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O ‘ANTI-CATHONÔMICO’ :

Considerações sobre a Economia Política Sustentável e a Ética Católica

Klein Cunha Duarte1

Resumo: O presente artigo estabelece uma crítica à obra “Cathonômico: como a tradição
católica pode criar maior justiça econômica”, formulada por Antony Annet. A crítica se
fundamenta na oposição/problematização dos princípios da DSI (Doutrina Social da Igreja
Católica, elastecidas pela Encíclica Papal ‘Laudato Si’ (Louvado Seja) e pela Encíclica
‘Frutili teli’, e somadas ao conceito de virtude aristotélica e a noção de Justiça contidas no
antigo testamento; todas contrapostas aos conceitos de: a) Solidariedade Mecânica e Orgânica
em Durkheim; b) Ética e Ação Social em Weber; c) Fato Social Total em Mauss; e d) ‘Virtú’
em Maquiavel. Reveste-se de importância esse estudo para situar a perspectiva do
cathonômico dentro do espectro das éticas religiosas, como uma entre outras possibilidades de
conformação ética capaz de levar Sociedades e Estados à mudança paradigmática das
economias capitalistas. Apontar de forma clara a delimitação do campo ético católico dentre
os demais campos éticos das religiões como possíveis alternativas de mudanças sociais e
econômicas e para a preservação e higidez ambientais é o objetivo deste estudo, que se utiliza
da revisão cienciométrica e bibliográfica como metodologia utilizada.

Palavras-chave: Cathonômico. Economia Política. Ética Católica.


Ética Ecológica.

Abstract: This article establishes a critique of the work "Cathonomics: how the Catholic
tradition can create greater economic justice", formulated by Antony Annet. The criticism is
based on the opposition/problematization of the principles of The DSI (Social Doctrine of the
Catholic Church, which were effected by the Papal Encyclical 'Laudato Si' (Praise Be), and
added to the concept of Aristotelian virtue and the notion of Justice contained in the Old
Testament; all owed to the concepts of: a) Mechanical and Organic Solidarity in Durkheim;
b) Ethics and Social Action in Weber; c) Total Social Fact in Mauss; and d) 'Virtú' in
Maquiavel. This study is important to situate the perspective of cathonomics, within the
spectrum of religious ethics, as one of the possibilities of ethical conformation capable of
leading Societies and States to the paradigmatic change of capitalist economies. To clearly
point out the delimitation of the Catholic ethical field among the other ethical fields of
religions as possible alternatives of social and economic changes and for environmental
preservation and hygiene is the objective of this study, which uses scientometric and
bibliographic review as a methodology used.

Keywords: Cathonomics. Political Economy. Catholic Ethics.


Ecological Ethics.

1 Mestrando em Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável pela UFRRJ. E-mail:


kleincd@gmail.com.br
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Introdução

A busca de um campo Ético que vise a interpenetrar o artificialismo robotizado do


economicismo digital, em tempos de Globalização Econômica, é um dos desafios do século
XXI. A Doutrina Social da Igreja Católica (DSI), sustentada em 05 bases principais, a saber:
O princípio da Solidariendade, da Subsidiariedade, da Destinação Universal dos Bens,
princípio do Bem Comum e o princípio da Dignidade da Pessoa Humana; se viu robustecida
com a Encíclica Papal ‘Laudato Si” (Louvado Seja) no que esta vetoriza as ações econômicas
voltadas às questões sociais e ambientais, preocupando-se com as mudanças climáticas
ocorrentes no mundo e expondo o fracasso do neoliberalismo no tocante a justiça econômica,
ao desenvolvimento sustentável e na diminuição da desigualdade.
A obra “cathonômico” procura compilar a partir da história dos conceitos que a
formam, a ética católica em contraposição à cosmovisão econômica capitalista. Partindo da
idéia de Justiça do antigo testamento e do conceito de virtude aristotélica, o cathonômico
procura expor-se (segundo Annet) como melhor alternativa ao neoliberalismo.

1. A “ÓPERA CATHONÔMICA” E OS SEUS TRÊS ‘OPOSI(TENORES)’: ÈMILE


DURKHEIM, MAX WEBER E MARCEL MAUSS.
A forma como Annet critica as teorias econômicas do Iluminismo e do liberalismo
beiram a uma ingênua disposição, vez que o autor não reconhece que a perspectiva histórica
que precedeu ao liberalismo econômico iluminista sustentou séculos de opressão e de
manutenção da pobreza e do ‘status quo’ feudais na Europa. Na medida em que busca integrar
proposições de keynesianismo aliadas à justiça social e ao chamado “Green New Deal”, o
Cathonômico esbarra em campos de saberes que são historicamente datáveis e que não
formam um ‘ópera conjunta’ mas tão somente acordes dissonantes.

1.1. O primeiro ‘oposi(tenor)’ cathonômico: Èmile Durkheim


O pedagogo e cientista social Émile Durkheim contrapõe-se à ópera Cathonômica
como seu primeiro oposi(tenor), no que demonstra o princípio da Solidariedade (citado co
Cathonômico como um dos princípios da Doutrina Social da igreja Católica a fundar o campo
ético de contraponto à ganância capitalista), não como fruto altruísta de uma natureza
humana, mas como uma forma etapista de tipos de solidariedade para a formação do Modo de
Produção que enseja qualquer Economia. Durkheim parte do conceito de solidariedade como
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uma relação de moralidade que faz com que os indivíduos se percebam como pertencentes a
uma mesma sociedade, como subproduto da divisão do trabalho social. Annet sugere o
princípio da solidariedade fruto do “Bem” aristotélico.

Solidariedade mecânica, para Durkheim, era aquela que predominava nas


sociedades pré-capitalistas, onde os indivíduos se identificavam por meio da família,
da religião, da tradição e dos costumes, permanecendo em geral interdependentes e
autônomos em relação à divisão do trabalho social. A Consciência coletiva exerce
aqui todo seu poder de coerção sobre os indivíduos. Solidariedade orgânica é aquela
típica das sociedades capitalistas, em que, pela acelerada divisão do trabalho social, os
indivíduos se tornavam interdependentes. Essa interdependência garante a união
social, em lugar dos costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas, como
ocorre nas sociedades contemporâneas. Nas sociedades capitalistas, a consci~encia
coletiva se afrouxa, ao mesmo tempo em que os indivíduos tornam-se mutuamente
dependentes, cada qual se especializa em uma atividade e tende a desenvolver maior
autonomia pessoal. (COSTA, 2000, pág.87).

O Capitalismo, com seus contornos hodiernos globalistas (Neo)liberais, não seriam


uma forma de inexistência ou de pouca’solidariedade’ humana como enseja o cathonômico de
Annet. Como indica Durkheim, ele seria explicável mediante a mudança do tipo de
solidariedade social hegemônica iniciada a partir do que ele chama de solidariedade mecânica
das sociedades tradicionais e pré-modernas, para a solidariedade orgânica das sociedades
moderna e capitalistas.

1.2. O segundo ‘oposi(tenor)’ cathonômico: Max Weber


A obra “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” certamente foi uma revolução
no pensamento ético acadêmico. Nela, Max Weber insere uma nova visão sobre o fato social
e na explicação causal dos movimentos sociais que engendraram práticas capitalistas a partir
da ‘ação social’ conformada a partir de um conjunto de intersubjetividades e de motivações
que escapavam da idéia corrente positivista/funcionalista (como em Durkheim) e ou
‘encarcerado’ na idéia da estrutura advinda de um modo de produção (como em Marx).
Weber representa o segundo oposi(tenor) à “ópera cathonômica” por justamente
apontar que o compêndio ético cristão/judaico proposto por Annett representa apenas e tão
somente uma possibilidade dentre as miríades existentes entre as éticas religiosas no mundo.
Ao descrever os quakers fundantes da ‘Nova Inglaterra’, Weber pretende “capturar o
sentido da ação do sujeito, não a lei que o rege, ou os valores morais adstritos ao humano por
uma natureza humana que lhe seja inerente:
Weber, originalmente, constrói sua argumentação científica a partir
do indivíduo. Seu pensamento social não entende a sociedade como um
organismo vivo ou movido por leis gerais, mas como redes que cada um
constrói segundo interesses subjetivos. (ALBINO, 2016, págs. 21-22).
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1.3. O terceiro ‘oposi(tenor)’ cathonômico: Marcel Mauss


O terceiro e último oposi(tenor) à “ópera cathonômica de Antony Annet denomina-se
Marcel Mauss. Esse notável antropólogo se oporá à idéia de que o compêndio ético
judaico/cristão é capaz, somente por si, dar cabo de desconstruir a realidade econômica
neo(liberal) porque falta a noção do simbólico, da expectativa do indivíduo e da conformada
ética coletivizada por essas expectativas:

Para Mauss, os homens não internalizam regras e normas estruturais de


conduta para serem executadas cegamente. Para Mauss (...) o regramento moral
encon?tra-se no plano da relação simbólica, da expectativa da ação/reação do outro,
mas também como dimensão psicológica e fisiológica. Evidentemente, as regras e
normas de conduta moral, como uma relação simbólica, também são inconscientes.
(SIQUEIRA, 2000, pág. 23);

Como o Fato Social Total se caracteriza pela inferência de um conjunto de fatores


(psicológicos e fisiológicos) que abarcam toda uma realidade sensória capaz de engendrar
uma percepção e representação, não seria o Cathonômico suficiente para dirimir o imbroglio
capitalista mundial.

2. Um ‘Laudato Si’ para Maquiavel


O Cathonômico se ancora na Encíclica papal ‘Laudato Si’ (Louvado seja), proclamada
pelo Papa Francisco de modo a criar o móbile necessário para as novas injunções eco-
ambientais e a preocupação com a desigualdade sistêmica do neoliberalismo contemporâneo.
Há uma busca incessante em tentar aliar esta encíclica papal ao aristotélico conceito de
virtude durante o percorrer do texto de Annett. Assim, ao se referir aos textos do Antigo
Testamento cotejados com as novas proposições da ‘Laudato Si’, o Cathonômico infere:

Before leaving e Hebrew scriptures, we need to consider one further element:


the biblical injuction to care for the earth as well as the poor (...) this the central of the
vision of the pope Francis. His most important text to date, 'Laudato Si'(...) develops
this idea in great detail. The starting point is the understanding that everything God
created is good and therefore is worthy of respect and protection. God has bequeathed
the earth to humankind, but we are not it owners. (ANNETT, 2022, págs. 4-5).

O que diria Maquiavel dessas proposições acima descritas no Cathonômico? A ruína e


opulência das sociedades decorrentes da ganância e da falta de virtude? Um afastamento de
Deus e de suas prédicas bíblicas? Ora, o diplomata Florentino Nicolau Maquiavel se opõe à
uma composição de moral que se identifique com a existência de uma “natureza humana” e a
uma tradição platônico-aristotélica de uma teoria política (e o seu sucedâneo econômico)
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determinado por uma ética, mesmo que seja a cristã. Melhor dizendo, Maquiavel não
prescinde de que haja uma “ética” para conformar a política e a economia, mas sustenta essa
ética baseada no conceito de Virtú como a habilidade do Príncipe em saber lidar com a
realidade, afastando-se de bases teológicas : “(...) e um homem que quiser fazer profissão de
bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus. (MAQUIAVEL, 1991, pág. 63).

Como compêndio ético que afrontará as bases econômicas do globalismo (neo)liberal,


o Cathonômico insere o conceito de virtude aristotélica. Em Aristóteles, a virtude se adquire
pelo hábito. Se você praticar uma virtude reiteradamente, eventualmente você irá torná-la
parte do seu caráter. Você se educa e assimila as virtudes praticando-as. Virtudes devem ser
praticadas regularmente para fortalecê-las. Nesse mundo globalizado onde a economia digital
aumenta a exclusão em que vivemos, o Cathonômico predica que voltar às virtudes é voltar a
nossa essência como seres humanos e atingir o Bem. Em Maquiavel, o conceito de ‘virtú’
(virtude) tem mais a ver com a capacidade de previsão do governante - a partir da experiência
passada por outrens ou pelo estudo - e como o governante reage aos acontecimentos. A ética
de Maquiavel não está nos ‘meios’ em atingir seus objetivos (estabilidade política-econômica)
mas sim nos ‘fins’, ao atingí-los. O governante predica uma ética realista que supera qualquer
ética moral, uma ética contratualista que não observa uma natureza humana boa nem má:

É que os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e


ambiciosos de dinheiro, e, enquanto lhes fizerdes bem, todos estão contigo, oferecem-
te sangue, bens, vida, filhos, como disse acima, desde que a necessidade esteja longe
de ti. Mas quando ela se avizinha, voltam-se para outra parte. (MAQUIAVEL, 1991,
pág.70).

3. Ética Cathonômica Ambiental ou uma Ética Ecumênica Ambiental? Por uma Ética
Cósmica.

Da apresentação dos três oposi(tenores) à ópera cathonômica proposta por Annett


decorre observarmos que não só o compêndio ético cristão-judaico corrobora as teses de que
precisamos urgentemente nos opor ao processo de exclusão e de arrivismo ambiental
praticados na contemporaneidade.
Como nos lembra o Cathonômico, as 17 ODS (Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável) instituídas pela ONU e criados no Brasil, durante a Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável no Rio de Janeiro, em 2012, representam os
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vetores pelos quais toda conformação ética, religiosa ou conceitual, deve se ater para que se
evite tragédias ambientais maiores do que as já existentes, todas advindas da
irresponsabilidade ambiental e pela ganância sistêmica do capitalismo. Queiramos ou não,
nós fazemos parte do mundo e ao mesmo tempo da sociedade, o que nos irrompe a
necessidade de respeitar a natureza e o dever ético de conservá-la para as gerações futuras.
Em suma, é a ordem Cósmica de modo a vetorizar os compêndios éticos existentes, não só no
Cathonômico, mas o de todas as religiões.
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Referências Bibliográficas

ALBINO,Luciano M., in: 10 Lições sobre Max Weber. Petrópolis, RJ, Ed. Vozes, 2016.
ANNET, Antony M., in: Cathonomics: how catholic tradiction can create a fairer
economy. Georgetown university press, 2022;
COSTA, Cristina, in: Sociologia: Introdução à ciência da sociedade. Moderna, 2000.
GERTH, Hans H. & MILLS C. Wright, in: Max Weber: From Essays in Sociology.
MAQUIAVEL, Nicolau, in: O Príncipe. Coleção Pensadores, 1990.
SIQUEIRA, Euler David, in: O Homem Total na Sociologia de Marcel Mauss. Revista
Humanas, volume 2, número 1, 2000;

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