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tudo é inconstante, sujeito a mudanças, então, obviamente, nada nele é

eterno. O próprio Mundo não pode ser eterno. Consequência disso é que
o Mundo sensível só poderia ter sido criado. E, se foi criado, teria que ter
uma causa, o seu Criador.

Apesar de não podermos obter um conhecimento seguro deste Mundo,


senão apenas um conhecimento incerto e duvidoso baseado em
aparências captadas pelos nossos sentidos, Timeu diz que, assim mesmo,
podemos vislumbrar uma ordem, harmonia e beleza no Mundo sensível.
Isso é tão importante para ele que, como já vimos, o Mundo sensível foi
denominado Cosmo, que significa
“Ordem”. A ordem e a harmonia se
revelam através de relações e
proporções matemáticas; a beleza
através, por exemplo, da
hierarquia dos seres vivos da
natureza. Tudo isso seria uma
manifestação do Intelecto do
Criador do Mundo sensível.

O DEMIURGO
Vendo todos os dias os ceramistas
que confeccionavam vasos, jarras,
Figura 6. Artesão ceramista dando ânforas etc. (Figura 6) em ateliês
a forma de ânfora à argila: no caminho que percorria para
analogia do Demiurgo, Criador do chegar à Academia21, Platão deve
Mundo. ter concebido a ideia de que o
Criador de um Mundo dotado de harmonia e proporção teria que ser um
arquiteto ou artesão, porém, sem os defeitos e limitações de um
arquiteto ou artesão humano. Esse Artesão Divino, Criador do Mundo,
era o Demiurgo.

Portanto, de acordo com o Timeu, o Mundo existe porque o Demiurgo o


criou. Ou melhor, o poder criativo da Mente (ou Razão) do Demiurgo
teria criado o Mundo, moldando o Caos Primordial segundo as Ideias
eternas e perfeitas dessa Mente. O Mundo assim criado, por ser bem

Ainda hoje há em Atenas ruínas de um cemitério que se chamava Kerameikos,


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nome esse provavelmente associado a uma comunidade de ceramistas.


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ordenado no seu todo, assim como no arranjo de suas partes, tinha
finalidades deliberadamente boas cogitadas pelo Demiurgo. Por
exemplo, a de proclamar as virtudes do Intelecto do Demiurgo, como
também a de servir como modelo a ser entendido e imitado pelas almas
racionais. Nesse sentido, o Mundo era como era por razões teleológicas,
isto é, porque havia uma finalidade e propósito cogitada pelo Demiurgo.

Para a Ciência atual as explicações legítimas devem ser dadas por meio
de causas que fazem parte do Mundo sensível, não sendo aceitável
invocar causas transcendentais, por exemplo, um deus supranatural cuja
existência e atuação não podem ser evidenciadas empiricamente, já que
tal deus não faz parte do Universo observável.

Seguindo Timeu, tenho afirmado que o Demiurgo é o Criador do Mundo.


Mas devo elucidar nuances importantes que a palavra “Criador” encerra.
Criar significa dar existência a algo que não existia antes. Um princípio
da teologia cristã compartilhado pelo judaísmo e islamismo é que Deus
teria criado todas as coisas a partir do nada, embora isso não apareça
explicitamente nos livros sagrados. Esse é o sentido mais radical do
verbo “criar”. Na Cosmologia do Big Bang obviamente não há Criador,
embora o Universo tenha emergido do nada.

O Demiurgo segundo Timeu seria o Criador do Mundo porque ele teria


dado existência a um Mundo que antes não existia, mas Ele não fez isso
a partir do nada. Assim como o ceramista utiliza a argila como matéria-
prima à qual ele dá forma, o Demiurgo impôs ordem e proporção no
Caos Primordial preexistente desde toda a eternidade a fim de criar o
Mundo sensível.

Agora uma surpresa. O Demiurgo decidiu criar o Mundo segundo o


projeto perfeito que ele tinha em sua Mente. Portanto o Mundo criado
deveria ser perfeito. Mas isso não aconteceu. O Mundo criado não é
perfeito, apenas é o melhor dos possíveis. O Mundo criado é ordenado e
harmonioso, mas apenas em parte. Tudo teria ocorrido como se o Caos
Primordial fosse rebelde, indócil nas mãos do Demiurgo. A
racionalidade do modelo perfeito do Demiurgo explica a ordem e
harmonia que ainda podemos entrever no movimento dos astros. Mas
veremos adiante que o Mundo tem também propriedades que não fazem
parte da racionalidade demiúrgica que, portanto, precisam de uma outra
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explicação que será a Necessidade. Por enquanto apresento-a apenas
pelo nome. A verdade, então, é que o Demiurgo não é onipotente, capaz
de construir o Mundo perfeito como ele o idealizou. Entenderemos esse
importante ponto da Cosmologia de Platão mais adiante.

O MUNDO DAS IDEIAS


O arquiteto edifica monumentos, templos, anfiteatros etc. O artesão
ceramista confecciona ânforas, vasos, estátuas etc. Tanto um como outro
segue um modelo já idealizado em suas Mentes. Esse modelo mental,
Ideia ou Arquétipo é um conceito-chave para Platão, pois na sua
filosofia, a cada objeto do Mundo sensível correspondia uma Ideia
eterna e perfeita que encerrava todo seu conteúdo inteligível22. Segundo
Platão, Ideias são eternas, portanto nunca mudam e sempre são iguais a
si mesmas, diferentemente das coisas sensíveis que são imagens, cópias
ou meros simulacros das Ideias, sujeitos a transformação.

Para Platão, o fato de que o Universo era Cosmo, isto é, algo ordenado,
organizado, harmonioso e belo, significava que o Universo era
inteligível, podia ser captado (entendido ou apreendido) pela nossa
Mente (Razão ou Intelecto). Isso que nossa Mente era capaz de captar
eram as Ideias. A apreensão pela nossa Mente, através do pensamento,
da Ideia de ordem, organização, harmonia e beleza do Cosmo constituía
a aquisição de um verdadeiro conhecimento, pois gerava certeza. A
captação pelos nossos sentidos de impressões sensoriais de objetos do
Mundo exterior constituía também a aquisição de um conhecimento,
mas de qualidade inferior, pois não gerava certeza, senão apenas
opinião, algo menos confiável, de inferior credibilidade. A nós cabia
almejar o conhecimento daquilo que é eterno, que existe sempre e não
das coisas que num certo instante são geradas, depois já não existem
mais.

As Ideias platônicas eram entidades perfeitas (sem nenhuma


imperfeição), imateriais, porém, reais e eternas (existentes desde
sempre, nunca criadas). Havia uma afinidade natural entre as Ideias e a

22Isso pode ser esclarecedor: uma obra de arte tendo como tema um objeto da
natureza era para Platão uma imitação de um objeto sensível, portanto era uma
imitação de uma imitação ou, digamos, uma “imitação ao quadrado” de uma
Ideia.
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