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BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS

DOS DESCENDENTES AFRICANOS

BELO HORIZONTE / MG

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SUMÁRIO

1. A HISTÓRIA DA ÁFRICA E ALGUMAS TEORIAS .......................................................................3

2. CONCEPÇÕES DA HISTÓRIA DA ÁFRICA: EUROCENTRISMO, FROCENTRISMO................8

3. A CRONOLOGIA PARA ESTUDAR A HISTÓRIA DA ÁFRICA ................................................12

5. UMA ABORDAGEM MULTI E INTERDISCIPLINAR: HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA, HISTÓRIA

E ETNOLOGIA , HISTÓRIA E ORALIDADE ...................................................................................16

REFERÊNCIAS UTILIZADAS E CONSULTADAS ..........................................................................20

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1. A HISTÓRIA DA ÁFRICA E ALGUMAS afirmava que a luta no seio de uma mesma


TEORIAS espécie constituía fator decisivo do fenômeno
biológico, dando razão assim à teoria reacionária
de Malthus, o malthusianismo. Como efeito, se
- Sobre teorias raciais: Nenhum trabalho sobre Darwin pôde demonstrar de maneira
a África seria completo se não houvesse uma irrefutável a origem do homem a partir dos
apresentação e mesmo discussão das teorias macacos antropoides, ele não soube sair do
raciais. Nesse sentido a Fundação Mauricio terreno puramente biológico para dar uma
Grabois traz um extrato do documento Introdução solução completa a este problema. Coube aos
às Realidades Econômicas e Sociais do Daomé fundadores do marxismo resolver cabalmente o
– NBE, Paris, e que apresentamos nesta apostila problema da origem do homem, ao demonstrar
para pensar as questões raciais que influíram que foi o trabalho e o emprego de ferramentas o
para o escravagismo e que de certa forma estão que mais contribuiu para separar o homem do
alicerçadas ainda, nas sociedades, no que diz animal irracional. (DOCUMENTO, apud
respeito às práticas racistas que ainda perduram. FUNDAÇÃO MAURÍCIO GRABOIS, 1981, s/p)
Diz o documento: em sua célebre obra Em sua obra O Papel do Trabalho na
A Origem das Espécies por Meio da Seleção Transformação do Macaco em Homem, Engels
Natural, Darwin demonstrou que os animais e as escreveu: “O trabalho, dizem os economistas, é
plantas se modificam e se transformam sem a fonte de todas as riquezas. E o é efetivamente
cessar, que o aparecimento de formas novas, (...) em conjunto com a natureza que lhe fornece
assim como o desaparecimento das antigas, não a matéria a ser convertida em riqueza. Mas o
é devido a um ato criador de Deus, mas resultado trabalho é infinitamente mais importante ainda. É
de uma evolução natural e histórica. As a condição fundamental, primeira, de toda a vida
pesquisas ulteriores efetuadas em animais e humana e a tal ponto que, num certo sentido, se
plantas fósseis confirmaram a teoria pode afirmar: o trabalho criou o homem”. “As
evolucionista de Darwin e comprovaram que os raças humanas são o resultado do
organismos antigos têm uma estrutura mais desenvolvimento histórico”. Assim, a teoria de
simples que a dos organismos recentes e que o Darwin e a ciência opõem o monogenismo ao
homem evoluiu das formas menos complexas às poligenismo – teoria da origem do homem a partir
formas mais complexas. de macacos diferentes. A teoria racista do
Darwin explicou, em sua teoria, como a poligenismo perdeu seus apoios principais, e a
variabilidade e a hereditariedade são Declaração Sobre a Raça e os Preconceitos
propriedades dos organismos. As modificações Raciais (UNESCO, Paris, 26.9.77) reconhece:
úteis à planta ou ao animal, em sua luta pela vida, a) todos os homens que vivem em
fixam-se, acumulam-se e, transmitindo-se por nossos dias pertencem à mesma espécie e
hereditariedade, determinam o aparecimento de descendem da mesma fonte;
novas formas vegetais e animais. Como
assinalou Marx, “Darwin assestou um golpe b) a divisão da espécie humana em
mortal à „teologia‟ nas ciências naturais”. Isto raças é, em parte, convencional e arbitrária, não
constituiu grande vitória da interpretação implica em hierarquia de qualquer ordem que
materialista dos fenômenos da natureza. seja. Numerosos antropólogos acentuam a
importância da variabilidade humana, mas creem
Não obstante, Marx e Engels que as divisões “raciais” têm interesse científico
consideravam que a doutrina darwiniana
continha erros essenciais, notadamente quando

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limitado e podem conduzir a uma abusiva estudos sérios até agora. Sua classificação
generalização; esquemática e sua localização comportam larga
c) no estágio atual dos conhecimentos margem de incerteza. Pelas conclusões a que
chegamos, podemos dizer que a população de
biológicos, não se poderia atribuir as realizações
Daomé é quase exclusivamente negróide. Uma
culturais dos povos a diferenças de potencial
genético. As diferenças entre tais realizações coisa é certa: constitui parte da humanidade (três
milhões de seres) vivendo num território que se
explicam-se plenamente por sua história cultural.
Os povos do mundo de hoje mostram possuir desdobra ao longo do Atlântico até o rio Níger.
potenciais biológicos iguais, o que lhes permite Se a origem do povoamento de Daomé
atingir qualquer nível de civilização. O racismo e de toda a África é ainda questão a ser
falsifica grosseiramente os conhecimentos aprofundada, desde já devemos rejeitar todas as
relativos à biologia humana. teorias malthusianistas e social-darwinistas,
racistas e reacionárias, tanto em antropologia
Deste modo, a ciência marxista obtém
nesse aspecto importante vitória. O trabalho e o como em sociologia. Para os defensores do
social-darwinismo, a luta pela vida aplica-se
uso de instrumentos de trabalho permitiram as
modificações físicas no ser humano, o igualmente às sociedades humanas, disto
deduzindo que sobrevivem os indivíduos fortes e
desenvolvimento de sua mão e de seu cérebro, o
bem adaptados enquanto sucumbem os fracos.
aparecimento da linguagem falada, que criaram
uma distinção essencial entre o homem e os As teorias racistas, partindo de
outros animais. (...) (DOCUMENTO, apud pretensa superioridade de certas raças em
FUNDAÇÃO MAURICIO GRABOIS, 1981, s/p) relação a outras, procuram legitimar a escravidão
É preciso dizer que os agrupamentos negra, a opressão colonial e a exploração
imperialista dos povos das quais a população de
raciais se caracterizam por uma forte
Daomé continua a ser vítima. A raça negra, em
variabilidade individual, e as demarcações entre
geral, tem sofrido com o racismo, particularmente
as diferentes raças são geralmente
com o europeu. Mas as outras raças conheceram
intermediárias, assim como a unificação mais
estreita do tipo corporal da humanidade e de suas elas também, esse sofrimento. É bastante citar o
exemplo do racismo hitlerista, do qual os povos
raças. Hoje, pode-se afirmar que não existe em
europeus foram vítimas. O fenômeno racista, se
nenhuma parte do mundo “raças puras”.
bem que passe, atualmente, por um claro recuo,
O monogenismo do homem, possui sobrevivências e sequelas sérias. Teorias
cientificamente provado, a criação do homem confusas lhe servem de ponto de apoio. As
pelo trabalho e o seu desenvolvimento histórico, noções de raça, de nação, de língua, de cultura
onde predominam os fatores sociais, reforçam a são confundidas, assim como os fenômenos
tese de Marx e Engels segundo a qual as biológicos, com os fenômenos sociais. Esta
diferenças rácicas serão eliminadas pela barafunda é extremamente prejudicial, dado que
evolução histórica da humanidade. concorrem para transportar as desigualdades no
Daomé é um país de 112 mil desenvolvimento social para o plano biológico.
quilômetros quadrados, na África negra, povoado Se o racismo está ligado às diferenças
essencialmente de negros, que se dividem biológicas objetivas, às diferenças raciais,
geralmente em dois tipos: o sudanês e o devemos dizer que é, antes de tudo, o
guineense. Não é fácil distinguir estes dois tipos desenvolvimento desigual das sociedades que o
na atual população do país, pelas características tem engendrado. As teorias racistas são o reflexo
que se lhes atribui, em consequência de seu deformado das desigualdades sociais no cérebro
desenvolvimento histórico (trocas comerciais e daqueles que as sustentam. Chega-se mesmo a
culturais, migrações, mestiçagens etc). As ouvir de sábios burgueses declarações tais
dificuldades de delimitação desses dois tipos como: “Nós, homens de ciências exatas, somos
provêm igualmente do fato de as populações de uma raça à parte”. E afirmam tão mísero
Daomé manterem desde longo tempo trocas pensamento com a maior seriedade.
comerciais e culturais com outros tipos e outras
Para nós, (...) o homem tem um
raças (europóide, principalmente portuguesa).
Segundo nossa opinião, e nosso conhecimento, ascendente comum e, biologicamente, atingiu
elevado desenvolvimento. Mas a existência das
as sub-raças na África não têm sido objeto de

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raças é um dado objetivo. O racismo, gerado pelo contrastantes como as do deserto e da floresta
desenvolvimento desigual das sociedades, das densa, dos altos planaltos e das costas
classes e da luta de classes, tornou-se uma recobertas de mangues. Em resumo, do ponto de
chaga da humanidade. Fenômenos sociais como vista biológico, os homens de uma “raça” têm em
a opressão colonial, a exploração imperialista da comum alguns fatores genéticos que num outro
qual nossos povos foram vítimas – e continuam a grupo “racial” são substituídos por seus alelos;
ser – não encontram absolutamente justificativa entre os mestiços, coexistem os dois tipos
nas diferenças raciais. As teorias racistas foram de genes.
inventadas para justificar e eternizar a dominação
Como era de esperar, a identificação
de alguns povos pelas potências estrangeiras.
das “raças” se fez em primeiro lugar a partir de
Estas teorias influenciaram negativamente os critérios aparentes, para em seguida ir
povos africanos em geral e os do Daomé, em
considerando, pouco a pouco, realidades mais
particular, sendo a causa de alienações diversas profundas. Aliás, as características exteriores e
do homem e cujos verdadeiros fundamentos
os fenômenos internos não estão absolutamente
precisam ser desvendados para que os
separados. Se certos genes comandam os
possamos eliminar. (DOCUMENTO, apud
mecanismos hereditários que determinam a cor
FUNDAÇÃO MAURICIO GRABOIS, 1981, s/p)
da pele, por exemplo, esta também está ligada ao
Já para o historiador Ki-Zerbo (2008, meio ambiente. Observou-se uma correlação
s/p) o conceito de raça é um dos mais difíceis de positiva entre estatura e temperatura mais
definir cientificamente. Se admitirmos, como a elevada do mês mais quente e uma correlação
maioria dos especialistas posteriores a Darwin, negativa entre estatura e umidade. Da mesma
que a espécie humana pertence a um único forma, um nariz fino aquece melhor o ar num
tronco, a teoria das “raças” só pode ser clima mais frio e umidifica o ar seco inspirado. É
desenvolvida cientificamente dentro do contexto assim que o índice nasal aumenta
do evolucionismo. Com efeito, a raciação se consideravelmente nas populações
inscreve no processo geral da evolução subsaarianas, do deserto para a floresta,
diversificadora. Como observa J. Ruffie, ela passando pela savana. Embora possuindo o
requer duas condições: em primeiro lugar, o mesmo número de glândulas sudoríparas que os
isolamento sexual, frequentemente relativo, que brancos, os negros transpiram mais, o que
provoca pouco a pouco uma paisagem genética mantém seu corpo e sua pele numa temperatura
e morfológica singular. A raciação, portanto, menos elevada. Existem, portanto, diversas
baseia-se num estoque gênico diferente, etapas na investigação científica no que diz
causado quer por oscilação genética (o acaso na respeito às raças. (KI-ZERBO, 2008, s/p)
transmissão dos genes faz com que um deles se
transmita com mais frequência que outro, ou, ao
contrário, que seu alelo seja o mais largamente - A abordagem morfológica:
difundido), quer por seleção natural. Esta conduz
a uma diversificação adaptativa, graças à qual
Eickstedt, por exemplo, aponta Ki-Zerbo (1008,
um grupo tende a conservar o equipamento
s/p) define as raças como “agrupamentos
genético que o adapte melhor a um certo meio.
zoológicos naturais de formas pertencentes ao
(KI-ZERBO, 2008, s/p)
gênero dos hominídeos, cujos membros
Continuando Ki-Zerbo (2008, s/p) apresentam o mesmo conjunto típico de
explica que na África, ambos os processos caracteres normais e hereditários no nível
devem ter ocorrido. De fato, a oscilação genética, morfológico e no nível comportamental”. Desde a
que se exprime ao máximo em pequenos grupos, cor da pele e a forma dos cabelos ou do sistema
operou em etnias restritas, submetidas a um piloso, até os caracteres métricos e não métricos,
processo social de cissiparidade por ocasião das a curvatura femural anterior e as coroas e os
disputas de sucessão ou de terras e em virtude sulcos dos molares, foi construído um verdadeiro
das grandes áreas virgens disponíveis. Esse arsenal de observações e mensurações. Deu-se
processo marcou particularmente o patrimônio atenção especial ao índice cefálico, por estar
genético das etnias endógamas ou florestais. relacionado à parte da cabeça que abriga o
Quanto à seleção natural, ela teve a cérebro. É assim que Dixon estabelece os
oportunidade de entrar em jogo em ecologias tão diversos tipos em função de três índices

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combinados de vários modos: o índice cefálico europeus, sul-africanos, etc). Schwidejzky e


horizontal, o índice cefálico vertical e o índice Boyd acentuaram a sistemática genética:
nasal. Contudo, das 27 combinações possíveis, distribuição dos grupos sanguíneos A, B e O,
apenas oito (as mais frequentes) foram aceitas combinações do fator Rh, gene da secreção
como representativas dos tipos fundamentais, salivar, etc.
tendo sido as 19 restantes consideradas O hemotipologista também leva em
misturas. No entanto, as características
conta a anatomia, mas no nível da molécula. No
morfológicas são apenas um reflexo mais ou que diz respeito à micromorfologia, descreve as
menos deformado do estoque gênico; sua
células humanas cuja estrutura imunológica e
conjugação num protótipo ideal raramente se
cujo equipamento enzimático são diferenciados,
realiza com perfeição. De fato, trata-se de sendo o tecido sanguíneo o material mais prático
detalhes evidentes situados na fronteira
para isso. Os marcadores sanguíneos
homem/meio ambiente, mas que, justamente representam um salto histórico qualitativo na
por isso, são muito menos inatos que
identificação científica dos grupos humanos.
adquiridos. Reside aí uma das maiores fraquezas
Suas vantagens em relação aos critérios
da abordagem morfológica e tipológica, na qual
morfológicos são decisivas. Primeiramente, eles
as exceções acabam por ser mais importantes e
são quase sempre monométricos, isto é, sua
mais numerosas que a regra. Além disso, não se presença depende de um só gene, enquanto o
devem negligenciar as querelas acadêmicas
índice cefálico, por exemplo, é o produto de um
sobre as modalidades de mensuração (como,
complexo de fatores dificilmente localizáveis (...)
quando, etc.), que impedem as comparações
(KI-ZERBO, 2008, s/p)
úteis. As estatísticas de distância multivariada e
os coeficientes de semelhanças raciais, as
estatísticas de “formato” e de “forma”, a distância Apesar de seus desempenhos
generalizada de Nahala Nobis requerem excepcionais, contudo, o método hemotipológico
tratamento por computador. Ora, as raças são e populacional encontra dificuldades.
entidades biológicas reais que devem ser Primeiramente, porque seus parâmetros se
examinadas como um todo e não parte por parte. multiplicam enormemente e já estão
(KI-ZERBO, 2008, s/p) apresentando resultados estranhos a ponto de
serem encarados por alguns como aberrantes. É
assim que a árvore filogênica das populações
- A abordagem demográfica ou
elaborada por L. L. Cavalli-Sforza difere da
populacional: árvore antropométrica. Esta coloca os Pigmeus e
os San da África no mesmo ramo antropométrico
que os negros da Nova Guiné e da Austrália; na
Segundo Ki-Zerbo (2008, s/p) este
método vai insistir, de imediato, sobre fatos árvore filogênica, esses mesmos Pigmeus e San
aproximam-se mais dos franceses e ingleses e
grupais (reservatório gênico ou genoma), mais
os negros australianos dos japoneses e
estáveis que a estrutura genética conjuntural dos
chineses. Em outras palavras, os caracteres
indivíduos. De fato, na identificação de uma raça,
antropométricos são mais afetados pelo clima
é mais importante a frequência das
características que ela apresenta do que as que os genes, de modo que as afinidades
morfológicas são mais uma questão de meios
próprias características. Como o método
similares que de hereditariedades similares. (KI-
morfológico está praticamente abandonado, os
ZERBO, 2008, s/p)
elementos serológicos ou genéticos podem ser
submetidos a regras de classificação mais Os trabalhos segundo Ki-Zerbo (2008,
objetivas. Para Landman, uma raça é “um grupo s/p) de R. C. Lewontin, com base nas pesquisas
de seres humanos que (com raras exceções) dos hemotipologistas, mostram que, no mundo
apresentam entre si mais semelhanças inteiro, mais de 85 % da variabilidade situa-se no
genotípicas e frequentemente também interior das nações. Somente 7 % da
fenotípicas do que com os membros de outros variabilidade separa as nações que pertencem à
grupos”. Alekseiev desenvolve também uma mesma raça tradicional e também apenas 7%
concepção demográfica das raças com separam as raças tradicionais. Em resumo, os
denominações puramente geográficas (norte- indivíduos do mesmo grupo “racial” diferem mais

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uns dos outros que as “raças”. É por isso que época, muitas misturas se realizaram no
cada vez mais especialistas adotam a posição continente africano. (KI-ZERBO, 2008, s/p)
radical que consiste em negar a existência de Além disso, aponta Ki-Zerbo (2008, s/p)
qualquer raça. Segundo J. Ruffie, nas origens da
a respeito do homem subsaariano, é preciso
humanidade pequenos grupos de indivíduos
notar que seu nome original, atribuído por Lineu,
separados em zonas ecológicas diversificadas e era Homo ater (africano).
afastadas, obedecendo a pressões seletivas
muito fortes - enquanto os meios técnicos eram Depois, eles foram chamados “negros”
extremamente limitados -, puderam se diferenciar e, mais tarde, “pretos”. O termo “negróide”, mais
a ponto de dar origem às variantes Homo erectus, abrangente, era usado às vezes para designar
Homo neanderthalensis e o mais antigo Homo todas as pessoas que, às margens do continente
sapiens. O bloco facial, que é a parte do corpo ou em outros continentes, se pareciam com os
mais exposta a meios ambientes específicos, pretos. Hoje, apesar de algumas notas
evoluiu diferentemente; a riqueza de pigmentos dissonantes, a grande maioria dos especialistas
melanínicos na pele desenvolveu-se em zona reconhece a unidade genética fundamental dos
tropical, etc. Mas essa tendência especializante, povos subsaarianos. Segundo Boyd, autor da
rapidamente bloqueada, permaneceu classificação genética das “raças” humanas,
embrionária. Em toda parte, o homem se adapta existe apenas um grupo negróide que
culturalmente (roupas, habitat, alimentos, etc.), e compreende toda a parte do continente situada
não mais morfologicamente, a seu meio. O ao sul do Saara e também a Etiópia; esse grupo
homem nascido nos trópicos (clima quente) difere sensivelmente de todos os demais. Os
evoluiu por muito tempo como australopiteco, trabalhos de J. Hiemaux estabeleceram essa
Homo habilis e até mesmo Homo erectus. “Foi tese com notável clareza. Sem negar as
apenas durante a segunda glaciação que, graças variantes locais aparentes, ele demonstra, pela
ao controle eficaz do fogo, o Homo erectus optou análise de 5050 distâncias entre 101 populações,
por viver em climas frios. A espécie humana a uniformidade dos povos no hiperespaço
transforma-se de politípica em monotípica e esse subsaariano, que engloba tanto os “Sudaneses”
processo de desraciação parece irreversível. quanto os “Bantu”; tanto os habitantes das
Hoje, a humanidade inteira deve ser considerada regiões costeiras quanto os Sahelianos; tanto os
como um único reservatório de genes “Khoisan” quanto os Pigmeus, os Nilotas, os Peul
intercomunicantes”. (...) Hoje, embora não se e outros “Etiópidas”. Em compensação, ele
possa traçar uma fronteira linear, dois grandes mostra a grande distância genética que separa
grupos “raciais” são identificáveis no continente os “negros asiáticos” dos negros africanos.
africano dos dois lados do Saara: no norte, o Mesmo no campo da linguística, que nada tem
grupo árabe-berbere, com patrimônio genético a ver com o fato “racial”, mas que foi utilizada em
“mediterrâneo” (líbios, semitas, fenícios, assírios, teorias racistas para inventar uma hierarquia das
gregos, romanos, turcos, etc.); no sul, o grupo línguas que refletisse a pretensa hierarquia das
negro. Convém notar que as mudanças “raças”, na qual os “verdadeiros negros”
climáticas, que às vezes anularam o deserto, ocupavam o grau mais baixo da escala, as
provocaram durante milênios numerosas classificações evidenciam cada vez mais a
mesclas populacionais. A partir de várias unidade fundamental das línguas africanas. As
dezenas de marcadores sanguíneos, Nei variantes somáticas podem ser explicadas
Masatoshi e A. R. Roy Coudhury estudaram as cientificamente pelas causas das mudanças
diferenças genéticas inter e intragrupos em discutidas acima, especialmente os biótipos que
caucasoides e mongoloides. Eles definiram ora dão origem a agregados de populações mais
coeficientes de correlação, a fim de estabelecer compósitas (vale do Nilo), ora a grupos
o período aproximado em que esses povos se populacionais isolados, que desenvolvem
separaram e constituíram grupos distintos. Ao características mais ou menos atípicas
que tudo indica, o grupo negróide tornou-se (montanhas, florestas, pântanos, etc).
autônomo há 120 000 anos, enquanto os Por fim, a história explica outras
mongoloides e caucasoides individualizaram-se anomalias através das invasões e migrações,
há apenas 55000 anos. Segundo J. Ruffie, “esse sobretudo nas zonas periféricas. A influência
esquema ajusta-se à maior parte dos dados da biológica da península Arábica no chamado
hemotipologia fundamental”. A partir dessa

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“Chifre da África” também se evidencia nos povos Muitas vezes relevamos o fato de
dessa região, como os Somali, os Galla e os filósofos, cientistas, sacerdotes, artistas,
etíopes, mas também, com certeza, nos Tubu, viajantes e colonizadores classificarem os grupos
Peul, Tukulor, Songhai, Haussa, etc. Já tivemos humanos que abordavam em seus trabalhos
oportunidade de ver alguns Marka (Alto Volta) como pertencentes a raças e etnias misteriosas,
com um perfil tipicamente “semita”. donas de comportamentos selvagens, ideias
atrasadas, costumes e religiões primitivas e
Em suma, conclui Ki-Zerbo (2008, s/p)
a admirável variedade dos fenótipos africanos é bizarras, aparência horripilante e ideias
irracionais. Como se o nosso mundo não europeu
sinal de uma evolução particularmente longa
fosse habitado por seres aos quais era negado o
desse continente. Os fósseis pré-históricos de
que dispomos indicam uma implantação reconhecimento como humanos. O homo
sapiens foi dividido pela filosofia e pela ciência
semelhante às encontradas no sul do Saara
numa área muito vasta, que vai da África do Sul europeia em “uma hierarquia de raças que
desumanizou e reduziu os subordinados tanto ao
até o norte do Saara, tendo a região sudanesa
olhar científico como ao desejo dos superiores”.
representado, ao que parece, o papel de
(SAID, 2004, p. 52, apud PRAXEDES, 2008, s/p)
encruzilhada nessa difusão. Com certeza, a
história da África não é uma história de “raças”. Em seu livro Rediscutindo a
Contudo, para justificar uma certa história, mestiçagem no Brasil, o professor Kabengele
abusou-se demais do mito pseudocientífico da Munanga demonstra como inúmeros autores
superioridade de algumas “raças”. Ainda hoje, o europeus considerados clássicos e inatacáveis
mestiço é considerado branco no Brasil e Preto em nossos currículos advogam as mais
nos Estados Unidos da América. A ciência ensandecidas teorias racistas. Segundo
antropológica, que já demonstrou amplamente Kabengele: “na vasta reflexão dos filósofos das
não haver nenhuma relação entre a raça e o grau luzes sobre a diferença racial e sobre o alheio, o
de inteligência, constata que essa conexão as mestiço é sempre tratado como um ser
vezes existe entre raça e classe social. A ambivalente visto ora como o “mesmo”, ora como
preeminência história da cultura sobre a biologia o “outro”. Além do mais, a mestiçagem vai servir
é evidente desde a aparição do Homo no planeta. de pretexto para a discussão sobre a unidade da
Quando irá tal evidência impor-se aos espíritos? espécie humana. Para Voltaire, é uma anomalia,
(KI-ZERBO, 2008, s/p) fruto da união escandalosa entre duas raças de
homens totalmente distintas. A irredutibilidade
das raças humanas não está apenas na
aparência exterior: “não podemos duvidar que a
2. CONCEPÇÕES DA HISTÓRIA DA ÁFRICA: estrutura interna de um negro não seja diferente
EUROCENTRISMO, FROCENTRISMO da de um branco, porque a rede mucosa é branca
entre uns e preta entre outros”. Os mulatos são
uma raça bastarda oriunda de um negro e uma
- Eurocentrismo: Para Praxedes branca ou de um branco e uma negra”.
(2008, s/p) realizar uma pesquisa para encontrar (MUNANGA, 1999, p. 23, apud PRAXEDES,
aspectos eurocêntricos e racistas nas obras dos 2008, s/p)
mais reconhecidos pensadores considerados
O filósofo Emmanuel Kant, por
clássicos chega a ser uma tarefa simples. O
exemplo, presença obrigatória nos currículos dos
problema é que geralmente esta não é uma
cursos de filosofia em nosso país e no mundo a
preocupação dos estudiosos e dos professores
fora, na sua obra Observações sobre o
universitários. Em consequência, nos cursos de
sentimento do belo e do sublime, de 1764, trata
licenciatura e de bacharelado para a formação de
do que denomina como “diferenças entre os
novos professores e pesquisadores, os
caracteres das nações”, segundo ele, na
acadêmicos passam anos estudando os autores
tentativa “apenas de esboçar traços que neles
para aprender a contribuição original de cada um
exprimem os sentimentos do sublime e do belo”,
para o conhecimento “universal”, atribuindo
mas sem a intenção de “ofender a ninguém”. “Na
possíveis deslizes etnocêntricos como próprios
minha opinião, escreve Kant, entre os povos do
do contexto intelectual de produção das obras.
nosso continente, os italianos e os franceses são
aqueles que se distinguem pelo sentimento do

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belo; já os alemães, os ingleses e espanhóis, Um outro grande expoente do


pelo sentimento de sublime (...) O espanhol é pensamento filosófico ocidental, Hegel, via nos
sério, reservado e sincero (...) O francês possui nativos americanos “mansidão e indiferença,
um sentimento dominante para o belo moral. É humildade e submissão perante um crioulo
cortês, atencioso e amável (...) no início de (branco nascido na colônia), e ainda mais
qualquer relação o inglês é frio, mantendo-se perante um europeu”. Segundo o filósofo alemão
indiferente a todo estranho. Possui pouca “ainda custará muito até que europeus lá
inclinação a pequenas delicadezas; todavia, tão cheguem para incutir-lhes uma dignidade própria.
logo é um amigo, se dispõe a grandes favores (...) A inferioridade desses indivíduos, sob todos os
O alemão no amor, tanto quanto nas outras aspectos, até mesmo o da estatura, é fácil de
espécies de gosto, é assaz metódico, e, unindo o reconhecer” (HEGEL, 1999, p. 74-75). Sobre os
belo e o nobre, é suficientemente frio no negros, o grande filósofo alemão escreve que: “a
sentimento de ambos para ocupar a mente com principal característica dos negros é que sua
considerações acerca do decoro, do luxo ou consciência ainda não atingiu a intuição de
daquilo que chama a atenção (...)” (KANT, 1993, qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis,
p. 65-70, apud PRAXEDES, 2008, s/p) pelas quais o homem se encontraria com a
própria vontade, e onde ele teria uma ideia geral
Ainda para Praxedes (2008, s/p) depois
de caracterizar os povos dos outros continentes, de sua essência (...) o negro representa, como já
foi dito o homem natural, selvagem e indomável.
desta vez realçando aqueles aspectos que
Devemos nos livrar de toda reverência, de toda
considera extravagantes, grosseiros e
moralidade e de tudo o que chamamos
exagerados, Kant expõe as suas opiniões sobre
sentimento, para realmente compreendê-lo.
os negros, suas manifestações culturais e formas
de religiosidade, revelando toda a sua ignorância Neles, nada evoca a ideia do caráter humano (...)
a carência de valor dos homens chega a ser
e arrogância. Para Kant: “os negros da África não
possuem, por natureza, nenhum sentimento que inacreditável. A tirania não é considerada uma
injustiça e comer carne humana é considerado
se eleve acima do ridículo. O senhor Hume
algo comum e permitido (...) entre os negros, os
desafia qualquer um a citar um único exemplo em
que um Negro tenha mostrado talentos, e afirma: sentimentos morais são totalmente fracos – ou,
para ser mais exato inexistentes”. (HEGEL, 1999,
dentre os milhões de pretos que foram
deportados de seus países, não obstante muitos p. 83-86, apud PRAXEDES, 2008, s/p)
deles terem sido postos em liberdade, não se Depois de fazer tais considerações, o
encontrou um único sequer que apresentasse filósofo conclui esta parte de sua obra
algo grandioso na arte ou na ciência, ou em argumentando que não irá mais tratar da África,
qualquer outra aptidão; já entre os brancos, pois a mesma “não faz parte da história mundial;
constantemente arrojam-se aqueles que, saídos não tem nenhum movimento ou desenvolvimento
da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo para mostrar” (HEGEL, 1999, p. 88) e mesmo o
prestígio, por força de dons excelentes. Tão Egito, embora situado no norte da África, Hegel o
essencial é a diferença entre essas duas raças interpreta “como transição do espírito humano do
humanas, que parece ser tão grande em relação Oriente para o Ocidente, mas ele não pertence
às capacidades mentais quanto à diferença de ao espírito africano”. O continente africano é
cores. A religião do fetiche, tão difundida entre assim eliminado da “história universal”, enquanto
eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se é retirada dos povos que lá habitam a condição
aprofunda tanto no ridículo quanto parece de seres humanos. Esta é uma das heranças
possível à natureza humana. A pluma de um eurocêntricas da filosofia de Hegel, o filósofo que
pássaro, o chifre de uma vaca, uma concha, ou mais influenciou na elaboração do pensamento
qualquer outra coisa ordinária, tão logo seja dialético de Karl Marx. (PRAXEDES, 2008, s/p)
consagrada por algumas palavras, tornam-se
Continuando Praxedes (2008, s/p)
objeto de adoração e invocação nos esconjuros. aponta que nos clássicos da sociologia as
Os negros são muito vaidosos, mas à sua própria
representações depreciativas sobre o “outro” não
maneira, e tão matraqueadores, que se deve
europeu também podem ser facilmente
dispersá-los a pauladas. ” (KANT, 1993, p. 75-76, encontradas. O fundador e criador do nome da
apud PRAXEDES, 2008, s/p)
disciplina, Augusto Comte, no seu famoso Curso
de Filosofia Positiva se pergunta, na Lição 52,

9
BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

“Por que a raça branca possui de modo tão encontrar expressões grosseiras e racistas em
pronunciado, o privilégio efetivo do principal referência aos negros. Weber é o autor do livro A
desenvolvimento social e porque a Europa tem Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, que
sido o lugar essencial dessa civilização foi considerado por alguns estudiosos brasileiros
preponderante? ” Ele mesmo responde: “Sem o melhor livro de não ficção do século XX (Folha
dúvida já se percebe, quanto ao primeiro de São Paulo 11/04/1999). Na segunda parte da
aspecto, na organização característica da raça obra em que Weber mais trabalhou em sua vida,
branca, e, sobretudo quanto ao aparelho Economia e sociedade: fundamentos da
cerebral, alguns germes positivos de sua sociologia compreensiva, o autor discute de
superioridade” (COMTE, citado por ARON, 1982, passagem a ideia de “pertinência à raça”, e
p. 121-122, apud PRAXEDES, 2008, s/p). comenta que, “nos Estados Unidos, uma mínima
gota de sangue negro desqualifica uma pessoa
O também francês Alexis de
Tocqueville, que viveu na mesma época de de modo absoluto, enquanto que isso não ocorre
com pessoas com quantidade considerável de
Comte, e é considerado um dos grandes
sangue índio” (WEBER, 1991, p. 268). Até este
clássicos da ciência política, realizou uma viagem
ponto o texto parece descritivo e é apresentado
para os Estados Unidos, nos anos de 1831 e
como uma constatação da situação existente
1832, da qual resultou o seu livro mais conhecido,
A democracia na América. Na segunda parte da naquele país. Mas, logo a seguir, o Weber
sempre tão cuidadoso em tentar controlar os
obra o autor discute sobre “o futuro provável das
juízos de valor emitidos em sua obra afirma:
três raças que habitam o território dos Estados
“além da aparência dos negros puros, que do
Unidos”. Segundo Tocqueville, ente os homens
ponto de vista estético, é muito mais estranha do
que compõem a jovem nação “o primeiro que
atrai os olhares, o primeiro em saber, em força, que a dos índios e certamente constitui um fator
de aversão, sem dúvida contribui para esse
em felicidade, é o homem branco, o europeu, o
homem por excelência; abaixo dele surgem o fenômeno a lembrança de os negros, em
oposição aos índios, terem sido um povo de
negro e o índio. Essas duas raças infelizes não
escravos, isto é, um grupo está mentalmente
têm em comum nem o nascimento, nem a
fisionomia, nem a língua, nem os costumes. desqualificado” (WEBER, 1991, p. 268, apud
PRAXEDES, 2008, s/p)
Ocupam ambas uma posição igualmente inferior
no país onde vivem (...)” (TOCQUEVILLE, 1977, Como podemos ler acima, além da
p. 243-244). Tocqueville reconhece a opressão “aparência dos negros puros” (...), que
exercida pelos colonizadores europeus sobre os “certamente constitui um fator de aversão” para o
negros e índios, mas também não deixa de grande sociólogo alemão, ele também considera
considerar os mesmos como selvagens e que entre as “maiores diferenças raciais (...)”,
inferiores. Sobre os negros, o nobre francês não “como eu pude observar”, argumenta Weber,
economiza adjetivos depreciativos em sua obra: também deve constar o que ele denomina como
“O escravo moderno não difere do senhor apenas “o propalado cheiro de negro” (WEBER, 1991, p.
pela liberdade. Mas ainda pela origem. Pode-se 272, apud PRAXEDES, 2008, s/p)
tornar livre o negro, mas não seria possível fazer
O pensamento clássico europeu não
com que não ficasse em posição de estrangeiro
difunde representações depreciativas apenas
perante o europeu. E isso ainda não é tudo: sobre negros e índios. Émile Durkheim, por
naquele homem que nasceu na degradação,
exemplo, outro autor considerado um dos
naquele estrangeiro introduzido entre nós pela fundadores da sociologia na França, em seu livro
servidão, apenas reconhecemos os traços gerais
Da Divisão do Trabalho Social, ao tratar das
da condição humana. O seu rosto parece-nos
diferenças entre os gêneros masculino e
horrível, a sua inteligência parece-nos limitada, feminino, se baseou nas pesquisas do cientista
os seus gostos são vis, pouco nos falta para que
Lebon, para quem: “(...) o volume do crânio do
o tomemos por um ser intermediário entre o homem e da mulher, mesmo quando se
animal e o homem” (TOCQUEVILLE, 1977, p.
comparam pessoas de igual idade, estatura e
262, apud PRAXEDES, 2008, s/p).
peso iguais, apresenta diferenças consideráveis
Nem mesmo na obra de um dos autores em favor do homem e esta desigualdade vai
mais influentes sobre a sociologia igualmente crescendo com a civilização, de
contemporânea como Max Weber, deixamos de maneira que, do ponto de vista da massa do

10
BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

cérebro e, por conseguinte, da inteligência, a argumentação a necessidade de abrirmos os


mulher tende a diferenciar-se cada vez mais do centros de produção de conhecimento em todo o
homem. A diferença que existe, por exemplo, mundo, mas principalmente os situados nos
entre a média dos crânios dos parisienses é países que sofrem com a hegemonia política,
quase o dobro daquela observada entre os econômica e cultural dos centros dominantes do
crânios masculinos e femininos do antigo Egito” capitalismo, para a identificação e a construção
(Lebon, citado por Durkheim, 1978, p. 28). de saberes mais apropriados sobre as diferenças
Observemos que no raciocínio de Lebon, no qual entre as culturas e grupos humanos e sobre as
Durkheim se baseia para elaborar a sua teoria suas diferentes necessidades materiais e
sobre a divisão do trabalho nas sociedades simbólicas. (PRAXEDES, 2008, s/p)
modernas, conforme um povo vai crescendo em Concluindo Praxedes (2008, s/p)
civilização maior o crânio e a quantidade de
enfatiza que no lugar destas formas
massa encefálica dos seus membros e, também, preconceituosas e discriminatórias de
maior a diferença de inteligência entre o homem
classificação dos seres humanos espalhados
e a mulher, sempre em favor do homem. (...)
pelo Globo, podemos construir uma política de
(PRAXEDES, 2008, s/p)
reconhecimento da heterogeneidade cultural da
A partir destes exemplos retirados humanidade e da pluralidade das formas de
aleatoriamente de textos europeus considerados existência material e relação com o ambiente.
clássicos, podemos nos interrogar por que muitos Com isso, podemos superar o pensamento
autores e professores das disciplinas de ciências eurocêntrico que acredita e difunde que há um
humanas estudam os seus pensadores favoritos padrão único para a beleza e para a inteligência,
colocando em último plano ou simplesmente o europeu, e que nos leva a avaliarmos a nós
deixando de abordar os conteúdos políticos mesmos e aos nossos alunos de acordo com tal
colonialistas dos seus textos. Para usarmos as padrão, esquecendo que é apenas um padrão
palavras de Edward Said, “os filósofos podem próprio de culturas específicas de uma região do
conduzir suas discussões sobre Locke, Hume e mundo. Quando utilizamos como critérios de
o empirismo sem jamais levar em consideração o beleza ou de verdade as formas de arte e de
fato de que há uma conexão explícita, nesses pensamento europeus, estamos sendo
escritores clássicos, entre suas doutrinas cúmplices com as instituições dominantes e
“filosóficas” e a teoria racial, as justificações da legitimando a sua dominação. Como educadores,
escravidão e a defesa da exploração colonial” temos a dupla tarefa de aprender e ensinar a nos
(SAID, 1990, p. 25). Ainda, segundo o mesmo vermos através de critérios próprios, livres dos
autor, “muitos humanistas de profissão são, em pontos de vista eurocêntricos. Evidentemente,
virtude disso, incapazes de estabelecer a essa superação do eurocentrismo não quer dizer
conexão entre, de um lado, a longa e sórdida que devemos ignorar os códigos culturais,
crueldade de práticas como a escravidão, a experiências e linguagens de origem europeia,
opressão racial e colonialista, o domínio imperial como as ciências, artes e religiões, mas quer
e, de outro, a poesia, a ficção e a filosofia da dizer que devermos ter a capacidade de criticá-
sociedade que adota tais práticas” (SAID, 1995, las, dimensionando-as como formas particulares
p. 14, apud PRAXEDES, 2008, s/p) de expressão cultural de populações e grupos
Todas as expressões ignorantes e particulares, sem dúvida relevantes, mas que não
são superiores a nenhuma outra forma de
depreciativas sobre os povos e culturas não
europeias citadas acima, de autoria de alguns expressão cultural dos grupos humanos
espalhados pelo mundo. (PRAXEDES, 2008, s/p)
dos maiores expoentes das ciências sociais e da
filosofia ocidentais, permitem concluirmos, - Afrocentrismo: Segundo a
acompanhando a reflexão de Boaventura de Infopédia (s/d, s/p) basicamente, os
Sousa Santos, que “a experiência social em todo afrocentristas discordam das teorias que relegam
o mundo é muito mais ampla e variada do que o os africanos para a margem do pensamento e do
que a tradição científica ou filosófica- ocidental conhecimento da Humanidade. Neste sentido, o
conhece e considera importante (...), e que a afrocentrismo defende que se deve interpretar e
compreensão do mundo excede em muito a estudar as culturas não europeias,
compreensão ocidental do mundo” (SOUSA nomeadamente a africana, e os seus povos do
SANTOS, 2004, p. 778-779). Decorre desta

11
BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

ponto de vista de sujeitos ou agentes e não como deslocados, como nas suas nações africanas de
objetos ou destinatários. origem pelo colonialismo europeu. Nesse
Segundo os afrocentristas, a noção sentido, a corrente afrocêntrica defende que o
conhecimento e a experiência devem ser
ocidental ou europeia do conhecimento baseado
reavaliados do ponto de vista dos africanos,
no modelo grego não é tão antiga como os
europeus creem ser, tendo sido adotada apenas enquanto seres humanos ativos capazes de
conceber molduras próprias de pensamento e de
a partir do período da Renascença na Europa. De
qualquer forma, o modelo grego não pode ser experiência. Os afrocentristas defendem que os
seres humanos não podem nem devem abdicar
considerado como “europeu” em rigor, dado que
da sua cultura, seja relativamente às suas
foi profundamente influenciado na sua origem e
mitologia pela cultura egípcia, ou seja, por uma próprias referências históricas seja às do grupo
onde estão inseridos. Opõem-se à deslocação,
cultura de origem africana.
ou seja, a serem marginalizados ou a serem
A visão eurocêntrica, ou de considerados “o outro” e defendem a
pensamento centrado no modelo europeu, centralização, ou seja, que devem ser
tornou- se numa visão etnocêntrica, ou seja, de considerados o agente, o “e”.
valores relativos aos povos da Europa, que
Algumas das questões que mais
valoriza o modelo de pensamento e de
preocupam os afrocentristas dizem respeito a
experiência europeia em detrimento dos modelos
de pensamento de outras culturas que são, por uma certa desorientação e desconhecimento dos
próprios africanos que, identificando-se como
comparação, subavaliados e subvalorizados.
Este conceito de afrocentrismo começou a ser europeus ou americanos, consideram esse
estatuto incompatível com o fato de serem
defendido nos anos 80 por estudantes afro-
africanos, ou, mais grave ainda, o fato de
americanos, afro-brasileiros, das Caraíbas e
africanos, que começaram por adotar uma considerarem incompatível o ser
cumulativamente humano e africano.
perspectiva afrocêntrica nos seus trabalhos. O
afrocentrismo não defende que o mundo seja (INFOPÉDIA, s/d, s/p)
interpretado sob uma única perspectiva cultural,
como foi o caso do eurocentrismo, mas que seja
reconhecida a existência de uma cultura e a sua
avaliação em termos de pensamento e 3. A CRONOLOGIA PARA ESTUDAR A
conhecimento através da sua própria HISTÓRIA DA ÁFRICA
perspectiva, neste caso, e mais concretamente,
que a cultura africana seja analisada, de per si,
Na visão de Cunha Jr (s/d, s/p) a
enquanto sujeito e não através de modelos
História Africana apresenta uma possibilidade de
culturais que por vezes não só não a entendem
divisão para estudo em seis grandes regiões que
como a desprezam e desvalorizam.
guardam em comum além dos aspectos
(INFOPÉDIA, s/d, s/p)
geográficos, aspectos históricos e culturais. São
Ainda segundo a Infopédia (s/d, s/p) unidades com características semelhantes,
quando, por exemplo, se fala de arte, música, embora também abrangendo diversidade interna
dança ou teatro, as referências são sempre da região quantos aos povos e culturas, mas,
europeias e assumem uma supremacia em quando comparadas ao conjunto africano
termos intelectuais e artísticos. Os afrocentristas apresentam distinções nítidas.
defendem que não deve haver uma única
perspectiva ou uma visão que se sobreponha às 1. A região de história mais antiga e
outras, mas que devem coexistir diferentes mais conhecida é a das civilizações do Rio Nilo,
visões filosóficas e de conhecimento sem que onde se destacam o Sudão e o Egito, ambos com
qualquer uma delas se sobreponha às restantes. história política e econômica com mais de 5000
anos e constituindo impérios semelhantes. Um
Durante cerca de cinco séculos, os
exemplo das semelhanças é a construção de
africanos estiveram afastados, enquanto
pirâmides que Vão do Alto ao Baixo Nilo, em
protagonistas, da vida social, política, artística,
períodos diversos com diferentes magnitudes,
intelectual e econômica tanto nas sociedades de
representando uma forma cultural típica de
pensamento ocidental, para onde foram

12
BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

região. Nesta região o Egito é bem mais civilizações Nok, os Impérios de Gana, Malé e
conhecido, sendo que os Núbios, um dos povos Songai.
do Sudão, tem apresentado surpresas
esplendorosas aos arqueólogos nos últimos 6. A sexta região é de
tempos. Destacam-se: nesta região os Impérios predominância de povos Berberes e se estende
de Kerma, Kushes, Napata e Meroes. Fixados através do Deserto de Saara e bordas do
em regiões próximas tem importância históricas Mediterrâneo. É, sobretudo, uma região marcada
os Reinos da Etiópia. por invasões externas. A ligação entre estas
diversas regiões e sua integração econômica
2. A costa Africana do Oceano pode ser trabalhada e compreendida a partir das
Índico constitui uma região de grande influência rotas de caravanas milenares ou da história da
comercial, de trocas intensas com os países expansão da tecnologia do ferro no continente
árabes e com a Ásia. Esta região se notabiliza por africano. Tanto as caravanas comerciais como as
um conjunto de pequenos Reinos e Cidades rotas de expansão da tecnologia do ferro cobrem
Estados que foram de grande esplendor todo o território africano, indicando não apenas a
arquitetônico e, devido a existência de uma presença de populações em estágios
língua comercial comum, o Suarile, podemos civilizatórios importantes em todo continente,
denominar de Região Suarile. como também, a existência de uma intensa
integração econômica e cultural entre estes
3. A terceira região importante no povos. (CUNHA JR, s/d, s/p)
Continente Africano é constituída pelo Conjunto
De acordo com CUNHA Jr (s/d, s/p)
Zimbábue e África do Sul. Embora diferente da
abaixo, uma possível cronologia dos principais
região Suarile litorânea é uma zona de intenso
fatos da História Africana anterior a presença
contato com o litoral. Zimbábue, devido à
nociva e desastrosa do europeu naquele
importância e antiguidade das ruínas e da
continente. Nesta cronologia, destaco o fato de
extensão da civilização aí construída no passado,
que os Europeus, através dos portugueses
constitui pôr si só uma região de importância na
gastaram mais de um século para dominar
história africana. Na mesma região do Zimbábue
algumas regiões na África e que a colonização
entre 1400 e 1800 surge o Reino do
europeia levou mais de 300 anos para se
Monomotapa. Na África do Suiapenas, reinos
consolidar. Este período é marcado pela
relativamente recentes têm destaques históricos,
resistência, vitórias e derrotas dos diversos
sobretudo pelo processo de resistência às
Estados Africanos, em diversas frentes de
invasões europeias, como é o caso dos Zulus.
combate contra as diferentes invasões
4. O quarto conjunto está ao Sul do europeias. Estas dinâmicas de longa duração
Rio Congo, numa extensa região entre o Atlântico precisam ser compreendidas para não parecer
e os lagos Vitória e Tanganica. De influência que o predomínio europeu acontece num ato
cultural Bantu se desenvolveu entre os séculos mágico e repentino, como geralmente e
14 e 15 um conjunto de Reinos onde se destacam superficialmente é apresentado.
o Congo, Lunda e Luba.

5. As civilizações africanas de
grande riqueza econômica e cultural formam um
conjunto que geograficamente se estendem do
Atlântico atravessando o sistema fluvial do Rio
Níger e cobrindo os afluentes do lago Chade.
Esta quinta região do Vale do Niger, assim como
a do Vale do Nilo, constituem as regiões de maior
importância histórica no continente devido aos
longos períodos de continuidade histórica e a
quantidade de conhecimentos que se tem sobre
elas. Fazem parte da história da região as

13
BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

- A cronologia da História africana pode ter a seguinte composição:

• Aparecimento do Homo Sapiens na África - 10.000 a. C;

• Agricultura e criação no Vale do Nilo - 5.000 a. C;

• Os Faraós unificam o Estado Egípcio - 3.100 a. C;

• O Estado Kerma governa a Antiga Núbia no Sudão 2.250 a. C;

• As dinastias Egípcias colonizam a Núbia - 1.570 a. C;

• Os Estados Kushes e Napatos se estabelecem no Sudão - 1.100 a 500 a. C;

• Fenícios fundaram a Capital em Cartago - 814 a. C;

• Os Estados Kushes da Núbia governam o Egito - 760 a. C;

• A tecnologia do Ferro é introduzida no Egito pelos invasores Assírios - 500 a. C;

• Reinos Núbios - 400 a. C;

• Civilização Nok na África Ocidental - 450 a. C;

• Os Gregos invadem o Egito - 332 a. C;

• Os Romanos invadem o Egito 40 – a. C;

• Início do esplendor dos Reinos Axum na África Oriental – 0;

• Expansão Islâmica no Norte Africano – 639;

• Data aproximada da construção do Zimbábue – 700;

• Ocupação de Gana pelos Almoravides - 1.076;

• Fundação do Império Monomotapa na África Austral. - 1.200;

• Início do Império do Mali - 1.235;

14
BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

• Fundação do Reino do Congo - 1.240;

• Início do Império Songai - 1.400;

• Os Portugueses vencem os Mouros e tomam Ceuta no Norte Africano - 1.415;

• Fundação do Reino Luba na região do Rio Congo - 1.420;

• A presença constante de mercantes portugueses no Rio Senegal - 1.445;

• Estabelecimento do tratado comercial entre Reinos da África Ocidental e os Portugueses – 1.456;

• Tratado de Alcáçovas entre Espanhóis e Portugueses que permitem aos Portugueses;

• A Introdução de Escravizados Africanos na Espanha - 1.475;

• Chegada dos Portugueses ao Congo - 1.484;

• Conversão do Rei do Congo ao Catolicismo - 1.491 (o Catolicismo já havia penetrado na Etiópia 400 anos
antes);

• Destruição do Império Songai - 1.591;

• Portugueses invadem Angola transformando o Reino em Colônia - 1.575;

• O Reino do Congo é dominado pelos Portugueses - 1.630;

• Chegada dos Ingleses como invasores e colonizadores na África do Sul - 1.795;

• Início das Campanhas Militares de Chaka-Zulu - 1.808;

• Consolidação do Domínio Europeu na África - 1.884-1.885. (CUNHA JR, s/d, s/p)

4. O QUADRIPARTISMO FRANCÊS como também relega o papel do aluno como


agente histórico e sujeito da produção de seu
próprio conhecimento. As diversas possibilidades
Para Montelatto, Cabrini (2009, s/p) a e versões do fazer da história, que são a base da
preocupação do professor de História em passar formação do pensamento histórico, são
aos alunos, em sequência cronológica, todo o eliminadas. Apresentar uma proposta para o
caminho da humanidade, das cavernas ao Brasil ensino da História sem discutir e analisar a
de hoje, acarreta, necessariamente, permanência de práticas (felizmente, cada vez
reducionismos e esquematizações. A História menos frequentes!) com teor europocêntrico –
não só toma um sentido único e irreversível, linear, evolutivo, etapista e finalista – parece-nos

15
BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

quase impossível. Cabe aos professores uma e conteúdos pré-determinados, exteriores à sua
mudança na pergunta que ordinariamente interação com os alunos e ao meio que os cerca,
fazemos: em vez de “por que isso ainda é feito? são insuficientes. Os conteúdos e a organização
”, perguntaremos “Como isso pode ser feito de dos mesmos em um programa devem ser
outra forma? ” estabelecidos com base em situações-problema
Apesar das discussões ocorridas desde construídas na experiência conjunta entre
professor e aluno. (MONTELATTO, CABRINI,
a década de 1980, suscitadas pelas novas
propostas curriculares e pelos Parâmetros 2009, s/p)
Curriculares Nacionais, no fim do século XX
ainda tínhamos práticas escolares 5. UMA ABORDAGEM MULTI E
fundamentadas na permanência de alguns INTERDISCIPLINAR: HISTÓRIA E
estereótipos, mitos e preconceitos. Estes ARQUEOLOGIA, HISTÓRIA E ETNOLOGIA ,
permaneceram desde a consolidação do estado HISTÓRIA E ORALIDADE
nação no século XIX, valorizando uma história
institucional e política, cujos personagens são os
heróis de uma história oficial, apresentados como - O problema das fontes: De acordo
únicos responsáveis pelo fazer histórico da com Obenga (2008, s/p) as regras gerais da
nação. (MONTELATTO, CABRINI, 2009, s/p) crítica histórica, que fazem da história uma
Ainda para Montelatto, Cabrini (2009, técnica do documento, e o espírito histórico, que
s/p) trabalhar o ensino de História a partir de pede o estudo da sociedade humana em sua
eixos temáticos não significa negar o caminhada através dos tempos, são aquisições
conhecimento produzido historicamente nem fundamentais utilizáveis por todos os
tornar inexistente a divisão tradicional da historiadores, em qualquer país. O esquecimento
chamada História Geral em Antiga, Medieval, desse postulado manteve durante muito tempo
Moderna e Contemporânea, conhecida como os povos africanos fora do campo dos
quadripartismo. Mas, como ressalta o historiador historiadores ocidentais, para quem a Europa era
francês Jean Chesneaux, o quadripartismo em si mesma, toda a história. Na realidade, o que
privilegia o papel do Ocidente na história do estava subjacente e não se manifestava
mundo, ao mesmo tempo que reduz, quantitativa claramente, era a crença persistente na
e qualitativamente, o lugar dos povos não inexistência de uma história na África, dada a
europeus na evolução universal. Essa ausência de textos e de uma arqueologia
organização da história universal é, na verdade, monumental.
um fato europeu. Em outros países, o passado Portanto, parece claro que o primeiro
pode ser organizado de modo diferente, já que trabalho histórico se confunde com o
são outros os pontos de referência. No ensino da estabelecimento de fontes. Essa tarefa está
História Temática, essa temporalidade linear, ligada a um problema teórico essencial, ou seja,
com sua visão europocêntrica colonialista do o exame dos procedimentos técnicos do trabalho
quadripartismo, deve ser problematizada e histórico. Sustentados por uma nova e profunda
analisada como uma construção historicamente necessidade de conhecer e compreender ligada
determinada. ao advento da era pós-colonial, os pesquisadores
Para se falar em ética, cidadania, crítica fundaram definitivamente a história africana,
à sociedade de consumo, sustentabilidade, embora a construção de uma metodologia
revisão de valores e do conteúdo das ações, o histórica ainda prossiga. Setores imensos de
professor deve assumir-se como sujeito/cidadão, documentação foram revelados, permitindo aos
explicitar seus referenciais e ter a clareza de sua pesquisadores formularem novas questões.
não neutralidade diante do conhecimento. Para Quanto mais os fundamentos da história africana
tanto, é importante que ele incorpore à sua se tornam conhecidos, mais essa história se
prática a postura do professor-pesquisador, que diversifica e se constrói de diferentes formas, de
busca construir o conhecimento. Ensino e modo inesperado. Há cerca de quinze anos
pesquisa dessa forma são elementos produziu-se uma profunda transformação dos
indissociáveis também no Ensino Fundamental e instrumentos de trabalho e hoje se admite de bom
Médio. Para o professor-pesquisador, programas grado a existência de fontes utilizadas mais
particularmente para a história africana: geologia

16
BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

e paleontologia, pré-história e arqueologia, de hominídeos encontrados nas camadas


paleobotânica, palinologia, medidas de villafranchianas do vale do Omo, na Etiópia
radiatividade de isótopos capazes de fornecer meridional, pelas equipes francesa (Camille
dados cronológicos absolutos, geografia física, Arambourg, Yves Coppens) e americana (F.
observação e análise etno-sociológicas, tradição Clark-Howell) têm 2 a 4 milhões de anos. O nível
oral, linguística histórica ou comparada, do Zinjanthropus (nível I) do célebre depósito de
documentos escritos europeus, árabes, hindus e Olduvai, na Tanzânia, data de 1750000 anos,
chineses, documentos econômicos ou sempre através do método do potássio- argônio.
demográficos que podem ser processados (OBENGA, 2008, s/p)
eletronicamente. (OBENGA, 2008, s/p)
Assim, graças ao isótopo potássio-
Para Obenga (2008, s/p) a variedade argônio, a gênese humana do leste africano, a
das fontes da história africana permanece mais antiga de todas no estágio atual dos
extraordinária. Dessa forma, devem-se buscar conhecimentos, constitui a gênese humana
de forma sistemática novas relações intelectuais propriamente dita, tanto mais que o
que estabeleçam ligações imprevistas entre monofiletismo é uma tese cada vez mais
setores anteriormente distintos. A utilização amplamente admitida hoje na paleontologia
cruzada de fontes aparece como uma inovação geral. Em consequência, os restos fósseis
qualitativa. Uma certa profundidade temporal só africanos conhecidos atualmente fornecem
pode ser assegurada pela intervenção elementos decisivos para responder a esta
simultânea de diversos tipos de fontes, pois um questão primordial das origens humanas,
fato isolado permanece, por assim dizer, à colocada de mil maneiras ao longo da história da
margem do movimento de conjunto. A integração humanidade: “Onde nasceu o homem? Há
global dos métodos e o cruzamento das fontes quanto tempo?” As velhas ideias estereotipadas,
constituem desde já uma eficaz contribuição da que colocavam a África praticamente à margem
África à ciência e mesmo à consciência do Império de Clio, estão agora completamente
historiográfica contemporânea. modificadas. Os fatos, postos em evidência
através de várias fontes e métodos - desde a
A curiosidade do historiador deve
paleontologia humana até a física nuclear -
seguir várias trajetórias ao mesmo tempo. Seu
trabalho não se limita a estabelecer fontes. Trata- mostram claramente, ao contrário, toda a
profundidade da história africana, cujas origens
se de se apropriar, através de uma sólida cultura
pluridimensional, do passado humano. Porque a se confundem precisamente com as próprias
origens da humanidade. (...)
história é uma visão do homem atual sobre a
totalidade dos tempos. De acordo com Obenga (2008, s/p) o
(...) Sem dúvida, o fato metodológico problema heurístico e epistemológico
fundamental permanece sempre o mesmo na
mais decisivo desses últimos anos foi a
África, o historiador deve estar absolutamente
intervenção das ciências físicas modernas no
estudo do passado humano, com as medidas de atento a todos os tipos de procedimentos de
análise, para articular seu próprio discurso,
radioatividade dos isótopos, que asseguram a
apreensão, cronológica do passado até os fundamentando-se num vasto conjunto de
conhecimentos.
primeiros tempos do aparecimento do Homo
sapiens (teste do carbono 14) e das épocas Esta “abertura de espírito” é
anteriores a 1 milhão de anos (método do particularmente necessária quando se estudam
potássio- argônio). Atualmente, esses métodos períodos antigos, sobre os quais não se dispõe
de datação absoluta abreviam de modo nem de documentos escritos nem mesmo de
considerável as discussões no campo da tradições orais diretas. Sabemos, por exemplo,
paleontologia humana e da pré-história. Na que a base da agricultura para os homens do
África, os hominídeos mais antigos datam de - Neolítico era o trigo, a cevada e o milhete, na
5300000 anos pelo método K/ Ar. Essa é a idade Ásia, na Europa e na África, e o milho, na
de um fragmento de maxilar inferior com um América. Mas como identificar os sistemas
molar intacto de um hominídeo encontrado pelo agrícolas iniciais, que surgiram há tanto tempo?
professor Bryan Patterson, em 1971, em O que permitiria distinguir uma população de
Lothagam no Quênia. Por outro lado, os dentes predadores sedentários de uma de agricultores?

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BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

Como e quando a domesticação das plantas se para escrever outras palavras diferentes de
difundiu nos diversos continentes? Quanto a isso, “cesto”, mas que têm o mesmo valor fonético: nb,
a tradição oral e a mitologia prestam apenas uma “senhor”; nb, “tudo”). Os fonogramas, por sua
pequena ajuda. Unicamente a arqueologia e os vez, classificam-se em: trilíteros, signos que
métodos paleobotânicos podem dar uma combinam três consoantes; bilíteros, signos que
resposta válida a tais questões importantes, combinam duas consoantes; unilíteros, signos
relativas a essa inestimável herança neolítica que que contêm uma só vogal ou consoante: trata-se
é a agricultura. (...) nesse caso, do alfabeto fonético egípcio.
Tendo em vista tudo o que foi exposto, - Escrita hierática: ou seja, a
chega-se a uma conclusão que constitui um escrita cursiva dos hieróglifos, que apareceu em
avanço metodológico decisivo: um vasto material torno da III dinastia (-2778 a -2423); é sempre
documental, rico e variado, pode ser obtido a orientada da direita para a esquerda e traçada
partir das fontes e técnicas baseadas nas com um cálamo sobre folhas de papiro ou
ciências exatas e nas ciências naturais. O fragmentos de cerâmica e de calcário. Teve uma
historiador se vê obrigado a desenvolver esforços duração tão longa quanto à dos hieróglifos (o
de investigação por vezes audaciosos. Todos os texto hieroglífico mais recente data de +394).
caminhos que se abrem estão doravante
- Escrita demótica: uma
entrelaçados. O conceito de “ciências auxiliares”
simplificação da escrita hierática surgiu em torno
perde cada vez mais terreno nesta nova da XXV dinastia (-751 a -656), deixando de ser
metodologia, exceto se entendermos por
usada no século V. No plano estrito dos
“ciências auxiliares da história”, as técnicas grafemas, reconhece-se uma origem comum
fundamentais da pesquisa histórica, originárias
entre a escrita demótica egípcia e a escrita
de qualquer campo científico e que, de resto, não
meroítica núbia (que veicula uma língua ainda
foram ainda totalmente descobertas. De agora não decifrada). Considerando apenas esse nível
em diante, as técnicas de investigação são parte
do sistema gráfico egípcio, já se colocam
da prática histórica e fazem com que a história interessantes questões metodológicas. Isso
se incline de forma concreta para o lado
porque, através de uma tal convenção gráfica,
da ciência. Dessa forma, a história se beneficia
dotada de fisionomia própria, o historiador - que
das conquistas das ciências da Terra e das se torna um pouco decifrador - capta por assim
ciências da vida. Todavia, seu aparato de
dizer a consciência e a vontade dos homens de
pesquisa e de crítica se enriquece, sobretudo outrora, já que o ato material de escrever traduz
com a contribuição das outras ciências humanas
sempre um valor profundamente humano. (...).
e sociais: egiptologia, linguística, tradição oral,
Ainda a linguística histórica é, portanto, uma
ciências econômicas e políticas.
fonte preciosa da história africana, assim como a
Até hoje a egiptologia permanece uma tradição oral, que foi durante muito tempo
fonte insuficientemente utilizada pela história da desprezada. (...) (OBENGA, 2008, s/p)
África. E conveniente, portanto, insistir no Ainda segundo Obenga (2008, s/p) no
assunto. A egiptologia compreende a arqueologia
domínio das ciências humanas e sociais, a
histórica e a decifração dos textos. Nos dois contribuição dos sociólogos e cientistas políticos
casos, o conhecimento da língua egípcia é um
permite redefinir o saber histórico e cultural. Com
pré-requisito indispensável. Esse idioma, que
efeito, os conceitos de “reino”, “nação”, “Estado”,
permaneceu vivo durante cerca de 5000 anos (se “império”, “democracia”, “feudalismo”, “partido
levarmos em consideração o copta), apresenta-
político”, etc, utilizados em outros lugares
se materialmente sob três escritas distintas; certamente de maneira adequada, nem sempre
- Escrita hieroglífica: cujos signos são automaticamente aplicáveis à realidade
se dividem em duas grandes classes: os africana. (...) Na África, as séries documentais
ideogramas ou signos-palavras (por exemplo, o são estabelecidas pelos mais diversos tipos de
desenho de um cesto de vime para designar a ciências - exatas, naturais, humanas e sociais. O
palavra “cesto”, cujos principais componentes “relato” histórico renovou-se completamente, na
fonéticos são nb) e os fonogramas ou signos- medida em que a metodologia consiste em
sons (por exemplo, o desenho de um cesto, do empregar várias fontes e técnicas particulares ao
qual só se retém o valor fonético nb e que serve mesmo tempo e de modo cruzado. Informações

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BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

fornecidas pela tradição oral, os raros


manuscritos árabes, as escavações
arqueológicas e o método do carbono residual ou
carbono 14 reintroduziram definitivamente o
“legendário” povo Sao (Chade, Camarões,
Nigéria) na história autêntica da África. (...) A
prática da história na África torna-se um
permanente diálogo interdisciplinar. Novos
horizontes se esboçam graças a um esforço
teórico inédito. A noção de “fontes cruzadas”
exuma, por assim dizer, do subsolo da
metodologia geral, uma nova maneira de
escrever a história. A elaboração e a articulação
da história da África podem, consequentemente,
desempenhar um papel exemplar e pioneiro na
associação de outras disciplinas à investigação
histórica. (OBENGA, 2008, s/p)

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BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS DESCENDENTES AFRICANOS

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