Você está na página 1de 165

Reflexões

sobre uma
mitopoética

Carlos Reis
Reflexões
sobre uma
mitopoética

Carlos Reis

Juiz de Fora
2011

2
3
Reflexões
sobre uma
mitopoética

4
5
Se ele acredita que o rato, depois de velho,
vira morcego, não o desiludas com teu vão saber,
respeita-lhe os queridos enganos.
Nunca se deve tirar o brinquedo de uma criança,
tenha ela oito ou oitenta anos.

Mário Quintana

6
Agradecimentos

Esta obra pode ser considerada, sob certos aspectos, tanto


um desdobramento como um complemento da anterior – ―A
Desconstrução de um Mito‖, pois, como explicado no capítulo
introdutório, ela já estava virtualmente pronta. Leituras
adicionais, novos enfoques, um apúro na escrita e alguns
enxertos e eis ―Reflexões sobre uma Mitopoética‖. Juntas, elas
se completam e se explicam.
Uma vez ―pronta‖, ela se consolidou através das oportunas
intervenções de especialistas, professores e doutores, amigos
que, em suas respectivas cátedras, fizeram sugestões, deram
orientações e, principalmente, alinharam conceitos, sem os
quais certamente algumas falhas ficariam expostas. As que
burlaram a vigilância são de inteira responsabilidade do autor,
que de pronto se desculpa.
Dispensando formalidades em nome dessa relação, expresso
meus mais sinceros agradecimentos ao inestimável Ubirajara
Rodrigues, cuja fraterna amizade há anos me orgulho por
continuar merecedor, onde a notória experiência, ponderação,
sobriedade e cuidado no trato de temas delicados muito me têm
ensinado. Pela identidade filosófica e profícuo intercâmbio de
ideias e opiniões, sua cumplicidade neste trabalho é total.

7
Ao ―proletário do verbo‖ Jean-Claude Soares, em sua
própria definição, pelos valiosos ensinamentos e preciosismo
estético peculiar nas esferas da Mitologia, História e
Psicanálise, e ainda Linguística e Semiótica, em encontros
regados a espressos e mineiríssimos pães de queijo no
acolhedor ambiente de nossa livraria.
Meu querido irmão Álvaro, que do outro lado do Atlântico,
no velho continente, me tem proporcionado suplemento afetivo
e, com inigualável bom humor, não mede esforços para prover
minha modesta biblioteca. Algumas obras elencadas aqui
vieram por suas mãos.
À minha amada Izaura, fonte inesgotável de bondade,
ternura e sabedoria, por alargar meus horizontes culturais e
ensinar, com maestria, a delicada difícil arte de escrever a vida
com amor e elegância.
Àqueles que, de forma singela e anônima, deram sua cota de
contribuição mesmo sem o saberem.

A todos, muito obrigado por existirem.

8
Índice

11 Prefácio

15 Introdução

37 Parte I – Mito: cultura e história


A origem
A estrutura
O significado simbólico
A função

61 Parte II – Óvnis: cultura e história


A origem
A natureza
Os caminhos
A finalidade

127 Considerações finais

141 Adendo I – Medo plural

151 Adendo II – Um mergulho no não-espaço

157 Síntese conceitual

161 Referências bibliográficas e fontes iconográficas

9
10
Prefácio

Há nos relatos tal interpenetração entre objetividade e


subjetividade que se torna impossível colocar ambas no
cadinho da razão e depurá-las para apreender aquilo que se
denomina fato ou fenômeno. É isto que Carlos Reis demonstra
na presente obra: disseca, com o fino bisturi da lógica e do
conhecimento, o surgimento de um mito e de sua permanência
entre nós, através do relato tomado como expressão de um
acontecimento objetivo. Ao entrar em contato com
―Reflexões‖, encontrei no autor um pensador e um poeta.
Dono de um estilo que possui o condão de transformar
conceitos áridos em seara do conhecimento, Carlos Reis
transita por eles conduzindo o leitor a refletir sobre a
dificuldade que possuímos – nós, humanos – de permanecer
com interrogações, de irmanarmos à dúvida, sem criar
―verdades‖ prontas que, se de um lado acalentam, acalmam –
pois já não se está pretensamente mais no escuro da ignorância
–, por outro nos introduz no reino do falseamento, do mágico –
morada do fanatismo sob as mais diversas vestes.
O autor, com a coragem e pureza daqueles que apontam que
‗o rei está nu‘, aborda com filigranas de sensibilidade, riqueza
de conhecimento, capacidade crítica e argumentativa suas
reflexões sobre a natureza daquilo que as mídias atuais tratam
como fenômeno ufológico, chamando a atenção do leitor para o
abismo existente entre crença e ciência. É na companhia de
autores como Bauman, Freud, Lacan, Cassirer, Lévi-Strauss,

11
Eliade, Fromm, Jung, entre outros de igual importância, que
este itinerário é encetado, conduzindo o leitor a um reino no
qual impera a dúvida e a convivência com ela; no qual as
certezas científicas são provisórias porque se sabe que a ciência
não pode ser vivida como ―verdade‖ acabada, mas, tão
simplesmente, como convite perene para revisar conceitos e
corajosamente negá-los quando necessário for, substituindo-os
por outros.
Esta talvez seja a diferença entre crença e ciência. Aquela
está pronta e segue através dos séculos, como relatos, enquanto
essa é tecida da inquietude parturida pela dúvida e jamais se
encontra pronta, mas se modifica através dos tempos. Aliás, é
desde a obra ―A Desconstrução de um Mito‖ que Carlos Reis,
em co-autoria com Ubirajara Rodrigues, perfila a coragem
científica de alterar seus conceitos, em particular àqueles que
tangem ao ―Caso Varginha‖, celebrado até mesmo pela mídia
internacional. Esta obra não segue trajetória distinta daquela
anterior. É, nas palavras do próprio:

(...) assumida e deliberadamente sincrética e sintética,


sem que essa economia significasse empobrecer, afrouxar
ou comprometer o rigor da análise. Basta poder oferecer
um novo modo de pensar o fenômeno que já terá
cumprido sua principal finalidade. Talvez nem tão novo
assim, mas seguramente visto com pouco ou nenhum
interesse por aqueles a quem caberia o ofício.

Boa leitura!

Prof.ª Lilian Maria Ribeiro Conde, Ph.D.

12
Uma breve viagem no tempo

L endo a história das nações, percebemos que, como os


indivíduos, elas têm seus caprichos e peculiaridades.
Encontramos comunidades inteiras que fixam de repente
suas mentes em um objeto e enlouquecem à sua procura;
que milhões de pessoas, simultaneamente, são tomadas
por uma ilusão e correm para elas, até que sua loucura
seja tomada por alguma outra mais cativante que a
primeira.

I lusões populares começam tão cedo, se espalham tão


amplamente e duram tanto tempo que 50 volumes não
bastariam para detalhar suas histórias.

E M outros tempos, muitos se tornaram dementes à procura


da pedra filosofal e cometeram loucuras até não serem
mais ouvidos em sua busca. Algumas ilusões, embora
notórias, subsistiram durante eras, florescendo
amplamente entre nações civilizadas e polidas..

13
O s homens, já se disse muito bem, pensam em bandos, e se
verá que enlouquecem em bandos, ao passo que só
recobram a lucidez lentamente e um a um.

T oda era tem sua loucura peculiar; algum plano, projeto ou


fantasia em que mergulha, estimulada pelo amor ao lucro,
pela necessidade de emoção ou pela simples força da
imitação. Se tudo isso falhar, ela ainda assim possui uma
loucura, a que é incitada por causas políticas ou
religiosas, ou por ambas combinadas.

Excertos de
Extraordinary Popular Delusions and Madness of Crowds
Londres, 1841

14
Introdução

Cogita, uti sis

Quando mapeamos a pujante aventura humana focando


atenção nos momentos memoráveis das grandes descobertas,
dos insights, conquistas, invenções, obras e avanços em todas
as atividades, não há como não se admirar ao deparar com um
espírito tão criativo quanto inquiridor, ambicioso, perseverante
e arrojado daqueles que se embrenharam pelas sendas do saber
e das artes. Tudo em razão do extraordinário predicado
intelectual e criatividade de homens e mulheres – filósofos,
pensadores, eruditos, artistas, literatos, cientistas, uma galeria
de mentes brilhantes que desbravaram caminhos e contribuíram
– contribuem – com seus ensinamentos ciclópicos e
pioneirismo.
Não poderia ser diferente, pois a curiosidade é a mola
propulsora do conhecimento e chave para a sobrevivência da
espécie. O saber é um processo contínuo, dir-se-ia mesmo
orgânico, biológico, glandular. Sua semente, quando plantada
em corpo fértil, rebenta, saciando a fome de conhecimento –
expressão e extensão do homem. Foi por essas virtudes e
obstinada e sistemática busca desse conhecimento que há muito

15
a Terra deixou de ser plana, o Sol o centro do Universo, a
epilepsia uma ―possessão demoníaca‖, raios e trovões a ira dos
deuses e muitas outras coisas que habitavam o continente das
crendices, da superstição e da ignorância, muito embora
algumas ainda permaneçam estacionadas por lá.

E esse grande salto só se tornou possível quando o


homem, superando a fase do ―pensamento mágico‖,
passou a elaborar explicações que se dedicavam a
apreender a racionalidade intrínseca aos fenômenos.1

Apesar deste salto, à sombra dessa edificante caminhada, o


pensamento místico ainda vige com grande força em todas as
sociedades, onde subsiste o obscurantismo, a intransigência e o
extremismo que há séculos vem colonizando o inconsciente.
Trata-se da insciência e da crença em fatos onde uma
explicação é possível ou ao menos plausível, crença essa
entranhada em alguns nichos desse mosaico de fé, resquícios
daquele ―pensamento mágico‖: artes divinatórias,
reencarnação, espiritismo, fantasmas, entidades sobrenaturais,
ocultismo, vida após a morte, discos voadores e seres
alienígenas.

A ciência pode ter expulsado os fantasmas e as bruxas


das nossas crenças, mas com igual rapidez preencheu o
espaço vazio com alienígenas que desempenham as
mesmas funções. Só os enfeites exteriores dos
extraterrestres são novos. Todo o medo e todos os dramas
psicológicos de lidar com o problema parecem
simplesmente ter encontrado mais uma vez o seu lugar,

1
OLIVA, 2003, p. 7

16
constituindo como sempre a atividade do reino das
lendas, onde as coisas explodem à noite.2

Discos voadores e seres alienígenas?! Eis a nau que nos traz


aqui, um assunto polêmico, arena de intermináveis discussões e
elevado fascínio. Há décadas este fenômeno tomou de assalto o
cotidiano de milhares de pessoas em todo o mundo, um
contingente que observou algo, fotografou, filmou, fez contato
e foi abduzido. Casos extremos, não poucos, referem a
ocorrência de ―psicografia extraterrestre‖ – mensagens e
advertências sobre a conduta deletéria do homem em relação
ao planeta e à humanidade.
Esses eventos se multiplicam, se acumulam engrossando as
estatísticas ao redor do planeta. Livros são publicados,
congressos e seminários acontecem o tempo todo, grupos de
estudos são criados. Ocasionalmente, reportagens especiais na
imprensa escrita e falada, documentários, entrevistas, todos têm
sua audiência pontuando altos índices quando o assunto é
―disco voador‖, produto sob medida para saciar o apetite
popular pelo fantástico e misterioso. Doutores, letrados,
professores e cientistas, não obstante leigos no assunto,
empenham-se para entender e encontrar uma resposta
razoavelmente satisfatória para o fenômeno. Algumas boas
explicações têm sido dadas, mas, apesar disso, interesses
alheios direcionam e hierarquizam a informação, fazendo com
que tudo continue no terreno das hipóteses e da especulação,
solo fértil para teorias mirabolantes e estapafúrdias. A
comunidade ufológica, por sua vez, proclama já ter todas as
2
Thomas Bullard, in SAGAN, 1996, p.112

17
respostas para o chamado ―enigma do século‖, ignorando que o
aprendizado está no percurso e não no fim da viagem.
Entretanto, para surpresa geral – decepção para muitos,
contrariando o pensamento corrente, não há um único registro
confiável que permita colocar em marcha uma discussão de
forma consistente em bases minimamente científicas. Com
extrema boa vontade, estima-se algo em torno de pífio 1% o
número de casos dignos de maior atenção, um índice residual
irrelevante sem qualquer representatividade estatística. E se
sobrou, parece ser porque foram mal investigados,
intencionalmente ou não, por imperícia ou porque ainda se
revestem de algum mistério não inteiramente explorado. Em
resumo, por falta de mais e melhores elementos, se tornaram
inconclusivos. Todos os demais podem ser perfeitamente
elucidados. Já os ―contatos‖ e os ―seqüestros‖ – abduções, no
jargão ufológico, são campos de estudos para a Psicologia e,
não raro, para a Psiquiatria.
Uma observação necessária e importante: é consabido que a
Ufologia se ocupa do fenômeno Óvni3, mas é comum incorrer
no erro de se tomar um pelo outro. Nosso foco incide
objetivamente sobre o acontecimento, mas para ser completa a
análise precisa abranger a forma de pesquisa, porque a conduta
da quase totalidade dos pesquisadores, em todo o mundo, é a
principal responsável pela imagem anedótica que se faz do
assunto, alvo fácil e na medida certa para chacotas, ou alguém
tem outra explicação para a popular e sarcástica expressão
―homenzinhos verdes‖ ao tratar do tema? Esse escárnio

3
Embora seja popularmente conhecida como OVNI, optamos pela grafia do acrônimo Óvni,
de acordo com os dicionários e manuais normativos de Língua Portuguesa (nota do autor)

18
repercute muito mal e faz vítimas os próprios estudiosos,
estigmatizados por adjetivos nada simpáticos, sem falar dos
exóticos adeptos da linha welcome space brothers, acentuando
a imagem burlesca. São essas situações que denigrem a prática
da Ufologia, profundamente marcada pelo desrespeito e
histrionismo, talvez porque muitos dos assim chamados
pesquisadores não passem de simples entrevistadores,
compiladores de casos. Outro detalhe fundamental: para
melhor fluidez da escrita e da leitura – e somente para essa
finalidade – fica estabelecido Óvni e disco voador como sendo
a mesma coisa, embora não o sejam em absoluto. Quando
necessária essa distinção estará explícita.
O teatro ufológico mundial, em particular o brasileiro,
demonstra absoluta falta de compromisso com as regras do
pensamento lógico, escudando suas afirmações em hipóteses
sem qualquer fundamento, coerência e responsabilidade. A
ausência de embasamento em áreas técnicas e científicas, a
inexistência de critérios normativos e metodologia de pesquisa
são alguns dos fatores predominantes que agenciam esse
modelo desconectado com a realidade. Sua principal linha de
defesa são os depoimentos, confiando na sua veracidade mas
negligenciando que toda narrativa embute distorções, erros,
fabulações, farsa e criação, além das indefectíveis lacunas de
memória e falsas lembranças e as deformações operadas por
ela sobre os fatos retidos. A narrativa – seja do mito ou da
experiência ufológica – não se restringe ao relato
simplesmente. Ela se desdobra e se enreda pelas entrelinhas
dos significados, deslocamentos, emoções, subjetividades,
fragmentos e interpretações do narrador.

19
O aprimoramento das técnicas de análise de fotografias e
filmes – ainda mais agora que as trucagens eletrônicas e efeitos
especiais beiram a perfeição, os mais recentes estudos nos
campos social, comportamental e das neurociências e a
investigação transdisciplinar estão revelando o lado falho da
pesquisa, fazendo a credibilidade dos casos mais antigos e a
autenticidade dos novos baixarem a patamares cada vez mais
baixos. Um amplo exame crítico permite diagnosticar com alta
margem de acerto o quadro atual, sendo indispensável, para
isso, cerca-se permanentemente de autores proeminentes a fim
de capilarizar e capitalizar conhecimento. As citações e
referências emprestadas aqui são posições fundadas em
experiências individuais e coletivas. A começar pelo sociólogo
polonês Zygmunt Bauman, um dos destaques na atualidade,
que vai direto ao ponto quando aponta que ―Vivemos numa
sociedade incapaz de traçar seu próprio caminho por força de
um medo auto-alimentado, perpetuado e recrudescido no
espírito.‖4
Neste ―viveiro das incertezas‖ professado por ele coabitam
sentimentos como ansiedade, fragilidade, descrédito,
insegurança, desidentidade, medo e fuga. Esse pensamento
ressoa em quase todas as suas obras e se junta aos de outros
autores de igual porte, ainda que com abordagens ligeiramente
diferentes. A partir deles podem-se inferir dados interessantes.
Há uma malha virtual de pensadores ocupados em analisar e
repensar o mundo moderno, as diretrizes de comportamento
das sociedades e os mecanismos que as conduz. Há, também,

4
BAUMAN, 2007. p. 13

20
uma atenção redobrada à volatilidade das relações, ou ausência
delas, e a uma perturbadora e estranha crise existencial,
denunciada por um inquietante desequilíbrio – fratura? – entre
individualidade e coletividade, singular e plural, fragmento e
totalidade. Essa malha integra um movimento filosófico
crescente – o desconstrutivismo ou pós-modernismo, voltado à
crítica e ao reposicionamento de conceitos, ideias, valores e do
próprio sujeito. Tudo está sendo revisto e recomposto porque
passamos a ter melhor compreensão de como esses valores se
produzem.
Esse estado conflituoso manifesta-se ora sutil ora
escancarado no comportamento, nas ações, palavras, intenções,
pensamentos, gestos e olhares. Sob uma aparente indiferença
subjaz um tempo em que, mais do que nunca, a alteridade é
fonte de tensão e ansiedade. Não se trata de uma leitura
superficial, ela se processa num estrato mais profundo e se
sobrepõe ao pensar trivial de uma pseudo ou micro-análise. É
mais que um jogo de autoridade, disputas geopolíticas,
enfrentamento religioso ou litígios internacionais. A presença
real do medo provém do Outro, anônimo, insidioso, sorrateiro,
ameaçador, infiltrado na superficial normalidade do cotidiano.
Há um subtexto que precisa ser lido e compreendido em toda a
sua gramática. E este é apenas um dos lados de uma questão
poliédrica. A obra de Bauman é fundamental para a
compreensão de certos aspectos atuais da existência humana:

O medo é reconhecidamente o mais sinistro dos


demônios que se aninham nas sociedades abertas de
nossa época. Mas é a insegurança do presente e a
incerteza do futuro que produzem e alimentam o medo

21
mais apavorante e menos tolerável. Essa insegurança e
essa incerteza, por sua vez, nascem de um sentimento
de impotência: parecemos não estar mais no controle,
seja individual, separada ou coletivamente, e, para
piorar ainda mais as coisas, faltam-nos as ferramentas
que possibilitariam alçar a política a um nível em que
o poder já se estabeleceu, capacitando-nos assim a
recuperar e reaver o controle sobre as forças que dão
forma à condição que compartilhamos, enquanto
estabelecem o âmbito de nossas possibilidades e os
limites de nossa liberdade de escolha: um controle que
agora escapou ou foi arrancado de nossas mãos. O
demônio do medo não será exorcizado até
encontrarmos (ou, mas precisamente, construirmos)
tais ferramentas.5

Bauman traça um diagnóstico bastante verdadeiro do


homem e da sociedade atual, pós-moderna (que chama de
modernidade líquida), estendendo sua análise especificamente
sobre o medo em outra obra, sendo um dos capítulos dedicado
ao medo ―inadministrável‖, aquele que fala da nossa
capacidade de autodestruição, com um terrível arsenal
destinado ao suicídio coletivo. O Adendo I detalha onde e
como essa análise se encaixa no presente trabalho.
Como não devemos ultrapassar o perímetro do nosso reduto
de pesquisa, temos ao menos a obrigação de suprir o leitor com
alguns fundamentos essenciais daquelas áreas de competência
dos especialistas, para a compreensão de tópicos mais densos.
A complexidade deste Outro, por exemplo, é tal que bastaria
dizer que o ―Eu‖ já é um ―Outro‖ dentro das principais vias de

5
Id. p. 32

22
análise, e que exigiria uma abordagem qualificada e laboriosa,
iniciando pelos escritos de Lacan em 1936, com o ―Estádio do
Espelho‖ até 1980, com ―Seminários‖, passando pelos cinco
modelos propostos pelo psicanalista: o outro imaginário, meu
semelhante; o grande outro do inconsciente; o outro, objeto; o
outro, social e o outro, gozo. Lacan é apenas uma referência
entre tantos expoentes de igual estatura. Paul Ricoeur também
elaborou um estudo magistral sobre o outro e todos os seus
outros – os antecessores e os sucessores, os próximos e os
distantes, os ausentes e os presentes, os sagrados e os profanos,
os íntimos e os anônimos, os do discurso e os da reflexão,
todos, ele mesmo; todos, nós mesmos.6
Como o rio da Filosofia é caudaloso e de longo curso, foram
inseridas ―ilhas‖ – citações pontuais na expectativa de clarear
esta e outras questões. Marilena Chauí, Professora-titular em
Filosofia da USP nos oferece um antepasto:

Quem é o Outro? Antes de tudo, é a Natureza. A


naturalidade é o Outro da humanidade. A seguir, os
deuses, maiores do que os humanos, superiores e
poderosos. Depois, os outros humanos, os diferentes
de nós mesmos: os estrangeiros, os antepassados e os
descendentes, os inimigos e os amigos, os homens
para as mulheres, as mulheres para os homens, os
mais velhos para os jovens, os mais jovens para os
velhos, etc. Em sociedades como a nossa, divididas
em classes sociais, o Outro é também a outra classe
social, diferente da nossa, de modo que a divisão
social coloca o Outro no interior da mesma sociedade

6
Paul Ricoeur; ―O Si Mesmo como um Outro‖ . São Paulo. Papirus. 1991.

23
e define relações de conflito, exploração, opressão,
luta.7

De volta à Ufologia, a enormidade do seu banco de dados é


inversamente proporcional à qualidade de conteúdo, num
déficit colossal, sendo, na prática, muito mais um inventário de
registros inverossímeis e desarticulados. O que se constata no
exercício da atividade é um ―racionalismo irracional‖ – uma
impostura intelectual, discursos prenhes de lógica torcida e
conceitos pseudocientíficos, simplesmente porque ela fincou
bandeiras em premissas equivocadas desde o princípio, e
caminha cambaleante como resultado de uma somatória de
erros.

A Ufologia se conduz por um fluxo descontínuo de


narrativas baseadas em eventos duvidosos, obscuros e
incomprováveis, não trazendo, portanto, os requisitos
básicos da pesquisa científica: rigor, estrutura, critério e
método.

Ao se blindar nessa cápsula refratária aos novos modelos de


pensamento e à aquisição de conhecimentos, ela abdica do
aprendizado e, reclusa e ilhada, não faculta um entendimento
dialógico e dialético. Enquanto a certeza é intolerante e
estática, a dúvida promove reflexão e movimento. Há um
mundo pulsante e transformador exterior à ufologia. A
necessidade de ―certezas‖ é natural, mas também um vício
intelectual. Cumpre dizer ainda que essa dissensão é fruto do
7
CHAUÍ, 2000. p. 376

24
ferrenho embate entre crença e conhecimento ou fé e ciência.
Toda crença brota do inconsciente, e implanta uma idéia, uma
explicação ou uma doutrina, um ato de fé que repele qualquer
iniciativa da razão. A ufologia, sendo a nosso ver uma crença,
subverte a si própria, encastelada em suas temerárias e
minguantes convicções, num processo autofágico irreversível.
Enquanto crer não exige nenhum esforço intelectual, tem
absorção imediata e não comporta dúvidas, saber demanda
tempo e dedicação consideráveis, questiona e se recicla
continuamente.
Bauman é categórico quando diz que essa postura vai em
direção a uma ―comunidade da semelhança‖ como sinal de
retração em relação à alteridade externa e ao compromisso com
a relação interna. ―Essa comunidade da mesmice é uma apólice
de seguro contra os riscos que provoca a vida diária num
mundo polivocal.‖8
É exatamente a existência ou inexistência do método
científico que alarga o fosso entre, por exemplo, astronomia e
astrologia, química e alquimia, feitiçaria e medicina; inclusive
as Ciências Sociais, que só puderam estabelecer e estender suas
bases conceituais quando adotaram a prática sistêmica do
método científico investigativo. Este método estipula um
repertório de técnicas, regras e procedimentos aos qual a
pesquisa deve seguir na observação de acontecimentos que
permitam encontrar as leis gerais que regem fatos de mesma
natureza.

8
BAUMAN, 2007. p. 93

25
Outro agravante é que as pessoas têm a crença na existência
dos discos voadores por conta de uma persistente mal
compreendida concepção de vida extraterrestre, nascida no
século XVII com as primeiras sementes da pluralidade de
mundos. Veremos como a literatura de ficção, primeiro, e o
cinema depois exploraram bem esse filão. Não há muito
interesse em verificar se essa possibilidade é real, ou sobre a
improbabilidade antropomórfica pela difícil combinação das
inúmeras variáveis envolvidas na formação da vida como a
conhecemos – somos o único exemplo que dispomos –, e ainda
a não menos complexa equação envolvendo evolução,
longevidade e sobrevivência, válida para toda e qualquer forma
de vida.
A sucessão organizada e contínua na formação da vida
começa pela química inorgânica, microorganismos e segue por
uma longa e cada vez mais intricada cadeia evolutiva, até
culminar na forma de vida como a vemos hoje. Estamos
falando de algo em torno de 500 milhões de anos! É por isso
que o conceito ―Terra rara, vida rara‖ é cada vez mais forte nos
círculos científicos.9 Além disso, não se avalia a
impraticabilidade de viagens à velocidade da luz – o modelo
que hoje melhor poderia explicar o deslocamento destas
supostas máquinas (sem considerar o problema do continuum
espaço-tempo); sitiada pela falta de opções, a Ufologia abraça
especulações ainda mais inconcebíveis como viagens no

9
Com a recente descoberta de uma forma de vida adaptada a condições teoricamente bastante
adversas (bactéria GFAJ-1), e da exploração espacial sinalizando a possibilidade de haver
vida unicelular, o conceito ―Terra rara vida rara‖ deverá ser revisto, muito embora ele se
refira à vida inteligente.

26
tempo, ou através dos buracos negros, do hiperespaço10 ou de
―portais dimensionais‖, digressões pertencentes ao apaixonante
mundo da imaginação e da ficção científica.
Não se considera a monumental dificuldade – por parte de
uma presumida civilização nos confins da galáxia – de
prospecção e localização do nosso microscópico planeta (numa
escala otimista, a milésima parte de um grão de sal no Pacífico)
diante das inimagináveis distâncias entre os bilhões e bilhões
de astros esparramados por um universo ilimitado. O fato de a
comunicação entre espécies tão desiguais ser praticamente
impossível é algo sequer cogitado pelos ufólogos, que ignoram
esses ―detalhes‖ aceitando com absoluta naturalidade que
alienígenas se expressem em qualquer uma das centenas de
línguas existentes.
Quando essa crença passa a ser confrontada pela razão e
pelo conhecimento, o discurso se transforma num escoadouro
de falácias e palavreado. Veja-se, por exemplo, a convicta
afirmação dada por um ex-ufólogo, hoje astrólogo, que
representa à perfeição o pensamento dominante no meio:

Sem dúvida, há discos voadores! E mais: afirmo que são


veículos ou sondas de origem interplanetária, concebidos,
projetados e construídos por civilizações (...) tendo o
assunto sido investigado por décadas a fio e
suficientemente esclarecido em suas bases.11

Por acompanhar o tema apenas na superfície, de maneira


fracionada, vaga e irrefletida através de notícias ocasionais pela
10
Espaço cuja dimensão é maior que a do espaço euclidiano tradicional; espaço hipotético de
mais de três dimensões; espaço multidimensional (conf. Houaiss).
11
Jaime Lauda, ―Por trás da análise de um mito‖, revista UFO nº 159, novembro de 2009,
p. 41

27
imprensa, o público leigo apoia suas ideias no desgastado
chavão ―Se nós podemos explorar o espaço, por que eles [os
extraterrestres] não podem vir até aqui?‖ Ou então, recorre a
citações bíblicas (e veremos o quanto a religião influencia o
pensamento ufológico): ―Na casa de meu Pai há muitas
moradas‖, e se isso não for suficiente, joga-se tudo nas mãos
do imponderável: ―Os discos voadores fazem parte de uma
realidade que transcende a nossa compreensão.‖
O ritmo vertiginoso sem tréguas das mudanças, aliado ao
volume ciclônico de informações exige atualização
permanente, discernimento na escolha da fonte e leitura
cuidadosa. Os ventos dessas transformações sopram céleres,
fazendo a curva do aprendizado crescer exponencial e
cumulativamente desde a metade do século passado, e de
maneira marcante no crepúsculo do milênio, com o advento da
internet e da comunicação digital, uma revolução em escala
planetária sem precedentes. Ainda que a notícia se dilua na sua
fugacidade, nada justifica, nesta segunda década do século
XXI, uma atitude tão anacrônica de ingenuidade, credulidade
fácil e ilusão, ainda mais quando se verifica um movimento
sinérgico, progressivo e global na revisão historiográfica
corretiva dos fatos, ação que visa ampliar o raio de alcance
dessa releitura do mundo, valendo-se de novos instrumentos de
pesquisa e uma postura arrojada, desprendida e tentacular.
No escopo deste estudo, o método de pesquisa denominado
hermenêutica ufológica12 surgiu, inicialmente, como um livre
derivado da técnica psicológica criada por Jung para o estudo
dos sonhos, mitos, contos de fadas, obras de arte e demais
12
A hermenêutica ufológica pretende interpretar os fatos à luz de seus próprios símbolos.

28
produtos do inconsciente – a técnica de amplificação. Esta
técnica consiste em determinar os mitologemas13 básicos em
uma dada estrutura, comparando-as com outras configurações
em que estes mitologemas apareçam e dedicando uma
cuidadosa consideração ao contexto em que tal aparecimento se
dá. O fenômeno Óvni só pode ser compreendido – se isso for
possível – se tomado em sua totalidade e comparado com
outras totalidades que permitam interpretá-lo. Somente através
da hermenêutica e com auxílio de outras áreas e da
fenomenologia da religião é possível redescobrir a força motriz
do mito. Esses mitologemas se apresentam nas questões da
vida e da morte, na relação do Eu e do Outro, no lugar do
homem no espaço cósmico e na sociedade (sujeito, identidade,
diversidade). Naturalmente, estas questões foram aqui
simplificadas ao máximo, servindo mais como preâmbulo para
o que virá na continuidade.

É com esse espírito que damos continuidade aqui a uma


longa cruzada, iniciada desde há muito, para desmistificar e
recolher o tema ao seu devido lugar, tentando descobrir que
lugar é esse e o que é, afinal, o fenômeno Óvni. Sem antecipar
conclusões, mas deixando clara a linha de raciocínio adotada,
preconizamos que o fenômeno integra um complexo sistema de
crenças psicossociocultural – um metassistema, que excede os
domínios das ciências sociais. Em outros termos, uma
subcultura de massa, uma crença paracientífica com um
manifesto pano de fundo mítico. Estaríamos diante de um mito

13
Mitologemas são núcleos de significado de um mito. Podem ser psicológicos, sociológicos
ou históricos, mas geralmente são combinações entre eles.

29
vivo, vendo e fazendo-o acontecer, escrevendo sua história,
tecendo sua trama? O mito, quando estudado in vivo, não visa
satisfazer uma curiosidade científica ou encontrar explicações,
e sim compreender e reviver a narrativa primeva,
reinterpretando-a no universo das paixões e das instâncias
culturais e sociais. Se ele era indispensável na organização das
civilizações antigas, continua sendo-o nas modernas, que a ele
recorre, inconsciente e permanentemente.
E o que é um mito? Como ele nasce, viceja, se desenvolve,
age? Como se dá sua construção? Quais são os aspectos que
lhe dão vida, força e perenidade? Há um elo comum a todos,
uma matriz que os molda conforme o contorno social e
cultural? Que similaridade pode haver entre mitos distantes no
tempo e na história? Servem a que fim? Quem ou o que
determina que um mito é um mito? Tantas perguntas se
justificam diante de um tema inexaurível, metamórfico e
polifacético. Não ousaríamos fazer um tratado amplo ou
completo sobre mito, não só pela sua riqueza e complexidade,
mas também pela existência de uma literatura exuberante,
luminosa e de alta densidade. Dispor de uma parcela mínima
dessa fartura literária como fonte de consulta já prenuncia o
peso da responsabilidade. A obra é assumida e deliberadamente
sincrética e sintética, sem que essa economia significasse
empobrecer, afrouxar ou comprometer o rigor da análise. Basta
poder oferecer um novo modo de pensar o fenômeno que já
terá cumprido sua principal finalidade. Talvez nem tão novo
assim, mas seguramente visto com pouco ou nenhum interesse
por aqueles a quem caberia o ofício.

30
Estudos acadêmicos nessa linha são raríssimos no Brasil14, o
que não surpreende, pelas razões expostas, e os que existem
dificilmente atravessaram as portas das instituições, ou por
conveniência destas ou por displicência dos autores. Os rígidos
protocolos do estudo científico e a falta desse mesmo rigor na
investigação ufológica são obstáculos que desestimulam
ensaios promissores, o que é uma pena se considerarmos a
contribuição recíproca que poderia advir dessa iniciativa. O
corpo universitário não tem nenhum entusiasmo em estudar o
fenômeno porque, no estado atual, a ufologia não possui
credenciais nem oferece conteúdo para cumprir com a agenda
acadêmica. Muito modestamente, queremos encurtar essa
distância, romper o lacre das resistências e abrir novas
perspectivas. Quando e se os ventos começarem a soprar a
favor, então será hora de soltar as amarras e içar as velas.

Para responder aquelas e outras questões orbitais


subjacentes, devemos remontar a tempos imemoriais, à aurora
dos primeiros núcleos tribais, quando ainda sequer havia um
tempo a ser medido. Nessa viagem pela história é preciso ter à
mão notas de filosofia, sociologia, mitologia, religião,
antropologia e matérias afins, para obter uma cartografia a
menos imprecisa possível. São territórios fora de nossa
jurisdição, mas o flerte é antigo, e se a base do conhecimento é
a pesquisa e a da teoria a prática, então o caminho está
franqueado. Interessa-nos encontrar a substância, a ―matriz
mítica‖ do fenômeno Óvni, mesmo sabendo que os mitos

14
Num breve levantamento, não encontramos nenhum titulo vinculado diretamente às ciências
sociais, diferentemente do que ocorre na América do Norte e Europa, onde a quantidade de
trabalhos nesse campo é invejável.

31
sofreram modificações ao longo do tempo, sendo ampliados,
transfigurados, fragmentados. Mircea Eliade, sobre essa matriz,
ou fundamento, diz: ―O mito é sempre uma criação por
excelência, e revela a sacralidade do sobrenatural – a irrupção
do sagrado no mundo, o acontecimento primordial.‖15

Na segunda parte deste trabalho, com lastro na longa


vivência nesse meio, procuramos demonstrar que o fenômeno
Óvni contempla os mesmos simbolismos, princípios, elementos
e características – a mesma cellula mater dos mitos, sendo, em
princípio, por analogia, um mito contemporâneo. O arco que se
estende aqui entre estes dois campos, ainda germinal, busca
atender a expectativa de Campbell para se tornar seminal:

Até onde sei, ninguém tentou ainda configurar em um


único quadro as novas perspectivas que abrimos nos
campos do simbolismo comparado, religião, mitologia e
filosofia, utilizando-se do conhecimento moderno.16

Mesmo sabendo não ser uma tarefa nada fácil operar essa
transposição do mito para o fenômeno Óvni, ou o contrário, é
onde ancoramos nossa experiência e nosso desejo sincero de
conquistar o selo do respeito e credibilidade para o tema.
Engana-se quem pensar que um racionalismo monolítico
tomou conta destas páginas. O racionalismo puro não pode
explicar o mito, são universos distintos, distantes e
antagônicos. Não podemos ―intelectualizar‖ o mito. A Razão e
a Ciência não dispõem de oxigênio suficiente para se

15
ELIADE, 1992, p. 51
16
CAMPBELL, 2002, p. 24

32
aventurarem nos planos do simbólico, do transreal, trans-
histórico e trans-humano. É o racionalismo filosófico que
permite mensurar a extensão e a autoridade do relato mítico na
cultura moderna. O escritor G. K. Chesterton descreveu bem as
diferenças entre o místico e o racionalista: ―Aquele quer enfiar
a cabeça no céu, enquanto este quer enfiar o céu na cabeça. É
por isso que ela explode‖. Na segunda parte, o pensamento
filosófico-científico terá lugar na elaboração da análise, porque
só ele é capaz de explicar os fenômenos – quase todos – por
suas causas reais e naturais através da reflexão científica. É por
isso que os cientistas do século XVII eram filósofos – a ciência
era uma filosofia natural, razão pela qual muitos deles têm
formação filosófica.
Cabe outra observação: quando se fala em ―ciência‖, é
impulso natural crer que está se falando apenas das ciências
exatas, precisas, preditivas e quantitativas como Matemática,
Física, Química. Nesse estudo, o foco incide sobre as ciências
sociais – Antropologia, Filosofia, Psicologia, Sociologia, além
do conjunto de estudos em Religião, Neurociências,
Lingüística, Semiótica e, naturalmente, Mitologia. Razão e
ciência têm sido nosso combustível no papel de críticos e
analistas ao longo do caminho. A ciência percorre um estreito
corredor eivado de lâminas afiadas – as perguntas, que muitas
vezes ferem-na mortalmente – a falta de respostas, mas nem
por isso ela deixa de seguir seu curso, ou não teríamos chegado
até aqui. As explicações e os esclarecimentos surgem com o
tempo e na persistência da procura, enquanto as questões
insolventes aguardam vez na fila.

33
A expressão ―matriz mítica‖ surgiu em uma
correspondência com o Professor de Filosofia e Doutor em
Sociologia pela Sorbonne, Bertrand Méheust, autor do livro
“Science-Fiction et Soucoupes Volantes”17. Como a primeira
edição data de 1978, ao ser indagado sobre o seu nível de
interesse após tantos anos, respondeu: ―Paradoxalmente, se
algo me interessa neste caso, não é a sua dimensão mítica, mas
sim a possibilidade de extrair a gangue mythique dos
verdadeiros fenômenos não identificados.‖18 A palavra gangue
foi depois traduzida como ―envoltório‖, ―envelope‖,
―recipiente‖. Ainda que, em longa correspondência posterior19
ele detalhasse seu pensamento a respeito, partindo do seu
raciocínio original interessou-nos ir além da dimensão mítica
do fenômeno, ou seja, encontrar a sua matriz. Essa interrogação
reativou algo que estava eclipsado desde a elaboração de ―A
Desconstrução de um Mito‖, obra que sacudiu a opinião
pública em razão do seu corajoso ineditismo.
Vamos explicar o comentário acima. Quem, em sã
consciência, poderia ―desmontar‖ o fenômeno Óvni para dizer
que se trata, em última análise, de um mito? Pois foi o que
fizemos em mais de 500 páginas, mas reconhecemos, pecamos
ao não concluir por que um mito, deixando esse tópico

17
Terre de Brume, Rennes, 2007.
18
Paradoxalement, si quelque chose m'intéresse encore dans ce dossier, ce n'est pas sa
dimension mythique, mais au contraire la possibilité d'extraire de la gangue mythique de
véritables phénomènes non identifiés.‖ (por e-mail, em 05/01/2010)
19
En français, une gangue, c'est une enveloppe dans laquelle quelque chose est caché. Par
exemple, certains fruits comme les châtaignes sont placés dans des gangues. Du point de
vue de l'ufologie qui cherche à isoler les stimuli physiques, il fait les extraire de leur gangue
mythique. Em francês, uma matriz é um envelope em que algo está oculto (...) Do ponto de
vista da ufologia, que visa isolar os estímulos físicos, o faz fora de sua matriz mítica.
(Trecho). Por e-mail em 12/05/2010) Tradução da Profª Walquíria C. A. C. Vale.

34
incompleto. No entanto, foi melhor assim, primeiro porque não
poderíamos torturar o leitor engrossando ainda mais aquele
volume, que já havia sido reduzido em pelo menos duas
centenas de páginas. Em segundo lugar, tratar esse aspecto em
separado permitiu discorrer com mais desenvoltura e sem
restrição de espaço. Em razão disso, algumas passagens foram
trazidas de lá para alinhavar os argumentos daqui numa via de
mão dupla – elas se completam mutuamente.

Importante sublinhar que desde meados dos anos 80 já


entrevíamos a possibilidade, ainda com olhar aprendiz, de o
fenômeno ter o perfil de um mito, buscando, nos debates e na
literatura, pautas de discussão que pudessem reforçar – ou opor
– essa ideia. Um quarto de século depois, tudo leva a crer que
nossos escritos20 faziam sentido, e se mostram condizentes e
coerentes com a paisagem atual, não dando sinais de
envelhecimento, confirmando sua contemporaneidade. Ao
desenharmos este estudo acolhendo autores de outras searas,
objetivamos aproximar, confluir e unificar, tanto quanto
possível conceitos, princípios e pensamentos de modo a formar
um todo discursivo linear, homogêneo e fecundo.
O que se observa hoje em todo o mundo é o cuidado em se
adotar uma cultura de revalorização da crítica e da razão, em
contraponto ao irracionalismo e ao misticismo teatral e
falacioso que grassa livremente. Tudo passa por uma ampla
revisão, vive-se um período de transição e reorganização de
20
Para preciosismo da informação: ―Comportamento do fenômeno UFO: O estudo de um mito
moderno‖ (Ufologia Nacional e Internacional nº 3 Jul/Ago 1985); ―A realidade subjetiva de
um mito‖ (Planeta Extra 1986); ―A sociologia do fenômeno UFO analisada‖ (PSI-UFO
Mai/Jun 1987); ―Um mito moderno‖ (Planeta OVNI Extra 1989, edição escrita em parceria
com Lúcio Manfredi).

35
valores e dos modelos tradicionais e ortodoxos de ver a
história, a vida e o ser humano, uma etapa de lenta assimilação
e forte resistência. Se por um lado é preciso administrar a
absorção de tanta informação, tanto conhecimento, por outro
não se pode deixar levar pela indolência sob o risco de se
perder o texto da biografia humana.

Cogita, uti sis. Uma atitude renovadora para a clássica


―Penso, logo existo‖, que subentende um movimento
―estático‖, um ato consumado. Pensas, para que existas
é dinâmica, instigante, ação contínua.

36
Parte I
Mito: cultura e história

37
/

38
Basta tocar a ponta dos pés nas águas da Mitologia para
sentir a densidade e importância que exerce para a vida
humana. Se para quem apenas respingou os calcanhares como
nós as descobertas foram marcantes, mergulhar corpo e alma
como fizeram os grandes estudiosos é o mesmo que ser
testemunha ocular de toda a história, da Criação ao devir. Lá
estão os caracteres antitéticos da natureza humana: virtudes e
fraquezas, sabedoria e ignorância, altruísmo e soberba. O mito
nos revela, nos despoja, nos desmente e nos recompõe.
Compreendê-lo é conhecer a verdade contida em nós sem
jamais saber tudo sobre ela.

A origem

Mito, do grego Mythós, significa a Palavra, o Verbo, a


origem do cosmos, do mundo, da existência humana. No
Princípio era o Verbo... Mito está envolto por uma aura de
mistério e fascínio (todo mistério fascina). Polissêmico,
permeado por muito mais interrogações e interpretações do que
este livro pode comportar, motivo pelo qual não admite
simplificações. Por exemplo, mito também está vinculado ao
sentido de falso, fábula, relatos fantásticos, que gera ambígua
interpretação: como fato real e como conto fantasioso, ilusão

39
ou mesmo mentira. Poderíamos ainda falar do mito com outra
conotação, vulgarizando-o como ―extraordinário‖,
―inacreditável‖, para adjetivar celebridades, fatos, situações e
objetos, todos virando motivo de culto.
Sintetizando a um limite aceitável, mito pode ser entendido
como uma narrativa de significação simbólica referente a
aspectos da condição humana. O itálico é para reforçar o ponto
central deste trabalho. Mas seria imperdoável não desdobrar
essa definição, e Rubem Alves dá tons líricos em uma só frase:
―São histórias que delimitam os contornos de uma grande
ausência que mora em nós.‖21 Os processos de encantamento e,
portanto, de simbolização do mundo passa por essas narrativas
fabulosas. Na condição humana, não se está simplesmente
fadado a existir instintivamente e acabado, quer dizer, em nós o
saber do instinto não vigora como nas demais espécies da
natureza; isso nos impele à criação, à invenção de um enredo
que nos permita consistir diante da inexorabilidade da falta, da
ausência que nos acomete. Ausência, nostalgia, saudade, vazio,
como queira, o mito encerra um desejo, uma necessidade de
algo inexprimível à razão, uma vã tentativa de voltar às raízes.
Pode ser a busca de nossas origens ou da origem de tudo. Pode
ser a procura de um conhecimento ou de um acontecimento, ou
pode ser tudo isso. Joseph Campbell pensava de forma um
pouco diferente, postulando de que não se trata exatamente de
buscar um sentido para a vida, e sim o da experiência de estar
vivo, de forma tão profunda que ressoa bem no íntimo de nossa
alma e nos mostra a beleza dessa existência. Um fino verniz
poético bem ao seu estilo sem jamais ofuscar a verdade. O
21
MORAIS, 1988, p. 14

40
mito, juntamente com o sonho e a imaginação, faz parte da
dimensão simbólica da experiência humana, sendo a expressão
transpessoal – universal – daquilo que é representado no nível
pessoal do sonho, entendendo-se por ―sonho‖, neste caso,
como a totalidade do sujeito na esfera de sua existência. O mito
vive radicado na memória arquetípica da humanidade.
Mas mito não é apenas a palavra, não se restringe à
narrativa, ele vai além. Uma pedra é apenas uma pedra, mas a
pedra de Drummond, por exemplo, adquire vida, cor, forma e
significado. Qualquer ―passarinho‖ em Mario Quintana tem
alma, pureza, lirismo, sobejando de sentidos. Uma palavra de J.
L. Borges pode nunca ser inteiramente compreendida, e nem
por isso Drummond, Quintana e Borges criam mitos. Muito
embora para Barthes tudo possa se constituir num mito a partir
da fala, ―É a história que transforma o real em discurso. É ela e
só ela que comanda a vida e a morte da linguagem mítica.‖22
Para o filósofo brasileiro Vicente Ferreira da Silva, o mito
também não é simples palavra ou narrativa literária, mas uma
presença real e efetiva dos deuses e da manifestação divina,
remetendo a uma série de fatos extra-humanos, uma referência
memorizadora e histórica.
Seja como for, o mito evanesceu na memória do tempo,
tempo esse aparentemente desmitologizado pela tecno-
civilização moderna, e até bem antes disso, quando já no século
XVII a Terra deixava de ser o centro do universo, criando uma
nova estética de e do mundo, não mais hierarquizada pelos
cânones da Teologia; isso ocasiona um grave dilema: a
sociedade precisa do mito ainda que não o admita, mas não o
22
BARTHES, 1993, p. 132

41
reconhece e não se reconhece dentro dele, porque avalia a
história apenas pelo viés factual, sem notar que os mitos
também são parte integrante dessa história. Contudo, as
perguntas sobre a natureza humana que sempre aguçam o
espírito se encarregam de trazê-los de volta à tona, revivê-lo,
reatualizá-lo, mantendo acesa a chama da consciência mítica:
Quem sou? Para onde vou? Os mitos dizem quem ou o que
somos e porque somos o que somos, mas não revelam tudo
sobre nós. No oceano do nosso existir flutuam fragmentos de
uma história desconhecida. Somos náufragos do tempo e da
história. O mito não oculta a verdade, apenas lhe recobre com
um véu de diáfana transparência. Para Barthes ―Ou a intenção
do mito é demasiado obscura para ser eficaz, ou é demasiado
clara para que se acredite nela. Em ambos os casos, onde está a
ambiguidade?‖ 23 O que Barthes define como mito é o
instrumento através do qual um produto histórico, humano, é
convertido em uma natureza simulada:

Uma prestidigitação inverteu o real, esvaziou-o de


história e encheu-o de natureza, retirou às coisas o seu
sentido humano, de modo a fazê-las significar uma
insignificância humana. A função do mito é evacuar o
real: literalmente, o mito é um escoamento incessante,
uma hemorragia ou, se se prefere, uma evaporação; em
suma, uma ausência sensível.24

Não há ambigüidade, contradição ou paradoxo: esse é o


princípio do mito – transformar a história em natureza, e, bem
o sabemos, a natureza não é ambígua nem contraditória e muito

23
Id, p.150
24
Ib. p. 163

42
menos paradoxal. Por que a mitologia tem tanta importância
nos dias atuais? Para muitos, a existência de deuses e mitos é
irrelevante e desnecessária para a vida moderna, mas, para
Campbell, os vestígios dessas deidades ―se alinham ao longo
dos mundos de nosso sistema interior de crenças, como cacos
de cerâmica partida num sítio arqueológico‖25 De uma forma
ou de outra, os mitos guiam aqueles que assim o desejem; para
quem não quer, o mito o arrasta.
Os mitos não nascem da imaginação desenfreada do homem
ou de um capricho dos deuses, nem constituem forma de
pensamento pré-científico. Eles são a expressão simbólica de
forças vivas e atuantes que trabalham nos subterrâneos da
psique. A função destas forças parece ser a de relacionar o
homem às profundezas arquetípicas do universo, estabelecendo
um vínculo entre a superfície da consciência e o Si-mesmo
incognoscível. Não é possível localizar o momento exato de
quando tudo começou, mas vários estudos indicam que o
homem primitivo26 já manifestava determinados padrões de
comportamento e modo de vida que sugerem o uso de
instrumentos, ferramentas, utensílios e pinturas rupestres com
fins ritualísticos, relacionados principalmente ao culto à morte.
Tampouco é possível afirmar se tinham consciência dos seus
cultos, mas é bastante provável que tivessem alguma
percepção, ―sabiam‖¸ de algum modo, do fim de sua existência.
Esse sentimento desenvolveu nas sociedades ancestrais a
necessidade de ritualizar o momento da morte, e, a partir dela,

25
CAMPBELL, 1990, p. 8
26
―Primitivo‖ será usado apenas por questões de semântica e simplificação, para identificar os
povos e as sociedades ―sem escrita‖, conforme proposto por Lévi-Strauss, sem qualquer
caráter discriminatório ou de inferioridade.

43
gerar um mecanismo ainda incipiente de pensar sobre o sentido
e o significado da vida e da morte. Obviamente, todo esse
processo transcorreu por um tempo elástico e impreciso. A
repetição do ritual alimentada pela noção de sua importância
acabou desencadeando uma ―proto-sacralização‖, a
preservação, manutenção e ampliação desse rito cerimonial.
Essa reverência pela morte continua em muitas sociedades,
dos Arunta e dos Karadjeri australianos aos Kai da Nova Guiné
e aos tibetanos, onde ninguém sabe como e porque isso
acontece. Ao serem inquiridos, a resposta quase sempre é a
mesma: ―Porque os ancestrais assim o prescreveram‖; ―Porque
foi assim que fez o Povo Santo da primeira vez‖; ―Como
fizeram nossos ancestrais na antiguidade, assim fazemos
nós.‖27 Não é errado afirmar que a vida do homem moderno é
regrada por esses hábitos e ritos antigos, ainda que não saiba
como e por que: ―Assim é porque assim sempre foi‖. Como
veremos depois, o mantra do assim sempre foi continua nas
sociedades modernas.
Um dos mitos mais significativos, e sua menção não é
casual, é o do Cargo Cults, originário das terras altas centrais
da Nova Guiné, que profetiza a chegada de uma frota de navios
carregados de mercadorias e riquezas, trazendo a bordo
ninguém menos que Cristo. Uma nova era paradisíaca de
abundância está por vir, onde todos se tornarão imortais.
Segundo Eliade, esse mito pode ser explicado através do ―Mito
da Destruição do Mundo‖ seguido de uma nova ―Criação e da
Instauração da Idade do Ouro.‖28

27
ELIADE, 2000, p.14
28
Id, p.10

44
Poderia o comportamento repetitivo ser explicado fora das
divisas da mitologia? O alegado experimento científico dos
cinco macacos29 pode ser tomado como referência? Fazemos o
que fazemos simplesmente porque ―assim sempre foi‖? Para
ficar o mais parecido com os deuses, o homem faz o que supõe
faziam eles? ―Ele só se reconhece verdadeiramente homem
quando imita os deuses, os Heróis Civilizadores ou os
antepassados míticos.‖30 Isso quer dizer que muito do que
fazemos não sabemos por que fazemos, como no dito popular:
―Ao bater o sino, não pergunte, comece a rezar.‖ Resgatar o
passado é preservar o sagrado. ―O homem é o vácuo deixado
pelo refluxo de um antigo poder‖31
Antes que seja tarde, vamos dar uma pincelada no sentido
de ―sagrado‖, do latim sacrum, alguém ou algo à parte do
mundo profano, da realidade humana. Esse ―à parte‖ –
afastado, longe, ―do outro lado‖, faz com que o mito, e na
equivalência o fenômeno Óvni, tenham um caráter diabólico na
plena acepção do termo: do grego diaballein – separado,
distante. Ambas as narrativas subentendem um momento
marginal à existência humana; a testemunha, principalmente o
―contatado‖, se sente diferente em razão da sua experiência –
no seu entender, um ―escolhido‖, portanto destacado,
desmembrado, abduzido da existência comum. O sagrado, ou a
sacralidade pertence ao plano de potentados além da dimensão

29
Provável experiência controlada que teria demonstrado o comportamento repetitivo de cinco
primatas enjaulados. Mesmo após a substituição gradativa dos animais, o novo grupo
continuou apresentando a atitude hostil sem qualquer referência ao grupo original. Se um
deles pudesse explicar o fato, provavelmente diria: ―Não sei, sempre foi assim por aqui...‖
30
ELIADE, 1992, p.52
31
Vicente Ferreira da Silva, citado por Contança M. César in MORAIS, 1988, p. 87

45
e compreensão humanas, sendo, então, superiores, elevados,
divinos. Ao mesmo tempo em que venera e guarda reverente
distância do sagrado (diaballein), ele sente incontida atração
(synballein) como se, em suas origens, nunca tivesse havido
essa desunião. O simbólico-diabólico estabelece a junção e a
disjunção dos antípodas: sagrado e profano, ideal e real,
interior e exterior, eternidade e finitude, incredulidade e fé.

O mito é um acontecimento acrônico, modelado pelo


figurino cultural, social e histórico em que se insere, pelo
Zeitgeist – o espírito da época. ―Mito é algo que nunca existiu,
mas que existe desde sempre‖, dizia Campbell com frequência,
que Karen Armstrong faz de outra forma: ―O mito é um evento
que – em certo sentido – ocorreu só uma vez, mas que também
ocorre o tempo inteiro‖.32 Ele é parte integrante do ser e das
sociedades; existe para dar sentido e direção à experiência
humana numa permuta simbiótica: ao ser concebido pelo
homem, concebe-o; se corrompido, corrompe-o; se
interpretado, interpreta-o. Ele não contraria a realidade, vive
nela, interage, compactua, amplifica-a, em sua dinâmica
própria. O mito talvez seja o constructo psicológico e cultural
mais importante de nosso tempo. Ele pertence ao mundo dos
deuses, um reino mágico, forte, perfeito e perene. Essa é a sua
lavoura, é dali que nascem as histórias que contam a nossa
história. É penetrando nesse reino que compreendemos a nossa
fragilidade e, simultaneamente, nossa imortalidade. A
experiência de unidade com essa dimensão divina transcende o

32
AMSTRONG, 2005, p; 91

46
verbo, o intelecto e o sentir. Por um instante, o homem torna-se
a própria divindade.
Campbell entendia que essas informações provenientes de
tempos antigos têm relação com os temas que sempre deram
sustentação à vida humana, construíram civilizações e
formaram religiões através dos séculos. Têm a ver também
com os profundos problemas interiores, com os profundos
mistérios, com os profundos limiares da nossa travessia pela
vida.
E essa vida, hoje, comporta um novo mito?

Há espaço para a ressurgência de um nos moldes dos seus


antecessores? Teria o mesmo impacto, a mesma projeção, o
mesmo significado, ou se esvazaria no fluxo das relações
sociais fragmentárias e vazias da civilização moderna? A ―era
dos mitos‖ é coisa do passado, assim como não se fazem mais
composições clássicas como as de Beethoven, Chopin e
Wagner? Segundo o Prof. Régis de Morais, os mitos
contemporâneos resultam numa atitude substituinte, para
manter a consciência mítica e fazer com que os vínculos com o
sagrado permaneçam habitando os recônditos da psique.33

A estrutura

A palavra ―estrutura‖ relacionada (ou não) aos mitos evoca


de imediato a figura centenária e ubíqua do antropólogo Claude
Lévi-Strauss e suas concepções de estruturalismo. Para ele,
33
MORAIS, 1988, p.73

47
nenhum mito existe de forma isolada, isto é, nenhum deles
pode ser interpretado se a análise não abranger os demais. E o
que se propõe fazer aqui com o fenômeno Óvni. As mudanças
que ocorrem nos sistemas mitológicos são, para Lévi-Strauss,
como a organização cósmica, onde o centro do ―corpo‖
multidimensional se mantém estável e organizado enquanto as
bordas se espraiam e se misturam e se confundem. Não temos
dúvidas de que o mesmo ocorre na formação da galáxia
ufológica: enquanto os campos limítrofes se desalinham, se
desgarram e se desorganizam, o núcleo se mantém imóvel,
intacto, indeformável.
A frase de Lévi-Strauss reforça o polimorfismo dos mitos,
tornando possível sua compreensão somente através de um
olhar igualmente atemporal e intemporal. Ciente dessa
dificuldade, Lévi-Strauss usou a expressão mitema para
designar a unidade constitutiva do mito. Unidade constitutiva?
Seria a matriz mítica que buscamos? Seria a estrutura do
fenômeno Óvni homóloga à do mito, como estamos propondo?
Se só podemos vislumbrar pedaços de uma história
desconhecida como tábuas boiando num mar inquieto, teriam
eles sofrido a ação do tempo tal como a madeira corroída pelas
águas? Uma dificuldade aparentemente incontornável reside
em saber se tais pedaços fazem parte da mesma história, se
obedecem a uma sequência lógica ou se são fragmentos
dispersos e diferentes. Lévi-Strauss não só receava isso como
acreditava que o mito jamais poderia ser compreendido se lido
de forma diacrônica. Para ele, só o entendimento do todo
possibilita apreendê-lo por completo. Vamos usar como
analogia uma partitura para captar seu pensamento: nela

48
podemos ler as colcheias, semicolcheias, sustenidos; podemos
identificar o ritmo, o tempo, mas não podemos ―ouvir‖ a
música. Todos aqueles sinais gráficos e arranjos não fazem o
menor sentido ao racional e laico, e mesmo para um maestro
uma única nota, isolada, sem relação com as demais, pouco ou
nada representa. Mas ao ―ler‖ a partitura como um todo, a
sinfonia se abre bela e majestosa. É o que acontece com o mito
e não por acaso também com o fenômeno Óvni.
Ainda em idade pré-escolar, Lévi-Strauss sabia que poderia
ler qualquer coisa desde que houvesse uma ―semelhança
estrutural‖ por trás da palavra (ou da imagem). Ele buscava
através do estruturalismo a invariante ou os elementos
invariantes entre diferenças superficiais: ―O problema é
descobrir aquilo que é comum a todos. É um problema, poder-
se-ia dizer, de tradução, de traduzir o que está expresso numa
linguagem.‖34 Também com Lévi-Strauss voltamos ao ponto
fulcral deste trabalho: traduzir o que está expresso numa
linguagem, no caso, o relato ufológico, através do estudo
comparado das semelhanças estruturais. A gênese da vida é
um exemplo pertinente do que acabamos de ler. A diversidade
humana apresenta uma gama infinita de nuances e misturas,
porém, no nanocosmo genético há uma unidade formadora,
uma invariante, uma matriz. No dizer do antropólogo, a ordem
na desordem; em Cassirer, a unidade da diversidade.
Presumimos que a ―genética‖ do fenômeno Óvni não seja
diferente.
Na configuração dos mitos, um componente importante é a
pulsão religiosa. Se o fato mítico ocorre em uma esfera
34
LÉVI-STRAUSS, 1987, p. 16

49
apartada da vida diária, ―profana‖, então se trata de um evento
―sagrado‖, talvez de uma experiência religiosa. Mircea Eliade
afirma que viver os mitos representa uma experiência
verdadeiramente religiosa, distinta da vida cotidiana. Essa
―religiosidade‖ está no fato de ao se reatualizar os eventos
fabulosos, exaltantes, ―Assiste-se novamente às obras criadoras
dos Entes Sobrenaturais; deixa-se de existir no mundo de todos
os dias e penetra-se num mundo transfigurado, auroral,
impregnado da presença dos Entes Sobrenaturais.‖35 Este
parágrafo pede releitura atenta porque é a locomotiva a puxar
os vagões da segunda parte.
Os ―Entes Sobrenaturais‖ de que fala Eliade são os deuses,
entidades fabulosas dotadas de poderes divinos e mágicos, uma
concepção pessoal à parte dos heróis da mitologia clássica ou
de personagens históricos e religiosos absorvidos pela cultura
contemporânea de um modo geral. Os entes das narrativas
míticas, fantásticos em sua essência, foram criados a partir
daquilo que, na relação nada amistosa da Natur com a
Kultur,parece ao humano inassimilável, por ultrapassá-lo,
ameaçá-lo e condená-lo à finitude. O ―fantástico‖ tem
múltiplas definições, complementares entre si: ―O fantástico
(...) se caracteriza (...) por uma intrusão brutal do mistério no
marco da vida real‖36; ―O relato fantástico (…) nos apresenta
em geral a homens que, como nós, habitam o mundo real mas
que de repente, encontram-se ante o inexplicável‖37; por fim,
―Todo o fantástico é uma ruptura da ordem reconhecida, uma

35
ELIADE, 2000, p. 23
36
P.G. Castex, Le Contefantastique en France, p. 8. Citado por TODOROV, 2000, p. 16
37
L. Vax, ―Arte e a Literatura Fantástica‖, p. 5. Idem.

50
irrupção do inadmissível no seio da inalterável legalidade
cotidiana‖.38

Mircea Eliade atribui uma importância capital ao contexto


religioso do mito, ressaltando a grande variedade de tipos: o
mito cosmogônico, o escatológico, o de transição, o teogônico,
de ascensão, imortalidade e outros. Em todos eles o traço
religioso, ou místico, está na base da formação. O mito tem a
linguagem da religião, que transcende a razão e o intelecto, não
podendo se expressar através de conceitos analíticos simplistas.
Sobre a linguagem do mito, Cassirer faz uma observação
importante citando o estudo do filólogo Max Muller, que viu
na análise linguística do mito, um meio para revelar a natureza
de certos seres míticos como ponto de partida para sua teoria
geral da conexão entre a linguagem e o mito. Tudo a que
chamamos de mito é, segundo seu parecer, algo condicionado e
mediado pela atividade da linguagem: é, na verdade, o
resultado de uma deficiência lingüística originária, de uma
debilidade inerente à linguagem. Bem pode imaginar o leitor a
influência e os desdobramentos que neste momento se abre no
curso da análise. É mais prudente e aconselhável ficarmos
nessa alocução: ―Toda designação linguística é essencialmente
ambígua, e nesta ambiguidade das palavras está a fonte
primeva de todos os mitos.‖39 A imanência e a relevância da
religião na alma do mito é a chave para compreender o
significado e a sua representação para a vida humana. Não há
uma lógica pronta na criação do mito; ela se forma, como

38
Caillois, R. Au couer du fantastique, p. 15. Ibidem
39
CASSSIRER, 1992, p 18

51
vimos, pela força criativa da palavra que expressa um saber
primitivo, pré-racional, vivido pelo homem no ato de criação
de sua narrativa.

A etimologia de ―religião‖ apresenta duas versões não


excludentes. Para os filólogos, a palavra deriva de re legere,
significando ―a observação cuidadosa e a consideração de
certos fatos transcendentes e incontroláveis‖, podendo ser
entendido como ―reler‖, ―recolher‖, ―rejuntar‖. Já para os
autores clássicos e doutores da Igreja, a origem da palavra seria
religio – unir, estar junto, religar, contatar uma divindade,
ligar-se ao plano superior, ao ―Reino dos Céus‖. Na essência,
manter liames com uma entidade transcendente, podendo ser o
sol, a lua, a montanha, o fogo. Ou a morte, inclusive. Não são
os eventos ―prodigiosos‖ de que falam as narrativas míticas?
Para Eliade, o céu, por exemplo, é uma dessas ―divindades‖ ao
revelar-se infinito e transcendente, pela sua dimensão ilimitada,
afinal, lá é a morada dos deuses.40
Podemos depreender que o mito é, conclusivamente, uma
experiência espiritual e religiosa. Qual o sentido dessa
interpretação? Aonde isso nos leva? Vejamos antes o que o
padre jesuíta Fernando Bastos de Ávila tem a dizer sobre o
sentido subjetivo da religião, que aparece contendo três
elementos41:

1. O reconhecimento da crença natural na existência de um


poder, ou poderes, que nos transcendem.

40
ELIADE, 1992b, p. 60
41
Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. MEC. 1978

52
2. O sentimento de dependência a esse poder;.
3. Entrar em qualquer forma de contato ou de relação com
ele.

Este ―entrar em contato‖ é o sentido subjetivo da religião.


As experiências religiosas em geral se constituem uma faca de
dois gumes: enquanto instância psicológica, a religião é um
fator de equilíbrio psíquico, mantendo a consciência individual
permanentemente relacionada com suas raízes. Mas, ao se
afastar dessas raízes, ela se torna fatalmente dogmática, e
quanto mais dogmática, mais ela força as pessoas a acreditarem
em meia dúzia de pressupostos determinados pelas autoridades
não institucionalizadas de culto.
É questão de se perguntar: até que ponto a atitude dogmática
do culto religioso funciona como um estímulo? Não seria antes
um obstáculo? A história é testemunha de que em tempos
medievais certos processos religiosos serviram como obstrução
ferrenha à evolução humana em suas relações com a cultura e a
ciência. A religião sempre esteve imbricada à narrativa mítica,
e o inverso é igualmente verdadeiro. O mito é religião em
potencial, segundo Cassirer. A origem do sentimento religioso
está implicitamente filiada ao respeito pelo desconhecido,
quando o homem experimenta emoções profundas como a
tragédia, a incerteza e a morte, esta em escala de notório valor.
É o homo religiosus em sua sacralidade intrínseca consoante as
próprias estruturas do mundo. Os sentimentos que esses
fenômenos engendram estimulam estados de respeito, medo,
reverência.

53
O significado simbólico

Para entender o simbolismo contido no mito, é necessário,


primeiro, compreender o significado de ―símbolo‖. É certo que
cada mito tem um simbolismo particular de acordo com seus
elementos formadores e da sociedade que o gerou – Cujus
regio, ejus religio – ―Cada região uma religião‖. Todos os seres
mitológicos têm a sua representação simbólica interpretada à
luz de uma cultura e de uma época específicas: Minotauro,
Fênix, Ícaro, Sísifo, Édipo, Prometeu, Zeus e todo um rico
panteão de seres que povoam o imaginário e a literatura. Na
Psicanálise, na Religião, na Antropologia, os símbolos
adquirem diversas conotações, e sua apreensão será sempre
incompleta. Jung dizia que o símbolo implica algo
desconhecido, oculto, muito embora alguns sejam conhecidos,
como a roda e a cruz, por exemplo, que adquirem um
significado simbólico mais direto.
Para a Mitologia, os símbolos não são criações aleatórias e
gratuitas do psiquismo, ao revés, cumprem uma função,
atendem um desejo e quem sabe uma exigência – a de conhecer
e compreender melhor o homem em sua natureza primordial.
Tal como o mito, o símbolo é captado mais pelo inconsciente
que pelo consciente. Se, em primeira análise o mito é ―palavra‖
e símbolo ―imagem comunicante‖, então pode-se inferir que o
mito comunica-se através do símbolo. A palavra liga-se à
imagem através do símbolo, lembrando sua proveniência do
verbo grego Syn ballein, significando reunir, juntar, compor.
―O símbolo revela certos aspetos da realidade — os mais

54
profundos, que desafiam qualquer outro meio de
conhecimento.‖42
Para Jung, os mitos seriam uma das manifestações dos
arquétipos ou modelos que emergem do inconsciente coletivo
da humanidade, e que constituem a base da psique. A
existência do inconsciente coletivo permite compreender a
universalidade dos símbolos e dos mitos, pois estes se revelam
em todas as culturas e em todas as épocas de modo similar.

É inevitável que os produtos do inconsciente


(coletivo), isto é, os quadros que de forma
inequívoca acusam caráter mitológico, sejam
alinhados dentro do seu contexto simbólico-
histórico, pois eles constituem a linguagem inata
da psique e da sua estrutura e de forma alguma são
aquisições individuais, no que se refere à sua
forma básica.43

Imprescindível transcrever também Campbell, que baseia


sua argumentação na psicologia junguiana:

Quaqndo o imaginário das visões admoestadoras


emerge do Inconsciente Pessoal, seu sentido pode ser
interpretado por meio de associações pessoais,
lembranças e reflexões; quando, no entanto, ele brota
do Inconsciente Coletivo, os signos não podem ser
decodificados dessa maneira; eles serão da ordem do
mito, mais propriamente, e, em muitos casos,
inclusive idêntico ao imaginário de mitos. Portanto,
esses signos serão de fato representações dos
arquétipos da mitologia, em uma relação significativa
com algum contexto da vida contemporânea e,
42
ELIADE, 1979, p. 13
43
JUNG, 1991, p. 28

55
consequentemente, serão decifráveis somente em
comparação com os padrões, temas e semântica da
mitologia em geral.44

A ação do mito funciona tal qual um sonho, como


argumentava Freud, ao postular que os mitos são uma
expressão simbólica dos sentimentos e atitudes inconscientes
de um povo, de forma análoga ao que são os sonhos na vida do
indivíduo. Ambos – mito e sonho, através das suas linguagens,
promovem o equilíbrio, independentemente de se entender ou
não o seu significado simbólico. É preciso compreender o
desempenho do arquétipo no mito, ou da ação arquetípica no
sonho.
Os símbolos são uma criação humana tanto quanto a arte, a
religião, a linguagem, a história, baseados em nossa esperiência
e em nossa maneira de ver e construir o mundo. Cassirer
definia o homem como um animal symbolicum e não rationale.
O símbolo é uma forma de estruturar e harmonizar as relações
do homem com o mundo, apesar de sua conflituosa relação.
Seja como for, em qualquer circunstancia, o símbolo, no mito,
se reveste de um caráter sagrado, irredutível, porque
―pertence‖ à consciência e não a um momento ocasional e
transitório na história. Em Durand, ―o mito já é um esboço de
racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os
símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em idéias.‖45

44
CAMPBELL, 2002, p.262
45
DURAND, 2007, p. 63

56
A função

Abrimos este subcapítulo apresentando não uma, mas várias


funções do mito, e conforme argumenta Campbell, pelo menos
três podem ser resumidamente destacadas: a função metafísica,
pela conexão que faz entre o despertar da consciência e a
transcendência de sua própria existência, a natureza e o
mistério do universo. A função sociológica é aquela de suporte
e manutenção de uma ordem social específica, e é essa que
indica a direção do mundo hoje. A terceira função é a
psicológica – a mais importante na avaliação de Campbell, que
nos ensina como lidar e atravessar a vida, da inocência da
infância às responsabilidades da maturidade, da concretização
de ideais, do engrandecimento do espírito e dà reflexão da
velhice e, inclusive, de como enfrentar a morte.
Pela própria natureza de buscar sentido e significado à sua
existência, o ser humano, numa permanente, propulsora e
movediça insatisfação e incomodado por não encontrar
respostas, passou a criar e imaginar experiências que
permitissem explicar simbolicamente as questões mais
profundas e inacessíveis. ―A imaginação é a faculdade que
produz a religião e a mitologia.‖46
Isso não quer dizer que as histórias eram meras fabulações
dos primeiros contadores. Elas, de alguma forma, aconteceram
em tempos primordiais – o ―Tempo Forte‖, ―Tempo do Sonho‖
– illud tempus – um tempo sagrado não linear, não cronológico,
não localizado. São várias as civilizações arcaicas que relatam
o mito da Criação do Mundo. É óbvio que o mundo
46
ARMSTRONG, 2005, p. 8

57
―aconteceu‖, mas como ninguém testemunhou, as histórias se
encarregam de narrar o fato cada uma à sua maneira. ―A
semiologia ensina-nos que a função do mito e transformar uma
intenção histórica em natureza, uma contingência em
eternidade.‖47 O mito não está no objeto da mensagem, e sim
na maneira como ele a expressa.
Só podemos compreender melhor a função do mito na
sociedade contemporânea se entendermos o significado e o
valor que tinha para as sociedades ancestrais. Ele contempla
uma força litúrgica que lhe é fundamental, um gatilho religioso
vital, móvel e imutável, que engendra uma função religante
com o primitivo, o arcaico, regenerando e equilibrando o ser
em sua unidade espiritual. Axis hominis axis mundi. O mito é
esse elemento de mediação entre sujeito e mundo, para que
ocorra no homem o que Durand chama de ―equlibração
antropológica‖ através da imaginação mitopoética.48 Ele
entende que o sapiens possui uma expressiva capacidade
simbolizadora, relacionada diretamente à ―angústia original‖ –
a consciência da morte, o implacável fluir das areias da
ampulheta. Para captar e interpretar as imagens e símbolos
paridas do inconsciente coletivo (projeções dos arquétipos), ele
sugeriu uma classificação taxionômica desses elementos
imagético-simbólicos do sistema antropológico, o ―atlas
arquetipológico‖ da imaginação humana. Este aspecto será
retomado à frente com outras abordagens.
Dessa forma, a linguagem do imaginário processará os
meios de compreensão do ser no mundo. Isto porque o mito

47
BARTHES, 1993, p. 193
48
Do grego mythós poiesis criação, origem, formação de um mito.

58
revela facetas importantes sobre nós: o medo da morte, do
desconhecido; ao mesmo tempo o desejo ou necessidade de
romper essa cortina invisível rumo a um novo mundo, ao
renascimento, momento único, individual e indizível.
Perpetuar o mito significa perpetuar a espécie, a esperança, e
isso se dá pela repetição, revivificação, recriação da narrativa
mítica, que não é estática uma vez conectada permanentemente
ao inconsciente – coletivo ou não – como veículo de ligação às
esferas sagradas, espirituais, narrativa essa seguidamente
―ajustada‖ ao meio, e ainda, como diz Guimarães Rosa, com
―sua formulação sensificadora e concretizante de malhas para
captar o incognoscível‖.49
Augusto Novaski, Doutor em Filosofia da Unicamp,
apresenta um exemplo interessante para ilustrar o conflito da
razão ao tentar explicar o que é, por exemplo, o afeto, pois
embora ―saibamos‖ o valor desse sentimento, não há como
racionalizar ou medir sua intensidade.50 Eis um complicador
natural: o mito encontra-se fora do alcance da razão por não ter
sido vivido, apenas contado e ouvido, e por ter sido contado e
recontado na linha do tempo, perdeu sua contextura original,
deixando apenas vestígios que mal conseguimos decifrar.
Mas essa tarefa talvez possa ser menos árdua se pudermos
viver um mito desde o seu parto, vendo-o desenvolver-se em
tempo real. Comparando-o com a ―matriz mítica‖ dos relatos
ancestrais, será possível reconhecê-lo como tal, avaliar sua
estrutura, conteúdo, importância e mecanismos. Será mesmo
possível? A compreensão que temos hoje sobre os mitos é

49
―Tutaméia‖, prefácio Aletria e Hermenêutica. José Olympio. Rio de Janeiro. 1979, p. 5
50
MORAIS, 1988, p. 28

59
muito diferente da consciência que se tinha deles no passado, e
diferente será no futuro. O mito, os símbolos e as imagens
―pertencem à substância da vida espiritual e podem ser
camuflados, mudados e degradados, mas nunca poderão ser
extirpados.‖51

51
Mircea Eliade, citado por Eduardo Azcuy in PAZ, 1989, p.11

60
/

Parte II

Óvnis: cultura e história

61
62
Esperamos que o sobrevôo feito para apreciar a
configuração básica dos mitos possa subsidiar este segundo
bloco de discussão. Vamos relembrar uma questão levantada
logo nas primeiras páginas, agora como proposta efetiva de
estudo:

A ´era dos mitos´ é coisa do passado, assim como as


obras clássicas de Beethoven, Chopin e Wagner?
Segundo o Prof. Régis de Morais, os ´mitos
contemporâneos´ resultam numa atitude substituinte,
para manter a consciência mítica e fazer com que os
vínculos com o sagrado permaneçam ―habitando os
recônditos da psicologia humana

Se o que vamos abordar a partir de agora trata dos objetos


voadores não identificados, erroneamente chamados discos
voadores, parece óbvio deduzir que o que estamos sugerindo é
que este fenômeno, acontecendo bem acima de nossas cabeças
o tempo todo, se enquadra na ―categoria‖ de mito. Não é uma
afirmação insensata e imprudedente como possa parecer a
princípio. Conduzimos nossa exposição com cautela, cientes de
que estamos pisando em terreno fronteiriço à especulação
desvairada. Além disso, nossa produção literária e seriedade
plantada ao longo dos anos não poderiam ser maculadas por
uma argumentação espúria.

63
Impõe-se uma ação eficaz e definitiva: desnudar a Ufologia de
sua camuflagem tecno-mística para expor a verdadeira anatomia
mítica.

Para acompanhar a construção do raciocínio que nos


absorveu nos últimos dois decênios, o caminho mais seguro,
não o mais curto, é fazer a correspondência analítica de ambos
– Mitos e Óvnis, de forma a encontrar paralelos e similitudes
entre as suas estruturas para facilitar a comparação e auxiliar a
esclarecer se estamos falando de um mito ou uma atitude
substituinte.
Todos aqueles fenômenos que retumbavam nos céus dos
primitivos – raios, trovões, tempestades, tornados, meteoros,
que podiam povoar os céus por caprichos de Zeus, Odin ou
Tupã, simbolizavam forças superiores muito além da sua
(deles, primitivos) compreensão, um mysterium tremendum,
terrible et fascinans, num misto de deslumbramento, respeito,
medo e reverência (você já leu isto antes), primeiro estágio da
adoração. A visão do infinito e inacessível céu foi uma das
primeiras experiências religiosas vividas pelo homem.
Apreciar a abóboda estrelada ainda nos causa um delicioso
enlevo, nada muito diferente do que reviver aquele êxtase
inicial de onde derivam os relatos embebidos em emoção e
fascínio ao se observar algo, com a convicção pessoal de ser
um ―disco voador‖.
Por essas e outras, insistimos sempre que a Ufologia deveria
se pautar por outras diretrizes e não se submeter com tamanha
complacência a esse speculatio liquidum de ignorantum –
relatos com alto teor de impureza que é o ônus da oralidade: a

64
versão do fato é regulada pela subjetividade do narrador, e a
interpretação desse fato não pode ignorá-la. A pesquisa do
fenômeno precisa abrir-se para uma ampla rede de ligações
complexas, buscando responder às perturbadoras indagações
sobre a origem, natureza, estrutura e finalidades do fenômeno,
não por acaso o mesmo arcabouço dos mitos: origem, estrutura,
função e significado.
Não é possível conhecer objetivamente qualquer fenômeno
no qual o próprio percipiente esteja envolvido. A ligação direta
com o fato proscreve a imparcialidade, desloca a isenção de
juízo, gera uma compreensão fortemente comprometida pelos
conceitos preestabelecidos. Uma pesquisa interdisciplinar
representa enriquecer, partilhar e fortalecer seu patrimônio,
caminho natural para a maturidade, acompanhar a velocidade
estonteante das mudanças do mundo, e não mais ficar na
dependência alienante e falaciosa de uma pseudociência.
O fenômeno Óvni é constituído por um feixe de eventos que
afetam o sistema perceptivo do homem, e transpassam tantos
aspectos inconciliáveis que fica difícil obter uma etiologia
universalmente aplicável. A sua fluidez resulta mais da nossa
incapacidade de apreendê-lo do que de seu mecanismo de ação,
que tem sido visto como ―festival de incoerências‖, ―jogo de
absurdos‖ que pulverizam os postulados da lógica. Talvez não
seja mais tão inexplicável e desconexo assim. A ortodoxia
ufológica constitui um Leito de Procusto, onde os fatos são
esticados ou comprimidos de forma a se encaixarem nos
estreitos limites da ―hipótese extraterrestre‖. A partir do
momento em que um modelo teórico começa a agir dessa
forma reducionista, significa que já esgotou todas as suas

65
linhas interpretativas, transformando-se na carcaça enferrujada
de uma teoria que se limita a considerar automática e
indefinidamente os fatos de acordo com categorias
preconcebidas de classificação.
Chegou a hora de se introduzir novos dispositivos de
interpretação que oponham uma organização criativa dos dados
disponíveis à caótica esterilidade do modelo tornado
inadequado. Não basta apenas reconhecer esse momento, é
preciso firmar consciente e resolutamente os estatutos dessa
transformação, que abrange o universo humano como um todo.
Ao avaliar cuidadosamente a razão maior da manifestação
Óvni, percebe-se com nitidez uma intenção declarada de
reacender nossa capacidade mais profunda de raciocínio, de
colocar nosso sentido de lógica em confronto com a aparente
falta de lógica do fenômeno.
O intelecto humano, condicionador e condicionado a
ordenadores terrestres, encontra-se diante de algo não-
terrestre, inumano – transreal, trans-humano dos mitos –,
portanto indecifrável e incognoscível. Se o mundo transborda
de observações, testemunhos muitos deles insuspeitos, por que
o fenômeno permanece insolúvel e enigmático? A sua
manifestação massiva tem marcado o espírito humano em
função do choque causado pela sua presença na sociedade, com
características completamente anormais para a nossa escala de
conhecimento. Se há um choque cultural no ar, estamos em
franca desvantagem. Ou estávamos.

66
A Origem

O século XX ainda não havia entrado em sua segunda


metade e o mundo sofria as dores lancinantes de uma guerra
devastadora. A combalida Europa contabilizava seus mortos,
cicatrizes rasgavam as esperanças, cidades respiravam sob
escombros, campos antes verdes e florescentes se
transformaram em feridas abertas tingidas de vermelho e
negro. A confiança nas instituições – Estado, Igreja, Forças
Armadas – estava subjugada pelo medo, pela incerteza e falta
de perspectiva nas paisagens esfumaçadas. Neste panorama
caótico os povos tentavam se reerguer buscando forças apenas
em seus esfacelados ideais. Novas fronteiras eram demarcadas,
a geografia política mostrava outros recortes, movimentos
culturais emergiam dispostos a abalar os alicerces sociais e
religiosos seculares. A produção industrial ganhava fôlego e o
desenvolvimento tecnológico divisava novos rumos em direção
ao espaço. Delineava-se o ambiente propício para as mais
profundas transformações já vividas pela humanidade.
De um ponto de vista histórico, é evidente que a Segunda
Guerra foi um referencial social da era mais conturbada da
humanidade, sepultando de vez o passado e fazendo nascer o
período contemporâneo. As linhas de montagem invadiram o
mundo, os Estados Unidos enriqueceram com a ruína da
Europa, exportando o american way of life e desenvolvendo a
chamada sociedade de consumo. O Ocidente e o Oriente
colocaram-se em oposição; o muro de Berlim, sinal concreto da
simbólica Cortina de Ferro, cindiu a humanidade.
Psicologicamente, o momento mais tenso jamais enfrentado.

67
As forças demoníacas acorrentadas nas profundezas da psique
libertaram-se e lançaram-se sobre o mundo, devorando as
almas de milhões. Jung antecipou a catástrofe que se abateria
sobre a civilização, atribuindo grande responsabilidade pelo
sucedido ao deus-demônio Wotan, a personificação do
paganismo alemão. Banido pelo cristianismo, aguardava em
estado latente o momento em que as condições políticas,
sociais e econômicas convergiriam para levar à ressurreição de
comportamentos primitivos e arcaicos que o nazismo não
tardaria a externar.
A invasão da consciência por esses fundos psíquicos
inconscientes, os quais submergem a razão e induzem as
pessoas a comportamentos anormais, configura o que em
psicopatologia se denomina psicose coletiva. Nunca antes uma
epidemia psíquica fora tão destrutiva, nem mesmo a guerra
anterior. Nunca antes uma epidemia liberara forças capazes de
destruir a humanidade. Sobre isso, Jung dizia que caso o
indivíduo seja capaz de agarrar-se a um último resto de
consciência ou de preservar os vínculos de relacionamento
humano, pode surgir no inconsciente, justamente através da
confusão do entendimento consciente, uma nova compensação
que possivelmente será integrada pela consciência.
Apareceriam novos símbolos de natureza coletiva que
refletiriam agora forças de ordenamento. Medida, proporção e
ordenamento simétrico encontram-se nesses símbolos em sua
estrutura singularmente matemática e geométrica. Representam
uma espécie de eixo e são conhecidos como mandalas52.

52
Mandala, termo hindu que significa círculo. Uma forma de emblema, diagrama geométrico
em que alguns se acham de concreta correspondência com um atributo divino determinado.

68
Em meio a essa turbulência social, uma série de
acontecimentos começou a chamar a atenção em todo o mundo
– a observação de luzes e aeroformas desconhecidas bailando
pelos céus. Eram os Óvnis que faziam sua entrada triunfal na
vida dos homens, se bem que nos anos anteriores à guerra e
mesmo no seu decorrer, alguns bólidos haviam sido flagrados
de maneira esporádica e sem o mesmo estardalhaço. Presumia-
se que fossem protótipos dos secretíssimos projetos
experimentais militares. Se formos mais rigorosos na apuração
retrospectiva das origens do fenômeno, podemos dizer que ele
―existe desde sempre‖, camaleônico, intrigante, sendo
interpretado de acordo com o jogo histórico-linguístico da
época. Para Gilbert Durand, ―As estruturas verbais primárias
representam, de alguma forma, os moldes ocos que aguardam
serem preenchidos pelos símbolos distribuídos pela sociedade,
sua história e sua situação geográfica.‖53
É indiscutível a capacidade do fenômeno de se
metamorfosear através da história, indo desde as barcas
voadoras de Magonia54 no século IX, as naves de 1897 aos
foguetes fantasmas dos anos 50 no continente europeu. Isto
sugere algum tipo de interação entre o fenômeno e o
observador, o que faz pensar na possibilidade de envolvimento
de uma forma de consciência imaginativa. Antes de fazer
qualquer correlação com os mitos, o caráter psíquico não pode

Instrumento de contemplação e concentração, como auxílio para levar a estados alterados de


consciência. Juan-Eduardo Cirlot, Dicionário de Símbolos, Editora Moraes, São Paulo,
1984.
53
DURAND, 2010, p. 91
54
―Magonia ... um lugar onde as boas pessoas dançam com formosas fadas, lamentando-se
pelo rude e imnperfeito mundo inferior.‖ Jacques Valée in Pasaporte a Magonia, Plaza &
Janés, Barcelona, 1972, p. 17

69
ser ignorado. Jung se ocupou durante algum tempo estudando o
assunto e declarou:

Mas o aspecto psíquico desempenha, neste fenômeno,


um papel tão importante que não pode ser deixado de
lado. O levantamento dessa questão leva, como as
minhas explanações tentam demonstrar, a problemas
psicológicos que tocam em possibilidades, ou
impossibilidades, tão fantásticas quanto uma
observação física.55
São modificações na constelação das dominantes
psíquicas, dos arquétipos, dos ―deuses‖, que causam
ou acompanham transformações seculares da psique
coletiva.56

Voltaremos a esse ponto, lembrando que ele se pronunciou


com base nos conhecimentos da época, sem um embasamento
prático mais amplo, afinal, o tema era incipiente e as
informações estavam sujeitas a toda sorte de interferências.
Recapitulando um comentário feito na introdução, dissemos
que a Ufologia poderia ser analisada sob o prisma de uma
subcultura de massa, ou de uma crença paracientífica.
Subcultura porque integra um sistema de crenças alimentado
por influxos emocionais, logo, avesso ao pensamento lógico. O
exemplo mais recente vem das reações incandescentes
verificadas logo após a publicação de ―A Desconstrução‖,
como já comentamos.
Constatou-se de maneira inequívoca que tudo o que fora
previsto na obra se confirmou plenamente, tal a enxurrada de
contestações, indignação e repúdio – de quem não a leu,

55
UNG, 1991, p.98
56
Id, prefácio, p. IX

70
portanto argumentum ad hominem, ou não percebeu seu
alcance. Em alguns casos, sequer o título foi compreendido,
assim como seu subtítulo - Porque discos voadores podem não
existir. Muito provavelmente porque ―mito‖ foi atrelado ao
conceito de mentira, invenção, um pensamento que caducou há
pelo menos 500 anos, mas que de alguma forma ainda
permanece vivo no imaginário popular. Não podemos censurar
de todo, afinal a máquina midiática tem poder para transformar
personalidades e fatos em ―mitos‖ com extrema facilidade.
Certos sintomas na postura da Ufologia, notadamente a
brasileira, ilustram bem o distanciamento que tal campo de
estudos insiste por manter dos preceitos de ordem científica e
acadêmica. Mesmo que, por suas características, o tema não
comporte um trato com arraigado estilo positivista, que, aliás,
parece provocar atualmente verdadeira repulsa por parte dos
amantes do misterioso, quando a citada obra propõe a simples
observação do lado oposto aos pensamentos já tidos como
imutáveis. É o que oferece o subtítulo, com o único propósito
de alertar para a imprescindível leitura de ideias contrárias.
Neste sentido, invocar Hegel justifica o lugar-comum, qual seja
o de que não se pode extrair qualquer síntese sem lançar a
antítese do que já se tem como tese. Óvnis têm sido sinônimos
de ―naves extraterrestres‖, e para a maior parte dos ufólogos a
adoção, por mera hipótese, de outras origens ou mesmo
explicações diversas parece contestar um tabu. E é justamente
esse desejo, ou antes, essa necessidade, essa predisposição
emocional quase religiosa de acreditar na procedência
extraterrestre que atropela o escrúpulo investigativo e
desautoriza a autêntica reflexão filosófica,

71
Várias têm sido as publicações impressas e eletrônicas
contendo o dito de que os céticos e os que exigem provas mais
convincentes estão caminhando em sentido inverso ao que o
mundo todo já sabe e admite. Atente-se, o veredicto está dado:
o mundo inteiro, para quase todos os ufólogos, reconhece como
legítima e incontestável a existência de discos voadores, e que
estes sejam máquinas de alta tecnologia pilotadas por seres
extraterrestres. Sob este prisma, não se revela qualquer ato de
desonestidade, nem ao menos intelectual, dos que fazem esse
tipo de afirmação. Por esta lógica, nomeada por Gustave Le
Bon como mística, ―As causas naturais são substituídas pelas
caprichosas vontades de seres ou forças superiores que
intervêm em todos os atos‖. No mesmo texto, esclarece: ―A
mentalidade mística se revela pela atribuição a um ente, a um
objeto determinado ou a uma potência ignorada, de um poder
mágico independente a qualquer ação racional.‖57
Contudo, seu fundo emocional e de ordem psicológica é
visível, pela demonstração de absoluto inconformismo diante
da existência de um pensamento antagônico ao deles. Melhor,
seus sonhos, transformados em constantes devaneios jamais
comportariam hipóteses desfavoráveis ao que lhes conduz,
particular e socialmente, e uma argumentação sólida, lúcida e
bem amarrada se torna imbatível quando confrontada por meia
dúzia de vãs suposições e afirmações estereotipadas.

A consideração de que esteja tudo ―provado‖ resulta da


confusão estabelecida entre um sem-número de simples relatos
privados de informações concretas, e um reduzidíssimo índice
57
LE BON, 2002, p. 136

72
de casos realmente complexos, que fazem a Ufologia ser uma
área de estudos promissora de bons resultados de âmbito
cultural e, ainda se espera, de cunho científico útil. Mas
convém esclarecer que ceticismo não significa descrença ou
choque filosófico ou ideológico pelo simples prazer de
confrontar, pois o ceticismo tem por princípio a multiplicidade
do pensamento e por método o racionalismo filosófico. A
discussão nasce mediante a inflexibilidade e o extremismo da
parte contrária, que vê o cético como um herege ou portador de
uma doença contagiosa. ―A característica principal do cético é
manter uma atitude crítica diante da pretensão dogmática de
se ter descoberto a verdade.‖58 A crítica só é exercida quando
amparada pelo conhecimento e pela experiência.

Com a informação multiplicada pelos canais de


comunicação, houve um incremento substancial na chamada
―cultura da sedução‖, não apenas por imagens, mas também
por uma elusiva atmosfera de indução ao consumo de
modismos, comportamento, pensamentos e ações. É o que o
filósofo alemão Christoph Türcke chama de ―sociedade
excitada‖, título de seu mais recente livro59, uma certeira
―metralhadora audiovisual‖ injetando progressivamente uma
overdose de imagens e sensações diretamente ao córtex em
escala geométrica, provocando uma dependência invisível
crescente, ―uma distração concentrada‖, conforme suas
palavras. Assim como toda crença, a sedução ou
―encantamento‖ tem o ingrediente central na irracionalidade, e

58
SMITH, 2009, p.8
59
―Sociedade Excitada‖, Unicamp, SP, 2010

73
a Ufologia, com sua roupagem tecno-mística não é exceção,
seduz e muito. A combinação religião, tecnologia, mistério e
inconsciente revela seu caráter transcendente, inapreensível aos
sentidos e ao senso comum, tal como os mitos. Essa, talvez,
seja uma de suas armadilhas, porque possui todos os requisitos
necessários para cinzelar esse modelo fascinante e inundar o
imaginário coletivo: religião (o sagrado), tecnologia (a ficção),
medo (o mistério) e inconsciente (o inexplicável):

O sagrado seduz porque liga com o transcendente;


A ficção seduz pelo grande poder da imaginação;
O mistério seduz porque enfrenta o desconhecido;
O inexplicável seduz porque revela o inconsciente.

A seu modo, o fenômeno Óvni seduz porque coloca em


contato com o transcendente através da imaginação diante do
desconhecido si-mesmo. E o faz com muita competência,
estimulando o lado mágico e imagético da coisa, e a crença
nessa magia é mais social que psicológica. É como o xamã que
―conversa‖ com a montanha e ela lhe ―diz‖ se a caça será
abundante ou se a estação das chuvas se aproxima. Toda a
aldeia acredita na palavra do seu líder espiritual porque a caça
foi boa (talvez nem tanto) ou choveu seis meses depois. O
―xamã moderno‖ receita uma pílula mágica e o paciente se
cura em algumas horas.
Porém, a magia só terá efeito se a plateia estiver inserida no
espaço social – a rede simbólica – a qual pertence: Mesmo que
a caça não tenha sido boa ou o placebo surtido o efeito
esperado, a relação de confiança no xamanismo e na medicina
não será afetada. Nos exemplos dados, ―sugestão‖ não é a

74
explicação. São dois sistemas distintos com a mesma estrutura
simbólica: a montanha falou na mesma medida em que o
placebo curou. Montanhas não falam e placebos não curam. A
mágica, em Ufologia, não permite tirar Óvnis da cartola e é no
fluxo dessa ilusão que a frustração se potencializa. Quanto
mais a ilusão cresce, mais o ―sagrado‖ se consolida.

É interessante observar nesses processos mentais, a


busca de fragmentos da realidade que possam injetar
certeza a fatos que provêm muito mais do mundo
mental do que da realidade externa. Conexões lógicas
entre os dados, argumentos que buscam demonstrar a
veracidade dos fatos, são expedientes para dar
indumentária lógica e de convencimento àquilo que
não passa de delírio. A este fato, caracterizado por
distúrbios na área do pensamento, Bion denominou de
psicose sana.60

Freud afirmava que a religião, por ser uma ilusão, era um


perigo porque tendia a santificar instituições viciosas com as
quais se tem aliado através dos tempos e a ensinar as pessoas a
acreditarem em uma quimera, condenando o pensamento
crítico e condicionando à estagnação intelectual. O fenômeno
tornou-se uma mercadoria banalizada, ―auto-sustentável‖, que
se reproduz para e pelo consumidor final, perpetuando o
espetáculo – que constitui o modelo de entretenimento presente
na vida socialmente dominante.

60
Lilian Maria R. Conde; ―Liderança e Identidade Potente: uma perspectiva para gerência
compartilhada‖. Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2004. p. 103

75
A eficácia da magia implica a crença na magia/
Claude Lévi-Strauss

O fato de o fenômeno agrupar tais elementos não diminui


seu valor e sua importância histórica como um evento social e
cultural, ao contrário, oferece vertentes valiosas na elaboração
desta análise. Se o pensar deve preceder a ação, o erro primário
cometido pela Ufologia foi o de antecipar as respostas às
perguntas, foi a falta de uma propedêutica que lhe preparasse
para o que viria a seguir. No curso de um processo
investigativo, em qualquer matéria, não se pode queimar etapas
e chegar a um termo conclusivo sem esgotar todas as
alternativas. Foi o que aconteceu com a Ufologia, que gerou
precipitação e imediatismo em direção à ―hipótese
extraterrestre‖ – sua pedra angular – sem um exame prévio
cuidadoso de outras possibilidades.
É alto o tributo pago por essa imprudência e irreflexão, pela
liquidez dos resultados. Desconhecer a etiologia e a natureza
do fenômeno não lhe serve de álibi, já que o erro segue se
repetindo: ―Assim é porque assim sempre foi‖ é a senha para
um discurso requentado, descolorido, mas com o mesmo eixo
linguístico. Com tal poder de sedução e arrebatamento, não
surpreende que o fenômeno cause um envolvimento tão
passional quanto irracional. São incontáveis os exemplos que
testemunhamos onde se ouve a mesma cartilha com afirmações
tão célebres quanto folclóricas: ―Os discos voadores têm
propriedades tão fantásticas capazes de inverter sua própria
sombra”; ―Os governos e os militares escondem informações

76
cruciais sobre o assunto, com medo de provocar pânico na
população‖; ―O Vaticano sabe da existência dos extraterrestres
e guarda segredos seculares sobre os destinos da humanidade,
transmitidos por inteligências alienígenas‖. Ao se ler um
clipping como mostra a ilustração, entende-se porque a
―pesquisa‖ ufológica não transmite respeito e seriedade.

Como exemplos recentes para ilustrar, uma notícia


veiculada nos primeiros dias de 2011, informando que a

77
agência espacial americana irá suspender o programa e encerrar
a construção do ônibus espacial, precipitou e-mails de ufólogos
desconfiados ―estranhando‖ a decisão, insinuando que eles
(governo, autoridades, NASA) sabem de alguma coisa prestes a
acontecer no espaço, insistindo novamente na tola suspeição de
―manobras de acobertamento‖. Em outro momento, o anúncio
de um workshop de ufologia trazia a informação de que um
contingente do Exército Brasileiro teria testemunhado o pouso
de uma nave em forma de disco, e que os pesquisadores ligados
à investigação teriam ficado ―inúmeras vezes frente ao
fenômeno UFO, dando início a um profundo processo de
interação com as inteligências envolvidas com o fenômeno‖.61
Visão estreita, clichês, um falatório despido de lucidez e
refinamento intelectual comprovam e acentuam a política
discursiva rançosa e imatura, e mais grave, insultuosa, aética e
leviana. Seus autores, amadores despreparados para conduzir
uma pesquisa desse porte, não se dão conta de que essa
verborreia pobre e cacofônica acaba prostituindo a palavra,
solapando o trabalho sério escalavrando o fruto do
conhecimento. Quanto mais queremos estar próximos da
verdade, mais cuidadosos temos que ser. Infelizmente, esse
catecismo assumiu caráter ―oficial‖ no Brasil, quando da
entrega de um dossiê com mais de 60 páginas ao governo
federal, em 2007.62 O que depõe contra não é o pedido em si,
mas o arrazoado medíocre usado para justificá-lo.

61
http://marcoantoniopetit.blogspot.com/
62
Carta da autonomeada Comissão Brasileira de Ufólogos às autoridades brasileiras, com
pedido de liberação de documentos referentes às investigações sobre o assunto.

78
Essa é uma das sequelas do desconforto e inquietação do
homem por ser a única espécie vivente no universo, repetindo –
na forma de vida como a conhecemos – uma realidade
cruelmente verdadeira. O Professor de Filosofia Natural, Física
e Astronomia do Dartmouth College (EUA) Marcelo Gleiser
escreveu, em sua obra63, que mesmo que exista vida inteligente
em algum ponto do espaço, provavelmente jamais saberemos, e
que devemos aprender a conviver com essa solidão cósmica.
Gleiser não está só no universo da Ciência, tendo ao seu lado
personalidades da maior envergadura como Adrian Clark,
Sagan, David Grinspoon, Donald Brownlee Fermi, Freeman
Dyson, Peter Ward, Stephen Hawking, e a eles se junta uma
elite de vultos notáveis, compondo uma espécie de colégio
invisível. Até um dos ícones da Ufologia, o astrônomo Joseph
A. Hynek, falecido em 1986, declarou certa vez que a vida
inteligente no universo é possível, mas que a nossa concepção
de inteligência é muito provinciana.
Não há nenhuma certeza de que, em havendo vida
inteligente no cosmos, tenha ela desenvolvido uma civilização
tecnológica. Baleias, golfinhos, abelhas e formigas são
consideradas espécies ―inteligentes‖. Com fino bom humor,
Sagan disse que os poetas também são muito inteligentes, mas
não constroem foguetes nem radiotelescópios. Há uma
distância estratosférica entre ―vida‖ e ―inteligente‖ que tem
sido convenientemente deturpada pelo circo ufológico. A vida
pode ser considerada uma ―anomalia‖ terrestre, no dizer de
Gleiser, e muito provavelmente ele tem razão. E se a teoria da

63
―Criação Imperfeita‖, Rio de Janeiro, Record, 2010.

79
panspermia64 tem muitos simpatizantes entre os especialistas,
ela continua no campo das idéias pela dificuldade de e pesquisa
e falta de conhecimento mais específico.
Este colegiado cujos membros muitos não têm qualquer
ligação entre si, atua em várias frentes, comungando das
mesmas ideias, defendendo as mesmas posições, em prol de
disseminar um conhecimento multivariado e procriador.
Contudo, mais uma vez, a classe ufológica, caudatária do assim
é porque assim sempre foi, dá de ombros, preferindo esposar a
obsessiva ideia de que tudo faz parte de uma ―rede global
conspiratória‖ ou ―ocultação de informações‖ contra a verdade
dos discos voadores, ao feitio da série televisiva de estrondoso
sucesso nos anos 80, ―Arquivo X‖, como se o assunto fosse da
maior gravidade com que a humanidade já enfrentou, e que
precisa ser abafado e escamoteado pelo alto comando de todas
as nações. Mais um de seus inúmeros devaneios. Outro
depoimento oportuno sobre vida extraterrestre foi dado por
uma respeitada astrofísica, a veterana Jill Tarter, Diretora do
Centro de Pesquisa do Projeto Fênix, braço separado do
governamental Seti (Search for Extraterrestrial Intelligence)
na Califórnia:

A equação de Drake65 não é uma "equação" no sentido


formal. Não dá para calcular nada com ela, pois os
termos ao lado direito do sinal são desconhecidos – e

64
Teoria defendida por Svante Arrhenius em 1903, sugerindo que a vida no Universo é farta e
que sementes (esporos) chegaram à Terra através de meteoritos, semeando a vida.
65
Formulada em 1961 pelo astrônomo Frank Drake, que tentou demonstrar quantitativamente a
probabilidade de haver planetas com vida inteligente na galáxia. Caducou pela grande
margem de erro das variáveis e pelo acúmulo de conhecimento nos últimos anos que
contrariaram as primeiras estimativas.

80
provavelmente continuarão assim até que tenhamos
sucesso.
O termo mais aberto é a longevidade de uma
civilização com tecnologia de transmissão. Nós
podemos estabelecer um limite mínimo usando nosso
próprio exemplo – fazemos isso há uns cem anos –,
mas não temos como saber qual o máximo que uma
sociedade assim sobrevive.
Algumas pessoas tentaram usar argumentos
estatísticos, mas não os adotei. Elas estão assumindo
que uma civilização tecnológica é algo pequeno em
comparação com as muitas tecnologias em evolução
que a englobam. Algumas dessas tecnologias
poderiam até viver mais do que as civilizações que as
inventaram.66

Essa cientista levanta um ponto interessante a partir da


declaração de Drake, de que a Terra está ficando cada vez mais
―silenciosa‖ e ―invisível‖, porque as transmissões via rádio
estão dando lugar às digitais, o que aumenta a improbabilidade
de sermos detectados pelos Ets. De fato, se houvesse alguma
civilização longeva disposta a procurar companhia na longa
noite cósmica, muito possivelmente utilizaria uma tecnologia
tão impensavelmente evoluída que tornaria nossos mais
avançados equipamentos autênticas peças de museu.
Daí a procura incansável e compulsiva da Ufologia em
formas alternativas para amenizar ou substituir esse vazio e
essa mudez sideral. Retomando Bauman e na cola de outros
estudiosos, o medo ancestralmente produzido leva à busca – ao
resgate – de entidades protetoras e salvadoras, emoldurada pela
cultura nativa. Tal como os mitos, ―O devaneio também é uma

66
Folha de São Paulo, caderno +Mais, p. 5. 28/03/2010.

81
atividade social, mas ela permanece, frequentemente, sendo
uma experiência íntima‖.67 Jean-Bruno Renard, Professor de
Sociologia da Universidade Paul Valéry–Montpellier III,
afirma que ―O fenômeno dos discos voadores é o ponto
culminante da simbiose entre os temas de ficção científica e as
crenças pararreligiosas‖.68 Essa simbiose resulta na crença
paracientífica, por onde circulam parapsicologia, seres
fantásticos e discos voadores, enquanto as crenças
pararreligiosas congregam a reencarnação, vida após a morte,
etc. É na Ufologia que todas se agrupam e se fundem formando
um amálgama indistinto de forças pulsionais.

A natureza

Ingressando em outro campo, existe uma opinião


convergente entre vários estudiosos de que a influência
exercida pela ficção científica no corpus da Ufologia foi
embriagadora, sendo um de seus principais provedores e
sustentáculos, a começar pela expressão ―disco voador‖,
reproduzida pelas manchetes jornalísticas da época, adotada e
popularizada instantaneamente. Poucos sabem que essa
denominação foi uma distorção jornalística sobre o depoimento
de um piloto civil americano, que descreveu o movimento das
formas como ―pires atirados na água‖. Essa torção se deu
porque a imagem do ―disco‖ já estava encravada no
inconsciente desde o final do século XIX graças aos primeiros
67
LEGROS, 2007, p. 233
68
Renard, Jean-Bruno. ―Religion, Science-fiction et Extraterrestres‖ in Archives de Sciences
Sociales des Religions, v. 50-1, p. 147. Juillet-Sept. 1980.

82
contos desse tipo, entre eles, o famoso ―Guerra dos Mundos‖,
de H. G. Wells, escrito em 1898, que impulsionou o gênero da
ficção científica, encenada em uma transmissão radiofônica em
1938 que convulsionou a América.
A partir desse fato, a expressão ―disco voador‖ entrou
definitivamente para o vocabulário (e imaginário) popular,
mesmo porque muitos relatos descrevem formas em nada
parecidas com discos. Ainda hoje as publicações
sensacionalistas permanecem à espreita, pronta a entrar em
caso surja um evento que potencialmente mobilize e repercuta
na opinião pública. Quando se trata de esclarecer tais fatos,
ignoram e silenciam. A ilusão e a ficção sempre venderam
mais que a realidade.

A ficção também pega os antigos mitos e os reveste de uma


exterioridade tecnológica que os torna aceitáveis para a nossa
época. O estudo de Bertrand Méheust mostra que as criações
artísticas da ficção no período 1700-180069 anteciparam as
descrições das formas supostamente observadas no século
seguinte, o que pode indicar que já estavam ―arquivadas‖ no
inconsciente. O trabalho demonstrou também que todas as
constantes do fenômeno Óvni – naves, morfologia alienígena,
tecnologia, efeitos físicos e psíquicos, ambientação e muito
mais, foram ―previstas‖ pela ficção científica dos anos 20 e 30,
e mesmo muito antes disso, processadas, incorporadas e
adaptadas pela Ufologia.

69
Johannes Kepler, em seu conto ficcional ―O Sonho‖, publicado postumamente em 1634,
pode ter sido um dos primeiros autores a falar de estranhos seres habitando a Lua (citado por
Marcelo Gleiser, ―Criação Imperfeita‖, p. 356)

83
1909: a ficção antecipava o ―disco voador‖ da narrativa ufológica

Em seu minucioso trabalho, Méheust comprovou que o


cenário simbólico vivido pelos abduzidos é idêntico, na
composição, aos rituais de iniciação e, em muitos detalhes, aos
estados alterados de consciência. A ficção, qualquer que seja
sua forma de expressão, não exerce influência apenas no plano
psicológico, mas também no simbólico e no psíquico. Os
crossovers entre ficção científica e discos voadores são muito

84
mais frequentes do que se imagina. Assim, num primeiro
vislumbre, fica evidente que a tríade religião-medo-ficção se
onstitui a espinha dorsal do fenômeno, conferindo-lhe um
desenho poligonal.
O astrofísico franco-americano Jacques Vallée, PhD em
Ciências da Computação pela Northwestern University e
envolvido desde os anos 60 com a pesquisa do fenômeno Óvni,
é um dos mais destacados pensadores, respeitado tanto no meio
científico e acadêmico como no círculo ufológico por sua visão
analítica original cautelosa e sempre atual. Ele elogia o estudo
de Méheust e critica aqueles que não reconhecem sua
importância, e afirma que quando a pesquisa abrange textos
folclóricos antigos, literalmente afoga o material acumulado
pelos ufólogos modernos a respeito de sequestros por
alienígenas. Não é de se estranhar que muitos insistam em
ignorar este fato usando a hipnose em testemunhas
traumatizadas, numa ―tentativa inútil e desesperada de
recuperar o controle sobre um fenômeno cuja maior
características é a ilusão.‖ (grifo nosso)70 O destaque na
citação evidencia a contundência da afirmação, e aproveitamos
para esclarecer o sentido etimológico de ―ilusão‖, do latim
ludus, illudere – jogo, brincadeira, entretenimento, diversão,
derivando para ―ludibrio‖ e ―lúdico‖ através do plural ludi
(ludicrum). Isso não significa que Vallée esteja dizendo que o
fenômeno é uma diversão ou farsa, pois a definição, ampliada,
resulta em ―percepção equivocada‖, ―erro de interpretação dos
dados sensoriais‖, ―conflito de aparência com realidade‖. Eis o
sentido correto e onde se estabelece toda a diferença.
70
VALÉE, 1990, p. 193

85
Nosso tempo, sem dúvida, prefere a imagem à coisa, a
cópia ao original, a representação à realidade, a
aparência ao ser... O que é sagrado para ele, não passa
de ilusão, pois a verdade está no profano. Ou seja, à
medida que decresce a verdade a ilusão aumenta, e o
sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da
ilusão é também o cúmulo do sagrado.71

Não surpreende que as palavras do filósofo alemão, escritas


há mais de 150 anos, continuem valendo e se transportem ao
nosso tempo de maneira indelével. Gilbert Durand as retoma e
reescreve, com outra caligrafia, ao se referir à ―civilização da
imagem‖, essa em que somos bombardeados pela abundância
de imagens e que, em certa medida, ―substituem‖ as palavras e
o próprio ato de pensar; a imagem dispensa explicações,
legendas, é auto-suficiente, fala por si e por nós: ―A imagem
midiática está presente desde o berço até o túmulo, ditando as
intenções, (...) usos e costumes, informações (...)‖72
Neste aspecto, a Ufologia se apresenta como um sistema de
iniciação a um espetáculo de imagens – fugidias, evanescentes,
sedutoras e implausíveis pela sua própria natureza: as imagens
“não deixam dúvidas‖, estão lá para quem quiser ver. Essa
contemplação hipnótica, aliciante media o mundo do
inapreensível e o da abstração. É onde o ver se sobrepõe ao
sentir/pensar, perdendo-se e condenando-se a um mundo
especulativo que rodopia em torno de si mesmo. Nele, o sujeito
representa a imagem que representa o sujeito. Por isso esse
espetáculo é especular. Mas Durand acalenta seu (e nosso)

71
L. Feuerbach, prefácio à segunda edição de ―A Essência do Cristianismo‖, 1843, citadopor
Guy DEBORD in ―A Sociedade do Espetáculo‖, 2003, p.8)
72
DURAND, 2010, p. 33

86
otimismo: ―Felizmente, nos últimos 25 anos, uma minoria de
pesquisadores, que cresce a cada dia, interessou-se pelo estudo
deste fenômeno fundamental da sociedade e pela revolução
cultural que implica.‖73 Durand fala do fenômeno da
―multiplicação das imagens‖, mas suas palavras caem sob
medida para falar do outro fenômeno.
Se por um lado não se pode tomar aquela declaração de
Vallée – ou de qualquer outro – como expressão acabada da
verdade, por outro não se pode deixar de considerar o conjunto
de sua obra, o percurso e a autoridade, e principalmente o fato
de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, amoldando e
reformulando seus conceitos conforme as informações vão
surgindo. Vallée declara ainda que o fenômeno Óvni age como
um transformador da realidade, provocando nas testemunhas
uma série de situações simbólicas indistinguíveis da realidade,
situações essas indutoras a estados de desorientação, tornando-
as – as testemunhas – vulneráveis e suscetíveis a experiências
visuais incomuns.
Para ele, a Ufologia parece caminhar por um beco sem
saída, pois a hipótese extraterrestre – pièce de résistance –
perde cada vez mais espaço diante da imensa quantidade de
informação existente sobre a realidade psíquica, que não tem
sido devida e cuidadosamente examinada no trato ufológico. E
não são somente esses estudos que estão empurrando esta
Ufologia para o limbo, são todos os outros que, combinados,
contribuem para o esgotamento daquela hipótese. As
suposições e especulações chegaram ao limite, e o que se
impõe é a adoção de uma nova postura e um novo olhar. Há
73
Id, p. 34

87
tempos ele prega uma tomada de posição mais arrojada e nos
adverte para ―amadurecer e abandonar o conceito de
espaçonave como era vista pelos filmes de ficção científica dos
anos 50‖.74
Sua mão se torna ainda mais pesada quando afirma
enfaticamente que esse tipo de comportamento dos ufólogos é
altamente prejudicial ao estudo científico da real natureza do
fenômeno, retardando em um tempo considerável e
valiosíssimo no sentido de convencer o meio acadêmico da
importância e dos benefícios que tal estudo pode proporcionar.
A falta de credibilidade advém justamente da atitude que tenta
a todo custo explicar – de maneira infantil, autoritária e
inflexível, o que é o fenômeno Óvni. Concluir pura e
simplesmente que se trata de ―naves extraterrestres‖ sem
admitir outras explicações é, para Vallée, e alguns de nós, de
uma pequenez intelectual terrível, é tomar o fenômeno pelo
nível mais raso de entendimento.
Na esteira desse enfoque, além da ficção científica é
legítimo mencionar a influência, no passado, da literatura
infantil, dos contos de fadas e dos quadrinhos, que povoaram o
74
It is a physical phenomenon that can come out of nowhere, change shape dynamically and
vanish by becoming transparent. An object that does all that is much more interesting than a
spacecraft. It can affect time itself. It can come from anywhere, any time, including our own
planet. We have to grow up and abandon the concept of spacecraft as it was seen in the
science-fiction movies of 1950. “Eu disse que ficaria desapontado se eles se mostrassem ser
―nada mais que naves espaciais‖. Eu gastei muito tempo ouvindo testemunhas, e o que elas
descrevem não é uma espaçonave. É um fenômeno físico que pode surgir do nada, mudar de
forma dinamicamente e esvaecer tornando-se transparente. Um objeto que faz tudo isso é
muito mais interessante que uma espaçonave. Ele próprio afeta o tempo. Ele pode vir de
qualquer lugar, em qualquer tempo, incluindo de nosso próprio planeta. Nós temos que
amadurecer e abandonar o conceito de espaçonave como era vista pelos filmes de ficção
científica dos anos 50.‖ Parte da entrevista concedida a um grupo de pesquisadores
brasileiros em 2004, coordenada pelo autor. Tradução de Laura Elias e Marcos Malvezzi
Leal.

88
imaginário de crianças, jovens e adultos. As sagas, as epopeias,
os relatos maravilhosos, todos orquestram uma espécie de
iniciação ao mundo mítico-simbólico. Talvez já não exerçam o
fascínio na mesma intensidade na vida atual, mas ficaram
enraizados com tal vigor que se tornaram parte indissolúvel do
subconsciente. Não é de hoje que a indústria cinematográfica
explora um filão altamente rentável ao resgatar os super-heróis
dos gibis, as aventuras épicas e os contos fantásticos. Sinal dos
tempos?
A fantasia é de grande importância para nossa estrutura
mental, mas tem, no entanto, face dupla: pode desenvolver a
sensibilidade, despertar o dom da arte, tornar concreta a
realização de sonhos. É o que em palavras similares diz
Marcuse ao afirmar que as fantasias promovem a ligação entre
os mais profundos níveis do inconsciente aos elevados
produtos da consciência. Faz mais, integra os sonhos à
realidade, preserva os arquétipos do gênero, as eternas e
aprisionadas ideias da memória coletiva e individual.75 Na
outra face, as fantasias não podem superar a realidade, o
plausível, a razão. É um átimo para a alienação, ainda que
Freud tenha afirmado que esta é exatamente sua principal
finalidade, porém como processo independente. É que a
fantasia harmoniza a felicidade com a razão, sendo ambas
antagônicas. A primeira surge pela idealização, pela
imaginação que trabalha com o ideal; a segunda mostra a
realidade, que é o oposto. Ele prossegue:

75
MARCUSE, 1975, p. 134

89
Conquanto essa harmonia tenha sido removida para a
utopia pelo principio de realidade estabelecido, a
fantasia insiste em que deve e pode tornar-se real, em
que o conhecimento está subentendido na ilusão. As
verdades da imaginação são vislumbradas, pela
primeira vez, quando a própria fantasia ganha forma,
quando cria um universo de percepção e compreensão
– um universo subjetivo e ao mesmo tempo objetivo.76

Se houver desequilíbrio e a fantasia assumir o comando do


pensamento e da realidade, o mundo subjetivo tornar-se-á o
único, em nosso caso, o único onde existirão discos voadores e
suas criaturas. A situação piora quando insetos se tornam ETs e
microdetritos, naves77. A distância entre fantasia e realidade
por vezes é incrivelmente curta. Jung acertou quando em ―Um
Mito Moderno‖ empregou objetos, voadores e não
identificados para suas observações. E foi proposital,
principalmente ao estabelecer um paralelo entre arquétipos –
bolas e esferas no céu – e o que as pessoas diziam avistar. Isto
continua tão válido que a psicanálise contemporânea trabalha
cada vez mais com o conceito de ―relação-objeto‖, que designa
o modo de relação do sujeito com seu mundo, relação que é o
resultado complexo e total de uma ―determinada organização
da personalidade, de uma apreensão mais ou menos fantasista
dos objetos e de certos tipos privilegiados de defesa‖.78
As fantasias de modo geral impedem o homem-criança
tornar-se homem-adulto, amadurecido para a vida com todas as

76
Id, p. 135
77
Referência a um efeito ótico luminescente nas câmeras fotográficas conhecido como
―Rods‖, quando flagram minúsculos insetos voando à noite próximos à lente, e também
esporos, ciscos de poeira e partículas suspensas que iludem o incauto fotógrafo achando ter
fotografado Óvnis.
78
LAPLANCE, 1998, p. 443

90
suas responsabilidades, temores, reveses e vicissitudes. Incapaz
de assumir desafios verdadeiros, tomar decisões e reconhecer o
fracasso e o infortúnio como inerentes à condição humana,
recorre aos artifícios da fantasia depositando nela suas
esperanças, seus sonhos e as suas mais profundas aspirações.
Ele precisa sobreviver ao insuportável e massacrante mundo
dos adultos e a única saída para mitigar as dores é retornar a
esse universo mágico de onde nunca desejou ter saído.
Acontece que ele precisa reconhecer conscientemente tratar-se
de uma ilusão para transcender esse estágio, assegurando-se de
incorporar as funções realizadoras presentes na fantasia, no
mito, na saga, na aventura, no romance...
Bauman já dissera o mesmo em outros termos. Se para
Jacob Grimm ―O fundo de toda lenda é o Mythus, isto é, a
crença nos deuses tal como vai sendo estabelecida de povo para
povo‖, para Mircea Eliade o conto de fadas não é apenas e
exatamente um gatilho de iniciação, mas um instrumento de
preservação e perpetuação de psicodramas que atendem a uma
profunda necessidade do ser humano – a de contato com o
―Outro Mundo‖ e de confrontar-se com situações mágicas
perigosas e desconhecidas. A maioria dos pensadores e
historiadores concluiu que os contos e os mitos são modelos
para o comportamento humano, dando valor e significado à
vida.

Após estas considerações, a correlação com a literatura


infantil, a ficção, os romances e conceitos antropológicos,
sociais e históricos, já é possível certificar os eventos
ufológicos como sendo realmente uma versão moderna dos

91
antigos relatos míticos, um fato social e cultural com marcada
influência religiosa? Jung defendia a ideia da religião como
uma atitude do espírito humano em relação a certos fatores
dinâmicos concebidos como ―potências‖: espíritos, demônios,
deuses, leis, ideias, ideais ou qualquer outra forma dentro de
sua realidade, que lhe seja suficientemente poderosa ou útil.
Ele faz inclusive clara distinção entre fé e religião:
―Poderíamos, por conseguinte, dizer que o termo religião
designa a atitude particular de uma consciência transformada
pela experiência do numinoso.‖79
Nenhuma análise social científica nem qualquer outro
enfoque externo dissolvem o âmago da autêntica crença e o
comprometimento com a fé. Todavia, o destaque excessivo ao
misticismo rouba a experiência de sua realidade, ao passo que a
ênfase de menos elimina o senso de mistério que gera a fé.
Embora seja imprudente considerar todas as experiências como
fatos incontestáveis, é igualmente arriscado desconsiderá-los
como ficção hiperbólica. É necessária uma aproximação, tanto
quanto possível, dos significados mais profundos, sem nos
deixar desviar pela sua visível aberração da realidade.
Como fórmula de pensamento, o raciocínio científico
contrasta radicalmente com o experimento transcendental, não
importa em que nível. Enquanto o primeiro está sempre sujeito
à dúvida e à crítica, o segundo se apoia na fé e na devoção – e é
justamente essa inflexibilidade que resulta na decadência da
religião. Por que a ideia de uma convulsão e consequente
―salvação‖ da espécie adquire tamanha importância? Além do
aspecto ―salvador‖ que o fenômeno traz implícito, existe outro
79
JUNG, 1984, p. 10

92
fator não menos importante que poderíamos chamar de
transferência de imagem, a transmigração que o homem faz de
sua força ausente para alguém – os ídolos e heróis de todos os
tempos. Aqui, porém, a palavra ídolo assume uma
interpretação diferente; sua etimologia deriva do grego eydolón
– imagem, reflexo. Aquilo que o ser humano não reconhece
conscientemente dentro de seu quadro de qualidades é
transferido para outro, dotado de poderes supranaturais, ainda
que possua uma fresta vulnerável. É aí que aparece a figura do
extraterrestre, um verdadeiro ―semideus‖: proveniente das
alturas– do ―Reino dos Céus‖, governante das estrelas,
imediatamente identificado como de um estágio evolutivo
superior, um ―emissário dos deuses‖, talvez até a
personificação de um deles.
Antes de se tomar o fenômeno Óvni como um mito (ou uma
atitude substituinte) e de que maneira ele se enquadra nesse
perfil, é preciso enfatizar que mito é um evento repetido e
recriado pelas sociedades porque inerente à sua existência.
Nenhuma sociedade o é sem o mito a lhe dar suporte, sentido e
direção, e conduzir o homem às suas mais profundas
aspirações: transcendência e plenitude. E ainda, como nos
contos, quadrinhos, épicos e romances, o que está em jogo são
as temáticas da redenção e da superação do tempo –
atemporalidade, infinitude, imortalidade.

(...) O mito persiste no imaginário dos homens.


Quando menos se espera ele surge no meio de um
cenário profano, dessacralizado, esterilizado da ideia
do absoluto. Instaura-se sutilmente (nem sempre, às
vezes aparece com veemência) nos meandros de nossa
cultura e de nossas artes. (...) ―O mito vive com a

93
dúvida dos homens, com a fé cega que eles depositam
em algo com poder de orientar suas vidas. Este poder
indefinido não é apenas uma divindade no sentido da
mitologia clássica (...) mas será sempre um poder que
transcende o limite físico e o entendimento dos
mortais.80

A ponte entre o sagrado e o humano, o divino e o profano, é


chamada de religião, e nesse sentido o Óvni é um redesenho
desse pensamento mítico incorporado aos valores atuais. Jung
considerava que ao magnífico desenvolvimento científico e
tecnológico corresponde uma assustadora carência de sabedoria
e introspecção. Em um estudo sobre as seitas que proliferam
cada vez mais, o historiador francês Jean-François Mayer
observou que algumas delas se baseavam na franca adoração
aos seres extraterrestres e suas naves. Ele cita um estudo de
Ted Peters81 que constata a presença, na dinâmica e na
estrutura do fenômeno Óvni, de quatro elementos derivados
diretamente da fenomenologia religiosa:

1– A transcendência: os objetos que vêm do alto, de


onde uma associação de divagações com os céus, o
divino e o infinito.

2– A onisciência: em muitos relatos de encontros, os


extraterrestres conhecem de antemão seu interlocutor
ou leem seus pensamentos; vigiam a Terra graças a
meios eletrônicos sofisticados e estão sempre
prontos a intervir na iminência de uma catástrofe

80
Umberto Eco, ―O irracionalismo ontem e hoje‖, Folha de São Paulo, 31/10/1987. P. 36
81
UFOs: The Religious Dimension, in Cross Currents 27:3, Oct 1977, p. 261-278

94
planetária.

3– A perfeição: os seres espaciais pertencem a uma


civilização muito mais ―adiantada‖ que a nossa; sua
excepcional longevidade confina com a
imortalidade, comparada com a brevidade de nossa
existência humana; seu mundo não conhece os
defeitos do nosso.

4– A redenção: o ―vale de lágrimas‖ terrestre será


substituído por um ―novo céu‖ graças à tecnologia;
os ―salvadores celestes‖ trazem a solução aos
problemas provocados pelo homem.

Tudo leva crer que se está diante de uma transferência quase


total do modelo religioso tradicional para um contexto
tecnológico moderno. O fenômeno de deificação dos Óvnis não
é regra geral, mas ocorre com frequência suficientemente
elevada para se debruçar sobre ele e perguntar qual o motivo
disso. Quais são os fatores que determinam a criação de novos
deuses tecnológicos, que não apenas substituem os antigos,
mas chegam mesmo a absorvê-los, integrando as características
deles à sua própria estrutura básica? De forma explícita, o que
se vê é um recapeamento de antigos mitos revestidos com
aparência moderna. É por isso que no fim dos tempos não será
apenas Jesus que virá numa nuvem para nos salvar, será
também um ―comandante extraterrestre à frente de uma frota
de discos voadores‖. Esse fenômeno de recapeamento já havia
sido entrevisto por Jung, que reconheceu nos discos voadores o
componente básico para a formação de um novo mito. O rumo

95
que as coisas tomaram parece lhe dar plena razão.
É aconselhável fazermos uma visita rápida ao núcleo de
formação dos deuses em geral. De todos os livros dedicados ao
tema, o trabalho do filósofo Hermann Usener82 é dos mais
interessantes. Essa obra, que foi uma das principais fontes do
conhecido estudo de Ernst Cassirer83, divide a gênese e o
desenvolvimento dos deuses em três etapas distintas.
Inicialmente, temos o que Usener definiu como ―deus
momentâneo‖ – a impressão transcendente criada pela
confrontação do homem com um fenômeno singular. ―Na
imediatez absoluta‖ – diz ele – ―o fenômeno individual é
endeusado sem que intervenha um só conceito genérico; essa
única coisa que vês diante de ti, e nenhuma outra, é deus‖. É a
personificação de momentos isolados que se revestem de forte
tonalidade afetiva. Assim, explica Cassirer, cada impressão que
o homem recebe, cada desejo que nele se agita, cada esperança
que o atrai e cada perigo que o ameaça pode vir afetá-lo
religiosamente. Quando a sensação momentânea do objeto
colocado à nossa frente, à situação em que nos encontramos, à
ação dinâmica que nos surpreende, é outorgado o valor e o
acento de deidade, então esse deus momentâneo é criado.
Vale lembrar que essas forças se constelam
automaticamente sempre que condições internas ou externas
exijam um esforço de adaptação a situações novas ou
extraordinárias. Então surgem os deuses, individuais ou
coletivos, cuja atividade impede que o homem seja submerso
pela maré de desorientação que quase sempre acompanha essas

82
H. Usener, ―Os Nomes Divinos – ensaio para uma teoria da concepção religiosa‖
83
―Linguagem e Mito‖, Perspectiva, São Paulo, 1972.

96
circunstâncias. É por isso que o escritor romano Salústio
escrevia, no século IV: ―Mitos são histórias que nunca
aconteceram, mas que sempre existiram‖. Quando os deuses
são conjugados por um influxo externo, as forças arquetípicas
se projetam no estímulo, aparecendo aos nossos sentidos como
sendo um predicado do objeto exterior, ao invés de algo que se
origina dentro de nós mesmos. Ocorre, assim, uma fusão entre
sujeito e objeto, através da ponte estabelecida por essas forças
como mediatrizes, o que o antropólogo Levy-Brühl
denominava participation mystique. É assim que vamos
introduzindo o objeto à nossa própria psique. Dessa forma, ele
vai perdendo seu caráter de absoluta estranheza – nós nos
adaptamos a ele, e a libido84 de que ele se achava investido
pode retornar para dentro de nós.
Esse aparente predicado do objeto é sentido como sendo
uma alteridade total, dado que reúne o que eu desconheço nele
e o que eu desconheço em mim. O objeto é o Totalmente
Outro, até que eu possa incorporá-lo à minha visão do mundo.
Com isso, ele também se modifica. Essa ação é bipolar, tanto
pode ocorrer em relação a objetos exteriores quanto interiores à
minha psique, contanto que não se pense em limitá-la à
consciência. Na verdade, o inner space – nosso espaço interior
– é tão vasto e desconhecido quanto o exterior que tanto nos
fascina.
A experiência do Totalmente Outro e ao sentimento a que
ela origina o filósofo alemão Rudolf Otto denominou de
numinoso, considerando-o como o fundamento básico da
84
Libido é um sinônimo de ―energia psíquica‖. Sua distribuição no interior do sistema psíquico
é controlada pelos arquétipos, que se manifestam dessa forma. Podemos dizer, por isso, que
a libido é o veículo dos deuses.

97
religião, relembrando o vocábulo latino re legere – uma
acurada e conscienciosa observação de uma existência ou um
efeito dinâmico não causado por um ato arbitrário. Pelo
contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano. O
numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível, por
exemplo, um Óvni, ou o influxo de uma presença invisível, que
produzem uma modificação especial na consciência. Voltando
a Cassirer e à sua vívida descrição de como se forma o ―deus
momentâneo‖:

Se a realidade externa não é simplesmente


contemplada e percebida, mas se acomete o homem
repentina e imediatamente, no afeto do medo ou da
esperança, do terror ou dos desejos satisfeitos e
libertos, então, de alguma forma, salta a faísca: a
tensão diminui a partir do momento em que a
excitação subjetiva se objetiva, ao se apresentar
perante o homem como um deus ou demônio.85

Por fim, o terceiro estágio – para Usener o mais elevado, é a


configuração dos ―deuses pessoais‖, que são nomeados e, de
certa forma, extrapolam seu âmbito específico para ganhar uma
identidade, uma personalidade e um caráter individual.
Podemos reconhecer os ―deuses momentâneos‖ nas
observações de Óvnis e toda a ampla gama de respostas
emocionais que provocam. Os ―deuses especiais‖ surgem
quando atribuímos um predicado aos tripulantes dos discos:
conquistadores: salvadores, arautos de uma nova era. E os
―deuses pessoais‖ aos seres anônimos que se transformam
neste ou naquele ufonauta específico, ganhando um nome

85
CASSIRER, 1992, p. 53

98
qualquer – Karran, Cramish, Clyvven, Ptaah, Ágar, Ahura
Rhanes, Ashtar Sheran, nomes com indiscutível semelhança
estrutural fonética com os dos seres mitológicos: Astarte,
Athar, Ciyyim, Ishtar, Nechtan, Yaggdra...86
Fabri acredita que estejamos vivendo sob o signo de uma
ausência – a do mundo dos deuses, e propõe que essa ausência
poderia ser compensada com uma atitude de escuta, de ouvir a
palavra, a palavra mítica, ―uma pergunta talvez, mas que tenha
força suficiente para nos colocar de novo nos moldes do
triângulo simbólico – mundo, homens, deuses.‖87

Os caminhos

Ninguém ignora que vivemos um tempo bastante peculiar.


Aprendemos a mobilizar energias capazes de nos destruir,
aniquilar a vida e o planeta, uma situação sem precedentes e
para a qual não havíamos sido previamente preparados.
Estamos diante da contingência de tomar decisões éticas88 para
condições as quais não fomos ensinados a enfrentar.
Paralelamente, o homem está se desligando da Terra para
enfrentar um território que também não possui similares na
longa jornada da vida na Terra.
É óbvio que essa passagem – incompletamente – exige a
mobilização das forças adaptativas do inconsciente. Já vimos,

86
Conf. ―Índice alfabético dos nomes próprios mitológicos‖, DURAND, 1997, p. 463.
87
In MORAIS, 1988, p. 35
88
Éticas, não morais. Moral vem do latim mores, ―costumes‖, por sua vez derivado da raiz
mor, ―maioria‖. Os costumes da maioria, por definição, só se aplicam a situações já digeridas
pela tradição. A moral não pode dar conta de nenhuma situação realmente nova e, por isso,
reage recusando-se a encarar o problema, ou, como dizem os psicanalistas, denegando-o.

99
entretanto, que a expressão por excelência dessas forças – a
religião, está extremamente enfraquecida. É necessário, por
conseguinte, encontrar sucedâneos para as imagens religiosas
tradicionais que sejam adequadas para a nossa civilização
tecnológica. Não é difícil perceber que o fenômeno dos discos
voadores, entre outros, preenche exatamente essas
características. Mas há que se esclarecer um ponto importante:
independentemente da função que exerçam dentro de nossa
cultura, é indubitável que os Óvnis constituem um estímulo
alheio a ela, cuja origem ainda não pode ser determinada. Eles
são, pois, alienígenas stricto sensu.
É justamente esse princípio de alteridade absoluta dos Óvnis
que os torna um veículo tão adequado para os deuses. Trata-se
de um fenômeno que, por sua estranheza e origem misteriosa,
preenche todos os quesitos para constelar os arquétipos. Uma
vez reunidas ao seu redor, as forças arquetípicas podem se
irradiar para outros setores, amplificando, assim, o conceito
original do fenômeno e sua área de ação, passando a incorporar
em si elementos desses outros setores. Podemos observar
claramente o desenrolar desse momento nas duas áreas
mencionadas, a saber, o confronto com o espaço exterior e a
responsabilidade implicada pela manipulação da energia
atômica.
De fato, como se manifesta o fenômeno senão como a
―vinda de seres alienígenas em estágio de civilização mais
avançado que o nosso‖? As resultantes desse quadro são mais
que evidentes: o universo não é um espaço hostil, já que lá
encontramos seres semelhantes a nós, habituados a ele e que
podem ajudar a nos acostumarmos também. E, por outro lado,

100
se existem seres que passaram pelo estágio em que estamos e
sobreviveram, então o suicídio nuclear não é tão inevitável e a
crise que enfrentamos pode ser superada. Encontramos ambos
os corolários, na verdade expressos com bastante clareza na
maior parte das mensagens que os contatados alegam receber
dos seus comandantes extraterrestres.
Assim como os mitos se originaram de prodígios celestes, a
Ufologia também teve seu parto induzido pelo surgimento de
fenômenos aéreos. Se os heróis eram devorados por monstros e
dragões, no presente as testemunhas/contatados são
―engolidos‖, abduzidos pelo Óvni. De acordo com Eliade, o
combate entre o herói e o monstro é muitas vezes situado como
o marco inicial da Criação, que começa justamente com a
vitória daquele sobre este. É a partir dessa vitória que o
universo começa a ser ordenado, geralmente sendo usado o
próprio corpo do monstro como matéria-prima. Mais uma vez
o destaque para remeter o leitor à ideia central deste livro: usar
o corpo do fenômeno como alimento para reordenar o nosso
universo de estudos.
Eliade conclui que o dragão personifica o caos, o estado
amorfo e indiferenciado contra o qual se opõe o ordenamento
do universo, ou seja, o dragão corresponde ao que é
modernamente conhecido como entropia. A entropia possui um
aspecto relacionado à teoria da informação e à cibernética.
Nesse contexto, é a medida de desorganização de um dado
sistema de informação e, sendo a Ufologia um sistema como
tal, seu grau de entropia é muito elevado. Dominada pelo caos
informacional, a Ufologia encontra-se em um estado análogo
ao do herói devorado pelo dragão. Uma vez dentro dele, o

101
herói alimentava-se cortando pedaços do dragão. ―Cortar‖, com
o sentido original do grego analyó – de onde derivou o verbo
analisar. Isso talvez signifique que num futuro próximo o caos
ceda lugar a um movimento organizado, com uma
conscientização maior de seus objetivos e dos instrumentos
disponíveis para atingi-los.
No tocante à casuística, a presença de elementos análogos
aos dos mitos é uma constante. Para começar, tomemos como
exemplo as características referentes ao fator ―tempo‖. O que
se convencionou chamar de contato não ocorre dentro do nosso
tempo histórico e linear, com fortes evidências a favor dessa
afirmação: os fenômenos de contração e dilatação do tempo
ocorridos durante as experiências ufológicas. Esse dado leva a
um ponto em comum com a mitologia: a existência de um
tempo milagroso, na qual vivem os deuses, as fadas, os entes
sobrenaturais de que Eliade fala.
Os encontros entre estes seres e a humanidade ocorrem
dentro dessa esfera de tempo, chamada ―Tempo Forte‖ por
alguns povos, ―Tempo do Sonho‖, pelos australianos. O fato é
que, desde os homens primitivos aos pensadores gregos,
sempre se insistiu que esse Tempo Forte pode sobrepor-se à
nossa própria escala de tempo, envolvendo determinados
eventos como ritos ou hierofanias. Mas aqueles seres já não
estão mais entre nós. Há uma ruptura, uma perda, apesar da
fantasia, da literatura, da expressão artística, que ainda mantém
um vinculo esparso com essa hierofania. ―Que é que faremos
com todo esse conjunto ritual de mundos esquecidos – e

102
violentados – pela civilização ocidental? Podemos ainda
vivenciar a experiência das hierofanias?‖89

Se o tempo elástico em que ocorrem os contatos é o mesmo


Tempo Forte dos mitos, isso pode indicar que a fenomenologia
ufológica consiste na irrupção brusca em nossa realidade
exterior de elementos pertencentes ao plano mítico da
existência, revestindo o mundo externo de uma significação
cósmica e transmutando-o, por assim dizer, parafraseando
Shakespeare, ―na matéria de que os sonhos são tecidos‖ –
sonhos, fantasias e imaginação, todos constituídos pelos
arquétipos, responsáveis pela faculdade mitopoética da mente
humana.
Quanto as abduções, já vimos que elas podem ser
interpretadas como uma versão moderna do herói devorado
pelo monstro nos relatos míticos antigos: Jonas e a Baleia;
Mani, o herói do mito polinésio que retorna ao ventre de sua
avó Hine-nui-te-po; Wainämóïnem engolido pelo gigante
Antero, no mito finlandês, e muitos outros. A deglutição pelo
monstro tem um papel importante nos ritos de iniciação – o
―retorno ao ventre‖ da besta implica regeneração,
renascimento, ―unidade com o indivíduo primordial‖.90
A abdução surge também como uma espécie de ritual
iniciático, e essa ―revelação do sagrado‖, esse acesso a um
nível existencial superior, não-profano, regenerador, possibilita
descortinar novas ―realidades‖ e uma perspectiva de
conhecimento inapreensível aos sentidos. O iniciado sente-se

89
Op. cit., p. 34
90
Mircea Eliade in PAZ, 1989, p.30

103
ungido e pertencente a uma hierarquia espiritual que está
acima da linguagem vulgar. Em outras palavras, pertence ao
―Reino dos Céus‖. Mas a abdução também pode ser vista em
correspondência aos mitos da ascensão, tomando esse termo de
forma figurativa, naturalmente. ―Aquele que se eleva subindo a
escadaria de um santuário ou a escada ritual que conduz ao céu,
deixa então de ser homem; de uma maneira ou de outra, passa a
fazer parte da condição divina.‖91 Em outra obra, Eliade
mantém ligação com o tema ao citar o mito da ascensão:

Bastará citar um único exemplo: mostramos num


trabalho anterior (...) a solidariedade estrutural entre
as imagens do vôo e da ascensão. Nos planos
diferentes, mas solidários, da experiência onírica, da
imaginação ativa, da criação mitológica e folclórica,
dos ritos e da especulação metafísica, enfim no plano
da experiência extática, trata-se sempre de imagens da
transcendência e da liberdade. Com efeito, o
simbolismo da ascensão significa sempre o
rebentamento de uma situação «petrificada», a ruptura
de nível que torna possível a passagem para um outro
modo de ser; no fim de contas a liberdade de se
«mover», isto é, ,de mudar de situação, de abolir um
sistema de condicionamento.92

Ele afirma que as imagens do ―vôo‖ e da ―ascensão‖


frequentes nos estados oníricos e imaginativos, só podem ser
interpretadas no plano da mística e da metafísica, externando
claramente as ideias de liberdade e transcendência. Fazendo
uma ponte entre essas duas obras no tema da ascensão, vimos
que Eliade desfila alguns nomes de divindades e seus não
91
ELIADE, 1992b, p. 60
92
ELIADE, 1979, p. 8

104
casuais significados: Ibo, dos maoris, significa ―elevado‖,
―acima‖; Uwoluwu, dos negros akposo, ―o que está no alto‖;
Puluga, ―habitante dos céus‖ para os andamanais; Olorum, o
deus dos iorubas, é o ―proprietário dos céus‖ e assim por
diante. E uma última possibilidade de interpretação para as
abduções: poderia a abdução, uma vez que é perpetrada por
seres ―dos céus‖, ser o desejo reprimido de retorno ao ―paraíso
perdido‖, mito presente em quase todas as culturas? Que o
contato atende esse desejo foi dito várias vezes neste livro, e se
assim é de fato, a abdução surge como ápice da experiência
ufológica – o almejado encontro com os deuses à espera de
regresso ao Éden. Sim, mera divagação, não descartável nem
desajuizada.

O escritor e roteirista Lúcio Manfredi joga uma pergunta no


ar: ―Teria a testemunha se convencido de que foi abduzida por
extraterrestres, se o próprio pesquisador não acreditasse em
extraterrestres que saem por aí abduzindo as testemunhas?‖93
Uma indagação puxa outra: Os Óvnis continuariam existindo
mesmo que os pesquisadores dissessem que Óvnis não
existem? Alguém disse certa vez que se os discos voadores não
existissem, seria preciso inventá-los. Parece que foram. Com
todas as deficiências e inabilidade no trato da questão por parte
dos ufólogos, em quem confiar? Quando uma testemunha alega
ter visto um ―disco voador‖, o ufólogo investiga e lhe dá
crédito, mas, se depois ela nega o fato informando ter
inventado o relato, por diversão ou qualquer outro motivo, o
pesquisador irá alegar que o desmentido sugere ―pressão das

93
MANFREDI, 2003

105
autoridades‖ ou porque ―há algo estranho por trás da negativa‖.
Esse exemplo não é fictício, aconteceu e acontece com
frequência. E outra situação recorrente é quando o ufólogo,
bastante criterioso, capta contradições no relato que indicam
erro de interpretação ou fraude, e a testemunha se rebela e
insiste em confirmar sua história. Em quem confiar? Quem tem
mais necessidade de crer no fenômeno?
Uma pesquisa realizada no final dos anos 80 revelou que
para cerca de 90% das pessoas é muito importante observar um
Óvni. Na mesma época, outra pesquisa realizada na Espanha
mostrou que mais de 80% acreditam na procedência
extraterrestre desses objetos. O fato de o contato visual ser
importante para um número tão expressivo deixa claro que
existe uma necessidade ou um desejo por esse encontro. Um
dado chama a atenção nessas pesquisas: a conclusão de que
quanto mais se acredita no fenômeno Óvni menos se aceitam as
formas tradicionais de religião, porque o disco voador assume
um papel substitutivo de tais crenças. Tem-se assim, podemos
dizer, um padrão totêmico potencializador de fé. Além disso, o
público alvo da enquete considera que os discos voadores são
tripulados por seres protetores que aqui se manifestam como
―sentinelas‖, ―guardiões cósmicos‖, prontos a intervir no caso
de uma hecatombe planetária. Como telemarionetes, ―Sancte
Asthar ora pro nobis”.94

Os extraterrestres são como anjos da guarda. O mito


proporciona um meio de integração, de estruturação

94
Lúcio Manfredi em referência irônica à idolatria pelo ―comandante interplanetário‖
autodenominado Ashtar Sheran, em ―Os Ovnis de Dalí‖. Saiba mais sobre este personagem
no capítulo Comandantes estelares: somos marionetes? em ―A Desconstrução de um Mito‖.

106
de um todo significativo para o homem, jogando o
sentido da vida e do universo ao nível de compreensão
de uma civilização avançada e altruísta não-humana e
que está disposta a nos ajudar. A salvação está em
algum lugar do espaço exterior à Terra.95

Esta substituição de valores processa-se de forma sutil,


indistinguível aos nossos sentidos, apoderando-se de nossa
inconsciência e aflorando nas crises existenciais. Neste ponto, a
Ufologia surge como importante instrumento de apoio,
promovendo muito mais a mistificação do que a
racionalização, configurando a incerteza espiritual e a
insatisfação social. De qualquer maneira, mantém o mesmo
pilar de sustentação dos ritos antecedentes (a transcendência
através da louvação a mitos e da absolvição final), mesmo que
estes apresentem exteriormente uma fachada tecnológica. Eis
aqui um ponto-chave: a transcendência, uma concepção muito
delicada do pós-vida, ou da vida eterna. A morte exerce um
inegável temor que acaba gerando, como defesa, um
comportamento velado de submissão¸ sugerindo a tentativa de
uma barganha com o destino, uma prorrogação de sua
existência. Neste sentido, a Ufologia, ou mais propriamente o
disco voador pode, a priori, apresentar uma ideia mais concreta
de ―vida eterna‖, ou, pelo menos, considerando-se as hipóteses
da ―manipulação‖ do tempo, de esticar ad aeternum a vida.

Em nossa era cética, com frequência se presume que


as pessoas são religiosas porque desejam algo dos
deuses que veneram. Desejam vida longa, livre de
doenças e até a imortalidade. Pensam que os deuses

95
Luiz Gonzaga G. Trigo, ―O mito na cultura contemporânea‖ in MORAIS, 1988, p. 119

107
podem ser convencidos a lhes conceder favores. Mas
o fato é que essa hierofania inicial mostra que a
adoração não precisa ter necessariamente um fundo de
interesse. Quando as pessoas aspiram atingir a
transcendência simbolizada pelo céu, sentem que
podem escapar da fragilidade da condição humana e
passar para o que existe além dela.96

O contato e a abdução funcionam como elo com os poderes


superiores, do alto, dos ―céus‖, configurando um ―diálogo‖
com Deus. Jung submeteu o assunto a um profundo exame,
principalmente a respeito de nossa crescente perda de
individualidade. Descaracterizado e cada vez mais nivelado
abaixo da média das estatísticas, o ser humano apresenta uma
resistência crescente a pensar em si mesmo como parte de uma
massa amorfa, esponjosa e anônima. Ao invés de viver, o ideal
é apenas sobreviver dentro de uma organização ou entidade
coletiva mais ou menos abstrata – o trabalho, a escola, o
Estado. Jung acreditava que, das profundezas da psique,
ocorreria uma reação contra essa forma de existência
massificada, e numa das últimas entrevistas declarou que via
nos Óvnis os sinais iniciais dessa reação.
Méheust também dedicou seus estudos aos casos de
abdução, e observou que os episódios ocorridos entre os anos
60 e 70 eram bem imaginativos e detalhados, em conformidade
com a literatura e os filmes de ficção científica veiculados em
profusão naquela época. Além disso, ele defende a ideia de que
esses acontecimentos uniformes contribuem para a formação
de uma nova mitologia, em grande parte impulsionada pelos

96
AMRSTRONG, 2005, p. 105

108
próprios pesquisadores que tratam de – via hipnose –
selecionar dados e informações que julguem confirmar seus
pressupostos. Outro pesquisador, Thomas E. Bullard, detectou
um padrão no imaginário das abduções composto de oito
etapas, sucintamente descritas aqui:97
1 – Sequestro por meios ―mágicos‖
2 – Exames médicos invasivos e traumáticos
3 – Informações sobre os objetivos da missão
4 – ―Passeio‖ pelo interior da nave
5 – Viagem ao planeta de origem
6 – Aparições súbitas de outros seres
7 – O seqüestrado é devolvido no local exato do sequestro
8 – Sequelas físicas, psicológicas e mentais duradouras

A esse respeito, Méheust ressalta o caráter padronizado dos


procedimentos realizados pelos ―sequestradores‖, e indaga
sobre o que se deve depreender desses estranhos relatos e qual
o sentido dessa ação. Uma particularidade nas suas conclusões
é que elas referem sobre a degradação das relações humanas,
refletida no comportamento frio e indiferente dos supostos
seres, ao estilo dos alienígenas da ficção científica clássica.
Devemos deduzir que os relatos de sequestros – abduções –
são irreais, frutos da imaginação de mentes doentias e
perturbadas? Na grande maioria, sim, é inegável, e os inúmeros
estudos europeus e americanos nos campos da neuropsicologia
e neuropsiquiatria apontam nessa direção, mas seria leviano e
temerário generalizar, se considerarmos que os envolvidos

97
Thomas E. Bullard, “UFO Abductions: The Measure of a Mystery”. Volume 1: Comparative
Study of Abduction Reports. Mt Ranier, MD: Fund for UFO Research 1987.

109
vivenciam uma realidade, a sua realidade, pessoal e
intransferível, sendo, portanto, para eles, verdadeira. A
existência de opiniões, crenças, ideias e fantasias não significa
que o que elas representam seja exato no grau e na forma. E um
sistema delirante, psiquicamente real, não tem validade
objetiva, mas não se pode dizer que não seja verdadeiro. As
noções de mundo interno e externo são, elas próprias, imagens,
metaforicamente falando. Tais entidades espaciais não têm
existência, exceto na medida em que uma dada realidade
psíquica permita.
As conclusões de um estudo americano98 envolvendo
contatados e grupos-controle mostraram que o primeiro grupo
apresentou um contorno psicológico diferente, com elevado
índice de dissociação, crença em paranormalidade com auto-
referência a dons pessoais, tendência a alucinações e incidência
de paralisia do sono. A falsa memória foi registrada nos dois
grupos assim como a propensão a fantasias, sem diferença
significativa. Segundo os autores, as falsas memórias podem
surgir se as lembranças de eventos gerados internamente como
imaginação, fantasias e sonhos são indevidamente interpretadas
como memórias de eventos que ocorreram na realidade
objetiva.
Jung usa o termo ―imagem‖ de uma maneira inclusiva para
denotar a ausência de um elo direto entre o estímulo e a
experiência. Desse modo, manifestações somáticas podem
também ser consideradas como imagens, lado a lado com todo
o mundo físico conforme experimentado na consciência. Nossa

98
Christopher C. French, et al. Psychological aspects of the alien contact experience. Cortex.
44 (2008):1387-1395.

110
experiência se torna ―real‖ a partir do momento em que nos
encontramos com a imagem dela. Pode-se depreender a
complexidade da matéria, fruto suculento para a psicanálise,
com todas as suas nuances, funções e elaborações.

―Imaginário‖, expressão usada aqui muitas vezes,


igualmente permite múltiplas interpretações, razão pela qual
reservamos algumas linhas. Na origem, imaginário,
imaginação provêm do latim imago ginis – a representação de
um objeto ou reprodução mental, consciente ou não, de uma
sensação na ausência do agente causador. ―Imaginário‖
desmembra-se em várias acepções: imaginário social, urbano,
do trabalho, da educação, etc. A filosofia, a sociologia, a
psicologia e a antropologia têm definições específicas para
imaginário, pois são muitos os enfoques, as proposições, as
modulações e as abordagens.
O antropólogo Jacques Le Goff analisa sob o ponto de vista
de que imaginário pertence ao ramo das representações não
reprodutivas, isto é, uma representação original, criadora. Em
Durand, o imaginário é o total das imagens e das relações de
imagens que constitui o capital pensado, o grande e
fundamental denominador onde se encaixam os procedimentos
do pensamento humano. Deleuze se recusa a atribuir-lhe
irrealidade, mas o vê como um conjunto de trocas entre uma
imagem real e uma virtual. Lacan interpreta o imaginário
ilustrando com a ideia da criança que se vê no espelho: ao
mesmo tempo em que o reflexo confirma a existência do
―real‖, sugere uma ilusão, apenas um reflexo. Para que a

111
criança atinja o nível da realidade, deve deixar o modo
imaginário da visão de si e utilizar o modo simbólico.
Ainda para Lacan, o simbólico seria coletivo e cultural;
enquanto o imaginário seria individual e ilusório. Estes são
apenas alguns exemplos. Apesar da variedade de conceitos e
interpretações, imaginário foi empregado aqui conforme
Durand – um conjunto de imagens do patrimônio cultural do
indivíduo e da sociedade. Podemos concluir afirmando ser o
imaginário o veículo instaurador do equilíbrio dinâmico do
homem em suas relações com o mundo (como o mito), através
do intercâmbio contínuo entre as pulsões biopsíquicas e as
instâncias socioculturais. O imaginário é a mediatriz entre o
real e o ilusório, o entrelugar organizador dos padrões
imaginantes produzidos pelo homem. Para a vertente lacaniana
da psicanálise, a realidade é uma intersecção de três instâncias:
o real, o imaginário e o simbólico. O simbólico é o mundo da
linguagem, o imaginário99 o das imagens. Juntos, eles
constituem o que usualmente consideramos como
―realidade‖.100
Contudo, neste ponto da análise, sua aplicação está
associada aos veículos que o produzem: o sonho, a demência, o
devaneio e o mito, que carrega os traços das imagens
primordiais e elabora um sistema imaginário desencarnado dos
mais potentes na psique humana, mais verdadeiro do que real.
Um ponto interessante é que essa ―família de imagens‖ é

99
Não confundir com o uso coloquial da palavra, que é tida como sinônimo de ―falso‖,
―inexistente‖, ainda que o domínio da ilusão não seja de modo algum alheio às reflexões
lacanianas sobre o imaginário.
100
MANFREDI, 2003

112
produzida por vontades criativas próprias, preenchendo uma
função relativa às necessidades existenciais.

Assim como a religião, a ficção, o mistério, o disco voador e


o mito, o imaginário aparece como um sexto ingrediente desse
inebriante coquetel de sedução, e todos eles atendem a uma
necessidade de resposta do ser humano, e isso não é casual,
nem acidental nem eventual: obedece a um princípio único, a
uma estrutura comum. Nessa entrega infindável de buscar um
sentido para a vida, qualquer resposta será melhor que resposta
nenhuma, desde que traga segurança, conforto, aquiete o
espírito e satisfaça seus anseios mais ocultos. ―As imagens, os
símbolos, os mitos, não são criações irresponsáveis da psiqué;
eles respondem a uma necessidade e preenchem uma função:
pôr a nu as mais secretas modalidades do ser.‖101
Durkheim mostrou que em qualquer sociedade, as crenças,
as narrativas, comportamentos e lugares são provenientes do
profano e alçadps ao plano do transcendente, do sagrado.
Como já vimos que situações de crise deflagram condutas de
elevado tônus emocional, o imaginário coletivo assume o papel
do imaginário religioso, projetando-se por três vias de
expressão – messianismo (milenarismo), possessão e utopia,
que contestam os pilares históricos tradicionais e os valores
dominantes da sociedade, estabelecendo a sua verdade,
dogmática, sectária e intolerante, produzindo um material
simbólico de acordo com seus ideais e propósitos.

101
EIADE, 1979, p. 13

113
O imaginário é um conjunto de conceitos
individuais, produzido por vontades criativas próprias
que preenchem funções relativas às necessidades
humanas.

O milenarismo fala da vida de um salvador para redenção da


humanidade, quer dizer, de uma fatia mínima – os
―escolhidos‖, ―eleitos‖. Organiza-se a partir de entidades
centrais carismáticas dotadas de algum poder. Na opinião do
sociólogo francês Henri Desroche, o messianismo é simbólico,
configurando o que ele chama de ―sociologia da esperança‖.
Neste sentido, a casuística ufológica é pródiga em narrativas
dessa ordem. O mais recente caso data de novembro de 2006 e
é paradigmático, esmiuçado e comentado em ―A
Desconstrução‖.102 Para resumir, o protagonista do fato
anunciava a chegada de Cristo à frente de uma frota de naves
interestelares, segundo mensagens transmitidas por vozes em
seu cérebro. Não há como não comparar ao mito do Cargo
Cults mencionado antes, com semelhanças demais para ser
considerado mera coincidência. Não foi a primeira vez e não
será a última que eventos com esse corte ganharão espaço na
mídia especializada. Já há algum tempo se fazem anunciar
profecias para o ―fatídico‖ ano de 2012 como as dos ―irmãos
pleiadianos‖ (sic) da ―Ordem Universal dos Seres
Estelares‖!103
Vale lembrar que os primeiros relatos surgiram entre os
anos 50 e 60, não por acaso no auge da guerra fria, em muitos

102
―A Árvore de Dourados Frutos‖, p. 349.
103
http://aluisionestelar.ning.com/

114
casos estimulando a formação de seitas de cunho
essencialmente místico. Cristo já teve seu glorioso retorno
anunciado dúzias de vezes por contatados, resultando sempre
uma grotesca farsa. Para Durand, isso se deve pelo fato de a
própria história pertencer ao domínio do imaginário, e também
porque a imaginação conserva uma pedagogia da imitação pela
força das imagens e dos arquétipos embutidos pela ambiência
social e momento histórico.
Ele afirma, investido da autoridade que lhe cabe, que ―o
imaginário aparece como recurso supremo da consciência,
como coração vivo da alma cujas diástoles e sístoles
constituem a autenticidade do cogito.104 Isso representa dizer
que o imaginário é, mais que mera paixão, ação eufêmica
transformadora do mundo conforme o deseja o homem.
Seria necessária e útil a esta altura uma longa e detalhada
apreciação associando a abdução com a ficção, os conceitos
lacanianos (e não lacanianos) do Outro e mitologia, mas
optamos por um pequeno desvio de rota para apoiar uma
reflexão adicional. Vamos recapitular alguns trechos,
costurando-os para dar seguimento às ilações finais:

De acordo com Eliade, o combate entre o herói e o


monstro é muitas vezes situado como o marco inicial
da Criação, que começa justamente com a vitória
daquele sobre este. É a partir dessa vitória que o
universo começa a ser ordenado, geralmente sendo
usado o próprio corpo do monstro como matéria-
prima.
No que concerne às abduções, elas nada mais são do
que uma versão moderna do herói devorado pelo

104
DURAAND, 1997. p. 433

115
monstro nos relatos míticos antigos. A deglutição pelo
monstro desempenhou um papel importante nos
rituais iniciáticos (...) Por isto, o retorno ao ventre do
dragão implica regeneração, renascimento, ―unidade
com o indistinto primordial.
Os extraterrestres são como anjos da guarda. O mito
proporciona um meio de integração, de estruturação
de um todo significativo para o homem, jogando o
sentido da vida e do universo ao nível de compreensão
de uma civilização avançada e altruísta não-humana e
que está disposta a nos ajudar. A salvação está em
algum lugar do espaço exterior à Terra.

Tomando como ponto de partida a conjunção ficção-


mitologia, a ela associamos o cinema como umas das
expressões do sentimento de uma dada época, independente da
geografia, posto que utiliza uma linguagem universal feita não
só de imagens mas de ideias, representações e conceitos como a
nos dizer ―preste atenção‖, ou como uma esfinge moderna,
―Decifra-me ou te ignoro‖. Filmes como A Vila, Fim dos
Tempos, Avatar e Distrito 9, só para citar os mais recentes, têm
em comum o fato de os personagens contracenarem com a
―presença‖ do Outro, ora invisível e desconhecido – A Vila e
Fim dos Tempos, ora visível e igualmente desconhecido –
Avatar e Distrito 9. Nestes, claro, não está se falando de
alienígenas como seres reais, e sim como figuras simbólicas e
míticas.
O que é relevante é a presença de uma ausência incômoda,
perturbadora, aterrorizante em certos momentos. Enquanto os
dois primeiros exploram o medo que habita o inconsciente
mesmo diante do que não se vê, apenas pressente e nos torna
vulneráveis, os outros dois mostram que o confronto é

116
inevitável, com uma semelhança sutil (sutil?): em Distrito 9 o
homem ao enfrentar outro humanos acaba por incorporar a
―personalidade‖ do alienígena, passando a ser um deles; em
Avatar, depois de descobertas interiores e épicas batalhas
contra os humanos na pele de um Na´vi, o mariner – símbolo
do destemido guerreiro moderno – decide não mais voltar ao
seu corpo preferindo se submeter a um ritual de sacrifício para
assumir definitivamente o seu lugar nessa nova (antiqüíssima)
sociedade. Quem abduziu quem? Quem é o outro subjugado e
de quem é o ―eu‖ sobrevivente? O ―monstro‖ devorou ou foi
devorado? Se não há vencedores nem derrotados, o que
significa esse hibridismo inter-racial? Não compreender o outro
é não compreender a si próprio? O outro sou eu mesmo? Não se
espante com tantas perguntas, o jogo está apenas começando.
A produção cultural é fértil em obras com essa temática, mas
notamos um sensível aumento nos últimos anos, tanto na
literatura quanto no cinema, que nos leva a pensar: Que análise
pode ser feita neste momento com a manifestação artística
inseminando tantas mensagens claramente arquetípicas e
estruturalmente míticas? Que transformações estariam
ocorrendo em nosso inconsciente, e o que estaria acontecendo
em nossa dinâmica consciente que ainda não captamos?
Uma experiência pessoal narrada pelo escritor Rubem Alves
sintetiza com profundidade e delicadeza esse processo visceral
de suprir necessidades e acalentar desejos inconscientes,
impulsos que ultrapassam o caráter puramente pessoal. Ele
conta que assistindo o filme ―ET – O Extraterrestre‖, de Steven
Spielberg, notou que sua filha vertia lágrimas em quantidade na
sequência final, quando a pequena e simpática criatura se

117
preparava para embarcar na nave que a levaria de volta para
casa. Deu-se conta então que também ele tinha os olhos
marejados.
No dia seguinte, vendo que a filha continuava triste e
melancólica, tentou animá-la dizendo-lhe que o ET poderia
estar escondido na árvore do quintal... ―– Deixe disso, papai‖,
disse a menina – ―ETs não existem!‖ ―– Ah é, então por que
você chorou tanto por ele ontem?‖ perguntou. ―– Você não
entende. Justamente por isso, porque ele não existe!‖105 A não
existência de extraterrestres é algo ―inadmissível‖. No caso da
crença em Ets – e aqui não se trata de negação renitente – o
fascínio extremo não permite reflexões a título de crítica do
próprio conhecimento. É o que Erich Fromm destaca neste
sentido:

Se o homem prescinde da ilusão de um Deus paternal,


se encara a sua própria solidão e insignificância no
universo, ele se sentirá como a criança longe da casa
paterna. Mas o verdadeiro sentido do
desenvolvimento humano consiste em sobrepujar esta
fixação infantil.106

Charles Hanly, membro da Canadian Psychoanalitic


Society, sugere que a fase mitológica da humanidade que deu
lugar à era da razão foi seguida de um comportamento anímico
das culturas, evocando o exemplo dos gregos, como, aliás, não
poderia deixar de ser, dada a importância da Grécia para o
desenvolvimento do pensamento humano. Segundo ele, o salto
para o racionalismo passou por sobre um animismo, sob a

105
In MORAIS, 1988, p.13
106
FROMM, 1966, p. 18

118
influência de fatores econômicos, geográficos, ambientais,
tecnológicos, políticos e sociológicos. Com o sujeito ocorre o
mesmo – seu animismo são as manifestações psicológicas, os
efeitos que o seu psiquismo provoca tanto ao externar um
comportamento quanto ao construir uma realidade subjetiva.
Assim, o que animava os acontecimentos para a humanidade
antiga era algo ínsito às coisas da natureza, enquanto para o
homem animista suas próprias faculdades, seus instintos,
pulsões que constroem suas motivações, enfim, a sua própria
atuação anima ocorrências que ele mesmo produz. O termo
―animismo‖ foi usado por Edward B. Tylor, em seu clássico
Religion in Primitive Culture, de 1934, para indicar a crença
difundida entre os povos primitivos de que as coisas naturais
são todas animadas; daí a tendência a explicar os
acontecimentos pela ação de forças ou princípios animados.
Hanly acredita na validade da comparação, no nível
fenomenológico, de certos aspectos do funcionamento psíquico
dos gregos homéricos com o dos gregos dos séculos IV e III
a.C. Segundo sua hipótese, os gregos homéricos eram
―empiristas ignorantes que inventaram um conjunto de
explicações complexo e coerente para os eventos naturais‖,
baseados no que havia de mais familiar para eles – eles
próprios.107
Eis aqui a fusão da fase mitológica da humanidade com a
animista. No plano individual não seria diferente: Novas
observações do desenvolvimento infantil poderiam mostrar que
também as crianças modernas são empiristas inscientes que
usam metáforas e analogias psíquicas para tentar compreender
107
HANLY, 1995, p. 172

119
o mundo que as rodeia. Para a humanidade e para o homem,
pode-se resumir que, de forma criativa e imaginativa, conta-se
com o melhor de que se pode dispor na elaboração de
explicações, com o comportamento típico de uma cultura pré-
científica. Um fato interessante: se Hanly estiver certo e o
comportamento da humanidade por ele levado em conta voltar
a se repetir como seria de se esperar, passaremos da ―fase dos
espíritos‖ para a ―fase dos ETs‖ para então, de novo, concluir
que estamos mergulhando inevitavelmente para a fase da razão.

Desejos, necessidades, carências... Não seria ausência,


lembrança, saudade? ―À medida que a necessidade se encontra
socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário‖ diz Guy
Debord, escritor e pensador francês, autor de uma das mais
influentes obras do século XX108. Rubem Alves complementa:
―O ET não existe. A história é falsa. Mas nós choramos, por
isso são verdadeiras. Elas contam um Desejo, e todo desejo é
verdadeiro‖. O mito transmite a sensação de guardar uma
resposta, a promessa de uma vida gloriosa que há de vir num
futuro próximo. É no subsolo da consciência que vivem nossos
segredos mais insondáveis, outros mundos dentro do nosso
mundo, por si desconhecido. Somos psiconautas a mergulhar
em profundezas abissais sem qualquer ideia do que há por lá.
Teria o interesse coletivo se voltado para os Óvnis como um
reconhecimento intuitivo de que eles poderiam simbolizar
forças ordenadoras que se contrapunham à dissolução psíquica
que grassava livre? O bom e velho Jung acreditava que sim e
expôs esse pensamento em ―Um Mito Moderno‖. A forma de

108
La Societé du Spetacle. Paris. Buhet-Chastel. 1967. p. 12

120
expressão do contatado e do abduzido é essencialmente
simbólica, e o caráter soteriológico embutido em suas
mensagens e relatos reflete os temores não apenas sobre o fim
do planeta, mas da vida em geral. O padrão é: ―O equilíbrio do
universo está ameaçado. Estaremos atentos e vigilantes,
prontos a intervir no caso de uma catástrofe nuclear‖. Não foi
sobre isso que Bauman falou lá atrás?

O impulso religioso é uma das forças psíquicas


fundamentais do homem.
Carl G. Jung

O status de divindade dado às entidades contatantes revela


traços de um comportamento primitivo. O contatado, qualquer
que seja o seu nível de contato, coloca-se no epicentro das
manifestações – e a ideia de ―salvação da humanidade‖ é
recorrente. Sobre esse fato, o professor e historiador português
Joaquim Fernandes, da Universidade Fernando Pessoa, do
Porto, disse certa vez que isso significava a continuidade do
pensamento mítico na sociedade tecnológica e cientifica, na
cultura urbana e globalizante dos nossos dias, que traduz uma
estreita ligação a elementos arcaicos recuperados pelo
cristianismo e demais religiões. Fernandes assinala também
que os ensaios de interpretação científica desses fatos marcam
novas etapas no reconhecimento do quadro geral do chamado
―maravilhoso‖ – do latim mirabilia, que traduz
simultaneamente as características básicas até hoje inalteráveis:

121
o onírico, a imaginação, a fábula, lado a lado com o espanto, o
medo e a angústia ante o desconhecido.109 Apesar do tempo
decorrido desde a publicação deste trabalho, Fernandes não só
reafirmou esse pensamento em recente correspondência, como
reforçou tais conceitos a partir dos seus últimos estudos.
No curso da história esse ―maravilhoso‖ amoldou-se às
conjunturas sociais e culturais em cada tempo. A cientificação
que caracterizou o século XX não representa sua
dessacralização, mas antes, a ressacralização. Mas esta
Ufologia praticada hoje, encapada pela fantasia, pelo
espetáculo, pelo maravilhoso e pelo devaneio já não ocupa
mais lugar em nosso labor oratorium.
Em um livro lançado no final de 2009, Fernandes e
colaboradores, todos vinculados àquela instituição, fazem uma
larga incursão no universo das testemunhas sob o ponto de
vista psicossocial, sem entrar no mérito da existência ou não
dos discos voadores, percebendo que as crenças e as
representações, individuais ou sociais, acerca de um fenômeno,
interferem com as características dos eventos observados. Ao
longo da obra, Fernandes e equipe analisam o fenômeno sob
vários ângulos, tendo sempre como fulcro os contatados (em
qualquer nível) e sua relação com o tema. Imaginário, mídia,
características etnográficas, crenças, aspectos religiosos,
folclore, construções da memória, abduções e mitologia são
alguns pontos cuidadosamente estudados, onde encontramos
forte identificação e paridade com o presente trabalho.

109
―Poder, Espanto e Prodígios Celestes‖, 1º Congresso de Literaturas Marginas. Universidade
do Porto. 1987.

122
Os objetivos ficam claros logo na apresentação, expressando
o sentimento que permeou o projeto, qual seja, o de provocar
uma reflexão multidisciplinar de um fenômeno de massa
contemporâneo, que parece ter recuperado sua dimensão
mágica, a dimensão dos grandes mitos da antiguidade. A obra
mostra ainda um quadro sintomático suportado pelas vivências
extraordinárias com todo o aparato de expressões e
experiências simbólicas e estéticas de um exuberante
imaginário coletivo das crenças associadas.

O mito dos discos voadores – admitindo agora que o seja de


fato – origina-se de uma realidade material desconhecida, mas
transcende-a na medida em que incorpora dinamismos
psicológicos, forças arquetípicas e padrões culturais, forjando
um novo significado para a articulação de tais elementos. Esse
processo faz com que a realidade material que serve de
substrato ao mito perca toda a importância, submersa pela
configuração formada. Chegamos inclusive a nos perguntar se
esse mito não existiria mesmo sem qualquer referência ao
plano físico, o qual duvidosamente desempenha o papel de
mero alicerce para uma construção psicossociológica que lhe
supera em importância tanto quantitativa como, sobretudo,
qualitativamente. De acordo com isso, e dentro da perspectiva
hermenêutica, a Ufologia pode ser descrita como um processo
de reatualização e ―ritualização‖ do pensamento mítico,
parecendo forjar uma rede holística. Esta, consciente ou
inconscientemente, integra os antigos mitos à cosmovisão sobre
a qual se apoia nossa cultura, completando-a e transformando-
a. Seu objetivo, não declarado nem reconhecido, é integrar os

123
discos voadores às raízes do espírito humano, renovando o
contato com elas. Com a palavra, Lacan:

Quando algo vem à luz que somos forçados a admitir


como sendo novo, quando uma outra ordem da
estrutura emerge, ela cria sua própria perspectiva no
passado, e então dizemos: ―isto jamais pode não ter
estado aí, existe desde toda eternidade‖110

É uma regra empírica cujo alcance pode ser demonstrado no


campo da Ufologia. Que o fenômeno Óvni é ―outra ordem de
estrutura‖, eis algo que só agora começamos a perceber com
todas as suas implicações, e a novidade está em ser algo
―velho‖: isto jamais pode não ter estado aí – disseram os
ufólogos, e puseram-se a rastrear os registros históricos,
míticos e lendários, bíblia, escrituras indianas, para concluir
que ―somos visitados por alienígenas desde toda eternidade‖.
É, literalmente, uma busca dos deuses. Somos visitados há
tanto tempo e com tamanha freqüência que a Terra mais parece
um ―terminal cosmoviário‖.
Se consultarmos qualquer compêndio de Mitologia,
dificilmente encontraremos um tema que já não tenha sido
reescrito em linguagem espacial por Däniken, Charroux e todos
aqueles defensores da teoria dos deuses–astronautas. O sucesso
dessa empreitada ratifica a alteridade do fenômeno como fator
estruturante da ordem mítico-histórica: os Óvnis podem
realmente estar por aí há milhares de anos, mas a novidade é
crer piamente que se trata de naves espaciais tripuladas por
extraterrestres. Essa é uma das mais fortes evidências de que,

―O Seminário‖ livro 2: O Eu na Teoria de Freud e na Prática Psicanalítica, Jorge Zahar,


110

Rio de Janeiro, 1985, citado por Lúcio Manfredi apud REIS e RODRIGUES, 2009, p. 258

124
com os discos voadores, estamos assistindo ao nascimento de
um novo mito.

A antiguidade do fenômeno Óvni, o contato com


―deuses‖ e a narrativa prodigiosa atestam sua estrutura
mítica e evidenciam o caráter de um mito
contemporâneo.

125
126
Considerações finais

A vida é breve, a arte é longa,


a ocasião fugidia, a experiência enganosa,
o julgamento difícil.
―Os Aforismos‖
Hipócrates, 460-377 a.C.

Esperamos ter ficado claro, ao longo destas páginas e mais


ainda nas entrelinhas, que colocar lado a lado Mito e Óvni não
seria – e não é – trabalho fácil. Encontrar isomorfismos na raiz,
na forma, no conteúdo e na expressão é o ponto-chave no
intuito de demonstrar que o fenômeno dos discos voadores tem
todos os componentes formadores da narrativa mítica. A
intertextualidade em ambos propicia leituras simultâneas,
recombinantes e não-lineares. Há uma simetria especular
nítida, uma consanguinidade indiscutível que precisa ser
apreendida em todo o seu encadeamento. Nosso estudo
sintoniza com a linha de raciocínio defendida por Campbell
sobre o desenvolvimento histórico da mitologia: ―(...) uma
comparação honesta revela que tudo foi erguido a partir do
mesmo depósito de motivos mitológicos.‖111 Ao cotejar,
aproximar, anatomizar e interpretar o simbolismo contido
nestas duas matérias, automaticamente estabelece-se um

111
CAMPBELL, 2002, 23

127
mecanismo de ressonância gerador e multiplicador de
significados.

Em 40 anos de atuação centrada na análise rigorosa e


permanente autocrítica, estivemos sempre muito atentos ao
objeto de nosso estudo no front da pesquisa e particularmente
preocupados e incomodados com a imagem da nossa atividade
perante a sociedade. Nossas deduções estão lastreadas nessa
vivência, e o exame crítico em relação ao tema visa, sobretudo,
realinhar os fatos no caminho do conhecimento, abrindo uma
janela para apreciar outras paisagens e ventilar novos ares.
Pela tessitura que o assunto Óvni produz, é uma covardia e
um embuste refugiar-se em conclusões extraídas de uma
sintaxe obscura e ciência de almanaque, como tem sido regra
daqueles que transformaram em pantomima o que deveria ser
conduzido com decência e sobriedade. Uma substancial parcela
dos pesquisadores faz a apologia da ―hipótese extraterrestre‖
como explicação soberana, verdadeira e definitiva, não
permitindo contraposições. Há uma clara inversão de valores
aqui! A hipótese extraterrestre deve ser a última a ser
considerada na escala de probabilidades, quando não houver
outras explicações, quando todo o resto se mostrar falho. A
Prof.a Constança César expõe com clareza uma das razões para
este comportamento:

O homem busca a plenitude, dissemos. Porém, nessa


busca, o ―inquieto coração‖ do homem pode cometer
erros e enganos, podem ocorrer manipulações
ideológicas e políticas da força positiva da linguagem
simbólica. (...) o uso negativo implica, pois, numa
incorreta decifração dos valores que o mito veicula

128
(engano); ou na deliberada manipulação de tais
valores, com a finalidade de obter poder sobre a
massa, sobre a maioria (mistificação). Em ambos os
casos (engano ou mistificação), o erro é de quem
decifra, não do mito.112

Não temos nenhum constrangimento em afirmar que


também partilhamos da mesma ideia sobre a hipótese
extraterrestre durante um bom tempo, até percebermos que
havia algo além das aparências, que as sombras bruxuleantes
na caverna prenunciavam outras realidades, e que as pesquisas
apresentavam graves distorções, incompatíveis com as regras
da boa investigação. Quando tivemos a clara noção de que
havia mais ―buracos que queijo‖, cuidamos de reordenar nossas
reflexões.
A experiência ufológica pode até ser real, mas será ela
objetiva ou subjetiva? Eis um nó difícil de desatar. Parte de
uma realidade física, concreta e mensurável, ou se ambienta
estritamente na realidade psíquica da testemunha? A
linguagem usada nos depoimentos é prevalentemente
denotativa, uma narrativa não literal, descritiva e metafórica
através de recursos simbólicos, portanto, subjetivos. Qualquer
que seja sua origem, o fenômeno Óvni atua como uma imagem
rorschachiana, no qual o homem projeta as questões centrais de
sua vida ao mesmo tempo que tenta encontrar as respostas.
Debord é contundente em sua análise social quando afirma que
quanto maior a alienação do espectador em relação ao objeto
de sua contemplação – resultado de sua atividade inconsciente
–, quanto mais ele admite reconhecer-se na imagem dominante,

112
In MORAIS, 1988, p. 38

129
menos ele compreende sua própria existência e seu próprio
desejo.113

A título de reminiscência pessoal e pretexto para outra


discussão, aos 83 anos e mais de três décadas investigando o
fenômeno com lisura e ética, o Prof. Willi Wirz, como era
carinhosamente chamado pelos amigos, ―decretou‖, com toda a
sua humildade e vasta erudição: ―O disco voador não é um
disco e muito menos voador‖ – um koan ufológico, um
aparente paradoxo ocultando um sentido inesperado? No nosso
entender, uma dedução lúcida com zero de ingenuidade e dez
de sabedoria e perspicácia. O disco voador não é um disco e
muito menos voador.
Traçando uma correspondência entre o quadro de Magritte
―A Traição das Imagens‖ e a Ufologia, Manfredi, em sua ainda
inédita obra, postula que o ―disco voador‖ dos ufólogos não é
um disco voador, porque você não pode entrar nele, não pode
voar nele, assim como não pode encher de fumo o cachimbo de
Magritte. Esse ―disco voador‖ está sempre preso entre o
parágrafo e o ponto final de um enunciado ou trancafiado pelas
molduras de uma fotografia. O disco voador real, o que quer
que seja a Coisa a que aplicamos essa palavra, está sempre
além do signo. O signo só surge como sua ausência, marca de
uma presença já desvanecida que colocamos sobre o vazio
inaugurado por sua passagem, – ele só nasce depois que o disco
voador real já se foi para onde quer que tenha ido.

113
―L‘aliénation du spectateur au profit de l‘objet contemplé (qui est le résultat de sa propre
activité inconsciente) s‘exprime ainsi : plus il contemple, moins il vit; plus il accepte de se
reconnaître dans les images dominantes du besoin, moins il comprend sa propre existence et
son propre désir.‖ La Societé du Spetacle. 3éme ed. Paris. Gallimard. 1992. p. 20)

130
Manfredi diz também que esse disco voador (o dos
ufólogos) é uma ―unidade cultural‖, referindo-se a Umberto
Eco114, uma imagem que reúne e representa um amplo conjunto
de significantes – luzes, sons, raios, vôos, objetos, fotos, filmes,
desenhos e sobretudo palavras, muitas palavras – que traduzem
um significado ainda não decodificado. O disco voador é um
signo e só existe como tal, uma combinação de vários traços
extraídos da casuística e que nem sempre andam juntos, nunca
todos juntos, mas que estão sempre suficientemente juntos para
que se reconheça, ou suponha, sua unicidade interna.115

O gênero humano é um coletivo de organismos formados


pela intersecção de instantâneos históricos individuais e
coletivos e um fundo imutável e incognoscível. Dessa forma,
está condicionado às ideias correntes sobre a natureza da
realidade e sua relação com o homem, e aos movimentos
geopolíticos, culturais, sociais e psicológicos que estruturam
cada momento. O mundo, por sua vez, é uma babel de
tradições, religiões, dogmas e contradições; verdades, falácias,
mitos, crendices, mistérios, lendas e magia, uma descomunal
biblioteca que forma e deforma a consciência.
São intercorrências polimórficas e polifônicas que
fragmentam o saber e a compreensão da existência humana.
Enigmas e antinomias que arrebatam e provocam o ser,
desafios que muitas vezes perpassam o âmago da própria razão,
que, na busca do esclarecimento, corre o risco se dissipar pelo
fluir da história. Não podemos esquecer que ele, indivíduo,

114
In ―Tratado Geral de Semiótica‖, Perspectiva, São Paulo, 1980.
115
MANFREDI, 2003

131
também se modifica, se reescreve, se transgride e se imagina
frequentemente, nem sempre no ritmo dessa mesma história.
São dois mundos que tentam conversar e interagir, integrar e
convergir, cada um singular e heterogêneo. O homem é a célula
cujo corpo é o mundo.
No fundo, este ―indivíduo‖ não o é tanto quanto parece; ele
é múltiplo síncrono – comandado e comandante, criador e
criatura, pensante e errante, preferido e preterido, a soma de
vários em um só. Tenta entender o mundo pelo prisma
circunstancial de cada personagem. Isso equivale dizer que
algumas verdades são, inegavelmente, temporárias. Isso
equivale dizer também que as convicções que nos moveram até
aqui, fortalecidas principalmente ao longo do último decênio,
estão sujeitas a reconstruções se as contingências exigirem.
Não há nenhuma garantia de sua perenidade, já que é nosso
dever não confundir procura da verdade com necessidade de
acreditar.
O aval da ciência subscreve apenas o presente, não o futuro.
A custódia da verdade nunca foi prerrogativa do Homem, mas
da Natureza, e não pode ser usurpada por pretensos agentes da
autoridade. O fenômeno Óvni e os mitos estão inelutavelmente
acoplados ao espírito humano, conformando a concepção e o
entendimento do mundo e de si mesmo. Ou do Si-mesmo
dependendo de como se olha a questão.

O motor do conhecimento é a dúvida, não a certeza.

132
A verdade tem um prumo cientifico que lhe confere isenção
plena. Ela não se escreve pelo achismo, não se desenha por
subterfúgios, não se vende pelas crenças e não se revela pelo
maniqueísmo do ―Se não é isso só pode ser aquilo outro”. Ela
se inscreve pela razão e se constrói pelo trabalho, pela reflexão,
pelo pensar contínuo. Ela não é hermética e não pertence a uma
casta privilegiada de santos, sábios, doutos e cardeais. Se
pertence, não deveria. ―Verdade‖ tem tripla concepção,
conforme nos explica Marilena Chauí:

Em grego, verdade se diz aletheia, significando: não-


oculto, não-escondido, não dissimulado. (...) Em
latim, verdade se diz veritas e se refere à precisão, ao
rigor e à exatidão de um relato, no qual se diz com
detalhes, pormenores e fidelidade o que aconteceu.
Verdadeiro se refere, portanto, à linguagem enquanto
narrativa de fatos acontecidos. Um relato é veraz ou
dotado de veracidade quando a linguagem enuncia os
fatos reais (...) Em hebraico, verdade se diz emunah e
significa confiança. Agora são as pessoas e é Deus
quem são verdadeiros. Um Deus verdadeiro ou um
amigo verdadeiro são aqueles que cumprem o que
prometem, são fiéis à palavra dada ou a um pacto
feito; enfim, não traem a confiança.116

A síntese desse enunciado mostra que a verdade se refere à


própria realidade (aletheia), à linguagem (veritas) e à
confiança (emunah). Perguntamos então: como confiar na
realidade da narrativa ufológica? Que verdade pode conter a
palavra mal pronunciada?

116
CHAUÍ, 2000, p. 23

133
Dissemos ainda, no outro extremo deste livro, que o
racionalismo filosófico é um poderoso instrumento na busca do
conhecimento. Racionalismo filosófico. Nunca é demais
lembrar que razão, do latim ratio e do grego logos, significa
medir, juntar, contar, calcular, analisar, dissecar, examinar.
Filosofia, do grego Filia Sofia traduzida como ―amor pelo
saber‖ ou ―pela verdade‖. John Locke, em1690, defendia esse
princípio: ―Um sinal infalível de amor à verdade é não
considerar nenhuma proposição como convicção maior do que
a autorizada pelas provas que a fundamentam‖.
A eterna Filosofia, de onde derivaram todos os demais
saberes é conhecer os princípios da realidade, o substrato
último das coisas, a origem, essência, valor e sentido do
universo, ou ainda, como definiu Aristóteles, a ―Ciência das
primeiras causas e dos primeiros princípios‖. Racionalismo
filosófico, portanto, nada mais é que ―saber com inteligência,
com fulcro na razão‖. A verdade não é pendular, não brinca de
gangorra nem se veste a rigor para uma queda-de-braço. Uma
coisa, entretanto, não pode ser refutada: na balança da verdade,
o ponteiro se inclina sempre para o peso da argumentação
responsável, da autoridade reconhecida, da experiência
respeitada e da evidência consolidada.
O que fazemos quando medimos, analisamos, ponderamos?
Pensamos de modo ordenado por amor ao saber em busca da
verdade. Eis o ponto fundamental inexistente no circuito
ufológico – pensar e falar ordenadamente, com clareza, medida
e organização. Inexistente justamente porque é na Ufologia que
estão as quatro atitudes mentais que impedem a reflexão:
ilusão – aceitação incondicional das aparências; fanatismo –

134
desconexão, excesso, descontrole; crença – fé cega no
sobrenatural, no ―maravilhoso‖, na ―revelação‖; e misticismo –
alienação, devaneio, inconsciência. Seguramente, a Ufologia
encontra-se numa posição delicada, traindo e subtraindo-se
num movimento entrópico sem volta. Como nos lembra
Renard, o problema da existência dos Óvnis e dos
extraterrestres é espontaneamente posto em termos de crença:
―você acredita em discos voadores?‖117
E dissemos mais, que a Ufologia – ou qualquer outra
disciplina – não pode ser compreendida sem o auxílio de outras
que a endossem. Autônomas, sim, mas nenhuma um fim em si
mesma. Há uma interconectividade à feição de uma grande
Teia de Conhecimento à prova de fuga, fios interligados
levando a informação de um ponto a outro. Não foi esse ―amor
ao saber e à verdade‖ que propiciou ao homem tocar as estrelas
e mergulhar na gênese da vida? Ou ainda vivemos de acreditar
que raios e trovões são mesmo a ira dos deuses?
Está certo Gleiser quando aponta a diferença entre os
sobrenaturalistas, que vêem forças ocultas por trás de tudo,
acuados pelos medos apocalípticos e crenças inexplicáveis, e
os naturalistas, que sabem não ter todas as respostas, mas nem
por isso temem o desconhecido, ao contrário, admitem que essa
ignorância é um desafio libertador, jamais um cárcere.
É preciso exorcizar os demônios que infestam a consciência
com falsas verdades e professam mentiras, obstruindo a
verticalização do saber. O ser humano é reflexo – para o bem
ou para mal – daquilo que ele aprende e apreende do mundo e
das respostas que oferece aos mistérios que se lhe apresentam.
117
In MAYER, 1989, p. 31

135
A conduta científica respeita a integridade dos fatos tais como
são, porém, aplica-lhes um ponto de vista crítico em busca das
estruturas universais causadoras destes fatos, das leis gerais de
funcionamento dos fenômenos, de métodos, sistemas,
parâmetros e critérios comparativos. Ela não se deixa levar
pelo senso comum – opiniões e hábitos cristalizados pelas
tradições, crenças e repetição, senso esse geralmente
desprovido de conhecimento e prática investigativa.
Ao lançarmos esta proposta de estudos, a iniciativa vai
além, convidando remodelar o pensamento, o ser, a maneira de
conduzir a vida e olhar o mundo; reindagar-se, ascender a outro
nível de percepção, acompanhar a história sem descompasso,
dialogando na mesma frequência. O mundo exige esse esforço,
a oferta de conhecimento impõe esse ritmo, a voracidade das
transformações proíbe acomodação. Se a era digital entrou
definitivamente em nossas vidas, não se pode mais
manuscrever em pergaminhos. São muitas as frentes de
trabalho que pedem comprometimento, responsabilidade,
combater o medo, a omissão e a inércia.
Transitar por campos tão férteis em sabedoria e aprendizado
(sem contar a Ufologia como eixo de altercação) tem sido uma
experiência enriquecedora, que estimula um apetite insaciável
por conhecimento ante um banquete luxuriante de palavras. É,
também, um trabalho de campo intelectivo envolvente e
gratificante. Não sucumbimos à complexidade dos temas nem
capitulamos frente ao chamado cultural e científico,
simplesmente porque não poderíamos nos esquivar ao dever de
lançar bases para uma pesquisa pluridirecional, com todas as
limitações e encargos naturais de um projeto desse porte.

136
O mito, enquanto nos instaura na vida divina e
desencadeia em nós um impulso, uma paixão, mostra
o Ser, remete ao ―estranho‖, ao ―espantoso‖, ao
―Poder selvagem‖, à ―Poesia em si‖. O estudo dos
mitos aurorais é a descoberta de uma modalidade do
numinoso. O interesse desse estudo é o
estabelecimento de um liame entre o mito primitivo e
o mito moderno.118

O leitor versado nas áreas abordadas poderia reclamar, com


alguma razão, a ausência de autores e obras magistrais como
menção obrigatória para a discussão de certos tópicos. Poderia,
mas justificamos o espírito que nos guiou parafraseando a lição
deixada por aquele que é considerado um dos maiores nomes
da crítica literária brasileira contemporânea, Prof. Antonio
Cândido: ―Fecundar o ensaio acadêmico com a especificidade
da narrativa ufológica e, ao mesmo tempo, enriquecer a visão
crítica dos fatos através da formação universitária.‖119
Não poderia haver síntese melhor para este discussion paper
– apontamentos embrionários e preparatórios para algo que se
espera seja habilmente lapidado, desenvolvido e aperfeiçoado
por aqueles com espírito eclético e maior amplitude cultural.
Seria o Óvni resposta para a pergunta que nunca soubemos
formular? O iceberg do fenômeno Óvni guarda um valioso
tesouro a ser explorado: enquanto uma legião de aficionados se
equilibra debilmente sobre a superfície escorregadiça, uns
poucos se lançam em total imersão atrás de novos achados.

118
Vicente Ferreira da Silva, citado por Constança M. César, in MORAIS, 1988, p. 86
119
A frase original é: ―Fecundar o ensaísmo acadêmico com a clareza do texto jornalístico e, ao
mesmo tempo, enriquecer a visão crítica dos fatos através da formação universitária.‖
Citado por João Cezar de Castro Rocha, Professor de Literatura Comparada da UERJ, in
“Exercícios críticos. Leituras do contemporâneo‖. Chapecó. Argus. 2008. p. 25

137
Estes poucos, enfrentando o desafio dessa busca, usam
todos os recursos que a inteligência lhes proporciona para
elaborarem uma verdade, libertando-se ao sonho de novas
descobertas. Outros se valem de suas próprias certezas, que
tudo lhes provê e determina, aceitando-na, pois, como única e
liquidante, agarrando-se ao primeiro porto que lhes pareça
―seguro‖. Talvez, por isso, mais felizes, porém, seguramente
mais fracos e sucumbíveis a qualquer momento, iludidos por
crer na sua sinceridade, sempre prontos a qualquer arranjo
desde que um novo porto lhes seja acenado. Assim,
conformados e inconformados estabelecem entre si um muro
intransponível que os faz viver lado a lado, ao mesmo tempo
tão próximos e tão distantes. Infelizmente, também,
obedecendo as próprias leis da evolução, a desproporção da
distribuição dos seres de cada lado é muito grande.
Não precisamos criar mistérios onde não existe. O mundo já
é exuberante de eventos fantásticos banhados de magia, que
encantam e revelam a beleza da vida e nos fazem sonhar em
busca da sabedoria e da verdade, um sonhar desperto embebido
na Filia Sofia, o mesmo sentimento que envolveu a
―Reflexões‖, uma obra legitimamente pantemporânea.120
As questões que buscamos responder parecem ter ficado
claras: o homem concebeu o mito do disco voador para dar
vazão às suas mais entranhadas angústias existenciais. Ele quer
e precisa acreditar nessa sua criação para que ela, em
contrapartida, lhe dê a segurança necessária para prosseguir a
caminhada. Não precisaria acreditar, não fosse refém de suas

120
Neologismo, do grego pantós – todo e latim tempus – tempo, para algo que atravessa o
tempo ligando passado, presente e futuro por só fio; pertencente a todos os tempos.

138
crenças e escravo de seus medos; se não alimentasse esse
caldeirão de inquietações em que transformou seu mundo e se
não se encantasse tanto com o que imagina ver.
Como encontramos em Bauman arrimo aos nossos estudos,
é dele que extraímos uma última interrogação, uma lição de
casa para o leitor: ―Dizer a verdade é suficiente para garantir a
vitória sobre a mentira? Será a razão capaz de se sustentar por
si mesma diante do preconceito e da superstição?‖121 Nunca é
demais lembrar que reflexão, do latim reflexum, significa
curvar-se de novo – ao pensamento sobre si mesmo e sobre
todas as coisas. Um trabalho artesanal por excelência,
produzido pela dúvida crítica, pelo conhecimento, ousadia,
maturidade, isenção e coragem. Um exercício não contaminado
pela vaidade e arrogância, enfim, um pacto com o saber e uma
demonstração de respeito pela verdade. Isto é ―Reflexões.‖

O pensar é a mais importante qualidade humana, a sua


singularidade universal, e não pode ser relegada a uma
condição secundária. Somos resultado desse privilégio,
e de nenhum outro.

121
BAUMAN, 2008, p. 210

139
140
Adendo I
Medo plural

Um dos objetivos desta obra é demonstrar a inviabilidade


dos discos voadores e dos seres extraterrestres como objetos e
entidades de natureza física, material. Tudo começou com uma
interpretação prematura e equivocada de leigos entusiastas da
vida extraterrestre, induzidos pelas convicções pessoais e total
desconhecimento da matéria. A partir de então o tema ganhou
proporções globais e a ciência optou por não se intrometer na
polêmica. As instituições oficiais aproveitam a oportunidade
para, pronunciando-se esporadicamente e com evasivas, criar e
fomentar o clima paranóico de ―ações conspiratórias‖ para
acirrar a desconfiança e as suspeitas dos pesquisadores. Desde
sempre esse tem sido assunto orbital na ufologia, por essa
razão vamos colocar algumas questões importantes dentro
dessa pauta: por que acreditar em discos voadores? Por que
precisamos acreditar? Precisamos acreditar? I want to believe
de simples cartaz promocional há muito virou uma espécie de
mantra espalhado pelo mundo, o que parece confirmar nossa
tese: disco voador, basta crer para existir.

141
A explicação pode estar em vários lugares, inclusive na
ciência – na neurociência – como nos trabalhos de longa data
dos doutores Eugene D´Aquili e Andrew Newberg, da
Universidade da Pensilvânia. Através do processamento de
imagens cerebrais, eles começaram a detectar e analisar as
fontes básicas dos sentimentos religiosos122 – a neuroteologia.
Eugene e Andrew não são os pioneiros nem estão sozinhos
nessa busca por um ―gene divino‖ ou ―sede da fé‖. Os
primeiros resultados desse estudo mostram que os sistemas de
crenças e o sentimento religioso têm base neurológica, e que os
mitos, por exemplo, podem ter origem em outras funções
biológicas, porque nosso cérebro opera a partir de um
―imperativo cognitivo‖: a necessidade de obter respostas e
explicações para os eventos do mundo. A essa faculdade
Newberg chamou de ―operador causal‖, um conjunto de
funções analíticas diversas encarregadas de mapear cada
problema e encontrar sua resposta.
No caso dos mitos, Newberg identificou o ―operador
binário‖, incumbido da função sobre a sua formação e
perpetuação, com uma heurística clara e objetiva na elaboração
nuclear dos mitos: vida e morte, céu e terra, homens e deuses.
Deduz-se, portanto, a priori, que qualquer reposta a qualquer
problema pode ser entendida como uma necessidade antes
―fisiológica‖ que psicológica. A pesquisa, em certo sentido,
está apenas começando, mas, se estiver correta, é possível
intuir resultados mais do que surpreendentes, o que nos leva ao
próximo ponto.

122
Andrew Newberg et al: Cerebral blood flow during meditative prayer: preliminary findings
and methodological issues. Perceptual and Motor skills; 97:2. 625-630, 2003.

142
Nossas reflexões conduziram àquilo que se tornou uma
preocupação recorrente no e do mundo contemporâneo. Rubem
Alves abre a questão: ―O encantamento não está no que se vê,
mas no que se imagina‖. Algumas páginas atrás a resposta se
insinuava: ―Nesse `viveiro das incertezas´ coabitam outros
sentimentos como ansiedade, fragilidade, descrédito,
insegurança, desidentidade, medo e fuga.‖ Direto ao ponto: ―O
medo é reconhecidamente o mais sinistro dos demônios que se
aninham nas sociedades abertas de nossa época‖. Medo! Esse
adendo se justifica para amplificarmos a discussão, dada a sua
importância capital.
Sim, medo, mas não esse mede real e imediato, próximo,
intestinal e concreto que permeia nosso cotidiano: a doença
grave, o acidente fatal, a insegurança das ruas, o desemprego, o
fracasso profissional ou conjugal, a morte, temores naturais
justificados que devem ser vivenciados como mecanismos de
equilíbrio psíquico e emocional. Embora em tempos idos o
medo representasse o oposto à bravura, coragem, heroísmo,
portanto sinônimo de covardia, é, no entanto, indissociável à
nossa existência. A coragem é dos fortes, o medo dos fracos é
um pensamento anacrônico e enganoso. O medo é um agente
da criatividade, da fantasia e da invenção, por estar ligado ao
mistério, ao inexplicado e inesperado.
Mas é outro o medo que nos interessa abordar, aquele que
nos afeta mais densamente, mas nem sempre reconhecido ou
admitido. Ele pode ser traduzido por inquietação, ansiedade,
talvez até angústia já que, como diz Jean Delumeau, ―A
angústia é ambivalente. Ela é, ao mesmo tempo, vertigem do

143
vazio e esperança da plenitude.‖123 Que medo é esse? É o que
Bauman chama de medo ―inadministrável‖, que contém um
indiscutível gancho cultural: o medo do próprio homem, do
outro, do desconhecido, de certa forma fabricado e excitado
pela cultura da insegurança, do catastrofismo, nem por isso
menos verdadeiro.
Não é um medo imaginário, mas imaginado, e essa
―imagem‖ do medo surge em todos os meios e expressões
culturais, alimentando – aí sim – o imaginário: cinema,
literatura, contos infantis, entretenimento, religiões e até a
publicidade, todos usando de modo inteligente o impacto que
essas figuras produzem no inconsciente e que se refletem nas
reações diante de um quadro real: a noite e seus equivalentes –
escuridão, silêncio, sombras, solidão, trevas, a cor negra de um
modo geral, elementos que, associados, compõem uma
atmosfera asfixiante e assustadora. Não que escuridão ou
silêncio por si instiguem o medo, mas porque sugerem algo
passível de acontecer. Transpondo para a cena diária, a
incerteza do amanhã desperta inquietação e ansiedade, ou seja,
medo. O ―dia seguinte‖ é sempre uma incógnita, uma
incubadora de surpresas, ameaças, desventuras e perigos.

O medo é mais assustador quando difuso, disperso,


indistinto, desvinculado, desancorado, flutuante, sem
endereço nem motivos claros (...) Medo‖ é o nome
que damos à nossa incerteza: nossa ignorância da
ameaça e do que deve ser feito.124

123
In NOVAES, 2007, p. 40
124
BAUMAN, 2008, p. 8

144
Ao buscarmos o significado de noite para compreender
melhor a sua relação com o medo, vemos que os gregos a
consideravam ―mãe dos deuses‖, por entenderem que ela
precedia a formação de todas as coisas. ―Por isto, como as
águas, tem um significado de fertilidade, virtualidade,
semente‖.125 Para a psicanálise, noite é o próprio inconsciente.
A combinação com medo e negro está associada ao mal, por
isso que quase sempre os vilões são retratados com roupas
negras e agem pelas sombras da noite; é quando o terror se
manifesta, na ―escuridão da alma‖, no mundo soturno,
silencioso, subterrâneo e rastejante das formas inferiores. A
simbologia é óbvia: quanto mais inferior, mais trevas, mais
ignorância, mais medo; quanto mais elevado mais luz, mais
conhecimento e mais sabedoria. A Ufologia encampou essa
ideia criando enredos folhetinescos com os famigerados
―homens de negro‖.126

A citação de Bauman nos remete imediatamente ao filme


―Fim dos Tempos‖ (The Happening, 2008), do diretor
Shyamalan, já referido, onde o protagonista é o medo a partir
do que não se vê, mas se imagina através dos sinais de sua
presença: o balançar das árvores, das folhagens, da relva e
papéis bailando no ar anunciando que algo está prestes a
acontecer. A fórmula encontrada pelo cineasta para evocar e
potencializar a dinâmica do medo nos devolve Bauman,
125
Juan-Eduardo Cirlot, ―Dicionário de Símbolos‖, São Paulo, Ed. Moraes, 1984.
126
Supostos agentes de organismos governamentais ultra-secretos. Personagens fictícios
surgidos no auge da Guerra Fria, vestidos a caráter – ternos e óculos escuros, lacônicos,
reservados, a quem se atribuíam ameaças, espionagem e todo tipo de ação persecutória e de
pressão psicológica, visando coagir testemunhas, vigiar e/ou obstruir as investigações dos
grupos privados. Numa versão mais fantasista, seriam alienígenas disfarçados com a missão
de ocultar suas atividades na Terra.

145
tamanha a verossimilhança entre as narrativas. Além de
―globalizar‖ o medo, Shyamalan toca precisamente no cerne
das relações humanas, tal como discorremos aqui.

Podemos considerar que, sob a camada superficial de


uma trama simples, porém, de premissa interessante e
original, corre um discurso crítico sobre identidades
culturais num mundo apenas economicamente
globalizado, mas de fronteiras geográficas cada vez
mais fechadas à circulação de pessoas.127

Esse encolhimento geográfico – e social – implica


fatalmente no isolamento do sujeito, um autoconfinamento. À
medida que o círculo vai se fechando, as escolhas se reduzem,
as oportunidades cada vez mais escassas, o futuro mais
sombrio. Basta lembrar Lévi-Strauss: ―A humanidade cessa às
fronteiras da tribo, do grupo linguístico, às vezes até do
vilarejo‖.128

Mas há medos ainda maiores guardados nos escaninhos


profundos do inconsciente, e é deles que vamos nos ocupar
agora: morte e solidão, como desdobramentos do medo
analisado antes. Não nos cabe examinar os aspectos
psicológicos, sociais, culturais e históricos de cada um, pois há
uma fortuna literária disponível para consulta. Durante séculos
as religiões, principalmente, procuraram transmitir conforto

127
Profª. Izaura Rocha, ―The Happening: terror pós-moderno e alegoria da alteridade como
fonte de tensão e conflito.” http://www.bocc.uff.br/pag/bocc-thehapening-rocha.pdf.; p. 4.
Acessado em 2/07/2010
128
LEVI-STRAUSS, Claude, apud CICERO, Antonio in A noção de humanidade, Folha de
São Paulo, 1988, n. 28.941, 28 de junho de 2008, Ilustrada, p. E13.

146
espiritual e esperança através da ideia da vida post mortem. O
catolicismo, por exemplo, consagrou expressões eufemísticas
como ―Encontrar o Pai‖, ―Vida eterna‖ e outras tantas como
recompensa de uma vida terrena virtuosa, mas é visível a
preocupação com que hoje a Igreja observa a dispersão de seu
rebanho. Também não vamos nos ater a essa discussão. A
proliferação de igrejas e ―igrejas‖ é um dado que não pode ser
contestado; a concorrência cresce a olhos vistos e a fila de
seguidores aumenta em igual proporção.
A partir do momento em que as doutrinas religiosas e
espiritualistas não cobrem as necessidades de seus fiéis, estes
se tornam infiéis. De alguma forma, ―alguém‖ tem que olhar
por nós e adotar medidas que governem nossos atos, seja por
sanções punitivas ou de aprovação. A vida eterna, a
imortalidade, é um ―prêmio por bom comportamento.‖ Outrora
eram os deuses que impunham o destino dos homens ditando as
regras de conduta e obediência. Hoje são os astronautas
alienígenas. Amanhã não fazemos a menor ideia de quem será.
É inegável que a morte é um momento singular, indivisível.
A solidão também. Não se pode compartilhar nem um nem
outro, e como o homem não está preparado para enfrentá-los, o
temor se revela e se instala. Se sua impermanência é um fato,
que ao menos a existência de outras criaturas no éter lhe
conforte e dê esperanças. O disco voador e o ser extraterrestre
representam essa ―força superior‖ capaz de aliviar suas
apreensões, resolver as questões que o atormentam e à
humanidade. Se os alienígenas estiverem investidos dos
poderes que presume estejam, certamente terão superado o
problema da morte e talvez possam lhe dizer como isso é

147
possível. É aí que o fenômeno se transforma num sangradouro
de aflições, temores e angústias do homem moderno, descrente
das instituições que ele mesmo criou para lhe dar segurança,
estrutura, organização social e suporte espiritual. De um ponto
de vista ontológico, a solidão no universo contraria sua
natureza gregária e aumenta o receio de não ter alternativas em
relação ao ―apocalipse‖129.

O disco voador é o bote salva-vidas providencial a procura


de redentores e guardiães protetores.

O entrelaçamento dos cordéis que sustentam o sujeito acaba


por limitar seus movimentos, deixando-o numa situação de
liberdade precária quase mórbida: cada vez mais distante e
isolado daquele que deveria ser o seu ―próximo‖
(desconfiança); sem garantias de um futuro razoavelmente
estável (incerteza); ciente da falência das instâncias e poderes
estabelecidos para sua proteção (insegurança); sem abrigo
espiritual que receba suas dúvidas (descrença); não assume
responsavelmente seu papel na sociedade (fragilidade); mal
interage com aqueles que o circunscrevem (desidentidade), e
não reconhece seus próprios erros a ponto de evitar repeti-los
(imaturidade). Desencantado, indefeso, abandonado, transitivo,
dissolvido, à deriva nesse mar revolto, sem um norte confiável
e um porto seguro como destino, o que lhe resta? Resta-lhe
crer que algo ou alguém extraterritorial virá expurgar seus
medos tatuados na alma. Ele precisa de alguém que tire da

129
Do grego Apokalypsis – descoberta, revelação. Seu simbolismo arquetípico conduz ao
sentido de renascimento. Ao contrário do que proclama a crença popular que entende como
fim da existência humana, aniquilação da vida no planeta, o Armageddon.

148
beira do penhasco e lhe diga quem ele é e qual o rumo a tomar.
É por estas fendas que o Outro invade esta célula trôpega e
permeável. Extraterritorial por não se situar em seu universo
consciente e sim naquela zona difusa e inexpugnável do
inconsciente. E é exatamente lá que ele conserva suas
esperanças para o que quer que seja esse algo e esse alguém.
Acorremos pela última vez a Gilbert Durand, ao qual peço
especial atenção do leitor para uma reflexão definitiva e
absolutamente fundamental:

Os símbolos ascensionais aparecem-nos marcados


pela preocupação da reconquista de uma potência
perdida, de um tônus degradado pela queda. Essa
reconquista pode manifestar-se de três maneiras muito
próximas, ligadas por numerosos símbolos ambíguos
e intermediários: pode ser ascensão ou ereção rumo a
um espaço metafísico, para além do tempo, de que a
verticalidade da escada, dos bétilos e das montanhas
sagradas é o símbolo mais corrente. Poder-se-ia dizer
que neste estádio há conquista de uma segurança
metafísica e olímpica. Pode manifestar-se, por outro
lado, em imagens fulgurantes, sustentadas pelo
símbolo da asa e da flecha, e a imaginação tinge-se,
então, de um matiz ascético que faz do esquema do
vôo rápido o protótipo de uma sublimação da carne e
o elemento fundamental de uma meditação da pureza.
O anjo é o eufemismo extremo, quase a antífrase da
sexualidade. Enfim, o poderio reconquistado vem
orientar essas imagens mais viris: realeza celeste ou
terrestre do rei jurista, padre ou guerreiro, ou ainda
cabeças e chifres fálicos, símbolos cujo papel mágico

149
esclarece os processos formadores dos signos e das
palavras.130

Importante ressaltar que os símbolos ascensionais estão


intimamente relacionados aos símbolos espetaculares e às
imagens da iluminação.
Expusemos, analisamos e concluímos, ao estratificá-lo, que
o fenômeno dos discos voadores tem todas as características de
um evento psicossociocultural, um metassistema. Fomos à
genealogia do fenômeno para encontrar sua matriz, ficando
bastante evidente que o medo do outro e a ignorância de si
estão na base da sua formação. A partir dessas noções, é
possível compreender melhor porque ―precisamos‖ acreditar
nos discos voadores.

130
DURAND, 1997, p. 145

150
Adendo II
Um mergulho no não-espaço

Quando aprofundamos o conceito de vida extraterrestre


inteligente – principal argumento para a origem dos discos
voadores e seres alienígenas – entramos em rota de colisão com
três questões cruciais: vida, vida extraterrestre e vida
extraterrestre inteligente. Em relação à vida, o que sabemos
hoje sobre a sua origem na Terra é a teoria prevalente da ―sopa
cósmica‖, que pode mudar radicalmente se novos estudos e
descobertas apontarem para outra direção. A ciência investiga,
simula, analisa, mede, pesa, acorda com dúvidas, trabalha nas
hipóteses e adormece nas especulações, no sentido de speculum
– observar, refletir.
Quanto à vida extraterrestre desconfiamos, supomos,
imaginamos que possa existir em outras paragens, mas nada
temos de concreto e conclusivo. Sondas varrem o sistema solar
e além; equipamentos de última geração vasculham os mais
longínquos rincões do espaço; antenas poderosas miram o
infinito à escuta fortuita de uma ―mensagem‖, um sinal errante
que fuja aos padrões conhecidos. Nada, silêncio absoluto, um

151
mutismo ensurdecedor. Suspeitas vagas pontuais alimentam
tênues esperanças que, no final, se dissipam como nuvens na
ventania. Um dia, certamente, haverá condições de prospectar a
vizinhança com alto grau de precisão e certeza, mas até lá
teremos que nos submeter a essa desconfortável solidão. Ainda
que recentemente tenha sido descoberta uma rara forma de
vida131 num lago americano, continua sendo uma variante da
vida terrena, apenas uma adaptação deste microorganismo a
um meio teoricamente adverso.
Por fim, a questão da inteligência é ainda muito mais difícil
de deslindar. Há um longo percurso para se chegar à definição
de inteligência em sentido amplo, e o exemplo das baleias,
golfinhos e poetas é mera ilustração. Inteligência transpõe os
conceitos básicos de compreensão, entendimento, raciocínio,
abstração, adaptação. A ciência não foi capaz até hoje de
localizar uma ―central da inteligência‖ no cérebro, porque este
trabalha de forma holística, integrada, um todo
harmoniosamente atuante. Mas a procura continua. Para tornar
a coisa toda incrivelmente bela, a inteligência se manifesta em
vários níveis, cada um fatiado em áreas bem específicas. Um
turbilhão de impulsos eletroquímicos – sinapses – construindo
o pensamento e formando a consciência no ―nanoespaço‖
cerebral, numa engenharia que beira a esfera do divino,
tamanha a grandiosidade. Mas não é sobre as origens da vida e
a fisiologia do cérebro que viemos divagar, embora seja uma
introdução interessante e necessária. O que nos toca são os
processos mentais que constroem e direcionam o saber.
131
A bactéria GFAJ-1 substituiu o elemento fósforo por arsênio na sua composição. Em que
pese a previsível polêmica sobre a descoberta, a possibilidade deste fato abre perspectivas
extraordinárias da viabilidade de vida em outros sistemas planetários.

152
O ponto é: como ordenar tais processos sem recorrer aos
padrões humanos, aos valores, parâmetros e mecanismos
intelectuais? Impossível? Absurdo? Se estamos falando de algo
não terrestre e queremos entender como é possível que exista
esse algo, precisamos abrir mão de todo e qualquer
condicionamento mental que baliza nosso conhecimento.
Se realmente a vida for uma anomalia terrestre, um acidente
cósmico, uma singularidade, então qualquer outra vida,
inteligente ou não é uma quimera, um sonho a decretar o fim
das afirmações ufológicas. No entanto, se com boa vontade
imaginarmos que haja uma única civilização avançada o
suficiente e perto o bastante para navegar pelos arredores do
planeta e nele pousar, então podemos prosseguir na divagação.
Se a existência dessa única civilização já seria algo espetacular,
imagine dezenas, se não mais, espalhadas por aí como
defendem os ufólogos. Diante dessa possibilidade, é
perfeitamente natural pensar que ―lá‖ também deva existir uma
engenharia aeronáutica, fábricas de discos voadores, linhas de
montagem, máquinas, operários, técnicos, pilotos; cálculos
matemáticos, equações, simuladores, dispositivos eletrônicos,
automatismo. Ferramentas, indústrias, logística, manutenção
(alguns casos relatam disfunção das naves), e se houver peças
com defeito devem existir oficinas e locais para sucata, restos,
lixo, inclusive reciclagem.
Desdobrando esse raciocínio, aos poucos vamos deslizando
suavemente pelas curvas da fantasia. Mesmo que os nossos
imaginados vizinhos espaciais tivessem aparência a menos
humana possível, o quadro não mudaria. Eles precisariam ser
muito diferentes, totalmente diferentes para que então também

153
começássemos a pensar de maneira também totalmente
diferente. Convenientemente, contudo, não há – nem poderia
haver – nenhuma descrição séria de criaturas com aspecto
androide ou de robô, ou répteis, artrópodes repulsivos ou
aterrorizantes, personagens assíduos da ficção. Pois se de fato
houver vida em abundância espaço afora, deverá ser menos
surpreendente se for semelhante, em aparência, aos mais
criativos e bizarros produtos da imaginação.
Pelas leis da natureza, onde há vida há nascimento,
crescimento, degeneração e morte, logo, deduzimos que
alhures exista uma sequência natural de fetos, bebês, crianças,
jovens, adultos e idosos, sexuados, o que sugere a mais
complexa estrutura social a exemplo da nossa civilização
moderna. Não há como articular um raciocínio diferente. Não
podemos imaginar que tudo funcione ―apertando botões‖, e
ainda que fosse, deverá existir uma fábrica de botões e fios e
máquinas... e assim sucessivamente numa interminável espiral
imaginativa.

Ao analisarmos em conjunto todas as variáveis introduzidas


nesse raciocínio (além de muitas outras não incluídas), o que
pode ser mais inconcebível do que acreditar que exista uma
civilização tão extraordinariamente semelhantes à nossa? Crer
nisto com tanta inocência é deitar no rio do esquecimento os
mais elementares princípios de lógica. Neste caso, o debate
religioso assumiria proporções incendiárias porque, em
havendo outros mundos habitados, deixaríamos de ser a
espécie suprema, não passando de uma classe em estágio
inferior na escala evolutiva do cosmos, quem sabe até no fim

154
da fila. Seria muito irônico se, como dizia Mário Quintana, os
alienígenas não estivessem nem um pouco interessados em nós,
mas em estudar a vida dos insetos!
As implicações culturais, sociais, históricas e psicológicas
decorrentes da possibilidade real de vida extraterrestre
inteligente são difíceis de predizer, mas certamente teriam um
impacto avassalador. Neste caso, também, a ―globalização‖
mudaria para uma ―universalização‖, e se tememos o outro,
como vimos, seja quem ou o que for, como reagiríamos diante
desse ―Outro Absoluto‖ no dizer de Glissant?132 Estaríamos na
iminência de uma autêntica ―guerra dos mundos‖? Como
ficaria a nossa identidade como seres humanos? Como iríamos
reescrever nossa história? Onde estaria nossa verdadeira
origem? Seria possível administrar uma variedade existencial
tão profunda (lembrando que estamos imaginando dezenas de
civilizações!)? É de se presumir que o choque psíquico só seria
comparável, na devida proporção, à visão dos nativos na
chegada dos colonizadores europeus ao continente.
Tais deduções assentam-se em nossos padrões mentais, já o
dissemos, mas lembre-se de que estamos falando, desde o
princípio, de algo não terrestre, não humano, e o que traçamos
experimentalmente é um palco com todos os atributos do
mundo terrestre, humano, portanto um claro paradoxo. Para
pensar objetivamente e sem incoerências, precisamos ludibriar,
ou ainda ―anular‖ o processo de construção mental que nos

132
Édourd Glissant, Doutor em Filosofia, escritor, Distinguished University Professor da
Universidade de Louisiana, EUA, ao responder sobre a diversidade cultural diante da
globalização e das contínuas transformações do mundo: (...) A menos que a essa totalidade
terra enfim realizada se oponha um outro absoluto. Por exemplo, se sobrevierem
extraterrestres. ―Introdução a uma poética da diversidade‖. Juiz de Fora. Editora UFJF.
2005.

155
leva a estas conclusões. O problema está em como fazer isso.
Se tal civilização existir de forma diferente da que imaginamos,
não temos como imaginar de forma diferente. E não há forma
diferente de imaginar a partir dos elementos conhecidos para
formular nosso raciocínio. Não há dilema, é lógica. Se não for
assim, não há como ser de outro jeito. Para pensar fora do
universo mental em que estamos contidos, temos que nos
deslocar para o ―não-espaço‖, o não-lugar, como o personagem
Neo em ―Matrix‖, catapultado no vazio cercado de nada, tendo
que reconstruir toda a sua estrutura sensório-pensante. Mas
essa é uma reflexão ainda a ser escrita.

156
Síntese conceitual

Os diagramas a seguir oferecem um painel sinótico das


estruturas e ligações simétricas entre o mito e o fenômeno Óvni

A [de]formação da narrativa exibe os fatores diretos e


indiretos que influenciam a formação da narrativa, dando-
lhe um caráter subjetivo que resulta em interpretações
distintas da realidade.

Simetria estrutural I sintetiza as semelhanças entre os


universos mítico e ufológico em sua tríplice formação:
contexto religioso e cultural, cenário histórico e social e os
imperativos pulsionais humanos.

Simetria estrutural II apresenta um panorama detalhado dos


quatro pontos cardeais que sustentam a similaridade entre o
mito e o fenômeno Óvni.

157
A [de]formação da narrativa

158
Simetria estrutural – I

159
Simetria estrutural - II

160
Referências bibliográficas

ARMSTRONG, Karen. Breve História do Mito. São Paulo.


Cia. das Letras. 2005.
AZEVEDO, Ana V. Mito e Psicanálise. Rio de Janeiro. Jorge
Zahar. 2004.
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro. Bertrand
Brasil. 1993.
BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro. Jorge
Zahar. 2007.
_________. Medo Líquido. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 2008.
BAZARIAN, Jacob. O Problema da Verdade. São Paulo.
Círculo do Livro. 1980.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas.
Rio de Janeiro. Paz & Terra. 1980.
CAMPBELL, Joseph. Betty Sue Flowers (org.). O Poder do
Mito. São Paulo. Palas Athena. 1990.
__________. Mitos, Sonhos e Religião. Rio de Janeiro.
Ediouro. 2001.
__________. As Transformações do Mito Através do
Tempo. São Paulo. Cultrix. 1997.
__________. Mitologia na Vida Moderna. Rio de Janeiro.
Rosa dos Tempos. 2002.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. São Paulo.
Perspectiva. 1992.

161
__________. A Filosofia das Formas Simbólicas – O
Pensamento Mítico. Vol. 2. São Paulo. Martins Fontes.
2004.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo. Ática.
2000.
DURAND, Gilbert. O Imaginário. São Paulo. Difel. 2010.
__________. As Estruturas Antropológicas do Imaginário.
São Paulo. Martins Fontes. 2002.
ELIADE, Mircea. Imagens e Símbolos. Lisboa. Arcádia.
1979.
__________. Mito do Eterno Retorno. São Paulo. Mercuryo.
1992.
__________. O Sagrado e o Profano. São Paulo. Martins
Fontes. 1992.
__________. Aspectos do Mito. Lisboa. Edições 70. 2000
FERNANDES, Joaquim (org.). De Outros Mundos. Porto.
Planeta. 2009.
FROMM, Erich. Psicanálise e Religião. Rio de Janeiro. Livro
Ibero Americano. 1966.
GLEISER, Marcelo. Criação Imperfeita. Rio de Janeiro.
Record. 2010.
GRINSPOON, David. Planetas Solitários. Rio de Janeiro.
Globo. 2005.
HANLY, Charles. O Problema da Verdade na Psicanálise
Aplicada. Rio de Janeiro. Record. 1984.
JAFFÉ, Aniela; FREY-ROHN. Liliane & VON FRANZ,
Marie-Louise. A Morte à luz da Psicologia. São Paulo.
Cultrix. 1980.

162
JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos. São Paulo. Nova
Fronteira. 1987.
__________. Psicologia e Religião. São Paulo. Vozes. 1984.
__________. Psicologia do Inconsciente. São Paulo. Vozes.
1983
__________. Um Mito Moderno Sobre Coisas Vistas no
Céu. Rio de Janeiro. Vozes. 1991.
LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J-B. Vocabulário da
Psicanálise. São Paulo. Martins Fontes. 1998.
LE BON, Gustave As Opiniões e as Crenças.
Ebooksbrasil.com. 2002
LEGROS, Patrick et al. Sociologia do Imaginário. Porto
Alegre. Sulinas. 2007.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e Significado. Lisboa. Edições
70. 1987.
MACKAY, Charles. Ilusões Populares e a Loucura das
Massas. Rio de Janeiro. IEdiouro. 2001.
MANFREDI, Lúcio. Os Ovnis de Dalí. Rio de Janeiro.
Inédito. 2003.
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Rio de Janeiro. Jorge
Zahar. 1975.
MAYER, Jean-François. Novas Seitas, um novo exame. São
Paulo. Loyola. 1989.
MÉHEUST, Bertrand. Science-Fiction et Soucoupes Volantes.
Rennes. Terre de Brume. 2007.
MORAIS, Régis de (org.). As Razões do Mito. São Paulo.
Papirus. 1988.

163
NOVAES, Adauto (org.). Ensaios sobre o Medo. São Paulo.
Editora SENAC. 2007.
OLIVA, Alberto. Filosofia da Ciência. Rio de Janeiro. Jorge
Zahar. 2003
PAZ, Noemi. Mitos e Ritos de Iniciação nos Contos de
Fadas. São Paulo. Cultrix/Pensamento. 1989.
REIS, Carlos; RODRIGUES, Ubirajara. A Desconstrução de
um Mito. São Paulo. LivroPronto. 2009.
SAGAN, Carl. Variedades da Experiência Científica. São
Paulo. Cia. das Letras. 2008.
__________. O Mundo Assombrado pelos Demônios. Rio de
Janeiro. Cia das Letras. 1996.
SMITH, Plínio J. Ceticismo. Rio de Janeiro. Jorge Zahar.
2004.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica.
São Paulo. Perspectiva. 2010
VALLÉE, Jacques. Confrontos. Rio de Janeiro. Best Seller.
1990.
__________. Messengers of Deception: UFO Contacts and
Cults. Brisbane. Daily Grail Pub. 2008.
WARD, Peter D.; BROWNLEE, Donald. Sós no Universo?.
Rio de Janeiro. Campus. 2000.

164
Fontes iconográficas

Capa – Philosopher in meditation. l632. (detalhe) Rembrandt.


Musée du Louvre, Paris.
p. 38 – The fall of Icarus, 1636. Musées Royaux Des Beaux-
Arts, Bruxelas (efeito de arte do autor)
p. 77 – Composição, acervo do autor.
p. 62 e 84 – Le vainqueurs de l´espace, Arnould Galopin, 12e
fascicule (6 février 1909). Paris, Jules Tallandier.
Cortesia Yves Bosson. Coll. Agence-Martienne.fr
(p. 62 efeito de arte do autor)

165

Você também pode gostar