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LITERATURA COMPARADA E DESCOLONIZAÇÃO CULTURAL: A ANTROPOFAGIA E AS

RELEITURAS CRÍTICAS DA TRADIÇÃO

Segundo a Carvalhal (2001, p. 78), essa tentativa de mudança de rota – da cultura central europeia para a
periférica – será levada a cabo por Oswald de Andrade, em 1928, no “Manifesto antropófago”, publicado na
primeira edição da Revista de Antropofagia. A seguir, transcrevemos um fragmento do texto:

Em seu “Manifesto antropófago” (1928), Oswald de Andrade propõe que o


dado cultural estrangeiro seja “devorado”, para que somente se assimile
apenas aquilo que se julgue interessante à cultura nacional. O escritor
combate, assim, a aceitação passiva de elementos estrangeiros na
literatura nacional.

Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.


Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os
coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Estamos fatigados
de todos os maridos católicos suspeitos postos em
drama. Freud acabou com o enigma mulher e com os sustos da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o
mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a
hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da
cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o
que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida.
E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a revolução Francesa. A unificação de
todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a
sua pobre declaração dos direitos do homem. (ANDRADE, 2016)

A discussão apresentada ao longo desta aula deve levar você a perceber como os estudos comparados
mais recentes tendem a rejeitar a mera pesquisa de fontes e influências, baseada na busca de analogias. Isso
porque esse tipo de pesquisa, geralmente, contribui para manter o eurocentrismo, deixando de reconhecer o
valor das obras de países periféricos, tidas como imitação de uma obra anterior. Espera-se que você possa
compreender como a literatura comparada, em seus estudos contemporâneos, ao eleger a diferença como um
dado de comparação, volta-se para a investigação da originalidade de um texto em relação a outro. Com isso,
inverte-se a relação entre cultura dominadora e cultura dominada, deslocando-se a atenção do centro para a
periferia. Isso permite reconhecer o valor de uma obra não pela imitação, mas, justamente, por aquilo que tem
de original em relação a outra anterior.
LITERATURA COMPARADA E DESCOLONIZAÇÃO CULTURAL: A ANTROPOFAGIA E AS
RELEITURAS CRÍTICAS DA TRADIÇÃO

Segundo a Carvalhal (2001, p. 78), essa tentativa de mudança de rota – da cultura central europeia para a
periférica – será levada a cabo por Oswald de Andrade, em 1928, no “Manifesto antropófago”, publicado na
primeira edição da Revista de Antropofagia. A seguir, transcrevemos um fragmento do texto:

Em seu “Manifesto antropófago” (1928), Oswald de Andrade propõe que o


dado cultural estrangeiro seja “devorado”, para que somente se assimile
apenas aquilo que se julgue interessante à cultura nacional. O escritor
combate, assim, a aceitação passiva de elementos estrangeiros na
literatura nacional.

Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.


Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os
coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Estamos fatigados
de todos os maridos católicos suspeitos postos em
drama. Freud acabou com o enigma mulher e com os sustos da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o
mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a
hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da
cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o
que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida.
E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a revolução Francesa. A unificação de
todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a
sua pobre declaração dos direitos do homem. (ANDRADE, 2016)

A discussão apresentada ao longo desta aula deve levar você a perceber como os estudos comparados
mais recentes tendem a rejeitar a mera pesquisa de fontes e influências, baseada na busca de analogias. Isso
porque esse tipo de pesquisa, geralmente, contribui para manter o eurocentrismo, deixando de reconhecer o
valor das obras de países periféricos, tidas como imitação de uma obra anterior. Espera-se que você possa
compreender como a literatura comparada, em seus estudos contemporâneos, ao eleger a diferença como um
dado de comparação, volta-se para a investigação da originalidade de um texto em relação a outro. Com isso,
inverte-se a relação entre cultura dominadora e cultura dominada, deslocando-se a atenção do centro para a
periferia. Isso permite reconhecer o valor de uma obra não pela imitação, mas, justamente, por aquilo que tem
de original em relação a outra anterior.
Para responder às questões de 1 a 3, leia um fragmento do “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade:

“Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na
Bahia. Ou em Belém do Pará.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-
analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo.
Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da
vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.
Só podemos atender ao mundo orecular.
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia.
A transformação permanente do Tabu em totem.
Contra o mundo reversível e as ideias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é
dinâmico. O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o
esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.”
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf>. Acesso em: 10 de fev. 2016.

01. O que propõe Oswald de Andrade, com esse manifesto?


02. Que tipo de diálogo intercultural o autor propõe? De que modo ele se daria?
03. Por que podemos afirmar que as ideias de Oswald de Andrade, em seu manifesto, promovem uma
reflexão sobre o direcionamento dos estudos comparados tradicionais?
04. Diferencie os conceitos de analogia e diferença, nos estudos comparados.
05. Que tipos de resultados as pesquisas que elegem a analogia como base de comparação costumam
obter? E os estudos que elegem a diferença como foco para a análise?

Para responder às questões de 1 a 3, leia um fragmento do “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade:

“Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na
Bahia. Ou em Belém do Pará.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-
analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo.
Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da
vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.
Só podemos atender ao mundo orecular.
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia.
A transformação permanente do Tabu em totem.
Contra o mundo reversível e as ideias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é
dinâmico. O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o
esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.”
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf>. Acesso em: 10 de fev. 2016.

01. O que propõe Oswald de Andrade, com esse manifesto?


02. Que tipo de diálogo intercultural o autor propõe? De que modo ele se daria?
03. Por que podemos afirmar que as ideias de Oswald de Andrade, em seu manifesto, promovem uma
reflexão sobre o direcionamento dos estudos comparados tradicionais?
04. Diferencie os conceitos de analogia e diferença, nos estudos comparados.
05. Que tipos de resultados as pesquisas que elegem a analogia como base de comparação costumam
obter? E os estudos que elegem a diferença como foco para a análise?

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