Você está na página 1de 32

FRASES, CITAÇÕES, PENSAMENTOS – PROGRAMA PROVOCAÇÕES

AS PESSOAS PENSAM QUE OS CIENTISTAS EXISTEM PARA INSTRUÍ-LAS E QUE OS


ARTISTAS - OS POETAS, OS ESCRITORES, OS MÚSICOS, OS DRAMATURGOS - EXISTEM SÓ
PARA LHES DAR PRAZER. NÃO OCORRE ÀS PESSOAS QUE TAMBÉM OS ARTISTAS TÊM
MUITA COISA PARA LHES ENSINAR.

Sobre o autor:
Wittgenstein (1889 — 1951) foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico. Foi um dos principais
atores da "virada linguística" na filosofia do século XX. Suas principais contribuições foram feitas nos
campos da lógica, filosofia da linguagem, filosofia da matemática e filosofia da mente.

FALO DE ANCHIETAS E POTIGUARES.


FALO DE CRIANÇAS VIETNAMITAS E AFEGÃS. FALO DE AFRICANOS E DE PORTUGUESES.
FALO DOS CADÁVERES DE HERCULANO E POMPÉIA. FALO DE IMPERADORES E DE
JESUÍTAS, DE BANCÁRIOS E LIXEIROS. FALO DAS MENINAS ESFARRAPADAS DAS RUAS...
FALO DOS NARCOTIZADOS DAS AVENIDAS. FALO DE BRASILEIROS E DE AMERICANOS,
MAS NÃO FALO DO BEM NEM DO MAL. FALO DE IRLANDESES E DE INDIANOS, DOS
MESES E DAS HORAS... FALO DOS HOMENS, FALO DAS MENINAS EM PRIMAVERA, DE
MAMILOS E DE BOCAS ENTUMESCIDAS. FALO DA CARNE TENRA E CÁLIDA DA
INFÂNCIA.
FALO DESSE PROJETO DE VIDA, MINÚSCULA E FEMININA, SEMPRE À ALTURA DAS
PERNAS. FALO DE VERBOS E FALOS RETESADOS, QUE CIRCUNDAM OS MAIS PUROS E
SAGRADOS ESPAÇOS PEQUENINOS DO CORPO. FALO DE MULHERES NO FOGO DO
OUTONO.
NA MAIS OBSCURA POETICIDADE, FALO DO MUNDO.

Sobre o autor:
Jomard Muniz de Britto (Recife, 1937) é escritor, professor universitário e cineasta.

O MISTÉRIO DA MULHER ESTÁ EM CADA AFIRMAÇÃO OU ABSTINÊNCIA, NA MALÍCIA


DAS PLAUSÍVEIS REVELAÇÕES, NO SUBORNO DAS SILENCIOSAS PALAVRAS.

Sobre o autor:
Henriqueta Lisboa (1901-1985), foi uma poeta mineira considerada pela crítica um dos grandes nomes da
lírica modernista, dedicou-se à poesia, ensaios e traduções.

TENHO MEDO DAQUELA QUE NUNCA MENTIU. ELA PODE SER INDIFERENTE, SENDO FIEL.
O AMOR É QUASE SEMPRE ATRAIÇOADO DEMAIS PELA VIRTUDE. E A MULHER QUE
MENTE É SEMPRE MAIS BELA.

Sobre o autor:
Maurice Magre (1877 - 1941) foi um escritor, poeta e ensaísta francês. Era ocultista e seus principais
temas envolviam o amor, o esoterismo, a magia, a morte e a vida após a morte.

SE ALGUÉM LHE PEDIR UMA IDÉIA PARA MELHORAR O CONTEÚDO DA TELEVISÃO,


SUGIRA SHAKESPEARE. RESPONDERÃO QUE NÃO, QUE VOCÊ E SUA IDÉIA ESTÃO A
ANOS-LUZ DE DISTÂNCIA DA TELEVISÃO. MAS ISTO, NÃO É VERDADE. SHAKESPEARE
COMPREENDEU A NECESSIDADE DE ENVOLVER O PÚBLICO, ANTES DE QUALQUER
ESPECIALISTA DE MERCADO. SHAKESPEARE UTILIZAVA TODAS AS MANEIRAS E
ARTIFÍCIOS PARA ATRAIR E MANTER A AUDIÊNCIA: ASSASSINATOS, SEXO, DUELOS,
APOSTAS, SUICÍDIOS, FANTASMAS, BRUXAS, RAIOS, TROVÕES, MÚSICA, ROMANCES,
PALHAÇOS, FIGURINOS E... MISTÉRIO. ÊLE SABIA QUE A EXPERIÊNCIA EMOCIONAL É
FUNDAMENTAL EM UM BOM DRAMA. SHAKESPEARE JÁ FAZIA, HÁ MAIS DE 400 ANOS,
COM MAIS TALENTO, O QUE A TELEVISÃO FAZ HOJE.

Sobre o autor:
Ron Whittaker, Ph.D., é um escritor e pesquisador nas áreas de produção de televisão e comunicação de
massa. É autor de diversos livros e mais de 100 artigos.
SE O OLHO NÃO FOSSE ENSOLARADO NÃO PODERIA AVISTAR O SOL. NEM MAIS NADA!...
O ÓRGÃO PELO QUAL COMPREENDI O MUNDO É O OLHO!

Sobre o autor:
Goethe (1749-1832) foi um escritor alemão e pensador que também incursionou pelo campo da ciência.
Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo
europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX.

CUIDADO COM OS QUE DIZEM QUE A ARTE NÃO DEVE PROPAGAR IDÉIAS POLÍTICAS.
ELES SE REFEREM APENAS ÀS IDÉIAS POLÍTICAS CONTRÁRIAS ÀS SUAS.

Sobre o autor:
Jorge Luis Borges (1899 — 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino.

ESTOU LÚCIDO.
ESTOU VIVO COMO AS AVES EM MIGRAÇÃO.
COMEÇO POR AMAR A REALIDADE... NUNCA DECLINEI A VIDA.
MESMO QUE TUDO ESTEJA CONTAMINADO E SEM REVERSO, É A VIDA QUE NOS POVOA;
É A VIDA POR INTEIRO QUE NOS VIVE!

Sobre o autor:
António Teixeira e Castro

DEVAGAR, O TEMPO TRANSFORMA TUDO EM TEMPO. O ÓDIO TRANSFORMA-SE EM


TEMPO. O AMOR TRANSFORMA-SE EM TEMPO. A DOR TRANSFORMA-SE EM TEMPO. OS
ASSUNTOS QUE JULGAMOS MAIS PROFUNDOS, MAIS IMPOSSÍVEIS, MAIS PERMANENTES
E IMUTÁVEIS, TRANSFORMAM-SE DEVAGAR EM TEMPO. MAS, POR SI SÓ, O TEMPO NÃO
É NADA, A IDADE NÃO É NADA, A ETERNIDADE NÃO EXISTE.

Sobre o autor:
José Luís Peixoto é um escritor e dramaturgo português.

UM AUTOR ESCREVEU APENAS UMA PEÇA DE TEATRO, A SER ENCENADA UMA ÚNICA
VEZ, E NAQUELE QUE ERA, EM SUA OPINIÃO, O MELHOR TEATRO DO MUNDO, DIRIGIDA
PELO, TAMBÉM EM SUA OPINIÃO, MELHOR DIRETOR DO MUNDO E REPRESENTADA
APENAS PELOS MELHORES ATORES DO MUNDO.
ESSE AUTOR ACOMODOU-SE, AINDA ANTES DE ABERTAS AS CORTINAS DA NOITE DE
ESTRÉIA, NO LOCAL MAIS APROPRIADO DA GALERIA, INVISÍVEL AO PÚBLICO. LÁ, ELE
POSICIONOU SEU FUZIL AUTOMÁTICO E, ABERTAS AS CORTINAS, PÔS-SE A DISPARAR
UM TIRO MORTAL NA CABEÇA DE TODO ESPECTADOR QUE, EM SUA OPINIÃO, RISSE NO
MOMENTO ERRADO.
NO FINAL DO ESPETÁCULO, SÓ RESTAVAM NO TEATRO ESPECTADORES MORTOS.
DURANTE TODA A ENCENAÇÃO, OS ATORES E O ADMINISTRADOR DO TEATRO NÃO SE
DEIXARAM PERTURBAR UM SÓ INSTANTE PELO AUTOR OBSTINADO E SEUS TIROS.
Sobre o autor:
Niclaas Thomas Bernhard (1931 —  1989) foi um escritor  austríaco e é considerado um dos mais
importantes escritores germanófonos da segunda metade do século XX.

A MULHER PERDIGUEIRA SOFRE UM TERRÍVEL PRECONCEITO NO AMOR.


COMO SE FOSSE UM CRIME DESEJAR ALGUÉM COM TODA INTENSIDADE. ELA NÃO
DEVERIA CONFESSAR O QUE PENSA OU EXIGIR MAIS ROMANCE. TEM QUE SE
CONTROLAR, FINGIR QUE NÃO ESTÁ INCOMODADA, MENTIR QUE NÃO FICOU
MACHUCADA POR ALGUMA GROSSERIA, OMITIR QUE NÃO VIU A CANTADA DO SEU
PARCEIRO PARA OUTRA.
ELA É VISTA COMO UMA FIGURA PERIGOSA. NÃO PODE CRIAR SAUDADE DAS
BANALIDADES, EXTRAPOLAR A COTA DE TELEFONEMAS E PERGUNTAS. É CONDENADA
A SE DESCULPAR PELO EXCESSO DE CUIDADO. PEDIR PERDÃO PELO CIÚME, PELO
DESCONTROLE, PELA INSISTÊNCIA DE SUA BOCA.
EXIGE-SE QUE SEJA EDUCADA. ORA, SÓ O MORTO É EDUCADO.
O HOMEM INVENTOU DE DISCRIMINÁ-LA. EM NOME DO FUTEBOL. PARA HONRAR A
SAÍDA COM OS AMIGOS. PARA PROTEGER SUAS MANIAS. DIZ QUE NÃO QUER UMA
MULHER O PERSEGUINDO. QUE PROCURA UMA FIGURA SUBMISSA E CONTROLADA QUE
NÃO PEGUE NO SEU PÉ.

Sobre o autor:
Nascido em Caixias do Sul (RS), é filho dos poetas Carlos Nejar e Maria Carpi, adotou a junção de seus
sobrenomes em sua estréia poética, As solas do sol, de 1998. Em 2003 publicou, pela editora Companhia
das Letras, a antologia Caixa de sapatos, que lhe conferiu notoriedade nacional.

O MOMENTO EM QUE A CASCA DA LARANJA ESTÁ SENDO RETIRADA É A MORTE OU A


VIDA? SE O FUTURO DA LARANJA É SER BAGAÇO, SERIA O FUTURO FEITO DO NADA? 
APÓS O USO ÚNICO DO QUE ENCOBRE SUA CASCA, FICA A LARANJA PARTIDA OU
ESCULPIDA NO AR? SERIA SUA CASCA UM ESCALPO NUM MOMENTO DE DOR E
DESONRA?.. OU SERIA A LARANJA UM SIMPLES OBJETO EM SUA ÚLTIMA MORADA, QUE
É O CAOS DA LOUÇA SUJA?

Sobre o autor:
Doutorada em Letras pela Universidade Federal da Bahia (2002). Atualmente é professora adjunto da
Universidade Federal da Bahia e atua como professora colaborada no Programa de Pós Graduação em
Letras e Diversidade Cultural da UEFS.

CULTURA!... CULTURA É TUDO AQUILO QUE O HOMEM CRIOU PARA TORNAR A VIDA
VIVÍVEL E A MORTE DEFRONTÁVEL.

Sobre o autor:
Aimée Fernand David Césaire (1913-2008) foi um poeta, dramaturgo, ensaísta e político martiniquês.

O POETA INOCENTE É UM MITO, MAS UM MITO QUE FUNDA A POESIA. O POETA REAL
SABE QUE AS PALAVRAS E AS COISAS NÃO SÃO A MESMA COISA E POR ISSO, PARA
ESTABELECER UMA PRECÁRIA UNIDADE ENTRE O HOMEM E O MUNDO, NOMEIA COISAS
COM RITMOS, SÍMBOLOS E COMPARAÇÕES. AS PALAVRAS NÃO SÃO COISAS: SÃO AS
PONTES QUE ESTENDEMOS ENTRE ELAS E NÓS. O POETA É A CONSCIÊNCIA DAS
PALAVRAS, ISTO É A NOSTALGIA DA REALIDADE REAL DAS COISAS. É CERTO QUE AS
PALAVRAS TAMBÉM FORAM COISAS ANTES DE SER NOMES DE COISAS: NO MITO DO
POETA INOCENTE, ISTO É, ANTES DA LINGUAGEM.

Sobre o autor:
Octávio Paz Lozano (1914-1998) foi um poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, notabilizado,
principalmente, por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia moderna ou de vanguarda. Recebeu
o Nobel de Literatura de 1990.

EU NUNCA SEI QUANDO AS ESTÓRIAS ACABAM. POR ISSO SEMPRE FICO PRESO ENTRE
UMA E OUTRA, OU ENTRE NENHUMA E NENHUMA OUTRA; ENTRE UM RECOMEÇO SEM
FIM E UM FIM SEM TÉRMINO. TALVEZ POR SER MAIS ESPECTADOR OU COADJUVANTE,
DO QUE PROTAGONISTA DA MINHA VIDA, TENHA ESSA ENFERMIDADE DE NÃO DAR
CONTA DE QUANDO BAIXA O PANO. AS LUZES APAGAM, O PÚBLICO SAI, OS COLEGAS
LIMPAM A MAQUIAGEM E EU CONTINUO LÁ: COM A FALA NA CABEÇA, O TEXTO
DECORADO, AGUARDANDO A DEIXA. A DEIXA QUE  NUNCA VEM. SEMPRE TIVE MEDO
DAS COISAS E DAS PESSOAS. UM PAVOR E UMA FALTA DE FÉ. TALVEZ POR ISSO EU
TENHA CRIADO MINHA PRÓPRIA COMPANHIA TEATRAL, ONDE SOU DIRETOR; CONTRA-
REGRA; ATORES E PÚBLICO. ENCENO SÓ PARA MIM UMA TRAGICOMÉDIA. A REALIDADE
ME FAZ TÃO MAL E ME DEIXA TÃO FRACO QUE FICO, NO FUNDO DO PALCO, MUITAS
VEZES, A SUSSURRAR O TEXTO A MIM MESMO. ÀS VEZES NÃO OUÇO. QUASE SEMPRE
NÃO OUÇO, PORQUE SUSSURRO BAIXO E MINHA VOZ É TRÊMULA... O PÚBLICO NÃO
ENTENDE A PEÇA, LOGO, NÃO APLAUDE. EU, FURIOSO, DEMITO A TODOS: AO AUTOR; AO
DIRETOR; AOS ATORES... EXPULSO O PÚBLICO DO TEATRO E ATEIO FOGO A TUDO. E ALI
DENTRO FICO EU, JUNTO ÀS CORTINAS E AOS HOLOFOTES, INCANDESCENTES;
QUEIMANDO, QUEIMANDO, UEIMANDO...

Sobre o autor:
Alejandro da Costa Carriles é um escritor carioca que reside na cidade de Petrópolis.
NÃO BASTA FUGIR. É PRECISO FUGIR NO BOM SENTIDO. FUGIR DO TÉDIO, DA FOME, DA
GUERRA!... NÃO SE DEVE FUGIR EXCENTRICAMENTE. É PRECISO FUGIR
CONCENTRICAMENTE. FUGIR O MUNDO, PARA PODER REINVENTÁ-LO UM DIA. QUEM
SABE, MAIOR, MAIS VERDADEIRO, MAIS ESSENCIAL, MAIS JUSTO.

Sobre o autor:
Charles Ferdinand Ramuz (1878-1947) foi um romancista suíço de "expressão francesa". A importância
de sua obra, que "torce o pescoço da sintaxe", é fazer da língua a ferramenta obediente que melhor
servirá a vontade do artista. Volumes, cores e movimento dão um caráter pictórico e cinematográfico em
suas obras.

ODE AOS HERDEIROS POLÍTICOS. GANHAM AOS CATORZE ANOS A PRIMEIRA GRAVATA,
COM AS CORES DO PARTIDO QUE MELHOR OS ILUDE. AOS QUINZE, SEGUEM A
CARAVANA. APLAUDEM CONFORME O CENHO DAS CHEFIAS. SÃO OS CHAMADOS ANOS
DE FORMAÇÃO. AÍ APRENDEM A COMPOR O GESTO, A INTERPRETAR HUMORES, A
MENTIR HONESTAMENTE. APRENDEM A LEVEZA DAS PALAVRAS, A ESCOLHER O VINHO,
A ESPUMAR DE SORRISO NOS DENTES. APRENDEM O SIM E O NÃO MAIS OPORTUNOS.
AOS VINTE ANOS, JÁ CONHECEM PELO CHEIRO O CARISMA DE UNS, A MENOS-VALIA DE
OUTROS, ENQUANTO PROSSEGUEM VAGOS ESTUDOS DE DIREITO OU ECONOMIA. ESTÃO
DE OLHO NOS PRIMEIROS CARGOS; É PRECISO MINAR, DESMINAR, INTRIGAR, REUNIR.
SÓ OS PIORES CONSEGUEM ULTRAPASSAR ESSA FASE. HÁ ENTÃO OS QUE VÃO PARA OS
MUNICÍPIOS, OS QUE PREFEREM OS ORGANISMOS PÚBLICOS. TUDO DEPENDE DE UM
GOLPE DE VISTA OU DOS PATROCÍNIOS À DISPOSIÇÃO. É BEM O MOMENTO DE
INTEGRAR AS LISTAS DE ELEGÍVEIS, PONDO SEMPRE A BAIXEZA ACIMA DE TUDO. A
PARTIR DO PARLAMENTO, TUDO PODE ACONTECER: DIRETOR DE EMPRESA PÚBLICA,
COORDENADOR DE CAMPANHA, ASSESSOR DE MINISTRO, MINISTRO, DIRETOR
EXECUTIVO, PRESIDENTE DA CAIXA, EMBAIXADOR NA PQP!... MAIS À FRENTE, PARA
COROAR A CARREIRA, O GOLDEN-SHARE DE UMA CADEIRA AO PÔR-DO-SOL. NO FINAL,
PARA OS MAIS OBSTINADOS, PODE HAVER NOME DE RUA (COM OU SEM ESTÁTUAS),
FLORES DE PANEGÍRICO, FANFARRAS E... FORMOL!

Sobre o autor:
O poeta português José Miguel Silva nasceu em maio de 1969, em Vila Nova de Gaia, no distrito do
Porto. Publicou os seguintes livros de poesia:  O Sino de Areia (Gilgamesh, 1999), Ulisses Já Não Mora
aqui (&etc, 2002),  Vista Para um Pátio Seguido de Desordem (Relógio D’Água, 2003), 24 de Março
(2004) e Movimentos no Escuro (Relógio D’Água, 2005).

A VIDA BATE COMO UM RELÓGIO. UM ARFAR DE VENTO NO CAPIM. É FOME QUE RÓI AS
ENTRANHAS, FACHO QUE ILUMINA OS OLHOS, PERCORRE O CORPO EM INCÊNDIO E
QUEIMA OS LÁBIOS DE PAIXÃO. UM CHEIRO DE CARNE, DE VINHO, DE FRUTA RECÉM-
TIRADA DO PÉ. A VIDA RECENDE VIOLENTA, POR QUE NÃO ABOCANHÁ-LA INTEIRA,
CRUEL, VERMELHA, SUCULENTA, ESCORRENDO SANGUE PELOS DENTES?

Sobre o autor:
Raquel Naveira nasceu em Campo Grande, sul de Mato Grosso, em 1957. É poetisa, ensaísta e membro
da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. Publicou inúmeros livros de poemas, dentre eles: Abadia
(Editora Imago) e Casa de Tecla (Escrituras Editora), ambos indicados para o Prêmio Jabuti, da Câmara
Brasileira do Livro.

Não há nada mais fútil, mais falso, mais vão, nada mais necessário que o teatro.

Sobre o autor:
Louis Jouvet (1887-1951) , encenador francês de grande renome, ator de cinema e teatro. Como diretor
teatral, exerceu uma enorme influência no teatro francês.

Agora que a mansão está concluída,


os trabalhadores começam a grade.
São barras de ferro com pontas de aço
capazes de tirar a vida a quem se arrisque sobre elas.
Uma obra prima que impedirá a entrada de famintos, crianças de rua e vagabundos.
Vagabundos de toda espécie.
Entre as barras e sobre as pontas de aço
nada passará exceto
a chuva, a morte e o dia de amanhã.

Sobre o autor:
Carl August Sandburg (1878 – 1967), foi poeta, historiador, novelista e folclorista. Nasceu nos EUA e
tornou-se conhecido por suas poesias e sua biografia de Abraham Lincoln, pelas quais recebeu o Prêmio
Pulitzer.

Delicado é aquele para quem a pátria é doce. Bravo, aquele para quem a pátria é tudo. Mas perfeito é
aquele para quem o mundo inteiro é exílio.

Sobre o autor:
Hugo de São Vitor (1096 - 1141) foi um filósofo, teólogo e autor místico da Idade Média. Pouco se sabe
da vida desse professor medieval além do fato de que nasceu na Saxônia, no Sacro Império Romano-
Germânico, e foi um importante professor da escola da abadia de São Vitor, em Paris.

Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho


Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.

Sobre o autor:
Murilo Mendes (1901-1975) foi um poeta expoente do Surrealismo brasileiro. Iniciou-se na literatura
escrevendo em revistas modernistas Os livros Poemas (1930), História do Brasil (1932) e Bumba-Meu-
Poeta, escrito em 1930 são claramente modernistas, revelando uma visão humorística da realidade
brasileira.

Se o olho não fosse ensolarado não poderia avistar o sol. Nem mais nada!... O órgão pelo qual
compreendi o mundo é o olho!

Sobre o autor:
Goethe (1749-1832) foi um escritor alemão e pensador que também incursionou pelo campo da ciência.
Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo
europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX.

O que não é
É difícil de enquadrar Provocações na tipologia sedimentada pela TV.
Trata-se de um talk-show? Evidentemente não.
De um sofá edulcorado, em que se conversam banalidades? Também não. De uma revista cultural,
seguindo estereótipos? De modo algum.
Seria então uma colagem multifacetada unindo o vulgar ao sublime? NÃO.
 
O que se propõe a ser
Provocações, em verdade, refoge a rótulos e classificações.
Quer interagir com o potencial de análise e reflexão do telespectador.
Quer desmontar o esquema estratificado de lugares-comuns.
Quer enveredar por temas insólitos.
Sem prejuízos, sem preconceitos.
Inteligentemente.

Contra o que é contra?


Agride muito mais que agrada, quando se tem em conta a mentalidade plasmada pela indústria cultural e
pela vulgarização do conhecimento.
E tira o espectador de sua passividade ruminante de só digerir o que já vem pronto no prato... e com
molho de sabor neutro.
É um programa contra a certeza que apazigua consciência.
É um programa contra a arrogância dos monopolizadores de perguntas e de respostas.
Contra a tirania do bom senso.
Contra a orgulhosa suficiência dos bem-pensantes.
Contra os PHDs da mediocridade.

E a favor?
Mixagem caleidoscópica e fragmentação mosaicada.
Provocações joga com poesias, textos literários, paradoxos, aforismos e desaforismos, mínimas e
máximas do pensamento universal.
Tudo enformado pelo talento multi-disciplinador de Antonio Abujamra, este demolidor do convencional,
este anárquico iconolasta, esta mistura enfática de Jonathan Swift e de Voltaire, de Baudelaire e de
Rimbaud, de Pessoa e de Sartre.
Reverter a aparência do mundo.
Vislumbrar facetas de uma outra realidade.
Mergulhar em verdades subjacentes.
Escavar (e rir) da alma humana.
Colocar o comportamento social sob novos parâmetros.
Reinventar a vulgaridade.
Descobrir a riqueza dos monturos.
Mostrar ambivalências.
Desmentir axiomas.

Sinceramente seu
Essa a proposta – única, singular e corajosa – de Provocações.
Mas também, consequência natural, de causar a ira odiosa e a malsinação do establishment intelectual,
dos Acácios, dos Homais e dos La Palisse de hoje, tecnocratas de lugar-comum e cuja expressão típica é o
“cientista político”, esse profeta de abobrinhas...
Muito mais que exorcisar seus demônios e satanizar sua beatitudes Antonio Abujamra tenta realizar os
ideais do Barco Ébrio.
 

         “Indiferente às minhas equipagens...


         ... pelos rios segui, liberto desta vez”

Sem lastro pesado das ideias sediças e, principalmente, sem âncoras.

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não
entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender,
do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser
inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse
manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Sobre a autora:
Clarice Lispector,  (1920 — 1977) escritora, nascida na Ucrânia. Autora de linha introspectiva, buscava
exprimir, através de seus textos, as agruras e antinomias do ser. Suas obras caracterizam-se pela
exacerbação do momento interior e intensa ruptura com o enredo factual, a ponto de a própria
subjetividade entrar em crise.

A pessoa certa atravessa


a rua com seu terno branco
gravata de seda italiana.
A pessoa certa
executiva de si mesma
atravessa a praça
com sapatos pretos
meias de náilon norte-americanas.
A pessoa certa entra no prédio
recolhe dinheiro
cola na pasta
pega o elevador.
A pessoa certa
atravessa o hall
chega à porta giratória.
A pessoa certa
põe o pé na calçada
e cai fulminada
sem saber por quê.

Sobre o autor:
Poeta e jornalista paulistano, nascido em 1942, Álvaro Alves de Faria publicou seu primeiro livro,
Noturno Maior, em 1963.

Tudo mudou. Homens, coisas e animais mudaram de lã ou de pele. As palavras já não são as mesmas do
tempo em que estudávamos gramática com os olhos míopes das professoras. Nádegas e pernas das
mestras – objeto direto do nosso desejo – ofuscavam o interesse pela didática. Olho o mundo de todos os
ângulos possíveis e tudo me parece oblíquo. É a civilização globalizada, a cultura de massa, a sagração do
factóide, a fragmentação dos idiomas. Corta-se a palavra em frações microscópicas. A vida, o amor, a
morte, a realidade:
tudo agora virou fast food.

Sobre o autor:
Cearense, Francisco Carvalho nasceu em 1927 em São Bernardo das Russas, interior do Ceará. Poeta e
ensaísta, é conhecido por seu valor literário e reverenciado pelos mais diversos críticos do país.

O mistério da mulher está em cada afirmação ou abstinência, na malícia das plausíveis revelações, no
suborno das silenciosas palavras.

Sobre o autor:
Henriqueta Lisboa (1901-1985) nasceu na cidade mineira de Lambari. Publicou vários ensaios e poesias;
também foi a primeira mulher eleita membro da Academia Mineira de Letras.

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho
questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim
louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e
agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas
injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero
também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim:
metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a
fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade
velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham
pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e
velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Sobre o autor:
Escritor irlandês, nasceu em 16 de outubro de 1854 na cidade de Dublin. Wilde escreveu para todos as
formas de expressão em palavras, embora tenha sido menos conhecido em algumas delas. Em seu único
romance, O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde trata da arte, da vaidade e das manipulações humanas e
é considerado por muitos de seus leitores, como a sua maior obra-prima.

Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais
respeito às que vivem de barriga no chão, tipo água, pedra, sapo. Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a
velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui
aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do
que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios: amo os restos, como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse
um formato de canto. Porque eu não sou da informática: sou da invencionática... Só uso a palavra para
compor meus silêncios.

Sobre o autor:
Manoel de Barros nasceu em Cuiabá no dia 19 de dezembro de 1916. Publicou seu primeiro livro
em 1937, intitulado como "Poemas concebidos sem pecado". Sua poesia tem como temática o Pantanal,
representado através de sua natureza e do cotidiano adquirido pelas experiências pantaneiras e leituras de
filósofos e artistas plásticos.

Você sabe tão bem quanto eu que uma das principais causas do tédio é a estreiteza de nosso destino.
Todas as manhãs despertamos iguais ao que éramos na véspera.
Ser eternamente o mesmo é insuportável para os espíritos refinados pela reflexão.
Sair do próprio eu é um dos sonhos mais inteligentes que um homem pode ter.

Sobre o autor:
Julien Green (1900 - 1998), de nome Julian Hartridge Green, escritor norte-americano de expressão
francesa, escreveu livros religiosos de orientação católica.Toda sua obra, que foi marcada tanto pela sua
homossexualidade como pela sua fé católica, é dominada pela questão da fé, do bem e do mal, e da
sexualidade.

Todo o meu esforço canalizo para a vida. Não para o equilíbrio, não para as certezas. Sigo suportando nas
costas todo o peso da desesperança, pois que a esperança, é ridículo, dramático, que a humanidade ainda
precise dela.
Esperança em quê? Em remédios que curem?... Em poemas que se dão de mão em mão? E as cartas sem
resposta? E os becos sem saída? E a nova hipocrisia?
E o deus-dinheiro que nos espreita a cada esquina?... E a áfrica? E a américa latina?...
E todas essas universidades e tantos analfabetos?...
Toda gente sabe a extensão da verdade: surpreendendo a paisagem esfomeada, o gatilho já não precisa do
dedo de ninguém.

Sobre o autor:
Artur Manuel do Cruzeiro Seixas nasceu em Lisboa em 1920. É pintor, escultor, ilustrador e poeta.
Estudou na Escola Profissional de Arte António Arroio. Depois de um curto período expressionista-neo-
realista, ligou-se definitivamente ao surrealismo.

Quando escrevo, eu repito o que já vivi antes


E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente
Em outras palavras, eu gostaria de ser um crodcodilo vivendo do rio São Francisco
Eu gostaria de ser um crocodilo porque eu amo os grandes rios
Pois são profundos como a alma de um homem
Na superfície, são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos, escuros como o sofrimento
dos homens

Sobre o autor:
Em 1967, João Guimarães Rosa seria indicado para o prêmio Nobel de Literatura. A indicação, iniciativa
dos seus editores alemães, franceses e italianos, foi barrada pela morte do escritor. A obra do brasileiro
havia alcançado esferas talvez até hoje desconhecidas. Quando morreu, em 19 de novembro de 1967,
Guimarães Rosa tinha 59 anos. Tinha-se dedicado à medicina, à diplomacia, e, fundamentalmente às suas
crenças, descritas em sua obra literária. Fenômeno da literatura brasileira, Rosa começou a escrever aos
38 anos. Depois desse volume, escreveria apenas outros quatro livros. Realização, no entanto, que o levou
à glória, como poucos escritores nacionais. Guimarães Rosa, com seus experimentos linguísticos, sua
técnica, seu mundo ficcional, renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminhos até então inéditos.
Sua obra se impôs não apenas no Brasil, mas alcançou o mundo.
Eu queria ser mulher para poder me estender ao lado dos meus amigos nos cafés
Eu queria ser mulher para poder passar pó de arroz pelo meu rosto, diante de todos nos cafés
Eu queria ser mulher para não ter que pensar na vida e conhecer muitos velhos a quem eu pedisse
dinheiro
Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro falando de modas, fazendo fofocas,  muito entretida
Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios, aguçá-los ao espelho antes de me deitar
Eu queria ser mulher para que me fossem bem todos esses enleios
Esses enleios que no homem, francamente, não se podem desculpar
Eu queria ser mulher para ter muitos amantes e enganá-los a todos, mesmo o predileto
Como eu gostaria de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto, o mai bonito, enganá-lo com um rapaz
gordo, feio, de modos extravagantes
Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse
Eu queria ser mulher para poder me recusar

Sobre o autor:
Mário de Sá-Carneiro foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do
Modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.

Essas coisas, quando caem no sangue, diluem consigo mesmas todos os tremores cardíacos. Essas coisas,
nem tão completamente coisas, são corações e corpos, pequenas porções de um universo onde se enterram
juntos o desejo e a teatralidade, álibis humanos de uma vida vagamente míope. Essas coisas, nem tão
completamente coisas, são como silêncios e palavras: um eclipsa o outro.

Sobre o autor:
Maurício Monteiro é mestre e doutor em musicologia histórica pela Universidade de São Paulo (USP).
Atua como entrevistador, comentarista, apresentador, diretor e produtor da Rádio Cultura FM. É autor de
vários artigos sobre música, história e comunicação.

Um dramaturgo foi convocado ao tribunal por um espectador ofendido, que o acusava de manter no palco
não atores, mas idiotas apresentando-se a um público desorientado. O dramaturgo declarou ao juiz que
seu sucesso sempre fôra estrondoso apenas porque, ao contrário de seus colegas mal sucedidos, era
honesto o bastante para apresentar suas comédias como tragédias e suas tragédias como comédias, sempre
com a certeza do sucesso, e que o espectador se sentira ofendido porque era tão obtuso quanto milhões de
outros espectadores no mundo todo. O juiz absolveu o dramaturgo, porque ele – juiz – odiava o teatro e
tudo o que tinha a ver com ele. Ao deixar o tribunal, o dramaturgo disse que compartilhava desse
sentimento.

Sobre o autor:
Nicolaas Thomas Bernhard nasceu em 9 de Fevereiro de 1931 na Áustria. É autor de nove romances,
muitas novelas e 18 peças de teatro. Sua obra é mais influenciada pelo sentimento de ser abandonado (em
sua infância e juventude) e por ter uma doença incurável.

Os que tentam corrigir os males da nossa época com ideias que estão na moda – só porque estão na moda
– corrigem a aparência viciada das coisas, mas não o fundo delas, que piora sempre.

Sobre o autor:
Michel Eyquem de Montaigne foi um filósofo francês que viveu entre 1533 e 1592 na França e era um
pessimista em relação à sociedade da sua época.

O valentão brigou com o chefe político


e então todo mundo se lembrou que ele era criminoso.
E veio ordem da Capital para prendê-lo.
Os soldados se prepararam foram 30 jagunços para acompanhá-los.
O escrivão lavrou de véspera o auto de resistência à prisão.
Mas o bandido não resistiu abobado diante dos soldados da Capital.
e entregou-se docilmente.
Mas o chefe disse que era preciso matá-lo
pois o auto já estava lavrado e assinado.
Era impossível voltar atrás.
Sobre o autor:
Ascânio Lopes nasceu na cidade de Ubá (MG) em 1906. Em 1925 foi para Belo Horizonte, onde estudou
Direito. Morreu em 1929, aos 22 anos, o que decretou o fim da revista Verde.

Se todos os rios são doces, de onde o mar tira o sal?


Como sabem as estações do ano que devem trocar de camisa?
Por que são tão lentas no inverno e tão agitadas depois?
E como as raízes sabem que devem alçar-se até a luz e saudar o ar com tantas flores e cores?
É sempre a mesma primavera que repete seu papel?
E o outono?... ele chega legalmente ou é uma estação clandestina?

Sobre o autor:
O poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), foi um dos mais importantes poetas da língua castelhana do
século XX, e cônsul do Chile na Espanha e no México. Publicou seus primeiros poemas no periódico
regional, A Manhã, na cidade de Temuco.

Ó infelizes mortais, ó terra deplorável


Ó ajuntamento assustador de seres humanos! Eterna diversão de inúteis dores! Filósofos alienados que
proclamam:“tudo vai bem”. Venham contemplar essas ruínas horrendas
esses destroços, esses farrapos, essas cinzas malditas, essas mulheres e essas crianças amontoadas sob
mármores partidos, seus membros espalhados;
Cem mil desafortunados que a terra devora, que sangrando, dilacerados, e ainda palpitando enterrados sob
seus tetos, sucumbem sem socorro, no horror de tormentas findando seus dias!
Diante dos gritos de suas vozes moribundas, do horror de suas cinzas ainda crepitantes, vocês dirão ;” é a
conseqüência de leis eternas que um Deus livre e bom resolveu aplicar?!”
Vocês dirão, vendo esse amontoado de vítimas: “Deus vingou-se,e a morte deles é o preço de seus
crimes?!”
Que crime, que falta cometeram essas crianças esmagadas e sangrentas sobre o seio materno? Lisboa, que
não mais existe, teria mais vícios que Londres, que Paris, submersas em delícias?
Lisboa está destruída e dança-se em Paris.
espectadores tranqüilos , intrépidos espíritos, contemplando a desgraça desses moribundos, vocês
procuram – em paz – as causas do desastre:
mas quando sentem os golpes dos fados inimigos, tornam-se mais humanos e choram como nós. creiam-
me: quando a terra abre seus abismos, meu lamento é inocência e meu grito é verdade sempre cercados
pelas crueldades do acaso,
pelo furor dos malvados, pelas armadilhas da morte experimentado o abalo de todos elementos,
companheiros de nossos males, permitam lastimá-los.
É o orgulho, dizem vocês, o orgulho sedicioso, que almeja que indo mal, nós possamos ser melhores. Vão
interrogar as margens do tejo;
Escavem nos destroços dessa ruína sangrenta;
Perguntem aos moribundos nesse átimo de espanto se é o orgulho que grita “ Ó céu, socorre-me! Ó céu,
tenha piedade da miséria humana!”
“Tudo vai bem – dizem vocês – e tudo é necessário”
Por acaso o universo, sem esse abismo, infernal, sem submergir Lisboa, estava sendo pior?

Sobre o autor:
Voltaire foi um escritor, ensaísta, deísta e filósofo iluminista francês conhecido pela sua perspicácia e
espirituosidade na defesa das liberdades civis, inclusive liberdade religiosa e livre comércio.

No final da tarde, o poeta


Fecha as janelas, cerra
imaginadas cortinas,
encolhe suavemente as asas
e encara o mundo nas brancas quatro paredes. O tempo passeia finas unhas no final da tarde. O poeta
mastiga o dia,
gosto neutro de sua boca que escorreu lerdo, morno, entre dedos inábeis e leves pancadas de chuva. No
final da tarde, uma sombra se abaixa sobre as palavras. Sob as palavras, um abismo. E há ouro no céu de
crepúsculo, há um besouro que agoniza na calçada, e ventos vindos do oeste.

Sobre o autor:
Eunice Arruda nasceu em Santa Rita do Passa Quatro - SP em 1939. É Pós-graduada em Comunicação e
Semiótica pela PUC-SP, foi premiada no Concurso de Poesia Pablo Neruda, organizado pela Casa
Latinoamericana em Buenos Aires, Argentina, 1974.

Feliz aniversário, Paulicéia!


Do Pátio do Colégio ao infinito,
o imenso não é feio nem bonito:
darás de megalópole uma idéia?

Tens cara de africana ou de européia?


Tens árvore de figo ou de palmito?
Tens catedral de taipa ou de granito?
Tens flor? É rosa, hortênsia ou azaléia?

Te tornas, ano a ano, mais mudada:


quem chega não se encontra com quem parte;
a rua não se avista da sacada.

Poetas não têm jeito de saudar-te;


tu, pois, que cantes, antes de mais nada,
que és obra, em fundo e forma, in progress: arte!

Sobre o autor:
Glauco Mattoso nasceu em São Paulo, no ano de 1951. Ganha o Prêmio Jabuti, junto com Jorge
Schwartz, fazendo a tradução da obra de Jorge Luís Borges, Fervor de Buenos Aires. Tem uma vasta obra
com mais de 20 livros publicados.

Sobre o super-homem:
Voar pelos céus do mundo acudindo os tolos e os desastrados; demover o elefante de pisar o passarinho,
convencer a violência a respeitar as passarelas; salvar o imprudente do bico da águia, ir ao bolso dos fora-
da-lei retirar o indevido; num só gesto, aparar os golpes todos, desviá-los para a rocha, para o aço, para o
chão. Chegar sempre a tempo de evitar a calúnia e a extorsão. Impedir que os pobres maus levam uma
coça dos pobres ainda piores.
Quem nunca desejou tal emprego, mesmo mal pago, sem contrato?... Quem nunca ambicionou, siquer por
uma hora, encarnar esse quixote voador, muito mais de acordo com a nossa completa mediocridade?

Sobre o autor:
José Miguel Silva nasceu em 1969, em Vila Nova do Gaia, no distrito do Porto. Atualmente vive em
Lisboa. Movimentos no Escuro, 24 de Março, O sino de areia, são alguns de seus livros.

Uma linguagem que corte o fôlego. Rasante, talhante, cortante. Essa deve ser a linguagem do poeta.
Linguagem de aços exatos, de relâmpagos afiados, de agudos incansáveis, de navalhas reluzentes.
Uma dentadura que triture o eu-tu-ele-nós-vós-eles.
Um vento de punhais que desonre as famílias, os templos, as bibliotecas, os cárceres, os bordéis, os
colégios, os manicômios, as fábricas, as academias, os cartórios, as delegacias, os bancos, as amizades, as
tabernas, a revolução, a caridade, a justiça, as crenças, os erros, a esperança, as verdades... a verdade!

Sobre o autor:
Octavio Paz nasceu e morreu na Cidade do México (1914 - 1998). Foi encorajado por Pablo Neruda para
se dedicar à poesia. Foi escritor, poeta, diplomata e jornalista.

Num meio-dia de fim de Primavera


Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte


Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo a roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir


E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu


E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.


Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.


Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina


É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo


Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte ...

Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888 - 1935).
A versão na íntegra deste trecho pode ser encontrada nas obras completas de Alberto Caieiro - cap. VIII
ou na sua "Antologia Poética" (Lisboa : R.B.A. Editores, 1994, p.124-129).

Eu queria ser mulher pra me poder estender


Ao lado dos meus amigos, nos cafés
Eu queria ser mulher para poder estender
pó de arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos cafés
Eu queria ser mulher pra não ter que pensar na vida
e conhecer muitos velhos a quem eu pedisse dinheiro
Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro
falando de modas,fazendo fofocas, muito entretida
Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios, aguçá-los ao espelho antes de me deitar
Eu queria ser mulher pra que me fossem bem todos estes enleios
Que num homem, francamente, não se podem desculpar
Eu queria ser mulher para ter muitos amantes
e enganá-los, a todos, mesmo ao predileto
Como eu gostaria de enganar o meu amante loiro, o mais
esbelto, o mais bonito com um rapaz gordo e feio, de modos extravagantes
Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse,
Eu queria ser mulher pra me poder recusar...

Sobre o autor:
Mário de Sá-Caneiro foi um poeta português, considerado um dos grandes nomes do modernismo de
Portugal. A infância e a adolescência do poeta foram marcadas pela solidão e angústia. Sá-Carneiro
começou a escrever poesia em 1902. Em suas obras mesclou as frustrações e os pesadelos do seu país, no
início do século XX.
Tinha como características de personalidade: o desequilíbrio, a sensabilidade e o egocentrismo. Pode se
dizer que sua vida influenciou seus versos, nos quais ele expôs as inquietudes da alma.
Sá-Carneiro, juntamente com Fernando Pessoa, editou a polêmica revista  Orpheu, considerada um marco
da história da literatura portuguesa.

Os burocratas te advertem que a aurora foi abolida


por tempo indeterminado.
Comunicam que o trigo e o vento
serão exportados para o arco-íris.
Aconselham-te a esquecer
o corpo ensangüentado dos acontecimentos.
Eles te ensinam que o orvalho não cai
sobre aqueles que semeiam dúvidas.
Mandam esvaziar tuas palavras
de toda a possível reminiscência.
Burocratas te fiscalizam do alto dos edifícios em algum dragão lunar.
Eles te dão um ataúde azul
e te ordenam que é tempo de morrer.

Sobre o autor:
Francisco Carvalho nasceu em São Bernardo das Russas, interior do Ceará, em 1927. Tem uma
importante e vasta obra, que lhe rendeu prêmios e uma intensa vida intelectual. Em 2004, o cantor e
compositor cearense Raimundo Fagner lançou um disco intitulado "Donos do Brasil", com poemas de
Francisco Carvalho.

Explicam cientificamente as decisões de um planeta, esquecem-se acontecimentos mínimos.


Só há livros sobre reis e invasões, enormes discursos, nem uma única página sobre as palavras bom-dia.
Ninguém conhece um fato por dentro, como se conhece um objeto de consumo.
Não sabe que quem vem do nascimento vai para a morte, dois lugares fixos, cuja distância entre eles
depende do acaso, raramente da decisão do homem triste que se suicida.

Sobre o autor: 
Gonçalo M.Tavares, nasceu em Angola, Luanda, no ano de 1970. Publicou sua primeira obra em 2001.
Escreveu o romance "Jerusalém" que entrou na lista da edição europeia do guia "1001 livros para ler
antes de morrer".
Tavares já ganhou importantes prêmios, e seus livros originaram vídeos de arte, peças teatrais, entre
outros.

O que vocês esperavam que acontecesse quando tiraram a mordaça que tapava essas bocas negras?
Esperavam que elas lhes lançassem louvores? E essas cabeças que seus avós e seus pais haviam dobrado
à força até o chão?
O que esperavam? Que se reerguessem com adoração nos olhos?
Ei-los em pé. Homens que nos olham. Ei-los em pé. Faço votos para que vocês sintam como eu a
comoção de ser visto.
Hoje, esses homens pretos nos miram e nosso olhar reentra em nossos olhos. Tochas negras iluminam o
mundo e nossas cabeças brancas não passam de pequenas luminárias balançadas pelo vento.

Sobre o autor:
Jean-Paul Sartre (1905-1980), francês, iniciou na literatura clássica desde cedo. Fez seus estudos
secundários em Paris, no Lycée Henri IV. Despertou seu interesse pela Filosofia, influenciado pela obra
de Henry Bergson. Era um artista militante, e apoiou causas políticas de esquerda com a sua vida e a sua
obra.

Morreu ontem a mãe da Barbie,


a boneca adolescente. A filha
que nunca será órfã, pequeno duende
de sutiã 38 e de 33 polegadas
de altura
Morreu a mãe da Barbie, que jamais
a viu padecer de uma gravidez adolescente, nem desgosto, nem fome
Morreu a mãe da Barbie, que vai
a todas as festas  de gala e enegreceu
há uns anos, qual Naomi Campbell, para
ser consumida pela boa
consciência racial do Ocidente
Morreu a mãe da Barbie, morreu cedo demais
para inventar uma Barbie de burka,
ou com explosivos escondidos no cinto

Sobre o autor:
É uma poeta portuguesa. É licenciada em Línguas e Literaturas modernas pela Faculdade de Letras da
Universidade de Porto. Inês já escreveu diversos livros de poesia, sendo "Cicatriz 100%" um dos mais
famosos. Seus poemas já foram publicados em vários jornais e revistas de Portugal.

Um autor escreveu apenas uma peça de teatro, a ser encenada uma única vez, e naquele que, era em sua
opinião, o melhor teatro do mundo, dirigida pelo, também em sua opinião, o melhor diretor do mundo e
representada apenas pelos melhores atores do mundo. Esse autor acomodou-se, antes ainda de abertas as
cortinas da noite de estreia, no local mais apropriado da galeria, invisível ao público, lá ele posicionou seu
fuzil automático e, abertas as cortinas, pôs-se a disparar um tiro mortal na cabeça de todo espectador que,
em sua opinião, risse no momento errado. No final da apresentação, só restavam no teatro espectares
mortos. Durante toda a encenação, os atores e o administrador do teatro não se deixaram perturbar um só
instante pelo autor obstinado e seus tiros.

Sobre o autor:
Niclaas Thomas Bernhard foi um escritor austríaco que escreveu uma obra renomada e considerável que
inclui novelas, obras teatrais, autobiográficos, entre outros. É considerado um dos maiores escritores do
século XX.

E se nada acontecer?
Se os rostos deformados e os sentidos mendigos, os olhos famintos e as mãos que interrogam, a carne que
sangra e afoga os desejos;
se tudo isso se transformar em cinza e ausência e a dúvida acenar ainda?
E se o silêncio pesar sobre o grito de angústia, se a esfinge recolher seu sorriso transfigurado, se todos os
sonhos forem abortados... e se nada acontecer? E se tudo isso não tiver a menor importância?

Sobre o autor:
Antônio Pinto de Medeiros Filho nasceu em Manaus e morou no Rio Grande do Norte. Formou-se em
Direito, mas não exerceu a profissão, pois tinha vocação a literatura.

Eu cheguei ao limite de minhas capacidades intelectuais


Eu percebo que poderei perdê-las a qualquer momento
Além disso, eu perdi muita gente querida, amigos e parentes
Eu, que tive uma atividade de reflexão, estudo e ensino, rodeado de pessoas que amava, eu me vejo cada
vez mais solitário
Quando vivemos uma crise assim, a sabedoria vai embora e perdemos o rumo de nossas reflexões
De que valeram os 31 livros que eu publiquei. O que  sobra de tudo que a gente aprendeu no momento
limite. Eu sai a procura de um tipo de sabedoria que me ajudasse a suportar a velhice. Compreendê-la
com serenidade
Eu só encontro consolo quando eu recito baixinho, para mim mesmo, os poemas que sei de cor
A repetição é uma forma arcáica de conhecimento, mas é eficaz, quando se vive num momento de
domínio da tecnologia e do consumismo
É repetindo esses poemas que eu aprendo coisas importantes sobre mim próprio

Sobre o autor: 
Harold Bloom é um professor e crítico literário americano. Bloom é defensor da literatura formalista,
contrariando visões marxistas e historicistas.
O professor sempre foi defensor dos poetas românticos do século XX, e também aficcionado pela obra de
William Shakespeare. Harold Bloom leciona na Yale University.

Eu não sei que caos é esse a que se refere os nossos articulistas, políticos, e que se segundo eles agora se
aproxima. Engano, há muito estão nele. O Brasil é um prodigioso produto do caos. Uma rosa parda de
insolvência e confusão. A verdade é que já nos acostumamos com isso. Não dói.
Não dói mais, como certas doenças malignas.

Sobre o autor:
Lúcio Cardoso foi um jornalista, escritor, dramaturgo e poeta brasileiro. É considerado um dos expoentes 
da literatura brasileira da década de 30. Em 1962 sofreu um derrame cerebral e deixou de escrever, e
começou a pintar. Lúcio recebeu postumamente o prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra.

Nada é impossível mudar


Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.

Sobre o autor:
Bertolt Brecht (1898-1956), nascido em Augsburgo. Escritor e dramaturgo alemão, além de grande
teórico teatral. Desde menino escrevia poesias de forte conteúdo social. Foi perseguido pelos nazistas
pelo seu comunismo militante.

O Brasil cresceu visivelmente nos últimos 80 anos


Cresceu mal, porém
Cresceu como um boi mantido
Desde bezerro dentro de uma jaula de ferro
A nossa jaula são as estruturas sociais medíocres
Inscritas nas leis
Para compor um País da pobreza na província mais bela da Terra
Sendo assim, do Brasil do futuro
A maioria da gente nascerá e viverá nas ruas
Em fome canina e ignorância figadal
Enquanto a minoria rica, com medo dos pobres
Se recolherá em confortáveis campos de concentração
Cercado de arame farpado e eletrificado
Entretanto, tão fácil nos livrarmos dessas teias
E tão necessário que dói em nós
A nossa conivência culposa

Sobre o autor:
Antropólogo, escritor e político brasileiro que se preocupava com os índios e a educação do País.

Cultura é identidade
É mais que isso
É tudo o que o homem imaginou para moldar o mundo
Para se acomodar nele e torná-lo digno de si próprio
É isso a cultura
Tudo o que o homem inventou para tornar a vida vivível e a morte afrontável

Sobre o autor:
Poeta e político francês. Sua obra é marcada pela defesa de suas raízes africanas. Foi presidente da
câmara de Fort-de-France durante 56 anos – entre 1945 e 2001.

Tudo mudou. Homens, coisas e animais mudaram de lã ou de pele. As palavras já não são as mesmas do
tempo em que estudávamos gramática com os olhos míopes das professoras. Nádegas e pernas das
mestras – objeto direto do nosso desejo – ofuscavam o interesse pela didática. Olho o mundo de todos os
ângulos possíveis e tudo me parece oblíquo. É a civilização globalizada, a cultura de massa, a sagração do
factóide, a fragmentação dos idiomas. Corta-se a palavra em frações microscópicas. A vida, o amor, a
morte, a realidade: tudo agora virou fast food.

Sobre o autor:
Francisco Carvalho nasceu em 1927 em São Bernardo das Russas, interior do Ceará. Poeta e ensaísta, é
um dos poetas cearenses reconhecidos por seu valor e reverenciado pelos mais diversos críticos do país.

La luz me hace guiños. Le respondo haciendole guiños com mi sombra.

Sobre o autor:
Roberto Juarroz (1925-1995) nasceu na Argentina. Foi poeta, ensaista, tradutor e crítico literário. Fez
parte da Academia Argentina de Letras.

Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, 


pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.

Sobre o autor:
Bertolt Brecht (1898-1956), nascido em Augsburgo. Escritor e dramaturgo alemão, além de grande
teórico teatral. Desde menino escrevia poesias de forte conteúdo social. Foi perseguido pelos nazistas
pelo seu comunismo militante.

Entre o autor e o público, posta-se o intermediário.


E o gosto do intermediário é bastante intermédio, medíocre.
Medianeiros médios pululam nos meios, onde, galopando, teu pensamento chega.
Um deles considera tudo sonolento:
"sou homem de outra têmpera! perdão", e repete um só refrão:
"O público não compreenderá".
Camponês, só viu um faz tempo, antes da guerra.
Operários, deu com dois, uma vez, numa ponte, vendo subir a água da enchente.
Mas diz que os conhece como a palma da mão. Que sabe tudo o que querem!
Aqui vai meu aparte: chega de chuchotar bobagens para os pobres. Também eles, podem compreender a
arte. Logo, que se eleve a cultura do povo!
Uma só, para todos.

Sobre o autor:
Maiakovski (1893 - 1930) foi o primeiro poeta russo moderno a engajar política e ideologia à poesia.
Despiu a arte poética para refazê-la na medida exigida pela linguagem comum de milhares de homens e
mulheres trabalhadores.

Meus amigos, por aqui também passou a guerra. Digo “também” porque a sentença pode ser apliacada a
quase todos os lugares do planeta.
Ao lado do sexo e dos sonhos, o homem matar o homem é um dos hábitos mais antigos de nossa singular
espécie.
Aqui, na América do Sul, sentimos nas muralhas e nas casas, de maneira inequívoca, a presença desse
passado.
Não importam, como continuarão a não importar, as datas e os nomes próprios.
Todos seremos parte do esquecimento, a tênue substância de que é feito o universo.

Sobre o autor:
Jorge Luis Borges é argentino, mas sua literatura teve forte influência dos autores ingleses. Nas poesias e
ensaios, a biblioteca de seu pai é uma referência constante.

Toda via prossigamos!


Seja de que maneira for!
Saiamos a campo para a luta, lutemos, então!
Não vimos já como a crença removeu montanhas?
Não basta então termos descoberto que alguma coisa está sendo ocultada?
Essa cortina que nos oculta isto e aquilo, é preciso arrancá-la!

Sobre o autor:
Bertold Brecht (1898-1956), nascido em Augsburgo. Escritor e dramaturgo alemão, além de grande
teórico teatral. Desde menino escrevia poesias de forte conteúdo social. Foi perseguido pelos nazistas
pelo seu comunismo militante.

Cego de nascença, aprendeu a ler no escuro. Desde pequeno, os livros lhe eram abertos, os toques lhe
fundavam janelas, os sons lhe eram caminhos de pedra.
Um dia, achou um doador de córnea e pensou que os recursos adquiridos poderiam lhe render a visão
total.
Não aceitou ser operado por conta do governo, nem enxergar no claro. Ficou com medo de se olhar no
espelho das pessoas e ter medo da escuridão que havia nelas.

Sobre o autor:
Site pessoal de Silas Corrêa Leite: www.itarare.com.br/silas.htm
E-mail: poesilas@terra.com.br

Toda via prossigamos!


Seja de que maneira for!
Saiamos a campo para a luta, lutemos, então!
Não vimos já como a crença removeu montanhas?
Não basta então termos descoberto que alguma coisa está sendo ocultada?
Essa cortina que nos oculta isto e aquilo, é preciso arrancá-la!

Sobre o autor:
Bertold Brecht (1898-1956), nascido em Augsburgo. Escritor e dramaturgo alemão, além de grande
teórico teatral. Desde menino escrevia poesias de forte conteúdo social. Foi perseguido pelos nazistas
pelo seu comunismo militante.

Não me agradam esses homens bem fracionados no tempo, cedendo-se amavelmente em todas as
ocasiões.
E mais também não me agradam os partidários tão vários de toda a moderação.
Passo distante dessa gente comedida e moderada, que guarda o vinho 20 anos para bebê-lo mais velho,
homens de ferro que só sabem anunciar a mensagem da espera, que aguardam o momento oportuno, que,
sempre expelindo relógios, resistem à melhor viagem, que desconhecem as emoções, que sabem apenas
sofrer sincronizados as tristezas publicadas nos jornais.
Adeus, moderados.
Adeus, que sou diferente: compreendo a mulher que rasga as vestes e sinto imensa ternura pelo homem
desesperado.

Sobre o autor:
Lupe Cotrin foi professora na USP/ECA na década de 60/70.

Que importa a paisagem, a glória, a baía, a linha do horizonte ?


- O que eu vejo é o beco!

Sobre o autor:
Manuel Bandeira (1886-1968) nasceu em Recife e morou no Rio de Janeiro e São Paulo. Iniciou o curso
de Arquitetura e o abandonou por causa da tuberculose. Não chegou a participar da Semana de 22. Entrou
para Academia Brasileira de Letras em 1940.

Especular sobre os devaneios das outras pessoas sempre vai te fazer pequeno.
Pensar, simples e involuntariamente, já esmaga muito do que você acredita, criando outras certezas que
serão esmagadas um pouco depois.
É difícil acreditar em algo que exponha o que você realmente é.
É difícil, impossível, ser uma coisa só. Talvez por isso algumas pessoas falem pouco, valorizando o poder
do silêncio.
Talvez por isso algumas pessoas falem e riam tanto, mostrando a coragem que querem mostrar que tem,
de ser... seja lá o que for.

Sobre o autor:
Estudante de Marketing de apenas 21 anos, Thiago já escreve seus textos com o propósito delançar um
livro, futuramente.

Nossos inimigos dizem:


"a luta terminou".
Mas nós dizemos:
"ela começou".
Nossos inimigos dizem:
"a verdade está liquidada".
Mas nós dizemos:
"nós ainda a conhecemos".
Nossos inimigos dizem:
"mesmo que ainda se conheça a verdade, ela não pode mais ser divulgada".
Mas nós a divulgamos.

Sobre o autor:
Bertold Brecht (1898-1956), nascido em Augsburgo. Escritor e dramaturgo alemão, além de grande
teórico teatral. Desde menino escrevia poesias de forte conteúdo social. Foi perseguido pelos nazistas
pelo seu comunismo militante.

O anarquista que há em mim se junta com o ingênuo que há em você e propõe: "vamos fazer uma
República Utópica?".
O princípio da realidade passa com a sirene aberta, pára e nos autua em flagrante.

Sobre o autor:
Alex Polari, paraibano, 1951. Teve seu 1º livro publicado em 78, época em estava preso por sua
militância política. Ficou preso entre 71 e 80. Em 80 passou a fazer parte da comunidade esotérica Santo
Daime. Sua poesia tem forte sabor de cárcere e tortura.

Não tenhas nada nas mãos


nem uma memória na alma,
que quando te puserem
nas mãos o óbolo último,
ao abrirem-te as mãos
nada te cairá.
Que trono te querem dar
que átropos to não tire?
Que louros que não fanem
nos arbítrios de minos?
Que horas que te não tornem
da estatura da sombra.
Que serás quando fores
na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol.
Abdica.
E sê rei de ti próprio.
Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa. Considerado um dos mais importantes poetas
modernistas. Criou heterônimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos.

Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade de rosas
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se tão cedo!
Coroai-me de rosas e de folhas breves.
E basta.

Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa. Considerado um dos mais importantes poetas
modernistas. Criou heterônimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos.

Tenho grandes frustrações e decepções.


Tenho grandes euforias.
Amo e odeio apaixonadamente.
Uma vida intensa, difícil, saborosa!
Acho a vida uma grande aventura.
Espero que os idiotas me compreendam.

Sobre o autor:
Nascido na Polônia, veio para o Brasil com sete anos. Samuel Rawet (1929 - 1984) era muito introvertido
e até esquisito. Andava pelas ruas de Brasília de shorts, chinelo e uma gaiola nas maõs: "para pegar rato
judeu". Samuel era judeu.

Nos últimos anos, pouco a pouco, no Brasil e no mundo, as ideologias políticas, os pendores
revolucionários e os fervores religiosos tradicionais perderam o poder de atração sobre o povo.
Começaram, ao mesmo tempo, a difundir-se seitas e práticas místicas que, com o apelo a biorritmos,
drogas, astrologia, dietas místicas e feitiçarias, orientam a vida de milhões de pessoas, devolvendo-lhes o
equilíbrio emocional indispensável para enfrentar suas existências azarosas, mas desativando-as como
protagonistas da história, como construtoras de seus próprios destinos.

Sobre o autor:
Grande educador e antropólogo de impacto mundial. Foi Ministro da Educação com pouco mais de 30
anos, Ministro Chefe da Casa Civil, vice-governador do Rio e senador. Foi imortalizado pela Academia
Brasileira de Letras.

A arte medicinal é sem dúvida, a arte de matar!

Sobre o autor:
O alemão Georg von Hardenberg (1772-1801) mais conhecido pelo pseudónimo Novalis, foi um dos mais
importantes representantes do romantismo alemão de finais do século XVIII e o criador da flor azul, um
dos símbolos mais duráveis do movimento romântico.

Eu quero absorver intensamente toda a tristeza do mundo


As esperanças não alcançadas
Os filhos que não nasceram
O pranto das mães desconsoladas...
Quero sentir profundamente toda a dor
A dor de não ter amor, não ter paz,
Não ter futuro.
Pelo trabalho rotineiro de cada dia
A comida sem graça e fria
A desigualdade, a injustiça, o olhar distante,
A dor, toda a dor da infelicidade.
Quero aguardar a catástrofe silenciosamente
Com o meu cansaço estafante e descomedido
Pelo excesso das palavras, das mentiras, das ilusões
Dos pesadelos, tantos.
O horizonte se distanciando... longe... longe.
Quero chorar muito... Quero chorar muito
Sem nenhum constrangimento
Sem parar, sem parar.
Quero ser tragado pela realidade
E me esconder na sombra da minha insignificância
Para que num momento distante – se houver,
Eu possa despertar para um mundo
Agradável e melhor.

Sobre o autor:
Nilson Oliveira

Debaixo da ponte do arcebispo, junto a uma verdadeira


corte dos milagres, reúnem-se os mendigos.
Mendigos cristãos, mendigos ateus, mendigos budistas,
mendigos muçulmanos, mendigos judeus.
Enfim, mendigos de todas as cores.
Discutem o resultado do sim e não a suas petições.
Discutem a desvalorização da moeda e
a proliferação de falsos mendigos.
O mendigo cristão fala da perda de
prestígio da caridade nos dias de hoje.
O mendigo ateu disserta sobre o não-deus e
suas pouco eficazes prédicas no deserto.
O mendigo budista fala das dificuldades atuais de
que padece a transparência do nirvana.
O mendigo muçulmano insiste na urgência de
alguns fanatismos em nome de Alah.
O mendigo judeu lamenta que freqüentes ataques de
ira de Jeovah caiam sobre sua cabeça.
E o mendigo de outras cores se queixa das
queixas dos mendigos queixosos.
Depois, tudo termina e os peregrinos voltam às
suas respectivas igrejas, maldizendo
os usurpadores de seus respectivos direitos.

Sobre o autor:
Enrique Gómez-Correa (1915-1995) nasceu em Talca, no Chile.
Poeta explosivo e ensaísta. Fez parte da geração do grupo Mandrágora, de filiação surrealista.

Eu, índio Guaicaipuro Cautémoc, descendente dos que povoaram a américa há 40 mil anos, vim aqui
encontrar os que nos encontraram há apenas 500 anos.
O irmão advogado europeu me explica que aqui toda dívida deve ser paga, ainda que para isso se tenha
que vender seres humanos ou países inteiros.
Pois bem! Eu também tenho dívidas a cobrar. Consta no arquivo das índias ocidentais que entre os anos
de 1503 e 1660, chegaram à europa 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata vindos da
minha terra!... Teria sido um saque? Não acredito. Seria pensar que os irmãos cristãos faltaram a seu
sétimo mandamento.
Genocídio?... Não. Eu jamais pensaria que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue de seu
irmão.
Espoliação?... Seria o mesmo que dizer que o capitalismo deslanchou graças à inundação da Europa pelos
metais preciosos arrancados de minha terra!
Vamos considerar que esse ouro e essa prata foram o primeiro de muitos empréstimos amigáveis que
fizemos à Europa. Achar que não foi isso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que me daria
o direito de exigir a devolução dos metais e a cobrar indenização por danos e perdas.
Prefiro crer que nós, índios, fizemos um empréstimo a vocês, europeus.
Ao comemorar o quinto centenário desse empréstimo, nos perguntamos se vocês usaram racional e
responsavelmente os fundos que lhes adiantamos.
Lamentamos dizer que não.
Vocês delapidaram esse dinheiro em armadas invencíveis, terceiros Reichs e outras formas de extermínio
mútuo e acabaram ocupados pelas tropas da OTAN.
Vocês foram incapazes de acabar com o capital e deixar de depender das matérias primas e da energia
barata que arrancam do terceiro mundo.
Esse quadro deplorável corrobora a afirmação de Milton Friedmann, segundo o qual uma economia não
pode depender de subsídios.
Por isso, meus senhores da  Europa, eu, Guaicaipuro Cautémoc, me sinto obrigado a cobrar o empréstimo
que tão generosamente lhes concedemos há 500 anos. E os juros, e para seu próprio bem.
Não, não vamos cobrar de vocês as taxas de 20 a 30 por cento de juros que vocês impõem ao terceiro
mundo.
Queremos apenas a devolução dos metais preciosos, mais 10 por cento sobre 500 anos.
Lamento dizer, mas a dívida européia para conosco, índios, pesa mais que o planeta Terra!... E vejam que
calculamos isso em ouro e prata. Não consideramos o sangue derramado de nossos ancestrais!
Sei que vocês não têm esse dinheiro, porque não souberam gerar riquezas com nosso generoso
empréstimo.
Mas há sempre uma saída: entreguem-nos a europa inteira, como primeira prestação de sua dívida
histórica. 

Sobre o autor:
Guaicaipuro Cautémoc é um líder indígena mexicano que ficou famoso com esse discurso durante uma
reunião dos chefes de Estado da União Européia.

Eu fecho os olhos e vejo um bando de pássaros. A visão dura um segundo ou talvez menos; não sei
quantos pássaros vi. Era definido ou indefinido o seu número? O problema envolve o da existência de
Deus. Se Deus existe, o número é definido, porque Deus sabe quantos pássaros eu vi. Se Deus não existe,
o número é indefinido, porque ninguém pode fazer a conta. Eu tenho certeza de que vi menos de dez
pássaros e mais de um, mas não vi nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três ou dois pássaros. Eu vi um
número entre dez e um, que não é nove, oito, sete, seis, etc. Esse número é inconcebível, mas é inteiro;
Minha opinião ornitológica, Deus existe.

Sobre o autor:
Jorge Luís Borges (1899-1986) nasceu em Buenos Aires, Argentina. Foi um escritor, poeta, tradutor,
crítico e ensaísta argentino mundialmente conhecido por seus contos e histórias curtas.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,


Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
(...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888-1935) é considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e o seu valor é
comparado ao de Camões. Durante sua discreta vida, atuou no Jornalismo, na Publicidade, no Comércio
e, principalmente, na Literatura. Como poeta, desdobrou-se em diversas personagens conhecidas como
heterônimos, em torno das quais se movimenta grande parte dos estudos sobre sua vida e sua obra.

O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas
O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada como teu próprio pensamento
Graça que perturba e que satisfaz
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é a vida!

Sobre o autor:
Manuel Bandeira (1886-1968) foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor
brasileiro.
Nascido no estado de Pernambuco, ele fez parte da geração de 22 da literatura moderna brasileira, sendo
seu poema “Os Sapos” o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922.

Ah, não poder tirar de mim os olhos,


Os olhos da minha alma [...]
(Disso a que alma eu chamo)
Só sei de duas coisas, nelas absorto
Profundamente: eu e o universo,
O universo e o mistério e eu sentindo
O universo e o mistério, apagados
Humanidade, vida, amor, riqueza.
Oh vulgar, oh feliz!  Quem sonha mais,
Eu ou tu?  Tu que vives inconsciente,
Ignorando este horror que é existir,
Ser, perante o [profundo] pensamento
Que o não resolve em compreensão, tu
Ou eu, que analisando e discorrendo
E penetrando [...] nas essências,
Cada vez sinto mais desordenado
Meu pensamento louco e sucumbido.
Cada vez sinto mais como se eu,
Sonhando menos, consciência alerta
Fosse apenas sonhando mais profundo

Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888-1935) é considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e o seu valor é
comparado ao de Camões. Durante sua discreta vida, atuou no Jornalismo, na Publicidade, no Comércio
e, principalmente, na Literatura. Como poeta, desdobrou-se em diversas personagens conhecidas como
heterônimos, em torno das quais se movimenta grande parte dos estudos sobre sua vida e sua obra.

Eu, índio Guaicaipuro Cautémoc, descendente dos que povoaram a américa há 40 mil anos, vim aqui
encontrar os que nos encontraram há apenas 500 anos.
O irmão advogado europeu me explica que aqui toda dívida deve ser paga, ainda que para isso se tenha
que vender seres humanos ou países inteiros.
Pois bem! Eu também tenho dívidas a cobrar. Consta no arquivo das índias ocidentais que entre os anos
de 1503 e 1660, chegaram à europa 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata vindos da
minha terra!... Teria sido um saque? Não acredito. Seria pensar que os irmãos cristãos faltaram a seu
sétimo mandamento.
Genocídio?... Não. Eu jamais pensaria que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue de seu
irmão.
Espoliação?... Seria o mesmo que dizer que o capitalismo deslanchou graças à inundação da Europa pelos
metais preciosos arrancados de minha terra!
Vamos considerar que esse ouro e essa prata foram o primeiro de muitos empréstimos amigáveis que
fizemos à Europa. Achar que não foi isso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que me daria
o direito de exigir a devolução dos metais e a cobrar indenização por danos e perdas.
Prefiro crer que nós, índios, fizemos um empréstimo a vocês, europeus.
Ao comemorar o quinto centenário desse empréstimo, nos perguntamos se vocês usaram racional e
responsavelmente os fundos que lhes adiantamos.
Lamentamos dizer que não.
Vocês delapidaram esse dinheiro em armadas invencíveis, terceiros Reichs e outras formas de extermínio
mútuo e acabaram ocupados pelas tropas da OTAN.
Vocês foram incapazes de acabar com o capital e deixar de depender das matérias primas e da energia
barata que arrancam do terceiro mundo.
Esse quadro deplorável corrobora a afirmação de Milton Friedmann, segundo o qual uma economia não
pode depender de subsídios.
Por isso, meus senhores da  Europa, eu, Guaicaipuro Cautémoc, me sinto obrigado a cobrar o empréstimo
que tão generosamente lhes concedemos há 500 anos. E os juros, e para seu próprio bem.
Não, não vamos cobrar de vocês as taxas de 20 a 30 por cento de juros que vocês impõem ao terceiro
mundo.
Queremos apenas a devolução dos metais preciosos, mais 10 por cento sobre 500 anos.
Lamento dizer, mas a dívida européia para conosco, índios, pesa mais que o planeta Terra!... E vejam que
calculamos isso em ouro e prata. Não consideramos o sangue derramado de nossos ancestrais!
Sei que vocês não têm esse dinheiro, porque não souberam gerar riquezas com nosso generoso
empréstimo.
Mas há sempre uma saída: entreguem-nos a europa inteira, como primeira prestação de sua dívida
histórica. 

Sobre o autor:
Guaicaipuro Cautémoc é um líder indígena mexicano que ficou famoso com esse discurso durante uma
reunião dos chefes de Estado da União Européia.
 

O que pode vir a ser fatal para os poderosos, é que para eles as culturas dos outros povos nada mais são do que outras
culturas.
Sobre o autor:
H. Strand

Fiz de mim o que não soube


E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis.

Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa. Considerado um dos mais importantes poetas modernistas. Criou
heterônimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos.

As diferenças se movimentam, com o tempo, elas mudam de lugar, se organizam, mas jamais
desaparecem.

Sobre o autor:
O filósofo T. Todorov nasceu em 1939 na Bulgária. Viveu na França desde 1963 onde escreveu livros e
ensaios sobre teoria literária, história e teoria da cultura.

O artista só ama a sua arte, o que faz dele um egoísta, mas um egoísta nobre.
Ele esquece tudo que possa atrapalhar a sua arte. Não suporta que cheguem até ele, não suporta que o acompanhem.
Ele está sempre criando e sempre sob tensão.
Não quer ninguém ligado a ele, não quer absolutamente nada, mesmo que seja um momento muito terno.
É preciso deixá-lo fazer o que ele quer fazer, sem jamais perguntar a razão.
Não esperar nada, dar tudo, se calar quando ele estiver de mal humor e seguí-lo quando ele estiver iluminado.
Última coisa: ele não mudará nunca!

Sobre o autor:
Thomaz Bernard (1931-1989) foi um escritor austríaco e é considerado um dos mais importantes escritores
germanófonos da segunda metade do século XX. Deixou uma obra considerável que inclui dezenove novelas,
dezessete obras teatrais entre outros livros breves ou autobiográficos.

Vem, Noite antiquíssima e idêntica.


Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio.
(...)
Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
De uma oculta vontade de soluçar,
Talvez porque a alma é grande e a vida pequena,
E todos os gestos não saem do nosso corpo,
E só alcançamos onde o nosso braço chega,
E só vemos até onde chega o nosso olhar.
(...)
Vem, dolorosa,
Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
Das Tristezas dos Desprezados.
Mão fresca sobre a testa em febre dos Humildes.
Sabor de água sobre os lábios secos e Cansados.
Vem, lá do fundo
Do horizonte lívido,
Vem e arranca-me
Do solo de angústia e de inutilidade
Onde vicejo.
Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,
Folha a folha lê em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.
Uma folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde – quem sabe? – Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando em tudo...
(...)
Vem, cuidadosa,
Vem, maternal,
Pé ante pé enfermeira antiquíssima, que te sentaste
À cabeceira dos deuses das fés já perdidas,
E sorriste porque tudo te é falso e inútil.
Vem, Noite silenciosa e extática,
Vem envolver na noite manto branco
O meu coração...

Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa. Considerado um dos mais importantes poetas modernistas. Criou
heterônimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos.

O mais importante é a mudança. Porque se você tem mais medo da mudança do que da desgraça, você não impede a
desgraça. A mudança, o movimento, o dinamismo, a energia... só o que está morto não muda.

Sobre o autor:
Edson Marques formado em Filosofia pela USP, é um escritor e poeta brasileiro. Participou da fundação da Ordem
Nacional dos Escritores e foi o vencedor do prêmio Cervantes/Ibéria, no ano de 1993.

Eu não concordo com nenhuma palavra do que dizeis, mas eu defenderei até a morte o seu direito de dizê-la.

Sobre o autor:
François-Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire, foi um escritor, ensaísta e filósofo
iluminista francês, conhecido pela sua perspicácia e espirituosidade na defesa das liberdades civis, inclusive liberdade
religiosa e livre comércio.

Mulher nua, mulher negra envolvida com tua cor, que é vida...
Mulher nua, mulher sombra, fruto maduro de carne firme, êxtase turvo de vinho negro.
Escuta o mundo branco horrivelmente lasso de seu imenso esforço.
Escuta estes senhores da cidade, meros animais de nossa fauna.
Nem sequer animais!
Senhores compenetrados que já não sabem dançar à noite sob o luar, que já não sabem andar sobre a carne de seus
pés, que já não sabem contar histórias noite adentro.
Mulher nua, mulher negra, envolvida com tua cor, que é vida!
Tenha piedade de nossos vencedores oniscientes e ingênuos!

Sobre o autor:
Léopold Sédar Senghor (1906-2001) nasceu no Senegal onde foi presidente do país entre 1960 e 1980. Político e
escritor, foi, entre as duas Guerras Mundiais, juntamente ao poeta antilhano Aimé Césaire, ideólogo do conceito de
negritude.

Os pessimistas têm sempre razão que perderam.


Os otimistas têm sempre razão que ainda não conquistaram.
Todos temos a vocação de cartomante.
É preciso acreditar nas cartas que possam revelar melhor um futuro no qual a gente possa não acreditar
muito.
Sobre o autor:
Goethe (1749-1832) foi um escritor alemão e pensador que também incursionou pelo campo da ciência.
Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo
europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX.

Que diferença faz para os mortos, para os órfãos e para os excluídos, se a destruição se deu em nome da
tirania ou em nome da liberdade?

Sobre o autor:
Gandhi (1869-1948) foi um dos idealizadores e fundadores do moderno estado indiano e um influente
defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não-violenta de protesto) como um meio de
revolução.

Não há sentido na nossa miséria. Fome não é prova de fortaleza, é apenas não ter comido! Esforço não é
vergar as costas e arrastar, não é mérito!
A miséria não é condição das virtudes, meus amigos! E não me venham com a beleza das riquezas que
fomos capazes de produzir!
Se a nossa gente fosse abastada e feliz, aprenderia as virtudes da abastança e da felicidade. Mas hoje, as
virtudes dos pobres nascem... da pobreza!
Eu abomino isso! Sim, abomino! Ou vocês querem que eu minta a nossa gente?

Sobre o autor:
Bertolt Brecht (1898-1956) foi um dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos
artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente
conhecido a partir das apresentações de sua companhia o "Berliner Ensemble" realizadas em Paris
durante os anos 1954 e 1955. 

Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem
homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de
alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre
renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a
barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não moressem antes do tempo. Para que os
peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto
melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como
nadar para a guela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os
grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral
dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um
peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo
belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem
a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa,
materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse
essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de
peixes e peixinhos estrangeiros.As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles
ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles
anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo
assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos
inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o
título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros,
nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas
como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do
mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.A música
seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa
para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria
uma religião ali.
Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que
começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade
que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que
fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos
tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os
peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes
chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e
grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

Sobre o autor:
Bertolt Brecht (1898-1956) foi um dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos
artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente
conhecido a partir das apresentações de sua companhia o "Berliner Ensemble" realizadas em Paris
durante os anos 1954 e 1955.

Deste modo ou daquele modo, Conforme calha ou não calha. Podendo às vezes dizer o que penso, e
outras vezes dizendo-o mal e com misturas. Eu vou falando sobre os meus modos sem querer.Como se
falar não fosse uma coisa feita de gestos. Como se falar fosse uma coisa que me acontecesse, assim como
sentir o sol. Eu procuro dizer o que sinto sem pensar no que sinto. Eu procuro enconstar as palavras a
ideia. E não precisar de um corredor do pensamento para as palavras. Nem sempre consigo sentir o que
sei que devo sentir. O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado por que lhe pesa o fato
que os homens o fizeram usar. Eu procuro esquecer do que aprendi. Procuro esquecer do modo de
lembrar que me ensinaram e raspar a tinta com que me pintaram sentidos. Mostrar minhas emoções
verdadeiras. 

Sobre o autor: 
Alberto Caeiro é um dos heterônimos do escritor Fernando Pessoa. Nasceu em Lisboa, em 1885. É o
mestre dos outros heterônimos. Alberto Caieiro tinha como característica principal, o culto a natureza e a
recusa a metafísica.

O NOSSO PAÍS É UMA CIDADE DE UM MILHÃO DE CADÁVERES. ÀS VEZES DE NOITE EU


ME REVOLVO E ESTIRO NESTA TUMBA EM QUE FAZ 68 ANOS QUE APODREÇO. E PASSO
LONGAS HORAS OUVINDO A TEMPESTADE GEMER, OU OS CÃES LATIREM, OU FLUIR
BRANDAMENTE A LUZ DA LUA. E PASSO LONGAS HORAS GEMENDO COMO
TEMPESTADE, LATINDO COMO UM CÃO ENFURECIDO, FLUINDO COMO LEITE DO UBRE
QUENTE DE UMA VACA AMARELA. E PASSO HORAS PERGUNTANDO A DEUS: POR QUE
APODRECE LENTAMENTE A MINHA ALMA? POR QUE APODRECE MAIS DE UM MILHÃO
DE CADÁVERES NESTA CIDADE? POR QUE MIL MILHÕES DE CADÁVERES APODRECEM
LENTAMENTE NO MUNDO? DIZ-ME, POR FAVOR, QUE JARDIM QUERES ADUBAR COM A
NOSSA PODRIDÃO? TEM MEDO QUE SEQUEM OS GRANDES ROSAIS DO DIA, AS TRISTES
AÇUCENAS LETAIS DE TUAS NOITES?

Sobre o autor:
Dámaso Alonso y Fernández de las Redondas (1898 — 1990) foi um poeta, filólogo e crítico literário
espanhol.

MEU FILHO PEQUENO ME PERGUNTA: DEVO APRENDER MATEMÁTICA?


PARA QUÊ, PENSO EM DIZER. QUE DOIS PEDAÇOS DE PÃO SÃO MAIS DO
QUE UM VOCÊ LOGO NOTARÁ. MEU FILHO PEQUENO ME PERGUNTA:
DEVO APRENDER FRANCÊS? PARA QUÊ, PENSO EM DIZER. ESSE IMPÉRIO
ESTÁ NO FIM. E BASTA VOCÊ ESFREGAR A MÃO NA BARRIGA E GEMER:
LOGO LHE COMPREENDERÃO. MEU FILHO PEQUENO ME PERGUNTA:
DEVO APRENDER HISTÓRIA? PARA QUÊ, PENSO EM DIZER. APRENDA A
ENFIAR SUA CABEÇA NA TERRA TALVEZ ENTÃO VOCÊ ESCAPE. SIM,
APRENDA MATEMÁTICA, DIGO. APRENDA FRANCÊS, APRENDA HISTÓRIA!

Sobre o autor:
Eugen Berthold Friedrich Brecht (1898 — 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão
do século XX.

Deste lado tem meu corpo


Tem o sonho
Tem a minha namorada na janela
Tem as ruas gritando de luzes e movimentos
Tem meu amor tão lento
Tem o meu anjo da guarda
Que às vezes se esquece de me guardar
Tem o mundo batendo na minha memória
Tem o caminho para o trabalho.

Do outro lado tem outras vidas vivendo a minha vida


Tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas
Tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão
Tem a morte, as colunas da ordem e da desordem

Sobre o autor:
Murilo Mendes iniciou-se na literatura escrevendo nas revistas modernistas Terra Roxa, Outras Terras e
Antropofagia. Os livros Poemas (1930), História do Brasil (1932) e Bumba-Meu-Poeta, escrito em 1930,
mas só publicado em 1959, na edição da obra completa intitulada Poesias (1925-1955), são claramente
modernistas, revelando uma visão humorística da realidade brasileira.

Estou farto do lirismo comedido


Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
Protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais


Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador


Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos


O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Sobre o autor:
Poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Considera-se que Bandeira
faça parte da geração de 22 da literatura moderna brasileira, sendo seu poema Os Sapos o abre-alas da
Semana de Arte Moderna de 1922. Juntamente com escritores como João Cabral de Melo Neto, Paulo
Freire, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Carlos Pena Filho e José Condé, representa a produção
literária do Estado de Pernambuco.
Eu te peço perdão por te amar tão de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção para os teus ouvidos
Das noites que eu passei bebendo em tua boca
O perfume das palavras e dos sorrisos
Eu lembro das noites que passei acalentado
Pela graça invisível dos teus passos eternamente fugindo
Eu sou dos que aceitam, melancolicamente
E posso te dizer que a grande dor de minha alma
Não traz o exaspero
É uma unção, um transbordamento
Só para dizer que eu te amo

Sobre o autor:
Poeta essencialmente lírico, o poetinha – como ficou conhecido – notabilizou-se pelos seus sonetos. Sua
obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. No campo musical, teve como principais
parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra.

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato


O amor comeu meus cartões de visita
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minha dieta
O amor comeu todos os meu livros de poesia
O amor comeu meu Estado, minha cidade
O amor comeu minha paz, minha guerra, meu dia e minha noite
Meu inverno, meu verão
Comeu meu silencio, minha dor de cabeça
O meu medo da morte

Sobre o autor:
Poeta e diplomata brasileiro. Sua obra poética, caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a
confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no
Brasil.

Eu sou Mefistófeles. Mefistófoles!


É, o diabo e todos vocês são Faustos. Faustos, os que vendem a alma ao diabo.
Tudo é vaidade nesse mundo vão, tudo é tristeza, tudo é pó é nada, quem acredita em sonhos é porque já
tem a alma morta. O mal da vida cabe entre nossos braços e abraços mas eu não sou exatamente o que
vocês pensam, eu não sou exatamente o que as igrejas pensam, as igrejas abobinam me.
Deus me criou para que eu o imitasse de noite. Ele é o sol eu sou a lua, a minha luz paira tudo quanto é
futil, margens de rio, pantanos, sombras.
Quantas vezes vocês viram passar uma figura velada, rápida?
Figura que te daria toda a felicidade, figura que te beijaria indeferidamente.
Era eu, sou eu. Eu sou aquele que sempre procuraste e nunca poderás achar.
Os problemas que atormentam os homens são os mesmos problemas que atormentam os deuses.
Quantas vezes Deus me disse citando João Cabral de Melo Neto: "Ai de mim, ai de mim." Quem sou eu?
Quantas vezes Deus me disse: "Meu irmão, eu não sei quem eu sou".
Senhores venham até mim, venham até mim, venham!. Eu os deixarem em rodopios fascinantes, uivos
castéus e nas trevas, nas trevas vocês veram todo o explendor.
De que adianta vocês viverem em casa como vocês vivem, de que adianta pagar as contas no fim do mês,
religiosamante, as contas de luz, gás, telefone, condomínio, IPTU.
Todos vocês são Faustos. Venham, eu os arrastarei por uma vida bem selvagem, através de uma rasa e vã
mediocridade que é o que vocês merecem.
As suas bem humanas insasiabilidade teram lábios, manjares, bebidas... É difícil encontrar quem não
queira vender a sua alma ao diabo.
As últimas palavras de Goethe, ao morrer, foram: "Luz... Luz, mais luz!"

Sobre o autor:
Goethe (1749-1832) foi um escritor alemão e pensador que também incursionou pelo campo da ciência.
Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo
europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX.
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis.

Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa. Considerado um dos mais importantes poetas
modernistas. Criou heterônimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos.

Trecho de “Dois Excertos de Odes”


Autor: Fernando Pessoa

Vem, Noite antiquíssima e idêntica.


Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio.
(...)
Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
De uma oculta vontade de soluçar,
Talvez porque a alma é grande e a vida pequena,
E todos os gestos não saem do nosso corpo,
E só alcançamos onde o nosso braço chega,
E só vemos até onde chega o nosso olhar.
(...)
Vem, dolorosa,
Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
Das Tristezas dos Desprezados.
Mão fresca sobre a testa em febre dos Humildes.
Sabor de água sobre os lábios secos e Cansados.
Vem, lá do fundo
Do horizonte lívido,
Vem e arranca-me
Do solo de angústia e de inutilidade
Onde vicejo.
Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,
Folha a folha lê em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.
Uma folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente, 
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde – quem sabe? – Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando em tudo...
(...)
Vem, cuidadosa,
Vem, maternal,
Pé ante pé enfermeira antiquíssima, que te sentaste
À cabeceira dos deuses das fés já perdidas,
E sorriste porque tudo te é falso e inútil.
Vem, Noite silenciosa e extática,
Vem envolver na noite manto branco
O meu coração...

Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa. Considerado um dos mais importantes poetas
modernistas. Criou heterônimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos.

Fiz de mim o que não soube


E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis.

Sobre o autor:
Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa. Considerado um dos mais importantes poetas
modernistas. Criou heterônimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos.

Você também pode gostar