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CRIMINOLOGIA • E DUARDO V IANA

Obra: A Divisão do trabalho social


• Existem a seu juízo duas formas de sociedade: a mecânica e a orgânica. A primeira é uma so-
ciedade autossuficiente, monolítica e uniforme. Tem a mesma divisão do trabalho e idênticos
valores compartilhados por todos seus membros.
Corresponde aos estágios mais primitivos da evolução social. Na segunda, mais complexa, dinâ-
mica e evoluída, ocorre notória divisão do trabalho e a solidariedade social se obtém das diversas
funções que aqueles desempenham;
• Na sociedade orgânica, a função do Direito consiste em regular a necessária interação dos gru-
pos que a compõem. O crime nessa sociedade adquire um significado distinto, pois guarda uma
relação com determinada situação de crise (anomia) que gera todo tipo de disfunções sociais,
entre elas o delito.
• Toda sociedade mantém sua coesão interna ou solidariedade social mediante a pressão que
exerce a consciência coletiva (uniformidade) sobre seus membros (diversidade). Dita pressão
iria desde a mera reprovação moral até a imposição de pena. Dentro dessa perspectiva, a cri-
minalidade cumpre um importante papel na manutenção da solidariedade social. A aplicação
da pena em razão do delito se justifica não por razoes de retribuição, mas para evitar a “des-
moralização do cidadão honesto”. A pena lhe mostra a utilidade de seus sacrifícios e mantém
a confiança no sistema.
• O conceito de anomia explicaria a crise da sociedade francesa de seu tempo, períodos cíclicos de
superprodução seguidos de graves depressões econômicas seriam sintomas de profundas dis-
funções estruturais de uma sociedade incapaz de regular satisfatoriamente as relações entre
“produtores-consumidores” e “empresários-assalariados”.

Obra: O suicídio
• Constata a teoria da anomia ao comprovar que as taxas de suicídio estatisticamente se incre-
mentam tanto em períodos de depressão como de prosperidade econômica. Isto se atribui à
transcendência não da efetiva regulação social das interações econômicas dos diversos grupos,
senão de como percebe o indivíduo suas necessidades e o modo pelo qual são satisfeitas. O suicí-
dio anômico não tem sua origem na pobreza, mas em uma situação de crise ou desorganização
coletiva. Quando se limitam adequadamente as expectativas “cada um está então em harmonia
com sua condição e não deseja mais do que legitimamente possa esperar”.

2.2. A estrutura social defeituosa: Merton


Robert K. Merton assume e adapta a teoria da anomia ao modelo de vida ame-
ricano da primeira metade do século XX882. A sua concepção teórica teve rápida e
difundida aceitação tanto no plano teórico, dominando a criminologia norte-ameri-
cana até os anos setenta do século XX, como no plano prático, com a implementação
das suas propostas por meio das políticas administrativas de Kennedy e Johnson883.
O estudo da anomia foi retomado por ele em um ensaio de 1938 (Social Structure
and Animie), no qual, assim como Durkheim, contesta as concepções patológicas da
desviação: “A imagem do homem como um conjunto indomável de impulsos começa

882. Cf. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology…Op. cit., p. 103 e ss; Siegel, Larry J.
Criminology...Op. cit, p. 207.
883. Cid Moliné, José; Larrauri Pijoan, Elena. Teorías... Op. cit., p. 126.

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a parecer mais uma caricatura que um retrato”884. O propósito de Merton era desco-
brir como algumas estruturas sociais exercem pressão sobre certas pessoas da so-
ciedade para que essas sigam um comportamento não convencional (= ilícito); daí
porque os criminólogos denominam essa perspectiva teórica de “teoria da tensão
ou pressão” (strain theory)885. Na sugestão conceitual de Schmalleger, “a tensão po-
de ser definida como a pressão que os indivíduos sentem para alcançar objetivos
socialmente determinados”886. Essa é a ideia que servirá como ponto de partida. Ad-
virta-se, entretanto, que não tenho o propósito de reconstruir toda a controvérsia
teórica que se instaurou desde a apresentação inicial da teoria. Preocupo-me, nesse
momento, em apresentar os seus pontos centrais. Vejamos, pois, como ele desenvol-
veu a argumentação.
Partindo de uma base sociológica estrutural, analisada a partir da contradição
entre indivíduo e sociedade, e considerando essa como uma força que impulsiona o
indivíduo a determinados comportamentos, Merton cria uma ponte entre desviação
e estruturas sociais. O comportamento, por assim dizer, não tem uma origem
individual, mas sim uma origem cultural derivada do modelo de estrutura
social norte-americano887. A ideia central de anomia, então, é retomada não no
sentido de completa ausência de normas, mas sim no sentido de que, em sociedades
anômicas, existe pressão para que o indivíduo obedeça às normas, mas também para
que ele se desvie delas888. A prevalência de um ou outro comportamento dependerá
do modelo de estrutura cultural que se constrói na sociedade.
Para entender o porquê dessa virada etiológica é preciso situar historica-
mente a formulação mertoniana. Sua teoria reflete o momento de expansão
econômica vivido pelos Estados Unidos, a partir da primeira metade do
século XX. Segundo ele, os Estados Unidos constroem uma defasagem entre uma
estrutura cultural ideologicamente igualitária – o sonho das trajetórias sociais
meteóricas, vale dizer, “qualquer um pode chegar à Casa Branca” – e uma estrutura
social visivelmente desigual. Além disso, trata-se de uma sociedade na qual a inte-
riorização dos fins culturais não tem equilíbrio com a interiorização das normas
institucionalizadas, ou seja, há a procura do sucesso econômico a qualquer custo
(= ainda que para isso seja necessário recorrer a meios ilícitos). Se recorremos a um
exemplo trivial, o modo como esse processo de extrema valorização dos objetivos
pode desembocar em anomia se mostra mais claro: em competições esportivas,
quando o desejo pela vitória despoja os seus limites institucionais e se interpreta
o triunfo como “ganhar o jogo” e não como “ganhar respeitando as regras do jogo”,
isso significa que se premia de forma implícita meios que são ilegítimos, porém ao

884. Merton, Robert K. Teoria Social y estrutura sociales. México: Fondo de Cultura Económica, 1964,
p. 140.
885. Siegel, Larry J. Criminology...Op. cit, p. 207; Schmalleger, Frank. Criminology today…Op. cit., p. 164.
886. Schmalleger, Frank. Criminology today…Op. cit., p. 164 (itálico no original).
887. Cfr. Göppinger, Hans. Kriminologie... Op. cit., p. 152, Rn. 30.
888. Cid Moliné, José; Larrauri Pijoan, Elena. Teorías... Op. cit., p. 125.

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mesmo tempo eficazes do ponto de vista técnico889. Em poucas palavras: em uma


sociedade que não atribui aos meios institucionalizados a mesma importância que
atribui aos objetivos, o que se torna relevante para o indivíduo não é a pergunta
sobre se há meios legítimos para que se alcance os objetivos, senão a pergunta so-
bre os meios eficazes para fazê-lo. Veja-se, portanto, que Merton sugere a interação
entre dois elementos para produzir condições potencialmente anômicas: objetivos
culturalmente definidos e meios para obtê-los890.
E como esse processo de superestimar os objetivos, que pode conduzir ao com-
portamento não conformista, se desenvolve? Nesse caso, há importância teórica e
prática: a crença falaciosa dessa ideologia geral de índole igualitária, no plano teóri-
co, e o fomento implementado pelas agências de publicidade e meios de comunica-
ção de massa, no plano prático, desempenham papel fundamental para a origem do
comportamento criminoso, por distribuírem sobre os indivíduos o símbolo de status
associado ao fator econômico. Afinal, e em termos mais evidentes, pessoas sem di-
nheiro são pessoas sem valor; fracassadas; degradadas891. Conforme percebeu
Merton, reinava na sociedade americana de sua época um acordo sobre quais objeti-
vos eram dignos de ambição: o bem-estar, o status e o sucesso, em especial o sucesso
econômico892. O “American dream” não tem ponto final893 nem comporta limitação
alguma na senda do sucesso894. E essa ideologia produz naturalmente as suas “ví-
timas”, como nos mostra imagem proporcionada por um cidadão vítima do sonho
americano: “Nesta cidade sou menosprezado socialmente porque não ganho mais
que mil dólares por semana. Isso machuca”895. Com as palavras de Figueiredo Dias
e Costa Andrade: “...Trata-se, por um lado, de uma sociedade claramente agonística,
na qual a interiorização dos objetivos – a procura do êxito, simbolizado pelo dinhei-
ro – não tem qualquer correspondência do lado da interiorização das normas. O ma-
nifesto cultural americano – ensaiado nas escolas, pregado nos púlpitos, divulgado
na ficção literária ou cinematográfica – corresponde a um evangelho da procura,
sem limites, do sucesso monetário... A procura do sucesso, a luta por subir na vida,
ganha assim uma ressonância moral: não apenas corresponde a um direito mas vale
também como imperativo ético. O mito do self-made man tem como reverso o mito
do self-unmade man e as estigmatizações negativas dos vencidos”896.
Seria limitado pensar, entretanto, que os meios de comunicação de massa são
os únicos responsáveis pelo reforço do ideal cultural. Também a família, a escola e o

889. Merton, Robert K. Teoria Social...Op. cit., p. 144.


890. Siegel, Larry J. Criminology...Op. cit, p. 207.
891. Cfr. Schneider, Hans Joachim. Kriminologie…Op. cit., p. 431.
892. Merton, Robert K. Teoria Social...Op. cit., p. 145; Göppinger, Hans. Kriminologie... Op. cit., p. 153,
Rn. 31.
893. Taylor, Ian; Walton, Paul e Young, Jock. La nueva criminologia: contribución a una teoría social de la
conducta desviada. Buenos Aires: Amorrortu, 1997, p. 109.
894. Mannheim, Hermann. Criminologia... Op. cit., p. 770.
895. Merton, Robert K. Teoria Social...Op. cit., p. 145.
896. Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade, Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 324-325.

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local de trabalho são decisivos para que se aprenda o valor culturalmente aprovado:
os pais servem de polia transmissora dos valores e dos objetivos dos grupos que
formam parte; as escolas são, naturalmente, agências para a transmissão dos valo-
res vigentes e uma grande proporção dos livros por elas adotados expõe de maneira
explícita que a educação leva à inteligência e em consequência ao trabalho e ao êxito
econômico, escreveu Merton897.
Naturalmente que, a essa altura, fica compreensível o porquê de interpretar a
desviação como produto de uma estrutura social defeituosa, ou seja, um modelo
cultural de sociedade responsável pelo estímulo e pressão sobre a conduta indivi-
dual898. Por esse motivo, o funcionalismo mertoniano permite estudar o desvio como
produto normal de determinada estrutura social, daí porque o comportamento cri-
minoso é tão normal quanto o comportamento não criminoso, o que equivale a dizer
que o criminoso não é um doente, apenas (re)age diante da pressão que a estrutura
social exerce sobre ele. Veja-se, como antecipei, que é justamente a ênfase nessa assi-
metria da estrutura social resultante do desajuste entre objetivos e meios que levou
a abordagem de Merton a ser denominada teoria da pressão (ou tensão)899. Vou me
deter mais um pouco nesse ponto.
Dois, portanto, são os elementos fundamentais para a compreensão do pen-
samento de Merton: estrutura cultural e estrutura social900. A estrutura cultu-
ral é o conjunto de valores que regulam o comportamento comum dos membros de
determinada sociedade901. São, portanto, os objetivos culturais de cada sociedade
como, por exemplo, ascensão social e sucesso econômico. A estrutura social, por
sua vez, é o complexo de relações sociais em que os membros de uma sociedade ou
de um grupo se acham diversamente inseridos902, isto é, a estrutura das oportu-
nidades reais, que condiciona de fato a possibilidade dos membros da sociedade
se orientarem para os objetivos culturais e respeitarem as normas institucionaliza-
das903. Aquela é igualmente aspirada por todos os membros da sociedade, enquanto
os meios legítimos para alcançar as metas aspiradas, seja pelo nível de formação
profissional seja pela discriminação racial, são desigualmente distribuídos entre os
indivíduos da sociedade904. Dito de outro modo: enquanto um grupo social dispõe de
toda uma estrutura de oportunidades para alcançar o sucesso econômico, os grupos
situados no nível mais inferior do estrato social, os marginalizados socialmente, se

897. Merton, Robert K. Teoria Social... Op. cit., p. 145-146.


898. Jung, Heik. Kriminalsoziologie…Op. cit., p. 76.
899. Cf. Schmalleger, Frank. Criminology today…Op. cit., p. 165.
900. Cf. Meier, Bernd-Dieter. Kriminologie... Op. cit., p. 55, Rn. 58.
901. Baratta, Alessandro. Criminología... Op. cit., p. 60.
902. Baratta, Alessandro. Criminología... Op. cit., p. 61.
903. Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade, Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 323.
904. Cfr. Göppinger, Hans. Kriminologie... Op. cit., p. 153, Rn. 31.

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veem impedidos, ou mesmo muito limitados, de realizar o objetivo ditado pela pres-
são cultural: o êxito econômico905.
Não terá escapado ao leitor, portanto, que o funcionamento das estruturas
está subordinado a duas chaves-conceituais: a primeira, são os objetivos, os pro-
pósitos sustentados por todos os indivíduos da sociedade; esses objetivos, orga-
nizados hierarquicamente, informam aos membros da sociedade as coisas “pelas
quais vale a pena esforçar-se”. A segunda, define os modos admissíveis para al-
cançar esses objetivos; o grupo social acopla os seus objetivos a regras; daí por-
que, muitos procedimentos que seriam mais eficazes para alcançar os objetivos
– como a força, a fraude ou o poder – estão banidos da zona de conduta permi-
tida906. Anomia em Merton é, portanto, a crise da estrutura cultural que se
verifica especialmente quando existe forte discrepância entre normas e
fins culturais, de um lado, e possibilidades estruturadas socialmente de
atuar em conformidade com aquelas, por outro lado 907. Um exemplo ajuda
a compreender melhor: a riqueza e sucesso econômico podem ser atingidos tan-
to pelo trabalho legítimo, como assalto a bancos. A diferença é, obviamente,
que o primeiro meio é socialmente aceito, enquanto o segundo é recusado pela
maioria da sociedade. Mas, ambos desembocam no fim comum, ou seja, na meta
imposta culturalmente a todos os indivíduos.
Uma leitura apressada poderia conduzir à afirmação de que, segundo Merton,
a existência de uma estrutura social e de uma estrutura cultural são suficientes,
por si só, para produzir uma situação de anomia e gerar o comportamento des-
viante, mas essa conclusão, embora coerente, merece uma ressalva anteriormente
apontada (acima, Cap. V). Nesse ponto, a observação de Mannheim é irretocável,
“[...]a falta de oportunidades só é decisiva se ocorrer numa sociedade dominada
por uma ideologia igualitária e que se revê no evangelho da igualdade de opor-
tunidades para todos [...]908.” É nesse tipo de sociedade que é possível proliferar o
processo de desmoralização social.
Em modo de síntese: pode-se dizer que a explicação mertoniana do desvio
reside na incongruência entre a estrutura social e a estrutura cultural909. Uma
sociedade anômica é caracterizada por uma distribuição seletiva das es-
truturas sociais e permite que apenas alguns indivíduos possam alcançar
as metas culturais. O comportamento desviante não é, portanto, uma opção do
indivíduo, senão uma consequência da estrutura social defeituosa; tampouco
uma escolha, mas uma adaptação gerada pela ordem social. É o desajuste entre

905. Merton, Robert K. Teoria Social...Op. cit., p. 131 e ss.


906. Merton, Robert K. Teoria Social...Op. cit., p. 141.
907. Taylor, Ian; Walton, Paul. e Young, Jock. La nueva... Op. cit., p. 111.
908. Mannheim, Hermann. Criminologia... Op. cit., p. 771. Cf. também Merton, Robert K. Teoria Social...
Op. cit., p. 143.
909. Göppinger, Hans. Kriminologie... Op. cit., p. 152, Rn. 31.

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os objetivos culturais (dinheiro) e os meios legítimos para a consecução


daqueles objetivos, desajuste esse que foi difundido e fomentado pela so-
ciedade americana dos anos trinta e o mito do “sonho americano”, que po-
de propiciar o surgimento do comportamento criminoso. Nas palavras de
Göppinger, o caminho para o bem-estar e o sucesso que, de acordo com a cultura
americana, está aberto a todos, não está faticamente acessível a todos – sobretudo
para os membros das classes inferiores – porque, para esses, o acesso aos meios
legítimos está fechado910. Essa estrutura teórica pode ser assim expressada em
três características que, conjuntamente, tornam uma sociedade anômica: a) o de-
sequilíbrio cultural entre fins e meios; b) universalismo na definição dos fins; c)
desigualdade no acesso às oportunidades911.
A partir dessa compreensão, pode-se encaminhar o alerta: a perigosa ideologia
social da igualdade em uma sociedade estruturada desigualmente e o fetichismo do
sucesso econômico são fatores essenciais para a etiologia do comportamento crimi-
noso. E é justamente dessa dessintonia entre o fático e o professado que surge – na
concepção de Merton – uma pressão anômica de adaptação comportamental sobre
os indivíduos.
Se agora retomamos a concepção de Durkheim e a colocamos em paralelo com
as ideias de Merton, podemos chegar à feliz síntese de Núnez Paz e Alonse Pérez:
“para Merton a anomia não é somente a crise de alguns valores ou normas em razão
de determinadas circunstâncias sociais (desenvolvimento econômico avassalador;
processo de industrialização com todas as suas implicações), senão, antes de tudo,
o sintoma do vazio que se produz quando os meios socioestruturais existentes não
servem para satisfazer as expectativas culturais de uma sociedade”912. Partindo-se
desse ponto de vista, a questão que se põe agora é: como respondem os indivíduos
que vivem neste ambiente cultural? Vamos às respostas.

2.2.1. Tipologia de adaptações


Frente à tantas vezes mencionada dissociação entre os fins culturais e os meios
institucionais legítimos, o indivíduo pode adaptar-se, comportamentalmente, ade-
rindo ou recusando os fins e os meios. Esses tipos de respostas, gerados pela variação
com que os indivíduos internalizam e (re)agem à discrepância social, correspon-
dem a cinco modelos de adaptação individual, a saber: conformismo, inovação,

910. Göppinger, Hans. Kriminologie... Op. cit., p. 152, Rn. 31.


911. Kornhauser, Ruth Rosner. Social Sources of Delinquency: An Appraisal of Analytic Models. Chicago:
Univ. of Chicago Press, 1978, p. 143.
912. Núñez Paz, Miguel Ángel; Alonso Pérez, Francisco. Nociones de Criminología. Madrid: Colex, 2002, p.
119. Para outras distinções, cf. Lamnek, Siegfried. Theorien... Op. cit., p. 117 e ss.

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ritualismo, evasão e rebelião913-914. Para a adequada compreensão sobre a pressão


que a estrutura social opera sobre o indivíduo a favor de um ou outro modo de adap-
tação, adverte Merton, fundamentalmente, que os indivíduos podem passar de um
modo a outro e que esses são tipos de reações mais ou menos duradouras e não tipos
de organização da personalidade915.
O conformismo corresponde a uma resposta positiva do indivíduo, tanto em
relação aos meios, como às metas culturais. Nesse modelo, o indivíduo aceita e in-
ternaliza o respeito às metas culturais e aos meios institucionalizados para alcançá-
-las. Trata-se, em verdade, do modo mais comum de adaptação, pois, do contrário, a
sociedade se desintegraria.
Diferente é o segundo modo de adaptação, a inovação. Essa é a resposta do
indivíduo que vive em uma sociedade em que o êxito se sobrepõe aos meios insti-
tucionalizados para alcançá-lo. Tipicamente criminoso, na inovação o indivíduo
adere aos fins culturais, mas não aos meios legítimos para alcançá-los, razão pela
qual pretende obter o sucesso por meios ilegítimos, ou seja, o crime916. Em regra,
essa adaptação é dominante nos estratos mais inferiores da sociedade. E
desde já cabe uma advertência para que Merton não seja mal interpretado: aque-
la afirmação não significa que existe uma relação linear entre a delinquência e a
pobreza, mas sim que essa tem um papel fundamental para a delinquência quan-
do especialmente combinada com aquela estrutura social: “quando a pobreza e as
desvantagens que a acompanham para competir pelos valores culturais aprovados
para todos os indivíduos da sociedade se enlaçam com a importância cultural do
êxito econômico como meta predominante, o resultado normal são altas propor-
ções de conduta delituosa”917.
No entanto, intuitivamente pode-se imaginar que essa explicação se refere
apenas às classes inferiores; deveras, essa é a regra, mas esse desequilíbrio entre
metas culturais e meios legítimos, segundo Merton, também é suficiente para
explicar a criminalidade de colarinho branco. Para ele, a criminalidade de cola-
rinho branco reforça a tipologia da adaptação. Os empresários e as grandes fortunas
norte-americanas se encontram em uma boa parte da população que tem comporta-
mento desviante, mas são escassamente perseguidos. Seus comportamentos corres-
pondem a adicionais tipos de inovação918.

913. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 148 e ss; Göppinger, Hans. Kriminologie... Op. cit., p. 153,
Rn. 33.
914. Para referência a outras reações às circunstâncias de frustração, cf. Merton, Robert K. Teoria Social...
Op., cit., p. 149, nota de rodapé n. 12.
915. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 149.
916. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 150. Criticando o uso do termo inovação cf. Mannheim,
Hermann. Criminologia... Op. cit., p. 771.
917. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 156 (itálico no original).
918. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 150-156.

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Veja-se que a inovação pode provocar conflitos na consciência coletiva. Se for


bem-sucedida, pode ter consequências sociais sérias e de longo prazo: “O sucesso do
crime ajuda a convencer as pessoas que cumprem a lei de que os meios inovadores
funcionam melhor e mais rápido do que os convencionais. O carro caro e as roupas
chamativas do próspero traficante de drogas transmitem a mensagem de que o
crime compensa”919.
Sinteticamente: em uma sociedade na qual se dá grande importância ao êxito
econômico para todos e uma estrutura social que limita de forma indevida a possi-
bilidade de recorrer a meios institucionalizados, produz-se em muitos casos uma
tensão que leva à prática de comportamentos que se afastam das normas institucio-
nalizadas (= inovação)920.
Essa forma de adaptação, entretanto, pressupõe que o indivíduo foi imper-
feitamente socializado, porquanto abandonam os meios institucionalizados, mas
conservam os objetivos. Entretanto, entre aqueles que interiorizaram os valores
institucionais, o mais provável é que o indivíduo abandone as metas. Esse é o modo
de adaptação que será examinado a seguir: o ritualismo.
O terceiro modelo de adaptação, o ritualismo, é característico da baixa classe
média americana921. Trata-se de um modo de adaptação em que o indivíduo renun-
cia às metas culturais impostas pela sociedade, por se achar incapaz de alcançá-las,
mas respeita aqueles que buscam atingir os fins culturais pelos meios legítimos. A
maior interiorização das normas reduz o horizonte do indivíduo, ou seja, reduz o
seu nível de ambição. Isso é bem expressado nos clichês culturais, “quanto maior o
salto, maior a queda”; “jogo sempre seguro”; “estou contente com o que tenho”. O
tema entredito nessas atitudes, como esclarece Merton, é que as grandes ambições
expõem o indivíduo à desilusão e ao perigo, ao passo que as aspirações modestas dão
satisfação e segurança922. É exatamente essa a perspectiva do indivíduo que entrega
à sociedade aquilo que ele pode, nem mais nem menos. Em poucas palavras, portan-
to, o ritualista é aquele que abandona a meta do sucesso.
O modelo da evasão ou apatia se traduz na negação, tanto das metas culturais
quanto dos meios legítimos; ela é, diferentemente do conformismo, a mais inco-
mum923. Encontramos, neste modo de adaptação, aqueles que pouco se importam
com que os outros acham de si, ou seja, os alienados socialmente. Parafraseando
Anitua, os apáticos são os personagens abandonados no meio da grande cidade; são,
pois, os que se encontram no mundo das drogas, alcoólatras, “vagabundos”, párias.

919. Siegel, Larry J. Criminology...Op. cit, p. 207 (sem negrito no original).


920. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 158.
921. Merton, à época, reconheceu a carência de comprovação empírica dessa hipótese. Cf. Merton, Robert K.
Teoria Social...Op., cit., p. 160-161, nota de rodapé, n. 35.
922. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 159.
923. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 162.

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São indivíduos que estão na sociedade, mas não fazem parte da sociedade924.
É possível que grande parte dos indivíduos que se ajustem a esse modelo de adap-
tação sejam indivíduos frustrados e com atitude derrotista. Em um sistema que se
mostra competitivo, esses indivíduos reconhecem que não podem “lutar” e se re-
traem. A evasão seria, então, uma válvula de escape das exigências da sociedade.
Por fim, o modelo da rebelião925 corresponde não à simples negação das metas
culturais e dos meios institucionalizados, mas à sua substituição por novos fins
culturais e novos meios institucionalizados. Neste modelo, os indivíduos cri-
ticam os fins e meios imperantes na sociedade, considerando-os arbitrários, e pro-
põem novos valores e critérios adequados à sua visão de mundo, ou seja, querem
uma nova ordem social. É, pois, um tipo de adaptação coletiva.
Graficamente, a explicação mertoniana para o comportamento desviante é re-
presentada pelos sinais (+) e (-). O primeiro (+) significa interiorização; o sinal (-)
representa rejeição e o duplo sinal (±) rejeição dos valores prevalentes e substituição
por novos valores926:

Modos de adaptação Objetivos Meios legítimos

1) Conformismo + +

2) Inovação + -

3) Ritualismo - +

4) Evasão ou apatia - -

5) Rebelião ± ±

Parcela da literatura recorre ao esporte para ilustrar esses modos de adapta-


ção. Assim, por exemplo, imagine-se o atletismo e chegaremos às seguintes imagens
mentais: quando uma vitória for superdimensionada, alguns dos atletas que não
podem ganhar seguindo as regras do jogo serão fortemente motivados a burlá-las
(doping) (= inovação). Outros podem continuar praticando o esporte sem alimentar
a esperança de algum dia serem vencedores (= ritualismo). Ainda há aqueles que
podem desistir do esporte (= evasão). Finalmente, hão de existir aqueloutros que

924. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 162.


925. Sobre distinção entre este conceito de rebelião proposto e o conceito de ressentimento, cujo ponto es-
sencial reside no fato de que o ressentimento não implica verdadeira mudança de valores, cf. Merton,
Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 164-165. A ideia de ressentimento foi adaptada para a sociologia
por Max Scheler. Cf. Scheler, Max. Abhandlungen und Aufsätze. Leipzig: Verlag der Weissen Bücher,
1915, Bd. 1.
926. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 149.

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preferirão praticar um novo esporte (= rebelião)927. Na sugestão de Sanders928, essa


tipologia assumiria a seguinte representação gráfica:

A partir das tipologias de Merton não fica difícil concluir que o comportamento
desviante não é derivado de fatores biopsicológicos dos indivíduos, senão do perten-
cimento a determinado grupo social. A cultura impõe aos membros dos extratos in-
feriores das classes sociais exigências culturais inconciliáveis: por um lado, eles têm
que se comportar e orientar sua conduta na busca de elevado sucesso econômico; por
outro, não dispõem dos meios institucionalmente legítimos para alcançá-lo. É neces-
sário pôr acento nisso: a descrição dos modos de adaptação não expressa uma
descrição de tipos de personalidade. Ela ilustra, sobretudo, o comportamento do
indivíduo com uma resposta (ou reação) à pressão decorrente da anomia929.
Finalmente, quanto à possível relevância penal dessas adaptações, vale sinte-
tizar930: o conformismo e o ritualismo não apresentam problemas porque nesses
casos há respeito aos meios institucionalizados. Resta-nos, portanto, a inovação, a
evasão e a rebelião. Quanto à inovação, como antecipei, essa expressa o modelo de
adaptação mais apropriado para explicar o comportamento desviante; isso, entre-
tanto, não significa que o desvio sempre será percebido pelas instâncias de controle

927. Cf. Vold, George B; Bernard, Thomas J; Snipes, Jeffrey B. Theoretical... Op. cit., p. 163-164; Schneider,
Hans Joachim. Kriminologie…Op. cit., p. 433.
928. Em: Amelang, Manfred. Sozial abweichendes Verhalten: Entstehung – Verbreitung – Verhinderung.
Berlin; Heidelberg; New York; London; Paris; Tokyo: Springer, 1986, p. 155.
929. Merton, Robert K. Teoria Social...Op., cit., p. 149 e p. 161; Schneider, Hans Joachim. Kriminologie…Op.
cit., p. 433.
930 A sugestão é de Garcia-Pablos de Molina, Antonio. Criminología…Op. cit., p. 727.

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social formal: no caso dos crimes empresariais, por exemplo, “nem sempre será fácil
delimitar um bom negócio de uma fraude colossal”931. Quanto à evasão, essa pode
adquirir relevância penal no caso de a lei penal contemplar os comportamentos ti-
picamente evasivos, a exemplo da drogadição, vadiagem e mendicância. A rebelião,
por fim, poderá concretizar conduta com relevância penal sobretudo quando assu-
me cariz político e implique – em si mesmo – ato delitivo.

3. CRÍTICAS ÀS TEORIAS CLÁSSICAS DA ANOMIA


De início, vale destacar a distinção básica entre a anomia de Durkheim e a anomia
de Merton. Para o primeiro, a anomia surge quando, pela desintegração da consciên-
cia coletiva, as necessidades naturais do homem emergem além da possibilidade de
cumprimento; para Merton, as necessidades de sucesso, status, não são naturais,
mas sim socialmente induzidas. Outra distinção, segundo Dias e Andrade, é o caráter
sistêmico da teoria mertoniana, a qual oferece uma explicação de todo comportamen-
to desviante, superando o caráter avulso da explicação durkheimiana932.
De outro lado, o conceito mertoniano de anomia é limitado ao modelo de ideo-
logia norte-americano, pois o exame das sociedades indica que nem todos os indiví-
duos estão em permanente processo de competição (rivalidade desportiva), tampouco
aceitam a meta de sucesso individual como fim e objetivo primordial de vida933.
Há também outro ponto cego na construção. Pela teoria mertoniana, a rigor,
pode-se concluir que todos os indivíduos pertencentes à mesma classe social e sujei-
tos, portanto, à mesma intensidade de pressão cultural, tenderiam a adaptar-se da
mesma forma, vale dizer, partiriam para o comportamento inovador, o que é inde-
monstrável empiricamente. Essa afirmação parece bastante clara quando, transfe-
rindo-se à realidade fática, constata-se facilmente que indivíduos pertencentes aos
mesmos estratos sociais e, portanto, sujeitos às mesmas pressões, não necessaria-
mente adaptam-se ao mesmo modelo de comportamento. Enquanto a grande maio-
ria permanece como conformista, o que garante a integração da sociedade, apenas
uma pequena parcela parte para o comportamento inovador. Para a concepção de
Merton ser universalmente válida, todos os indivíduos pertencentes às clas-
ses sociais baixas tenderiam ao comportamento criminoso, mas a realidade
desmente essa conclusão. É verdade que Merton tenta contornar essa objeção ao
sugerir que aliado ao conflito entre as estruturas, outros fatores podem contribuir
para que determinado comportamento seja conformista ou inovador (a exemplo de
indivíduos que foram imperfeitamente socializados). Entretanto, ele não esclarece
quais seriam exatamente os fatores que explicariam a adaptação diferente daquela
esperada para o indivíduo que se encontra sob a pressão das estruturas.

931. Garcia-Pablos de Molina, Antonio. Criminología…Op. cit., p. 727.


932. Op. cit., p. 322.
933. Pavarini, Massimo. Control... Op. cit., p. 112 e ss.

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A par da existência dessas críticas e falhas, a teoria estrutural funcionalista


inspira, sem qualquer dúvida, um grande conjunto de teorias, o qual aparece na mo-
derna sociologia jurídica, sobretudo na Alemanha, e que tem como representantes,
entre outros, Otto, Amelung e Luhmann, encontrando sua expressão sistemática
mais recente em Jakobs, o que revela seu alto prestígio não somente diante da mo-
derna sociologia alemã, como também na dogmática penal contemporânea.

4. NOVA FORMULAÇÃO DA TEORIA DA ANOMIA: A TEORIA DA FRUSTRAÇÃO


DE AGNEW
Antes de passar à análise da reformulação da teoria da anomia sugerida por Ag-
new, convém revisitar, brevemente, a tradicional concepção da anomia. Como ana-
lisado, na concepção de Merton, a estrutura social de uma sociedade está marcada
por dois elementos fundamentais: as metas culturais perseguidas pelos membros
da sociedade (i) e os meios institucionais (ii). Como esses dois elementos estão re-
lacionados? Merton compreende que os meios institucionais são a plataforma e o
caminho por meio dos quais as metas culturais podem ser legitimamente alcança-
das. Entre esses dois elementos deve existir, segundo ele, uma relação de equilí-
brio: uma distribuição de metas aos membros da sociedade, mas, ao mesmo tempo,
igual distribuição dos meios legítimos para se alcançarem aquelas metas. Inexistin-
do essa relação de igualdade, isto é, quando as metas culturais não mais puderem
ser alcançadas pelos meios legítimos, ocorre uma situação de desequilíbrio, a qual
é precisamente o que Merton descreveu como anomia, recorrendo à terminologia
de Durkheim934. A anomia, portanto, expressa um estado de pressão sofrida pelos
membros da sociedade; esse estado de pressão tem sua origem naquela desigualdade
da estrutura social, precisamente no descompasso entre metas culturais e meios
legítimos, o qual termina por pressionar os indivíduos e levá-los aos cinco modos de
adaptação acima analisados. Em poucas palavras, o crime é, a rigor, um problema de
estrutura social.
Para além das críticas levantadas, o ponto fundamental não esclarecido pela
explicação anômica de Merton diz respeito ao seguinte: por que os indivíduos sob
pressão reagem de modo distinto? Noutros termos: por que alguns se decidem por
um modo de adaptação e não por outro? Questões sem resposta e vagueza termino-
lógica (conceito de metas culturais) são, para parcela da doutrina, uma porta aberta
deixada pela anomia para a arbitrariedade935.
Uma nova roupagem da teoria da anomia deve-se ao trabalho desenvolvido, a
partir dos anos noventa do século passado, por Robert Agnew936. Agnew tenta levar

934. Cf. Meier, Bernd-Dieter. Kriminologie…Op. cit., p. 55-56, Rn. 58.


935. Cf. Meier, Bernd-Dieter. Kriminologie…Op. cit., p. 56, Rn. 61.
936. Inicialmente em Agnew, Robert. Foundation for a general strain theory of crime and delinquency. In:
Criminology, vol. 30, n. 1, 1992, p. 47-88. Para as matizações realizadas nos artigos posteriores. Cf.
Téllez Aguilera, Abel. Criminología…Op. cit., p. 284, nota de rodapé n. 959.

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adiante uma interpretação microssociológica937 da anomia e, para isso, desenvolve


a “teoria geral da frustração”. À semelhança de Merton, ele também parte do pres-
suposto de que a criminalidade é consequência de uma situação de pressão social.
Contudo, o ponto central da criminalidade não está no desajuste entre as metas
culturais e os meios legítimos que se apresentam como um problema estrutural,
como defendia a tradicional formulação da teoria da anomia, senão nos sentimentos
de frustração, raiva, medo que podem decorrer de determinados estados afetivos
negativos derivados das relações com outras pessoas938. Formulando de outro modo,
o desvio passa a ser encarado como problema socioemocional gerado por relações
sociais negativas939.
O que se deriva dessa mudança de perspectiva é que para Agnew a teoria da
anomia também deve ser compreendida a partir de uma dimensão individual, mas –
ao contrário do quanto possa parecer à primeira vista – isso não implica redução do
foco da teoria – senão sua ampliação, é dizer: a teoria passa a incluir em sua análise
não somente a pressão econômica, senão também todos os tipos de relações nega-
tivas que podem impactar o indivíduo. No fundo, portanto, a teoria fornece uma
descrição mais abrangente da adaptação cognitiva do indivíduo940 (isso explica o
porquê de a teoria também ser denominada de teoria geral da pressão941). O seu ponto
central está no modo como uma pessoa experimenta uma situação de tensão entre as
suas expectativas e as suas conquistas. A tensão que resulta desse desequilíbrio
gera um estado de frustração que explica o recurso à delinquência. Agnew considera
acertada a teoria central da anomia: que o crime surge de um estado de frustração/
pressão, mas aquela não acerta no momento de determinar quais são as fontes da
frustração942. Assim, se para Merton a única fonte de pressão era a estrutural ne-
cessidade de aquisição de bens materiais, para Agnew as fontes de pressão não se
resumem a essa demanda estrutural da sociedade.
Como adiantei, a modelagem de Agnew determina, conforme doutrina, duas
alterações na concepção clássica da teoria da anomia: (i) primeiro, a correção da teo-
ria clássica; (ii) segundo, a ampliação das fontes de frustração, isto é, o fracasso em
atingir metas materiais não é a única razão que leva o indivíduo a cometer crimes.
Em relação à primeira distinção, Agnew sustenta, como antes indicado, que a fonte
de frustração é o desequilíbrio entre as expectativas e as conquistas, isto é, entre
o que consideramos justo obter com o nosso esforço e o que realmente obtemos (i).

937. Assim denominada por entender que a anomia não tem somente uma dimensão estrutural, senão
igualmente uma dimensão individual. Cf. Meier, Bernd-Dieter. Kriminologie…Op. cit., p. 58, Rn. 64;
Neubacher, Frank. Kriminologie... Op. cit., p. 100-101, Rn. 3; Garcia-Pablos de Molina, Antonio. Crimi-
nología…Op. cit., p. 731; Téllez Aguilera, Abel. Criminología…Op. cit., p. 283.
938. Göppinger, Hans. Kriminologie…Op. cit., p. 155, Rn. 41.
939. Schmalleger, Frank. Criminology today…Op. cit., p. 167.
940. Schmalleger, Frank. Criminology today…Op. cit., p. 167.
941. Por todos, Bock, Michael. Kriminologie...Op. cit., 77, Rn. 196 e ss.
942. Cid Moliné, José; Larrauri Pijoan, Elena. Teorías... Op. cit., p. 144.

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Para além disso, Agnew sustenta existirem outras fontes de frustração como, por
exemplo, a perda de estímulos positivos ou recebimento de estímulos negativos943.
Exemplificadamente, quando o indivíduo não é tratado como gostaria pode surgir
uma série de emoções negativas (a ira, o medo, a depressão, o desgosto) as quais o
pressionam para o cometimento da conduta delitiva944. De modo mais preciso, para
Agnew é possível considerar os seguintes fatores de pressão945-946:
1. Pressão derivada da impossibilidade de alcançar as metas sociais deseja-
das. A frustração que se estabelece aqui deriva do desequilíbrio entre as ex-
pectativas e aquilo que o indivíduo pode efetivamente alcançar. Seria o caso,
por exemplo, daquele indivíduo que investe tempo e dinheiro na sua formação
profissional, mas que, por razões de mercado, vê-se obrigado a trabalhar em
setores destinados a pessoas “menos” qualificadas.
2. Pressão derivada da privação dos estímulos positivos que o indivíduo
já possui ou que espera possuir. Essa hipótese pode ser expressada, por
exemplo, recorrendo-se aos seguintes exemplos: trabalhador que perde o
emprego em razão de uma necessidade de mercado (i) ou, então, que vê pio-
rar as suas condições de trabalho em razão dessa mesma necessidade de
mercado (ii); o jovem que é expulso do colégio e vê-se privado da companhia
dos melhores amigos (iii).
3. Pressão derivada da confrontação do indivíduo com situações negati-
vas ante as quais ele não pode escapar. Nesse sentido, destacam-se as ex-
periências como vitimizantes, a exemplo das vítimas derivadas de abusos
sexuais; da esposa que sofre maus-tratos do marido violento, mas que não
consegue abandoná-lo em razão da sua dependência econômica; experiências
negativas na escola.
Diante dos estados afetivos negativos gerados por essas espécies de frustração,
desperta-se no indivíduo a necessidade de mitigar o impacto desses estados, isto é,
de aliviar a situação de pressão que sob ele se instaura. O delito não é outra coisa se-
não uma das possíveis formas de fazê-lo947. A questão que surge, então, é a seguinte:
por que alguns indivíduos, sujeitos ao mesmo estado afetivo negativo, não praticam
delitos? Bem, para Agnew, isso se deve a diferentes fatores estratégicos utilizados
para superar essas situações de pressão. Assim, por exemplo, o indivíduo pode reagir

943. Cid Moliné, José; Larrauri Pijoan, Elena. Teorías... Op. cit., p. 144.
944. Meier, Bernd-Dieter. Kriminologie…Op. cit., p. 57, Rn. 63; Téllez Aguilera, Abel. Criminología…Op. cit.,
p. 284.
945. Agnew, Robert. A general strain theory of terrorism. In: Theoretical Criminology, vol. 14, 2010, p. 131
e ss.
946. Cf. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology…Op. cit., p. 111; Bock, Michael. Kri-
minologie…Op. cit., p. 77, Rn. 196; Göppinger, Hans. Kriminologie…Op. cit., p. 155, Rn. 42-43; Meier,
Bernd-Dieter. Kriminologie…Op. cit., p. 57, Rn. 62; Neubacher, Frank. Kriminologie... Op. cit., p. 101,
Rn. 3; Téllez Aguilera, Abel. Criminología…Op. cit., p. 284.
947. Agnew, Robert. Foundation…Op. cit. p. 54 e ss.

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recorrendo a uma estratégia cognitiva de minimização ou neutralização da situação


(as expressões “Isso não é tão importante...”, “Isso não é tão ruim...” ou “eu mereci
isso...” são típicas de uma estratégia de superação cognitiva948) ou, inclusive, ignorar
ou atribuir a si mesmo a responsabilidade pela situação desafortunada949. Por outro
lado, uma reação a favor do comportamento criminal será preponderante se o sujei-
to tem as suas outras opções lícitas limitadas. Assim, por exemplo, são fatores de
impulsão para a opção criminal o menor repertório de adaptação ou o menor apoio
social; também existem fatores de predisposição como, por exemplo, o tempera-
mento do indivíduo950.
Se pudéssemos sugerir uma expressão gráfica final para a roupagem da anomia
em Agnew, essa seria, aproximadamente, a seguinte:

O problema fundamental da teoria de Agnew deriva da sua tentativa de respon-


der àquela última pergunta. Com efeito, ao agregar uma série de fatores para tentar
explicar os diferentes modos de adaptação, o autor somente consegue converter a
sua teoria em um aparato conceitual extremamente confuso, complexo e inadequa-
do para ser manejado com alguma precisão951.

948. Göppinger, Hans. Kriminologie…Op. cit., p. 156, Fn. 60.


949. Comentando outras estratégias de reação, Göppinger, Hans. Kriminologie…Op. cit., p. 156, Rn. 43.
Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology…Op. cit., p. 111: “General strain theory
acknowledges that not all persons who experience strain become criminals. Many are equipped to cope
with their frustration and anger. Some come up with rationalizations (“don’t really need it anyway”),
others use techniques for physical relief (a good workout at the gym), and still others walk away from
the condi- tion causing stress (get out of the house)”.
950. Cf. Agnew, Robert. Foundation…Op. cit., p. 56 e ss. Cf. Téllez Aguilera, Abel. Criminología…Op. cit., p.
285-286. Destacando que Agnew atribui à ira um papel fundamental, cf. Meier, Bernd-Dieter. Krimino-
logie…Op. cit., p. 57, Rn. 63.
951. Téllez Aguilera, Abel. Criminología…Op. cit., p. 286.

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