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'\~;~_<:r· as metas capitais de nossa e ra. Porém, além de tudo isso,
.;~ temos, conforme eu disse nntcs, n Filosofia mais recente, com
a imagem de mon íaca uo homem dundo clcslaCJ uC il fertilidade,
raça, fôrça e às virtudes milita res c tribais de conquista,
disciplina e obediência cega.
11 Não estamos ape nas divididos uns contra os outros em
nossa apreciação das grandes questões, tais como os princípios
da Vida Justa e os da melhor organização social, nem ao menos
A '· CRISE DOS VALORES estamos de acôrdo, especialmente e m nossas sociedades demo-
cráticas, qua nto aos padrões corretos do comportam ento e
conduta humanos. Um conjunto de influencias está prepa-
rando a nova geração para praticar e defender seu interesse
1. Filosofias de V ida em Conflito. próprio racional em um mundo competitivo, enquanto outro
ressalta o altruísmo, o serviço social e a subordinação aos fins
comuns. Um conjunto de influencias sociais é o rientado pelo
A PRll'CÍPlO, só umas quantas p essoas se aperceberam do
caos e da crise que se aproxima vam em nosso sistema de
ideal do ascetismo e da repressão, ao passo que o outro o é
pelo des ejo de encorajar a expressão do indivíduo.
valo res. Notaum que a unidade religiosa e moral que inte- Não te mos uma teoria e prática consagradas ace rca da
grava a sociedade medieval estava desaparecendo. No en- natureza da liberdade e da c.iisciplina. Alguns acham q ue,
tanto, a desintegração ainda não era basta nte apa rente, p ois em virtude dos poderes auto-regulá veis inerentes à vida em
a ~2& do iluminismo afigumva-se oferecer um nóvo m odo O'rupo, a disciplina surgiria espontnneamente desde que fôsse
de f'ncarar a viãa com um propósito unificado, do qual se dada liberdade ampln, eliminando-se a pressão da autoridade
derivaram os sistemas secubriz:tdos do libe ralismo e do socia- externa. Contrastando com esta teorin anarqu ista, outros
lim1o. 't' ~.:m bem havíamos concluído que o futuro se resol- sustentam que se fôr aplicada uma disciplina severa às esferas
\'t• ri.t a través de uma disputa entre esses dois pontos d e vista da vida em q ue se faz necessária, e m vez de suprimir-se estar-
p··:., supremacia, quando e me rg iu um nôvo sis te ma de valores, -se-á criando o campo de ação pa ra a liberdade real. Para
, ' ,!, fascismo universal. :\ atitude fundamental da nova êsses pensadores, a d isciplina é uma precondiçiio da liberdade.
< " ' " •'P\'ã•> é tão dife rente da dos sistemas preced entes q~te Não dispondo de opiniões nssentadas sôbre disciplina e liber-
' "·" diferenças intemas quase parece m desvanecer-se. dade, não é de admirar que não tenhamos critérios bem
:\ ssim. no mesmu ambt~.:ntc social te mos agorn as mais definidos sôbre o modo de tra ta r os c riminosos, nem saibamos
l'Ontraditó rias filosofias de vida. Em primeiro lugar. há a se a punição deve ser vingativa e intimiclató ria ou um tipo
~e lig.ião do amor e ?~ frate n:idade univers:'ll, pri morcl.inlmente de reajustamento e reeducação para a viela em sociedade.
msptrada pe'la tradtçao cns ta, como estalao de mec!Jda para Hesita mos e m tra tnr o infra tor da lei como pecado r ou como
nossas a tividades. De pois, Yem. a filosofia do iluminismo e do pacie nte c não consegu imos decidir se a cu lpa é dele ou da
liberalismo, com o destaque dado à liberdade e à personalidade, sociedade.
c a valorização dada à riqueza, segurança, contentamento, \fas as crises de avaliaçfto não aparecem apenas em casos
tolerà ncia e filan tropia como meios de alcançá-las. :\ seguir, marginais de clcsajustamento como o crime; não temos uma
o desafio dos socialistas. que classificam a igualdade, justiça orientação firmada par:\ a educaçiio de nossos cidadãos nor-
social, segurança básica e uma ordem social planificada como mais, pôsto que quanto mais progredimos menos. sabemos

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11 para que estamos educando. Nos níveis primários da educa- remédio para n maioria de nossos desajustamentos psicológin•s
I ção, andamos. às apalpadelas, sem saber se devemos visaT a na eliminação do mistério e da repressão atinentes àquela esfera

I criar milhões de racionalistas que se descartem dos costumes


e tradições e julguem cada caso se(7undo seus méritos, ou se
da vida. Nossas concepções de ideais de feminilidade e
masculinidade variam de acôrdo com os diversos grupos, e a
li,, o objetivo pfincipal da educação deve ser a transmissão da
herança sçcial e nacional que é focalizada na religião. Nos
ausência de concorclància gera conflitos que saturam não só
as discussões filosóf icas, mas igualmente as relações quoti-
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" níveis mais, elevados, não sabemos se devemos procurar a dianas de homens e mulheres. , .
!j especia!.ização, que é urgentemente necess;hia em uma socie-
dade industrializada com uma rigorosa divisão do trabalho,
Portanto, nada existe em nossa vida, nem mesmo 11 0
nível de hábitos básicos como alimentação, boas manei ra ~ e
·I ou se devemos procurar moldar personalidades com culh1ra comportamento, sôbre que nossos modos de ver não diviq.t:-rl.
I ~ geral e bases filosóficas . Nem sequer chegamos a um ajuste para saber se esta grand•!
j variedade de opiniões é boa ou má, se é a maior conformjd,, k
! Ainda mais, não é só no mundo da educação que estamos
perplexos; mostramo-nos igualmente vagos no que se refere ao passado ou a enfase moderna dada à livre escolh;t ' ! 1e
~ ao significado e valor do tn1balho e do lazer. O sistema de deve ser preferida.
trabalhar principalmente almejando o lucro e a compensação Há, sem embargo, uma questão final sobre a qual t<·m" s
financeira está em plena desintegração. As massas anelam por certeza. Decididamente não é agradável viver em um.1 ~~~~ • .
um padrão de vida estável, mas além e acima disso, querem dade cujas nom1as não estão fLxadas e que evolui irr<·~ lL I.• ~·
sentir-se como membros úteis e importantes da comunidade, mente. Percebemos isso melhor agora que estamos em <:;t w: -.l
com direito a entender o significado de seu trabalho e da quando temos de agir ràpidamente e sem hesitação e comb.1· •·r
sociedade em que vivem. Enquanto se processa êste despertar um inimigo cujo sistema de valores é deliberadamente ~i 1 n r o
entre as massas, há uma cisão nas fileiras da minoria educada ficado para que possa tomaT decisões com prcstc;-a l-.11.
e rica. Para alguns, sua pos ição elevada c fortuna amealhada tempo de paz, talvez fôsse estimulante, para o histc>!' ... }w •
simbolizam primacialmente a fruição de poder ilimitado; para para o pensador individualmente, estudar a grande v:ll' ll!d ~H.l.<­
outros, uma oportunidade de aplicar seu conhecimento ou de reações possíveis ao mesmo estímulo e a luta existentr· r·utrr
habilidade, de dar orientação, de compartilhar responsabilidade. diferentes padrões e concepções. Porém, ainda em t c'llli:)t
O primeiro grupo repr~senta os chefes potenciais do fascismo, de paz, esta variedade de valorizações tenderia a w r··rar ~·
ao passo que o último se compõe dos que estão dispostos a insuportável, especialmente em situações marginais er 11 r1o.H
ajudar a erguer uma nova ordem social subordinada a líderes se impusesse um simples "sim" ou "não". Em situações .ls\.m
competentes. muitos homens, ao se defrontarem com a lentidão d:•5 ,J,.,_,,,
Como já disse, não é só o trabalho. mas também o ócio, cracias para chegar a decisões, partilharam da opinião lt· JJ ,
que se vê sujeito a interpretações e valorizaçôes inteiramente assaz conhecido cientista político fascista que disse )r r •:a u
diferentes. O sentimento de culpa puritano ligado ao ócio e decisão ruim melhor que a ausência de decisão. htc. •·
à recreação ainda está em gt•erra com o nascente culto hedo- verdade até o ponto em que a indecisão do sistema ,!,
nista da vitalidade e da saúde. A idéia de privacid'acle e laíssez-faire representa uma transição que automàtic,l llll:ntr-
contemplação, e de seu valor, está em guerra com a do diver- prepara o terreno para o advento dum ditador. Por consc··
timento em massa e do êxtase em massa. :\ mesma divisão guinte, muito antes do rompimento da guerra, alguns pt'tl.Sa ·
de op iniões aparece com vistas aos nossos hábitos sexuais. dores de visão tornaram-se cónscios dos perigos incrr: nl<'S :t
Algumas pessoas ainda comknam totalnwnte n sexo, pro- crise de valores e tentaram encontrar as suas causa.s ma:s
c~•rando sujeitá-lo a um tabn. l'nqu;mt<l out ros veem um profundas.

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2. Contro·vérsia Sôbre as Causas de Nossa Crise Espiritual. meu ver, há mui!os outros fatores e condições sociais de que
.~~ a vida cultural depende, e o vocabulário de uma Sociologia
Os dois principais antagonistas na controvérsia ·' sôbre as que aborda a crise da culturn unicamente com categorias de
causas de nossa c rise espiritual são os idealista;; e os marxistns. "classe" é por de mais limita(l;i, ta l e qur~l o é a opinião de
Para os pensadores religiosos e idealistas . filosóficos, desde que os fatôres cconomicos u de clnssu s<·w os únicos respon-
logo pareceu claro que a crise de valores não eru o efeito, sáveis p ela c rise de nossas Vtllorizações.
! mas antes a cauSfl', da crise de nossa civilização. Para eles, A diferença de perspectiva se tornará aparente quando
f todas as lutas da Histórü\ se deviam no choque e ntre diferentes considerarmos os corretivos sugeridos pelos dois pontos de
d formas de s ujej~iio il autoridade ou it mudança d os valo res. vista, o marxista e aquele que pretendo expor. Segundo o
lj O .1bandono dos valores cristãos, e a seguir dos humanitários, critério marxista, basta pôr-se em o rdem o dispositivo econo-
I'i 1wlo home m 'IT.)oclerno, é a ca usa última de nossa crise, c a mico para que o pr(•sente caos dos valo res desapareça. Em
:I rru·nos que rest(wremos a unidade espiritual nossa civilização
1 ,,,t fadada a sucumbir. Par;l o marxista, o oposto é que é
minha opinião, não é possível qua lquer solução para o caos
sem uma boa organização econômica, porém esta não é de
I , '1.m latle: o que está sucedendo no mundo nnda mais é que forma alguma suficiente, pois há muitas outras condições
1 • ran~i ~·,io de um si.~tema econômico para outro e a crise de sociais que influenciam o processo de criação e disseminação
, 1 • •rt>s e como se fôra o rui do prod uzido pelo embate dos de valores, cada uma das quais tem de ser considerada por
•'I rs sistemas. seus próprios méritos.
Se voce é liberal, seu conselho será o de libertar a ordem Em meu ponto ele vista sociológico, como no elos marxistas,
econômica da interfen~ncia estatal nos mercados e deixar entre- é inócuo discutir valores no plano abstrato; seu estudo deve
gues n si mesmos os assuntos espirituais. Se voce é marxista, ser vinculado ao processo socinl. Para nós, os valores( •) se
verá ideologias e valores como parte do processo social, mas exprimem inicialmente em função dns escolhas feitas pelos
e m sua estratégia focalizará seus ataques, por demais amiúde, indivíduos: ao preferir isto em vez daquilo, estou va lorizando
unicamente nos aspectos economicos da sociedade, esperando coisas. Os valores, contudo, não existem somente no ambiente
que após a instauração da ordem econômica corre ta, surgirá subjetivo como escolhas feitas pelos indivíduos, mas ocorrem
au tomàticamente um mundo harmonioso devido à própria ação... igualmente como normas obje tivas, isto é, como conselhos:
da interde pendência dialética. Já que a origem de todas as l faça isto em vez daquilo. N esse caso, elas são fixadas pel.t
nossas discórdias deve ser procurada nos antagonismos ine- sociedade mormen te para servir de sinais de tráfego par:t
re ntes ao sistema capitalista, é..J2~:i<W"~ente natural que seu_ regularem o comportamen to e a conduta elos homens. :\
desaparecimento acertará tu_do. principa l função destas normas objctivns é fazer os memb r<>'
Julgo que o grande mérito do ponto de vista marxista, em-· ele uma sociedade agirem e comportarem-se de um modo qu ..
1
comparação com o puramente idealista, foi ter pe rcebido, de de ce rta forma se ajuste ao padrão de uma ordem existent•·
uma vez por tôdas, que a vida cultural e a esfe ra dos valores De vido a esta origem dup la, as valo rizações são em parte .•
a ela ine rentes dependem da existência de de terminadas con· expressão de anelos subje tivos e em pa rte a satisfação J, ·
d ições sodais, dentre as quais a natureza da ordem econômica funções sociais objetivas. Portanto, há um a justamento con -
e da estrutura de classes corre;;pondente é de importância tínuo se processando e ntre o que os indivíduos gostariam d,·
primordial. Isso desvendou um campo ele investigações a que fazer se suas escolhas fóssem dirigidas apenas por seus desejo'
chamamos de Sociologia da Cultura. Por outro lado, a enfase pessoais e o que a sociedade quer que eles façam.
dada exclusivamente aos fundamentos econômicos limitou, Enquanto a estrutura da sociedade fôr simples e estática.
desde o início, a perspectiva dessa Sociologia da Cultura. A as valorizações consagradas durarão muito tempo, mas se .1

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sociedade modificar-se isto imediatamente será refletido em descontrolado d<\ sociedade. Passamos de uma etapa em
mudanças das valorizações. Reavaliações e redefinições da que os chamados grupos primários (família, vizinhança ) for-
I• situação acompanharão forçosamente a mudança da estnttura mam o pano-de-fundo para outro em que predominam os
j! da sociedade. Uma nova ordem social não pode existir sem grupos maiores de contato social. Consoante C. H. Cooley( ~)
1:! ; estas reavaliações e redéfinições, pois só por intermédio delas indicou, há urna transição correspondente das atitudes .e
é que os indivíduos ,llgirão de uma nova maneira e reagirão virtudes primárias para os ideais dos grupos secundários.
a novos estímulos. :í\ssim, o processo de valorização não é As virtudes primárias de amor, ajuda mútua e fraternidade
I' simplesmente uma superestrutura epifenomenal, um acrés- são profundamente emocionais e pessoais, e é de todo impos-
cimo à ordem econ'ômica, por~m um aspecto da mudança sível aplícá-las sem adaptações ao ambiente. dos grupos de
social em todos os -seus setores em que se carece de mudança
.. do comportamento. Todavia, se as valorizações em suas mais
contato maiores. É possível amar um vizinho a quem se
conhece pessoal~ente, m.as é impossível exigir que se amem
importantes funções agem como contrôles sociais, como sinais pessoas de uma area maiS extensa a quem nem ao menos se
de tr;'tfcgo. é cvidcntt· q11c n:"u> podc·mos dar ord<•m e harmonia conhecem. No modo de ver de Cooley, o paradoxo do cristia-
ao caos dêsses controles exceto se conhecermos algo mais a nismo es tá em que ten tou aplicar as virtudes de uma sociedade
respeito dos processos sociais que os fazem funcionar e a baseada em relações de vizinhança ao mundo em gP.ral.
respeito das condições sociais que podem transtornar o fun- Éle não só pediu que se amassem os membros da nossa
cionamento desse sistema de sinalização. tribo (uma exigencia de formú alguma peculiar ao cristia-
H<1. decididamente. um sistema coerente de atividades nismo), como também que se amasse a toda a humanidade.
sociais c psicológicas que constituem o processo de valori- A solução p ara êsse paradoxo é que o mandamento "Amai o
zação; entre elas, as mais importan tes são a criação, a clissemi- p róximo" não deve ser tomado li tera l m,~ nte, mas sim tradu-
nação, a reconciliação, a padronização e a assimilação de zido de acordo com as condições de uma grande sociedade. . .).J--
valores, sendo que há condições sociais explícitas que favo- T rata-se de organizar instituições que incorporem certo prin- ·&?'
recem ou perturbam o funcionamento normal do processo cípio abs trato, correspondente à virtude primária da solida- . ~!f}''-"' · ·./"'
de valorização. riedade e fraternidade. Os direitos políticos iguais dos •'\ M ·?
cidadãos de uma democracia são equivalentes abstratos das \i iM' ..-
É justamente esta a mi nha <degação. H ouve um desloca-
mento completo dos fatores sociais de que dependia o funcio- virtudes primárias concretas de solidariedade e fratemidade. {,\V" ""'..tA(/ '-t
namento normal do processo de valorização, mas temos estado .:\este caso, é o método de tradução que faz o sistema de 1 ~..,v · -4
tão cegos ~ situação da sociedade que não pudemos sequer valores funcionar novamente. Porém, _!!2._.2.S assistentes so· \ /~.v~.~
distinguir convenientemente esses fatores, quanto mais endi- ciais poderão dizer-nos quão amiúde as pessõãs- fracassam \
reitar o que se deformou. O que vou fazer, por conseguinte, na Vicfa por nunca terem sido ensinadas a traduzir as virtudes ,
é procurar enumerar :'l lgumas dessns condições sociais modifi- em que foram educadas em casa para as condições da socie- 1
cadas que abalaram o funcionamento tradicional dos principais ' dade em geral. E ducar para a vida em familia e para as .•.. · · ·
fatôres do processo de valorização. .! funções no grupo de vizinhança é diferente de educar para ·, ·- · .. . ·'
· a cidadania nacional e mundial. Tôda nossa tradição cduca-
_cional e nosso sistema de valores ainda estão adaptados às '
3. Algu.nJ Fatàres Sociológicos que Perturba'rn o Processo necessidades de um mundo paroquial e no entanto espan- ,
de Valori::;oçilo na Sociedade Moclema. tamo-nos porque as pessoas se saem mal quando tem de •
agir num plano mais amplo.
( 1) O primeiro gru po de d istúrbio na esfera das valori- (:2) Ao passo que neste caso o método ele tr:1d uçft0
zações provém do simples fato do crescimento rápido e auxiliou a dar sentido ils virtudes primárias em u:n :11nndn

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d,· l·ontatos caJa vez mais vastos, em outros os valores do e comercial. Surgem novas formas de re~ponsabilidade indi-
1nundo limitado à \'izinhança só atuarão adequadamente vidual e coletiva, mas muito comumente a ausencia de oportu-
nas condições modernas se t~stiverem associados a uma re- nidades para assumir responsabilidade deprime os que ainda
forma completa. Tome-se, por exemplo, o sistema total de anseiam pelo respeito próprio graças à perícia que invertem
valores que está :ligado à idéia de propriedade J>rivada. em seu trabalho. Diz-se com justeza que nossa sociedade
Este foi um artifício criador e justo em uma socie ade de ainda não assimilou a máquina. Conseguimos êxito em criar
pequenos camponeses ou de pequenos artesãos independentes, um novo gênero de eficiência à moda de Taylor( •) que toma
pois, como o Professor Tawney( ~) mostrou, nesse caso a lei da o homem uma parte do processo mecànico e amolda seus
propriedade só -~ign ificava a proteção das ferramentas do hábitos segundo os interesses da máquina. Não consegu imos~
homem que realizava trabalho socialmente útil. O signific~do exito, contudo, em criar as condições humanas e relações _
da norma altera-se completamente em um mundo de técnicas sociais na fábrica que satisfizessem as aspirações de valores '
industriais em grande escala: neste, o mesmí.ssimo princípio de do homem moderno e contribuíssem para a formação de
posse privada dos meios de produção implica o direito de sua personalidade.
exploração da maioria por uns poucos.

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O mesmo se aplica ao nosso lazer maquinofaturado. O
:€ste exemplo revela, sob outro aspecto, como, através da rádio, a vitrola e o cinema são agora instrumentos para
transição de condições simples para outras mais complexas, produzir e distribuir novos padrões de lazer. São essen-
t:xatamente a mesma regra, ou seja, a da propriedade privada, cialmente democráticos e trazem novos estímulos à vida dos
pode mudar de sentido completamente, passando de instru- mais humildes, mas poucos dêles já conseguiram criar os
mento de justiça social a instrumento de opressão. Não basta valores autênticos que poderiam humanizar e espiritua!izar o
dar uma reinterpretação consciente do sistema de valores tempo gasto fora da oficina, da fábrica e do escritório.
organizado em tôrno da idéia de propriedade; é mister uma Destarte, a era da máquina tem sido incapaz, seja de
reforma completa para que a intenção original, de que deve produzir novos valores adequados a modelar o processo do
prevalecer o valor da justiça social, seja uma vez mais posta trabalho e do lazer, seja de reconciliar dois diferentes grupos
em prática. de ideais em choque, que em seu antagonismo tendem a
( 3) A transição de um mundo pré-industrial, em que desintegrar o caráter humano em vez de integrá-lo. O mesmo
imperavam os ofícios manuais e a agricultura, não se reflete efeito é perceptível na maioria das ativicfades do homem
somente na mudança de significado dos valores, que se con- moderno, desde que tudo o que ele faz em um compartimento
centram no conceito de propriedade, mas também em mudanças de sua vida não se relaciona com os demais.
de valores estéticos e de valores referentes a nossos hábitos ( 4) A confusão na esfera das valorizações provém não
de trabalho e de lazer. Não seria muito penoso demonstrar só da transição das condições do passado para as do presente
como em nossa apreciação da arte a luta real se processa como também do crescente número de contatos entre os
entre as atitudes at'raigadas no bom artesanato e os valores grupos. Graças à ampüação dos meios de comunicação e à
que se originam de artigos maquinofaturados. mobilidade social, como as migrações e as subidas e descidas
O antagonismo de valores, entretanto, existe em valori- na escala social, os valores de diferentes áreas são mesclados
zações ainda mais evidentes ligadas ao processo do trabalho. no mesmo cadinho. Antigamente, era possível referir-se a
Os incentivos e recompensas aa era pré-industrial são dife-
rentes dos da nossa. O prestígio das várias ocupações em (•) N. do T. - Economista e engenheiro industrial norte-
uma sociedade de artigos feitos à mão difere das formas de -americano, Frederick Winslow TAYLOR, pioneiro da "engenharia
prestígio que aparecem na hierarquia da organização fabril da eficiência".

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áreas de valores distintos: hábitos, costumes e valor izaçõe~ tivas. Agora, porém, defrontamo-nos com uma diversidade
de um país diferiam dos ele outro, ou a escala ele valorizações de seitas religiosas e o desacôrdo entre várias filosofias política~
dos membros de, aristrocracia divergia da dos burgueses. Se que, visto tôdas agirem simultàneamente, só conseguem neu-
os grupos entravam em contato ou até mesmo amalgamavam-se, tralizar a influencia umas das outras sôbre o espírito das
havia tempo Dilra assimilarem os valores uns dos outros; tinha pessoas.
lugar certa sôite de incorporação e as diferenças não perma· Ademais, temos os diferentes modos de justificar a autori·
neciam irreco,nciliáveis nem sobreviviam como estím ulos anta- dacle. Em certa é poca havia apenas duas .maneiras de justi -
gônicos. Ho1é. englobamos as mais heterogeneas influencias ficar a autoridade dos regulamentos· sociais: ou faziam partt:
em nosso sistema de valores, e não existe técnica para mediação da tradição ("conforme nossos antepassados fizeram") ou
entre valorizações opostas nem tempo para uma assimilação exprimiam a vontade de Deus. Contra isso. ergueu-se o nôvo
verdadeira. Tendo isto em mente, torna-se claro que no metodo, que reconhecia ccmo sua única fonte de aceitação
passado atuaram processos lentos e inconscientes, que se a que podia ser deduzida ela eterna lei racional, por hipótese
desincumbiram das funções mais importantes de mediação, comum a tôda a espécie humana. Quando esta crença d<'
assimilação e padronização de valores. tsses prccessos atual- esclarecimento pela Razão Universal como poder legisferantc
mente foram suplantados ou então não encontram tempo nem desintegrou-se, escancarou-se a porta para os mais variado~
oportunidade para realizar sua tarefa a propriadamente. Isto, tipos á e justificaç<lo dos valores. A justificação u tilitarist.t
:1 dos valores por sua utilidade ou a crença na inspiração Ülcon-
só por si, reduz a expc:rienci<l dos valores n uma insigni-
ficilncia. 't Para que uma sociedade din,lmica possa ao mcnoSl trolável do Chefe tornou-se tão plausível quanto a fé n.1
I funcionar:-precisa de uma variedade de respostas ao ambientcl, lei do mais forte. Saber se esta última se ma nifesta n.t
f mutável, mas se a variedade dos padrões consagrados torna-se \ teoria de uma luta eterna entre raças, classes ou elites nà•l •:
de grande importância. Em todos esses casos, não cx•stt:
excessiva, conduz à exasperação nervosa, à incerteza e aoj
medo. Fica cada vez mais difícil pam o indivíduo viver em fim para o processo de extinção mútua, já que a justificaç:11l
uma sociedade informe, em que até nas situações mais simples é de molde a admitir alegações arbitràriamente interminá,·eis:
tenha de optar entre vários padrões de ação e valorizações por que não terá o meu chefe a visão, minha raça ou classe
sem sanção, sem que ele nunca tenha aprendido a escolher a vocação, para dominar o mundo?
ou a confiar em si mesmo. Outra dificuldade da mes ma ordem é a que concentra .1
Para neutraliza-r os efeitos nocivos dessa variedade, seria responsabilidade em determinado agente social visíveL Onde
mister encontrar certo método de padronização gradativa das não existe um sistema de valores reconhecido, a autoridade
valorizações básicas a fim de readquirir atitudes e juízos equi- dissemina-se, os métodos de justificação tomam-se arbitr:iri• s
librados. Como isto niio existe em nossa sociedade de massas, e ninguém mais é responsável. A concentração da autoridad<'
é de temer-se q ue da insegurança venha a brotar o clamor e a atribuição de graus diferentes de responsabilidade a dt·
por valores impostos. ferentes funcionários são condições indispensáveis ao funciP·
namento da ordem sociaL Essa concentração, porém, torna -<c
( 5 ) Outra causa de perturbação e deslocamento de mais difícil à medida que classes diferentes, com suas origrns
nosso sistema de valores é atribuída às formas inteiramente históricas e m entalidades diversificadas, aderem a padriit s
novas ele autoridade e de s:-tnções que apareceram, e aos diferentes, e que não se faz ne nhum esfôrço para reconcilt.tr
novos métodos de justificar a autoridade e as sanções existen- as divergencias entre elas.
tes. Quando a sociedade era mais homogenea, as autoridades
reli.,.iosas e políticas ou bem concordavam em muitos pontos (6) Uma dificuldade ainda maior de nosso te:npn ,.
ou haYia um conflito violento "para definir as esferas respec- causada pelo fato ele que enquanto os mais imp<Ht.tn! · ·

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valores quo governavam uma sociedade baseada na regra do ção e assimiliação de-valores ficam cad<l vez mais (\ cargo do
costume er.am aceitos cegamente, a criação de valores espe- eu consciente.
clficamente novos e sua aceitação se baseiam, em grande parte, (7) Esta mudança é formidável, posto que, l)ara criar
na apreciução consciente e racional dos valores. Saber se um cidadão obediente à lei cuja obedicncia não se baseie ·
a gente deve amar o próximo e odiar o inimigo baseia-se, exclusivamente na cegueira da aceitação e do hábito, devemos >
segundo vimos, na convicção de que isso é uma imposição de reeducar o homem integral. As pessoas que se acham condi- .
Deus ou uma parte ~de nossas tradições veneráveis, mas saber cionadas a aceitar cegamente valores, por meio de obediência,
se a organização democrática é preferível à ditatorial ou se imitação ou de sugestão emccional, diflcilmente serão capazes
nosso sistema educacional deve dedicar mais atenção ao de se haver com valores cujo apêlo à razão e cujos princípios
estudo dos cl~ssicos ou a uma especialização mais intensa subjacentes podem e devem ser discutidos. Ainda não nos
são decisões que.:tem de ser raciocinadas. Ainda que concor- demos completamente conta de quão tremenda seria a reforma
demos, afinal, que devamos preferir determinada decisão irra- da educação necessária para fazer funcionar uma sociedade
cional, ~ pe~~são t.g__m <!_e pas~ r E_ela :~ ~a ~~li_b,eraç~o democrática, baseada na apreciação consciente dos valores.
_cq~~e, estancfo continuamente effiformação novas tecnicas Há uma coisa que todo reformador e educador deve ter em
de apreciação consciente dos valores. mente, qual seja a de que todo sistema nôvo de controles
Malgrado êste processo tendente à maior percepção e sociai~ .~~i~ a reeducação do ego. Em uma soclecTãde 'e'in
deliberação seja em si mesmo um grande adiantamento, mesmo q:Üe os contrôles "dosvalores eram sinais de tráfego, apelando
assim, ao ser introduzido no contexto social existente, abala diretamente para reações condicionadas ou para as emoções
completamente o equilíbrio entre as fôrças conscientes e e o inconsciente, era viável provocar ação social sem fortalecer
inconscientes que agem em nossa sociedade. A mudança as capacidades intelectuais do ego. i\·las, em uma sociedade
para a apreciação e aceitação conscientes dos valores é equi- em que as principais mudanças devem ser obtidas por meio
valente, no plano social e na história do homem, ao impacto de deliberação coletiva e em que as revalorizações devem
da teoria de Copérnico, e só pode levar a aperfeiçoamentos basear-se no discernimento intelectual e no consenso, será
se fôr deveras assimilada pela sociedade em geral. Para necessário um sistema de educação completamente novo,
sustentar-se o pêso de maior percepção é indispensável que que devote o grosso de suas energias ao desenvolvimento
sejam modificadas ao mesmo tempo muitas outras coisas, de nossas capacidades intelectuais e produza um estado de
entre as quais a educação. As origens desta novidade con- espírito apto a suportar o peso de ceticismo, sem entrar em
turbadora podem· ser encontradas nos dias em que pela pri- pânico ao ver muitos de seus hábitos mentais destinados a
meira vez o homem percebeu que através da direção cons- desaparecer. ·
ciente da lei êle poderia, de certa forma, influenciar uma Por Outro lado, se a democracia hodierna chegar à con-
sociedade em mudança. Dêsse modo, compreendeu que era clusão de que êste estado de espírito é indesejável, ou que é
possível associar a criação e a orientação dos valores com a impraticável ou ainda não exeqüível quando diz respeito a
deliberação consciente, bem como prever e, até certo ponto, grandes massas, devemos ter a coragem de introduzir êste
influir nos efeitos sociais. O que está ocorrendo agora é que fato em nossa estratégia educacional. Nesta eventualidade,
o que já é uma questão de fato na esfera legal está sendo em certas esferas devemos admitir e fomentar os valores que
~ansferido para outros setores. Nos da educação, trabalho apelem diretamente para as emoções e fórças irracionais do
eclesiástico e assistência social, os valores de natureza antes homem e ao mesmo tempo concentrar nossos esforços na
moral do que legal estão sendo vinculados à deliberação • educação para o discernimento intelectual naquilo que já
apreciação r acionais. Por isso, a criação, disseminação, aceita- esteja a nosso alcance. I! possível seguir as duas linhas de

26 27

...... ·- ·--· . ·- -~
- - . ... - · .. - -.........,..·.».·'"o ) ,_ r ••• , ----.......-..=v!~---~ "' .. '=·!;.~t · ·~~:""·~~· ~~-· -•--·_ "' ab't·ãtt1tftC ·an·MtPflll

t í
I
ação: adestrar inteiramente para valores irracionais em uma
sociedade neles baseada, ou adestrar para a deliberação racio- sendo eliminados aos poucos, sem s<·n·zll (Hb~ titu i dos por
nal onde os valores sejam de molde a permitir grande dose quaisquer outros. Niio é de adm irar, pnr Cllnseguinte, que

I I,
t
I
ele justificação racional sôbre bases utilitárias, por exemplo.
Todavia, o que está fadado a conduzir ao caos· é um choque
entre a natureza das valoTizações predominantes e os métodos
ele educação em y:igor. Não se pode criar um nôvo mundo
moral alicerçado sobretudo em apreciação dos valores racio-
nossa sociedade careça dnquela salutar estrutnra de valore~
comumente aceitos e ele tudo o que dá L'Onsistencia espiri-
tual a um sistema social. Se há nlguma coisa de verídico
na afirmação aristotélica de que a estabilidade política depende
da adaptação da educação à forma de governo, se pelo menos
nais, isto é, v'!-iores cuja função social e psicológica seja concordamos com os que percebem que uma sociedade só
compreensível, e ao mesmo tempo conservar tlm sistema pode funcionar quando há uma certa harmonia entre os va-
educacional qu,e em suas técnicas essenciais aja por meio lores, as instituições e a educação em . vigor - então, nosso
da criação de inibições e procure impedir o desenvolvimento sistema de laissez-faire está destinado a mais cedo ou mais
ela capacicladé crítica. A solução, parece-me, está em uma tarde desintegrar-se.
espécie de gradatividade na educação, que admita etapas âe ~uma sociedade em que a desintegração já avançou de-
adestramento em que caibam, convenientemente distribuídos, mais, surge a situação paradoxal da educação, assish~ncia

ri
I tanto o ponto de vista irracional quanto o racional. Até
certo ponto, esse modo de encarar é encontrado no sistema
social e propaganda, não obstante técnicas altamente aperfei-
çoadas ficarem cada vez menos eficientes porque os valores
·! planejado da Igreja Catóüca, que procurou apresentar a que as poderiam orientar tendem a desvanecer-se. De que
il
:i verdade às pessoas simples por intermédio de imagens e dos
aspectos dramáticos do ritual, ao mesmo tempo que atraía
adianta criar métodos tremendamente engenhosos de propa-
ganda e sugestão, novas técnicas de aprendizagem e de for-
as pessoas cultas para enfrentar a mesma verdade no plano mação de hábitos, de condicionamento, descondicionamento
'i
I,
da argumentação teológica. Não é preciso ressaltar que
minha referência à Igreja Católica não deve ser interpretada
.e recondicionamento, se não soubermos para que sei'vem?
/ Qual a vantagem de criar orientação infantil, assis'enc!a
I
como uma recomendação a favor de seus dogmas, mas apenas social psiquiátrica e psicoterápica ~e aquêle que deve dar a
um exemplo de como a política eclucacionnT pode ser plane- \ orientação fica sem padrões por que se guiar? \'!ais cedo
jada de forma a levar em consideração os dois tipos de ou mais tarde, todos viram neuróticos, à proporção que se
recepção de valores.
torna impossível fazer uma escolha razoável em meio ao caos
( 8) Vimos algumas das diversas causas sociais que dos valores em competição e não-harmonizados. Só os que
I contribuem para a crise de nossas sociedades de laissez-faire.
Vimos como a passagem elos grupos primál'ios para a grande
viram o resultado da não-interferencia total nos valores e da
abstenção deliberada de qualquer discussão sôbre objetivos
sociedade, dos ofícios manuais para as técnicas industriais comuns em nossas democracias neutralizadas, como a Alemanha
!I em grande escala e os contatos entre áreas de valores anterior-
mente· isoladas, provocaram distúrbios no processo da valori-
republicana, perceberão que esta negligencia absoluta de-
genera em andar-se à matroca e prepara o terreno para a
..:r zação. Vimos como as novas formas de autoridade e de
sanções, os novos métodos de justificar a autoridade, a omissão
submissão e a ditadura. Ninguém pode esperar que um ser
htunano viva em completn incerteza e sem limites para suas
em focalizar a responsabilidade e de educar para a apreciação escolhHs: nem o corpo nem tampouco o espírito elo homem
~~ consciente dos valores, cada um por si e todos em conjunto
contribuem para a presente crise de valorizações. Vimos, por
pode tolerar a variedade infinita. Deve haver uma esfera em
que predominem a conformidade básica e a continuidade.
fim, como todos os mecanismos que regulavam automàtica-
~ mente o processo ela valorização se foram enfraquecendo ou Está claro que se nos queixamos de que nosso sistema
.I liberal e democrático está desprovido de um foco, por certo
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não queremos uma cultura arregimentada e uma educação 4. Significmlo do Planejamento Democrdtico ru1 f.sjew do •
autoritária de acôrdo com a índole dos sistemas totalitários. Valores.
Sem embargo, deve haver algo, uma terceira solução, entre
a arregimentação totalitária, de um lado, e a desintegração ( 1) O pdmeiro passo a ser dado pelas democracias, em
completa do sistema de valores da etapa do laissez-faire, do contraste com a orientação anterior de lllisse:-faire, consistirú
outro. A terceira solução é aquela a que dou o nome de em renunciar a seu completo desinteresse pelas valorizações.
modêlo de planej.amento, ou planejamento para a liberdade. Não devemos fugir a uma clara defi nição de posição, q uando
Consiste, essencialmente, no reverso de uma imposição dita- se trata de valores, nem sustentar que em uma democracia é
torial de controles externos. Seu método será o de achar inexeqüível um acôrdo acêrca de valores.
novos ntmos pa;à libertar os contrôles sociais legítimos e es- Desde a deflagração da guerra, e at~ 111ais recentemente,
pont:lneos dos .éfeitos desintegradores tia sociedade de m as~•l~. desde que o principal inimigo passou a ser o fascismo universal,
ou então de inventar novas técnicas que desempenhem a mudaram as frentes predominantes e surgiram novas oportu-
fu nção da auto-regulação democrática num plano mais elevado nidades para consenso. Trata-se de saber, sobretudo, se en-
de consciência e de organização intencional. tendemos direito o significado dessa mudança e se estamos
A esta altura, já deve ter ficado claro por que me demorei prontos para agir ràpidamente nesse sentido.
tanto na análise da.~ principais modificações que afetaram a O p róprio fato das democracias estarem travando sua
atuação dos vários fatóres do processo de valorização. É de guerra contra o fascismo, uma guerra que terá de continuar
se compreender, igualmente, por que procurei relacionar al· num plano espiritual mesmo depois da luta annada ter cessado,
guns dos corretivos, as técnicas de reajustamento do processo tornou imperioso salienta r os elementos unificadores de nosso
de valorizações, como, por exemplo, tradução de valores, cria- sistema democr:itico e uma evolução progressiva da implicação
ção de novos valores, reforma total, assimilação de valores, social da democracia. Isso quer dizer que há uma teodencia
padronização de valores, harmonização de valores, concentra- inerente à situação atual para pór em evidencia a apreciação
ção da autoridade e da res ponsabilidade, adestramento p ara dos valores do estilo de vida democrático e da democracia
apreciar conscientemente os valores, etc. Como o planeja- como sistema político, e de não se desvencilhar deles por
mento democrático do sistema de valores não consistirá em nenhuma promessa de um mundo melhor. Por outro lado,
inculcar êstes, torna-se premente estudar cuidadosamente os penso que a situação contém pressão bastante para não deixar
fatôres que fazem o processo de valores espontâneos ag ir em a necessidade de con~enso converter-se em um anteparo atrás
todos os seus aspectos na vida quotidiana. do qual poderíamos permanecer estagnados ou mesmo reacio-
Se concordamos que o verdadeiro planejamento é o demo- nários, socialmente. Isto significaria perder a ~uerra e a paz.
crático, daí decorre que o problema não consiste em saber :E: natural que se trata apenas de uma possibilidade para obter
se devemos ou não planejar. mas sim .encontrar a verdadeira o consenso e o progresso social, nada mais que uma possibili·
diferença entre planejamento ditatorial e democrático. A dade : concretizá-la requer m uita compreensão e coragem.
criação do método de orientação democrática dos valores, ( :2) O segundo desiderato para tornar viável uma po-
tal como está sendo processada aos poucos nas democracias lítica democrática de valores é convencer todos os cidadãos
:anglo-saxónicas, e que, espero, prosseguirá no futuro, foge ao de que a democracia só pode funcionar se a autodisciplina
'meu objetivo presente. Posso apenas enunciar alguns dos democrática fór bastante forte para fazer as pessoas concor-
princípios que poderiam orientar uma forma assim democrática darem sobre questões concretas em benefício da ação comum.
de política de valores. ainda que divirjam quanto a ponnenores. Porém, êste come-
dimento só se materializará no cenário parlamentar se as

30 31
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. . ..... ~:7e·;_ •~ k:,:.,.,.;s.. #tf'#rMftNAY

mesmas virtudes forem exercitadas na vida diária. Sab emos missões do sociólogo ser.i estud<l!' as condições em que surgem
que a maquinaria pa,1~lamentar só pode gerar o consenso e as desavenças e em que os processos d e ajustamento de grupos
acomodação necessários se os mesmíssimos procc·ssos de e de harmonização de valores deixam de operar no con tcxtn
ajustamento de va)t>res estiverem agindo continuamente na da vida quotidiana. ~le analisará as causas dC:·ste insucesso
vida diu turna. Só se nos contatos diários o hábito da com os métodos de investigação empírica que em tantns
discussão produzir ,~l reconciliação de valorizações antagónicas, outros campos indica ram soluções para a detcriora~·iio
c o hábito ela cooperação der lugar a uma assimilação mútua institucional.
dos valores do oÚtro, pode-se esperar que uma política comum
venha a ser forjada no parlamento. onde os grandes partidos /Uma das realizações da Sociologiõl modem a é ter desco-
organizados se reúnem c tem ele definir suas metas e sua berto emplricamente corretivos parã mal··~ ~r ciais qn <' .1té
então eram apenas encarados como rt!~u lt.t !. !, . r llllOr e
estratégia.
do pecado. Se a Socíoln~ia foi ca pa~. d~ 1 '' 1 ,], ·f in ir .1s
Não é bastante, evidentemente, nfirmar ser êste um desi- causas sociais de v;írios t•pos d1~ delinqi.u:·n1 ... i .-. •.n,;..l!> r.ti;.es
derato geral. 11; mister tóda uma campanha para descobrir do comportamento dos h.1ndos e (llla,lrilh;,, ·" íl' < lt.. L' ~~ ~l~ que
quais são os pontos fracos na tessitura social, em que se esta- colaboram no ódio rnci.ll e em outra~ I n n" dt• conflito
belecem a doença social, a deterioração e a deswnanização. entre grupos, é perfeitamente lícito ima~· r1 .lr 1111e lhe será
O consenso é b em mais do que um mero acôrdo teórico" possível sugerir métodos que possam auxd:ar .ts pc~:;ons em
( .acerca de determinadas questões - o consenso é vida r:.m)
seu ajustamento diário e intervir em seu:- l\.:\:H:ordns .lc} rC<l
comum. Preparar o terreno para alcanç:u e.~se c.onsenso é, de valorizações.
em última análise, preparar o terreno para a vida em comum.
Se uma socialade viesse a investir tanta energia, digamos.
Ocasionalmente, reformadores tem colocado os tnales de na mitigação do ódio entre raças e grupos quanto as socie-
um sistema social sob as gambiarras do conhecimento comum dades totalitárias o fizeram para fomentá-lo, poderiam ser
e da ação combinada: o que tais homens fizeram e~poràdica .. conseguidos grandes avanços no abrandamento dos conflitos.
mente, deverá ser feito agora em grande escala e sistemàtica- Comissões de conciliaçf1o e tribunais arbitrais oferecem um
mente. 1!: quase impossível, numa época como a nossa, ~upor modelo de acôrdo espontâneo, quanto a questões em que
que os efeitos nocivos, por exemplo do desemprego, da Jes- outros ficariam esperando uma ordem. Como exemplo do
nutrição ou da falta de educação, venham a permanecer que a arbitragem pode realizar, associada aos conhecimentos
confinados a certas classes da sociedade. A interdependência sociológicos, um dos mais notáveis documentos é o Relatório
rigorosa elos acontecimentos na sociedade moderna faz da da Comissão sôbre os Distúrbios Raciais em Chicago.(')
intranqüilidade geral, que acompanha a privação intelectual Após terem irrompido tais distúrbios, foi instalada uma comis-
e física, uma preocupação de todos. Preparar o terreno para são a fim de utilizar seus conhecimentos sociológicos para
o consenso significa, em última instància, afastar esses obstá- descobrir as causas, tanto &randes quanto pequenas. respon-
culos ambientais. A luta por valorizações comuns, portanto, sáveis pelos tumultos. Ainda que se percebam <ts limitações
tende a acompanhar, passo a passo, a luta pela justiça social. do relatório, ele fomece certas indicaçõe~ de como os dcsa-
Sem embargo, por outro lado, não se pode presumir que justamentos coletivos e diferenças de valoriz:lções poderão
a maior justiça social venha autcmàticamente a produzir ser algum dia tratados se encontrarmos novos t:pc>s de in;ti-
acórdo sóbre um conjunto búsicu de v,tlorizuções. ~a socie- tuições para lidar com eles adecluadamente c numa c.>scala
dade de massas. há m11itas outr:1s f0ntes de discórdia e anta- conveniente.
O'onistnos individuais e grupais que levam ao caos se não (3) T odavia, a missão de uma política democrática de
Foram convenientemente~ man useadas. C ma das principais valores não é somente mitigar conflitos e desajus!amentm

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I,
depois que se tenham tornado patentes; positivamente, ela demos aprender da guerra é a de quantas· fôrças psicológicas
também tem de cuidar do desenvolvimento daquele acôrdo e institucionais podem passar a atuar em uma sociedade
básico. Se é verdadeira a afirmação sociológica de que ne· desde que se deseje realmente sua integração. Dev'emos
nhuma sociedade pode sobreviver sem coordenação dos valo- observar com cuidado êsses mecanismos, porquanto o futuro
res básicos, das instituições e da educação, deve haver maneiras da sociedade depende de conseguirmos conceber uma técnica
democráticas de favorecer a expansão dessa harmonia na para chega·r a acôrdo sôbre as valorizações básicas e os
grande sociedade. O ensino, a educação de adultos, a assis- métodos de reforma sociaL Do contrário, a única alterna-
tência social, os h·ibunais juvenis, as clínicas ele orientação tiva será a planificr~ção dita torial. A propósito, há muita
infantil, a educaçãQ dos pais, representam algumas das insti· verdade na a.firmação do psicólogo William James de que
tuições, velhas e novas, que são instrumentos à nossa dispo- o problema da sociedade moderna é encontrar um sucedàneo
sição. Não bast~1 contudo, a existência dêsses meios de
disseminação, ajus'tamento e assimilação de valores: do que
.. moral para a guerra. Isso equivale a dizer, encontrar t1ma
finalidade unificadora que aja tão fortemente quanto a guerra
se carece é de uma filosofia mais consciente de seu significado, no estímulo à criação de um espírito de altruísmo e de
uma coordenação mais deliberada de sua orientação e uma sacrifício pessoal, em grande escala, sem ter um inimigo
concentração de seus esforços nos pontos de importância real.
estratégica. Essa concentração de esforços em nosso mundo Creio haver no mínimo uma probabilidade razoável de
democrtáico não tem de levar forçosamente a uma ditr~dura, que após os horrores desta guerra as tarefas de reconstn1ção
pois que, além do fato dessa política ser est:lbelccida por venham a ser tão urgentes que muitos as sentirão como um
(I meio de acôrdo democrático, haverá ainda campo para expe- fim tão vigorosamente unificador quanto a própria guerra.
;r riências e liberdade para as minorias seguirem seus próprios
desígnios.
Os perigos implícitos na incapacidade de conseguir uma
reorganização democrática do mundo poderão ser sentidos
O ponto capital de tôdas estas sugestões é que a demo- como uma pressão análoga à do mêdo ao inimigo. Se êsse
cracia não implica necessàriamente uma sociedade informe, medo fôr associado à inteligência e guiado por esta, o pro-
uma sociedade sem uma política de valores, mas sim uma em blema do planejamento democrático poderá ser solucionado.
que a integração espontànea do consenso continua a se efetuar Se tal não acontecer, sobrevirá a escravização da humanidade
em todos os níveis. Grupos confessionais, locais, de interêsse, por um sistema qualquer de planificação totalitária ou
profissionais, de idade, criarão diversas maneiras de abordar ditatorial e, uma vez instaurado, é difícil ver como poderia
as valorizações, mas é essencial suplementar a divergência ser removido ou como poderia definhar sozinho. Só com
por um aparelhamento de coordenação e mediação coroado um sentimento profundo da grandeza do que se acha em
por uma política de valores estabelecida por acôrdo demo· jôgo, será possível resolver o problema do planejamento demo-
crático, sem o que sociedade alguma pode sobreviver. crático e de seus aspectos ligados aos valores.
1!: errado pensar que êstes esforços integradores são forço-
samente sobrepostos à vida dos grupos naturais, ao passo que
as fôrças desintegradoras, isto é, o egoísmo individual e dos
grupos, são genuínas. Ambas as tendências estão agindo
igu'almente em tôda sociedade viva e em todo indivíduo. O
mal da sociedade de massas é que os mecanismos sociais
que deveriam dirigir a integração e mediação de valores estão
sendo continuamente suprimidos. Uma das lições que po-

3·1 35

.,I
~~
possui um efeito estimulante direto e não pode ser substituído por sim-
ples produtos culturais objetivos.
2) Em segundo lugar, os educadores também reconheceram a im·

IILEDUCACAO E portância desse último grupo de fatores educacionais - os produtos e


realizações objetivas de uma cultura. Dividem-se estes em dois tipos:
a) áreas especializadas de conhecimento e habilidade que tomam mais

PLANEJAMENTO :~
eficiente a ação humana; b) os valores morais e estéticos geralmente
apreciados dentro de uma cultura que, embora não sejam diretamente
funcionais ou utilitários, contribuem para a formação de idéias e atitudes.
),
3) Por fim, os educadores têm tido consciência da importância da
'• formação de hábitos automáticos, quase instintivos, cujo caráter de imuta-
7. EDUCAÇÃO E SOCIEDADE bilidade muitas vezes confere tanto a indivíduos como a grupos mais
estabilidade do que as '.'idéias" que já deixaram de ser convincentes ou
do que exigências sociais prescritivas, as quais, justamente por serem
prescritivas, não alcançam o efeito pretendido.
Todos esses processos e meios de exercer influência sobre os seres
7.1. A EDUCAÇÃO SOCIAL DO HOMEM* humanos possuem em comum uma tendência a se limitarem às possibili-
dades oferecidas pelas relações mútuas entre os indivíduos e coro isto
·V)
~
O propósito subjacente ao nosso· estudo é de caráter educacional; apartam da esfera social e histórica a obra da educação, tomando-a,
estamos procurando abordar de um novo ângulo a tarefa da educação. · por assim dizer, íntima e pessoal. Compreendeu-se, de fato, que a edu- r
cação não ocorria apenas nas esferas mais ou menos artificialmente isola- r\/
- A educação sempre teve como conteúdo a formação do homem.
Ela sempre pretendeu moldar as gerações que surgem em conformidade
das da escola e do lar, nas relações íntimas entre duas pessoas, entre IJ>
"eu" e "você". Compreendeu-se que os processos decisivos que deter-
com algum ideal consciente ou inconsciente, e sempre procurou controlar
minam a formação da per~onalidade em sua maior parte ocorriam no
todos os fatores de formação da personalidade.~ Dentre os processos e
mundo de ~odos, que se costuma chamar vagamente de "vida". Mas
meios típicos que até agora teve à sua disposição para conseguir esse · pouco ou nada se pensou a respeito da contribuição dessa assim chamada
objetivo, pretendemos mencionar apenas aqueles que são necessários "vida" para a formação da personalidade, ou ao exame científico dessa
pa ra elucidar convenientemente os novos fatores, a nova abordagem da contribuição.
educação, que a cada dia vai atingindo maior maturidade.
Em um estágio pré-sociológico do pensamento, a "vida" é consi-
I) Os educadores sempre souberam que · no contato pessoal entre derada fatalisticamente como algo muito vasto e incompreensível, "irra-
seres humanos situa-se um fator muito profundo que influencia o desen- cional''; por isso, quando os jovens educados com todo cuidado no lar
volvimento psíquico. A personalidade do professor, dos pais, dos ami- e na escola deixam afinal o círculo doméstico, muita gente pensa que
gos, em certas circunstânpias exerce sobre a criança um efeito muito . eles estão abandonados à tormenta da vida, à mercê de elementos im-
mais profundo que o seu meio cultural institucionalizado. O contato ponderáveis. Ninguém diria quenão existem na "vida" elementos impon-
pessoal, a inspiração exercida pela personalidade vigorosa de um líder, deráveis ou incertos; ninguém negaria que existem casualidades na su-
cessão, de acontecimentos, concomitâncias singulares de circunstâncias
* Reproduzido de MANNHEJM, K. The social education of man. In: Essays 011 the que escapam a qualquer controle. :i:: impossível prever quem haveremos
sociology oj knowledge. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1952. p. 230-5. Trad. de encontrar, ou quais efeitos desconhecidos poderão ter sobre nós urna
po r Sylvio Uliana.
pessoa ou uma experiência. Não nos é possível dizer o 'quão profunda-

~;:;• -·- ... n X . ~~-:~-"'· ' ':or~· .::.-::. '"'" ,,._ ·::':::.. " •:_____ zm i ;>~~!\:'9: $ U&&Ui&.QJA;'JI».w
., 155 ~')
154

do "mundo ideal", que, na medida em que possui qualquer relação com


mente poderemos ser afetados por nossas experiências, ou até onde o
o presente histórico e social concreto, na verdade apenas existe par .l
co n h~c i mento de outras pessoas poderá fazer-nos refletir sobre nós mes-
ocultar a realidade inconquistada do mundo "primário" e afastar- nos d•>
m o~ Todav ia, semelhante cadeia de experiências futuras, imprevisíveis,
autêntico idealismo, atirando-nos em seu perigoso oposto, o romantismo .
e pc ·n an to de impossível investigação, não deve absolutamente ser identi-
O salto que se deu no idealismo abstrato para a crueza do mundo d.1
fica,!:' com os fatores recorrentes típicos de nosso ambiente que costumam
política do poder, característica tão comum da história de tantas nnçóes
agi 1 no sen tido de forçar nosso desenvólvimento mental ou espiritual em
e grupos sociais no século XIX, é apenas um reflexo e projeção. em
urn :t detenn in"dn direção. O pensam~pto pré-sociológico não compreende
larga escala do processo de deterioração de idéias espúrias que podemos
que jarnuis ternos de nos haver corh "a vida em geral", em sua vaga
observar na vida diária - idéias que são espúrias e fadadas à deteriora-
natur~za nbstrnta, mas sempre coq. uma forma bastante concreta de
ção justamente porque, desde o início, foram concebidas sem qualquer
cxistl- ncia social em uma situação particular. A maior parte de nossa
vicl<1 .: gasta numa tentativa contínua de fazer frente ao conjunto de relação com a vida real.
fator~<; recorrentes e insuperáveis que caracterizam detenninado meio Todavia, o destaque que damos aos fatores sociais na educação não
social concreto. A natureza dessas influências, sua força e o sentido no significa que desejamos minimizar ou suprimir aqueles outros fatores
qual elas desenvolvem ou atrofiam personalidades seriam perfeitamente sobre os quais se baseava o tipo antigo de educação, tais como os con-
passíveis de investigação c descrição, e poderiam tomar-se mais susce- tatos interpessoais, as habilidades ou os valores culturais tradicionais.
tívei~ de controle se elas fossem investigadas racionalmente, da mesma Desejamos, antes, suplementar esses fatores mais antigos, tomando-os
forma que outros dados sobre a existência humana foram estudados mais concretos e acrescentando-lhes a terceira dimensão que faltava -
atl; o pr<.!sente.
a dimensão social.
Enq uanto a educação deixar de observar esses fatores, levando-os A investigação c!.~ ~tore~..§_ociais~~ficado do ambient~_.social,
na devida con ta, enquanto insistir em treinar "homens em geral" ao . é importante de duas maneiras para uma teorip sociológica da educação.
invés de homens adaptados a um meio social determinado, ela estará -~'7 - ---
fa zendo a co rte a uma abstração vazia, e o resultado só poderá ser o / " .... Primeiro, é necessário saber com a maior exatidão possível em que
fracasso para todos aqueles que tentarem aplicar as máximas imprati- espécie de mundo se espera que irá viver a nova geração. Queremos
dveis. conferidas pela sua educação, ao mundo concreto em que terão ser capazes de despertar e cultivar no indivíduo todas aquelas habili-
clt: ingressar. Por ou tro lado, se uma pessoa tiver suficiente vitalidade dades de que ele provavelmente irá necessitar nesse ambiente. Precisamos
para resistir a essas máximas impraticáveis, poderá chegar a uma situação levar em conta que, na maioria dos casos, vivemos hoje em um mundo
de tr~gua, em que tenderá cada vez mais a "resolver" os problemas que industrial, e que esse mundo, tanto nos escalões superiores como nos
ela;; <.~p rese nta m , referindo-se a elas como a "ideais da boca para fora", inferiores, necessita de tipos especiais de homens, dotados de capacidades
!-em força real mente motivadora, mas ignorando-as por completo quando especiais, que eles não adquirem naturalmente, na forma e na extensão
~~ i•Hna necessário tomar decisões realmente importantes. exigidas. Deve-se também ter em mente que esse tipo de homem se
/ (h princípios educacionais divorciados da sociologia dispõem-se,
exporá a certos desafios sociais, a certos ataques e possibilidades de
; desde o início, a produzir aquilo que Hegel chamaria de "infeliz estado conflito, aos quais precisará fazer frente como indivíduo, e também pro-
· de consciência" - "infeliz" porque as premissas demasiado elevadas, var sua capacidade de participar da resistência coletiva. A determinação
I
· d~ma~indo abstra tas, transmitidas ao seu portador através da educação das influências típicas que operam na vida diária de uma sociedade in-
/ arlll1nal tornam-no incapaz de dominar os conflitos que constituem a dustrial tornará mais fácil desenvolver no indivíduo as capacidades ne-
• real c; ... ~~ncia da vida; sua tendência é sentir-se à vontade apenas quando cessárias e também cultivar nele, de forma planejada, as atitudes que
l1da l'<llll o possível e o provável, considerando "má" a priori toda a provavelmente o habilitem a resistir a influências perniciosas.
n:;d 1dadc:. O verdadeiro significado e função da "idéia" é levar a reali- O segundo aspecto importante de semelhante investigação já se
dalle il íren tc, a um estágio além de si mesma; mas semelhante "cons-
aproxima dos limites da p0lítica. O que acabamos de ver foi a impor-
ci(·nda ideal iqa" arti ficialmente cultivada leva , em vez disso, a um segun-
I

dinâmicos que de fato deram origem aos diversos mi/ieux. P ois está
(,
- ~· ulcmv u:.>s LêllOres sociais no adestramento dos homens, claro que o mundo social não é simplesmente um a justaposição de difc· I
de forma tal que se tomem capacitados ao máximo para executar as rentes ambientes em form a de mosaico. Concebê-lo nesses termos s~:1
i:1 I
tarefas que lhes cabem, impedindo, assim, que o rápido desenvolvimento
social e industrial de nossa sociedade torne impossível ao homem moderno
manter a observação num nível intuitivo direto e atribuir à aparência
exterior das sucessivas fases de um processo maior importância que aos I
manejar o mundo. Todavia, esse conhecimento pode ter uma função
n111is ampla. Não se trata simplesmente de adaptar os homens a um
princípios que determinam o seu desenvolvimento, diferenciação e trans- I
determinado nível de desenvolvimento, mas de produzir indivíduos formação. ·
A um escrutínio mais cuidadoso, essa investigação de mi/ieux de·
capazes de desenvolverem a forma existente de sociedade além de si
monstra ser meramente a guarda avançada de um plano de estudos
mesma, a um estágio mais avançad6. Já se disse algo a respeito de uma
''pedagogia industrial" como instrumento de reforma social, e pode-se
em des~nvolvimento cada vez mais amplo, cujo objetivo é compreender
a vida, em sua dimensão tanto social como espiritual em termos dos
esperar que, em uma era d.e transformações sociais como esta em que
princípios de desenvolvimento das diferentes estruturas que se elaboram
vivemos, os homens voltarão sua ,átenção de forma cada vez mais cons-
em seu interior. Os princípios subjacentes ao desenvolvimento das várias
ciente para o estudo daquelas influências que operam na vida diária da
formas possíveis de experiência e pensamento e suas conexões com
sociedade, as quais favorecem o desenvolvimento de um novo tipo hu-
mano.( A_tarefa da edu~ação, portanto, não é simplesmente formar pessoas
aqueles que governam a réalidade social prec~am ser investigado" todas
as questões decisivas relacionam-se com este tema central. f: arbitrário
ajustadas à situação presente, mas também pessoas capacitadas a ope-
e indiferente o ponto em que se começa semelhante investigação e em
rarem como agentes do desenvolvimento social, levando-o a um estágio
:que ponto se decide a iniciar a separação das interconexões dos aconte-
mais avançado.
cimentos: o que importa é certificar-se de que a investigação seja sempre
As relações sociais que governam a vida diária constituem um impor- levada ao limite extremo das interconexões estruturais, exatamente até
tante assunto de pesquisa se houver o desejo de libertar do domínio do o ponto em que as formas mentais e sociais são mutuamente dependentes
"acaso" um número cada vez maior de fatores na educação social do \
homem. Um aspecto precursor desse tipo de pesquisa foi a assim chamada e condicionadas. I
Se começarmos pelo sistema econômico e procurarmos observar
"investigação de milieux", que procurava descobrir a natureza da influên- · como operam as influências que dele irradiam, certamente só poderemos
cia atuante em diferentes tipos de ambiente social. A conexão existente tratar de uma das possíveis questões que dizem respeito à relação entre
entre o desenvolvimento social e econômico do homem e seu .desenvol- a economia e a pessoa humana, isto é, de que forma o sistema econô·
vimento mental e espiritual será formulada para outras esferas da vida mico afeta o homem. Contudo, isso não signüica que não seja também
social, por outros ramos da sociologia, e o resultado conjunto dessas
investigações certamente redundará, num futuro não muito distante, em
necessário examinar a questão inversa, isto é, como o homem a afet~
economia e, ainda mais, de que forma ele poderia afetá-la através ele
um conhecimento unificado da estrutura social e a da extensão em que ação deliberada. Mas, precisamente por ser esta segunda questão a raz:io
a existência espiritual do homem pode ser conscientemente moldada . de se empreender semelhante investigação, ela não poderá ser respon·
No entanto, a investigação de milieux é apenas um começo útil, pois

separa o milieu como um fator um problema distintos de seu contexto
dida senão mais tarde~antes de podermos atacá-la, p~ecisamosexamina r
a primeira questão, ou seja, como o sistema econômico afeta o homem.
no campo das forças soc:ials dinâmicas. Somente a resposta a essa pergunta poderá determinar a natureza do
Na verdade, o que é um milieu? ~ uma constelação concreta, uma campo dentro do qual deve trabalhar aquele que deseja a mudança; c,
combinaçlio sui generi.s de fatores causais típicos. Estes, naturalmente, a menos que acreditemos que o homem é capaz de tudo em toda pnrte,
tê m de ser investigados como tais, antes que se possa explicar uma desde .que movido pela vontade, não nos é necessário conhecer com
t ombinaçào particular por eles formada em dada época e lugar. Mas, crescente exatidão a natureza de seu ambiente concreto e que mudanças
o que exjstc por trás do processo de desenvolvimento ou deterioração são para ele ao mesmo tempo significativas e possíveis de serem efetua·
tk diferentes milieux? Evidentemente, a transformação dos fatores sociais
~...,

158
~ s9~ •.,
1
d;1s • Como realistas, é preciso que nossa primeira tarefa seja examinar atrai a reação de César: "Ele pensa demais, homens desse tipo ~ ão
:l influência da vida social, ou, de forma mais concreta, a influência do perigosos". Homens obstinados e preocupados com seu domínio oli ~ á r­
:mtema econômico sobre o homem. Desejamos saber através de que quico fazem bem em reconhecerem que seu regime não pode ser pc· pc;.
-.:a nais de diferen tes experiências e de diferentes incentivos à ambição tuado uma vez que é trazido perante o tribunal da opinião púrlica
n~·~sa esfera se formam os homens: O sistema econômico é uma parte democrática. Mas eles fazem mal em fecharem os olhos à possibilidddc
C\\Cncial da vida social e uma fór'ça formativa poderosa no ambiente de um ajustamento pacífico que manteria a estabilidade social durante
hu rnano, que opera através do ~~canismo psíquico da ambição, da luta a mudança e eliminaria os modos irresponsáveis de poder.
r -:lo sucesso.
..;'• A idéia de que o conhecimento adequado pertence apenns ao•.
poucos privilegiados é constituinte de uni sistema de produção rcstr tiw
-I ·- ·
"')
ALGUNS ASPECTOS REDISTRIBUTIVOS que prospera numa atmosfera de escassez produzida pelo homem N,
DA EDUCAÇÃO DEMOCRA TICA * campo da educação, a atitude restritiva é racionalizada através de prc
tensões de que as massas não podem fazer bom uso das oportunidade•.
Poderiam acusar-nos de termos superestimado as capacidades inte- educacion'ais por causa de sua incapacidade inata 2 . A sociedade medteva.
1: , tuais do homem comum, de termos uma confiança ingênua no poder aceitava a desigualdade de classe e de posição como sendo ordenad a
\1. 1 educação ao admitirmos que todos podem ser educados através da
por Deus. A justificação não-teológica das distinções de classe pn,cu1 .1
l'.t rticipação judiciosa e inteligente nas questões públicas. Essa acusação interpretar as diferenças de criação como sendo naturais u.trllYes d.1
1 1.' 1Hacterística da atmosfera mental geral do capitalismo num estágio
transferência para a mente humana das desigualdades determinadas yek
1 o~1 nopolista. Um pessimismo e um ceticismo que penetram em toda parte
ambiente social e admitindo que os estratos mais elevados recebem doi <·~
c inconscicntementc comunicado e serve para frustrar todo movimento superiores. Os. defensores desse dogma procuraram apoio na bioloF,ia, à
r rogressista para além do status quo. Aqueles que temem por seus inte- medidá que o homem moderno tende a submeter-se à autoridade "cientí-
rc.:~ses estabelecidos olham com suspeitas para todo avanço genuíno da fica". Eles tentaram provar o dogma do quociente médio de inteligência
ucmocracia. Qualquer progresso na propagação de julgamentos críticos fixo dos vários estratos sociais, apontando para os superiores desem-
penhos escolares médios e quocientes médios de inteligência entre as
crianças de famílias ricas.
' Há du as outras razões para se dar preferência à investigação das influências
,·ausais exercidas pela economia. O próprio Max Weber, geralmente considerado A crítica sociológica das pretensões injustificadas da teoria dos tes ·
como defensor da primazia do "espiritual", declara que, apesar da importância tes e estudos experimentais aperfeiçoados nos tornaram mais cuidadosos
do~ fa tores "espirituais" na investigação da gênese do capitalismo, as tendências na atribuição de diferenças obtidas através de testes em habilidades sim-
inerentes à estrulura econômica da sociedade determinam, em grande parte, os
aspectos "espirituais" do período do capitalismo avançado (cf. Religionssoziologíe,
bólicas aos traços inatos da personalidade e à natureza imutável. Quando
1920. v. I, p. 55 et seqs.). Por isso, para o nosso período, é mais importante medimos diferenças não estamos mais tão certos se elas são devidas
considerar os efeitos espirituais das causas econômicas do que proceder vice-versa. à natureza ou à criação. A altura do homem certamente parecia se r
Além disso, tal linha de investigação promete resultados cientfficos mais ricos, determinada pela hereditariedade. No entanto, as investigações de Sir
pois os fat ores econômicos podem ser descritos com muito maior objetividade e John .Boyd Orr estabeleceram que as diferenços na estatura média en tre
~xatidão que os fatores espirituais. Enquanto que os fatores causais de natureza os escolares de classes altas e baixas na Inglaterra são devidas, em grande
psíquica são ilusórios e d ificilmente passíveis de análise científica exata, é perfeita-
mente possível chegar·se a uma apreciação objetiva de muitos resultados psicológicos
automáticos de certas mudanças objetivamente determináveis no domínio da eco- 2 CHAPMAN, Guy. Cultur'. and survival. Londres, 1940. liARTNACXE, W. e
nomia.
WOHLPAHRT, E. Gelst und Torlreit auf Primantrbiinken. Dresdcn, 1934. - .
• Reproduzido de MANNHEJM, K. Some rcdistributivc aspects of democratic education. Bildungswahn-Vo/kstod. Munique, 1932. LEYDOURNE e WHITl!. Educntion and tire
In : Freedom, power and democratic planning. Nova York, Oxford University birth rale. Lond res, 1940. NATIONAL UNtON OP T EACHE.RS. The service of yowlz
Prc~s. !950. p. 259·65. Trad. por Cláudio Marcondes. 1940.
$ .. ~
• ' .. " '• v < v •• ,.as OUtricJOnais dependentes da renda • A estatura maior
3
de populações escolares e de soldados em vários países, medidas ducante mente resulta no encorajamento, na remoção do complexo de inferiori-
décadas recentes, aponta na mesma direção.
dade que é cuidadosamente instilado no assim chamado homem "comum ··
Resultados de testes mostraram que, nos Estados Unidos, as crian- em sociedades autoritárias e plutocráticas.
ças negras em escolas do norte são "mais inteligentes" que as crianças A remoção da frustração através da abertura de novas opo rtuni-
bcancas pobres em escolas sulinas. ls<o é, que tais diferenças mensucad" dades, a possibilidade de se testar a própria habilidade, freqüente mente
refletem diferenças culturais, n ão étnicas. Um estudo cuidadoso das dife- estimula a imaginação criativa, e oportunidades expandidas suscitam o
"nças cultucais relativas à Inteligência entre crianças de extração Italiana, esforço intelectual e ampliam a inteligência. Como corretamente d iz J.
alemã e Irlandesa, em Chicago, estabeleceu varlaçõci relacionadas de L. Gray:
numerosos fatores mentais e sociais. Proporções sexuais, diferenciais de
·'Pode acontecer do comportamento inteligente ser estimulado a
agrupamentos etários, tipos de mC?.radias, taxas de delinqüência, votantes
um alto grau de desempenho em grupos ocupacionais engajados na
regist"dos e mortalidade Infantil, duração de residêÍlcia, tamanho de rápida ascensão da escala social. Onde estão presentes as condições de
familla, escolarização completada;· analfabetismo, aluguéis médios, pro- mobilidade, os indivíduos selecionados por outras qualidades assirn como
Priedade de Imóveis, aparelhos de nidlo e fat!Ullas dependentes de assis- pela inteligência freqüentemente empreenderão esforços excepcionais
tência soçlal fo"m examinadoS. Descobriu-se que tudo isso Variava para promover o avanço social não apenas deles próprios mas também
concomitantemente, num grau maior ou menor, com as variações nos de seus filhos. Por outro lado, quando as pessoas atingiram um sraws
dados testados. O autor conclui que o
econômico comparativamente alto e deixaram de sentir-se numa situação
precária, esses esforços podem ser negligenciados. ~ evidente que a
"eoote>to famm., que envol" dif.,.enças em li"os, ap.,elhos de rádio, falta de oportunidade para escapar de sua classe deve amortecer a·
revistas e assim por diante, varia com a inteligência das crianças. Quer reação dos filhos de trabalhadores não-qualificados aos estímulos inte-
dizer, admi!indo-se que os testes são adequados, a criança pode ajustar-se lectuais. As diferenças ambientais podem ser mais potentes na produção
socialmente numa variedade de situaç.ões em vários níveis de inteligência, de diferenças em testes de inteligência nos grupos intermediários do que
mas ela necessita do equipamento de aprendizado que uma situação eco- naqueles do topo ou do fundo da escala social" 5,
nômica ótima provê para alcançar o nível de inteligência de um tal
grupo"~.
Essa elevada auto-estima e eficiência é temida pelos grupos que
têm interesses estabelecidos 0 • Se n ão resta nenhum outro argumento ,
Democratização ·da educação em vez de nivelamento a frase "não temos· dUÍheiro para isso", isto é, para expandir c aperfei-
çoar as oportunidades educacionais, está sempre à mão. Esse m~ todo
A relutância em pmpo<Cionar oportunidades educacionais adequa-
de frustração nunca propõe critérios para a limitação de oportunidades .
das e Igualitárias é ainda menos justificável e convincente que a relutância
A última guerra, poder-se-ia supor, deveria ter destruído o fa scínio mágico
em levar adiante P'OPOstas pa<a uma maior igualdade de renda. Opor-
da frase através da amostra ao público do que as nações industriais
tunidades educacionais mais amplas propiciam um retorno para a comu-
podem díspender e realizar, tendo vontade. A frase "não podemos finan -
nidade incomparavelmente maior que o seu custo. O seu valor consiste
ciar isso" sempre implica a referência a "nas atuais circunstâncias" , isto
e.ssenei•lmente em aprofundar e refinar a transmissão de nossa herança
é, aquelas de distribuição de renda, taxação, escassez deliberadamente
cultu,./. A ampla participação das pessoas na vida cultural inevitave!-
-
6 GRAY, J. L. The nation's inte/ligence. Op. cit ., p. 140.
'o,. s;,
of din In rt"/ation to incom~.
lohn Boyd, FOO<t, '""''"· Md l."'om,,. ""'" on 'o '"'"'Y o/
Londres, 1936. GRAY, 1. L. The nation's lnt~lligenc~.
od,qoo,y a Ichheiser enfatiza com pertinência que distúrbios na ação (apraxia) podem ser
devidos primeiramente a deficiências pessoais; em segundo lugar a impedimentos
Lo""'"·
enghsh educarion. The Sociological Review, v, 27, n. ·2, abr. 193~.
t9J6. p. 136. - . e M""''""r, P-.,1. AbiH!y •nd opponuoily in nos campos objetivos da ação e em terceiro lugar (este o fator mais jmporrantd
•K~'"'·
à consciência · de tais impedimentos. Essa "preconcepção" (Jackson) do qur 6
l' sytlrolort . F'onk
1943. 1. Cu/'""'
v. 18, """'""'
p. 279-303; in in<ol/ig'""'·
também p. 295, 297. TJ,. loomu/ ot Social
· praticável ou não influencia grandemente nossa habilidade e através dt'la tf>..!a
nossa personalidade. lcHHI!ISER, Gustav. Zur Psycho\ogie des Nichtkoenncos. Arr+.iv
fuer die Gesamte Psyclrologie, 1943. v. 92, p. 358-63.

-~? '·~?;e.•:s:~: ~:· : ;= i-·:~-;~··-·-


- * 4fiE· ;· ; ·;:;·~lj;j:iê)~~à~i:Ê•~.;·;r:~.3HJIIi<~lj·-·-Jíij;i'·iiiãiiiiiiiiiiiii""'"'"""""""""""""""'"'"'""""":::::::::::::::::JZLALS&::::::b!::i::~::·: : .s: :ti·: i -~ z: : ·: : ~:,.~
:::=..;;;_~~ · _.- ~ - - -- ~ z~-:-:-
f!
163t ...,. ~
162

e da educação em geral. Um estilo simples e lúcido serve para enfatizar


wle rada, produção de bens supérfluos, além de uma atitude complacente.
o essencial. O esnobismo e a segregação artüicial são descartados na
,\ redistribuição da renda e o controle público dos recursos e de seus
u~os podem muito bem servir consideravelmente para ampliar as opor- difusão do conhecimento.
t uniundes educacionais. Tudo isso é sauóável e contribui para a expansão da democracia.
E é criativo à medida que procura eliminar gradativamente as d esigual-
Tais políticas educacionai,s: não constituem meramente questões
dades de oportunidades educacionais e romper as barreiras entre duas
(in anceiras; são questões de como explorar da melhor maneira possível
ou mesmo mais nações no interior de uma nação. No entanto, o prin-
o~ r~cursos ex istentes. Não é:í·suficiente apenas abrir as portas de um 9
cípio de colocar "conhecimento em circulação" (Dewey) pode facil-
n1usl!u :; os visitantes devem ser atraídos através de métodos adequados
mente extraviar-se. Em uma época de educação · produzida para as mas-
de ensino de apreciação ar~tica. Não é suficiente estabelecer regras
sas, fazer publicidade de idéias e da "circulação de conhecimento" pode
(avoráveis de admissão a pma biblioteca; deve ser proporcionada ins-
submergir todo o sentido de qualidade, que amadurece lentamente em
lruçuo quanto às melhores maneiras de usar suas facilidades. Precisamos
sociedade. A produção em massa e a uniformização de produtos para
satisfazer a demanda rotineira é uma coisa. Na educação, contudo, cs~r
, ·i ncular as leituras indicadas às situações da vida e levar livros até a
m;ic.: pa ra ajudá-la a educar bem seu filho, às pessoas jovens para ajudá-
princípio apenas constitui o mínimo denominador comum da norma
-tas na escolha de uma carreira, e assim por diante. Durante a guerra
universal. A relutância em aceitár o princípio de nivelamento enquantt'
a~ agências de aconselhamento ao cidadão surgiram na Grã-Bretanha
uma tendência para "nivelar ppr baixo" está longe de ser um de.,dém
~·orno um método organizado de aplicação de conhecimentos à vida. As
esnobe pelos estratos in.feriores como sendo dotados de urna inata quah·
~."nlunas de "conselhos sentimentais" na impFensa diária e o tamanho
d:1s audiê ncias de rádio arregimentadas pelas vozes de Mr. Anthony e
dade humana inferior; pelo contrário, ele se baseia na compreensão d~
que, coJOo a cultura e a educação dos menos privilegiados fo1 neg\1-
Oorothy Dix , nos Estados Unidos, são indicativos e constituem matéria
pnra pensar.
genciada por séculos, eles somen.te agora podem apreciar e a!>~mülat
· coisas de qualidade inferior.
O processo democrático encorajou a arte de pensar e falar de Muitos apontam para o valor presumivelmente alto e intrínseco do
manei ra clara entre escritores à procura de públicos e audiências mais
folclore. Mesmo no passado o folclore foi na maior parte a lenta aJt'P
tação plebéia dos padrões culturais que as classes superioles c ri~\l·a ...
amplas. Os livros agora são escritos para se adequarem aos vários níveis
em séculos anteriores. ·A substância e a forma da cultura das -:la!.~~:.
mentais da população. Os pressupostos a partir dos quais as diferentes
classes e grupos começam sua leitura, suas expectativas ocultas, suas
superiores penetraram lentamente nos estratos inferiores e representara tn
prem issas intelectuais e suas preferências são cada vez mais levados em 10

consideração 8• Observamos uma tendência popular para uma atitude gesunkenes Kulturgut, conforme colocou Hans Naumann . Enqmw t)
oposta à reclusão escolástica e ao monopólio do conhecimento das o folclore e a cultura folk retinham sua vitalidade, esse proces~o
r.ãu
escrituras sagradas e dos textos clássicos, desejando tornar o conheci- implicou necessariamente deterioração em · qualidade. Era um proce~"'')
m.:nto acessível mesmo para os mais humildes. Esse desenvolvimento é de aculturação, no qual os estratos inferiores assimilavam a <.>ubstân:::~
acompanhado por avanços na psicologia e sociologia do gosto literário e as formas de experiência do estrato superior. Atualmente, cootu<k. ,,
assim chamado "folclore" é artilicialmente difundido pela maquina ria
da indústria de diversões. Sob o impacto da Revolução Industrial, da
: WrTTLIS. Al ma. The muuum. A . Biblioteca de New Jersey estabeleceu "teen
:t!!c c<>rners·· [seções pa ra adolescentes]. A freqüência diária aumentou consideravel- urbanização e das migrações em massa, os estratos inferiores tornaram-se
mente. bem como o número de livros tomados de empr6stimo. The New York em grande parte uma massa inarticulada de consumidores, cujo gosto
Timt's, 28 de maio de 1949. p. 12.
e discriminação são questionáveis.
'cr. FARRELL, James T. The fale of writing in America. New DirectiOIIS 9. Nova
York, 1946. HErNE, Patricke Johns e GERTH, H. H. Vatues in mass periodical
fiction. t92 1-1940. The Public Opinion Quarterfy, Primavera 1949, p. 105-13. o DEWEY, John. Democracy and education. Nova York, 1916.
WAt>I.I.S, Doug las; D ERELSON, B.; BRADSHAW, F. R. Wlrar readi11g does to tire
10 N .WMAl'lN, 'H. Grundzucge der dcutsclien Volkskunde. 2. ed. Leipzig, 1929.
f"'ofli<:. Ch ic ago, 1940.
r ,. i' 0 súbito reconhecimento da "cultura popular" e a propagação de
deles sc<ia diflcil de sei substitulda. Mais p<ecisamente, uma socicd•d<
democrática deve planejar deliberadamente carreiras desvinculadas da"
escalas sociais e educacionais regulares.
seus falsos critérios são freqüentemente justificados pelo lema publici- O g<UpO dos intelectuais fo<ma<á um pa<alclo no campo intelectual
tário "o cliente sempre tem razão". Isto motiva a recreação comercial
e seus escapes de massa. Ela somente leva em consideração a dignidade
às mentes pioneiras na esfera econômica, pr~ferinuo caminhos inc:q)\o-
rados aos modos rotineiros de conduta e pensamento. Da mesma ma-
e as metas humanas da boca para fora, enquanto perpetua e populariza
neira, deve ser deixado um campo para a competição entre agrupamento"
todos os pecados que a sociedade cometeu no passado ao falhar em
culturais e intelectuais. Seus antagonismos não são meros caprichos, que
educar os cidadãos para a verdadeira coisa. A educação, entretanto, não
a sociodade pode muito bem dispenSO<· Esses g<Upos são as p<inci113i1
aceita como final qualquer nível determinado, mas tenta aperfeiçoá-lo.
fontes sociais de vida cultural p<odutiva, a qual está ameaçada a1u"l·
Evidentemente, essa abordagem não pode deixar de levar em conta a
mente pela <epwdução mecânica e consumo em massa do antigo. do
existência de ignorância objetiva e inércia mental em nosso meio.
' "clássico", do seguro. Apoiar e proteger tais grupos criativos do impacw
da burocratização e superorganização não apenas levanta um bahHute
Em direçoo a uma democratização bem-sucedida da cultura cont" o nivelamento po< baixo, como assegura o p<ocesso oposto Jc
O que ~ necessário para uma democratização bem-sucedida dos ape<feiçoamento. Tais g<upos podem se< perigosos se isolados ou sc~ce· I

genuínos valores culturais, em contraste com o processo de ll!velamento gados. Postados na principal cwente de opinião pública, eles sào forti'·
lezas de c<escimento g"dual, abrigos para o desenvolvimento da scnsi·
I
por baixo que os degrada em mercadorias para o entretenimento comer-
dalizado? Toda expansão da educação tanto ao nível social como inte- bilidade, dos sentimentos fortes e das idéias imaginativas.
I
lectual deve ser uma questão de estratégia. Em ambos aspectos o aper- As novas idéias sempre se originaram em pequenos grupo.; com
feiçoamento pode ser efetuado gradativamente. No .campo social as contatos pessoais duradouros. As idéias circulam no mercado atra"~-;
do
oportunidades educacionais e intelectuais podem ser ampliadas sistemática meio da publicidade de massa. mas não são p<oduzidas ali. Aitub é
e cientificamente através de um melhor planejamento total do sistema o pequeno grupo dissidente que favo <CCC aventuras mcn"is it>SpiC'd.••
educacional em conexão com o aconselhamento vocacional. Ao nível e entusiasmo intelectual. Tais grupos desenvolvem e testam no"ao; idéi:l'
intelectual o avanço deve proceder gradualmente até níveis intelectuais antes que assumam uma forma adequada à disseminação entre ~'~
c1 :·
c mo rais progressivamente mal.s altos. O fundo comum de conhecimentos culos mais amplos do público. Deste modo, os oásis intelectuais l'r'>~.:scn
podeoa ser apresentado em dife~entes formas para grupos sociais dife- a sociedade em uma Era das Massas do grande perigo de os radri\c'
ren t e~ . Ie\ ando em consideração seu contexto, mentalidade e níveis edu- de propaganda e publicidade tornarem-se modelos para o planej•lfncn ;,,
Ulci ona ' ~ variudos. A democratização não .significa necessariamente nive-
1 1r ;-.x b:uxo para eliminar as diferenças, mas sim dar condiçõ,es para cultural.
s <:XJ sh·n ~'a de variedade na vida cultural e ~preciar as diferenças culturais
·omcl valtc>sos pontos de partida na busca humana de conhecimento.
Um ~rupo social particular que deve ser preservado como um freio
<mtra :1 n1onotonia e as tendências niveladoras em uma cultura plane-
,., da é t> dos intelectuais independentes. Uma sociedade composta apc-
' as de grupos profissionais, b~rocracias e grupos de interesses limitados
.,o·c o pc1tgo de desenvolver uma mentalidade rígida, preocupada prin-
.p<tl l'len te com o aperfeiçoamento institucional e os expedientes ime-
1 1 10~ Faltará a ela idéias dinâmicas e imaginação social, capazes de
'' .tnscendcr a estrutura existente de instituições sociais. No passado,
l'r upo\ de intelectuais independentes produziram uma mentalidade dinâ-
rn,~,:a q ue ultrapassou as fronteiras do que quer que existisse. A função
que pode ser nproveit.tdo tendo em vista a maior eficiencia ou
. eot:io ser convertido em um. instrumento para jogar com as à propaganda mais eficaz e espalhafatosa, mas também à
· emoções das ma.ssas. A evolução dos serviços sociais, espe- percepção insistente de que ·a sociedade .de massas · não ·
cialmente da as~istencia social, possibilita exercer-se uma ser governada por t~cnicas de tipo caseiro, que eram
· influência que se imiscui a(é. em nossa vida particular. das a uma época de artesanato. O terror da eficiência
Destarte, é exeqüível sujeit:u;-se ao contrôle público certos consiste no fato de, ao coordenarem todos êsses meios, escra-
processos psicológicos ant,eriormente reputados puramente vizam a maior parte da populaç-lo e impõem crenças; credos
e um comportamento que não correspondem à essência
pessoais. .. legítima do cidadão. ·
A razão por que dou tanta ênfase a estas técnicas sociais
é elas limitarem a direção em que a sociedade moderna pode Nesta descrição da concentração das técnicas 'sociais,
· ac:1bar desenvolvendo-se. A natureza de tais técnicas é ainda reporto-me deliberadamente a mudanças que caracterizam
mais fulldamental para a sociedade do que a estrutura econô- a própria estrutura da sociedade moderna. Isso significa
.. mica ou a estratificação social de uma dada ordem: com que, se a principal razão do que aconteceu na
· seu au.-cilio~ pode-se entravar ou remodelar o funcionamento Itália, Rússia e outros países totalitários deve ser procurada
. do sistema econômico, destruir cb.sses sociais e instalar outras nas mudanças .da natureza das técnicas sociais, é só questão
..- no lugJI delas. · de tempo e oportunidade para algum grupo fazer uso delas
nos países até aqui democráticos. A êste propósito,· uma
· Denomino-~ . técnicas porque, como tôda5 às t~cnicas, catástrofe, como guerra, depressão brusca, inflação vertigin~sa,
· não são boa.s nem más em si mesmas: ·tudo depende do uso
que dela.s se faz em fun ção da vontade humana. O. que há desemprêgo crescente, que tome necessárias medidas extraor-
·:de mais importante a respeito dela.s é que tendem a fomentar dinárias (isto é, concentração do máximo de pode~ nas mãos .
a centralização e, por _conseguinte, o domínio da minoria e de um (;o..·êroo ), poderá precipitar semelhante processo.
a ditadura. Quando se dispõe de bombas, aviões e um exército Ainda antes do rompimento da guerra, a tensão vigente acar-
mecanizado, telefone, telégrafo e rádio como meios de comu- . retada pelos Estados totalitários existentes obrigou os países
nicação~ técnica industrial de produção em massa e de uma democráticos a adotarem medidas muito parecidas com as
maquinaria burocr~tica hierarquizada para produzir e distri- que entraram em vigor naqueles por meio de revolução. 1!:
buir ben.s e diri~ir os assuntos humanos, as decisões principais desnecessário dizer que as tendências para concentração têm
podem ser tomadas de umas quantas posições-chave. O esta- ~e agravar-se em uma guerra, quando se impõem a coo.scrlção
l>elecimento gradual de posições-chave na sociedade moderna e a coordenação de alimentos e outros suprimentos.
tomou o planejamento não só possível como inevitável Pro- Após esta descrição sumária das técnicas sociais, você
cessos e· fatos não são mais a resultante da reciprocidade de poderá muito bem dizer: ·Ma.s que expectativa sombria!
ações entre pequenas urudades autônomas. Deveras, os indi- Haverá remédio para isto? Seremos simplesmente vítimas
víduos e seus pequenos empreendimentos não mais atingem de um processo que, embora cego, é mais forte que todos
. :um equili'brio através ·da concorrência e do ajustamento mútuo. nós?" Nenhum diagnóstico estará completo a menos que
Nos vários ramos da vida econômica e social, há imensos procure certo tipo âe terapia. Só vale a pena estudar a
·, _.conluios, unidades ·sociais complexas, que são demasiada- natureza da sociedade tal como é, se somos capazes de insinuar
: mente rígidos para se reorganizarem por conta própria e, as medidas que, tomadas a tempo. poderão tornar a sociedade
. J?O~to, têm de Ser governados por um foco central. · aquilo que deve ser. Felizmente, um ulterior tentame de
: A maior eficiên~ia, sob muitos aspectos, dos Estados diagnóstico revela-nos alguns aspectos da situJ.ção que não
totalitários, não se deve meramente, como se crê em geral, só nos libertam da sensação de frustração, como decidida-
mente nos impelem a agir.
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