a crença que cobras são
perigosas, o que faz a crença do Ivan e a minha serem a mesma crença.
É tudo físico, sim; mas não é tudo física. Então, se o reducionismo fosse
redimível, só poderia ser de uma forma pouco padrão na qual toda a história
cultural-histórica da linguagem, significado e referência fosse contada no
vocabulário de alguma futura física hipotética. E, mesmo se isso fosse possível
— um enorme “se” — uma diferença significativa permaneceria entre as partes
dessa futura física hipotética que passam por aquele ciclo sociocultural, e
aquelas partes que não passam.
No lugar da redução, no sentido forte, há a integração das ciências sociais
às naturais. A concepção forte e simples dos positivistas lógicos do modo como
todas as verdades a respeito do mundo devem se encaixar entre si obscureceu um
fato que de outra forma seria óbvio: verdades heterogêneas não são menos
verdadeiras, nem necessariamente desconexas, por sua heterogeneidade. Um
modelo melhor poderia ser um mapa no qual a representação de estradas,
cidadelas etc. é superposta sobre um delineamento dos contornos do mesmo
território, e integrada em virtude do fato de que as estradas contornam o lago e
passam pelo vale entre as montanhas, que a cidade está ao largo do rio, não
dentro dele, e assim por diante. As ciências naturais traçam um mapa de
contorno dos determinantes biológicos da natureza humana e das raízes
biológicas da cultura humana, sobre o qual as ciências sociais sobrepõem um
mapa de estradas de costumes de matrimônios na Nova Guiné, fracassos da
economia soviética, ascensão da ciência moderna na Europa do século XVII e
assim por diante.
A questão da realidade
Aqueles aspectos do mundo estudados pelas ciências naturais são independentes
de nós; teriam existido e teriam sido de certos tipos e sujeitos a certas leis,
mesmo se nunca tivessem existido seres humanos ou linguagens humanas ou
teorias natural-científicas a respeito deles — na maior parte, de qualquer modo:
qualificações seriam necessárias com respeito aos aspectos do mundo estudados
pela biologia humana, e para reconhecer a possibilidade de que essa espécie
biológica não estaria extinta, ou que aquela variedade geneticamente modificada
não existiria, a não ser pelas coisas que os seres humanos fizeram.
Provavelmente pelo motivo de ela ter trabalhado com cavalos de tração
quando jovem em uma fazenda da Irlanda, recorda Marjorie Grene, ela nunca
conseguiu levar o idealismo a sério. Objetos físicos brutos certamente são nosso
paradigma do realmente real; e isso pode nos tentar a interpretar mal a realidade
como independência causal de nós, ou como independência da mente. Mas a
realidade não pode ser definida como independência causal em relação aos seres
humanos. Não haveria, afinal, nenhum artefato humano se humanos nunca
tivessem existido; e as cadeiras, livros, motores a vapor, metralhadoras etc. por
certo são reais. É verdade que até os materiais sintéticos dos quais dependemos
tanto agora são feitos de substâncias naturais. É verdade, também, que a
possibilidade de fabricar algo que sirva a uma dada função depende das
propriedades físicas da substância que o compõe — não se pode fazer um
travesseiro com o granito ou uma máquina de escrever com graxa.[437] Ainda
assim, embora os materiais possam ser recalcitrantes, e possamos falhar na
execução de um projeto, os artefatos são causalmente dependentes de nós e têm
as características que damos a eles; mas mesmo assim são reais. A realidade
também não pode ser definida como independência em relação à mente; pois
estados e processos mentais são dependentes da mente, mas mesmo assim reais.
O “real” não contrasta com “artefatual”, mas com “ficcional”,
“imaginário”. As ficções são da forma como alguma pessoa ou pessoas as
representam: Hamlet não é uma pessoa real, mas um personagem fictício, e tem
as características que Shakespare o representa tendo. Foi isso que motivou o
primeiro palpite na caracterização do “real” — “independente de como
acreditamos que seja” — sugerida no capítulo anterior.[438] Mas aquela
caracterização vai precisar de mais refinamento para capturar a diferença entre a
realidade natural e social.
As instituições, papéis e normas sociais não são como as rochas, ou até
estradas, também não são como imagens mentais ou sonhos; mas tampouco são
ficções ou imaginações. O casamento, o sistema bancário, o sistema legal, a
ciência — papéis sociais e normas e tipos — não existiriam ao menos que
houvesse seres humanos e sociedades humanas. Seres humanos não constroem
fisicamente instituições sociais da mesma forma que fizeram o Zigurate em Ur, a
Grande Muralha da China, rodovias, arranha-céus, e todos os incontáveis
artefatos que a engenhosidade humana produziu; mas tais instituições sociais são
constituídas em parte pelo comportamento, crenças e intenções das pessoas. São
como são de forma independente de como qualquer pessoa em particular
acredite que são; mas não são independentes de crenças, intenções etc. de
membros da sociedade em questão, geralmente. É por isso que um casal
“casado” por um padre de quermesse não está casado de verdade, mesmo se
acreditarem que estão; pense na coitada Audrey em Como Gostais.[x]
Ou considere o dinheiro. Não existiria dinheiro se nunca tivessem existido
os seres humanos. Símbolos físicos do valor monetário, como moedas, notas ou
cartões de crédito são artefatos (e não é qualquer coisa que pode ter essa função:
conchas de búzios, sim, ou pedaços de metal ou papel ou plástico, ou registros
magnéticos em um computador, mas não a névoa ou os asteroides). Enquanto
fenômeno social, no entanto, o dinheiro envolve muito mais que símbolos
físicos; na verdade, como diz John Searle, é uma instituição com uma
complexidade impressionante.[439] Está além das minhas capacidades, e talvez
além da sua paciência, explorar todas as complexidades aqui; que baste notar
que entre elas está que, para que o dinheiro seja dinheiro, depende em parte que
a crença, intenção e comportamento das pessoas sejam específicos. É por isso
que antigas moedas gregas ou búzios não são dinheiro mais, é a razão pela qual
as moedas nas quais as pessoas perdem a confiança deixam de ser viáveis, e
como o euro se tornou dinheiro após o acordo apropriado entre os membros da
Comunidade Europeia. Claro, o chefe do Sistema de Reserva Federal pode
aumentar ou diminuir a taxa de juros dos fundos federais pela declaração que
agora é n%; mas o fato de ele ter uma posição para fazê-lo envolve uma
estrutura vasta e complexa de fatos institucionais — e é por isso que você e eu
não podemos transformar as notas que imprimimos no porão em dinheiro só
anunciando ou acreditando que são.

Com frequência se presume que “real” é incompatível com “socialmente


construído”. Mas as instituições, papéis e normas sociais são ao mesmo tempo
reais (como são não depende de como você, ou eu, ou qualquer indivíduo
acredita que são), e, num sentido fraco, socialmente construídos (são
constituídos em parte pelas crenças e intenções das pessoas). É pelo motivo de
instituições etc. sociais serem nesse sentido socialmente construídas que o dito
por cientistas sociais sobre o funcionamento do casamento ou do sistema
bancário ou da indústria da moda ou da globalização pode ter um efeito oblíquo
em como o casamento, o sistema bancário etc. de fato funcionam — porque, se
as pessoas sabem o que dizem sobre elas, isso pode mudar suas crenças,
intenções e comportamento. O exemplo mais óbvio é a profecia autocumprida na
economia: prevê-se que o desemprego vai cair, ou subir, estimulando a confiança
ou a ansiedade na economia, e com isso a disposição ou indisposição dos
empregadores de contratar mais trabalhadores — e o desemprego cai, ou sobe,
como previsto.
Isso tentou alguns cientistas sociais a se permitirem um pouco de soberba:
Anthony Giddens, por exemplo, escrevendo a respeito de uma “dupla
hermenêutica” e da “reflexividade da vida social moderna”, declara que “as
práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de
informações emergentes sobre essas mesmas práticas... [A] característica da
modernidade é... a presunção da reflexividade em massa”.[440] E às vezes, quando
o argumento sobre a possibilidade de as teorias social-científicas afetarem seus
objetos de estudo se junta a um idealismo linguístico em voga, a soberba faz
uma guinada metafísica e sugerem que as instituições sociais são trazidas à
existência pela teorização dos cientistas sociais. Isto, a forma macabra de
construtivismo social, realmente é incompatível com a realidade das instituições
sociais. Felizmente, no entanto, não é verdade; e os sociólogos não são
realmente tão poderosos quanto alguns deles gostam de pensar que são. Sim, as
instituições sociais são parcialmente constituídas pelas crenças e intenções das
pessoas; e sim, a teorização social-científica pode afetar os seus objetos. Mas os
cientistas sociais não trouxeram o abuso infantil ou a esquizofrenia ou a
homossexualidade à existência por meio de suas atividades intelectuais, não
mais que os biólogos trouxeram o antraz à existência com as deles (embora
agora, claro, a ideia de que as atividades de cientistas médicos poderiam criar
uma nova doença é mais que ficção científica).

Nas ciências sociais, assim como nas naturais, a explicação e a previsão exigem
generalidade. Unificadores otimistas procuram pelas Leis da Sociedade no
mesmo nível das leis da física; bifurcadores pessimistas zombam da ideia. Sendo
fiel à minha perspectiva nem tão ao céu nem à Terra acima, vejo a verdade
repousando em algum lugar no meio. David Hume uma vez observou que a
história não seria possível se a natureza humana não fosse essencialmente a
mesma no passado como é agora; a ciência social intencional também não seria.
Felizmente, como observou mais recentemente Fritz Machlup, “no mundo
social, os fenômenos não são tão heterogêneos quanto muitos temeram que
fossem”.[441]
Há semelhanças humanas por trás das diferenças culturais, uma natureza
humana que ancora generalidades parecidas com leis que são verdadeiras para
todas as sociedades humanas. Helmut Schoeck sustenta que “ao longo da
história, em todos os estágios de desenvolvimento cultural, na maioria das
línguas, e como membros de sociedades amplamente diferentes, os homens
perceberam um problema fundamental de sua existência... o sentimento de
inveja e de ser invejado”. Ele dedica um livro inteiro a investigar essa
motivação, que ele acredita que “está no cerne da vida do homem como um ser
social”,[442] oferecendo uma gama impressionante de evidências da antropologia
à teoria política e à mitologia e literatura, até primatologia e ornitologia. O
fragmento que ficou mais vívido na minha mente é este, de um livro do século
XIX sobre os cazaques-quirguizes, nômades que pilhavam caravanas que
viajavam pelas estepes: em vez de deixar um membro do grupo ter mais que
outro, “eles cortam os objetos que roubaram nos pedacinhos mais absurdos e
inúteis”.[443] A conjectura do Schoeck exemplifica um tipo de explicação social-
científica potencialmente esclarecedora, o tipo mais generalizante: atar
fenômenos historica e geograficamente distantes pela referência a algum aspecto
subjacente da natureza humana.
Tentativas recentes de explicar a disseminação da AIDS na África
Subsaariana, embora menos panorâmicas, ilustram meu tema de um modo
diferente. No ano anterior à epidemia chegar nas notícias pela primeira vez, no
Boston Globe em 1999, dois milhões de pessoas nessa região morreram de
AIDS, cerca de 85% do número total para o mundo inteiro, e mais de 22,5
milhões de pessoas na região eram portadoras do vírus HIV. Nessa parte do
mundo, 55% daqueles com AIDS ou HIV são mulheres, e só 45% homens,
enquanto na América do Norte 80% são homens e só 20% mulheres. Essa
região, lemos na imprensa, “enfrenta uma crise de moralidade em frangalhos,
onde a sexualidade não é mais governada por normas tradicionais”; a doença é
transmitida primariamente de forma heterossexual, com o estupro e a
prostituição tendo papéis importantes. Em 2002, de acordo com estatísticas
compiladas pela agência de AIDS das Nações Unidas e pela Organização
Mundial da Saúde, havia aproximadamente 3,5 milhões de novas infecções na
área.[444]
Os pesquisadores descobriram que a taxa de infecção com HIV entre os
trabalhadores migrantes da África do Sul é quase duas vezes e meia maior que
entre outros trabalhadores; de acordo com uma reportagem no Wall Street
Journal, a taxa de HIV entre os trabalhadores de minas da AngloGold é de 30%.
O dr. Mark Lurie comenta: “Se você quisesse espalhar uma doença sexualmente
transmissível, afastaria milhares de homens jovens de suas famílias, os isolaria
em albergues exclusivos para o sexo masculino e lhes daria acesso fácil a álcool
e sexo comercial. Depois, para espalhar a doença pelo país, você os mandaria
para casa de vez em quando para suas esposas e namoradas... Este é basicamente
o sistema que temos”.[445] Alguns dias depois, um correspondente observou na
seção de cartas que parte do problema é que não há televisão nos albergues dos
mineiros. Tudo isso faz perfeito sentido; mas só por causa de pressupostos a
respeito da natureza humana não mencionados porque são óbvios demais:
especialmente na ausência de outras formas de entretenimento, homens jovens
que fazem trabalho fisicamente exaustivo e perigoso que estão isolados de suas
esposas e namoradas por meses ou anos por vez, mesmo se estiverem cientes dos
riscos, tenderão a procurar quaisquer mulheres que estiverem disponíveis.
Os componentes social-científicos da explicação da crise, não menos que
os componentes natural-científicos, exigem um tipo de generalidade. Os padrões
de comportamento, como os padrões de infecção, são locais, valendo para este
local e não aquele; mas não podemos explicar os padrões de comportamento,
não mais que os padrões de infecção, sem encaixá-los em algumas categorias
generalizáveis; precisamos identificar tipos de comportamento e mecanismos de
motivação além do tipo de vírus e mecanismos de infecção.
Enquanto algumas instituições sociais são universais, muitas são
específicas à cultura. Em todo lugar há diferenças de status, mas só em algumas
culturas há diferenças de casta, ou Sirs e Lordes; em todo lugar as pessoas
adquirem e distribuem alimentos, mas só em algumas há preços ou mercados.
Generalidades reais, mas restritas, enraizadas na natureza humana, mas
aplicáveis ao contexto de instituições sociais específicas, permitem a
possibilidade da explicação e até mesmo — levando em conta os limites
apropriados de escopo e cláusulas generosas ceteris paribus,[y] e normalmente só
envolvendo probabilidades — a previsão.
Diferentemente dos tipos naturais, os tipos sociais não são aglomerados de
propriedades mantidas juntas por leis da natureza, mas aglomerados de
comportamentos mantidos juntos pelas crenças e intenções das pessoas; com
frequência aglomerados muito soltos, como a ampla gama de compromissos que
os antropólogos chamam de “casamento” — um conceito cujas fronteiras estão
sendo expandidas, na nossa sociedade, por defensores de uniões de mesmo sexo.
O aspecto solto dos tipos sociais, e do caráter local e contingente das instituições
sociais, é a fonte de algumas ciladas da investigação social-científica: tomar o
que é local e específico à cultura (por exemplo, a divisão de trabalho entre os
sexos da nossa sociedade) por algo universal e inevitável; presumindo que, se
algo for verdade para uma variante de um tipo social (por exemplo, a família
como é constituída na nossa sociedade aqui e agora), está fadado a valer para as
outras formas também.
Questões de método
No programa herdado do positivismo lógico, presumia-se frequentemente que
devemos escolher ou o monismo metodológico, de acordo com o qual as
ciências sociais buscam teorias explicativas causais e usam o método científico
da mesma maneira que a física e a química, ou o dualismo metodológico, de
acordo com o qual as ciências sociais buscam entendimento em vez de
explicação causal e usam um método de empatia em vez de observação objetiva.
Isso faz com que eu me sinta como aquele irlandês lendário que pediu
informação sobre como chegar a uma vila distante: “Claro, por Deus, eu não
começaria daqui”. Em primeiro lugar, como argumentei, no sentido pretendido
aqui não existe “método científico”. Em segundo, os positivistas contrastavam
seu próprio monismo metodológico com um dualismo metodológico de acordo
com o qual, enquanto as ciências naturais buscam explicações causais e
dependem de observações objetivas e publicamente checáveis, as ciências
sociais precisam se fiar em uma faculdade misteriosa do entendimento, “uma
política de respirar fundo seguida pela associação livre”,[446] no linguajar
maravilhosamente ácido do Braithwaite. Se isso é ou não adequado à ideia de
Verstehen[z] em suas formas mais exageradas, não parece muito justo para com
Max Weber ou Alfred Schutz, quem parecem preocupados primariamente com
insistir na necessidade inevitável de levar em conta as concepções de mundo e as
ações dos atores,[447] e que poderiam ter concordado com meu amigo irlandês e
comigo.
Como já deve estar claro, penso que contrastar o entendimento com a
explicação é enganoso;[448] a ciência social intencional tenta entender o
comportamento das pessoas elaborando hipóteses explicativas sobre suas
crenças, metas etc., e buscando e avaliando o valor das evidências relevantes
para essas hipóteses. Isso é bem verdadeiro para as ciências naturais e sociais; a
diferença está na natureza das explicações e das evidências.
As explicações social-científicas tipicamente apelam às motivações,
crenças, desejos. As motivações atribuídas só serão compreensíveis até o ponto
em que manifestam características humanas comuns (embora não
necessariamente universais). Quando um antropólogo explica que membros de
certa tribo viajam longas distâncias para encontrar argila vermelha com a qual os
rapazes se decoram para os seus ritos de iniciação, reconhecemos a motivação
mesmo que essa manifestação particular dela não seja familiar; vemos a
similaridade com, digamos, os preparativos elaborados e caros para um baile de
debutante. Entretanto, dizer que os membros da tribo viajaram quilômetros
porque queriam essa argila especial (ou que Jack foi para o supermercado porque
ele queria maionese fresca) é dizer, em parte, que o desejo dos membros da tribo
pela argila, em conjunção com a sua crença de que ela era encontrada somente
nas margens distantes de um rio, causou que eles andassem até lá (que o desejo
do Jack por maionese fresca e sua crença de que ela estava disponível no
supermercado causou que ele dirigisse até lá). Explicações intencionais do tipo
crença-desejo pegam carona com explicações causais ordinárias.
Mais uma vez, observar pessoas e descrever o que fazem, assim como
observar uma câmara de nuvens ou uma fotografia de raio X ou uma tomografia
computadorizada e reconhecer sentido no que se vê, é algo que exige
conhecimento de fundo. Mas o tipo de conhecimento de fundo necessário é
muito diferente — entender as crenças dos sujeitos, interpretar o que dizem,
colocar suas ações no contexto de práticas às vezes muito específicas à cultura:
pense na descrição que um economista faz de um investidor comprando mercado
futuro da carne de porco, ou na descrição de um antropólogo sobre um pajé
lançando um feitiço no gado de seu vizinho ou sobre uma cerimônia como a
dança da chuva, ou na descrição de um sociólogo sobre um artesão estar
consertando redes de morango.
Ocasionalmente se sugere que o que é peculiar a respeito do método da
ciência social intencional é que explicações crença-desejo pressupõem a
racionalidade. Mas “racional” tem polissemia. É verdade, claro, que explicações
crença-desejo se aplicam somente a criaturas capazes de formar crenças e
desejos; e é verdade que tais explicações só podem estar corretas quando o
comportamento explicado é consoante às crenças e desejos do agente. Não é
verdade, contudo, que tais explicações só podem ser corretas quando as metas e
crenças em questão são razoáveis. (Parte da explicação da alta taxa de infecção
com HIV entre mulheres muito novas em algumas partes da África Subsaariana,
por exemplo, é uma aparente crença generalizada que sexo com uma virgem
pode curar a AIDS.) É verdade que, para perceber sentido no comportamento de
uma pessoa, deve-se levar em conta o modo como ela descreveria o que faz. Não
se segue daí, e não é verdade, que se deve presumir que a descrição é correta, ou
que a pessoa concorda com a interpretação. A meta é atribuir a ela as crenças que
ela de fato tem, e, até onde possível, entender por que ela as tem: que por
exemplo, ela acende um fogo para aquecer a cabana porque pensa que está
nevando, quando sabemos que na verdade é neve artificial que contratamos um
helicóptero para jogar no local na esperança de aprender uma a palavra nativa
pra “neve”.[449] Essa não é uma questão simples de maximizar a verdade das
crenças de outrem, como exige a versão do Princípio da Generosidade do
Davidson, ou de maximizar a concordância, como exige a versão do Quine.[450]

Uma abordagem melhor seria começar pelo pensamento que toda a investigação
empírica demanda as mesmas virtudes epistêmicas: respeito pelas evidências,
cuidado e persistência ao buscá-las, bom juízo ao avaliar o seu valor; e que, em
certo sentido, toda a investigação empírica usa o mesmo método — o método da
experiência e do raciocínio: fazer uma conjectura informada, ver como resiste às
evidências disponíveis e quaisquer evidências adicionais que se possa angariar, e
então usar o juízo a respeito de abandoná-la, modificá-la, permanecer com ela ou
o quê. O que é distinto na investigação natural-científica não é que ela usa um
modo ou modos peculiares de inferência, mas a vasta gama de auxílios à
investigação que os cientistas desenvolveram, muitos dos quais — instrumentos
específicos, tipos específicos de precaução contra erro experimental, modelos e
metáforas específicos — são locais a esta ou àquela área ou subdisciplina.
Como sugerido, até o ponto em que a ciência social intencional é como a
física metodologicamente, ela também é metodologicamente como a história,
trabalho de detetive etc., e como a investigação empírica cotidiana; enquanto
que, até o ponto em que ela é metodologicamente diferente da física — por
exemplo, na dependência de questionários ou entrevistas no lugar de
microscópios eletrônicos ou câmaras de nuvens para fazer observações, na sua
preocupação com a significância estatística —, há também diferenças entre a
física e a biologia. Os padrões subjacentes de hipotetização, raciocínio e
testagem são os mesmos para toda a investigação empírica; mas as técnicas
especiais sobrepostas a eles diferirão de área a área. Isso não é para dizer que
quaisquer que sejam as técnicas usadas em uma área, elas seriam ipso facto boas:
a questão do valor relativo de evidências clínicas e de outros tipos na psicologia,
por exemplo, é com certeza importante.[451] Nem é para negar que, entre os
auxílios que os cientistas elaboraram, estão auxílios ao intelecto, incluindo
técnicas estatísticas de relevância especial para determinadas ciências sociais.
Naquelas partes das ciências sociais mais próximas das ciências naturais,
tais como a geografia e antropologia físicas, tomar emprestado e adaptar auxílios
natural-científicos é bem apropriado, e é algo que se mostrou frutífero. Mas na
ciência social intencional nem todos aqueles auxílios natural-científicos são
apropriados, e alguns podem ser contraproducentes. Muitos sociólogos, como
observa Robert Merton, “tomam as conquistas da física como o padrão para a
autoavaliação. Querem comparar bíceps com seus irmãos mais velhos”.[452] A
“inveja da física” já nos deu algumas vezes ciência social do culto à carga,[453] a
forma sem a substância da investigação real: pedaços de bambu nas orelhas,[aa]
mas sem rádio de verdade; uma pá de “metodologia”, mas sem esforço real de
descobrir a verdade; fórmulas simbólicas, mas sem precisão real. A assim
chamada Segunda Lei do Comportamento Criminal de David Abrahamsen, “Um
ato criminoso é a soma das tendências criminais de uma pessoa com sua situação
total dividida pela quantia de sua resistência”, ou, como ele continua, “C = (T +
S)/R”,[454] é um clássico; manifestações mais recentes são geralmente mais
sofisticadas e menos escancaradas.
Não que a quantificação ou a mensuração seja sempre inapropriada na
ciência social intencional — pelo contrário, pode ser extremamente útil; mas é
pior que inútil quando disfarça a banalidade, quando o que está sendo medido ou
quantificado é mal definido ou ambíguo, ou quando a quantificação tira a
atenção do que é importante para dar ao que pode ser medido. Daí duas ideias-
chave que motivaram a descrição exasperada do Stanislav Andreski da ciência
social como “feitiçaria”: que nas ciências sociais a quantificação essencial às
ciências naturais muitas vezes serve só para camuflar a obscuridade ou a
vacuidade de conceitos e categorias subjacentes; e que uma preocupação
excessiva com tecnicalidades metodológicas muitas vezes substitui a
originalidade genuína ou a profundidade.[455] Sem dúvida é por isso que, relendo
a meditação do William James a respeito do que faz as pessoas funcionarem, sou
pega por um insight, uma penetração que a psicologia mais recente e mais
complexadamente “científica” às vezes parece ter sacrificado.[456]
Mesmo na economia, onde os números são inegavelmente apropriados,
combinar a precisam com a profundidade é um ato difícil de equilíbrio. Modelos
matemáticos sofisticados com frequência dependem de pressupostos artificiais e
irreais a respeito das motivações das pessoas; a teoria matematicamente
sofisticada e o trabalho empírico estatisticamente sofisticado muitas vezes
falham em se enlaçar como se esperaria. O problema não é a idealização em si
(os físicos, afinal de contas, postulam superfícies sem atrito e similares); é a
visão em túnel, a cegueira a outras motivações além das econômicas.
Por causa de seu caráter matemático, a economia é às vezes chamada de
“física da ciência social”. Mas, certamente, se há alguma disciplina que é para
ser chamada assim com propriedade, é a psicologia, a disciplina à qual cabe
investigar os contornos básicos da motivação humana. A concepção errônea
acontece porque queremos ornamentos matemáticos em vez de profundidade e
amplitude conceituais para identificar a área mais básica das ciências sociais.
Corrigindo o erro, podemos começar a suspeitar que as divisões entre as várias
subempreitadas das ciências sociais são meio artificiais; e que cruzar essas
fronteiras disciplinares — cientistas políticos tomando de empréstimo os
métodos dos economistas, economistas procurando a sociologia ou a psicologia
etc. — poderia ser mais frutífero potencialmente, e menos perigoso, que formas
grosseiras de inveja da física.
A inveja da física, no entanto, não é a única cilada da ciência social
intencional. Há um perigo igual e oposto: transmutar o que poderia e deveria ser
investigação sobre os fenômenos sociais em ativismo político.
Questões de valor
Mas a investigação social-científica pode ser livre de valores? A pergunta está
inchada de ambiguidades. Em muitos sentidos da expressão, as ciências sociais
claramente não são livres de valores, nem gostaríamos que elas fossem. Os
cientistas sociais com frequência investigam questões que tocam nossos valores
morais e políticos: relações raciais, provisões educacionais, políticas fiscais. Às
vezes eles investigam o que as pessoas valorizam: como plataformas partidárias
afetam os padrões de votação, a importância relativa da maximização de lucros
versus construção de impérios na motivação dos administradores de grandes
negócios. E às vezes eles investigam se valores bem quistos foram atingidos: se
as escolas-alvo tiveram sucesso em seus objetivos educacionais, se as reduções
de impostos aumentaram a produtividade.
Todavia, já que a investigação social-científica é um tipo de investigação,
ela está dentro do escopo dos valores epistêmicos — preocupação com a
verdade, respeito pelas evidências — relevantes a toda investigação. A
imparcialidade é um desses valores epistêmicos, exige que o investigador busque
a verdade “não importa qual cor essa verdade tenha”;[457] e não importa, em
particular, o que ele gostaria que fosse o caso, ou que crença melhor serviria a
seus interesses. Nesse sentido, ser livre de valores é um ideal tanto para a
investigação social-científica quanto para aquelas de todo tipo. As coisas se
complicam com o fato de que investigador “desinteressado” tem muitos
sentidos: (1) sem interesse;[458] (2) indiferente (especialmente sem interesse
financeiro) a respeito da resposta produzida; e (3) não motivado pelo desejo de
que uma investigação revele esta resposta em vez daquela. No terceiro e crucial
sentido, “desinteressado” é equivalente a “sem viés” ou “imparcial”. Nesse
sentido, “investigação desinteressada” é um pleonasmo e “investigação
interessada” é um oxímoro.[459]
Às vezes se pensa que a investigação desinteressada é impossível, pois não
se investigaria coisa alguma se não houvesse interesse na resposta. Na verdade,
não é claro que seja assim; com frequência suficiente as pessoas investigam
porque é o trabalho delas, ou, como nos lembra Machlup, porque elas têm de
escrever uma dissertação sobre alguma coisa.[460] Mas mesmo se a investigação
fosse sempre interessada no primeiro sentido, não se seguiria disso que é sempre
interessada no terceiro sentido, também. Essa conclusão também não se segue,
como aponto Ernest Nagel há muito tempo,[461] do fato que qualquer investigação
envolve atenção seletiva, com interesse apenas em alguns aspectos do fenômeno
sob estudo. Às vezes, mais uma vez, pensa-se que, se um investigador está
interessado no segundo sentido, isto é, tem a perspectiva de ganho financeiro ou
de outro tipo se a investigação der certa resposta em vez de outra, segue-se que
ele não pode ser desinteressado no terceiro sentido, que ele está fadado a ser
parcial. Isso, também, é um non sequitur. Mas é da natureza humana esperar que
uma resposta será obtida como seria de seu interesse que fosse obtida; é mais
difícil ser desinteressado no sentido 3 se você é interessado no sentido 2.
A imparcialidade não exige que se comece com uma tábula rasa, uma
mente vazia de crenças — na verdade, não se poderia investigar assim —, mas
de fato exige que não se tenha preconcepções fixas, que se esteja disposto a
checar todas as evidências, e que se mude o julgamento inicial se as evidências
se revelam contrárias a ele. Como diz Andreski, “o ideal da objetividade é muito
mais complexo e fugidio do que os vendedores de macetes metodológicos nos
deixariam acreditar”.[462] É menos uma questão de técnicas do que de caráter: de
respeito pelas evidências, de um falibilismo contrito, de boa fé na investigação.
Lembremos Crick: “Se [Watson e eu] merecemos algum crédito, é pela
persistência e disposição a descartar ideias quando elas se tornavam
insustentáveis”.[463] Alguns anos antes da I Guerra Mundial, um periódico
político perguntou a vários cientistas sociais proeminentes da França o que eles
consideravam o método mais importante de sua área. Outros responderam
detalhando recomendações metodológicas; Georges Sorel replicou com uma
palavra: “honestidade”. Como observa Andreski, “essa resposta lapidária não
perdeu em nada a sua relevância”.[464]
***

Tive cuidado ao descrever a imparcialidade como um ideal, pois seres humanos


reais raramente, se a algum ponto, são investigadores puramente desinteressados,
completamente imparciais; é mais um caso de buscar a verdade de uma questão
de forma mais ou menos genuína, de maior ou menor disposição a buscar e
prestar atenção a evidências que desfavorecem a conclusão que estaria em seu
próprio interesse alcançar. Mas, com todo o resto ficando constante, quanto mais
se aproxima do ideal da imparcialidade, maior é o alcance evidencial, mais justo
é o julgamento do valor das evidências, e mais bem conduzida é a investigação.
Às vezes as pessoas ficam tentadas a pensar que o viés não importa, contanto
que vieses em competição possam se digladiar. O “digladiar”
epistemologicamente bem-sucedido, no entanto, exige uma comunidade de
pessoas que, por mais que sejam falíveis e susceptíveis ao viés, são
desinteressadas o suficiente para serem deslocadas de suas preconcepções pelas
evidências, ou do que elas gostariam de acreditar.
O fato de que a investigação científica é uma empreitada comunitária
compensa, a certo grau, pelos indivíduos não alcançarem o ideal; e às vezes um
aderente obstinado de alguma abordagem ou linha pode avançar na investigação
não apesar, mas por causa de sua obstinação. Ainda não se segue daí que a
imparcialidade não seja o ideal, muito menos que é tão bom quanto, ou melhor,
se cada pessoa só se dedicar à sua linha partidária. Isso seria tão desastroso
quanto deixar advogados opostos duelarem sem um juiz para fazer arbitrar, e
sem júri tentando determinar a verdade da questão.
Não há como negar, todavia, que a imparcialidade pode ser especialmente
difícil de atingir na investigação social-científica intencional, especialmente
onde os valores morais ou políticos do investigador estão profundamente
engajados; nem que uma valoração camuflada pode ser facilmente embutida nas
teorias social-científicas. A teorização a respeito da função dos papéis dos sexos
dentro da família, por exemplo, ou a respeito das causas da inflação, pode
parecer legitimar de forma camuflada e desta forma talvez ajudar a perpetuar
arranjos sociais existentes; as definições de desemprego podem disfarçar quantas
pessoas realmente estão sem trabalho. De forma mais geral, termos que se
referem a este ou àquele fenômeno social, psicológico, político, econômico etc.
muitas vezes carregam conotações valorativas positivas ou negativas — e às
vezes a terminologia muda junto com as sensibilidades políticas em mutação,
como os países “não desenvolvidos” aos quais os economistas se referiam nos
anos 1950 e 1960, que se tornaram “subdesenvolvidos” nos anos 1970 e “em
desenvolvimento” nos anos 1980.[465]
Robert Heilbroner discute um exemplo simples, mas revelador da
valoração embutida: descrever empréstimos do governo como “exclusão” do
investimento privado dá prioridade camuflada para o empreendimento privado
acima do gasto do governo, driblando a necessidade de dizer por que um cassino
privado deve ser considerado mais digno que uma creche pública.[466] E esta não
é uma dificuldade superficial; ela emerge do caráter específico à cultura de
muitos arranjos sociais, tais como a poligamia ou — o exemplo que Heilbroner
tem em mente — o capitalismo. Apresentadas como resultados de investigação
científica, verdades a respeito de instituições sociais ou papéis específicos à
cultura são facilmente confundidas com verdades a respeito das sociedades
humanas em geral.
Nossa expectativa é que a psicologia ajude aos mentalmente perturbados, e
que a investigação social-científica, especialmente a econômica, nos mostrará
como resolver problemas sociais (uma esperança, como Merton observa com
ironia, tão realista quanto esperar que William Harvey, ao ter descoberto a
circulação sanguínea, inventasse uma cura para a doença cardíaca).[467] Em
princípio, questões de fins e meios são distintas; e em princípio, também, está
claro que, enquanto a tarefa de terminar quais meios levariam a fins desejáveis é
atribuída de modo razoável às ciências sociais, decidir quais fins sociais são
desejáveis é uma tarefa política.[468] Na prática, contudo, essas questões são com
frequência entrelaçadas de forma quase inextricável.
Em princípio, questões factuais a respeito do funcionamento do mercado,
ou da poligamia, são distinta de questões valorativas a respeito da desejabilidade
relativa do mercado versus economias feudais, socializadas ou mistas; ou da
poligamia versus poliandria ou monogamia. Na prática, no entanto, essas
questões também são muitas vezes entrelaçadas de forma quase inextricável.
Em princípio, mais uma vez, aspectos descritivos e valorativos dos
significados de termos-chave são claramente distinguíveis. “Exclusão de
investimento” implica que fundos que poderiam ter sido usados para o propósito
A não estão mais disponíveis se usados para o propósito B — o elemento
descritivo; e que o propósito A é mais digno — o elemento valorativo. Na
prática, no entanto, os aspectos descritivo e valorativo dos significados de
termos-chave muitas vezes são mesclados de forma quase inextricável. E quando
o que está em risco é algo que toca nos nossos sentimentos de um jeito forte,
mesmo que inventemos terminologia nova e neutra, ela não ficará neutra por
muito tempo. Como coloca Andreski, “não importa o quão assépticos e inodoros
sejam os termos psicológicos e sociológicos quando cunhados, eles adquirem
muito rápido conotações de aplauso ou culpa de acordo com o quão bem quista é
a realidade à qual se referem”.[469] Se “excluir” fosse substituído por “deslocar”,
provavelmente “deslocar” logo ganharia a velha conotação desfavorável.
Às vezes se sugere que a imparcialidade não é desejável na ciência social.
De acordo com alguns, a pesquisa sociológica não pode simplesmente descrever
o mundo social, mas inevitavelmente o mudará quando revelar a ideologia por
meio da qual a classe dominante mantém seus dominados; na verdade, dizem, é
este precisamente o propósito da pesquisa social — melhorar o mundo, não só
descrevê-lo. Não nego que a pesquisa social pode ser abaladora, e com razão; o
exemplo que vem à minha mente é The Case against College [O Argumento
Contra a Universidade] da Caroline Bird, um livro perturbador para alguém
dedicado à vida acadêmica. Resistirei à tentação de perguntar “quantos
sociólogos são necessários para trocar uma lâmpada?” (Nenhum; não é a
lâmpada que precisamos trocar, mas o sistema!) É mais importante apontar que a
tese de que a pesquisa sociológica é inevitavelmente abaladora pressupõe que
sociólogos descobrem verdades que a classe dominante preferiria que não
fossem conhecidas; e que a ideia de que a meta da pesquisa social é melhorar o
mundo pressupõe que podemos saber não apenas o que constituiria uma
melhoria genuína, mas também quais passos tenderiam a concretizar essa
melhoria. Assim, essas posições radicais pressupõem a possibilidade do mesmo
tipo de investigação de instituições e interações sociais que presumo ser boa,
mas que elas repudiam oficialmente.
Às vezes, para terminar, o papo vago sobre “discurso político” tem simples
permissão para borrar o limite entre a investigação e o ativismo. A teoria
política, com foco na soberania, autoridade, liberdade, justiça, bem-estar e
similares, toma as questões sobre conceitos valorativos como seu objeto de
estudo. Mas que os teóricos políticos estejam engajados em investigar conceitos
normativos não significa que não estão engajados em investigação, afinal.
Com grande frequência, a investigação social supostamente desinteressada
não foi mais que ativismo político disfarçado. Mas tirar a conclusão de que o
ideal da investigação social desinteressada é papo furado é sucumbir à Falácia do
“Se-Passa-Por”: aquele argumento ubíquo, mas catastroficamente inválido, que
extrai da premissa verdadeira que aquilo que se passa por verdade, evidência,
fato conhecido, investigação honesta etc. muitas vezes não é de fato a conclusão
falsa de que as ideias da verdade, evidência, conhecimento, investigação honesta
etc. são papo furado ideológico.[470] A investigação social-científica intencional
honesta e bem conduzida não é impossível; só muito difícil.
A questão do progresso
Então, por que as ciências sociais intencionais não parecem ter feito o mesmo
progresso impressionante das ciências naturais? Em parte, provavelmente, não
vemos com bons olhos as conquistas das ciências sociais porque os
historiadores, dramaturgos etc. já nos ensinaram tanto a respeito das
complexidades da natureza humana e da sociedade humana — fato que torna
mais difícil para um psicólogo ou sociólogo do que para um físico ou um
biólogo descobrir algo que pareça genuinamente novo, não algo que já é parte do
nosso conhecimento de senso comum, e explica por que os cientistas sociais às
vezes parecem estar apresentando o que é familiar, e até banal, com um jargão
despropositado de inacessível. Não obstante, e apesar da dificuldade de ter
noções claras de julgamentos comparativos de progresso, apesar daqueles que
nos asseguram que, num sentido kuhniano, as ciências sociais “progrediram” da
mesma forma que as naturais, permanece o sentimento de que as ciências
sociais, ao menos até aqui, estão um pouco atrasadas.
Por quê? Em parte, porque as ciências sociais às vezes entravaram a si
mesmas ao tentar ser como a física do jeito errado, dando foco demais a
ornamentos matemáticos e muito pouco às demandas subjacentes da
investigação bem conduzida. Mas também, em parte, como observaram Merton,
Wilson, Andreski e muitos outros, simplesmente porque a tarefa das ciências
sociais é de algumas formas mais difícil e mais exigente que a tarefa das ciências
naturais. As ciências sociais investigam questões a respeito das quais as pessoas
têm sentimentos pessoais e políticos fortes, e, além disso, estão sempre sob
pressão para produzir soluções para problemas sociais para os quais o público ou
o governo demandam remédios rápidos, dificultando mais para os cientistas
sociais que para os naturais ficar livres de vieses. Os objetos das ciências sociais
têm uma complexidade peculiar e, além disso, podem reagir a alegações e
previsões a respeito deles de uma forma que os objetos das ciências naturais não
podem fazer, tornando a tarefa das ciências sociais intelectualmente mais difícil.
Em muitas áreas da ciência social, experimentos controlados não são
factíveis; claro, não são factíveis na astronomia também. Os cientistas sociais
muitas vezes investigam questões que açulam sentimentos fortes e preconceitos
políticos; mas os cientistas médicos também fazem isso — pense no ultraje
provocado pela sugestão de que o aborto poderia aumentar o risco de câncer de
mama,[471] ou pela hipótese que a homossexualidade poderia ter uma base
genética.[bb] De fato, o mesmo é verdadeiro para qualquer tipo de investigação
que ameace crenças arraigadas sobre nós mesmos e nosso lugar no universo.
Mas a investigação social-científica intencional trabalha com mais frequência
sob mais dessas dificuldades que a investigação natural-científica.
As ciências sociais não têm o histórico impressionante de previsão bem-
sucedida que a astronomia tem. Claro, a meteorologia também não tem, em parte
pela mesma razão: prever uma revolta racial ou uma greve geral, como prever
onde um furacão vai adentrar a terra seca, exige conhecimento de uma malha
extremamente complexa de variáveis. Mas só em parte pela mesma razão:
enquanto em princípio não há barreira ao nosso conhecimento da malha
completa de variáveis meteorológicas, é duvidoso que, mesmo em princípio,
poderíamos saber tudo a respeito de todas as variáveis sociológicas. Embora
poderíamos prever que os cientistas médicos saberão a cura para o câncer dentro
dos próximos cem anos, não podemos prever que saberão que a cura para o
câncer será XYZ; pois, se pudéssemos, a teríamos agora.[472] De forma mais
importante, por causa da possibilidade sempre aberta de inovações conceituais
imprevisíveis, não podemos prever quais serão as crenças das pessoas em um
ano ou uma década ou um século a partir de agora. Seu objeto de estudo, em
outras palavras, impõe limites em princípio sobre a possibilidade da previsão
social-científica.
E para concluir
É mister repetir que ativismo não é investigação, e a fortiori não é ciência.
Quanto à investigação de fenômenos sociais poder ser chamada propriamente de
“ciência”, é mister repetir, também, que o uso honorífico em que “ciência” e
“científico” são termos gerais de elogio epistêmico não vale a pena, e é melhor
afastá-lo. E quanto ao debate entre os otimistas e os pessimistas, aquele bom e
velho enigma leibniziano acerta: Qual é a diferença entre um otimista e um
pessimista? Ambos pensam que este é o melhor de todos os mundos possíveis!
Um otimista esperaria, dada a importância epistemológica da cooperação e
da competição dentro das ciências e de seu ambiente dentro da sociedade ao
redor, que a sociologia da ciência poderia fazer uma contribuição significativa ao
nosso entendimento do empreendimento científico. Um pessimista, olhando para
a inevitável parte vazia do copo, temeria que no mundo real tal cooperação
amigável entre a epistemologia e a sociologia dificilmente é esperada. Como
veremos, de novo ambos têm razão.
Capítulo 7: Uma Proposta Modesta
O Programa Sensato em Sociologia da Ciência

O desenvolvimento persistente da ciência ocorre somente


em sociedades de certa ordem, sujeitas a um complexo
peculiar de pressupostos tácitos e restrições institucionais.
O que para nós é um fenômeno normal que não exige
explicações e assegura muitos valores culturais
autoevidentes foi em outros tempos e é em outros lugares
anormal e infrequente... É importante, então, examinar os
controles que motivam as carreiras científicas, que
selecionam e dão prestígio a certas disciplinas científicas...
Ficará evidente que mudanças na estrutura institucional
podem coibir, modificar ou possivelmente impedir o
prosseguimento da ciência.
— Robert Merton, “Science and the Social Order”[473]

[O] prosseguimento da ciência por objetivos independentes


autocoordenados assegura a organização mais eficiente
possível do progresso científico... [Q]ualquer autoridade
que assumisse o trabalho do cientista de forma centralizada
faria com que o progresso da ciência na prática viesse a
parar... A política e os negócios causam um caos nas
nomeações e na aplicação de subsídios para a pesquisa;
periódicos ficam ilegíveis por incluir lixo demais.
— Michael Polanyi, The Republic of Science.[474]

As evidências científicas geralmente são o recurso compartilhado de toda uma


subcomunidade; a investigação nas ciências, cooperativa e competitiva, envolve
muitas pessoas dentro e através das gerações; e a ciência não é conduzida em um
vácuo, mas numa configuração social maior que pode exercer uma influência
importante sobre quais questões são investigadas, qual pesquisa é financiada,
que resultados ganham um grande público — e às vezes sobre quais conclusões
são alcançadas. Como sugerem minhas citações do Merton e do Polanyi, estudos
sobre a organização interna da ciência e seu ambiente externo podem nos ajudar
a discernir o que encoraja e o que desencoraja a investigação boa, honesta e
aprofundada, a disponibilidade livre e acessível de resultados etc. — uma
cooperação potencialmente muito frutífera da sociologia da ciência com a
epistemologia. É isso, de modo breve e bruto, o que tenho em mente quando me
refiro ao “programa sensato” na sociologia da ciência.
A esta altura, no entanto, Merton e Polanyi podem soar antiquados, quase
pitorescos. Pois parte da sociologia da ciência recente teve uma aparência dúbia,
difamatória ou totalmente desdenhosa das pretensões epistemológicas da
empreitada científica; e alguns filósofos da ciência da tendência dominante, sem
falar dos próprios cientistas, retribuindo o favor, não parecem menos dúbios,
difamatórios ou totalmente desdenhosos da sociologia da ciência.
Talvez seja compreensível; pois, como adotaram o tom caracteristicamente
desiludido do Novo Cinismo, até os títulos dos livros e artigos são suficientes
para provocar alguma ansiedade: Interesses e o Crescimento do Conhecimento;
Ciência Enquanto Poder; Vida de Laboratório: A Construção Social dos Fatos
Científicos; A Fabricação do Conhecimento: Um Ensaio sobre a Natureza
Construtivista e Contextual do Conhecimento; Às Margens da Ciência: A
Construção Social do Conhecimento Rejeitado; Enquadramentos de Significado:
A Construção Social da Ciência Extraordinária; Abrindo a Caixa de Pandora;
Ciência: A Ideia em Si; Onde a Verdade Mente;[cc] Uma História Social da
Verdade; Desmantelando a Verdade: Realidade no Mundo Pós-Moderno (inclui
um ensaio intitulado “Depois da Verdade: Pós-Modernismo e a Retórica da
Ciência”); O Golem,[dd] com seu subtítulo dissimulado O Que Todos Devem
Saber sobre a Ciência; e assim por diante. E dificilmente é reconfortante notar,
entre as capas de tais livros, a forma rotineira com que referências à verdade,
racionalidade, realidade etc. são salvaguardadas com aspas cautelosas; a forma
rotineira com que abordagens filosóficas (também chamadas de “racionalistas”)
da ciência são denunciadas como falidas; a forma rotineira com que o
relativismo epistêmico e diversos outros temas cínicos são presumidos
verdadeiros; a forma rotineira com que Kuhn, Feyerabend e às vezes até — ai, ai
— Rorty são citados como autoridades em como a ciência funciona.
Claro, não há uma única ortodoxia simples à qual todos os sociólogos da
ciência com simpatias cínicas se subscrevem. Longe disso; subfacções de uma
variedade desconcertante — os marxistas, a Escola de Edimburgo, os
etnometodologistas, os pós-modernistas etc. — batem boca entre si. Uma
forasteira como eu, perplexa com uma praga de siglas de aparência importante
— SCC, Sociologia do Conhecimento Científico; ECT, Estudos da Ciência e da
Tecnologia; AD, Análise de Discurso; NFL, Novas Formas Literárias; e VRSP,
para Verdade, Racionalidade, Sucesso e Progressividade,[ee] referência às
características que as explicações sociológicas da aceitação de teorias científicas
devem ignorar com mais afinco —, sente-se quase grata quando Wallis fala do
“cético sociológico” cuja meta é “refutar” a ciência[475] e Woolgar descreve a si
mesmo e seus aliados simplesmente como “críticos da ciência”.[476]
Barnes critica Mannheim e Habermas — nenhum dos dois vai longe o
suficiente, ambos falham em estender suas concepções profundamente sociais e
contextualizadas da ciência social às ciências naturais.[477] Aronowitz reclama
que a “refutação perspectivista da noção do conhecimento objetivo” do Bloor
não é radical o suficiente.[478] Collins e Pinch repreendem Kuhn por ter recuado
de seu radicalismo anterior.[479] Woolgar se queixa que os marxistas, apesar de
seu radicalismo político, são epistemologicamente frágeis; que os relativistas não
foram longe o suficiente com seu relativismo; na verdade, que todos os
pretendentes a cínicos são “ainda atados a uma ontologia objetivista”, quando
deveriam estar seguindo Rorty e continuando o trabalho sério de “desmantelar a
representação em si”.[480] Tomlinson, que reclama que Rorty é só um realista no
armário com uma boa linha de conversa fiada pseudorradical,[481]
presumivelmente acha até Woolgar manso demais. Lembro a observação
exasperada do Fox que o refrão parece ser “eu sou mais radical que tu”;[482] e a
descrição de Collins e Yearley (dos outros, não deles próprios, evidentemente)
como absortos em um jogo de “frango epistemológico”.[483][ff]
Mas com os sociólogos radicais da ciência, similarmente aos Velhos
Deferencialistas, há não só a parte em que eles o dizem, mas também a parte em
que retiram o que disseram. Até as jogadas mais ousadas naquele jogo do frango
são com frequência acompanhadas por ressalvas de que a meta não é denegrir a
ciência, só olhá-la de modo realista em vez de através dos óculos cor-de-rosa dos
filósofos. Assim, não será suficiente simplesmente documentar as diversas
extravagâncias da sociologia cínica da ciência (“SCC”); não apenas porque a
literatura relevante é tão vasta e embaraçada, e as discordâncias internas tão
numerosas e tortuosas — embora ela seja, e elas sejam; e eu saiba muito bem,
das trocentas versões deste texto que já atirei no lixo, como é fácil ficar atolado
sem remédio nessa literatura — mas também porque precisamos entender como
duas concepções incompatíveis de sociologia da ciência se tornaram tão
inextricavelmente entrelaçadas, e como foi que a sociologia sensata da ciência se
perdeu no processo.
Neutralismo, cinismo e o “problema da reflexividade”
Dada a natureza do processo, a investigação puramente sociológica da ciência
não poderia nos dizer se há tal coisa como investigação conduzida objetivamente
melhor ou pior, se a ciência natural é ou não uma empreitada racional, ou se esta
ou aquela investigação natural-científica em particular é bem ou malconduzida.
E, enquanto um historiador da ciência desfruta do benefício da retrospectiva
científica, um sociólogo da ciência examinando uma investigação científica em
curso não pode saber como as coisas vão se desenvolver e, assim, pode ser
obrigado a permanecer agnóstico a respeito do valor do trabalho científico que
ele investiga. De acordo com o neutralismo estrito, como o chamarei, a
abordagem correta para a sociologia da ciência deve ser a epistemologicamente
descompromissada.
As observações do Barry Barnes que “estudos de como as pessoas de fato
raciocinam em vez de como idealmente devem raciocinar” estão preocupados
com a “racionalidade natural” e deveriam ser não “prescritivos”, mas
“tolerantes”,[484] poderiam ser lidas no espírito do neutralismo estrito. Porém,
quando ele e Steven Shapin declaram que “se alguém aspira a fazer história de
um modo propriamente ‘desinteressado’, é difícil agir simultaneamente como
um apologista para a ciência”,[485] o neutralismo começa a se dissolver em
cinismo. E quanto mais os sociólogos da ciência radicais ansiosos parecem
descrever seu trabalho como “naturalístico”, “desinteressado” ou “imparcial” —
especialmente quando insinuam que esta é a única alternativa ao cientificismo
acrítico e ao etnocentrismo moralmente repugnante —, mais inconfundível fica a
dissolução; pois o ingênuo que considere a investigação sociológica da ciência
como blasfema, ou que presuma que a ciência seja uma empreitada racional
porque é um produto da nossa cultura, claramente é um espantalho.
O neutralismo estrito é transmutado em cinismo de forma velada, a
pretensa neutralidade a respeito da boa fé da ciência em relativismo epistêmico,
irrealismo ou completo ceticismo, sociologia da ciência “naturalística,
desinteressada, imparcial” em SCC, e “não presuma que a investigação natural-
científica é legítima” em “presuma que a investigação natural-científica não é
legítima”. O mecanismo é um tipo de alquimia conceitual na qual conceitos
epistemológicos como conhecimento, evidência, garantia, justificação e
similares primeiro são despidos de conteúdo valorativo e reduzidos a conceitos
sociológicos descritivos, e depois uma forma descritiva e antropológica de
relativismo é mesclada a uma forma conceitual e filosófica.
Porque de uma perspectiva puramente sociológica não há jeito de
distinguir o conhecimento, o artigo genuíno, do que é apenas considerado
conhecimento, os sociólogos com frequência escrevem não sobre conhecimento,
evidência ou racionalidade, mas sobre “conhecimento”, “evidência”,
“racionalidade”; ou seja, o que é considerado fato conhecido, evidência
relevante, procedimento racional. Shapin, prestativo, é explícito: em uma nota de
rodapé em um artigo apresentado como o lançamento de uma epistemologia da
ciência radicalmente nova, ele diz que usa “epistemologia” em um sentido
completamente não-valorativo, puramente sociológico — não teoria do
conhecimento, mas teoria do “conhecimento”.[486] Mas o que é considerado fato
conhecido etc. com frequência não é; então as aspas rapidamente assumem um
tom cínico, não mais só fazendo um alerta, mas zombando, não mais só aspas
cautelosas, mas aspas caçoadoras: “o assim chamado ‘conhecimento’, o assim
chamado ‘fato’ — aham, sei”. E logo fica pressuposto como boa ideia que esses
sentidos vazios de conteúdo e veladamente cínicos de “conhecimento” etc. são
os únicos sentidos legítimos. Claro, de forma nenhuma esses são sentidos
legítimos desses termos realmente; pois os conceitos do que é considerado
conhecimento, evidência relevante etc. pressupõem os conceitos de
conhecimento, evidência relevante etc. Ainda assim, as aspas facilitam bastante
que se caia na Falácia do Se-Passa-Por,[487] criando a ilusão de que a ciência
oferece somente o assim chamado “conhecimento”, a assim chamada
“evidência”, nunca a coisa real.
A forma antropológica de relativismo epistemológico é uma alegação
factual: que comunidades ou culturas diferentes têm diferentes padrões
epistêmicos. A forma filosófica é uma alegação conceitual: que só faz sentido
falar de evidências mais fortes ou mais fracas, de alegações mais ou menos
garantidas etc. relativamente a alguma comunidade ou cultura.[488] O relativismo
filosófico não se segue do relativismo antropológico; e embora o relativismo
antropológico esteja dentro do escopo da sociologia, interpretada amplamente, o
relativismo filosófico não está. Porém, se as duas formas de relativismo são
confundidas e se conhecimento é mesclado a “conhecimento”, evidência com
“evidência” e assim por diante, é fácil criar a falsa impressão de que a
investigação sociológica poderia mostrar que conhecimento, evidência,
racionalidade etc. só fazem sentido relativamente ao contexto social.
A sociologia da ciência inconfundivelmente neutra seria
epistemologicamente inerte; não teria nada de favorável ou desfavorável a dizer
a respeito da epistemologia da ciência. A sociologia da ciência
inconfundivelmente cínica, por outro lado, corrói as suas próprias aspirações a
fazer alegações objetivamente garantidas a respeito das ciências naturais; pois o
relativismo filosófico dos padrões epistêmicos que é atraente para a SCC nega
que faça sentido falar de evidência objetivamente melhor ou pior, alegações
objetivamente mais ou menos garantidas. Com um regime generoso o suficiente
de aspas cautelosas é possível sustentar uma ambiguidade estratégica; mas a
saliência sob o tapete não pode ser achatada.
Na indústria da sociologia da ciência, o termo “reflexividade” não se
refere, como em Giddens,[489] ao efeito das previsões social-científicas sobre os
fenômenos sociais dos quais elas tratam, mas à tese de que os princípios da
sociologia da ciência devem se aplicar à própria sociologia da ciência; e, em vez
de um reconhecimento franco de que a SCC é autocorrosiva, encontramos toda
uma vasta literatura dedicada ao “Problema da Reflexividade”[490] — uma vasta
literatura na qual cada novo esforço para evitar a autocorrosão é mais radical que
o último. A sociologia da ciência deve ser reflexiva, insiste Barnes e Bloor; a
sociologia da ciência não pode ser reflexiva, respondem Collins e Pinch; a
sociologia da ciência deve sair desse negócio de fazer alegações e se tornar uma
forma de literatura, ou um jogo de disrupção textual, sugere Woolgar e Mulkay.
Mas a coisa a ser lembrada, quando olhamos mais de perto, é que o neutralismo
é epistemologicamente inerte, enquanto o cinismo é autocorrosivo.
O Programa Forte
O “Programa Forte” em sociologia da ciência, contra o qual o meu título faz uma
provocação um pouco cruel, é associado à Escola de Edimburgo de Barry Barnes
e David Bloor. Entretanto, como percebe o comentador que escreve, ao que
parece sem ironia, sobre “a versão modesta de Barnes do programa forte”,[491]
Barnes e Bloor não pensam com a mesma cabeça completamente. Na verdade,
nem Barnes nem Bloor exatamente pensam com “a mesma cabeça”; Bloor,
particularmente, cria uma maçaroca quase inextricável de ambiguidades — que
eu farei o meu melhor para desembaraçar.

No começo de Conhecimento e Imaginário Social,[492] Bloor anuncia que


ele usará o termo “conhecimento” de forma equivalente a “crença aceita”.
Igualando sua abordagem da ciência à abordagem de Émile Durkheim da
religião, ele sugere que os sociólogos estiveram propensos demais a tratar a
ciência como sagrada, em vez de estudá-la sem medo, como Durkheim estudou a
religião, enquanto fenômeno social. O Programa Forte, ele nos diz, “repousa
sobre uma forma de relativismo”, uma forma de relativismo supostamente aceita
por (de todas as pessoas!) Popper.[493] Em consonância com a SCC, Bloor mescla
“conhecimento” a conhecimento, relativismo antropológico a relativismo
filosófico, e relativismo filosófico a falibilismo. Para piorar as confusões, ele
defende que a verdade (ou quiçá a “verdade”) e daí presumivelmente também a
falsidade (ou quiçá a “falsidade”) é relativa a contexto. “Todo o conhecimento é
conjectural e teórico”, escreve ele, “nada é absoluto e final”. “Portanto” — é a
palavra dele — “todo conhecimento é relativo à situação local dos pensadores
que o produzem”.[494] A análise sociológica, alega ele, revela a falência de
entendimentos filosóficos ou “racionalistas” da ciência ao mostrar que são os
interesses dos cientistas que determinam quais teorias científicas são aceitas e
quais rejeitadas. Bloor aceita a reflexividade: o que o Programa Forte diz sobre a
ciência se aplica à própria sociologia da ciência. Contudo, ele está seguro de que
o Programa Forte não é autocorrosivo; a causa de uma crença, argumenta ele, é
irrelevante para a sua racionalidade ou irracionalidade.
É tentador defender de cara que a posição do Bloor deve ser ou
epistemologicamente irrelevante ou autocorrosiva. Se for verdade que a causa da
crença de uma pessoa não tem relação com a racionalidade ou irracionalidade de
tê-la, a tese de que são os interesses que causam as crenças das pessoas nas
coisas não é autocorrosiva, mas também não tem significância epistemológica; e
o Programa Forte, longe de “revelar o tecido puído” dos entendimentos
filosóficos da ciência, como alega Bloor,[495] é epistemologicamente inerte. Se,
por outro lado, é falso que a causa da crença de uma pessoa não tem relação com
a racionalidade ou irracionalidade de tê-la, então a tese de que são os interesses
que causam as crenças das pessoas nas coisas tem significância epistemológica,
mas também é autocorrosiva; se são seus interesses de classe que causam a
crença de sociólogos da ciência que são interesses de classe que causam as
crenças das pessoas nas coisas, eles não são racionais ao crer nisso.
No entanto, essa resposta é rápida demais; pois a alegação do Bloor é falsa
se “racional” for interpretado como “justificado”, mas verdadeira se “racional”
for interpretado como “garantido”. Se uma pessoa ou grupo possui boas
evidências a respeito de uma alegação, a alegação está garantida para eles; mas
se o que causa que eles a aceitem é algo alternativo às suas evidências, tal como
seus interesses de classe, eles não têm justificação para aceitá-la. Então, um
otimista com olhos blooriados[gg] poderia ter a esperança de que o Programa
Forte possa ter duas coisas incompatíveis ao mesmo tempo: ele corrói a filosofia
da ciência “racionalista” ao mostrar que os cientistas não estão justificados ao
acreditar em suas teorias; mas não corrói a si mesmo — pois, embora seus
proponentes não estejam justificados ao acreditar no programa, ele pode mesmo
assim estar garantido para eles. Contudo, ao menos que se esteja fazendo
contorcionismo para salvar o Programa Forte, o copo não parecerá meio cheio,
mas meio vazio: o Programa Forte deixa intocado tudo o que a filosofia da
ciência “racionalista” poderia ter a dizer a respeito da garantia, e ao mesmo
tempo corrói sua própria candidatura a estar justificado.
Além disso, não está claro se a alegação do Programa Forte é que os
interesses dos cientistas às vezes determinam a escolha de teoria, o que eles
fazem com frequência; se a alegação é que os interesses são causalmente
determinantes, ou só influenciam a escolha de teoria até certo ponto; e se a
alegação é que só os interesses de classe, ou interesses interpretados de forma
mais geral, têm um papel causal. Há uma dúzia de interpretações possíveis: são
sempre/com frequência/às vezes interesses de classe/interesses de outra natureza
que determinam/influenciam a escolha de teoria.
A mais fraca dessas, que os interesses de alguma natureza às vezes
influenciam a escolha de teoria, é claramente verdadeira. Às vezes uma ideia
científica está entranhada tão a fundo que questioná-la é arriscar a reputação; e
isso pode induzir os cientistas a perceber evidências contra ela como menos
poderosas do que de fato são, e, dessa forma, a dar menos crédito a ideias
concorrentes do que o devido (pense em Avery e a hipótese do tetranucleotídeo).
Em outras palavras, interesses profissionais às vezes influenciam quais alegações
os cientistas aceitam; pois, como todos os investigadores, os cientistas são
susceptíveis ao pensamento ilusório. De fato, foi a possibilidade de a garantia e a
aceitação poderem se separar assim que motivou a minha distinção entre
garantia e justificação.[496] Agora, meu amigo com olhos blooriados pode tentar
argumentar que, se nos atermos a essa que é a mais fraca das interpretações, a
teste do Bloor é verdadeira e, além disso, não representa ameaça nenhuma à
própria garantia do Bloor para acreditar nela. Porém, na mais fraca das
interpretações, longe de ser nova ou estimulante, a tese do Bloor é
completamente incontroversa; e, se fosse só isso o que há no “Programa Forte”,
o ato de professar relativismo e alegar o fracasso da objetividade, a falência de
visões racionalistas da ciência etc. seriam no máximo decoração retórica para
disfarçar um argumento familiar e enfadonho como se fosse novo e radical.
A investigação detalhada, digamos, dos efeitos da pesquisa médica em
ambiente acadêmico ser patrocinada pela indústria farmacêutica, ou das pressões
sobre os cientistas sociais para chegarem a conclusões politicamente desejáveis,
é sem dúvida de grande interesse epistemológico, além de sociológico. No
entanto, evidências empíricas detalhadas do papel dos interesses — em qualquer
uma das interpretações que destrinchei — estão flagrantemente ausentes do
Conhecimento e Imaginário Social. Em um artigo de 1981 de título “Os Pontos
Fortes do Programa Forte”, Bloor faz referência aos artigos na antologia Ordem
Natural, de Barnes e Shapin, por terem ligado vários debates científicos — sobre
medidas estatísticas da associação nominal;[497] biometria e mendelismo;[498] o
“fenômeno J”;[499] charme versus cor na física de partículas;[500] classificação
botânica;[501] raça e inteligência[502] — aos interesses dos protagonistas; mas o
que se encontra nesses artigos são referências ambíguas a interesses “sociais ou
cognitivos” e alusões a “conexões”, “ligações” ou “homologias” cuja exata
natureza permanece não especificada. Começa-se a suspeitar que Paul Roth pode
ter razão quando ele reclama que estudos de caso em SCC “não oferecem nada
mais que narrativas do tipo post hoc, ergo propter hoc”.[503][hh]
De qualquer maneira — ainda que eles reproduzissem corretamente os
episódios científicos em questão, um assunto que só poderia ser resolvido caso a
caso — nem em princípio tais estudos de caso poderiam nos contar se as ciências
conseguem aceitação e garantia bem correlacionadas o suficiente no longo
prazo. A racionalidade, como nos lembrou Lakatos, não precisa ser um
procedimento passo a passo. Nenhum estudo de SCC poderia descartar, por
exemplo, a possibilidade de a organização interna das ciências aproveitar os
interesses dos cientistas para a garantia da forma que, segundo Adam Smith, um
livre mercado aproveita os interesses de compradores e vendedores para o
sucesso econômico.
Talvez seja por isso que, no mesmo artigo em que ele encaminha os
leitores para a antologia de Barnes e Shapin, Bloor logo bate em retirada para o
chão mais elevado do a priori, alegando que o modelo da classificação em rede
da Hesse, “entendido propriamente, ...delineia em detalhe exatamente como e
por que há um componente social para cada um dos predicados classificativos da
nossa linguagem”: o caráter convencional da linguagem “faz do envolvimento
profundo da sociedade uma ubíqua... característica do conhecimento”, porque
“os interesses sociais são condições de coerência impostas sobre a rede de
classificação”.[504] Mas é um mistério como o fato de que a linguagem é
convencional, ou que as analogias sociais às vezes têm um papel no
desenvolvimento de conceitos científicos, poderia mostrar que interesses de
classe determinam a escolha de teoria; e é simplesmente falso que os interesses
sociais poderiam ter o papel evidencial que sugere a descrição obscura que Bloor
faz deles como “condições de coerência”.
Talvez seja por isso que, quando chegou a nova edição de 1991 de
Conhecimento e Imaginário Social, Bloor muda seu apelo para o trabalho do
Shapin a respeito da recepção da frenologia em Edimburgo nos anos 1820.
Collins o descreve como “a tentativa mais completa de ligar... estruturas políticas
aos detalhes técnicos de um debate científico”;[505] Pickering elogia o trabalho
por ser um “estudo clássico... trabalho exemplar em SCC” que provê “ainda
mais documentação da tese da SCC da relatividade social”;[506] e Woolgar os cita
entre os melhores do gênero.[507] Poder-se-ia ter esperança de encontrar aqui,
finalmente, evidência de ao menos um caso no qual os interesses de classe dos
protagonistas influenciaram a escolha de teoria. É encorajador que Shapin chega
a perceber que “a mera asserção de que o conhecimento científico ‘tem a ver’
com a ordem social ou... ‘não é autônomo’ não é mais interessante. Agora
precisamos especificar como, precisamente, tratar a cultura científica como um
produto social”.[508] Mas é, em contrapartida, decepcionante quando ele
reconhece que qualquer ligação entre o conteúdo da teoria frenológica e os
interesses dos protagonistas é “especulação”, e que a suposta conexão “é
extremamente difícil de discernir e fazer plausível historicamente”.[509] Também
é, como percebe Shapin, bem intrigante. Pois a frenologia, de acordo com a qual
o caráter é determinado pela estrutura do cérebro/crânio, é uma teoria inatista; e
mesmo assim seus proponentes em Edimburgo eram principalmente da classe
média mercantil e favoreciam reforma social igualitária — o oposto do que seria
de se esperar. (Na Ilha Ellis, a testagem frenológica foi usada para expulsar
imigrantes supostamente indesejáveis aos Estados Unidos.)[510]
De fato, o próprio Bloor concede que qualquer correlação entre classe e
atitudes com relação à frenologia era “aleatória”, observando que ambos os lados
estavam “colocando a natureza para uso social, fazendo com que ela fosse o
substrato da sua visão da sociedade”.[511] E assim ele perde a oportunidade de
distinguir a alegação de que interesses de classe causam que uma teoria
científica seja aceita da alegação que uma teoria científica é usada na justificação
de uma agenda política; a oportunidade de ser mais específico a respeito do que
“interesses de classe” são (os meus, por exemplo, diferem dos de Bloor ou
Shapin?); de distinguir entre classe e interesses profissionais,[512] e entre ambos e
as preocupações cognitivas ou evidenciais; e de perguntar quando é que o desejo
de promover uma agenda política é um incentivo para buscar evidências, e
quando é que, por outro lado, é um incentivo para ignorá-las ou suprimi-las.
Em 1996, no livro Conhecimento Científico: Uma Análise Sociológica, do
Bloor (escrito em conjunto com Barnes e Henry), embora o item do índice
remissivo “interesses, importância na mudança científica” liste dez páginas onde
o tópico é mencionado, toda referência ao Programa Forte foi abandonada. Há
até uma linha a respeito de “metas e interesses de um tipo ilegítimo e que reduz a
credibilidade”.[513] Mas a distinção crucial só ganha uma alusão vaga, nunca
desenvolvida; então quaisquer esperanças que essa velha empresa pudesse estar
agora sob nova direção são logo aniquiladas.
O Programa Radical
A empresa rival da Collins & Cia., sediada na cidade britânica de Bath, não é
menos comprometida com um relativismo quanto à verdade, evidência etc., com
a teoria das crenças de fundo ou com o contexto social. Mas Collins está menos
interessado em interesses que em fracassos científicos, inícios falhos e
trapalhadas, do dobramento de colheres com o poder da mente à transferência de
memórias em planárias e à fusão a frio; no lugar de insistir na reflexividade, ele
a repudia; e no lugar de pressupor a realidade dos objetos da teorização natural-
científica, ele flerta com a ideia de que a “realidade” que os cientistas
“investigam” é a própria construção deles. Collins descreve o seu “Programa
Radical” como um desenvolvimento dos elementos defensáveis do Programa
Forte, mas que afasta a reflexividade; Bloor, no entanto, vê o construtivismo do
Collins como algo que faz o Programa Radical mais radical que o Programa
Forte.
Concluindo seu livro com o que pensavam que seria a revolução kuhniana
deflagrada pelas demonstrações do dobramento supostamente psicocinético de
colheres por Uri Geller, Harry Collins e Trevor Pinche escrevem — eles também
têm um caso grave de aspacautelosite — que “um grande problema, talvez o
grande problema, para a sociologia do conhecimento é a questão da natureza da
‘racionalidade’... Se evidências de descontinuidades culturais radicais puderem
ser encontradas na ciência contemporânea, ...então o escopo da sociologia do
conhecimento é de fato muito amplo”. Não sabem, dizem eles, “se o dobramento
paranormal de metais é ‘real’ ou não — nem, como sociólogos, se importam com
isso”;[514] como escrevem em outro texto, eles endossam “uma tese relativista
dentro da qual a consideração da ‘existência factual’ de um fenômeno é
reduntante”.[515] Isso soa como o neutralismo estrito. No entanto, com a
insistência do Collins que “o mundo natural tem um pequeno ou inexistente
papel na construção do conhecimento científico”,[516] e suas observações junto
com Steven Yearley que “as explicações devem ser desenvolvidas [sobre] o
pressuposto de que o mundo real não afeta o que os cientistas acreditam a
respeito dele”, e que “todas as empreitadas culturais... [têm] mais ou menos a
mesma garantia epistêmica”,[517] o cinismo por trás da fachada neutralista parece
inconfundível.
Apesar disso, muito do que Collins e Pinch têm a dizer — que resultados
experimentais não são autoapresentados de forma transparente, mas precisam de
interpretação; que as evidências são sempre incompletas e muitas vezes
ambíguas, e como sua relevância é julgada depende de crenças de fundo; que a
investigação científica é quase sempre desorganizada e com frequência mal-
sucedida; que é digno de exame como exatamente, frente a evidências não
decisivas, uma subcomunidade científica vem a considerar uma disputa resolvida
para um lado ou outro, ou a perder o interesse nela; que um sociólogo estudando
uma disputa científica em curso não pode saber como, no longo prazo, as
questões serão resolvidas — soa inofensivo e verdadeiro. Tudo o que eles estão
dizendo, nos asseguram Collins e Pinch em O Golem, é que a ciência não é
sagrada.
Mas isso não é, ou ao menos não era, tudo o que estavam dizendo. É
desconcertante — até que se percebe que eles pressupõem que, ao menos que a
ciência natural opere por argumentos estritamente dedutivos,[518] a conclusão é
inescapável que conhecimento, evidência, racionalidade, realidade etc. são
relativos; e que, como Kuhn, eles confundem o caráter de perspectiva dos juízos
de relevância com uma relatividade da própria relevância à teoria de fundo.
Como resultado, eles se endividam a tal ponto com o Novo Cinismo que
ameaçam a solvência epistemológica do seu próprio negócio.
Entretanto, Collins tem confiança que consegue evitar a autocorrosão
isentando as ciências sociais do relativismo que aflige a investigação natural-
científica. “A prescrição de ‘trate o conhecimento sociológico como se fosse
similar ao conhecimento científico’”, escreve ele, é “arbitrária, desnecessária e
indesejável”.[519] Não é tarefa da sociologia da ciência decidir “se os padrões de
explicação aplicados pelos sociólogos à ciência são igualmente aplicáveis à
sociologia”.[520] Bem, sim, falando de forma estrita a questão é meta-sociológica;
mas por certo Collins não pensa realmente que a firma pode evitar a falência
entregando os livros para a auditoria contábil?
Evidente que não; pois ele em seguida recomenda que, enquanto o mundo
natural “deve ser posto em dúvida” como “problemático”, o mundo social deve
ser tratado como “real, a respeito do qual podemos ter dados sólidos”,[521] “uma
entidade externa relativamente bem-comportada que rende observações
replicáveis”.[522] Ele quer dizer mesmo que as evidências social-científicas são
menos incompletas, menos ambíguas, que as evidências natural-científicas, que a
investigação social-científica é menos desordenada, menos susceptível a
começos falhos e curvas erradas, e que a realidade social é mais real? Dizer que
isso não é verdade seria generoso; isso é o oposto da verdade. Com certeza
Collins & Cia. não podem realmente pensar que os auditores não vão notar se
eles trocarem a tinta vermelha pela azul?
Evidente que não; pois Collins em seguida nos assegura que só quer dizer
que o estudo sociológico desse ou daquele evento natural-científico deve
permanecer neutro a respeito da garantia das teorias e da realidade dos
fenômenos em questão, e que as explicações sociológicas não devem fazer um
apelo à verdade, racionalidade, sucesso ou progressividade (lembra-se do
“VRSP”?) do trabalho científico sob estudo. Mas na página seguinte, depois de
recomendar que o mundo natural seja “posto em dúvida como problemático”, ele
aconselha tratá-lo como “uma construção social em vez de algo real”. Suspender
julgamento sobre a boa-fé do trabalho natural-científico sob estudo significaria
renunciar à aspiração de dizer algo a respeito da boa-fé epistemológica das
ciências naturais; presumir que os cientistas naturais criam o mundo natural faz a
ciência natural um tipo de construção de mitos e, assim, subordinada às ciências
sociais. Mas por mais que ele tente turvar a diferença entre o neutralismo e o
cinismo, Collins também não pode ter duas coisas incompatíveis ao mesmo
tempo.
A Etnometodologia da Ciência
Bruno Latour e Steve Woolgar se apresentam como etnometodologistas da
ciência na tradição quase-fenomenológica do Harold Garfinkel. Ao menos que a
sintaxe peculiar cause tontura, é fácil discernir o radicalismo implícito nesse
trecho do Garfinkel: “Objetivamos uma reversão da distinção convencional entre
o pulso real e o pulso aparente... Nossa noção do pulsar o localiza à mão como
aquilo que é real dentro e enquanto nas ocasiões mão-na-massa da
investigação”.[523] “Corrigindo” a crença dos cientistas que eles descobriram o
pulsar, Garfinkel explica que, na realidade, eles criaram o pulsar.
Latour e Woolgar seguem o exemplo. “Enquanto temos agora
conhecimento bem detalhado dos mitos e rituais de circuncisão de tribos
exóticas, continuamos relativamente ignorantes dos detalhes de atividades
equivalentes entre tribos de cientistas”. Seu “estudo laboratorial” consistiu em
dois anos passados no laboratório do Roger Guillemin em La Jolla, Califórnia,
observando os cientistas enquanto eles isolavam quantidades minúsculas do fator
de liberação de tirotrofina (TRF) de centenas de toneladas de cérebros de ovelha,
identificavam-no quimicamente e sintetizavam-no.[524] Como antropólogos no
laboratório, Latour e Woolgar nos dizem, eles “mantiveram uma postura
agnóstica” a respeito das crenças de seus alvos de estudo.[525] Porém, como
sinaliza aquela referência a “mitos”, o pretenso agnosticismo serve, como de
praxe, para mascarar uma posição muito mais radical — neste caso, um
construtivismo social forte que equivale a nada menos que um idealismo
linguístico/conceitual completo.
Há três interpretações pelas quais “a” tese construtivista social é
verdadeira:
1. Instituições sociais etc. são socialmente construídas na medida em
que são constituídas pelas crenças e intenções das pessoas.
2. Artefatos laboratoriais são criados por meio das manipulações físicas
dos cientistas.
3. Conceitos científicos são criados pelo trabalho intelectual dos
cientistas.
Mas a tese explícita em Latour e Woolgar (e implícita em Collins e Pinch) é
muito mais forte:
4. Não apenas os conceitos científicos, mas os objetos aos quais eles se
aplicam — não apenas o conceito de gene ou elétron, mas genes e
elétrons de verdade — são criados pelas atividades intelectuais dos
cientistas.[526]
A quarta e mais forte dessas formas de construtivismo social obviamente não se
segue de qualquer uma das outras três, ou de todas; e não é verdadeira. Não
repetirei meus argumentos anteriores contra a ideia do mundo como apenas
polenta, uma coisa que espera ali, de forma homogênea, para que a cortemos em
losangos ou círculos ou a moldemos na forma de nhoque, em vez disso vou
tentar chegar ao fundo das confusões de Latour e Woolgar.
Ao que parece, os cientistas que eles estudaram não ficaram contentes ao
ouvir que foram descritos como “uma tribo de escritores e leitores que passam
dois terços de seu tempo trabalhando com grandes dispositivos de inscrição” e
que a neuroendocrinologia é uma “mitologia”, mesmo que “não necessariamente
falsa na totalidade”; nem muito tranquilizados pela concessão de que são tão
habilidosos que às vezes “convencem aos outros que... o que eles dizem é
verdade”. Eles gostavam de imaginar que seus artigos não eram um fim em si
mesmos, mas meios de comunicar os fatos que descobriram. Um observador
para quem o suposto “verdadeiro significado” desses artigos fosse opaco,
comentam Latour e Woolgar, poderia “recordar por um momento um estudo
mais antigo de rituais religiosos quando, ao penetrar ao cerne do comportamento
cerimonial, ele tinha encontrado só ladainha e tagarelice sem sentido”. Os
incultos nativos em seu laboratório, se não estiverem exatamente fazendo
ladainha e tagarelice, estão sistematicamente errados sobre o que eles fazem:
eles pensam que descobrem fatos sobre coisas que existem independentes deles,
quando na verdade eles as constroem — os fatos e as coisas.[527]
Uma passagem característica reinterpreta um episódio famoso “com
frequência demais transformado em [uma história] sobre mentes tendo ideias”.
[528]
Ao comentar a conversa que Watson relata que teve com Donohue, que lhe
convenceu que seu modelo do DNA com pares de base igual com igual não
funcionaria, Latour e Woolgar enfatizam que Watson e Donohue
compartilhavam um escritório, que Watson foi instado a sair para cortar mais
modelos de papelão das bases para reorganizar, e que ele estava impressionado
com as credenciais do Donohue. Bem, sim; mas isso deixa de lado um fato
crucial: Donohue sabia mais de ligações tautoméricas que Watson — o suficiente
para saber e convencer Watson que o modelo igual-com-igual não tinha jeito. E
o que Latour e Woolgar não dizem, mas claramente estão comprometidos a
dizer, é que, se Watson estivesse menos impressionado com as credenciais de
Donohue, a estrutura do DNA teria sido diferente.
Por que é que alguém pensaria isso? Interpretar fatos como algo mais além
de socialmente construídos, observam Latour e Woolgar, atrapalharia a
implementação do Programa Forte;[529] o que significa, parece, que restringiria o
papel da sociologia da ciência mais do que eles gostariam. Mas isso não é
argumento. Eles contam algo sobre como o TRF foi isolado e como a sua
estrutura química foi identificada: em certo momento foi considerado talvez um
artefato da instrumentação, e depois não, em certo momento foi considerado um
peptídeo, depois não, depois de novo, sim, um peptídeo. Eles não são ruins a
respeito da desorganização do trabalho científico,[530] e a respeito dos
instrumentos dependerem de forma muito específica da teoria anterior. Mas nada
disso favorece a conclusão que os fatos são construídos pelas atividades
intelectuais dos cientistas, muito menos que o TRF seria.
É essencial para essa conclusão um tipo de jogo verbal das conchas.[ii]
Primeira manobra: sinonimize fatos a enunciados aceitos categoricamente como
verdadeiros: “Um fato é um enunciado sem modalidade... e nenhum vestígio de
autoria”; “um fato só se torna tal quando perde todas as qualificações
temporais”. Segunda manobra: sinonimize a coisa, o TRF, aos seus sinais
registrados: “O objeto inicialmente consistia na superposição de dois picos... Foi
construído a partir da diferença entre picos em duas curvas... e o rótulo inicial
TRF começa a colar”; “pode-se dizer que um objeto existe somente em termos
das diferenças entre duas inscrições”.[531] Como comenta John Fox em um artigo
esclarecedor do qual tomei bastante emprestado, já que Latour e Woolgar
também descrevem o TRF como “um pó branco banal”,[532] segue-se que a
diferença percebida entre duas curvas é um pó branco: o que é, como nota
secamente Fox, “observavelmente falso”.[533] Última manobra: tratar a coisa, o
TRF, como um fato: “Escolhemos estudar a gênese histórica do que agora é um
fato especialmente sólido... o TRF”.[534]
“Isso é um fato” e “isso é verdade” desempenham papéis muito similares;
o que um enunciado verdadeiro afirma é um fato; e não se pode afirmar um fato
exceto pelo uso de algumas palavras. Mas não se segue disso que fatos são
entidades linguísticas, muito menos, como concluem Latour e Woolgar, que fatos
nada mais são que enunciados aceitos como verdadeiros. Porém, socializando
fatos nessa variante com a agora já familiar manobra das aspas cautelosas,
Latour e Woolgar aumentam a confusão ao sinonimizar conceitos científicos aos
objetos aos quais eles se aplicam — o conceito de TRF, ou descrições do TRF,
ao próprio TRF. Desnecessário dizer que o conceito de TRF (que é ainda menos
como um pó branco que a superposição de dois picos em um gráfico) é algo
totalmente diferente do TRF. Barnes, compreensivelmente exasperado e ao que
parece envergonhado por Latour e Woolgar se associarem ao Programa Forte,
protesta que há toda diferença do mundo entre um bolo de nata e uma descrição
de um bolo de nata;[535] mas Woolgar mantém a calma: “a posição segundo a qual
as descrições são constitutivas da realidade... fornece uma ferramenta analítica
poderosa”.[536]
O argumento negativo no qual se baseiam Latour e Woolgar é que é
impossível para um realista explicar a “bem-ali-dão” de objetos existentes de
forma supostamente independente sem usar palavras que pretensamente se
referem a esses objetos. Verdade, não se pode descrever o mundo sem descrevê-
lo; mas dessa tautologia obviamente não se segue que o mundo é idêntico às
nossas descrições dele, ou que é criado por elas. O argumento positivo no qual se
baseiam Latour e Woolgar é que aquilo que é um objeto real ou aquilo que é um
artefato da instrumentação emerge somente através do processo pelo qual os
cientistas fazem os fatos. Verdade, aqueles neuroendocrinologistas precisavam
descobrir se estavam lidando com os efeitos de uma coisa real ou com a variação
e interferências experimentais; mas não se segue disso, obviamente, que o TRF
foi criado quanto conseguiram distingui-lo de um artefato dos instrumentos. Na
verdade, esse argumento não poderia sequer ser enunciado sem pressupor o que
a sua conclusão nega: que há uma diferença substantiva entre coisa real e
artefato instrumental para além da distinção sociológica entre aceitação-como-
real e aceitação-como-artefatual.
Latour e Woolgar apresentam a si mesmos como se tentassem, como os
cientistas estudados por eles, fazer fatos[537] — apesar de eles, interessantemente,
não dizerem que criaram o laboratório, os grandes dispositivos de inscrição, ou
as toneladas de cérebro de ovelha, como os nativos supostamente criaram o TRF.
Mas não é tão fácil repudiar a distinção entre representação e coisa representada
enquanto se alega estar representando os acontecimentos do laboratório. Assim,
quando veio Ciência: A Ideia em Si, Woolgar escreveu empolgado sobre
“desestabilizar a ideologia da representação”;[538] e quando o capítulo final desse
livro foi reimpresso em Desmantelando a Verdade, ele substituiu as últimas
páginas opacas, mas pretensamente cheias de verdade, por um diálogo
imaginário no qual ele interrompe a si mesmo em itálico (“Não gosto muito do
seu tom”).[539]
É tentador responder na mesma moeda:
Se em verso escreve Woolgar
Não dá argumento vulgar
Mas tampouco é nele lido
Argumento com sentido[jj]
Ainda assim, apesar da falta de inclinação do Woolgar às “histórias sobre
pessoas tendo ideias”, o que ele tem em mente, está claro, é que o papel dos
agentes cujas atividades linguísticas ele crê que criam o TRF etc. é disfarçado na
prosa normal, mas pode ser trazido à atenção do leitor na forma de diálogo que
desestabiliza a ideologia — a falsa consciência — da representação.
A esta altura, os etnometodologistas da ciência juntam forças com o
partido NFL. Antes, G. N. Gilbert e Michael Mulkay haviam experimentado a
“Análise de Discurso”, apresentações multivocais que permitem a fala aos vários
protagonistas em uma controvérsia científica.[540] Depois, por acreditar que isso
não reconhecia adequadamente a natureza socialmente construída do próprio
discurso sociológico, Mulkay começou a explorar as Novas Formas Literárias
como um modo de evitar o “compromisso implícito com uma epistemologia
ortodoxa... embutida nas formas textuais estabelecidas da ciência social”,[541] e
para interpretar a sociologia da ciência como “par-ódia”.
As conversas imaginadas por Mulkay entre as partes de disputas natural-
científicas, e o discurso de aceitação do prêmio Nobel que ele imagina no qual
todas as invejas e rivalidades são explícitas,[542] podem ser bom entretenimento;
mas (como Pinch e Pinch expressa em sua paródia de paródias NFL),[543] não
resolvem o problema. Pois Mulkay, presume-se, tem a intenção que o discurso
imaginário de aceitação do Nobel transmita algumas das verdades que um artigo
sociológico direto sobre os discursos de aceitação do Nobel poderia afirmar; por
exemplo, que tais discursos tipicamente suprimem os aspectos menos palatáveis
da história real de uma descoberta. Do mesmo modo, se ele realmente está
repudiando a possibilidade da referência a coisas e eventos em um mundo
extralinguístico, Woolgar deve também abandonar a aspiração a dizer, ou
transmitir, qualquer coisa, verdadeira ou falsa, garantida ou não, sobre a ciência.
“Você só me deixou entrar no texto... quando começou a ficar sem ideias”,
reclama aquela voz em itálico. Bem verdade. Mas Woolgar não se deixa abalar:
“não chegar a lugar nenhum deve ser visto como uma conquista, não como um
fracasso”[544] — juro que não estou inventando nada disso! Mas é hora de parar
de woolgarizar e seguir em frente.
O Programa Sensato
Alguns Velhos Deferencialistas, ao defender que fatores sociais só podem ser
obstáculos à operação estável do método lógico da ciência, confinariam a
sociologia da ciência a um papel artificialmente restrito. Os Novos Cínicos que
defendem que a “investigação” científica nada mais é que uma forma de
negociação em que os cientistas barganham suas lealdades teóricas por prestígio,
ou nada mais que uma forma de produção industrial na qual os cientistas fazem
artigos para periódicos em vez de carros ou Tupperware ou bugigangas, dariam à
sociologia da ciência uma importância exagerada. O sensista-comum crítico
acredita, como de praxe, que a verdade está em algum lugar no meio. Embora
pareçam diametralmente opostas, as atitudes dos Velhos Deferencialistas e dos
Novos Cínicos à sociologia da ciência têm algo importante em comum: ambas
negligenciam a forma pela qual os aspectos evidenciais e sociais da investigação
científica se intercruzam; ambas, abertamente ou veladamente, contrastam o
racional e o social. Mas esse, insiste o sensista-comum crítico, é um falso
contraste.
A ciência é uma instituição social: especificamente, como o jornalismo
investigativo, o trabalho de detetive, a teologia e assim por diante (e diferente do
trabalho bancário, prisões, moda, indústria automobilística, sindicatos, escolas,
vínculos familiares, igrejas, a troca de presentes e assim por diante), uma
instituição social engajada na investigação. Em seu cotidiano, os cientistas
podem estar preocupados com fazer funcionar equipamentos novos,
improvisados ou recalcitrantes, ou com botar as mãos em uma amostra de
alguma substância essencial, ou com conseguir esta ou aquela informação que
outra pessoa pode ter; sem falar em pedir verbas, lidar com editores, ou fazer
fofoca sobre o que os rivais na profissão estão aprontando. O trabalho científico
raramente lembra, mesmo de forma remota, fazer um exercício de lógica ou
compor uma sinfonia. Mas as coisas desorganizadas do cotidiano por fim se
relacionam, embora muitas vezes de forma oblíqua ou ineficiente, ao esforço de
descobrir como alguma parte ou aspecto do mundo é.
A investigação científica demanda imaginação, tempo, energia e
integridade; é susceptível a começos falhos e curvas erradas, e é frustrante
quando as coisas dão errado, como acontece com frequência suficiente. Os
cientistas são falíveis: cometem erros; são enganados por evidências ambíguas;
agarram-se de forma obstinada demais a ideias que funcionaram no passado, ou
nas quais fizeram um grande investimento profissional; eles se apressam a adotar
novas conjecturas que soam glamourosas; investem grande engenhosidade ao
projetar conceitos que se revelam inaplicáveis a qualquer coisa. Às vezes eles
sucumbem à pressão para chegar a conclusões politicamente desejáveis, ou à
tentação de forjar ou fraudar para conseguirem a renovação de uma verba ou um
emprego de prestígio. A qualidade da condução da investigação científica pode
ser afetada de forma significativa pelas circunstâncias: por exemplo, se o
trabalho de outrem na questão é acessível gratuitamente; se fundos para o
equipamento necessário estão disponíveis; se a firma que paga pelo trabalho
exerce pressão para chegar a resultados que sirvam a seus interesses financeiros
ou políticos; se dá para ter certeza que investigadores rivais que tentam achar a
resposta para a mesma pergunta farão um escrutínio do trabalho; e assim por
diante.
Então, a sociologia da ciência é epistemologicamente relevante; mas sua
relevância é contributiva, não exaustiva. Conclusões epistemológicas não podem
ser estabelecidas pela investigação puramente sociológica; mas em conjunto com
um entendimento da epistemologia das evidências científicas, garantia e
investigação; o inquérito sociológico de como a ciência funciona — do sistema
de revisão por pares, da política do financiamento de pesquisa, da educação
científica, da ciência orientada por litígio, da incidência de fraude e plágio etc.
— tem o potencial de esclarecer quais fatores sociais ajudam e quais atrapalham
a empreitada científica. Talvez não seja necessário que eu aponte como a tese da
relevância contributiva se entrecruza com a aspiração a uma cooperação frutífera
entre a epistemologia e a sociologia da ciência; mas talvez seja necessário que eu
diga explicitamente que a sociologia da ciência será mais bem conduzida (tudo o
mais permanecendo igual) se os pressupostos epistemológicos que a informam
forem — bem, verdadeiros.
O programa sensato em sociologia da ciência não é epistemologicamente
inerte nem autocorrosivo. Epistemologicamente informado, ele aprecia a
importância daqueles aspectos da organização interna e do contexto social da
empreitada científica que são mais centrais ao seu negócio próprio, a
investigação. Ele reconhece livremente que os seus próprios inquéritos estão
sujeitos aos mesmos valores epistemológicos e restrições centrais que a ciência
que ele investiga, e, de fato, que todas as investigações empíricas. E, longe de
tratar a ciência como sagrada, estará tão preocupado com quando e como ela vai
mal quanto com quando e como ela vai bem; não negligenciará as possíveis
ameaças dos interesses dos patrocinadores, da pressão para publicar quando é
prematuro, do medo das repercussões políticas etc. à integridade da pesquisa.
Mas o programa também não vai, é claro, tratar a ciência como se fosse um
embuste.

A ideia essencial do programa sensato, que os aspectos sociais e evidenciais se


entrecruzam, não é de forma alguma nova. Encontramo-la no trabalho de
sociólogos epistemologicamente sofisticados e de cientistas sociologicamente
sofisticados, das reflexões de Merton e Polanyi sobre a organização e o ambiente
da ciência ao diagrama esclarecedor do Henry Bauer reproduzido aqui na Figura
2,[545] as investigações do Morton Hunt das pressões políticas sobre a pesquisa
nas próprias ciências sociais e do comportamento,[546] o comentário da Marcia
Angell sobre o papel das farmacêuticas no financiamento da pesquisa médica[547]
etc.[kk] Na verdade, até onde sei, a maioria dos sociólogos da ciência de longa
data que trabalham duro pressupõem o programa sensato, e a SCS é só o estilo
de uma minoria barulhenta — talvez sejam aqueles que estão mais desiludidos
com os fracassos do tipo de Velho Deferencialismo mais inóspito à sociologia da
ciência, o tipo popperiano. O tema do entrelaçamento entre o social e o
evidencial sugere, não por acaso, tanto o que está certo quanto o que está errado
na concepção lakatosiana, contra a qual alguns sociológicos cínicos da ciência
estão reagindo, da história da ciência como reconstrução racional: a sociologia e
a história da ciência epistemologicamente esclarecedoras darão foco seletivo aos
mecanismos sociais que ajudam ou atrapalham a criatividade e o respeito pelas
evidências, mas não vão impor artificialmente a conformidade a um modelo
estreitamente lógico da racionalidade.
Considere, por exemplo, como um sociólogo sensato da ciência abordaria
o tópico da fraude científica. Ele reconheceria a fraude como um tipo de má
conduta científica; mas também a reconheceria como bem diferente de, digamos,
fazer assédio sexual contra assistentes de pesquisa, trapacear a agência de
fomento do trabalho, ou falhar em obter o consentimento dos participantes —
como uma desonestidade especificamente intelectual. Como um primeiro palpite
bruto, ele poderia caracterizar a fraude como o ato de fazer alegações
sabidamente falsas a respeito dos resultados obtidos; mas depois ele teria de
acrescentar que, enquanto um plagiador apresenta trabalho na realidade feito por
outrem como se fosse seu próprio, uma fraude alega ter obtido os resultados que
nem ele nem ninguém obteve.[548] Até o ponto em que dissocia prestígio de
conquista, o plágio enfraquece a estrutura de incentivos da ciência; mas a fraude
rebaixa o próprio valor do trabalho científico, enfraquecendo a teia de confiança
mútua justificada da qual depende o compartilhamento bem-sucedido de
evidências.
Figura 2. O filtro do conhecimento. (Adaptado e reimpresso com permissão de Bauer, Scientific Literacy
and the Myths of Scientific Method, p. 45)

Nas Reflexões sobre o Declínio da Ciência na Inglaterra que ele publicou


em 1830, Charles Babbage distinguiu quatro categorias de fraude científica:
Fingimento: a fraude praticada com a intenção de ser
descoberta na hora certa “para o ridículo daqueles que
deram crédito a ela”.
Falsificação: a fraude perpetrada não para ser descoberta,
mas para impulsionar a reputação científica do forjador.
Poda: “Uma forma de ajuste equitativo”, o ato de podar
pequenas partes aqui e ali das observações que diferirem
demais da média.
Cozimento: Há muitas receitas, observa Babbage, entre
elas fazer múltiplas observações e depois selecionar só
aquelas que forem concordantes ou muito aproximadamente
concordantes, e calcular observações que não possam ser
obrigadas a concordar por meio de duas ou mais fórmulas
diferentes.
(O resultado provável, continua ele, é que o cozinheiro conquistará uma
reputação temporária não merecida de ter uma alta precisão — “às custas de sua
fama permanente”).[549] Claro, as categorias do Babbage são um pouco
heterogêneas. A diferença entre a falsificação e o fingimento diz respeito à
intenção do perpetrador: o forjador espera escapar com sua falsificação
indefinidamente, enquanto o fingido planeja revelá-la na hora certa. A diferença
entre podar e cozinhar diz respeito à natureza da falsificação: como observa
Babbage, as atividades do podador, diferentes das do cozinheiro, ao menos
mantêm a média das observações, podada ou não, a mesma.
A fraude envolve intenção; logo, não se pode entender bem o conceito se,
como Woolgar, você for alérgico à ideia de mentes tendo ideias. A fraude
envolve deturpar a apresentação das evidências ou fabricá-las; logo, não se pode
entender bem o conceito se você evita a verdade e só reconhece “a assim
chamada ‘verdade’”. Em Onde a Verdade Mente (meu último exemplo do mundo
através do espelho da SCC, prometo), Jan Sapp conta a história de Franz
Moewus, cuja grande parte do trabalho sobre a sexualidade nas algas, que antes
parecia a vanguarda da genética bioquímica, agora se sabe que era fraudulenta.
Essa história não faz sentido ao menos que haja uma diferença entre verdade e
fabricação; mas no livro do Sapp está como recheio entre garantias de que não
existe essa diferença:
Uma vez que entendamos que todo o conhecimento sobre a
natureza é “fabricado” (isto é, construído a partir de
teoria, técnicas e interação social), e que todos os relatos
científicos são baseados em vieses conscientes e
inconscientes, então não se pode julgar a fraude em termos
de verdade atemporal...
e a alegação que a história do episódio Moewus
...diz respeito à geração e degeneração de uma controvérsia
científica; diz respeito aos pontos fracos e fortes,
estratégias e táticas dos competidores... a política da
verdade científica.[550]
No uso comum, “fabricado” implica “falsificado”, “enganoso”; mas Sapp desliza
de “o conhecimento científico é atingido por um processo complexo de
elaboração e construção de modelos do mundo” para “o ‘conhecimento’
científico é todo balela” (e dessa forma se arrisca a correr as suas próprias
pretensões de contar uma história verdadeira).
Mas mesmo que você não se atrapalhe com concepções erradas e cínicas,
pode ser extremamente difícil distinguir completa fraude de autoengano,
interpretação otimista demais de resultados incertos, ou interpretação legítima de
resultados ambíguos. Em 1936, o estatístico Ronald Fisher concluiu que os
resultados que Mendel relatou eram bons demais para serem verdade — talvez,
sugeriu ele, Mendel foi enganado por um assistente “que sabia bem demais o que
se esperava”.[ll] Em 1978, ao examinar os cadernos em que Robert Andrews
Millikan registrara seus experimentos de gotejamento de óleo, Gerald Holton
notou que Millikan tinha selecionado só os seus melhores dados para publicação
(“publicar isso com certeza, está lindo!”), e abandonou os menos favoráveis
(“muito baixo, algo está errado”).[551] Mendel e Millikan foram fraudes, ou
fizeram autoengano — ou só estavam seguindo seus faros científicos apurados,
usando seu bom juízo científico?
Ocasionalmente, um intenso trabalho histórico de detetive será necessário
para determinar se houve fabricação ou má representação, e/ou, em caso
positivo, se foi intencional. Tomemos o caso do Cyril Burt, um psicólogo
educacional e defensor da hereditariedade cujo trabalho na inteligência
influenciou o sistema seletivo da educação secundária na Grã-Bretanha após a II
Guerra Mundial (o sistema sob o qual eu cresci). Depois de sua aposentadoria,
quando o sistema educacional, em especial o exame para crianças a partir dos 11
anos que selecionava as “acadêmicas” em meio ao resto sofreu escrutínio, Burt
publicou uma série de artigos apresentando novas evidências impressionantes, de
estudos de gêmeos idênticos criados separados, da herdabilidade da inteligência.
[mm]
Em 1972, um ano após Burt morrer, Leon Kamin, psicólogo de Princeton,
notou que, embora os novos pares de gêmeos tivessem sido incluídos nos
estudos mais recentes, as correlações relatadas nas três pesquisas do Burt em
1955, 1958 e 1966 eram idênticas até três casas decimais — boas demais para
serem verdade. Kamin era um forte adepto da ideia da origem ambiental da
inteligência, profundamente oposto à postura política do Burt; mas em 1974,
Arthur Jensen, ele próprio um conservador adepto da hipótese da hereditariedade
como Burt, também concluiu que as correlações invariantes “indevidamente
restringem as leis do acaso e só podem significar erro”.[552]
As pistas de possível manipulação ou fabricação se tornaram um completo
escândalo quando o jornalista Oliver Gillie publicou um artigo no Sunday Times
sugerindo que Burt não apenas tinha cozinhado seus números, mas até inventado
assistentes de pesquisa fictícios.[553] Que Burt era uma fraude veio a ser
considerado um fato estabelecido depois que seu biógrafo Leslie Hearnshaw —
embora sugerisse que a desonestidade só veio tarde na vida do Burt e poderia ser
explicada pela “instabilidade mental” dele — o endossou;[554] e, quando Broad e
Wade publicaram Traidores da Verdade em 1982, Burt foi citado como um
Horrendo Exemplo de desonestidade científica.[555] Só alguns anos depois, no
entanto, Robert Joynson argumentou que Burt não tinha culpa por nada mais que
descuido ocasional. Agora, depois de ler o livro do Joynson,[556] posso dizer
honestamente que não sei: se Burt cozinhou ou inventou números, nem se as
agora notórias Srtas. Howard e Conway eram reais!
Verdadeira ou não, a sugestão do Hearnshaw que Burt deve ter sofrido de
algum tipo de esgotamento mental é típica da atitude de muitos cientistas. Por
que um cientista se envolveria em fraude ao menos que estivesse em desarranjo
psicológico de alguma forma? Como ele poderia imaginar que escaparia a
escrutínio? Afinal, se seu trabalho tem importância, mais cedo ou mais tarde
alguém tentará complementá-lo, e daí a má representação ou a fabricação
certamente virá à tona. O medo da exposição e da perda de reputação — o Chute
Invisível, na expressão boa de Broad e Wade — é de fato um desincentivo
poderoso. Quando um cientista ignora esse risco, no entanto, é no mínimo tão
provável que seja por convicção sincera que ele está certo do que por alguma
instabilidade psicológica.[557] E o risco de exposição é provavelmente relacionado
de perto à importância da alegação em questão. A fraude em apoio a uma
alegação que simplesmente não é importante o suficiente para qualquer um se
dar ao trabalho de tentar desenvolvê-la ou de reler as evidências a seu favor pode
nunca ser descoberta; mas a fraude em apoio a uma alegação importante o
suficiente para ser buscada por outros cientistas, ou tão importante que
historiadores da ciência ou os próprios cientistas vão querer revisitar as
evidências, será exposta no fim, com toda probabilidade.
A confiança do Merton “na ausência prática de fraude nos anais da
ciência”, graças ao escrutínio dos outros cientistas,[558] era otimista demais;
Broad e Wade estimam que “para cada caso grande fraude que vem à tona, cerca
de cem seguem indetectados”, e “para cada grande fraude, talvez mil fabricações
menores sejam perpetradas”,[559] o que provavelmente é pessimista demais. O
sociólogo sensato da ciência que imaginei, se tem gosto pelo estudo empírico,
poderia tentar testar algumas das conjecturas de Broad e Wade: que a fraude se
tornou mais comum quando os cientistas ficaram sob maiores pressões de
carreira; que atinge o pico de frequência nas áreas biomédicas, onde a
replicabilidade precisa não é esperada; e que ficou mais fácil com uma explosão
de publicações que introduziram uma tensão severa ao sistema de revisão. E
então ele poderia se interessar por perguntas como:[560] A afiliação do autor, se é
conhecida, afeta o julgamento dos revisores de seu trabalho? Há um perigo real
de os revisores impedirem a publicação oportuna dos resultados dos rivais? Os
revisores na maior parte têm a capacidade ou disposição de julgar os artigos de
forma justa? A situação é muito diferente agora em relação a algumas décadas
atrás? Quais são as consequências daquelas às vezes muito enganosas atribuições
de autoria múltipla,[561] ou dos incentivos para a ciência salame (que parte os
resultados em várias fatias)? E o sociólogo sensato notaria um enxame de
perguntas relacionadas a respeito do sistema de concessão de verba baseado na
revisão por pares, e a respeito da influência do patrocínio da indústria na
pesquisa universitária.
Se ele tem uma mente mais teórica, nosso sociólogo sensato poderia
explorar o que o estudo da fraude científica revela a respeito do papel da
autoridade e expertise na ciência; ou poderia perguntar, como Polanyi e Merton,
por que alguns tipos de estrutura política parecem mais atraentes que outros para
a empreitada científica; especificamente por que regimes totalitários parecem
notavelmente inóspitos.[562] Isso poderia levá-lo a reexaminar o caso Lysenko,[563]
ou os conceitos nazistas da ciência ariana e física judaica.[564]
Mesmo se der foco exclusivo à ciência na nossa sociedade, um sociólogo
sensato certamente visitaria as interações entre ciência e política: os preconceitos
políticos que enviesam a investigação; as sensibilidades políticas que
desencorajam a investigação honesta, ou qualquer tipo de investigação; as
discordâncias políticas que motivam o escrutínio minucioso do trabalho de
outrem. Ele poderia se encontrar pensando, por exemplo, a respeito daquelas
controvérsias recentes sobre uma possível predisposição genética à
homossexualidade; talvez se perguntando se, ao tornar famoso o trabalho
científico ainda conjectural, a imprensa pode às vezes desestimular os
pesquisadores a considerar possibilidades impalatáveis demais para a opinião
pública. E talvez ele começaria a se perguntar, como faz Hunt, se aqui e agora,
especialmente onde as próprias ciências sociais e do comportamento são tocadas,
as pressões políticas podem apresentar uma ameaça à liberdade de pesquisa; e se
algumas pesquisas poderiam ser tão danosas em potencial que realmente é
melhor serem suprimidas.[565]
E para concluir
Então, há muito trabalho útil a ser feito por uma sociologia da ciência que não é
acriticamente deferente às ciências naturais nem acriticamente cínicas a respeito
delas, e que, em vez de competir por controle de território, coopera com a
epistemologia para entender a empreitada científica. E, já que o
compartilhamento de evidências, a cooperação e a competição exigem a
comunicação, há também trabalho epistemologicamente útil a ser feito, também,
pela retórica da ciência — pela retórica razoável da ciência, quero dizer; mas
aqui também o caminho precisará ser limpo de várias extravagâncias metafísicas
e epistemológicas. Dessa vez, contudo, enquanto exploramos a paisagem
fascinante das relações intricadas entre a ciência e a literatura, a vista promete
ser fantástica.
Capítulo 8: Mais Forte Que A Ficção
Ciência, Literatura e a “Literatura da Ciência”

O cientista fala a uma plateia infinitesimal de colegas


compositores. Sua mensagem não carece de universalidade,
mas sua universalidade é incorpórea e anônima. Enquanto
a comunicação do artista é ligada para sempre com sua
forma original, a do cientista é modificada, ampliada,
fundida com as ideias e resultados de outros, e se difunde
em uma corrente de conhecimento.
— Max Delbrück[566]

Conforme os cientistas investigam como o mundo é, eles criam um labirinto


vasto e complexo de símbolos — palavras, fórmulas químicas, símbolos
matemáticos, gráficos, placas de códigos de barras, imagens de computador etc:
símbolos que dão uma contribuição importante tanto aos sucessos das ciências
quanto a seus fracassos. As metáforas e analogias estendem os poderes de
imaginação dos cientistas — ou, às vezes, deixam-nos perdidos. Neologismos e
mudanças e reviravoltas de significado criam um vocabulário que se aproxima
dos tipos reais, melhorando o grau de apoio das teorias — ou, às vezes, o
contrário. Artigos, apresentações de congresso, manuais, cartas e agora
mensagens de e-mail etc. etc. permitem o agrupamento das evidências essenciais
à empreitada científica — ou, às vezes, impedem a comunicação de ideias bem-
fundadas, ou fazem ideias sem fundamento parecerem plausíveis.
Ultimamente, ao notar que a escrita tem um papel importante na
empreitada científica, acadêmicos das letras e retóricos voltaram sua atenção à
“literatura da ciência”. E, de fato, dada a importância dos símbolos,
interpretação, comunicação da empreitada científica, uma retórica razoável da
ciência certamente tem uma contribuição útil a fazer. Filósofos da ciência da
tendência dominante e os próprios cientistas, no entanto, às vezes revelam o
mesmo tipo de hostilidade desconfortável àqueles “malditos professores de
letras”,[567] e a toda a empreitada da retórica da ciência, como alguns têm pela
sociologia da ciência. A retórica da ciência, escreve exasperado Max Perutz,
parece para ele nada mais que “um tipo de papo furado disfarçado de disciplina
acadêmica”.[568]
Como chegamos a esse ponto?
O Novo Cinismo foi influente sobre a retórica da ciência e a sociologia da
ciência, seu tom familiar é prontamente reconhecível, apesar de transposto de
um jargão sociológico para um jargão textual-literário-retórico. As
extravagâncias relativistas e irrealistas contra as quais Perutz protesta estão
enraizadas nas falsidades características que informaram a ala radical da retórica
da ciência — lembre-se, enquanto dou minha lista, que, ao contrário das
verdades, as falsidades não têm que ser mutuamente compatíveis: O que
determina se uma alegação científica é aceita é o quão atrativa é a forma como
ela é apresentada. Não há diferença real entre apresentar boas evidências e
simplesmente ser persuasivo. O que se passa por boa evidência é, simplesmente,
qualquer coisa que se mostrar persuasiva para a comunidade científica — com
frequência é o efeito de metáforas que evocam fenômenos sociais familiares.
Não há diferença real entre ciência e mito, ficção ou fábula, nenhuma relação da
linguagem científica com o mundo que seja distinta ou mais íntima. Não há
diferença real entre textos científicos e literários — todos são simples
construções imaginativas em vez de representações de uma realidade
extratextual. Não há realidade extratextual. E assim por diante.
A expressão “não há diferença real”, recorrente na minha lista de
falsidades, revela que a retórica radical da ciência prefere a assimilação à
discriminação, tendendo, em especial, a assimilar a ciência à literatura, e textos
científicos aos literários. Assim, talvez, se pudéssemos esclarecer mais as
diferenças entre a ciência e a literatura e entre os textos científicos e literários,
poderíamos começar a ver o que seria e faria uma retórica razoável da ciência.
Ciência e literatura; textos científicos e literários
Os cientistas envolvem-se na escrita e os romancistas, dramaturgos etc.
envolvem-se em investigação. Mas a palavra “ciência” destaca uma federação
informal de tipos de investigação, enquanto a palavra “literatura” destaca não
qualquer tipo de investigação, mas uma federação informal de tipos de texto. No
uso mais amplo, “literatura” se refere a textos de quase todo tipo — como
quando falamos de “acompanhar a literatura” em nossa área. E a palavra também
é usada de forma honorífica, para se referir a textos esteticamente admiráveis
sobre qualquer tópico.[569] Esse uso esteticamente honorífico de “literatura” não
tem potencial menor de confusão que o uso epistemicamente honorífico de
“ciência”. Mas, no que se segue, quando eu mencionar “literatura imaginativa”,
a preocupação será principalmente com seu caráter ficcional, não com seus
méritos literários.
A investigação na qual se envolvem os escritores de literatura imaginativa,
seja uma questão de observação informal e ponderação sobre as peculiaridades
da natureza humana, seja a pesquisa sistemática a respeito de um local ou tempo,
é essencial à sua empreitada — mas como um meio para o fim de escrever
romances, peças etc. edificantes, divertidos, provocativos, expressivos, tocantes,
esclarecedores... E a escrita em que se envolvem os cientistas é essencial à sua
empreitada, também — mas como um meio para o fim de descobrir verdades
importantes e explicativas, bem garantidas pelas evidências, sobre o mundo e
como ele funciona.
A ciência, como a literatura, exige imaginação. Um cientista imagina
estruturas e classificações que, se ele tiver sucesso, são reais; e explicações, leis
e teorias que, se ele tem sucesso, são verdadeiras. A imaginação e a exploração
imaginativa de explicações em potencial são essenciais. Mas, para ir além da
mera especulação, a avaliação da realidade ou verdade provável de sua criação
imaginativa — ela própria muitas vezes necessitando de imaginação no
desenvolvimento de experimentos, instrumentos etc. — também é essencial.
Essa é parte do argumento oferecido pelo Einstein quando ele descreveu a
liberdade de escolha dos conceitos e teorias científicos como “não similar de
forma alguma à liberdade do escritor de ficção”, mas mais próxima daquela de
“um homem dedicado a resolver um jogo de palavras cruzadas bem elaborado”;
[570]
e do argumento oferecido pelo Peter Medawar quando ele escreve que “o
raciocínio científico é um tipo de diálogo entre o possível e o real, o que poderia
ser e o que é o caso de fato”.[571]
Obviamente, quando um escritor investiga, está sujeito às demandas das
evidências, da mesma forma que os cientistas. Mas quando ele parte para sua
tarefa distinta, um escritor de literatura imaginativa imagina pessoas, eventos e
históricas, que, se ele tem sucesso, são esclarecedores a respeito de seres
humanos reais, feitos humanos reais e possibilidades humanas e morais reais. A
imaginação e a exploração imaginativa de panoramas e personagens imaginados
vêm em primeiro lugar; e um autor também pode explorar imaginativamente
meios e modos linguísticos, e “testar” imaginativamente seus personagens e
eventos para serem mais acreditáveis. Mas seria embaraçoso descobrir que os
personagens ou eventos que ele pensou que imaginara fosse, na verdade, reais —
não tão devastador quanto seria para um cientista descobrir que a substância ou
fenômeno que ele pensou que estava investigando não fosse real, mas ainda
assim seria algo desconcertante.
É claro que romances, peças etc. muitas vezes se passam em lugares reais;
podem incluir eventos reais além dos imaginários, e podem envolver pessoas
reais, seja isso reconhecido abertamente ou mais ou menos mal disfarçado —
pense naquelas discussões na imprensa sobre se o romance Ravelstein, de Saul
Bellow, é uma traição da sua amizade com o falecido Allan Bloom, em cuja vida
a obra se baseia.[572] Alguns romancistas gostam de deixar o leitor em suspense:
London, do Edward Rutherford, é claramente a respeito de Londres; mas As
Cidades Invisíveis do Italo Calvino é a respeito de Veneza? Ainda assim, apesar
de quase todo romance combiná-los, a diferença essencial entre o fictício e o real
permanece. Irving Wallace escreve, no posfácio de The Prize, que suas
descrições de Estocolmo e das cerimônias do prêmio Nobel são factuais; no
entanto, continua ele, “os personagens que povoam estas páginas... são de faz de
conta; e o enredo inteiro [é] pura fabricação. Se os personagens ou situações
têm... qualquer contraparte na vida real”, conclui, “a semelhança deve ser
tomada por coincidência surpreendente”.[573] Exceto na eventualidade improvável
com a qual se preocupa Wallace, os personagens fictícios que um romancista cria
são não apenas imaginativos, mas também imaginários. Em contrapartida, as
construções imaginativas da ciência, quando têm sucesso, são precisamente não
imaginárias ou fictícias, mas reais.
Os cientistas, como os escritores, usam metáforas. Às vezes, uma metáfora
literária — o exército e a igreja como o vermelho e o preto, um grande rio como
um livro[574] —é o fio que ata o romance ou a história como uma só; e às vezes
uma metáfora científica — uma molécula chaperona, investimento parental, a
Mão Invisível — é uma ferramenta intelectual que um cientista usa enquanto
trabalha em uma explicação de um tipo ou estrutura física ou social. Mais uma
vez, no entanto, é um caso de “ambos..., mas”. Uma metáfora literária sutil será
estendida, expandida, explorada, mas permanecerá uma metáfora enquanto o
escritor encontra novas formas de brincar com ela. Hérmia insulta Helena: “tu
[és] um mastro pintado!” Helena apela a Lisandro: “Oh, quando ela fica brava, é
aguçada e astuta; ela era uma raposa quando foi para a escola; e embora ela seja
pequena, ela é feroz”; e Lisandro faz coro contra Hérmia: “Vá embora, sua anã;
sua mínima, feita de chá de erva encolhedora; sua miçanga, sua bolota”.[575] Ou
um escritor pode tomar a metáfora de outro; como em The Man, onde Wallace
aproveita a metáfora do Stendhal, descrevendo o modo com o qual Douglass
Dilman, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, é difamado em uma
reportagem que alega que Wanda Gibson, sua “recatada amante negra”, está de
conluio com o agente soviético Franz Gar.[576] Uma metáfora científica robusta
com toda probabilidade será estendida, expandida, explorada e passada de mão
em mão — mas com o propósito último de permitir uma articulação literalmente
verdadeira de uma teoria a respeito de processos celulares, comportamento
reprodutivo, mercados ou seja o que for.

Os textos científicos diferem dos textos literários de modos que refletem as


diferenças entre a ciência e a literatura imaginativa. “Modos”, no plural, porque
apesar de um relato científico ser um tipo de coisa muito diferente de um
romance, não há nenhuma distinção única e simples entre os dois tipos de textos,
científico e literário, ou mesmo entre o científico e “outro”; em vez disso, há
trocentas dimensões distintas, mas relacionadas, em que um texto pode ser
posicionado, com os textos científicos tendendo a se agrupar em uma área da
matriz e os literários em outra.
Quando escrevo sobre “textos científicos”, refiro-me a artigos e relatos
científicos, distintos de livros de memórias de cientistas e similares. Com tais
textos tenciona-se não contar a história desorganizada completa de como um
resultado científico foi atingido, mas apresentar o resultado e as evidências para
ele.[577] Um texto científico paradigmático é afirmativo da verdade,
putativamente; é referencial, de forma também putativa; sobre substâncias,
coisas e eventos no mundo natural ou, muitas vezes, artefatos criados pela
atividade científica; apresenta as evidências; tem como alvo um público de
outros cientistas; e é escrito em um estilo direto, explícito, seco e hermético. Um
texto literário paradigmático é diferente de um texto científico paradigmático de
todos esses modos, aproximadamente. Outros tipos de texto — rótulos de
alimentos, bulas de remédio, manuais de eletrodomésticos, guias de consulta de
biblioteca, livros de história, estatutos, contratos, normas de zoneamento, a
Constituição, tabelas de logaritmo, formulários de alfândega e imigração,
receitas, listas telefônicas, romances históricos, ficção científica, questionários
de pesquisa de mercado, artigos de revista, tratados filosóficos, diálogos e peças
filosóficas, cartas ao editor, guias de televisão e cinema, o Livro de Oração
Comum etc. etc. — são como o texto científico paradigmático de certas formas,
diferentes dele de outras; como o texto literário paradigmático de certas formas,
diferentes dele de outras; semelhantes entre si de certas formas, diferentes entre
si de outras.
A tese de que os textos científicos são putativamente afirmativos da
verdade reflete, como é a intenção, meu estilo modesto de realismo. Um
instrumentalista antiquado negaria que as teorias científicas são verdadeiras ou
falsas; e um empirista construtivo novato negaria que, ao apresentar suas teorias,
os cientistas estão fazendo alegações sobre a verdade. Mas, por eu ser cética
quanto a qualquer distinção nítida entre enunciados observacionais e teóricos, ou
entre coisas e eventos observáveis e não-observáveis, levo a sério a intenção
declarada dos cientistas de descobrir como as coisas são.[578]
Digo “putativamente afirmativo da verdade”, em vez de simplesmente
“afirmativo da verdade”, porque quero incluir textos que afirmam o que o autor
considera serem verdades, mas são de fato falsidades. Mas quero excluir textos
científicos fraudulentos, nos quais, fingindo uma intenção de afirmar a verdade,
o autor apresenta como verdadeiro o que ele sabe ou acredita ser falso. (Isso
significa que, no caso de um texto com autoria conjunta, em que um autor é
sincero e outro mente de propósito, não haverá boas respostas à questão de o
próprio texto ser putativamente afirmativo da verdade, mas enganoso ou
fraudulento;[579] por exemplo, no caso daquele notório artigo do Benveniste e
seus colegas, que descrevia o efeito da alta diluição de remédios homeopáticos
— não apenas porque não está claro se Benveniste fez autoengano ou fingiu de
propósito, mas também porque alguns dos muitos autores desse artigo podem ter
fingido, enquanto outros estavam em autoengano sincero.)
Certamente, obras da literatura imaginativa nos ensinam verdades;
romances, peças etc. veiculam verdades (e às vezes falsidades) sobre como
funcionam seres humanos reais. Mas isso não significa que elas também devem
ser putativamente afirmativas da verdade; um romance pode veicular verdades
(ou falsidades) por meio de frases que, como dizem respeito a personagens
fictícios, não são verdadeiras — apesar de às vezes um romancista pausar a
história brevemente para afirmar as verdades que ela ilustra: como George Eliot,
quando pausa a história de Daniel Deronda para refletir que “é um ditado
comum que o conhecimento é poder; mas quem considerou devidamente... o
poder da ignorância?”[580] — como no caso da superficialidade fatal da
personagem Gwendolen Harleth.
Seria uma empreitada completamente diferente explicar esse “veicular”;
mas um exemplo vai sugerir como a literatura imaginativa pode ilustrar verdades
sobre seres humanos reais. O romance Imaginary Friends, da Alison Lurie,
veicula sem declarar explicitamente algumas das mesmas verdades[581] que o
manual do Leon Festinger sobre a dissonância cognitiva e seus estudos de seitas
milenaristas veiculam pela declaração explícita.[582] Festinger descreve
experimentos e estudos social-científicos das reações das pessoas à
inconsistência ou “dissonância” entre suas crenças e atitudes, prevendo entre
outras coisas que, se suas profecias são falseadas, os membros de seitas
milenaristas não desistirão delas, mas reinterpretá-las-ão e/ou começarão a fazer
proselitismo de forma ainda mais enérgica. Lurie conta a história de dois
sociólogos que fingem aderir à seita espiritualista que estão estudando e, com os
outros, esperam no salão da tia de Verena Robert que Ro de Varna venha à Terra
em sua espaçonave, como prometeu a Mensagem. Quando, aparentemente, nada
acontece, os membros reais da seita não perdem a fé; Ro chegou, seu espírito
entrou em um deles. Qual deles? O sociólogo mais experiente, que logo começa
a acreditar nisso ele próprio, e, quando o romance termina, perde completamente
a cabeça — ou será que ele estava fingindo? Lurie deixa o leitor em suspense.
Direi que um romancista (usarei “fingir” de forma distinta de “forjar”, para
marcar a diferença entre ficção e fraude), sem intenção de enganar a seus
leitores, convida-os a imaginar, a suspender a descrença, a fingir. Essa é a
intenção do “era uma vez” dos contos para crianças, sinalizar “vamos fingir”.
Como isso revela, a prática da referência fingida fictícia é parasitária sobre a
prática da referência normal a pessoas, eventos etc. reais, e a prática da
veiculação da verdade, sobre a prática da afirmação da verdade.
O modo oblíquo como a literatura veicula as suas verdades levou alguns a
supor que as verdades que a literatura veicula devem ser superfinas e
peculiarmente literárias. Isso é um engano; as verdades que a literatura veicula
são verdades normais, às vezes tão espantosamente familiares quanto as
verdades a respeito do Homo academicus que Malcolm Bradbury veicula em sua
história de James Walker e seus colegas e estudantes da Universidade Benedict
Arnold,[583] ou David Lodge em sua história de Morris Zapp e seus colegas e
estudantes na Estadual Eufórica e na Universidade de Rummidge.[584] Talvez haja
estados de espírito que só podem ser evocados, emoções que só possam ser
expressadas pelos meios literários oblíquos; mas não há verdades que possam ser
veiculadas ficcionalmente, mas não possam, mesmo em princípio, mesmo com
uma extensão atrapalhada, ser afirmadas. Aqui, estou com Frank Ramsey: “se
você não pode dizê-lo, não pode dizê-lo, e também não pode assobiá-lo”. (Isso,
no entanto, de forma alguma equivale a dizer que todas as verdades caem dentro
do escopo das ciências para serem descobertas.)
Como os textos científicos, os rótulos de alimentos, tratados teológicos,
matérias de jornal, narrativas históricas, biografias, boletins de ocorrência,
folhetos para turistas, texto publicitário, itinerários de ônibus etc. etc. são
putativamente afirmativos da verdade. O que distingue os textos científicos de
outros nessa categoria bem mais ampla depende do que os “outros” são. Por
exemplo, um texto científico tem como alvo um público de pares do cientista,
uma matéria de jornalismo científico tem como alvo o público educado; um
texto científico é putativamente afirmativo das evidências além de putativamente
afirmativo da verdade, um rótulo de alimento não é.
Os textos históricos geralmente são como os textos científicos por serem
putativamente apresentadores das evidências além de putativamente afirmativos
da verdade. A diferença entre eles é uma questão primariamente de objeto de
estudo — embora não seja suficiente dizer que um texto histórico,
diferentemente de um científico, trata de eventos passados, já que as obras da
cosmologia ou da biologia evolutiva também tratam de eventos passados.
Alguns textos históricos podem se reivindicar literários, no sentido valorativo
estético, além de históricos; a maioria dos textos históricos são narrativos na
forma. A maioria dos romances também são narrativos na estrutura; mas não se
segue daí que a distinção entre história e literatura imaginativa é dissolvida. Há
casos limítrofes: Poppie, de Elsa Joubert, por exemplo, que ela descreve como
um romance “baseado na história de vida real de uma mulher negra vivendo hoje
na África do Sul”. Mas uma diferença clara se mantém entre casos claros: uma
história dos milleritas,[nn] putativamente afirmativa da verdade e putativamente
referencial, narra eventos putativamente reais envolvendo pessoas reais;
Imaginary Friends, nem putativamente afirmativo da verdade nem
putativamente referencial, narra eventos imaginários envolvendo pessoas
imaginárias.

O estilo mais apropriado para um texto obviamente depende de seu propósito e


público-alvo. Uma matéria de jornalismo científico será menos detalhada e mais
coloquial que um artigo em um periódico científico; uma bula de remédio dará
prioridade alta a instruções claras para tomar a substância, uma lista de
medicamentos de um farmacêutico dará a indicações, efeitos colaterais e
contraindicações.
No texto científico oficial — como sabem todos aqueles cuja primeira aula
de química, como a minha, foi devotada ao uso da voz passiva — um “estilo sem
estilo” estudadamente neutro tornou-se a regra. De qualquer modo, quando se
comparam as apresentações e artigos oficiais dos cientistas com suas conversas e
cartas, percebe-se que há também bastante convenção nesse estilo oficial e
neutro. Uma série de experimentos de mutagênese chamada oficialmente de
“testes do código em trinca por meio de mutantes de mudança de quadro no
bacteriófago T4”[585] era conhecida no meio como “os experimentos de tios e
tias” — a relação envolvida era uma acima e para o lado.
Esse estilo rígido e tom átono de muito do texto científico oficial é em
parte uma marca de respeitabilidade, e pode às vezes ser um substituto para o
rigor genuíno em vez de uma necessidade absoluta dado o propósito do autor —
um problema ubíquo em se tratando do texto social-científico, e talvez não tão
desimportante até nas ciências naturais. Afinal, como as outras pessoas, sabe-se
que os cientistas publicam para decorar seus currículos em vez de terem uma
intenção comunicativa séria.
Porém, até o ponto em que a meta é informar aos outros investigadores de
forma tão eficiente quanto possível, a mais alta prioridade deve ser o explícito, o
literal, o cognitivo, o direto. Associações emocionais de palavras etc. são no
máximo distrações; o que mais importa, como observou Frege há muito tempo,
[586]
é o significado, a referência, o conteúdo cognitivo. Assim, em seus textos
profissionais um cientista tem a meta apropriada de ser tão claro quanto possível,
de fechar seu texto a interpretações alternativas à que ele pretende, de expressar
o conteúdo pretendido e nenhum outro. A interpretação de um texto é sempre um
esforço cooperativo entre autor e leitor; mas, no caso dos textos científicos, o
autor tentará de forma apropriada minimizar o papel construtivo exigido de seus
leitores.
Onde o propósito primário é o prazer estético, é muito diferente; quando
não apenas o som e o ritmo, a nuance emocional e a amplitude e profundidade
das ideias associadas, mas também uma certa implicitude, uma abertura à
ressonância interpretativa e à contribuição construtiva do leitor, pode ser parte do
prazer. Parafraseando Delbrück: na comunicação científica o que importa não é a
forma, as palavras em particular, mas o conteúdo que, se o cientista tem sucesso,
se tornará conhecimento científico estabelecido. Quando o prazer estético é
primário, no entanto, a forma não é menos importante que o conteúdo. (Talvez
seja por isso que, embora na escrita científica as metáforas e símiles sejam
essencialmente intercambiáveis, a metáfora, por ser equivalente a respeito do
que é expressado, de um ponto de vista estético, com sua flexibilidade sintática
bem maior, com frequência tem vantagem sobre a construção “a é como b”, mais
formal.)
A economia e sisudez da melhor escrita científica podem ser esteticamente
aprazíveis, mas formas literárias requintadas atrapalhariam; imagine o quão mais
difícil seria se Watson e Crick tivessem tentado explicar a estrutura do DNA em
pentâmetro iâmbico. Não, eu não me esqueci do poema científico do Lucrécio,
De rerum natura, que teve uma nova tradução para o inglês publicada
recentemente, e ainda em pentâmetro iâmbico! Mas vou persistir: a ciência que
Lucrécio apresenta simplesmente não é comparável em complexidade ou
sofisticação; e, se fosse, a forma literária teria sido um obstáculo sério à
comunicação.
Às vezes há um tipo de mau encaixe entre o propósito de um texto e seu
estilo. Implicitamente criticamos uma obra de literatura imaginativa quando a
chamamos de “didática” por veicular as verdades que quer expressar de uma
forma intrusiva e direta demais, quando as ilustra de uma forma crua demais. Em
Os Filantropos Maltrapilhos, Robert Tressell permite a seus personagens fazer
discursos socialistas por capítulos inteiros; dá aos patrões fictícios os nomes
“Suador”, “Amolador” e “Coitadinho”, e a suas construtoras rivais “Montes”,
“Barroso & Bogado” e “Bugalho & Caiado”; o jornal local de Cleptópolis é O
Obscurador; e, caso você corra o risco de não perceber a atitude dele para com a
religião, um dos clérigos é um sr. Bicudo e o outro, o sr. Leitão, morre quando
seus gases internos por fim explodem![oo] Quando dizemos que um artigo
científico é “retórico”, geralmente é uma crítica que trata de um mau encaixe
diferente, mas relacionado. Como observa I. A. Richards, “desconfiamos de um
cientista quando pensamos que ele está nos influenciando por suas maneiras”;[587]
esperamos que ele, em seus textos profissionais, nos diga da forma mais direta
possível o que ele considera a verdade da questão que ele esteve investigando, e
que apresente as evidências que esse de fato é o caso.
De qualquer forma, como Agostinho disse certa feita — de forma elegante
e também verdadeira — uma coisa não é necessariamente verdadeira porque foi
mal expressada, nem falsa porque foi emitida de modo magnífico.[588] E, embora
um cientista pouco confiável ou preguiçoso que queira convencer os outros da
boa-fé de seu trabalho possa ter sucesso ocasional por meio de floreios retóricos,
outra estratégia, talvez mais eficaz, é se esconder por trás do estilo oficial neutro
e insípido. Se não fosse por uma linha no artigo do Benveniste a respeito de
como uma “solução” tão diluída que não contém uma só molécula do suposto
“soluto” funciona porque a água se lembra que ela antes conteve peçonha de
abelha, um leitor leigo ou incauto dificilmente notaria qualquer coisa estranha.

Não há nada de errado com brincar poeticamente com ideias científicas, como
faz Neil Rollinson em “Quantum”, que começa assim:
Se pudéssemos viver o suficiente
conseguiríamos assistir aos efeitos
da fusão a frio que torna o diamante
na nossa aliança de casamento um grão de ferro.
Deveria ter lhe dado algo mais puro,
mais incorruptível que um diamante,
talvez um único próton, com seus quarks
up e down e seus glúons, um coração de amor
dentro dele, com seu nome e o meu.
Nem há algo errado em usar textos de forma diferente da pretendida por seus
autores — como Ogden Nash ao fazer um verso a partir de um manual de
instruções taiwanês em inglês mutilado para uma torradeira, John Betjeman ao
fazer um poema do itinerário do ônibus, ou até uma fabricante de papel de
parede fazendo um modelo com texto em japonês. Não há nada de
necessariamente errado, até, com dar uma interpretação diferente da pretendida
para as palavras de alguém — com um jornal tomar emprestado “Agora é o
inverno da nossa desesperança” do Shakespeare para fazer uma manchete a
respeito de uma greve de mineiros, digamos, ou com o meu uso das observações
do Francis Bacon a respeito do desespero artificial no ceticismo hiperbólico de
Descartes como um comentário a respeito de algumas extravagâncias filosóficas
dos nossos tempos.[589]
Mas há algo não muito certo quando críticos literários, acostumados a
fazer sintonia das nuances, ressonâncias e múltiplas camadas de significado de
textos literários, brincando da mesma forma com expressões cuidadosamente
definidas e delimitadas da matemática, física, biologia etc., exageram a diferença
entre entender um texto ou expressão e reaproveitá-la para um novo uso. Gross e
Levitt reclamam das prepotências literárias da N. Katherine Hayles sobre não-
linearidade, teoria do caos etc.,[590] Sokal e Bricmont das extravagâncias
incestuosas psicanalítico-topológicas do Lacan e das meditações feministas da
Irigaray a respeito de “E = mc²”.[591] John Sturrock fica indignado: “teses radicais
e contenciosas muito melhores... do que o rigor estupidificante exigido de modo
tão inapropriado por Sokal e Bricmont”.[592] Se alguém me deixasse falar um
pouco, eu observaria simplesmente que a investigação, seja ela literária,
psicanalítica, feminista ou científica, exige não apenas imaginação, mas também
checagem das próprias construções imaginativas diante das evidências.
Não há nada de errado com escrever diálogos, discursos etc. científicos
imaginários, ou obras de ficção sobre a ciência e os cientistas. Longe disso —
pode-se aprender muito com As Dificuldades de Albert Woods do William
Cooper sobre o papel da personalidade e da ambição na ciência; ou com o
romance do Wallace sobre os ciúmes, rivalidades, política e dramas pessoais que
podem subjazer à fachada branda dos discursos de aceitação oficiais do Nobel.
Mas há algo de errado quando sociólogos da ciência como Mulkay e Woolgar
tentam evitar o “problema da reflexividade” recorrendo às Novas Formas
Literárias. Romances como o de Cooper e o de Wallace veiculam verdades a
respeito da ciência, verdades que poderiam ser afirmadas diretamente. Para
Cooper e Wallace, que não sofrem de más concepções cínicas sobre verdade,
evidência etc., isso não é um problema. Mas para Mulkay, Woolgar & cia., que
sofrem disso, não é uma solução; pois, se não há verdades garantidas a respeito
da ciência para serem afirmadas em artigos sociológicos sóbrios, não há
verdades garantidas a respeito da ciência para serem veiculadas por diálogos
sociológicos fantasiosos, também. O consórcio das NFL não pode evitar a
falência só fingindo fazer o balanço das contas!
Não há nada de errado em examinar textos científicos ou de outro tipo
putativamente afirmativo da verdade de um ponto de vista estilístico. Mas há
algo de errado quando o caráter putativamente afirmativo da verdade e
apresentador das evidências de textos científicos, históricos etc. é exagerado,
turvado e distorcido — é, infelizmente, o que aconteceu quando acadêmicos
literários e retóricos radicais da ciência tentaram cometer assassinato
manipulando as contas de Watson e Crick.
Retórica radical da ciência
O livro de memórias do Watson, A Dupla Hélice, não é em si (na maior parte)
um livro científico, mas um livro autobiográfico-histórico. É uma história muito
pessoal; como diz Watson, em vez de escrever com o benefício do retrospecto,
ele tentou descrever como a aparência das coisas na época, quando ele era muito
jovem e impetuoso. Sir Lawrence Bragg, que escreveu uma introdução gentil,
apesar disso reconheceu que “aqueles que figuram no livro devem lê-lo com um
espírito magnânimo de perdão”. Crick achou o livro vulgar e irritante: “uma
perspectiva tão ingênua e egocêntrica... ao ponto de mal ser credível”; e
considerou a ideia de fazer vingança escrevendo seu próprio livro de memórias,
que teria o título O Parafuso Solto, ou talvez Mais Brilhante que Mil Jims, e
abriria com “Jim sempre foi atrapalhado com as mãos dele”.[593] (James “Jim”
Watson abria com: “Nunca vi Francis Crick com um temperamento modesto”.)
Quando Anne Sayre, biógrafa da Rosalind Franklin, critica o livro do
Watson, é com a base direta que algumas das alegações quanto à verdade que
Watson faz são de fato falsas.[594] A “Rosy” hipersensível, desalinhada e caxias
do livro do Watson, diz ela, tem pouca semelhança com a pessoa real. A Franklin
de verdade não era, como diz Watson, assistente de pesquisa do Maurice
Wilkins, mas uma pesquisadora independente; ela não era, como diz Watson,
teimosamente anti-hélice, mas já tinha reconhecido a estrutura helicoidal da
forma B do DNA; e ela sequer usava óculos, de forma que as especulações do
Watson sobre ela ser mais bonita se tirasse os óculos e fizesse algo com o cabelo
são pura fantasia. Quando Sayre descreve Rosy como uma “ficção”, ela está
usando o termo, como é usado às vezes, de forma pejorativa. Ela está bem ciente
que o livro do Watson não é ficção, no sentido mais comum, mas que tem a
intenção de dar uma descrição verdadeira de eventos reais envolvendo pessoas
reais, ou ao menos uma descrição verdadeira de como Watson percebia aqueles
eventos e pessoas na época. O objetivo dela é, simplesmente, mostrar que o texto
putativamente afirmativo da verdade e autobiográfico-histórico do Watson é, em
vários aspectos, falso. Até aqui, é justo.
Por mais vulgar e irritante que seja, e impreciso sobre a Franklin, o livro
do Watson, como muitos trabalhos de história ou autobiografia — como o diário
do Pepys,[pp] ao qual Bragg e muitos resenhistas o compararam — é escrito com
grande entusiasmo e urgência, e conta uma história singularmente fascinante.
Depois que foi publicado em uma edição crítica pela Norton em 1980, logo
começou a atrair a atenção de acadêmicos literários, dos quais nem todos o
trataram de uma forma tão sóbria quanto Sayre. Escrevendo sobre “A Dupla
Hélice como Literatura”, John Limon brinca com a ideia de analisar o título
como A Dupla Ele-Se. A certa altura, o título de trabalho do livro era Pares de
Base;[595] e Limon, deleitando-se com a vanglória percebida por ele nisso, põe-se
a procurar no texto por evidências de um relacionamento sexual entre Watson e
Crick. “Em uma [fotografia], Crick, à direita e meio elevado, aponta para cima
com algum tipo de instrumento na direção do modelo do DNA; Watson, no canto
inferior esquerdo, olha tão diretamente para cima quanto pode sem virar a
cabeça para trás. Entre eles, sua prole de DNA cresce até o teto”. Evidentemente
desapontado, no entanto, Limon descobre que “cinco páginas depois está a
fotografia reversa. Agora... [Watson] está bem acima e bem maior que
Crick...”[596] Essa parece — bem, uma preocupação estranha, para dizer o
mínimo.
Limon nunca chega a negar totalmente que A Dupla Hélice tem a intenção
de ser afirmativa da verdade; mas toda a discussão dele parece projetada não
para explorar quanta liberdade é permitida pela declarada intenção do Watson de
descrever como as coisas pareciam para ele na época — uma boa pergunta, para
a qual eu gostaria de ouvir a resposta da Sayre —, mas para obscurecer a
questão. Fazendo alusão ao comentário de Bronowski que o livro do Watson
teria sido chamado de Jim Sortudo “se [Kingsley] Amis[qq] não tivesse sido tão
insensível por ter feito esse título famoso antes”, diz-nos Limon que os dois
livros “têm a mesma estrutura básica: fracasso-fracasso-fracasso-sucesso
estrondoso”, a mesma “lógica de desastres” de contos de fadas.[597] Parece que
nunca ocorre a ele que o livro do Watson poderia ter essa estrutura porque o
trabalho científico tinha essa estrutura, muito menos que a lógica da refutação ou
confirmação poderia ser mais apropriada ao propósito. Observando que Watson
poderia ter ambientado o livro em Oxford em vez de em Cambridge, poderia ter
mudado os nomes dos protagonistas, ter mudado o tema para a pesquisa do
câncer, Limon fala do “romance de não-ficção do Watson” — ou, como ele
prefere dizer ao fim do artigo, seu “romance factual”. Mas é enganoso, para
dizer o mínimo, assimilar as memórias autobiográficas do Watson a, digamos, A
Busca de C. P. Snow, que realmente é uma obra de ficção, mas baseada
frouxamente no trabalho pioneiro em cristalografia de raios X do grupo do W. T.
Astbury em ciências têxteis em Leeds.
Ainda assim, as extravagâncias do Limon provavelmente parecem para
você, como parecem para mim, apenas tolice, algo a não ser levado muito a
sério. Mas quando os retóricos, à mercê de metafísica, epistemologia e filosofia
da linguagem ruins, começam a voltar a atenção deles das memórias do Watson
aos artigos científicos dele e do Crick, as coisas ficam mais cabeludas e
medonhas. S. Michael Halloran é um claro e antiquado relativista epistêmico que
oferece uma “retórica da revolução científica” kuhniana vulgar. Notando que o
primeiro artigo de Watson e Crick na Nature foi descrito como o início de uma
revolução na biologia, pressupondo que essa era uma revolução no sentido
kuhniano — que envolvia uma mudança de visão de mundo e um novo
paradigma incomensurável ao antigo, um novo paradigma promovido por
“meios retóricos, presume-se”[598] — Halloran pergunta: por que é que foi esse
artigo de 1953, em vez do artigo de 1944 do Oswald Avery,[599] o que foi
considerado a identificação decisiva do DNA como o material genético e o
marco do início da revolução? E responde: por causa das estratégias retóricas de
Watson e Crick, tais como sua ousadia de usar “nós” em vez de a voz passiva,
descrever seu modelo como “de interesse biológico considerável”, e assim por
diante.
É certo que o artigo deles é, considerando o usual nesse tipo de coisa, bem
vivaz. Eles trabalharam duro para deixá-lo acessível e, sim, atraente; e ele é
eivado de um tipo de animação mal suprimida (é de se surpreender? — afinal de
contas, eles tinham resolvido a estrutura do DNA, descoberto o segredo da vida,
como Crick contava a todos que ouvissem dentro do pub!). Mas pensar que é a
vivacidade do texto, em vez da importância da descoberta, o que dá a esse artigo
o seu lugar singular na história da biologia molecular, é bizarro. Claro, o trabalho
do Avery também era de “interesse biológico considerável”. Mas a principal
razão pela qual ele não iniciou uma revolução não era (como querem fazer
acreditar alguns retóricos) que seu estilo era seco demais, nem (como querem
fazer acreditar alguns sociólogos) que Avery não era parte do Grupo dos Fagos;
[600]
era que, como vimos antes,[601] em 1944 a hipótese do tetranucleotídeo estava
tão entranhada que até o próprio Avery hesitou em fazer a conclusão óbvia de
seu trabalho.[602] Nem é plausível pensar, em absoluto, como presume Halloran,
que o artigo de Watson e Crick começou uma revolução no sentido kuhniano do
termo; onde está a incomensurabilidade com o trabalho preliminar indispensável
do Avery e de todos os outros, ou com o modelo Pauling-Corey que eles
criticaram por ser incompatível com a química conhecida?
Às vezes os cientistas se empolgam demais com as suas ideias: a família
do Darwin fazia troça dele por causa de sua descrição de um cirrípede larval com
“seis pares de patas nadadoras belamente construídas, um par de olhos
compostos magníficos e antenas extremamente complexas” — exatamente como
um anúncio![603] E, sem dúvida, as teorias científicas às vezes vieram a ser
aceitas por causa da habilidade retórica com a qual foram apresentadas. Mas o
trabalho de Watson e Crick não é considerado de modo plausível um exemplo
disso.
Até mesmo Halloran, no entanto, parece tímido quando comparado a Alan
Gross, que anuncia: “Não tenho a mera pretensão de ensaiar a alegação... que
Watson e Crick usam dispositivos persuasivos para convencer os cientistas da
exatidão de sua estrutura; em vez disso, quero apoiar uma alegação mais radical:
que o senso de que uma molécula com essa estrutura de fato existe, o senso de
sua realidade, é um efeito apenas de palavras, números e imagens usadas
criteriosamente para efeito persuasivo”.[604] À primeira vista pode-se pensar que
ele está apenas se equivocando entre a trivialidade que os cientistas foram
convencidos da realidade de uma molécula com tal e qual estrutura por meio de
palavras, diagramas e fotografias nos artigos de Watson e Crick, e a alegação
bizarra que a ideia de que sequer existe tal molécula é uma ilusão criada por
palavras, fotografias etc. Mas há mais para o assunto que isso.
A primeira manobra é enfatizar as “distorções autobiográficas do Watson”:
o exagero dele sobre estar mal preparado para o trabalho, sobre a hostilidade da
Franklin a modelos helicoidais, sobre o risco de Pauling achar a solução
primeiro.[605] Watson, diz Gross, “constantemente coloca-se no papel do caçula
nos contos de fada” (essa leitura, concede ele, “não é original minha”, mas já
sugerida na resenha do Bronowski).[606] Claro, há paralelos entre a narrativa do
Watson e essas histórias folclóricas; mas assim, como costumamos dizer, “a vida
imita a arte”, e a verdade às vezes realmente é mais estranha que a ficção.[607]
Agora, no entanto, Gross acrescenta que Watson escolhe “a verdade psicológica
acima da literal”;[608] e, citando a observação de Richard Lewontin que o livro do
Watson “fala dos sonhos secretos [dos cientistas] com vocabulário familiar”,[609]
e ignorando os muitos cientistas cujas resenhas foram muito críticas, conclui que
os cientistas acharam A Dupla Hélice persuasivo por causa do “encaixe entre a
visão que Watson apresentou e sua própria visão preferida da realidade”.[610] Este
é o gancho no qual ele pendurará sua alegação de que a retórica das memórias do
Watson e do artigo com Crick sobre o DNA é a mesma: os cientistas acham
persuasivas as palavras, fotografias etc. porque elas se encaixam em “sua visão
preferida da realidade”.
A força total dessa expressão só aparece quando, em um epílogo intitulado
“Referência sem Realidade”, Gross endossa o que ele chama de “realismo
motivacional”, a tese de que a possibilidade de teorias genuinamente referenciais
e objetivamente verdadeiras “é a âncora psicológica que dá sentido a uma vida
na ciência”;[611] isto é, que os cientistas não poderiam fazer seu trabalho ao
menos que acreditassem que é possível chegar a teorias verdadeiras sobre as
coisas e eventos no mundo. Talvez seja desnecessário dizer, mas isso não é
realismo coisa nenhuma.
Reconhecendo que esse “realismo” motivacional exige suplementação,
Gross acrescenta um “realismo” retórico supostamente compatível com o
realismo metafísico e que, ao mesmo tempo, é muito similar ao “relativismo
radical” do Modos de Construção de Mundo de Goodman.[612] É difícil ver como
tal feito lógico é possível, já que, de acordo com Goodman, não há um mundo
real, somente as muitas “versões” feitas por artistas, cientistas etc.[613] Então não
é surpresa a descoberta que a suposta compatibilidade do “realismo” retórico do
Gross com o realismo metafísico é atingida pela “redescrição de análises
realistas em termos retóricos”; isto é, pelo esvaziamento do conteúdo para
excluir qualquer referência à experiência, a fatos, à realidade, ou até à coerência,
exceto pela qualificação “cientistas concordam que...” Assim: “a verdade
científica é vista como um consenso a respeito da coerência de uma gama de
elocuções”.[614] Desnecessário dizer, talvez, que verdade científica (ou de
qualquer outro tipo) não é isso; e o realismo retórico do Gross não é realismo
genuíno, não mais que seu realismo motivacional.
Embora sua transmutação de “verdadeiro” obscureça as coisas,
aparentemente a posição do Gross é que, apesar de os cientistas não poderem
fazer seu trabalho ao menos que acreditassem que estão descrevendo uma
realidade independente, essa crença, enquanto é psicologicamente necessária,
não é, no sentido comum da palavra, verdadeira. A ideia de que uma molécula
com essa estrutura duplo-helicoidal existe tem somente, como Gross poderia
dizer, verdade psicológica, não literal. Ou, em linguagem clara: os cientistas só
pensam que ela existe.
Gross não nega que os textos científicos são putativamente afirmativos da
verdade ou putativamente referenciais; os cientistas, concorda ele, acreditam que
estão descrevendo um mundo independente de sua construção de teoria. Mas
isso, pensa ele, é uma ilusão. Watson e Crick não estão exatamente fingindo,
nem fazendo de conta; eles não são completas fraudes, nem simplesmente
escritores de ficção científica. Mas eles são, efetivamente, fabulistas com
autoengano. A diferença entre eles e Benveniste (presumindo que Benveniste
está em autoengano genuíno e não é uma fraude completa) está apenas em seu
maior sucesso em conseguir a concordância de outros em sua comunidade
científica.
Gross vê a ciência como um ateu vê a teologia. Uma crença que uma
divindade existe é a âncora psicológica que faz uma vida na teologia possível; no
entanto, um ateu acrescentaria que, já que essa crença é falsa, os teólogos
(embora não sejam exatamente fraudes, e não sejam exatamente escritores de
ficção religiosa) são, efetivamente, fabulistas com autoengano. Mas a ciência é
diferente da teologia em um aspecto crucial: que há um mundo real que é de
certa forma e não de outra é um pressuposto não apenas da investigação
científica, mas de toda investigação empírica, incluindo a mais comum das
investigações cotidianas a respeito de aquele cheque ter sido compensado, do
que causou aquela goteira no teto etc. — como é, também, da investigação a
respeito dos textos de Watson e Crick.[615]
Como as falsidades que alimentam as ambições da sociologia cínica da
ciência, as falsidades que encorajam as extravagâncias da retórica radical da
ciência apresentam problemas de reflexividade. Se Gross pretende que seu
(ir)realismo retórico seja uma tese completamente geral, ela poderia corroer a
própria reivindicação dele de fazer afirmações verdadeiras sobre textos
científicos. Mas se ele pretende que seu (ir)realismo retórico seja uma tese que
trata especificamente do discurso científico, algum argumento seria necessário
para estabelecer por que, enquanto outros textos, incluído o dele próprio, têm
sucesso em se referir a coisas reais e afirmar verdades sobre elas, os textos
científicos falhariam nisso. Mas parece que ele não vê necessidade nenhuma de
qualquer argumento que mostre que os objetos de estudo natural-científico têm
somente “realidade psicológica”, mas os objetos de estudo retórico são
realmente reais.
É costumeiro distinguir um uso estrito de “retórica” no qual ela contrasta
com a “lógica” e se refere à linguagem emotiva e outros meios não-racionais de
persuasão, e um uso amplo em que ela se refere à arte do discurso em prosa,
incluindo a lógica.[616] Mas essa distinção evapora se, como Halloran, você
pressupuser que Watson e Crick poderiam não estar apresentando evidências
para o seu modelo, somente um “argumento” inevitavelmente circular — um
termo que ele usa de uma forma que tem a garantia de arrepiar os cabelos de um
lógico, com um significado como “desempenho persuasivo”. A distinção
também evapora se, como Gross, você pressupuser que a lógica é apenas retórica
com propósito especial, que “a incompletude da dedução retórica [sic] é
diferente em grau, não em tipo, da incompletude da dedução científica”, e que
“análises retóricas mostram como as ciências constroem suas retóricas
especializadas a partir de uma herança comum de persuasão... [criando] corpos
de conhecimento tão persuasivos ao ponto de parecerem não-retóricos — de
parecerem, simplesmente, como o mundo é”.[617] Turvando a distinção entre
retórica no senso amplo e no senso estrito, os retóricos radicais da ciência, como
os sociólogos cínicos da ciência, conseguem esconder seu profundo ceticismo a
respeito da empreitada científica por trás de uma máscara de neutralidade.
A grande vantagem estratégica de turvar a distinção entre investigação e
discurso, de dar foco exclusivo a textos científicos e ignorar sua relação com o
mundo, é que a retórica toma o seu lugar como disciplina-mestra. Gross não é
tímido a respeito disso; aparentemente contagiado pela franqueza do Perutz, no
prefácio à segunda edição, de 1996, ele contrasta seu próprio livro inovador com
monografias sérias como Moldando o Conhecimento Escrito, do Charles
Bazerman, e se gaba que era necessário quando A Retórica da Ciência foi
publicado da primeira vez precisamente “um livro [como o meu] com um título
abalizado por uma grande editora, que faça reivindicações ousadas para o lugar
da retórica no entendimento da ciência”.[618]
Meros dois anos depois, no entanto, ele escreve que a incapacidade dela de
resolver os nossos problemas políticos mais prementes não altera o fato de que
“a ciência é o melhor e o único modo de descobrir a verdade a respeito do
mundo material”.[619] Claro, isso não é uma concessão se ele ainda pensa que a
verdade é só “um consenso a respeito da coerência de uma gama de frases”.
Porém, ao menos parece ser uma reversão notável. Então pronto, como diria o
Underground Grammarian; não te deixe desanimar nada! Mas é hora de partir
para outra.
Retórica razoável da ciência
Um retórico razoável da ciência será sensível, como é Bazerman, às diferenças
entre diferentes tipos de texto e ciente da relatividade do estilo ao propósito e ao
público, da evolução da linguagem científica com o crescimento do
conhecimento científico, da referência e a verdade como conquistas que são ao
mesmo tempo empíricas (limitadas pelo mundo) e sociais (o trabalho de uma
vasta comunidade intergeracional).
Todo cientista, se não for começar em uma parte das palavras cruzadas
sozinho e do zero, depende de outros — dos resultados de experimentos que
outros fizeram, de instrumentos que outros projetaram, de conjecturas que outros
pensaram, de vocabulário que outros introduziram: um agregado de evidências
tornado possível em parte por meio de artigos, apresentações, manuais etc. O
ideal é que o grau de credibilidade dado a uma alegação dentro da
subcomunidade relevante dependa da qualidade das evidências que ela tem, para
que a transmissão de informação dentro da comunidade científica maximize a
eficiência epistemológica.
O quão eficiente é o processo de transmissão dependerá em parte de quem
controla os periódicos, quão honesto é o processo de arbitragem, quem escreve
para e fala com quem, e se há meios efetivos de encontrar material relevante;
mas também dependerá em parte de fatores amplamente retóricos tais como a
inteligibilidade, clareza e explicitude da comunicação dos cientistas uns com os
outros. “Com” é importante; a transmissão eficiente de resultados depende do
público, além do apresentador. Quando Marshall Nirenberg leu pela primeira vez
seu artigo a respeito do problema da codificação em Moscou, em 1961, só
algumas pessoas apareceram; uma fotografia de uma pequena plateia mostra
várias pessoas aparentemente dormindo. Mas ao menos uma pessoa estava
“muito atenta”; e ela contou a Crick, que chamou Nirenberg a apresentar o artigo
mais uma vez, no fim do evento, no salão nobre, agora com uma plateia de
centenas. “Dessa vez, a apresentação dele”, escreveu mais tarde Crick, “eletrizou
a plateia”.[620]
Há uma distinção verdadeira entre modos de comunicação que promovem
a correlação epistemologicamente desejável e aqueles que a impedem, ilustrada
pelo contraste entre esses casos: (1) uma alegação científica vem a ser aceita
dentro da subcomunidade relevante porque evidências fortes são comunicadas
com clareza em um artigo de periódico ou apresentação de conferência; (2) uma
alegação científica vem a ser aceita na ausência de boas evidências porque é
promovida por meio de linguagem emotiva, metáforas chiques (e/ou fotografias
impressionantes, coletivas de imprensa melodramáticas etc.).
Porém, na prática, raramente há uma divisão clara de casos assim; e o
modo comum de traçar a distinção — “mera retórica”, de um lado, contra
“lógica”, do outro — deixa muito a desejar. Como insiste Deirdre McCloskey, a
distinção não é simples;[621] mas a falha das tentativas simplificadas em traçá-la
não mostra que não há distinção legítima a ser feita. Lançar suspeitas sobre a
competência de um adversário, por exemplo, que à primeira vista soa
definitivamente como algo na categoria epistemicamente ineficiente, não pode
ser classificado automaticamente como mero insulto; pois a garantia depende em
parte da base de cada cientista para confiar na competência dos outros de cujo
trabalho ele depende — um pensamento que me traz à mente o problema que às
vezes tenho quando pego numa revista de linha aérea as palavras cruzadas que o
passageiro antes de mim deixou. Do mesmo modo, a vivacidade do texto não
pode ser automaticamente classificada como mero apelo à emoção; pois um
artigo ou apresentação enfadonho demais para segurar a atenção de uma plateia
falhará em transmitir informações com sucesso.
O tipo epistemologicamente desejável de comunicação não pode ser uma
questão de mera Sprachetik,[rr] de normas sobre a boa conduta conversacional —
ao menos não como tais normas são entendidas comumente. McCloskey escreve
a respeito de ouvir, prestar atenção, não elevar a voz;[622] no entanto, como
observa Crick, refletindo a respeito de seu relacionamento profissional com
Watson, a colaboração bem-sucedida exige que “você deve ser muito franco,
poder-se-ia dizer até mal-educado, com a pessoa com a qual você está
trabalhando”; quando “a polidez se estabelece... esse é o fim de uma boa
colaboração na ciência”.[623]
Mas a apresentação de evidências com clareza também não pode ser
descrita muito propriamente como “lógica”. A cogência formal lógica é
necessária — se o modelo Pauling-Corey estivesse correto, tais e quais
consequências se seguiriam; mas essas consequências são incompatíveis com a
química conhecida; logo..., etc.; mas não é suficiente. Não apenas as evidências
se ramificam em todas as direções em uma estrutura mais parecida com um jogo
de palavras cruzadas do que com uma prova lógica, mas — o ponto que mais
interessará o estudante sério da linguagem científica — por causa da conexão do
grau de sustentação das evidências com a explicatividade, e da explicatividade
com os tipos, os vocabulários das ciências se transformam e mudam enquanto as
classificações são revisadas e refinadas.
Assim, a retórica da ciência tratará não apenas das questões a respeito da
transmissão da informação, mas também das outras questões ainda mais
próximas do cerne da investigação científica, a respeito da forma como o
vocabulário da ciência cresce e absorve informação. O progresso não é sempre
uma matéria de deslocar os valores-verdade atribuídos a proposições em um
vocabulário fixo; com frequência envolve mudança, refinamento, modificação
ou espessamento do próprio vocabulário. A investigação científica é dificultada
sem boa terminologia, e a boa terminologia científica é em si uma conquista da
investigação, densa com teoria.
Um exemplo simples: depois das primeiras observações de cristais do
pigmento do sangue, em 1864, Felix Hoppe-Seyler deu à proteína cristalizada do
sangue o seu nome: “hematoglobina” ou “hemoglobina”. Como diz Judson, “a
palavra se decompõe como a molécula”:[624] “heme”, da palavra grega para
sangue, adotada para se referir exclusivamente ao componente não protéico
dotado de ferro; e “globina”, para a parte protéica incolor. Um exemplo menos
simples: em 1869, Friedrich Meischer descobriu uma substância no núcleo, mas
distinta das proteínas, cuja função ele pensou que era o armazenamento de
fósforo; ele a chamou de “nucleína”. Em 1889, Richard Altmann teve sucesso
em obter a nucleína livre de proteínas e chamou esse componente dotado de
fósforo de “ácido nucléico”. Somente em 1944 o DNA adquiriu seu nome
notavelmente informativo “ácido nucléico de desoxirribose”,[625] e só em 1952
foi geralmente reconhecido como o material genético. Depois, mais uma vez,
descobriu-se que “ácido nucléico de pentose” era, mais especificamente, o ácido
ribonucléico, mais tarde reconhecido como ácidos, no plural (e encontrado na
maior parte não no núcleo, mas no citoplasma); e então, quase um século depois
de “nucleína” ter sido cunhado, tínhamos “RNA transportador”, “RNA
mensageiro” e assim por diante (ver quadro sobre a arqueologia linguística de
“RNA mensageiro”).[626]
A teoria é falível; e a terminologia científica pode ser ruim ou boa, e pode
às vezes falhar em selecionar algo real. Enquanto as teorias são modificadas, os
significados vão se transformar, e a tradução de uma teoria posterior para o
vocabulário de uma anterior pode ser factível somente por meio de um
circunlóquio atrapalhado. Isso depõe a favor de uma versão modesta do que os
filósofos da linguagem científica chamam de tese da “variância de significado”:
termos científicos absorvem novo conteúdo conforme a investigação progride; e,
quando as novas teorias substituem as velhas, os significados de alguns dos
termos mantidos ao longo da mudança de teoria mudarão, de modo que a mesma
forma das palavras não terá sempre o mesmo significado na nova teoria como na
antiga. Não se segue disso, como alguns pensaram, que teorias supostamente
rivais são sempre logicamente incomparáveis, e, assim, não realmente rivais.
Teorias supostamente rivais são ou intertraduzíveis (talvez somente por meio de
paráfrases com delongas), ou não são. Para que duas teorias sejam
incompatíveis, alguma alegação feita por uma deve se traduzir para a negação de
alguma alegação feita pela outra. Assim, se as teorias não são intertraduzíveis,
elas são compatíveis uma com a outra; mas se elas são intertraduzíveis, elas
podem ser logicamente compatíveis ou incompatíveis uma com a outra.
Metáforas são uma fonte de terminologia científica nova; mas esse não é,
de forma alguma, seu único papel na ciência. Algumas metáforas científicas,
embora sejam cognitivamente não essenciais, lubrificam as rodas da
comunicação de forma satisfatória. Os experimentos de Hershey e Chase
identificando o DNA como o material genético ficaram conhecidos como os
“experimentos do liquidificador Waring”,[ss] porque foi o aparelho que usaram
para remover a capa viral de bactérias infectadas com vírus. Os experimentos de
Wollman e Jacob (que também usaram um liquidificador Waring, que Wollman
comprara de presente para a sua esposa que, no entanto, “tinha completa aversão
a esse instrumento”, pois não tinha lugar numa cozinha francesa decente)
ficaram conhecidos como os experimentos do “coito interrompido”, porque
interrompiam o processo a intervalos regulares. Enquanto os experimentos
progrediam, Jacob e Wollman começaram a hipotetizar que o “macho” transfere
um longo pedaço de seu cromossomo para a “fêmea” com um itinerário temporal
muito específico, encerrado quando o cruzamento é interrompido; daí a boa
expressão do Jacob, “a Hipótese do Espaguete”.[627]

A Arqueologia Linguística do “RNA mensageiro”


RNA mensageiro (1961): um RNA que carrega o código para uma
proteína em particular a partir do DNA nuclear para um ribossomo no
citoplasma e age como um molde para a formação dessa proteína.
ribossomo (por volta de 1958): um dos grânulos citoplasmáticos ricos
em RNA que são os locais da síntese de proteínas.
RNA (1948): um dos vários ácidos nucléicos que contêm ribose e uracila
como componentes estruturais e são associados ao controle das
atividades celulares.
DNA (1944): um dos vários ácidos nucléicos que são localizados
especialmente no núcleo das células, são a base molecular da
hereditariedade em muitos organismos, e são constituídos de uma dupla
hélice sustentada por pontes de hidrogênio entre bases de purina e
pirimidina que são internas às duas cadeias, que contêm ligações
alternadas de desoxirribose e fosfato.
citoplasma (1874): o protoplasma de uma célula que é externo à
membrana nuclear.
proteína (por volta de 1844): uma de numerosas combinações naturais
extremamente complexas de aminoácidos que contêm os elementos
carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, geralmente enxofre e
ocasionalmente outros elementos.
núcleo (1704): uma organela celular que é essencial às funções da célula,
... composta de um líquido nuclear e uma rede rica em nucleoproteínas
da qual emergem cromossomos e nucléolos, e é encapsulada por uma
membrana limítrofe.[tt]
“Todo símbolo é uma coisa viva, seu significado cresce inevitavelmente,
incorpora novos elementos e joga fora os velhos. A ciência está
continuamente ganhando novas concepções... Quantas coisas mais a
palavra eletricidade agora significa que nos dias do Franklin; quanto
mais o termo planeta significa agora que nos tempos do Hiparco. Essas
palavras adquiriram informações.”
— C. S. Peirce
“Lembre-se que naquele tempo até termos aplicáveis eram difíceis de
achar. Eu estava tentando dizer que havia algo mais além dos genes;
depois comecei a chamá-los elementos de controle.”
— Barbara McClintock, recordando seu trabalho a respeito de sistema de
controle genético que ela começou em 1944-45.
Mas algumas metáforas científicas vão além da expressão meramente
pitoresca; elas são instrumentos especulativos sérios. A utilidade cognitiva de
tais metáforas, na pesquisa científica e alhures, é direcionar a investigação para
novas avenidas; seu valor, portanto, depende da fecundidade do território
intelectual ao qual levam essas avenidas.[628] Algumas metáforas científicas
aproveitam fenômenos sociais familiares; mas um retórico razoável resistirá à
tentação de julgar seu valor pela referência à (in)desejabilidade do fenômeno
social em questão. Se, por exemplo, ele se interessa pela metáfora do
investimento parental do William Hamilton — descrita pelo Robert Trivers
como “o avanço mais importante na teoria evolutiva desde o trabalho de Charles
Darwin e Gregor Mendel”[629] —, terá menos interesse nos méritos do
capitalismo do que em como a metáfora dá lucro (desculpe-me!) em termos
literais, e a firmeza com a qual a descrição resultante para em pé. Entretanto,
como logo descobri, essa não é uma tarefa simples para um forasteiro; pois a
metáfora do investimento parental parece ter mudado enquanto passava de mão
em mão, explicada ora de um jeito, ora de outro. O próprio Hamilton, até onde
pude ver, não usa o termo; mas na introdução a seu artigo de 1964 oferecendo
um modelo matemático da aptidão inclusiva que permitirá “um limite restrito ao
comportamento egoísta competitivo e [a] possibilidade do autossacrifício
limitado”, ele escreve sobre “sacrifícios envolvidos no cuidado parental”.[630]
Trivers define o investimento parental como “qualquer investimento pela mãe ou
pai em um filhote individual que aumente as chances do filhote de sobrevivência
(e, assim, de sucesso reprodutivo) às custas da capacidade da mãe ou pai de
investir em outros filhotes”, incluindo o custo de produzir o material
reprodutivo, mas também o tempo ou esforço gasto em benefício do filhote. “A
regra geral”, diz ele, “é esta: as fêmeas fazem todo o investimento e os machos
não fazem nenhum”. A ideia do investimento parental, sugere ele, explica entre
outras coisas a insegurança sexual de pombos machos basicamente
monogâmicos, e sua tendência a se desviarem para outras fêmeas.[631]
Martin Daly e Margo Wilson, que atribuem a metáfora do investimento
parental a Ronald Fisher e Trivers, observando que “todo animal é um
investidor” e que “o retorno último é sempre... a inclusão dos genes do
investidor nos pools gênicos futuros”, também sugerem, por causa do tamanho
muito maior dos óvulos em relação aos espermatozoides, que “o investimento
parental da fêmea em cada prole excede o do macho”. No entanto, reconhecem
eles, “a aplicação do modelo econômico raramente é direta na prática”, e as
estratégias reprodutivas do macho e da fêmea não são sempre tão diferentes.[632]
Richard Dawkins também se preocupa com óvulos caros versus espermatozoides
baratos, mas reconhece outros custos como alimento, risco e tempo dedicado à
manutenção do ninho. “Os indivíduos de ambos os sexos ‘querem’ maximizar
sua produção reprodutiva total”, escreve ele, e “os machos são em geral
propensos a serem enviesados na direção da promiscuidade e da falta de cuidado
parental”. A depender de qual contra-estratégia evolui na fêmea, podemos
esperar encontrar espécies com “garanhões” (fêmeas rápidas, machos
promíscuos) e espécies com “felicidade conjugal” (fêmeas recatadas, machos
fiéis); na prática, acrescenta Dawkins, encontramos todas as intermediárias entre
esses dois polos, inclusive algumas em que os pais fazem mais cuidado parental
que as mães. Ele não discutirá, diz ele, o que poderia predispor uma espécie na
direção de uma forma de sistema de reprodução em vez de outra.[633] Ele e David
Barash, seguindo a metáfora em outra direção, enfatizam que o investimento
parental passado é, como dizem os economistas, “custos irrecuperáveis”; a
questão crucial é “Qual é o melhor curso de ação agora?”, não “Quanto eu já
investi?”[634]
E. O. Wilson define o investimento parental como “o comportamento em
direção à prole que aumenta a aptidão da última às custas da capacidade da mãe
ou pai de investir em outra prole”; assim, ao que parece, incluindo somente os
custos da criação dos filhotes, não os custos da sedução ou do tamanho relativo
do óvulo versus o espermatozoide. A metáfora do investimento parental, diz ele,
deu origem a novos insights a respeito de “proporções entre sexos, contratos
nupciais, conflito pai-prole, luto pela perda de um filho, abuso infantil e
infanticídio”.[635]
Tudo isso sugere — um ponto importante, penso eu — que uma metáfora
científica séria pode levar pessoas diferentes a direções diferentes, talvez
algumas melhores e algumas piores. Apesar das diferenças aparentes a respeito
de quais custos estão incluídos no investimento parental e do que é explicado
pela maximização do investimento, a metáfora teve um papel importante
evidente em permitir o entendimento de como a evolução poderia explicar o
comportamento “altruísta”. Ainda assim, ao notar que Trivers brinca que o
salário que a Universidade de Harvard lhe pagava pelas aulas do sucesso
reprodutivo era inadequado para sustentar o dele próprio,[636] e como Dawkins
fala constantemente do que os organismos “deveriam ‘querer’”, pergunto-me se
a metáfora também não ajudou a desligar o pensamento crítico a respeito da
interação entre o social e o biológico no comportamento sexual humano: por
exemplo, a respeito da razão pela qual, se a fêmea recatada é a posição biológica
padrão, muitas sociedades acham necessário impor sanções duras sobre as
mulheres que não são recatadas o suficiente.
Chegar ao fundo disso tudo, no entanto, mesmo supondo que eu
conseguiria, seria toda uma outra empreitada. O que quero enfatizar aqui é que
uma retórica razoável da ciência reconhecerá que uma metáfora pode ser um
guia melhor ou pior; que o progresso pode ser permitido pela transmissão
epistemicamente eficiente da informação, ou dificultado pela transmissão
epistemicamente ineficiente; que os termos científicos podem absorver
informação, ou desinformação, e às vezes (na maior parte nas ciências sociais,
mas talvez não apenas nelas) uma coloração valorativa; e assim por diante.
Afinal, a ciência é uma empreitada profundamente humana: falível e imperfeita,
atrapalhada e irregular, mas, apesar disso tudo, notavelmente bem-sucedida,
considerando empreitadas humanas.
E para concluir
A ciência e a literatura são ambas empreitadas humanas, é claro, embora no meu
entender sejam bem diferentes. Isso não é para negar que usam algumas das
mesmas capacidades humanas; é claro que usam — como o balé e o basquete, ou
a química e a culinária. E também não é para fazer algum julgamento a respeito
de seu valor relativo. A literatura ou a ciência é mais valiosa? A pergunta parece
para mim tão irrespondível quanto “Você gostaria de ser cego ou surdo?”
Preocupações a respeito das “duas culturas” ou, mais recentemente, as
“guerras culturais”, as “guerras científicas” etc. dão foco na maior parte a
perturbações num copo d’água acadêmico. A mais incômoda dessas, para mim,
não é tanto a ignorância dos professores de Letras a respeito de ideias e teorias
científicas específicas, mas um enfraquecimento de sua compreensão das
diferenças entre investigação e ficção; e o fato de que alguns dos danados
professores de filosofia tentaram imitá-los, transmutando a sua empreitada de
um tipo de investigação — o que a filosofia deve ser, se for para ter algum valor
— para só “um tipo de texto”.[637]
Mas outras questões sobre o papel da ciência na nossa cultura não são
acadêmicas em nenhum dos dois sentidos da palavra. A admiração pelas
conquistas das ciências de forma alguma exclui o reconhecimento de que há
preocupações legítimas a respeito do lugar da ciência na sociedade, a respeito do
acesso à informação científica, prioridades de financiamento, regulação de
pesquisas potencialmente perigosas, aplicação de resultados científicos e assim
por diante. Essas questões não podem ser deixadas de forma responsável para os
cientistas sozinhos; mas resolvê-las de um jeito sábio exige boas informações a
respeito das obras científicas relevantes — algo nada fácil. Até os próprios
cientistas, não importa o quão bem-informados estejam sobre os
desenvolvimentos na sua especialidade, precisam confiar em outrem nas outras
áreas da ciência; e o resto de nós temos de confiar nos cientistas e jornalistas
científicos capazes e dispostos a comunicar desenvolvimentos científicos para o
público leigo. Do mesmo modo, enquanto os tribunais dependem cada vez mais
das evidências científicas, o problema de como discriminar o trabalho decente da
especulação débil se torna cada vez mais agudo. Mas agora estou me
enveredando por todo um novo caminho espinhoso.
Capítulo 9: Emaranhada no Espinheiro
A Ciência no Direito

[H]á diferenças importantes entre a busca pela verdade no


tribunal e a busca pela verdade no laboratório. As
conclusões científicas estão sujeitas à revisão perpétua. O
direito, por outro lado, deve resolver disputas definitiva e
rapidamente. O projeto científico avança pela consideração
ampla e abrangente de múltiplas hipóteses, pois aquelas
que são incorretas assim serão reveladas, o que é em si um
avanço. As conjeturas que estão provavelmente erradas de
nada adiantam, no entanto, no projeto de chegar a um
acórdão jurídico rápido, definitivo e vinculativo — amiúde
de grande consequência — sobre um conjunto em
particular de eventos no passado.
— Juiz Harry Blackmun[638]

A ciência está emaranhada com a sociedade de várias formas: com a indústria, a


educação, a imprensa, a religião e a lei. E a ciência está emaranhada com a lei de
várias formas: na regulação legal da pesquisa científica; na lei de patentes e
propriedade intelectual; em casos constitucionais sobre o criacionismo nas aulas
de ciência;[639] em batalhas judiciais sobre a questão de restos humanos antigos
descobertos recentemente deverem ser entregues às tribos nativas americanas
que os reivindicam, ou poderem ser investigados por cientistas para determinar
sua origem;[640] e — o tópico em foco aqui — em normas e decisões sobre que
depoimento científico é admissível em tribunal. Minha preocupação, para ser
precisa, será a rede de normas em evolução, os precedentes e as práticas que o
direito desenvolveu para lidar com evidências científicas e reconciliar os valores,
práticas e prioridades da ciência com as suas próprias.
Mesmo este tópico relativamente limitado apresenta complexidades
tremendas; pois o direito, como sugere a metáfora maravilhosa do espinheiro do
Carl Llewellyn, realmente é vivo, em constante crescimento e — embora
produza um fruto valioso — espinhoso e convoluto, às vezes com uma aparência
impenetrável. Além disso, em casos criminais e cíveis, as cortes precisam
chamar por pareceres científicos de quase todo tipo imaginável: evidências
forenses de identificação como impressões digitais, análise de sangue ou DNA,
identificação de balas ou marcas deixadas por ferramentas ou mordidas;
evidências psicológicas sobre a confiabilidade de depoimentos de testemunhas
ou da memória, sobre a insanidade, incompetência mental, síndrome da esposa
espancada, síndrome do trauma por estupro, memórias recuperadas, ou
periculosidade futura; evidências toxicológicas e epidemiológicas do risco de
medicamentos e procedimentos médicos, ou da exposição a este ou àquele
produto químico; diagnósticos das causas de explosões em pneus ou em
caldeiras; etc. etc.
As evidências do DNA ilustram vividamente tanto o potencial quanto os
problemas. Quem poderia imaginar, quando o DNA foi primeiro identificado
como o material genético meio século atrás, que a análise do DNA teria chegado
a um papel tão importante no sistema de justiça criminal, e na percepção pública
do direito? Mesmo 20 anos atrás, os cientistas forenses só podiam dizer se uma
amostra de sangue era de animal ou humana, de homem ou mulher, e, se
humana, de que tipo — com o tipo mais incomum de sangue sendo encontrado
em 3% da população americana, e o mais comum em 43%. A análise do DNA
tornou possível a identificação enormemente mais precisa (supostamente, o
laboratório do FBI estimou a probabilidade de uma identificação errada da
mancha de sêmen do presidente Clinton no vestido da Monica Lewinsky em 1
em 7,87 trilhões). Introduzida pela primeira vez em um caso criminal nos
Estados Unidos em 1986, seu poder de capacitar a justiça foi impressionante; ao
ponto da primavera de 2002, o teste de DNA havia exonerado mais de cem
prisioneiros, inclusive um número significativo no corredor da morte.
Apesar de muitas complicações práticas e legais — amostras podem ser
perdidas ou destruídas; os testes são caros; em algumas jurisdições é necessário
litigar para que os resultados dos testes sejam levados em conta após a exaustão
dos recursos de apelação — o sistema legal começou lentamente a se adaptar. De
fato, as evidências de DNA são tão poderosas que já trouxeram modificações à
ênfase tradicional do direito em “acórdãos rápidos, definitivos e vinculativos”:
alguns estados passaram legislação autorizando a testagem de DNA pós-
condenação, e alguns estenderam ou eliminaram períodos de prescrição para a
disponibilidade da evidência de DNA; outros têm legislação pendente.[641]
Obviamente, policiais e laboratórios são falíveis; às vezes, por exemplo, as
amostras não são apresentadas às cegas, mas de um jeito que sugere que uma
identificação positiva é esperada. Além disso, a análise do DNA pode descartar
um suspeito com uma certeza maior do que pode identificar um perpetrador, o
que existe às vezes pressupostos problemáticos sobre o grupo de referência.
Então, é sem surpresa que a evidência de DNA não apenas é uma ferramenta
poderosa para exonerar os inocentes e identificar os culpados, mas também
(como mostrou o caso O. J. Simpson para todos nós) poderosa e potencialmente
confusa. Os júris podem ficar perplexos quando se pede que pesem uma
probabilidade extremamente alta, presumindo que o teste foi conduzido
apropriadamente, de que um réu inocente não teria o mesmo perfil de DNA do
perpetrador, com uma probabilidade muito menor, mas não desprezível, de que o
laboratório possa ter cometido um erro ou que a amostra possa ter sido
contaminada.[642] Um juiz adepto de Carnap, no Canadá, não queria permitir que
especialistas em DNA depusessem sobre a probabilidade de concordância
aleatória — temendo que, em vez de considerá-la junto às outras provas, o júri
simplesmente a tomaria como a probabilidade de o réu ser culpado.[643] Nos
Estados Unidos, alguns criminosos sofisticados não só aprenderam como evitar
deixar pistas que poderiam identificá-los, como ao menos um prisioneiro
aparentemente tentou explorar o potencial da confusão ao pedir e obter um teste
de DNA — o que, no entanto, confirmou sua culpa.[644]
Mais recentemente, foram as exonerações dramáticas por causa do DNA
que chegaram às manchetes: “A Pena de Morte em Julgamento”, “DNA: O
Grande Detetive”, e assim por diante. Poucos anos atrás, no entanto, eram as
evidências epidemiológicas, toxicológicas, clínicas etc. em grandes casos de
danos cíveis que faziam notícia. E aqui, no rescaldo de um livro influente,
Galileo’s Revenge, em que Peter Huber enfatizou a ganância dos advogados de
requerentes que queriam ganhar honorários vultosos vencendo casos com
“ciência lixo”,[645] o que estava em primeiro plano não era o potencial das
evidências científicas de ajudar no processo jurídico de busca de fatos, mas o
perigo de que os júris seriam ludibriados por especulação científica frouxa. Os
críticos do Huber, tais como Kenneth Cheseboro, estavam mais inclinados a pôr
a ênfase nas grandes empresas que queriam evitar pagar compensação às vítimas
de seus produtos lucrativos, mas perigosos.[646] Porém, em 1997, quando o caso
General Electric Co. vs. Joiner chegou à Suprema Corte, as manchetes no Wall
Street Journal anunciaram: “Juízes Ficam Desconfiados de Especialistas
Depoentes”; que estão “Céticos quanto à Ciência Sem Comprovação” — e
quanto ao “Depoimento de Amadores”.[647]
A história dos esforços para assegurar que, quando o sistema jurídico
depende de depoimento científico, ele não seja especulação frouxa, mas trabalho
decente, é longa e tortuosa. Na verdade, conforme as normas legais e os padrões
de admissibilidade para tal depoimento são formulados e reformulados,
interpretados e reinterpretados, repudiados e reestabelecidos, conforme uma
normal é julgada restritiva demais e substituída por outra que é supostamente
menos restritiva, mas que submete o depoimento científico oferecido a escrutínio
bem mais sério, as coisas começam a parecer nada além de uma dança formal:
dois passos adiante, três passos para trás, um passo para a frente — ou, talvez,
conforme a responsabilidade é passada dos júris para os juízes para a
comunidade científica, uma brincadeira de passa-anel.
A maioria dos comentaristas põem o foco primário nos problemas legais,
políticos, práticos e institucionais do depoimento científico — nos excessos e
abusos do processo adversarial, nas decisões espantosas de júris e enormes
honorários de êxito da ação no sistema de danos cíveis, entre outros. Todavia, a
julgar pela frequência com que, na história jurídica do depoimento científico,
pressupostos implícitos e explícitos sobre a natureza da evidência científica e do
caráter da pesquisa científica foram determinantes, há algo a respeito do
depoimento científico que encoraja e permite a operação das motivações escusas
descritas por Huber e Cheseboro; isto é, os problemas são em parte
epistemológicos. Na verdade, creio que os problemas epistemológicos são
fundamentais; mas são ampliados e potencializados por aqueles fatores legais,
políticos, práticos e institucionais.
Isso foi vislumbrado pelo Learned Hand quando ele escreveu, já há um
século, que o depoente especialista é “uma anomalia”: uma anomalia do ponto
de vista legal porque, diferente de outras testemunhas ou depoentes, permite-se
que o especialista dê a sua opinião; e uma anomalia de um ponto de vista
epistemológico porque, quando as partes apresentam especialistas contrários, o
júri deve decidir “entre os dois pareceres, cada um fundamentado numa
experiência estranha em seu tipo à dos jurados”, quando “é só porque os jurados
são incompetentes para tal tarefa que o especialista se faz necessário, afinal”.
Com os especialistas depoentes, continuou Hand, colocamos o júri “para tomar
decisão onde os doutores discordam”.[648]
Hand reconhece uma das dificuldades epistemológicas: embora a
investigação científica seja contínua com a investigação empírica cotidiana,
geralmente não há forma de julgar o valor da evidência científica sem um
conhecimento substancial da área em questão. Quando uma pessoa leiga, ou
mesmo um cientista de outra especialidade, tenta julgar a qualidade das
evidências para uma alegação científica, está sujeito a se encontrar na posição do
americano médio instado a julgar a razoabilidade de sugestões para itens num
jogo de palavras cruzadas em que, embora algumas dicas pareçam estar num
dialeto estranho do inglês, as soluções são todas em língua bengali e exigem um
conhecimento do islã. Hand também reconhece uma das formas pelas quais o
sistema adversarial pode ampliar essa dificuldade epistemológica: quando os
especialistas são contratados pelas partes, há um incentivo embutido para
apresentar evidências de uma forma tendenciosa, e para omitir ou obscurecer
fatos constrangedores. Mas quando Hand exalta peritos ou assistentes técnicos
designados pelas cortes como uma solução simples, ele revela que não percebeu
todas as dificuldades epistemológicas. Talvez ele pense que os especialistas só
discordam porque foram contratados pelas partes para tanto; mas não há garantia
de que os especialistas de um campo científico não discordarão às vezes por
razões legítimas. E não parece ocorrer a ele que, às vezes, respostas garantidas
possam estar simplesmente indisponíveis para qualquer um.
Alguns comentaristas epistemologicamente ambiciosos defenderam, com
efeito, que a verdadeira explicação do conhecimento científico é tal-e-tal, e que,
em consequência, a fórmula ou procedimento legal correto para lidar com
evidências científicas no tribunal é tal-e-qual.[649] Meu propósito aqui não é tão
ambicioso. Concordo que os esforços jurídicos de separar o joio do trigo da
evidência científica decente muitas vezes se basearam em falsos pressupostos
sobre a ciência e como ela funciona. Infelizmente, no entanto, quando
corrigimos esses pressupostos falsos, nenhuma solução fácil ou óbvia aparece de
repente. Porém, podemos começar a apreciar por que razão se mostrou
impossível a tarefa de encontrar uma forma jurídica das palavras que
assegurariam que somente evidências científicas decentes sejam admitidas, ou
uma forma simples de delegar a responsabilidade aos próprios cientistas; e,
talvez, aceitar que os erros são inevitáveis, para nos perguntarmos que tipos de
erro devemos estar mais ou menos preparados para tolerar.
Começarei com uma breve história jurídica; e depois, aproximando-me
com muito cuidado daquele espinheiro legal com minha tesoura de poda
filosófica, tentarei identificar algumas das confusões sobre a ciência que
impediram os esforços jurídicos e legais de distinguir evidências científicas
decentes de lixo, e alguns dos modos pelos quais o sistema legal amplia e
potencializa as dificuldades inevitáveis apresentadas pelo depoimento científico.
O Direito e o Depoimento Científico: Uma Breve História
Era uma vez, em casos em que o conhecimento de especialistas era necessário,
quando jurados com a competência necessária eram especialmente selecionados
— por exemplo, um júri de açougueiros quando o réu era acusado de vender
carne podre; e às vezes pessoas especialmente qualificadas seriam chamadas
para ajudar a determinar alguma questão de fatos que o tribunal tinha que decidir
— por exemplo, mestres da gramática para ajudar a interpretar palavras dúbias
em obrigações de dívida pública. Hand relata que o primeiro caso que ele
encontrou de depoimento de especialista como uma exceção à regra de que as
opiniões de um depoente ou testemunha são inadmissíveis foi em 1620, no caso
Alsop vs. Bowtrell (ver linha do tempo a seguir).[650] E, somente depois de um
tempo considerável, com a evolução gradual do sistema adversarial e a ascensão
da legislação sobre evidência de rumores,[uu] é que encontramos especialistas
depoentes chamados pelas partes e sujeitos a interrogatório; Stephan Landsman
chama a atenção para o caso Folkes vs. Chadd (1782) — no qual o Lorde
Mansfield “deu o selo de aprovação da corte a todo o aparato adversarial,
inclusive especialistas rivais, perguntas hipotéticas e avaliação do júri”[651] —
como um exemplo precoce do depoimento de especialista nesse sentido
moderno.

Linha do Tempo de Casos e Normas Selecionados


1620. Alsop vs. Bowtrell [Inglaterra]: primeiro caso de depoimento de
especialista como exceção à regra de que as conclusões de um depoente
são inadmissíveis.
1923. Frye: evidência científica nova só é admissível se for
“suficientemente estabelecida como amplamente aceita no campo em
particular a que pertence”.
1975. Normas Federais das Evidências (NFE): 104(a): papel mediador da
corte; 401: evidência relevante é admissível ao menos que previsto de
outra forma em lei; 403: prejuízo injusto, confundir ou induzir o júri a
erro, e perda de tempo são fundamentos de exclusão; 702: evidência de
perito, incluindo a evidência científica, é admissível vedados os casos
sob a cláusula 403; 706: o tribunal pode escolher os seus próprios peritos
para depor.
1983. Barefoot: os direitos constitucionais do réu não foram violados ao
se admitir depoimento psiquiátrico a respeito de sua periculosidade
futura (mas a Associação Americana de Psiquiatria relata que duas em
três dessas previsões dão em erro). As normas das evidências “antecipam
que evidências relevantes e não-privilegiadas devem ser admitidas, e seu
peso é de responsabilidade do angariador de fatos [tipicamente juiz ou
júri]”.
1985. Downing: o teste multifatorial “no espírito das Normas Federais”:
o depoimento de especialista deve ser relevante, não confundir ou induzir
a erro o júri, e deve ser confiável.
1993. Daubert: NFE suplantam Frye. A decisão interpreta que as NFE
exigem que a corte faça uma triagem das evidências científicas
oferecidas por relevância e confiabilidade. Ao julgar a confiabilidade, os
tribunais devem olhar a metodologia, não as conclusões, dos
especialistas oferecidos. Fatores que podem ser levados em conta:
falseabilidade (tomada como marca da verdadeira ciência); taxa de erro
conhecida ou em potencial; revisão por pares e publicação; aceitação
pela comunidade científica.
1996. O juiz Sam Pointer (a quem os casos federais de implante de
silicone são remetidos) estabelece o Painel Nacional de Ciência sob a
Norma 706 para examinar as evidências científicas.
1997. Joiner: o padrão de revisão de recurso para decisões sobre a
admissibilidade de evidências é (não um “exame aprofundado”, mas)
abuso do arbítrio. Não há real distinção entre metodologia e conclusões;
os tribunais devem examinar ambas ao julgar a confiabilidade.
1999. Kumho: a decisão em Daubert se aplica a todos os depoimentos de
especialistas, não apenas a depoimentos de especialistas científicos. A
lista de fatores em Daubert é “flexível”; está à discrição dos tribunais
determinar quais fatores são apropriados no caso em questão, e usar
todos, qualquer um, ou nenhum deles.
2000. Normas Federais Revisadas das Evidências: 701: permite
evidência opinativa de depoentes leigos de forma limitada; 702:
confiabilidade e relevância exigidas para a admissibilidade de
depoimento de especialista.
Entre mais ou menos 1850 e 1920, o único teste para a admissibilidade o
depoimento de especialista, inclusive científico, era se o depoente tinha
qualificações ou, em uma versão mais sofisticada, se o especialista tinha
qualificação além da extensão dos conhecimentos do jurado médio. Porém,
depois, o caso Frye vs. Estados Unidos (1923) começou gradualmente a
estabelecer um novo padrão para a admissibilidade de evidências científicas.
O sr. Frye foi acusado de homicídio, e havia confessado. Mais tarde,
contudo, ele repudiou a confissão; e foi submetido e aprovado em um teste de
polígrafo (ou, mais exatamente, um teste descontínuo de mudança de pressão
sanguínea sistólica sob interrogatório; a tecnologia ainda estava num estágio
primitivo).[652] Mas o juiz de primeira instância excluiu essas evidências,
defendendo que detectores de mentira são inadmissíveis ao menos que haja “um
instrumento infalível para aferir se uma pessoa está dizendo a verdade ou não”.
[653]
No recurso, o tribunal do Distrito de Colúmbia confirmou a exclusão do
depoimento, decidindo que evidência científica nova “cruza a linha entre o
experimental e o demonstrável”, e dessa forma é admissível somente se for
“estabelecida o suficiente para ter ganhando aceitação geral no campo em
particular ao qual pertence”.[654]
Na sua primeira década, o caso Frye não foi citado nem uma vez; e em seu
primeiro quarto de século foi citado em apenas oito votos federais e cinco
estaduais, primariamente em referência à evidência de detector de mentiras. Mas,
no começo dos anos 1980, foi citado repetidamente, e 29 estados adotaram a
“regra Frye” como seu padrão para admitir depoimento científico novo.
No caso Frye, a corte do Distrito de Colúmbia não havia oferecido quase
argumento nenhum para a sua decisão; em 1980, no entanto, no caso Estados
Unidos vs. Addison, o mesmo tribunal defendeu que “a exigência da aceitação
geral na comunidade científica assegura que aqueles que forem mais
qualificados avaliem que a validade de um método científico terá voz
determinante”.[655] Em vez de exigir que somente especialistas científicos sejam
qualificados, o teste Frye faz com que os tribunais dependam obliquamente do
veredito da subcomunidade científica apropriada para determinar se a evidência
científica oferecida é trabalho sólido estabelecido ou especulação não fiável,
substituindo a exigência legal direta que evidências científicas admissíveis sejam
confiáveis pela aceitação geral. Mas a regra Frye é indefinida de muitas formas:
o que, exatamente, deve ser aceito por qual porção de qual grupo? como a corte
diferenciará o doutor com discordâncias legítimas do charlatão? e como
conseguirá determinar se a evidência oferecida tem aceitação geral? Não é de se
admirar que, quando Frye foi aplicado e contestado nos tribunais, seu efeito foi
às vezes mais e às vezes menos restritivo, com evidência de impressão vocal, por
exemplo, às vezes admitida, às vezes rejeitada.[656]
Em alguns casos a comunidade relevante foi definida de forma muito
estrita. No caso Povo vs. Williams (1958), os próprios especialistas chamados
pela acusação reconheceram que a comunidade médica na maioria não conhecia
o uso de nalorfina para detectar o uso de narcóticos, mas a corte manteve a
admissibilidade dessa evidência mesmo assim; o teste da nalorfina era
“geralmente aceito por aqueles que se espera que tenham familiaridade com o
seu uso”, e “nesta era de especialização, mais do que isso não deve ser exigido”.
[657]
E, em outros casos, Frye foi deixado de lado para admitir depoimento sobre
técnicas novas demais para terem aceitação geral. No caso Coppolino vs. Estado
(1968), a acusação teve permissão para introduzir os resultados de um teste para
a presença de cloreto de succinilcolina e seus derivados em tecidos humanos
desenvolvido pelo examinador médico local especificamente para esse
julgamento — sendo assim não conhecido, muito menos aceito, por qualquer
comunidade científica. A tribunal de recursos citou Frye, mas, decidindo que o
juiz da primeira instância não abusou de seu arbítrio, ainda assim decidiu por
aceitar a admissibilidade dessa evidência.[658]
A despeito de muitas inconsistências em sua aplicação, no entanto, a
crítica mais comum à regra Frye era que ela era restritiva demais, que excluía
depoimentos que os júris deveriam ter permissão para ouvir. O tratado influente
do reitor Charles McCormick sobre o direito das evidências, publicado em 1954,
desaprovava a triagem por confiabilidade feita por tribunais em depoimentos
oferecidos, e exortava que “quaisquer conclusões relevantes apoiadas por um
depoente especialista qualificado devem ser recebidas, ao menos que haja razões
distintas para sua exclusão”.[659]

As Normas Federais das Evidências, promulgadas em 1975, encapsularam essa


abordagem menos restritiva. A norma 104(a) afirma o papel mediador da corte
ao julgar a admissibilidade de evidências. Mas a Norma 401 estabelece que as
evidências relevantes — evidências que tenham qualquer tendência a fazer mais
ou menos provável a existência de qualquer fato consequente à determinação dos
atos — são admissíveis ao menos que o contrário seja previsto por lei. A Norma
702 estabelece que as evidências de especialistas, incluindo as evidências
científicas, mas não só elas, são admissíveis com as condições de exclusão da
Norma 703. A Norma 703, especificando condições de exclusão, menciona o
risco de preconceito injusto, confusão de questões, ou condução do júri a erro,
mas não menciona a aceitação geral na comunidade científica apropriada. A
Norma 706 permite que a corte escolha os seus próprios especialistas.
No caso Barefoot vs. Estelle (1983), a questão perante a Suprema Corte
era se os direitos ao devido processo legal de um réu do Texas haviam sido
violados pela admissão de depoimento psiquiátrico a respeito de sua potencial
periculosidade futura. Como exigido pela lei texana, uma das questões
apresentadas ao júri na fase decisória foi se havia alguma probabilidade de que o
sr. Barefoot cometeria mais atos criminosos de violência. O estado chamou dois
psiquiatras, nenhum dos quais tinham examinado o sr. Barefoot: o dr. Holbrook
depôs que “dentro de uma certeza psiquiátrica razoável” o sr. Barefoot seria
violento no futuro; e o dr. Grigson (conhecido no Texas como “dr. Morte”) depôs
que havia uma certeza “absoluta de 100%” disso.[660] Entretanto, de acordo com
uma manifestação de amicus curiae apresentada junto à Suprema Corte pela
Associação Americana de Psiquiatria, duas em três previsões de periculosidade
futura são equivocadas, a maior parte na direção do exagero.
A maioria da Suprema Corte ratificou a decisão do tribunal de recursos de
negar o habeas corpus. “Nem Barefoot nem a Associação [de Psiquiatria]
sugerem que os psiquiatras estão sempre errados com respeito à periculosidade
futura, só na maior parte das vezes”, observou o juiz White;[661] e aceitar o
argumento da petição colocaria em questão todos os outros contextos em que o
sistema jurídico depende de previsões de comportamento futuro. Não é o papel
do juiz rejeitar evidências relevantes, continuou White, mas é de
responsabilidade do júri determinar quais especialistas têm credibilidade; as
normas estaduais e federais das evidências “antecipam que evidências relevantes
e não-privilegiadas devem ser admitidas e que seu peso deve ser considerado
pelo angariador de fatos, que teria o benefício do interrogatório e de evidências
contrárias trazidas pela parte oposta.”[662]
Mas o juiz Blackmun escreveu, em uma divergência indignada, que a
decisão da maioria de que o depoimento psiquiátrico neste caso era admissível
porque foi sujeito a interrogatório e a impedimento “é demais para mim ... Em
um caso capital, o depoimento falacioso de um psiquiatra, colorido aos olhos de
um júri impressionável pela intocabilidade inevitável das palavras de um
especialista médico, iguala-se à própria morte”.[663] Ele continuou: “N[a] mente
de um típico jurado leigo, um depoente científico tem uma aura especial de
credibilidade ... É extremamente improvável que o processo adversarial corte a
ilusão de conhecimento superior”.[664][vv]
Por quase 20 anos não ficou claro se as Normas Federais suplantavam ou
complementavam Frye. Acadêmicos debateram se as Normas Federais eram
compatíveis com o teste Frye: alguns defendendo que não eram, pois elas não
mencionam o consenso na comunidade relevante, e alguns defendendo que eram,
pois elas não mencionam o consenso na comunidade relevante (!).[665] Alguns
tribunais sugeriram que o teste Frye da aceitação geral seja substituído por um
padrão menos restritivo de “aceitação substancial”, e a edição de 1987 de um
manual sobre as Normas Federais sugeriu irenicamente que o teste Frye seja
reconstruído sob a Norma 403 como “uma tentativa de impedir os jurados de
serem indevidamente demovidos por evidências científicas não confiáveis”.[666]
Até meados dos anos 1980 a ênfase na confiabilidade estava crescendo. No
caso Estados Unidos vs. Downing (1985), ao anular uma decisão em primeira
instância de excluir evidência de especialista psicológico sobre a fragilidade do
depoimento de testemunhas oculares, o juiz Becker propôs, “no espírito das
Normas Federais”, um teste de três fatores para a admissibilidade que adicionou
uma exigência de confiabilidade às exigências explícitas nas Normas de que as
evidências sejam relevantes e que não confundam ou induzam a erro o júri. E,
até 1992, quando Huber tinha popularizado a percepção de que as cortes estavam
sendo inundadas de “ciência lixo”, estavam em curso iniciativas de incluir a
exigência de confiabilidade nas NFE. Estas continuavam pendentes, no entanto,
quando a Suprema Corte se antecipou a impedi-las pela reinterpretação das NFE
no caso histórico sobre evidências científicas Daubert vs. Merrell Dow
Pharmaceuticals (1993).[667]

A decisão Frye emergiu em um caso criminal, e, pela maior parte de seu


histórico, foi citada apenas na esfera criminal. Daubert, contudo, era um caso
cível em que a primeira instância se baseou quase exclusivamente em Frye ao
julgar inadmissíveis as evidências de especialista dos requerentes. Os
requerentes eram dois menores de idade e seus pais, e a alegação era que as
deficiências congênitas das crianças foram causadas pelas mães terem tomado o
remédio Bendectina para os enjoos matinais durante a gravidez. Porém, as
evidências de assistente técnico dos requerentes (baseadas em estudos animais,
estudos farmacológicos sobre a estrutura química da Bendectina, e uma
“reanálise” não publicada de estudos estatísticos anteriores em humanos) foram
desclassificadas por causa do teste Frye. O Tribunal de Recursos da Nona
Circunscrição ratificou a decisão em primeira instância pela exclusão; as
evidências ofertadas, que não tinham revisão por pares, não tinham aceitação
geral na comunidade científica relevante.
Porém, em 1993, revertendo a exclusão do depoimento de especialista
oferecido pelo sr. Daubert, a maioria da Suprema Corte repudiou o teste Frye
como um “padrão austero, ausente [das Normas Federais] e incompatível com
elas”. Entretanto, embora tenha defendido que as Normas Federais suplantaram
Frye, e até reforçado a preferência das Normas pela admissibilidade, a Suprema
Corte interpretou as Normas como exigindo não apenas a relevância, mas
também a confiabilidade: “[D]e acordo com as Normas, o juiz de primeira
instância deve assegurar que todo e qualquer depoimento científico ou evidência
admitida seja não apenas relevante, mas confiável.”[668]
Os jurados, cujo papel é determinar a suficiência, devem dar atenção às
conclusões dos depoentes especialistas; mas os juízes, cujo papel é determinar a
admissibilidade, devem se concentrar “somente nos princípios e metodologia”
para fazer “uma avaliação preliminar da possibilidade de o raciocínio ou
metodologia subjacente ao depoimento ser cientificamente válida e ... se pode
ser aplicada apropriadamente aos fatos em questão”.[669] Ao determinar se o que
foi oferecido é realmente conhecimento científico — conhecimento, não mera
opinião, e conhecimento científico genuíno, “com fundamento nos métodos e
procedimentos da ciência” — uma questão chave será “se pode ser (ou já foi)
testado”.[670] O voto do juiz Blackmun para a maioria cita o jurista Michael
Green: “A metodologia científica hoje é baseada em gerar hipóteses e testá-las
para ver se podem ser falseadas; de fato, essa metodologia é o que distingue a
ciência de outros campos de investigação humana”,[671] e cita Popper e Hempel.
Mantendo um pouco do teste Frye na forma mais afrouxada de indicações, em
vez de condições necessárias de admissibilidade, a decisão também menciona a
revisão por pares, uma “taxa de erro conhecida ou em potencial”, e “aceitação
ampla” — esses são os famigerados “fatores Daubert”.
No entanto, salientando que não há referência na Norma 702 à
confiabilidade, advertindo que a questão do depoimento de especialistas em
geral não seja confundida com a questão do depoimento científico em específico,
e criticando as excursões de seus colegas na filosofia da ciência como
desnecessárias e insensatas, o juiz Rehnquist observou:
Não faço deferência a ninguém na minha confiança nos
juízes federais; mas estou perdido em relação a saber o que
se quer dizer quando se afirma que o status científico de
uma teoria depende de sua ‘falseabilidade’, e suspeito que
alguns deles também estarão ... Não penso que [a Norma
702] impõe a eles nem a obrigação nem a autoridade para se
tornarem cientistas amadores.[672]
Como Hand poderia ter dito, Daubert pôs os juízes federais para decidir
“onde os doutores discordam”. O juiz Kozinski, a quem o caso Daubert foi
remetido, resmungou que, embora ele e seus colegas do plenário federal sejam
“em grande parte não formados em ciência e certamente incapazes de competir
com qualquer um dos depoentes cujas declarações estamos avaliando”, a decisão
da Suprema Corte os obrigou a determinar se aqueles depoimentos eram “boa
ciência” derivada do “método científico”.[673] Ao julgar, como fizera antes, que o
depoimento de especialistas oferecido pelo sr. Daubert era inadmissível, o juiz
Kozinski defendeu primeiro que a maior parte do depoimento oferecido não era
relevante, dado que os especialistas sequer afirmaram que era mais provável que
a Bendectina causava as deficiências congênitas do que o contrário; e, depois,
que o dr. Palmer, o único depoente que de fato afirmou isso, nada disse sobre a
sua metodologia, e dessa forma faltou com a exigência da confiabilidade.
Introduzindo um novo “fator Daubert” próprio, o juiz Kozinski sugeriu que a
ciência guiada por litígio é menos confiável que outras ciências porque é
potencialmente maculada pelos interesses das partes e menos sujeita ao
escrutínio de outras pessoas no campo. Para o presente argumento, sua sentença
claramente fiou-se mais em um juízo científico do que em habilidade jurídica.[ww]
[674]

É difícil, para fazer um eufemismo, conciliar a construção das Normas


Federais do juiz White no caso Barefoot (a relevância é suficiente) com a
interpretação muito mais restritiva que a Suprema Corte dá a elas no caso
Daubert (a confiabilidade também é necessária).[675] E aliás, apesar da ênfase da
sentença do Daubert na preferência das Normas Federais pela admissibilidade,
desde o Daubert os juízes federais tenderam, de modo geral, a ser mediadores
mais ativos e mais restritivos do que antes. Então é irônico que a Suprema Corte
da Flórida, que no caso Flanagan vs. Estado (1993) escolhera manter Frye em
vez de adotar Daubert,[676] defendeu em Hadden vs. Estado (1997) que Frye é
preferível porque é um critério mais severo.
O caso Estados Unidos vs. Bonds (1993) foi instruído de acordo com Frye
mas decidido de acordo com Daubert. A análise de DNA do laboratório do FBI
foi declarada admissível com o fundamento de que era testável, e fora testada; o
tribunal reconheceu que a taxa de erro do laboratório era alta de forma
perturbadora, mas defendeu que é “implícito” que a taxa de erro do FBI é
“aceitável para a comunidade científica”.[677] Em outros casos, a evidência de
DNA às vezes era admitida, às vezes excluída, as taxas de erro às vezes eram
levadas a sério, às vezes não.[678] Mais uma vez, as evidências de polígrafo foram
tanto admitidas quanto excluídas conforme Daubert; e em Estados Unidos vs.
Scheffer (1998), a Suprema Corte deixou a admissibilidade de tais evidências a
cargo de tribunais em cada jurisdição.[679] Mesmo assim, embora tenham
ocorrido muitas inconsistências em sua aplicação, e apesar da retórica sobre Frye
impor um padrão “austero” demais, o efeito geral de Daubert, especialmente em
casos cíveis, foi na direção de uma triagem judicial mais rigorosa de
depoimentos de especialistas.

Um dos muitos casos subsequentes em que se aplicaram as Normas Federais


como interpretadas em Daubert[680] foi o caso do Robert Joiner. O sr. Joiner tinha
trabalhado para o Departamento de Saneamento e Luz da cidade de Thomasville,
Geórgia, desde 1973. Entre as suas tarefas estava o desmonte e conserto de
transformadores elétricos em que um fluido dielétrico de base mineral era usado
como refrigerante — um fluido dielétrico no qual ele precisava enfiar as mãos e
os braços, e que às vezes espirrava no corpo dele, ocasionalmente entrando em
seus olhos e boca. Em 1983, a cidade descobriu que o fluido em alguns dos
transformadores estava contaminado com PCBs — considerados tão tóxicos que
a sua produção e venda fora banida pelo Congresso em 1978 — e começou a
exigir que os funcionários usassem equipamento de proteção.
Em 1991, o sr. Joiner foi diagnosticado com um câncer pulmonar
microcítico; ele tinha 37 anos. Era fumante há cerca de oito anos, e havia um
histórico de câncer de pulmão na família. Ele alegou, no entanto, que se não
fosse pela exposição aos PCBs e seus derivados, furanos e dioxinas, seu câncer
não teria se desenvolvido por muitos anos, se tivesse. Com base nisso ele abriu
uma ação contra a Monsanto, que havia fabricado PCBs entre 1935 e 1977, e
contra a General Electric e a Westinghouse, que fabricavam transformadores e
fluido dielétrico. Seu argumento dependia essencialmente de pareceres de
assistentes técnicos que depuseram que os PCBs por si sós podem causar câncer,
assim como furanos e dioxinas, e que, já que ele havia sido exposto às três
substâncias, isso contribuíra para seu câncer com toda probabilidade.
Remetendo o caso a um tribunal federal, a GE e cia. argumentaram que
não havia evidências de que o sr. Joiner tivesse sofrido exposição significativa a
PCBs, furanos ou dioxinas, e que, de qualquer forma, não haveria evidência
científica admissível de que os PCBs causaram seu câncer. O tribunal de
comarca concedeu julgamento sumário, sustentando que o parecer dos
especialistas do Joiner nada mais era que “crença subjetiva ou especulação sem
base”.[681] O tribunal de recursos reverteu a decisão, argumentando que a Norma
702 ressalta uma “preferência pela admissibilidade”, e que, no caso presente, a
questão da admissibilidade era determinante de resultados: se as evidências
científicas oferecidas fossem excluídas, o sr. Joiner simplesmente não teria
causa. Dessa forma, como o juiz Becker decidira em Paoli (1994), um “padrão
especialmente restritivo de análise” deveria se aplicar à exclusão de depoimento
de especialista pelo juiz de primeira instância.[682] Contudo, em 1997, revertendo
a admissibilidade das evidências de especialistas do sr. Joiner, a Suprema Corte
sustentou que o padrão apropriado foi abuso de arbítrio; e que não foi abuso de
arbítrio o tribunal de comarca ter excluído o parecer de especialistas do sr.
Joiner.[683]
A legitimidade da distinção entre metodologia e conclusões tornou-se
agora um assunto altamente contestado. A corte do Daubert, presumindo essa
distinção, interpretara o papel mediador dos juízes de primeira instância como
exigindo deles que se concentrassem somente na metodologia, não nas
conclusões. Porém, argumentaram os advogados do Joiner, o tribunal de
comarca não tinha feito objeções à metodologia dos estudos citados, somente às
conclusões feitas pelos especialistas; e isso era um equívoco reversível. A
manifestação da GE defendeu que o tribunal de recursos tratou a exigência
Daubert da metodologia científica “em um nível tão superficial que lhe fez
inócua — pedindo por nada mais que uma invocação de materiais científicos”;
[684]
e que os especialistas do sr. Joiner cometeram o erro de supor que “múltiplos
elementos de evidência, cada um sendo suspeito ou fraco de forma
independente, forneceriam evidência forte quando agrupados” — uma “falácia
do feixe”.[685] Os advogados do sr. Joiner replicaram que seus especialistas
“estavam aplicando uma metodologia que é bem estabelecida no método
científico. É conhecida como metodologia do peso das evidências ... Há
protocolos bem estabelecidos para isso ... publicados como diretrizes pela
Agência de Proteção Ambiental [EPA] dos EUA. Há diretrizes similares na
Organização Mundial da Saúde”.[686] Os advogados da GE, continuaram eles,
nunca contestaram a metodologia dos especialistas do sr. Joiner antes; de fato,
eles próprios usaram a metodologia do “peso das evidências”.
Em vez de contestar a alegação do sr. Joiner de que o tribunal de comarca
falhou em restringir sua atenção à metodologia como exigido pela decisão em
Daubert, a maioria do tribunal do caso Joiner sustentou em seu acórdão que não
havia abuso de arbítrio ao se defender que “as conclusões e a metodologia não
são totalmente distintas entre si”.[687] Contudo, o juiz Stevens protestou que isso
não era verdadeiro nem benéfico. “A diferença entre metodologia e conclusões é
tão categórica quanto a distinção entre meios e fins”. A decisão do tribunal de
comarca sobre a confiabilidade era “possivelmente não fidedigna” à afirmação
em Daubert de que o foco deve estar na metodologia em vez de nas conclusões.
A maioria “não explicou adequadamente por que razão seu argumento é
consistente com a Norma Federal das Evidências 702, como interpretada em
Daubert vs. Merrell Dow Pharmaceuticals”.[688]

As evidências em foco em Daubert eram evidências científicas; e, como


antecipara o juiz Rehnquist em sua divergência, em que circunstâncias e como
Daubert deveria ser aplicado a depoimentos de outros especialistas não-
científicos logo se tornou uma questão polêmica.
Por exemplo, em um recurso do caso Berry vs. Cidade de Detroit (1994), o
juiz Guy tomou os fatores Daubert para aplicar a especialistas não-científicos
além dos científicos, julgando inadmissível o depoimento de um xerife
aposentado sobre a inadequação do treinamento policial e procedimentos
disciplinares do município: as teorias dele não haviam sido testadas; ele não
tinha revisões revistas por pares; não havia razão para pensar que as ideias dele
tinham aceitação geral; e sua metodologia era tão suspeita quanto suas
conclusões. Mas no caso Estados Unidos vs. Starzecpyzel (1995), o juiz
McKenna decidiu que a análise de caligrafia é uma habilidade prática em vez de
uma ciência, se enquadrando na Norma 702, não em Daubert; de forma que os
fatores Daubert seriam em grande medida irrelevantes, tal como a filosofia da
ciência do Popper. O depoimento oferecido era, portanto, admissível, embora —
para combater o risco de que lhe dessem muito crédito — o júri devesse ser
informado de que não era um depoimento científico. E em Moore vs. Ashland
Chemical Inc. (1998), numa análise baseada em Daubert e Joiner, a maioria do
tribunal de recursos sustentou que o tribunal de comarca não abusou de seu
arbítrio ao excluir o depoimento de um médico sobre a causa da doença
respiratória do requerente; pois não estava “fundamentado em ciência como
exigido pela jurisprudência de Daubert, e, portanto [sic], não era confiável o
suficiente para ser considerado pelo júri”. Mas os juízes Dennis, Parker e
Stewart, em dissensão, manifestando preocupação que desde Daubert as cortes
federais haviam sido “balcanizadas” a respeito de como tratar depoimentos de
especialistas fora da “ciência sólida”, protestaram que a decisão da maioria
“subverte o impulso liberal das Normas Federais das Evidências e os princípios
enunciados em Daubert ao trancar o portão para evidências de causalidade
derivadas da ... metodologia da medicina clínica”.
A Suprema Corte abordou essa balcanização no caso Kumho Tire Co., Ltd.
vs. Carmichael (1999), no qual a questão era a admissibilidade do depoimento
oferecido de um especialista em falha de pneu (baseado em sua — divirto-me ao
ler — “metodologia de inspeção visual”) que um acidente de automóvel foi
causado por um erro de fabricação. A exigência de confiabilidade de Daubert,
decidiu a corte em Kumho, aplica-se ao depoimento de especialistas de todo tipo,
inclusive contadores, engenheiros etc., além de cientistas; não há uma linha clara
demarcando o conhecimento científico de “outros conhecimentos
especializados”, e a palavra chave que estabelece o nível de confiabilidade
evidencial não é “científico”, mas “conhecimento”.[689] Daubert é “flexível”, e
sua lista de fatores não se aplica necessaria ou exclusivamente a todos os
especialistas ou em todo caso; por exemplo, a aceitação geral não é indicação de
confiabilidade se a disciplina envolvida é pouco fiável.[690] Onde for apropriado
usar um ou mais dos fatores Daubert, a corte deve fazê-lo; mas está dentro de
seu arbítrio determiná-lo.[691]
Joiner estabeleceu que o abuso do arbítrio era o padrão apropriado para
reexame para questões de admissibilidade de evidências de especialistas, e que
os juízes poderiam observar conclusões e também metodologia; Kumho
circunscreveu o arbítrio dos tribunais para aplicar qualquer um, todos ou nenhum
dos fatores Daubert. Entretanto, Daubert não foi desmontado por completo, pois
foi mantida a sua interpretação de que as NFE exigem a confiabilidade e também
a relevância como condições necessárias de admissibilidade, e Kumho enfatiza a
necessidade de observar em específico a confiabilidade do especialista quanto à
tarefa em mãos.
Em seu voto convergente em Joiner, refletindo que Daubert exige que os juízes
“façam determinações sutis e sofisticadas a respeito da metodologia” quando
eles “não são cientistas, e não têm treinamento científico que possa facilitar a
tomada de tais decisões”,[692] o juiz Breyer encorajou os juízes a fazer mais uso
de seu poder sob a Norma Federal 706 de nomear cientistas para aconselhá-los.
Na verdade, já na época de Joiner, Daubert já havia impulsionado um uso mais
amplo desse poder.
Em 1992, a FDA banira implantes mamários de silicone, antes
estabelecidos como “direito adquirido”.[xx] Não se sabia se eram perigosos; mas
os fabricantes não tinham fornecido evidências de sua segurança, como exigido
pelos regulamentos da FDA. É compreensível que o banimento tenha causado
bastante apreensão e provocado uma onda de medo, ganância e litígio. Em 1996,
o juiz Sam Pointer, do Tribunal da Comarca de Birmingham, Alabama, que se
encarregara de milhares de casos federais de implantes por mais de seis anos,
convocou um Painel Nacional de Ciência — um imunologista, um
epidemiologista, um toxicologista, e um reumatologista — para examinar
evidências de conexões alegadas entre implantes de silicone e várias doenças
sistêmicas e do tecido conjuntivo.[693]
A missão cuidadosamente formulada do juiz Pointer pergunta...
...até que ponto, se algum, e com quais limitações e
ressalvas os atuais estudos, pesquisas e observações
registradas dão uma base científica confiável e razoável
para que se conclua que implantes mamários de silicone
causam ou exacerbam qualquer... doença “clássica” do
tecido conjuntivo... [ou] aparecimentos “atípicos” de
doenças do tecido conjuntivo... Até que ponto, se algum, as
suas opiniões devem... ser consideradas passíveis de
disputa suficiente para permitir que outras pessoas, com
qualificações gerais no seu campo de especialidade,
expressem opiniões que, embora contrárias às dos
senhores, seriam provavelmente vistas por outros na área
como representando discordância legítima dentro da sua
profissão?[694]
Dois anos e (só) 800 mil dólares depois,[695] após selecionar mais de dois
mil estudos publicados e não publicados, aqueles considerados mais “rigorosos e
relevantes”, em dezembro de 1998 o painel publicou um longo relatório com a
conclusão de que as evidências estudadas e reanalisadas (ao que parece, os cerca
de 40 estudos submetidos por cada lado, mais cerca de cem outros, incluindo
não-publicados, teses de doutorado e cartas) não davam base à alegação de que
os implantes mamários de silicone causavam aquelas doenças. No entanto, em
alguns aspectos “o número e tamanho dos estudos é inadequado para produzir
resultados definitivos”; testes em animais “podem não prever completamente os
efeitos em humanos”; algumas evidências sugerem que os implantes de silicone
não são totalmente benignos (podem causar inflamação, e gotículas de silicone
podem aparecer em tecidos distantes do implante); e, enquanto a maioria das
pessoas na área concordaria com as conclusões deles, algumas poderiam não
concordar.[696]
Apesar dos esforços do juiz Pointer para assegurar que seus especialistas
fossem irrepreensivelmente neutros, os advogados dos requerentes objetaram
que seu reumatologista tinha conexões não reveladas com um dos réus, Bristol-
Meyers Squibb, enquanto era um membro do painel: em agosto de 1997, assinou
uma carta solicitando até 10 mil dólares em apoio a um evento de reumatologia
copresidido por ele, dizendo que “o impacto do patrocínio será alto, já que os
indivíduos convidados para esta oficina, líderes de opinião na área, são
influentes frente às agências regulatórias”; em outubro de 1998 assinou um
acordo de U$1500 por mês com a BMS, e em novembro de 1998 recebeu U$750
por participar de um seminário na empresa.[697] Em abril de 1999, asseverando
que não havia nenhum viés — mas reconhecendo que poderia haver uma
aparência infeliz de viés — o juiz Pointer decidiu contra a moção dos
requerentes para excluir o relatório do painel.
A onda de litígios sobre implantes mamários de silicone pare ter arrefecido
— mas só gradual e irregularmente, é claro. Enquanto o painel do Pointer
trabalhava, o juiz Jones do tribunal da comarca do Óregon nomeara seus
próprios consultores técnicos; e no caso Hall vs. Baxter Healthcare Corp. (1996)
concedeu a moção dos réus de excluir o depoimento de causalidade oferecido
pelos requerentes, mas diferiu a data efetiva do seu voto até a publicação do
relatório do Painel Nacional de Ciência. Juízes de tribunais estaduais nos casos
Dow Chemical Co. vs. Mahlum (Nevada, 1998) e Minnesota Mining and
Manufacturing Co. vs. Atterbury (Texas, 1999) não prestaram atenção ao
relatório. E no caso Meister vs. Medical Engineering Corp. (2001), o Tribunal
da Comarca de Washington D.C. rejeitou a moção dos réus para reconsiderar sua
sentença anterior em Daubert em função do relatório do Painel Nacional de
Ciência; no tempo oportuno, o júri decidiu a favor do requerente e o indenizou
em U$10 milhões em danos. Porém, após ler o relatório, a corte deferiu seu
julgamento a favor do réu, apesar do veredito, e essa decisão foi mantida pelo
tribunal de recursos. Membros do painel haviam apresentado oito dias de
depoimentos gravados em vídeo a serem exibidos em julgamentos federais; a
maioria dos casos foram resolvidos enquanto os vídeos ainda estavam sendo
editados.[698]
Em abril de 1999, cerca de duas dúzias de juízes de tribunais superiores do
Massachusetts compareceram a um seminário de dois dias sobre o DNA no
Instituto Whitehead de Pesquisa Biomédica. Um relato no New York Times cita o
diretor do instituto: no julgamento de O. J. Simpson os advogados “confundiram
a todos” com as evidências de DNA; mas, depois desse treinamento, “não acho
que um juiz será intimidado por essa ciência”. Os juízes “entenderão, preto no
branco ... o que permitir no tribunal”.[699] E, em maio de 1999, a Associação
Americana para o Avanço da Ciência inaugurou o Projeto CASE (na sigla para
Especialistas Científicos Nomeados pela Corte) para tornar disponíveis
“cientistas independentes para educar a corte, prestar depoimento em
julgamentos, avaliar os casos dos litigantes, e além disso ajudar no processo de
determinar a verdade”, os quais seriam “tão francos, objetivos e desinteressados
quanto possível”.[700] O Registro de Consultores Científicos e Técnicos
Independentes da Universidade Duke também visa fornecer especialistas
científicos independentes.
O espinheiro está vivo e passa bem, dando novos frutos, e mais espinhos,
quase todo dia. Bem, talvez não exatamente novos frutos. Em dezembro de 2000,
as Normas Federais das Evidências foram revisadas: A Norma 701 agora permite
evidência de opinião de forma limitada para depoentes leigos; e a Norma 702
agora provê que especialistas qualificados possam depor se o seu depoimento for
relevante, contanto que (1) seja “baseado em fatos ou dados suficientes”, (2) seja
“produto de princípios e métodos confiáveis”, e (3) o depoente “tenha aplicado
os princípios e métodos fiavelmente aos fatos do caso” (ênfase minha). Embora a
nova Norma 702 meramente tenha explicitado o que a Suprema Corte sustentou
em Daubert que estava implícito nessa jurisprudência desde o princípio, ela já
foi interpretada, no caso Rudd vs. General Motors Corp., como tendo restringido
os padrões de admissibilidade.
Então pronto; não te deixe desanimar nada! Tão logo me vem à mente o
comentário maravilhosamente resignado do Underground Grammarian,[yy]
percebo que os pontos epistemológicos que mais precisam de ênfase no que vem
a seguir são negativos, identificando desentendimentos que atrapalharam os
esforços jurídicos de discriminar a ciência decente da ciência lixo, e as respostas
simplificadoras demais aos problemas tremendamente difíceis do tratamento das
evidências científicas.
O Direito e o Depoimento Científico: Um Breve Comentário
Epistemológico
A força da regra Frye, de um ponto de vista epistemológico, é seu
reconhecimento de que não-cientistas muitas vezes não estão em boa posição
para julgar por si mesmos se uma alegação ou teoria científica é garantida, mas
terão de confiar no que os cientistas dizem; e, se forem prudentes, devem
perguntar se os cientistas da área concordam, e que medida de certeza eles têm.
Entre as fragilidades da regra Frye, de um ponto de vista epistemológico, estão
as suas pressuposições de que há um ponto definido no qual as alegações ou
técnicas científicas deixam de ser “experimentais” e se tornam “demonstráveis”;
de que uma alegação ou técnica atinge esse status “demonstrável” somente
quando tem aceitação geral na comunidade científica; e de que somente
alegações e técnicas amplamente aceitas, e dessa forma “demonstráveis”, devem
ser admitidas.
De cara, o terceiro pressuposto parece extremamente restritivo. Na
verdade, não está claro se jamais permitiria que evidências científicas novas
fossem admitidas; pois como poderia uma teoria ou técnica que já atingiu a
“aceitação geral” ser genuinamente nova? Em princípio, ao que parece, Frye
confinaria os tribunais à ciência dos livros didáticos. Mas é necessário só um
momento de reflexão para perceber que, na prática, o quão restritiva seria Frye
dependeria do que exatamente é exigido para que algo seja aceito por uma
porção de uma comunidade. Quanto mais estreita e homogênea a comunidade
for considerada, maior é a chance de que estará em concordância; quanto maior e
mais heterogênea for a comunidade, maior é a chance de haver discordância.
Além disso, o quão boa é a aceitação geral numa comunidade como indicadora
da confiabilidade depende da natureza da comunidade em consideração. Nas
áreas em que o trabalho é conduzido com rigor e as evidências são
compartilhadas o suficiente, é provável que a aceitação geral seja razoavelmente
bem correlacionada à garantia. Mas algumas das comunidades às quais Frye
pode direcionar a atenção de um tribunal consistem (quase) exclusivamente em
pessoas que vivem de aplicar as próprias técnicas em questão — mais como um
sindicato de técnicos do que como o Clube de Gravatas do RNA ou o Grupo dos
Fagos;[zz] e a aceitação geral em tais comunidades é um substituto pobre para a
confiabilidade. Até mesmo em comunidades rigorosas e epistemologicamente
eficientes, quando é um indivíduo em vez de a comunidade que tem a melhor
(no sentido relevante) evidência, a aceitação geral pode ser um teste conservador
demais — como evidentemente considerou a corte no caso Coppolino.
E os primeiros dois pressupostos são simplificados demais, no mínimo.
Em vez de uma linha nítida, há um continuum entre alegações não-garantidas,
pobremente garantidas e bem-garantidas. O quão garantida está uma alegação a
um tempo depende da qualidade das melhores evidências disponíveis àquele
tempo — geralmente, mas não sempre, as evidências compartilhadas de uma
subcomunidade científica. Mas o grau de credibilidade dado a uma alegação na
comunidade científica é só um indicador imperfeito de seu grau de garantia; o
qual é só um indicador imperfeito — embora o melhor que possamos ter — da
sua verdade.

Na interpretação de que exigem a relevância, mas não a confiabilidade, as


Normas Federais podem parecer relativamente pouco problemáticas,
epistemologicamente falando. Mas vale a pena notar que, embora a questão da
relevância em Barefoot seja uma questão jurídica, os juízos de relevância
científica não são mais fáceis de fazer para um juiz ou júri leigo do que os
julgamentos de confiabilidade; a possibilidade de um resultado experimental ser
relevante para determinada alegação teórica, por exemplo, depende da verdade
de outras questões científicas.
Ainda, os problemas epistemológicos se tornam graves quando, com
Daubert, a Suprema Corte interpretou que as Normas Federais exigem que o juiz
de primeira instância faça determinações sobre a confiabilidade, e que faça uma
avaliação da metodologia científica não apelando para a comunidade científica,
mas por si próprio. Pois o que a corte Daubert tem a oferecer como conselho a
respeito de como fazer tais determinações é, para ser franca, um pouco
embaraçoso.
Evidentemente, a maioria na corte Daubert sucumbiu à sedução do uso
honorífico de “científico” e seus cognatos, procurando um critério simples de
demarcação que os juízes federais pudessem usar para determinar se o
depoimento oferecido era ciência genuína, não pseudociência, e, portanto,
confiável; e tinha a esperança (ao que parece, depois de ler alguém que leu
alguém que leu Popper) que o critério do Popper faria o serviço. Os juízes,
aparentemente, não estavam cientes de que Popper defende que nenhuma
alegação ou teoria científica é mostrada verdadeira, confiável ou provável, mas,
no máximo, que é “corroborada”; e (com a exceção dos momentos de fraqueza
em que ele retira o que disse) que isso não equivale a “confirmada”.[701] Se o
Popper estivesse certo, nenhuma alegação científica seria bem garantida; na
verdade, é difícil pensar em uma filosofia da ciência que seja menos simpática
que a do Popper quanto à abordagem da confiabilidade (ou quanto à
admissibilidade das evidências psiquiátricas, mas este é outro assunto
espinhoso). E, se a referência ao Popper é uma gafe, aplicar Popper junto com
Hempel — um pioneiro da lógica da confirmação — é uma gafe e tanto.[aaa]
Sozinha, é claro, a confusão da corte Daubert de seus Hoppers com seus
Pempels é apenas uma irritação acadêmica menor. Um problema mais sério é
que a filosofia da ciência do Hempel não vai fazer mais do serviço que a corte
quer dela do que a do Popper. Embora o Hempel ao menos permita que as
alegações científicas possam ser confirmadas além de desconfirmadas, ele não
oferece nada que ajudaria um juiz a decidir se as evidências oferecidas são
mesmo científicas, ou se são confiáveis.
Mas o problema mais fundamental é a preocupação da corte Daubert com
a especificação de qual é o método de investigação que distingue o científico e o
confiável do não-científico e não-confiável. Não existe um método assim. Existe
apenas o ato de fazer conjecturas informadas e checar o quão bem elas
permanecem de pé diante das evidências — o que é algo comum a todo tipo de
investigação empírica; e as muitas e variadas técnicas usadas pelos cientistas
neste ou naquele campo científico — que não são universais entre as ciências
nem constitutivas à ciência real.
A corte Daubert mistura (1) as questões emaranhadas e distrativas da
demarcação e do método científico com (2) a questão do grau de garantia de
alegações ou teorias científicas específicas e (3) a questão da confiabilidade de
técnicas ou testes científicos específicos — que, mais uma vez, é diferente, pois
a alegação de que uma técnica é não confiável pode ser bem garantida, a
alegação de que uma outra técnica é confiável pode ser mal garantida. Ao
contrário da determinação de se uma alegação é falseável, no entanto, a
determinação de se uma teoria científica (por exemplo, da etiologia de um tipo
de câncer) é bem garantida, ou se um teste científico (por exemplo, para a
presença de cloreto de succinilcolina) é confiável, exige um conhecimento
científico substancial. O juiz Rehnquist está certo: a referência à falseabilidade
não ajuda, e de fato está-se pedindo que os juízes sejam cientistas amadores.

Somente quatro anos depois, na decisão Joiner, alguns dos patos


epistemológicos de Daubert tiveram que ser pagos: com a saída das referências à
falseabilidade e o abandono das distinção entre metodologia e conclusões, fica
bem óbvio que, como reclamou o juiz Kozinski, os juízes federais agora são
obrigados a determinar questões científicas substanciais. Além disso, com o
abuso de arbítrio adotado como o padrão de revisão, os tribunais de recursos
podem permitir determinações contraditórias de cortes diferentes para os
mesmíssimos problemas científicos.[702]
Dadas as dificuldades com os esforços da corte Daubert de especificar o
que fazem evidências serem genuinamente científicas, talvez os nós com os
quais todos se amarraram em Joiner (sem mencionar a ausência de qualquer
referência na decisão à falseabilidade, testabilidade, Hepper, Pompel etc.)[703] não
sejam tão surpreendentes. O que é surpreendente, ao menos para mim, é que a
corte Joiner deva oferecer, como uma interpretação de Daubert, uma decisão
que negue a legitimidade de uma distinção pressuposta em Daubert. Com
certeza uma decisão posterior pode fazer uma decisão anterior determinante em
aspectos em que ela era antes indeterminada (é por isso que a corte Daubert
podia decidir que o teste Frye é incompatível com as Normas Federais). Mas a
ideia de que uma decisão posterior que nega completamente um pressuposto
claro de uma anterior pudesse qualificar-se como uma interpretação, em vez de
uma revisão, ainda parece muito estranha para mim.
Mas ponhamos isso de lado. Que dizer da distinção entre metodologia e
conclusões pressuposta em Daubert, mas repudiada em Joiner? Nesses casos, o
conceito de metodologia — nunca bem definido na filosofia da ciência —
tornou-se um conceito sanfona,[704] expandido e contraído conforme a
conveniência do argumento. Deve o juiz, ao determinar a validade da
“metodologia” dos especialistas, decidir se os estudos com camundongos nos
quais os especialistas do sr. Joiner parcialmente se basearam foram bem
conduzidos, com os controles apropriados e bons registros, com linhagens
especiais e geneticamente uniformes de camundongos etc. etc.; ou que peso dar a
estudos com camundongos com respeito a questões sobre humanos; ou que peso
dar àqueles estudos com camundongos no contexto de outros estudos dos efeitos
em humanos do PCB e outros contaminantes; ou o quê? Há tantas ambiguidades
que todos estão certos — e todos estão errados.
Os advogados do sr. Joiner têm razão ao sugerir que tirar a conclusão
razoável de um conglomerado de informações díspares (estudos de roedores,
evidência epidemiológica etc.) exige — bem, que se pesem as evidências. Mas, é
claro, é importante se as evidências são pesadas apropriadamente; e os
advogados da GE também têm razão quando reclamam que os advogados do sr.
Joiner usam “metodologia” de modo tão frouxo que torna praticamente vazias as
exigências Daubert. Mas a acusação da GE de que os especialistas do sr. Joiner
cometeram a “falácia do feixe” depende de uma equivocação. Há uma
ambiguidade na referência a “elementos de evidência, cada um sendo suspeito
ou fraco de forma independente”: pode significar que (1) “elementos de
evidência, cada um por si só mal garantido” (que parece ser a interpretação
pretendida por Skrabanek e McCormick, que têm o crédito pela expressão
“falácia do feixe”), ou (2) “elementos de evidência, cada um por si só
inadequado para garantir a alegação em questão” (que parece ser a interpretação
que é a mais relevante para o caso). É verdade que, se as razões para uma
alegação são em si mal garantidas, isso baixa o grau de garantia para a própria
alegação. Mas a manifestação da GE não oferece argumento de que as razões
baseadas nos estudos aos quais se referem os especialistas do sr. Joiner são em si
mal garantidas. É verdade, mais uma vez, que nenhuma dessas razões por si só
garante com firmeza a alegação de que os PCBs contribuíram para o câncer do
sr. Joiner. Mas a manifestação da GE não oferece nenhum argumento de que elas
não o fazem em conjunto.
Às vezes, elementos evidenciais que são individualmente fracos são
conjuntamente fortes; às vezes não — depende de quais são eles, e se reforçam
uns aos outros ou não (se as palavras são realmente cruzadas no jogo ou não).
Nenhuma das partes trata a sério dessa questão do cruzamento, isto é, da
integração explicativa. Porém, nas diretrizes muito complexas da EPA às quais
os advogados do sr. Joiner fazem uma referência tão casual, achei isso: “O peso
de conclusões evidenciais vem da força e coerência combinadas das inferências
apropriadamente feitas a partir de todas as evidências disponíveis”.[705]
O juiz Stevens tem razão em insistir que há uma diferença entre a
metodologia e as conclusões, como há entre fins e meios; há uma diferença,
certamente, entre uma técnica e o seu resultado, ou entre as premissas e a
conclusão. Mas, numa interpretação mais caridosa, o argumento da maioria não
é que não há literalmente distinção nenhuma, mas que (como o juiz Becker havia
defendido em Paoli) é impossível julgar a metodologia sem ter como base
algumas conclusões científicas substantivas. E isso é verdadeiro e importante.
Para determinar se essas evidências (por exemplo, dos resultados dos estudos
com roedores) são relevantes para a alegação (por exemplo, sobre as causas do
câncer do sr. Joiner), exige-se um conhecimento substantivo (por exemplo, sobre
os aspectos em que a fisiologia do roedor é como a fisiologia humana, sobre a
similaridade ou diferença nas etiologias de câncer de pulmão microcítico e
adenomas alveologênicos etc.). E para determinar a confiabilidade de um
experimento, técnica ou teste científico, é necessário saber que tipo de coisa
poderia interferir com o funcionamento correto de um dado aparato, qual é a
teoria química que subjaz uma dada técnica analítica, que fatores poderiam levar
a erro em um dado tipo de experimento e que precauções são necessárias, ou
possuir um entendimento sofisticado das técnicas estatísticas ou dos métodos
complexos e controversos de metanálise que agrupam dados de diferentes
estudos. E assim por diante. O que nos leva de volta à velha preocupação do juiz
Rehnquist, lembrada na observação do juiz Breyer de que juízes não são
cientistas: os juízes não são treinados nem qualificados para fazer esse tipo de
coisa.
No caso Kumho, a Suprema Corte começa a se livrar do uso honorífico de
“ciência”, a desembaraçar o “confiável” do “científico”. O depoimento científico
pode ser não confiável; o depoimento não científico pode ser confiável. Então,
sim, se nos preocupamos com a confiabilidade, se o depoimento é ou não
científico não é o que interessa; e, sim, os fatores Daubert podem ou não ser
relevantes para a confiabilidade do depoimento de especialista oferecido. O
problema, no entanto, é que Kumho deixa os juízes quase sem orientação sobre
como determinar se tais depoimentos são confiáveis.
Um pouco de educação científica para juízes é no máximo uma gota no balde.
Não que ensinar a juízes sobre o DNA ou outra coisa não pudesse dar em algo
bom; mas algumas horas em um seminário de ciência não vão transformar os
juízes em cientistas competentes para fazer determinações científicas sutis e
sofisticadas mais que algumas horas em um seminário de direito transformariam
os cientistas em juízes competentes para fazer determinações jurídicas sutis e
sofisticadas. (“Esse tipo de coisa exige muito treinamento”, como canta
Margaret a Louca na opereta Ruddigore.) Aquele relato do New York Times
preocupa ao menos a mim pelo perigo de dar a juízes a falsa impressão de que
eles estão qualificados para fazer aquelas “determinações sutis e sofisticadas”.
“[N]em a dificuldade da tarefa nem qualquer falta comparativa [sic] de
especialidade pode servir como desculpa para que o juiz não exerça o seus
deveres de ‘guardião’ impostos pelas Normas Federais”, assevera o juiz Breyer.
[706]
De forma mais direta que o teste Frye, a convocação de painéis de cientistas
nomeados pelas cortes delega parte da tarefa àqueles que são mais bem
equipados para fazê-la. Não é bem melhor que pedir a juízes para serem
cientistas amadores? Às vezes, provavelmente, é significativamente melhor —
mais ainda quando o trabalho em questão está mais próximo da ciência
estabelecida; contudo, não é melhor de forma tão direta e tão sem problemas
quanto alguns esperam.
Quando o relatório do painel do juiz Pointer foi publicado, uma manchete
otimista no Washington Times proclamou “Vitória Marcante para a Ciência
Sólida”,[707] e sob a manchete “Um Desastre Antinatural”, um editorial do Wall
Street Journal anunciou que “a razão e as evidências finalmente venceram”.[708]
A editoria de “Saúde e Bem-estar” do ABCNews.com foi consideravelmente
mais cuidadosa: sob a manchete “Não Há Associação de Implantes a Doenças?”
um subtítulo acrescenta que “O painel não encontrou associação definitiva, mas
deixou a questão em aberto para mais pesquisas”.[709]
Eu ficaria bem surpresa se fosse revelado que os implantes de silicone de
fato causam as várias doenças que se alegou que causam. Em junho de 1999, seis
meses após o relatório do Painel Pointer, um comitê de treze membros do
Instituto de Medicina também concluiu que “implantes mamários de silicone não
causam doença crônica”, mas com a ressalva de que “outras complicações são
motivo de preocupação”.[710] Também não penso que é muito provável que
U$750 tenham afetado seriamente a opinião do dr. Tugwell (embora eu deva
dizer que — mesmo se esse tipo de coisa for rotina em pedidos de verba, como
pode ser, até onde sei — a carta dele se gabando da influência dos que pediram a
verba junto às agências regulatórias não cheira muito bem). Não tenho a mesma
segurança, contudo, de que um jeito muito bom já tenha sido encontrado para
delegar parte da responsabilidade de avaliar as evidências científicas para os
próprios cientistas. Há a preocupação de assegurar a neutralidade, e com a
aparência de neutralidade — um dos painelistas do juiz Pointer, a dra. Diamond,
afirma com remorso que se sente “excepcionalmente ingênua” após perceber que
sim, ela havia discutido as questões com contatos profissionais que tinham
relações com os réus;[711] há a preocupação a respeito de quanta responsabilidade
cai sobre poucas costas — só quatro pessoas, no caso do painel do juiz Pointer,
todas as quais combinaram esse trabalho com seus empregos em tempo integral,
cada uma das quais com efeito responsável por uma área científica inteira; e a
preocupação sobre o que os jurados pensarão do parecer dos peritos nomeados
pela corte. O histórico do teste Frye deveria nos advertir, também, sobre
armadilhas em potencial na determinação da(s) área(s) relevante(s) de
especialização.
Quanto às revisões das Normas Federais (sobre as quais eu fiz troça, com
carinho), o problema, como vemos agora, é que nenhuma formulação de
vocabulário jurídico pode assegurar que só o que é confiável o suficiente seja
admitido. Acrescentar “confiável”, “fiavelmente”, “suficiente” às Normas não
diz nada de substancial aos juízes a respeito do que deve ser excluído ou
admitido; como Peirce poderia ter tido, isso só atinge o segundo grau de
claridade, não o terceiro grau, que é pragmático e operacional.
Morais da História
Daí a primeira moral: não deveríamos nos permitir ser distraídos pela vã
esperança de que, de alguma forma, se ao menos pudéssemos encontrar a
fórmula legal perfeita, somente o depoimento científico confiável (quão
confiável?) seria admitido; essa fórmula não existe. Também não deveríamos nos
permitir ser desviados na direção de debates a respeito de juízes ou júris serem
mais bem equipados para determinar o valor do depoimento científico;
provavelmente não há uma resposta geral a ser alcançada.[712] Mas uma vez que
tenhamos entendido por que as evidências científicas dão tantas oportunidades
para o oportunismo, começamos a ver mais claramente que tipos de arranjos
legais podem amplificar os problemas subjacentes, e onde as melhorias podem
ser factíveis.
O bravo esforço do juiz Blackmun de articular as diferenças entre a ciência
e o direito que fazem as suas interações tão problemáticas acerta em parte, mas
só em parte. A investigação científica busca descobrir a verdade substantiva e
explicativa. Embora seja falível e atrapalhada, e faça progresso de forma
intermitente, é ainda assim o melhor — o único — jeito de descobrir a verdade
para as questões dentro de seu escopo. Mas ela leva — bem, ela leva o tempo
que precisar. O direito, em contraste, tem como meta a resolução de disputas em
tempo hábil. Mas é claro que ele busca resolver os casos não só imediatamente,
mas corretamente; e o “corretamente”, neste caso, tem dois componentes, um
com foco na verdade, e o outro com foco no devido processo legal. Assim, a
interseção do direito com a ciência está fadada a ser problemática; muitas vezes,
tentamos chegar à justiça com base em informações imperfeitas e
imperfeitamente entendidas, e, o que não é raro, tentamos criar a justiça a partir
da ignorância.
Ademais, de certas formas o sistema legal amplifica as dificuldades
inevitáveis: a perspectiva de honorários judiciais vultosos na ocasião de um
veredito importante do júri para um cliente, por exemplo, cria incentivos para
que os advogados dos requerentes comprem especialistas dispostos a depor da
forma que querem, o que, por sua vez, cria incentivos para cientistas adentrarem
o negócio de serem depoentes profissionais, ou para se devotarem à pesquisa
conduzida pelas necessidades de pessoas em litígio em vez pelo interesse
científico. As abordagens mais ou menos restritivas à admissibilidade em
diferentes jurisdições criam incentivos ao mercado de fóruns. E assim por diante.
Não há respostas fáceis; mas há, certamente, perguntas melhores e piores.
Em vez de uma preocupação infrutífera com o problema da demarcação ou da
distinção entre metodologia e conclusões etc., seria melhor voltarmos nossa
atenção a perguntas de outros tipos — mantendo em mente que, embora a
perfeição seja impossível, o melhor está acima do pior, e o efeito cumulativo de
pequenas melhorias pode ser bem grande; e que pode ser imprudente restringir
nossa atenção muito exclusivamente a questões sobre a admissibilidade de
depoimentos e laudos, ou, de fato, a estratégias internas ao sistema jurídico.
Algumas perguntas de aparência frutífera se concentram em mudanças
relativamente modestas, dentro do arcabouço legal existente, que podem permitir
um tratamento melhor das evidências científicas. Como poderíamos assegurar
que laboratórios forenses tomem as precauções mais rigorosas possíveis contra
potenciais erros já conhecidos?[713] O que poderia ser feito para assegurar uma
representação mais competente de réus em casos criminais, e menos
condenações com base na palavra de informantes de porta de cadeia e
testemunhas não confiáveis? O que poderia ser feito para ajudar os jurados a
lidar melhor com as evidências científicas: por exemplo, em consonância com o
filtro das perguntas legalmente inaceitáveis, permitir que peçam por
esclarecimentos quando não conseguem acompanhar um depoente especialista?
O que as associações profissionais dos cientistas poderiam fazer para ajudar os
depoentes científicos a se comunicarem melhor com juízes e júris, ou para
desencorajar aqueles que abusam de sua especialidade? As profissões e os
educadores do direito poderiam fazer mais para desencorajar a compra
inescrupulosa de depoentes e abusos correlatos? O que as cortes poderiam fazer
ao tentar determinar se uma alegação tem aceitação geral, para assegurar que
estão lidando com uma comunidade de investigadores e não com um sindicato
ou uma claque ou uma sociedade de admiração mútua?[714]
O que poderíamos aprender da experiência com o painel do juiz Pointer
sobre suprir algumas das carências entre as tradições da ciência e do sistema
legal? Que conselho poderia ser o melhor para cientistas chamados pelas cortes a
respeito de que conexões devem ser comunicadas, ou que tipo de manutenção de
registros será esperada deles? Seria desejável pedir a cientistas chamados pelas
cortes que providenciem detalhes das qualificações e afiliações de qualquer
pessoa a quem pediram ajuda; de quais estudos decidiram examinar em detalhe,
e o porquê; de quais estudos pareciam indicar com mais força a conclusão
contrária à deles, e por que, na opinião deles, esses estudos tinham defeitos?
Outras perguntas de aparência frutífera enfocam as interações entre o
sistema jurídico e outras instituições sociais. Como poderíamos fazer o sistema
jurídico responder melhor quando novas evidências vêm à tona na comunidade
científica? Como poderíamos fazer a comunidade científica responder melhor
quando disputas judiciais se voltam para questões científicas que não podem ser
resolvidas pelas evidências disponíveis no momento? Qual seria o papel ideal do
direito civil frente a outros meios de assegurar que, quando há um
questionamento a respeito da segurança desse ou daquele produto, ele seja
considerado com cuidado e resultados sejam propriamente postos em ação? —
um questionamento posto em parte pela interação singularmente infeliz da FDA
com o sistema de direito civil no caso dos implantes de silicone; e em parte pelas
observações do juiz Breyer, em seu voto favorável no caso Joiner, a respeito de
nossa dependência onipresente de substâncias sintéticas, e da importância de
assegurar que o “motor poderoso” do litígio civil desestimule somente a
produção de substâncias danosas (embora esse efeito sofra o contratempo de que
a decisão em Joiner foi a respeito de PCBs, tão perigosos que tinham sido
banidos por décadas).[715]
Depois temos as perguntas mais orientadas para políticas. É apropriado
que as considerações a respeito de como administrar os riscos inerentes à nossa
dependência de materiais, produtos químicos, medicamentos etc. sintéticos, por
exemplo, também determinem quais evidências são admissíveis em casos
criminais? É apropriado que uma norma uniforme permita que o mesmo
depoimento seja admitido em um tribunal e excluído em outro na mesma
jurisdição? (Que tipos de uniformidade valorizamos no sistema jurídico, e por
quê?) Um papel de intermediação é apropriado para os juízes até que ponto? (O
que exatamente valorizamos a respeito do julgamento por júri, e por quê?)
Dado que erros são inevitáveis, devemos ficar mais dispostos a tolerar uns
tipos mais que outros? Claro que, ao responder a esta pergunta, não devemos
esquecer que as evidências científicas têm um papel nos casos cíveis e criminais,
e, em ambos os lados — como Paul Giannelli pode ter feito quando escreveu que
“para mim, Frye funciona muito como um ônus da prova... Se [em casos
criminais] cometeremos erros ao avaliar a validade de uma nova técnica, eles
devem ser erros de excluir evidências confiáveis em vez de incluir evidências
não confiáveis.”[716]
E ainda outras perguntas de aparência frutífera focam-se naqueles aspectos
do sistema jurídico americano que ampliam os problemas dos depoimentos
científicos, tais como o julgamento por júri em casos cíveis, o sistema de
honorários por êxito de ações, aqueles casos cíveis enormes consolidados, e as
oportunidades de fazer mercado de fóruns. Aqui, pode ser útil perguntar como e
se essas questões são tratadas de modo diverso em outros lugares, em específico
em outros países avançados cientifica e tecnologicamente; e, se são, quais são os
benefícios e quais são as desvantagens. Uma comparação dos Estados Unidos à
Inglaterra ou ao Canadá,[717] por exemplo, poderia ser útil com respeito a
questões sobre o sistema de honorários e o preço — presume-se, acesso mais
limitado ao sistema jurídico para aqueles sem grandes recursos — de mudá-lo.
E para concluir
Embora certos aspectos desse ou daquele sistema jurídico possam exacerbá-las,
as dificuldades epistemológicas subjacentes na lida com o depoimento científico
são as mesmas em todo lugar. Há um paralelo interessante com a relação entre a
ciência e a religião. Por causa da disposição constitucional da separação entre
igreja e Estado, os esforços de introduzir o ensino confessional às escolas com o
termo “ciência da criação” tornaram o problema da demarcação entre a ciência e
a não-ciência legalmente inescapável. Mas, embora casos da ciência da criação
como McLean vs. Arkansas Board of Education tenham um sabor distintamente
americano, não há nada de local ou paroquial nas questões epistemológicas
subjacentes sobre a relação entre a ciência e a religião — assunto de que tratarei
a seguir.
Casos Citados
BAREFOOT VS. ESTELLE, 463 U.S. 880; 103 SUP. CT. 3383 (1983).

BERRY VS. CITY OF DETROIT, 25 F. 3D 1342 (1994).


BONNISCHEN ET AL. VS. UNITED STATES OF AMERICA, DEPARTMENT OF THE ARMY, ET AL., CIVIL JUDGMENT NO. 96-
1481-JE (2002).

COMMONWEALTH VS. LYKUS, 327 N.E. 2D 671 (MASS. 1975).


CONTI VS. COMMISSIONER, 39 F. 3D 658 (6TH CIR. 1994).
COPPOLINO VS. STATE, 223 SO. 2D 68 (FLA. DIST. CT. APP. 1968).
DAUBERT VS. MERRELL DOW PHARM., INC., 509 U.S. 579; 113 SUP. CT. 2786 (1993). [“DAUBERT I”]
DAUBERT VS. MERRELL DOW PHARM., INC., 43 F. 3D 1311 (9TH CIR. 1995). [“DAUBERT II”]
DOW CHEMICAL CO. VS. MAHLUM, 970 P. 2D 98 (NEV. 1998).

FLANAGAN VS. STATE, 620 SO. 2D 827 (FLA. 1993).


FRYE VS. UNITED STATES, 293 F. 1013 (D.C. CIR. 1923).

GENERAL ELECTRIC CO. VS. JOINER, 522 U.S. 136; 118 SUP. CT. 512 (1997).
HADDEN VS. STATE, 690 SO. 2D 573 (FLA. 1997).

HALL VS. BAXTER HEALTHCARE CORP., 947 F.SUPP. 1387 (D.OR. 1996).
KUMHO TIRE CO., LTD. VS. CARMICHAEL, 526 U.S. 137, 119 SUP. CT. 1167 (1999).
MCLEAN VS. ARKANSAS BOARD OF EDUCATION, 529 F.SUPP. 1255 (1982).
MEISTER VS. MEDICAL ENGINEERING CORP., 267 F. 3D 1123 (D.C. CIR. 2001).
MINNESOTA MINING AND MANUFACTURING CO. VS. ATTERBURY, 978 S.W. 2D 183 (TEX. APP. 1998).
MOORE VS. ASHLAND CHEMICAL, INC., 151 F. 3D 269 (5TH CIR. 1998).
PAOLI R.R. YARD PCB LITIG., IN RE, 35 F. 3D 745 (3D CIR. 1994).

PEOPLE VS. WILLIAMS, 164 CAL. APP. 2D SUPP. 858, 331 P. 2D 251 (CAL. APP. DEP'T SUPER. CT. 1958).
REED VS. STATE, 391 A. 2D 364 (MD. 1978).

RUDD VS. GENERAL MOTORS CORP., 127 F.SUPP. 2D 1330 (M.D. ALA. 2001).
UNITED STATES VS. ADDISON, 498 F. 2D 741, 744 (D.C. CIR. 1974).

UNITED STATES VS. BLACK, 831 F.SUPP. 120 (E.D.N.Y. 1993).


UNITED STATES VS. BONDS, 12 F. 3D 540 (6TH CIR. 1993).

UNITED STATES VS. CHINCHILLY, 30 F. 3D 1144 (9TH CIR. 1994).


UNITED STATES VS. DAVIS, 40 F. 3D 1069 (10TH CIR. 1994).
UNITED STATES VS. DOWNING, 753 F. 2D 1224 (1985).
UNITED STATES VS. LECH, 895 F.SUPP. 582 (S.D.N.Y. 1995).

UNITED STATES VS. MARTINEZ, 3 F. 3D 1191 (8TH CIR. 1993).


UNITED STATES VS. POSADO, 57 F. 3D 428 (5TH CIR. 1995).
UNITED STATES VS. RODRIGUEZ, 37 M.J. 448 (C.M.A. 1993).
UNITED STATES VS. SHEFFER, 523 U.S. 303; 118 SUP. CT. 1261 (1998).

UNITED STATES VS. STARZECPYZEL, 880 F.SUPP. 1027 (S.D.N.Y. 1995).

Canadá
R. VS. BOURGUIGNON JANUARY 14, 1999 DOC. OTTAWA, FLANIGAN J. (ONT. GEN. DIV.). [UNREPORTED]
R. VS. MOHAN, [1994] 2 S.C.R.9.

R. VS. J.-L.J., [2000] 2 S.C.R.600.

Inglaterra
ALSOP VS. BOWTRELL, CRO. JAC. 541 (1620).
FOLKES VS. CHADD, 3 DOUG. 157 (1782).
Capítulo 10: Questão de Honra
Sobre a Ciência e a Religião

A ciência moderna mata Deus e toma o Seu lugar no trono


vago... como... o árbitro único de todas as verdades
relevantes.
— Vaclav Havel[718]

Da mesma forma que cada um de nós teve de crescer para


resistir à tentação de acreditar no que queremos que seja
verdade..., a nossa espécie teve de aprender ao crescer que
não estamos atuando num papel de destaque em nenhum
tipo de drama cósmico grandioso.
— Steven Weinberg, Dreams of a Final Theory[719]

Havel e Weinberg concordam que há uma tensão real entre a religião e a ciência.
Creio que estão certos. Havel, no entanto, pensa que a ciência, ao fingir ser a
única fonte da verdade, cegou-nos para as verdades de um tipo espiritual;
enquanto Weinberg pensa que a maturidade intelectual exige que larguemos esse
tipo de pensamento ilusório a respeito do nosso lugar no universo, e considera
uma “questão de honra” não buscar consolo pelo ajuste das nossas crenças.[720] E
neste ponto, acredito que Weinberg está certo e Havel, errado.
Digo isso de uma forma um pouco mais que modesta, pois o assunto como
um todo dá-me alguma náusea — percebo que não tenho tanto o temperamento
daqueles ateus da vila que adoram se pronunciar contra a religião, em
comparação aos tipos mais reservados para quem a crença religiosa
simplesmente não é uma opção viável. Nunca senti-me impelida a escrever um
manifesto que explicasse “por que não sou cristã”; mas agora não posso evitar a
pergunta da relação da ciência com a religião, nem me esquivar da obrigação de
respondê-la honestamente.
Evidentemente, “a” questão da relação entre religião e ciência não é
realmente uma só pergunta, mas um emaranhado delas. Uma complicação inicial
é que a religião pode ser interpretada de forma bastante estreita, como um
compromisso com a existência de um deus pessoal ou deuses pessoais
interessados no comportamento dos seres humanos, nas nossas preces e rituais,
ou de forma muito ampla, como na concepção spinoziana de Einstein do
sentimento religioso como “um maravilhamento extasiante diante da harmonia
da lei natural”.[721] Mesmo com a religião interpretada estreitamente, há o
problema das muitas religiões concorrentes. Mas ignorarei essas complicações
para dar foco primário (mas não exclusivo) no cristianismo. A complicação mais
importante, para os presentes propósitos, é que a religião e a ciência diferem
entre si de muitas formas inter-relacionadas: na sua concepção do caráter
essencial do universo e do nosso lugar nele; nos tipos de descrição que
consideram genuinamente explicativos; e não apenas no que acreditam, mas em
como acreditam. Isso não significa que a ciência e a religião são
incomensuráveis, mas de fato significa que as comparações mais esclarecedoras
não são tão fáceis nem tão unidimensionais como se supõe com alguma
frequência.
A ciência não é primariamente um corpo de crenças, mas uma federação
de tipos de investigação. A investigação científica conta com a experiência e o
raciocínio: as ciências desenvolveram muitas formas de estender os sentidos e
aperfeiçoar os nossos poderes de raciocínio, mas elas não exigem tipos
adicionais de recurso evidencial para além desses, que também são os recursos
dos quais depende a investigação empírica cotidiana. Entre outras coisas,
enquanto mesmo na mais corriqueira investigação cotidiana dependemos
frequentemente do que outras pessoas nos contam, a investigação científica
tornou-se o esforço conjunto contínuo de uma vasta comunidade intergeracional.
As ciências naturais buscam explicações para os fenômenos e eventos
naturais, e as ciências sociais, para os sociais. Nas ciências naturais, as
explicações procuradas são em termos de forças e eventos físicos. Na ciência
social intencional, como na história e no trabalho de detetive, as explicações
procuradas são em termos das crenças, objetivos etc. dos seres humanos e as
ações que elas motivam. Mas tanto as explicações naturais-científicas quanto as
sociais-científicas são “naturais” no sentido de que se abstêm de apelar a
quaisquer forças sobrenaturais, de outro mundo ou espirituais.
A especulação imaginativa é essencial, mas as hipóteses imaginativas têm
de parar em pé diante das evidências. Na empreitada científica, o respeito pelas
evidências, a honestidade intelectual, são virtudes epistemológicas (e éticas)
salutares. A qualquer tempo, há novas especulações à espera de teste, e muitas
questões contestadas, alegações controversas e teorias ou fragmentos de teoria
concorrentes; o corpo de alegações e teorias aceitas está longe de ser completo, e
é falível. Embora grande parte dele esteja agora estabelecida com firmeza,
nenhuma parte, em princípio, está além da possibilidade de revisão à luz de
novas evidências. Partes da descrição científica atualmente aceita para a origem
do universo e nosso lugar nele são mais bem garantidas, outras partes são menos;
e muitas, muitas perguntas permanecem ainda sem resposta. Mas as linhas gerais
e muitos dos detalhes estão bem garantidos.
De acordo com as teorias de melhor garantia da ciência moderna, a Terra é
apenas um pequeno canto de um universo vasto, um pequeno canto que calhou
de abrigar a vida, no qual os seres humanos evoluíram a partir de formas de vida
mais antigas.
A religião, diferente da ciência, não é primariamente um tipo de
investigação, mas um corpo de crenças — um “credo” é a palavra que vem à
mente. No certe de uma visão de mundo religiosa, como a entenderei, está a
ideia de que um ser espiritual e intencional trouxe o universo à existência, e deu
aos seres humanos um lugar muito especial. Este ser espiritual preocupa-se com
o modo como nós humanos nos comportamos e com o que acreditamos, e pode
ser influenciado pelas nossas preces e rituais.[722]
A crença religiosa, presume-se, não é tentativa ou cheia de ressalvas, mas
um compromisso profundo, e profundamente pessoal. Descrer, ou crer errado, é
pecaminoso, e a fé, isto é, o compromisso na ausência de evidências conclusivas,
é com frequência concebida como uma virtude. (É por isso que às vezes
chamamos as pessoas religiosas de “crentes”.) Em contraste, apesar de, em sua
capacidade profissional, os cientistas aceitarem muitas proposições como
verdadeiras — algumas delas de forma muito confiante e firme, e não poucas de
forma bem dogmática — a fé, no sentido religioso, é estranha à empreitada
científica. (É por isso que às vezes se diz que a crença não tem lugar na ciência.)
Não é incidental que as diferentes religiões não se deem sustentação mútua como
fazem as diferentes ciências, mas que sejam rivais em vez de partes
complementares e entrelaçadas de uma mesma empreitada.
Diferente da religião, a teologia é um tipo de investigação. Diferente da
investigação científica, no entanto, a teologia abraça — na verdade, busca —
explicações sobrenaturais, explicações em termos de Deus fazendo as coisas
como são. Geralmente, além disso, ela apela para recursos evidenciais que estão
além da experiência sensorial e da razão, os mais importantes dos quais são a
experiência religiosa e a autoridade de textos revelados. Assim, diferente da
investigação científica, a investigação teológica é descontínua com a
investigação empírica cotidiana, tanto nos tipos de explicações com os quais lida
quanto nos tipos de recurso evidencial aos quais apela.
A meu ver, a religião e a ciência realmente estão profundamente em
desacordo quanto a todas as dimensões que destaquei; e a ciência realmente é,
em todas essas dimensões, de muito longe a empreitada mais admirável. (Digo
“em desacordo”, em vez de “incompatíveis”, porque o termo mais vago é
apropriado para todas as três dimensões de comparação; e pela mesma razão que
digo “mais admirável” em vez de “verdadeira” ou “mais bem garantida”.)
Por mais complicado que seja, no entanto, isso ainda é uma abstração à
história ainda mais complicada e diacrônica da humanidade enquanto ela
trabalhava por milênios em um gigantesco jogo de palavras cruzadas. Mas
somente pela perspectiva histórica podemos ver como a imagem do mundo
religiosa e o modo teológico de investigar emergiram quando as primeiras
tentativas de explicar os fenômenos naturais foram preenchidas à tinta
prematuramente; como um após outro aspecto da imagem religiosa do universo e
do nosso lugar nele gradualmente foi deslocado enquanto a ciência avançava; e
como as ciências não apenas chegaram gradualmente a uma descrição do
universo muito mais bem garantida, a duras penas de item a item intercruzante
no jogo, mas também fizeram as pazes com a inevitabilidade da ignorância e da
incerteza, e desenvolveram formas modestas e factíveis de descobrir como as
coisas são ampliando os recursos da investigação empírica cotidiana.
Uma Breve Excursão Histórica
Muito cedo na vida da humanidade, sem dúvidas, as pessoas contaram histórias a
respeito da origem do mundo e das criaturas que nele habitam; e, diante de
fenômenos perigosos e incontroláveis — fogo, inundação, doença —
hipotetizaram espíritos e deuses que controlam os eventos naturais, deuses que
poderiam ficar descontentes com violações de seus desígnios, mas poderiam ser
apaziguados com rituais e sacrifícios. Nenhuma explicação melhor estava
disponível; e essas explicações religiosas atendiam a necessidades emocionais,
além de intelectuais, ao sugerir que estamos longe de ser criaturas
insignificantes, que o modo como nós humanos nos comportamos interessa a
algo sobre-humano.
Religiões primitivas se transformaram e mudaram, às vezes se fundiram e
se misturaram. A maioria das religiões, e muitas das ideias religiosas, foram
perdidas com as culturas que as adotaram, mas outras vingaram e se
disseminaram, com o tempo se tornando as doutrinas centrais das que hoje
consideramos as grandes religiões do mundo. Algumas ideias religiosas
tornaram-se firmemente arraigadas; alguns textos assumiram uma autoridade
especial e sagrada. Novos ofícios e instituições tais como sacerdócios e templos
cresceram, e vieram a se imiscuir intimamente no tecido da sociedade: em
cerimônias para marcar o nascimento, casamento e morte, na educação das
crianças, no governo, na guerra e nas prescrições e proscrições morais — às
vezes sancionadas pela promessa de recompensa e pela ameaça de punição num
pós-vida.
Quando apareceu a Igreja Católica e depois as igrejas protestantes,
também apareceu uma nova forma de investigação: a teologia, à qual foram
atraídas algumas mentes muito notáveis. Alguns itens das palavras cruzadas
estavam agora preenchidos à caneta de forma indelével, e pareciam justificar o
pressuposto de que, acima da experiência sensorial e do raciocínio dos quais
depende a investigação empírica cotidiana, há outros tipos de evidência:
interações de pessoas privilegiadas com Deus, e as palavras da escritura sagrada
(apesar de, claro, haver sempre dificuldades, enigmas e lacunas a respeito das
quais os teólogos debatem, às vezes motivando heresias e cismas).
É provável que tenham sempre existido aqueles que tinham suas dúvidas a
respeito do abracadabra dos xamãs e sacerdotes, e certamente sempre existiram
os curiosos e engenhosos prontos para tentar isso e testar aquilo. Tão logo se
criaram os argumentos teológicos, sem dúvida havia alguns que suspeitavam que
o Problema do Mal poderia ser insolúvel, ou que o Argumento da Primeira
Causa poderia gerar uma regressão. Bem antes de Darwin, o astuto David Hume
tinha sugerido que se o mundo é do jeito que é por projeto, parece bastante que
deve ter sido o projeto de um deus bebê ainda aprendendo a ser criador, ou talvez
de um comitê contencioso de deuses. E assim por diante.
E tão logo a ciência dispôs-se a explicar fenômenos naturais, houve
potencial para o conflito com a religião. Gradativamente — muito
gradativamente no início, mas depois cada vez mais rápido — surgiram
evidências que pareciam ameaçar os itens-chave religiosos das palavras
cruzadas. Primeiro as pessoas pensaram que as novas evidências pudessem ser
acomodadas ou atenuadas pela explicação, o que é natural e razoável. Porém,
quanto mais evidências surgiam, mais forçados pareciam os antigos e muito
intercruzados itens e os esforços por mantê-los.
No mínimo desde a rusga de Galileu com a Igreja, sentiu-se que havia uma
tensão entre a ciência e sistemas de crenças religiosas enquanto corpos de
conhecimento presumido; pois a ideia cerne da concepção religiosa ficou
crescentemente ameaçada pelo que o Weinberg descreve apropriadamente como
um processo gradativo, mas inexorável de “desmistificação” primeiro do
firmamento, depois da vida. Copérnico sugeriu que a Terra não era o centro do
sistema solar; Galileu mostrou que ele tinha razão.[723] Foi somente em 1822, no
entanto, quase trezentos anos depois da publicação do De revolutionibus orbium
caelestium do Copérnico, que a Igreja Católica reconheceu formalmente a sua
“nova” astronomia.[724] Depois, com a teoria da evolução e a resposta do Darwin
à versão influente do Argumento do Projeto de William Paley[725] — a pièce de
résistance da teologia natural — o potencial para conflito mais uma vez se fez
agudo.
Mesmo antes da publicação do Origem das Espécies, em resposta ao
proto-evolucionismo do Vestígios da História Natural da Criação do Robert
Chambers, Adam Sedgwick, o clérigo anglicano que havia sido o professor de
geologia de Darwin, objetara que se a evolução for verdadeira “a religião é uma
mentira, a lei humana é um monte de tolice..., e a moralidade é papo furado”.[726]
E em Ônfalo: Uma Tentativa de Desatar o Nó Geológico,[bbb] publicado em
1857, Philip Gosse tinha tentado acomodar uma interpretação estritamente literal
da história do Gênesis às evidências a favor de um planeta muito mais antigo e
uma sucessão de organismos fósseis: assim como Deus criou Adão com umbigo
— ônfalo em grego — Ele também fez com que todas as criaturas, e a própria
Terra, parecessem mais velhas do que de fato são: árvores com anéis no tronco,
animais com sinais de desenvolvimento anterior e de desgaste, até mesmo o
esqueleto de um mamute siberiano em São Petersburgo “com saliências de carne
exibindo marcas de dentes de lobo”.[727] Contudo, longe de ser o triunfo que ele
esperava, o livro do Gosse mostrou-se um fracasso embaraçoso, alvo de críticas
não só por ser má ciência, mas também com base teológica, por postular um
Deus enganador.
O próprio Darwin, quando jovem, acreditava que a Bíblia era a palavra de
Deus e passou três anos se preparando para a ordenação na Igreja Anglicana —
sem muito entusiasmo; ele tinha mais interesse em colecionar besouros. Antes
que se casassem, sua Emma implorava que ele desistisse de seu hábito de “não
acreditar em nada até que seja provado”.[728] Ele tinha dificuldade não apenas
com o Argumento do Projeto, mas também com o Problema do Mal e o
Argumento da Primeira Causa. Em 1837, escrevera em seu diário: “quão mais
grandiosa [é a evolução] que a ideia de imaginação limitada de que Deus criou
(declarando guerra às mesmas leis que Ele estabeleceu em toda a natureza
orgânica) o Rinoceronte de Java e Sumatra, que desde o tempo do Siluriano Ele
fez uma longa sucessão de animais moluscosos repugnantes — quão abaixo da
dignidade d’Ele, que disse faça-se a luz e a luz se fez”.[729] Mas em 1860, o ano
após a publicação de Sobre a Origem das Espécies, Darwin escreveu: “Estou
desnorteado. Não tive intenção de escrever ateiamente. Mas reconheço que não
vejo com a mesma clareza que os outros... as evidências de projeto e
beneficência ao nosso redor... não consigo me persuadir de que um Deus
benevolente e onipotente teria propositalmente criado as Ichneumonidae[ccc] com
a intenção expressa de que elas se alimentassem dos corpos vivos das lagartas”;
[730]
embora no mesmo ano, na esperança de se reconciliar com clérigos irritados
na segunda edição do Origem, Darwin tenha modificado sua frase de conclusão:
“Há grandeza nesta visão da vida, com seus muitos poderes, tendo sido
originalmente soprados em poucas formas ou em uma só” para “...tendo sido
originalmente soprados pelo Criador em poucas formas ou uma só”.[731]
Quando escreveu uma autobiografia honesta para a família em 1876,
Darwin sugeriu que a mente humana pode ser incapaz de responder às perguntas
religiosas, e descreveu a si mesmo francamente como um agnóstico. A palavra
havia sido cunhada há pouco — por Thomas Huxley (conhecido como “o
buldogue de Darwin” por sua defesa tenaz da evolução), que escrevera em 1869
que enquanto os crentes religiosos “tinham bastante certeza de que obtiveram
uma certa ‘gnose’”, ele tinha bastante certeza de que ele não obtivera.[732]
Quando o Origem foi publicado, Samuel Wilberforce, o bispo de Oxford,
reclamara que Darwin tinha culpa por “uma tendência a limitar a glória de Deus
na criação”, e que a teoria da evolução “contradiz as relações reveladas da
criação com seu Criador”; William Whewell, autor do História das Ciências
Indutivas, recusara-se a permitir a presença do livro do Darwin no Trinity
College em Cambridge.[733] Huxley, no entanto, perguntou a si mesmo como
podia ter falhado em ver o poder explicativo extraordinário da evolução por si
mesmo; e em 1863 Charles Kingsley já escrevia que “Darwin está conquistando
como um dilúvio, pela mera força da verdade e do fato”.[734]
Contudo, quando Darwin publicou A Descendência do Homem em 1871, o
Papa Pio IX o denunciou por ser “um sistema... que é repugnante ao mesmo
tempo à história, à tradição de todos os povos, à ciência exata, aos fatos
observados e até à própria Razão”.[735] E Alfred Russel Wallace, o codescobridor
junto a Darwin da teoria da evolução pela seleção natural, passou a acreditar que
o homem não poderia ter evoluído naturalmente; a alma humana deve ter vindo
de Deus. Bem ciente da dificuldade de acreditar que o Criador “deve ter
qualquer interesse especial numa criatura tão miserável quanto o homem, um
habitante imperfeitamente desenvolvido de um dos planetas menores associados
a um sol de segunda ou terceira categoria”, no Lugar do Homem no Universo
Wallace argumentou que o fato de a Terra ser singularmente adequada para a
existência da vida mostra que o universo foi projetado para o homem, que nós
humanos realmente somos o ápice de tudo.[736]
Gertrude Himmelfarb diz que conforme a ciência avançou, a teologia
também o fez; mas pode-se dizer melhor que conforme a ciência avançou, a
teologia recuou para um terreno mais alto. Uma teologia natural reformada, em
vez de contestar a nova biologia, adaptou-se para acomodá-la. Kingsley escreveu
a Darwin que ele “aprendera gradualmente a ver que essa é uma concepção
igualmente nobre da Divindade, crer que Ele criou formas primordiais capazes
de autodesenvolvimento em todas as formas necessárias..., tanto quanto crer que
Ele precisou de um ato novo de intervenção para suprir as lacunas que Ele
próprio havia feito”[737] (a posição que o próprio Darwin assumira mais cedo,
antes que mais reflexões lhe causassem tal desnorteamento e por fim lhe
forçassem à posição agnóstica da autobiografia). Henry Ward Beecher
pronunciou que “projeto no atacado” era mais nobre que “projeto no varejo”.
Baden Powell sugeriu que a uniformidade, imutabilidade e suficiência das leis
naturais das quais dependia a ciência eram evidências de um propósito maior.
Frederick Temple, observando que o autor do livro da revelação também é o
autor do livro da ciência, defendeu que “as leis fixas da ciência podem suprir a
religião natural com ilustrações inúmeras da sabedoria, da beneficência, da
ordem, da beleza que caracterizam o ofício de Deus”. Henry Drummond
ridicularizou aqueles que “buscam sem cessar nos campos da Natureza e no livro
da Ciência por lacunas — lacunas que possam preencher com Deus”; Deus será
encontrado não nas lacunas que a ciência não pode preencher, mas na totalidade
da natureza.[738]
Em seu História da Guerra da Ciência com a Teologia na Cristandade,
Andrew Dickson White recuou para um pedaço ainda menor de um terreno ainda
mais elevado. Rastreando o recuo gradual do dogma teológico diante do avanço
científico, o livro do White é um compêndio extraordinário da resistência das
autoridades religiosas, católicas e protestantes, a todo passo científico à frente.
Mas na seção de conclusão do último capítulo do segundo de seus dois volumes
densos, White asseverou que a nova abordagem científica para a interpretação da
Bíblia revelara uma evolução no pensamento religioso, uma perspectiva não da
Queda mas da Ascensão do Homem: do deus tribal dos hebreus ao Pai Universal
do Novo Testamento; de um código moral de crueldade e vingança ao correto
pelo correto; da ideia de um “povo escolhido” a um ideal da fraternidade entre os
homens.
Não é muita surpresa que Darwin ficasse desnorteado, ou que houvesse tal
confusão a respeito da possibilidade de as novas ideias científicas poderem ou
não ser reconciliadas à visão de mundo religiosa mais velha. As teorias
científicas que ameaçaram afastar as ideias religiosas não tinham certeza ou
abrangência dogmática, em vez disso eram incertas, tentativas e incompletas;
longe de serem psicologicamente reconfortáveis, eram perturbadoras ao
extremo; e ameaçaram as instituições, arranjos sociais e os códigos morais que
haviam sido construídos nas fundações das antigas respostas das palavras
cruzadas.
O que surpreende mais é que muitas pessoas ainda estão convencidas de
que as velhas respostas religiosas estão corretas. Como nos dias do Darwin,
alguns reconhecem as tensões entre a ciência e a religião, enquanto outros
tentam salvar as ideias religiosas pela reconciliação delas com a ciência. Alguns
dos que reconhecem as tensões são gente pouco sofisticada que se agarra a
velhos textos, autoridades e certezas. Outros são do tipo intelectual sofisticado
capaz de elaborar razões para manter as velhas respostas, de tomar proveito da
incompletude e incerteza das ideias científicas, e de achar lacunas que ideias
teístas poderiam preencher. Alguns dos que buscam a reconciliação são teólogos
que alegam estar usando os mesmos métodos de investigação que as ciências;
outros são cientistas que salvam a religião na forma enquanto a despem de
conteúdo. Como veremos, no entanto, na prática a ideia de que a visão de mundo
religiosa tem melhor garantia que a científica se obscurece de forma quase
imperceptível para a ideia de que ela pode preencher lacunas na visão de mundo
científica, e esta por sua vez se obscurece para a ideia de que não há nenhuma
incompatibilidade real.
O Criacionismo e a “Teoria do Design Inteligente”
Entre aqueles que reconhecem as tensões entre a religião e a ciência, os menos
sofisticados e os mais francos são os criacionistas. Contudo, o “criacionismo”
não se refere a uma só posição, mas a uma família delas cujo tema partilhado é
que a descrição do Gênesis de como nós e o mundo viemos a existir é
verdadeira, e que a descrição científica é falsa. Criacionistas de Terra jovem
defendem que a narrativa do Gênesis é estrita e literalmente verdadeira; Deus
criou o mundo pelo fiat e do nada em seis dias normais de 24 horas no ano de
4004 a.C. ou em torno dele, a data que o arcebispo Usher calculara em 1650 com
base nas Escrituras Hebraicas.[739] (Porém, alguns criacionistas de Terra jovem
aceitam a possibilidade de alguns milhares de anos a mais.) Criacionistas de
Terra antiga, em contraste, reinterpretam a narrativa do Gênesis de modo a
acomodar a cronologia geológica padrão. A Teoria de Dia-Era considera os
“dias” da narrativa do Gênesis longas eras; a Teoria da Lacuna considera os seis
dias da criação literais e recentes, mas precedidos por eras geológicas depois que
a criação original fora subvertida por Satanás.[740]
Não dedicarei muito tempo a essas formas epistemologicamente
minguadas de criacionismo. Mas deixarei registrado que quase toda religião tem
a sua própria narrativa de criação; dessas narrativas, mesmo em princípio, no
máximo uma poderia ser verdadeira; e que desde os primórdios os teólogos
cristãos (e judeus) discordaram a respeito da interpretação apropriada da
narrativa de criação do Velho Testamento. Houve, por exemplo, uma grave
perplexidade diante do fato de que a primeira descrição do Gênesis diz que Deus
criou a luz, e a distinção entre dia e noite, no primeiro dia, mas que Ele também
fez o Sol e a Lua somente no quarto dia. E houve um prolongado debate a
respeito do fato de que a primeira das duas descrições do Gênesis estende o ato a
seis dias, enquanto a segunda, que fala “do dia” no qual Deus fez a terra e o
firmamento, sugere que a criação divina foi instantânea: “Pois ele falou, e tudo
se fez; ele mandou, e logo tudo apareceu”. Tomás de Aquino, aproveitando uma
distinção feita por Agostinho, defendeu que Deus criou a substância das coisas
instantaneamente, mas levou seis dias para separar e formar a sua criação; e essa
concessão perdurou por séculos, até a Reforma. Lutero defendeu que a criação
levou seis dias, mas que também foi, por um grande milagre, instantânea;
Calvino, no entanto, era um defensor dos seis dias.[741]
Para alguém que aceita a Bíblia como a palavra de Deus, a conclusão feita
por Gosse há muito tempo parecerá inevitável: as evidências da idade da Terra e
da evolução devem ser de alguma forma enganosas. Mas ao menos que se
reconheçam “evidências” naquele sentido antigo, mas não tão obsoleto em que a
palavra faz referência a passagens bíblicas especialmente relevantes,[742] aceitar a
narrativa do Gênesis, seja como ela é ou até distendida pela reconstrução dos
dias como “eras”, não é realmente uma alternativa séria.
O livro Science on Trial do Douglas Futuyma, publicado em 1983 em
resposta a uma série de casos de “ciência da criação” nos tribunais, faz um bom
trabalho ao resumir as evidências para a visão científica e demolir os argumentos
dos criacionistas. Compreensivelmente exasperado pela ideia de que a narrativa
do Gênesis está à altura dos resultados do trabalho acumulado de milhares de
geólogos, paleontólogos, biólogos e bioquímicos, Futuyma é deliciosamente
ácido: “Eles todos deviam estar na arca — todos os dois milhões de animais
individuais, cangurus australianos, jiboias sul-americanas, raposas do Ártico,
kiwis da Nova Zelândia e 250 mil espécies de besouros. Sem mencionar todos os
seus parasitas... Suponho que todas essas espécies viviam juntas no Oriente
Médio, ao alcance fácil da arca, e que Noé foi o melhor colecionador de animais
da história mundial”.[743] Bem assim.

A “teoria do design inteligente” (também chamada de “teoria do aparecimento


abrupto” ou “teoria da complexidade inicial”) abandona o literalismo bíblico e
afasta o termo “criacionismo”, que se tornou meio comprometedor. Essa variante
parece bem mais intelectualmente respeitável; tanto que um artigo recente no
Wall Street Journal pode chamar o design inteligente de “uma teoria sofisticada
que agora está sendo defendida nas melhores universidades do país”.[744] Um
tema principal encontrado em Michael Denton, D. S. Ulam e Richard
Goldschmidt, endossado por Phillip Johnson em Darwin on Trial e defendido
recentemente pelo bioquímico católico Michael Behe em A Caixa Preta de
Darwin, é que muitas estruturas, do pelo dos mamíferos à hemoglobina, são tão
complexas que não poderiam ter sido produzidas por um acúmulo de pequenas
mutações, mas devem ser criação de um projetista inteligente.
Behe explica que, quando ele chama um sistema biológico de
“irredutivelmente complexo”, ele quer dizer que é “composto de várias partes
bem combinadas entre si e interagentes que contribuem para a função básica,
onde a remoção de qualquer uma das partes causa a suspensão efetiva do
funcionamento do sistema”. De acordo com Behe, vários fenômenos biológicos
— cílios, flagelos, coagulação sanguínea etc. — constituem tais sistemas
irredutivelmente complexos; e esses não podem ter sido produzidos por
modificações pequenas sucessivas, pois qualquer precursor do sistema, na falta
de alguma parte, seria por definição não funcional.
Essa linha da argumentação do Behe, para o efeito de que a explicação
evolutiva de tais estruturas é falsa e precisa ser substituída pelo design
inteligente, mescla-se a outra que sugere, em vez disso, que a teoria da evolução
é incompleta e precisa ser complementada pelo design inteligente. O darwinismo
não pode explicar a origem da própria vida; conforme escreve Klaus Dose,
“todas as discussões sobre as principais teorias e experimentos na área [da
origem da vida] ou terminam em empate ou em confissões de ignorância”.[745]
Obviamente, conclui Behe, a melhor explicação é o projeto (design) de Deus.
Os mesmos temas e até uma citação do mesmo artigo do Dose já tinham
feito parte do argumento do livro do Johnson, publicado alguns anos antes. Mas
Johnson, um professor de direito em Berkeley que descreve a si mesmo como
um especialista na análise de argumentos e um “teísta filosófico e cristão”, que
acredita que um criador “tem um papel ativo nos assuntos do mundo”, é muito
mais ambicioso filosoficamente que Behe; e aborda as evidências para a
evolução como faria um procurador, tentando desacreditar as provas produzidas
pela defesa. O advogado de defesa nesse caso é Futuyma, cujo título Johnson
ecoa em seu próprio.
Johnson concede que circunstâncias peculiares podem favorecer as
bactérias resistentes a antibióticos, ou aves maiores ao invés de menores, ou
mariposas de cor escura em vez de mais claras etc.; mas “nenhuma dessas
‘provas’ fornece uma razão persuasiva para acreditar que a seleção natural possa
produzir novas espécies, novos órgãos ou outras mudanças grandes, nem mesmo
mudanças menores que sejam permanentes”.[746] E os darwinistas não só baseiam
sua defesa em algumas poucas provas inconclusivas; também falharam em
produzir as evidências fósseis essenciais de espécies intermediárias entre peixes
e anfíbios, anfíbios e répteis, répteis e mamíferos, primatas e humanos. Quer
dizer, eles produziram o Homem de Piltdown, que se revelou uma fraude; depois
houve o Homem de Nebraska, mas ele foi identificado com base em um suposto
dente fóssil pré-humano que se descobriu ser de um pecari (um tipo de porco).
Os darwinistas, prossegue Johnson, trapaceiam na distinção entre fato e
teoria, dizendo a nós que a evolução é um fato da natureza estabelecido com
tanta segurança quanto a órbita da Terra ao redor do Sol, concedendo apenas que
há um dissenso saudável acerca de questões de detalhe teórico tais como a escala
de tempo e os mecanismos precisos da evolução. Mas, na verdade, a evolução é
apenas uma teoria, uma teoria que os cientistas defendem com base na fé e
defendem dogmaticamente.[747] Reconstruindo o critério da falseabilidade do
Popper como um teste da integridade intelectual em vez de uma demarcação
entre ciência e não-ciência, Johnson defende que este é um teste no qual falham
os defensores do darwinismo, que simplesmente ignoram ou negam quaisquer
fenômenos que não se encaixem em sua teoria.[748] A raiz do problema,
prossegue ele, está no compromisso dos darwinistas com o “naturalismo”, uma
negação dogmática que um ser sobrenatural pudesse influenciar os eventos
naturais ou se comunicar com criaturas naturais como nós. “O naturalismo
científico”, continua ele, faz o mesmo argumento ao presumir que a ciência, que
estuda exclusivamente o natural, é a única fonte fiável de conhecimento. Em
consequência, o darwinismo trata a ciência como equivalente à verdade, a não-
ciência como equivalente à fantasia.[749]
As pessoas do design inteligente são adversários mais tremendos que os
criacionistas mais antiquados, mas, no fim das contas, não são muito mais
convincentes. Os biólogos rebatem as referências de Johnson ao termo
“darwinismo”, que obscurece as diferenças entre a descrição original de Darwin
e a biologia evolutiva em seu estado atual, muito adaptado e modificado (na
mesma verve poder-se-ia chamar o programa espacial da NASA de
“newtonismo”, reclama Paul Gross).[750] A atual biologia evolutiva, afinal, está
ancorada numa gama bem mais ampla de observações e está entrelaçada num
mais amplo e mais firme tecido de teorias biológicas e outras do que a descrição
de Darwin estava quando Kingsley a descreveu como “entrando como um
dilúvio pela... força da verdade e do fato”.
Lendo Johnson, pode-se ter a impressão de que as evidências elencadas
pelo Futuyma equivalem a meia dúzia de exemplos de “fenômenos observados
que confirmam a eficácia criativa da seleção natural”.[751] Isso é enganoso, para
dizer o mínimo. Reconhecendo que “não esperamos ver moscas se
transformando em pulgas em experimentos de laboratório”,[752] Futuyma
descreve as evidências de mutações em todo tipo de característica e de
populações diferentes se adaptando a condições ambientais diferentes; de
gradações contínuas de diferença entre grandes grupos de criaturas tais como os
insetos; da organização hierárquica das espécies que a evolução prevê; das
evidências fósseis nas quais, como previsto, grupos que evoluíram relativamente
mais tarde são menos distribuídos que os grupos que evoluíram mais cedo; e
assim por diante etc. etc. Manuais mais recentes tais como o Evolution de Mark
Ridley elucidam ainda mais detalhes do papel da evolução na biologia do
desenvolvimento, ecologia, genética, biologia molecular, filogenética e
paleobiologia.
E sim, há fósseis transicionais (o livro How We Believe do Michael
Shermer inclui desenhos convenientes do Ambulocetus natans, um fóssil
transicional entre os Mesonychida da terra seca e o mamífero marinho
Archaeocetus, o ancestral das baleias mordernas).[753] Determinar a linha exata de
ancestralidade do Homo sapiens tem sido difícil e permanece uma tarefa
controversa porque o registro fóssil dos grandes primatas é minguado, e parece
que, durante os últimos quatro milhões de anos, houve longos períodos em que
formas diferentes de hominídeos estiveram vivos ao mesmo tempo.[ddd] De
acordo com John Maddox, no entanto, “a linhagem humana claramente flui dos
australopitecíneos... para o Homo erectus..., a fonte genética de muitas formas de
hominídeos... além das formas do homem primitivo”.[754]
Quanto àqueles “sistemas irredutivelmente complexos”, a primeira coisa a
se notar, como aponta Robert Pennock,[755] é que Behe considera verdade por
definição que a remoção de qualquer componente de um sistema
irredutivelmente complexo o faz deixar de funcionar. Mas a alegação que Behe
professa ter estabelecido é que os órgãos e moléculas complexos não podem ter
evoluído porque nenhum precursor de tais órgãos ou moléculas poderia ter dado
qualquer vantagem à criatura. E não apenas isso é uma tautologia; não é sequer
verdadeiro. Um precursor do olho — uma mancha sensível à luz, por exemplo
— com certeza poderia trazer uma vantagem evolutiva.
Esse erro dificilmente é novo. No livro O Relojoeiro Cego, Dawkins já
tinha respondido a outro perpetrador, Hugh Montefiore (Bispo de Birmingham),
que por sua vez tinha citado C. E. Raven a respeito de cucos: o estilo de vida
parasitário do cuco poderia não ter emergido ao acaso, pois cada um de seus
elementos — o hábito da fêmea de botar ovos nos ninhos de outros pássaros, o
hábito dos filhotes de cuco de empurrar os outros filhotes para fora do ninho —
seria inútil sozinho. Mas até mesmo um olho ou orelha rudimentar, ou um
esquema mal-feito de tirar proveito de outros pássaros, certamente poderia ser
útil para a criatura que o tem; e, de qualquer forma, a alternativa evolutiva ao
projeto divino não é o “acaso”, mas a seleção cumulativa. A chance de chegar,
por exemplo, à hemoglobina “por acaso” de fato é ínfima. A molécula de
hemoglobina consiste em quatro cadeias de aminoácidos emaranhadas juntas,
cada uma com 146 elos. Já que existem 20 tipos de aminoácidos, o número de
cadeias de 146 elos é enorme — 20 multiplicado por si mesmo 146 vezes. Mas
não significa que a hemoglobina não pudesse ter surgido através de muitos
passos de seleção cumulativa, na qual cada melhoria minúscula foi a base para
os passos futuros. Ademais, um projetista onipresente (diferente do deus bebê do
Hume) teria, presume-se, projetado perfeitamente. Mas o que de fato temos são
órgãos úteis, mas imperfeitos — tal como o olho dos vertebrados, no qual as
células sensíveis à luz estão mais afastadas da fonte de luz que seus conectores
ao nervo óptico, que ficam mais próximos à luz. Isso não é o que se espera de
um projetista divino, mas é exatamente o que se espera da seleção cumulativa.
[756]

Nada disso é para negar que há controvérsias e discordâncias entre os


biólogos evolutivos, muitas anomalias ainda inexplicadas, e muitos, muitos
detalhes que ainda são controversos (Ridley é útil ao indicar, nas notas de
leituras adicionais depois de cada capítulo, quais questões são matéria de
controvérsia em curso). Também não é para dizer que é impossível em princípio
que a teoria da evolução se revele enganosa no fim das contas. Porém, quando
Johnson insiste que a evolução é apenas uma “teoria”, não um “fato”, ele incide
em uma duplicidade no uso da palavra “teoria”. Na fala coloquial, “isso é só uma
teoria” implica que a coisa em questão é altamente conjectural, não bem apoiada
nas evidências; e, como sugere Johnson, faz contraste com “isso é um fato”, que
implica que a coisa em questão é estabelecida com firmeza. Nos contextos
científicos, no entanto, a palavra “teoria” é muitas vezes completamente neutra a
respeito de as alegações em questão serem bem ou mal garantidas. Que a
evolução é uma teoria, nesse uso, não implica nem um pouco que ela não é bem
garantida.
De certa forma, Johnson tem razão a respeito do critério da demarcação do
Popper: a falseabilidade não é um modo viável de distinguir a ciência da não-
ciência; mas a disposição a levar em conta as evidências negativas é um aspecto
importante da integridade intelectual. Mas, de outra forma, Johnson está errado.
O respeito pelas evidências é uma questão muito mais sutil do que ele reconhece.
O encaixe entre teoria e evidências é praticamente sempre imperfeito, as
previsões praticamente nunca se concretizam na totalidade e completa precisão.
[757]
A honestidade intelectual exige abertura à revisão, sim, mas não uma
prontidão hipersensível para desistir de uma ideia promissora em resposta à
menor das dificuldades, que pode não ser um erro menor que se agarrar a uma
ideia por tempo demais quando as evidências contrárias são fortes.

A questão da origem da vida está em aberto, como dizem Johnson e Behe — ou,
como prefiro dizer, “De onde viemos?” fica na categoria do que resta para
descobrir.[758] Já em 1868, Ernst Haeckel (“o buldogue alemão de Darwin”)
palestrara a respeito do agrupamento espontâneo de substâncias químicas nos
organismos primitivos. O próprio Darwin inicialmente pensou que a questão era
difícil demais para considerar, mas em 1871 estava pronto para especular a
respeito de “uma pequena poça morna, com todo tipo de sais de amônia e
fosfóricos, calor, eletricidade etc.” na qual proteínas poderiam ter se formado.[759]
Louis Pasteur, também, a certa altura pensava que a geração espontânea de vida
era impossível, mas em 1878 mudou de ideia. Em 1924, A. I. Oparin especulou
que compostos orgânicos simples poderiam ter se formado de substâncias
químicas da atmosfera da Terra jovem. Em 1956, Stanley W. Miller aplicou uma
descarga elétrica de alta voltagem em gases do tipo sugerido e obteve uma
mistura de substâncias, inclusive diversos tipos de aminoácidos, acumuladas no
fundo do frasco da reação.
Mas o pressuposto do qual dependia o argumento do Oparin, que a
atmosfera da Terra jovem era “redutora”, isto é, livre do oxigênio que agora
sustenta a vida dos animais, depois foi posto em dúvida; e os cálculos atuais
tornam o tempo disponível para o surgimento da vida mais curto do que se
pensava. Estima-se agora que a Terra tem 4,5 bilhões de anos de idade, e que a
vida surgiu num tempo mais recente que 4 bilhões de anos atrás; há resquícios
fósseis de seres vivos de no mínimo 3,5 bilhões de anos atrás, talvez chegando a
3,8 bilhões de anos atrás. Isso deixa apenas um período relativamente curto —
entre 500 e 200 milhões de anos — no qual a vida pode ter surgido.
No livro O Acaso e a Necessidade, Jacques Monod defendeu que um
evento singular tal como o surgimento da vida na Terra é em princípio não
analisável pela ciência, que é inerentemente mal equipada para explicar eventos
históricos singulares; e calculou o quão improvável seria o DNA se montar ao
acaso a partir de suas partes componentes. Com seu colega Chandra
Wickramasinghe, o astrofísico Fred Hoyle, notoriamente observando que foi tão
improvável que o DNA tenha se montado aleatoriamente de uma “sopa
primordial” quanto um tornado passando por um ferro-velho montar ao acaso
um Boeing 747, fez a sugestão imaginativa de um criador que distribui sementes
de vida; mas também, de modo menos imaginativo, sugeriu que a vida poderia
ter vindo ao mundo em uma nuvem interestelar de gás e pó. Francis Crick
levantou a possibilidade de que a vida veio à Terra por seres extraterrestres — a
“panspermia”.
Parte do problema, logicamente anterior a como a vida surgiu, é
exatamente o que poderia ter sido o primeiro tipo de coisa vivente ou pré-
vivente. Os organismos mais simples hoje — bolor limoso, bactérias e até os
vírus, que são tão simples que alguns biólogos questionam se realmente são
“vivos” — são complexos demais para terem sido o primeiro passo;[760] e agora
pensa-se que “as primeiras coisas vivas não precisaram esperar pela montagem
ao acaso de moléculas comparáveis em complexidade às agora encontradas nos
organismos modernos”,[761] mas foram precedidas por uma fase pré-biótica na
qual não havia organismos ainda, mas moléculas capazes de catalisar sua própria
formação a partir de matéria prima do ambiente da época.
“Estamos trabalhando nisso” não é, como Johnson e Behe parecem pensar,
uma admissão de que algo está muito errado, mas um reconhecimento das
limitações que se esperam um dia superar. E mesmo se a questão fosse muito
mais intratável do que parece ser, a resposta deles não seria razoável. Se alguém
realmente tivesse oferecido uma alternativa séria à teoria da evolução, sem
dúvida já haveria tal fermento nas universidades, como sugeriu o editorial de
Easterbrook no Wall Street Journal. Até onde sei, no entanto, a empolgação
intelectual criada por essa “teoria sofisticada” não se estende aos departamentos
de biologia — e por bons motivos: o design inteligente dificilmente merece o
título de “teoria”, muito menos “teoria sofisticada”. Equivale a nada mais que
uma asserção rasa de que um projetista inteligente criou a vida e desenhou
aqueles “sistemas irredutivelmente complexos”; não oferece nem o mais
minúsculo dos degraus a partir do qual se poderia galgar para uma explicação
específica de como foi Deus.
Assim, de certa forma, Johnson tem razão a respeito do naturalismo,
também: explicações sobrenaturais são alienígenas para a ciência. Mas, uma vez
mais, de outra forma ele está errado. O compromisso com o naturalismo não é
meramente a expressão de um tipo de imperialismo científico; pois as
explicações sobrenaturais são tão alienígenas para o trabalho do detetive e do
historiador, ou para as nossas explicações cotidianas para a comida rançosa ou
atraso de ônibus, quanto são para a física ou a biologia. E o motivo disso não é
que as explicações sobrenaturais são alienígenas para a ciência; não é que elas
apelam para as intenções de um agente; não é que elas dependem de causas não
observáveis. A dificuldade fundamental (familiar para o mistério central do
dualismo cartesiano, sobre como a substância mental poderia interagir com a
substância física) é, em vez disso, que ao apelar para as intenções de um agente
que, sendo imaterial, não pode colocar suas intenções em ação por qualquer
meio físico, as explicações sobrenaturais falham completamente na tarefa de
explicar.

Outros procuram não na biologia, mas no reino estonteante da cosmologia por


lacunas que hipóteses religiosas possam preencher. Interpretações teístas
recentes do “princípio antrópico” (um termo introduzido pelo físico Robert H.
Dicke em meados dos anos 1960) afirmam não que a intervenção de Deus foi
necessária para criar a vida, mas que só poderia ter sido pelo projeto divino que
surgiram as circunstâncias muito especiais que possibilitaram a vida em geral e a
vida humana em particular. O universo parece “finamente sintonizado” para a
vida, pois, se certas constantes físicas fossem só um pouco diferentes, a vida
seria impossível. E a cosmologia física também não pode explicar por que há
algo em vez de nada, argumentam; no fim das contas, a resposta para a velha
pergunta de Leibniz, “Por que há algo em vez de nada?”, só pode ser que Deus
quis assim.
Por volta do século passado, a cosmologia física fez progresso
considerável nas questões sobre a origem do universo e a acresção da matéria —
mas muitas permanecem controversas. A ideia de que o universo está em
expansão foi estabelecida em 1929 por Edwin T. Hubble, que deu seu nome à lei
segundo a qual quase todas as galáxias dentro do universo observável estão se
afastando a uma velocidade que cresce com a distância. A Lei de Hubble se
encaixa bem na teoria do Big Bang proposta por George Gamow em 1947, de
acordo com a qual “até cerca de 10 ou 20 bilhões de anos atrás, não existia nada,
nem mesmo o espaço vazio. Então, veio a existir um pequeno grânulo de espaço
preenchido com uma quantidade tão gigantesca de energia que produziu os 100
bilhões de estrelas na Via Láctea, um número comparável de galáxias que estão
além da nossa própria, a radiação que preenche todo canto do universo e o
impulso que até hoje sustenta a sua expansão”. Com a quantidade suficiente de
energia, partículas individuais de radiação, fótons, podem gerar matéria a partir
do espaço vazio; a grande energia do Big Bang poderia criar não apenas os
elétrons, como também os prótons e nêutrons que são os ingredientes da matéria
nuclear.[762]
Nos anos 1970, contudo, foi descoberto que o universo é mais uniforme
em temperatura do que deveria ser, de acordo com a teoria do Big Bang. A
hipótese de Alan H. Guth que, quase imediatamente após o Big Bang e antes de
aparecer matéria de qualquer tipo, o universo se expandiu espontaneamente a
grande velocidade e ritmo acelerado, resolve o problema atenuando as flutuações
de temperatura esperadas pelo modelo do Gamow; no entanto, ela tem a
consequência que deve haver uma profusão de universos paralelos aos nosso,
cada um derivado de um grânulo diferente do espaço-tempo.[763]
Ainda assim, perguntarão os teólogos, por que há algo em vez de nada? O
que fez surgir o(s) Big Bang(s)? Essas perguntas não permanecerão insolúveis,
não importa como as questões controversas sejam por fim resolvidas na
cosmologia física? Não necessariamente; pois alguns cosmólogos conjecturam
que o universo não tem início nem fim — o “universo fractal” do Guth — e, se
assim fosse, a questão à qual os teólogos oferecem a resposta “foi Deus” não
seria levantada. Se esse programa pode ser concluído, escreve Guth, “as leis da
física implicariam que a existência do ‘nada’ perpétuo do universo [seria]
impossível”.[764] E Hawking: “Se o universo realmente é autocontido, não tendo
fronteira ou borda, ele não teria começo nem fim: ele simplesmente seria”.[765]
Mesmo se houvesse um início, a resposta teísta deixa a desejar. Por que há
Deus em vez de nada? E como foi que Deus fez surgir o(s) Big Bang(s)? O
teólogo jesuíta Michael Buckley concede que “realmente não sabemos como é
que Deus ‘põe a mão na massa’”;[766] mas seria difícil exagerar o quão diferente é
essa “concessão” comparada ao “estamos trabalhando nisso” dos cientistas
sérios, ou investigadores sérios de qualquer tipo. Considerando que os físicos
trabalharam por décadas para chegar a uma descrição detalhada da acresção dos
componentes da matéria (e sem dúvidas trabalharão por muitas décadas mais
para entender as origens do universo), os teólogos sentem-se capazes de
simplesmente dispensar a necessidade de dar quaisquer detalhes.
Concepções mais antigas e mais antropomórficas de Deus como, na
expressão do White, um tipo de fabricante de brinquedos gigantesco que
...de sua ampla palma Lançou os planetas rolando pelo
espaço[767]
gradualmente cederam espaço para uma concepção mais abstrata de um Deus
incorpóreo, atemporal ou quiçá eterno. Concepções mais antigas da substância
física como simples matéria também cederam espaço para um entendimento da
equivalência entre massa e energia. Assim, talvez não seja de se surpreender que
alguns sintam a tentação de resolver a dificuldade a respeito de explicações
sobrenaturais pela identificação de Deus com qualquer que seja a força que
trouxe o universo à existência. Tal “solução”, no entanto, esvaziaria o conceito
de um Deus de seu conteúdo essencial; pois não faz sentido imaginar tal força
escutando nossas preces, realizando milagres ocasionais ou se interessando de
alguma forma pelas nossas ações.
E quanto às condições necessárias para a vida? A matéria que restava
depois dos primeiros minutos do universo, explica Weinberg, era quase na
totalidade hidrogênio e hélio, sem os elementos mais pesados como carbono,
nitrogênio e oxigênio, necessários para a vida. A chance de produzir um núcleo
de carbono em seu estado normal (o estado de mais baixa energia) em colisões
de três núcleos de hélio é ínfima; mas quantidades apreciáveis seriam produzidas
se o núcleo de carbono pudesse existir em um estado radioativo com uma
energia de mais ou menos 7 MeV (milhões de elétron-volts) acima do estado
normal, assim não haveria problema em produzir carbono comum. E acontece
que o núcleo de carbono tem exatamente tal estado radioativo, 7,65 MeV acima
do estado normal. Não seria evidência de uma “sintonia fina” divina?
Dificilmente, responde Weinberg: a formação do carbono nas estrelas é um
processo em duas etapas, e a coisa crucial não é a energia de 7,65 MeV do estado
radioativo do carbono acima de seu estado normal, mas a energia de 0,25 MeV
do estado radioativo, uma combinação instável de um núcleo de berílio-8 e um
núcleo de hélio, acima da energia desses núcleos em repouso. E erra o alvo por
ser alta demais para a produção do carbono, não por uma pequena margem que
sugira uma sintonia fina, mas pela margem de 20%.
Da mesma maneira, continua Weinberg, se a constante cosmológica — a
densidade de energia do espaço vazio — fosse maior, ela teria impedido que a
matéria se aglutinasse no universo primevo, se positiva, ou, se negativa, teria
causado um recolapso do universo. Isso não é evidência de sintonia fina? Não
necessariamente, se nosso universo for só um fragmento de um universo maior
no qual Big Bangs explodem o tempo todo, cada um com valores diferentes para
as constantes fundamentais.[768] A vida, como diz Maddox, é em certo sentido
uma aberração, exigindo um suprimento constante de substâncias químicas do
ambiente e uma forma de produzir energia a partir delas.[769] Mas isso não
significa que o universo foi projetado para nós; na verdade, como observou
Clarence Darrow há muito tempo, se foi projetado, parece ter sido para os
insetos em vez de para a vida humana.[770] Nem o fato de estarmos aqui é uma
fonte de espanto; onde mais estaríamos a não ser nas partes do universo que
permitem a possibilidade da vida? John Earman pede que imaginemos “o
espanto de uma espécie de vermes da lama que descobrem que, se a constante da
condutividade termométrica da lama fosse diferente por uma pequena
porcentagem, eles não conseguiriam sobreviver”.[771] Exatamente.
“A ciência pode explicar tudo?”, perguntam os teístas, em um tom que
sugere que uma resposta negativa encerra a questão. De fato, há muitas questões
dentro da competência da ciência que ela ainda não pode responder (sem
mencionar muitas questões totalmente fora de sua seara). Mas daí não se segue,
e não é verdade, que a religião pode preencher as lacunas.
Tentativas de reconciliação
Quando o juiz Overton decidiu no caso McLean vs. Arkansas Board of
Education que o criacionismo não é ciência, ele também fez objeção à alegação
criacionista que a crença em um criador e a crença na evolução são mutuamente
excludentes, uma ideia que ele descreveu como “ofensiva às opiniões religiosas
de muitos”. Frank Press, o então presidente da Academia Nacional de Ciências
(NAS), escreveu em um panfleto da NAS em 1984 sobre Ciência e Criação que
é “falso... que a teoria da evolução representa um conflito irreconciliável entre a
religião e a ciência”.[772] Mas, em resposta ao panfleto da NAS, William Provine
escreveu que tais “racionalizações são políticas, mas intelectualmente
desonestas”.[773] Suspeito que não seja tanto desonestidade intelectual quanto um
tipo de relutância polida a ofender os crentes religiosos; como quando Paul
Gross escreve que “há inúmeras formas pelas quais a evolução poderia ter
acontecido em um mundo ‘criado’... Multidões de evolucionistas são cristãos. O
argumento deles é que o criacionismo atrapalha, em vez de ajudar”.[774] Mas
concordo com Provine que a esperança de reconciliação é infundada.
É verdade, claro, que as ciências nada dizem sobre Deus; e poderia parecer
que se segue disso que não pode haver incompatibilidade verdadeira. Mas não se
segue, não mais que se seguiria do fato que a teoria científica moderna da
combustão não menciona o flogisto que ela não pode ser incompatível com a
teoria do flogisto (ou que, do fato que meu voto por não fazer uma indicação no
momento não lista todos que não devemos indicar, se seguiria que o voto não
pode ser incompatível com uma unanimidade de indicar X).[775] O tipo de
evolucionismo teísta que Darwin considerou e que Kingsley aceitou disfarça,
mas não resolve diferenças irreconciliáveis entre as visões de mundo científica e
religiosa. Como Darwin veio a perceber, essa posição falha em reconhecer a
tensão profunda entre a ideia de um Deus onipotente e onibenevolente e as
muitas imperfeições e crueldades da natureza; como sugeri antes, falha em
reconhecer a tensão profunda entre uma imagem científica de um universo vasto
e indiferente e um Deus interessado. Como colocou Stephen Hawking uma vez,
“Somos criaturas tão insignificantes em um pequeno planeta de uma estrela
muito mediana nos confins dos subúrbios de uma entre uma centena de bilhões
de galáxias. Então, é difícil acreditar num Deus que se preocuparia conosco”.[776]
Em The Mind of God (A Mente de Deus), Paul Davies, também um físico,
mas crente (e ganhador do Prêmio Templeton de um milhão de dólares da “pelo
progresso na religião”), conclui que “a crença em Deus é em grande parte uma
questão de gosto, a ser julgada por seu valor explicativo em vez de pela
compulsão lógica. Pessoalmente, sinto-me mais confortável com um nível mais
profundo de explicação que as leis da física. Se o uso de ‘Deus’ para esse nível
mais profundo é apropriado é uma matéria de debate, claro”.[777] Isso, da ideia de
que a explicatividade é só uma questão de gosto à brincadeira com “mais
profundo” e à despreocupação com o significado de “Deus”, soa para mim como
uma embrulhada de um milhão de dólares. Vou me concentrar, ao invés disso,
em um livro que ao que parece foi escrito para rebater as tendências ateístas do
Hawking na física, além do Dawkins na biologia, no qual Richard Swinburne
explica que, em vez de desafiar a ciência ou postular um “Deus das lacunas”
para explicar o que a ciência não pode explicar, ele postula Deus “para explicar
por que a ciência explica”. Em uma versão de fim do século XX da teologia
natural reformada vislumbrada nos anos 1860 por Powell, Temple, Beecher e
Drummond, Swinburne oferece um tipo de espuma teísta que penetrará e
solidificará a estrutura e todas as juntas do modelo científico.[778]
Tratando o conhecimento como uma grande rede interconectada,
reconhecendo que há um arranjo vasto e heterogêneo de evidências a serem
acomodadas, e notando as conexões entre os conceitos de explicação, tipos e
leis, Swinburne defende que, pelos mesmos critérios de escolha de teoria que
todos os investigadores empíricos usam, a hipótese de que há um Deus é a
melhor para “explicar tudo... o fato de que sequer existe um universo, que as leis
científicas operam dentro dele, que ele contém animais conscientes e humanos
com corpos muito complexos e minuciosamente organizados, ... que os humanos
relatam milagres e têm experiências religiosas”. Os mesmíssimos critérios que
os cientistas usam para chegar a suas teorias nos levam “a um Deus criador que
sustenta tudo na existência”.[779]
Como eu, Swinburne vê continuidades entre a investigação científica e as
investigações conduzidas por historiadores e detetives; diferente de mim, ele
acrescenta os teólogos à lista. Mas apesar de seus esforços para minimizá-las, as
descontinuidades óbvias em como a teologia concebe explicação, evidência e
crença não podem ser dissimuladas. “A simples hipótese do teísmo”, de acordo
com Swinburne, é explicar por que há algo em vez de nada — e por que há tanto
desse algo;[780] por que todos os elétrons se comportam do mesmo jeito; como os
humanos podem entender o suficiente de como o mundo funciona para
encontrarem alimento, se manterem aquecidos etc. — em suma, “tudo o que
observamos”.[781] É evidente que o (muito elástico e ambíguo) conceito de
simplicidade vai ter que carregar um fardo e tanto; pois, de acordo com
Swinburne, enquanto em outros tipo de investigação uma explicação boa deve
não apenas ser simples, mas também se encaixar com o resto do nosso
conhecimento, essa última exigência não se aplica às explicações teológicas.[782]
Isso sugere que a conexão da descrição teológica do Swinburne com as ciências
é, com toda probabilidade e na melhor das hipóteses, tênue.
E, de fato, ela é. Parece que Swinburne não ficaria intimidado se houvesse
57 variedades de tigre, pois não o incomoda que haja trocentas variedades de
feijão, besouros, bactérias etc. Mais uma vez, parece que Swinburne não ficaria
intimidado se o universo fosse mais organizado do que ele é, ou menos, pois não
o incomoda que a mecânica quântica seja indeterminística. Como o
compreensivelmente exasperado Adolf Grünbaum protesta, aparentemente não
importa em absoluto como é o mundo; Swinburne ofereceria a mesma
explicação não importa quais leis os cientistas descobrissem.[783]
A maior parte do que a existência de Deus de fato explica, aparentemente,
é por que há um universo e por que há tipos e leis. (O contraste com o “Deus das
lacunas” da cosmologia teísta começa a ficar menos nítido.) Mas Swinburne
dribla algumas dificuldades defendendo que Deus não é atemporal, mas eterno;
e, em vez de dar de ombros como Buckley, ele tenta explicar a natureza da
agência divina: é análoga à agência humana, com a exceção de que “como
podemos precisar de postular planetas e átomos não observáveis para explicar
fenômenos, então podemos precisar de postular pessoas incorpóreas”.[784] Mas a
ação humana intencional, como reconhece Swinburne, envolve movimentos
físicos; o problema com agentes incorpóreos não é que eles são não observáveis,
mas que eles são incorpóreos. O que é necessário não é nada como a causação
comum por agente, e nada como a operação de corpos invisíveis; como
Grünbaum diz, é a causação mágica.[785] Swinburne gosta de especular a respeito
das motivações de Deus — por que Ele é ao mesmo tempo auto-revelado e auto-
oculto, por que Ele sustenta as leis da natureza, mas ocasionalmente as suspende
miraculosamente, etc.; mas nenhuma quantidade de especulação do tipo pode
superar a dificuldade essencial.
Swinburne trata a experiência religiosa como a operação de um tipo de
sexto sentido, análogo à visão e audição. Definindo as experiências religiosas de
forma muito fraca como “experiências que parecem ao sujeito serem
experiências de Deus”,[786] ele se fia no “princípio da credulidade”, que devemos
acreditar que as coisas são como parecem ser, ao menos e até que tenhamos
evidências de que estamos enganados,[787] para dar conta da diferença entre a
experiência religiosa no sentido sem compromisso dele e a Experiência
Religiosa no sentido de uma interação genuína com Deus.[788] Swinburne
concede que nem todos têm experiências religiosas, embora “milhões de
pessoas” tenham; mas algumas pessoas são daltônicas, também. Alguns daqueles
que tiveram experiências religiosas ingeriram drogas, ou se sujeitaram a
dificuldades tais como o jejum; mas poderia ser o caso que as drogas e o jejum
abrem os olhos das pessoas para Deus. Algumas drogas são alucinógenos
notórios; mas a maioria das experiências religiosas não são “feitas” [sic] sob a
influência de tais drogas. Quase todos aqueles que têm experiências religiosas
foram expostos antes à crença religiosa (na verdade, dada a definição de
experiência religiosa do Swinburne, o “quase” aqui é uma surpresa); mas só
aqueles que já sabem o que é um telefone relatam ter visto algo que parece um
telefone, também.
Mas a Experiência Religiosa seria bem diferente da visão ou audição na
medida em que envolve a interação com algo incorpóreo. Na verdade, há muito
mais diferenças importantes que similaridades. Praticamente todos que
aprendem a palavra “telefone” o fazem na primeira instância ao ouvirem-na
usada na presença visível ou audível de telefones, enquanto ninguém aprende a
palavra “Deus” de forma ostensiva. Praticamente todos a quem se mostra o que é
um telefone e em seguida ficam na presença de um telefone o vêem, enquanto de
forma alguma todos que ouvem a respeito de Deus em seguida relatam “senti-
lo”. A vasta maioria das pessoas podem ver cores; e entendemos o defeito
fisiológico que causa o daltonismo. A maioria das pessoas, no entanto, não
“sentem” Deus; e também entendemos que exaustão, fome, drogas, sugestão etc.
podem causar ilusões e delírios.
Para a maioria das pessoas, se a experiência religiosa serve para garantir a
crença em Deus, terá que ser pela experiência religiosa dos outros.[789] Muitos de
nós temos de confiar na certeza dos outros de que viram cisnes negros; mas, no
caso da experiência religiosa, a maioria de nós terá de confiar em relativamente
poucos outros que alegam ter tido experiências de um tipo radicalmente
diferente daquelas que nós — a maioria azarada — já tivemos. O que temos em
mãos para continuar?
A experiência religiosa, no sentido fraco que Swinburne dá ao termo, é sim
um fenômeno real, mas muito complexo: não só porque, para quase toda
religião, há pessoas que alegam ter tido experiências que o autenticam, mas
também porque a “experiência religiosa” cobre tudo que vai de vozes e visões
reais a todo tipo de ilusão e autoengano e ao senso mais vago de edificação, de
ser arrebatado para fora de si mesmo. Shermer descreve o relato do Martinho
Lutero de acordar de repente e encontrar Satã discutindo com ele; e produz
fotografias da aparição da Virgem Maria na firma de locação de automóveis
Ugly Duck [Pato Feio] em Clearwater, Flórida — uma imagem da janela da área
de exposição produzida quando o óleo de palmeiras foi borrifado na janela por
regadores — e das pessoas tristes que compareceram com cadeiras de rodas e se
apoiando em bengalas, esperando por um milagre.
Pesquisas recentes em neurofisiologia começaram a investigar o que
acontece no cérebro durante as experiências religiosas. Uma conjectura é que as
experiências religiosas são evocadas por distúrbios elétricos nos lobos temporais,
que podem ser disparados pela ansiedade, falta de oxigênio, hipoglicemia ou
fadiga.[790] Por se só, claro, tal história neurofisiológica não pode nos dizer se a
sensação de estar em contato com algum ser maior é um artefato da atividade
cerebral ou uma interação autêntica com Deus. Mas para que o “Princípio da
Credulidade” de Swinburne não se degenere em um Princípio da Ingenuidade,
precisaríamos no mínimo ver como se faz a distinção entre o artigo genuíno da
Experiência Religiosa e outras experiências erroneamente consideradas
interações com Deus, e quais evidências há que algumas experiências religiosas
são Experiências Religiosas.
No que parece ser uma alusão aos argumentos bayesianos que ele usou em
um livro anterior,[791] Swinburne argumenta que quando evidências de
experiência religiosa e milagres são levadas em conta junto ao fato de que há um
universo em vez de nada, que há tipos e leis no universo etc., elas “completam” a
probabilidade de que Deus existe o suficiente para justificar a crença. Ele nunca
sugere, à maneira da teologia a priori, que a existência de Deus é uma certeza;
mas o motivo que ele dá para não esperar a certeza é por excelência teológico:
“Se a existência, justiça e intenções de Deus se tornassem itens de conhecimento
comum, então a liberdade do homem de escolher [acreditar ou desacreditar] seria
em consequência severamente tolhida”.[792] Também teológica por excelência é a
ideia de que, quando a probabilidade da existência de Deus for alta o suficiente
(51%? 65%? 77%?), a resposta apropriada não é a aceitação provisória pendendo
investigações adicionais, mas “um compromisso ilimitado”.[793] É como eu disse
antes: as diferenças entre a religião e a ciência se estendem não apenas ao
conteúdo do que se acredita, mas a como é acreditado.
Ao contrário do que pretende, o livro do Swinburne destaca não apenas as
diferenças entre a investigação científica e a teológica, mas, de forma mais
importante, as descontinuidades entre a investigação teológica e as nossas
investigações empíricas cotidianas. Enquanto as ciências ampliaram e refinaram
os recursos evidenciais nos quais todos nos baseamos diariamente, a teologia se
baseia em recursos evidenciais adicionais cuja autenticação depende de respostas
antigas dúbias nas palavras cruzadas — como se todo um novo tipo de
investigação tivesse surgido da teoria do flogisto e de alguma forma
sobrevivesse à sua derrocada como explicação para a combustão.

Em uma encíclica de 1950, o Papa Pio XII escrevera que “alguns, imprudente e
indiscretamente, defendem que a evolução... explica a origem de todas as
coisas”; “comunistas”, continuou ele, “com prazer aderem a essa opinião”. A
teoria da evolução não deveria ser aceita como provada, e “a fé católica nos
obriga a defender que as almas são criadas diretamente por Deus”.[794] Mas ele
concedeu a possibilidade da “pesquisa e discussão” entre os cientistas e os
teólogos sobre a evolução do corpo humano. Em um discurso de 1996 com título
“Verdade Não Pode Contradizer Verdade”, o Papa João Paulo II reconheceu que
“novos conhecimentos levaram ao reconhecimento da teoria da evolução como
mais que uma hipótese”.[795] Todavia, ele sustentou, como fizera Wallace muito
antes, que “se o corpo humano tem origem em matéria viva pré-existente, a alma
espiritual é diretamente criada por Deus”.[796]
Recentemente, reivindicando Pio XII e João Paulo II como aliados,
Stephen Jay Gould também sustentou que a ciência e a religião têm domínios ou
“magistérios” distintos e não sobrepostos (ao que ele deu a sigla “NOMA”).[797]
Cada domínio de investigação “enquadra suas próprias regras e perguntas
admissíveis, e estabelece seus próprios critérios para julgamento e resolução”.
[798]
O papel da religião não é tapar os buracos da imagem científica, mas
responder a suas próprias questões distintas. Mas a posição de Gould não é que a
ciência trata do mundo natural e a religião da alma humana e das questões
espirituais, como é a do Papa João Paulo; em vez disso, Gould acha que a
ciência trata do âmbito dos fatos e a religião do âmbito dos valores, do sentido e
moralidade — parecido com White, que, no entanto, era muito mais franco a
respeito da longa história do conflito amargo entre a religião e a ciência que ele;
e parecido com Einstein, que, no entanto, deixara claro que ele concebia a
atitude religiosa simplesmente como uma aspiração aos valores “sobrepessoais”
tais como o conhecimento da verdade.[799]
A posição de Gould pode ser atraente por ser conciliatória; mas seu apelo
deriva de sua vagueza e ambiguidade, e evapora sob escrutínio mais minucioso.
Deixando de lado a objeção que as religiões muitas vezes fazem alegações
históricas/factuais bem específicas,[800] e adiando a questão a respeito de a
ciência ter algo a nos dizer sobre valores,[801] quero lançar luz no momento na
tese de que o magistério da religião é o âmbito dos valores. Não suponho que
Gould pense que a religião trate dos valores estéticos ou epistêmicos. Também
não parece útil interpretar seu papo de “sentido e moralidade” como um gesto na
direção do jeito com que as pessoas religiosas às vezes investem eventos que, de
um ponto de vista científico, são meros acidentes, coincidências, com um
significado mais profundo. Por que foi que a minha vaca foi atingida por um
raio, e não a sua? Ou — um exemplo real de um programa de televisão
perturbador após o furacão Andrew — por que o furacão destruiu a igreja deles,
mas deixou a nossa intacta? Isso reduziria a religião a um tipo de superstição
vulgar; o que não acredito que seja a intenção do Gould.
Mas Gould sequestrou o termo “religião” para um uso bem fora do padrão.
Isso na maior parte é confirmado explicitamente quando, observando que
Thomas Huxley rejeitou a doutrina cristã que uma crença na ressurreição serve
como um incentivo para o comportamento decente durante nossa vida terrena,
“em um princípio mais elevado ele considera essencialmente algo religioso por
natureza”, Gould nos conta que ele interpretará como fundamentalmente
religioso “todo o discurso moral sobre princípios que poderia ativar a ideia da
fraternidade universal entre as pessoas”.[802]
Huxley não ficaria feliz em ser cooptado junto aos Papas Pio e João Paulo;
pois, embora ele tenha imaginado um tipo de “religião” secular que poderia
satisfazer algumas das mesmas necessidades emocionais sem a doutrina teísta
insustentável, parece que ele pensava na relação da crença religiosa com a
imagem de mundo científica de forma muito parecida com a minha. Nossos
ancestrais acreditavam que “a Terra é o centro do universo visível, [e] o homem
a cinosura[eee] das coisas terráqueas”; e que “o curso da natureza... poderia ser
alterado pela agência de... seres espirituais”, ele escreveu; mas, na época dele, “é
muito seguro que a Terra não é o principal corpo do universo material, e que o
mundo não é subordinado ao uso do homem. É ainda mais seguro que a natureza
é a expressão de uma ordem definida com a qual nada interfere”.[803]
Em todo caso, a concepção de religião do Gould é ao mesmo tempo
estreita demais e ampla demais, pois a moralidade não é a única preocupação da
religião nem uma preocupação apenas para a religião. Deixemos de lado o
problema que um código moral que distingue judeu ou mórmon de gentio é
certamente religioso, mesmo sendo flagrantemente desencorajante para “a ideia
da fraternidade universal entre as pessoas”. A descrição do Gould do discurso
religioso é claramente estreita demais de outra forma, também: as religiões têm
em seu cerne um corpo de doutrina a respeito de Deus, ou deuses, e suas
relações com seres humanos e seu papel no destino deles. Preceitos morais
geralmente seguem daí, ou são adicionados, sendo a ideia geral que seguir um
dado código vai agradar a Deus, ou apaziguar os deuses; os preceitos podem até
vir a ocupar um lugar central no discurso religioso com um estilo edificante em
vez de teológico. Mas eles não são o cerne da questão. Ao mesmo tempo, a
descrição do Gould do discurso religioso é também ampla demais: não só os
religiosos, mas também os agnósticos e ateus, reconhecem as restrições morais.
[804]
Não só a crença religiosa, ademais, mas muitas outras coisas — família,
relações pessoais, amor pela música ou pelos animais, compromisso com metas
humanitárias etc. — pode dar sentido à vida.[805] Em resumo, Gould é culpado da
confusão pela qual H. L. Mencken criticou Alfred North Whitehead, “do
impulso religioso [com] a decência comum”.[806]
Perguntando a si mesmo por que “vários cientistas alarmados e
conciliatórios” — ele menciona Robert Millikan e Arthur Eddington — tinham
tantas ganas de reconciliar a ciência com a religião, Mencken sugeriu dois
motivos: um tipo de covardia, uma falta de vontade de provocar demais
antagonistas inescrupulosos; e dúvidas internas, uma incapacidade de jogar fora
as devoções sob as quais foram criados.[807] Mais recentemente, Dawkins[fff]
escreve exasperado a respeito de “uma flacidez covarde do intelecto”.[808] Não
especularei a respeito das motivações do Gould, mas repetirei que, na minha
opinião, a reconciliação que ele propõe só funciona se a religião for despida de
seu conteúdo essencial.
Religião, moralidade e a “vontade de crer”
Ainda assim, mesmo se não fosse verdade, a crença religiosa não seria uma
Nobre Mentira, talvez até necessária? Não seriam “suas ameaças horrendas e
sanções solenes... necessárias para manter a débil humanidade na linha”?[809]
Weinberg, lembrando-nos da longa e sangrenta história das “cruzadas, pogroms e
jihads”, diz que “no balanço, a influência moral da religião foi horrorosa”.[810]
Preencher uma folha de balanço não me parece fácil; mas no mínimo está longe
de óbvio que o cômputo geral deixaria as religiões, moralmente falando, no
vermelho.
Pelo lado positivo, poder-se-ia colocar o conforto psicológico que a
religião oferece aos crentes; a solidariedade social que a religião encoraja e suas
contribuições à reforma social; a herança extraordinária da poesia, arte e música
religiosas; e — sem dúvida isso é parte do que Havel tinha em mente — a
utilidade da religião como baluarte contra os excessos dos regimes comunistas
ímpios.
Mas uma confiança tranquila demais que a religião é uma influência
consistente para o bem é fomentada pela nossa tendência de selecionar os
preceitos morais que aprovamos e ignorar o resto.[811] Um correspondente
observa no Wall Street Journal que se pode encontrar no Velho Testamento não
apenas a proibição da homossexualidade citada em um artigo publicado naquela
semana, mas também proibições de tocar na pele de um porco, de comer
camarão, e, no “perfeitamente enumerado” Levítico 20:20,[ggg] de permitir que
pessoas com visão imperfeita se aproximem do altar.[812] Muitas prescrições e
proscrições religiosas são moralmente repreensíveis, até cruéis: a prática hindu
do sati, o suicídio ritual de uma viúva na pira funerária de seu marido; a
prescrição na lei islâmica da amputação da mão direita de um ladrão; a morte por
apedrejamento como punição do Velho Testamento para adúlteras. É verdade que
escolhi exemplos meio melodramáticos; mas há muitos outros menos
melodramáticos, mas igualmente apropriados — em especial, talvez, no âmbito
da moralidade sexual.
As repostas teológicas ao Problema do Mal podem ser absolutamente
medonhas. Eis Swinburne: “Tenho sorte se a possibilidade natural do meu
sofrimento se você escolher me ferir for o instrumento dá importância à sua
escolha... [M]inha boa sorte é que o sofrimento não é... sem sentido”.[813] Por
acaso, no mesmo dia que li isso também li um artigo de uma mulher que tinha
sido estuprada, sodomizada, traumatizada, espancada e deixada para morrer por
uma gangue de brutos.[814] Você consegue aceitar que ela foi beneficiada por ter
sido o instrumento que deu importância à escolha dos seus algozes? Eu não
consigo.
E as religiões por certo feriram além de fazer o bem. A outra face do poder
da religião de unir as pessoas é seu poder de dividi-las; e assim a minha lista de
danos começaria, como a de Weinberg, com as guerras religiosas e sectárias.
Poderia continuar: a Inquisição; a perseguição de supostas bruxas; governos
teocráticos tirânicos; sacrifício humano; o efeito do fatalismo hindu ao inibir a
reforma social; o papel da Igreja Reformada Holandesa ao apoiar o Apartheid;
etc. etc.
Estamos selecionando as evidências, mais uma vez, quando notamos o
papel que as pessoas religiosas às vezes tiveram na reforma social, e esquecemos
que nem todas as pessoas religiosas querem reformas, e nem todos os
reformadores são religiosos. Freeman Dyson destaca o papel da crença religiosa
na supressão da escravidão; Weinberg nota que, enquanto cristãos devotos como
William Wilberforce foram influentes na oposição à escravatura,[815] muitos
cristãos devotos a apoiaram, e humanistas como Adam Smith e Jeremy Bentham
lutaram contra ela.[816]
Nós humanos somos criaturas capazes tanto de grande crueldade quanto de
grande caridade — com e sem a ajuda da religião. Às vezes as pessoas são gentis
e generosas, às vezes cruéis e insensíveis, por motivos religiosos; e às vezes as
pessoas são gentis e generosas, às vezes cruéis e insensíveis, sem a ajuda da
religião.

Com frequência a vida é difícil, decepcionante, desanimadora e coisa pior; às


vezes muito pior. Daí o protesto de James Beattie ao cético Hume: “há muitos
corações honestos e tenros atormentados com uma angústia incurável... a quem
nada exceto a confiança na Providência e a esperança de retribuição futura
poderiam preservar das agonias do desespero. E você, com mãos sacrílegas,
tenta violar esse último refúgio dos miseráveis e roubar deles o único conforto
que sobreviveu às intempéries do infortúnio, maldade e tirania!”[817]
Beattie é eloquente, até tocante; mas, para o argumento clássico segundo o
qual a crença religiosa é legitimada por capacitar o crente a viver melhor, busca-
se “A Vontade de Crer” de William James.[818] Em A Ética da Crença, W. K.
Clifford sustentara que “é errado sempre, em todo lugar e para qualquer um
acreditar em qualquer coisa com base em evidências insuficientes”. James
responde defendendo “nosso direito de adotar uma atitude crente em questões
religiosas, a despeito do fato de que nosso intelecto meramente lógico pode não
ter sido coagido”. Quando uma hipótese não pode por sua natureza ser decidida
com base em evidência; quando ela é viva para nós, tem um apelo para nós como
uma possibilidade real; quando a escolha entre crer nela e descrer é forçada,
inevitável e crucial para as nossas vidas, então “nossa natureza passional... pode
decidir legitimamente”.[819] A crença religiosa, embora não possa em princípio
ser verificada ou falseada, é legitimada por seu efeito salutar na vida do crente.
Uma complicação é que, como um pragmatista, James está oficialmente
comprometido a defender que uma hipótese que não pode por sua natureza ser
decidida por evidência não faz sentido. Mas deixarei tais complicações
acadêmicas de lado por enquanto[820] para me concentrar nos problemas causados
pela imprecisão da concepção de James do conteúdo da crença religiosa: “as
melhores coisas são as coisas mais eternas” — e o “efeito salutar” que ela deve
ter na vida de um crente. Poder-se-ia argumentar assim: se o efeito salutar é a
abertura do coração do crente não apenas para a beleza do mundo natural, para a
criatividade, para a preocupação apaixonada e relações de amor com os outros,
mas também a uma apreciação do significado divino dos eventos prosaicos da
vida, a tese de James pressupõe a verdade do teísmo e é uma petição de
princípio. Se, por outro lado, o efeito salutar é permitir que o crente supere
obstáculos de outra forma insuperáveis e suporte fardos de outra forma
intoleráveis, a tese de James realmente começa a soar, como objetaram os
críticos, como uma defesa do pensamento ilusório.
Mas essa ainda é uma simplificação meio exagerada. Em primeiro lugar,
há uma ambiguidade na “fé em Deus”, que pode significar crença que Deus
existe, ou, alternativamente — e bem diferente —, confiança em Deus; uma
ambiguidade que, se passar sem ser notada, pode esconder o que de outra forma
é óbvio — que a confiança em Deus pressupõe a Sua existência; e que, como vê
James, embora depositar a confiança em alguém possa em si contribuir para
trazer uma relação de confiança à existência, certamente não pode trazer a outra
pessoa à existência. Em segundo lugar, mesmo se for verdade que acreditar que
há um Deus interessado e atencioso permita suportar fardos de outra forma
intoleráveis, que seja assim não é uma evidência da existência de Deus.
No ano após a publicação de A Vontade de Crer, Peirce, a quem a obra foi
dedicada, é encontrado defendendo a “atitude científica”, a “Vontade de
Aprender”. Um pouco depois, ele escreve que, embora não fosse condenar um
homem que convencesse a si mesmo que voltaria a estar com sua esposa falecida
no além, se essa fosse a única maneira de salvar a sua razão, ele próprio “não
adotaria uma hipótese, e nem a tomaria condicionalmente, simplesmente porque
a ideia era agradável”.[821] Aqui, de forma implícita, Peirce distingue os aspectos
epistemológicos e prudenciais que James implicitamente mescla. Do ponto de
vista epistemológico, o pensamento ilusório é sempre um defeito. Que nós
gostaríamos que as coisas fossem de certa forma é irrelevante para saber se é
verdade que são de certa forma — e é por isso que o pensamento ilusório não
funciona diretamente, mas pela distorção das evidências para permitir que se dê
crédito demais a proposições que se gostaria que fossem verdadeiras, e crédito
de menos a proposições que se preferiria que fossem falsas.
Se o pensamento ilusório é imprudente, e a que grau, contudo, depende do
que o crente ilusório tem a perder se sua crença ilusória for falsa. Se, ao comprar
meu único bilhete, consigo me convencer que ganharei na loteria e dou de
presente minha casa, meu carro e economias, e me comprometo a pagar pela
mansão, pelo Rolls Royce etc., que conseguirei com facilidade pagar quando eu
ganhar, você estaria certo em me considerar imprudente ao extremo. Mas se,
sofrendo de um câncer para o qual não há cura conhecida, consigo me convencer
que visualizar as células cancerosas se retraindo vai me salvar, ou que em breve
estarei em um Lugar Melhor, não importa o quão iludida você pense que estou,
você teria a disposição de conceder que eu estava melhor assim do que se
perdesse a esperança e ficasse encarando a parede.
Seres humanos, como eu disse antes, são capazes tanto de crueldade
quanto de caridade; agora é hora de enfatizar que somos criaturas divididas tanto
no intelecto quanto na moral. Até onde sabemos, nós humanos somos as
criaturas mais inteligentes por aqui (algo medonho a se pensar, como David
Stove comenta em algum lugar!). Temos a capacidade de investigar, de descobrir
algo sobre como o mundo é; e como resultado podemos às vezes tomar o
controle de eventos e fenômenos naturais que nos afetam — curar uma doença,
represar um rio, melhorar a colheita. E ao menos alguns entre nós, ao menos
parte do tempo, de fato têm prazer em descobrir coisas. No entanto, descobrir
como são as coisas pode ser trabalho feito a duras penas; os resultados, além
disso, com frequência são incertos, e às vezes impalatáveis. Não gostamos de
não saber; não gostamos da incerteza; e preferimos naturalmente não encarar
verdades impalatáveis — às vezes, de fato, ficamos melhor não as encarando.
Não é surpresa, então, que nossa inclinação ao pensamento ilusório
sobreviva ao nosso conhecimento de que ela é um defeito epistêmico. Não é
surpresa também que, enquanto ficamos admirados com o trabalho das maiores
mentes científicas, também fiquemos um pouco ressentidos, um pouco
encabulados, com a dificuldade que temos de entendê-lo. O outro lado da nossa
ambivalente admiração ressentida pela extraordinária obra científica é o nosso
anseio pelas certezas religiosas e nosso afeto pelos mistérios religiosos, cuja
contemplação nos faz sentir elevados e onde uma falha da compreensão não é
defeito. Podemos até, alguns de nós, nos persuadir de que é uma virtude aceitar
algo pela fé quando as evidências nos deixam desamparados, que o Credo quia
absurdum est de Tertuliano[822] — creio porque é absurdo — não é uma tolice,
mas moralmente louvável. Para outros, isso é quase tão difícil de engolir quanto
a velha ideia de que, já que a humilhação do homem contribui para a glória de
Deus, a sujeira é irmã da santidade.[823]
Mesmo aqueles de nós que, como eu, acham a ideia de que há mérito
moral na fé algo epistemologicamente repugnante, podem sentir uma pontada de
algo parecido com inveja quando lemos a história tocante da pequena Eva que,
morrendo de tísica, disse a seu papai que não ficasse muito triste: “Prefiro ir para
o céu; mas, pelos meus amigos, estaria disposta a viver”.[824] Mas é mais
nostalgia nossa pela inocência perdida da infância que um desejo verdadeiro de
ter também tal fé. A fé do Tio Tom não é menos firme; mas não a achamos tão
admirável — a palavra que vem à mente é “pueril”. Como Dawkins observa, por
boas razões biológicas crianças pequenas são naturalmente crédulas — elas são
“lagartas informacionais”, consumindo informação como as lagartas consomem
folhas de couve. Acreditar no que os adultos lhes dizem tem valor de
sobrevivência; mas, já que os adultos às vezes dão conselhos contraditórios, algo
como um mecanismo de desbloqueio é necessário para estimular a persistência
da crença no que se ouviu primeiro. “Aqueles velhos jesuítas”, conclui Dawkins,
“sabiam o que estavam fazendo”.[825] E como.
A religião não é uma empreitada menos humana por excelência que a
ciência; é muito mais antiga, e suas raízes na nossa estrutura psicológica talvez
sejam mais profundas. Mas seu apelo fundamental está no lado da criatura
humana que tem fome de certeza, gosta de ser elevado por mistérios, desgosta de
verdades desagradáveis e se agarra à ideia lisonjeira de que não somos só
animais notáveis, mas as criaturas escolhidas.
E para concluir
Haverá aqueles — sem dúvidas serão muitos — que objetam que o dito por mim
aqui revela um racionalismo estreito e cientificista. Isso é seriamente falso, pois
sustentei o tempo todo que as ciências não são os únicos tipos legítimos de
investigação, não a única fonte da verdade. Mas é verdade que quando Mencken,
celebrando os triunfos sobre a natureza que a humanidade alcançou através do
exercício de sua inteligência, diz que “tudo o que somos nós devemos a Satã e
suas maçãs contrabandeadas”,[826] embora eu pare para notar a falsidade literal
dessas palavras, fico comovida com o espírito delas. Vejo uma nobreza na
capacidade humana de intrigar-se, sonhar, calcular, checar e testar, de trabalhar
para descobrir como as coisas são, de recusar o conforto falso, de tentar
encontrar formas de fazer a vida melhor. Não peço desculpas por reservar minha
maior admiração para aqueles que “deleitam-se no exercício da mente, não
importa aonde os leve”, assim como deleita a outros exercitar os músculos,[827]
aqueles para os quais fazer o melhor que podem com as suas mentes, sem
barreiras, é “uma questão de honra”.
Capítulo 11: O que o homem pode atingir quando
realmente aplica sua mente
O Valor e Os Valores da Ciência

[S]e, conforme nossa raça se aproxima de sua maturidade,


ela descobrir, como acredito que descobrirá, que há só um
tipo de conhecimento e um método para adquiri-lo; então
nós, que ainda somos crianças, poderemos sentir de forma
justa que é nosso dever maior reconhecer a desejabilidade
de melhorar o conhecimento natural, e assim ajudarmo-nos
e aos nossos sucessores na direção da meta nobre que está
diante da humanidade.
— Thomas Huxley, “On the Advisableness of Improving
Natural Knowledge”[828]

Talvez, para ouvidos modernos, essas linhas soem um pouco exageradas; no


entanto, confesso, eu gostaria de tê-las escrito. Pois Huxley embute mais de um
insight nessa frase única e sutil: a continuidade da ciência com a investigação
empírica cotidiana; a diferença entre a credulidade das crianças, e da criança
dentro de cada um de nós, e os rigores de realmente tentar descobrir as coisas; a
empreitada da investigação como um projeto caracteristicamente humano; a
significância epistemológica, além da ética, dessa empreitada. Muito do que terei
a dizer aqui será, com efeito, uma ampliação e defesa precisamente dessas
ideias.
Muitas vezes as pessoas falam a respeito da “questão da ciência e os
valores”; mas isso, como “a” questão da relação da ciência com a religião, não é
de fato uma questão, mas todo um emaranhado de questões. Que tipos de valor
são relevantes para avaliar a ciência? Como os valores epistemológicos se
relacionam com os valores estéticos, ou com os éticos? As próprias ciências
podem nos dizer algo a respeito dos valores, ou são competentes somente dentro
do domínio dos fatos? E qual é o valor da própria ciência? — que, por sua vez, é
na verdade todo um amálgama de questões: qual é o valor da ciência enquanto
empreitada intelectual, da ciência enquanto instituição social, desse ramo
específico da investigação científica, daquela peça específica de trabalho
científico, ou de um item específico do conhecimento científico? — perguntas
que podem ser feitas de um ponto de vista epistemológico, prático, ético,
estético, político ou econômico. Desnecessário dizer que não posso ter a
esperança de oferecer nem respostas superficiais a todas essas questões; terei de
ser seletiva. O cerne do meu argumento tratará do valor da ciência enquanto
empreitada intelectual, e manterei a dimensão epistemológica no foco central.
A primeira fase será no sentido de que o valioso epistemologicamente a
respeito das ciências naturais não é simplesmente o vasto corpo de conhecimento
que elas acumularam a respeito do mundo e como ele funciona, mas também o
modo como expandiram e refinaram as capacidades cognitivas humanas,
superaram as limitações cognitivas humanas e amplificaram nossa capacidade de
investigar de forma eficaz. Elas representam uma manifestação notável do
potencial cognitivo do homem, do que seres humanos podem atingir quando
fazem o melhor que podem com as suas mentes.
A segunda fase do meu argumento será que, embora os valores
epistemológicos e éticos sejam distintos, a integridade intelectual é uma virtude
tão moral quanto epistemológica. Assim como Huxley, vejo a amplificação do
“método da experiência e raciocínio” atingido pelas ciências naturais como um
passo de significância tão ética quanto epistemológica.
Assim como Huxley, mais uma vez, vejo a investigação científica como
contínua com a investigação empírica cotidiana — “só que mais”, eu
acrescentaria. As ciências não são epistemologicamente privilegiadas, mas são
epistemologicamente distintas; isto é, pelos padrões com os quais julgamos que
as evidências são melhores ou piores, que a investigação é bem ou mal
conduzida, elas tiveram um sucesso que, embora longe de perfeito, é
extraordinário. A terceira fase do meu argumento será que, embora não
possamos procurar nas ciências por uma descrição de conceitos epistemológicos
centrais, a psicologia cognitiva tem uma relevância contributiva para o nosso
entendimento dos padrões epistemológicos, e a história da ciência, para o nosso
entendimento dos sucessos notáveis das ciências em respeitá-los.
Alguns depreciam a ciência porque acreditam que ela destrói a maravilha e
o mistério do mundo natural; outros porque acreditam que ela é uma empreitada
inerentemente branca, masculina, ocidental. A quarta fase do meu argumento
será que a ciência é uma expressão das capacidades que não são exatamente
brancas, ocidentais ou masculinas, mas humanas; e que, evidentemente, apesar
de o entendimento científico dissipar mistérios, as descobertas da ciência
revelam que o mundo é muito mais maravilhoso do que poderíamos ter
imaginado.
Alguns temem a ciência porque acreditam que os desenvolvimentos
tecnológicos que ela engendrou são perigosos e danosos. A última fase do meu
argumento será responder a essa crítica e, onde for apropriado, reconhecer os
elementos de verdade nela; de forma que, por fim, poderei oferecer, a propósito
da conclusão, um diagnóstico da ambivalência profunda que muitas pessoas
obviamente sentem a respeito da ciência.
O Valor Epistemológico da Ciência
As ciências naturais acumularam um corpo vasto e crescente de conhecimento a
respeito do mundo natural e de como ele funciona, certamente fragmentado e
incompleto, mas cada vez mais bem ancorado na experiência e cada vez mais
integrado internamente. Claro, as ciências estão longe de serem perfeitas; claro,
houve conquistas notáveis em história, inquérito de detetive, trabalho literário
etc. Além disso, o corpo de teorias bem-garantidas que as ciências produziram
até aqui é o resultado de um longo processo no qual a maior parte do que foi
proposto foi descartado ou será descartado, mais cedo ou mais tarde, por ser
insustentável. Ademais, muito do conhecimento que o trabalho científico
produziu é trivial, enfadonho, desimportante até mesmo de um ponto de vista
científico. Ainda assim, uma parte do conhecimento que as ciências naturais
produziram é espantosa; e o modo como tudo se encaixa é extraordinário. Na
verdade, o corpo de conhecimento científico acumulado até aqui é tão extenso, e
suas interconexões internas tão densas e complexas, que estou um pouco perdida
para ilustrar sem delongas. Um jeito, talvez, é olhar a impressionante palestra do
Huxley “Sobre um Pedaço de Giz” e a igualmente notável contribuição do
Weinberg na mesma linha.
A palestra do Huxley, dada em 1868 para os trabalhadores de Norwich,
apresentou evidências da idade antiga da Terra — mais velha por grande margem
que a estimativa do Arcebispo Usher — e da evolução de novas espécies
viventes. O “pedaço de giz” do título simboliza a camada de calcário, em alguns
lugares com mais de 300 metros de profundidade, que se estende sob grande
parte do sudeste da Inglaterra, Europa e o Levante, formando marcos
geográficos familiares dos penhascos brancos de Dover e as Agulhas da Ilha de
Wight às serras do Líbano. “Um grande capítulo da história do mundo está
escrito” nessa camada de calcário, que um dia foi a lama do fundo de um oceano
antigo. Ela é composta pelas conchas comprimidas e fossilizadas de uma miríade
de organismos simples que precipitavam para o fundo dos mares antigos que
cobriam a Europa. Presos no calcário estão os fósseis de criaturas marinhas
maiores, inclusive toda uma série de protocrocodilos e animais da terra seca de
períodos de instabilidade geológica que fizeram o calcário emergir do mar.
Quanto mais fundo na camada elas estão, mais diferentes são essas criaturas
fossilizadas das suas contrapartes modernas; essas espécies estavam evoluindo
durante os milhões de anos durante os quais o calcário foi depositado.[829]
Gosto de imaginar Huxley gostando dessa frase de um romance policial
recente: “o piso era de calcário polido”, relata o detetive particular Kinsey
Millhone; “eu podia ver as criaturas marinhas antigas comprimidas na superfície,
um pequeno fóssil de museu aos meus pés”.[830] Mas estou divagando.
Tomando emprestado o título do Huxley, Weinberg aborda aquele pedaço
de giz do ponto de vista de um físico. Ele explica primeiro por que o giz é
branco (a luz refletida do giz tem aproximadamente a mesma distribuição dos
comprimentos de onda visíveis que a luz que o ilumina); por que alguma
substâncias e não outras absorvem a luz visível em comprimentos de onda
específicos (elas são compostas de moléculas que por acaso não têm qualquer
estado ao qual é fácil saltar pela absorção de fótons de qualquer cor da luz
visível); por que os átomos e as moléculas vêm em estados discretos, cada um
com uma energia definida (as funções de onda para as partículas em um átomo
ou molécula podem aparecer somente em certos estados quânticos, cada um com
sua própria energia, e as moléculas do carbonato de cálcio — diferentes, por
exemplo, do átomo de cobre — por acaso não têm elétrons soltos que absorvam
fótons de um comprimento de onda específico); e, finalmente, por que as
equações da mecânica quântica que governam as partículas nos átomos são
como são (a matéria comum é composta de elétrons, prótons e nêutrons porque
todas as outras partículas pesadas são violentamente instáveis). E por que o
mundo consiste só em campos de quarks, elétrons, fótons etc.? “Desculpe-me”,
responde Weinberg, “essas perguntas ainda estão sem resposta”.[831]
“As descobertas científicas não são fatos isolados independentes”,
comenta ele, enfatizando o modo como “uma generalização científica encontra
sua explicação em outra, que é em si explicada por uma terceira”.[832] Porém,
comparando as suas reflexões e a do Huxley sobre aquele pedaço de giz, vemos
que a subsunção de leis menos gerais às mais gerais é apenas um aspecto do
entrosamento extremamente complexo do sistema do conhecimento científico.
Mas não é só o conhecimento produzido pelas ciências que é
epistemologicamente valioso; mas também o caráter da empreitada científica em
si. Brotando das investigações cotidianas sobre as coisas, estendendo o alcance
evidencial nu dos seres humanos, reforçando seu respeito nu pelas evidências,
refinando seu julgamento das evidências por meio de técnicas estatísticas,
experimentos controlados e duplos-cegos etc., a ciência foi como a filha
extraordinária de pais de aparência modesta; ou — dado que a sua dependência
do trabalho cooperativo e competitivo de uma vasta rede intergeracional de
subcomunidades foi um modo crucial da ciência ter estendido os poderes até dos
indivíduos mais talentosos — foi como os times esportivos ou orquestras ou
companhias de balé extraordinários em que gerações tardias aproveitam as
conquistas dos pioneiros e vão além. A ciência não apenas produziu, no seu
melhor, alguns dos trabalhos intelectuais mais notáveis que os seres humanos são
capazes; ela também representa, no seu melhor, uma amplificação e refinamento
notáveis das capacidades cognitivas humanas.
Nem toda manifestação extraordinária de uma capacidade
caracteristicamente humana é admirável; as crueldades genocidas de um Pol Pot
e de um Hitler, infelizmente, não são manifestações menos extraordinárias de
uma capacidade caracteristicamente humana que as conquistas intelectuais de
um Newton ou um Einstein, ou as conquistas musicais de um Mozart ou um
Beethoven. (Um anúncio controverso para uma exibição do Holocausto no
Museu Imperial Bélico em Londres instou os visitantes a “vir e ver o que o
homem pode atingir quando realmente aplica sua mente”.)[833] Mas, apesar de
poder ser posta em mau uso, a capacidade dos seres humanos de descobrir coisas
é claramente um talento e não, como a nossa capacidade para a crueldade, um
defeito.
Peirce escreve que a ciência, concebida não como um corpo de
conhecimento, mas como uma “investigação diligente da verdade pela verdade...
de um impulso de penetrar na razão das coisas” encarna “o epítome do
desenvolvimento intelectual do homem”.[834] Ele está usando a palavra “ciência”,
como ele faz com frequência, para se referir à investigação genuína em geral,
para todos os esforços de boa-fé de descobrir a verdade de alguma questão.
Ainda assim, não é acidente que “ciência” é a palavra que ele usa. Do mesmo
modo, depois de observar que o cientista vê a integridade intelectual como “o
último desabrochar da genialidade da humanidade”, Bridgman apressa-se a
acrescentar que não apenas os cientistas, mas investigadores sérios de todo tipo
respondem emocionalmente a esse ideal. Ainda assim, não é acidente que ele
põe foco central no “trabalhador científico”; pois, argumenta ele, na ciência “a
honestidade intelectual é o preço até de um grau medíocre de sucesso”.[835] O que
ele quer dizer, penso, é que nas ciências a reputação e a conquista real são
correlacionadas ao ponto de o sucesso, no sentido mais mundano e profissional,
além do sucesso na investigação, exigir o respeito pelas evidências.
Poder-se-ia objetar que alguns cientistas atingiram um grau de reputação
profissional consideravelmente maior que medíocre apesar de terem culpa por
autoengano ou coisa pior. Em 1903, o renomado físico francês René Blondlot
pensou que tinha descoberto evidências de um novo tipo de emanação de uma
fonte de raio X no brilho maior de uma faísca elétrica entre dois fios. Outro
colega dele na Universidade de Nancy descobriu que essas emanações também
eram emitidas pelo sistema nervoso do corpo humano; e os “raios N” logo foram
encontrados em gases, campos magnéticos e substâncias químicas. Entre 1903 e
1906, os efeitos dos raios N foram observados por ao menos quarenta pessoas e
analisados em cerca de trezentos artigos científicos; e em 1904 Blondlot foi
laureado com o prêmio Leconte pela Academia Francesa de Ciências. Mas
quando o físico americano R. W. Wood, ao observar um experimento do
Blondlot no qual os raios N supostamente se separavam em diferentes
comprimentos de onda depois de passar por um prisma, removeu discretamente
o prisma e o guardou no bolso, Blondlot produziu seus resultados esperados da
mesma forma. Não há raios N; o incidente inteiro parece ter sido o resultado de
autoengano coletivo.[836]
Mas não seria difícil imaginar a resposta do Bridgman: Blondlot escapou
temporariamente, mas agora nos lembramos dele por aqueles raios N
inexistentes. Os cientistas certamente podem escapar temporariamente com o
autoengano ou a fraude completa, ou qualquer um dos muitos matizes da
desonestidade intelectual entre uma coisa e outra; eles podem até escapar
permanentemente com isso, se o trabalho deles não é de interesse duradouro.
Mas em trabalho científico de alguma importância, a fraude e o autoengano
tendem a ser descobertos mais cedo ou mais tarde — talvez como resultado de
outra pessoa depender dos resultados precários e descobrir que as coisas não
acontecem como o esperado, ou talvez porque historiadores da ciência se
interessaram pelo trabalho pioneiro.[837] Nem todos os cientistas são
intelectualmente honestos; nem toda desonestidade científica, seja consciente ou
autoenganosa, tem garantia de ser desmascarada. Todavia, uma tendência a
desestimular a desonestidade — uma tendência falível e imperfeita, como
sempre — está embutida no caráter cooperativo, competitivo e, especialmente,
cumulativo da empreitada científica. Robert J. Oppenheimer, reconhecendo que
“a ciência não é tudo na vida da razão”, mas só parte dela, e que o importante é
“não só o que o cientista descobre, mas como descobre”, escreve sobre a labuta
intelectual da ciência, seu caráter como um esforço coletivo — e a disciplina de
saber que erros em algum momento serão descobertos.[838]
O Epistemológico e o Ético
O comentário do Huxley sobre nosso “dever” de avançar a “meta nobre” de
melhorar o conhecimento natural, como as reflexões do Bridgman sobre a
integridade intelectual, insinua que há algo admirável de natureza moral além de
epistemológica a respeito das conquistas das ciências.[839] Quando também
descrevemos uma alegação como mal garantida, as evidências como fortes ou
frágeis ou parciais, uma investigação como meticulosa ou desleixada ou apenas
um encobrimento, um investigador como brilhante ou escrupuloso ou
descuidado, estamos avaliando-os de um ponto de vista epistemológico; mas
muitos dos termos que usamos nesse contexto também têm outros usos:
“simples”, por exemplo, tem um papel tão importante na estética quanto na
epistemologia; e “honesto”, embora importante epistemologicamente, é
primariamente um termo de apreciação ética. Então, qual é a relação da
avaliação epistemológica com a ética?
Avaliações epistemológicas e morais de uma investigação, ou de um
investigador, podem ser separadas e de fato o são. Uma investigação pode ser
eticamente impecável, conduzida com honestidade escrupulosa na obtenção de
verbas, relato dos resultados e explicação dos benefícios e inconveniências da
participação dos envolvidos, sem criar riscos ambientais, sem causar dor a
animais de laboratório e assim por diante, e ainda assim ser mal conduzida de
um ponto de vista epistemológico, por exemplo, ao falhar em controlar para
fatores importantes que têm o potencial de interferir. Por outro lado, uma
investigação pode ser conduzida de um jeito que é aceitável ou até admirável de
um ponto de vista epistemológico, mas moralmente duvidosa.
Depois do famoso exagero em que James Watson pensou que “no calor da
raiva” Rosalind Franklin poderia ter batido nele, ele achou Maurice Wilkins mais
disposto a dar confiança; tanto que ele mostrou a fotografia de difração de raio X
da forma B do DNA produzida pela Franklin — sim, aquela fotografia, sobre a
qual Watson disse que, assim que a viu, “fiquei boquiaberto e meu pulso
começou a acelerar”.[840] Do ponto de vista da eficiência para descobrir a
estrutura do DNA, a impaciência do Watson para ver a fotografia está correta;
mas, de um ponto de vista ético, teria sido preferível obter a permissão da
Franklin antes.
Ou — um exemplo mais fresco e mais interessante: de acordo com
reportagens recentes, um estudo de cinco anos com prostitutas na África e na
Tailândia de um espermicida vaginal chamado Advantage-S claramente refutou a
expectativa alimentada por testes de laboratório que o creme, que contém o
microbicida nonoxinol-9, seria eficaz na redução de taxas de infecção com o
HIV.[841] Os testes certamente teriam sido mais informativos —
epistemologicamente melhores — se as mulheres não tivessem usado nenhuma
outra proteção; mas, dado que a infecção seria letal, os pesquisadores sentiram
que deviam — moralmente deviam — dar também camisinhas às mulheres, e
orientá-las a usar.[842] Pense-se ou não que fizeram a coisa certa, isso ilustra não
apenas o potencial para divergência entre considerações epistemológicas e
éticas, mas também a possibilidade de que considerações éticas podem se
sobrepor a preocupações epistemológicas.
Se as considerações morais sempre, como defenderam alguns filósofos, se
sobrepõem ou não, talvez por definição,[843] por mais desejável que alguma
informação possa ser de um ponto de vista epistemológico, ela pode ser
descartada por razões éticas. Um estudo ou experimento pode ser informativo,
mas cruel; e o defeito moral da crueldade pode se sobrepor ao mérito
epistemológico de ser informativo. Valores epistemológicos e éticos são distintos
e não precisam coincidir.
Todavia, há uma interseção importante. A honestidade intelectual é uma
virtude tão ética quanto epistemológica, e a negligência na investigação é um
defeito tão ético quanto epistemológico. Isso não é para dizer que a honestidade
intelectual é suficiente para fazer uma boa pessoa; longe disso. Mas nenhuma
das virtudes é. Que uma pessoa tenha uma virtude não é garantia nenhuma que
ela tenha todas; e até aquelas que ela possui podem se manifestar em alguns
contextos, mas não em todos. Uma pessoa pode ser corajosa, mas indelicada;
similarmente, pode ser intelectualmente honesta, mas insensível aos sentimentos
de seu cônjuge ou carrasco com seus alunos. Uma pessoa pode ser corajosa ao
falar abertamente contra a injustiça, mas tímida diante de riscos à sua integridade
física; similarmente, pode ser intelectualmente honesta, mas trapacear na
declaração de imposto. E, como a coragem pode ser utilizada para o mal (como
no caso de um soldado que luta com bravura em uma guerra injusta), a
honestidade intelectual também pode (como no caso de um cientista que
investiga escrupulosamente a forma mais eficiente de infectar uma população
inimiga com uma doença letal).
Descrevemos uma pessoa como honesta quando ela é verdadeira no trato
com os outros; descrevemos uma pessoa como intelectualmente honesta quando
é verdadeira no trato consigo mesma. Não é acidente que outro termo para a
honestidade intelectual, a expressão que Bridgman usa, seja “integridade
intelectual”, com sua sugestão de unicidade, de harmonia entre a vontade e o
intelecto; pois a falha característica da desonestidade intelectual é permitir que
seus desejos, esperanças ou medos distorçam a sua relação com as evidências —
tentar fugir de evidências que possam ser desfavoráveis ao que se prefere
acreditar, ou esquivar-se de reconhecer a relevância ou a importância de
evidências desfavoráveis que não se podem evitar. A honestidade intelectual é
uma virtude epistemológica porque enrijece o respeito pelas evidências; a
desonestidade intelectual é um vício epistemológico porque o afrouxa.
E por que razão a honestidade intelectual é também uma virtude moral, e a
desonestidade intelectual um vício moral? Em parte, ao menos, é porque alguém
que mente para si mesmo, evitando ou distorcendo as evidências como lhe
convier, é tão indigno de confiança, tão inconstante, quanto alguém que mente
para os outros. O valor da fidedignidade na ciência, onde o progresso depende
em parte da capacidade de cada cientista de confiar no trabalho alheio, é óbvio.
Naturalismo Modesto
Nenhum deles o expressa de forma aberta, mas ambos Bridgman e Huxley
insinuam que as ciências têm algo a ensinar ao resto de nós a respeito de
evidência e investigação. Os sucessos das ciências retroalimentaram nossas
investigações cotidianas, fazendo com que fiquemos mais cientes da necessidade
de descartar fatores interferentes em potencial etc.; as ciências podem nos dar a
matéria prima para a teorização epistemológica, na forma de exemplos de
investigações bem e mal conduzidas, e de alegações garantidas de forma forte e
fraca; e, quando refletem sobre sua própria empreitada, os cientistas às vezes
chegam a verdadeiros insights epistemológicos: Bridgman a respeito do método
científico, Einstein a respeito das diferenças entre a ciência e a ficção, Delbrück
a respeito das diferenças entre textos científicos e literários, Weinberg a respeito
de teorias belas. Mas o que, se alguma coisa, as ciências, enquanto disciplinas ou
ramos de investigação, poderiam ter a nos dizer sobre valores epistemológicos?
Essa pergunta é muitas vezes formulada em termos de um contraste entre
abordagens “naturalistas”, que buscam nas próprias ciências por um
entendimento de evidência, garantia etc., e abordagens rivais que buscam em
princípios epistemológicos a priori (neste contexto, “naturalismo” contrasta não
com sobrenaturalismo, mas com apriorismo). A verdade, no entanto, repousa em
algum lugar no meio: não é da competência das ciências articular conceitos e
valores epistemológicos fundamentais; entretanto, elas têm uma contribuição
epistemológica a fazer.
Mas deixe-me começar do início. Algumas alegações e teorias científicas
são garantidas de modo forte, outras de modo fraco; algumas investigações
científicas são bem conduzidas, algumas vão mal; alguns cientistas são
imaginativos, escrupulosos, apaixonados pela busca da verdade, alguns são
inflexíveis, desonestos, apaixonados apenas por quantas vezes são citados ou
pelo tamanho da verba que conseguem surrupiar. Claro, o mesmo vale para
outros tipos de investigação e outros tipos de investigador, também. Na verdade,
como bem sabia Samuel Butler, o autoengano, a investigação fajuta e a
hipocrisia, “a homenagem que o vício presta à virtude”, realmente são O Modo
de Toda Carne.
Uma guinada importante no romance semiautobiográfico do Butler
acontece quando, enquanto um jovem e ávido vice-pároco, Ernest Pontifex tenta
converter seu vizinho, o funileiro livre-pensador sr. Shaw, ao cristianismo.
Ernest é reduzido ao constrangimento gaguejante quando tem a sua ignorância
sobre o que os evangelhos realmente dizem exposta pelo sr. Shaw, que o manda
ir embora e reler as diferentes descrições da Ressurreição. Quando Ernest tenta
“descobrir não se [essas descrições] eram totalmente precisas, mas se eram todas
precisas ou não”[844] (como na vida real o Huxley tinha feito com os diferentes
relatos do milagre dos pães e peixes),[845] ele começa a entender pela primeira
vez a diferença entre investigação fajuta e o artigo genuíno.
Em outro romance epistemologicamente intrigante da Dorothy Sayers,
Noite Espalhafatosa, a srta. de Vine, a nova decana de história do college
feminino imaginário da Sayers em Oxford, expôs a desonestidade de um
candidato a professor que, quando encontrou uma carta antiga que abalava sua
tese, furtou e escondeu a evidência. A devassa custa a carreira dele e, quando ele
começa a beber e cair no desespero, a sua vida. Sua viúva, Annie Wilson, ocupa
um cargo de assessoria no Shrewsbury College, onde ela expressa sua ira contra
a srta. de Vine e seu ressentimento por acadêmicas mulheres em geral com
vandalismo, cartas escritas com tinta venenosa e até tentativa de assassinato.
Importante entre os atos de vandalismo da Annie está a destruição de A Busca, o
romance de C. P. Snow em que um rapaz iniciante na ciência é tentado a destruir
a fotografia de raio X que abala sua bela teoria, mas resiste à tentação. Depois,
contudo, quando ele está prestes a ser nomeado para uma posição importante, ele
descobre que cometeu um erro por descuido em seu trabalho, cuja descoberta
custa a sua nomeação — e decide que não quer mesmo ser um cientista, afinal.
Como ilustram os exemplos, os valores epistemológicos fundamentais da
honestidade intelectual, preocupação com a verdade, respeito pelas evidências,
entre outros, não são peculiares às ciências, mas são relevantes às investigações
de todo tipo, sejam elas o estudo bíblico, história, cristalografia ou qualquer
outra. Não é realista esperar que a psicologia da cognição ou a história da ciência
nos digam o que faz uma evidência mais forte ou mais fraca, por que as
previsões verdadeiras confirmam a verdade de uma teoria, se é que o fazem, por
que um investigador intelectualmente honesto é, tudo o mais sendo constante,
um investigador melhor, qual é a conexão entre garantia e verdade provável, ou
se há um método científico que é distinto. É por completo realista, no entanto,
esperar que a psicologia da cognição nos diga algo a respeito das capacidades,
limitações e fraquezas cognitivas humanas, e a respeito das circunstâncias em
que nossas fraquezas tendem a se manifestar mais.
Os psicólogos, além dos epistemólogos, estão preocupados com o modo
com que as pessoas aprendem, percebem e investigam, como reagem a
inconsistências em suas crenças, como conseguem enganar a si mesmas e assim
por diante. A preocupação deles, ademais, não é sempre estritamente descritiva;
eles estão interessados nas causas e condições da má percepção, da inferência
defeituosa etc. Um psicólogo, por exemplo, revisitou décadas de dados brutos
para checar com que frequência ele havia transcrito números errado (vezes
demais para ficar confortável), e em que proporção dos casos os erros de
transcrição favoreciam a hipótese que ele defendia (mais frequente, de forma
significativa, que o contrário). Outro estudo interessante sugere que os jurados
que não ouvem somente a probabilidade de uma amostra do DNA do réu ter
dado resultado positivo ao acaso, mas também a frequência com que os
laboratórios de testagem do DNA erram ao rotular as amostras ou cometem
outros tipos de erro, tendem a julgar mal de forma séria a probabilidade do
resultado positivo ao acaso com base em todas essas evidências.[846] Dessa e de
muitas outras formas a psicologia da cognição pode nos ajudar a entender as
capacidades e fraquezas cognitivas humanas: qual é o risco de viés do
experimentador, quando informações adicionais na verdade prejudicam o
julgamento que as pessoas fazem das evidências?
É também totalmente realista esperar que a história da ciência (interpretada
de forma ampla para incluir a história muito recente) rastreie a matriz em
constante evolução de modos pelos quais os investigadores científicos
conseguiram estender gradualmente essas capacidades cognitivas humanas
naturais e superar essas limitações e fraquezas cognitivas humanas: pense nos
primeiros improvisos na direção de um reconhecimento que os cientistas
precisam de segurança a respeito da confiabilidade dos experimentos dos outros,
[847]
na longa e contínua história do desenvolvimento da instrumentação
científica,[848] ou nas técnicas recentes e ainda controversas de metanálise.
Assim, diferentemente daqueles que pensam que está além da competência
das ciências nos dizer algo a respeito da epistemologia, considero que a
psicologia da cognição e a história da ciência têm contribuições epistemológicas
a fazer; mas, diferentemente daqueles que pensam que a epistemologia é interna
às ciências, vejo sua relevância como apenas contributiva, não exaustiva. Este é
o naturalismo modesto, no qual o conceito de relevância contributiva é chave.
Philip Kitcher escreve que a marca distintiva da epistemologia naturalista é
que ela “coloca o sujeito cognoscente firmemente de volta à discussão de
problemas epistemológicos”.[849] Claro, concordo que o sujeito cognoscente (e a
interação entre sujeitos cognoscentes) é crucial e pertinente.[850] Porém, se
conceder um lugar importante para o sujeito cognoscente fosse o critério do
naturalismo, Descartes se qualificaria como um epistemólogo naturalizado —
uma consequência curiosa, para dizer o mínimo. De qualquer forma, essa não é a
“marca distintiva” do meu naturalismo, que é, em vez disso, o reconhecimento
da relevância contributiva das ciências à epistemologia.
Meu naturalismo modesto difere do naturalismo mais ambicioso do Alvin
Goldman, assim como minha epistemologia difere da dele.[851] Ao que parece,
evitando o conceito de evidência, Goldman tem a esperança de a psicologia nos
dizer quais processos cognitivos são fiáveis e, daí, quais crenças são justificadas.
Mas na minha visão o conceito de evidência é epistemologicamente essencial;
além disso, claramente não é da competência da psicologia nos dizer, por
exemplo, a que grau, dadas certas evidências, a proposição de que o réu cometeu
o crime está garantida. A psicologia também não pode sequer nos dizer quais
inferências ou outros processos cognitivos são fiáveis; aquele estudo sobre o
efeito de informação adicional sobre os julgamentos dos jurados, por exemplo,
pressupõe que a probabilidade correta era tal e qual (uma probabilidade à qual se
chegou não pela pesquisa psicológica, mas pelo cálculo matemático). A minha
tese é a mais fraca, segundo a qual, até o ponto em que pode avançar nosso
entendimento das capacidades e limitações cognitivas dos seres humanos, a
psicologia tem uma relevância contributiva para a epistemologia da empreitada
científica.
Do mesmo modo, meu naturalismo modesto difere do estilo mais
ambicioso favorecido pelo Larry Laudan, assim como a minha filosofia da
ciência diferente da dele.[852] Laudan pensa que é de responsabilidade do estudo
da prática científica rastrear um “método científico” em evolução. Mas, da forma
como enxergo, em vez de um “método científico” distintivo há apenas, por um
lado, os valores epistemológicos fundamentais que são comuns a todas as
investigações e, do outro, a miríade de técnicas e auxílios locais e em evolução
que fazem a investigação científica “só que mais”. Ainda assim, até o ponto em
que pode avançar nosso entendimento da evolução desses auxílios, a história da
ciência, também, certamente tem uma relevância contributiva para a
epistemologia da empreitada científica.
Quando Ronald Giere escreve sobre juízo científico sem racionalidade
(querendo dizer, ao que parece, como Goldman, que quer evitar conceitos tais
como evidência e garantia, que são centrais à minha abordagem), parece que
meu naturalismo modesto diferente do naturalismo mais ambicioso dele, assim
como meu Realismo Inocente diferente da metafísica construtivista dele. Mas,
como de praxe, a manchete do Giere é mais melodramática que o corpo do texto,
onde ele reconhece um papel para uma concepção instrumental, de meios para
um fim, da racionalidade. Se o fim em questão poderia ser a verdade — como
parece possível quando Giere se afasta de outra manchete melodramática,
realismo sem verdade —, então talvez possamos encontrar afinal de contas
alguma concordância entre nós.[853]
Respostas a algumas reservas quanto ao valor da ciência
O argumento, até aqui, foi não apenas modestamente naturalista, mas também
modestamente otimista. Temo que muitos farão a objeção que foi otimista
demais. Alguns temem que a ciência destrói o encanto e o mistério do mundo
natural, “desfiando o arco-íris”, nas palavras do John Keats, que uma vez propôs
um brinde “à saúde de Newton e à confusão para a matemática”, pelo motivo
que Newton tinha “destruído a poesia do arco-íris ao reduzi-la a um prisma”:
Não fogem todos os encantos
Ao mero toque da fria filosofia?
Certa feita houve um tremendo arco-íris no céu:
Sabemos de seu ladro, sua textura; que ele ganha
No catálogo baço das coisas banais.
A filosofia há de cortar as asas de um anjo,
Conquistar todos os mistérios pela régua e linha,
Desassombrar o ar e esvaziar a mina de gnomos —
Desfiar um arco-íris.
(“Lamia”, 1820)
É verdade, claro, que quando a ciência explica um fenômeno natural — a
versatilidade musical dos sabiás, a elegância das orquídeas,[854] a beleza de um
arco-íris ou a ferocidade de uma tempestade — esse fenômeno não é mais
misterioso (a palavra deriva do grego mystos, manter silêncio, de myein, estar
fechado, como nos olhos ou lábios). E também é verdade que explicações
científicas de fenômenos naturais afastam as explicações sobrenaturais; afinal,
Deus não desenhou o sabiá, a orquídea e o arco-íris para o nosso prazer, nem
mandou o furacão porque estava com raiva de nós, pecadores. Mas nada disso
faz o sabiá menos encantador, a orquídea menos elegante, o arco-íris menos
bonito ou o furacão menos terrível.
“Encanto e mistério”: os termos vieram naturalmente à mente, mas agora é
útil separar os dois conceitos. O encantador é “uma fonte de maravilhamento e
admiração”. Se o arco-íris é bonito, a explicação de como surge um arco-íris é,
nesse sentido preciso, encantadora. Há um resumo no Desvendando o Arco-Íris,
do Dawkins: A luz solar entra em uma gota de chuva; na fronteira entre ar e água
ela é refratada, os diferentes comprimentos de onda que a compõem curvam-se a
diferentes ângulos, como no prisma do Newton. Ao atingir a extremidade
côncava oposta da gota de chuva, as cores são refletidas, saem da gota, e são
refratadas mais uma vez. Suponha que seja início da manhã ou fim de tarde num
dia chuvoso, e o sol esteja atrás ou levemente acima de você. Um espectro
completo sai de cada gota de chuva; e, embora você possa ver somente uma
pequena parte do espectro de cada uma, você vê um arco-íris completo porque
uma faixa de milhares de gotas lhe dá luz verde (e ao mesmo tempo luz azul para
qualquer pessoa que esteja numa posição mais alta que a sua e luz vermelha para
alguém posicionado abaixo de você), outra faixa de milhares de gotas lhe dá luz
vermelha, e assim por diante.[855]
A simplicidade dentro da complexidade dessa explicação é fascinante. E o
vasto edifício do conhecimento que as ciências acumularam até hoje — mesmo
que esteja longe de completo, mesmo que partes dele estejam fadadas a serem
derrubadas e reconstruídas, talvez múltiplas vezes — é muito mais encantador
até que aquelas catedrais medievais às quais Popper o compara. E, na minha
percepção, a enormidade da extensão dos nossos poderes cognitivos nus que as
ciências atingiram, agregando recursos evidenciais de modo intra e
intergeracional, descartando os esforços anteriores quando se mostram
equivocados, desenvolvendo os músculos intelectuais humanos, é tão
encantadora quanto.
Ainda assim, fico espantada com o modo como a nossa capacidade de
explicar e de deleite no entendimento repousa ao lado da nossa capacidade para
o obscurecimento e nosso gosto furtivo pelo “inexplicado” — geralmente, no
fim das contas, pretensamente explicado por fantasmas, alienígenas, intervenção
angélica ou seja lá o que for. O divertido de uma boa história de detetive é que
ela exercita aquela parte de nós que gosta de descobrir as coisas. Mas o prazer do
fast food para a mente, tais como aqueles horrendos programas de televisão
sobre Fenômenos Misteriosos, Milagres e coisas do tipo, é um tipo de
indulgência viciosa daquele outro lado da criatura humana, o lado que gosta de
ser elevado por mistérios e de ter inflado seu senso inseguro de autoimportância.
[856]
Nós humanos, como Carl Sagan escreveu uma vez, somos “viciados em
importância”.
Ocasionalmente diz-se que, na nossa sociedade, a ciência tomou o lugar da
religião. Isso parece à primeira vista um grande exagero. As igrejas ainda
prosperam, afinal de contas, e os reverendos, padres, bispos, papas, mulás,
aiatolás etc. ainda são respeitados, até venerados. Junto com a primeira
reportagem sobre aquele meteorito que possivelmente indicaria vida primitiva
em Marte, a Newsweek publicou um artigo de teólogos contentes de saber que
Não Estamos Sozinhos; suas matérias especiais sobre Jesus, Milagres etc. são
recebidas calorosamente pelos leitores. Programas “de notícias” da televisão
oferecem conselhos sobre como melhorar a sua espiritualidade, além de como
perder peso ou prevenir o câncer colorretal. Livros como o de Behe,
promovendo a ideia do Design Inteligente, ou o de Johnson, criticando o
“darwinismo”, vendem muito. De acordo com reportagens recentes, em Nova
York uma nova igreja pentecostal abre a cada três semanas;[857] na África, 1200
novas igrejas aparecem a cada mês.[858] Nos países antes comunistas e ateus do
Leste da Europa, as igrejas ortodoxa e católica são mais uma vez forças
indomáveis; os hindus conservadores são uma força política importante na Índia,
e os conservadores cristãos nos Estados Unidos. E agora nem é necessário
mencionar as consequências globais do fanatismo islâmico fundamentalista.
Ocasionalmente, mais uma vez, diz-se que a ciência se tornou uma
religião. Talvez isso tenha sido sugerido por uma leitura superficial da
observação do Einstein que “mal se encontra entre o tipo mais profundo de
mente científica uma sem um sentimento religioso próprio”; mas quando
Einstein descreve o sentimento religioso do cientista, seu “maravilhamento
extasiante diante da harmonia da lei natural” como algo “próximo daquilo que
tomou posse dos gênios religiosos de todas as épocas”,[859] fica claro que ele
pretende menos fazer uma religião da ciência que enfatizar o vínculo entre a
autotranscendência exigida do cientista e a exigida do homem religioso. Einstein
também escreve que é “uma questão de fé” para o cientista que a natureza é
compreensível para criaturas como nós.[860] E, de fato, a existência de um mundo
independente do que acreditamos que ele é, e ainda susceptível à investigação
por nós humanos, é um pressuposto da investigação científica. Mas isso não
significa que a ciência, como a crença religiosa, exige um salto de fé especial:
pois a investigação cotidiana do tipo mais comum repousa sobre os mesmos
pressupostos.
Porém, quiçá tudo o que se queira dizer, quando se diz que a ciência se
tornou uma religião, é que as pessoas agora atribuem às alegações da ciência o
tipo de autoridade que antes atribuíam às doutrinas da religião, ou que elas dão a
mesma deferência aos cientistas que antes davam às figuras de autoridade
religiosa.[hhh] De fato, cientistas bem conhecidos são com frequência vistos por
um público admirador como autoridades até mesmo em questões distantes de
suas áreas de especialidade; e aquele uso epistemologicamente honorífico
ubíquo de “ciência”, “científico” e “cientificamente” lembra mesmo o uso
honorífico em que “é bíblico” significa “verdade garantida”. Leigos muitas
vezes não estão na posição de fazer uma estimativa de fato criteriosa da força
das evidências a respeito de uma alegação ou teoria científica; e assim não têm
escolha a não ser confiar no que os cientistas na área relevante dizem. Neste
sentido, a deferência à expertise dos cientistas é inevitável e razoável. No
entanto, aqueles que fazem deferência à ciência ou tratam os pronunciamentos
dos cientistas como “bíblicos” perdem de vista a questão epistemológica
essencial: a ciência é precisamente diferente da religião no seu compromisso
permanente com a possibilidade de revisão até das alegações mais bem-
estabelecidas, se novas evidências o exigirem. Em se tratando de formas de
credulidade, esse tipo de cientificismo deferente é menos perigoso que cair
naqueles “encantos” baratos e sórdidos dos quais reclamei; mas é uma forma de
credulidade mesmo assim.[iii]

Alguns maldizem a ciência porque a veem como peculiarmente ocidental, branca


e masculina. É verdade que a ciência moderna emergiu no Oeste da Europa e
tem sido na maior parte de sua história uma obra principalmente de homens
brancos. Não se segue disso, e não é verdade, que ela é inerentemente uma
empreitada branca e masculina. Houve muitas antecipações da ciência moderna
nas civilizações da China antiga, do Vale do Indo e Babilônia, além da Grécia
antiga. Se essas antecipações não atingiram a massa crítica, mesmo assim
deixaram contribuições de valor duradouro; registros chineses antigos de eventos
astronômicos, por exemplo, mostraram-se nos últimos 30 anos indispensáveis na
interpretação de estrelas explosivas chamadas supernovas.[861] Ademais, não há
razão para duvidar que até os povos mais primitivos têm a mentalidade que torna
a ciência possível; como observa James Michener, qualquer um que pudesse
elaborar uma ferramenta tão intricada quanto flechas venenosas de juntas triplas,
com as quais os bosquímanos do deserto do Kalahari caçam animais, poderia
projetar um avião nas circunstâncias adequadas.[862]
E agora há muitos cientistas capacitados, de todas as raças. Em 1947,
Oppenheimer escreveu que “de todas as atividades intelectuais, só a ciência
revelou ter o tipo de universalidade entre os homens que os tempos exigem”;[863]
quase meio século depois, Sheldon Glashow — se referindo a Tycho Brahe,
Copérnico, Kepler, Galileu e Newton — escreve que “a ciência é o singular
fórum verdadeiramente internacional e tem sido por ao menos cinco séculos...
[C]inco homens de cinco nações nos ensinaram o nosso lugar no universo”.[864]
A ciência é uma coisa humana. Não que todo ser humano tenha capacidade
de ser um bom cientista — mas nem todo ser humano tem a capacidade de ser
um bom atleta, ou um bom músico, também. Entretanto, a ciência é uma
manifestação de uma capacidade que (até onde sabemos) é distintamente
humana, mas que atingiu sua maior fruição até agora, nas palavras de Bridgman,
somente pela “culminação de uma longa história cultural”.[865]
Conforme a ciência moderna se espalhou pelo mundo, ela se mostrou, sem
surpresa, abaladora para tradições e culturas antes estabelecidas. Até a
tecnologia mais simples pode ter efeitos não previstos e perturbadores. Katharine
Milton descreve a introdução de machados de aço entre os índios panare da
Venezuela, que tradicionalmente trabalhavam juntos com machados de pedra
para abrir clareiras para hortas; com os novos machados de aço, um homem
poderia fazer o trabalho sozinho e os velhos modos cooperativos foram
abandonados.[866] Compreensivelmente, os novos machados, com sua economia
de trabalho, foram aceitos mesmo assim.
Alguns, compreendendo mal a ciência como uma expressão de “práticas
epistêmicas” especificamente europeias, criticam a sua introdução às culturas
não-ocidentais por ser colonialismo desrespeitoso e condenável. Mas a
introdução de ideias científicas modernas a uma cultura pré-científica não está
no mesmo nível de, digamos, tentar impor a culinária inglesa sobre a cozinha
magnificamente sutil e versátil da Índia, ou de forçar a nossa Verdadeira
Religião no lugar das superstições bobas deles. A ciência, de certa forma, é um
fenômeno culturalmente específico; mas também é universal. Ela emergiu em
um determinado tempo e lugar, e as circunstâncias desse tempo e lugar são
relevantes para ela ter surgido lá e não em outro local, naquele tempo e não em
outro. Entretanto, ela é uma manifestação das capacidades cognitivas humanas, e
é contínua com a investigação empírica cotidiana que pessoas de toda cultura
fazem.
Em 1962, o primeiro premiê da Índia, Jawaharlal Nehru, mencionou a
ciência como a melhor esperança da Índia para “resolver os problemas da fome e
pobreza, da falta de saneamento e do analfabetismo, da superstição e costumes
tradicionais sufocantes, de recursos vultosos sendo desperdiçados”.[867] Em 1990,
contudo, a antropóloga americana Frédérique Apffel Marglin, com apoio de
cientistas sociais indianos proeminentes, escreveu que a erradicação da varíola
usando a vacina bovina moderna era “uma afronta ao costume local da
variolação”, a inoculação que usa secreção de varíola humana acompanhada de
orações à deusa da varíola[868] — apesar de ela reconhecer que o método
tradicional é dez vezes mais propenso a causar varíola no paciente. Embora mal
se possa conceber que as pessoas pudessem preferir manter os velhos modos a
despeito da superioridade médica do método da vacina baseada em varíola
bovina, admitir a sua superioridade a esse respeito não é em absoluto uma mera
expressão de preferência cultural pela ciência moderna acima das práticas
médicas tradicionais. (E seria pior que uma “afronta” aos pais que querem
proteger as suas crianças de uma doença horrenda oferecer a eles, como diz
Meera Nanda, “caridade epistêmica” em vez de as melhores informações
possíveis.)
Nada disso é para negar que os cientistas às vezes se apressaram a
desdenhar das práticas médicas tradicionais, que podem ocasionalmente se
mostrar eficazes. Há relato que a moxabustão, que usa o calor de ervas
queimadas nos dedinhos do pé de mulheres grávidas para estimular pontos de
acupuntura, pode ajudar a mover o feto para a posição apropriada para um parto
com a cabeça primeiro;[869] e, mais crível, que um velho remédio herbal chinês
(uma poção de “escutelária de Baikal, rabdósia, crisântemo e pastel-dos-
tintureiros” que soa como algo que as bruxas de Macbeth cozinhariam!) está se
mostrando eficaz no tratamento do câncer de próstata.[870]
Se tais remédios realmente são eficazes, considero que deve haver alguma
explicação científica de como eles funcionam. Não, não sucumbi ao uso
honorífico de “científico”; só quero dizer que, qualquer que seja a explicação
verdadeira, ela deve se interligar de alguma forma às verdades sobre o mundo
que as ciências já descobriram, deve se encaixar de algum modo no resto das
palavras cruzadas. Por mais que sejam imperfeitas, as ciências realmente
conseguiram descobrir muito mais a respeito do mundo natural e como ele
funciona que qualquer outra coisa que a raça humana já tentou; todavia, os
cientistas às vezes aprendem com os antigos esforços de entender e controlar
fenômenos naturais.
“Por mais que sejam imperfeitas”: na medida em que existem raças, sem
dúvida há diferenças entre elas (os zulus realmente são, na média, mais altos que
os japoneses, e assim por diante); mas por vezes as ciências médicas e humanas,
sendo imprudentes ao endossar preconceitos prevalentes na sociedade mais
ampla, aceitaram alegações raciais infundadas. Entre 1830 e 1851, por exemplo,
Samuel G. Morton, proeminente médico da Filadélfia, coletou mais de mil
crânios humanos e, considerando a capacidade craniana uma medida da
inteligência, fez um ranking das raças: brancos seriam os mais inteligentes, e
brancos de estirpe europeia ocidental acima dos judeus; negros seriam os menos
inteligentes; e índios americanos seriam intermediários (ao que parece, no que se
trata das raças “inferiores”, ele não se deu ao trabalho de diferenciar os crânios
masculinos, maiores, dos femininos).[871][jjj]
Evidentemente, alegações científicas infundadas sobre as raças — quer
sejam resultados de esforços honestos, mas equivocados de descoberta, ou
simplesmente uma expressão de preconceito — jamais servem como desculpa
para maltratar pessoas. Mas as ciências já aceitaram alegações infundadas sobre
muitas coisas; e seria apressado demais concluir que essa falha em particular
revela o racismo inerente à empreitada científica.
Entre as muitas outras coisas sobre as quais as ciências já fizeram alegações
infundadas estão as diferenças entre os sexos e, em consequência, elas por vezes
também pareciam dar licença para maus tratos a mulheres. Isso, assim como as
alegações infundadas sobre raça, também é lamentável ao extremo. Assim como
críticos pós-colonialistas da ciência às vezes reclamam que os valores científicos
são ocidentais, da mesma forma críticas feministas da ciência às vezes reclamam
que os valores científicos são masculinos ou masculinistas; mas, de novo, seria
muito apressado concluir que o endosso infundado dos cientistas a ideias
equivocadas sobre as mulheres revela o sexismo inerente à empreitada científica.
Na sua forma mais simples, a ideia de que a ciência é uma empreitada
masculinista depende de uma concepção grosseira dos valores da ciência, em
linhas gerais “objetividade”, “racionalidade”, “raciocínio linear” etc. — as aspas
de desdém são para manter distância desses conceitos supostamente masculinos
— e um contraste grosseiro com valores supostamente femininos tais como
emoção, conexão, holismo; como se uma descrição unificada de fenômenos
aparentemente diversos não fosse uma meta da investigação científica, e uma
vontade apaixonada de entender não fosse um motivo para realizá-la. Também
depende de velhos estereótipos sobre as mulheres como criaturas emocionais e
ilógicas; como se não houvesse mulheres tranquilas e razoáveis, e homens
hipersensíveis e irrazoáveis.
Embora as diferenças entre os sexos sejam menos superficiais que as
diferenças entre as raças, mesmo assim, como escreve Sayers em um de seus
ensaios feministas perceptivos, as mulheres na verdade são “mais como os
homens que qualquer outra coisa no mundo”.[872] Em vez de denegrir uma
ciência estereotipada e mal percebida como algo que incorpora valores de modo
estereotipado masculinos, precisamos nos livrar de estereótipos, tanto sobre as
mulheres quanto sobre a ciência. Na medida em que os estereótipos raciais e
sexuais representam mal as pessoas, o antídoto é mais evidência ou atenção mais
cuidadosa às evidências já disponíveis. Então, essas críticas pós-colonialistas ou
feministas da ciência que tendem a defender, a partir da premissa verdadeira de
que a ciência às vezes endossou estereótipos raciais ou sexuais como verdade
estabelecida, fato conhecido ou bem garantidos pelas evidências, a falsa
conclusão de que as ideias de verdade, fato conhecido, garantia, evidência etc.
são balela racista ou sexista, cometem a Falácia do Se-Passa-Por; e no processo
se afastam do único modo de superar o pensamento estereotípico.
De uma forma um pouco mais sutil, a ideia da ciência como uma
empreitada masculinista depende da ideia de que os valores que a ciência
exemplifica são percebidos como masculinos, e que ela negligencia valores
percebidos como femininos. Isso evita endossar os estereótipos do masculino e
do feminino, o que certamente é para melhor; mas ainda depende de uma
concepção simplificada demais da empreitada científica, cega para o modo como
as ciências combinam a paixão por uma teoria bela com o respeito pelas
evidências, a preocupação quanto a detalhes com um senso de conexões em
potencial, o rigor evidencial com voos imaginativos (eu quase poderia dizer —
mas é claro que não vou! — “yin com yang”).
Outras críticas feministas, pensando que a ciência é uma empreitada
inevitavelmente política e, assim, muito informada por valores masculinistas,
defendem a sua transformação pela infusão de valores mais progressistas e
feministas; como se não tivéssemos aprendido, com os exemplos horrorosos da
ciência nazista e soviética, que colocar pressão sobre os cientistas para chegar a
conclusões politicamente desejáveis é flertar com o desastre. “A verdade — seja
qual for! — não nos libertará”, escreve Sandra Harding, clamando por “pesquisa
e trabalho acadêmico politicamente adequados”. Esse pensamento é de arrepiar.
Também é incoerente; pois não podemos melhorar a posição das mulheres ao
menos que possamos descobrir quais são os reais interesses das mulheres, e
quais mudanças sociais realmente as fariam avançar.
Nada disso é para negar que, embora algumas mulheres notáveis
conseguiram superá-los, no passado houve muitos obstáculos para desencorajar
as mulheres na ciência (
Nada disso é para negar que, embora algumas mulheres notáveis tenham
conseguido superá-los, no passado houve muitos obstáculos para desencorajar as
mulheres na ciência (não é de se admirar que a Rosalind Franklin fosse um
pouco irritadiça — excluída de conversas de trabalho no salão comum de
funcionários do King’s College em Londres, com entrada proibida para
mulheres, suportando a condescendência do Maurice Wilkins, tratada como
assistente de pesquisa dele pelo Watson etc.). Nem é para negar que, embora eles
sejam menos numerosos e severos do que já foram antes, os obstáculos
permanecerão. Alguns desses poderiam ser descritos como discriminação,
enquanto outros emergem de complicações maiores nas vidas das mulheres:
pressão para dar prioridade à carreira do marido, desincentivos sutis por parte
dos pais, professores e pares, e a indisposição a levar mulheres intelectualmente
sérias tão totalmente a sério que ainda perdura dentro da academia como um
odor desagradável, e sem dúvidas fora dela também.[873]
Esses desincentivos sutis e aquela indisposição são parte do legado dos
velhos estereótipos sexistas; mas agora, logo quando eles poderiam finalmente
ter sido deixados para trás, estão sendo reforçados pela revitalização infeliz
daqueles estereótipos por algumas críticas feministas da ciência — um grande
desserviço às mulheres e à ciência. O problema, como o vejo, não é em absoluto
tão melodramático quanto supõem aqueles que repudiam a ciência como uma
empreitada sexista; mas não é nada. Ainda há talentos perdidos para a ciência e
oportunidades perdidas para as mulheres.
É legítimo se perguntar se a ciência poderia ser diferente se houvesse mais
cientistas mulheres. Não são só os homens que são influenciados por
estereótipos sexistas; mas talvez fosse ao menos um pouco menos provável que
aqueles estereótipos fossem endossados como fatos estabelecidos (da forma que,
em décadas recentes, o nosso entendimento da vida social dos grandes primatas
parece ter se beneficiado das perspectivas novas trazidas por um pequeno
contingente de mulheres na primatologia). Também é possível vislumbrar um
afastamento da tendência na pesquisa médica da ênfase em organismos machos e
doenças masculinas (embora eu não tenha certeza, depois de ler um artigo sobre
como uma droga desenvolvida para tratar o câncer de mama se revelou mais
eficaz para o câncer de próstata, e de assistir a um programa de televisão sobre o
subdiagnóstico da osteoporose em homens, que uma simples mudança de ênfase
para “doenças das mulheres” daria um desfecho ideal). De qualquer modo, tenho
a expectativa que as cientistas sérias, assim como os cientistas sérios,
continuarão preferindo questões que pensam que são difíceis o suficiente para
serem muito importantes, mas não tão difíceis ao ponto de estarem além da sua
capacidade de resolver — os itens de palavras cruzadas com letras suficientes já
preenchidas para facilitarem um começo, e interligados com uma quantidade
suficiente de outros para prometer recompensas futuras.
Custos da ciência, riscos da tecnologia
Quando escrevi, há pouco, sobre “recompensas”, em destaque na minha mente
tinha luz em vez de fruto, para tomar emprestada a terminologia do Bacon.
Porém, é claro que não tenho a intenção de driblar problemas a respeito dos
perigos da tecnologia.
Estamos acostumados a pensar na tecnologia simplesmente como o fruto
de desenvolvimentos teóricos na ciência; mas isso tem algo de simplificação
excessiva. Barzun lista “o motor a vapor, o fuso têxtil e o tear mecânico, a
locomotiva, a descaroçadora de algodão, as indústrias metalúrgicas, a câmera e a
placa fotográfica, a anestesia, o telégrafo e o telefone, o fonógrafo e a luz
elétrica” como todos inventados “por homens cujo entendimento de ideias
científicas era tênue, ou no máximo empírico”.[874] Huxley notou que o avanço
da ciência depende de desenvolvimentos tecnológicos tais como a
disponibilidade fácil de álcool, vidro etc. Oppenheimer aborda o mesmo tema
quando escreve que a tecnologia de aceleradores de altíssima energia foi “o
reembolso da tecnologia à ciência básica, ao prover os meios pelos quais nossa
experiência física pode ser estendida e enriquecida”.[875] Minha preocupação
presente, no entanto, é com o valor da tecnologia enquanto ramificação da
ciência.
A expressão clássica de esperança do Iluminismo que a ciência superaria o
sofrimento humano é do Barão D’Holbach: “A fonte da miséria do homem é sua
ignorância da natureza”. David Stove responde: “Essa deve ser uma das coisas
mais tolas já ditas”.[876] Com certeza, se D’Holbach quisesse dizer que se poderia
consolar alguém que perdeu sua esposa e filhos para a peste, e agora está
morrendo de forma agonizante, com a explicação das teorias de Newton, seria
algo de fato muito tolo. No entanto, interpretado como se dissesse que a vida da
humanidade seria bem mais feliz se soubéssemos mais a respeito de como
prevenir e controlar as doenças e forças naturais que causam tanto sofrimento,
não parece tão tolo, afinal.
As verdades que a ciência descobre, disse Francis Bacon, “carregarão
tropas inteiras de obras junto a elas”. Para que “a Natureza seja comandada, ela
deve ser obedecida” de forma que “aqueles objetos gêmeos, o conhecimento
humano e o poder humano, realmente se encontrem como um só”.[877] Pensando
imaginativamente sobre o tempo em que Bacon escreveu, começa-se a apreciar a
grandeza dessa visão de como a ciência poderia melhorar a condição humana.
No ensaio de onde foi tirada a citação que abre este capítulo, Huxley escreve
sobre o ano da peste negra, 1664, descrito por Defoe: “morte, com todo
acompanhamento de dor e terror, perseguindo pelas ruas estreitas da velha
Londres... um silêncio rompido apenas pelos gemidos dos enlutados por
cinquenta mil mortes [e] pelas abomináveis denunciações e preces loucas dos
fanáticos”. Na época, continua ele, as pessoas “se submetiam à peste com
humildade e penitência, pois acreditavam que ela fosse o julgamento de Deus”.
Mas na época em que ele escrevia — 1866 — as pessoas tinham “aprendido
alguma coisa sobre a natureza, e a obedeciam em parte”,[878] e tinham derrotado a
peste, embora não a febre tifoide ou a cólera.
Como antecipou Bacon, a tecnologia de fato prolongou e melhorou as
nossas vidas. Reiterando, é difícil expressar a gama ou a extensão disso em
poucas palavras; mas o ensaio do Max Perutz, “A Ciência é Necessária?”,
elucida os benefícios que Bacon sequer poderia sonhar, a miríade de formas com
as quais a tecnologia revolucionou a agricultura, melhorou a saúde pública,
reduziu nossa dependência de combustíveis fósseis etc. etc. Bacon, contudo,
parece ter sido mais vividamente cônscio dos benefícios que o conhecimento da
natureza poderia trazer do que da possibilidade de que esse poder poderia
ameaçar o bem-estar humano. Mas fato é, como Perutz bem sabe, que como
qualquer grande aumento no poder humano, a ciência traz consigo verdadeiras
ciladas e perigos além dos verdadeiros benefícios.
Alguns daqueles que temem os perigos da tecnologia também denigrem a
boa-fé epistemológica da ciência. “[É] simplesmente perigoso demais apaziguar
os cientistas entregando-lhes a objetividade honorária. É inevitável que os
cientistas usarão suas credenciais objetivistas para avançar as crenças subjetivas
que o tempo todo frequentaram seu conhecimento ostensivamente objetivo...
Aqueles que fazem uma reinvindicação falsa de objetividade inevitavelmente
contrabandeiam seus valores para as decisões sociais”, escreve William Dean.[879]
É verdade que, não importa o quão conhecedores eles possam ser de sua própria
área, os cientistas não necessariamente são mais conhecedores das consequência
sociais da tecnologia, nem mais sábios moral ou politicamente, que outras
pessoas. Mas é incoerente negar, como faz Dean, que as ciências fizeram
descobertas objetivamente verdadeiras, enquanto se faz um alerta sobre os
perigos dos desenvolvimentos tecnológicos gerados pelas descobertas
científicas; pois esses desenvolvimentos tecnológicos são evidências da verdade
da ciência em questão.
Mas nenhuma objeção desse tipo se aplica àqueles que, enquanto
reconhecem a luz que a ciência trouxe, temem seu fruto: Kurt Vonnegut Jr., por
exemplo, que escreve: “Eu costumava pensar que a ciência nos salvaria, e a
ciência certamente tentou. Mas não podemos aguentar mais explosões
tremendas, seja a favor ou contra a democracia... Se você quer se tornar um
amigo da civilização, então se torne um inimigo da verdade e um fanático a
favor da bobagem inofensiva”;[880] ou Michael Dummett, que observa que, se ao
menos fosse factível, “há razões acachapantes para suspender todas as pesquisas
científicas”.[881] Eu discordo; mas certamente reconheço que há custos, limites e
perigos.
Embora algumas descobertas científicas ainda sejam feitas com recursos
ínfimos, os dias em que grandes avanços podiam ser feitos com o auxílio de uma
vela e um pedaço de linha ficaram na maior parte para trás; o os trabalhos mais
caros geralmente precisam do apoio de governos ou de grandes preocupações
industriais. Onde o dinheiro público é aplicado, há questões nodosas a respeito
das prioridades. Não é surpresa se as pessoas ficam incomodadas com o custo do
trabalho científico, especialmente onde as questões em jogo são esotéricas ao
extremo, como são com frequência nas mais caras das pesquisas, mesmo que
sejam da mais profunda importância científica; nem que fiquem incomodadas
quando leem que seus impostos pagaram por gafes científicas e desperdício, ou
descobrem que os cientistas, inadvertidamente ou não, sucumbiram a um falso
otimismo a respeito dos benefícios práticos prováveis, ou quanto ao prazo deles.
Em 1999, o Orbitador Climático de Marte, de 125 milhões de dólares, se
incinerou na atmosfera de Marte; os engenheiros haviam confundido libras com
quilogramas em seus cálculos. No ano 2000, o Aterrissador Polar, de 165
milhões de dólares, que era para colher amostras de Marte, se espatifou porque
uma falha simples de software desligou as turbinas cedo demais antes da
aterrissagem. O presidente da comissão dedicada da Câmara, observando que
todos têm direito a um erro bobo, mas não a dois, alertou que a NASA não
deveria buscar por mais verba do Congresso.
O governo e as empresas têm outros interesses paralelos a chegar à
verdade. Preocupações privadas podem querer manter verdades potencialmente
lucrativas longe da concorrência, colocando pressão sobre a livre troca de ideias
necessária para a empreitada científica prosperar. E tanto governos quanto
interesses privados podem querer que verdades impalatáveis sejam encobertas.
Os fabricantes do Vioxx e do Celebrex, por exemplo, ao que parece, buscaram
minimizar pesquisas que sugeriam que essas duas novas drogas para artrite —
nas quais mais dólares de publicidade foram gastos que na Coca-Cola —
poderiam trazer um risco maior de ataques cardíacos.[882]
E a dependência ubíqua de patrocínio das farmacêuticas na pesquisa
médica nas universidades leva a preocupação legítima que os pesquisadores
podem ser tentados a distorcer seus resultados para favorecer os interesses das
empresas que patrocinam seu trabalho (ver o desenho a seguir), ou que eles
podem ser obrigado a manter em segredo informações potencialmente valiosas.
[883]
Em um editorial na edição de maio de 2000 do New England Journal of
Medicine, Marcia Angell perguntou “A Medicina Científica Está à Venda?”
Desde 1984, o periódico exigia que os autores divulgassem ligações financeiras
a empresas com interesse em sua pesquisa; mas as declarações de transparência
são muitas vezes tão longas que precisam ficar na página do periódico na web
em vez de serem impressas (uma nota de rodapé em um artigo sobre
antidepressivos divulgava mais de 350 ligações com empresas farmacêuticas que
fabricavam essas drogas). Na mesma edição do periódico com o editorial da
Angell, um estudo concluiu que “os pesquisadores ligados a empresas de
medicamentos são de fato mais propensos a relatar resultados que são favoráveis
aos produtos dessas empresas que os pesquisadores sem tais ligações”. No
mesmo ano, a Immune Response recorreu à Justiça para tentar impedir a
publicação de um estudo universitário que mostrava que sua droga para a AIDS,
Remune, era ineficaz; como a ação não funcionou, e o estudo foi publicado, a
empresa processou buscando milhões de dólares de indenização. Em 2002, outro
estudo no NEJM concluiu que “é urgente uma reavaliação do processo contratual
para a pesquisa clínica”.[884]
As perguntas cujas respostas são as mais urgentes de um ponto de vista
prático não são sempre ou necessariamente as perguntas cujas respostas são as
mais factíveis cientificamente. Às vezes estamos desesperados por soluções a
itens em áreas das palavras cruzadas que estão, até o momento, na maior parte
em branco. No mínimo, precisamos aceitar que aplicar trabalho nessas partes do
jogo pode ser muito caro em termos de tempo, esforço e dinheiro; no máximo,
podemos ter de aceitar que, por ora, as soluções simplesmente não são possíveis.
De acordo com Paul Gross e Norman Levitt, por exemplo, um entendimento da
natureza e etiologia da AIDS não era factível antes do final dos anos 1970,
momento a partir do qual conhecimento suficiente de imunologia celular,
biologia molecular e virologia foi adquirido.[885] De uma forma meio soturna,
poder-se-ia dizer, tivemos sorte.

Reimpresso de Watson & Tooze (eds.), The DNA Story, p. 282. Publicado originalmente em The New
Scientist (Londres).

Mesmo quando respostas científicas estão disponíveis, elas podem falhar


em dar soluções praticáveis para os problemas maiores que queremos resolver. A
ciência médica encontrou agora formas de controlar a AIDS — para alguns; mas
os regimes caros e elaborados de medicamentos envolvidos estão fora de alcance
para muitos, em especial os que sofrem com a doença na África Subsaariana. O
máximo que a ciência médica poderia fazer é achar uma vacina para prevenir
e/ou drogas para curar ou bloquear a transmissão da doença. Não é de sua
competência resolver problemas políticos nodosos, sobre patentes internacionais
e preços de drogas, descobrir quais regimes de tratamento ou prevenção são os
mais factíveis em condições nas quais até a água encanada não está disponível,
nem superar o estigma social da AIDS, ou a complacência daqueles das partes
mais afluentes do mundo para quem o desastre parece distante e irreal (embora
as ciências sociais pudessem ser capazes de lançar luz sobre tais problemas).
Até os desenvolvimentos tecnológicos benéficos mais óbvios
ocasionalmente revelam ter efeitos colaterais indesejáveis. John Snow, o médico
que notou, durante a epidemia de cólera em Londres no ano de 1854, que a
doença era prevalente entre aqueles cuja água vinha de um poço fornecido por
uma companhia de abastecimento, mas não entre aqueles que bebiam de outra
fonte, ajudou a estabelecer o que causava a doença e como prevenir o contágio
(mas, infelizmente, a história de que ele parou a epidemia removendo a manivela
da bomba hidráulica revelou-se falsa).[886] Entretanto, ao que parece, o surto de
poliomielite no começo do século XX foi em parte o resultado não antecipado de
tornar água potável disponível para muitos; as crianças eram mais susceptíveis à
poliomielite porque não tinham mais as imunidades que as gerações anteriores
haviam construído gradualmente ao beber água contaminada.[887]
O trabalho científico pode apresentar perigo aos envolvidos, tal como os
primeiros a trabalhar com os raios X, que sofreram queimaduras terríveis; e —
embora o medo de organismos geneticamente modificados poderem escapar do
laboratório e causarem algum tipo de doença (ver quadro a seguir) agora pareça
exagerado — também pode apresentar perigo para o público. Como isso revela,
os cientistas podem fazer somente palpites informados a respeito de quais
descobertas se mostrarão as mais perigosas; e é comum que errem no palpite.
Em 1930, apenas 15 anos antes de Hiroshima e Nagasaki, comentando o temor
expressado pelo colega laureado com o Nobel Frederick Soddy que a energia
atômica poderia ser usada para fazer armas de potência sem precedentes, Robert
Millikan afirmou que isso, “como a maioria das fantasias que povoam a mente
da ignorância — [é] um mito”.[888]

Temores quanto à pesquisa com DNA recombinante


No começo dos anos 1970, Herbert Boyer e Stanley Cohen elaboraram
procedimentos para produzir moléculas recombinantes de DNA de duas
moléculas parentais diferentes de DNA, tais como DNA de camundongo
e da bactéria E. coli, e o laboratório do Paul Berg estava trabalhando para
clonar o vírus de tumor animal SV40 na E. coli. Em um curso de verão
no laboratório Cold Spring Harbor, um dos estudantes de pós-graduação
de Berg descreveu seu trabalho para outros biólogos moleculares, que
ficaram preocupados com os riscos em potencial.
Em 1973, uma primeira reunião de biólogos moleculares
preocupados em Asilomar, Califórnia, produziu a “Carta de Moratória”,
publicada na Science, suspendendo temporariamente alguns
experimentos. Em 1975, uma segunda reunião em Asilomar produziu
uma série de diretrizes para restrição voluntária de mais clonagem de
DNA apenas em organismos que haviam sido geneticamente desativados
de forma que não crescessem bem fora de um tubo de ensaio.
Em 1976, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) impuseram
regulamento sobre pesquisa com DNA recombinante, delimitando quatro
níveis de risco que exigiam níveis correspondentes de bioconfinamento:
da higiene laboratorial elementar no nível P1 ao nível mais alto de
confinamento, para bacilos de antraz, vírus de varíola e febre de Lassa
etc., no P4.
Quando biólogos moleculares de Harvard propuseram converter
várias salas para o nível P3, o prefeito de Cambridge levou a questão à
câmara municipal e o debate logo se tornou um grande emaranhado
político, legal e social.
Em 1977, os cientistas da área na maior parte estavam convencidos
que os perigos haviam sido exagerados ao extremo. Cohen concluiu:
“Nossas preocupações anteriores foram muito exageradas; o trabalho
prosseguiu sem consequências adversas”.
Em 1979, as diretrizes dos NIH foram relaxadas.
Em 1980, a Suprema Corte aprovou uma disputada patente
submetida por Cohen e outros sobre “quimeras moleculares
biologicamente funcionais”. (“Quimera”, que originalmente se referia a
uma criatura mitológica com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de
serpente, havia sido adotado por biólogos para seus organismos
recombinantes reais.) No mesmo ano, o trabalho de construção começou
na primeira fábrica industrial para fazer insulina usando procedimentos
de DNA recombinante.
Em 1981, a primeira empresa de DNA recombinante, Genentech,
tornou-se pública no mercado.
A liberdade de investigação é desejável politica e epistemologicamente;
mas não se segue disso, e tive o cuidado de não dizê-lo, que a liberdade
absolutamente incondicional para perseguir a investigação científica é sempre ou
necessariamente para o melhor. O progresso científico é permitido pela liberdade
de investigação, e atrapalhado por empecilhos à livre troca de ideias, seja na
forma de regulação do governo sobre experimentos arriscados, patrocínio com
condições em acordos para não revelar resultados para competidores, ou a
ameaça de prisão num manicômio ou campo de concentração por
crimepensamentos tais como “genética burguesa” ou “física judaica”. Mas que a
ciência seja algo valioso não significa que não existem outros valores, ou que o
progresso da ciência é sempre imperioso. Abusos do tipo nazista ou soviético
nunca são justificáveis; mas a regulação da pesquisa potencialmente arriscada
pode ser, quando os benefícios superam os custos (até acordos de sigilo
poderiam ser, se tornam a descoberta possível, que de outra forma não seria
feita).
Ainda mais difíceis que os problemas levantados no parágrafo anterior são
questões a respeito do abuso das descobertas científicas pelos próprios governos.
Não é culpa dos cientistas se brutamontes usam as suas descobertas para o mal,
escreve Bridgman; e, de fato, os cientistas não podem ser culpados, digamos,
pelo terrorismo de alta tecnologia dos fanáticos religiosos da seita Aum
Shinrikyo.[889] Mas o que ninguém antecipou, mas todos nós agora tememos, é
que as armas nucleares nas mãos de um país instável ou de um lunático
individual poderiam causar prejuízos irreparáveis. O perigo (aproximadamente
análogo àquele apresentado por um adolescente retardado com a mente de uma
criança, mas o corpo e os apetites sexuais de um homem crescido) é que o poder
sobre a natureza tornado possível pelo trabalho de algumas das pessoas mais
intelectualmente sofisticadas entre nós, que inevitavelmente inclui o poder de
ferir tanto quanto de ajudar, pode cair nas mãos dos menos emocionalmente
estáveis entre nós. E, embora seja verdade que os cientistas não podem ser
culpados pelas ações de um país ou indivíduo assim, e também verdade que os
únicos meios de prevenir tais catástrofes são políticos, os cientistas, que são os
que mais sabem sobre quais são as possíveis consequências, e o resto de nós, que
podemos ter de viver — ou morrer — com elas, devem inevitavelmente
compartilhar a responsabilidade de tentar assegurar que as descobertas
científicas sejam usadas para o bem e não para o dano.
E para concluir
Por mais que seja falível e imperfeita, a ciência é uma manifestação da mente
humana no que ela tem de melhor cognitivamente. Mas não é surpresa que ela
evoque medo e ressentimento, além de admiração. Ela impõe uma disciplina
intelectual que é indesejável para muitos de nós, e ameaça algumas das nossas
ilusões mais preciosas sobre nós mesmos. Nos chateamos quando ela falha em
produzir, sob demanda, os frutos que mais queremos, e temos medo quando
percebemos que seus frutos podem ter efeitos colaterais desagradáveis ou, em
alguns casos, desastrosos, especialmente se abusados. Sentimo-nos ameaçados,
penso eu, tanto pelos sucessos da ciência quanto por seus fracassos; sem
surpresa, talvez, já que ela, e nós, somos apenas humanos.
Capítulo 12: Até que acabe
Reflexões Sobre o Fim da Ciência

A ciência exata deve agora cair sobre sua própria espada


zelosa... Uma orgia de dois séculos de cientificidade exata
dá saciedade.
— Oswald Spengler, The Decline of the West[890]

A ciência está mais perto do seu começo do que do seu fim.


— Sheldon Lee Glashow, “The Death of Science!?”[891]

Os problemas que permanecem sem solução são


gigantescos. Eles ocuparão nossos filhos e os filhos deles e
assim por diante pelos séculos vindouros, talvez até pelo
resto do tempo.
— John Maddox, What Remains to Be Discovered[892]

A ideia de que a ciência está se aproximando de seu fim ficou na moda


recentemente — de novo; a ideia, longe de ser nova, é espantosamente familiar,
como historiadores da ciência indicarão. No entanto, também está longe de ser
uma ideia isolada e simples, mas se apresenta de numerosas formas diferentes e
até incompatíveis.
Em um artigo com título “Como Pensar sobre o Fim da Ciência”, Gerald
Holton contrasta aqueles que, como Einstein, veem a ciência de modo linear e
progressivo e, apesar de irregular, cumulativo, com aqueles que, como Oswald
Spengler, a veem de modo cíclico, como outras instituições culturais que
emergem, crescem, se deterioram e por fim morrem.[893] Como sugere o título do
Holton, como abordar da melhor forma as questões sobre o fim da ciência é uma
pergunta séria. Mas a posição do Einstein é bem sutil e complexa, e a do
Spengler é um amálgama extraordinário de elementos culturais, históricos,
filosóficos e analógicos. Qualquer quantidade de contrastes logicamente
independentes estão implícitos na dicotomia aparentemente simples de
“linearistas” e “ciclicistas”:[894] entre objetivistas e relativistas culturais; entre
aqueles que veem a ciência como essencialmente cumulativa e aqueles que
creem que ela passa por uma série sem fim de revoluções; entre aqueles que
pensam que as ciências por fim descobrirão as leis últimas do universo e aqueles
que creem que encontrarão limitações humanas insuperáveis; e assim por diante.
Na verdade, é um emaranhado tal que a melhor estratégia pode ser
primeiro esboçar algumas variantes influentes sobre a ideia do “fim da ciência”
e, no processo identificar alguns temas centrais — rebaixamento, aniquilação,
culminação, rendimentos decrescentes, conclusão — que podem então passar
por escrutínio mais cuidadoso.
Ideias sobre o “fim da ciência”: uma breve história e análise
Em 1872, o fisiologista alemão Emil du Bois-Reymond publicou uma celebrada
palestra com o título “Sobre os Limites do Conhecimento Científico” e, em
1880, uma palestra ainda mais influente com título “Os Sete Enigmas do
Universo”. Considerando o nosso conhecimento de como o mundo funciona algo
limitado a princípios puramente mecânicos, du Bois-Reymond defendeu que
algumas das questões mais fundamentais — a natureza da matéria e da força, a
fonte última do movimento, a origem da sensação e da consciência — são
insolúveis. Ignoramus et ignorabimus era seu slogan: não sabemos e nunca
saberemos. Em O Enigma do Universo, publicado em 1889, Ernst Haeckel
respondeu que, longe de serem intratáveis por princípio, as questões que du
Bois-Reymond considerou irrespondíveis já tinham na maior parte sido
respondidas; e aquelas que não tinham sido, tais como o “problema da
substância” eram na verdade metafísicas, não científicas.[895] Como observa
Nicholas Rescher, o debate agudamente polêmico entre du Bois-Reymond e
Haeckel disfarça a concordância entre eles, em um nível mais profundo, que “a
ciência estava chegando bem perto do fim do caminho”.[896] De fato, na parte
derradeira do século XIX, a ideia do Haeckel que a ciência estava perto de
terminar era quase rotineira. Quando Max Planck entrou na Universidade de
Munique em 1875, o chefe de física o aconselhou contra estudar ciência com o
argumento de que não havia nada mais para descobrir. Robert Andrews Milliken
encontrou a mesma atitude quando começou a pós-graduação em Columbia em
1894,[897] o ano da agora notória previsão do Albert Michelson que “embora
nunca seja seguro dizer que o futuro da Ciência Física não tenha mais
maravilhas até mais espantosas que aquelas do passado, parece provável que a
maior parte dos grandes princípios subjacentes foram estabelecidos com firmeza
e que avanços adicionais devem ser buscados principalmente na aplicação
rigorosa desses princípios”.[898]
Logo depois da previsão pessimista do Michelson, contudo, “a
complacência deu lugar à animação”, uma animação que, em 1902, o próprio
Michelson veio a compartilhar. Para um físico, como observa Steven Weinberg,
o século XX começa em 1895 com a descoberta dos raios X por Wilhelm
Roentgen, continua com a descoberta da radioatividade por Henri Becquerel em
1896, a descoberta do elétron por J. J. Thomson em 1897, e depois, nas próximas
décadas, com o trabalho de Rutherford, Planck, Einstein e Bohr.[899]
Mas em O Declínio do Ocidente, publicado em 1918, Oswald Spengler
denunciou essa nova física por minar a esperança de certeza e exatidão, e por ser
um sinal inconfundível da inevitável e iminente derrocada da ciência. Escrita na
maior parte à luz de velas durante a I Guerra Mundial “por um alemão professor
de ensino médio desconhecido e pobre... com um doutorado em matemática
grega e uma ambição enciclopédica”, essa obra extraordinária oferecia “uma
grande teoria teutônica... intercalada com previsões dramáticas [e] e uma boa
parte de especulações que soam absurdas”.[900] Não é fácil transmitir o caráter ou
tom dela em poucas frases; como observa Holton, até o seu título em inglês fica
aquém do senso completo de exaustão, de desânimo, transmitido em alemão:
Der Untergang des Abendlandes (etimologicamente, “o afundamento da terra do
ocaso”), o naufrágio da civilização ocidental. Dois temas dominantes trabalham
em sintonia: o rebaixamento epistemológico da ciência para o status de
construção cultural, comparável aos estilos de música ou pintura, e a aniquilação
iminente da ciência com a deterioração e morte da civilização ocidental. Quando
Spengler observa que em breve não haveria mais grandes cientistas, somente
“depreensores”,[kkk] um terceiro tema aparece por um breve momento:
rendimentos decrescentes.
“Aquilo que a física — que só existe na consciência alerta do homem de
cultura — pensa que encontra em seus métodos e seus resultados já estava lá,
subjacente e implícito na escolha e maneira de sua busca”, afirma Spengler; as
fórmulas da física não têm sentido até que sejam interpretadas, e sua
interpretação só pode ser uma expressão de pressupostos culturais. Os “fatos”,
que o cientista imagina que são realmente como são, na verdade são a criação de
sua própria subjetividade culturalmente condicionada. “Raios de luz polarizados,
íons errantes, partículas de gás voando e colidindo, campos magnéticos,
correntes elétricas e ondas — não são todos visões faustianas”, pergunta
Spengler, “muito próximos da ornamentação românica, da elevação da
arquitetura gótica, das viagens dos vikings mar estranho adentro, dos anseios de
Colombo e Copérnico?”[901]
Assim, a mais profunda das histórias da ciência rastreia não os resultados
teóricos, mas seu simbolismo, seu estilo, enquanto ele se transforma e muda por
meio da necessidade histórica inerente: da concepção de força do século XVII,
análoga ao estilo de pintura a óleo dominante na época, para a concepção mais
abstrata do século XVIII, em uníssono com Bach, para o século XIX e começo
do XX, quando, com “a cultura no seu fim”, ele se torna “pura análise”. Com a
“implacavelmente cínica” teoria da relatividade, pensava Spengler, e com o
conceito de entropia, o “símbolo do declínio”, a física estava chegando perto do
limite de suas possibilidades. Sua “missão como um fenômeno histórico foi
transformar o sentimento-natureza faustiano em um conhecimento intelectual, as
formas-fés da primavera nas formas-máquinas da ciência exata”; mas “do ponto
de vista de hoje, o declive suave da rota do declínio está claramente visível”.[902]
Toda grande civilização seguiu o mesmo curso, da primavera fértil ao
declínio e morte no inverno; e este será o destino da nossa civilização, ciências
inclusas. Spengler até previu precisamente quando a ciência ocidental se
findaria[903] — no ano 2000 (o mesmo ano em que imaginamos novas folhas de
grama azerdes!). As ciências fracassariam quando, passando dos limites,
tentassem aplicar seus métodos de razão e cognição à história, onde a percepção
intuitiva é necessária; e por fim exauririam a si mesmas até dentro de sua própria
esfera, conforme seu caráter essencialmente subjetivo ficasse inconfundível.
Também em 1918, na palestra em homenagem ao aniversário de 60 anos
do Max Planck, à qual Holton faz referência, Einstein pergunta: “Que lugar
ocupa a imagem teórica do mundo do físico entre todas [as] imagens possíveis”
feitas por cientistas, artistas, poetas e filósofos? A física teórica exige o mais alto
rigor matemático possível, e como resultado deve se restringir aos eventos mais
simples. Mas ainda assim, continua Einstein, ela tem o direito de chamar a si
mesma de teoria do universo, pois as leis que ela busca são válidas para qualquer
fenômeno natural; e somente a capacidade limitada do intelecto humano impede
uma explicação completa e concluída de todo processo natural.[904] Então, a
diferença não é que Spengler prevê o fim da ciência e Einstein pensa que isso é
inconcebível; mas que Spengler prevê a aniquilação da ciência, enquanto
Einstein vislumbra a sua culminação e até, em princípio, a sua conclusão.
Grande parte de O Advento da Idade Áurea: Uma Visão do Fim do
Progresso (1969), do Gunther Stent, é dedicada a rastrear a história da genética e
da biologia molecular: do “Período Clássico” da redescoberta das leis de Mendel
na virada do século XX, passando pelo “Período Romântico” do Grupo dos
Fagos e da identificação do DNA como o material genético e o “Período
Dogmático” no qual a estrutura do DNA foi resolvida e o Dogma Central da
biologia molecular foi formulado, para o “Período Acadêmico”, no qual os
detalhes do problema da codificação foram solucionados. Inicialmente, defendeu
Stent, o sucesso se construiu sobre o sucesso; mas logo a biologia teria resolvido
seus maiores problemas, deixando apenas o trabalho de “coleção de selos” de
preencher os detalhes; e por fim a biologia descansaria conforme os rendimentos
decrescentes se estabelecessem. A física, concedeu Stent, ao que parece tem um
fim mais indeterminado; mas, conforme ela se tornasse cada vez mais cara e
cada vez menos compreensível, a sociedade ficaria cada vez menos disposta a
continuar dando seu apoio.
Mas esses são apenas os primeiros passos no argumento muito mais
ambicioso do Stent sobre o “fim do progresso” estar à mão. A ideia de uma
culminação teórica seguida pelo rápido começo dos rendimentos decrescentes
logo é interligada à ideia da aniquilação. O fim do progresso, argumentou Stent,
logo viria não só na ciência, mas também na música, nas artes e na literatura;
pois, embora de início o progresso acelere quando aproveita a si mesmo, por fim
ele é autolimitante: “a taxa estonteante à qual avança agora o progresso faz
parecer muito provável que o progresso deva parar em breve, talvez no nosso
tempo de vida, talvez daqui uma ou duas gerações”.[905] Com a maior segurança
econômica, o Homem Faustiano do Spengler, “o movedor criativo principal da
história”, logo sairia de cena conforme o valor adaptativo de sua ilimitada
Vontade de Poder diminuísse, para ser substituído pela personalidade voltada
para dentro. E assim logo entraríamos numa “Nova Polinésia” — a Nova Era
antecipada pelos beatniks e celebrada pelos hippies — na qual a gana de
descobrir se exaurisse.

Reimpresso com permissão de James Thurber, Men, Women and Dogs (Nova York: Dodd, Mead, 1975), p.
88.

Agora, obviamente, o primeiro dos tópicos do Spengler, o rebaixamento da


ciência a um mero constructo cultural, é um tema familiar do Novo Cinismo.
Um exemplo especialmente notável é a carta de convite para uma conferência no
Gustavus Adolphus College em 1989 — o ponto alto de uma série, endossada
pela Fundação Nobel, que começava com “Genética e o Futuro do Homem”, e
incluía reuniões dedicadas à física, química, biologia, economia, criatividade,
paz, o lugar das mulheres na vida intelectual: um “festival intelectual”, com
presença de cerca de quatro mil pessoas, sobre O Fim da Ciência.
“Recentemente”, de acordo com a abertura da conferência, “a ciência veio a ser
entendida... de forma mais subjetivista e relativista... o produto de tais coisas
como focos paradigmáticos, lutas ideológicas e o instrumento fundamental do
poder”. Enquanto “anteriormente, pensava-se que a ciência seria ‘contaminada’
se estivesse sob o direcionamento de um governo/cultura/sociedade”, e a
intervenção stalinista na biologia soviética era vista como algo deplorável, o
novo entendimento é que “a ciência enquanto tal está chegando ao fim..., não
mais uma fortaleza de objetividade”.[906]
Embora Spengler seja inimitável, em sua introdução aos trabalhos da
conferência no Gustavus Adolphus, Richard Q. Elvee faz uma tentativa
meritória: “a ciência é uma série de interpretações da natureza; no entanto, as
interpretações são criações dos interpretadores da natureza, e em grande medida
a ciência é uma descrição da imaginação dos interpretadores... Isso significa não
apenas que a história do esforço intelectual que por 400 anos tem sido chamado
de ciência é, em grande medida, uma criatura da subjetividade do cientista, mas
também que aquelas regularidades objetivas que os próprios cientistas
interpretam são compostas de respostas do observador ao mundo”. “Esse novo
entendimento”, pergunta ele, retoricamente, “está prenunciando O FIM DA
CIÊNCIA?”[907]
A principal palestrante, Sandra Harding, entrega uma performance notável
na qual ela parece ao mesmo tempo endossar o desejo dos organizadores de
politizar a ciência, e assegurar aos leitores que ela não é “contra a física”, nem
inimiga das ciências. Os elementos “antidemocráticos” da ciência, explica ela,
“deterioram a [sua] capacidade de prover descrições e explicações objetivas e
empiricamente defensáveis” da natureza e da sociedade.[908] A ciência é uma
“atividade da classe dominante” e como tal “pode ter somente um entendimento
parcial e distorcido da natureza e relações sociais”.[909] O modelo para a boa
ciência deve ser “programas de pesquisa que foram direcionados explicitamente
para metas políticas libertadoras”. Isso não garante bons resultados empíricos,
mas “já que o sexismo, racismo, imperialismo e crenças burguesas estiveram
entre as influências mais poderosas sobre a produção de falsa crença científica”,
é o melhor caminho para tais resultados. Reconhecer isso, defende Harding, não
é sucumbir ao relativismo ou subjetivismo, mas adotar uma concepção nova e
“forte” de objetividade, fazendo referência ao encaixe de hipóteses a “interesses
e valores culturais predominantes”.[910]
Se esse tipo de coisa te dá tontura, o próximo palestrante, Sheldon
Glashow, vai te firmar quando ele faz uma brilhante paródia da carta de convite a
ele, perguntando: “Não sei o que tudo isso significa, e por que foi que eu aceitei
participar dessa farsa?” Observando que “As Grandes Questões aqui são: A
Ciência é simplesmente uma versão para adultos de um jogo exclusivo para
meninos de ‘Faz de Conta’? E uma Ciência mais gentil e bacana pode ser
inventada com a Força substituída pelo Amor, e Potência pela Ternura?” Ele
responde: “Não, e não de novo”. A ciência “não está doente e não está morta”.
[911]

Mas em 1996, com O Fim da Ciência do John Horgan — um livro que, ao


que parece pegando a onda insólita do fim do milênio, parece ter sido influente
por um curto tempo — a morte da ciência foi anunciada mais uma vez. O
subtítulo do Horgan, Enfrentando os Limites do Conhecimento no Ocaso da Era
Científica, ecoa Spengler; e seu livro abre com uma discussão do livro
“espantosamente presciente” do Stent (“espantosamente presciente”, claro,
porque antecipa as próprias ideias do Horgan!). Um dos tópicos principais do
Horgan, parecido com du Bois-Reymond, é que logo todas as perguntas
científicas respondíveis terão sido respondidas; a conclusão dele, no entanto, não
é exatamente que a ciência está chegando ao fim, mas que a ciência do futuro
será “irônica”, aberta e incerta, mais próxima da interpretação literária que a
ciência atual. Adaptando a concepção do Harold Bloom de “poetas fortes” que,
sob a “ansiedade da influência”, afirmam a sua individualidade pela dificuldade
de se definirem relativamente a Shakespeare ou Dante,[912] Horgan prevê que,
quando as perguntas respondíveis estiverem todas respondidas, os “cientistas
fortes” especularão a respeito de perguntas irrespondíveis, afirmando a sua
individualidade pela definição de si próprios relativamente aos seus grandes
antecessores. Incomparavelmente mais sério intelectualmente que Horgan,
Weinberg (como Einstein) sonha com uma “teoria final”: uma culminação do
sonho que começou com os filósofos de Mileto de explicar todos os fenômenos
naturais em termos de um componente fundamental da matéria; um sonho
continuado por Newton, mas que na verdade começou a tomar forma em meados
dos anos 1920 com a descoberta da mecânica quântica e o reconhecimento que
os fenômenos químicos podem ser explicados pelas interações elétricas de
elétrons e núcleos atômicos. Já em 1902, até o antes pessimista Michelson havia
começado a ter esperança de que, talvez muito em breve, “as linhas convergentes
de muitas regiões aparentemente remotas do pensamento encontrar-se-ão em...
um terreno em comum... reunidas em um corpo único e compacto de
conhecimento científico”.[913] E em 1992 Weinberg escreve: “Embora as teorias
atuais sejam de validade apenas limitada, ainda tentativas e incompletas, por trás
delas podemos vez ou outra vislumbrar uma teoria final... de validade ilimitada”,
dos princípios fundamentais para os quais todas as setas de explicação nas
ciências independentes parecem apontar, da qual a reconciliação da relatividade
com a mecânica quântica será uma grande parte.[914]
A ideia fundamental, aqui, é a ideia do fundamental. A teoria final que
Weinberg vislumbra constituiria uma descrição abrangente e integrada das leis
que governam os componentes fundamentais do mundo, da matéria/energia.
Seria, em um sentido, compreensiva; todavia, Weinberg argumenta (e aqui ele se
afasta de Einstein)[915] que essa “teoria final” não permitiria, nem em princípio,
que deduzíssemos todas as verdades da biologia, ou mesmo da física; pois a
biologia e até a própria física dependem em parte de contingências históricas.
Contudo, a teoria final com a qual sonha Weinberg constituiria a explicação
última de por que as coisas físicas são como são.
Se os físicos de partículas pudessem por fim entender e articular a teoria
final, e talvez no futuro não tão distante, isso constituiria um tipo de culminação
da empreitada científica. Em sua palestra inaugural ocupando a Cadeira
Lucasiana em Cambridge, Stephen Hawking havia sugerido que as teorias então
na moda de supergravidade estendida poderiam prover a base para tal teoria
final. Mas Weinberg não sugere que uma teoria final está próxima, somente que
vislumbres estimulantes de tal teoria vêm ocasionalmente. E ele deixa bem claro
que “[uma] teoria final será final apenas em um sentido — dará um fim a um
certo tipo de ciência, a busca antiga por aqueles princípios que não podem ser
explicados em termos de princípios mais profundos”. Além disso, o trabalho que
Weinberg considera que restará para a ciência uma vez que a teoria final tenha
sido descoberta não seria como uma “coleção de selos” de que fala Stent: “É
claro que uma teoria final não terminaria a pesquisa científica, nem mesmo a
pesquisa científica pura, nem mesmo a pesquisa pura em física. Fenômenos
maravilhosos, da turbulência ao pensamento, ainda precisarão de explicações
não importa qual teoria final seja descoberta”.[916]

“A” ideia do fim da ciência, em resumo, perpassa tanto as visões pessimistas do


fracasso derradeiro da ciência e as visões otimistas de seu sucesso derradeiro, e
acomoda temas tão díspares quanto a aniquilação e a conclusão, o rebaixamento
e a culminação — temas díspares, no entanto, muitas vezes entrelaçados e às
vezes confundidos uns com os outros. Aqueles que têm uma forte reação contra
a tese de que as pretensões das ciências de descobrir verdades a respeito do
mundo natural são ilusórias às vezes reagem de forma igualmente forte contra
toda e qualquer versão da ideia do “fim da ciência”. Mas é essencial
desembaraçar questões sérias a respeito de fatores externos que poderiam levar a
ciência a seu fim, e questões sérias a respeito de fazer ou não sentido supor que a
física poderia por fim descobrir as leis últimas do universo, ou que o trabalho
das ciências poderia por fim ser concluído até o último detalhe, de confusões
sociológicas e exibicionismo retórico a respeito da objetividade.
Começando com o tema do rebaixamento, minha primeira tarefa será
chegar ao fundo das confusões a respeito do lugar da ciência na cultura, a
respeito da objetividade e da política, e a respeito da relação da ciência com a
arte e a literatura, cometidas de diversas formas por Spengler, Stent, os cínicos
do Gustavus Augustus, Harding e Horgan. Voltando a atenção ao tema da
aniquilação, minha próxima tarefa será entender quais condições poderiam ser
necessárias para que a ciência prospere, e se podemos esperar que elas
continuem, ou prever se e quando poderiam chegar ao fim. Depois, voltando a
atenção a questões a respeito dos limites da ciência, minha tarefa final será
investigar se poderia ou deveria haver leis últimas da natureza, se a investigação
científica poderia ou deveria por fim produzir rendimentos decrescentes, e se a
ciência realmente é a “fronteira sem fim” — ou somente um gigantesco jogo de
palavras cruzadas no qual todo item poderia por fim ser preenchido.
O tema do rebaixamento
Quando escrevo sobre “rebaixamento”, é uma abreviação para “rebaixamento
epistemológico”, referência à ideia da ciência como mero constructo cultural.
Como reconheci antes, a ciência, em certo sentido, é culturalmente
específica: a ciência moderna surgiu em certo tempo em particular e em certa
parte do mundo em particular; e para que a ciência prospere, ou mesmo
sobreviva, é necessário o tipo certo de ambiente cultural. Entretanto, como
também argumentei antes, a ciência na verdade não é, no sentido imaginado por
Spengler e que os Novos Cínicos trouxeram de volta à moda, meramente um
fenômeno cultural entre muitos. Pois a ciência também é universal — em mais
de um sentido: é uma manifestação e amplificação da capacidade de investigar
que todos os seres humanos em alguma medida possuem;[917] além disso,
descobertas científicas de importância permanente podem emergir de
preocupações culturais locais e temporárias.
Eis um exemplo impressionante, tomado emprestado do Holton: Johannes
Kepler foi treinado no antigo quadrivium — aritmética, geometria, música e
astronomia — e tinha estudado especialmente a teoria musical. Seu Harmonices
mundi de 1619 tratava primariamente da harmonia na música. Durante seus
movimentos orbitais, descobriu Kepler, a Terra e Vênus às vezes cantam uma
sexta menor e maior; ele até identificou um acorde celeste em seis partes gerado
pelas velocidades orbitais de todos os seis planetas conhecidos na época. A
terceira lei de Kepler — para todo planeta, o quadrado de seu período de
revolução ao redor do Sol dividido pela terceira potência de sua distância média
do Sol é constante — é apresentada em apenas uma frase da quinta seção desse
livro. Ainda assim, essa lei apoiou a astronomia heliocêntrica copernicana,
contribuiu para a concepção dinâmica do sistema solar de Newton, sobrevive e é
útil até hoje.[918]
O exemplo sugere que Spengler propõe o exato oposto das coisas quando
insiste que a mais profunda história da ciência está não em seus resultados, mas
em seu simbolismo cultural e estilo. Como coloca Holton, “é precisamente o
ponto forte da ciência que, com o tempo, ela joga fora as várias armações
culturais de construção, que na fase nascente ajudaram alguns indivíduos na
construção do sempre inacabado Templo de Ísis. Os conceitos e teorias da
ciência madura, como são usados no trabalho diário e publicações, podem passar
bem sem qualquer resíduo de suas variadas origens humanas individuais”.[919]
O exemplo também ilustra historicamente o que argumentei
filosoficamente: que a investigação natural-científica de fato é, em um sentido
importante, mas sutil, cumulativa. Não que em todo passo uma nova verdade
seja adicionada, nem que o progresso é sempre uma questão de acúmulo de
novas verdades; mas, conforme a investigação científica avança de sua forma
irregular e desnivelada, ela encontra verdades novas, instrumentos melhores,
vocabulário melhor etc., e formas de aproveitá-los; de forma que, com os
séculos, as ciências construíram um grande edifício de alegações e teorias bem-
garantidas (mesmo que, obviamente, o entulho de conceitos e teoria descartadas
seja muito maior).[920]
A ciência não é mesmo, no sentido que Stent toma emprestado de Spengler
e Horgan de Stent, uma empreitada do mesmo tipo que a arte ou a literatura.
Como a ciência, as tradições de arte, música e literatura emergem e prosperam
em contextos culturais específicos, e ainda assim são universais até o ponto em
que manifestam capacidades e tendências que são comuns a todos os seres
humanos. Na arte, música e literatura, assim como na ciência, as traduções
crescem e se desenvolvem, gerações posteriores aproveitam o trabalho de
gerações anteriores, e assim por diante. Mas a arte, a música e (como argumentei
antes) a literatura não são, como as ciências, tipos de investigação; e não são
cumulativas no sentido especial e epistemológico em que a ciência é.
A ciência especulativa de hoje também não é essencialmente diferente da
ciência especulativa do passado, como Horgan sugere. Na fronteira, os cientistas
sempre se perguntaram se esse ou aquele novo tipo possível de coisa ou
substância pensada é mesmo real, e se, nas palavras de Glashow, ela vai ter “o
destino do flogisto ou dos quarks”.[921] Longe de ser, como sugere Horgan, um
sinal de que a ciência está prestes a seguir o caminho da teoria literária, essa é
uma marca da vitalidade da ciência.
Como apontaram os organizadores da conferência do Gustavus Adolphus,
recentemente as reivindicações da ciência de chegar ao conhecimento objetivo
foram (mais uma vez) desafiadas. Entretanto, quando eles dizem que a ciência
“veio a ser entendida” como relativa ou subjetiva, eles dependem da implicação
de verdade veiculada por “entendida” como algo que transmite a impressão de
que tem sucesso o desafio dos Novos Cínicos às pretensões epistêmicas da
ciência. Não tem. É, na verdade, a flagrante Falácia do Se-Passa-Por. Direi pela
última vez: O conhecimento científico não é o único conhecimento, nem a
investigação científica o único tipo legítimo de investigação; a racionalidade da
empreitada científica não pode ser capturada completamente por um modelo
estreitamente lógico; as alegações e teorias científicas são falíveis e revisáveis;
os cientistas raramente são investigadores completamente objetivos e imparciais,
se em alguma medida; e o contexto social no qual o trabalho científico é
conduzido pode afetar não apenas quais questões são consideradas dignas de
investigação, e não apenas quais soluções vêm à mente, mas até, às vezes, a
quais resultados se chega. Mas não se segue daí que não existe evidência
objetivamente mais forte ou mais fraca, investigação objetivamente mais bem ou
mal conduzida, alegações e teorias científicas objetivamente verdadeiras ou
falsas. E não é verdade.
Permita-me dizer pela última vez, também: uma alegação é verdadeira se
as coisas são como ela diz, falsa se não são; as evidências são melhores ou piores
a depender do quão sustentadoras elas são, do quão seguras independentemente
são, e do quão abrangentes são; uma investigação é mais bem ou mal conduzida
a depender do quão escrupulosa, honesta, imaginativa e minuciosa ela é. Esses
conceitos são todos objetivos; em cada caso poder-se-ia acrescentar,
“independentemente de qualquer pessoa, ou todos, acreditarem que esta é (ou
não) evidência forte, ou uma investigação bem-conduzida, ou uma alegação
verdadeira”. São conceitos pressupostos não apenas pelos cientistas, mas por
qualquer pessoa que faça qualquer alegação, ou investigue qualquer questão; e
pressupostos quando se aponta — e é claramente verdade — que as
investigações científicas às vezes foram mal ou desonestamente conduzidas, e
que muitas alegações aceitas por cientistas foram infundadas ou falsas.
Claro, os desenvolvimentos na ciência e tecnologia têm consequências
políticas; qual trabalho científico e, em especial, qual trabalho tecnológico é
feito muitas vezes é algo influenciado por considerações políticas; o acesso às
carreiras científicas, as aplicações de resultados científicos, a disponibilidade de
tecnologia, são todos questões preocupação política legítima; e às vezes
(geralmente, mas não exclusivamente nas ciências sociais e humanas) o
engajamento de pessoas de pessoas com visões políticas diversas, ou das
mulheres além dos homens, ou de cientistas não-brancos além dos brancos,
tornou possível superar concepções errôneas antes arraigadas. Mas não se segue
disso que a ciência deve ser reinventada como uma empreitada explicitamente
politizada. E não é verdade.

Como enfatizei antes,[922] há uma distinção verdadeira entre a investigação


e o ativismo. A investigação, que é uma tentativa de descobrir a verdade de
alguma questão, não importa qual pode ser essa verdade, exige que o
investigador busque e avalie o valor das evidências. O ativismo, que é uma
tentativa de montar uma defesa para alguma proposição ou proposições
determinadas de antemão, exige que o ativista selecione e enfatize qualquer
evidência que favoreça a(s) proposição(ões) em questão, e que ignore ou
minimize o resto. C. S. Peirce uma vez escreveu: “Se um homem se ocupa de
investigar... por algum propósito dissimulado, tal como fazer dinheiro, ou ajeitar
a sua vida, ou beneficiar aos seus, ele pode até ser melhor que um homem
científico..., mas não é um homem científico”.[923] Embora muitos cientistas, sem
dúvida, tenham motivações mistas, Peirce está correto ao enfatizar que a
investigação, a busca pela verdade, está no coração da ciência.
Turvar a distinção entre investigação e ativismo, além disso, é ameaçar a
honestidade intelectual exigida pelo trabalho científico sério, como é exigida
pelas investigações sérias de todo tipo; e, ao mesmo tempo, é minar a
possibilidade de mudanças sociais genuinamente benéficas, que exigem saber
qual é a presente situação, e quais seriam as consequências dessa ou daquela
mudança. Eis Peirce, de novo: “Devo confessar que pertenço àquela classe de
traquinas que querem... olhar para a cara da verdade, sendo ou não condutivo aos
interesses da sociedade. Além disso, se eu for enfrentar aquele problema de
extrema dificuldade, ‘O que é para o interesse verdadeiro da sociedade?’, sinto
que preciso de muita ajuda da ciência da inferência legítima”.[924]
Os organizadores da conferência do Gustavus Adolphus sugerem que é
ingênuo e antiquado imaginar que a ciência politizada dos regimes nazista e
soviético era contaminada — ou, como dizem, “contaminada” com aspas
cautelosas. Sem dúvida, dado o efeito poderoso sobre muitos acadêmicos do
medo de ser considerado ingênuo, essa é uma estratégia retórica astuta. Mas
tomarei o risco da acusação de ingenuidade e dizer com clareza que a ciência
nazista era contaminada. Os vencedores do prêmio Nobel Philip Lenard e
Johannes Stark, afirmando que a raça dos pesquisadores determinava sua física,
admiravam a “física alemã” pelo contato direto com a natureza, mas deploravam
a “física judaica” por ser culpada de “abstração”. À ideia de que a ciência é
internacional, Lenard respondeu: “é falsa. A ciência, assim como todo outro
produto humano, é racial e condicionada pelo sangue”. Adolf Hitler anunciou:
“não quero que haja qualquer educação intelectual... [N]ós estamos no fim da
Idade da Razão... Uma nova era da explicação mágica do mundo está surgindo,
uma explicação baseada na vontade em vez de no conhecimento. Não há
verdade, nem no sentido moral, nem no científico. A ciência é um fenômeno
social e, como todos do tipo, é limitada à utilidade ou prejuízo que causa”.[925]
A ciência nazista era contaminada epistemologicamente porque sua meta
não era buscar a verdade, mas promover uma agenda política. Também era,
claro, contaminada politicamente: a ciência “ariana” reinventada e promovida
pelos ideólogos nazistas era para ser völkisch, isto é, era para refletir a
perspectiva das raças desejáveis. Mas não é a monstruosidade da agenda política
que a ciência nazista era para promover, mas o fato de que tinha alguma agenda
política em vez de nenhuma, que é o mais relevante para o presente propósito. O
mesmo vale, mutatis mutandis, para a ciência stalinista.
Harding clama por uma ciência direcionada por “metas políticas
libertadoras”; mas não está de todo claro se o que ela propõe é que a ciência seja
reinventada como uma ferramenta para promover os interesses das mulheres e
outras pessoas oprimidas, ou como um fórum para negociação entre grupos de
interesse em competição. É claro o suficiente, no entanto, que uma premissa
essencial do argumento dela é que a principal fonte de erro, nas ciências naturais
e também nas sociais, é a operação oculta de raça, gênero e interesses de classe.
Harding nos diz que “alguns críticos detectaram valores sociais em estudos
contemporâneos do bolor limoso e até em teorias abstratas tais como a teoria da
relatividade e a semântica formal”.[926] Numa variante de uma manobra retórica
agora já familiar, ela se baseia na conotação de sucesso embutida em “detectar” e
oferece somente observações amplas e vagamente spenglerianas no sentido de
que a interpretação do simbolismo matemático da física é social, e que a ciência
se fia em metáforas sociais,[927] em vez de evidências de que as alegações desses
críticos, de terem detectado a influência oculta do sexismo nas teorias do bolor
limoso, semântica etc., estão corretas. Eu não acredito que estão.
Qual é a maior fonte de erro nas ciências? O trabalho é difícil; e os
cientistas são falíveis. Com certeza, um dos muitos aspectos em que os cientistas
são falíveis é que às vezes eles têm preconceitos, isto é, compromissos
arraigados e irrefletidos com crenças de fundo mal garantidas; com certeza, um
dos muitos tipos de preconceito é o pensamento estereotipado a respeito das
mulheres ou das pessoas não-brancas. Mas até mesmo nas ciências sociais e
humanas, onde o objeto de estudo ao menos permite espaço para que eles
operem, é muito duvidoso que os interesses de raça, classe e gênero sejam a raiz
de todos os erros, ou mesmo da maioria deles; e imaginar que as principais
fontes de erro nas ciências naturais são o racismo, o sexismo e o pensamento
burguês é muito, muito forçado.
Isso não é para negar que cientistas estabelecidos são às vezes mais lentos
que se poderia ter conforto para conhecer, ou mais rápidos que se poderia gostar
para ignorar o valor de novas ideias promissoras — “conservadores” em um
sentido não-político; nem para negar que os cientistas às vezes aceitaram
alegações mal garantidas a respeito das mulheres, ou de pessoas não-brancas,
por causa do preconceito. Mas transformar a ciência em uma ferramenta para
promover os interesses das mulheres, ou de pessoas não-brancas, ou de qualquer
classe ou grupo, é algo que está sujeito às mesmas precisas objeções
epistemológicas que as tentativas nazista e soviética de transformar a ciência em
uma ferramenta política. E uma comunidade de ativistas na qual “as pessoas
terão de negociar umas com as outras... a respeito de qual perspectiva deve
prevalecer quando os ‘fatos’ são contestados”,[928] seria uma substituta infeliz
para uma comunidade de investigadores em que todos fazem o melhor que
podem para descobrir a verdade das questões que os preocupam, avance essa
verdade seus interesses ou não.
Se a ciência fosse transmutada em uma ferramenta para promover uma
agenda política, ou em uma negociação entre grupos de interesse em
competição, ela realmente teria um fim. A “ciência” ariana ou prolatária ou
feminista não é investigação, mas ativismo, e “objetividade forte” é apenas
política disfarçada. O rebaixamento da ciência à política realmente constituiria a
sua aniquilação; e, portanto, a percepção por parte daqueles cientistas que o
levam a sério que o Novo Cinismo não é meramente equivocado, mas
perigosamente errado, é correta. Pois essas ideias equivocadas realmente
poderiam atrapalhar, ou até parar, a empreitada científica.
O tema da aniquilação
Certas condições exigidas para a investigação científica são, obviamente,
contingentes, e poderiam chegar a um fim. Não pode ser descartada a
possibilidade que — seja pela guerra nuclear ou desastre ecológico ou alguma
outra catástrofe — a raça humana morra, e a empreitada científica morra junto
com ela.
Também não pode ser descartada a possibilidade que a raça humana
sobreviva ao desastre nuclear ou ecológico mas, trazendo uma nova barbárie
sobre si mesma, seja reduzida a condições primitivas de vida; nem que em tais
circunstâncias o conhecimento científico que agora possuímos se perca, ou
talvez retido somente na forma de fragmentos entendidos pela metade. A mesma
coisa, o que é interessante, é verdadeira para a arte ou a literatura: eventos
suficientemente catastróficos poderiam trazer uma nova Idade das Trevas na qual
a arte ou a literatura do passado fossem perdidas, ou retidas somente como
fragmentos apreciados pela metade. Quando penso, contudo, nas pinturas
rupestres gloriosas e vívidas dos bosquímanos do Kalahari, e na sutileza de sua
música e dança, suspeito que a arte e a música logo renasceriam mesmo em tais
novas condições primitivas de vida que imaginei. Uma revitalização da ciência,
no entanto, provavelmente levaria bem mais tempo; pois a ciência parece exigir
circunstâncias mais peculiares, um nicho cultural mais especializado, para
emergir e prosperar.
Também não se pode descartar a possibilidade de que, embora a raça
humana consiga evitar a catástrofe global, as condições culturais necessárias
para o florescimento da ciência poderiam chegar a um fim. Antes que a ciência
moderna se desenvolvesse na Europa, havia muitas antecipações mais antigas
que não chegaram a atingir a massa crítica. Deve haver alguma explicação da
razão pela qual a ciência moderna floresceu quando e onde ela o fez, e não em
outras épocas e lugares em sociedades que não eram menos ricas em tempo e
outros recursos — nas muitas sociedades não-científicas capazes de apoiar uma
casta clerical não-produtiva, por exemplo.[929]
As condições que permitiram a ascensão da ciência moderna e as
condições que permitiram que ela continuasse sem dúvida são diferentes (pense
em como a Europa do século XVIII era diferente da atual América do Norte, ou
Japão, ou China, ou Índia, ou até da Europa moderna). Uma vez que esteja bem
encaminhada, parece, a ciência pode prosperar em circunstâncias bem variadas.
Isso foi parte do meu argumento que a ciência não é inerentemente “ocidental”;
embora a ciência moderna tenha emergido na Europa, agora ela prospera em
muitas partes do mundo, no Oriente e no Ocidente. Mas não prospera em todas
as circunstâncias; e, quaisquer que sejam as condições exatas para que ela
continue a prosperar, não são encontradas sempre, nem em todo lugar.
Considerando os esforços de Hitler e Stálin para controlar e distorcer a
ciência, é possível imaginar com facilidade a ascensão e disseminação de
regimes totalitários ou teocráticos que, suprimido a liberdade de pensamento e
expressão necessárias para uma ciência próspera, sejam ambientes seriamente
inóspitos para a empreitada científica. Como nos lembra Glashow, houve um
tempo em que a astronomia, matemática e química árabes eram sem rival; mas,
com a ascensão da Taqlid no começo do segundo milênio, a doutrina islâmica de
que não há verdades além daquelas reveladas no Corão, os cientistas e
acadêmicos foram banidos. E assim, em vez de crescer e prosperar, a ciência
árabe entrou em declínio — deixando suas pegadas na nossa língua, contudo, do
“alcalino” ao “zênite”. Os chineses antigos, continua Glashow, inventaram a
pólvora e a bússola, e eram grandes navegadores — até que, no século XV,
decidiram que nada fora do Império Celeste era digno de descoberta, e
“queimaram seus grandes navios logo antes de Colombo partir com sua pequena
esquadrilha para descobrir o Novo Mundo”.[930]
Também é possível, com facilidade, imaginar um desencantamento gradual
que faça com que nossa própria sociedade fique cada vez menos disposta a
dedicar grandes recursos à pesquisa científica. (“Não gosto de prever
catástrofes”, diz Sidney Smith; “mas há rachaduras no universo”.)[931] Entre os
fatores que poderiam contribuir para esse tipo de desencantamento estão a
preocupação com o cada vez maior custo da pesquisa científica; o desconforto a
respeito de problemas tais como o uso de tecido embrionário ou fetal na pesquisa
médica, ou a possibilidade de clonar seres humanos; preocupações a respeito dos
perigos da tecnologia; um senso de que a ciência está ficando grande e poderosa
demais; ressentimento contra o percebido “elitismo” dos cientistas; falhas na
educação científica; um interesse crescente no misterioso, no miraculoso, no
oculto; um crescente temor que ideias religiosas confortáveis e reconfortantes
estão sob ameaça; e — eis aquela conexão obscura, mas real entre os temas do
rebaixamento e da aniquilação mais uma vez — a crescente popularidade da
ideia de que as pretensões epistêmicas das ciências são vazias.
Antes, tentando entender por que tantas pessoas têm medo e ressentimento,
além de admiração, pela ciência, observei que “ela, e nós, somos apenas
humanos”. E até aqui, ao pensar a respeito das condições para que a ciência
continue, não considerei a possibilidade da ciência não-humana. Embora se
possa presumir que é muito menos provável que haja vida inteligente universo
afora do que vida universo afora, é ainda assim concebível que possa haver. A
ciência como a conhecemos tem a marca das nossas capacidades e limitações
cognitivas humanas; mas é concebível que outras criaturas, com diferentes
capacidades e limitações cognitivas, poderiam realizar algo reconhecível e
similar em suas metas e conquistas à nossa humana ciência. Se for assim, é
possível imaginar elementos humanos não-essenciais caindo, assim como, ao
longo da história da ciência humana, elementos culturais não-essenciais caíram;
até imaginar a ciência sobrevivendo à extinção dos seres humanos.
Ao reconhecer a possibilidade da ciência não-humana, não pus abaixo o
que eu disse antes a respeito do valor da ciência? É uma pergunta justa, e pede
por uma emenda; mas não penso que a possibilidade da ciência não-humana
mude o espírito do que eu disse antes. No seu melhor, eu disse, a ciência
representa a amplificação e refinamento mais notável de um talento
distintamente humano, a capacidade de investigar. Talvez, dada a continuidade
da nossa capacidade para a investigação com a curiosidade de alguns animais,
“caracteristicamente humana” teria sido uma escolha de palavras mais sábia que
“distintamente”. Aqui na Terra, de qualquer forma, não há nenhuma ciência não-
humana.[lll] Porém, se outras criaturas em outros lugares do universo produzissem
uma ciência que é um refinamento de sua capacidade de investigar, como a nossa
ciência é da nossa, ela seria valiosa, como a ciência humana é valiosa, porque
refina e amplifica esse talento. E se houvesse criaturas não-humanas capazes de
fazer ciência, isso seria, na minha cabeça, ao menos tão maravilhoso quanto a
existência de outras criaturas capazes de fazer música ou dançar, ou análogos
extraterrestres dessas atividades humanas.
Mas não ouso continuar cambaleando por esse caminho escuro e muito
especulativo; e, conforme volto minha atenção para questões a respeito dos
limites da ciência — questões de culminação, rendimentos decrescentes e
conclusão — ater-me-ei à nossa humana ciência.
Os limites da ciência
É óbvio que há limites para a ciência. Há muitas questões — históricas, legais,
literárias, lógicas, políticas, filosóficas, comerciais, culinárias etc. etc. — que
simplesmente estão fora do escopo das ciências (aquela não muito traduzível
palavra alemã, Wissenschaft,[932] é mais ampla que “ciência”). A qualquer altura,
além disso, há muitas, muitas questões dentro do escopo das ciências que elas
não são, naquele momento, capazes de responder, e muitas, muitas questões
adicionais que elas não são, naquele momento, capazes nem de perguntar. É
possível, ademais, que deva haver questões científicas legítimas que estão além
das capacidades cognitivas humanas de responder, não importa por quanto
tempo a ciência continue. Pois nós humanos temos recursos intelectuais
limitados, bem como outros: integridade intelectual limitada, respeito pelas
evidências limitado; poderes imaginativos limitados; capacidade limitada para
aplicar a razão; e alcance sensorial limitado. (Se houvesse cientistas
extraterrestres, seriam limitados também, embora sem dúvida de formas
diferentes — criaturas oniscientes não precisariam de ciência.)
Entretanto, como enfatizei por todo o caminho até aqui, uma das coisas
mais notáveis a respeito das ciências naturais foram os modos que acharam de
superar as limitações humanas: instrumentos de todo tipo, estendendo os poderes
humanos inatos de observação; o cálculo, estatística, computadores, estendendo
poderes humanos inatos de raciocínio; metáforas, analogias, inovações
linguísticas, estendendo poderes humanos inatos de imaginação. Mas na
natureza do caso, é quase impossível prever quais limitações poderiam se
mostrar insuperáveis, e que limitações os cientistas por fim vão superar ou
driblar. O poder computacional humano, por exemplo, é certamente limitado;
mas é praticamente impossível para nós prever quanto mais poderíamos estendê-
lo artificialmente para além do que já fizemos, assim como seria praticamente
impossível para um matemático medieval penando com a divisão longa de
numerais romanos até conceber o poder dos algarismos arábicos, sem falar do
cálculo ou do computador.
Aqueles que têm sucesso em superar o que antes pareciam barreiras
intelectuais insuperáveis muitas vezes sentem uma euforia extraordinária.
Depois de descobrir sua terceira lei em 15 de maio de 1618, Kepler escreveu: “O
que eu 25 anos atrás tive uma vaga premonição a respeito; o que eu determinei
16 anos atrás como o objetivo pleno da pesquisa; ao que dediquei a melhor parte
da minha vida, ...isso eu finalmente trouxe à luz... [Eu] me rendo livremente ao
frenesi sagrado... O dado está lançado, estou escrevendo o livro... Ele pode
esperar um século por um leitor, como o próprio Deus esperou seis mil anos por
uma testemunha”.[933] Mas antes que fizessem suas descobertas extraordinárias,
os grandes heróis da ciência muitas vezes se desesperavam com a descoberta do
que pareciam questões intratáveis. No começo dos anos 1920, Werner
Heisenberg escreveu mais tarde, a física quântica estava em dificuldades tais que
“chegamos a um estado de desespero” — mas um estado de desespero a partir do
qual veio uma mudança de ideia, uma nova abordagem e uma nova resolução.
[934]

Claro, não são apenas os nossos recursos cognitivos que são limitados,
mas também os nossos recursos econômicos. Um leitor de A Dupla Hélice hoje
provavelmente ficará impressionado com o quão modestos eram os recursos que
foram necessários para o trabalho de Watson e Crick na estrutura do DNA: uma
verba de poucos milhares de libras para manter Watson em Cambridge, um troco
para conseguir mais peças feitas para os modelos etc. Agora, no entanto, o
trabalho científico de ponta parece quase sem variação assustadoramente caro.
Provavelmente há ao menos um fundo de verdade em se pensar que o aparato (e
mentalidade) de pedidos de verba e projetos de pesquisa, dos enormes
investimentos de governos e grandes preocupações industriais, em si
contribuíram para o sentimento que somente trabalhos muito caros valem a pena.
Provavelmente há também ao menos um fundo de verdade em se pensar que a
regulação da pesquisa científica impôs custos burocráticos vultosos. Apesar
disso, há também um elemento importante de verdade na ideia de que, por
razões inerentes à própria empreitada científica, devemos esperar que o custo de
novas descobertas aumente conforme a ciência avança.
Agora, ao que parece, a maior parte das descobertas científicas importantes
que podem ser feitas com recursos minúsculos — com uma vela e um pedaço de
linha, como eu disse antes — já foram feitas; agora, além disso, especialmente
na física, a pesquisa fundamental exige observações do cada vez menor e cada
vez mais veloz, de modo que o equipamento necessário tende a ser cada vez
mais caro (só “tende”, porque previsões do custo de equipamento científico que
só foi imaginado podem ser bem equivocadas). Isso não é para dizer que
nenhuma nova descoberta importante será feita sem grandes somas de dinheiro
— trabalhos interessantes ainda são feitos, às vezes, com um cadarço[935] —,
muito menos para dizer que grandes somas de dinheiro garantirão novas
descobertas importantes; é apenas para dizer que, na média, descobertas
científicas importantes tendem a ser mais caras que aquelas que já foram feitas.
Desde os anos 1930, quando o primeiro cíclotron foi construído em
Berkeley, as descobertas sobre a estrutura dos átomos e seus núcleos
dependeram de usar partículas e projéteis para desintegrar alguns dos núcleos
atômicos com os quais colidiam, por meio de máquinas projetadas para dar às
partículas quantidades muito grandes de energia. Aceleradores de partículas
tornaram-se cada vez mais poderosos, permitindo colisões frontais de duas
correntes de partículas; o Super Colisor Supercondutor — com perímetro de 87
quilômetros, que acelera prótons quase à velocidade da luz e permite que dois
raios de prótons com 20 trilhões de volts colidam frontalmente — teria sido
capaz de dar a um par de prótons em colisão uma energia total de cerca de 40
trilhões de volts e, assim se esperava, tornaria possível determinar como a
simetria que relaciona as interações fraca e eletromagnética é quebrada. O custo
do SCC foi originalmente (1987) orçado entre US$4 e 6 bilhões, depois (1992)
em US$8 bilhões e, finalmente, à altura em que o Congresso cancelou o projeto
(1995), em US$11 bilhões.[936] Refletindo sobre o destino do SCC, Weinberg
lamenta que a “barganha tácita” entre a ciência e a sociedade está
enfraquecendo; a sociedade, teme ele, não está mais disposta a apoiar a ciência
pura, ou a reconhecer que no longo prazo é provável que produza os maiores
benefícios.[937] A previsão do Stent que a disposição da sociedade a apoiar o
trabalho científico poderia decair, ou até ser exaurida, não era completamente
infundada.
E quanto à previsão dele de rendimentos decrescentes, no sentido de
retornos com importância científica minguante? Depois de uma grande
descoberta em qualquer área, pode haver um período de consolidação e
aplicação, ou uma cascata de novas descobertas — como em um jogo de
palavras cruzadas, em que, depois que uma longa e muito intercruzada é
preenchida, podemos em seguida completar muitas palavras menores, agora
itens fáceis, ou descobrir outras palavras longas e muito intercruzadas que de
repente são factíveis. E por qualquer métrica, nos mais de trinta anos desde que
Stent previu que logo não haveria nada mais para os biólogos fazerem exceto
trabalho enfadonho de “coleção de selos”, houve uma cascata de novas
descobertas na genética e na biologia molecular; e toda uma ampla gama de
novas questões — algumas mal concebíveis em 1969 — esperam por resposta.
Talvez as revoltas de estudantes do fim dos anos 1960 tenham deixado uma
impressão muito forte nele; de qualquer forma, o livro do Stent traz à minha
mente a metáfora do Popper do cientista como quem escala uma montanha
envolta em bruma, pensando que atingiu o pico só porque não consegue ver a
altura que ainda resta para ser escalada.
Agora, de qualquer forma, sabemos que há picos mais altos que em 1969
mal podiam ser vistos. Em 1998, Maddox podia escrever que “nos tempos
recentes, só o período frenético no qual as fundações da mecânica quântica
foram estabelecidas entre 1925 e 1930 se compara em ímpeto com a pesquisa
atual na biologia molecular”. Da identificação da transcriptase reversa em 1968,
passando pela identificação das ciclinas no fim dos anos 1980, à identificação
das moléculas envolvidas na regulação da divisão celular, onde, ao longo dos
anos 1990, um resultado importante foi publicado ao menos uma vez por
semana, a “nomeação das partes” continuou acelerada. E ainda assim, sugere
Maddox, de certo modo “a aplicação da biologia molecular ao entendimento de
como a célula funciona ainda está num estágio rudimentar da química do século
XIX”. Muito resta de desconhecido a respeito do processamento do DNA,
edição do RNA, produção de proteínas, comunicação entre uma célula e o
mundo externo, diferenciação de células; e, apesar dos esforços pioneiros do J.
A. Winfree e, décadas depois, do Albert Goldbeter, a modelagem dos processos
celulares ainda é rudimentar.[938]
“Já nos anos 1970, depois de duas décadas de conhecimento acumulado
das propriedades do DNA”, continua Maddox, “parecia só uma questão de
pouco tempo até que houvesse um entendimento de como o genoma de uma
espécie orquestra os detalhes delicados da herança. Mas não foi assim”. Entre as
surpresas que ele menciona estão que há transferência horizontal de informação
genética entre espécies, por exemplo, possivelmente de vírus para mamíferos;
que há herança através das mitocôndrias (que é a herança materna, já que
nenhuma mitocôndria do espermatozoide se torna parte do óvulo fecundado);
que os arranjos dos próprios genes individuais consistem em pedaços usados na
tradução derradeira (éxons) separados por trechos de DNA aparentemente
irrelevantes para as moléculas de proteína por fim feitas a partir deles (íntrons);
que cerda de 95% do DNA parece ser funcionalmente desimportante.[939][mmm]
Uma solução para o enigma da origem da vida também não está ainda à vista.
Também em outras áreas da ciência encontramos uma grande lista de
perguntas sem respostas. A acresção da matéria, o universo em expansão, uma
descrição consistente das partículas quânticas — por mais impressionante que
tudo isso seja, ainda assim, escreve Maddox, é “uma realização provisória,
apenas”. Permanecem dificuldades a respeito da taxa de expansão, obscuridades
na ideia de um universo inflacionário, preocupações a respeito de por que há
menos matéria do que as teorias cosmológicas atuais indicam que deveria haver,
[940]
a respeito de como reconciliar a teoria de Einstein da gravitação com a
mecânica quântica, e assim por diante.[941] É na física fundamental, além disso,
que o custo da pesquisa básica parece mais propenso a atrapalhar o trabalho;
responder a perguntas sobre a unificação das interações forte, eletrofraca e
gravitacional exigiria uma energia concentrada em um único próton ou elétron
cerca cem trilhões de vezes maior que a energia que o Super Colisor
Supercondutor teria tornado disponível.[942]

Mas nada disso toca, ainda, nas questões mais abstratas a respeito dos limites da
ciência: Há leis físicas últimas a serem capturadas na “teoria final” com a qual
Weinberg sonha? A ciência realmente é uma “fronteira sem fim”, ou somente um
território vasto, mas finito, ainda não explorado exaustivamente?
Como argumentei antes, a despeito de algumas similaridades e paralelos
notáveis, a ciência é bem diferente da arte e da literatura em aspectos
importantes. Uma dessas diferenças vem a calhar: Não se pode descartar de
antemão a ideia de que (se não ficarmos sem dinheiro ou nos explodirmos
primeiro) a empreitada científica poderia em princípio atingir a culminação ou
até a conclusão. No que se trata da arte e da literatura, no entanto, a ideia de uma
teoria final fica tão fora de lugar quanto a própria ideia de teoria;[943] e no
mínimo é defensável que as explorações que artistas e escritores fazem de modos
de expressar emoções, transmitir verdades e delinear possibilidades são
inexauríveis, de uma forma que as investigações das coisas e eventos pelos
cientistas não são.
A respeito da questão da culminação, de leis últimas da natureza, Weinberg
se põe contra a insistência do Popper que não pode haver explicações finais. Já
que explicar é a meta da ciência, escreve Popper, “também será a sua meta
explicar o que até o momento foi aceito como um explicans; por exemplo, uma
lei da natureza”. Daí vem a principal alegação para os presentes propósitos: que
não pode haver explicações últimas que não sejam capazes de explicações
adicionais, nem precisam delas; em vez disso, “toda explicação pode ser
explicada ainda mais por uma teoria ou conjectura de um grau maior de
universalidade. Não pode haver explicação que não precise de explicação
adicional”.[944]
Se “sempre pergunte ‘por quê?’” é uma máxima razoável de procedimento
ou não, a presente preocupação é metafísica. O repúdio do Popper à
possibilidade de leis últimas parece se basear principalmente no fato de que,
historicamente, essa ideia foi associada à doutrina do essencialismo, pela via da
tese de que as leis últimas da física podem ser derivadas da essência da matéria
(seja essência considerada extensão, como em Descartes, ou inércia e o poder de
atrair outra matéria, como em Roger Cotes).[945] Mas o que está no cerne da
questão é se poderia haver leis a respeito dos componentes últimos de tudo, leis
de máxima generalidade não susceptíveis elas mesmas à explicação adicional; se
uma resposta positiva a isso constituiria ou não “essencialismo” é de importância
secundária.
Weinberg defende que o progresso da física até aqui indica que há leis
últimas, que as setas da explicação por fim convergem para os componentes
últimos de tudo. Óbvio, ainda não sabemos quais são essas leis últimas; mas
concluir disso que não há nenhuma “seria como um explorador do século XIX
defendendo que, porque todas as explorações anteriores do Ártico... sempre
descobriram que, não importa o quanto penetrassem o norte, havia ainda mais
mar e gelo inexplorado para o norte, que ou não havia um Polo Norte ou que de
qualquer forma ninguém nunca chegaria lá”. O principal motivo positivo do
Weinberg para acreditar que há leis últimas é que, simplesmente, “é muito difícil
conceber uma regressão de teorias cada vez mais fundamentais se tornando
constantemente cada vez mais unificadas, sem que as setas da explicação tenham
de convergir em algum ponto”.[946]
Como diz Popper, dada qualquer lei oferecida como um explicans, pode-se
sempre perguntar “por quê?”; mas não se segue disso que todas as perguntas do
tipo são perguntas científicas legítimas — talvez sejam legítimas, mas
metafísicas, ou talvez não são perguntas legítimas. Se for assim, é possível que
haja leis últimas. E, se há, a resposta à pergunta “e por que os componentes de
tudo são tais e quais?” pode ser “eles apenas são”. Claro, isso não sacia muito
intelectualmente; mas não saciaria mais, certamente, se não houvesse leis
últimas. De uma forma ou de outra, as nossas explicações sempre apelarão a
algo que é em si inexplicado.
Mas não há linha nítida separando perguntas cosmológicas e metafísicas;
nem critérios muito claros para identificar e individuar as perguntas. Ao pensar
em como os cosmólogos primeiro transformaram e depois responderam ao
menos em parte a pergunta dos metafísicos “por que há algo em vez de nada?”
quando desenvolveram sua descrição da acresção da matéria, poderíamos
especular que, se os físicos encontrassem as leis últimas, a demanda por uma
explicação dessas leis poderia no fim ser transformada em uma pergunta
aparentada, mas diferente e mais respondível. Fazendo alusão à sugestão do
Robert Nozick que procuremos por algo mais satisfatório que meras e brutas leis
últimas, Weinberg argumenta que poderia ser o caso que, embora a teoria final
não seja logicamente necessária, não há forma de modificá-la, nem mesmo
levemente, sem chegar a absurdos lógicos; assim como, continua ele, os físicos
descobriram que é impossível mudar as regras da mecânica quântica, mesmo que
levemente, sem tais desastres lógicos, como probabilidades que acabam com
valor negativo.[947]
Ninguém duvida, continua Weinberg, que em princípio todas as
propriedades do DNA poderiam ser explicadas pela resolução das equações da
mecânica quântica para os elétrons e núcleos de alguns elementos comuns, cujas
propriedades por sua vez são explicadas pelo modelo padrão. Contudo, que há
coisas vivas no mundo que usam o DNA para passar informações genéticas
adiante é algo que “depende de certos acidentes históricos: há um planeta como
a Terra; a vida e genética de alguma forma se iniciaram; e um longo tempo
esteve disponível para que a evolução fizesse o seu trabalho”. O mesmo vale
para outras ciências, tais como a geologia e a astronomia. Do mesmo modo, é
possível calcular a natureza da matéria formada nos primeiros minutos do
universo — cerca de três quartes eram hidrogênio e um quarto hélio, com apenas
quantidades traço de outros elementos, na maior parte muito leves: foram a
matéria prima da qual os elementos mais pesados foram formados depois nas
estrelas. Mas todo esse panorama “depende de um pressuposto histórico — que
houve um Big Bang mais ou menos homogêneo, com cerca de dez bilhões de
fótons para cada quark”.[948]
Ao reconhecer que aquelas que agora pensamos que eram as condições
iniciais poderiam passar a ser vistas como parte das leis da natureza, Weinberg
pergunta a si mesmo se no fim a linha entre as leis universais e as contingências
históricas poderia ser borrada. O que agora pensamos que eram simplesmente as
condições iniciais certamente poderia depois se revelar susceptível à explicação;
mas, dado que há singularidades, isto é, contingências que se aplicam agora, mas
não antes, aqui, mas não ali; parece que, como uma questão de lógica, a
distinção entre condições singulares e leis universais não pode desaparecer
totalmente. Se for assim, essas leis últimas não seriam suficientes para a dedução
de todos os fenômenos naturais sem alguma singularidade última ou
singularidades.[nnn]
Para além disso, fica cada vez menos claro como interpretar a questão da
completabilidade em princípio. Presumivelmente, seria sempre possível calcular
o valor dessa ou daquela constante para ainda mais casas decimais — mas aí
realmente estaríamos no domínio dos rendimentos decrescentes. De um jeito
mais interessante (embora a pergunta, se houver leis e singularidades últimas,
“por quê?” nem sempre seja respondível), talvez sempre pudesse haver novas
perguntas, contudo — menos fundamentais que as perguntas às quais as leis
últimas são respostas, mas não necessariamente perguntas triviais —, irradiando-
se a partir daquelas leis últimas. Não tenho certeza. Mas quando penso no que
estaria envolvido em derivar das leis e singularidades últimas, digamos, que em
tal tempo esta variedade de besouro evoluiria na Amazônia, que em determinado
prazo de muitos milênios depois se extinguiria, tendo a concordar com Einstein e
Weinberg que é de uma dificuldade extraordinária imaginar que os cientistas por
fim completarão cada resposta que falta para toda questão científica legítima.
As ciências sociais, claro, até o ponto em que se dedicam a papéis, regras e
instituições sociais locais e contingentes, têm um aspecto bem mais
marcadamente histórico que as ciências naturais. E que as contingências
históricas das sociedades humanas pudessem no fim ser deriváveis de leis
completamente universais da natureza parece, para dizer o mínimo, muito mais
forçado que a ideia de que os eventos cosmológicos tais como o Big Bang
poderiam ser. Mesmo se houver leis que governam os aspectos universais da
natureza humana expressados diversamente nesta sociedade ou naquela, e
mesmo se tais leis fossem conhecidas, ainda restaria não a penas um vasto
arranjo de detalhes a serem descobertos, não apenas as ramificações de previsões
autocumpridas (ou autocorrosivas), mas também a possibilidade sempre aberta
de novas manifestações daquelas leis em novos arranjos sociais. Então, embora
até aqui as ciências sociais pareçam bem atrasadas em comparação com as
naturais, o escopo de futuros impulsos e descobertas parece gigantesco, e as
perspectivas futuras, limitadas apenas pela possibilidade da extinção das
sociedades humanas.
E, finalmente, para concluir
Enquanto o tema do rebaixamento da ciência nos levou a uma mata fechada de
confusões, e o tema da aniquilação da ciência apenas à conclusão que tal
eventualidade de forma nenhuma pode ser descartada a priori, os temas da
culminação e finalização nos levaram a questões com um desafio enorme sobre o
futuro da empreitada científica. É possível que haja leis últimas, e possível, se
houver, que os cientistas as descobrirão. É possível que, além disso, o que agora
concebemos como elementos históricos não elimináveis na cosmologia e
biologia revelem-se deriváveis de leis completamente universais da natureza,
embora nem todas as singularidades históricas sejam elimináveis.
Não podemos prever quais ideias científicas aceitas hoje revelar-se-ão
carentes de modificação, pequena ou grande; ou quais novas descobertas trarão
uma cascata de novas questões; ou quais novas questões, se alguma, nos levarão
até às limitações da nossa capacidade humana de senso e razão, e a elaborar
modos de superar essas limitações naturais; ou o quão longe e rápido o custo de
fazer novas descobertas continuará escalando, ou se e quando a disposição da
sociedade a encontrar os meios de buscá-las poderia acabar. Mas podemos dizer
que Spengler estava muito errado, que não há perigo de a ciência em breve “cair
sobre sua própria espada zelosa”; que Glashow e Maddox estão quase
certamente certos que, até naquelas áreas onde a culminação e talvez a conclusão
sejam em princípio possíveis, tarefas hercúleas permanecem; e que Yogi
Berra[ooo] estava absolutamente certo — não termina até que acabe.
Bibliografia
Nota: Onde há referências a mais de um artigo na mesma coleção ou antologia,
os detalhes da coleção ou antologia são dados separadamente, sob o(s) nome(s)
do(s) editor(es). Para livros e artigos publicados mais de uma vez, em que os
detalhes completos de publicação são dados em ordem cronológica, a primeira
fonte para a qual os detalhes completos são dados é a versão citada.

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[a]
N. do T.: Neologismo da autora que junta os termos “fundacionalista” e “coerentista”, da epistemologia,
num termo só, para descrever as ideias dela a respeito.
[b]
N. do T.: O termo original, “expert testimony”, é traduzível só imperfeitamente para o português, pois
estamos transitando não só entre línguas, mas entre sistemas jurídicos. Optei por “depoimento de
especialistas” como um termo geral. Onde aplicável, mudei “especialista” para “perito ou assistente
técnico”, termos usados no sistema jurídico brasileiro. “Depoimento”, aqui, poderia ser substituído em
alguns casos para “prestar esclarecimentos” e, em outros, para “parecer” ou “laudo”, especialmente quando
na forma escrita. Agradeço à Camila Mano e ao Hugo Freitas por orientações na adaptação para o
português. As imperfeições da tradução são de minha responsabilidade.
[c]
N. do T.: A expressão original é um trocadilho inteligente: “better ostracism than ostrichism”, brincando
com “ostrich”, avestruz.
[d]
N. do T.: Nesta obra, sempre que aparecer o termo “investigação”, ele deve ser visto como sinônimo de
pesquisa, inquérito, averiguação etc., ou seja, tudo o que pessoas fazem para buscar saber.
[e]
N. do T.: Derivado de sistema adversarial ou sistema acusatório, da commow law, em que defesa e
acusação apresentam seu caso à parte julgadora, em vez de o juiz buscar ativamente investigar.
[f]
N. do T.: O nome genérico é Rofecoxib.
[g]
N. do T.: Optei por “enunciado” no contexto de discussões do campo da lógica, especialmente no
contexto do positivismo lógico. “Afirmação” seria uma tradução igualmente boa, mas, creio, menos
delimitada.
[h]
N. do T.: A missão em Marte à qual a autora faz referência durou até 2015
(nasa.gov/press/2015/march/nasas-opportunity-mars-rover-finishes-marathon-clocks-in-at-just-over-11-
years/). Agora, há outro veículo mandado pela Nasa explorando a superfície do planeta vermelho: o
Perseverance (nasa.gov/perseverance). Foi acompanhado de um helicóptero autônomo e uma unidade para
fabricar oxigênio a partir do CO2 da atmosfera marciana, chamada MOXIE, cujos primeiros testes foram
um sucesso (space.com/perseverance-rover-makes-mars-oxygen-moxie). Não ganhou tração a hipótese de
que os resquícios de meteoritos marcianos que chegaram à Terra conteriam algum sinal de vida primitiva,
mas as rochas continuam sendo exploradas por pesquisadores da astrobiologia
(eurekalert.org/pub_releases/2021-04/bu-mhr042221.php; acesso às fontes em 26/04/2021). Outro
desenvolvimento sem precedentes neste momento é a maior participação da iniciativa privada no
desenvolvimento de tecnologia de exploração espacial.
[i]
N. do T.: Algo como “Gramático Clandestino”, nome de uma publicação espirituosa tocada pelo
polemista Richard Mitchell (1929-2002), que se dedicava a “expor e ridicularizar exemplos de jargão,
sintaxe quebrada, redundância, neologismo desnecessário e outros tipos de ofensas contra o inglês”
(en.wikipedia.org/wiki/Richard_Mitchell; acesso em 22/04/2021). Busquei reproduzir a ambiguidade
proposital.
[j]
N. do T.: Grue vem da junção de green (verde) e blue (azul). Para entender o paradoxo grue, veja Cohnitz
& Rossberg, “Nelson Goodman”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (2020), Edward N. Zalta (ed.),
plato.stanford.edu/archives/sum2020/entries/goodman/. Acesso em 11/06/2021.
[k]
N. do T.: Exemplo original: “hoover” para aspirador de pó, comum no Reino Unido.
[l]
N. do T.: Confira Susan Haack, “Diga ‘Não’ ao Negativismo Lógico”, Publicações da Liga Humanista
Secular do Brasil, 2014. Disponível em elivieira.com/artigos/Haack_Popper.pdf.
[m]
N. do T.: Original: problemshift. Há diferentes formas de traduzir, mas segui a tradução sugerida na tese
de doutorado em Relações Internacionais do Flávio Pedroso Mendes (USP, 2013). Disponível em
http://143.107.26.205/documentos/defesa_13-02-14_Flavio_Pedroso_Mendes.pdf, acesso em 01/07/2021.
[n]
N. do T.: Pidgin é uma forma simplificada de uma língua, geralmente resultante da fusão de duas línguas.
Diz-se que a palavra vem da tentativa de alguns chineses de pronunciar a palavra business.
[o] N. do T.: O subtítulo original da autora faz referência à obra Just So Stories for Little Children, de
Rudyard Kipling (1902). As histórias contam origens ficcionais: “Como a baleia ganhou a sua garganta”,
“Como o camelo ganhou a sua corcova” etc. do jeito que a filha do autor queria que fossem contadas (just
so, ou seja, “desse jeito”). As histórias de Kipling são citadas com frequência na biologia evolutiva para
comparar hipóteses adaptacionistas defeituosas a elas. No subtítulo, Haack promete contar no capítulo uma
história more so (algo como “desse jeito, só que vai além”). Fiz, então, referência a uma peça teatral famosa
no Brasil, O Auto da Compadecida (1955), de Ariano Suassuna, que tem o personagem inventivo Chicó,
que conta lorotas e, quando se pede por referências, responde “não sei, só sei que foi assim”. Adaptando
analogamente a modificação da autora da referência original: “só sei que foi assado”.
[p]
N. do T.: Além de ser literalmente um peixe que não existe, arenque vermelho (“red herring”) é uma
expressão para o diversionismo argumentativo, ou seja, o uso de distrações para desviar de algum assunto
em causa.
[q]
N. do T.: Para sanar dúvidas sobre esses neologismos: verde + azul = verdul; azul + verde = azerde;
ranco = preto + branco; breto = branco + preto; verdulor = verdul + cor.
[r]
N. do T. Burocrata ou reitor.
[s]
N. do T.: O termo da biologia molecular é “chaperona”, uma classe de proteínas; a metáfora implícita faz
referência a tempos e lugares em que as mulheres só podiam frequentar certos ambientes, especialmente na
companhia de homens, se tivessem uma acompanhante (chaperona) a tiracolo para afastar desconfianças
sobre a sua conduta sexual.
[t]
N. do T. Popsies, gíria para jovens mulheres atraentes, como foi “broto” no Brasil aproximadamente na
mesma época.
[u]
N. do T.: Exemplos da autora: “taken aback” (“ser pego de surpresa” hoje, vem de uma expressão para
quando as velas de um navio são sopradas contra o mastro por um vento de uma direção não pretendida),
“not enough room to swing a cat” (diz-se de um espaço muito apertado, literalmente “não há espaço para
balançar um gato” — a autora deve estar falando da hipótese de o gato em questão ser o “gato de nove
caudas”, um chicote para punir marinheiros, mas o site phrases.org.uk lança dúvida sobre ela), “scuttlebutt”
(“fofoca” hoje, era o nome de um reservatório de água no navio em torno do qual os marinheiros faziam
fofoca, como se faz em torno de bebedouros em escritórios hoje), “three sheets to the wind” (“muito
bêbado”, quando três correntes ou cordas não estão fixando uma vela, o navio dança ao vento como uma
pessoa bêbada), “pipe down” (“fique quieto” hoje, vem de um sinal de apito que mandava os marinheiros
irem dormir). Em português, também temos expressões com origens náuticas: “ir por água abaixo”, “ir de
vento em popa”, “remar contra a maré”, “abordar”, “embarcar”.
[v]
N. do T.: Jano é o deus romano dos princípios, transições, tempo, dualidade, passagens, finais, portas e
portais. É retratado com duas faces que olham em direções opostas.
[w]
N. do T.: Fish and chips, famoso prato britânico.
[x]
N. do T.: Como Gostais é uma comédia de Shakespeare escrita na virada do século XVI para o século
XVII. Audrey é uma pastora de cabras pobre seduzida por um bobo da corte chamado Touchstone, que
escolhe um vigário sabidamente inepto, Oliver Martext, para celebrar o casamento.
[y]
N. do T.: Essa expressão em latim significa “tudo o mais é constante”, é usada quando se quer comparar
a diferença entre dois efeitos. Para que a diferença seja real, outros fatores interferentes precisam ser os
mesmos nas duas situações.
[z]
N. do T.: Verstehen, literalmente “entender” em alemão, é uma expressão usada desde o século XIX,
tanto em alemão quanto em inglês, para denotar o exame interpretativo e participativo de fenômenos
sociais. A palavra é associada especialmente ao trabalho do sociólogo Max Weber.
[aa]
N. do T.: O “Culto à Carga” é o nome dado a uma série de ritos em ilhas da Melanésia em que os
nativos emulam tecnologia ocidental, inclusive fazendo pistas de pouso, para conjurar abundância ou a
“carga” trazida por visitantes em tempos passados. Em Vanuatu cultuam como figura messiânica John
Frum, um mitológico soldado americano da II Guerra.
[bb]
Desde a publicação deste livro, mais evidências de base genética da homossexualidade foram
encontradas. Por exemplo, ver Sanders, A. R., E. R. Martin, G. W. Beecham, S. Guo, K. Dawood, G.
Rieger, J. A. Badner, et al. 2014. "Genome-Wide Scan Demonstrates Significant Linkage for Male Sexual
Orientation". Psychological Medicine, novembro, 1–10.
[cc]
N. do T.: Aqui, há um trocadilho intraduzível. Outra tradução possível é Onde a Verdade Está (Where
the Truth Lies).
[dd]
N. do T.: Um golem é uma criatura mitológica da tradição judaica que é trazido à vida magicamente a
partir de matéria inanimada, retratado muitas vezes como um gigante de pedra. No hebraico moderno
também significa “tolo”.
[ee]
N. do T.: Siglas em inglês: SSK, STS, DA, NLF e TRASP, respectivamente.
[ff]
N. do T.: Eles se referem ao jogo retratado em filmes dos anos 1950 em que jovens aceleravam seus
carros na contramão um do outro. “Frango” era quem desviava primeiro, o perdedor.
[gg]
N. do T.: A expressão original da autora é “bloory-eyed”, um trocadilho com “blurry-eyed” (“com olhos
embaçados”) e o nome do Bloor.
[hh]
N. do T.: A expressão em latim, literalmente “após isso, logo, por causa disso” denota uma falácia de
atribuir relação causal entre A e B só porque B veio depois de A.
[ii]
N. do T.: É aquele tipo de jogo de rua, geralmente valendo aposta em dinheiro, em que um participante
tenta adivinhar onde está um objeto que foi post sob um de três ou mais recipientes que são embaralhados
pelo desafiante.
[jj]
N. do T.: Versinhos originais: If Woolgar were to write in verse / His arguments would be no worse. / But
neither, surely, sad to say, / Would they thereby become okay.
[kk]
N. do T.: Sobre as farmacêuticas, recomendo também o trabalho do britânico Ben Goldacre.
[ll]
N. do T.: Os geneticistas brincam que Mendel pode ter literalmente cozinhado os dados, já que eram
ervilhas. Mas ele não é considerado uma fraude e há explicações moleculares hoje para as relações de
dominância e recessividade de genes que ele propôs, além da segregação. As leis de Mendel ainda se
aplicam especialmente às doenças genéticas.
[mm]
N. do T.: Hoje se sabe que a herdabilidade (participação dos genes) da inteligência está entre 50% e
80%, crescendo proporcionalmente à idade dos participantes testados.
[nn]
N. do T.: O millerismo foi um movimento religioso fundado pelo americano William Miller, que fez a
previsão que Cristo voltaria em 22 de outubro de 1844.
[oo]
N. do T.: Nomes originais dos patrões: “Sweater”, “Grinder”, “Didlum”; das empresas: “Rushton’s”,
“Dauber & Botchit” e “Smeariton & Leavit”. Cidade “Mugsborough”, jornal “The Obscurer”, clérigos
“Bosher” e “Belcher”.
[pp]
N. do T.: Samuel Pepys (1633-1703) escreveu, entre 1660 e 1669, um famoso diário publicado apenas
em 1825 que conta a vida da classe alta londrina “com descrições vívidas e honestas de eventos corriqueiros
e grandes, incluindo a Peste Negra e o Grande Incêndio de Londres”, diz Arthur Bryant no verbete da
Enciclopédia Britannica. Bryant é ainda mais elogioso: “é uma obra suprema de arte”, “pode-se abrir em
qualquer página e se perder na vida da Londres de Carlos II”, “Pepys queria descobrir tudo porque achava
tudo interessante”.
[qq]
N. do T.: Kingsley Amis (1922-1995) foi um romancista, poeta crítico e professor britânico, Lucky Jim
foi seu primeiro romance e trata de um jovem professor universitário que ascendeu socialmente da classe
trabalhadora para a classe diplomada, um anti-herói turrão que ressoou com o público britânico dos anos
1950. Um filme foi feito na época.
[rr]
N. do T.: Literalmente “ética da linguagem” em alemão, é um termo utilizado por McCloskey.
[ss]
N. do T.: O liquidificador Waring, que leva o nome do cantor do rádio e da TV americana Fred Waring
(1900-1984), foi o primeiro liquidificador elétrico moderno a chegar ao mercado no país.
[tt]
Definições e datas tiradas do Webster’s Ninth Collegiate Dictionary (1991).
[uu]
N. do T.: As Normas Federais das Evidências (1975) dos EUA não admitem que testemunhas façam
afirmações de ouvir falar, rumores ou boatos, exceto se se encaixarem numa lista de quase 30 exceções
(en.wikipedia.org/wiki/Hearsay_in_United_States_law).
[vv]
O sr. Barefoot foi executado em 24 de outubro de 1984. Depois de repetidas reprimendas, o dr. Grigson
foi expulso da Associação Americana de Psiquiatria em 1995 por seu depoimento irresponsável em casos
capitais do Texas. Embora, de acordo com uma emenda de setembro de 2001, o estado não possa oferecer
evidências para estabelecer que a raça ou etnicidade do réu ou da ré torna mais provável uma conduta
criminosa no futuro, a lei do Texas continua a exigir pareceres a respeito da periculosidade futura na fase
decisória de um caso capital (Código Penal do Texas, art. 37.071).
[ww]
A Merrel Dow já tinha retirado a Bendectina do mercado uma década antes de Daubert; os tribunais de
recursos haviam decidido a favor deles, mas os custos de litígio eram proibitivos. Porém, no ano 2000,
depois de 17 anos de pesquisa — muito guiada por litígios — a FDA declarou o medicamento seguro mais
uma vez. A Duschesnay, Inc., que desde 1975 estava vendendo uma versão genérica da Bendectina,
chamada Diclectina, no Canadá, pediu permissão à FDA para vender a Diclectina nos Estados Unidos, e só
teve que provar que os medicamentos são quimicamente idênticos.
[xx]
N. do T.: No caso, um direito adquirido pois a nova norma não age de forma retroativa, não há uma
intenção de remover os implantes de quem já os tem. O termo original é específico: “grandfathered in”.
[yy]
N. do T.: Ver último parágrafo do Prefácio à Edição de Bolso.
[zz]
N. do T.: Foram grupos reais fundados por cientistas em meados do século XX para, respectivamente,
investigar a estrutura e função do ácido ribonucléico (RNA) e a genética de bactérias usando como modelo
seus predadores virais, os (bacterió)fagos.
[aaa]
N. do T.: Ver Susan Haack, “Diga ‘Não’ ao Negativismo Lógico”, Publicações da Liga Humanista
Secular do Brasil, 2014. Disponível em elivieira.com/artigos/Haack_Popper.pdf.
[bbb]
N. do T.: Tradução livre. Original: Omphalos: An Attempt to Untie the Geological Knot.
[ccc]
N. do T.: Família de vespas parasitoides.
[ddd]
N. do T.: Agora, no ano de 2022, o geneticista Svante Pääbo ganhou o prêmio Nobel de Fisiologia e
Medicina por ter desvendado em ricos detalhes a história humana nas últimas centenas de milhares de anos.
Aplicando tecnologia de sequenciamento de genoma que ele começou a desenvolver em múmias egípcias,
ele descobriu que todas as populações europeias e asiáticas são mestiças entre os humanos sapiens e os
neandertais, carregando o material genético dos últimos em menos de 5% de seu DNA. Também descobriu
uma possível outra espécie humana na caverna de Denisova, localizada nas montanhas de Altai, na Sibéria.
Desde a publicação original deste livro, também foi descoberta uma espécie de baixa estatura na ilha de
Flores, na Oceania, o Homo floresiensis.
[eee]
N. do T.: Cinosura é literalmente a constelação da Ursa Menor, mas neste caso significa algo que
chama a atenção por ser bom ou belo.
[fff]
N. do T.: Este livro foi publicado originalmente em 1º de fevereiro de 2007, mas Susan Haack escreveu
esta parte antes do bestseller de Dawkins defendendo o ateísmo, “Deus, Um Delírio”.
[ggg]
N. do T.: O correspondente se refere com ironia à expressão 20/20, que vem da oftalmologia, de um
teste da visão de objetos a 20 pés de distância — é a nota máxima.
[hhh]
N. do T.: Em fevereiro de 2022, um estudo envolvendo mais de 10 mil pessoas em 24 países, publicado
na revista Nature Human Behaviour, concluiu que a aura de autoridade se inverteu: frases sem sentido
recebem mais confiança se for dito que foram proferidas por cientistas do que por gurus. Ironicamente, os
pesquisadores chamaram o fenômeno de “Efeito Einstein”.
[iii]
N. do T.: Ver Haack, Húbris: Cientificismo e a Deferência Popperiana à Ciência. Stentor Editorial,
2021.
[jjj]
N. do T.: Desde que a autora escreveu essa parte na primeira década do milênio, esse debate avançou.
Um artigo publicado em 2011 na revista PLoS Biology por Jason E. Lewis e colaboradores refez a
mensuração de Morton e concluiu que ele “não manipulou os dados para apoiar suas preconcepções, contra
Gould”. Em 2016, na mesma revista, Michael Eisberg e Diane Paul responderam, não discordando da
replicação de Lewis, mas defendendo que a crítica a Gould foi em partes injusta e que ele próprio havia até
elogiado o cuidado de Morton como cientista. De fato, Gould pensava que os erros de Morton eram
inconscientes, não racismo explícito.
[kkk]
N. do T.: A palavra em inglês é gleaner, do verbo glean, “coletar informações em pequenas
quantidades e muitas vezes com dificuldade” (Cambridge Dictionary). Usei depreensor, derivado de
depreender.
[lll]
N. do T. Um mês antes de eu terminar a tradução deste livro, pela primeira vez um robô produtor de
texto, o ChatGPT em sua versão 3, produzido pela organização OpenAI, tornou-se coautor de um artigo
acadêmico. A acadêmica de enfermagem Siobhan O’Connor o incluiu como segundo autor em um artigo
que trata do uso de robôs do tipo para a educação da área (DOI: 10.1016/j.nepr.2022.103537). Se isso
equivale ao início da ciência não-humana e robótica, não sei. Mas o robô é um conjunto enorme de regras
estatísticas aplicadas a um colossal banco de dados que vai até o ano de 2021. Parece distante das
capacidades cognitivas humanas. (Nota de 16 de janeiro de 2023.)
[mmm]
N. do T.: A informação sobre 95% do DNA ser desimportante funcionalmente está desatualizada. Foi
descoberta desde então uma miríade de RNAs não codificantes com funções biológicas importantes. Às
vezes, íntrons podem ter funções no fenótipo, também. Há um debate na filosofia da biologia sobre o que se
quer dizer com “função”. Projetos como o Encode pareceram tratar qualquer reatividade química das
macromoléculas celulares como um sinal de função, e muitos biólogos não concordam com isso.
[nnn]
N. do T.: Aqui, Haack não está usando “singularidade” no sentido da astrofísica, que tem a ver com
buracos negros, mas no sentido de um acidente ou contingência histórica muito importante que alterou o
curso do universo.
[ooo]
N. do T.: Lawrence Peter “Yogi” Berra foi uma personalidade do baseball nos Estados Unidos. Morreu
aos 90 anos em 2015. Ele tinha frases memoráveis como “eu na verdade não disse tudo o que eu disse” (The
Yogi Book, 1997).

[1] William James, “The Importance of Individuals,” The Open Court 4, no. 154 (Agosto de 1890): 24–37,
reimpresso em William James, The Will to Believe and Other Essays in Popular Philosophy (1897; New
York: Dover, 1956), 255–62, 256–57.
[2]
Friedrich Nietzsche, “Schopenhauer as Educator” (1874), in Untimely Meditations, trad. J. R.
Hollingsworth (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), 125–94, 127.
[3]
A ficha caiu finalmente durante um almoço com Lorde Quinton, Sir Alfred Ayer, e Sir Peter Strawson
(os outros membros de um pequeno contingente britânico) numa conferência de 1988, na Washington
University em St. Louis, para o aniversário de 80 anos de Quine. A conversa chegou aos candidatos para
uma posição em Oxford. Sir Peter, que estava no comitê de contratação, lamentou a respeito de um
candidato: “Tenho mesmo que ler o livro chato dele?”, perguntou; ao que Sir Freddie respondeu: “Não vejo
por que ler, ele nem mesmo foi para uma escola decente.” (Ayer foi para a tradicional escola Eton; até que
ponto na lista de escolas privadas de prestígio para garotos ia o conceito de “escola decente”, não sei até
hoje).
[4] Agora lembro-me de uma conversa extraordinária que tive com Richard Rorty, quando fomos os
primeiros a chegar para uma palestra numa conferência em Belo Horizonte, Brasil. Tentando ser educada,
mas não cordial demais – já que entraríamos em embate filosófico inevitável durante o evento – perguntei
se a esposa o acompanhara; ele respondeu que não, e acrescentou: “Somos observadores de aves, e Mary só
vem quando estou viajando para uma parte do mundo onde há aves que nunca vimos antes”. Eu estava
prestes a explodir assim: “Mas veja só, você diz que não existe essa coisa de o mundo ser de certo jeito,
então que diabos você quer dizer com ‘partes do mundo onde há aves que nunca vimos antes’?” Por sorte,
na mesma hora passou voando um beija-flor preto e a conversa foi salva.
[5]
Paul Churchland, “Eliminative Materialism and the Propositional Attitudes,” Journal of Philosophy 88,
no. 2 (1981): 67–89; Stephen P. Stich, From Folk Psychology to Cognitive Science: The Case against Belief
(Cambridge, MA: Bradford Books, 1985); Patricia Churchland, “Epistemology in the Age of
Neuroscience,” Journal of Philosophy 64, no. 10 (1987): 544–53. Ver também Susan Haack, Evidence and
Inquiry, 2ª ed. expandida (1993; Amherst, NY: Prometheus Books, 2009), chap. 8.
[6]Stephen P. Stich, The Fragmentation of Reason: Preface to a Pragmatic Theory of Cognitive Evaluation
(Cambridge MA: Bradford Books, 1990) (por volta de 1990, Stich finalmente reconhecera que existem
crenças, afinal). Ver também Haack, Evidence and Inquiry, chap. 9.
[7]
Sandra Harding, The Science Question in Feminism (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1986), 252.
Quando perguntaram, quase uma década depois, que descobertas a ciência feminista tinha nos dado,
Harding respondeu que havíamos aprendido que a menstruação, a gravidez e a menopausa não são doenças.
Que esperta! Ver Colleen Cordes, “2 Scholars Examine the ‘Bizarre War’ Against Science They Say is
Being Waged by the Academic Left,” Chronicle of Higher Education, 27 de abril de 1994.
[8]
Uso a expressão de forma deliberada, pois, como veremos, quando muitas décadas depois aventurei-me a
escrever sobre a ética acadêmica, ela se tornou o meu título. Susan Haack, “Out of Step [Fora de
Compasso]: Academic Ethics in a Preposterous Environment” (2012), in Susan Haack, Putting Philosophy
to Work: Inquiry and Its Place in Culture, 2ª ed. (Amherst, NY: Prometheus Books, 2013), 251-68 (texto) &
313-17 (notas).
[9]
W. V. Quine, “Carnap and Logical Truth,” in The Philosophy of Rudolf Carnap, ed. P.A. Schilpp (La
Salle, IL: Open Court, 1963), 385–406, 387.
[10]
William James, “On Some Omissions of Introspective Psychology,” Mind 9, no. 33 (1884):1–26, pp. 2–
3.
[11]
Samuel Butler, The Way of All Flesh (1901; New York: Random House, 1998), 241 (Entendo que uma
“caça à narceja” é a expressão de Ohio para uma busca insensata por uma meta inalcançável [N. do T.: Algo
como “enxugar gelo” ou uma busca quixotesca.]).
[12]
W.V. Quine, Word and Object (Boston: Massachusetts Institute of Technology Press, 1960), 23.
[13]
Susan Haack, Deviant Logic (Cambridge: Cambridge University Press, 1974). Uma segunda edição
expandida foi publicada em 1996 sob o título Deviant Logic, Fuzzy Logic: Beyond the Formalism (Chicago:
University of Chicago Press, 1996).
[14] Susan Haack, Philosophy of Logics (Cambridge: Cambridge University Press, 1978).
[15] Susan Haack, Evidence and Inquiry: Towards Reconstruction in Epistemology (Wiley, 1995).
[16]Susan Haack, Manifesto de Uma Moderada Apaixonada: Ensanios Contra a Moda Irracionalista (Rio
de Janeiro: Loyola, 2011).
[17]
Susan Haack, Evidence Matters: Science, Proof, and Truth in the Law (New York: Cambridge
University Press, 2014).
[18]Susan Haack, “On Legal Pragmatism: Where Does ‘The Path of the Law’ Lead Us?”, The American
Journal of Jurisprudence 50 (2005): 71–105; “On Logic in the Law: ‘Something, but Not All,’” Ratio Juris
20, nº 1 (2007): 1–31; “The Pluralistic Universe of Law: Towards a Neo-Classical Legal Pragmatism,”
Ratio Juris 21, no. 4 (2008): 453–80; “The Pragmatist Tradition: Lessons for Legal Theorists,” Washington
University Law Review 95 (2018): 1049–82; “The Pragmatist [Oliver Wendell Holmes Jr.],” in The
Pragmatism and Prejudice of Oliver Wendell Holmes Jr., ed. Seth Vanatta (Lanham, Maryland: Lexington
Books, 2019), 169–89.
[19]Susan Haack, “Realisms and Their Rivals: Recovering Our Innocence,” Facta Philosophica 4, no. 1
(March 2002): 67–88; Susan Haack, “The World According to Innocent Realism: The One and the Many,
the Real and the Imaginary, the Natural and the Social” (2014), in Susan Haack: Reintegrating Philosophy,
eds. Julia Göhner & Eva-Maria Jung (Berlin: Springer, 2016), 33–58; Susan Haack, “Brave New World:
Nature, Culture, and the Limits of Reductionism,” in Explaining the Mind, eds. Bartosz Brozek, Jerzy
Stelmach & Łuckasz Kwiatek (Kraków: Copernicus Center Press, 2018), 37–68.
[20]Susan Haack, “Formal Philosophy: A Plea for Pluralism” (2005), in Susan Haack, Putting Philosophy to
Work: Inquiry and Its Place in Culture, ed. expandida (2008; Amherst, NY: Prometheus Books, 2013), 235–
50 (texto) & 310–13 (notas).
[21]
Susan Haack, Putting Philosophy to Work, 2ª ed. expandida (2008; Amherst, NY: Prometheus Books,
2013).
[22]
Susan Haack, Seis Sinais de Cientificismo. In: Húbris: Cientificismo e a Deferência Popperiana à
Ciência. Stentor Books, 2021.
[23]
Susan Haack, “The Academic-Publication Racket: Whatever Happened to Authors’ Rights?” Borderless
Philosophy 2 (2019): 1–21.
[24]
Susan Haack, “The Fragmentation of Philosophy, the Road to Reintegration,” in Göhner & Jung, Susan
Haack: Reintegrating Philosophy, 3–32.
[25]
Ver, p. ex., “The Brights’ Principles,” The Brights, acessado em 02/01/2020, the-
brights.net/vision/principles.html.
[26]
Escrevi sobre o papel do humor na filosofia em Susan Haack, “Serious Philosophy,” Spazio Filosofico
18 (2016):395–407.
[27]
Susan Haack, “Analyticity and Logical Truth in The Roots of Reference,” Theoria 42, no. 2 (1977):
129–43, reimpresso em Haack, Deviant Logic, Fuzzy Logic, 214–225.
[28] W. V. Quine, Philosophy of Logic, 2ª ed. (1970; Cambridge, MA: Harvard University Press, 1986), 81.
[29] Susan Haack, “Know’ is Just a Four-letter Word” (escrito em 1983), in Haack, Evidence and Inquiry, 2ª
ed., 391–430.
[30]Susan Haack, “A pessoa certa para o trabalho pode ser uma mulher… e outros pensamentos alheios
sobre ação afirmativa na academia” (2011), in Haack, Manifesto de Uma Moderada Apaixonada, 257–84.
Este artigo foi escrito a convite da Martha Nussbaum para uma apresentação na APA (Associação
Americana de Filosofia) que ela disse que seria um “debate”. Não foi; todos os outros palestrantes, e a
maioria da plateia, eram apoiadores entusiásticos da contratação preferencial de mulheres na academia. A
única exceção era um pequeno contingente de professores negros na sala, que me agradeceram
calorosamente por ter dito que não estava claro para mim que os problemas que eles enfrentavam eram
exatamente os mesmos que mulheres brancas enfrentavam.
[31]
Susan Haack, Manifesto de Uma Moderada Apaixonada.
[32] Susan Haack, “After My Own Heart: Dorothy Sayers’s Feminism” (2001), in Haack, Putting
Philosophy to Work, 221–29 (texto) & 309–10 (notas).
[33] Haack, Evidence and Inquiry, 164.
[34]Haack, Defendendo a Ciência, capítulo 3 (esta tarefa mostrou-se complicada ao extremo, não só porque
os cientistas provavelmente discordarão em suas crenças de fundo; mas a analogia de muitas pessoas
trabalhando no mesmo jogo de palavras cruzadas mostrou-se útil).
[35]
Haack, Defendendo a Ciência, capítulo 4. Alguns dos meus argumentos aqui foram antecipados em
Susan Haack, “Epistemology with a Knowing Subject,” Review of Metaphysics XXXIII, no. 2 (dezembro
de 1979): 309–35.
[36] Ver Susan Haack, “The Art of Scientific Metaphors,” Revista de Filosofia Portuguesa 75, no. 4 (2019).
[37]
Para ser justa, a este ponto havia muito menos filósofos gerais da ciência do que costumava haver; a
área se fragmentara em filosofia da física, filosofia da biologia etc.

[38]
Linda Zagzebski, Virtues of the Mind (Cambridge: Cambridge University Press, 1996).
[39]
Ernest Sosa, “The Raft and the Pyramid: Coherence versus Foundations in the Theory of Knowledge,”
Midwest Studies in Philosophy 5, no. 1 (1980): 3–25.
[40]Daubert vs. Merrell Dow Pharm., Inc., 509 U.S. 579 (1993); Gen. Elec. Co. vs. Joiner, 522 U.S. 136
(1997); Kumho Tire vs. Carmichael, 526 U.S. 137 (1999).
[41]Susan Haack, “An Epistemologist in the Bramble Bush: At the Supreme Court with Mr. Joiner,”
Journal of Health Politics, Policy, and Law 26, no. 2 (April 2001): 217–48.
[42]
Susan Haack, “Trial and Error: The Supreme Court’s Philosophy of Science,” American Journal of
Public Health 95 sup. (2005): 66–73, reimpresso como “Trial and Error: Two Confusions in Daubert,” in
Haack, Evidence Matters, 104–21.
[43]Susan Haack, Evidence Matters: Science, Proof, and Truth in the Law (New York: Cambridge
University Press, 2014).
[44]See, e.g., Susan Haack, “La justicia, la verdad y la prueba: No tan simple, después de todo,” in
Debatiendo con Taruffo, eds. Jordi Ferrer Beltrán & Carmen Vázquez (Madrid: Marcial Pons, 2016), 311–
36.
[45]
Susan Haack, “Epistemology and the Law of Evidence: Or, Truth, Justice, and the American Way,” Olin
Lecture, Notre Dame Law School, publicado em American Journal of Jurisprudence 49 (2004): 43–61,
reimpresso em Haack, Evidence Matters, 27–46.
[46]
Oliver Wendell Holmes, The Common Law (1881), in Collected Works of Justice Holmes, ed. Sheldon
M. Novick (Chicago: University of Chicago Press, 1993) 3:111–325, 115.
[47] Susan Haack, “On Logic in the Law: Something, but Not All,” Ratio Juris 20, no.1 (2007): 1–31.
[48]Susan Haack, “The Growth of Meaning and the Limits of Formalism, in Science and Law” (2009);
versão ampliada, “Ripensare la rationalità: La Crescita di significato e i limiti del formalismo,” Diritti &
Questione Pubbliche XIX, no. 1 (2019): 160–79.
[49]
Susan Haack, Seis Sinais de Cientificismo (Publicações da Liga Humanista Secular do Brasil, 2012).
Disponível em elivieira.com/artigos/Haack_Cientificismo.pdf.
[50]
Susan Haack, Scientism and Its Discontents, (Rounded Globe, 2017).
[51]
Susan Haack, “The Real Question: Can Philosophy be Saved?” Free Inquiry 37, no. 6 (2017): 40–43.
[52]
Susan Haack, “Preposterism and Its Consequences,” Social Philosophy and Policy 13, no. 2 (Summer
1996): 296–315.
[53]
Susan Haack, “Out of Step: Academic Ethics in a Preposterous Environment,” in Haack, Putting
Philosophy to Work 251–68 (texto) & 313–17 (notas).
[54]
Susan Haack, “The Fragmentation of Philosophy, the Road to Reintegration,” in Göhner and Jung,
Susan Haack: Reintegrating Philosophy, 3–32.
[55]
Susan Haack, “The Academic-Publication Racket,” Borderless Philosophy 2 (2019): 1-21.

[56] Minha fonte é E. T. Bell, The Development of Mathematics (New York: McGraw Hill, 1949), 519.
[57]Bernard Williams, Truth and Truthfulness: An Essay in Genealogy (Princeton: Princeton University
Press, 2002). Mark Migotti, fico contente em dizer, apontou o quão grotesco isso foi. Ver Mark Migotti,
“Pragmatism, Genealogy, and Truth” (Critical Notice of Williams, Truth and Truthfulness), Dialogue 48
(inverno de 2009): 185–203.
[58]
Anil Gupta, Empiricism and Experience (New York: Oxford University Press, 2006). Curiosamente,
Gupta fez questão de referenciar dois artigos da antologia sobre epistemologia do Louis Pojman; mas
perdeu o meu de vista, que apareceu entre o primeiro e o segundo desses. Ver Louis Pojman, Theory of
Knowledge: Classical and Contemporary Sources (Belmont, CA: Wadsworth, 1998). Vai entender!
[59]Peter Tramel, “Haack’s Foundherentism is a Foundationalism,” Synthese 160, no. 2 (2008): 215–228.
Ver também Susan Haack, “The Role of Experience in Empirical Justification,” in Göhner & Jung, Susan
Haack: Reintegrating Philosophy, 157–65 (respondendo a comentários de quem adotou as ideias confusas
do Tramel).
[60]Recusei-me. O artigo é “The Embedded Epistemologist: Dispatches from the Legal Front,” Ratio Juris,
25, no. 2 (2012): 206–35.
[61]
Iddo Landau, “Should There Be a Separatist Feminist Epistemology?” The Monist 77, no. 4 (1994):
462–71. (Prof. Landau e eu trocamos correspondência por anos, aliás, sem eu saber se ele era homem ou
mulher.)
[62]F. M. Cornford, Microcosmographia Academica: Being a Guide for the Young Academic Politician,
reimpresso em University Politics: F. M. Cornford’s Cambridge and his Advice to the Young Academic
Politician, ed. G. Johnson (Cambridge: Cambridge University
Press, 1994), 100.
[63]
Depois de Evidence and Inquiry, Robert L. Heilbroner (1919–2005) — historiador de ideias
econômicas, autor do best-seller The Worldly Philosophers, enviou-me uma carta encantadora cuja
mensagem principal era “Meu Deus, mulher, você sabe escrever” (um grande elogio, vindo dele). Tornamo-
nos amigos rápido.
[64] Minha correspondência com Jacques Barzun (1907–2012), historiador de ideias e ex-reitor de
Columbia, começou depois que lhe mandei uma cópia do Manifesto de Uma Moderada Apaixonada, onde
usei o termo dele, “preposterize” [N. do T.: Algo como “absurdar”.] Ver Jacques Barzun, The American
University: How it Runs, Where It is Going (New York: Harper and Row, 1968), 221. Depois, ele me
mandou uma cópia de seu A Word of Two before You Go, autografada com “Para Susan Haack, gourmet das
palavras” (de novo, um grande elogio, vindo dele).
[65]Conheci Peter Strawson (1919–2006), Professor Waynflete de Filosofia Metafísica em Oxford, na
conferência de St. Louis que mencionei antes. Ele se mostrou um correspondente bastante prestativo e
agradável ao longo de uma série de cartas que começaram com minha assinatura “Respeitosamente, Susan
Haack” e ele assinando “Sinceramente, Peter Strawson”, mas logo foram para “Com amor, Peter” e “Com
amor, Susan”.
[66]Conheci a teórica literária e educadora Louise Rosenblatt (1904–2005), autora de Literature as
Exploration (1933), num jantar com seu marido Sidney Ratner; ela tinha 90 anos na época. Depois da morte
do Sidney, ela visitava Miami no inverno, onde dava uma aula no meu curso sobre filosofia e literatura, e
me encantava com histórias do tempo em que ela dividiu quarto com a Margaret Mead no Barnard College.
[67]
Conheci Sidney Ratner (1908–1996), historiador da economia que havia colaborado a certa altura com
Dewey, através de reuniões da Sociedade para o Avanço da Filosofia Americana. Daí se seguiu uma
correspondência prazerosa no curso da qual ele me mandou uma cópia da correspondência do Dewey com
Arthur Bentley — cuja reação a ler Peirce pela primeira vez foi exatamente como a minha: “Nossa, acabei
de encontrar uma mina de ouro!”
[68]Os leitores podem encontrar uma dessas histórias em “A pessoa certa para o trabalho pode ser uma
mulher… e outros pensamentos alheios sobre ação afirmativa na academia” (2011), in Haack, Manifesto de
Uma Moderada Apaixonada, 257–84. Mas não gosto de gastar muito tempo em tais injustiças do passado e
em condescendência — é um desperdício de uma vida curta.
[69]Ao menos se o que ouvi depois de uma pessoa em posição de saber for verdade — que, no meu caso,
depois que descobriram os nomes dos candidatos, os examinadores haviam mandado a lista de classe de
volta ao secretariado com uma notinha dizendo “checar esta; não pode ser mulher”.
[70]
Claro, as duas coisas interagem; provavelmente uma mulher filósofa independente é até mais dura de
engolir para o establishment do que um homem filósofo independente.
[71]Helmut Schoeck, Envy: A Theory of Social Behavior (1966), trad. Michael Glenny & Betty Ross,
(Indianapolis: Liberty Fund, 1987) (Sempre me perguntei se estudantes de pós-graduação em filosofia
poderiam estar sendo desencorajados a assistir às minhas palestras por uma diretora de pós-graduação que
tinha ficado, temo, perturbada pela minha crítica à epistemologia feminista; mas, claro, não consigo saber o
que houve com certeza.)
[72]
Meus agradecimentos ao Mark Migotti, que, como sempre, ajudou-me muito com comentários sobre o
rascunho, e ao Nicholas Mignanelli pela ajuda com a formatação das notas de rodapé.
[73]
Philip Guedalla, The Missing Muse (Nova York & Londres: Harper Brothers, 1930), vii.
[74]
Daubert vs. Merrell Dow Pharmaceuticals, Inc., 509 U.S. 579, 113 S. Ct. 2786 (1993).
[75]
Ophelia Benson, “Make Sense, Not War,” The Philosopher’s Magazine (2º trimestre, 2004): 58.
[76]
C. N. M. Renckens (escrevendo sob o pseudônimo “A. L. Ternee”), “Vergeet Popper: Lees Susan
Haack!” Nederlands Tijdschrift tegen de Kwakzalverij 116.4 (2005): 32-34.
[77]
William James, Pragmatism: A New Name for Some Old Ways of Thinking (1907); eds. Frederick
Burkhardt, Fredson Bowers & Ignas Skrupskelis (Cambridge: Harvard University Press, 1975), p. 95. O
título desta seção faz alusão, é claro, ao texto de James, “A Explicação Pragmatista da Verdade e Seus Maus
Interpretadores” [trad. livre], in James, The Meaning of Truth (1909), eds. Burkhardt, Bowers & Skrupskelis
(Cambridge: Harvard University Press, 1975), pp. 99–116.
[78]
Sheralee Brindell, resenha do livro em Jurimetrics 45 (verão de 2005): 483–89, p. 485.
[79]
Em especial Miriam Solomon, que escreveu que minha opinião é que “a melhor habilidade cognitiva
para fazer ciência ... é o senso comum”; “qualquer pessoa pode ser cientista”; “todos os cientistas
capacitados farão ciência mais ou menos do mesmo jeito”; e até “a ciência, e os cientistas, estão na maior
parte certos”. Miriam Solomon, “Messing with Common Sense,” Science 305 (July 2, 2004): 44–45. Parece
que essa resenhista não leu nem mesmo o prefácio!
[80]
Isso não é para negar a possibilidade da evidência de indeterminação ou do acaso.
[81]
John Maynard Keynes, A Treatise on Probability (Londres: Macmillan, 1921), pp. 27–28; Richard von
Mises, Probability, Statistics, and Truth, 2ª ed. rev. em inglês (Londres: Allen and Unwin, 1928), pp. 18, 19.
Minha fonte é Donald Gillies, Philosophical Theories of Probability (Londres: Routledge, 2000), pp. 34,
97.
[82]
Neste contexto, o livro de Israel Scheffler, Science and Subjectivity (Indianapolis, IN: Bobbs-Merrill,
1967), ou a obra mais recente de Paul Thagard, Coherence in Thought and Action (Cambridge: MIT Press,
2000), são às vezes mencionados. Mas nem Scheffler nem Thagard permitem um papel a eventos
perceptuais; ambos se focam exclusivamente em enunciados.
[83]
Ver também Haack, “Fallibilism, Objectivity, and the New Cynicism,” Episteme 1 (2004): 35-48.
[84]
Mas entre os decisores politicos, aparentemente, a ênfase, como a minha, está em como a organização,
ambiente e financiamento da ciência afetam a sua integridade. Ver, p. ex., D. E. Chubin, “Research
Malpractice,” Bioscience 35 (1985): 80–89; Raymond de Vries, Melissa S. Anderson & Brian C. Martinson,
“Normal Misbehavior: Scientists Talk about the Ethics of Research,” Journal of Empirical Research in
Human Research Ethics (2006): 43–50; e Brian C. Martinson, Melissa S. Anderson, A. Lauren Crain &
Raymond de Vries, “Scientists’ Perceptions of Organizational Justice and Self-Reported Misbehaviors,”
Journal of Empirical Research in Human Research Ethics (March 2006): 51–66.
[85]
Benson (n. 3 acima).
[86]
Volto a essas questões em “Trial and Error: The Supreme Court’s Philosophy of Science,” The
American Journal of Public Health, 95.S1, 2005: S66-S72.
[87]
Selman vs. Cobb County School District, 390 F.Supp. 2d 1286 (N.D.Ga. 2005); Kitzmiller v. Dover Area
School District, 400 F.Supp. 2d 707 (2005).
[88]
Laurie Goodstein, “The 2005 Election: School Board; Evolution Slate Outpolls Rivals,” New York
Times, 5/11/2005, A14.
[89]
Amy Worden, “Dover Schools to Pay $1 Million,” Philadelphia Inquirer, 22/02/2006.
[90]
McLean vs. Arkansas Board of Education, 529 F.Supp. 1255 (1982); Larry Laudan, “Science at the Bar:
Cause for Concern,” Science, Technology, & Human Values, 7.41: 16–19, and “The Demise of the
Demarcation Problem,” in R. S. Cohen & L. Laudan, eds., Physics, Philosophy, and Psychoanalysis
(Dordrecht, The Netherlands, 1983), 111–27. A sentença do juiz Overton em McLean, e ambos os artigos do
Laudan, estão reimpressos em Michael Ruse, ed., But Is It Science? The Philosophical Question in the
Creation/Evolution Controversy (Amherst, NY: Prometheus Books, 1996), pp. 307–31, 337–55.
[91]
Ver Karl R. Popper, “Natural Selection and Its Scientific Status,” reimpresso das seções 1 e 2 de uma
palestra de 1977 em David Miller, ed., A Pocket Popper (Londres: Fontana, 1983), pp. 239-46.
[92]
Percival Davis & Dean H. Kenyon, Of Pandas and People: The Central Questions of Biological
Origins, 2ª ed. (Dallas, TX: Haughton Publishing Company, 1993), p. 104 na edição de 1993.
[93]
Edward A. Daeschler, Neil H. Shubin & Farish A. Jenkins Jr., “A Devonian Tetrapod-like Fish and the
Evolution of the Tetrapod Body Plan,” Nature 440.6 (abril de 2006): 757–63; John Noble Wilford, “Fossil
Called Missing Link from Sea to Land Animals,” New York Times, 06/04/2006.
[94]
“If It Walks Like a Fish…,” Newsweek, 27/04/2006, 8.
[95]
Nicholas Wade & Choe Sang-Hun, “Human Cloning Was All Faked, Koreans Report,” New York Times,
10/01/2006, seção A.
[96]
“Many Researchers Break the Rules: Study,” Forbes, 13/04/2006; Nicholas Wade, “‘Cancer Study Was
Made Up,’ Journal Says,” New York Times, 19/01/2006, seção A; “Expression of Concern: Non-steroidal
Anti-inflammatory Drugs and the Risk of Oral Cancer,” Lancet 367 (21/01/2006): 196.
[97]
Subsequentemente, em “On Scientific Secrecy and ‘Spin’: The Sad, Sleazy Saga of the Trials of
Remune,” Law and Contemporary Problems 29.3 (2006): 47-98. Acompanhei com outro exemplo
mencionado na mesma página.
[98]
David J. Graham et al., “Risk of Acute Myocardial Infarction and Sudden Cardiac Death in Patients
Treated with Cyclo-oxygenase 2 Selective and Non-selective Nonsteroidal Anti-inflammatory Drugs:
Nested Case-control Study,” Lancet 365 (05/02/2005): 475-81, 480.
[99]
Heather Won Tesoriero, “Vioxx ‘Trial in a Box’ Cuts Cost of Filing Suit,” Wall Street Journal,
17/04/2006, B1, B6. Avery Johnson & Heather Won Tesoriero, “Merck Adds Another Win in Vioxx Trials,”
Wall Street Journal, 10/11/2006, B1, B2.
[100]
Heather Won Tesoriero, “First Celebrex Trial Date Is Set,” Wall Street Journal, 28/02/2006, D4.
Comunicação pessoal com o sr. Gerald Taylor, na Beasley Allen, 16/11/2006.
[101]
ClevelandClinic.org, “Cox-2 Nonsteroidal Anti-inflammatory Medication” (acesso em 03/03/2006,
agora indisponível); “Vioxx, Celebrex: Concerns over Popular Arthritis Drugs,”
cbc.ca/news2/background/drugs/cox-2.html (acesso em 03/03/2006, reacesso em 21/04/2021). Um inibidor
de Cox-2 de segunda geração, valdecoxib (Bextra, também fabricado pela Pfizer), foi lançado no mercado
em 2002, mas retirado em 2005. “COX-2 Wars Open on New Front with Bextra Launch,” Medical
Marketing and Media, 37.5, May 31, 2002; Gardiner Harris, “Problems for Painkillers: The Overview: FDA
Announces Strong Warnings for Painkillers,” New York Times, 08/04/ 2005, seção A.
[102]
Claire Bombadier et al., “Comparison of Upper Gastrointestinal Toxicity of Rofecoxib and Naproxen
in Patients with Rheumatoid Arthritis,” New England Journal of Medicine 343.21 (23/11/2000): 1520–28.
[103]
Alguns críticos suspeitaram que o ensaio não mostrava nenhum efeito cardiovascular adverso nos
pacientes que estavam tomando Vioxx por menos de dezoito meses porque o estudo tinha um poder
estatístico pequeno demais para detectar tais efeitos. Graham et al. (n. 26), p. 479. Um estudo canadense
publicado em 2006 indicou um risco maior de ataque cardíaco dentro de seis a treze dias após o início da
terapia com Vioxx. Linda E. Lévesque, James M. Brophy & Bin Zhang, “Time Variations in the Risk of
Myocardial Infarction among Elderly Users of COX-2 Inhibitors,” Canadian Medical Association Journal,
May 2, 2006, cmaj.ca/cgi/content/full/174/11/1563. (Uma versão resumida foi publicada em 174.11,
23/05/2006.)
[104]
Susan Okie, “Raising the Safety Bar—The FDA’s Coxib Meeting,” New England Journal of Medicine
352.13 (31/03/2005): 1283-85, p. 1284.
[105]
Eric Topol, “Failing the Public Health—Rofecoxib, Merck, and the FDA,” New England Journal of
Medicine 351.17 (21/10/2004): 1707–1709, p. 1707.
[106]
“COX-2 Selective Inhibitors—Important Lessons Learned,” Lancet 365 (05/02/2005): 449-51, p. 449.
[107]
Alex Berenson, “Evidence in Vioxx Suit Shows Intervention by Merck Officials,” New York Times,
24/04/2005, seção 1.
[108]
David Armstrong, “How the New England Journal Missed Warning Signs on Vioxx: Medical Weekly
Waited Years to Report Flaws in Article That Praised Pain Drug,” Wall Street Journal, 15/05/2006, A1,
A10.
[109]
Fred E. Silverstein et al., “Gastrointestinal Toxicity with Celecoxib vs. Non-steroidal Anti-
Inflammatory Drugs for Osteoarthritis and Rheumatoid Arthritis: The CLASS Study,” Journal of the
American Medical Association 284.10 (13/09/ 2000): 1247–55.
[110]
Letters, Journal of the American Medical Association 286.19 (21/11/2001): 2398–2400. A citação do
site da FDA aparece na p. 2398.
[111]
David J. Graham et al. (n. 22 acima), p. 480, citando M. Kaufman, “Celebrex Trial Halted after
Finding of Heart Risk: FDA Chief Urges Patients to Ask about Alternatives,” Washington Post, 18/12/2004,
A1.
[112]
Press Release, American Association for Cancer Research, “Studies Confirm Celecoxib May Help
Prevent Colorectal Cancer in High Risk Patients,” 03/04/2006, eurekalert.org/pub_releases/2006-04/aafc-
scc040206.php (fonte acessada em 04/04/ 2006 perdida, acesso da nova fonte em 22/04/2021). Scott
Hensley, “Drug Cuts Risks of Colon Cancer in Two Studies,” Wall Street Journal, 14/04/2006, D6.
[113]
Sarah Treffinger, “Cardiologist at Clinic to Lead Study of Painkillers,” Plain Dealer (Cleveland),
14/12/ 2005, A1.
[114]
Thomas H. Maugh II, “Probe Enters Mars Orbit,” Los Angeles Times, 11/03/2006, A12.
[115]
Michael Hanlon, “Is This Proof of Life on Mars? The Meteorite That May Finally Have Resolved the
Great Mystery,” Daily Mail, 10/02/2006.
[116]
Dan Vergano, “Saturn Moon Spurts Icy Plume,” USA Today, 13/03/2006.
[117]
Richard Mitchell, “A Minimum Competence to All, and to All a Good Night!” in The Leaning Tower
of Babel and Other Affronts by the Underground Grammarian (Boston: Little, Brown and Company, 1984),
pp. 26–28, p. 28.
[118]
Adaptado da boa frase do Steven Shapin em The Scientific Revolution, p. 1: “Não houve Revolução
Científica nenhuma, e este livro trata disso”.
[119]
Minha fonte é a introdução de Andrew Sanders à edição da Penguin de Romola, p. 10.
[120]
Reid, Essays on the Intellectual Powers (1785), 6:4:xvi. Reid foi o fundador da escola escocesa da
filosofia do senso comum. “Sensismo-Comum Crítico” foi o termo escolhido por C. S. Peirce para a sua
adaptação das ideias do Reid, e eu tomei o termo emprestado para a minha adaptação das ideias do Peirce.
[121]
Depois que escrevi este parágrafo encontrei o seguinte em Barzun, Science: The Glorious
Entertainment: “às vezes a palavra [‘ciência’] degenera-se para um título honorífico vago, sinônimo do
‘confiável’ ou ‘garantido’ do publicitário” (p. 14); e os comentários sobre o uso honorífico em Chalmers, na
introdução a What Is This Thing Called Science? e em McCloskey, Knowledge and Persuasion in
Economics, pp. 56 et seq.
[122]
Ver detalhes no capítulo 7.
[123]
Ver capítulo 11.
[124]
Rauch, Kindly Inquisitors, p. 35.
[125]
É uma ideia que introduzi primeiro em “Knowledge and Propaganda: Reflections of an Old Feminist”,
em 1993. No mesmo ano, referindo-se à mesma sorte de ideias sobre a ciência, Kitcher escreveu em The
Advancement of Science sobre a “Lenda”, ou seja, a imagem antiga e excessivamente otimista do
conhecimento e investigação científicos.
[126]
Ver capítulo 2 para detalhes.
[127]
Embora essa versão em particular fosse nova — daí “o Novo Cinismo” — a atitude de desconfiança e
hostilidade à investigação em geral, e às ciências em particular, é familiar de manifestações mais antigas.
[128]
Collins, “Stages in the Empirical Programme of Relativism”, p. 3.
[129]
Gergen, “Feminist Critique of Science and the Challenge of Social Epistemology”, p. 37.
[130]
Hubbard, “Some Thoughts About the Masculinity of the Natural Sciences”, p. 13.
[131]
Harding, The Science Question in Feminism, p. 113.
[132]
Latour, Science in Action, p. 205.
[133]
Fuller, Philosophy, Rhetoric, and the End of Knowledge, p. xx.
[134]
Rorty, “Science as Solidarity”, p. 46.
[135]
Fish, “Professor Sokal’s Bad Joke”, p. 82.
[136]
Infelizmente, o Weinberg, que cita essa observação em Facing Up, p. 8, diz que não consegue se
lembrar onde foi que a ouviu.
[137]
Chalmers, introdução a What Is This Thing Called Science?, p. xvi na primeira edição (1976), p. xix na
segunda (1982) (Não consigo encontrar essa frase na introdução da terceira [1999]). No contexto, parece
que a observação tinha a intenção de ser uma autodepreciação leve.
[138]
Theocharis & Psimopoulos, “Where Science Has Gone Wrong”; Gross & Levitt, Higher Superstition;
Perutz, “A Pioneer Defended”; Glashow, “The Death of Science!?”; Sokal, “Transgressing the Boundaries”;
Weinberg, Facing Up.
[139]
Fox, “The Ethnomethodology of Science”; Laudan, “The Pseudo-Science of Science”; Koertge,
“Wrestling With the Social Constructor”.
[140]
Ver, por exemplo, os artigos coletados em McMullin, ed., The Social Dimensions of Science.
[141]
Giere, “The Feminism Question in the Philosophy of Science”, p. 12.
[142]
Apesar de discordarmos sobre muitos dos detalhes, eu concordo com Chalmers que a falta de oferta de
uma defesa adequada por parte da tendência dominante na filosofia da ciência “serviu bem para o
movimento anticiência” (Science and Its Fabrication, p. 8).
[143]
Na verdade, foi Algernon, na obra de Wilde The Importance of Being Earnest (1895).
[144]
Bridgman, Reflections of a Physicist, Philosophical Library, Nova York, 1955, p. 535.
[145]
Uma expressão que eu introduzi pela primeira vez, em 1993, em “Knowledge and Propaganda:
Reflections of an Old Feminist”; ver também “Staying for an Answer”.
[146]
Melville, Moby-Dick, p. 335.
[147]
Harris, “Rationality in Science”, p. 46.
[148]
Embora discordemos sobre alguns dos detalhes, o meu diagnóstico tem bastante em comum com o de
Laudan em “The Sins of the Fathers...” (que eu li depois de oferecer o meu diagnóstico no primeiro
rascunho deste capítulo, mas antes de escrever a presente versão).
[149]
O título do Quine, From a Logical Point of View [De Um Ponto de Vista Lógico] — tirado da
inspiração e aplicado a ensaios em lógica formal — brinca com os dois usos.
[150]
Carnap, “The Old and the New Logic”, p. 145. (Não fique confuso com o fato de que antes, no artigo,
Carnap descreveu a sua concepção da lógica como “ampla”; ele só quer dizer que ele inclui a lógica estreita
aplicada, que é o que ele pensa a epistemologia é.)
[151]
Ver Carnap, “Testability and Meaning”.
[152]
Mas confira o capítulo 5.
[153]
Ver em especial Popper, “Philosophy of Science: A Personal Report”, e “The Problem of
Demarcation”.
[154]
O critério de demarcação é uma convenção: Popper, The Logico f Scientific Discovery, introdução à
edição em inglês, p. 18; o conhecimento científico é contínuo com o conhecimento de senso comum: The
Logic of Scientific Discovery, p. 37.
[155]
Popper, The Logic of Scientific Discovery, p. 41.
[156]
Ibid., pp. 78 et seq.
[157]
Ibid., pp. 42, 54.
[158]
Ibid., p. 31.
[159]
Ibid., p. 108.
[160]
Ibid., p. 97.
[161]
Ibid., p. 104.
[162]
Watkins, Science and Scepticism, p. 53.
[163]
Stove, Popper and After, capítulos 1 e 2.
[164]
Olding, “Popper for Afters”, p. 21 (por alguma razão, Stove perdoou Popper por isso, mas não
Lakatos).
[165]
Popper, The Logic of Scientific Discovery, nota 1*, pp. 251-52.
[166]
Popper, Objective Knowledge, pp. 21-22.
[167]
Popper, The Logic of Scientific Discovery, p. 111.
[168]
Popper, “The Verification of Basic Statements” e “Subjective Experience and Linguistic Formulation”.
Ver também Haack, Evidence and Inquiry, capítulo 5.
[169]
Em uma palestra dada ao Departamento de Física, Universidade de Miami, primavera de 1998.
Embora Bondi em outros lugares (por exemplo, The Universe at Large) se refira com admiração ao Popper,
e discuta o “Paradoxo de Olbers”, não consegui encontrar o argumento que ele fez nesta palestra em uma
fonte publicada.
[170]
Sobre Daubert ver o capítulo 9 e meu “Trial and Error: The Supreme Court’s Philosophy of Science”.
[171]
Por exemplo, pela Hesse em “Positivism and the Logic of Scientific Theories”, p. 97, e em The
Structure of Scientific Inference, pp. 89 et seq.
[172]
Popper, “Conjectural Knowledge”, nota 29, p. 20.
[173]
Hempel, “Studies in the Logic of Confirmation”, pp. 4, 6.
[174]
Ibid., pp. 39 et seq.
[175]
Ibid., pp. 22-24.
[176]
Ibid., pp. 10ff; a citação é da p. 19.
[177]
Ibid., pp. 35 et seq.
[178]
Tarski, “The Semantic Conception of Truth”.
[179]
Carnap, Logical Foundations of Probability, pp. 478-82.
[180]
Hempel, “Postscript (1964) on Confirmation”, p. 50.
[181]
Goodman, “The New Riddle of Induction”.
[182]
Hempel, “Postscript (1964) on Confirmation”, p. 51.
[183]
Hempel, “The Irrelevance of the Concept of Truth for the Critical Appraisal of Scientific Theories”,
pp. 77, 78. Como veremos no capítulo 5, este argumento é um non sequitur — ou, ainda, um par de non
sequiturs.
[184]
Reichenbach, The Theory of Probability; Experience and Prediction; “On the Justification of
Induction”.
[185]
Mas como Frank Ramsey, a quem Carnap faz um reconhecimento na p. 36 de Logical Foundations of
Probability.
[186]
Ver capítulo 3, para mais desambiguações.
[187]
Carnap, Logical Foundations of Probability, p. 43.
[188]
Ibid., p. 20.
[189]
Ibid., pp. 204 et seq.
[190]
Ibid., p. 20.
[191]
Sobre a analogia com a lógica dedutiva, ver Carnap, Logical Foundations of Probability, pp. 200-201 e
297-98.
[192]
Carnap, Logical Foundations of Probability, pp. 243, 229.
[193]
Hintikka, “Towards a Theory of Inductive Generalization”; ver também Cohen, “Inductive Logic
1945-1977”.
[194]
Carnap, Logical Foundations of Probability, p. 218.
[195]
Ibid., p. 218.
[196]
Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, p. 11.
[197]
Ibid., p. 171.
[198]
Ibid., p. 170.
[199]
Ibid., p. 42.
[200]
Ibid., p. 111.
[201]
Ibid., p. 118.
[202]
Ibid., p. 129.
[203]
Kuhn, “Logic of Discovery or Psychology of Research?”, citação da p. 16.
[204]
Kuhn, “Reflections on Receiving the John Desmond Bernal Award”, pp. 28, 30.
[205]
Kuhn, “Afterwords”, p. 336.
[206]
Hesse, The Structure of Scientific Inference, p. 4.
[207]
Ibid., p. 27.
[208]
Ibid., p. 11.
[209]
Ibid., p. 72.
[210]
Como antecipado no livro anterior da Hesse, Models and Analogies in Science.
[211]
Hesse, The Structure of Scientific Inference, p. 104 (Hesse aponta, no entanto, que a atribuição ao
Reverendo Thomas Bayes não é historicamente precisa, dado que ele na verdade provou um corolário
diferente do axioma da multiplicação).
[212]
Carnap, Logical Foundations of Probability, p. 332.
[213]
Hesse, The Structure of Scientific Inference, p. 127.
[214]
Ibid., pp. 124-25.
[215]
Hesse, “How to Be Postmodern without Being a Feminist”, pp. 458, 459.
[216]
Stove, Popper and After, p. 10 (p. 34 na nova edição, Anything Goes).
[217]
Popper, “Normal Science and Its Dangers”.
[218]
Lakatos, “Falsification and the Methodology of Scientific Research Programmes”, p. 87.
[219]
Ibid., p. 48.
[220]
Ibid., p. 29.
[221]
Popper, The Logic of Scientific Discovery, p. 107; Lakatos, “Falsification and the Methodology of
Scientific Research Programmes”, p. 16.
[222]
Lakatos, “Falsification and the Methodology of Scientific Research Programmes”, p. 25 (não entrarei
nos meandros da interpretação que Lakatos faz de Popper, mas penso que é incorreta — como também
pensava Popper).
[223]
Lakatos, introdução a The Methodology of Scientific Research Programmes, p. 6; “Falsification and the
Methodology of Scientific Research Programmes”, p. 65.
[224]
Isso é parte do motivo do Stove ter classificado Popper, junto a Lakatos, Kuhn e Feyerabend, como o
primeiro dos “quatro irracionalistas modernos”.
[225]
Feyerabend, Killing Time, p. 146; a acusação de Theocharis & Psimopoulos, “Where Science Has
Gone Wrong”, já foi citada no capítulo 1.
[226]
Feyerabend, Killing Time, p. 142.
[227]
Szasz, The Second Sin, pp. 26-27.
[228]
Quine & Ullian, The Web of Belief, p. 79.
[229]
Quine, From Stimulus to Science, p. 16.
[230]
Quine, “Epistemology Naturalized”, pp. 87-88.
[231]
Quine, Word and Object, p. 23.
[232]
Quine, “On Empirically Equivalent Theories of the World”, pp. 313, 322.
[233]
Ibid., p. 327.
[234]
Wang, Beyond Analytic Philosophy, pp. 153, 174-76.
[235]
“Mundana” em vez de “semântica” porque a última poderia ser confundida com uma alusão à
dependência carnapiana de relações de significado analítico entre predicados ou, no contexto da filosofia da
ciência mais recente, com a abordagem do Patrick Suppes em termos de modelos matemáticos formais das
teorias científicas.
[236]
Lakatos, “Falsification and the Methodology of Scientific Research Programmes”, p. 87.
[237]
Tomei emprestado o termo “densidade” da descrição do mundo do Norman Levitt como “denso, mas
não impenetrável” para investigadores humanos; ver Prometheus Bedeviled, p. 37.
[238]
Sobre as críticas sociológicas à ciência, ver o capítulo 7; sobre críticas literárias e retóricas, capítulo 8;
sobre críticas feministas, capítulo 11 e capítulo 12; e sobre o Novo Cinismo em geral, capítulo 12.
[239]
Por exemplo, sobre o bayesianismo, ver capítulo 3; sobre o empirismo construtivo, capítulo 5; sobre o
naturalismo, capítulo 11.
[240]
Einstein, “Physics and Reality”, p. 295.
[241]
Rogers, “Come In, Mars”, pp. 56-57.
[242]
Wilford, “2 New Chemical Studies Find Meteorite Samples Show No Traces of Past Life on Mars”, p.
A22.
[243]
Compare com Russell: “percepções individuais são a base de todo o nosso conhecimento, e não existe
método pelo qual possamos começar com os dados... públicos para muitos observadores” (Human
Knowledge, p. 8).
[244]
Essa frase deve ser lida no espírito da descrição funderentista oferecida em Evidence and Inquiry,
capítulo 4; não como se dissesse, como diria um fundacionalista, que crenças experienciais apoiam, mas
não são apoiadas por outras crenças.
[245]
Ver capítulo 2.
[246]
Algo parecido é sugerido pelo Russell em Human Knowledge, pp. 4, 63 et seq., 501, 502. Só “algo
parecido”, no entanto; pois Russell esforça-se para ressaltar que a definição ostensiva deixa espaço para
diferenças no significado atribuído a uma palavra por um indivíduo ou outro.
[247]
O exemplo vem do Popper, de uma passagem em que, em vez de negar a relevância da experiência, ele
insiste na falibilidade dos “enunciados básicos”.
[248]
Ambos Popper e Van Fraassen, de formas diferente, fazem distinção entre crença e aceitação; eu não
faço.
[249]
Prova: De “p & não-p” segue-se que p. De “p” segue-se que p ou q. De “p & não-p” também se segue
que não-p. De “não-p” e “p ou q” segue-se que q. QED.
[250]
Hempel percebe o problema; ele sugere que relatos observacionais contraditórios poderiam ser
excluídos “por meio de uma leve restrição da definição de ‘relato observacional’”, mas que “não há razão
importante para fazê-lo” (“Studies in the Logic of Confirmation”, p. 31, nota 48). Carnap discute o
problema em uma nota com título “Remarks on the Exclusion of L-false Evidence”, Logical Foundations of
Probability, pp. 295-96.
[251]
Talvez seria desejável acrescentar, como precaução contra uma dificuldade paralela em potencial no
caso de a alegação em consideração ser necessariamente verdadeira, que a conclusividade exige que essa
evidência, mas não qualquer outra evidência não importa qual, dedutivamente implique a alegação em
consideração. Mas deixarei essas complicações de lado.
[252]
Ver Routley et al., Relevant Logics and Their Rivals (sobre lógicas da relevância, paraconsistentes
etc.); Haack, Philosophy of Logics, pp. 197-203; e Evidence and Inquiry, pp. 83-84. Fiquei feliz de
encontrar Thagard tomando um caminho muito parecido com o meu, independentemente, em seu
Conceptual Revolutions.
[253]
Quine & Ullian, The Web of Belief, p. 79, já citado no capítulo 2.
[254]
Embora eu tenha chegado nele independentemente, este é essencialmente, percebo agora, o diagnóstico
dado pelo Hempel (em seu vocabulário confuso de verificação “absoluta” versus “relativa”) em 1945, na
seção 10 de “Studies in the Logic of Confirmation”. Ver também Hesse, The Structure of Scientific
Inference, pp. 130-31.
[255]
Assim como Kitcher (The Advancement of Science, capítulo 8), considero que a epistemologia da
ciência é social em um sentido relativamente conservador, envolvendo interações entre indivíduos.
[256]
Minha fonte é Judson, The Eighth Day of Creation, pp. 264-65.
[257]
Peirce, Collected Papers, 5:402, segunda nota. As referências a este trabalho serão feitas por volume e
números dos parágrafos.
[258]
“[O] princípio das melhores evidências... expressa a obrigação dos litigantes de providenciar
evidências que melhor facilitarem essa tarefa central de resolver precisamente questões disputadas de
fatos”: Nance, “The Best Evidence Principle”, p. 233.
[259]
Watson, Molecular Biology, p. 52.
[260]
No uso comum, “garantia” e “justificação” são mais ou menos intercambiáveis; mas estou explorando
deliberadamente a disponibilidade das duas palavras para fazer uma distinção necessária. (Em Evidence and
Inquiry, como aqui, considero que a justificação é um conceito em parte causal; mas não empreguei, como
aqui, a noção puramente evidencial da garantia.)
[261]
Ver, por exemplo, Laudan, “A Critique of Underdetermination”, p. 91. Ver Mayo, Error and the
Growth of Experimental Knowledge, pp. 206 et seq.,
[262]
Cowley, “Cannibals to Cows”, p. 54.
[263]
Judson, The Eighth Day of Creation, p. 495.
[264]
Planck, Scientific Autobiography, pp. 33-34.
[265]
Minha fonte é Meehl, “Corroboration and Verisimilitude”, pp. 25-26, 54, citando Snyder, Principles of
Heredity, p. 301.
[266]
Portugal & Cohen, A Century of DNA, capítulo 1.
[267]
Olby, The Path to the Double Helix, pp. 6-10, citando (p. 7) Frey-Wyssling “Frühgeschichte und
Ergebnisse der submikroskopischen Morphologie”, p. 5; A resposta de Staudinger a seus críticos pode ser
traduzida como “Eu fico aqui; não há nada mais que eu possa fazer”.
[268]
Mas veja Olby, The Path to the Double Helix, pp. 89 et seq. sobre a precisão da atribuição.
[269]
Chargaff, “Chemical Specificity of Nucleic Acids and Mechanism of Their Enzymatic Degradation”. A
tabela com os dados do Chargaff está reproduzida em Bauer, Scientific Literacy and the Myth of Scientific
Method, p. 22.
[270]
Hershey & Chase, “Independent Functions of Viral Protein and Nucleic Acid in Growth of
Bacteriophage”.
[271]
Watson, The Double Helix, p. 14.
[272]
As referências no que se segue são a Watson & Crick, “The Structure of DNA”. Os dois artigos mais
curtos publicados no mesmo ano são “Molecular Structure of Nucleic Acids” e “Genetical Implications of
the Structure of Deoxyribonucleic Acid”.
[273]
Kendrew, The Thread of Life, p. 63.
[274]
Crick, What Mad Pursuit, p. 73.
[275]
Meehl, “Corroboration and Verisimilitude”, p. 27. Portugal & Cohen, A Century of DNA, p. 3, sugerem
a analogia de um jogo de quebra-cabeças.
[276]
Crick, What Mad Pursuit, p. 70.
[277]
Ibid., pp. 71 et seq.
[278]
Goodman, “The New Riddle of Induction”, pp. 70-71; a citação é da p. 71.
[279]
Ibid., p. 74.
[280]
Quine, “Natural Kinds”.
[281]
Um argumento devido à Judith Thomson, “Grue”.
[282]
Foi inevitável, suponho: logo depois que terminei este capítulo, li (em Read, “For Parched Lawns, A
Patch of Blue”) que misturas de sementes recém-introduzidas para reparar o gramado, com a função de
camuflar pontos mortos enquanto grama nova se enraíza, produzem trechos de grama azul-celeste!
[283]
Ainda que o sistema sensorial humano perceba a intensidade da luz continuamente, ele quebra
comprimentos de onda de luz que variam continuamente em unidades mais ou menos discretas do espectro
da cor; e, embora os vocabulários de cor difiram de uma língua para outra, não o fazem ao acaso, mas em
até 11 unidades básicas de cor em uma ordem especial. Baseio-me aqui em Wilson, Consilience, pp. 161-
65. Ele se refere a artigos de Denis Baylor, John Gage, John Lyons e John Mollon em Lamb & Bourriau,
Colour: Art and Science, e Lumsdem & Wilson, Promethean Fire.
[284]
Ver Laudan, “Demystifying Underdetermination” e Laudan & Leplin, Empirical Equivalence and
Undedetermination”.
[285]
E se assemelha bastante, também, à descrição da Hesse (ver capítulo 2). Hesse também nota as
mudanças de posição do Quine sobre a questão da distinção observacional/teórico (ver The Structure of
Scientific Inference, p. 27).
[286]
Poincaré, Electricité et optique, p. vi.
[287]
Bridgman, “The Prospect for Intelligence”, p. 535.
[288]
Haack, Evidence and Inquiry (1993), p. 137. Logo depois, desenvolvi essas ideias em “Puzzling Out
Science” (1995) e “Science as Social?—Yes and No” (1996).
[289]
Dewey, Logic, The Theory of Inquiry, p. 66.
[290]
Minha fonte é Grove, In Defence of Science, p. 13; ele não dá uma referência exata, não consegui
localizar a passagem em questão.
[291]
Einstein, “Physics and Reality”, p. 290.
[292]
Bridgman, “New Vistas for Intelligence”, p. 554.
[293]
Bergmann, Philosophy of Science, p. 20.
[294]
Bridgman, “On ‘Scientific Method’”, p. 81.
[295]
Ibid., pp. 81-83.
[296]
O termo “raciocínio de fachada” vem de Peirce, Collected Papers, 1:57; ver também Haack,
“Confessions of an Old-Fashioned Prig”, e “Preposterism and Its Consequences”.
[297]
Ver Haack, Deviant Logic, Fuzzy Logic: Beyond the Formalism.
[298]
Harris, “Rationality in Science”, pp. 40-44.
[299]
Bacon, The New Organon, aforismo 2.
[300]
Peirce, Collected Papers, 1:46-48.
[301]
Duhem, The Aim and Structure of Physical Theory, capítulo 5, apud Hesse, Models and Analogies in
Science, pp. 1-2.
[302]
Kendrew, The Thread of Life, p. 20.
[303]
Ver Craig, “Chaperones, Molecular”, in Meyers, Molecular Biology and Biotechnology, pp. 162-65:
“As acompanhantes [chaperonas] moleculares são proteínas ubíquas que têm um papel crítico nos processos
celulares de dobramento de proteínas e translocação de proteínas através de membranas para dentro de
organelas”.
[304]
Conhecidas pelas siglas CAT, MRI (que usa magnetismo como raios X usam radiação), PET e EBT.
Minha fonte é a história da tecnologia de imageamento médico de Kevles, Naked to the bone, e, para a
tomografia de emissão de elétrons (EBT), Parker-Pope, “New Tests Go Beyond Cholesterol to Find Heart-
Disease Risks”.
[305]
Minha fonte é Judson, The Eighth Day of Creation, pp. 35-39.
[306]
Belenky et al., Women’s Ways of Knowing; Haack, “Knowledge and Propaganda”, p. 125.
[307]
Thomas, Hosenball & Isikoff, “The JKF-Marilyn Hoax”.
[308]
Bridgman, Reflections of a Physicist, p. 81.
[309]
Tessman & Tessman, “Efficacy of Prayer”, criticando Byrd, “Positive Therapeutic Effects of
Intercessory Prayer in a Coronary Care Unit”.
[310]
Benveniste et al., “Human Basophil Degranulation Triggered by Very Dilute Antiserum Against IgE”;
Maddox et al., “‘High-Dilution’ Experiments a Delusion” (citações da p. 287).
[311]
Gillespie, The Edge of Objectivity, pp. 16, 144.
[312]
Ver Bird, Enterprising Women, p. 117.
[313]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, pp. 153 et seq.
[314]
Johnson, “In Silica Fertilization”. [N. do T.: O pseudolatim “in silico” se consagrou mais pelo uso do
que “in silica”.]
[315]
Hrobjartsson & Gotzsche, “Is the Placebo Powerless?” Ver também Bailar, “The Powerful Placebo and
the Wizard of Oz”; Kolata, “Placebo Effect Is More Myth than Science, Study Says”, e “Putting Your Faith
in Science?”.
[316]
Begley, “In the Placebo Debate, New Support for the Role of the Brain in Healing”.
[317]
Duhem, The Aim and Structure of Physical Theory, p. 217.
[318]
O tipo desejável de pluralismo esboçado aqui não deve ser confundido com os pluralismos politizados
de raça e gênero criticados no capítulo 11, pp. 313 et seq.
[319]
Polanyi, “The Republic of Science”.
[320]
Gardner, Science: Good, Bad and Bogus, p. 235. A referência do Gardner à história antiga confirma as
minhas observações anteriores a respeito da sobreposição da investigação científica às outras investigações.
[321]
“Wish You Were Here”, Oxford Today 10, no. 3, Trinity 1998, p. 40.
[322]
Begley, “The Ancient Mariners”, p. 54.
[323]
White, “GM Takes Advice from Disease Sleuths to Debug Cars.”
[324]
Bounds, “One Family’s Search for a Faulty Gene”.
[325]
Resenhas do livro — exceto a de Chargaff, negaram permissão para reproduzi-la — estão compiladas
convenientemente na edição do Gunther Stent de The Double Helix. Ver também Olby, The Path to the
Double Helix, e Judson, The Eighth Day of Creation.
[326]
Diderot, Addition aux pensées philosophiques.
[327]
Watson, The Double Helix, p. 32.
[328]
Ibid., p. 49.
[329]
Ibid., p. 59.
[330]
Ibid., p. 91.
[331]
Ibid., p. 95.
[332]
Ibid., p. 103.
[333]
Ibid., p. 110.
[334]
Ibid., p. 114.
[335]
Ibid., p. 128.
[336]
Gross, The Rhetoric of Science, capítulo 4; a citação é da p. 54. Lidarei com Halloran e Gross em mais
detalhe no capítulo 8.
[337]
Sayre, Rosalind Franklin and DNA, especialmente pp. 17 et seq.; e Judson, The Eighth Day of
Creation, pp. 147 et seq.
[338]
Watson, The Double Helix, p. 98.
[339]
Crick, What Mad Pursuit, pp. 70, 74, 75.
[340]
Gillespie, The Edge of Objectivity, p. 117.
[341]
Ramon y Cajal, Advice for a Young Investigator, p. 32; esprit de suite pode ser traduzido mais ou
menos como “espírito de persistência, de continuar”.
[342]
Saxe, “The Blind Men and the Elephant”.
[343]
Evidentemente, o problema da demarcação remonta, numa forma algo diferente, a Platão e Aristóteles.
Laudan, “The Demise of the Demarcation Problem”, é útil tanto pela história quanto pelos problemas da
preocupação com essa questão.
[344]
Bridgman, “On ‘Scientific Method’”, p. 81.
[345]
Lakatos, The Methodology of Scientific Research Programmes, p. 4.
[346]
Darwin, Autobiography, p. 45.
[347]
Popper, The Logic of Scientific Discovery, capítulo 1, seção 2; Reichenbach, Experience and
Prediction, pp. 6-7. Hoyningen-Huene, “Context of Discovery and Context of Justification”, dá um
histórico da distinção (que em algum formato remonta ao Preliminary Discourse on the Study of Natural
Philosophy do Herschel, de 1830-31, p. 164), e uma decomposição em várias distinções diferentes que ele
considera que foram mescladas.
[348]
Crick, What Mad Pursuit, pp. 65-66; cf. Meehl, “Corroboration and Verisimilitude”, p. 27.
[349]
Kolata, “Putting Your Faith in Science?”.
[350]
Rogers, “Come in, Mars” (1996); Begley & Rogers, “War of the Worlds” (1997); “Meteorite—or
Wrong?” (1998); Wilford, “2 New Chemical Studies Show no Traces of Life on Mars” (1998); Hayden, “A
Message, but Still no Answer” (1999); “NASA Scientists Seem Close to Confirming…” (1999); “Did the
Mars Lander Crash in a Grand Canyon?” (janeiro de 2000); Broad, “Evidence Builds That Mars Lander is
Source of Mystery Signal” (fevereiro de 2000); Murr, “Final Answer: It Crashed” (abril de 2000); e Guterl,
“Water, Water Everywhere” (junho de 2002).
[351]
Peirce, Collected Papers, 5:265.
[352]
Para uma articulação do meu “realismo inocente”, indico ao leitor Haack, “Reflections on Relativism”
e “Realisms and Their Rivals: Recovering Our Innocence”. Desde que escrevi esses artigos, descobri que
Richard Boyd já tinha usado a palavra “inocência” de uma forma similar em “Constructivism, Realism, and
Philosophical Method”.
[353]
Peirce, Collected Papers, 5:172.
[354]
Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, p. 126.
[355]
Cunningham, “This Story Has Legs”.
[356]
Eddington, New Pathways in Science, p. 211.
[357]
Root-Bernstein, “Darwin’s Rib”; minha fonte é Pennock, Tower of Babel, pp. 372, 408.
[358]
Hanson, Patterns of Discovery, p. 15. (Por que um bebê esquimó, eu me pergunto? — Não é como se
um bebê italiano, ou australiano, fosse ver a máquina de raio X como uma máquina de raio X!)
[359]
Holton, Einstein, History and Other Passions, pp. 72-73 (citando Galison, How Experiments End,
capítulo 4), e pp. 82-83 (a fotografia em questão é reproduzida na p. 83).
[360]
Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, pp. 63 et seq.; Bruner & Postman, “On the Perception of
Incongruity: A Paradigm” (parece plausível a conjectura de que Kuhn pode ter adotado o termo
“paradigma” por conta desse artigo).
[361]
Em um experimento que vi há muito tempo na televisão, probandos que tomaram suco de laranja
tingido de roxo relataram que o líquido que tomavam tinha gosto de groselha preta; era seu juízo que estava
enviesado, ou a substância realmente tinha gosto diferente? Ambos parecem possíveis.
[362]
Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, p. 114.
[363]
Nesse assunto, o locus classicus é obviamente “The Ontological Status of Theoretical Entities” do
Grover Maxwell.
[364]
Hempel & Oppenheim, “Studies in the Logic of Explanation”; para um resumo ver Hempel,
Philosophy of Natural Science, pp. 48 et seq.
[365]
Ver, por exemplo, Kyburg, “Reply” (resposta a Salmon); Salmon, “Statistical Explanation”, Scientific
Explanation and the Causal Structure of the World, e “Four Decades of Scientific Explanation”; Scriven,
“Definitions, Explanations, and Theories”, e “Explanations, Predictions and Laws”. As críticas são
resumidas por Kitcher em “Explanatory Unification and the Causal and the Causal Structure of the World”.
[366]
Collin, Theory and Understanding, p. 87, referindo-se a Salmon, “Statistical Explanation”; ver também
Grünbaum, “A New Critique of Theological Interpretations of Physical Cosmology”, p. 35.
[367]
O exemplo, que combina elementos de vários exemplos do Salmon, foi tirado de Collin, Theory and
Understanding, p. 87.
[368]
Van Fraassen, The Scientific Image, p. 125, citando Hanson, Patterns of Discovery, p. 54.
[369]
Ver também Friedman, “Explanation and Scientific Understanding”; Greeno, “Explanation and
Information”.
[370]
Cartwright, How the Laws of Physics Lie, pp. 51-53.
[371]
Thagard, “The Best Explanation”; “Explanatory Coherence”; “The Dinosaur Debate: Explanatory
Coherence and the Problem of Competing Hypotheses”; Conceptual Revolutions, capítulo 4; e Coherence in
Thought and Action (ver especialmente pp. 42 et seq., onde a discussão do Thagard é posta no context da
epistemologia funderentista no meu Evidence and Inquiry).
[372]
Uma palavra do Whewell, de The Philosophy of the Inductive Sciences, aforismo 14, Selected Writings,
p. 257.
[373]
Darwin, On Evolution, pp. 82-86.
[374]
Lavoisier, Oeuvres, p. 640: a hipótese do flogisto “s’adapte à toutes les explications dans lesquelles on
veut le faire entrer” (se adapta a toda e qualquer explicação na qual se lhe introduza).
[375]
Um argumento elaborado no capítulo 10, adiante.
[376]
Ver Thagard, How Scientists Explain Disease, pp. 32-33, 102.
[377]
Hacking, Representing and Intervening.
[378]
Weinberg, “Sokal’s Hoax”, p. 155.
[379]
Um argumento que devo ao Thomas Baldwin.
[380]
Cowley, “Alzheimer’s: Unlocking the Mystery”, p. 49. Logo depois, começaram a conjecturar se nos
pacientes com Alzheimer a beta amiloide retém quantidades anormais de cobre; ver Hensley, “Alzheimer’s
Cause May be Metals Buildup”.
[381]
Ver Thagard, Conceptual Revolutions, capítulo 6.
[382]
A edição do Webster que estou usando (a nona) data de 1991, o que pode explicar o seu cuidado a
respeito dos quarks!
[383]
Putnam, “Is Logic Empirical?”
[384]
Gilbert, On the Loadstone and Magnetic Bodies and on the Great Magnet the Earth (1600), in
Hutchins, ed., Gilbert, Galileo, Harvey, p. 2.
[385]
Locke, Essay (1690), III:xi:6.
[386]
Bridgman, Reflections of a Physicist, p. 82.
[387]
Harvey, Motion of the Heart, in Hutchins, ed., Gilbert, Galileo, Harvey, p. 269.
[388]
Darwin, On Evolution, p. 57.
[389]
Van Fraassen, The Scientific Image, p. 2.
[390]
Hempel, “The Irrelevance of the Concept of Truth for the Critical Appraisal of Scientific Theories”,
pp. 77-78. Ver também capítulo 2.
[391]
Ver capítulo 12, adiante.
[392]
Ver capítulo 11, adiante.
[393]
Van Fraassen, The Scientific Image, p. 12.
[394]
Ibid., p. 69.
[395]
Ibid., p. 56.
[396]
Ibid., p. 64.
[397]
Em vez de nos envolvermos numa exegese detalhada e discussão das mudanças e ambiguidades na
explicação da observabilidade do Van Fraassen, indico aos leitores Suppe, The Semantic Conception of
Theories and Scientific Realism, pp. 23-25 e capítulo 11.
[398]
Ver capítulo 11, adiante.
[399]
Giere, Science Without Laws, especialmente pp. 5 et seq., 84-96.
[400]
Watson, The Double Helix, p. 124.
[401]
Fine, “The Natural Ontological Attitude”.
[402]
Peirce, Collected Papers, 5:211.
[403]
Foucault, Power/Knowledge, p. 131; minha fonte é Windschuttle, The Killing of History, p. 131.
[404]
Ramsey, On Truth.
[405]
Goodman também faz uma alusão a esse título do James na p. 2 de Ways of Worldmaking.
[406]
Popper, “Epistemology without a Knowing Subject”, pp. 106-12.
[407]
Popper & Eccles, The Self and Its Brain.
[408]
Peirce, Collected Papers, 8:216.
[409]
Goodman, Ways of Worldmaking, p. 2.
[410]
Ibid., pp. 4-5; cf. a discussão do reducionismo no capítulo 6, adiante.
[411]
Peirce, Collected Papers, 5:172-73.
[412]
Duhem, The Aim and Structure of Physical Theory, pp. 217-18; Polanyi, Personal Knowledge, capítulo
4.
[413]
Watson, The Double Helix, p. 63.
[414]
Ramon y Cajal, Advice for a Young Investigator, pp. 76-77.
[415]
Thagard, Conceptual Revolutions, é esclarecedor em muitos problemas dessa área; mas eu discordo
dele até o ponto em que ele trata a mudança conceitual e a revisão de crenças como mutuamente
excludentes, e pensa que as revoluções conceituais são categoricamente distintas de outras mudanças.
[416]
Putnam, Mathematics, Matter and Method, vol. 1, p. 73.
[417]
Holton, Einstein, History, and Other Passions, p. 73.
[418]
Citado em Bauer, Scientific Literacy and the Myth of Scientific Method, p. 89.
[419]
Lowe, “Comment” (on Hans Jonas), p. 154.
[420]
Quem me ajudou a ver isso foi Walker Percy, “The Fateful Rift: The San Andreas Fault in the Modern
Mind”; Percy, por sua vez, se refere a Peirce com sua concepção do homem como signo.
[421]
Minha fonte é Humanities and Sciences Quarterly de Stanford, verão de 1998, “Defining Disciplines:
Antropolgy Becomes Two Departments”.
[422]
Wilson, Consilience, p. 133; Begley, “Culture Club”; de Waal, The Ape and the Sushi Master.
[423]
Wilson, Consilience, pp. 131-32. Wilson se refere a Savage-Rumbaugh & Lewin, Kanzi: The Ape at
the Brink of the Human Mind; Wrangham, McGrew, de Waal & Heltne, eds., Chimpanzee Culture; e
Fischman, “New Clues Surface About the Making of the Mind”.
[424]
Packard, The Status Seekers, p. 24.
[425]
Ver Kitto, The Greeks, pp. 36 et seq., sobre o papel do clima ameno ao permitir os feitos culturais
extraordinários da Atenas antiga.
[426]
Autor de Watership Down, a história arrepiante de uma jornada perigosa feita por um grupo de coelhos
corajosos e não tão corajosos.
[427]
Wilson, Consilience, pp. 116, 70.
[428]
Ibid., p. 131.
[429]
A despeito dos esforços de alguns filósofos de mesclar os dois casos; ver Stich, From Folk Psychology
to Cognitive Science, e Haack, Evidence and Inquiry, pp. 162 et seq.
[430]
Churchland, “The Ontological Status of Observables”, “Folk Psychology and the Explanation of
Behavior” e “On the Nature of Theories”; discutidos com delongas em Haack, Evidence and Inquiry,
capítulo 8.
[431]
Ver capítulo 4 acima.
[432]
Wilson, Consilience, pp. 71, 79.
[433]
Ibid., p. 120.
[434]
Ver Haack, Evidence and Inquiry, pp. 173 et seq.; Price, Belief.
[435]
Talvez, dado o entusiasmo pelo conexionismo, a tese bizarra do Churchland que ninguém acredita em
nada poderia ser reinterpretada com generosidade como um modo exagerado de dizer que ter uma crença é
estar não em algum estado neurofisiológico simples, mas em alguma configuração neurofisiológica
complicada.
[436]
Uma pergunta feita a mim por Corliss Swain.
[437]
Esta frase foi escrita antes que eu visse, na exibição Kon-Tiki em Oslo, um travesseiro de pedra da Ilha
de Páscoa. Mas deixarei como está.
[438]
Ver capítulo 5, acima.
[439]
Searle, The Construction of Social Reality; a citação é da p. 3.
[440]
Giddens, “Nine Theses on the Future of Sociology”, pp. 30-31; minha fonte é Windschuttle, The
Killing of History, p. 206. Como veremos no capítulo 7, “reflexividade” tem um uso diferente entre os
sociólogos da ciência.
[441]
Machlup, “Are the Social Sciences Really Inferior?”, p. 161.
[442]
Schoeck, Envy, p. 3.
[443]
Ibid., p. 369, citando Levchine, Description des hordes et des steppes des Kirghiz-Kazaks ou Kirghiz-
kaissaks, p. 343.
[444]
Minhas fontes são “AIDS and the African”, Boston Globe; “A Devastated Continent”, Newsweek;
Bartholet, “The Plague Years”; Cowley, “Fighting the Disease: What Can Be Done”; e Zimmerman,
“AIDS’s Spread Inflames Other Crises” (a citação é de “AIDS and the African”, 10 de outubro de 1999,
A1). Reportagens recentes sugerem que a Índia enfrenta uma epidemia de AIDS transmitida por prostitutas
e seus clientes caminhoneiros, a China uma epidemia de AIDS transmitida por transfusões de sangue
inseguras, e a Rússia uma epidemia de AIDS transmitida por usuários de drogas e presidiários.
[445]
Mark Schoofs, “Undermined”; a citação é da p. A10.
[446]
Braithwaite, Scientific Explanation, p. 272.
[447]
Weber, “The Interpretive Understanding of Social Action”; e Schutz, “Concept and Theory Formation
in the Social Sciences”. Também estou usando Brodbeck, introdução à Parte 1 de Readings in the
Philosophy of the Social Sciences, e Heritage, Garfinkel and Ethnomethodology, pp. 38 et seq.
[448]
Se eu pudesse fazê-lo, este seria o lugar para tratar da filosofia da ciência social de Habermas; mas é
uma tarefa que terá de ficar para uma outra hora.
[449]
O exemplo é adaptado de Burdick, “On Davidson and Interpretation”.
[450]
Sobre as diferenças entre as versões de Davidson e Quine do Princípio da Generosidade, ver Burdick,
“On Davidson and Interpretation”; Haack, Evidence and Inquiry, pp. 61 et seq.; e Haack, “‘La teoria de la
coherencia de la verdad y el conocimiento’ de Davidson”.
[451]
Ver Meehl, Clinical versus Statistical Prediction.
[452]
Merton, Social Theory and Social Structure, p. 47.
[453]
Creio que essa expressão bacana vem do Richard Feynman.
[454]
Abrahamsen, The Psychology of Crime, p. 37; devo o exemplo a Barzun, Science: The Glorious
Entertainment, p. 222.
[455]
Andreski, Social Sciences as Sorcery, capítulo 10.
[456]
James, “On a Certain Blindness in Human Beings”; “The Methods and Snares of Psychology”.
[457]
Peirce, Collected Papers, 7:605.
[458]
No inglês britânico, “uninterested” seria incorreto, mas de acordo com o dicionário Webster (9ª ed.,
1991) é um sentido legítimo no inglês americano.
[459]
Ver também Haack, “Confessions of an Old-Fashioned Prig”.
[460]
Machlup, “Are the Social Sciences Really Inferior?”, p. 165.
[461]
Nagel, “The Value-Oriented Bias of Social Inquiry” (claro, ele não usa a minha terminologia).
[462]
Andreski, Social Sciences as Sorcery, p. 103.
[463]
Crick, What Mad Pursuit, p. 70.
[464]
Andreski, Social Sciences as Sorcery, p. 232.
[465]
Devo o exemplo ao Victor Fuchs.
[466]
Heilbroner, “Economics by the Book”, pp. 18-19.
[467]
Merton, Social Theory and Social Structure, p. 49.
[468]
Como escreve Fuchs na primeira seção de “What Every Philosopher Should Know About Health
Economics”, com título “If You Don’t Know Where You Are Going, Any Road Will Get You There” [“Se
você não sabe para onde está indo, qualquer caminho vai te levar até lá”], “Parte do problema é que não
decidimos o que é que queremos que o nosso sistema de saúde faça” (p. 186).
[469]
Andreski, Social Sciences as Sorcery, p. 100.
[470]
Ver capítulo 1.
[471]
McGinnis, “The Politics of Cancer Research”.
[472]
O argumento geral sobre a previsão nas ciências sociais é feito pelo Popper no prefácio de The Poverty
of Historicism.
[473]
Merton, “Science and the Social Order”, p. 254.
[474]
Polanyi, The Republic of Science, pp. 8, 16.
[475]
Wallis, introdução a On the Margins of Science, p. 5.
[476]
Woolgar, Science: The Very Idea, p. 99.
[477]
Barnes, Interests and the Growth of Knowledge, pp. 3-4 (Mannheim), 18-19 (Habermas).
[478]
Aronowitz, Science as Power, p. 346.
[479]
Collins & Pinch, Frames of Meaning, pp. 3-4.
[480]
Woolgar, Science: The Very Idea, p. 98.
[481]
Tomlinson, “After Truth: Post-Modernism and the Rhetoric of Science”, p. 53.
[482]
Fox, “The Ethnomethodology of Science”, p. 78.
[483]
Collins & Yearley, “Epistemological Chicken”.
[484]
Barnes, “Natural Rationality”, pp. 115, 124. Minha fonte é Roth, “What Does the Sociology of
Scientific Knowledge Explain?”, p. 98.
[485]
Barnes & Shapin, introdução de Natural Order, p. 11.
[486]
Shapin, “Homo Phrenologicus: Anthropological Perspectives on an Historical Problem”, pp. 42, 65 n.
1.
[487]
Ver capítulo 1 e capítulo 6.
[488]
Ver Haack, “Reflections on Relativism: From Momentous Tautology to Seductive Contradiction”.
[489]
Ver capítulo 6.
[490]
Fichada em detalhes agonizantes por Ashmore, The Reflexive Thesis.
[491]
Manier, “Levels of Reflexivity”, p. 203.
[492]
Bloor, Knowledge and Social Imagery, p. 5.
[493]
Ibid., p. 158. Barnes também sugerem que Popper é um relativista; mas, diferente de Bloor, que parece
simplesmente ter confundido relativismo com falibilismo, seu argumento é que o Racionalismo Crítico é no
fundo completamente convencionalista. Isso é verdade; mas dificilmente é um motivo para aceitar o
relativismo.
[494]
Ibid., pp. 158-159.
[495]
Bloor, “Sociology of Knowledge”, p. 486.
[496]
Ver capítulo 3.
[497]
MacKenzie, “Statistical Theory and Social Interests: a Case Study”; Barnes & MacKenzie, “On the
Role of Interests in Scientific Change”; MacKenzie, Statistics in Britain 1865-1930.
[498]
Barnes, Interests and the Growth of Knowledge, pp 59-63; Barnes & MacKenzie, “Scientific
Judgement: the Biometry-Mendelism Controversy”.
[499]
Wynne, “C. G. Barkla and the J Phenomenon: A Case Study of the Treatment of Deviance in Physics”.
[500]
Pickering, “The Role of Interests in High-Energy Physics: The Choice between Charm and Colour”.
[501]
Dean, “Controversy over Classification: A Case Study from the History of Botany”.
[502]
Harwood, “Professional Factors”.
[503]
Roth, “What Does the Sociology of Scientific Knowledge Explain?”, p. 96.
[504]
Bloor, “On the Strengths of the Strong Programme”, p. 211. Não há referência a Quine ou Duhem em
Knowledge and Social Imagery; há uma referência à Hesse no livro e outra no posfácio acrescentado na
edição de 1993, mas nenhuma delas é para o propósito.
[505]
Collins, “Stages in the Empirical Programme of Relativism”, p. 10, n. 7.
[506]
Pickering, Science As Practice And Culture, p. 6.
[507]
Woolgar, Science: The Very Idea, p. 114.
[508]
Shapin, “Homo Phrenologicus”, p. 42.
[509]
A citação é de Shapin, “The Politics of Observation”, p. 166; na p. 167 ele dá o seguinte título à seção
final do artigo: “Social Interests and Esoteric Knowledge: Some Speculations” [“Interesses Sociais e
Conhecimento Esotérico: Algumas Especulações”].
[510]
Devo esse argumento a Cornelis de Waal.
[511]
Bloor, Knowledge and Social Imagery, pp. 170, 171. Ver Slezak, “The Social Construction of Social
Constructionism”, para detalhes das mudanças na segunda edição do livro do Bloor — descritas como
“alterações estilísticas” e correção de erros ortográficos — que enfraqueceram suas alegações para evitar a
crítica de Laudan em “The Pseudoscience of Science”.
[512]
Harwood, para crédito dele, distingue.
[513]
Barnes, Bloor & Henry, Scientific Knowledge: A Sociological Analysis, p. 128.
[514]
Collins & Pinch, Frames of Meaning, pp. 185, 184.
[515]
Collins & Pinch, “The Construction of the Paranormal”, p. 262.
[516]
Collins, “Stages in the Empirical Programme of Relativism”, p. 3.
[517]
Collins & Yearley, “Journey into Space”, pp. 372, 384; minha fonte é Roth, “What Does the Sociology
of Scientific Knowledge Explain?”, p. 99.
[518]
Ver Collins & Pinch, Frames of Meaning, p. 5: “mostramos a inadequação de qualquer concepção de
grande discordância científica em termos puramente cognitivos tais como incompatibilidade lógica”.
[519]
Collins & Pinch, Frames of Meaning, p. 190, n. 1.
[520]
Collins, “What is TRASP?”, p. 216.
[521]
Ibid., p. 217; noto que neste caso não há aspas cautelosas em “real”.
[522]
Collins, “Special Relativism: The Natural Attitude”, p. 141.
[523]
Garfinkel, Lynch & Livingston, “The Work of Discovering Science Construed with Materials from the
Optically Discovered Pulsar”, p. 137. Note a referência dupla (presumivelmente irônica) à “descoberta”.
[524]
Ver Roll-Hansen, “Studying Natural Science without Nature?”, pp. 169-70.
[525]
Latour & Woolgar, Laboratory Life, pp. 17, 31.
[526]
Ver Sismondi, “Some Social Constructions” (minha fonte é Roll-Hanson, “Studying Natural Science
without Nature?”, p. 173); cf. Musgrave, “Idealism and Antirealism”.
[527]
Latour & Woolgar, Laboratory Life, pp. 69-70, 75, 129.
[528]
Ibid., p. 171.
[529]
Ibid., p. 105.
[530]
Da mesma forma que Knorr-Cetina, The Manufacture of Knowledge.
[531]
Latour & Woolgar, Laboratory Life, pp. 85, 106, 125-26.
[532]
Ibid., p. 108.
[533]
Fox, “The Ethnomethodology of Science”, p. 73.
[534]
Latour & Woolgar, Laboratory Life, p. 177.
[535]
Barnes, “On the ‘Hows’ and ‘Whys’ of Social Change”, p. 492. Na introdução de Science in Context,
no entanto, Barnes — ou, talvez, possa-se ter a esperança que foi seu coeditor, Edge — escreve que
“ordenamentos específicos são construídos, não revelados; inventados, não descobertos” (p. 5).
[536]
Woolgar, “Critique and Criticism: Two Readings of Ethnomethodology”, pp. 507-508.
[537]
Latour & Woolgar, Laboratory Life, p. 34.
[538]
Woolgar, Science: The Very Idea, p. 106.
[539]
Woolgar, “The Ideology of Representation and the Role of the Agent”; a citação é da p. 140.
[540]
Gilbert & Mulkay, Opening Pandora’s Box: A Sociological Analysis of Scientists’ Discourse.
[541]
Mulkay, Sociology of Science: A Sociological Pilgrimage, p. xvii.
[542]
Mulkay, “Noblesse Oblige”, in Sociology of Science.
[543]
Não, isso não foi um erro de digitação; é uma referência a um artigo que Pinch atribui a “Pinch &
Pinch”, com título “Reservations about Reflexivity and New Literary Forms or Why Let the Devil Have All
the Good Tunes?” [“Reservas a respeito da Reflexividade e Novas Formas Literárias ou Por que deixar o
Diabo ter todas as canções boas?”] .
[544]
Como relatado em Collins & Yearley, “Epistemological Chicken”, p. 305. No ano 2000, fiquei
espantada ao ler, no Oxford Today, que Woolgar agora é professor de administração em Oxford.
[545]
Reproduzida de Bauer, Scientific Literacy and the Myth of Scientific Method.
[546]
Hunt, The New Know-Nothings.
[547]
Angell, “Is Scientific Medicine for Sale?” (discutido no capítulo 11).
[548]
Goodstein tem o cuidado de fazer essa distinção (“Conduct and Misconduct in Science”, pp. 34-35).
As agências federais americanas, incluindo o Serviço Público de Saúde e a Fundação Nacional da Ciência,
no entanto, falam de “fabricação, falsificação, plágio” e Nylenna et al., em “Handling of Scientific
Dishonesty in the Nordic Countries”, falam de “violações à ética de pesquisa e publicação”.
[549]
Minha fonte é Human, ed., Science and Reform: Selected Works of Charles Babbage, pp. 122 et seq.
[550]
Sapp, Where the Truth Lies, pp. 20, 297.
[551]
Minha fonte é Broad & Wade, Bretrayers of the Truth, pp. 34-35.
[552]
Kamin, The Science and Politics of I.Q.; Jensen, “Kinship Correlations Reported by Sir Cyril Burt”;
Hearnshaw, Cyril Burt, Psychologist, capítulo 12. Ver também Broad & Wade, Betrayers of the Truth, pp.
203 et seq.; Gould, The Mismeasure of Man; e Grove, In Defence of Science, pp. 106 et seq.
[553]
Gillie, “Crucial Data Was Faked by Eminent Psychologist”.
[554]
Hearnshaw, Cyril Burt, Psychologist.
[555]
Como é citado no livro do Sapp, publicado em 1990.
[556]
Joynson, The Burt Affair. Obrigada ao Edward Jayne pela indicação do livro.
[557]
Medawar, “The Strange Case of the Spotted Mice” (sobre The Patchwork Mouse de Hixson) é
particularmente esclarecedor sobre isso; ver também “Scientific Fraud” dele próprio (sobre Betrayers of the
Truth de Broad & Wade). Ambas as resenhas estão reimpressas em The Threat and the Glory.
[558]
Merton, “The Normative Structure of Science”, p. 276.
[559]
Broad & Wade, Betrayers of the Truth, p. 87.
[560]
Ver Hull, Science as Process, nesse assunto.
[561]
Ver Anderson, Impostors in the Temple, capítulo 4. De acordo com Begley, “Science Breaks Down
When Cheaters Think They Won’t Be Caught”, em dois casos recentes — o trabalho do Jan Hendrick
Schon, dos Laboratórios Lucent Bell, e a suposta descoberta de um novo átomo no Laboratório Nacional
Lawrence Berkeley — os cientistas fraudadores aparentemente tinham enganado os seus colaboradores. A
primeira de várias retratações de artigos baseados nos dados do Schon foi publicada na Science em 1º de
novembro de 2002.
[562]
Polanyi, The Republico f Science; Merton, “Science and the Social Order”.
[563]
Ver Soifer, The Tragedy of Soviet Science; Counts & Lodge, The Country of the Blind, capítulo 6 (que
inclui várias citações de artigos e discursos contemporâneos); Broad & Wade, Betrayers of the Truth, pp.
186-92, são informativos e breves. Aronowitz, que defende que “a ideologia é inevitável em todo trabalho
intelectual” (Science as Power, p. 204), afirma que o caso Lysenko é mal entendido quando tomado para
mostrar os perigos da interferência política na ciência.
[564]
Ver Beyerchen, Scientists under Hitler; “What We Now Know about Nazism and Science”.
[565]
Ver capítulo 11.
[566]
Do discurso de aceitação do prêmio Nobel de Delbrück em 1969; minha fonte é Judson, The Eighth
Day of Creation, p. 614.
[567]
Essa expressão, agora famosa, é de Glymour, em Theory and Evidence, p. ix.
[568]
Max Perutz, “The Pioneer Defended”, p. 58.
[569]
O conceito da estética é mais complexo e tem uma história mais complexa que o meu uso casual
sugere; Harries, The Broken Frame, explora algumas das complexidades que deixarei de lado.
[570]
Einstein, “Physics and Reality”, p. 295.
[571]
Medawar, Induction and Intuition in Scientific Thought, p. 48; minha fonte é Judson, The Eighth Day
of Creation, pp. 226, 640.
[572]
Jones, “Odd Outing”; Tanenhaus, “Bellow, Bloom and Betrayal”.
[573]
Irving Wallace, The Prize, p. 702.
[574]
Stendhal, The Red and the Black; Twain, Life on the Mississippi (devo o último exemplo a Asma
Uddin).
[575]
Shakespeare, A Midsummer Night’s Dream, ato 3, cena 2, linhas 296, 323-26, 328-29.
[576]
Wallace, The Man, p. 453.
[577]
O que não faz dele, de forma alguma, uma “fraude”, como sugere Medawar.
[578]
Ver capítulo 5.
[579]
Uma possibilidade trazida à minha atenção pelo Michael Neumann.
[580]
Eliot, Daniel Deronda, p. 268.
[581]
Ou falsidades; como descobri recentemente (graças a Adrian Larner), a Igreja Católica Apostólica,
fundada no começo do reinado da Rainha Vitória com doze discípulos, defendia que Cristo viria em glória
antes que todos os discípulos originais morressem; mas quando o último daqueles discípulos morreu e
Cristo não tinha vindo, colocaram um anúncio no Times para divulgar que estavam encerrando sua igreja
porque se enganaram.
[582]
Festinger, A Theory of Cognitive Dissonance; Festinger, Riecken & Schachter, When Prophecy Fails.
[583]
Bradbury, Stepping Westward.
[584]
Lodge, Changing Places.
[585]
Crick, “The Genetic Code”; Judson, The Eighth Day of Creation, pp. 462, 482, 285.
[586]
Frege, “On Sense and Reference”.
[587]
Richards, Science and Poetry, p. 29.
[588]
Minha fonte é Robert Merton, Social Theory and Social Structure, p. 70; contudo, Merton não oferece
referência.
[589]
Haack, Manifesto de Uma Moderada Apaixonada, p. vi.
[590]
Gross & Levitt, Higher Superstition, pp. 98 et seq.; Hayles, Chaos Bound.
[591]
Sokal & Bricmont, Fashionable Nonsense; Lacan, “Of Structure as an Inmixing of Otherness
Prerequisite to Any Subject Whatever”; Irigaray, “Sujet de science, sujet sexué?”.
[592]
Sturrock, “Le Pauvre Sokal”, p. 8.
[593]
Judson, The Eighth Day of Creation, p. 183.
[594]
Sayre, Rosalind Franklin and DNA, especialmente pp. 17 et seq.; ver também Judson, The Eighth Day
of Creation, pp. 147 et seq.
[595]
Bronowski, “Honest Jim and the Tinker-Toy Model”, reimpresso na edição de Stent de The Double
Helix.
[596]
Limon, “The Double Helix as Literature”, p. 36.
[597]
Ibid., pp. 30-31.
[598]
Halloran, “Towards a Rhetoric of Scientific Revolution”, p. 229.
[599]
Avery, MacCleod & McCarty, “Studies of the Chemical Nature of the Substances Inducing
Transformation in Pneumococcal Types”.
[600]
Ver Judson, The Eighth Day of Creation, p. 57.
[601]
Ver capítulo 3 e capítulo 4.
[602]
Ver Judson, The Eighth Day of Creation, p. 39.
[603]
Darwin, Autobiography and Letters, p. 105; a citação é de Origin of Species, p. 440.
[604]
Gross, The Rhetoric of Science, p. 55.
[605]
Sobre a questão da exatidão do relato do Watson que Franklin era anti-helicoidal, e que ele e Crick
estavam em uma grande corrida contra Pauling, ver Judson, The Eighth Day of Creation, pp. 141 e 151
(Franklin); 154, 161-62 e 193 (Pauling).
[606]
Gross, The Rhetoric of Science, p. 60. O nome do Bronowski, no entanto, não aparece no índice do
livro do Gross.
[607]
Grata ao Michael McCracken por me lembrar da relevância desses dois ditados.
[608]
Gross, The Rhetoric of Science, pp. 59, 61.
[609]
Lewontin, “‘Honest Jim’s’ Big Thriller About DNA”, p. 2.
[610]
Gross, The Rhetoric of Science, p. 62.
[611]
Ibid., p. 200.
[612]
Ibid., p. 201-206; o termo “realismo retórico” é meu.
[613]
Ver capítulo 5.
[614]
Gross, The Rhetoric of Science, p. 204.
[615]
Sobre os pressupostos da investigação científica e empírica cotidiana, ver capítulo 5; sobre os
pressupostos da investigação teológica, ver capítulo 10.
[616]
Ver Vickers, In Defense of Rhetoric.
[617]
Gross, The Rhetoric of Science, pp. 12, 206-207.
[618]
Ibid., p. viii (Perutz é citado na página anterior).
[619]
Gross, “Learned Ignorance”, p. 95.
[620]
Judson, The Eighth Day of Creation, p. 501.
[621]
McCloskey, Knowledge and Persuasion in Economics, pp. 273 et seq., criticando Maki, “Two
Philosophies of the Rhetoric of Economics” e “Diagnosing McCloskey”.
[622]
McCloskey, Knowledge and Persuasion in Economics, pp. 99 et seq.
[623]
Crick, What Mad Pursuit, p. 13.
[624]
Judson, The Eighth Day of Creation, p. 409.
[625]
Ver Portugal & Cohen, A Century of DNA.
[626]
Olby, The Path to the Double Helix; Portugal & Cohen, A Century of DNA.
[627]
Judson, The Eighth Day of Creation, pp. 394-95. Como indicam as aspas cautelosas, o uso de “macho”
e “fêmea” nesse contexto é estendido: bactérias com o fator F ou plasmídeo F são chamadas de “machos” e
aquelas sem o fator ou plasmídeo de “fêmeas” (devo essa informação ao David Wilson).
[628]
Ver também Haack, “Dry Truth and Real Knowledge: Epistemologies of Metaphor and Metaphors of
Epistemology”; Boyd, “Metaphor and Theory Change”. De forma geral, penso que a concepção do Boyd do
papel da metáfora na ciência é atraente; mas não me subscrevo, como ele faz, à teoria da metáfora de Black,
ou ao modelo Putnam-Kripke da linguagem científica.
[629]
Trivers, Social Evolution, p. 47.
[630]
Hamilton, “Genetical Evolution of Social Behaviour”, parte 1, p. 1.
[631]
Trivers, Social Evolution, p. 207 (definição de investimento parental; fêmeas fazem todo o
investimento), e 203 (comportamento dos pombos).
[632]
Daly & Wilson, Sex, Evolution, and Behavior, pp. 31-32, 56-57.
[633]
Dawkins, The Selfish Gene, capítulo 9.
[634]
Barash, Sociobiology and Behavior, p. 189.
[635]
Wilson, Consilience, p. 169.
[636]
Trivers, Social Evolution, p. 52.
[637]
Rorty, Consequences of Pragmatism, p. 92; ver também Haack, “As for That Phrase, ‘Studying in a
Literary Spirit’…”
[638]
Daubert I, 509 U.S. 596-97, 113 Sup. Ct. 2798 (1993).
[639]
Ver Ruse, ed., But Is It Science?
[640]
Ver Bonnischen & Schneider, “Battle of the Bones”; Hunt, The New Know-Nothings, pp. 320–26;
Chatters, Ancient Encounters. A questão jurídica foi resolvida em agosto de 2002, quando o magistrado
americano Jelderks decidiu que os restos mortais do homem de Kennewick, em vez de serem entregues às
tribos nativas americanas que os reivindicavam, poderiam ser estudados por antropólogos. [N. do T.: A
maré virou no ano de 2016, quando o Congresso americano aprovou legislação nova para dar custódia a
restos mortais milenares a nativos: o homem de Kennewick e a múmia da Caverna dos Espíritos, em
Nevada, entre outros, foram entregues para enterro pelos nativos locais após análise de parentesco genético.
As análises de ancestralidade, no entanto, mostram que esses mortos são aparentados a nativos americanos
em geral, às vezes mais aos do sul do que do norte, como no caso da múmia de Nevada
(seattlepi.com/local/politics/article/Bones-of-Kennewick-Man-the-Ancient-One-9395924.php;
nature.com/news/north-america-s-oldest-mummy-returned-to-us-tribe-after-genome-sequencing-1.21108).]
[641]
Hansen, “The Great Detective”.
[642]
Ver também o capítulo 11.
[643]
R. vs. Bourguignon. Ver também Koehler, Chia & Lindsey, “The Random Match Probability in DNA
Evidence”.
[644]
Cohen, “Reasonable Doubt”.
[645]
Huber, Galileo’s Revenge; “Junk Science in the Courtroom”; Huber & Foster, eds., Judging Science.
[646]
Cheseboro, “Galileo’s Retort”.
[647]
Schmitt, “Witness Stand”.
[648]
Hand, “Historical and Practical Considerations Regarding Expert Testimony”, p. 54.
[649]
Ver Schwartz, “A ‘Dogma of Empiricism’ Revisited”, (argumentando a favor da decisão no caso Frye
que a epistemologia feminista estabeleceu o caráter social da ciência); Notturno, “Popper, Daubert, and
Kuhn,” (argumentando a favor da decisão no caso Daubert que Popper estabeleceu a falibilidade da
ciência).
[650]
Hand, “Historical and Practical Considerations Regarding Expert Testimony,” pp. 40-49; a data (1620)
é dada na p. 45.
[651]
Landsman, “Of Witches, Madmen, and Product Liability,” p. 141.
[652]
“O réu no caso Frye foi mais tarde perdoado quando outra pessoa confessou o crime”, escreve Paul
Giannelli em “The Admissibility of Novel Scientific Evidence”, n. 42. Giannelli cita Wicker, “The
Polygraphic Truth Test and the Law of Evidence”; Wicker, diz ele, cita o Fourteenth Annual Report of the
Judicial Council of the State of New York (1948), 265. Mas, de acordo com uma explicação mais detalhada
que pude encontrar sobre as reviravoltas da história do sr. Frye — “A Still-Life Water-Color”, do Starrs —
nada disso é verdade.
[653]
Minha fonte é Starrs, “A Still-Life Water-Color”, p. 694; ele faz referência ao “Transcript on Appeal,
Arquivo 3968, arquivos inativos, National Records Center, Suitland, MD.”
[654]
Do voto do juiz Van Ordsel para o tribunal de recursos no caso Frye.
[655]
Minha fonte é Giannelli, “The Admissibility of Novel Scientific Evidence”, p. 1207.
[656]
Ver Black, Ayala & Saffran-Brinks, “Science and the Law in the Wake of Daubert,” pp. 735 et seq.,
listando o caso Reed vs. Estado e Estados Unidos vs. Addison, que rejeitou evidência de impressão vocal de
acordo com o teste Frye; e Commonwealth vs. Lykus, que admitiu evidência de impressão vocal de acordo
com o teste Frye. Há um resumo útil dos casos relevantes no Simpósio sobre a Ciência e Regras de
Evidência em Federal Rules Decisions, 1984.
[657]
Giannelli comenta: “se o ‘campo de especialização’ é estreito demais... o julgamento da comunidade
científica se torna, na realidade, a opinião de alguns poucos especialistas” (“The Admissibility of Novel
Scientific Evidence”, pp. 1209-10).
[658]
Mais uma vez, minha fonte é Giannelli, “The Admissibility of Novel Scientific Evidence”, pp. 1222 et
seq.
[659]
McCormick, McCormick on Evidence, p. 364.
[660]
Barefoot vs. Estelle, 463 U.S. 919; 103 Sup. Ct. 3408 (1983).
[661]
Barefoot vs. Estelle, 463 U.S. 901; 103 Sup. Ct. 3398.
[662]
Barefoot vs. Estelle, 463 U.S. 898; 103 Sup. Ct. 3397.
[663]
Barefoot vs. Estelle, 463 U.S. 916; 103 Sup. Ct. 3407.
[664]
Barefoot vs. Estelle, 463 U.S. 929; 103 Sup. Ct. 3413, & 463 U.S. 932, 130 Sup. Ct. 3415.
[665]
Apoio-me em Giannelli, “The Admissibility of Scientific Evidence”, pp. 1229–30. Ele menciona
Saltzburg & Redden, Federal Rules of Evidence Manual, p. 426, como defesa de que as Normas Federais
são compatíveis com o teste Frye porque elas não mencionam a aceitação geral; e Wright & Graham,
Federal Practice and Procedure, p. 92, como defea de que as Normas Federais são incompatíveis com o
teste Frye porque elas não mencionam a aceitação geral.
[666]
Graham, Federal Rules of Evidence (edição de 1987), p. 92.
[667]
Minha fonte é Gottesman, “From Barefoot to Daubert to Joiner”, pp. 757-58.
[668]
Daubert I, 509 U.S. 598; 113 Sup. Ct. 2794.
[669]
Daubert I, 509 U.S. 580; 113 Sup. Ct. 2790.
[670]
Daubert I, 509 U.S. 593; 113 Sup. Ct. 2796.
[671]
Green, “Expert Witnesses and Sufficiency of Evidence in Toxic Substance Litigation”, p. 645. Uma
nota (12) faz referência ao Popper, mas não encontrei referência ao Hempel.
[672]
Daubert I, 509 U.S. 600–601; 113 Sup. Ct. 2800.
[673]
Daubert II, 43 F. 3d 1316 (9th Cir. 1995).
[674]
Astara Moren, “Drug Revived to Fight Morning Sickness”, NurseWeek [online], (11/10/2000); agora
indisponível — Ver Lauran Neergaard, “FDA approves return of drug for morning sickness”, Yahoo News,
09/04/2013; news.yahoo.com/fda-approves-return-drug-morning-sickness-234415245--politics.html (acesso
em 04/05/2021).
[675]
Como ressalta Gottesman em “From Barefoot to Daubert to Joiner”.
[676]
De acordo com Kesan, “An Autopsy of Scientific Evidence in a Post-Daubert World”, p. 1992, antes
de Daubert, 29 estados seguiam Frye, e 20 seguiam algum padrão de relevância e confiabilidade. Seis dos
13 estados que consideraram se seguiriam Daubert decidiram por manter Frye, e, até 1995, 22 estados ainda
seguiam Frye.
[677]
Estados Unidos vs. Bonds, 558, 560. Ver Kesan, “An Autopsy of Scientific Evidence in a Post-Daubert
World”, pp. 2030–31; Scheck, “DNA and Daubert”, pp. 1991 et seq.; a citação é da p. 1993.
[678]
Em Estados Unidos vs. Martinez (1993), o tribunal não considerou a taxa de erro ou os problemas de
subestrutura de população na evidência de DNA; em Estados Unidos vs. Chinchilly (1994), o tribunal
sustentou que as falhas na metodologia de caracterização de suspeito pelo DNA afetavam o peso das
evidências, não sua admissibilidade; em Estados Unidos vs. Davis (1994), o tribunal sustentou uma
audiência do tipo Frye. Minha fonte é Kesan, “An Autopsy of Scientific Evidence in a Post-Daubert
World”, pp. 2031–33.
[679]
In Estados Unidos vs. Posado, evidências de polígrafo foram admitidas conforme Daubert; em
Estados Unidos vs. Black, foram excluídas conforme Daubert; em Estados Unidos vs. Lech e em Conti vs.
Commissioner, em vez de uma audiência do tipo Daubert ter sido sustentada, as evidências de polígrafo
foram excluídas conforme a Norma 403; e em Estados Unidos vs. Rodriguez, sustentou-se que as
evidências de polígrafo não podem ser nem excluídas nem aceitas apressadamente. Minha fonte é Kesan,
“An Autopsy of Scientific Evidence in a Post-Daubert World”, pp. 2014–16.
[680]
De acordo com David Faigman, há cerca de 700 casos federais por ano envolvendo Daubert.
[681]
General Electric Co. vs. Joiner, 522 U.S. 136; 118 Sup. Ct. 514 (1997), citando Joiner vs. Gen. Elec.
Co., 864 F.Supp. 1310, 1326 (N.D. Ga. 1994), que por sua vez cita Daubert I (onde a expressão ocorre três
vezes), 509 U.S. 590, 597, 599; 113 Sup. Ct. 2786, 2795, 2800.
[682]
Ver Gen. Elec. Co. vs. Joiner, 552 U.S. 140; 118 Sup. Ct. 516.
[683]
Porém, a questão dos furanos e dioxinas continuou em aberto, segundo a Suprema Corte.
[684]
Brief for Petitioners, Gen. Elec. Co. vs. Joiner, p. 47.
[685]
Brief for Petitioners, Gen. Elec. Co. vs. Joiner, p. 49, citando Skrabanek & McCormick, Follies and
Fallacies in Medicine, p. 35, citado por Huber & Foster, eds., Judging Science, p. 142. Noto que, na mesma
página, Skrabanek e McCormick fazem referência ao que chamam de “falácia do peso das evidências”; isso,
alegam eles, não é científico porque a ciência, de acordo com Popper, enfoca as evidências negativas (que
não podem ser sobrepujadas por exemplos confirmatórios). Embora eu tome nota de os advogados da GE
citarem Peter Huber, também apontarei que Kenneth Cheseboro era um dos advogados do sr. Joiner.
[686]
Argumentação Oral do Michael H. Gottesman, Gen. Elec. Co. vs. Joiner, pp. 43-44. O sr. Gottesman
também era um dos advogados do sr. Daubert.
[687]
Gen. Elec. Co. vs. Joiner, 552 U.S. 155; 118 Sup. Ct. 523 (ênfase minha).
[688]
Gen. Elec. Co. vs. Joiner, 522 U.S. 151; 118 Sup. Ct. 521 (Stevens, J. ao divergir).
[689]
Kumho Tire Co., Ltd. vs. Carmichael, 526 U.S. 138, 148; 119 Sup. Ct. 1169, 1174.
[690]
Kumho Tire Co., Ltd. vs. Carmichael, 526 U.S. 151; 119 Sup. Ct. 1175.
[691]
Kumho Tire Co., Ltd. vs. Carmichael, 526 U.S. 138–39; 119 Sup. Ct. 1170.
[692]
Gen. Elec. Co. vs. Joiner, 522 U.S. 136, 148; 118 Sup. Ct. 512, 520.
[693]
Para um histórico e mais detalhes, ver Hooper, Cecil & Willging, “Assessing Causation in Breast
Implant Litigation: The Role of Science Panels”.
[694]
Submission of Rule 706 National Science Panel Report, p. 2, In re: Silicone Gel Breast Implant
Products Liability Litigation (N.D. Ala. 1998) (No. CV 92-P-10000-S), Federal Judicial Center [online].
(Endereço acessado pela autora agora indisponível. Ver fonte alternativa em
fjc.gov/sites/default/files/2012/NeuSciPa.pdf, acesso em 05/05/2021.)
[695]
“Só” porque não apenas a soma é trivial comparada às indenizações ganhas em alguns casos de
implantes, mas também porque é uma quantia bem modesta dada a enormidade da tarefa. Porém, houve o
custo adicional da consultoria especial ao júri: U$1.157.594,74.
[696]
Submission of Rule 706 National Science Panel Report, p. 8.
[697]
“Pointer Rules Federal Science Panel Report Not Tainted by Payments to Panelist”, p. 4. A
discrepância entre os relatórios sobre o montante de dinheiro envolvido — os requerentes disseram U$750,
a corte disse U$500 — pode ser uma diferença entre dólares canadenses e americanos. Os requerentes
também objetaram que um colega que deu assistência ao trabalho do Dr. Tugwell no painel recebera apoio
de uma empresa de completa propriedade da Bristol-Meyers Squibb.
[698]
Ver Walker & Monahan, “Scientific Authority: The Breast Implant Litigation and Beyond”; Hooper,
Cecil & Willging, “Assessing Causation in Breast Implant Litigation”.
[699]
Goldberg, “Judges’ Unanimous Verdict on DNA Lessons: Wow!”
[700]
Bandow, “Keeping Junk Science out of the Courtroom”.
[701]
Black, Ayala & Saffran-Brinks, em “Science and the Law in the Wake of Daubert,” pp. 750 et seq.,
parecem ter confundido a corroboração, no sentido do Popper, com a confirmação. Green — que, a
propósito, introduz a filosofia da ciência do Popper em termos kuhnianos, como “o paradigma existente sob
o qual os cientistas trabalham”! — reconhece que Popper defende que “[t]eoricamente... as hipóteses nunca
são provadas afirmativamente”, mas continua com “obviamente, se uma hipótese resiste repetidamente à
falsificação, pode-se tender a aceitá-la, mesmo condicionalmente, como verdadeira” (“Expert Witnesses and
Sufficiency of Evidence in Toxic Substance Litigation,” pp. 645–46).
[702]
Faigman, “Annual Report on Science and Law” (2001).
[703]
E de quaisquer barulhos reconfortantes sobre a capacidade dos jurados de avaliar o peso das evidências
científicas.
[704]
O termo e a ideia vêm de Sellars, “Scientific Realism or Irenic Instrumentalism?”, p. 172.
[705]
61 FR 19760-01: 17972 (1996), itálico meu.
[706]
Gen. Elec. Co. vs. Joiner, 522 U.S. 148; 118 Sup. Ct. 520 (Breyer, J., concordando).
[707]
Peters, “Benchmark Victory for Sound Science”.
[708]
“An Unnatural Disaster”.
[709]
Jay Reeves, “No Implant-Disease Link?” ABC News [online], 01/12/1998. Endereço da notícia e texto
agora indisponíveis (tentativa de acesso em 09/06/2021). Para recuperação do contexto, ver Lidia
Wasowicz, “Studies show no implant-disease link”, UPI, 25/10/1995. Disponível em
upi.com/Archives/1995/10/25/Studies-show-no-implant-disease-link/2585814593600/
[710]
“Silicone Breast Implants Do Not Cause Chronic Disease, but Other Complications Are of Concern,”
National Academies [online], 21/06/1999. Endereço recuperado disponível em
www8.nationalacademies.org/onpinews/newsitem.aspx?RecordID=9602, acesso em 09/06/2021.
[711]
“Transcript of Rule 706 Panel Hearing 91,” Women in Health [online], 04/02/1999. Endereço agora
indisponível. Fonte similar disponível em fjc.gov/sites/default/files/2012/NeuSciPa.pdf, acesso em
09/06/2021.
[712]
Contudo, aponto a discussão dessa questão em Gottesman, “From Barefoot to Daubert to Joiner”, n.
39.
[713]
Ver Jonakait, “Forensic Science: The Need for Regulation”.
[714]
Ver Schwartz, “A ‘Dogma of Empiricism’ Revisited”, pp. 206 et seq., para sugestões nessa linha.
[715]
Gen. Elec. Co. vs. Joiner, 522 U.S. 148; 118 Sup. Ct. 520.
[716]
No Symposium on Science and Rules of Evidence, Federal Rules Decisions, 1984, p. 206. Ver também
Schwartz, “A ‘Dogma of Empiricism’ Revisited”, pp. 229 et seq.
[717]
Os padrões de admissibilidade relativamente flexíveis, ao que parece, de depoimentos científicos
adotados pela Suprema Corte do Canadá no caso R. vs. Mohan (1994) foram substituídos em R. vs. J.-L.J.
(2000) por critérios similares aos de Daubert I.
[718]
Citado em Vadislav, ed., Vaclav Havel, or Living in the Truth, pp. 139-39, apud Holton, Science and
Anti-Science, pp. 177, 188.
[719]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, p. 260.
[720]
Ibid.
[721]
Einstein, “The Religious Spirit of Science”, p. 40.
[722]
Isso provavelmente deixa de fora o budismo como algo que realmente é uma religião, como estou
usando o termo — uma consequência que estou disposta a aceitar, em especial porque a questão do conflito
entre a ciência e a religião parece emergir em primeiro lugar no que diz respeito ao cristianismo, ao
judaísmo e ao islã.
[723]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, pp. 245-46.
[724]
Minha fonte é Mencken, Treatise on the Gods, p. 259.
[725]
Paley, Natural Theology.
[726]
Minha fonte é McIver, Anti-Evolution, p. 245.
[727]
McIver, Anti-Evolution, p. 91; a citação sobre o esqueleto do mamute é de White, A History of the
Warfare of Science with Theology in Christendom 1:242.
[728]
Browne, Charles Darwin, Voyaging, citado em Gardner, “The Religious Views of Stephen Gould and
Charles Darwin”, p. 8.
[729]
Darwin, On Evolution, p. 73.
[730]
Darwin, carta a Asa Gray, citada em Gardner, “The Religious Views of Stephen Gould and Charles
Darwin”, p. 9.
[731]
Para a frase corrigida na segunda edição, ver Gardner, Great Essays in Science, p. 13. O itálico é meu.
[732]
Huxley, Collected Essays, 5:237-38.
[733]
White, A History of the Warfare Between Science and Theology in Christendom, 1:70 (Wilberforce), 84
(Whewell).
[734]
Darwin, Autobiography and Letters, p. 267.
[735]
Minha fonte é Futuyma, Science on Trial, p. 24.
[736]
McIver, Anti-Evolution, p. 290.
[737]
Darwin, Autobiography and Letters, p. 242.
[738]
Himmelfarb, Darwin and the Darwinian Revolution, pp. 392-93.
[739]
White, The History of the Warfare Between Science and Theology in Christendom, 1:253.
[740]
McIver, Anti-Evolution, p. xiv.
[741]
White, A History of the Warfare of Science with Theology in Christendom, 1:5 et seq.
[742]
Aprendi sobre esse uso em Pennock, Tower of Babel, para o qual encaminho os leitores que queiram
uma discussão detalhada das várias formas de criacionismo.
[743]
Futuyma, Science on Trial, p. 205. Talvez os crentes responderão que Deus mandou os animais para
Noé; mas dou-me por satisfeita.
[744]
Easterbrook, “The New Fundamentalism”.
[745]
Behe, Darwin’s Black Box, p. 168, citando Dose, “The Origins of Life: More Questions Than
Answers”, p. 348.
[746]
Johnson, Darwin on Trial, p. 27.
[747]
Ibid., pp. 11-12.
[748]
Ibid., pp. 145-54.
[749]
Ibid., pp. 114-16.
[750]
Gross, “Politicizing Science Education”, p. 9.
[751]
Johnson, Darwin on Trial, pp. 25-26.
[752]
Futuyma, Science on Trial, p. 204.
[753]
Shermer, How We Believe, p. 114.
[754]
Maddox, What Remains to be Discovered, pp. 166-67. Para uma explicação resumida das descobertas
científicas e controvérsias desde a publicação do livro de Maddox, ver Begley, “The New Old Man” e
“Bickering over Old Bones”.
[755]
Pennock, Tower of Babel, pp. 268 et seq. Em outras passagens do livro ele faz críticas detalhadas a
outros argumentos do Behe.
[756]
Usei Dawkins, The Blind Watchmaker, pp. 39-41, 45 e 91-92. Ele cita Montefiore, The Probability of
God. Sobre a imperfeição como evidência da evolução, ver Gould, The Panda’s Thumb [O Polegar do
Panda].
[757]
Ver também Weinberg, Dreams of a Final Theory, pp. 48-50, sobre por que razão ele não se daria ao
trabalho de testar certas alegações, por exemplo, da telecinesia.
[758]
Faço alusão às fontes que usei aqui: Pigliucci, “Where Did We Come From?” (que inclui uma
bibliografia útil de fontes históricas e contemporâneas); Maddox, What Remains to Be Discovered, parte 2.
[759]
Darwin para Hooker, apud Maddox, What Remains to Be Discovered, p. 127.
[760]
Pigliucci, “Where Do We Come From?”
[761]
Maddox, What Remains to Be Discovered, p. 133.
[762]
Ibid., pp. 25 et seq. (a citação é da p. 25).
[763]
Continuo a me basear em Maddox, What Remains to Be Discovered, dessa vez nas pp. 52-59.
[764]
Guth, The Inflationary Universe, p. 276; minha fonte é Shermer, How We Believe, p. 108.
[765]
Hawking, A Brief History of Time, p. 175; minha fonte é Shermer, How We Believe, p. 103.
[766]
Buckley, “Religion and Science: Paul Davies and John Paul II”, apud Grünbaum, “A New Critique of
Theological Interpretations of Physical Cosmology”, p. 26.
[767]
White, A History of the Warfare of Science and Theology in Christendom, 1:2; a citação é de antigas
escrituras dos caldeus que inspiraram o Velho Testamento.
[768]
Weinberg, “A Designer Universe?”
[769]
Maddox, What Remains to Be Discovered, p. 151.
[770]
Uso Grünbaum, “A New Critique of Theological Interpretations of Physical Cosmology”, p. 30.
[771]
Earman, “The SAP [Strong Anthropic Principle] Also Rises”, p. 134; minha fonte é Grünbaum, “A
New Critique of Theological Interpretations of Physical Cosmology”, p. 30.
[772]
Minha fonte é Johnson, Darwin on Trial, p. 123.
[773]
Minha fonte é Johnson, Darwin on Trial, p. 124.
[774]
Gross, “Politicizing Science Education”, p. 10.
[775]
Não, eu não inventei essa parte.
[776]
A citação vem de um programa de televisão da BBC chamado “Mestre do Universo”; minha fonte é
Shermer, How We Believe, p. 102. No fim de Uma Breve História do Tempo, Hawking tinha escrito que, se
conhecêssemos as últimas leis da natureza, “conheceríamos a mente de Deus”; mas parece claro que essa
foi uma figura de linguagem em vez de uma afirmação de crença em um Deus pessoal.
[777]
Davies, The Mind of God, p. 189; minha fonte é Shermer, How We Believe, p. 103.
[778]
Minha discussão será relativamente breve. Há uma discussão mais longa e detalhada em Olding,
Modern Biology and Natural Theology (e uma discussão mais longa e detalhda sobre Behe — mais
simpática que a minha — em Olding, “Maker of Heaven and Microbiology”).
[779]
Swinburne, Is There a God?, pp. 68, 2.
[780]
Ibid., p. 49.
[781]
Ibid., p. 2.
[782]
Ibid., p. 41.
[783]
Grünbaum, “A New Critique of Theological Interpretations of Physical Cosmology”, p. 21.
[784]
Swinburne, Is There a God?, p. 37.
[785]
Grünbaum, “A New Critique of Theological Interpretations of Physical Cosmology”, p. 23.
[786]
Swinburne, Is There a God?, p. 130.
[787]
Ibid., p. 134.
[788]
A distinção tipográfica não é de Swinburne, é minha.
[789]
Como também nota Weinberg (Dreams of a Final Theory, p. 254).
[790]
Shermer, How We Believe, pp. 34-35 (a Virgem Maria e a locadora Ugly Duck) e 65-69 (evidências
neurofisiológicas; Lutero está na p. 68). Ver também Begley, “Religion and the Brain”.
[791]
Swinburne, The Existence of God; os argumentos bayesianos de Swinburne são criticados em detalhe
por Grünbaum em “A New Critique of Theological Interpretations of Physical Cosmology”.
[792]
Swinburne, The Existence of God, p. 244.
[793]
Swinburne, Is There a God?, p. 141.
[794]
Papa Pio XII, Humani Generis; minha fonte é Gould, Rocks of Ages, pp. 77-80.
[795]
Papa João Paulo II, “Mensagem sobre a Evolução para a Academia Pontifícia de Ciências”; minha
fonte é Dawkins, “When Religion Steps on Science’s Turf”, p. 19.
[796]
Mais uma vez, minha fonte é Dawkins, “When Religion Steps on Science’s Turf”, p. 19.
[797]
Gould, Rocks of Ages.
[798]
Ibid., pp. 52-53.
[799]
Einstein, “Science and Religion”, pp. 42, 44-45.1.
[800]
Ver também Dawkins, “When Religion Steps on Science’s Turf”, p. 18.
[801]
Ver o capítulo 11.
[802]
Gould, Rocks of Ages, pp. 60-62 (a citação é da p. 62).
[803]
Huxley, “Science and Culture”, pp. 135, 138.
[804]
Ver por exemplo Robinson, An Atheist’s Values, e ensaios compilados em Kurtz, Moral Problems in
Contemporary Society.
[805]
Ver Haack, “Worthwhile Lives”.
[806]
Mencken, Treatise on the Gods, p. 269.
[807]
Ibid., pp. 244 et seq.
[808]
Dawkins, “When Religion Steps on Science’s Turf”, p. 18.
[809]
Mais uma vez Mencken, Treatise on the Gods, p. 267.
[810]
Weinberg, “A Designer Universe?”.
[811]
Mais uma vez, ver Dawkins, “When Religion Steps on Science’s Turf”, p. 18.
[812]
Smith, “Leviticus Contains Many Proscriptions”. (Infelizmente, Smith errou na referência bíblica; é
Levítico 21:20.)
[813]
Swinburne, Is There a God?, p. 103.
[814]
Ruder, “Opening the Drawer One More Time”.
[815]
Pai de Samuel Wilberforce, o bispo anglicano que atacou Darwin ferinamente.
[816]
Weinberg, “A Designer Universe?”, referindo-se a Dyson, Imagined Worlds.
[817]
James Beattie, An Essay on the Nature and Immutability of Truth, parte 2, capítulo 1. Minha fonte é
Stove, “D’Holbach’s Dream”, p. 87.
[818]
De onde, ironicamente, vieram as palavras comoventes de James citadas no começo deste livro a
respeito do “edifício magnífico” da ciência.
[819]
James, The Will to Believe, pp. 12, 11.
[820]
Mas veja Haack, “‘The Ethics of Belief’ Reconsidered”, e “American Pragmatism”.
[821]
Peirce, Collected Papers, 5:583, 5:598.
[822]
Mencken, Treatise on the Gods, p. 230.
[823]
White, A History of the Warfare of Science with Theology in Christendom, 2:69.
[824]
Stowe, Uncle Tom’s Cabin, p. 275.
[825]
Dawkins, Unweaving the Rainbow, pp. 138-44; a citação é da p. 144.
[826]
Mencken, Treatise on the Gods, p. 266.
[827]
Ibid., p. 292.
[828]
Huxley, “On the Advisableness of Improving Natural Knowledge”, Collected Essays, volume I, p. 41.
O título dele é uma alusão à Royal Society for the Improvement of Natural Knowledge.
[829]
Huxley, On a Piece of Chalk (baseei-me em parte no resumo do Weinberg); a citação é de Huxley, p.
27.
[830]
Grafton, O is for Outlaw, p. 64.
[831]
Weinberg, “On a Piece of Chalk”, in Dreams of a Final Theory, pp. 20-50; a citação é da p. 25.
[832]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, p. 19.
[833]
Ellison, “Ads for a Holocaust Exhibit in London Cause a Stir”.
[834]
Peirce, Collected Papers, 1:44, 7:49.
[835]
Bridgman, “The Struggle for Intellectual Integrity”, pp. 365-66.
[836]
Minha fonte é Broad & Wade, Betrayers of the Truth, pp. 112 et seq.
[837]
Ver capítulo 7, sobre fraude na ciência.
[838]
Oppenheimer, “Physics in the Modern World”, pp. 198, 196-97.
[839]
Em uma carta a F. Dyster com data 30/01/1859, Huxley é mais ousado e explícito, declarando que
“trabalho minuciosamente bom em ciência não pode ser feito por um homem que é deficiente em altas
qualidades morais” (minha fonte é Ruse, From Monad to Man, p. 217, trazido à minha atenção pelo
Andrew Reynolds).
[840]
Watson, The Double Helix, p. 98.
[841]
Agora se sabe que o nonoxinol-9 enfraquece a mucosa da vagina, tornando a infecção mais provável.
Em consequência, muitos fabricantes e vendedores removeram os espermicidas N-9 do mercado; ver
Zimmerman, “Wary of HIV, Some Vendors Stop Selling N-9 Spermicide”.
[842]
Brannigan & Carrns, “Surprise Failure Dashes Hopes for HIV Product”; Kalb, “We Have to Save Our
People”.
[843]
Ver Hare, The Language of Morals (valores morais se sobrepõem); Chisholm, “Firth and the Ethics of
Belief”.
[844]
Butler, The Way of All Flesh, pp. 90, 281.
[845]
Huxley, “Possibilities and Impossibilities”, Collected Essays, 5:202-204.
[846]
Koehler et al., “The Random Match Probability in DNA Evidence”.
[847]
É o tema (apesar do título infeliz) de A Social History of Truth do Shapin.
[848]
Ver Wilson, “Instruments and Ideologies: The Social Construction of Knowledge and Its Critics”.
[849]
Kitcher, The Advancement of Science, p. 9.
[850]
Como defendi já em 1979, em “Epistemology with a Knowing Subject”.
[851]
Goldman, Epistemology and Cognition; ver também Haack, Evidence and Inquiry, capítulo 7.
[852]
Laudan, “Progress or Rationality? The Prospects for Normative Naturalism”.
[853]
Giere, Science Without Laws, p. 7.
[854]
Ver Darwin, The Various Contrivances by Which Orchids Are Fertilised by Insects, com excerto em
Glick & Kohn, Charles Darwin on Evolution, capítulo 11.
[855]
Dawkins, Unweaving the Rainbow, pp. 45-47; Dawkins cita Whelan, The Book of Rainbows.
[856]
Ver capítulo 10.
[857]
Carnes, “The Pentecostal City”.
[858]
Woodward, “The Changing Face of the Church”.
[859]
Einstein, “The Religious Spirit of Science”, p. 40.
[860]
Einstein, “Physics and Reality”, p. 295.
[861]
Maddox, What Remains to Be Discovered, p. 2.
[862]
Michener, The Covenant, p. 18.
[863]
Oppenheimer, “Physics in the Modern World”, p. 198.
[864]
Glashow, “The Death of Science!?”, p. 23.
[865]
Bridgman, “The Struggle for Intellectual Integrity”, p. 366.
[866]
Milton, “Civilization and Its Discontents”; minha fonte é Dennett, “Faith in the Truth”, p. 12.
[867]
Minha fonte é Dawkins, Unweaving the Rainbow, p. 30.
[868]
Nanda, “The Epistemic Charity of Social Constructivist Critics of Science”, p. 291, citando Marglin,
“Smallpox in Two Systems of Knowledge”.
[869]
Cowley & Underwood, “What’s ‘Alternative’?”.
[870]
Burton, “In trials, Potion of Herbs Slows Prostate Cancer” (a citação é da p. B1).
[871]
Minha fonte é Broad & Wade, Betrayers of the Truth, p. 194, citando Gould, The Mismeasure of Man.
[872]
Sayers, “The Human-Not-Quite-Human”, p. 142. (A própria Sayers evita a palavra “feminista”, que ela
sentia que estava sendo usada em referência a ideias contrárias aos interesses das mulheres — e ainda é).
Cf. Haack, “After My Own Heart”.
[873]
Ver Sonnert & Holton, Gender Differences in Science Careers, especialmente o capítulo 4, e Hanson,
Lost Talent.
[874]
Barzun, Science: The Glorious Entertainment, p. 20.
[875]
Oppenheimer, “Physics in the Modern World”, p. 191.
[876]
Barão D’Holbach, The System of Nature, primeira página; citado em Stove, “D’Holbach’s Dream”, p.
81.
[877]
Bacon, Great Instauration, pp. 80, 84; New Organon, aforismo 3.
[878]
Huxley, “On the Advisableness of Improving Natural Knowledge”, Collected Essays, 1:19, 27.
[879]
Dean, “Foreword” in Elvee, The End of Science?, p. viii.
[880]
Vonnegut, Wampeters, Foma & Granfaloons, pp. 163-65 (minha fonte é Holton, Science and Anti-
Science, pp. 177 e 188).
[881]
Dummett, “Ought Research to be Unrestricted?”, p. 3.
[882]
Burton & Harris, “Note of Caution: Study Raises Specter of Cardiovascular Risk for Hot Arthritis
Pills”.
[883]
Dickson identifica um acordo de dez anos e 23 milhões de dólares assinado em 1975 entre a Monsanto
e membros da Faculdade de Medicina de Harvard como um marco inicial de uma sucessão de acordos
indústria-universidade; ver The New Politics of Science, p. 66.
[884]
Schulman, “A National Survey of Provisions in Clinical-Trial Agreements between Medical Schools
and Industry Sponsors”; para um resumo, ver Zimmerman, “Medical Schools’ Research Pacts Are
Criticized”.
[885]
Gross & Levitt, Higher Superstition, p. 181.
[886]
De acordo com Bailar, “The Powerful Placebo and the Wizard of Oz”, a epidemia de cólera já tinha
começado a arrefecer antes que o dr. Snow desativasse a bomba hidráulica.
[887]
Sager, “A Profession in Crisis, a World Still in Misery”.
[888]
Millikan, “Alleged Sins of Science”. Minha fonte é Hunt, The New Know-Nothings, pp. 344, 386; ele
não dá uma página para referência.
[889]
Os membros da seita que atiraram gás sarin no metrô de Tóquio em 1995.
[890]
Spengler, The Decline of the West, 1:424.
[891]
Glashow, “The Death of Science!?”, p. 23.
[892]
Maddox, What Remains to Be Discovered, p. 378.
[893]
Holton, “How to Think about the End of Science”.
[894]
Como reconhece Holton em uma versão mais longa posterior do artigo, “A Controvérsia sobre o Fim
da Ciência”.
[895]
A palestra anterior do du Bois-Reymond aparecem em inglês como “The Limits of Our Knowledge of
Nature”. O livro do Haeckel aparece em inglês como The Riddle of the Universe — at the Close of the
Nineteenth Century. Minha fonte é Rescher, Scientific Progress, pp. 20 et seq.
[896]
Rescher, Scientific Progress, p. 22.
[897]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, pp. 13-14.
[898]
Citado em Physics Today 21 (1968):56. Minha fonte é Rescher, Scientific Progress, p. 23.
[899]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, pp. 14-15.
[900]
Holton, “How to Think about the End of Science”, p. 65.
[901]
Spengler, The Decline of the West, 1:378, 380.
[902]
Ibid. 1:417 (“pura análise”, “as formas-fés da primavera”), 419 (“implacavelmente cínica”), 420
(“declive suave da rota do declínio”).
[903]
Ibid., vol. 1, tabela III.
[904]
Einstein, “Principles of Research”, pp. 225-26.
[905]
Stent, The Coming of the Golden Age, p. 94.
[906]
Elvee, “After Twenty-Five Years: The End of Science!”, pp. x-xi.
[907]
Ibid., p. xi.
[908]
Harding, “Why Physics is a Bad Model for Physics”, p. 1.
[909]
Ibid., p. 16; como uma “autoridade” para essa alegação ela cita Smith, The Everyday World as
Problematic: A Feminist Sociology e Hartsock, “The Feminist Standpoint: Developing the Ground for a
Specifically Feminist Historical Materialism”.
[910]
Harding, “Why Physics is a Bad Model for Physics”, pp. 18-19.
[911]
Glashow, “The Death of Science!?”, pp. 24-25, 30.
[912]
Horgan faz alusão a Bloom, The Anxiety of Influence.
[913]
Michelson, Light Waves and Their Uses, p. 163.
[914]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, pp. 6, 17.
[915]
Einstein, “Principles of Research”, p. 226.
[916]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, p. 18.
[917]
Ver capítulo 11.
[918]
Holton, “How to Overcome the Limits of Science”.
[919]
Ibid., p. 6 do manuscrito em inglês.
[920]
Glashow, “The Death of Science!?”, p. 31.
[921]
Ibid.
[922]
Capítulo 6.
[923]
Peirce, Collected Papers, 1:45.
[924]
Ibid., 8:143.
[925]
A citação do Hitler é relatada por Hermann Rauschning, presidente do Senado de Danzig; minha fonte
é Holton, Einstein, History, and Other Passions, p. 31, e “Postmodernisms and the ‘End of Science’”. A
citação do Lenard é de seu Deutsche Physik, reproduzida em Clark, Einstein: The Life and Times, pp. 525-
26; minha fonte é Gross & Levitt, Higher Superstition, p. 129.
[926]
Harding, “Why Physics Is a Bad Model for Physics”, p. 4. Ela apela à “autoridade” de Fox Keller,
“The Force of the Pacemaker Concept in Theories of Aggregation in Slime Mold”, e “Cognitive Repression
in Contemporary Physics”; Forman, “Weimar Culture, Causality, and Quantum Theory”; e Hintikka &
Hintikka, “How Can Language be Sexist?”
[927]
Harding, “Why Physics Is a Bad Model for Physics”, p. 8.
[928]
Ibid., p. 18.
[929]
Devo este pensamento à Meera Nanda.
[930]
Glashow, “The Death of Science!?”, p. 26.
[931]
Gross, The Oxford Book of Aphorisms, p. 8 (nenhuma fonte original é dada).
[932]
Uma aproximação grosseira poderia ser “investigação rigorosa, organizada, sistemática”.
[933]
Minha fonte é Holton, “The Scientific Method Is Doing Your Damnedest, No Holds Barred” (a versão
em inglês condensada de “How to Overcome the Limits of Science”), p. 92.
[934]
Minha fonte para a citação do Heisenberg é Holton, “How to Overcome the Limits of Science”, p. 6 do
manuscrito em inglês.
[935]
Ver Larson, “Science and Shoestring Technology”, para uma discussão das dificuldades enfrentadas
pelos cientistas sem grandes recursos, e uma descrição da pesquisa sobre fitoplâncton e outras
características limnológicas do Lago da Cratera, Óregon, que ele conduziu usando equipamento mínimo; e
Yaukey, “The Sky’s the Limit for Backyard Scientists”, sobre dados coletados por astrônomos amadores
usando um telescópio de 40 anos e uma câmera digital feita em casa.
[936]
Maddox, What Remaisn to Be Discovered, pp. 65-67; Weinberg, Dreams of a Final Theory, capítulo
12. Lemonick, “Superconductivity Heats Up”; “The $2 Billion Hole”.
[937]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, posfácio à edição da Vintage, pp. 277-82.
[938]
Maddox, What Remaisn to be Discovered, capítulo 5; as citações são da p. 165.
[939]
Ibid., capítulo 6; a citação é da p. 199.
[940]
Mas veja Kirshner, The Extravagant Universe (ou, brevemente, Begley, “Scientists Go on Hunt for the
‘Dark Matter’ Filling in the Universe”) sobre desenvolvimentos importantes desde 1998.
[941]
Maddox, What Remains to Be Discovered, pp. 367-68.
[942]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, p. 234.
[943]
O que não é para negar que poderia haver outros sentidos nos quais a ideia de culminação poderia ser
apropriada para a arte e a literatura.
[944]
Popper, “The Aim of Science”, pp. 194-95.
[945]
Minha fonte é Popper, “The Aim of Science”, p. 194, onde Cotes é descrito como um seguidor de
Newton.
[946]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, pp. 231, 232.
[947]
Ibid., pp. 236 et seq.; Nozick, Philosophical Explanations, capítulo 2.
[948]
Weinberg, Dreams of a Final Theory, pp. 32-29; as citações são das pp. 33 e 34.

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