Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
144
tros ainda simplesmente deram por encerrado o tratamento. Como esse, REGINA DUARTE
vários outros grupOS foram criados para atender a contextos diversifi- BENEVIDES DE BARROS
cados. Ligando todos eles apenas a convicção (mesmo provisória) de
que era a melhor forma de atendimento para aquela situação.
Essas rápidas observações ilustram o quanto é possível abordar
os grupOS com base em uma perspectiva que contemple interesse as- GRUPO E PRODUÇAO
sistencial e de investigação, que não resulte numa reprodução acrítica
de práticas e teorias que ignoram sua inscrição histórica. Refletir sobr
os efeitos nem sempre aparentes da cultura psicológica e do individua-
lismo sobre as teorias e as práticas grupais é talvez um dos caminho
•
para superar as amarras ideológicas e conceituais às quais. em grand
parte, ainda se encontram atadas. Resta saber se os psicanalistas aten
derão ao desafio.
" ... Acreditar no mundo é o que mais nos falta; per-
demos o mundo; ele nos foi tomado. Acreditar rio
mundo é também suscitar acontecimentos, mesmo
que pequenos, que escapem do controle, ou então
fazer nascer novos espaço-tempos, mesmo de super-
fície e volume reduzidos ... É no nível de cada tenta-
tiva que são julgadas a capacidade de resistência ou,
ao contrário, a submissão a um controle. São neces-
sários, ao mesmo tempo, criação e povo."
,
e -1-ou c v
kNCxt~ .{\. c~ .) ÇA-u \:rt:
S,c;;5 f~
('l..1>c
~t\vC; Rei
~ ~c..)
\C1S3
-- -~
'Y\.':" ~
\
GRUPO E PRODUÇÃO 147
146 REGINA DUARTE BENEVIDES DE BARROS
Essa preocupação em definir o que é um grupo em geral remei Está hoje instalado um modo de funcionamento massivamente "in-
para a busca de certas essências irredutíveis, condições de possibilidatl dioidualizanie" sobre os objetos e as práticas, construindo traços de equi-
que garantiriam o ponto de partida para a existência do objeto-grupo valência entre sujeito-indivíduo, remetendo um enunciado ao indivíduo
É nesse contexto que a oposição indivíduo-grupo ganha legitinli que o enuncia, interiorizando, privatizando os atos e afetos aos corpos
dade. Vemos desenvolverem-se, por um lado, teses "individualistas" ('111 que os expressam.
que os indivíduos constituem a única realidade. Quando eles se juntam A noção de grupo ganha, nesse contexto, contornos dessas forças.
é por motivação, necessidade ou características pessoais. Neste âmbito Os indivíduos, garantidos em sua unidade, já que autocentrada, não
"o grupo" não existe e qualquer teorização a esse respeito faz parte tio poderão deixar de constituir novas e mais amplas unidades. O sentido
reino da ficção. Por outro lado temos as teses "grupistas" que considernl1l imprime-se quer sobre o indivíduo dando-lhe forma de UM, quer sobre
o grupo como uma entidade distinta dos indivíduos que o compõem. o grupo dando-lhe a forma de TODO. É a lógica do UM presente tanto
referência privilegiada será ao grupo que, ao se distinguir como outru no indivíduo quanto no grupo (indivíduo-UM: todo referindo-se a si
ser, ganhará estatuto próprio, transformando-se numa espécie de "a prii) próprio; grupo-TODO: um referindo-se a si próprio).
ri" para a compreensão dos movimentos que nele se dão. Na verdade a antítese indivíduo-grupo tomou o lugar de uma ou-
Indivíduo e grupo são, tanto numa quanto noutra explicação, ap' tra anterior: indivíduo-sociedade. Consideramos importante apontar
nas pólos de um par antitético que, ao longo da história, se afirmou COJIIU para a controvérsia que permeia os séculos XVII/XVIII entre prioriza-
natural, construindo campos disciplinares (seja a psicologia, seja a sócio rem-se os interesses individuais ou os interesses coletivos na condução
logia) que se encarregam de manter seus "objetos" separados e oposto das decisões políticas (aqui também chama a atenção o sentido dado à
ou, no melhor dos casos, dispostos segundo uma linha de continuidad palavra coletivo: mais de um indivíduo).
Em trabalhos anteriores' desenvolvemos algumas idéias sobro O grupo, nesta perspectiva, vem a inserir-se como intermediário
construção da categoria de indivíduo presente, inicialmente no cenáru da relação indivíduo-sociedade. Duplica-se a dicotomia: indivíduo-gru-
europeu, desde os séculos XVI/XVII, num primeiro momento de form po e grupo-sociedade, na tentativa de se estabelecer uma passagem
dispersa mas ganhando cada vez mais destaque ao longo dos sécu 10 "mais suave" da compreensão dos fenômenos individuais aos sociais. O
que se percebe é a insistência do "social" como algo "externo" ao indi-
1 Barros, Regina D. B. de, Grupo: uma visada micropolítica, São Paulo: Puc/SP, 19'11 /idual, mantendo-se como há pouco apontávamos, a mesma lógica dis-
mimeo. e Sobre a oposição indivíduo/grupo: contribuições de Foucauli, São Paulo: Puc/SP, ]<)111 juntiva (interno-externo, indivíduo-grupo).
mimeo.
148 REGINA DUARTE BENEVIDES DE BARROS
GRUPO E PRODUÇÃO 149
6 Guattari, F., Da produção da subjetividade, inédito, 1990. 7 Guattari, F., Máquina y estructura, in Psiconálisis y transversalidad, B. Aires: Siglo
Vientiuno, 1976, p. 279.
154 REGINA DUARTE BENEVIDES DE BARROS