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I-

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CAPÍTULO 1
O PROBLEMA DA UNIVERSIDADE *

A universidade enfrenta, no momento, a pior crise com


,

que já se defrontou durante sua curta formação no Brasil.


Três amea ças principais pairam sobre ela e sobre a natureza
de sua contribuição educacional. Primeiro, pretende se sub- -
met ê-la a uma tutela exterior cega e inflexível. Segundo, o
radicalismo intelectual é focalizado como um mal em si
mesmo e como um perigo para a sociedade. Terceiro, de
uma forma ou de outra, os professores vêm-se diante de run •j

novo dilema: fortalece-se dia a dia a aspiração de isolar-se


o jovem do fluxo de reconstru ção da sociedade.
O pior é que essas amea ças não procedem estritamente
de fora. Muitos são os universitários que compartilham essas
convicções e ás sustentam intra muros, num esforço suicida
de integrar a universidade dentro de correntes que a destrui-
riam, se vingassem e se viessem a definir nossos padrões de
ensino superior. Desse ângulo, bem se poderia dizer que
muitos universitá rios se despiram de sua dignidade intelec-
tual, preferindo se ajustar à presente situação política
como se fossem, pura e simplesmente, “ pequenos burgueses”-
e nada mais.
Não estamos num momento de diálogo. Mas precisamos
meditar sobre esse problema. Quando menos , para termos
força para arrostar as críticas que nos fazem. É preciso que
saibamos, com plena convicção, o que pretendemos e como
avaliar as fun ções sociais construtivas da universidade. Se
nãò para sermos ouvidos e exercermos influência, pelo
menos para defendermos com responsabilidade e com cora-
gem as posições que já assumimos e que precisam ser man-
tidas. Cada nação e cada povo possuem a universidade que

* Artigo escrito no início de 1965 para a Revista BrasUiense. Picou.


inédito em virtude do truncamento da circulação daquelp Tevista
Posteriormente, foi publicado por Jornal da Senzala , São Paulo , N.° 1 ,
janeiro de 1968, pp. 8-9.

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A
5? ft
J

merecem. Acabaremos muito mal, nesse terreno, se não -


efetiva na estrutura de poder e para destruir as antigas for
soubermos o que queremos e, principalmente, se não sou
bermos lutar pelo que queremos. Clarificar o nosso pensa- mas de acomodação das “ escolas superiores” aos interesses
sociais e aos valores culturais das velhas elites.
mento, a esse respeito, vem a ser parte de uma situação de-
luta, na qual não seremos poupados e nem nos poderemos Nesse sentido, as transforma ções que afetaram a estru-
poupar! tura e o funcionamento das “escolas superiores” estavam'
Com esse objetivo, reunimos aqui algumas -
imersas em processos histórico-sociais mais amplos. A auto *'

- nomia universitária não surge, apenas, como um ideal de


ões que
nos parecem oportunas e atuais. Não se trata reflexde uma me- independência pelo isolamento. Ela aparece como uma força
ditação sobre valores supremos ou fins últimos; mas
servações que giram em torno dos mínimos vitais, que de ob- sócio-cultural e política, que se erguia contra o monopólio do
derão condicionar a exist ência e a sobrevivência de prá ticas- saber (e, através dele, das carreiras letradas ) pelos compo-
po
universitá rias em nosso meio. Por isso, seguiremos na ex nentes ou representantes das “ grandes famílias tradicionais”.
posição o programa oferecido pelas três amea ças apontadas- Esse processo ( que nos limitamos a apontar ) teve enorme
acima, que precisam ser combatidas com ânimo belicoso e importância para o destino que se pretendeu dar às “escolas
verdadeira f é, f é na razão, na causa do progresso e no futuro superiores”. Num país sem tradiçã o intelectual e, especial-
do Brasil como nação independente. mente, destituído de experiência universitária, ele condicio-
nou a formação de ideais que favoreciam a lenta emergência
de novos padrões do ensino superior, autenticamente ligados
.
à nossa época e às necessidades do Brasil moderno Projetou- íí
í
A Tutela Exterior nos, a esse respeito, no círculo da civilização a que perten-
O cemos, mas de maneira própria: o ideal de construir a uni-
-
versidade passou a associar se, definida e crescentemente, ao
Embora só a usassem raramente e em fins 01 ideal correlato de envolver o universitário nos dilemas eco-
as nossas “escolas superiores” nasceram, cresceramlimitados
e se ex-
,
V ) nómicos e políticos de sua comunidade. Da í a extraordinária
pandiram sob run clima de grande liberdade intelectual. Elas 0 amplifica ção do conceito de autonomia universitária, que
exprimiam de tal modo os interesses sociais e os valores cul- passou a designar (para estudantes e professores ) um estado
turais, que impregnavam a concepção do mundo das classes de espírito de participação independente, mas responsável.
-
sociais dominantes e dirigentes, que não havia a necessidade Portanto, apesar das deficiências do nosso fraco ponto
de levantar-se o problema de saber-se o que elas deveriam ^
de partida e da nossa tradiçã o cultural, fomos além do que
!
representar como força social, cultural e política. Aquilo poderíamos extrair dos modelos institucionais e das expe-
-
que os sociólogos norte americanos chamam de controles
reativos, que operam de modo espontâneo e indireto, mas
riências importados. Nunca - se procurou apenas, estrita e
,

estreitamente, proteger a liberdade do intelectual através de


contínuo e profundo, era suficiente para ajust á-las às ex- um isolamento que o colocasse ao abrigo de certas pressões '
pectativas dos referidos círculos sociais. A diferenciaçã o
cente da sociedade, com suas repercussões na organização re - materiais ou morais de outros grupos mais poderosos. Pre *-
do feriu-se alcançar esse objetivo por meios que asseguras-
poder económico, social e político, fez com que essa sem tal liberdade num clima de comunicação, cooperação e
geneidade fosse condenada e desaparecesse aos poucos N -
homo
. ão
só setores extensos dos corpos docente e discente passaram
respeito mútuo.
a ser recrutados em várias camadas sociais: a pr ópria idéia Os grupos sociais que estão fazendo pressão sobre os
de universidade impôs um ideal de autonomia, que implicava
universitários e, inclusive, exigindo deles o que chamam, sem
rebuços, de “exame de consciência”, falam, naturalmente,
nova tomada de posição diante das tendências à democrati
zação vigentes na sociedade inclusiva. Em consequência, -
as
-
como porta vozes de uma situação historicamente superada.
Eles pensam que defendem um ideal livre de universidade.


'


categorias sociais que emergiam na cena hist órica como for De fato, porém, o que querem é restabelecer a antiga ho-
ças renovadoras -
especialmente as classes médias
pararam-se nessas tendências para aumentar sua participaçãoam- mogeneidade que existia na interação das “escolas superiores”
com os interesses e os valores de certos segmentos da socie-
30 31
w
dade. No fundo, tentam introduzir em
nosso meio uma nova

e perniciosa modalidade de control
pelo qual esperam assegurar se
-
e
uma
—o controle ideológico
tutelagem sobre a composição, a estruturadrástica e ilimitada
(e o destino civilizatório correspondente) precisa estar apto
para pôr em prática as inovações requeridas. Ora, o técnico
não terá domínio eficaz das relações entre meios e fins se
da universidade brasileira. Trata e o funcionamento não tiver o mínimo de autonomia intelectual e moral que
nário, porque pressupõe uma -se de um desígnio reacio-
l! volta ao passado e, o que é seja requerido pelos critérios funcionais com que opere. Do
1' pior, a práticas adulteradas que
nele não encontravam nem mesmo modo, n ão haverá conhecimento científico onde os
poderiam encontrar eco. Deste â crit érios da descoberta, verifica ção e comunica ção da verdade,
-
ngulo, é f ácil avaliar se a
inconsistência, o teor destrutivo e o car áter inaceitável das
impostos pela ciência, sejam substituídos por falsos sucedâ - L
manipulações desencadeadas, verdad
eirame neos. No entanto, é preciso ir além dessas constatações ini-
com o ideal de universidade que está nte incompatíveis ciais. O grau de radicalismo do intelectual não é um dado
Brasil e com qualquer ideal de univers vamos formando no exterior. Indivíduos empenhados em manter o status quo
idade digno desse nome. pensam segundo critérios em que o essencial é a estabilidade

A Supressão do Radicalismo
Intelectual
da ordem. A inova ção pode surgir em seu horizonte cultural
como uma contingência. Já o técnico e o cientista prendem
se, intelectualmente, a uma civilização altamente dinâmica,
na qual a continuidade da ordem não se liga tanto à pre-
^
- 1
'

Ao importarmos novos padrões de produ serva çã o de certos controles estabelecidos. Ao contrá rio, - o
ção do saber , importamos também ção e de avalia- destino do homem passa a depender de sua capacidade de
zação da personalidade do sábio. É novos padrões de organi - criar controles novos, de explorá-los e, assim, expandir os
para esta verdade elementar. Nenhum funesto que não se atente limites de poder conferidos pela herança social recebida '.
ciência e tecnologia moderna, por pa ís poderá possuir A contradição insanável que existe entre os dois procédi-
cientistas e técnicos. Mas, exemplo, sem formar antes mentos ou as duas orientações é evidente. Parece que pre-
e técnicos sem lhes oferecerdoutro lado, como ter cientistas
condições apropriadas de labor
tendemos matar dois coelhos com uma só cajadada. Possuir
intelectual? A questão que temos de decidir ciência e tecnologia moderna com nenhuma ( ou só um mí-
siste numa só: o *que nos importa mais , como povo, con- nimo de) inovação nas relações humanas e na organização
tradição cultural ou participar do fluxo, manter intocável a de poder da sociedade. Ora, isso não passa de uma miragem.
tempor ânea? Se esta for a resposta, é imposs da civilização con- O que é essencial, em nossas meditações, vem a ser o
surjam necessidades novas, entre
'
ível evitar que grau de radicalismo intelectual que precisa ser incentivado
as quais se contam novos
padr ões de tolerância nas rela ções pelas instituições universitárias de que carecemos. Não pre-
humanas. cisamos da universidade como um bem em si, como um sím-
Aí está o fulcro do nosso dilema.
construir “escolas superiores” ( como Sem d úvida, podemos bolo de progresso e de adiantamento cultural. Precisamos
versidades ( eomo se pretendia recentement no passado) ou uni- dela como um meio para avançarmos da periferia para o
é iniludível. Se prevalecer o último objetivo e) . Todavia, algo núcleo dos países que compartilham a civilização baseada
um clima novo para que o técnico , impõe-se criar na ciência e na tecnologia científica. Por isso, pretender
sejam possíveis. O critério de e o homem de ciência universidades e sufocar o radicalismo intelectual que elas
que ambos procuram, não se efic ácia e o critério de verdade, pressupõem vem a ser o mesmo que destruir o doente pela
controle ideológico. Se o controle ideola
adaptam nenhuma sorte de
ógico for mais forte
.
cura . . Aí está um fato que poderíamos chamar de fato
que a tecnologia moderna e a ciê simples, luminoso, de inteligibilidade imediata e pura. A
ncia
a civiliza ção baseada em ambas e poderem , então não queremos tendência a avaliar a produção intelectual (ou os requisitos
dois tipos de personalidade. os prescindir dos
Este raciocínio poderá parecer simplista
. Mas ele é al- Sobre o assunto ver W. F. Ogburn e M. F. Nimkoff , A Handbook of
tamente complexo. Está em jogo uma op
1

país que deseje, coletivamente, certa çã o histórica. O Sociology, Routledge & Kegan Paul Ltd., Londres, 1950 ( Parte VIII,
taxa de moderniza ção esp. cap. XXVII ); Eli Ginsberg org., Technology and Social Change,
Nova York , Columbia University Press, 1964.
32
33

L
dessa produção) dos universitários à luz de critérios exte
riores e irremediavelmente ideológicos conduz a um beco- existência. O desafio não parte da supressão ou da contenção
sem saída. Se os que se arvoram em juízes da situa desse radicalismo. Mas de seu aproveitamento útil e normal
ção não pela sociedade.
pretendem ser, também, os algozes da ciência e da tecnologia
Vendo-se as coisas desse ângulo, torna-se indispensável e
-
científica, impõe se que eles façam uma rotação copernicana,
que ajuste suas ideologias, pelo menos, aos urgente fazer exatamente o inverso do que pretendem os
S valores sociais de uma sociedade capitalista.
interesses e aos -
corifeus da reação. A universidade não deve erigir se num
! fosso que separe o jovem e o isole do fluxo da reconstruçã o
'

social. Ela deve servir como o verdadeiro fulcro de um estado


de participação social consciente e responsável. Só há um
O Jovem e o Fluxo da Reconstrução Social meio para evitar que o radicalismo degenere em problema
social: a sua canalização socialmente construtiva. Esse prin-
cípio deve ser aplicado à educação dos jovens pela univer-
No passado recente, o primeiro e principal requisito do sidade e, para que isso ocorra, impõe-se que tenhamos a
jovem consistia em tornar-se velho. Para
- universidade. É preciso não temer-se o jovem; ele não é
se, o jovem precisava assimilar os modelos vencer e afirmar
t

de personalidades um perigo social nem é um perigo em si mesmo. Contudo,


dos velhos e ostentar, conclusivamente, sua capacidade de ele poderá tornar-se muito perigoso, se receber uma educa-
-
comportar se organicamente de acordo com eles. A implan
tação da ordem social competitiva e a expansão do capita-
ção frustrada e alienada socialmente, ignorante dos dilemas
que pesam sobre o País e sobre a própria juventude. Aqui
-
I
lismo no Brasil fomentaram uma realidade nova: o padrão
de êxito tende a deslocar-se para outra esfera, na qual conta
menos a experiência acumulada que a chamada cap cidade
monstram que a juventude pode ser manipulada
uma condição: de que se identifique com . meios e fins

está o busílis da questão. As experiências totalitárias de-
sob
l

para a experiência nova. Isso se refletiu na área doáensino alheios ao estilo democrático de vida. Se quisermos su--
(particularmente do ensino superior) , suscitando
no jovem perar este risco e, ao mesmo tempo, conceder uma opor
anseios novos: de um lado, de auto-afirmação, de outro, de tunidade histórica à juventude brasileira, precisamos desco-
domínio das técnicas sociais que asseguram eficácia à ca
- brir recursos novos que aumentem a qualidade de sua cons-
pacidade de lidar com a “experiência nova . Ambas as
” in- ciência da situação, o amadurecimento de suas técnicas po-
líticas e o aperfeiçoamento de seus alvos sociais. Tudo isto
!
clinações são legítimas e necessárias. Fazem parte do signo
da vida do jovem brasileiro de nossos dias. leva numa mesma direção: um ensino universitário autên-
No entanto, essa propensão tem sido focalizada com tico e que prenda de modo ativo, consciente e responsável
desconfiança e a ela se atribui um significado subversivo! o jovem ao fluxo da reconstrução social no ambiente.
A subversão, se existe, não está só dentro do jovem; ela
parte do exterior, de uma sociedade que se renova e exige
um novo tipo de juventude. Entender o jovem brasileiro Estas reflexões podem não possuir muito valor em si
com estreiteza, a este respeito, equivale a destruir a nossa mesmas. No entanto, julgamos que elas nos colocam diante
futura participação nos desenvolvimentos da civilização mo- da realidade histórica como uma marcha para a frente na
.
derna em nosso meio Ele constitui a única garantia, que luta do homem pelo progresso social. O risco maior que
nos resta, de que a superação do atraso e da dependência corremos consiste em restabelecermos situações que foram
culturais é uma questão de tempo. Mas, ainda que não se superadas e que devem continuar assim. O mínimo que
entenda isso, é preciso evitar conceber o jovem como um devemos fazer, pelo Brasil, aparece numa id éia simples. Nos
joguete. Ele teria sido “instrumento” das ditas forças de limites de nossas forças e de nossa capacidade material ou

esquerda”; que seja, agora, instrumento” das forças de moral, devemos construir uma universidade que se situe,
,
“ “
direita ou de centro”. Esse raciocínio é monstruoso. O ex- por sua estrutura, funcionamento e rendimento, na metade
tremo radicalismo do jovem brasileiro parece ser, visto so do século vinte. O resto será pura perda de tempo . . .
ciologicamente, um produto histórico de sua situação de-

34 35

l
i

CAP ÍTULO 2 *I
!•

BALAN ÇO DA SITUAÇÃO ATUAL

DO ENSINO SUPERIOR *

Esclarecimento Introdutório:

Esta exposição, feita com base em dados de 1965, não


poderia “ser atual ”. Ocorreram vá rias transformações na
organização do ensino superior, na estrutura do sistema
brasileiro de ensino e, mesmo, no quadro ou nas tendências
da procura das vagas existentes. A realidade se alterou,
nestes últimos anos, e põe-se a questão de saber se deve-
ríamos, ou não, “atualizar” o balanço que fizemos para ser-
,

vir aos propósitos do movimento de reforma universitária.


Depois de algumas vacila ções, chegamos à conclus ão de
que este capítulo deve ser publicado de acordo com a versão
original. São duas as razões que nos aconselham a proceder
desse modo .
r<
Primeiro, porque ele constitui o foco de referência em-
pírica e interpretativa geral dos demais ensaios. Se alte-
r ássemos este balanço, os demais capítulos teriam de ser
modificados e todo o livro perderia sua razão de ser. Ora,
isso está fora de cogita ções. O livro retrata, ainda que resu-
midamente e em termos das opiniões ou dos papéis de um
dos participantes, o que estudantes e professores preten -
diam, nos idos de 1967 e 1968, com seu movimento de re-
-
forma universitária. Escritos como peças de combate, os
ensaios voltavam-se para algo em processo. Se mudássemos
* Resumo da exposi çã o, feita sob o título: “A Universidade no Brasil”
( em abril de 1968, no audit ório do Edif ício Itália, no curso de jornalis-
mo promovido pela Editora Abril ) . O esquema expositivo foi aprovei-
tado, com algumas alterações, na palestra de abertura da mesa-redonda ,
realizada sob os auspícios da Tribuna livre do Centro Acadêmico XI de
Agosto ( em maio de 1968 ); e em conferência pronunciada no audit ório
do Colégio Nossa Senhora do Morumbi, no “ XXX Encontro do Mo-
rumbi ”, sob o patrocínio do Movimento de Valinhos ( em 28 / 10 / 1968 ) .

37
i


- r-n
sileiro na esfera educacional, poré
m , meramente contribuiu
essa perspectiva, haveria um deslocamento de ênfase ; e pas-
saríamos das tentativas então empreendidas ( e frustradas ) para alargar um pouco mais o restrito número de privilegia -
í;
r. de democratização da universidade e da sociedade, para algo
j
dos que atingem o ápice da pir âmide . É o que nos revela,
bem diverso, como seria o “estudo acadêmico” da realidade conclusivamente, o gráfico abaixo , sobre a pirâmide educa-
ção oficial.
!
universitá ria brasileira. Elaborado como um depoimento, com cional brasileira, extraído de uma publica
'

vistas à participação militante e responsável, o livro deve, j


portanto, manter-se como foi escrito. ENSINO SUPERIOR
63

Segundo, malgrado o que se poderia presumir super-


i ficialmente dos números que atestam as alterações ocorri-
das, elas nao eliminaram nem de leve o que era essencial
1 '
na análise: o car áter ultra-elitista do ensino superior e, em
1 eonsequência, da universidade brasileira. Se tomarmos da-
dos mais recentes 1, referentes à matrícula geral no início ENSINO
de 1972, veremos que o espectro do sistema brasileiro de SEGUNDO GRAU
ensino continua o mesmo, apesar das alterações em questão:

Níveis do Ensino Dados Brutos %


Ensino Primário Comum 14.082.098 69,16
Ensino Médio em Geral 5.588.683 27,45 i

( l.° Ciclo 4.288.646 21,06)


( 2.° Ciclo 7. . 1.299.937 6,39 )
i
Ensino Superior 688.382 3,38
( Ciclo Básico 212.218 1,04)
( Ciclo Profissional . . 476.164 2,34)
Total 20.359.063 100,00

A “explosão”, que nada tem de democrática nem de demo-


p cratizante (como também nada contém, definidamente, em
-
!
í! termos qualitativos, seja quanto ao nível, seja quanto à in
E I tensidade, à racionalidade e ao rendimento do ensino) , re-
C
I sulta : l.°) das pressões naturais, nascidas do intenso cres-
INEP, vol. 1 . N.° 14, agosto de
1974).
cimento constante do ensino médio; 2.°) de medidas im- ( Fonte:
ícula não al-
provisadas e altamente demagógicas de criação ou elevação Portanto, essa rápida ampliação da matr neste ensaio.
;
das oportunidades educacionais sem qualquer critério res - terou substancialmente a realidade descrita
ior continua a caracte-
i ponsável, mediante uma manipulação arregimentadora de De um lado, porque o ensino superior , que não pode ser
escolas superiores ou universidades oficiais e particulares. rizar-se por sua natureza ultraelitista
"

prazo. De outro,
1 Seguindo os ritmos desse “crescimento acelerado”, as corrigida por passes de mágica e. a curto incremento apon-
matrículas no terceiro grau atingiram, em 1973, 836.468 (cf . porque as linhas escolhidas para atingir o
aumentar em vez de corrigir ou de
\ INEP, vol. 1-N.° 13, julho de 1974) ; e, em 1974, 1.017.630 ( cf . tado concorreram para ,
ão brasileiro
i “ Mais de um milhão de alunos na Universidade”, O Estado de atenuar, as contradições e as anomalias, em padr
do
, a revi -
\S \ .1
Sã o Paulo, 12 /5/1974) . Tal desdobramento do milagre bra - talização das éscolas superiores isoladas
especial
de ensino superior. Elas propiciaram , em um novo con-


Utilizamos os dados divulgados oficialmente, que constam do Anuário
texto de comercialização irrefreada e de degradação siste-
1
Estatístico do Brasil 1973 ( Rio de Janeiro, I. B. G. E „ 1973 ). Os dados focos de distorção
mencionados foram extraídos das pp. 762, 181, 192 e 796. mática do ensino superior. Aos antigos
39
38
BP®

estrutural e institucional do ensino superior somaram-se ou


tros, decorrentes do modo de pôr em prática a “reforma - * *
*
universitária consentida ”. Na presente análise, pretendo dar um balanço da si -
- tuação atual do ensino superior. Por isso, dividi a exposição
*
Outro ponto, no qual o quadro descrito se alterou, refe
-
re-se ao ensino pós graduado. Sis a matrícula geral, no início
de 1971 (dados extraídos da fonte citada ) :
em duas partes. Na primeira, procurarei examinar, com
base em dados recentes, os principais aspectos quantitativos
do ensino superior. Na segunda, tentarei dar um balan ço
Áreas
Ciências exatas e tecnológicas
Mestrado
4.590
Doutorado
109
dos problemas propriamente qualitativos e que dizem res
peito à organização da universidade.
- l
Ciências Ipiomédicas 869 163
Ciências humanas e filosofia 285
Ciências sociais 1.161 319
Letras e artes 337 Dados sobre a Situaçã o do Ensino Superior
Total 7.242 591
Esses n úmeros indicam para onde se orienta um esforço de
crescimento errado, mais preocupado com as aparências, que Se tomarmos os dados concernentes à matrícula geral,
era a seguinte a situação geral do ensino em 1965: 2
-
com a infraestrutura e os alvos centrais da pós graduação.
O que prevaleceu foi o magnetismo dos números e, o que é Níveis do Ensino Dados Brutos %
pior, dos grandes números. Escolas e universidades, que Ensino Primário . 9.923.183 81,11
não se acham sequer capacitadas para as funções inerentes Ensino Médio . . . 2.154.430 17,52
aos cursos de graduação, estão, agora, distribuindo mestra
dos e doutorados a granel. Estamos acumulando, portanto,
- Ensino Secundário
Ginasial
1.553.699
1.364.123
12,70
11,15
erros de proporções amazônieas, que não serão facilmente Colegial 189.576 1,54
eliminados no futuro. É claro que não se poderia evitar Ensino Superior . 155.781 1,27
alguma improvisação; mas cumpria, pelo menos, não per - Total 12.233,394 100,00
mitir que a improvisação sistemática se generalizasse, con
-
vertendo se numa norma e numa rotina.
- Esses dados sugerem que o ensino superior brasileiro é,
Depois de 1969, não tínhamos como acompanhar a basicamente, um ensino de elite e para elite. A uma grande
concretização da “reforma universitária consentida”. Ao que massa, na base, correspondem estreitas camadas intersticiais
ela se propunha, dedicamos todo um capítulo ( veja-se predominantemente concentradas no ensino secundário (o
pp. 201-242) . Trata-se de uma fase contraditória e melan -
cólica da vida universitá ria brasileira e foi contra isso que
qual abrange, aproximadamehte, 72 % da matrícula geral do
ensino médio! ) , e quase um ponto no tope! Doutro lado, F
se erguera o próprio movimento de reforma universitá ria. em virtude do afunilamento progressivo, da proporção do
Talvez algum dia voltemos ao assunto, quando professores ensino secundário sobre o restantè do ensino médio e da re-
e estudantes tiverem o que dizer sobre as estruturas e as lação existente entre as matrículas no ensino colegial e no
funções da universidade; e o pensamento crítico for aceito -
ensino superior , este ramo do ensino afirma se como a es-
trutura dominante do sistema educacional brasileiro. Tudo
pelo que ele deveria ser, o próprio eixo da produção criadora
se passa como se a parte dinâmica e vital de todo o sistema
de estudantes e professores. Ãté lá, não vemos como reatar
o presente ao passado ou de que adiantaria levantar novos
temas no debate que se apagou, entre nós, graças à des-
estivesse voltada para um único fim essencial —
alimentar
o minúsculo pólo privilegiado, que justifica e dá sentido pe-
trutiva combinação dos efeitos da compressão política, da dagógico ao resto da pirâmide! . . .
pusilanimidade intelectual e da simplificação grosseira da
-.i
pr ópria política educacional.
2 Fonte dos dados brutos: Anuário Estatístico do Brasil — 1966 Rio de
Janeiro-GB, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Conselho
L

São Paulo, 22 de agosto de 1974


Nacional de Estatística, 1966 ( pp. 413, 421, 433 e 483 ).

40 41

L
Se se relacionasse a matrícula geral com a população, (85,76 ) (13,28) ( 0,95)
o Brasil teria, em 1965, 3 1 matrícula para 700 habitantes Leste 3.628.471 755.022 56.417
( ou 14,5 matrículas para 10.000 habitantes) . No entanto, (81,72 ) (17,03) (1,3)
as flutuações regionais dessa relação são consideráveis: Sul 3.840.174 1.004.637 73.864
( 78,07) ( 20,42) (1,50 )
Para
1 matrícula
Em 10.000
habitantes -
Centro Oeste 447.900
( 83.83)
82.360
(15,41)
4.060
( 0.76 )
Norte . . 1.040 habitantes 9,6 matrículas
Nordeste 941 99
10,6 99 BRASIL 9.923.183 2.154.435 155.781
Leste . . 5.00 99
20 99 (81,11) (17,52) (1,27)
Sul 400 99
25 97

Centro-Oeste 963 99
10,4 99 De acordo com esses dados, a 1 matrícula no ensino
O censo de 1960 fornece a seguinte distribuição da populaçã o superior correspondem, no Brasil, 63,7 matrículas no ensino
brasileira: 4 primário e 13,8 matrículas no ensino médio. Contudo, por cau -
Norte . . 2.601.519 ( 3,60 ) es
sa das flutuações regionais, essa relação sofre variaçõ consi
deráveis: no Norte, a 1 matrícula no ensino superior corres-
-
Nordeste 15.677.995 ( 22, 09 )
pondem 114,6 matrículas no ensino primário e 18,3 matrículas
Leste . . 24.832.611 (34,99)
no ensino médio; no Nordeste, a 1 matrícula no ensino
Sul 24.848.194 ( 35, 01)
superior correspondem 90,3 matrículas no ensino primário
-
Centro Oeste 3.008.866 ( 4,23)
e 14 matrículas no ensino médio; no Leste, a 1 matrícula
Total 70.967.785 no ensino superior correspondem , 64,3 matrículas no ensino
A distribuição da matrícula geral no ensino superior em primário e 13,4 matrículas no ensino médio; no Sul, a 1
1965, todavia, refletia forte concentração nas regiões mais matrícula no ensino superior correspondem 52 matrículas ,

ricas ou desenvolvidas: no ensino primá rio e 13,6 matrículas no ensino médio ; no


Regiões
Norte . .
Dados Brutos % -
Centro Oeste, a 1 matrícula no ensino superior correspondem
110,3 matr ículas no ensino primá rio e 20 matrículas no
; 2.935 1,88
Nordeste 18.505 11.87 ensino médio.
Leste . . . 56.417 36 21 Para se ter uma idéia de como se aproveita o esfor ço
Sul 73.864 47,41 educacional brasileiro, ao nível do ensino superior, tomamos
Centro-Oeste 4.060 2,60 dados relativos a 1960, organizando um quadro especial ( ver
Total 155.781 100,00 o quadro anexo) . Em conjunto, podemos resumir as se-
Somente São Paulo absorvia 42.891 matrículas, ou seja, guintes indicações: 5
quase 28 % ( embora concorresse com pouco mais de 18 % da Matrícula Geral Conclusões de Curso
população, segundo o censo de 1960) . Dados % Dados %
Por isso, seria interessante estabelecer uma projeção, Brutos Brutos
com base regional, da “pirâmide” do ensino. Tomando-se a 2.751 2,74 472 2,53
matrícula geral, em 1965, teríamos o seguinte quadro: Grupo I
Grupo II 13.042 12,99 1.096 10;24
Primário Médio Superior Grupo III 54.977 54,79 10,038 53,90
Norte 336.330 53.690 2.935 Grupo IV 17.831 17,77 3.226 17,43
( 85.58) (13.66 ) ( 0.74 ) Grupo V 11.737 11,68 2.980 16,00
Nordeste 1.670.308 258.726 18.505 Total 100.338 100,00 18,622 100,00
3 As estimativas sobre a população e os dados sobre a distribuição da
matrícula geral foram extraídas da mesma fonte ( pp. 35 e 483-487 ) . 5 Para a discriminação dos grupos, ver o quadro anexo sobre a matrí-
4 Cf . Anuário Estatístico do

Brasil 1966, p. cit., p. 37. cula geral e conclusões de curso segundo os ramos de ensino em 1960.

í 43
'

42
ENSINO SUPERIOR : MATRÍCULA GERAL E CONCLUSÕ ES DE CURSO SEGUNDO RAMOS DO ENSINO — 1960 *
ícula Geral
Matr Conclusões de Curso
RAMOS DO ENSINO Ensino Ensino Ensino Ensino
Total Público Privado Total
Público Privado

GRUPO I
Agronomia -1.824
821
106 1.930
821
319
140
13 332
140
Veterin á ria
TOTAL 2.645 106 2.751 459 13 472
GRUPO II
Arquitetura 1.391 308 1.699 252 74 326
Engenharia 8.479 2.713 11.192 1.260 290 1.550
Química Industrial 126 25 151 22 8 30
TOTAL 9.996 3.046 13.042 1.534 372 1.906
GRUPO III
Administra ção Pública e Privada 290 667 957 21 101 122
Ciências Económicas, Contábeis .e Atuárias ... 3.002 5.071 8.073 315 773 1.088
Direito 11.730 ' 12.105 23.835 1.723 1.505 3.228
Filosofia, Ciências e Letras 8.844 11.897 20.741 1.569 3.784 5.353
Serviço Social ‘ 222 1.149 1.371 57 190 247
t
TOTAL 24.088 v 30.889 54.997 3.685 6.353 10.038
GRUPO IV ’-
Farmácia . 1.357 449 1.806 235 131 366
Medicina . . 7.737 2.766 10.503 1.151 389 1.540
Odontologia 3.341 2.181 5.522 863 457 1.320
TOTAL 12.435 5.396 17.831 2.249 977 3.226
GRUPO V .8 8
Artes Domésticas 90 90
Artístico 1.599 3.348 4.947 307 1.133 1.440
150 120 270 64 35 99
Biblioteconomia . 12
Diplomacia 28 28 12
3.066 3.066 663 663
Eclesiástico 75 242
Educação Física 538 127 665 167
153 165 318
Enfermagem . . . 742 781 . 1.523
2 22
Estatística 226 37 263 20
175 328 503 16 76 92
Jornalismo 10
77 77 10
Museologia 74
305 305 74
Nutrição
TOTAL . . . . 3.930 7.807 11.737 831 2.149 2.980
TOTAL GERAL ... 53.094 47.244 100.338 8.758 9.864 18.622

* Fonte dos Dados Brutos: Anu á rio Estatístico do Brasil, 1962. Ano XXIII, Rio de Janeiro, GB, IBGE. Conselho Nacional de Estat
ística, 1962, p. 287.

44
45

I
É evidente que o esfor ço educacional, ao nível do ensino ão, Ensino Público Ensino Privado
superior, concentra-se fortemente em torno das três “escolas tes Matrícula Conclusões Matrí cula Conclusões
tradicionais”, que possuem maior importância para a for
mação de profissionais liberais. Direito, Engenharia e Me-
- to,
Categoria 17
Geral
25.076
de Curso
4.242
Geral
8.548
de Curso
1.362
dicina concorrem sozinhas com 45.530 matrículas ( ou seja,
Categoria IIs ... 28.018 4.516 38.696 8.502
com mais de 45 % do total ) e 6.318 conclusões de curso ( ou Total 53.094 8.758 47.244 9.864
seja, com 34 % do total) . Agregando-se a Filosofia a esse as
grupo, teríamos 66.271 matrículas (ou seja, 66 % do total) Apesar de uma leve predominância da segunda categoria
e 11.671 conclusões de curso (ou seja, 63 % do total) . As sobre a primeira no ensino público, neste prevalece , como
faculdades de Direito, sozinhas, entram com quase 1/4 da característica geral, um relativo equilíbrio no desenvolvi-
matrícula geral; e as faculdades de Filosofia, por sua vez, mento de ambas. O mesmo n ão sucede com o ensino pri-
£ participam com mais de 1/4 das conclusões de curso. Os vado, notavelmente concentrado na segunda categoria ( na
:
IO
dados indicam, portanto, que o ensino superior sofre uma qual absorve, aproximadamente, três quintos da matrícula
espécie de estrangulamento, ocasionado e mantido pela in- geral total e quase o dobro das conclusões de curso do setor
I) público ) . Sob esse aspecto, é claro que a contribuição da
fluência que os interesses associados às profissões liberais
exercem em sua organização e na orientação da procura. ') iniciativa privada, para a expansão das áreas do ensino
Aliás, as médias de candidatos inscritos aos exames vestibu- ) superior que mais interessam ao País, é relativamente mo-
lares da U. S. P. comprovam a tenacidade dessa influência: 6 ) desta. Ao mesmo tempo, os fatores responsá veis pelo es-
) trangulamento do nosso sistema de ensino superior nela
Média
Setor operam com extrema intensidade. Por fim , deve-se consi-
Medicina 11 ,8 derar o grau de participação dos ramos do ensino superior ,
Engenharia e Arquitetura 6 ,3 ordenados nos grupos III e V:
k'
Direito 5,7
Ciências Económicas e Administrativas 3,6
Matrícula Geral Conclusões de Curso
Odontologia 2,7
Ensino Ensino Ensino Ensino
í;
Farm ácia e Odontologia 1,5 Público Privado Público Privado
Farmácia e Bioquímica 1, 8 Grupo III 24.088 30.889 3.685 6.353
2 ,6 (I
Agricultura
Filosofia, Ciências e Letras 2, 6
Grupo IV . 3.930 7.807 831 2.149
2 ,5 Total . 28.018 38.696 4.516 8.502
Medicina e Veterinária ti

Enfermagem 1.3 Sr !
A própria sociedade restringe, assim, a diferenciação do en- Os dois grupos entram, em conjunto, com mais de 66 % da
sino superior ou limita a intensidade dentro da qual ela é matrícula geral e com quase 70 % das conclusões de curso
explorada educacional e eultúralmente. Doutro lado, é pa- dos respectivos totais globais. Embora eles incluam maté-
tente que a contribuição da iniciativa privada não concorre rias fundamentais para a vida moderna, a aceleraçã o do
'
1,

]
para atenuar as consequências negativas dessa situação. Ao desenvolvimento e a modernização tecnológica, está fora de
contrá rio, como o ensino privado adapta-se mais facilmente • dúvida que existe uma séria distorção no modo pelo qual i

às tendências da procura, ele agrava as referidas conse- eles participam do esforço educacional brasileiro. A conti-
quências. Se reunirmos os grupos I, II e IV numa categoria, nuidade da presente situação só se justifica na medida em
e os grupos III e V, em outra, teremos as seguintes indi- 7 Agronomia, Arquitetura, Engenharia , Farmácia , Medicina, Odontolo-
ca ções: gia , Química Industrial; Veterinária.
li
8 Administração , Artes Domésticas, Art ísticos, Biblioteconomia , Ciên-
6 Oracy Nogueira, Contribuição ao Estudo das Profissões de Nível Uni-
versitário no Estado de São Paulo, Osasco, Faculdade de Ciências Eco-
nómicas e Administrativas, 1967 ( vol. I, p. 307 , na qual o leitor encon-
cias Económicas — Contábeis —
e Atuárias. Diplomacia, Direito, Ecle -
siástico, Educação Física , Enfermagem , Estatística, Filosofia, Ciências e
Letras, Jornalismo , Museologia, Nutrição, Servi ço Social. 0
trará a discriminação das escolas ) .

46 47
t
r
i!
IFí /
ii
m - r

I N . que prevalece uma mentalidade educacional que


cia, de modo completo ou parcial, as tendê negligen- mínimo de homogeneidade e de intensidade. As flutuações
íT
ncias imperantes regionais e, principalmente, os interesses de classe intro-
de devasta ção improdutiva de fatores duziram graves distorções na mobiliza ção dos recursos edu-
educacionais escassos.
i
9
Os dados apresentados indicam que o Brasil cacionais ao nível do ensino superior. De um lado, a con-
enfrenta centração regional de riquezas condicionou uma ampla e
i
li 1
i
vários problemas graves em relação à organiza
e aproveitamento do ensino superior. Em primeiro çã o,
estão os problemas especifieamente quantitativos. A propor ,
expans ão
lugar
perigosa concentração institucional dos recursos educacio
nais. Essa concentração é agravada pela migração de cé-
-
- rebros dentro do Pa ís, já que as regiões mais pobres não
ção de pessoas com formação superior, na
-
i= ! .
larizada e no conjunto da populaçã o, é quase í ção esco
popula conseguem reter os profissionais de nível superior formados
I
segundo lugar, estão os problemas de nfima. Em por meio de seus próprios recursos materiais e humanos.
Em virtude da predominância dos interesses pedagógica.
natureza De outro, a concentração social de riqueza, de prestígio social
sociais e políticos de elites culturais ralas e egoístaseconómicos, e de poder condiciona o uso nacional dos recursos educacio-
superior foi praticamente confinado à funçã , o ensino nais mobilizados pelo ensino superior. Quebrou-se o mono-
profissionais liberais. Sua diferencia ção
o de preparar pólio da educação pelas elites tradicionais. Todavia, o que
e expansão ficou está ocorrendo é mais um desnivelamento dos privilégios
contida, mesmo depois da revolução de e do cresci-
mento acelerado recente da rede escolar,1930 pela pressão da
educacionais daquelas elites, que um autêntico processo de
procura de pessoal de nível superior. Em democratização universal das melhores oportunidades edu-
estão os problemas sociodinâmicos. A sociedade terceiro lugar, cacionais. Ás classes médias em formação ou em cresci-
não conseguiu imprimir ao desenvolvimento do brasileira mento compartilham extensamente velhos ou novos privi-
ensino um
légios educacionais. A educação escolarizada continua, po-
0 Não podemos
analisar aqui essa questão. Sobre o inaproveitamento
,
rém, principalmente ao nível do ensino superior, a possuir
devastação e subaproveitamento dos recursos
efetivamente pelo ensino superior no cenárioeducacionais mobilizados o caráter de privilégio social. 10
ver F. Fernandes, “Balanço da Situação Atualeducacional brasileiro, Na verdade, a situação histórico-social reflete-se sobre o
do Ensino Primário,
cená rio educacional segundo tendências contraditórias. A
i
Médio e Superior” ( Educação e Sociedade no
Brasil, Dominus Editora
e Editora da Universidade de São Paulo,
1966 , pp. 32 e segts . ) . Os dados pressão demográfica e as tendências económicas, culturais
expostos acima fornecem duas pistas anal íticas: l .a ) a relacionada com
a própria rigidez estrutural do ensino superior ou sociais de integração nacional criam tensões críticas, que
conexão entre número de conclusões de curso por ; 2 a a que decorre da alimentam eclosões intermitentes de crescimento quantita-
matrículas. A este tivo do ensino superior. Os efeitos qualitativos dessas m-
-
respeito, cumpre assinalar que os grupos
I, II e IV apresentam uma
conclusão de curso para 6 matrículas; e os grupos III e V , 1 conclusão fluências são, no entanto, continuamente anulados ou amor .
de cursos para 5 matrículas. Eis a
para 5,8 matrículas; II , 1 conclusão rela ção por grupo: I, 1 conclusão tecidos pela propensão conservadora das elites culturais.
para Além de se manterem cegas às exigências educacionais do
por grupe : I, 1 'conclusão para 5,8 matr 7 matrí culas. Eis a relação
ículas; II, 1 conclusão para 7 presente, estas sacrificam facilmente os recursos destinados
matrículas; III, 1 conclusão para 5,4 matr
5,8 matrículas; V, 1 conclusão para 3,9 matr
grau de valorização das carreiras
ículas; IV, 1 conclusão para
ículas. Ao que parece, o -
à educação escolarizada, tratando a como algo secundário.
dos profissionais liberais reflete-se no
nível de competição e de exigências dos cursos, com Como as classes médias ainda se interessam mais pela
significativas. A exceção real surge no grupo variações pouco absorção das oportunidades educacionais existentes ou em
I!
privado. Separando-se, nos grupos V e na esfera do ensino emergência que pelo rendimento das instituições escolares,
li privado, temos as seguintes relações:
III e V, o ensino público do ensino
III, ensino oficial, 1 conclusão as alterações mais significativas são de ordem marcada -
para 6,5 matrículas; III, ensino particular
trículas; V, ensino oficial , 1 conclusão para , 1 conclusão para 8,6 ma- mente quantitativa. Tudo se passa como se o regime de
4,7 matrículas; V, ensino
particular, 1 conclusão para 2,6 10 Ver, especialmente., Anísio Teixeira, Educação não é Privilégio ( Com-
.^
li matrículas. A conclusão de ordem
geral, que se pode extrair desses dados panhia Editora - Nacional, 2.a ed., S . Paulo, 1968 ) ; e confrontar com

I , é que o aproveitamento dos t
recursos investidos nas “escolas superiores Bertram Hutchinson, org., Mobilidade e Trabalho. Um Estudo na Cida-
— depende diretamente do interesse da
” dada a atual situação
sociedade pelos profissionais de de São Paulo ( Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais , Rio
liberais. Onde esse interesse é pequeno, flutuante de Janeiro, 1960, pp. 149 - 154 ) ) e C. L. Monteiro de Castro e outros,
devastação, inaproveitamento ou subaproveitamento ou não existe, a Caracterização Sócio-Económica do Esftidante Universitário ( Instituto
cacionais mobilizados torna-se maior ou, mesmo, incontrol dos fatores edu-
ável. Nacional de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro , 1968 ).

48 49
A
ft
HI

,4 V

í
[
r classes expandisse o ensino sem poder modificá lo, subs- -
!
1 I
Malgrado as altera ções decorrentes da expansão do ensino
> j;Í T -.. tancialmente, enquanto o próprio crescimento quantitativo médico, de Engenharia e dos setores de ciências das facul-
r
não atingir, por si mesmo, um estado inevitável de ebulição dades de filosofia, praticamente não se fez outra coisa senão
e de explosão. O que importa salientar é que, nas circuns- expandir o tipo de escola superior herdado do passado. Mes-
Ui tâ ncias observadas, os efeitos positivos do desenvolvimento mo depois que a idéia de universidade passou a ter vigência
Ií : educacional facilitam a persistência de forças ou influências prá tica, o padrão brasileiro de escola superior é que deforma
r i’ :

negativas. Elas não só atuam livremente, concorrendo para


manter soluções e objetivos educacionais já superados. Tam-
pedagogicamente, o sentido do ensino superior. É patente,
portanto, que a República não engendrou uma política edu-
^
P; i bém interferem no padr ão e no ritmo do desenvolvimento cacional própria, adaptada aos requisitos educacionais da
-

i
educacional, reduzindo ou perturbando suas principais ten democracia e do regime de classes. Tal política emergiu tão
d ências quantitativas e inibindo ou solapando a difusão de desordenada e lentamente que ainda hoje está longe de
novos valores e de novas técnicas educacionais. i- concretizar-se em pontos essenciais. 13
« ; Estes dois aspectos podem ser facilmente reconhecidos. A dissociação entre o crescimento da rede de ensino e
Basta que se atente para as linhas globais da evolução do a formação (e conseqúentemente aperfeiçoamento) de uma
1;
ensino superior. De 1800 a 1889 foram criados no Brasil 14 política educacional indica que houve ( e continua a existir)
estabelecimentos de ensino superior ; de 1890 a 1929, isto é, uma profunda defasagem entre as necessidades educacionais
1 sob a I República, foram criados mais 64 estabelecimentos e os mecanismos escolares de seu atendimento. Aquelas re-
de ensino superior ; de 1930 a 1960 foram criados mais 338 fletiram, bem depressa, as mudanças da situaçã o hist órico-
estabelecimentos de ensino superior. 11 Em suma, a I Re
pública multiplicou por 4,5 o n úmero desses estabelecimen-
- social; estes permaneceram largamente insensíveis a tal
mutação, como se a sociedade devesse ajustar-se às insti-
i ; tos; e os Governos posteriores à revolução de 30 quase repe- tuições educacionais herdadas ( e não o inverso) . Tendo-se
tiram a fa çanha , mas com referência à herança recebida, em vista o que nos interessa, na presente análise, é óbvio


í1 eonjuntamente, da monarquia e da I República (só entre que a ausência de uma política educacional republicana só
J 1950-1959, criaram 178 estabelecimentos de ensino superior, o ^significa uma coisa / ãHnegligência da educação escolari-
'

que representava quase 2,5 do que se fizera entre 1800-1930 ) .


;

zada como esfera básica da socialização do “ homem comum”


A matr ícula geral acompanhava, naturalmente, esse cres-
cimento. Tomem-se, por exemplo, os dados concernentes à
e a neutralização do Estado republicano como Estado edu
cador. Uma política educacional de cunho republicano im-
-

i
matr ícula geral e às conclusões de curso no Brasil, em poria certas diretrizes, que impediriam o uso e o abuso
1942: 12 egoístieos dos recursos destinados à educação escolarizada
l ; \/ Em 23 anos, isto é, de 1942 a 1965, o ensino primário por parte das classes dominantes e de suas elites culturais.
\
í i aumentou quase 3 vezes, o ensino médio aumentou 8 vezes Por isso, atrás da negligência da educação escolarizada está -
e o ensino superior aumentou mais de 8,5 vezes! N ão obs
tante, a essa evolução quantitativa não correspondem trans-
- um ideal de educação, de domínio do Estado e de mono-
pólio social do poder que é, por natureza, anti-republicano
forma ções substanciais na esfera da política educacional.
r
e extrademocrático. As necessidades educacionais são per-
• Ir * b; cebidas e atendidas, socialmente, nos limites desse ideal, que
i '
Matrícula Geral Conclusões de Curso h
f acaba configurando-se, no contexto histórico, como uma ma-
Ensino Primário 3.340.952 ( 92 ,08) 267.072 ( 87,41) í-
i nifesta ção extrema e terrível de farisaísmo cultural. As
Ensino Médio 269.356 ( 7,42 ) 32.567 (10 ,65) »*
classes dominantes procedem como se fossem sensíveis e
h
Ensino Superior 18.036 ( 0,49) 5.883 ( 1,92) 1
»
leais aos requisitos educacionais da ordem legal republicana,
r
3.628.344 305.522 t- porque extraem desta a legitimação de seu próprio poder
político. Mas, na realidade, nã o só se descuidam de adaptar
11 Ver C. A . P. E. S., Estabelecimento de Nível Superior, Série Informa-
ção , N.° 7, Rio de Janeiro, 1960. 13 Apesar das tendências à centralização no perí odo do Estado Novo,
12 Dados brutos extraídos de Paschoal Lemme, Estudos de Educação , da Lei - de Diretrizes e Bases ou da influência criadora de educadores
Rio de Janeiro, Livraria Tupâ Ltda., 1953, p. 178 . e de movimentos estudantis.
\ *

50 !.
51
v*

f,
. - A-
i:
if i
i
os mecanismos escolares às necessidades educacionais. Fazem orçamentos em 37 %. Além disso, sua participação nas do- !
algo pior: opõem-se, consciente e tenazmente, à constituição ta ções destinadas à educaçã o decresceu de modo alarmante:
e à observância de uma política educacional adequada a se-
V

3,9 % , em 1965; 3,5 % , em 1966; 3,4 % , em 1967; 2,8 % , na


melhante objetivo. fPodem, assim, privilegiar-se educacional- proposta or çamentária de 1968. Chegou-se a um tal extremo
|V ; mente, monopolizando a maior parte dos recursos educacio- que os reitores tiveram de romper a barreira do silêncio e
nais da comunidade para seus próprios fins e eximir-se, so-


I :
t
da cumplicidade, denunciando a gravidade do processo de
í cialmente, dos sacrif ícios cívicos que poderiam resultar de deterioração financeira adotado pelo Executivo. 14
:
uma compreensão adequada das funções da educação esco- Nessas circunstâ ncias, o esfor ço educacional brasileiro
larizada no equilíbrio de uma sociedade nacional republica- ficou, ao nível do ensino superior, muito aquém das exigên-
na. Em termos estritos de “ egoísmo de classe” , semelhante cias quantitativas e qualitativas da situação. Mesmo em
orientação é racional. Mas ela circunscreve as formas mais escala latino-americana esse esforço merece uma avaliaçã o
complexas e eficazes de “socializaçã o de classe”, que se ligam severa. Apesar de ser o segundo país da região, em 1960,
H
Í . à educação escolarizada , aos estratos sociais privilegiados quanto ao volume da matrícula geral no ensino superior,
i
pela monopoliza ção ( relativa) dos recursos e oportunidades situava-se em décimo quarto lugar (sobre 20 países ) , quanto
educacionais. E, ao mesmo tempo, transfere para a socie- à porcentagem de matrícula da população em idade escolar,
I dade global o ónus do custeio indireto dos privilégios edu- no mesmo nível de ensino: 15
vr
V
cacionais assim estabelecidos.
í
^
O clima valorativo, que decorre de tal situação hist órico-
1) Matrícula Geral no Ensino Superior
(em
— 1960 População
- social, expõe a educação escolarizada a fatores de depressão milhares ) total em 1960 *
conjunturais e permanentes. Como o fundamental não con-
•f

Argentina 166,1 ( 20 milhões )


siste em adaptar os mecanismos escolares às necessidades BRASIL 93,2 (70,8 milhões )
educacionais, mas proceder a essa adaptação nos limites
J
dos interesses sociais das classes privilegiadas educacional
mente, as “ quest ões do ensino” podem ser colocadas numa
- México
Chile
87,0
26,9
(35 milhões)
( 7,3 milhões )
Peru 26,6 (10,9 milhões )
mesma posição secundária e aleatória. Isso não impede que Venezuela 24,9 ( 7,5 milhões )
!
I! o esforço educácional seja avaliado em termos otimistas, Colômbia 22,9 (14,1 milhões )
como se ele correspondesse, quantitativa e qualitativamente, ;
Cuba 19,2 ( 6,8 milhões)
1

::
às exigências reais ou potenciais da procura. Daí decorre Uruguai 16,0 ( 2,8 milhões )
um farisaísmo típico das elites culturais, que se manifesta Equador 9,0 ( 4,3 milhões )
em tr ês direções distintas, por vezes de maneira concomi- República Dominicana 5,0 ( 2,9 milhões )
tante. Primeiro, através da contenção do aumento de vagas Bolívia
•: •
4,0 ( 3,5 milhões )
e da criação de novas unidades escolares. Segundo, por meio Panamá 3,9 ( 1,1 milhões)
da resistência a inova ções, que poderiam redundar na melhor Costa Rica 3,8 ( 1,2 milhões) !
utilização (quantitativa ou qualitativa ) dos recursos educa- !
Paraguai 3,3 ( 1,8 milhões)
cionais mobilizáveis institucionalmente. Terceiro, na dispo- Guatemala 3,0 ( 3,8 milhões)
sição latente de incluir a educação escolarizada'na área mais EI Salvador 2,4 ( 2,5 milhões)
frágil dos “cortes orçamentários” e da compressã o dos “ gastos
públicos”. Em consequência, decisões de profundo teor anti- Honduras 1,5 ( 1,9 milhões) !
Nicarágua 1,3 ( 1.5 milhões) ;
social repetem-se constantemente, como o demonstram os Haiti •
0,9 ( 3,5 milhões )
i

vaivéns da história educacional da I República, do Estado


Novo e, principalmente, da ditadura militar instaurada em 14 “MEC recebe menos”, O Estado de São Paulo, 24/ XII / 1967 ( folha 8 ). . 1f
-
1964. No que diz respeito ao ensino superior, aliás, as ocor- Centro Latino-Americano de Pesquisa em Ciências Sociais
15

( UNESCO ) , Situação Social da Am érica Latina, Rio de Janeiro, 1965 .
rências recentes fornecem uma ilustração típica. As uni- í: * Os dados enumerados entre parênteses sãO fornecidos pela mesma ”

versidades federais receberam cortes que reduziram seus


'

fonte, Situação Social da América Latina ( cf . quadro 18, p. 104 ). !írl


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52 53
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i I .
1
2) % da Populaçã o em Idade Escolar Matriculada
no Ensino Superior (I960) *
Argentina
A Escola Superior
— Problema e a sua Transformação

m ;í J'í 10, 0 O balan ço realizado acima, apesar de suas limitações,


Uruguai 7,6 oferece uma visão panor âmica das dificuldades quantitati-
Chile 4,5 vas existentes no ensino superior. No entanto, os problemas
!í v - Panamá 4,5 mais graves que ele apresenta sã,o de natureza qualitativa.
Venezuela 4,3 A nossa escola superior converteu-se no que se poderia cha-
11!l Costa Rica
CUba
3,7
3,2
mar, com muita propriedade, de “ escola -problema” Nas .
th Ciências Sociais, aplica-se essa noção a instituições que,
ir ? México 3,0 organizadas para atingir certos fins e dar determinado ren- i
Peru . . : 2, 8 dimento, não fazem nem uma coisa nem outra, deixando
1

í
i. Equador 2,5 de preencher satisfatoriamente as funções psicossociais ou
: I Paraguai 2,3 socioculturais que justificam a sua existência. Quando isso
l! í Colômbia 1, 8 ocorre, as deficiências constatadas nunca se produzem como
Republica Dominicana 1,8 simples efeitos da “ estrutura interna” das instituições. Com
BRASIL 1, 6 frequ ência, o meio social ambiente concorre definidamente
f Bolívia 1,3 para criar, manter e agravar as deficiências. fSe são as insti-
EI Salvador 1, 1 tuições que formam a sociedade, como queria Durkheim, não
Nicar água 1,0 é menos certo que as sociedades regulam os dinamismos estru- .
Honduras 0,9 turais e históricos das instituições. A sociedade brasileira, des-
Guatemala 0, 8 de o aparecimento das primeiras escolas superiores, privou-as i
Haiti 0,3 de condições e valores essenciais para a sua organiza ção, fun-
AMÉRICA LATINA 3,0 cionamento e crescimento normais. Os modelos institucionais
'

!; Se dividíssemos os países da América Latina em dois gran- importados foram submetidos a um permanente processo de
des grupos, tendo em conta os que atingiram e os que nã o
^ — **
atingiram a m édia de matrícula da região, em 1960, o Brasil
eros ã o, de esvaziamento e de utilização unilateral, que acabou
produzindo um tipo de escola superior ultra-deficiente e irre-
\ ficaria no segundo grupo ( cuja porcentagem média de ma
-
trícula seria de 1,5 % ) , junto com Peru , Equador, Paraguai,
cuperá veU Pondo de lado os aspectos genéticos desse fenô-
meno, que não interessam à presente análise, vamos arrolar
Colômbia, República Dominicana , Bolívia, EI Salvador, Ni
carágua, Honduras, Guatemala e Haiti. Esse grupo, só para - as principais inconsistências estruturais ou dinâmicas da típi-
ca “escola superior brasileira”;
romper o estado de estagnação relativa disfar çada, quanto i
Existe, naturalmente, uma limitação estrutural, ou seja ,
ao crescimento da matrícula geral no ensino superior, de
veria apresentar um aumento médio da matrícula da ordem
- uma limitaçã o que é padronizada e geral, que aparece em
i
i

de 100 % (esse aumento médio foi, na realidade, de 1950 a todas as escolas superiores brasileiras. Isso nós obriga a falar
-
!'

1960, da ordem de 37 % para tais países ) . Para atingirem de algo muito complexo para esta discussão: trata se do pa- '

o nível de crescimento da matrícula, revelado pelo outro drão braileiro de escola superior. Embora nã o possamos ex- I.

grupo, alcançando as tendências médias da região, esse grupo plicá r como surgiu esse padr ão, temos de indicar as suas con
sequências. A escola superior brasileira constituiu-se como
-
de países deveria apresentar um aumento médio da matrícula
da ordem de 240 % . O Brasil, em particular, apenas para uma escola de elites culturais ralas e que apenas podiam (ou !

igualar a média da região, deveria triplicar seu esforço edu- sentiam necessidade social de) explorar o ensino superior em
cacional na esfera de ensino superior, de modo a lograr pelo direções muito limitadas. Como a massa de conhecimentos
menos um aumento médio da matrícula geral da ordem procedia do exterior e a sociedade só valorizava a formação de
de 210 % aproximadamente. profissionais liberais, a escola superior tornou-se uma escola
de elites, de ensino magistral e unifuncional : cabia-lhe ser
* Idem, p. 165. uma escola de transmissão dogmática de conhecimentos nas
54
55

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sn A
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m criadora e inovadora, seja no plano da dinâmica cultural,
mif. :U áreas do saber t écnico-profissional, valorizadas económica, so-
ciai e culturalmente pelos extratos dominantes de uma socie- seja no plano dos contatos das gerações. Segundo, por condu- !:
dade de castas e estamental. De um lado, ela se converteu zirem a critérios unilaterais, deformados e provincianos de i!
no que os sociólogos chamam de “escola especializada ”. De avaliação do ensino superior. A escola superior se valorizava
• •

outro, ela se tornou uma miniatura da sociedade global: uma. através de atributos externos à sua atividade ou contribuição
If. escola altamente hierarquizada, rígida e exclusivista, que fundamental, pela dignidade social do ‘'bacharel” e pelo ca-
I '

transformava o saber em símbolo de dist ância social, a ativi- rá ter conspícuo do saber . Por conseguinte, o ensino em si
í: «:> mesmo ficava em terrível penumbra , aparecendo no centro do
dl i dade educacional em fonte de poder e os professores em agen-
tes pessoais do controle gerontocrático das gerações novas. palco o que a sociedade conseguia fazer, através de suas elites
Por si e em si mesma, a escola superior comunicava-se muito económicas, políticas e culturais, de seus “letrados” e de seus
pouco com a sociedade condicionante. Encerrava-se sobre si .
“ notáveis” Terceiro, ainda que a especialização técnico-pro-
própria, para perseguir os fins que ditavam a sua existência: fissional possuísse o seu eixo de gravitação criadora, este nã o i

a transmissão dogmática de conhecimentos e a formação de estava centrado na escola superior e só a dinamizava superfi-
!;•
certos tipos de letrados, que se poderiam metamorfosear, pela cialmente, gra ças à influ ência ocasional de um ou outro pro-
suplementação da escolarização através de práticas rotineiras, fessor, tocado de genialidade ou daquela “ chama interior ” dos
r 4' em políticos, burocratas, homens de negócios ou profissionais grandes mestres. O esforço de imaginação produtiva e de
\
liberais. Nesse sentido, além de especializada , a escola supe- pensamento inventivo desenrolava-se ao nível prático, graças
rior também era uma instituição “ auto-suficiente” ( ou “au- às oportunidades e aos complexos incentivos da política, da
.
tá rquica ” ) e “isolada” ( porque não extraía, para o seu fun- administração pública ou privada e das profissões liberais.
A escola superior nem sequer servia de elo entre dois planos
"i
cionamento, crescimento e aperfeiçoamento, estímulos de
de ocupação e de realização intelectual. Ficava quase com-
!; controles ou de impulsões externos) . O lado curioso é que
pletamente à margem, como e enquanto instituição educacio-

? uma sociedade nacional em emergência e em expansão tumul- nal e cultural, dos processos de consciência social, de invenção
tuosa engendrara uma escola superior precocemente senil, e de mudança sociocultural. Ela se cruzava com tudo o que
predominantemente divorciada do fluxo histórico e relativa-
mente estagnada. O lado dramático é que esse modelo de era importante, nesses planos, mas dè forma marginal: pela ;
inquietação da “ juventude acad êmica ” ou pelas vinculações
escola superior se impôs como um valor cultural e como ideal
, educacional, condicionando e orientando tanto a formação do extradocentes de seus professores mais ilustres.
ensino superior brasileiro quanto a sua difus ão e generali- Esse padrão de escola superior provocava consequências
zâÇâo. negativas que sempre foram percebidas, pelo menos pelos espí-
Pode-se falar, portanto, em um “padrão brasileiro de esco- ritos críticos mais lúcidos. No entanto, ele não brotava exclu-
I la superior ”. Ele se manifesta em todos os ramos do ensino sivamente da “dinâmica interna ” das escolas. O principal
superior e anima, por igual, a “rede oficial” e a ‘ rede priva- fator de sua existência e inflexibilidade era a própria estrutu-

da ” de ensino superior. Por isso, uma análise rigorosa de- ra da sociedade brasileira, que convertia o esfor ço educacional,
monstra que as diferenças entre ^escolas” de diversos ramos desenvolvido aos níveis do ensino secundário e superior, em jtj

:

ou entre as “escolas públicas ” e as “ escolas privadas” sao irre- subprocesso cultural da monopolização do poder pelos setores
levantes. Elas tendem para o mesmo padrão, que tem vigên- privilegiados das classes posuidoras. A escola superior era,
pois, uma prisioneira de suas fun ções societárias, o que a impe-
cia universal e produz, em toda parte, os mesmos efeitos estru -
I . turais e dinâmicos — a escola superior especializada, isolada
e autá rquica. Em termos puramente educacionais e intelec-
dia de transformar-se profundamente, a partir de influências
inovadoras internas ou externas. Alterações profundas só po-
tuais, tais, por
efeitos possu íam teor negativo por diferentes razões.
deriam emergir e fortalecer-se através de mudanças estrutu
rais da sociedade, que acarretassem efeitos persistentes na
-
fPrimeiro alimentarem um processo educacional dogmá- democratiza ção do poder, do prestígio social e da renda. Por
tico, magistral e improdutivo. Voltado para a transmissão do
conjunto de conhecimentos e de técnicas absorvido do exte- isso, a implantaçã o da República só ocasionou, de imediato,
rior, raramente incluía as relações pedagógicas numa esfera tend ências do incremento do n úmero de privilegiados, envoi-
k -
56 57

2)
I
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ktifi
1'

vidos na formação e na circulação das elites das “classes pos-


i
titucional. O meio cultural exercia, por sua vez, influências
i

suidoras” dominantes. Só a largo prazo e, especialmente, ape- tipicamente depressivas e inibidoras. A “tradiçã o educacio-
nas depois dá Revolução de 30, é que se esboçaram novas ten- nal e cultural” das elites no poder e das classes sociais
!'• . dências, que liberaram, de modo parcial, a escola superior de I dominantes não ia além do apreço pelo tipo de escola su-
l suas antigas e estreitas funções societárias. É
perior que se constituíra no País e que era encarada, em
I
rr
- si mesma , como um símbolo de “civilidade” e de progresso
il Graças a essa circunstâ ncia, o padr ão brasileiro de escola social. Empenhadas na monopolizaçã o do poder, essas clas-


superior pressupõe um ingrediente externo, especificamente ; •

ses e as suas elites apegavam-se a orientações ultraconser-


*1 político, mas que é essencial a natureza de sua relação com
í:
vantistas, que exaltavam provincianamente as duas funções
'

• *

o sistema de poder de uma sociedade de estrutura oligárquica. t:


realizadas do ensino superior , e bloqueavam a percepção
As “causas próximas” das inconsist ências e deficiências cró- li ;
social do que se precisava fazer para dotar a sociedade bra-
w
nicas da escola superior brasileira constituem meras funções . sileira de universidades autênticas. Em consequ ência, os
dessa conexão, ao mesmo tempo estrutural e dinâmica. A es-
I'

efeitos negativos da especialização, isolamento e incapaci-


!:

cola superior nunca chegou a contar com recursos materiais


e humanos adequados, porque ela era vista à luz do uso
S
l- : dade de autoerescimento agravavam-se seriamente, tornan -
I
F;
do-se a escola superior uma instituição condenada ao estio-
que a sociedade fazia dos seus graduados e dela pró pria. lamento e à apatia relativa. As “exigências da situação”
; Os recursos materiais e humanos, colocados à sua disposi- ;• definiam-se em patamares pouco estimulantes, já que as
ção, implicavam dois tipos de efeitos sociopáticos. De um referidas funções societárias da escola superior permitiam
u! 1
lado, ela não possuía condições para gerar o seu cresci- -
:
[:
avaliações exageradamente otimistas das relações entre pro

L.
mento como um processo institucional propriamente dito. :
cura, organização do ensino e necessidades educacionais, com
Converteu-se em uma instituição carente de autopropulsão i,
I
a negligência ou a adulteração sistemáticas dos baixíssimos
i-

V e incapaz de resguardar os seus dinamismos educacionais ou níveis de rendimento alcançados. Estabelecia-se, no conjun-
i
> culturais. De outro, a essa deficiência corresponde uma in- to, uma espécie de ponto morto de equilíbrio, que imprimiu
consistência institucional típica. As condições de carência
1 r
L t. ao padrão brasileiro de escola superior um profundo car áter
favoreceram o atrofiamento das duas funções específicas, £ sociopático. Ele se justificava em termos da “ razão ”, do
9
exercidas de fato ( transmissão dogmática de conhecimentos e 6 “progresso” e da “alta cultura”. Mas não trabalhava nessa
N* 1

preparação de profissionais liberais) , e impediram a aqui- L>


direção, porque aderia, estrutural e funcionalmente, à con-
íi
\\ r
siçã o das duas funções específicas que não se atualizaram •V

: cepção conservadora do mundo e às suas implicações edu-


( produção de conhecimento original, principalmente através £ cacionais, culturais e políticas.
da expansão da pesquisa, e formação de um horizonte inte- ;

lectual crítico, dirigido para a análise da sociedade brasi- Os antropólogos, os psicólogos sociais e os sociólogos
descobriram, por caminhos diferentes, que, quando a dete-
r

leira, da situação da civilização ocidental moderna e das


I !

grandes opções históricas com que se defronta a humanidade rioraçã o das instituições atinge as propor ções indicadas, a
em nossa época ) . Essa inconsistência , bem ponderadas as 5
!: patologia adquire o significado de normalidade. Em suma 7

coisas, significa ausência de uma mentalidade universitária sy;: a “má escola” é que governa os dinamismos educacionais;
adequada à concepção do mundo na era da ciência, da tec- ela é que “opera”, “ cresce” e “ orienta” tanto as realizações
nologia científica e do planejamento em escala social. Por-
tanto, a outra face da escassez de recursos materiais e hu-
>
quanto as aspirações humanas, fos homens são levados,
inconscientemente, a defender decisões e a lutar por solu -
manos apropriados vem a ser a inexistência de um hori- ções que concorrem para alimentar processos sociopáticos
zonte intelectual suscetível de alimentar e de fortalecer, a de desenvolvimento institucional. Isso sucedeu no Brasil,
partir de dentro da escola superior e de sua herança edu- com referência a escolas de todos os níveis do ensino; mas i

sucedeu de forma particularmente intensa e nociva na es-


r
;• :<
cacional, um processo de diferenciação e de autoerescimento K
capaz de promover a transição espontânea da escola superior fera do ensino superior ? Não se pode, sequer, dizer que “não
para a universidade integrada e multifuncional. A inércia ii;
r ^
houve tempo” para corrigir a “ escola superior-problema ”.
cultural, porém, nao atuava apenas segundo uma linha ins- Não se constituiu historicamente, em escala psicossocial e 3:
.
V
•;

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. ;‘ 58 59
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1

A
'pSIg'VY.:; ^

!

4'
I
1'
sociocultural, qualquer tentativa de recuperação e de reor- t geiros de altíssimo nível, apesar dos esfor ços incansáveis dos
ganização dessa instituição-chave. Ao contrá rio, às mani
festações individuais de insatisfação sempre responderam
- >

seus jovens professores brasileiros (empenhados em impedir
sua degradação progressiva e em aproveitar o imenso salto
poderosas pressões societárias, que resguardavam com efi
cácia as anomalias desse componente da ordem social exis-
- realizado) e apesar do elevado ponto de partida garantido
graças à colaboração estrangeira, ela não conseguiu escapar
:

i
tente. Mesmo no momento em que parecia que a “crise da y
nem à tirania do meio ambiente nem à submissão desas-
escola superior ” seria uma realidade hist órica inexorável, trosa a um padrão de integração estrutural arcaico.
por volta de 1932 em diante, ela é que sai vitoriosa do em-
bate com a “idéia de universidade ”. Não só as experiências Essas reflexões são deveras importantes. Elas nos in-
feitas em São Paulo (fundação da Universidade de São Paulo) dicam que uma sociedade não se liberta facilmente de seu
e no Rio de Janeiro ( criação da Universidade do Distrito Fe- passado. Para que este deixe de ser “ realidade” e passe
deral) deixaram campo aberto para o florescimento ulterior E a constituir uma mera “sobrevivência” (ou uma simples
da escola superior, que retirou novos alentos e novas pers- “relíquia de museu” ) é necessário que a própria ordem
r
i pectivas de revitalização no seio das universidades conglome-
ir
I social se altere estruturalmente, modificando as funções so-
radas. A sociedade global e seus representantes dentro do cietárias das instituições-chaves e as relações sociais dos
i
pessoal docente travaram e ganharam a primeira grande homens com a cultura. No per íodo compreendido entre a iH

batalha, em sua defesa. Daí resultaram duas consequências -J década de 30 e o início da década de 60, o n úmero de esta-
ii
i

relevantes. Primeiro, a “id éia de universidade” foi, de fato, belecimentos de ensino superior aumentou mais de cinco
adulterada. O que se chamou de “ universidade” não tinha
>;
f; vezes. Se a esse processo correspondessem alterações qua-


J
substância pr ópria, nem ao nível estrutural-funcional, nem í litativas concomitantes, teriam ocorrido duas revoluções pa-
ao nível histórico. Era uma mera conglomeração de escolas ralelas uma, no padrão de integração da escola superior
superiores e um recurso para preserv á-las, fortalecê-las e di- ou da universidade conglomerada ; outra, nas funções de am- !

fundi-las, com suas magras virtudes e com seus incontáveis bas no contexto da sociedade global. Não obstante, as alte-
t- defeitos. Segundo, as experiências inovadoras exacerbaram as

ra ções qualitativas ocorridas foram t ão superficiais que esse
'1
reações conservantistas, conduzindo-as a formas de resistência foi o período do reinado da “ escola superior isolada ” e da
à mudança ultra-sopiopáticas. No caso da UDF, a própria ins- fe
“ universidade conglomerada”. As correntes de opinião in-
!
tituição acabou soçobrando prematuramente; no caso da satisfeitas, entre alunos e professores, desencadeavam as
;(
f USP, esvaziou-se o foco de inovação intensa e contínua , re- L primeiras manifestaçõ es verdadeiramente relevantes e con- :!

tirando-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras a sistentes da reforma universitá ria. No bojo desse movimento,
•!

' i i
í
surgiu a Universidade de Brasilia, uma universidade dife-
'

missão di ministrar o ensino básico para os alunos de todas


as escolas. A conglomeração revelou-se, então, em toda a i: renciada, multifuncional e atuante. Todavia, ela mesma,
apesar de tudo, teve de pactuar com o passado. Conferiu
!í sua plenitude, como uma inovação frustrada e que apenas i
a
:

servia de expediente para a revitalização e o engrandeci- i uma posição estrutural de relevo às escolas profissionais; e
i
mento das todo-poderosas “antigas escolas superiores ”. Estas c desenvolveu uma ampla composição estratégica, -de conse-
quências funcionais, com as representações, os valores e
.

\y
converteram os novos mecanismos de poder, como o Conselho
Universitário e a Reitoria, em estruturas de barganha, de certos expoentes humanos do antigo ensino superior pré- !

universitário. Os acontecimentos subsequentes, com às su-


i.
ressonância e de amplificação de seus pequenos ou grandes
interesses. Aos poucos, a pr ópria Faculdade de Filosofia, cessivas invasões e as tentativas de desmantelamento da
H Ciências e Letras, largada a suas funções especializadas, UB, evidenciam o quanto essa evolução transcendia ao ho-
acabou sendo parcialmente condicionada pelos requisitos es- rizonte intelectual médio e ao grau de amadurecimento

i
í I

i
truturais e dinâmicos do padrão brasileiro de escola superior.
>

político das elites no poder ( e, portanto, das classes sociais i

3 Ela mesma uma universidade em miniatura , converteu-se que elas representavam ou representam) . /A contra-revolu-
i

$*
-
numa típica “escola superior problema ” atacada de gigan-
tismo. Apesar da colaboração maciça de professores estran-
I
çã o, em 1964, elevou-se ao poder com duas ambições. Pri-
meiro, destruir o processo em curso, que fazia da “crise
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60 61 '1

li '
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i
í

da escola superior ” uma “crise do controle conservador da sado. Mas conquistava uma posiçã o que Uie permitia dirigir
universidade. Segundo, equacionar a “solu ção conservado
” a “ reforma universitá ria” de acordo com os interesses, as
ra” da . reforma universitá ria, canalizando as alterações qua
- conveniências e os valores da atual situação conservadora.
litativas inevitáveis em um sentido aparente puramente t écni
- No ápice da crise, portanto, as antigas tradições da escola
co, mas, de fato, dominado pelo af ã de criar novos mecanismos
- superior n ão iriam morrer: sob o controle conservador da
de tutelagem conservadora do ensino superior e do tipo “reforma universitária”, elas renasceriam das cinzas e em-
emergente de universidade. polgariam, na era da universidade, o domínio dos espíritos.
;
t
Dentro desse vasto quadro, a defesa do antigo padrão Esse é o sentido da “ reforma no papel”, desencadeada
de escola superior foi feita em dois n íveis. De um lado, a pelo Governo Castelo Branco. Através dos decretos-leis nú-
“ má escola ” gera os fatores humanos pelos quais ela se per-, meros 53 ( de 18/XI /1966) e 252 ( de 28/11/67) imprimiu-se
. petua. Os professores catedrá ticos, com frequência apoiados nova organização ao ensino superior , criando-se novas Uni-
em seus colaboradores e secundados por uma burocracia de- dades integrativas ( os departamentos e os institutos) , maior
pendente e omissa, praticamente lideraram a contra-ofensiva plasticidade no funcionamento da universidade, como um
conservadora. O que defendiam não era nem a “alta qua- todo, e um novo patamar de avaliação e de realização de
lidade do ensino superior ” nem a “ universidade livre”, como professores, alunos e funcionários. ,'Como o objetivo da “ re-
foi apregoado; era o bastião dos interesses profissionais, que forma universitária ” n ão era resolver a “crise da escola
se via ameaçado, expondo o pessoal docente a ter de esco- superior ”, mas garantir controle da situação pelo compor-
lher entre “ carreira universitá ria” e “ carreiras de profis-
tamento político conservador, as inovaçõ es não operaram,
ri diretamente, ao nível de mobilização, organização e utiliza-
sionais liberais ”. O fim da era da escola superior parecia ção dos fatores educacionais. Foi um impacto de cima para
trazer, com a construção de uma verdadeira universidade,
o fim do desperd ício de fatores educacionais escassos e, igual-
baixo, que passou a ser obedecido pro forma e que tende a . !
ser neutralizado pela persistência de condições pré-existentes.
>

i
mente, o fim do professor que acumulava vá rias ocupações,
todas mais importantes e melhor remuneradas que a ativi-
As vantagens obtidas são propriamente políticas e transitó -
rias. (Facilitou-se a contaminação da. universidade nova,
dade docente. Sob este aspecto, a última batalha pelo padr ã o agora mais do que nunca sujeita às influências das mani-
brasileiro de escola ,superior nã o foi travada em defesa dessa pula ções conservantistas, procedentes do interior ou do ex-
escola, que não contava muito em si e por si mesma. < f&7

terior da vida universitária. E complicou-se sobremaneira


batalha se deu por interesses dissimulados e pela preser-
vação da onipot ência dos profissionais liberais, que teima-
' o processo de reconstrução da universidade brasileira, j O
expurgo de atitudes destrutivas, técnicas pedagógicas obso-
'
sI
vam em não se transformar em autênticos universitá rios. letas e alvos individualistas ou particularistas egoístieos \
De outro lado, a reaçã o conservadora mudou rapidamente tornou-se muito mais dif ícil. Ó Governo conseguiu moder-
de tática e de orienta ção. Em uma primeira fase, ela ab- nizar pela superf ície. No fundo, porém, as inovações du-
sorveu os interesses, a ansiedade e as frustrações dos pro- radouras são de pequeno alcance e não satisfazem a nin- 1
'

fessores catedráticos, lançando a repressão policial e a vio- guém. O avanço obtido é insuficiente, em vista das neces-
lência na defesa de suas posições. Em seguida , porém, ela sidades educacionais do novo tipo de integração económica,
percebeu que se precipitara e que a extinção do antigo pa- que o. capitalismo monopolista impõe à América Latina. A
dr ão de escola superior não ameaçava o status quo. Sob a modernização pressuposta pelos organismos supranacionais
press ã o constante de tend ências modemizadoras, que par- ou nacionais, criados pelos Estados Unidos e pelos organis-
% tiam do interior do País, dos Estados Unidos e de organis- mos internacionais, envolvia um progresso técnico muito
í
i
mos económicos, educacionais ou culturais internacionais, mais amplo, profundo e radical. Embora as consequências '!
• (

e sob o desafio crescente da rebelião estudantil, a reação políticas desse progresso técnico, no plano das relações in- }í

conservadora preferiu tomar a liderança política da “refor - ternacionais, sejam indesejáveis e inaceitáveis, a verdade é
ma universitária”. Ao proceder desse modo, rompia, natu- que a reação conservadora não possu ía condições para ab- í

.1: '!
;
f
ralmente, com o padr ão de escola superior, herdado do pas- sorvê-lo e colocá-lo em prática. O referido avanço, doutro
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lado, parece irrisório quando se tomam em consideração os interesses antagónicos, que se destroem mutuamente e im-
interesses da sociedade brasileira como um todo, a curto e pedem qualquer espécie de atuação política efetivamente
a longo prazos. Consumada como mero expediente de neu- í1
i produtiva e construtiva, it
traliza ção política de tensões internas, a “ reforma univer-
.!
A partir de conclusões dessa natureza, parece claro que
sitária” do Governo Castelo Branco não atende a nenhuma
espécie de anseios sociais de- mudança educacional. Desde a superação do impasse tem de brotar de um processo in -
terno de transformação da escola superior e da universidade
r


logo, nã o atende às reivindica ções do movimento estudantil
conglomerada . Elas precisam deixar de ser escolas-proble-
— e, portanto, não silencia a “rebelião dos jovens ” e não
satisfaz às aspira ções de professores, cientistas, técnicos, mas e universidades-problemas. Para que isso ocorra, elas
educadores e leigos radicais, que pretendiam uma univer-
terão de passar por uma complexa evolução, que destrua o
-
:

sidade à altura das exigências educacionais da civilização t antigo padr ão da escola superior tradicional e crie, simul !:
taneamente, o novo padrão da universidade integrada e
: 1

i baseada na ciência e na tecnologia científica (e não um multifuncional. Esse processo mal está começando e não se
.
?
novo ritual universitário) Mas, em outros níveis, deixa de pode dizer que ele esteja sendo devidamente entendido pelos
i
corresponder às expectativas dos círculos empresariais, dos leigos das diversas classes sociais, pelo Governo e, mesmo,
homens de ação que lidam com os problemas humanos do
ti'

pela maioria dos professores e dos educadores. Não obstante,


I
crescimento económico dependente e não possuem meios
-
para resolvê los, pelo baixo patamar do ensino superior tra-
f:
ele se desencadeou com ímpeto tão forte que, aparente
mente, nada o deterá. As interferências da reação conser
--
-V
dicional e por seu rendimento ínfimo. Em graus muito va-
riáveis, em todos esses círculos o que importava n ão eram !;•:
vadora — mesmo as que se objetivaram através de medidas
legais ou políticas e da repressão policial-militar — são
as formalidades externas do ritual universitário. Porém , a são úteis Elas est ã o ser-
. ó e fundamentalmente
í:
1

transit rias .
capacidade efetiva de se constituir certos tipos de univer
sidade, capazes de mobilizar os recursos educacionais do am-
- .

vindo para sublimar , condensar e homogeneizar as aspira-


ções ineonformistas dos círculos inovadores, dando-lhes o
; * i

I
biente, explorá-los com um mínimo de eficácia e de espírito ,

caráter e o sentido de um movimento social orientado


criador, ligá-los às tendências de crescimento económico ou í politicamente.
5
i
f ,r
de desenvolvimento sociocultural da sociedade brasileira.
Encarado nesses termos, o movimento pela “ reforma
.

~>í
y\

-
Como expectativa universal, todos os círculos sociais men-
cionados querem universidades que concorram para diminuir
universitá ria” é, nos meios estudantis e nos círculos sociais
if

ou para eliminar a dependência cultural extrema, em re- radicais, um processo de reconstrução social. Na medida em
que ele se propõe criar uma nova universidade, ele pretende
lação ao exterior, em que nos achamos. A essa expectativa superar a escola-problema ou a universidade-problema pela
i:

junta-se a exigência específica dos jovens e dos professores,


alteração de todas as estruturas do ensino superior, herdadas
.
!
I
educadores e intelectuais radicais, em prol da democratiza- do passado remoto ou recente
ção interna da universidade. Para eles, reforma universitária - i
As alterações que se tornam necessá rias e urgentes apa-
I
V !í-
! é indissociável da destruição da monopolizaçã o do poder pelos r
recem em três níveis institucionais distintos. É claro que
1t
j
estratos conservadores das classes altas e médias. Por isso,
quando falam ou lutam pela reforma universitária não que-

as estruturas de poder, que regulavam a organização do an - f


tigo sistema de direção e de administração, precisam ser
.
Í:

li brem apenas “ reorganizar ” formalmente o ensino superior.


| Visam construir uma universidade totalmente nova — edu-
totalmente remodeladas. A escola superior tradicional abran
gia um corpo docente restrito e poucos estudantes. Nesse
- I

-
*SI
cacionalmente criadora, intelectualmente crítica e socialmen- s.
tipo de estrutura, o poder podia concentrar se nas mãos dos
te atuante, aberta ao povo e capaz de exprimir politica-
N
professores sem graves inconvenientes: eles davam conta,
á I: I
: mente os seus anseios mais profundos. Posta diante desses
' três níveis hist óricos de aspirações e de expectativas educa- facilmente, doff encargos didáticos e da alta administração
1
e direção das escolas. Com o rápido aumento do corpo dis-
cionais, a “ reforma universitária” do Governo Castelo Branco i
cente e seus reflexos na composição do corpo docente, na
í
não contenta a ninguém. Põe em evidência que a incapaci- complicaçã o da organizaçã o das instituições escolares e na ]!

dade das solu ções conservadoras advém da conciliação de intensidade de seu funcionamento, impõe-se promover uma
,
:

i
l!
I

í
64 i 65
i
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j
i
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S
1
i
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J

diferenciação funcional na distribuiçã o das responsabilida- tido inverso do que se fez no passado. De uma “ escola su-
i I: des e aplicar normas democráticas de ordena ção do poder. perior ” indiferente à pesquisa criadora, passa-se a uma uni-
Isso envolve o fim do despotismo dos catedráticos, mas tam- versidade vitalmente empenhada em múltiplos tipos de pes-
bém representa o início de uma nova era de racionalização quisa criadora. De uma “ escola superior ” que apenas re- I

administrativa, que permitirá estabelecer melhores critérios gulava o grau e os avanços da dependência cultural, evolui-
de mobiliza ção e de utilização de fatores educacionais do se para uma universidade que procura na pesquisa criadora
ambiente. um meio de autonomização intelectual crescente e de ace- ;;
De outro lado, as exigências educacionais da sociedade leração do desenvolvimento cultural. Em suma, salta-se de
diferenciaram-se e complicaram-se de tal modo que se torna uma “ escola superior ” que forjava símbolos compensat órios,
impossível e indesejável manter o antigo padrão brasileiro que valorizavam positivamente o “ progresso cultural” ine-
de ensino superior . Ele previa, como “ produto final”, uma rente ao estado de atraso e de depend ência culturais, para
espécie de letrado dificilmente aproveitável pela civilização uma universidade que se preocupa em aproveitar racional-
urbano-industrial moderna. Esta requer não só formas bem mente os recursos materiais e humanos disponíveis, cons-
definidas de preparação do “pessoal de nível superior”, mas truindo sobre eles e através deles um futuro de indepen-
necessita de grandes massas de graduados. Além disso, como d ência cultural relativa.
o crescimento dessa civilização depende da capacidade de Portanto, a superação da “escola superior tradicional” ?

produ çã o e de utilizaçã o de conhecimentos cient íficos e tec- e da “ universidade conglomerada ” não poderá realizar-se i
nológicos de alto n ível, ela requer uma fase especial do como um processo educacional de crescimento gradual. A i
ensino superior, exclusivamente voltada para o aproveita- universidade-problema terá de ser destruída, para que, de i
|
mento e a formação de pessoal científico ou técnico de seus escombros, surja uma realidade nova. O compromisso
elevada capacidade criadora. Em consequência, a antiga com o passado, nesse nível, acarretará o solapamento ou a
•I
estrutura do ensino superior tornou-se pura e simplesmente deterioração fatais da universidade integrada e multifuncio-
caduca e inútil. Deve ser substituída por outra, que per- nal emergente. Ela tem de exprimir novas concepções edu-
mita encaminhar frutiferamente esse desdobramento do en- cacionais, uma nova mentalidade intelectual e uma nova
sino superior e vinculá-lo às novas necessidades educacio- compreensão das relações da universidade com a sociedade ;
1 nais, culturais e prá ticas da vida moderna. Um ensino gra- brasileira. Ela traz em seu bojo uma educação voltada para
i
duado de massa, mas capaz de conjugar educação geral a vida humana nos marcos da civilização baseada na ciência \
com preparação especial, e um ensino pós-graduado adap- e na tecnologia científica ; uma inteligência inquieta , ativa }.
tado ao florescimento do pensamento inventivo da era da e responsável; bem como um impulso irredutível à demo-
ciência e da tecnologia científica, requerem uma universi- cratiza ção de si mesma, da cultura e da sociedade. Se ela
dade nova, ao mesmo tempo integrativa, dinâ mica e pluri- transigir e se comprometer com a escola superior-problema
dimensionada. ou com a universidade-problema , ela pr ópria se negará e i '
Por fim, apesar do subdesenvolvimento, o Brasil pene- se arruinará. Em vez de ser um elo entre o presente e o
trou na “idade da ciência e da tecnologia avançada”. Não futuro, uma tentativa arrojada de conquista de autonomia [
podemos manter o hiato anterior entre escola superior ou de pensamento e de liberdade no desenvolvimento, tornar-se-á
universidade e pesquisa inovadora. Esta precisa ser assimi - precocemente obsoleta e impotente para atingir seu des-
lada de maneira suficientemente intensa para permitir : l. ) tino. Negaria as esperan ças das multidões de jovens e os
a superação dos atrasos acumulados graças à passividade ° sonhos dos pugilos de intelectuais que lutam pela reforma
e à inércia culturais da escola superior tradicional; 2.°) a universitária com o fito de construir uma universidade livre
forma ção de um patamar de pesquisa criadora, ao nível da numa sociedade livre.
ciência, da tecnologia avançada e de outros ramos do saber,
capaz de engendrar processos culturais relativamente autó- i
nomos de dinamização da civilização moderna na sociedade •i
brasileira. Com isso, as exigências da situaçã o vão em sen-
!i

66 67
í!
L.

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CAPÍTULO 3 .
=:
1

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I
ESCOLA SUPERIOR OU UNIVERSIDADE? * rS :
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As Dimensões do Problema t
S
ti • ;i
O ensino superior sofreu intensa expansão quantitativa,
concentrada nos últimos quarenta anos. Duas indicações I
sã o suficientes para ressaltar o caráter do fenômeno . Pri- í
i

meiro, mais de 81 % dos estabelecimentos de ensino supe-


l
' Í!

rior, existentes no País em 1960, foram criados entre 1930


í

í e 1960. Segundo, a matricula geral aumentou, num período P

:
de trinta anos, quase seis vezes, passando de 27.501, em 1935,
;! i
’>
i

para 155.781, em 1965.
V
A década de 50 aparece como a fase de aceleração desse í

processo de crescimento quantitativo. Nela se fundaram


..
nada menos de 43 % dos estabelecimentos de ensino supe- I
:

L rior, existentes em 1960; e se deu, paralelamente, um au- íi


f
-í í|

u
II
* Versão escrita condensada do depoimento sobre a situaçã o do ensino
superior, feito na Comissão de Inquérito Parlamentar sobre o Ensino
Superior, da Câmara dos Deputados, a convite dO' Deputado Evaldo de
BI Almeida Pinto, presidente daquela comissão ( Brasília, 30/5/1968 ). Pu-
blicada na íntegra, sob o título “A Reforma Universitá ria é uma Revo- i
: lução Cultural”, pela Folha de São Paulo (S. Paulo, 23/ 6 / 68 e 30 /6 / 68 )
K e como Boletim N. 5 da série “Documentos” do Centro Acadêmico
°
Visconde de Cairú da Faculdade de Ciências Económicas e Administra-
tivas da Universidade de São Paulo ( S. Paulo, 1968 ).
O esquema expositivo foi aproveitado, com algumas altera ções, nas
seguintes palestras ou confer ências: “ Problemas Técnicos e Políticos
da Reforma Universit á ria ”, pronunciada no audit ório da Universidade
|
: de Brasília, a convite e por patrocínio dos estudantes, e sob a iniciativa
2 da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília ( 31/ 5/1968 ) ;
“Universidade: Reforma ou Revoluçã o?”, no audit ório do Clube dos
300, de Catanduva, sob- os auspícios do Centro de Estudos Pedagógicos
“ Florestan Fernandes’, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
!
Catanduva ( 15/ 6 / 68 ), “ Os Dilemas do Ensino Superior Brasileiro’ , 7

proferida no auditório do Diretório de Estudantes da Universidade


Federal de Goiás, sob o patrocínio de professores, estudantes univer-
1

sitários e estudantes secundaristas de Goiânia ( 28/ 6 / 68 ).


'
1

69 i

J
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li

mento substancial das matr


ículas (37.584, em 1950, são Essa afirmação não deve ser entendida como um “ juízo
/ ,i ] 87.603, em 1959 ; o que significa que se elevaram mais de de valor ”, mascomo um objetivo “ juízo de realidade”. Uma
duas vezes nessa década ) .
í

I constatação que nasce da verdade dos fatos, As 155.781 1


Esse crescimento quantitativo rápido e recente deu ori P
matrículas do ensino superior, em 1965, representavam 1, 27 %
gem a um formidável erro de apreciação. Formou-se e for--
<

da matrícula global (na qual o ensino médio concorria com


taleceu-se, de modo generalizado, a propensão a enearar-se 17,52 % e o ensino primário com 81,11% ) . Semelhante si-
com otimismo o esfor ço educacional realizado na esfera do tuação educacional é em si mesma intolerável e perigosa , í
ensino superior, como se tivéssemos atingido um patamar incluindo o Brasil (sob esse aspecto) , entre as nações que
&

J de desenvolvimento muito expressivo e estivéssemos em vias timbramos em chamar de “republiquetas latino-americanas". 1!


de resolver, através dele, os problemas educacionais que "

Os dados concernentes ao aumento percentual das ma-


s< 3
enfrentamos nessa área. '
I
I

w- Para se avaliar a gravidade de semelhante desorientação i ículas no ensino superior na América Latina, no período
tr í ii
interpretativa não seria preciso apelar para a omissão e a de 1950-1960 permitem distinguir dois grupos de países : l.°)
í
países que igualaram ou superaram a média da região, que
i ;

iiii irresponsabilidade do atual Governo diante das exigências


do ensino superior. O Plano Nacional de Educação, elabo- sofreu um aumento de 1,8 para 3,0, com uma variação média í\
X

rado em setembro de 1962 pelo Conselho Federal de Edu- de + 66,7 % : Argentina, Uruguai, Chile, Panamá, Venezuela , í
J

cação, estabelecia as seguintes metas, a serem alcançadas t Costa Rica, Cuba e México; 2.°) países que não lograram
— atingir os referidos resultados médios: Peru, Equador, Pa -
1

até 1970: a) meta quantitativa “expansão da matr ícula i


até a inclusão, pelo menos, da metade dos que terminaram i raguai, Colômbia, Brasil, Bolívia, República Dominicana,

— EI Salvador, Nicarágua, Honduras, Guatemala e Haiti. De


*
?!
t o curso colegial”; b) meta qualitativa “o ensino su-
perior deverá contar, pelo menos, com 30 % de professores 1950 a 1960, o aumento percentual da matr ícula no Brasil
e alunos em tempo integral”. O menos que se pode dizer foi de 1,0 para 1,6, com uma variação de + 60 % , a qual Ji

envolve uma perda relativa de terreno e de posição. Para


"

dessas duas metas é que elas são irrisórias. O esforço edu


cacional na esfera do ensino superior sofreria um incre-
- que o Brasil pudesse igualar os resultados m édios do es-
M?
mento aproximado da ordem de 65 % , demasiado baixo para forço educacional dos países da região, ao nível do ensino
superior, a sua realização deveria ser pelb menos 3 vezes
f
: a gravidade da situação educacional brasileira, e a correção
¥.1
í
m das anomalias estruturais e funcionais do rendimento das maior. !
S escolas ficaria entregue às consequências de uma medida O nosso farisaísmo forja razões para explicar as causas
f
if indireta, isto é, ao azar. da precariedade do nosso esfor ço educacional nesse nível
«
A situação do ensino superior é tão grave, no entanto,
i - do ensino. Alega-se, com frequência, que o tamanho da íj
que se impõe uma total mudança de atitudes nas avaliações. população em idade escolar constitui uma sobrecarga a ser
«

mt - Primeiro, precisamos ter a coragem de romper completa-


mente com a ordem educacional vigente, Pôr de lado as
r
tomada em conta. Os 1,6 % dos jovens matriculados no en - í
sino superior em 1960 comportavam uma população escolar !.
i

soluções herdadas do passado remoto ou recente, incluindo- de 93.200 indivíduos. Enquanto os 7,5 % do Uruguai, os 4,5 %
se entre elas a Lei de Diretrizes e Bases, que representa um do Chile ou do Paraná, os 4,3 % da Venezuela, por exemplo,
fator de inibição de qualquer processo profundo e radical correspondiam respectivamente a popula ções de 16.000, ;
de modificação da realidade educacional brasileira. Segun- 26.900, 3.900 e 24.900 estudantes. No entanto, tais argu-
do, devemos ter a audácia de lançar as bases de uma política mentos deveriam ser confrontados com outros, da mesma
educacional adequada às condições da sociedade brasileira natureza, mas de sentido inverso. O México, com menos da
1

.! i
e aos nossos desígnios de autonomia nacional e de desen -
volvimento económico, sociocultural e político. Cumpre fixar
metade da população em idade de 20 a 24 anos, mobilizava
quase o mesmo número de matrículas (87.000) ; e a Argen-
I
!
os caminhos de nossa revolução educacional. Já perdemos
i
tina, com menos de 1/3 da popula ção " de 20 a 24 anos,
muito tempo com solu ções paliativas e com remendos en- matriculava no ensino superior quase o dobro do nosso r
i.
genhosos, mas inúteis e ridículos. número de jovens (166.100) . ;
i
Hl-

70 71 j!
;
1

L JJii:
""
i
m
W
-
« Ao que parece, existem razões mais profundas para
L f, plicar por que o Brasil ocupa, entre 20 países
ex- Teor e Sentido da “Reforma Universitária”
Mi
latino-ame-
ricanos, o 14.° lugar quanto à « propor ção de popula ção em
idade escolar matriculada no ensino superior. razões O termo “ reforma universitária” tem sido empregado
i se prendem à nossa formação económica, social Tais e cultural convencionalmente, por estudantes, professores e leigos, para
i
X
designar as medidas quantitativas e qualitativas a serem
I
Herdamos da colonização portuguesa , da sociedade 3
e escravista, e da oligarquia da I República, níveissenhorial
ínfimos tomadas para adaptar o sistema de ensino superior às atuais if

de aspiração educacional, a propensão a bloquear exigências da situa ção hist óricc-social brasileira. Todavia , v
cratiza ção do ensino e a concepção de que o ensino superior-
a demo
o volume das exigências quantitativas e o alcance das mu-
danças que precisariam ser introduzidas para atender às
Ei
constitui um privilégio das elites das “classes possuidoras . ní
” exigências qualitativas indicam que estamos diante de um
Agora, temos de escolher entre duas orientações. Ou I
processo de revolução educacional.
1
continuamos a defender o mesmo farisa ísmo que nos con
duziu a essa escabrosa situação educacional ou rompemos- As duas expressões mais simples e diretas de seme-
s
contra esse farisaísmo, revolucionando o nosso sistema es- lhante revolução já foram percebidas socialmente. A expres-
colar, usando o ensino e em especial o ensino médio e são de entendimento mais f ácil é a quantitativa. Já se des- i
perior como um meio de ruptura da inércia
su- cobriu que a “ universidade brasileira ” não possui condições,

escola é uma produ ção do homem. Ela pode ser


cultural. A mantidas suas formas atuais de organização e de funcio-
de várias maneiras. A questão que se coloca diante
explorada namento, de absorver a procura crescente, que se converteu
de nós numa procura de massa. De outro lado, também se desco- . u ».
i :l*

consiste em saber se pretendemos utilizá-la para instituir


briu, paralelamente, que as mencionadas formas de orga- L
I

no Brasil um novo tipo de civilização.


nização e de funcionamento da “ universidade brasileira” são
:

deficientes, seja porque se tornaram intrinsecamente obso- 1j


K
Dessa perspectiva, o que se convencionou chamar de sí

letas, seja porque não podem atender aos requisitos de um


S
“reforma universitária” apresenta a natureza, o sentido e I

as proporções de uma revolução cultural. Nos limites das ensino superior de massa.
1

1
indicações anteriores, ressalta que um esforço educacional
mínimo e inicial deveria começar por multiplicar por 3 Contudo, não se tentou, ainda, ultrapassar as fronteiras
dessa crítica exterior. Na verdade, o que está ocorrendo, a
n úmero de matrículas no ensino superior. O que significao através das transformações que estão em curso, é que o
h
que devemos partir de uma modificação que adapte o Brasil se acha no momento crítico da transição da era da 01
sis-
tema de ensino superior para drenar, aproximadamente *
o

escola superior para a era da universidade. Bem ou mal, o i:


pouco mais de l/õ dos alunos matriculados nos diversos, que conseguimos organizar institucionalmente e explorar
ramos do ensino médio, segundo dados de 1965. Conforme construtivamente foi a “escola superior ”. Ela se adaptava
i- i-
esse critério, deveríamos começar por agregar mais de 300.000 I plasticamente às condições de um ambiente intelectual mais :

vagas à matrícula existente no ensino superior (e não


a í ou menos tosco e provinciano, que privilegiava socialmente í
0
metade dos aprovados no curso colegial como pretendia o i o saber letrado e, em particular, o profissional liberal. Ela j,

podia - atingir certos níveis de eficácia em tais condições,


• V

Conselho Federal de Educação em 1962, o que , nos termos í


!!
desses dados, seria insuficiente para se alcançar as médias nas quais a sua estrutura abrangia um número reduzido de i
já atingidas pelos demais países da América Latina) . Além estudantes, professores e funcioná rios: a concentração do I
e acima dos limites das indicações anteriores, teríamos de poder nas mãos dos catedr áticos era compat ível com a ordem í

existente na instituição ou com a organização política da

_
aceitar e pôr em prática decisões qualitativas concomitantes,
sociedade; e o meio social possuía mecanismos para suple-
T
que permitissem a organização eficiente e o funcionamento
normal de um sistema de ensino superior que crescesse mentar a aprendizagem dos graduados. Essas condições se !t l

. perpetuaram , em bloco, aproximadamente até a década de


i

nas proporções indicadas.


i

30. Por isso, quando se tentou instituir a “ universidade”, W

i 72 73 ji

i;1
l. ,
L±L
- If
Ir;
£ %
I nao se pensou em corrigir os defeitos estruturais da “escola Portanto, deveríamos apelar para uma atitude de tipo i.
i superior ”, e a “ universidade brasileira ” assumiu o car á ter cartesiano, que nos permitisse estabelecer um completo e
irieversível ponto de ruptura intelectual com o passado re-
3: de uma conglomeração de escolas superiores. í,
cente ou remoto. O que havia de sugestivo e de relevante
II
Bi A
As transformações posteriores, especialmente a partir da
i'
d écada de 40, nascidas morfologicamente do aumento cres-
cente do corpo docente e discente ou funcionalmente da
no que foi feito já é bem conhecido. Trata-se de uma lição
teriais, humanos e morais

que nos estimula a pôr- de lado todos os elementos
da “ antiga escola
— ma-
superior ” e
1
%_Í 3
diferenciação do ensino e da introdução da pesquisa cien
tífica , puseram em crise o padrão brasileiro de escola su - das combinações inventadas para promover a sua perpetua-
$•

il
perior. Tornou-se patente que a conglomeração de escolas - ção e revitalização por outros meios. Em suma, a tarefa que ft
temos pela frente é a de organizar a universidade propria-
;

í
superiores é um fator de desorganização, de desperdício e ri
de atrofiamento da expansão do ensino. E evidenciaram-se , mente dita, de colocá-la em funcionamento de modo íntegro
e de dotar a sociedade brasileira dessa mola mestra da civi-
1
,' i
claramente, as limitações estruturais da escola superior, em
lização baseada na ciência e na tecnologia científica .
li
si mesma inadequada para organizar e expandir , institucio
- »1
nalmente, os tipos de ensino que podem ser associados à era O delineamento formal da universidade, assim concebi- !

da revolução científico-tecnológica. O padrão institucional da , n ão constitui uma empresa dif ícil Ele não pode ser ,
li !
!!
,
;>
da escola superior não só é rígido. Ele promove a subutili
-
zação crónica dos recursos educacionais mobilizáveis institu- '
apenas, a tarefa de um ou de poucos indivíduos. É neces-
sária uma ampla colaboração entre diferentes especialistas
i
i!
: j; ç
cionalmente e é cego às exigências educacionais de uma so- e as várias gerações em presen ça para que o processo de I !s
ciedade em integraçã o nacional e em mudança. invenção institucional possa equacionar-se em termos das
Por conseguinte , duas coisas sucedem em nossos dias. exigências históricas brasileiras. Os componentes fundamen-
Primeiro, culpamos a “ universidade” por males ou deficiên- tais da estrutura e do sistema de valores da instituição são •
i
I
cias que não são dela, propriamente falando. São males e bem conhecidos, graças aos experimentos, alguns atuais, de 1}
t
outras nações que compartilham o mesmo padrão de civi-

deficiências que se originam da “escola superior ” e que se


r!!
íi agravam porque a conglomeração, mantidas as demais con- liza ção. A universidade de Brasília, expurgada da transa-
dições anteriores, apenas concorre para dinamizar e multi- ção com os resquícios e influ ências da escola superior, re- fl
plicar os efeitos negativos. Segundo, falamos em “ reforma presenta uma aproximação mais direta do mínimo que te- ii

_
!!
mos a fazer. A universidade, como a unidade fundamental
s
universitá ria ”, quando deveríamos falar em “ organização da -!
'

de refer ência e de integraçã o, compreendida em termos mul-


fJ
universidade”. O que se fez, através de tentativas como: a %;
“ universidade do Distrito Federal”, a “ universidade de São tifuncionais; o departamento, como unidade básica de orga- nÍIIÍ
nização do trabalho intelectual; os “institutos centrais” como i
-

Paulo” ou a “ universidade de Brasília ” , não foi senão um ,J

ensaio ou experimento de liquidação das escolas superiores, unidades intermediárias de aglutinação de campos ou de
i especialidades afins; a aprendizagem profissional e técnica,
> ;

que n ão teve êxito completo porque estas prevaleceram , seja !


por que não foram assimiladas em novas estruturas globais como uma função especializada; a pesquisa fundamental
,
El
M
il
institucionalizadas, seja pofque a compressão do meio social como atividade paralela às funções docentes, mas com uma
estancou e reverteu politicamente o sentido do processo de estrutura própria e ritmo independente; o ensino pós-gra-
i

transição. Elas serviram como marcos de nossa história duado, como uma função central na esfera didática e da
pedagógica porque forneceram os primeiros testes demons- preparação do investigador. O que importa não é tanto a m!!
i
trativos da inviabilidade da universidade conglomerada e estrutura e a delimitação funcional de cada uma dessas
unidades ou focos de orientação. Mas o princípio de que
í I
porque levaram a um diagnóstico mais completo do elemen
to político inerente à mudança educacional na esfera do- eles sejam exclusivos e essenciais , é o único que pode resguar-
ensino superior, evidenciando que nunca se chegar á a uma
universidade integrada e multifuncional sem liquidar o pa -
dr ã o brasileiro de escola superior e, com ele, o poder irres
ponsável e ilimitado do professor catedrático.
-
- ' ciado

Mais importante

dá-los da interfer ência do antigo padr ão de escola superior.
mas infelizmente muito negligen-
vem a ser o delineamento dos requisitos estruturais
e dinâmicos da universidade. Se quisermos construir uni -
! Í?

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74 75
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ff , I
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-
V: •

versidades no Brasil, não deveremos partir de ideais ou de


na seleção e aproveitamento dos melhores talentos. O que
modelos que já foram superados, no âmbito da civilização í
í-4
moderna. Teremos de partir das exigências que a ci• ê ncia significa que a conjugação dos dois setores nasce de neces-
>

-
sidades histórico sociais e socioeulturais profundas.
*
A

ii k e a tecnologia científica , bem como os direitos fundamentais


Ij1 Os problemas que decorrem de uma adapta ção de se-
ii

1í do homem, fazem a essa civilização, das possibilidades que


temos de atender construtivamente a essas exig ências. Sob melhante delineamento às condições da sociedade brasileira
1

certos aspectos, porém, essas exigências são praticamente dizem respeito à precariedade de nossas tradições intelectuais.
universais e podem ser atendidas tanto em termos de uma Primeiro, o nosso ensino graduado se estruturava como uma
V
“filosofia liberal da educação” quanto em termos de uma preparação técnico-profissional de circuito fechado. Ele não
I. previa nem prevê a formação do aluno intelectualmente
- “filosofia socialista da educa çã o”. Não supomos que as ideo
logias deixassem de existir ou que os processos técnicos anu-
f

auto-suficiente. Daí impor-se uma alteração radical da orien-


j
;i:i

lem as diferen ças ideológicas. Mas reconhecemos que, ao-


!
tação dominante, herdada das nossas antigas escolas supe-
nível estrutural-funcional, a organização de uma universi riores. No ensino pós-graduado avançado, o elemento mais
dade integrada e multifuncional, em nossa era, tem de res
- importante na situação de aprendizagem não é o professor, í
ponder àquelas exigê ncias, que se impõem com a - mas o aluno ou aprendiz. Cumpre que este disponha de <
i

força a qualquer filosofia educacional, levando a soluçõ


mesma conhecimentos, de maturidade intelectual e de incentivos
técnicas que apresentam analogias fundamentais. es para trabalhar sozinho ou sob supervisão limitada (predo-
minantemente apenas incentivadora) . Não formamos esse
A principal exigê ncia, que se pode definir desse ponto tipo de aluno senão exeepcionalmente e temos de . atingir "
L
de vista, refere-se à própria organização do ensino esse objetivo como parte de uma nova rotina de aprendi- is
superior. I zagem, a ser introduzida nos cursos graduados. Segundo,
A universidade moderna n ão se organiza para “ pequenos
n úmeros”. O ensino superior não é mais nem um privilégio -
na maioria dos campos do saber não possuímos recursos
humanos para enfrentar uma transição de inevit ável cará ter
1'
'
1

nem um “ dom ” intelectual. É uma necessidade social. A


-
i

sociedade moderna precisa de uma grande massa de indiví brusco. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Uni
duos com instru ção de n ível superior. A civilização moderna
- versidade de São Paulo revela-nos, com o lado bom de sua
experiê ncia , que é necessá rio recorrer-se, criteriosa mas ma-
.) r
precisa , por sua ve?, que se promova uma seleção racional 1
e uma mobilização sistemática do talento, Daí decorrem ci çamente, à colabora ção estrangeira. Terceiro, o estudante
brasileiro não possui, em média, recursos para se converter
:

duas linhas básicas de desenvolvimento. A expansã o de um


!
ensino superior graduado, destinado à procura de massa ; e
em aluno de tempo integral. Cumpre criar dotações es- li
a expans ã o de um ensino superior pós-graduado, destinado peciais, que permitam o financiamento dos estudos pelo w
i .!

ao recrutamento, ao treinamento e aproveitamento dos me- menos de uma grande parcela dos estudantes pós-graduados. :i

Ao mesmo tempo, é indispensável adaptar os prédios esco- i


lhores talentos, em termos de potencialidades intelectuais lares a condições m ínimas de conforto, que dêem aos estu-
s;

i'
para a produção de saber científico ou tecnológico. A rela
ção entre os dois setores constitui, naturalmente, uma fun-
dantes a possibilidade de organizar a rotina de sua vida
ção do grau de avanço económico, social e cultural das-
.!
dentro das escolas, onde terão de trabalhar e viver.
comunidades nacionais. Os dois setores possuem, poré m , Outra exigência fundamental, no delineamento da uni-
versidade, vem a ser o lugar da pesquisa como instrumento
'i

ii
importância própria e nenhuma razã o recomendaria a . ex- \\
pansão unilateral de um ou de outro. Ao contrário, uma do ensino e como meio de progresso da ciência, da tecnologia i) \
sociedade cônscia de seu destino nacional tem o maior in- científica e de outras formas do saber. A nossa escola su- i
IS
teresse no crescimento concomitante e interdependente de é perior tradicional colocou-se à margem da pesquisa como
ambos. De um lado, porque seu equilíbrio e vitalidade de dimensão criadora do espírito humano. Ela não era pro- i

desenvolvimento dependem da qualidade média da massa priamente imune à pesquisa; como o seu principal alvo í ií!
de graduados. De outro, porque o progresso do pensamento estava na profissionalização, o único tipo de pesquisa que !

inventivo depende, essencialmente, da eliminaçã o do acaso


J encontrava algum sentido dentro dela era irrelevante como
foco de produ ção original de saber. O inverso disso deve V
:V
76 77

%
;; !!
I

i
3
it

. ocorrer com a universidade integrada e multifuncional. Em na-se com a administração e a política universitá rias. Ao
primeiro lugar, a instituição do ensino pós-graduado e a nível da administração coloca-se não só a racionalização dos i!
modificação da filosofia pedagógica do ensino graduado ter ão serviços t écnicos e a reorganização do pessoal administra-
s
de desembocar na valorizaçã o sistemática da pesquisa , como tivo, mas a estruturação das relações entre professores e s
Í1
alunos e a concentração de poder nas mãos dos catedráticos

meio universal de aprendizagem e de treinamento de futu- •, .1

ros candidatos a carreiras de investigadores. Desse ângulo, e em alguns órgãos altamente centralizados. Aí a nossa
:
l ! .::i
; •
i!
I a reorganização do ensino de té cnicas elementares de pes- herança é terrivelmente negativa e a fuga do passado exige
%
quisa, o adestramento para o uso dessas t écnicas em situa- soluções drásticas. Teima-se em manter formas adminis-
ções de pesquisa e especialmente o ensino sistemático das trativas e de organização do poder que tinham eficácia ( e
talvez fossem necessá rias ) quando as escolas superiores fun- li
formas ou objetivos da pesquisa avançada devem ganhar ;v
; uma nova envergadura. Em segundo lugar, cumpre dar à cionavam isoladamente, abrangiam pequenos números de
1
universidade condições materiais, financeiras e humanas para indivíduos e n ão deviam interagir com os fatores dinâmicos t
se converterem em agências de produção de conhecimento da mudança sociocultural progressiva. No presente, cum-
básico, nos diferentes ramos do saber — mas, principal- pre-nos atentar para o fato de que manter as antigas téc- I
'

mente, nos diversos campos da ciência e da tecnologia cien- nicas administrativas e de estruturação das rela ções de poder
tífica. Nesse sentido, é útil compreender-se que o avanço é in ócuo e, ao mesmo tempo, perigoso. Duas orienta ções
do conhecimento, na era da revolução científico-tecnológica, novas se impõem claramente. Primeiro, a de criar serviços V'

depende de um número reduzido de instituições, entre as técnico-administrativos capazes de operar no âmbito da uni-
quais as universidades possuem um papel destacado. Não versidade como um todo. Segundo, extinguir o poder pes- il
devemos dar uma atençã o excessiva ou exclusiva aos pro- soal e o poder centralizado no plano das atividades pro- rlV

blemas do ensino, negligenciando os problemas que se co- priamente fundamentais, como as do ensino e da pesquisa,
locam na outra esfera, na qual a situação da “ universidade estabelecendo como critério básico que as decisões sejam 7í

brasileira ” é muito pior. tomadas autonomamente, ao nível das execu ções das tarefas.
Em contrapeso, não parece recomendável anular-se a capa- t
'
) Essas ponderações devem ser avaliadas objetivamente. cidade de autodeterminação dos professores ou dos estudan-
"
H
-Hf

A valorização da universidade como mero centro de ensino


conduz ao congestionamento das atividades docentes e ao
tes. É importante que ela seja estimulada, de modo perma- 1

nente e até institucionalizado, para que a universidade tam-


ê
:

consequente atrofiamento das atividades relacionadas com a bém cumpra a missão de debater os problemas cruciais da
• I
investigação e a acumulação de saber original. Ora, como sociedade, da época ou da humanidade. O que deve ser
•;<
:{*
país subdesenvolvido, o Brasil possui tanto interesse em extinto é um excesso de poder pessoal e de centralização,
expandir o “ensino moderno”, de bases científicas e prag- que não tem servido senão para alimentar alternativas \
V máticas, quanto em expandir a pesquisa fundamental. Na egoístas de ajustamento intelectual e formas irresponsáveis

verdade, ambos podem ser, devidamente orientados e cali- de aplicação da inteligência criadora.
brados, fatores de autonomização cultural. À pesquisa fun- í
damental e às suas descobertas, porém, é que se associam A constituição de uma universidade concebida nesses
-
!

os dividendos mais compensadores e decisivos do salto cul moldes esbarra com uma por ção de dificuldades. De uma : ;i
tural, que pode levar uma nação ao controle relativo de -
perspectiva sociológica, tais dificuldades caem em duas ca-
tegorias gerais. De um lado, a limitação de recursos ma- lí
í!
seu destinó histórico. Deve-se, pois, dar o maior relevo pos- M i

sível às quest ões relacionadas com as funções da universi- teriais, financeiros ou humanos e as insuficiências da tra -
i dade moderna na esfera da pesquisa, para que se resolvam dição cultural. De outro, as interfer ências estrutural-fun- ItJ I
adequadamente os desafios provocados pela captação de re- cionais dos esquemas existentes de organização do ensino \
;
í
s
cursos materiais e humanos permanentes em uma área tão superior, herdados com o padr ão brasileiro da escola superior. ?

complexa. Tem-se insistido demais na escassez de recursos finan- «


il

- ceiros, materiais e humanos. Não obstante, é possível in-



*I
A última exigência fundamental, que não deve ser ig
norada no delineamento da universidade brasileira, relacio- troduzir um mínimo de racionalidade nos fatores educacio-
I
I

79
'i
I!
78 ;

1 I
!1

.
.-..líVV
TIVí:.
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t

1*!1 nais mobilizados ativamente, sem modificar, de início, numa criticam o caráter deteriorado, ou a ineficiência da “má í:

escola”, na prática omitem-se j diante do dever de transfor-


d;

?í escala de grandeza considerá vel, as suas proporções. O que


má-la, já que também colhem dividendos de sua desorga-

it \
ir existe é um acentuado desinteresse por essa possibilidade.
í
í? A escola superior constitui uma instituição ultra-especiali- nização, desorientação e baixa produtividade. Em seme-
!•
'I zada, em termos funcionais. Formada para produzir profis- lhante ambiente, os processos de mudança sociocultural pro-
r sionais liberais, operando dinamicamente apenas ao nível gressiva e as técnicas racionais de controle social esbarram il!!
l
V
j' .i do saber relacionado com a qualificação técnica desses pro- com m últiplos fatores de interferência, pois a atividade cons- l í
'

ciente e a vontade de educadores ou de educandos se voltam


;

fissionais e interagindo com a sociedade somente através f;

dos interesses das elites culturais, ela se converteu em cau- para a defesa sistemática das “vantagens” asseguradas pela !;i
r.
datária das profissões liberais e de suas ramifica ções pelos “má escola ”.
diferentes papéis intelectuais, organizados socialmente. Im- Isso nos leva a uma conclusão fatal. Ao lado dos efeitos
!
li
: punha-se, como objetivo pedagógico essencial, produzir um negativos das limitações dos recursos e das inconsist ências !l
reduzido n úmero de graduados, relegando para as etapas da tradição cultural, está o alfa e o omega da persist ência !í
iniciais das diversas carreiras a complementação da forma- indefinida do padrão brasileiro de escola superior. Trata-se }
ção educacional que fornecia. Pondo-se de lado o que isso .
do professor catedrático Produto de uma elaboração hist ó-
representa, como elevação invisível dos custos da aprendi- rico-cultural e de uma escola subordinada à consolidação e
zagem ou como critério restritivo de peneiramento social, é ao progresso das profissões liberais, o professor catedrático ;; i
claro que uma escola desse tipo tende a limitar drastica- é o verdadeiro agente do descalabro que impera no ensino Mil i
mente a expansão do corpo discente, a conter a diferenciação superior. Deliberadamente ou não, ele se colocou no centro

das atividades docentes, a negligenciar a importância da da oposição contra qualquer transformação que levasse ao -1I
;
t

pesquisa ( como técnica educativa ou como meio de acumu- desaparecimento da escola superior, porque isso fomentaria r

lação de saber ) , a valorizar crit érios exteriores e extrape- a supressão da cátedra e a sua própria ruína. Ao proceder
dagógicos de apreciação da aprendizagem escolarizada etc. dessa maneira, o professor catedrá tico não é, apenas, o “agen-
Configura-se, desse ângulo, o que alguns educadores bra- te conservador ”, que luta por “ convicções íntimas ” e defende ; ít
sileiros convencionaram chamar de má escola: uma escola “valores sagrados”. Ele surge como um obstáculo a qual- li
;
deteriorada pelo mau uso que o meio brasileiro fez dos mo- quer processo substancial de modernização e de racionali- ii ; !.{
delos institucionais de ensino superior, que assimilamos da zação do ensino superior, impedindo que a sociedade domine .\1i
'
Europa. O que convém ressaltar , tendo em vista os fins dessa e aproveite novas técnicas sociais de educação escolarizada. Hl
exposição, é que a “ má escola ” cria toda uma rede de in - Nesse sentido , suas atitudes e comportamentos qualificam-no
teresses, mais ou menos inconfessáveis. Os fatores educa - como um fator sociopático de -resistência à mudança educa- í
cionais mobilizados são aproveitados de tal modo que, pro- -
cional. Pode se dizer que ele não aprendeu a agir de outro
modo, que seus ideais de vida e de trabalho intelectual estão
fessores, estudantes e leigos ligados a seus interesses direta
ou indiretamente são socializados para defini-la como “nor- postos numa obsoleta e improdutiva agência educacional. Ef

Ou que ele não é, em termos precisos, um universitário nH


mal” e desejável”, pois ela satisfaz motivos ou desígnios

i
i
egoistic os que todos perfilham, confessada ou inconfessada- propriamente dito mas um profissional liberal disfar-
mente, e que todos relutam em abandonar. Em suma, a çado , de professor. Além e acima da “universidade”, está o i

escola de baixo rendimento faz parte de uma situação his- seu escrit ório de advocacia, o seu consultório ou a sua clí- !
-
!i
nica, o seu escritório de engenharia etc,, entidades que de-
'

tórico social. Ela cria sua pr ópria tradição cultural e as ,

for ças materiais ou morais através das quais se mantém terminam os tipos de saber que valoriza e com os quais se U

e se fortalece. Ela acaba exprimindo o que a sociedade identifica. No máximo, só pode ser universitário pela me-
“ pode” e “deve fazer” em matéria de ensino, determinando I tade, antes representando a profissão e a comunidade na í
a relação dinâ mica existente entre o padrão de equilíbrio “ universidade”, que sendo um ardoroso defensor desta ou
da ordem social e o rendimento de suas instituições esco- de seus valores perante as outras duas. Tal situação era ! :í
*

lares. Isso cria uma consequência paradoxal. Mesmo os que normal no passado, nas épocas em que a sociedade brasi-

80 81 illi í

íi
1-1''
. ti .
itíLUUj' -
ir n
II leira não dispunha de incentivos diferentes para recrutar e comunicação com o resto da sociedade. Enquanto isso não
se der, será inútil fazer reformas por decreto. A aparência
!

dinamizar suas elites culturais. No presente, porém, ela se


É
iSijh tornou patológica e previsivelmente perigosa. O professor de uma realidade nova só servirá para camuflar e proteger
iS

1:
*
catedr á tico, escravo dos interesses estreitos das profissões
liberais, prende-se a um estilo de vida e a aspira ções intelec-
o vezo antigo, como se a arcaização e a obsoletizaçã o pre-
coces fossem o destino inexorável de qualquer tentativa mais ç
m
? >
tuais que o convertem no pior adversário da inovação edu - ou menos séria e . profunda de inovação educacional. Para

m
uii
!!;
cacional. No próprio terreno em que são tomadas as deci-
sões efetivamente substanciais e instrumentais para a supe-
ração da cátedra, da escola superior e da universidade con-
glomerada, ele n ão faz senão manter essas entidades ou criar

que a lei se torne operativa , ela não deve tocar na super-
f ície precisa ir ao fundo das coisas. O que quer dizer
que ela deve bloquear ou impedir qualquer caminho, que
permita restabelecer e revigorar o arcaico através do novo.
í
I
ínV .
. .i
v condições para que elas persistam de modo dissimulado, Desse prisma, conviria pensar em normas e princípios po-

s
‘1 mediante “ reformas no papel”. sitivos, que instituíssem as condições de organização, fun- *M
,

cionamento e crescimento da universidade integrada e mul-


1 Parece fora de d úvida que devemos procurar no pro- tifuncional de maneira inequívoca e exclusiva. O envolvi-
fessor não um bode expiat ório, mas o verdadeiro responsável mento dos professores nessas condições iria promover a sua :í i
?

pela situaçã o atual do ensino superior. Em um plano, ele gradual reeduca ção, preparando-os para desempenhar os seus
:
se identifica , pela decisão e pela ação, com um padr ão de papéis intelectuais segundo os requisitos e as aspirações
organiza ção das atividades docentes que é reconhecidamente
.!
J
ideais de uma autêntica mentalidade universitária na era
.
obsoleto, inadequado e ineficaz Em outro plano, por omis-
são ou por indiferença, ele permanece surdo às críticas re-
da revolu ção científico-tecnológica. Com o tempo, as ener
gias que são inutilmente gastas para alimentar realidades
- :i
'
novadoras e impermeável às exigências da época, timbrando obsoletas e condenadas ao desaparecimento, como a cátedra, t

por reguardar ou fortalecer a escola superior profissional, :•


que o formou segundo a sua própria imagem. Assim, o pro- o padrão brasileiro de escola superior e a universidade con- •
í
i
glomerada , serão investidas na construção de um ensino su-
fessor catedr á tico não encontra forças para superar-se: não
•1
! .
I
tem entusiasmo para aderir a novos ideais e aspira ções edu
cacionais; n ão possui tempo para modificar sua participa ção
- perior adequado à situação brasileira e às exigências de uma
civiliza ção baseada na ciência, na tecnologia e na demo-

I
cratização do saber. .
marginal nos processos educacionais e de criação do saber; li
i •’
e não acha, em si mesmo, coragem para romper com as I! i
avaliações tacanhas dominantes, que incentivam os círculos II
dirigentes a exclu írem os problemas do ensino superior das Universidade e Desenvolvimento
questões vitais para a integração e o desenvolvimento da >!
• I
sociedade nacional. Fala-se muito em universidade e desenvolvimento e,
No entanto, parece óbvio que o professor catedrático não partieularmente, numa universidade para o desenvolvimen-
resiste à mudança, no nível e segundo as condições apon- to. Na verdade, porém, a conglomeração de escolas supe- i
»
!i .
;

tadas, como e enquanto intelectual. Ele resiste porque é riores, que chamamos de “ universidade” , possui têpues li- • v.

menos professor ou investigador que representante de al- gações dinâmicas com o desenvolvimento. Nesse particular,
guma das categorias em que se subdividem os profissionais cumpre ao sociólogo pôr claramente em relevo duas realida-
liberais e de sua classe social. O desafio que se coloca, des melancólicas. Primeiro, o padrão e o ritmo do desen-
i nessa esfera, não pode ser enfrentado e vencido através de volvimento sócio-econômico não chegaram a impor, por si í.
í

decretos-leis, como tentou fazê-lo o Marechal Castelo Branco. mesmos, a negação, a condenação e a superação do padrão ; t: J j

É necessário forjar uma mentalidade intelectual e pedagó- brasileiro de escola superior ou de seu rebento mais com- I M
0

plexo e recente / a universidade conglomerada. Segundo, as :!


gica nova, que identifique o professor com sua condição e •


instituições devotadas ao ensino superior, organizadas como
í
deveres de universitá rio, em todos os níveis de realização de
uma universidade integrada e multifuncional do ensino “ escolas” ou como “ universidades ”, não estão aproveitando
e da pesquisa à produ ção de conhecimentos originais e à construtivamente os recursos financeiros, materiais e hu- \: :
i

i - 82 83
§
, 1
1 i

Jr ir i- '
, r: .
" lí "
ri:- -
ai
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•v

i: I • *r
manos nelas investidos pela sociedade brasileira, neutralizan- cionalista. No fundo, portanto, a quest ão política central, í; !|i
i':'
jii

do assim qualquer tendência de “revolução pelo desenvolvi- que está por trás da instituição desse tipo de universidade, j;

mento ” como um processo educacional. diz respeito à passagem de um estado de dependência cul- ii

itl tural relativa para um estado de autonomia cultural relativa.


«:

Isso não impede que se discuta o problema de uma


Uma sociedade nacional, que possa concretizar essa passa-
fc ».í
:JÍ
perspectiva que ultrapasse os condicionamentos e as deter-
Er?
M
mina ções da presente situa ção histórico-social. O subdesen- gem, procura libertar o ensino superior da determinação a :À
'

a volvimento representa um estado de relação e de exist ência


que só pode ser negado, nos quadros criados pelo capitalis-
partir de fora, como parte de um fluxo de rela çõ es de de-
pendência; por isso, desloca a ênfase na função difusionista
. •:

mo monopolista e pela internacionalização do mercado se- para a de produção original de saber nas instituições edu-
i
Ri i
m cacionais e culturais. Em consequência, não cessa o contato

gundo os interesses de potências hegemónicas, em termos


em
i

com o exterior e o fluxo concomitante de pessoas, id éias e


l
políticos. Portanto, as conexões possíveis da universidade
com o desenvolvimento têm de ser encaradas como mat éria conhecimentos. O que muda é o caráter desse fluxo, que
m
ÍJ !;
í :
de política educacional e cultural.
1
tende a ser controlado e gradualmente determinado a partir
ii

P :í de dentro. No que nos interessa aqui: a universidade deixa


d -
Vendo se a questão desse prisma , a nossa universidade j
i de ser um mero elo entre os centros externos de produção
ii
conglomerada não pode ser concebida como um “fator de -
i

e, f de saber e as elites culturais do País, impondo-se como pri


desenvolvimento”. Ao contr ário, ela é uma aberrante ma - i
Ir
nifestação de colonialismo educacional, como um dos meios ít mordial a assimilação das próprias t écnicas de - produçã o do f?
k
e
internos pelos quais se estrutura, diferencia e reorganiza a saber empregadas no exterior, a sua utilização nas condições 5 ;•
j
1 Pi
1 internas de existência social e a expansão autónoma do 1

- situaçã o de dependência cultural em face dos núcleos hege- i


li
r
r .. . mónicos externos. Essa conexão, tipicamente passiva e na- saber original assim produzido. Daí resulta que o ensino íj
cicnalmente negativa, decorre da pr ópria função cultural da deixa de ser avaliado como objetivo exclusivo da universi- :
il
dade, que se volta, simultaneamente e com o mesmo vigor,
Mi
I escola superior , que servia como centro de assimila ção e de
] difusão de t écnicas e de conhecimentos, inventados nas cha- para a pesquisa pura, aplicada e tecnológica. E também
ri» !. madas nações centrais da civilizaçã o ocidental moderna. Se decorre uma mudança substancial da própria pedagogia v;í
H há alguma conotaçã o positiva na parte dinâmica da contri- universitária, que incorpora o ensino aos outros meios de ‘r

buição cultural que as antigas escolas superiores davam às promover consciência e transformação da realidade nacional.
Os que analisam esse amplo processo de um ângulo pre-
I V

suas comunidades nacionais, ela aparece no caráter regu- -


;

lador do mencionado processo difusionista. Graças à refe- concebido tendem a ver nele uma deforma ção e um empo v-
u
r\ - brecimento das grandes linhas humanísticas da civiliza ção
1 -

...i - rida função, uma sociedade nacional, que não tinha condi
l;
ções para produzir intemamente certas descobertas, podia ocidental. No entanto, observado sociologicamente, ele não 1
t
participar de seus benef ícios com um atraso relativo. A todo é outra coisa senão um avanço das nações subdesenvolvidas

í
— na direção de um dom ínio próprio e relativamente balancea-

í ii
processo económico comercial, financeiro ou industrial
do do padrão dessa civilização Isso significa que, na prá-
. •• j
n
sempre corresponde um processo cultural condicionante ou
consequente. E , de maneira geral, a depend ência ( ou hete- tica, elas se prepararam para produzir e transmitir , por
"

lii
ronomia) nunca é só económica: ela é, simultaneamente, seus meios e segundo suas condições ou necessidades, os co- !i

- nhecimentos de que precisam (na esfera da ciência, da tec-


"

í
i: social e cultural. Sob esse aspecto, a escola superior, estru
nologia, do ensino ou em outras) , em virtude de compar -
í '
s
tural e dinamicamente vinculada à organiza çã o económica,
tilharem aquele padr ão de civilização. O processo não tem,
?

social e política de uma sociedade dependente, concorria para i1


pois, nem conteúdo nem implicações limitativas ou destru-
V
:i !
estabelecer e para expandir os nexos de dependência ao nível
j;
I
í: da educação e da cultura. tivas. Ao contrá rio, se alguma coisa é patente, parece ser a
A disposição de criar-se uma universidade integrada e de que existe uma valorização das mencionadas linhas hu-
di multifuncional pressupõe, de algum modo ( como mera cons- manísticas, concebidas como parte de uma situação interna
i.
ciência de uma possibilidade ou como tentativa para concre- e como uma conexão universal dos valores supremos da
:l
:
: tizá-la ) , a tomada de uma decisão política de sentido na- mesma civilização na era da ciência e da tecnologia científica.
\
i - 85
i .
84 i .
i l !

i
n
T '1

Sll
pi O tema, assim entendido, é demasiado
!t
ill
.Hit
ser examinado em uma discussão de síntese. complexo para globais progressivamente mais altos correspondem rendimen-
i'

i- 1
Não obstante, tos que se elevam (ou podem elevar-se) numa escala geo-
I!

parece-nos essencial pôr em evidência pelo menos os


:
%
1;
I traços que caracterizam uma universidade constitu dois
ída com
m étrica. Por essa razão, o que nos tem jungido à univer -
a missão adicional de servir , consciente e sistematicamente sidade conglomerada não é a falta de recursos, mas a inca- íi
ml como fator de desenvolvimento. , pacidade de pôr em prática técnicas de racionalização e de
iria',!
planejamento, que colidem com a tradição cultural vigente
lie . O primeiro traço essencial refere-se ao modo de e com móveis egoístieos muito fortes, incontroláveis enquan-
cionar e de utilizar os recursos materiais, financeiros e sele -
Nfi hu- to prevalecerem instituições como a cátedra , a escola supe -
m
gr j '
manos, mobilizáveis para fins de ensino e de pesquisa de
nível universitário. Nesse capítulo, a situação atual é uma rior e a própria universidade conglomerada, com os seus
produtos' inalteráveis (a improvisação dos custos envolvidos
S \i situa ção de desperdício crónico ou de subutiliza ção
normal pelos servi ços de ensino, de pesquisa , de administração, etc.;
faH ; dos recursos mobilizados socialmente. Uma vasta gama de a concentração de poder numa linha pessoal e em órgãos !s
*"
mi
l

recursos, que não custam dinheiro ou que poderiam ser que exprimem a composição do poder de mando pessoal; a
m
:

mobilizáveis sob os custos vigentes, são pura e simplesmente solu ção de qualquer problema através do aumento imediato
áí negligenciados. Eles não penetram na consciência pedag n
ó- de pessoal, de duplica ção de serviços, etc., em suma, por meio
es 1 gica dos professores ou, se isso acontece, eles não são
m patíveis com as técnicas pedagógicas exploráveis a partir- com de formas improdutivas ou não controladas de elevação dos 5
gastos; o ideal de imprimir a cada unidade, criada ou em :II
f eAr
:
da estrutura da cá tedra , da escola superior ou da universi
'
,
'

dade conglomerada. De outro lado, como o horizonte - funcionamento, a mesma estrutura formal que a do todo,
com recursos simétricos para tender a uma aparente auto- :!1

gógico médio não se organiza com vista a funções intelec peda-


1é ; suficiência funcional; etc.) . Tudo isso indica que podemos
tuais múltiplas, tudo gira em tomo de um ensino morto e-

Si I colocar em novas bases a transição para a universidade in-
vazio, predominantemente verbalista, “ erudito” e divorciado tegrada e multifuncional. Esta não exige, de fato, nada
do pensamento inventivo. A universidade integrada e que não possamos fazer, principalmente ao nível económico
í funcional requer, como ponto de partida, a organizaçãmulti - :
i|
e da administração. Temos, apenas, de fazer uma revolução
cional das relações entre meios e fins. Por isso, ela pressupõe-
o

IW .l ra ?
C de natureza mental e t écnica, que nos tome aptos a dar •
;Í1
e conduz ao aproveitamento sistemático dos recursos fi- origem às condições instrumentais ( de cálculo de custos, de
<> nanceiros, materiais e humanos disponíveis do ambiente, programação e de planejamento educacionais, e de estrutu-
i procurando mobilizá-los sob condições de crescente .
1! i !
'

controle ração racional dos serviços, como um todo e em suas partes ) , '! Í
ii
. !

racional dos graus de eficácia obtidos em sua utilizaçã o. sem as quais a própria universidade integrada e multifun- .!

cional é impossível.
i
No presente, a passagem da universidade conglomerada
! •
para a universidade integrada e multifuncional constitui, sob
1
vários aspectos, mais um processo cultural que um problema Em suma, a racionalização do uso de recursos financei- í
ros, materiais e humanos aparece como um dos requisitos
1 :

iir de financiamento. É claro que a transformação compreende


da passagem da universidade conglomerada para a univer-
hi t
!i novos tipos de custos, custos muito altos e que apresentam sidade integrada. A multiplicação de fontes de gastos dis-
i :

certas tendências definidas ao crescimento. Contudo, nas :


í
ii
persivos, em serviços didáticos, t écnicos ou de pesquisas, a
I
ii
fases iniciais o seu volume não chega a ser um obstáculo
l
J

de caráter proibitivo, como se pensa ; nessas fases, a quest tendência ao exagerado incremento dos custos operacionais
. é mais de modificar uma orientação que negligencia o ão e a ausência de controle do rendimento ( ou produtividade)
perdício e a subutilização dos fatores educacionais mobiliza--
í
ii! des dos serviços são inerentes a uma organiza ção escolar que í i
I j !t
'

dos ou mobilizáveis em dadas condições, ao nível do ensino confere ao catedrático, como indivíduo e como grupo, um
poder ilimitado e autoritário de decisão. Como o seu poder
•O

e da pesquisa de padrões universitários. O que significa


i
a elevação dos custos se dá, em parte substancial, paralela
que de decisão se toma incontrolável, todo o processo educa -
mente ao aumento do rendimento da instituição. Bem pon-- cional cresce desordenadamente, porque a instituiçã o, que
-< 1
II!

-
. i.

deveria coordená lo e orientá-lo, não dispõe de outros meios


I !:

i '! deradas as coisas, o processo se autofinancia, pois aos custos


JIJ para preencher ou impor tais funções. Os meios racionais
&
86 87
.

I; !
1
nt
~3
pF " •

^ •7

Ú>ií c
!l

l ii -í .
de decisão e de controle pressupõ em, do ponto de vista da ras da educação e da cultura. Para que esse círculo vicioso Í!

Ifi organização escolar existente, uma perda do poder de mando não se converta numa fatalidade, forçando a perpetuação
indefinida de ajustamentos educacionais de cunho irracio-
1 dos catedrá ticos e uma espécie de democratiza ção das de - nal, destrutivo e perigoso, precisamos subverter os eritérios
cisões essenciais em diferentes linhas. De um lado, é pre - ;

fcaf
ina ! f ;:
ciso descomprimir as fun ções de decidir , administrar e di-
rigir; de outro, é necessário transferir para unidades bá -
vigentes de rateio social dos recursos destinados a fins que
são vitais para a nação como um todo. j

M
com
í .
1

sicas e intermediá rias ou para serviços de administraçã o e


de controle, propriamente ditos, o poder fundamental de
O que há de irremediável e sociopaticamente mau nos
atuais crit érios de rateio social dos recursos destinados a 4 li
sejf decisão e de mando. Tais modificações organizat órias sã o serviços fundamentais para a nação, como um todo, é que i íí
Hi !
relativamente simples. A utilidade e a importância delas, eles atendem a interesses partieularistas. Permitem atender

:
[e 1 a esses serviços nos limites do que é necessário para o fun- I
i
quer para elevação da produtividade intelectual dos dife- ! [

? fac rentes tipos de serviços universitários, quer para a raciona- cionamento e o crescimento de uma economia capitalista • .
:
i

lização do uso dos fatores educacionais e para o crescimento dependente, ou seja, nos limites que as “classes possuidoras” M
S
l pa j programado desses serviços ou da instituição como um todo, aceitam ou entendem como conveniente. No fundo, como o
s ão evidentes. Além disso, também é claro que as referidas Estado concorre com a grande massa dos recursos, poder-se -
IV
l

-
í
,7
* i
es] modificações organizat órias permitem conquistar novas con ia afirmar que a Nação como um todo financia esse “estado i
Kill -
J
dições de conhecimento e de aperfeiçoamento de t écnicas ra - ótimo” de funcionamento e de crescimento de uma economia
capitalista dependente. Nesse caminho, a coletividade priva-
'
-
cionais de controle, vitais para que o nosso País possa livrar ii

f. AV se da dissipação improdutiva de recursos escassos e adquira se de ponderável massa de recursos em benef ício das classes :
ii -
la i meios para estabelecer planos convenientes de expansão de possuidoras e obtém, em troca , um estado de permanente • j

seu sistema de instituições fundamentais. desequilíbrio interno e a eternizaçã o do subdesenvolvimento. M


Se • : -.
iM

Por isso, impõe-se que a nação se aparelhe para enfrentar


:
f ir
M
E
Logrados estes dois objetivos, estaríamos aproveitando
melhor os recursos destinados ao ensino superior. Entretan-
e superar essa situação paradoxal. Sem dúvida, podemos e ii' !
devemos recorrer a técnicas que permitam aumentar o ca-
!
!
E to, ainda assim seria preciso enfrentar e resolver de outro

C modo os problemas relacionados com o financiamento da


ráter produtivo das aplicaçõ es dos recursos escassos, princi-
palmente na esfera da educação e do ensino superior. To-
[ c
:
i ;

universidade. A capacidade de poupança de uma sociedade davia , essa condição não basta, pois a conjugação de cres-
: í capitalista dependente n ão é, em si e por si mesma, um fator cimento quantitativo com mudanças qualitativas profundas, s;
l. íí !
favorável à emergência e à expansão de instituições de ensino !í i
K i ,1 superior capazes de operar segundo os alvos da “ universidade
nas diferentes funções da universidade, cria problemas de
!!íí
'

l ] para o desenvolvimento ”. A questão não é tanto de mon- custos crescentes a largo .prazo. Ao que parece, aí surge h
. uma barreira especiíicamente de ordem económica. ;i

IV
í 2
tante dos recursos mobilizáveis, mas dos critérios de rateio M
É dif ícil resolver pratieamente como captar os recursos
:<
] social de tais recursos. Organizada económica, social e po-
liticamente para crescer numa situação de dependência, a requeridos para a diferenciação e a intensificaçã o das múl
tiplas funções de uma universidade integrada. Se estivés-
-
% sociedade capitalista dependente reluta ou omite-se diante
semos em uma sociedade capitalista autónoma ou hege- iiii
iíí
de aplica ções de recursos escassos que não são reprodutivos
•í
de forma imediatista. Ora, aplicações dessa natureza fazem mónica , o problema não existiria. A própria dinâmica da
parte da pr ópria dinâmica da situação de depend ência e relação entre os interesses particulares das classes possui- l
conduzem, a largo prazo, ao crescimento sócio-económico e doras e o equilíbrio ou a expansão do sistema provocaria a i
cultural dependente. Nesse contexto, o que sobra para a liberação de recursos suficientes para promover o constante
educação e nesta para o ensino superior, a pesquisa cien- ajustamento , da universidade às suas m últiplas funções, por !

meio da intervenção estatal e da iniciativa privada. Na si-


1
!•

t ífica ou tecnológica e a intensificação da produtividade in-


tuação que temos pela frente, verificamos o inverso: as clas-
?
: i
!
telectual, apenas dá para manter a escola superior e a uni-
versidade conglomerada, entidades típicas do estado de sub- ses possuidoras nem sequer arcam com os ónus diretos ou ii
indiretos da criação da infra-estrutura social e cultural de
1

desenvolvimento e que concorrem para mantê-lo nas esfe- Iiuil ! !

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i

88 89
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Hi:1: !:
1
- uma economia capitalista. Lançam esses ônus sobre a co- vada não possui vitalidade para resolver por si pr ópria tais
r- :!
-
í iii

| letividade, através do Estado, juntamente com certos riscos questões comercializando o ensino superior, a pesquisa cien sS
Í
1jh. estruturais ou de conjuntura, inerentes à própria atividade .
tífica ou tecnológica e a produção de conhecimentos Dados
m
*
f\ económica num regime capitalista. Em tal situação, os re-
cursos que podem ser liberados para a criação da referida
relativos a 1960 mostram que, se agrupássemos o ensino
superior de Agronomia, Veterinária, Arquitetura, Engenha-
adi infra-estrutura acabam sendo maciçamente concentrados em ria, Química Industrial, Farmácia, Medicina e Odontologia
!açs i medidas predominantemente económicas e de caráter ime- em um setor (setor I) ; e fiz éssemos o mesmo com o ensino
-
:i
icir
.- diatista, com negligência parcial ou total de investimentos superior de Administração Pública e Privada, Ciências Eco
-
I :

não-económicos mas essenciais para o crescimento da eco nómicas, Contábeis e Atuárias, Filosofia, Ciências e Letras,
nomia em bases independentes. A educação escolarizada, a Serviço Social, Artes Domésticas, Artístico, Biblioteconomia,
m- :% pesquisa científica e tecnológica e a produção de conheci - Diplomacia, Eclesiástico, Educa ção Física, Enfermagem, Jor -

i

jSM
= ' -* j *

act ]
mentos originais estão nessa condição, pois no mundo mo- nalismo, Museologia e Nutrição (setor II ) , teríamos os
m
í
:
derno é impossível dissociar a autonomia económica rela- seguintes resultados:
jar;
tiva da autonomia sociocultural e da autonomia política
relativas. Ao contrá rio do que se acreditava até a Segunda

iad Matricula Geral e Conclusões de Curso 1960


Grande Guerra, está cada vez mais patente que mesmo os
.

i !
l
;sp Ensino Público Ensino Privado

i- 1
países de economia capitalista avançada perdem terreno e :
Matr. Ger. Concl. Cars. Matr. Ger. Concl. Cars.
independência se não se revelam capazes de atingir, manter r

Setor I 25.076 4.242 8.548 1.362 >


exe e aperfeiçoar seus padrões de ensino, de pesquisa e de pro-
j !,i
:iil
Ali Setor II 28.018 4.516 38.696 8.502
dução de conhecimentos. Tais razões sublinham que temos ! >:
laij
de modificar radicalmente a orientaçã o predominante na Total 53.094 8.758 47.244 9.864
Sei 1 : captação de recursos para financiar serviços sociais e cul-
Mí turais de importância estratégica para a comunidade na- 3
: Eli cional. Em vez da nação arcar sozinha, direta ou indireta - Esses dados são expressivos. Em áreas que são vitais para
--
i
;
Dl mente, com os ônus produzidos pela criação da infra-estru
tura da economia capitalista, as classes possuidoras devem
- o desenvolvimento económico, social e cultural, a contribui
ção da iniciativa privada é demasiado pequena ( correspon
Ci de, aproximadamente, a 1/3 da contribuição oficial) , en-
• iM '

participar de modo mais intenso dessa responsabilidade, pelo


r
í
Oi ! : ;
F , menos dentro de certos limites, que permitam ao Estado su- quanto, nas outras áreas, essa contribuição ultrapassa a ofi
cial, quanto às matrículas, e chega a ser quase o dobro,
- :T

F portar criadoramente funções que a iniciativa privada se f


quanto às conclusões de curso. Mesmo aceitando-se que no
l
i •.
.!:=
revela incapaz de atender mediante um esforço próprio e
A espontâneo.
t segundo setor existem ramos do ensino que são vitais, é
.í -
ii
" J
r
evidente o caráter da distor ção. A iniciativa privada não :
11; Isso nos leva às f órmulas que poderiam ser seguidas consegue absorver setores nos quais os custos são demasiado
-
I
I- na captação de recursos, em volume adequado para suportar altos. Onde isso vem a ocorrer por motivos louváveis, no

í
l
'
m a organização e a expansão da “ universidade para o desen- i
fim de certo tempo a pressão dos maiores interessados, os
íi
I .

f H volvimento”. Uma f órmula menos drástica seria a da fi-


i

estudantes e os professores, impõe o recurso à federaliza ção.


I
: i!
I
i xação de uma alíquota em certas rendas do Estado (muitos Por isso, enquanto existe certo equilíbrio na matrícula geral 1
' prefeririam fixar essa alíquota sobre o montante do imposto e nas conclusões de curso dos dois setores, no que concerne !v

de renda ) . Uma f órmula mais drástica seria a de estabe- ao ensino público, no ensino privado o quadro se modifica '

lecer um imposto especial para ocorrer os gastos com a radicalmente: 82 % das matrículas e 86 % das conclusões
:

'I expansão do ensino e da pesquisa científica ou tecnológica. de curso se concentram no segundo setor. De outro lado,
!
O atraso brasileiro é de tal ordem que conviria evoluir ime
diatamente para a segunda f órmula, que pode ser tirada
- a cobrança de taxas no ensino público, que tem sido venti-
lada ultimamente, também não representa uma solução para
' i

Mi
da própria experiência de algumas nações capitalistas adian- o problema. As pesquisas sociológicas, feitas por vá rios in-
-
tadas. Na verdade, já podemos constatar que a iniciativa pri vestigadores, comprovam que, de fato, quase 4 /5 dos estu- 55 1
! '

90 91 i rl
I

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ii
-

:
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.'.!!S

expedientes que permitem comercializar económica, polí- i I


dantes universitários ( e mais que isso, em algumas regiões )
são extraídos de estratos das classes médias e altas, que tica e culturalmente — as descobertas e os avanços realiza-
dos. As nações subdesenvolvidas precisam pôr em primeiro
li
jji podem pagar pelo ensino dos filhos. Todavia, a massa de
recursos que se pode obter pelas taxas seria insuficiente plano seus objetivos nacionais e, portanto, para elas o pro-
sequer para alimentar um programa vigoroso de reaparelha - cesso interessa na medida em que, através da modernização • £
•i

ou da racionalização do ensino e da expansão da pesquisa v


I :

mento dos laborat órios de pesquisas de uma matéria. Como


cient ífica e tecnológica, elas conseguem melhores condições
? 'í
;. j;
I :

venção maciça do Estado na esfera do ensino constitui a


-
a nacionaliza ção de serviços de pesquisa avançada e a inter
de participação do fluxo do padrão de civilização de que !
participam. Isso significa que, para elas, o q úe entra em
!

realidade de nossa época, mesmo em países tidos como “tra-


dicionalmente liberais” ( como os Estados Unidos, a França jogo, na fase de negação e de superação do subdesenvolvi - \ \

ou a Inglaterra ) , haveria escasso intereses em provocar uma mento, é o grau de autonomia cultural relativa que alcan-
marcha à ré na história só para fortalecer as perspectivas çam (ou podem alcançar ) por meio da educação escolari-
zada, da ciência e . da tecnologia avançada. Por isso, a uni-
hi -
; !.
! de diferencia ção e de expansão do ensino privado. O pro -
cesso de nacionalização, tão intensificado depois da implan- versidade integrada e multifuncional propõe-se o objetivo de ri!
c
modernizar e intensificar o ensino, bem como se impõe a
:
J
i-
tação da República, deve continuar. Apenas segundo outro ! '!
3
missão de produzir conhecimentos científicos e teenológicos
5

1 padr ão e um ritmo diferente, que pode e deve ser obtido


por meios especiais, gravando as classes possuidoras, in - de forma independente. Ela não procura, e seria um sui - ií
;

- cídio se o procurasse (pelo menos nessa fase) , converter-se


a! r

dependentemente de contarem ou não com “filhos estudan


í; f
do”. Aliás, de outra forma é completamente vã e farisaica em mecenas do crescimento e do aperfeiçoamento da ciência
a pretensão de usar o ensino superior e a pesquisa cientí - e da tecnologia científica. f

;
fica ou tecnológica .como “fator de desenvolvimento”. Sem
MI ;
-
.

Vendo se as coisas desse prisma, é evidente que existem


um mínimo de recursos em uma escala constante ou cres- . importantes gradações na organização do ensino e da in-
- !:

cente de progressão, o Brasil nunca produzirá uma menta- vestigação na universidade multifuncional de uma sociedade
lidade educacional média e conhecimentos científicos ou tec- subdesenvolvida, que luta por sua autonomia cultural, ao >
-

mesmo tempo que por sua soberania política e por sua in-
!

nológicos para lutar contra os efeitos adversos do subdesen



i <

volvimento e superar, gradualmente, a situa ção de depen- dependência económica. Ignorar que o. conhecimento cien - ;:
I

d ência. tífico e a tecnologia baseada na ciência exigem alta qualifi-


cação ou subestimar áreas vitais da pesquisa científica e tec-
. (

t
O outro traço essencial da “ universidade para o desen-
.

nológica seria o mesmo que anular a relação entre graus


|f

-
'
í
volvimento ”, que nos compete mencionar, refere se à própria
natureza da estrutura de seus fins. Eles não podem ser de rendimento da universidade e os dinamismos do desen- I 1
pi
nem unilaterais nem abstratos. A universidade integrada e volvimento. Ao contr ário do que muitos pensam, a solução
do dilema cultural, que assim se coloca, não deve ser pro-
;

multifuncional responde, estrutural e dinamicamente, às


- curada nem na acomodação passiva aos centros externos de !i
'

exigências do desenvolvimento, porque ela se insere na socie


hegemonia cultural nem na simplificação do conhecimento
'1

dade como um n úcleo vital de sua expansão interna. Sob


?

científico ou tecnológico. Mas em critérios de seleção racio-


-
!
esse prima, ela não pode nem deve propor seus múl h?
tiplos objetivos em termos puramente ideais. Ela precisa nal e gradual de objetivos, tanto no ensino e na pesquisa
incorporá-los de uma perspectiva prática ou pragmática, que
quanto nas aplicações de seus resultados. De início, as !

seleções sempre produzirão alguns inconvenientes e intro-


I
?
:i
estabeleça relações precisas e racionais entre meios e fins, duzir ão inevitáveis limitações. Como elas são meramente
!!
!: fazendo-o, porém, tendo em vista possibilidades reais e ob-
í
J

.
jetivos a largo prazo nacionalmente relevantes As na ções
estratégicas, com o tempo elas conduzirão à eliminação pro-
capitalistas desenvolvidas e, principalmente, as nações he-
gressiva de tais efeitos, permitindo a plena expansão das ií
-
11
condi ções ideais possíveis de um ensino moderno, da pes f?
Iji gemónicas do mundo moderno podem financiar os progres - i‘
quisa científica e da pesquisa tecnológica, A partir dessa
ft
sos globais da ciência e da tecnologia avançada. De um modo
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S
fase, onde e quando ela for conseguida, deixarão de existir
i
Ii
ou de outro, elas acabam descobrindo e aproveitando certos ;í \\
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1
1
a
! i:
as necessidades estratégicas impostas inicialmente, o que

li.
significa que as restrições oriundas do estado de subdesen- í
]:
volvimento deixar ão de ser relevantes e operativas. 1:
<

Nesse contexto, o essencial não está nos critérios de : i:

seleção, instrumentais e transitórios, mas nos objetivos na-


Ui

cionais, definidos a largo prazo. Estes devem desembocar


:l
'
*
• numa configuração histórica que projete o futuro no hori- CAPÍTULO 4
s zonte de decisões tomadas no presente, imergindo os uni-
• i versitários nos significados e nas funções da modernização UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO *
do ensino e da aceleração ou expansão da pesquisa cientí-
i **
í
Ç ;

i fica e tecnológica para a integração da sociedade nacional e Vejo esta discusão como uma oportunidade para deba-
para a sua autonomização cultural relativa. Os objetivos po- ter, com colegas que trabalham em outros campos da ciên-
;
h
derão variar , em escala, de um campo do ensino para outro
cia , os dilemas da universidade brasileira. Por isso, procu-
ou de uma área da pesquisa científica ou tecnológica para i
rarei restringir, na medida do possível, os inconvenientes de
outra. No essencial, porém, eles terã o um substrato cultural uma análise estrítamente sociológica. Falarei como alguém
.
.L
4
r
idêntico e permanente : associar a universidade à conquista

que tentasse aproveitar os esclarecimentos que se poderá i ; :i


de graus ascendentes de autonomização intelectual, cultural obter do enfoque sociológico da realidade, sem os inconve-
e política. Compreende-se, pois, porque a emergência e a nientes do jargão especializado e as imposições empíricas
; vi
i I". H

expansão de uma universidade integrada e multifuncional ou teóricas da análise sistemática. •i


não pode resultar, apenas, de um ato de consciência. Ela
precisa conter um momento de vontade política, pelo qual Por esse motivo, limitei-me ao debate de três questões il .
! |j :
uma sociedade subdesenvolvida lute, ao mesmo tempo, por gerais: l.°) como o sociólogo tende a encarar a contri-
sua independência no plano da educação e no da produção buição da “universidade" para o desenvolvimento; 2.°) o n
original de conhecimentos que são vitais na civilização fun-
dada na ciência e na tecnologia cient ífica. Sem esse mo- * Publicação prévia : in Ernest W. Hamburger e outros, Ciência, Tecno - !<

- logia e Desenvolvimento, São Paulo, Editora Brasiliense, 1971,


1

mento de vontade política, inicialmente calibrado por mo-


pp. 115448: “Universidad y Desarrollo ”, Aportes, N.o 17, Julio de 1970,


i

tivos e alvos nacionais, ela não pode servir de elo entre o pp. 133-158.
desenvolvimento da educação e da cultura e a negação e a Versão ligeiramente condensada, e adaptada a um público mais amplo,
superação da dependência. Portanto, esse iriomento de von- de conferência pronunciada no ciclo sobre “Universidade, Tecnologia e •!
Desenvolvimento”, promovido sob os auspícios dos Departamentos de
tade política é substancial e deve animar a visão das várias Física e de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
;
missões centrais e concomitantes da universidade, até que o Universidade de São Paulo, por convite do Professor Doutor Ernest W .
progresso obtido permita instaurar uma filosofia pedag ógica Hamburger ( auditório do Departamento de Física, 21/ 6/1968 ) . O esque-
nova, livre das determinações e das injunções fomentadas ma expositive' havia sido parcialmente aproveitado em palestra feita : U il

por um estado de dependência cultural. Então, e só então, anteriormente, sob o título “ A Reestruturação da Universidade Brasi- ! i;
leira e a Reintegração Nacional”, sob o patrocínio do Centro Acadêmi-
a imitação e a difusão poderão transcorrer, na esfera da co XI de Agosto da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. :
:

educação escolarizada e da dinâmica do crescimento da Essa palestra, teve a particularidade de ser proferida no restaurante do í
cultura, sem acarretar riscos para o grau de autonomia re- Centro Acadêmico XI de Agosto ptorque o diretor da Faculdade de r1
i
: lativa, que . a civilização moderna impõe a uma nação que Direito proibira os estudantes de realizã-la no recinto da Faculdade •
i :
i ( inclusive na “ Sala dos Estudantes” ) . O esquema expositivo, reelabora- ;

il
pretenda ser intelectualmente livre para escolher e concre- do e utilizado na exposição feita no Departamento de Física , foi parcial-
:

mente aproveitado em conferência feita no auditório da Faculdade de



tizar as opções históricas, preferidas pela maioria do seu povo. i*
Filosofia São Bento, da Pontif í cia Universidade Católica de São Paulo ,
na “Semana de Pedagogia”, organizada pelos estudantes da Seção de í
i Pedagogia ( 10/ 6 / 68 ) ; e em mesa-redonda , realizada com professores ) ;
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal
de Goiás ( 29/ 6/ 1968 ) . li í

94 95
Mi
i i
1
« ir
3
que se pode esperar dos dinamismos inerentes ao cresci- necessidades sociais por ela atendidas, e que calibra, fun -
mento económico e à mudança sociocultural (sob a hipó- cionalmente, o quanto ela poder á “ render ” ou “crescer”, .1
tese de continuidade das tendências atuais) , nos limites das dadas certas condições materiais e morais de existência so-
condições existentes no Brasil e na América Latina ; 3.°) o cial. O sociólogo retifica, assim, a primeira perspectiva, lo-

:]!
i-
y que deve ser uma “ universidade para o desenvolvimento ” calizando a instituição em seus quadros “reais” e “totais”. TiH*
i

Ji- na sociedade brasileira de nossa época. Creio que, através Durkheim define preeisamente as implicações dessa pers- h
dessas três questões, torna-se possível proceder a uma ro-
9
T!
pectiva retificada. As instituições compõem ou formam as i
tação de perspectivas, que nos permitirá avaliar em que sociedades. No entanto, estas é que determinam, por sua !í :ii
f! sentido a universidade pode concorrer (ou deixar de fazê-lo )
para o desenvolvimento; e, ao revés, como o desenvolvi-
estrutura e evolução típicas, os ritmos das instituições —
ou seja, o que suas potencialidades de “ render algo social- .
.
i l

mento contribui (ou n ão ) para modificar, quantitativa e mente” significam como aperfeiçoamento e crescimento ou !i-
i ,
qualitativamente, a estrutura , o funcionamento e o rendi- como estagnação e regressão. :

I mento da universidade. .
li Desse â ngulo, ao encarar a universidade brasileira como
I ;í

rí l
instituição, o sociólogo procura compreend ê-la à luz de
condições, fatores e influências que a projetam no cenário
:• ;
í ;í
i r A Perspectiva Sociológica mais amplo das a ções e das rela ções humanas. Ela não n

iI surge, como o mundo em si e para si, da reflexão pedagógica.
O conhecimento de senso comum e o pensamento abs- Mas como uma realidade histórico-social: o que se fez, o
;• trato, voluntarista ou não, tendem a focalizar as institui- que se faz e o que se poderá fazer socialmente com os
í
'
!•
í ções-chaves como se seu rendimento constituísse uma fun- modelos institucionais transplantados de organização da - !:

ção exclusiva de sua organizaçã o interna, da qualidade do aprendizagem ao nível do ensino superior. Essa perspectiva i!
ti pessoal ( ou de sua motivação) e da adequação das rela ções é essencial, se se pretender, de fato, explicar, corrigir e
-
:

entre meios e fins. Em suma, bastaria uma “ boa organiza orientar os ritmos dessa instituição.
'

. ij
ção ” e uma “ boa direção ”, para ter-se um “ bom rendimen- Em termos genéticos, a nossa “ universidade” lança suas
to” ou um “ rendimento ótimo”. A instituição retiraria de raízes históricas, culturais e pedagógicas em modelos ins-
si própria as forças de seus dinamismos e do seu cresci-
I. 3
titucionais europeus: modelos que transcendiam às “ exigên- h
:

mento, como se fosse auto-suficiente e se se determinasse cias educacionais da situação”, como elas podiam ser defini-
por si mesma. :
V. í

das socialmente. A razã o da transcend ência não era intrín-


-
O sociólogo adota essa perspectiva explicativa, mas ape- seca. Devia-se à própria natureza da situação. Na época
nas em parte. Para ele, a instituição é uma sociedade em
i

em que se dá a instalação da Corte e a elevação do Brasil a


;
miniatura. Possui uma estrutura, pessoal e cultura próprios; Reino Unido, a estrutura da sociedade brasileira revelava ao i
e conta com padrões organizatórios específicos, que regulam máximo as limitações do regime colonial português. Mesmo
sua capacidade de atender aos fins e às necessidades sociais
que dão sentido à sua existência, continuidade e transfor-
os estamentos senhoriais não possuiam condições e motiva -
ções, especificamente intelectuais e educacionais, para im-
primir densidade e intensidade à experiência. Por conseguin-
-
li
mação. Graças a essas peculiaridades, a instituição tem
1

seus ritmos próprios e, em certos limites, pode-se impor aos te, os modelos institucionais transplantados sofreram, si-
condicionamentos e à evolução do meio societá rio inclusivo. multaneamente, tr ês tipos de empobrecimento estrutural- i

Tais ritmos não são, porém, autodeterminados e auto-sufi-


.
! '

ij .
í : funcional. !• : i
1

];
i ;• cientes. Não só as instituições extraem sua razão de ser Primeiro, ocorreu uma espécie de segmenta ção, que pri-
do meio societário inclusivo. Este é que alimenta o fluxo vou os modelos institucionais transplantados de sua eficácia i

de seus ritmos, intensificando-os ou moderando-os, preser-


ii
máxima . Motivos políticos, relacionados com a defesa das
!
' vando-os ou alterando-os , fortalecendo-os ou solapando-os, prerrogativas da Coroa e do fortalecimento da dominação
etc. Em suma, ele é que cria a estrutura de meios e de

portuguesa, e razões práticas, ligadas à dispersão demográ-


|J fins, que relaciona, historicamente, a instituição com as fica, às imposições de uma sociedade de organização esta- ; i
:

96 97
1

I
ii
EL 4 . Ji*
w ‘H

reito. Mesmo nos períodos da emancipação política e da •


mental e de castas ou ao atraso cultural imperante, inspi-
i. ’

consolidação do Estado Nacional emergente, ficamos presos i;


raram uma política educacional estreita e imediatista. Em
consequência, o que se implantou no Brasil não foi a uni-
ao Direito português e às instituições jurídico-políticas her
dadas da era colonial (ao contrário do que sucederia, por
- '

'
[ •'!

I
versidade portuguesa da época, mas as unidades interme- exemplo, em situa ções análogas nos Estados Unidos, que
diárias, as “faculdades” ,e “escolas superiores”. As cátedras, marcharam rapidamente para a criação das normas e ins-
os catedrá ticos e a organização por cursos monolíticos con - tituições em que se iriam assentar a legitimidade, a auto-
&
- i= '

feriam a essas unidades, no sistema educacional metropoli


nomia e a eficácia da nova ordem legal) . O que se montou


tano, uma rigidez que só era contrabalançada graças aos foi uma “escola superior ” despojada de funções culturais
-
componentes extra escolares do estilo de vida e do convívio criadoras, estritamente orientada para servir de elo entre
na universidade. Erigida em um todo, em começo e fim “modernização ” e “progresso cultural” no exterior. Sob esse
de si mesma, a “faculdade” perdia essa influência corretiva prisma, o eixo de sua atividade construtiva gravitava em torno
e compensadora, vendo-se condenada a uma auto-suficiência de uma polarização cultural dependente. Ao concorrer para
educacional e intelectual estiolante. organizar e intensificar a transplantação cultural sistemá-
Segundo, apesar da crise que se abateu sobre a uni - tica, a “escola superior ” contribuía para diminuir a distâ ncia
i
versidade portuguesa durante o século XVIII, ela interagia
ativamente com os dinamismos culturais ( religiosos ou
histó^ rica existente entre Portugal, a Europa e o Brasil. To
davia, divorciava o pr óprio enriquecimento paulatino dos
- ii :!

seculares ) e com os processos políticos da sociedade inclusiva .


1
conteúdos do ensino superior do pensamento inventivo in- li
O dogmatismo religioso e tend ências autoritárias de controle terno e da modernização cultural independente. '
i
i

da liberdade intelectual limitavam seu poder de criação ori-


ginal, mesmo depois da reforma de 1772, que abriu a uni-
Terceiro, as possibilidades de absorção da sociedade bra
sileira impuseram, por sua vez, um drástico empobrecimen-
-
versidade metropolitana às modernas correntes do pensa - to funcional aos mudelos institucionais assim importados. O ! ..

mento filosófico e da prática científica. A universidade por - que a “ escola superior ” precisava formar era um letrado .•
tuguesa absorvia do exterior uma grande massa dos co-
i

nhecimentos transmitidos. Ainda assim , n ão era uma agên - com aptidõ es gerais e um mínimo de informações técnico
profissionais, habilitado para preencher certos papéis espe-
-
cia estritamente especializada de ensino. Em alguns de seus cíficos na burocracia , na estrutura de poder político e na
setores, havia fermentação intelectual genuína; até onde
,
esfera das profissões liberais. Nesse plano os interesses e
i

prevaleciam as disputas estéreis e o “espírito escolástico”, as necessidades sociais imediatistas da Coroa portuguesa e
ambos deitavam raízes em interesses ou valores que dividiam dos estamentos senhoriais nativos casavam tão bem que a
pelo menos os estratos letrados da sociedade portuguesa.
“escola superior” se converteu, de. fato, em mera equivalente
Portanto, apesar do pano de fundo pouco estimulante, ela
também preenchia as funções de “investigar ” e de “produ
zir conhecimentos” de modo original. A solução adotada, de
- enriquecida e privilegiada das escolas de n ível médio Daí.
resultou uma rígida especialização unilateral. A “escola su-
perior ” só tinha uma função: através do ensino magistral e
expandir e exaltar a escola superior isolada, respondia tar- dogmá tico, preparar um certo tipo vers átil de letrado, mais
diamente a uma orientação inelutavelmente “ colonialista^”. ou menos apto para o exercício de profissões liberais, rela- ' 1/
Sob a pressão da transferência da Corte, da reorganização cionadas principalmente com a advocacia , a medicina e a
do poder político e da adaptação do Brasil aos requisitos
• •

H engenharia. Devido ao despojamento do modelo institucio-



dessa “metropolização ” forçada , o que se desencadeava èra nal importado, essa funçã o nem sequer podia ser totalmente I ;•
um processo intensivo de modernização controlada em larga preenchida ao nível escolar. Impunha-se a complementação i
' •
i
.
escala O que interessa, nessa orientação e em suas conse- da aprendizagem , por meios propriamente formais e acadê-
!: ' Í

?
quências, é que ela alimentou uma espécie de despojamento
. •;
i•
micos (daí as “viagens de estudos ” à Europa) e, particular-
'

.
sistemático das funções das instituições escolares transplan-
tadas, que pudessem promover processos permanentes e ir - mente, pela yia do: rijr çpmo prático ( agregação ao escritório
^
algum par çjfc ou amigo) . Isso introduzia altos
í
ou clínica
reversíveis de autonomização cultural. O melhor exemplo,

98
para ilustrar esse ponto, pode ser extraído da esfera do Di- _ ^
< a FEJ / PMJ
fl KBUOTECA
\
custos adúE fhais invisíveis formação do “ bacharel”. Mas
- UFG
99
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I ) vi

À
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parte dos modelos institucionais transplantados que se in- :: :i

permitia que ele adquirisse a maturidade intelectual e a corporaram à herança educacional efetivamente mobilizável
destreza técnica que a “escola superior” não tinha possi - e dinamizada. No conjunto, pois, a mudança da Corte não
bilidade de garantir. Ela, por assim dizer, conferia ao gra -
i
i pressupunha nem conduzia a uma transferência de ritmos U
duado o diploma que o habilitava para o ritual de passagem
— históricos, sociais e culturais. A estrutura económica e social -
l E
í M
adquirido o título, ele estava como que nobilitado e pronto
- da sociedade colonial brasileira recebia algumas brechas. Mas . í

\i! para iniciar, na vida prá tica e através de mecanismos extra impunha seus próprios ritmos aos padrões culturais trans- ií
escolares, a parte mais importante da aprendizagem e da

'

IÍ plantados, tolhendo o impacto da modernização e orientando


preparação profissional. Como consequência inelutável, os
;

os seus efeitos mais profundos os de natureza institucio-


processos de institucionalização verdadeiramente vitais para
a dinâmica da cultura e da diferenciação de papéis intelec-.
nal —na direção da consolidação e aperfeiçoamento da
ordem social existente, baseada na estratificação interétnica
tuais não passavam, em regra, pelas “escolas superiores” e na dominaçã o patrimonialista dos estamentos senhoriais.
Fluíam diretamente das profissões liberais e das atividades Sob esse aspecto, a transplantação de instituições da socie-
?! práticas a elas associadas. Os referidos processos eclodiam dade metropolitana esbarrava em um vazio histórico, que era
;

P. nas “escolas superiores ” e nelas produziam alguns frutos çã o


.
; criado pela própria estrutura social de uma sociedade co-
! ii
Ir

Não porque estas fossem relevantes para a sua produ .


lonial escravista e senhorial. Esta não oferecia às institui-
'!

mas porque o profissional liberal absorvia, acumulativamen -


, para elas levando, de um modo ou ções absorvidas socialmente um patamar histórico-cultural ; 4

, as docentes
!•
I te tarefas
de outro, as “luzes de seu espírito”. Como e enquanto ins-
equivalente ao da sociedade metropolitana. Por isso, mal
grado todas as apar ências, a realidade educacional emer-
- li

I: tituição, as “escolas superiores” ocupavam uma posição mar- gente não traduzia as potencialidades dos modelos institu- .1
ginal e secund ária nesses processos, o que as divorciava da
i
r
cionais transplantados e sim o que a sociedade brasileira
produ ção autónoma de saber original e impedia que elas se


podia fazer com eles e através deles.
I
convertessem em “instituição diretora” da sociedade nacional
!r
li emergente . O que representa esse ponto de partida e de formação
 luz dessa discussão, duas coisas são patentes. De um do padrão brasileiro de escola superior? Não é dif ícil res-
lado, os modelos, institucionais portugueses não puderam ser ponder-se a essa pergunta. 1 Embora fosse demasiado com-
!i
r
• transplantados ém bloco e absorvidos em toda a sua pleni - plexa para a sociedade brasileira da época, a universidade
tude. Nem como parte da política seguida pela Coroa por - portuguesa estava em considerável atraso no cenário euro-
-
tuguesa, nem como efeito dos processos histórico sociais es- .
peu A reforma universitá ria de 1772 teve efeitos sanea-
I
J.
-
pontâneos chegou a concretizar se qualquer tentativa de dores e inovadores conhecidos. Sua eficácia, a curto e a
transferir para o Brasil o autêntico padrão metropolitano largo prazo, sofreu as interfer ências da reação conservan
tista às realizações pombalinas. O que se degradou e empo-
-
de universidade. Ele transcendia de tal modo às exigências
e às possibilidades da situação, que ficou à margemência dos breceu institucionalmente, portanto, não foram os modelos
• •i
I !•
transfer do novo ensino universitário, que despontava com a expan-
?
processos de modernização desencadeados pela . ííi
da Corte e pela reconstrução decorrente da ordem política. são das Ciências Naturais e do método experimental. Mas
De outro lado, a absorção cultural segmentada e parcial dos foram os modelos de um ensino universitário de espírito
I

modelos institucionais portugueses desenrolou-se com perdas


i
retrogrado, apenas parcial e superficialmente renovado^ com
! :

i
de caráter estrutural-funcional. Não que aqueles modelos fortes e insanáveis tendências ao verbalismo e ao dogma-

iJ
.:
i passassem por qualquer processo de desnivelamento ou nde tismo. O atraso possuía, pois, um sentido arcaizante. O fato
redefinição social. Eles continuaram presos aos mesmos í-
i veis sociais e aos mesmos valores que na sociedade metropo- 1 É preciso levar’ em conta que , em toda a análise aqui desenvolvida, o :

litana. Mas as “faculdades” ou “escolas superiores”, absor-


ii
'
1 período de referência vai de 1808 a 1827. Seria dif ícil , aliás , interpretar I

vidas segmentarmente, é que foram reduzidas às proporçõ es a formação da -escola superior considerando-se apenas as escolas e
'

da situaçã o histórico-social brasileira . Portanto, a perda cul- cursos montados por D. João VI, deixando-se de lado a instalação das
duas faculdades de Direito, em São Paulo e em Olinda.
5 i :1
t
tural ocorrida era de natureza específica, afetando aquela

1
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100
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1
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i
da sociedade ter imobilizado o rendimento institucional da brasileira. Dadas as condições de estabilidade estrutural i.

l. escola superior ao nível das profissões liberais ( e de suas dessa sociedade, 3 a composição dos corpos docente e discen- !

polarizações indiretas, em torno da burocracia e da política) te 4 e as consequências dinâmicas do isolamento cultural )


li
.i! • iria fazer com que esse atraso pudesse ser dissimulado e dos estabelecimentos de ensino superior, 5 um n úmero limi - li
: .!

tado de unidades institucionais análogas, operando de for-


; .!
& jamais fosse corrigido. Da í resultou algo paradoxal: um
i. 3 •
I ensino superior profissionalizante, mas destituído de cunho ma similar em largos períodos de tempo, tinha de criar, :..

pr ático e de qualquer pragmatismo; ou seja, um tipo de


forçosamente, um padrã o cultural bem definido e de alto


escola superior capaz de canalizar o desenvolvimento do en- .
poder coercitivo Segundo, o nível em que se procedeu à

íÍ!r
sino correspondente segundo um padr ão pr óprio, inconciliá
vel com as tendências de moderniza ção dessa instituição no
- avaliação societária da escola superior. Ela não foi posta
em causa através da qualidade do seu rendimento ou de
j.
n
! :.
í
(

cenário europeu. O “ novo” não só nascia completamente sua utilidade. Mas como fonte de reconhecimento social do il
!:
-
“ arcaico”— pelo menos continha um grau de obsoletização
inexistente nos paradigmas explorados. Ele se projetava na
talento de jovens já incorporados e classificados no seio da
sociedade civil. A sociedade não valorizou o ensino superior,
13
;
!

cena histórica brasileira como uma perene influência edu- como e enquanto tal; por ém, o que entendia ser o seu pro-
• li .

cacional arcaizante, que nada iria ou poderia abalar. Os fe- .


duto final, nas realizações pessoais Daí o fato do “diplo-
‘i!
n ômenos de renovação eclodiriam dentro dessas escolas, co- ma” e do grau de “doutor” acabarem atuando como fatores i
íí
i5
mo parte, porém, de movimentos de opiniões e de idéias, din âmicos de iné rcia cultural. A ambos se prendem tanto
I
com frequência vindos do exterior ( de Portugal e da In - a preservação de avaliações societárias que projetavam o
. glaterra, ou , mais tarde, da França e da Alemanha) . Não ensino superior numa esfera conspícua, de um bem em si, 7

1 :
'
-
atingiam o seu núcleo estrutural funcional institucionalizado
e, por conseguinte, não afetavam o seu funcionamento, o seu
quanto o apego intelectual, emocional e moral que se criou
em torno do tipo de instituição que os tornava possíveis.
rendimento e a sua rela ção com a sociedade. Terceiro, a relação dos processos de transplantação, inven-
ção e utilização do conhecimento com a organização e a
Esse processo de senilização institucional precoce tinha, transformação da sociedade. A evolução se deu, ao longo
portanto, dupla origem. Em parte, ele procedia do atraso do tempo, segundo linhas que mantiveram em primeiro pla-

h

cultural relativo dos modelos institucionais portugueses. Em no a contribuição positiva das profissões liberais. Em con-

i!
'
.: í
i parte ( na verdade, na maior parte ) , ele provinha do con- sequência, nada punha em jogo a escola superior montada !
' \:
dicionamento sociocultural do ambiente e das necessidades
:•
• i >'
II
.
í:

educacionais que ele alimentava ao nível do ensino superior 3 O regime de trabalho escravo, com as formas correspondentes de
A sociedade brasileira empobreceu aqueles modelos, conver- relações económicas, sociais e políticas, só seria extinto no fim do
teu a sobra residual no padrão brasileiro de escola superior século XIX. Ainda assim, as bases da estrutura oligárquica e da domi-
e submeteu esta última a uma utilização sistematicamente nação patrimonialista tiveram bastante vitalidade para se manterem
quase intactas na reorganização da sociedade brasileira, caracterizando
precária. profundamente a nossa I República.
4 A escola superior brasileira constitui um exemplo t ípico do “ pequeno
Há pouco interesse em ventilar-se aqui porque as coisas grupo” institucionalizado. Abrangia um número reduzido de profes-
se passaramv dessa maneira. Conviria, porém, dar alguma sores e uma pequena massa de estudantes. Embora não fosse social- i

atenção às razões que parecem explicar , ex-post facto, como mente homogénea, recrutava professores e estudantes nas elites da r

e por que o tipo de escola superior, que se constituiu durante sociedade civil ( ou seja, nos estratos superiores dos “estamentos domi-
nantes”, os quais compreendiam as famílias gradas dos estamentos
as tr ês primeiras décadas do século XIX, converteu-se em
i
intermediários e os estamentos propriamente senhoriais ) .
i!

-
I '

padr ão cultural dessa instituição educacional. . Ao que pare


i'! !
5 A escola especializada ( ou ultra-especializada, como era o caso ) , pro- í

ce, sã o três as razões mais importantes. Primeiro, o nú- duz um isolamento institucional que opera, dinamicamente, como uma
mero reduzido de escolas 2 e sua relação com a sociedade espécie de barreira autoprotetiva. Nesses termos, a escola superior i
! gerava as forças que aliínentavam o seu padr ão de equilíbrio institucio- ir
):
i
i
i 2 Durante todo o século XIX foram fundados e se desenvolveram 14 es- nal e tinha condições para mobilizar normalmente os recursos mate- ;
:- :
tabelecimentos de ensino superior. riais e humanos de que necessitava
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103

102
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; • para preencher, estreita e rigidamente, a função de preparar >
-
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profissionais liberais através do ensino magistral livresco e to a forma ção do regime de classes se deram sem qualquer
.: li!
i .
ruptura dos laços de dependência económica e cultural em
í

dogmático. O baixo rendimento desse tipo de escola e a


esterilidade das avalia ções societárias, que sustentavam o relação ao exterior. Ao contrário, a transformação e a re-
! :I
seu prestígio e a consciência de que ela era “necessária” e definição desses laços de dependência tiveram importância í !;
e
“útil”, não podiam ser postos socialmente em questão. Ao marcante para essa transição. Daí resultou, em conjunto,
í- : se fundar um novo estabelecimento de ensino superior, ele que a “idéia de universidade” e, prineipalmente, a univer- yc i

seguia o modelo dos estabelecimentos do mesmo gênero sidade plurifuncional não se propunham na cena histórica


:: -
anteriores. A escola superior depurava-se e se fortalecia, como exigências viáveis e imperativas da situação. Durante ' :
; :

ao mesmo tempo que o seu padrão institucional se difundia muito tempo mesmo depois que o regime de classes já I?
l!;
e se convertia numa influência soeiodinâmiea inexorável. se impunha como realidade histórica — surgiam como meras
especulações intelectuais e como antecipa ção do futuro. Se
!íí
Essas três razões, se não explicam tudo, rendem conta
! •

tivesse ocorrido uma ruptura violenta e irreversível nos laços


do que é essencial. Elas mostram, em particular, que a evo- de depend ência económica e cultural diante do exterior, a
lução ocorrida não permite entender o drama do ensino su- hist ória seria, certamente, distinta. A própria desagregação
perior brasileiro como um fenômeno especificamente educa-
j !'
do antigo regime e a formação concomitante do regime de
cional. A escola, ao nível do ensino superior, não absorveu, classes acarretariam, como pólos dinâmicos da revolução i
como instituição, as funções que deve preencher na civiliza- social interna, o rápido repúdio do velho modelo de escola
:i
t!
-l ; ção ocidental moderna. Teve de dividir essas funções com superior e a elaboraçã o de uma universidade brasileira to-
\v
IS
outras instituições e, por isso, acabou adquirindo uma feição "
talmente divorciada de nossa herança educacional, voltada !
.
> ú nica e realizando um destino singular. Existe, como resí- para as necessidades socioculturais do presente e para a
.j
i
duo, um “problema educacional ”. Apesar dele se originar construção do futuro.
no seio da escola superior e de se manifestar atrav és dela,
o seu fulcro estrutural e dinâmico localiza-se no modo pelo Devido à continuidade da dependência cultural em re- I -
qual a sociedade brasileira participa da civilização ocidental lação ao exterior, manteve-se a conexão básica da escola su-
moderna. Isso quer dizer que, para se corrigir o problema perior como a transplantação de conhecimentos. De outro
I •

u
r educacional, seria preciso ir muito mais longe, até se atingir lado, embora os papéis intelectuais dos profissionais liberais
os ritmos históricos de uma sociedade nacional dependente diminuíssem de importância dinâmica como fator sociocul- n
e os fatores que determinam suas inconsistências ou deficiên- tural do pensamento inventivo e criador, eles sofreram os ít
hi
r
cias em face de determinado padr ão de civilização. efeitos diretos da concentra ção urbana. Não só se diferen- Hi
h
Aos olhos do sociólogo, tal começo não pode nascer da ciaram e pulverizaram em diferentes direções; aumentaram !
“vontade esclarecida ” de uns poucos e de simples “transfor- rapidamente, numa escala ascendente. Além disso, a desa-
mações internas ” das instituições. É necessário que a so- gregação do sistema escravista e senhorial não interferiu
ciedade mude suas relações com as instituições, fazendo na alta concentração da renda, do prestígio social e do poder. i

pressão, simultaneamente, na diferenciação estrutural-fun- Apenas os velhos privilégios se desnivelaram socialmente,


cional das instituições consideradas isoladamente, na rear- aos poucos, intensificando a gradual ascensão das classes l

ticulação das instituições convergentes ou interdependentes, médias em formação às profissões liberais e aos papéis in- !r
e na intensificação do seu rendimento específico. Semelhan- telectuais políticos, burocrá ticos ou técnicos que elas abriam . I
l[
If
te processo, no contexto histórico-social brasileiro, dependia Assim, as transformações estruturais da sociedade global,
h,
da desagregação da sociedade estamental e de castas e da associadas à transição para o século XX e à expansão do \

formação de uma sociedade de classes capaz de dinamizar regime de classes , não repercutiam no antigo padrão de es- H
.
;<

padrões, valores e ideais sociais competitivos no plano da cola superior No momento em que deveriam entrar em >

transplantação, produção e transmissão dos conhecimentos. crise, ele conheceu o clímax de sua influência hist órica. É .(

A questão não é de análise e discussão simples, porque


que, então, se inicia uma nova etapa do desenvolvimento
quantitativo do ensino superior. Durante a I República,
í'
tanto a desagregação do regime escravista e senhorial quan- foram criados 64 estabelecimentos de ensino superior ; de 1930
• :

104 105 1
i
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i
!: •
:?
Ifí: :: níveis distintos. O novo universitário entrou em conflito
a 1949, fundaram-se 160 desses estabelecimentos (duas vezes
' L.

irreconciliável com sua existência e perpetuação; o homem


i

"I i e meio a cifra anterior) ; e, apenas numa década, de 1950 de ação moderno, que exprimia o jogo de interesses do mun-
a 1960, instalaram-se mais 178 estabelecimentos (quase tr ês
v
-
- i

do urbano industrial, também passou a criticar os seus altos


'' :
vezes aquela cifra) . Ora, a rápida multiplicação e a dis- custos e seus baixos rendimentos; por fim, os jovens de
;i

seminação da escola superior processavam-se em conformi -


i
5: !
classes médias ou altas, nas quais se recrutam seus alunos,
dade com o antigo padr ão cultural. Primeiro, de
:

maneira
mostraram seu desencanto através de uma repulsa total.
! ; S:

direta: os estabelecimentos mencionados nasciam e cresciam


i

; / i
No fundo, o ensino superior está sendo redefinido social e
como escolas superiores típicas. Em seguida, quando a idéia
i

culturalmente. O diploma já não conta como no passado.


i •

N
íf de universidade passou a prevalecer ( especialmente depois =\
Ainda é perseguido, mas n ã o tanto como “símbolo social”:
i

da revolução liberal de 30) , de forma mais complesa e tor- como requisito e índice valiosos na competição intelectual ou
tuosa: as escolas superiores agregadas entre si, mantidas e profissional. A sociedade brasileira não chegou a equacionar
fortalecidas sua estrutura tradicional e suas tend ências au- o desenvolvimento como o equivalente da revolução dentro I
:

tárquicas pela conglomeração, passaram a ser chamadas de- da ordem e acelerador da revolução burguesa nos limites da
“ universidade”. independência nacional. Não obstante, volta-se para a uni-
:
Todavia, no bojo desse processo de crescimento quanti- versidade com expectativas que permitem represent á-la, so- :!

tativo, a escola superior entrou em colapso. O referido pro- cialmente, como uma agência de ensino e de produção cul-
tural. E seu f énix não é posto no saber conspícuo, hono-
! .
cesso respondia a necessidades educacionais mais ou menos
.
novas Especialmente a partir da década de 50, as comu - rável mas inoperante. Ele é colocado, um tanto ingenua
mente, na contribuição que a universidade está sendo cha-
-
nidades urbanas dotadas de funções metropolitanas reque-
J

í:
riam um tipo de ensino superior que fosse capaz de res- mada a dar, educacional e culturalmente, para a aceleração i
i .

ponder às exigências intelectuais, sociais e culturais da ci- do desenvolvimento.


-
:
vilização urbano industrial. Isso acarretava: a expansão do Nessa fase de transição confusa e desordenada, em que i!

ensino, da ciência e da tecnologia cientifica ; a intensificação a crise da escola superior tomou proporções dramáticas e í
!

da contribuição da escola superior ou da universidade à pro- irreversíveis, o velho padrão de ensino superior iria exercer !
dução de conhecimentos originais (em particular, no ter-
K\
influências desorientadoras e funestas. Na medida em que l i
reno da investigação científica e da pesquisa tecnológica ) ; a situação de depend ência em relação ao exterior apenas se f

a formação de uma nova mentalidade, de orientação prag - redefiniu em novas bases, ele pr óprio não ficou totalmente
: lj; í
mática e, ao mesmo tempo, “ científica” e “ universitá ria”, condenado. Revitalizou-se provisoriamente, através da disse-
'

que libertava o pessoal docente dos papéis secundários e


marginais dos profissionais liberais. No plano especificamen-
minação dos estabelecimentos de ensino superior e, princi
palmente, da formação da . universidade conglomerada. Nes-
, -
te institucional, o rá pido crescimento- quantitativo provocou ta, realmente, é que se trava a última batalha. Modificado
consequências de duas ordens. Pôs em evid ência a incapa - e fortalecido pelo efeito acumulativo da solidariedade ativa
-
. S

cidade do velho padrão de escola superior de crescer, dife (administrativa e politicamente - atuante) , 6 esse padrão de
reneiar-se e adaptar-se à situação nova. O congestiona-
:

ensino praticamente renasceu, como dinamismo sociocultu-


f

-
! :
mento quantitativo e estrutural-funcional serviu para de- ral. . O que importa assinalar, aqui, é que ele está na raiz 1 ;

b monstrar a rigidez da instituição e sua inexequibilidade nos das resistências aos movimentos de reforma universitária e
; = •

tempos presentes. Além disso, revelou as fontes congénitas da obstruçã o sistemá tica às tentativas mais íntegras de cons-
• : l
i

,tt! de sua impotência cultural: adaptada ao ensino magistral e !: ! t


dogmático, a escola superior tradicional não possuía con- rgãos ( como o conselho universitário
° A cqnglomeração deu origem oa ópodef
.
S

-

a
e reitoria ) que aumentaram de preservação , de crescimento i
dições internas para evoluir no sentido do ensino pluridi
. i

e de influência da antiga escola superior. Como não quebraram sua ?

mensionado, nos moldes de concepções científicas, demo-


i
i'
estrutura autárquica, engendíàndo umã ordem que se adaptava inte- í
i

cráticas e utilitárias de educação escolarizada. O seu teor gralmente aos requisitos funcionais da escola superior tradicional, esta

i
arcaico e os seus dinamismos arcaizantes chocavam-se com se fortaleceu e ganhou novos alentos, até criar a universidade emer-
gente à sua imagem.
i
as exigências da situação histórico-social emergente em tr ês ! :

i! 107
|
106 !

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T ”

fn A

depend ência cultural imposta de fora para dentro. Os in-


iii
trução de uma universidade nova. Na verdade, como o que a
existe é a escola superior tradicional e a universidade con- teresses e os valores sociais que orientaram o apontado cres- !!! i
i

-
i

glomerada, as atitudes e opiniões acabam exprimindo, de cimento institucional do ensino superior nasciam dessa si
modo direto ou indireto e de maneira visível ou invisível,
'
tuação de dependência, mobilizando a expansão do ensino
só a maior parte dos professores —
as deformações produzidas por aquele padrão cultural. Não
ramente engajados na renovação da universidade —
mesmo quando since-
se acha
contaminada ; os jovens, na â nsia de destruir a escola su-
na direção da continuidade da dependência educacional e
cultural. Portanto, nem a escola superior tradicional nem
a universidade conglomerada tinham forças para romper o
imobilismo e as limita ções dinâmicas do meio. Nasceram, ao i
.
j

perior tradicional e a “ universidade arcaica”, acabam ape- contrá rio, para se adaptarem às exigências educacionais e
gando-se a soluções que dão continuidade e revigoram , sob culturais que as tornavam uma realidade histórica, como
“má escola” e “ universidade-problema”. Permitiam e esti-
Í: J
novas roupagens, às “ estruturas arcaicas”. 7 Uns e outros :
estão imersos nas mesmas estruturas educacionais, que ope- mulavam o crescimento dentro da ordem. Mas esta ordem
ram, também, como estruturas de poder. Os que lutam entre dinamizava-se, estrutural e historicamente, como a ordem
si, “contra” ou a “favor ” das soluções arcaicas, ou seja , “con-
; ?
económica, social e cultural de uma sociedade de classes
tra” ou a “favor” do conservantismo cultural, t êm de apoiar- $
i dependente. Os que pensam e lutam pelo “ destino nacional”
se naquelas mesmas estruturas. Assim, ocorre um paradoxo í, do Brasil em outros termos precisam subverter as bases do
digno de especial atenção. A irracionalidade do comporta - seu pensamento e de suas atividades sociais ineonformistas.
V, \:

-
I
5 mento conservador condiciona e acaba calibrando a irracio :
i; A universidade apta para o desenvolvimento não foi nem
I nalidade simétrica do comportamento radical. Em termos podia ser herdada dos modelos institucionais que vêm do i
:

-

passado. Ou ela ser á forjada aqui e agora, sob a previsão


!;
:
de atitudes, opiniões e a ções médias, tal circunstâ ncia é ter
rivelmente nociva. O Brasil, que pagou um preço tão alto, das exigências educacionais e culturais do futuro, ou nunca
: i
l

teremos uma universidade brasileira capaz de responder,


I

na esfera do ensino como em outras coisas, ao earrancismo


e ao imobilismo conservador, na época da mudança acelera - por si mesma, aos requisitos da “civilização industrial” e de
atuar, por si mesma, como um fator de desenvolvimento
da sofre a mesma consequência de onde ela seria inesperada.
!
• I

v
A incongruência, a imaturidade ou o oportunismo conduzem F acelerado, mas independente. If
os defensores das soluções inovadoras e reformistas por ca-
y ..
i i

r.
minhos que n ão levam, por si mesmos, à universidade nova. h
Cedem às confusões reinantes, quando deveriam efetuar uma Os Efeitos Educacionais do Desenvolvimento Dependente
í revolução copemicana, que o meio não realizou. Teriam de
pensar e de lutar pela universidade nova fora e acima do
:
í I

O leigo, em regra, procura -saber do sociólogo se o cres-


:

-

r próprio contexto histórico cultural, negando e repudiando, I

- cimento económico e a mudança sociocultural espontâneos,


socialmente, as f órmulas de transação educacional ou po
lítica, decorrentes da presença invisível do velho padrão de
dadas certas condições de otimismo intelectual, não são su
ficientes para conduzir à modernização dos modelos institu-
-
ensino superior em todas as consciências.
cionais e para levar à sua utilização melhor possível pela
Essas reflexões possuem uma importâ ncia que n ão pre- sociedade. Com referência à educação escolarizada, seme-
i cisa ser exagerada. A escola superior tradicional e a uni- lhantes indagações sublinham uma convicção arraigada: pri- :•
I
i
versidade conglomerada são produtos de uma sociedade que meiro, o crescimento económico; depois, o desenvolvimento
r
se adaptou, estrutural e historicamente, a uma situação de edueaeional. Há muitas falácias e raciocínios circulares por
7 A melhor ilustração, a respeito, pode ser extraída das comiss õ es pa- trás dessa f órmula simplista. Para o sociólogo, o fundamen-
ritá rias das várias seções da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras tal não está, apenas, na existência de “crescimento econó- :
i •

-
da Universidade de Sã o Paulo. Em vez de se voltarem decididaraente mico” ou de “desenvolvimento educacional ”. O tipo de ::
para o modelo ideal de universidade a ser criada, fixaram-se, obstinada-
“ crescimento económico” e de “desenvolvimento educacio-
<
;
mente, na reorganizaçã o departamental das antigas seções, como se a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras não estivesse fadada a desa - nal” também precisa ser posto em questão: de um lado, para
parecer. -
determinar se se o crescimento económico concorre ou não
1 108 109 :


«;

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1
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!'

\i para alterar a estrutura da economia e da ordem social; de sociais existem e são mobilizados socialmente. Mas com um
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-
outro, para conhecer se o significado social do desenvolvi- atraso cultural relativo que é pequeno, na superf ície, e muito
ií mento educacional, se ele afeta ou não a organização so - grande nos planos mais profundos. A questão não está tanto
: j

!ii-
cietária dos papéis intelectuais e as relações dinâmicas da no fato de que o processo seja vicário ou simplesmente com -
! transmissão da cultura com a eficácia ou com a transfor- partilhado por imitação. Porém, no fato frequentemente
mação de dada ordem social. A questão, vista dessa pers- subestimado de que a eficácia e o rendimento das institui-
> pectiva , é demasiado ampla para ser convenientemente ven - ções, valores e técnicas sociais dependem largamente da or-
tilada e esclarecida aqui. Somente dois de seus aspectos ganização da sociedade global. Ao lado desse, aparece o • •
P
centrais, com algumas de suas implicações mais importan - ritmo histórico próprio da sociedade subdesenvolvida e de-
'
?
í
:
tes, podem ser levados em conta. pendente. Nele, as virtualidades do avanço aparente ou po-
O primeiro aspecto consiste naquilo que se deveria cha- tencial desaparecem. O que se afirma é a possibilidade que i
mar de “dilema das nações capitalistas dependentes” no que essa sociedade tem de lidar com seus problemas sociais e
com seus dilemas histórieos. Não se trata, certamente, de
:
concerne à natureza e às funções do desenvolvimento. Onde
: ? i

o capitalismo se converteu em realidade histórica, mas sem um “ ritmo histórico independente . As for ças atuantes no
suas formas de crescimento económico auto-sustentadas e cenário histórico-social se estruturam a partir de uma com- i

relativamente autónomas, o atraso cultural relativo e a de- plexa e insuperável situação de dependência. Contudo, com s

pend ência cultural não impedem certo avanço nas esferas os seus vaivéns e com suas insuficiências, esse é o ritmo
da modernização e da absorção institucional. -Por esse mo- histórico real, no qual as na ções subdesenvolvidas descobrem :I .

-
tivo, o “dilema real ” dessas nações não é institucional e cul í que a “modernização” e o “ nacionalismo” não bastam para
imprimir o máximo de eficácia e de vitalidade a um certo
' '1

tural; é económico, social e político. Elas compartilham os


processos pelos quais a civilização ocidental se renova. À padr ão de civilização. Tudo isso patenteia que o importante
medida que o capitalismo impõe, no plano internacional, vem a ser a posição a partir da qual determinada sociedade
certas técnicas sociais comuns e unifica o espaço sociocultu- participa dos processos psicológicos, sociais e culturais pelos
quais a civilização cresce e se difunde. Se a sociedade con- .
ral do mundo moderno, chegam até a participar antecipa-
j

damente das inovações dessa civilização. Dos enlatados, dos siderada estiver numa posição central e vantajosa, ela de -
- termina seus próprios rumos na história. Se, ao inverso, ela
1

artefatos e dos padrões de gastos ou de conforto à tecno


logia, às ideias e aos movimentos juvenis, a absorção se dá estiver numa posição marginal e dependente, a sua história
mesmo antes do aparecimento de condições internas apro - } não será um reflexo tardio da história alheia, pois cada
povo cria a sua história dentro das marcas da civilização
priadas (isto é, antes de se converterem em necessidades psi-
J ' 1

cosociais ou histórico-sociais) . O que ocorre é que as inova- de que participa, mas não traduzirá uma vit ória do homem
ções não desempenham nem os mesmos significados nem sobre o ambiente. Em cada aumento, o agente humano se
-
i

as mesmas funções sociais no contexto da sociedade subde encontrará permanentemente perplexo diante das exigências
senvolvida e dependente. Esta mobiliza os avanços institu - da situação, impotente para enfrent á-las e submetê-las a i

cionais e culturais do padrão de civilização que compartilha. controle racional, malgrado as vantagens aparentes do i:

!
A sua vigência e eficácia, porém, é parcial ou totalmente avanço cultural vicário e antecipado. 8
aparente. A sociedade subdesenvolvida e dependente não pode Uma sociedade como a sociedade brasileira, tão tipica
explorá-los na mesma direção e da mesma maneira que as das possibilidades e das limita ções do capitalismo dependen-
sociedades hegemónicas, das quais recebe ou copia as ino-
s Ver, a respeito: a discussão, feita por Richard Morse, da relação
vações. entre as elites paulistas e a solução dos problemas urbanos de São
Portanto, na história social das nações capitalistas sub
desenvolvidas e dependentes é preciso distinguir dois ritmos
- Paulo ( cf . De Comunidades a Metrópole: Biografia de São Paulo ,
Comissão do IV Centenário, S. Paulo, 1954, esp. caps. Ill e IV ) ; e as
interpretações de F. Fernandes ( cf . Mudanças Sociais no Brasil, S. Pau-
históricos superpostos. Um ritmo que nasce da comunica-
i.
•:
lo, Difusão Européi à do Livro, 1960, esp. cap . X ) ; e, a respeito da i .
ção com o exterior e que, frequentemente, põe-nos diante i
questão no plano do ensino, Geraldo Bastos Silva, Educação e Desen-
de uma “história virtual”. Instituições, valores e técnicas volvimento Nacional, Rio de Janeiro, ISEB, 1957 ( passim ).

110 i
111
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1

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cionais arcaicos com interesses estamentais ou de classes,


te, tem de enfrentar esse desdobramento de ritmos histó- que só poderia ter algum sentido dinâmico no contexto his-
ricos como parte da luta contra a depend ência cultural e o t órico da formação do capitalismo dependente no Brasil.
subdesenvolvimento. Para ela, a história virtual é uma fic- Não só estava montado para servir às relações de depen- . 11
ção e uma fonte de riscos. Só serve para racionalizar os dência; dava suporte a uma orientação tipicamente con-
IS
í
“ malogros nacionais” e dar fundamento legítimo aos estilos servadora, que esvaziava a contribuição das escolas superio- I
de vida e de pensamento imperantes entre as pequenas res para a transplantação cultural de significado histórico :
&
í parcelas de sua populaçã o que se mostram “ cosmopolitas”. mais ou menos perturbador. Em consequ ência, operava como •

f
i
O que surge como uma exigência fundamental vem a ser uma sorte de agente mecânico de transferência cultural, \

a superação da distância cultural existente entre os dois restringindo as inova ções ao âmbito do pensamento abs- í I
ritmos históricos. Isso nã o pressupõe, apenas, o que os mar - trato, da falsa erudição e das racionalizações compensató- ii
i *•
l
?

xistas chamariam de um esforço crítico de desmistificação. rias, que movimentavam verbalmente os símbolos do “ pro-
Exige a formação de um horizonte intelectual desvinculado í
; gresso cultural”. O conceito de alienação é insuficiente para : :j
do af ã de comercializar os laços de depend ência cultural e descrever o substrato material ou moral e o clima de idéias J
os efeitos do subdesenvolvimento. Ou seja, em outras pa- em que se movia aquele ensino superior. Mais que aliena-
i.

lavras, requer que se constituam certas disposições cole- ção, o que ficava por tr ás do padrão brasileiro de escola
tivas de mudança sociocultural, orientadas no sentido de superior era um farisaísmo intelectual sistemático, tão tosco
i

modificar a posição do Brasil no fluxo da moderna civili- e provinciano quão arrogante e anti-social. Ele não só en- !
zação industrial. Uma alteração, em suma, que permitiria tretinha “ilusões de progresso ”. Alimentava uma consciên-
transferi-lo, gradualmente, da “ periferia ” para o “ n úcleo” cia educacional perversa, que projetava a realidade de forma v
í
dos pa íses que produzem culturalmente essa civilização e invertida e segundo categorias intelectuais inviáveis. Tudo
monopolizam as vantagens que ela proporciona no plano isso possuía sentido, mas não para a negação dos laços de
internacional. depend ência cultural e a superação do subdesenvolvimento: !.

Desse ângulo, o subdesenvolvimento não pode ser cor- para um jogo de simulação histórica, que pretendia infundir
rigido, preservadas as condições de dependência, por mais à sociedade civil as aparências ideais de uma “sociedade al- í i
:

vantajosas que estas pareçam ser ( para as classes sociais tamente civilizada ”. H
que especulam com’ o subdesenvolvimento; ou , mesmo, para O segundo aspecto consiste na dinâ mica real das re-
ã nação como um todo) . A alternativa é a conquista de uma L.
lações de dependência no mundo capitalista subdesenvolvido.
posição independente ao nível histórico em que se dá o cres- Na verdade, o processo civilizatório desenrola-se fora e acima
cimento e a difusã o do padrão compartilhado de civilização.
—--
das fronteiras desse mundo. Embora a mitologia raciona
Portanto, para a “sociedade subdesenvolvida”, desenvolvimen - lista do século XIX tenha legado uma ilusão persistente
to não é qualquer tipo de transformação estrutural interna: de que as sociedades subdesenvolvidas reproduziriam nor
é a mudança social que, além de destruir os laços de de - malmente o ciclo evolutivo das sociedades capitalistas avan-
. i


\

pendência para com o exterior, permite àquela sociedade a çadas os fatos mostram outra realidade. Estas socieda-
conquista de semelhante posição de autonomia cultural re- des, ditas “ centrais” e “ hegemónicas”, se beneficiam de sua
lativa, no seio de uma certa configuração civilizat ória em
(

ppsição dominante nos processos de invenção cultural e de


crescimento. crescimento da civilização industrial. Elas monopolizam ,
Posto em confronto com essa caracterização estrutural, praticamente, o controle de ambos os processos e absorvem
o crescimento ocorrido na esfera do ensino superior brasi- seus melhores dividendos históricos. Daí resulta uma rea-
leiro sempre esteve desvinculado do desenvolvimento pro - lidade cultural inexorá vel : existem, frente a frente, duas
i

-
i :
priamente dito. O padr ão brasileiro de escola superior nunca dial éticas de desenvolvimento. As chamadas nações hege
deitou raízes em concepções, processos ou valores educacio- mónicas alteram suas técnicas de organização e de domi
nação sob ' um ritmo hist órico ultra-acelerado. Em conse-
-
nais que foram vitais para a revolu çã o do mundo moderno,
na Europa ou nos Estados Unidos. Ao contrá rio, ele se pren- quência, elas tomam a dianteira tecnológica e se adaptam
dia a uma composição de resíduos educacionais ou institu- ij
113 í
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112 ' Í

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i
.

flexivelmente às transformações do mundo capitalista sub - sódio mostra que a dependência se parece com uma hidra
de sete cabeças e que o subdesenvolvimento, sob o capitalis-
!
-
desenvolvido, impondo lhe continuamente novas condições,
vez mo dependente, só pode ser combatido com a colaboração
: i
I :

externas de dependência económica e cultural. Por suareve


-
; -i

capitalistas subdesenvolvidas ativa e espoliadora dos parceiros mais fortes. Diante dessas
as chamadas sociedades três ilustrações, que são típicas, é claro o sentido das duas
lam crescente dificuldade até para acompanhar esse proces-
so. Lutam contra as relações de dependência e o subdesen - dialéticas do desenvolvimento. O apoio de maior massa de
recursos, a flexibilidade de decisões e de iniciativas, as van-
h

I
volvimento em tais níveis de espoliação económica e de atra - tagens de uma posição de comando e o rápido crescimento
so sociocultural que, quando logram êxitos palpáveis, eles
perdem qualquer sentido prático. A hist ória brasileira for
no con
-
-
cultural conferem às nações hegemónicas no mundo capi-
talista um ritmo histórico avassalador. As nações heteronô-
:!

nece, pelo menos, três ilustrações típicas. Primeiro, Quando micas (ou dependentes) do mesmo mundo histórico-cultural 1
texto das lutas pela emancipação política nacional. : •
!
!:
não têm alternativas. Permanecendo fiéis ao capitalismo, !
as camadas senhoriais logram a extinção do antigo sistema

elas se condenam a um tipo de crescimento económico e


colonial, a domina ção exterior deixa de ser legal e política: cultural, que pode ser descrito sob o conceito de “desenvol-
i
-
os laços de dependência definem se em um plano pura-
mente económico e a hegemonia portuguesa transfere-se para
vimento dependente”. Este conceito não significa, apenas, ;:l
que elas estão sujeitas a “crescer ” através dos efeitos di-
a Inglaterra. Segundo, no contexto da integração da so- retos e indiretos da difusão cultural. Mas que a difusão
ciedade nacional, parecia às elites senhoriais que o controle cultural se desenrola, nos diversos níveis, em função de
do poder político assegurava autonomia nacional efetiva. No interesses e de dinamismos das sociedades hegemónicas, bem U
entanto, as “grandes potências ” ocidentais reorganizaram como das probabilidades de absorção de tais interesses e
-
as técnicas de organização do espaço sócio económico mun- dinamismos por parte das sociedades heteronômicas.
dial. Evoluíram rapidamente do neocolonialismo para o im-
•i
<
perialismo económico, especializando as economias capitalis-
O drama atual da América Latina não está nesse pro-
! i
!
i:

-
tas dependentes e submetendo as a um complexo processo cesso, em si mesmo ameaçador e estarrecedor. Mas nas di- !•

de crescimento económico orientado e controlado de fora . É


ficuldades que ela enfrenta para acompanhar o rush do il :

nesse contexto que se deve compreender tanto as- perple-


!
i
desenvolvimento dependente, sob o capitalismo monopolista, :i ;
- a “interdepend ência” político-diplomática e militar, e a ho- :
ii
xidades brasileiras na supressão do tráfico negreiro quanto * mogeneização sociocultural do espa ço económico. A distân-
i

a liberdade de iniciativa dos interesses estrangeiros, que in- cia cultural entre as sociedades hegemónicas e as socieda-
vestiram capitais, trabalho e influências políticas na forma-
i

ção de uma economia capitalista integrada no Brasil. Quan-


i des heteronômicas diminui de modo abrupto e considerável.
Os paísep da região revelam-se variavelmente incapazes de
do parecia a todos que a “intemalização de centros de de- realizarem sozinhos o salto histórico que as circunstâncias
cisã o” acarretaria maior autonomia relativa, ocorreu nova,
!

exigem. As dificuldades não apresentam o mesmo peso em


*

reviravolta, gra ças ao novo padrã o de dominação externa


! I

todos os níveis da sociedade. É na educação escolarizada que


associada ao capitalismo monopolista. Terceiro, assistimos elas são maiores, já que os países não contam com infra-
agora ao mais complexo e completo controle externo de nosso
i

- estrutura económica, social e política para promoverem a


crescimento económico e sociocultural. As grandes empre
!

adaptação de seus sistemas escolares às necessidades edu-


sas económicas organizam e integram o espaço económico
i í
cacionais emergentes.
mundial para a sua operação em escala internacional. Ge-
. i

ram nas sociedades capitalistas subdesenvolvidas um cres- O ensino superior brasileiro, em particular, ajustou-se í j

i
cimento económico e cultural acelerado, parcial ou totalmen - apenas aos requisitos de poder de uma estratificação social
te controlado pelas matrizes norte-americanas, européias çã ou oligárquiea, amolgando-se ao privilegiamento societário dos íi
profissionais liberais. Por isso, no momento em que a evo-
: !

japonesas daquelas empresas. A euforia de uma revolu o


uma d éfesa da lu çã o gradual para a civilização urbano-industrial sai dos
burguesa nacional cedeu lugar a confusa
trilhos e é substituída por uma evolução desorientada e ace-
i
I

aceleração de um processo de interdependência è de trans-


ferência de estímulos dinâmicos. No fundo, o terceiro epi-
lerada, ele se torna, subitamente, um “luxo inútil”. Em
i

!
I
115
i!
114
i :
i .
f
toda parte, as sociedades hegemónicas são for çadas a intervir ritmos histórico-culturais. No entanto, o que sucede não í:
diretamente. No Brasil, além das interven ções canalizadas constitui o produto de uma evolução unilateral. Não são
através de organismos internacionais , 9
deve-se ressaltar es- apenas aquelas nações que realizam a revolução apontada; I
pecialmente a maci ça interferência norte -americana . Atra- as nações subdesenvolvidas da América Latina realizam, ' '

vés de mecanismos criados de várias maneiras (da Alian ça através da liderança de suas burguesias nacionais e de seus
para o Progresso, dos acordos MEC-USAID, da OEA, do Ban- Governos, uma rotação simétrica e complementar. Para
' 1'

co Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, fugir a processos de integração nacional que conduzem, pre-
da União Pan-Americana, etc.) , os Estados Unidos estão) ten - visivelmente, à democratiza ção da renda, dc prestígio social
tando formar e orientar dois tipos de influências : l.° de e do poder, as burguesias nacionais e seus respectivos Go-
desintegração do padrão brasileiro de escola superior ( ou de vernos preferem as transações envolvidas pelo desenvolvi-
universidade conglomerada ) ; 2.°) de formação e consolida- mento dependente. A segunda relaciona-se com a possibili -
ção de padrões de ensino superior adaptados aos requisitos dade de formas alternativas de transição autónoma ( e, por-
educacionais de uma sociedade competitiva e de massas . O tanto, nacionalista ). O caminho seguido pelo Brasil, que - J

çã o levou à dissemina ção de escolas superiores inoperantes, ao


]
que está em jogo nã o é, naturalmente , a “ revolu pela •

educação” na América Latina ou no Brasil. Mas, especifica- congelamento da universidade como fator social construtivo
mente a constituição de condições para o arranco econ
*
ómico e à dissipação de recursos educacionais escassos, não é his- •

toricamente inevit ável. Ao que parece, esse caminho não


'
r

e cultural, sob o desenvolvimento dependente . As influ ên- :

cias mencionadas podem provocar efeitos construtivos para constitui uma fatalidade. Ele poderia ter sido evitado, se S

as respectivas sociedades nacionais ( e para o organizadas Brasil, em prevalecesse uma orientação menos egoística e conservadora t i
particular ) . Todavia, elas não são exercidas e na atuação política das classes possuidoras e de suas elites i r
com esse objetivo. Fazem parte dos processos desencadeados culturais. Sob esse aspecto, foi a inflexibilidade dessas clas-
e controlados a partir de fora , que reorganizam o espaço ses sociais que deu origem às anomalias do processo edu-
económico, sociocultural e político do mundo subcapitalista cacional descrito, com a paradoxal multiplicação e dissemi -
para o novo estilo de dominaçã o das nações hegem,ónicas e, nação de escolas superiores fadadas à desagregação e ao de-
principalmente, das superpot ências . O que importa no con - saparecimento. As oportunidades perdidas não poder ã o ser
junto; é a extrema debilidade da Am é rica Latina e o fato recuperadas. Entretanto, é evidente que a democratiza ção
dela precisar t ã o amplo suporte externo para poder á
parti- da renda, da estrutura social e do poder ( mesmo segundo
“f órmulas reformistas” da liberal democracia ou do capita-
!•
es
'

cipar dos avan ços, dos proventos e das espolia çõ inevit veis
do desenvolvimento dependente . E o fato , sumamente mais lismo de Estado ) , forjaria uma infra-estrutura económica,
grave, dela aceitar ( ou de pleitear ) formas de “ assistência ”
^
social e cultural capaz de eliminar o padrão tradicional de
e de “colaboraçã o t écnico-financeira”, que expõem os seus escola superior e de conduzir à elabora çã o de uma univer-
sistemas de ensino e o renascimento do ensino superior ao sidade integrada e multifuncional.
controle de forças centr ífugas extras e antinacionais. Os resultados dessa digressão patenteiam duas coisas.
Diante desse quadro, inegavelmente desolador,^ conv A
ém
Primeiro, o crescimento espontâneo pode produzir efeitos
pôr em evidência duas implica çõ es puramente pol íticas .
dignos de nota. Eles pressupõem alterações quantitativas e
primeira diz respeito ao coro das razões falsas: a condena - qualitativas ao nível da expansão do ensino superior e no
ção das nações hegem ó nicas ou das superpotências é est éril da sua diferencia ção. No entanto, esse tipo de crescimento
e farisaica / Na raiz do processo está uma desigualdade de não altera, fundamentalmente, a natureza da situação edu-
9 Por meio da ONTJ, UNESCO, CEPAL, etc. O programa
mais impor- cacional. O exemplo do Sul do Brasil é caracter ístico. As
tante e ambicioso , no plano t écnico, é o que se relaciona com a difusão vantagens obtidas são significativas para a média da popu- í .

programa ção educacionais ( cf. ONU,


5 i :

de técnicas de planejamento e de la ção brasileira. Mas não acarretam qualquer mudança subs-
ón y Ministros
UNESCO e CEPAL, Conferência de Ministros de Educaci América
tancial no curso e nas consequências dos processos educa-
Eneargados dei Planeamiento Económico en los Países deljaneiro de cionais. Segundo, as alterações dramáticas, que estão em
Caribe .
Informe Final, Buenos Aires , 21-28 de
Latina y del processo na organiza ção da economia, da sociedade, e da
1966 ) .
117 s
116
L
cultura, prendem-se a uma intensificação da revolução bur- nizar e aproveitar ; e como adaptar a universidade a esse
guesa, desencadeada regulada a partir de fora, nos
e qua- tipo de desenvolvimento? Já apontamos, claramente, que o i

dros da expansão do capitalismo monopolist a na Am é rica essencial consiste na posição da sociedade nacional conside-
parte de uma “ revolu ção rada no conjunto do processo. É preciso ir suficientemente
Latina. Essas altera ções fazem
dentro da ordem ”, que possui limites espec íficos , fixados longe, na percepção e explica ção da realidade, para se tomar
pelo desenvolvimento dependente. Por mais útil
que possa o padrão de civilização vigente em termos de seus dinamis-
ser, como fulcro de uma revolução institucionalmodalidad ou como -
mos fundamentais, inserindo se a nação subdesenvolvida na
fonte de mudanças educacionais profundas , essa e teia total de relações que determina sua situação de depen-
poderia engendrar , por si mes - d ência e o seu estado de subdesenvolvimento crónico.
de desenvolvimento jamais
ma, o tipo de universidade suscet ível de romper com a si- Encarando-se a situação de dependência dessa perspecti-
tua ção de depend ência e de superar o subdesenvolvimento. va, a partir da estrutura e dos dinamismos da sociedade sub-
As duas conclusões sublinham a mesma coisa. Ao velho, desenvolvida, a mais simples compara ção com as sociedades
ou ao novo estilo, o padrão de desenvolvimento que resulta
gerar avançadas põe em evidência um fato central. As interferên-
espontaneamente, do capitalismo dependente n tipo depenã o pode
sen ão crescimento “ gradual ” ou “ acelerado ” de -- cias, nascidas da domina ção externa ou das inconsistências
internas da sociedade subdesenvolvida, operam e exprimem-
dente. Para livrar-se dessa limitação, que se corporifica
his
destinos nacionais indesej á veis , as se, diretamente, na forma e nos efeitos da integração na-
toricamente em torno de cional dessa sociedade. O capitalismo dependente e o regime
ii (
nações subdesenvolvidas têm de apelar para solu çõ es e re - 3í
adotar e pô r em pr á tica de classes que ele comporta restringem as proporções, a in-
'

cursos políticos. O que significa


formas socialmente conscientes e racionais de atuaçã socie
o - tensidade e o sentido criador da revolução nacional. A ques-
tão não está, portanto, apenas no solapamento dos rumos
tária. Na educa ção escolarizad a e, em especial , da
esfera da
de universida de , isso ou das conquistas dessa revolu ção. Está no patamar histó-
criação de novos modelos institucionais rico-social dentro do qual ela se desenrola e concorre para
envolveria a passagem de um estado de passividad e e de
um estado de atividade criadora , conscien - alterar a estrutura da própria situa ção. A naçã o subdesen-
imobilismo para i

temente orientada através de interesses e de objetivos na - volvida vê-se condenada, por isso, a sofrer uma corrosão
- crónica em sua integridade e autonomia nacionais. Em ne-
. i

cionais. Nessas condições, a universidade seria posta a ser


nhum momento ela consegue mobilizar seus recursos mate-
,

viço do desenvolvimento, em vez de entrar no seu


passivo;
riais e humanos numa escala de eficácia máxima. Isso por-
. :

e contaria com meios para influenciá-lo estruturale efic e dina-


ácia que o padrão vigente de integraçã o societá ria da ordem
micamente, imprimindo continuidade, intensidade
ao seu impacto sobre a autonomia como processo hist ó rico - social sempre se amolda, em grau maior ou menor, a formas j

cultural.
tão extremas de desigualdade èconômiea, sociocultural e po-
; lítica, manipuladas aberta ou dissimuladamente a partir de i

dentro e de fora daquela nação, que destroem as bases es-


tá ticas e dinâmicas de equilíbrio de um sistema verdadeira-
A “Universidade para o Desenvolvimento” mente nacional de poder. Desse ponto de vista, ela é uma
na ção apenas em parte, pois não conta com mecanismos :
-
Os resultados da discussão põe nos diante da. Na ver-
imento ”
questão
l.°) para destruir as referidas formas de desigualdade ex-
crucial: a “ universidade para o desenvolv realizar ideal - trema ; 2.’°) ou, pelo menos, para coibir suas interferências
dade, não existe uma universidade que possa consequên- sociopáticas sobre as estruturas nacionais de poder e sobre
mente essa condição. Toda universidade produz , relacionan do- a autonomia económica, sociocultural e política da própria
cias dinâmicas e certa espécie de rendimento da nação como um todo; 3.°) e, com frequência, sequer para
se, assim , com o padrão e o ritmo do desenvolv imento
-se ver a situa çã o hist ó- proteger e atingir sistematicamente certos fins, que são
sociedade global. No entanto , pode
ambiguida de . essenciais para a comunidade nacional e a continuidade ou
global com maior ou menor
rica da sociedade
Que tipo de desenvolvimento ela é capaz de provocar , orga - a intensidade dos efeitos integrativos da revolução nacional.
ns
118
V
!
; • ij,

!
3
-
, 1
a
Esse enfoque sociológico padece dos defeitos das abor Índices dessa natureza são, francamente falando, menos
dagens a curto prazo. Entre outras coisas, pode exagerar a que “reformistas”. No entanto, eles não devem ser subes- a
alí
í importância de fatores e efeitos eneadèados em processos timados. Por uma razão dramática: os países da América •

de pequena duração ou de orienta ções psicossociais do com- Latina, que falharem no atendimento de tais índices, pas- '• 1
portamento coletivo puramente imediatistas. Doutro lado, sarão rapidamente da situação de dependência para a de >
i:
omite-se diante das alternativas, que decorrem de escolhas estagnação crónica ou de regressão sistemá tica. No que
coletivas relacionadas com a “revolução pelo desenvolvimen - concerne ao Brasil, esses índices revelam algo instrutivo.
l «
!.

. ;.
to” (a que envolve vá rias opções pelo capitalismo) e a “re-
I
!
Apenas para igualar o esforço educacional médio da região,
volução pela planificação ” (a qual envolve várias opções ao nível do ensino superior, como ele pode ser avaliado no í
pelo socialismo) . Contudo, ele permite situar o nosso pro- per íodo de 1950 a 1960, o Brasil teria de aumentar três vezes i!

blema em termos de duas estratégias, que são historicamente mais a varia ção positiva da matrícula escolar que alcançou I-
válidas e podem ser exploradas, com menor ou maior êxito, ( a variação foi de 4- 60 % ; para o fim expresso, deveria ser
qualquer que seja a via escolhida para combater a depen- da ordem de + 210 % ) . Isso significa uma defasagem con-
dência e superar o subdesenvolvimento. sider ável, mesmo para que o país possa incorporar-se rapi-
'

damente às tendências de industrialização e de moderni-


A primeira estratégia poderia ser designada como “mí- zação provocadas pelo impacto da expansão da economia . ? f

nima ”. Ela não se proporia , diretamente, igualar ou sobre- de consumo em massa, controlada do exterior. De outro ?

pujar os modelos das na ções avançadas. Mas atingir as lado, a desagregação da escola superior tradicional e da uni-
repercussões dos seus avanços sobre a reorganização do es- versidade conglomerada , bem como a elabora ção de modelos
i

paço económico, sociocultural e político da sociedade inter- alternativos de universidade integrada e plurifuncional, res-
pondem a esse teto de exigências históricas. Ao contrário
nacional. Em termos da América Latina, essa estratégia se 1 f
i
voltaria, no presente, para a realização da transição brusca do que se pensa, por causa do conservantismo e do obscu-
exigida pela súbita mudança dos padrões de dependência rantismo imperantes, essas transformações se inserem no
diante do capitalismo e pelo modelo emergente de desenvol-
quadro mais cru e elementar da luta pela sobrevivência
!

do Brasil como sociedade capitalista dependente. Convém


vimento dependente. Essa estratégia pressupõe uma orien- defendê-las, porém, nã o porque sejam “soluções ideais”, em
tação, perfilhada principalmente pelos organismos interna- si e por si mesmas desejá veis. Mas porque elas são inevitá-
cionais, que tenta definir as realizações médias das socie- veis, no atual período de transição; e possuem, por isso,
dades nacionais da região e adaptá-las, progressivamente,
i >;

implicações construtivas para a criação de novos requisitos


ao crescimento acelerado requerido pelo novo padrão de ar-
1!
educacionais, essenciais para a integra ção da sociedade na-
ticulação dependente às sociedades hegemónicas. Assim se cional e a aceleração do seu desenvolvimento.
equacionam alvos quantitativos médios e objetivos qualita-
I

tivos que não são irrelevantes para a correção dos efeitos A segunda estrat égia poderia ser designada como “re-
sociopátieos do subdesenvolvimento ( por exemplo: quantos formista” ou “ revolucionária ” ( de acordo com o nível de
jovens, em idade escolar, conseguiram matr ícula no ensino seu equacionamento histórico) . Ela se earacteriza pela exis-
superior na passagem da década de 1950 para a de 1960 e tência de uma dimensão política explícita e sistemática: a i

1'
|
o que isso representa para a política educacional de cada
sociedade nacional; qual a porcentagem de crescimento de
consciência do grau de autonomia relativa, inerente às po
sições nacionais da estrutura internacional de poder; e a
- i

1

!
pessoal de nível superior para atender à expans ão da econo - previsão dos meios possíveis ( ou mobilizáveis ) para a con-
mia e à diferenciaçã o da sociedade competitiva; como adap - quista de posições suscetíveis de intensificar a revolução na-
[ '

tar as escolas superiores, sem custos adicionais ou com a cional e, portanto, de incrementar rapidamente o grau de
I menor elevação possível de custos, à equiparação ou à su- autonomia relativa das nações dependentes. No cenário la-
peração das realizações médias da região e aos incrementos tino-americano da atualidade, essa estratégia favorece a con-
necessários de pessoal de nível superior a curto e a médio tinuidade do capitalismo, mas desemboca em um impasse i

prazos etc.) . .
histórico De fato, a propensão das classes possuidoras, mé - !
; i

120 121 i

I
i
miza ção progressiva. Perfilha e fortalece, portanto, solu ções n
dias ou altas, se volta para a reprodução internado ciclo que aumentam o poder de controle nacional dos agentes hu-
evolutivo das sociedades capitalistas “centrais” ou “avan ça - manos spbre os recursos materiais e humanos ou as for ças
das”. A miragem foi mantida durante , muito tempo, pois económicas, socioculturais e políticas disciplinadas ( ou dis-
enquanto estava em jogo o modelo europeu de revoluçã o bur- ciplináveis ) do meio ambiente. Tais solu ções projetam a uni -
guesa, o alvo parecia historicamente realizável. Todavia, no versidade e o seu rendimento em um novo tipo de pensa-
contexto atual, em que as grandes organizações económicas mento prático: como imprimir a cada uma das funções da
são técnica e financeiramente mais poderosas que o próprio universidade o m áximo de intensidade, tanto para acelerar
Estado, a redefinição das “esperan ças burguesas” tende a o ritmo do crescimento económico e sociocultural quanto
afinar-se com a constatação, mais ou menos franca, de que
- para consolidar e ampliar os efeitos do capitalismo e do re -
as “burguesias nacionais” do mundo subdesenvolvido acham gime de classes sobre a integração e a evolução de uma
t

se condenadas à impot ência. Nesse clima de “ reversão de sociedade nacional.


expectativas”, as classes possuidoras chegam a encarar a A primeira estratégia provoca principalmente ‘‘proble-
“articulação ”, imposta pelo padrão dependente de desenvol- mas técnicos ”. A resistência soeiopátiea à mudan ça e a obs-
vimento, como uma saída viável. Em suma, a versão his- tinação conservantista das elites culturais brasileiras pare-
tórica latino-americana da revolução burguesa perde cres-
í
cem indicar o contrá rio. Entretanto, as tensões e conflitos
centemente seu élan. revolucionário, impregnado dos valores sociais promovem, por si mesmos, a gradual adaptação das
»

liberais europeus do século XIX; e se ajusta, cada vez instituições e estruturas educacionais ao nível técnico de
mais, a impulsões mitigadamente reformistas. Elas se dis- solução dos problemas. O que se passa atualmente, como
tinguem dos condicionamentos à modernização, partidos e consequência da rebelião dos jovens, da constituição das co-
orientados de fora, apenas porque evocam , com maior ou missões paritárias e do aparecimento de certas disposições
menor firmeza, afirma ções de “crescimento nacional autó-
nomo”.
coletivas favoráveis à “ reforma universitária”, ilustra exem -
plarmente a afirmação. No fundo, as influências arcaicas ou
Essa estratégia chegou a tomar corpo em alguns países areaizantes são eliminadas, numa espécie de saneamento
do continente, como fenômeno transitório ou de alguma
du- prévio do terreno. As tensões e os conflitos sociais desem -
ra ção e profundidade — como se poderia exemplifi
a Argentina, o Uruguai, o Chile, a Venezuela, Costa Rica
car com
,
penham a função de oferecer campo para a inovação, não
interferindo ou interferindo muito pouco na calibração e na
México etc. — sem nunca firmar-se, porém, como
cesso histórico-social definitivo e irreversível. Quanto
um pro
ao
- amplitude das soluções em processo. Tudo se passa como
se existisse a consciência de que os problemas não são re -
-

!i
Brasil, é sabido que a nossa revolu çã o burguesa n ã o atingiu solvidos socialmente, ao nível técnico, por causa de obs
truções de natureza social, cultural ou política e nã o
um patamar que compelisse as classes possuidoras a explo-,
rá-la socialmente de modo mais sistemático. oNo entanto por falta de técnicas sociais apropriadas.
quaisquer que fossem os efeitos de sua orientaçã ( “ reformis - A segunda estratégia provoca principalmente “ problemas
ta ” ou “revolucion á ria”, nos limites da ordem social existente políticos”, agravados pela pressão de solu ções alternativas
e de sua consolidação e desenvolvimento) , é patente
que divergentes. 10 Como a estratégia anterior não está isenta
só semelhante estrat égia possibilitaria o equaciona mento e de uma dimensão política, a segunda estratégia não pres-
quantitativ os e qualita - cinde de uma dimensão técnica. Contudo, o que a carac-
a solução dos principais problemas
. um lado , porque ela prop õe teriza é o fato dela envolver, preliminarmente, uma dispo -
tivos do ensino superior De
os requisitos educacionais da ordem existente em termosa sição de querer coletivo ao n ível do poder político. A au -
estruturais e dinâmicos. Obriga-se, assim, a relacionar sência de um querer desse tipo ( pelo menos nas proporções !;. ;s

segurança da sociedade nacional com certas tendências de os


10 Na linguagem de senso comum: de “extrema direita” ou de
democratização das oportunidades educacionais, em todos “extrema esquerda”’. Haveria interesse em estender o debate, de modo I 1

níveis do ensino, e com a eficá cia de modelos multifunc ionais a dar pelo menos atenção ao significado do socialismo nesse contexto .
. r
Isso extravasaria, porém, os limites propostos, acima, à presente
de universidade. De outro lado, porque se coloca o problema autono- discussão.
da superação do subdesenvolvimento em termos de
123
i. 122

Di
4

i;
necessárias para que ele se traduza em um momento de dade para o desenvolvimento” dependerá de iniciativas to-
vontade e de decisão puramente político) não exclui a exis- madas ao nível institucional, pelos professores e estudantes,
tência de certas polarizações nessa direção. Antes da uni- pelo Governo ou por todos eles, em conjunto. Isto quer r ,!

versidade integrada e multifuncional se converter em uma dizer que há um encadeamento de fatores que favorece,
realidade, ela j á alimenta certas propensões ou aspirações. sensivelmente, as disposições de “solução técnica”, com im-
Ao que parece, a consolidaçã o da ordem social competitiva, plicações negativas que não podem ser ignoradas. : :!
pelo menos no setor “ urbano-industrial” e “desenvolvido” da
sociedade brasileira, j á avan çou bastante para absorver os A sociedade brasileira acha-se, sob esse aspecto, em si-
dinamismos educacionais e culturais das escolas superiores tuação análoga àquela em que se deu a absorção e a seni-
e universidades existentes. O fenômeno se tornou visível
! liza ção precoce dos modelos portugueses de ensino superior.
em virtude dos avanços da iniciativa privada no sentido de O risco é o mesmo: a falta de vitalidade do meio para orien-
exercer influências e controles diretos sobre a administração tar e calibrar a modernização das instituições-chaves. Ao
nível puramente institucional, h á um grande massa de es-
e a direção de estabelecimentos de ensino superior ou uni
versidades pú blicas. Todavia, esse não é o nível de manifes-
- tudantes e de professores apáticos. Entre os que “ tomam
tação mais profunda do fenômeno. Ele surge na preocupação posição” e atuam com responsabilidade intelectual ( ou polí- í

de ajustar a diferenciação e a qualidade do ensino aos re- tica ) , é possível estabelecer certas gradações. Entre os pro-
-
quisitos de uma sociedade urbano industrial; e, especialmen-
te, no anseio de colocar a produção intelectual da universi-
fessores ainda prevalece o peso dos interesses e dos valores
-
das profissões liberais. A experiência da “ reestruturação”
ii
j!

dade, em particular a que resulta da pesquisa científica e da Universidade de São Paulo é típica. A “ reforma Ferri”
da pesquisa tecnológica, a serviço dos interesses privados. É ! foi contida por composições que resultavam da import â ncia
aqui que se esboça uma orientação definidamente política. a desses interesses e valores nas “faculdades tradicionais”. Não
Os interesses das classes médias e, principalmente, dos círcu- ii
obstante, o Conselho Universitário ainda recuou mais, aca- !
bando por converter vários institutos em simples travestis
los empresariais das classes altas atingem, aí, um patamar
propriamente nacional das relações competitivas. Pois bus-
cam, no esboço do que se poderá converter em uma “ polí-
i dessas faculdades (e mesmo criando um instituto básico
o de educação — sob o seu modelo) . Portanto, ao nível ins
—- í
I

tica educacional” e em uma “ política de incremento da pes- titucional não se pode esperar muito, por enquanto, dos
avanços dos professores. Eles tendem a preferir “soluções téc- l I

quisa científica e tecnológica”, um ponto de apoio e de


proteção em face da avalanche da grande empresa estran- nicas ” que restringem, solapam ou neutralizam o alcance e
geira.
os efeitos da “reforma universitá ria”. Entre os estudantes,
por sua vez, prevalece um clima de polarização política que ! í il
Essas indicações sugerem que a “ universidade para o desloca para fora da universidade as principais pressões de
*
!
desenvolvimento”, na presente situação histórico-social bra- mudança. Depois de um período de luta pela “reforma 1 :i

sileira, encontra poucos estímulos e suportes nas forças que universitária”, os estudantes chegaram à conclusão de que
dominam a ordem social existente e operam através do po- . devem garantir posições no debate, mas que as “soluções
der político institucionalizado. Elas falham, igualmente, nos I técnicas” não são nem primordiais nem viáveis, sem outras • }

planos “técnico ” e “político”, pois se revelam incapazes de altera ções concomitantes. O impacto de sua contestação pro-
montar qualquer uma das estratégias ( ou ambas) que po- vocou. tal desmoraliza ção da escola superior tradicional e da
deriam conduzir à reconstrução da universidade e à sua universidade conglomerada que abriu um vazio sob os pés
melhor utilização pela sociedade. Doutro lado, as forças de dos defensores do antigo padrão de ensino superior. Esse
contestação, por estarem marginalizadas e n ão possuírem vazio, contudo, não foi devidamente explorado, porque o i i

meios para transformar seu querer técnico ou político em corpo docente 11 se perdeu em elucubrações estéreis e em
f

fator de mudança, pouco ou nada podem fazer nas duas


! I
I
direções. , Se existirem ( ou se aparecerem ) vias para uma
11 Nã o sóos professores catedráticos. Também instrutores, assistentes
e outras categorias de docentes. As limitações do horizonte intelectual
atuação revolucionária, elas terão probabilidades de ensaiar médio afetaram a todos e os interesses egoísticos se manifestaram
um salto histórico. Enquanto isso não ocorrer, a “universi- incontrolavelmente em todas as direções. i

\: :
124 125
U !

composições pouco construtivas. O Governo tentou o que os sá rias. Isso quer dizer que, pelo menos o delineamento de
professores n ã o fizeram : avançou até o vazio provocado pela um novo tipo de universidade e o patamar de um novo :
l

contestação estudantil. Mas não contava com motivos po-


!
estilo de comunica ção dela com a sociedade global, irão
líticos para tirar partido da situação. De um lado, suas nascer sob a égide de um padr ão de conhecimento promis- :
origens ilegítimas e autoritárias prendeu-o a um equacio - soramente crítico, não-conformista e aberto à inovação. Res-
namento conservador das “soluções técnicas”. De outro, ta saber se esse componente, insignificante no cenário bra-
i! :!

como os professores, ele foi vitimado pela própria inviabili - sileiro do século XIX conseguirá prevalecer sobre os elemen- ! •

dade da “conciliação dos contrá rios”, com que se debatem tos irracionais ou imprevisíveis da atual situação. E se, no
as classes possuidoras e suas elites dirigentes. As pressões -
;•

caso disso suceder, ele poderá modelar a universidade bra


externas, através dos Estados Unidos e de organismos interna- sileira nascente à sua imagem, como uma autêntica univer-
cionais, fomentavam a moderniza ção adaptada ao padr ão de- sidade da era da ciência e da tecnologia científica. Preci-
pendente de desenvolvimento. As influências militares, buro- samos dessa universidade. Pois numa época em que outros
i
crá ticas e tecnocrá ticas predominantes estimulavam esse obje- povos conquistam o desconhecido, ainda lutamos por con -
ii
tivo, de mistura com propensões a fortalecer medidas que acen- quistar o limiar da condição humana. 1

tuam a privatização do público; os interesses puramente políti- r

cos da parte atuante da sociedade civil não foram tão longe,


:

i
ficando entre a defesa sub-reptícia dos interesses das pro- •

!
!

fissões liberais e do padrão tradicional de ensino superior,


;

e as pressões inovadoras decorrentes da “filosofia da inter-


depend ência”. O Governo culminou por propor uma “ refor-
ma universitária” que não passa de uma panacéia e fica !<

aqu ém das exigências da situação ( mesmo em confronto com i

as implicações educacionais do novo padrão dependente de


"

desenvolvimento) . São muitas as razões para apreensão e I

fortes as analogias com o processo de modernização, trans- !il:


I

corrido no século XIX. O risco principal consiste em que


!;
i

surja, enfim, uma universidade nova estrutural e dinami- *i


camente deprimida. Sem condições, desde o início, para 1


:!
i

preencher normalmente suas funções e sem meios para


“ crescer ” ou para levar à sociedade um impacto construtivo,
na dire çã o do desenvolvimento independente e da autonomi-
zação cultural.
Essa situação, por paradoxal que pareça , força o intelec-
tual responsável a um ajustamento provocativo. Para o mal
ou para o bem, é dele que depende — especialmente se es -
;
sor, pesquisador ou estudante
técnicas” mais avan çadas —
tiver inserido na rotina da vida universitá ria como profes-

ou
a viabilidade das “soluções
eficientes e sua gradual in-
serção no ethos político de uma sociedade nacional subde-
senvolvida e dependente. Apesar da irracionalidade da situa- :

ção e das influências “ conservadoras ” ou “ radicais” que nela


r !

operam, parece evidente que estamos numa etapa em que I


apenas o conhecimento científico pode lograr aceitação geral • I i

e fornecer justifica ções plausíveis para as inovações neces-


i
!

126 127
4, ;
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s:
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CAP ÍTULO 5 : S' i

A GRATUIDADE DO ENSINO SUPERIOR * . i

\-
O Brasil construiu urn sistema público de ensino gra-
tuito de expansão considerável. A principal expans ão desse r
i 1.

sistema ocorreu sob o regime republicano. No entanto, ao


' :
i
• l: .
mesmo tempo em que esse processo ocorria e se fortalecia, i

formava-se uma tendência contrá ria, impulsionada inicial-


i!

mente pela oposição da Igreja Cat ólica ao “ensino estatal”. :

Essa tendência ganhou corpo, acabou impondo-se no período I

i de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases e, agora, ganha I1


i
< i
i

novas feições, sob a influência de valores e ideais privatistas '


' i

de origem norte-americana. i

:
j Neste estudo vamomos ocupar, apenas, de alguns as-
pectos do assunto, que se impõe à análise e ao debate em I; !

virtude da posição do próprio Governo, nascido do golpe de 1 :


!
!
Estado militar de 1984, diante da questão. Esse Governo j

H
# perfilhou uma orientação aparentemente equitativa e neces-
sária. Parece, de fato, um absurdo que um “país pobre” fi-
nancie com recursos oficiais o “ensino dos ricos e para os
ricos”. Na medida em que não ocorreu uma revolução social, o
poder continua nas mãos das . mesmas classes dominantes e
das suas elites políticas. A. alteração das concepções nã o se
prende, pois, aos imperativos de uma “filosofia democr ática”
:
1

• ;
da educa ção. Mas a propósitos bem definidos de atacar e
destruir a nacionalização dos serviços públicos, onde quer
que ela se tenha desenvolvido, qualquer que seja sua im-
portância prática e quaisquer que sejam as consequências !

.
nocivas do que se está fazendo. O alvo visado constitui um
*

“objetivo sagrado ” na nova maneira de ver as coisas: trata- i

se de despojar o Estado brasileiro de estruturas e funções


que colidam com o- privativismo de estilo plutocrático e com
|

* Versão condensada de conferência pronunciada no audit ório da íj


Escola Paulista de Medicina, sob o título “ Escola Paga e Atualidade .
.
Brasileira” , sób o patrocínio do Departamento Cultural do Centro Aca-
dêmico Pereira Barreto ( em 10/5/1968 ). ••

! • !

129 :
;

I
I
T U [

• J
!

os requisitos políticos do novo padrão de desenvolvimento fundamento material ou legitimidade e disfar çavam a perpe
económico e cultural dependente, gerado pelas forças incon- tuação de velhos privilégios ou a criação de novos. Um dos
troláveis do capitalismo monopolista mundial.
itens que cabem nessa categoria é o da gratuidade do en-
sino. Nesse como em outros níveis, tanto o Império quanto
Na presente discussão, os aspectos da gratuidade do a República endossaram o agreste privatismo ultra-egoísta
ensino superior que serão ventilados são os que permitem o dos estamentos senhoriais. Esse privatismo, de inspiração
“esclarecimento sociológico” do assunto. Primeiro, examina - oligárquica, convertia o particularismo das grandes famílias
remos a própria questão da gratuidade do ensino. Segundo, em alicerces da respeitabilidade e da eficácia do poder pú-
as implicações sócio-econômicas da composição da procura blico. No plano material," ele se caracterizava pela preocu-
"
'

do ensino superior. Terceiro, em que sentido a gratuidade pação sistemática de transferir para a coletividade a maior
do ensino ——
sino superior
em todos os níveis: portanto também no en
representa um valor social de natureza de
-
- parte possível dos ónus decorrentes do financiamento do
status dos estamentos dominantes, incorporados à sociedade
mocrática. Em nosso entender, o desafio presente não vem civil. A educa&ab escolarizada se incluia nesse processo so
*

-
da imperiosidade de mercantilizar o ensino oficial e da pr á- ciocultural. Assim, quando ela se expandiu e difundiu , sob
tica de uma tortuosa justiça às avessas. Ele provém das -
.

os sucessivos regimes republicanos, propagava-se, fortalecia-


necessidades educacionais do povo. Impõe-se atentar para se e mantinha-se intocável um privilégio social.
os problemas da educação popular e abrir todas as escolas,
inclusive as universidades, ao povo. Antes que isso possa Os paralelos com a Europa e com Estados Unidos ali-
acontecer, porém, é preciso que esse mesmo povo adquira a mentarazn^outras interpretação ad hoc, de cunho otimista. 3
condição humana, inerente à civilização moderna. Não. é Intérpretou-se o fenômeno como evidência pura e simples
abolindo, solapando e arrasando os serviços públicos nacio - da democratização do ensino. Sem d úvida, em certo sen-
: !i

nalizados que se poder á iniciar esse processo. . . tido havia algo de verdadeiro na interpretação. Em uma
sociedade escravista, na qual a riqueza se concentrava so-
cialmente de modo extremo, mesmo os brancos que se clas -
A Gratuidade do Ensino como Privilégio Social
sificavam na sociedade civil e participavam dos estratos in
termediários dos estamentos dominantes encontravam sérias
-
dificuldades para financiar o próprio status e para trans-
As nações emergentes da América Latina apelaram, des- miti-lo, sem perda de nível social, dentro de sua linhagem,
de as lutas pela emancipação política, para as ideologias e O privilégio possuia , visto desse lado, um toque humanitário, i
as utopias do liberalismo europeu 1 e para as instituições de solidariedade moral entre “iguais”. No entanto, a “ de -
-
11
i
económicas, sociais e políticas correspondentes. Como a con mocratização” que ele envolvia começava e terminava den- . i;
dição burguesa não era, em nosso continente, um fator tro das fronteiras dos estamentos que pertenciam à socie -
-
1 i

revolucionário de reivindicação por equidade , o apego ao li -


dade civil. Tratava se de um mecanismo específico de soli-
beralismo também não possuía sentido revolucionário, fora dariedade estamental que, com o tempo (a desagregação
e acima da oposição ao antigo sistema colonial, montado pela do antigo regime e a formação da sociedade de classes fi-
“ colonização” portuguesa e espanhola. Na verdade, hist mal-
e ó- zeram que esse benef ício fosse compartilhado por uma
grado suas diferentes funções estrutural -funcionais massa crescente de famílias de várias condições sociais) ,
ricas construtivas , 2
o liberalismo també m preencheu fun çõ es passou a operar como fator de desnivelamento e de vulga-
mais ou menos negativas, que serviam ao egoísmo dos es - rização de privilégios. Acontece que os mesmos círculos
-
tratos poderosos das sociedades latino americanas. Fórmu- O autor deve confessar que já endossou, também, essa Interpretação. i I;
las arrojadas, de origem e de substâ ncia democr áticas, davam
3
Foi depois da ampla participação da Campanha de Defesa da Escola
1 Note-se: o liberalismo da época da revolução burguesa. Portanto, o Pública e de análises mais acuradas, que então tentou fazer do signifi-
liberalismo que reconstruía o mundo europeu, destruindo o antigo regi- cado do comportamento dos "círculos privatistas”, que foi levado a
me e fomentando os ideais democráticos do século XIX. retificar-se e compreedeu a natureza da distorção, em que ocorriam as
O autor examina essa quest ão em um estudo sobre a revolução b\n> opiniões dcminantes entfe 4eíg s> educadores e historiadores ou
2
gue a no Brasil, a ser completado e publicado em breve. cientistas sociais. '
° *E !
^ ri

130 131 !
sociais, que patrocinavam semelhante liberalização das opor- custos da educaçã o escolarizada. Dificulta e restringe, pois,
a transmissão da posição e, em particular, o acesso a po-
tunidades educacionais contabilizadas coletivamente, não só
,

sições vantajosas para a mobilidade social vertical.


se mostravam indiferentes, mas se opunham com tenacidade À luz desses argumentos, é óbvio que aquilo que parecia
à democratização propriamente dita do ensino. 4 Ignoraram ser democratização do ensino era outra coisa. Possuia efei-
as exigências da educaçã o popular e somente admitiram tos equivalentes aos da democratização do ensino e, com
uma evoluçã o diferente sob a pressão de necessidades ine- a formação e a expansão da sociedade de classes, poderia í!
xoráveis. converter-se, de fato, nesse processo. No entanto, o parti-
cularismo agrestemente egoísta , que alimentou o privatismo
A contraprova de que não estava em jogo um processo patrimonialista e senhorial, iria ressurgir no privatismo in-
real de democratização do ensino é oferecida pela pr ópria dividualista e empresarial. E exercer uma influência anti-
mudança de orientaçã o dos estratos sociais médios e altos. social, condenando o antigo mecanismo ao desaparecimento.
i Nç contexto económico, social e cultural criado pela ordem
Por aí se vê que há uma batalha a travar. Os que de-
social competitiva , tais estratos não precisam recorrer ao
fendem a democratização do ensino nã o podem cruzar os
mecanismo descrito. De um lado, ele perdeu seu funda - braços. Parece fora de d úvida que as altera ções descritas
mento tradicional ou consensual, pois não existe mais são politicamente úteis. Elas saneiam e depuram a situação
qualquer ponto de apoio para a sua emergência como ex - histórico-social, eliminando por vias espontâneas certas con-
pressão de solidariedade moral. De outro, é da essência fusões e mistifica ções, A vantagem de tudo isso é clara. !
da sociedade competitiva que os custos acarretados pelo fi- N ão se ir á procurar no exercício de um privilégio dissimulado
nanciamento do status sejam absorvidos privadamente. Man - o fundamento para a democratização do ensino. Esta deve
ter o antigo mecanismo equivaleria, portanto, a preservar ser legitimada e defendida, daqui por diante, unicamente a f
um padr ão obsoleto e anómalo. A solidariedade, no contexto partir das garantias de equidade numa sociedade de ordem
de uma estrutura social competitiva, leva agora em outra legal democrática.
direção: a união e a proteção dos interesses dos que podem 1

responder privadamente aos próprios custos diretos ou in - ! !:


i
diretos da competição em uma sociedade “ aberta ” e de
“mobilidade vertical”. Portanto, as fronteiras se fecharam Distribuição das Oportunidades Educacionais
em torno dos níveis sociais reais, no momento em que “ todos” no Ensino Superior
pertencem ( ou deveriam pertencer ) à sociedade civil, O : I.
novo mecanismo é exclusivo. Ele propende a eliminar da Sob o tipo de regime de ciasses que se originou com o
estrutura de competição os que não podem arcar com os capitalismo, a distribuição das oportunidades educacionais,
4 Ver, especialmente : Anísio Teixeira, Educação nã o é privilégio, Rio de
especialmente ao nível do ensino superior, é condicionada
Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1957 ( nova edição: S. Paulo, pela situação económica, social e política das famílias dos i
1
rI -
Companhia Editora Nacional, 1968 ) ; A. Almeida Júnior, E a Escola estudantes. Isso é verdadeiro para todas as “sociedades !í

Primária?, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1959; Fernando de competitivas avançadas ”, mesmo para os Estados Unidos. ;
Azevedo , A Cultura Brasileira, São Paulo, Companhia Editora Nacional, Em uma obra que se tornou clássica na Sociologia moderna, ; i
2.a ed., 1944 ( Terceira Parte, cap. Ill ) ; Florestan Fernandes, Mudanças
Sociais no Brasil, S. Paulo, Difusão Européia do Livro, 1960, pp. 98-104; Hollingshead caracteriza objetivamente essa situação, de-
Florestan Fernandes, Educação e Sociedade no Brasil, S. Paulo, Dominus monstrando que existe um dilema educacional norte-ame-
Editora — Editora da Universidade de São Paulo, Parte 1, caps. 4 e 6 e
Parte 3, caps. 2, 3 e 7 ; Octavio lanni, Industrialização e Desenvolvimen-
ricano. Esse dilema resulta, estruturalmente, das inconsis-
tências existentes entre as garantias legais de equidade, que
to Social no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Civilizaçã o Brasileira, 1963 instituem a igualdade das oportunidades educacionais, e a
( Terceira Parte, passim; e esp. cap. XV, em colaboração com Fernando
Henrique Cardoso ); J. Roberto Moreira, Educação e Desenvolvimento
1
distribuição real da renda, do poder e do prestígio social entre
no Brasil, Rio de Janeiro, Centro Latino-americano de Pesquisas em as classes sociais. As ideologias ignoram, dissimulam ou
Ciências Sociais, 1960, caps. IV e V.
133 .
132 i

. :

I
4

ocultam tais inconsistências. Por isso, os valores educa - do ensino superior nas elites das classes dominantes. Os
cionais de uma sociedade democrá tica vão numa direção. primeiros estudos, feitos por Rafael de Paula Souza e por
A distribuição das oportunidades educacionais, em outra. A Samuel H. Lowrie em São Paulo, por exemplo, sugerem uma
estrutura da renda, do poder e do prest ígio social determina, gradual tend ência ao desmantelamento dessa polariza ção. 6
normalmente, a desigualdade entre os “competidores” e fa- Os setores migrantes da população, principalmente os de
cilita a manipula çã o das funções institucionais no sentido
de favorecer as classes que detêm o controle social, econó-
origem estrangeira, graças à ascenção sócio-econômiça, pas -
savam a absorver algumas oportunidades educacionais ao
-
,

mico e político da ordem estabelecida. 5 Essa realidade rea


parece nas sociedades de classes do mundo capitalista sub-
nível do ensino superior e, aos poucos, incluíram tais opor -
tunidades educacionais em suas relações competitivas nor-
desenvolvido. Apenas, aí, ela se manifesta com maior inten- mais com as “classes altas tradicionais”. O que convém
sidade e crueza. O caso brasileiro constitui uma demons- sublinhar, nesse processo que se repetiu e se generalizou
tra ção típica, que sugere claramente a inoperância da ordem
legal e o cará ter totalmente falacioso das representa ções
-
por todo o mundo urbano ou urbano industrial brasileiro
(embora através de fatores e mecanismos sociais variáveis ) ,
ideológicas que a encarnam. Ao que parece, a distribuição é que a participação das oportunidades educacionais estra -
das oportunidades educacionais se vincula de tal forma à
preservação e à transmissão da posição social que se in-
tégicas acompanha e segue uma mudança pr évia na parti -
cipação social da renda e (potencialmente) do poder. Assim,
corpora rigidamente às estruturas de poder dos estratos su - o crescimento quantitativo do ensino superior reflete as al -
(

periores e dominantes das classes médias e altas. Em con


sequ ência, ao contr ário do que sucede nas sociedades de
- terações ocorridas na distribuição social da renda, do pres- i -
tígio social e do poder. À medida que o regime de classes
classes “avançadas” ou “ adiantadas”, aqueles estratos sociais se consolida, as classes médias tendem a melhorar sua po-
resistem , consciente ou inconscientemente e aberta ou vela- sição nas rela ções de classe. Todavia, dadas as suas origens
damente, à inclusão paulatina de certas oportunidades edu -
cacionais estrat égicas na esfera das garantias sociais “aber -
-
sociais, o modo pelo qual conseguiam participar da renda
(através da competição por empregos qualificados ou alta -
tas” ou acessíveis. Comportam-se, portanto, em termos po mente qualificados, de natureza burocr á tica e de vinculações :!
líticos em face de seus interesses educacionais: por meio da tecnocr áticas) e suas dificuldades em aproveitar a espiral da
• '

ação ou da omissão procuram conservar o monopólio das mobilidade, essas classes médias não se libertaram da pro-
oportunidades educacionais estratégicas e dos seus dividen- pensão elitista à monopolização das oportunidades historica - 1
dos na vida prá tica. A estrutura competitiva da sociedade mente estratégicas (inclusive as educacionais) . Não iriam
sofre tremenda brecha, pois a possibilidade de competir e o proceder como as antigas classes dominantes, de origem es-
direito de competir livremente são regulados fora e acima tamental ou senhorial, que viam no monopólio das oportu-
dos fundamentos axiológicos (legais, políticos ou morais ) e nidades educacionais estrat égicas um mecanismo exclusivista
psicossociais ( condicionados pela personalidade dos agentes de controle das posições-chaves da sociedade. O que entrava
:
-i
-
ou pelos dinamismos das instituiçõe chaves) da ordem social em jogo, para elas, tinha mais que ver com o cará ter instru-
competitiva. mental . de tais oportunidades educacionais. De um lado,
A caracterização estrutural dessa situa ção, no passado, operavam eomo meros símbolos sociais: atestavam a con-
dispensava qualquer pesquisa sociológica. Ela era, de fato,
I
quista do novo status e legitimavam , socialmente, as proba-
matéria de opinião. O aparecimento de casos discrepantes bilidades decorrentes de participação da renda, do prestígio
caía na categoria das exceções que confirmam a regra. Não social e do poder. De outro, e aqui se evidencia a conexã o
i

obstante, a partir da década de 30, a urbanização acelerada verdadeiramente significativa, constituíam o meio de alcançar
e a industrialização intensificaram a desagregação do antigo 6 Ver, especialmente: Rafael de Paula Souza, “Contribuição à Etnologia
regime e de sua manifestação mais inflexível, a polarização Paulista” ( Revista do Arquivo Municipal, Vol. XXXI , pp. 95-105 ) e
“Biotipologia das Universidade Paulistas” ( Revista de Biologia e Higie-
5 August B. Hollingshead, Elmtown’s Youth. The Impact of Social ne, Vol. 7, N.° 10, pp. 25-40 ) ; e Samuel H . Lowrie, “Origem da Popu-
Classes on Adolescents, Nova York, John Wiley & Sons, Inc ., 1949 lação da Cidade de São Paulo e Diferenciação das Classes Sociais”
( esp. pp. 447-453 ). ( Revista do Arquivo Municipal, XLVIII, 1938, pp. 195-212 ).

134 135
de Hutchinson verdadeiras em escala nacional, vem uma
as formas e as técnicas de saber que poderiam garantir, a
,

sugestão notável: “A seleção da clientela universitária des-


classes médias t ã o inseguras e vacilantes, a continuidade dos crita anteriormente sugere a necessidade de uma distribui-
processos de participação sócio-econômica e cultural ascen- ção adequada de bolsas de estudo ao nível das escolas mé-
dente. T As classes médias brasileiras não defendiam direta-
mente, portanto, a monopolização das oportunidades educa - dia e superior, evitando que se percam elementos capazes,
mas de situação económica precá ria.” H Ou seja, a segunda
cionais estratégicas ( como fizeram as antigas ciasses altas i

tradicionais e suas elites). Mas aceitaram tacitamente a


pesquisa indica que os mecanismos competitivos produzem
perpetuação indefinida de um estado de monopolização vir- efeitos equiparadores ou igualitários tão fracos, na distri-
buição das oportunidades educacionais estratégicas, que se
tual de tais oportunidades educacionais, traficando com as
i
impõe uma interven ção corretiva planejada.
omissões sistemáticas das elites tradicionais em matéria de
política educacional. A sua simples presença contribuiu para As duas pesquisas comprovam a extrema concentração
modificar a estrutura da distribuição das oportunidades edu - das oportunidades de ensino universitário nos estratos supe-
riores das classes médias e altas. Os resultados de Hutchinson
cacionais ao nível do ensino superior. Porém , não concorreu
para eliminar certas acomodações, que projetavam as re - (referentes ao corpo discente da Universidade de São Paulo;
os dados foram colhidos em agosto de 1955) mostram: l.° )
feridas oportunidades educacionais nas estruturas de poder
inerentes ao funcionamento do regime de classes no Brasil.
74,7 % dos estudantes possuíam pais pertencentes a esses
estratos; 2.°) 90,8 % dos estudantes possuíam pais classifi-
A interpreta ção desenvolvida funda-se em evidências cado nas classes médias e altas ; 3.° ) 9,2 % dos estudantes
! fornecidas por duas investiga ções recentes. Numa delas, rea - possuíam pais pertencentes a estratos da classe baixa ( sendo
lizada por Bertram Hutchinson, descobriu-se que, “ no que que apenas 1,2 % de condição realmente modesta ) . 10 Os
concerne a São Paulo, o mais desconcertante, face o seu apa - resultados da equipe da Divisão de Aperfeiçoamento do Ma-
rente dinamismo, é a mobilidade relativamente pequena que gist ério (do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais ;
a população mostra por mudança de posição. Em compa- dados referentes aos universitários de l.a série de todo o
-
ração com a Gr ã Bretanha, considerada modelo de estrutura Brasil, em 1965) revelam: l.°) 60,92 % dos estudantes pos-
I r ígida de classe, São Paulo mostra muito menor movimento suíam pais pertencentes aos estratos superiores das classes
entre classes sociais; grande parte da mobilidade social, que médias e altas; 2.°) 77,91% dos estudantes possuíam pais
se evidencia na cidade, resume-se numa mobilidade estru- classificados nas classes médias e altas; 3.°) 8,52 % dos
I tural que é irrelevante para o problema de igualdade de estudantes possuíam pais pertencentes a estratos da classe
oportunidades. Parece, portanto, que a estrutura de classe baixa (sendo que apenas 1,77 % de condição realmente
tradicional do Brasil foi pouco afetada pelo desenvolvimento .
modesta ) 11
económico que São Paulo registrou nos últimos cinquenta
anos — embora uma conclusão definitiva sobre esse par-
ticular só possa ser alcançada em outros estudos realizados
Essas indicações são altamente demonstrativas. No en-
tanto, não sugerem, por si mesmas, em que extensão seme-
lhante concentração social das oportunidades do ensino uni-
ern regiões menos dinâmicas do País. Ainda^ uma vez, a versitário nos estratos superiores das classes médias e altas
responsabilidade deve ser atribuída à deficiência de um
,

representa um privilégio educacional. Existem poucos es-


sistema educacional de classe, para prover o mecanismo tudos sobre estratificação social e os efeitos da mobilidade
essencial para a circulação da população dentro do sistema social no Brasil. Contudo, usando-se certos dados, pode-se
de status”. 8 Na outra, que se comprova serem as conclusões obter uma imagem aproximada da realidade atual. Se se
r A respeito - dessa interpretação, ver especialmente,- Marialice Mencari- 9 Célia Lúcia Monteiro de Castro, Hamilton Nonato Marques, Jayme
ni Faracchi ( O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira, Simões Aguiar, Luiz Alberto Gomes de Souza , Maria Lais Mousinho
São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1965, esp. pp. 89-116 e cap. 4, Guidi , Sérgio puerra Duarte e Ursula Albersheim dos Santos, Caracte-
passim ). rização Económica do Estudante Universitário, Rió de Janeiro, Instituto
s Bertram Hutchinson (org . ) , com a colaboração de Carolina Martus- Nacional de Estudos Pedagógicos, 1968 p. 44 .
celi Bori , Juarez Rubens Brandão Lopes e Carlos Castaldi , Mobilidade,
e Trabalho* Um Estudo na Cidade de São Paulo , Rio de Janeiro - 10 Cf . Bertram Hutchinson, op. cit., tabela 7, p. 151.
11 Cf . Célia Lúcia Monteiro de Castro e outros, op. cit ., quadro 4, p. 37 .

i
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 1960 , pp. 10-11.
137
il 136
' •
i
j 1
i

tomassem, por exemplo, os dados do censo de 1950, 12 através josa, na estrutura social, 14 acarreta uma espécie de “morte
dos negros e dos mulatos se teria um indicador indireto .
civil” Os estratos sociais, assim atingidos, são sistematica-
do modo pelo qual certos segnientos do povo brasileiro, que mente privados dos direitos garantidos pela ordem legal e
lutam por classificação nos estratos inferiores da classe só por acaso conseguem desfrutá-los efetivamente. O en-
baixa e de classe média, participam das^ várias oportuni- sino superior, por suas vinculações com as estruturas de
dades educacionais. O quadro anexo reúne as indicações poder da sociedade global e com as fontes de legitimação
para o Brasil; e para Bahia e São Paulo, que apresentam das relações de dominação, cai nessa categoria como um
condições raciais contrastantes: 13 exemplo típico. Ninguém é igual, de fato, perante a lei.
Mas a desigualdade assume um teor extremo na distribui-
ção das oportunidades educacionais, com implicações socio
páticas irretorquíveis ao nível do ensino superior. 15
-
Composição Racial da População e dos Diplomados
( Censo de 1950 ) Os dados expostos comportam dois tipos de conclusão
. ( em vistados objetivos deste trabalho) . De um lado, é
óbvio que o ensino superior brasileiro possui uma clientela
Estoques
Percent. Porcentagem nos Diplomados aptã, pelo menos muna proporção grosseira de 3/5, a sub-
'

da Ensino Ensino Ensino vencionar direta e indiretamente os estudos universitários


Raciais População Elementar Médio Superior de seus dependentes. De outro, a correção da situação edu-

— —
Brancos: cacional existente em particular quanto ao ensino médio
BRASIL 61,6% 84,10 % 94, 22% 96,87 % e superior n ã o poderá ser feita sem medidas deliberadas
Bahia 30 % 54,46 % 82,56 % 88,21 % dé intervenção maciça na realidade. As desigualdades apon-
São Paulo 86 % 90,2 % 96 ,3 % 97,8 % tadas, ao nível da distribuição das oportunidades de ensino
Negros: superior, são do tipo das que se agravam e se complicam,
BRASIL 11% '
4,26% 0,69% 0,28% se entregues a si mesmas. As classes que se privilegiam
Bahia 19 % 8,36 % 2,14 % 1,50 % educacionalmente ganham condições para dinamizar essa .
São Paulo 8% 4,3 % 0,6 % 0,2 % vantagem no plano económico, social e cultural. Ao in
verso, as classes que são afetadas negativamente, pela exis-
- !

Mulatos:
BRASIL 26,6 % 10,25% 4,20% 2, 26 %
10,14 %
tência de privilégios educacionais, encontram nessa desvan
tagem um fator permanente de multiplicação de suas perdas
-
Bahia 51 % 37,16 % 15,29 %
São Paulo 3% 1,8 % 0,5 % 0,4 % relativas. No fundo, os fatores e efeitos se encadeiam, es
trutural e dinamicamente, de modo a criar duas espécies
-
de categorias sociais : 1.?) uma, constitu ída pelos que se :
Essas indicações são estarrecedoras e evidenciam que o en- classificam positivamente nas relações da economia de mer - :! i

sino universitário ainda não se adaptou, estrutural e fun- cado capitalista e no regime da classes sociais; 2.a ) outra,
cionalmente, aos requisitos educacionais e culturais de uma constituída pelos que não se classificam ( ou se classificam
sociedade “ aberta” e “competitiva”. Embora seja patente negativamente, como diria Max Weber ) nas rela ções de eco-
que as formas de atenuação das “linhas de cor ” ainda não nomia de mercado capitalista e no regime de classes sociais.
são universais (elas são mais eficazes na Bahia que em São Somente os que se incorporam à primeira categoria partici-
Paulo) , também fica claro que uma participação desvanta - pam da ordem social competitiva, compartilhando de todas
as suãs garantias educacionais e das oportunidades de ensino
12 A razão da escolha prende-se ao fato desse censo dar indicações
sobre a distribuição dos atributos considerados em função da cor.
13 Sobre os dados brutos e as fontes primárias das informações, cf . Flo-
restan Fernandes, “Mobilidade Social e Relações Raciais: O Drama
I
— *

* .
O leitor interesado encontrará, no mesmo estudo, dados sobre a par-
ticipação de brancos, negros e mulatos na estrutura ocupacional.
:! r

15 Dada a ligação existente entre o ensino médio e o ensino superior, o


do Negro e do Mulato numa Sociedade em Mudança” ( Cadernos Bra-
sileiros, Ano X, N .c 47, maio- junho de 1968; cf . p. 61 e quadros I, V, fenômeno se repete, com as mesmas características ligeiramerite ate-
VII e IX, pp . 63, 65 e 67 ) . nuadas, naquele nível de ensino.

138 139
C

superior. Os demais vivem dentro da sociedade competitiva, conceder bolsas de estudos aos chamados “estudantes po-
mas não contam para ela. Fazem parte da argamassa hu - bres ”. Seria necessário despertar, em amplos setores da po- i i.

mana que alimenta o seu funcionamento e o seu crescimento. pulaçã o, a consciência de seus interesses educacionais, de
modo a incluir, em seu horizonte intelectual médio, uma
nova concepção de sua condição humana, de sua situação
social e do seu futuro. E , ao mesmo tempo, dispensar aos
Ensino PúbEco e Nacionalização das Universidades jovens, saídos desses setores, e às suas famílias, uma assis-
t ência direta e sistemá tica, capaz de prepar á-los para en-
Dadas as conclusões expostas nas duas partes anteriores frentar e vencer as dificuldades resultantes da extens ão
deste trabalho, é notório que ninguém, de bom senso, poderia mais ou menos rápida de sua área de participação cultural.
defender a gratuidade do ensino superior: l.°) quer em
nome do que ela representa , efetivamente, como incentivo
à democratização das oportunidades educacionais, a esse
Se se coloca a questão sob um prisma tão amplo
uma

que
que
nem
que conv é m para

é o nico
ú sociedade nacional
nível do ensino; 2.°) quer em nome da necessidade de am- sequer se organiza como uma “República democrática ”
parar indiscriminadamente, com recursos oficiais, a massa é evidente que estamos pagando um ónus exagerado à preo-
dos estudantes universitá rios brasileiros. Um exame rigo-
!

cupação de imitar modelos estrangeiros, úteis, legítimos e


t -

roso, feito sem qualquer compromisso ideológico e sem o compensadores no âmbito do mundo capitalista avançado.
nosso convencional farisaísmo em maté ria de educação, re - Primeiro, porque se tenta fortalecer a “iniciativa privada ”,
velaria que a democratiza ção constitui um objetivo secun - quanto ao fomento e à expansã o das universidades, sem se
d ário e marginal na política educacional dos sucessivos avaliar, exatamente, o que isso significa na situa ção bra- í
Governos republicanos. Ela n ão chega a contar , sequer, sileira. O que se fez, no Brasil, na constituição de univer-
-
i .
sidades oficiais, é algo que representa um dos grandes trunfos
:

como uma função latente 16 na organização e no crescimen


to do nosso sisterna de ensino superior. Na pr á tica, por ém, do País na época atual. Formou-se o patamar para um novo
o volume de pessoas que dependem das facilidades do ensino tipo de crescimento do ensino universitário, da pesquisa cien-
público gratuito é relativamente alto. Em proporções gros- tífica ou tecnológica, e da produção intelectual criadora. O
seiras, mais de 1/ 4 do total de universitários brasileiros es- que se deve fazer, agora, não é “reverter o processo”. Mas,
tudam , visivelmente, gra ças à exist ência desse suporte legal. ao inverso, intensificá-lo e ampliá-lo. Segundo, porque o
Ainda assim , é presumível que, conforme a região do País principal ganho da evolução educacional e cultural realizada
que se considere, a metade, dois ter ços ou mesmo a totali- está na própria natureza do processo: através da gratuidade
dade dos estudantes abrangidos por essa cifra ficariam à do ensino superior surgiram estímulos e suportes para ex -
margem do ensino superior, se suas famílias tivessem de pandir o sistema oficial de ensino superior, ou seja, de ins-
tituir-se o controle nacional de serviços educacionais e cul-
arcar com os custos diretos da escolarização. Isso, por si turais de importância vital para a nação. Uma visão alie-
só, não serviria, porém, para justificar a gratuidade uni- nada da “livre iniciativa” leva . os próprios círculos empre-
versal do ensino superior p úblico. Pois, em termos de demo- sariais e conservadores a uma estranha alucina ção. Em vez
cratiza ção, a exigência mínima deveria ser aquela que per-
{ •

de se agarrarem a uma nacionalizaçã o, que só tem servido


mitisse neutralizar os efeitos da concentração social das -
a seus interesses de classes e que, agora, poderia converter
oportunidades de ensino superior nas classes médias e altas. se no fulcro de uma arrojada redefinição de nossa autonomia
Ora, o conhecimento de senso comum e os resultados de educacional e cultural, se apegam às f órmulas privatistas
investiga ções parciais sugerem que tal neutraliza çã o só será
í
dos centros hegemónicos. Tais f órmulas deram bom rendi-

alcan çada através de uma modificaçã o substancial de nossa mento nesses centros por causa da capacidade de cresci-
política educacional. A questã o não seria, simplesmente, de
_ -
,
j
mento auto sustentado de sua economia , de sua ciência , de
16 Os sociólogos designam, com esse nome, as funções que satisfazem a sua tecnologia, de sua educaçã o etc. Elas nã o surgiram !:

necessidades sociais que não caem na esfera de consciência societá ria nem se desenvolveram do mesmo modo no Brasil porque
e, por isso, não são percebidas claramente ou defendidas deliberada- não tínhamos a mesma capacidade de crescimento auto-
mente pelos agentes humanos.
141
140
Li

/ Por ém, no emprego simultâneo de outras medidas, que d êem


sustentado em todas as esferas da economia , da sociedade
e da cultura. É em uma fase crítica de nossa evolução e lastro material e cunho democrático à nossa política educa-
sob as ameaças de um novo ciclo previsivelmente longo de cional. Sob esse aspecto, as classes possuidoras poderiam
dependêncià que a nossa “ burguesia nacional” tenta dar ser chamadas a cooperar de maneira mais direta e respon-
essa marcha à ré histórica. Ninguém ignora mais o que < sável para o financiamento do nosso desenvolvimento edu-
significa a nacionalização de serviços públicos em uma so- cacional e cultural. O aspecto contraditório e insustentável
ciedade de classes. Como escreve Bettelheim, “a simples da forma de capitalismo existente no Brasil não está na
propriedade estatal sobre alguns meios de produção eviden- importância conferida ao Estado como núcleo dos dinamis- i
temente não basta para caracterizar a evolução em direção mos económicos, culturais e sociais de maior amplitude e
ao socialismo, pois nesse caso as nacionaliza ções burguesas significa ção nacional. Dadas as condições de uma na ção
apareceriam como o começo de uma evolu çã o para o socia- capitalista subdesenvolvida, isso é normal. O que é contra
dit ório e insustentá vel consiste na orientação da “iniciativa
-
lismo, quando não s ão mais do que os meios para aumentar
o poder coletivo da burguesia ( o que evidentemente não sig- privada ”, sempre pronta a tirar do Estado o que n ã o lhe
nifica que as estruturas de que elas dispõem não possam dá com a outra mão. O equilíbrio da balança não pode ser
servir utilmente, mais tarde, aos trabalhadores, quando eles feito de modo unilateral. Um capitalismo que só pode man-
já tenham conquistado o poder ) ”, 17 Essa cita ção é esclare
cedora. A nossa “ burguesia nacional” ignora o que a nacio-
- ter-se, fortalecer-se e crescer sob a proteção direta, profunda
e contínua do Estado possui regras próprias. O seu eixo
nalização do ensino e da pesquisa - representa para o seu pró- nunca poderá estar nos interesses particulares das classes
prio “poder coletivo” e para o que esse poder deveria sig- possuidoras e, muito menos, nos interesses particulares dos
nificar como meio de autodefesa de uma posição competitiva estratos mais altos e poderosos das classes possuidoras. Mas i!
nacional. No fundo, aqui reaparece, por trás da alienação, na filtragem dos interesses particulares de todas as classes,
uma forma típica de entreguismo e de submissão passiva através do próprio Estado, que deverá ter meios e . poder
aos controles educacionais e culturais externos. O que se para representar e defender aqueles interesses, que seriam
faz é predispor o Pa ís para aceitar os requisitos educacionais o que vulgarmente se chamam “os interesses da nação como
e culturais da civilização industrial a partir de uma situação um todo”. Em um contexto político desta ordem, a contri-
dependente crónica, aparentemente desejável aos olhos dos buição do Estado para a existência e a expansão do capi
talismo nã o estaria sujeita a interferências tão predatórias
- i I
círculos empresariais e conservadores.
quanto aquelas a que assistimos no Brasil. Embora ele con- j:
Em nossa opinião, a gratuidade do ensino superior deve tinuasse a ser um “Estado burguês” e, portanto, sob contro-
ser defendida sem subterf úgios, mas também sem ilusões. le da “ burguesia nacional”, esta pagaria um preço por tal
É preciso que se tenha em mira que há, por trás da situa çao realidade política. Não a comercializaria gratuitamente,
existente, muitos inconvenientes e vá rias distorções. In- como vem sucedendo até hoje. 18
clusive, deve-se manter claramente explícito o fato de que O que seria salutar, parece evidente: uma evolução in-
ela não conduziu à intensificação da democratização do en-
sino, porque foi amplamente explorada como uma técnica
telectual no sentido de reconhecer-se, clara e honestamente,
de expropriação de classe e como uma fonte de privilégios
o que representa a gratuidade do ensino para uma na ção
capitalista subdesenvolvida e dependente. É fatal que esse
educacionais. No entanto, também n ão se deve ignorar que princípio favoreça, em uma sociedade de classes na qual a
ela não só produziu e continuar á a produzir consequências : í
ordem social competitiva não possui mecanismos democrá-
úteis como constitui, por si mesma, um valor que devemos
estimar e defender. A correção de seus efeitos negativos 18 Note-se que o autor nã o se propõe defender um “ capitalismo de

ou contraproducentes n ão deve ser procurada em sua eli- Estado sob controle burguês”. Apenas tentou descrever como deveriam
passar-se as coisas numa situação em que o Estado se converte em
minação pura e simples ou em seu solapamento sistemático. fator invisível da continuidade do capitalismo e na qual a iniciativa
n Charles Bettelheim, Planificação e Crescimento Acelerado, trad de
,
privada utiliza-o pura e simplesmente como escudo protetor , sem
Dirceu Lindoso e revisão técnica de F. G. Cupertino , Rio de Janeiro, qualquer modificação concomitante da “ética do individualismo eco- í

Zahar Editores , 1968 , pp. 11-12 . nómico”.

142 143
I;
ticos de auto-regulação, os estratos sociais melhor localiza
dos na estrutura da renda, do prestígio social e do poder.
- e expansão do ensino oficial e gratuito conta como uma das
principais influências dinâmicas, a largo praso, da demo-
i
!
i
Todavia, isso n ão exclui que o princípio seja avaliado e de- cratização do ensino e da cultura na sociedade brasileira. !.

fendido por outras razões — pelo que produz de ú til e de


construtivo, mantidas as condições existentes de organização
A intervenção estatal na educação escolarizada, especial-
mente aos níveis do ensino primá rio e do ensino superior,
da sociedade brasileira. Atendo-nos ao essencial, são tr ês pode parecer exagerada aos olhos de um analista estran-
essas razões : 1) significado da interven ção do Estado na geiro, espeçialmente se ele esperar que a situação educa-
educação escolar ; 2 ) as propor ções que essa interven ção cional brasileira seja uma miniatura do que ocorre no mundo
tem de assumir no Brasil; 3) as implica ções da moderni
zação da universidade brasileira em face das obrigações
- educacional vinculado ao capitalismo avan çado. Essa pers-
pectiva de observação e de análise, porém, é fundamental-
normais do Estado no desenvolvimento educacional e cultural mente viciada. A estrutura educacional das sociedades ca-
do País. pitalistas subdesenvolvidas dependentes nunca poder á repro-
duzir os modelos das na ções “ centrais” ou “ hegemónicas”.
A intervençã o do Estado no fomento e na expansão do
A razão é simples, mantidas as condições de dependência
ensino oficiai gratuito pode ser apreciada de dois ângulos. sóeio-econômiea e cultural e, portanto, o subdesenvolvimen-
De uma perspectiva utópica, ela constitui um requisito ideal to. Não porque o subdesenvolvimento sejá uma fronteira fa-
do Estado republicano-democrático. Por mais que estejamos tal; mas porque a depend ência sócio-económica e cultural
longe dessa realidade política, pois o regime republicano não traduz uma incapacidade relativa frustradora na livre pro-
passa de uma ficção cultural no Brasil, n ão podèmos ignorar du ção e na livre utilização da riqueza. Enquanto as na ções
f
essa conexão, que permite definir as funções educativas e “ centrais” ou “hegemónicas absorvem parcelas consideráveis
culturais do Estado democr á tico como um valor social em das riquezas (ou excedente económico) produzidas nas na ções
si mesmo. De uma perspectiva hist órico-sociológica, ela é subdesenvolvidas, estas como que se especializam , graças às
essencial para a formação, a consolidaçã o e a universaliza- funções espoliativas do capitalismo no mercado mundial, em
ção de condições de equidade na distribuição das oportuni
dades educacionais. A intervençã o estatal não tem conse-
- exportar riquezas ( o que envolve: perda sistemática de par-
celas consider á veis do excedente económico real ou poten-
-
guido impedir que a desigualdade económica , social e po
lítica perpetue privilégios educacionais e formas de parti-
- cial ) . Daí resultam muitas consequências, para a dinâ mica
da cultura e para o desenvolvimento educacional, que não
!

cipaçã o da cultura antidemocr áticas, mesmo em sociedades poderiam ser adequadamente ventiladas aqui. A mais im-
capitalistas avan çadas. No entanto, ela concorre para ate - portante dessas consequências diz respeito à vitalidade re-
nuar as proporções do fenômeno e para fazer da democra
tização do ensino e da cultura um processo social progres-
- lativa da iniciativa privada -nos dois tipos de nações. As
nações “centrais” ou “hegemónicas ” foram palcos de am-
,

sivo e irreversível. Isso é patente mesmo no Brasil. Em plos processos de expansão do ensino e da pesquisa científica
i nosso País, ela não anulou os fatores, vinculados à estru
tura da renda , do poder e do prestígio social, que promo-
- ou tecnológica, empreendidos, financiados e comercializados
pela iniciativa privada . Tal fenômeno não ocorreu , pelo
menos com intensidade socíalmente construtiva, nas nações
viam e continuam a promover a concentração das oportu -
nidades educacionais em termos de classe, de ra ça e de região. subdesenvolvidas e dependentes. A única agência em condi-
Não obstante, ela não só tem entorpecido a atuação desses
ções de captar, na coletividade, recursos materiais e humanos
em certa escala e de aplicá-los com certa prefer ência ao de-
fatores e o solapamento dos seus efeitos. Em particular, ela senvolvimento educacional e cultural foi o Estado. Por isso,
tem sido um forte regulador da equidade da participação da intervenção estatal partiram as influências verdadeiramen-
educacional e cultural das classes sociais em processo de te decisivas, que criaram o grosso das oportunidades educa-
integração à ordem social competitiva ou em mobilidade cionais. A iniciativa privada confinou-se, em regra , às opor- ! :

! vertical ascendente e das “classes altas ” em mobilidade des- tunidades educacionais que podiam ser facilmente comercia-
cendente. Nesse sentido, a intervençã o estatal no fomento lizá veis, operando por conseguinte com o ensino destinado aos

144 145
estratos sociais mais ricos e exclusivistas. Outra consequên- existente no setor. Na verdade, onde ela consegue romper
cia relevante, que não pode ser negligenciada em nossa dis- suas limitações, o avanço é produto de algum parasitismo
cussão, relaciona-e com os efeitos multiplicativos da situação sobre o Estado, não de sua vitalidade e de sua capacidade
de depend ência cultural. Enquanto a posição hegemónica ga- autónoma de crescimento. Entretanto, isso não é fundamen-
rante às nações “ centrais” um desenvolvimento cultural van - tal. O fundamental consiste no volume de recursos materiais
e humanos e, especialmente, na formulaçã o de uma política
tajoso, que lhes confere crescente supremacia intelectual e
tecnológica , o inverso sucede com as na ções “perif éricas”. Elas educacional e cultural suficientemente audaciosa, agressiva e
não podem participar da “corrida inventiva e criadora”, fican
do atreladas a um crescimento cultural reflexo e considera-
- balanceada para atingir os fins de interesse nacional. A ini
ciativa privada poderia arcar, com alguns incentivos oficiais,-
velmente retardado. Nessa esfera , a contribuição da interven- com a missão de formar profissionais liberais. Contudo, a uni -
ção estatal não é suficiente para anular os focos de estagna- versidade brasileira precisa ser reorganizada aos níveis do
ção ou de atraso cultural relativos. Porém, se ela n ão se ma- ensino ( instituição e expansão do ensino pós-graduado) , de
nifestasse, a distância cultural entre os dois tipos de nações pesquisa ( fomento da ciência e da tecnologia científica ) e da
assumiria o cará ter de um fosso intransponível. Tomem-se, produção de conhecimentos originais (estímulo da investiga-
por exemplo, os ramos do ensino superior referentes à Agrono- ção criadora e do conhecimento objetivo da realidade ) . Tra-
mia, Arquitetura , Engenharia, Medicina, Química Industrial ta-se de uma diferenciação que pressupõe capacidade para
e outros, fundamentais para o desenvolvimento económico. captar e aplicar recursos materiais e humanos; capacidade
Em 1960, os estabelecimentos oficiais de ensino concorriam para coordenar e fiscalizar planos locais, regionais e nacionais
com quase 75 % da matrícula geral e quase 76 % das conclu- de reconstrução da universidade; e capacidade para estabelecer
sões de cursos neles efetuadas! Ao inverso, em ramos do ensi - diretrizes gerais, abertas e conscientemente voltadas para !
no superior como a Administra ção, as Ciências Económicas, objetivos educacionais e culturais de curto, médio e longo I
o Direito, o Ensino Eclesiástico, a Filosofia , Ciências e Letras
e outros, os estabelecimentos particulares de ensino entravam
-
prazos. Quaisquer que sejam as deficiências do Estado, em
particular do Estado sob Governos conservadores mais ou
com 58 % da matrícula geral e 65 % das conclusões de curso 59. menos predispostos a resistir à mudança, a pressão das ne-
Portanto, as duas consequências demonstram que o desafio cessidades é incontornável. Bem ou mal, o Estado avança e,
com que se defrontam as nações subdesenvolvidas não está no ao avan çar, conduz a interven ção estatal aos problemas que
exagêro das proporções assumidas pela intervenção estatal no precisam ser enfrentados e resolvidos. Entregues a si mesmos
crescimento da educação escolarizada e das agências que con - e à capacidade espontânea de atuação da iniciativa privada,
trolam o desenvolvimento cultural. Nelas, o que se toma tais problemas se eternizariam, agravando-se e conduzindo-nos
imperativo não é estancar o processo, atrofiando-o e transfe- a um impasse total. Ã luz de considerações desta natureza ,
rindo para a iniciativa privada as suas funções mais ou menos a moderniza ção da universidade brasileira só poderá rea-
essenciais. As evidências sugerem o contrário. Elas se encon- lizar-se independentemente da intervenção estatal se se
tram 'sob o desafio de imprimir à intervenção estatal, princi - alterassem as condições económicas, sociais e culturais
palmente nessas esferas, maior envergadura e continuidade.
'
existentes. Mantidas essas condições, a intervenção estatal
Se não conseguirem êxito nessa direção, inserindo a interven- sofrerá uma evolu ção típica De um lado, ela terá de
ção estatal em uma política nacionaí de aceleração e de auto -
,

crescer em volume e em complexidade. Isto é, tomará


nomização do desenvolvimento, elas se condenar ão a um des- fatalmente maiores proporções. De outro ela passará, fa-
tino previsivelmente trágico e indesejável. talmente, da atuação simplesmente articulada para a açã o
Por fim, a modernização das universidades brasileiras di- sistematicamente programada e planejada. Isto é, aos poucos
-
ficilmente poder á processar se fora e acima da intervenção
direta e maciça do Estado. Os custos e a complexidade das
se delinear ão, por trás e acima de propósitos administrativos
e de rotina , processos de racionalização que acabar ã o impondo
i

1 inovações envolvidas são excessivos para a iniciativa privada formas alternativas de atuação política , qúè levarão o Estado à
própria racionalização da intervenção estatal. Isso significa,
19Proporções calculadas sobre dados extraídos do Anuário Estatístico quanto à modernização da universidade brasileira, a sua ade- ; I
do Brasil, 1962 ( Rio de Janeiro, IBGE, 1962, p. 287 ) .
! .

146 147
qua ção aos propósitos de uma política simultaneamente volta - setores da sociedade nacional. Enquanto perdurar a pre-
da para a democratização do ensino universitário e para a au- sente situação, apenas as classes possuidoras terão acesso ao
tonomização cultural do Brasil. poder e somente seu estratos superiores participarão, efetiva-
O debate das três razões indicadas põe-nos diante de mente, do poder político institucionalizado. Isso converte o
conclusões inexoráveis. A primeira delas diz respeito à sub- Estado republicano em prisioneiro dos interesses económicos,
venção do desenvolvimento da universidade renovada e da sociais e culturais de algumas facções da sociedade nacional
pesquisa científica ou tecnológica. A magnitude dos recursos
e no avesso do que deveria ser um Estado democrático. A cons-
financeiros exigidos é tao grande que não adianta pensarmos tituição de um regime republicano democrá tico representa,
na extinção da gratuidade do ensino superior como solução portanto, o mínimo que se deve querer politicamente, em
( ou arremedo de solução ) . O ensino pago representou uma escala nacional, para ajustar-se a ordem social competitiva
alternativa para as sociedades que puderam mobilizar, espon- aos seus requisitos jurídico-políticos normais. As investigações
taneamente, a iniciativa privada como fator de crescimento históricas, económicas e sociológicas patenteiam, de forma irre-
educacional e cultural. Essa possibilidade, porém, não é in- torquível, que o Brasil não sairá do impasse atual sem uma
tr ínseca à iniciativa privada. Ela decorria do próprio padrão evolução desse tipo. A democracia não é um “produto final”.
-
de desenvolvimento económico, social e cultural auto susten-
! Ela constitui um processo. Onde este não se inicia, ela não
existe. No bô jo de transformações que aparentavam possuir
tado das sociedades capitalistas avan çadas. Não nos resta,
sequer, os meios que elas exploraram , através das manipula- substância democrática, o Brasil está transitando do predo -
coes da destinação de recursos bloqueados pelo imposto de mínio da “oligarquia agrária” para o predomínio da “plutocra
cia urbana”. A transição, em curso conturbado, não altera
-
renda. Países que se acham na situação do Brasil, se quise-
rem “aceleração do crescimento” e “ alteração do padr ão de fundamentalmente a realidade política existente, pois as
desenvolvimento” têm de apelar para técnicas mais drásticas. diferenças entre as duas formas de dominação é muito redu-
Seria preciso que se definissem , objetivamente, as alternativas zida nas nações capitalistas subdesenvolvidas e dependentes 20.
possíveis, em ambas as direções, e em seguida se gravassem, Em termos políticos, os que propugnam por “ concepções na-
direta mas proporcionalmente, os vários estratos das classes cionalistas de desenvolvimento” buscam impedir que a desa-
possuidoras com um imposto adicional. Nã o se alcançam gregação do predomínio oligá rquico fique interrompida ao
meio do processo, como uma transação entre os privilegiados
“crescimento acelerado” e “desenvolvimento autónomo” sem do “antigo ” e do “ novo” sistema. Limitando-nos ao que nos
graves e persistentes sacrif ícios nacionais. Portanto, temos
de nos preparar para isso e para a disposição de favorecer (e interessa, a constituição de um regime republicano autentica-
não de retardar ou de solapar) a eficácia da intervenção do mente democrático, capaz de universalizar socialmente a par
ticipação do poder político institucionalizado, permitiria a
-
Estado na expansão do ensino superior, da pesquisa científica
e da modernização tecnológica. O único dilema real, que sur- rápida elaboração e a consolidação de uma política edueacio-
ge nessa esfera, é que também nos devemos preparar, ao mes - nal e cultural adequada aos “interesses da nação como um
todo”. Primeiro, porque o Estado republicano deixaria de
mo tempo, para exercer pressões e controles democráticos ser a expressão da vontade política, com frequência eonser- j l

sobre o caráter e o sentido dessa intervenção.


A segunda conclusão obriga-nos a considerar o fulcro 20 Aliás, também conceptualmente
a diferença entre os dois tipos de
desse dilema. A persistência da gratuidade do ensino supe- estratificação e de dominação é pequena. Considerem-se as seguintes
rior, o estabelecimento de impostos especiais e o fortalecimen- definições: a ) oligarquia — "Detenção de poder por um número limi-
tado de indivíduos. Funcionalmente encarada, a oligarquia tende para
to da intervenção estatal em áreas tão delicadas como a da uma distribuição desigual do poder ou para a perpetuação do status
educaçã o, da pesquisa científica e da tecnologia avançada só privilegiado de seus membros, com exclusão dos demais grupos ou
são defensáveis se todos os processos convergirem para a membros da sociedade”; b ) plutocracia — "Dominação exercida por
consolidação de um estilo democrático de vida e, por conse-
.

uma classe que deriva seu poder da riqueza material. Nas sociedades i

guinte, para a formação de um Estado democrático. O pro-


chamadas capitalistas, essa classe é representada pelos detentores dos
meios de produção e distribuição” ( Emilio Willems, Dicionário de So-
blema central, para o Brasil, é evidente: estender a partici- ciologia, Porto Alegre, Editora Globo S. A ., 1950, pp. 111-112 e 119,
pação regular do poder político institucionalizado a todos os respectivamente ) .
! !

148 149

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— rrt


vadora e autoritária, das classes possuidoras. Em outras pa - ve como o elo que unifica as aspirações de mudança, condu-
-
lavras, deixaria d é comprometer se ( por ação ou por omissã o) zindo-as a seus fins históricos reais. Terceiro, o Estado repu-
blicano, por essas razões, tenderia a operar como instrumento
com a concentração das oportunidades educacionais, segundo
injun ções das classes possuidoras, e com a negligência dos [ de opções coletivas calibradas nacionalmente, segundo as exi-
interesses nacionais envolvidos pelo desenvolvimento autóno- gências da situação histórico-social. Sua função não seria dar
mo da ciência, da tecnologia científica e de outras formas de viabilidade a interesses particulares nem de “ classes dominan-
saber. Atualmente, o Estado absorve e equilibra as pressões re- tes” nem de “ nações hegemónicas ”. Ele tenderia a procurar
sultantes da atuação política dos estratos dominantes das as soluções ao nível do seu ponto estrutural de apoio e do seu
classes possuidoras e da atuação económica ou cultural das equilíbrio dinâmico, ou seja , comprometendo-se sistematica-
nações hegemónicas, que controlam o fluxo do capitalismo mente com o fortalecimento de suas próprias bases democrá-
monopolista na América Latina. Ele só tem e aplica uma ticas. Para ele, a democratização das oportunidades educa -
vontade nacional na medida em que suas decisões n ão con - cionais ou o desenvolvimento cultural acelerado e autónomo
n ão seriam meros objetivos “ideais”, como argumentos de “se-
trariem as duas espécies de pressões, consideradas isolada -
mente e em conjunto. Em consequência , sua política educa - mântica política nacional”, mas o substrato de sua existência,
continuidade e aperfeiçoamento.
cional e cultural é falha, desorientada e inconsistente, porque
n ão encarna o que é mais importante para os interesses da A terceira conclusão refere-se às rela ções entre a inter-
Nação como um todo e para o seu desenvolvimento aut ónomo. ven ção estatal e a modernização da universidade brasileira.
Segundo, porque um Estado republicano realmente democrá- Parece óbvio que a situação educacional se alterou com maior
-
• 1

-
,

tico deslocaria o foco das intervenções projetadas da super rapidez que o “ estilo de ação”, a que propendem , irresistivel
f ície para o âmago dos problemas educacionais e culturais. mente, os sucessivos Governos. A “dança dos números” e as
Atualmente, “ reformar ” para o pensamento conservador equi- altera ções das “expectativas educacionais” colocaram o velho
vale a mudar o rótulo das coisas. A “ reforma universitária” padrão de ensino superior diante de uma crise irremediável e i
converteu-se para o Govêrno, por exemplo, em uma batalha irreversível. De outro lado, os efeitos acumulativos do desen-
em torno de f órmulas. Quando o Estado deixa de ser uma volvimento económico e as tend ências da evolução urbano-
agência controlada por interesses e desígnios particulares, ele industrial impõem exigências dinâmicas inelutáveis, tanto à
descobre que é impossível “democratizar a educação” ou “ace - quantidade e à qualidade do “ensino superior” quanto à va-
lerar o desenvolvimento da pesquisa científica na universida- riedade e à intensidade da pesquisa científica ou tecnológica.
de” sem introduzir mudanças profundas na pr ópria estrutura Não obstante, a intervenção estatal não só continua presa à
societá ria da distribuição da renda, do prestígio social e do velha filosofia particularista-conservadora. Ela se mantém
poder. As mudanças de superf ície não levam a nada (ou le- . irredutivelmente bloqueada por técnicas sociais deficientes e
vam a muito pouco) porque elas não contam com o suporte anacrónicas. O que se perde, com isso, transcende à esfera do
dos controles sociais indiretos. Se se aumentassem indefini - visível e do computá vel. De fato, a escola superior tradicional
damente as vagas existentes nas universidades, multiplican - e a universidade conglomerada tornaram-se uma sorte de saco
sem fundo. É preciso investir mais, no setor público, no ensi-
-
do as por 2, por 3 ou por 4, ou se se aumentassem as verbas de
“ pesquisa” das universidades existentes, as coisas continua- no, na pesquisa e na aplicação. Entretanto, realizar essas
riam como estão. As oportunidades educacionais do ensino inversões, sem alterações prévias ou concomitantes da própria
superior seriam , do mesmo modo, monopolizadas pelas clas- universidade, representa mais um incentivo ao aumento do
ses possuidoras e o rendimento institucional das universida - desperdício que um estímulo à “ aceleração” do desenvolvi -
des, na esfera da pesquisa científica, não aumentaria sensi-
'
mento educacional e cultural. Não obstante, o dilema exis
tente não é puramente institucional: a universidade é mais o
-
velmente. " As “ilusões de reforma” sem substancial mudança
'

de estrutura da situação hist órico-social não são alimentadas palco que a raiz do drama. Este se acha nas pressões do meio
por um Estado democrático. Como sua vontade política expri- ambiente, invariavelmente particularistas e irracionais. São
me uma convergência de estados de opinião e de^ atitudes as eidades, que exigem escolas superioress ou universidades; são
inconformistas, ele não se neutraliza perante a hist ória. Ser- os professores, que exigem condiçõ es de seleção ou de trabalho

150 151
'
r-

levasse a democratização do poder político a todas as insti-


compatível com o exercício paralelo de profissões liberais, mas
inconciliáveis com padrões exigentes de carreira universitária ;
tuições-chaves da sociedade e exprimisse, ele próprio, o con
senso democrático da Nação. -
são os estabelecimentos de ensino privado, que exigem supor-
te financeiro a programas de ensino, de pesquisa ou de cons- Em vista das conclusões expostas, parece dif ícil admitir
trução escolar ; são os burocratas e os tecnocratas, que exigem que o essencial, na questão da gratuidade do ensino, seja a
reformulações que não solucionam nada, porém ampliam ou iniquidade social resultante. O que sobe à tona, indo-se ao
solidificam o seu poder, etc. etc. etc. Em suma, o meio ambien- fundo da questão, não é a pretensa “injustiça social” que ela
envolve. Muito se tem escrito sobre isso, fazendo-se demons-
te n ão disciplina socialmente as forças económicas, soeiocul- trações que o “rico” tira do “ pobre” e que o “ ensino superior ”
turais e políticas atuantes. E os Governos republicanos, por abocanha o quinhão do “ensino primá rio”. Todavia, essa pro-
sua vez, ficam desarmados diante dessas forças, revelando-se blemática é falsa e superficial. Ela é falsa, porque esconde o
incapazes sequer de canalizá-las na linha do “menos pior ” , nu- dilema real: o que está em jogo não é a continuidade de um
ma total impotência que favorece os particularismos agrestes privilégio. Mas saber-se se vai além, tanto em termos de asse-
em ebulição e agrava a situação de anomia global. Quer apelan- guração do direito dos que n ão podem desfrutá-lo quanto em
do às velhas técnicas sociais, quer apelando às técnicas sociais termos da estrutura e funcionamento democráticos do Estado
novas, eles estão condenados: a intervenção estatal é sistema- republicano. E é superficial, porque ignora as várias facetas
ticamente solapada ou anulada, sendo desviada de seus fins, e implicações da gratuidade do ensino superior, que nos põem
destorcida ou aproveitada segundo propósitos contraditórios. diante das vantagens e das exig ências da nacionalização na
Portanto, para que o Estado republicano possa atingir a me- luta pela sobrevivência e pela autonomia das sociedades capita-
dula do nosso dilema universitário e montar uma política de listas subdesenvolvidas. A essa problemá tica , falsa e superfi-
cial, temos de responder com argumentos opostos. Primeiro,
-
fomento da ciência e da tecnologia avançada, impõe se duas exigindo que a gratuidade do ensino superior seja mantida e
modificações simultâ neas. A mais importante e decisiva re- completada por medidas que proporcionem, efetivamente, a
fere-se à própria natureza da intervenção estatal. Ela precisa democratização das oportunidades educacionais e da cultura.
libertar-se da tutela dos vá rios privatismos e particularismos Segundo, exigindo, mais que isso, alterações na estrutura da
que a envenenam e estiolam. Mas também é necessário que renda, do prestígio social e do poder, que conduzam à exis-
a universidade acorde para as exig ências do presente, tanto tência e à consolidação de um Estado democrático, a uma.
no que concerne à organização ou à democratização do ensino política educacional voltada para todo o povo brasileiro, e a
superior quanto no que respeita à expansão da ciência e da modelos autónomos dq desenvolvimento cultural. Terceiro,
tecnologia científica. O universitá rio chegou atrasado e relu- finalmente, exigindo que a reconstrução da universidade se
tante ao debate das solu ções práticas, mais como um elemento processe sem retrocessos e sem destruir as conquistas ante -
dos particularismos em conflito que como uma for ça de supe-
ração e de síntese. O que se precisa hoje, mais do que nunca,
riores— quer quanto à expansão do sistema dê ensino pú-
blico superior, quer quanto à valorização da nacionalização,
! II

é que se estabeleça um elo permanente e flexível entre a como técnica administrativa e política, e da democratização
intervenção estatal e as tendências de reforma universitária das oportunidades educacionais e de participação da cultura,
imanentes à própria universidade. Entretanto, como criar como requisito intelectual de um estilo de vida social demo-
esse elo? Aos autênticos universitários repugna a confusão crático.
entre “concentração do poder”, “ despotismo do Executivo” e
formas de autoritarismo político cegas aos interesses educa-
cionais e culturais da Nação como um todo. Aos agentes dos í
Governos repugna ou a independ ência intelectual e os alvos
ideais dos verdadeiros universitários, ou o anacronismo e a
ineficiência dos universitá rios ao velho estilo. Esse elo somen-
te poder á ser forjado através de um regime republicano que
153
152
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SEGUNDA PARTE
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08 SENTIDOS DA “ REFORMA UNIVERSITÁRIA”

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CAPÍTULO 6
* REFORMA UNIVERSITÁRIA E MUDANÇA SOCIAL *

A reforma universitá ria já é, em si mesma, uma mani


festação da mudança social, ao nível institucional. As pres-
-
sões de mudança, a partir do meio externo e da pr ópria uni
versidade, precisaram tornar-se muito fortes para que ela se
-
desencadeasse.
Na presente discussão não iremos analisar vários proble-
mas centrais em um estudo sociológico do assunto. Deixare-
mos de lado tanto as causas e os efeitos da resistência à re-
\
forma universitá ria, por parte dos círculos conservadores, em '
geral, e dos professores ou profissionais liberais, em particular,
quanto as vá rias etapas percorridas pelo equacionamento, di-
fusã o e consolidação das várias correntes de opinião , que de-
sembocaram no vasto processo atual. Depois que se constituí-
<

ram as nossas universidades nominais, pela conglomeração


-
das escolas superiores preexistentes e a criação das faculdades
de Filosofia, Ciências e Letras, as primeiras cr íticas sitemá-
tica à estrutura, funcionamento e rendimento da “universi-
dade brasileira” partiram dos chamados pioneiros da educa-
ção nova, de professores universitários ligados principalmente
ao setor da pesquisa e dos graduados que adquiriram melhor
,

* Publicação prévia: Argumento, Ano 1


pp. 5-22.

N úmero 3, janeiro de 1974,
Versão muito condensada de um esquema de exposição, explorado em
várias palestras, confer ências ou mesas-redondas: no audit ó rio da
Prefeitura de Presidente Prudente, sob o patrocínio de professores e
estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Presidente
Prudente C 3/ 9/1968); no auditó rio da Faculdade de Medicina da Uni-
versidade de Campinas, sob os auspícios de seu Centro Acadêmico
( 27 /9/68 ) ; no audit ó rio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Araraquara, por iniciativa do seu Departamento de Ciências Sociais
\ ( 4 /10 /68 ) ; no auditó rio da Faculdade de Direito do Triâ ngulo Mineiro,
sob o patrocínio do seu Diretó rio Acadêmico ( 21 /10 / 68 ); no audit ório do
Colégio Nossa Senhora do Morumbi, no “XXX Encontro do Morumbi”,
sob os auspícios do Movimento de Valinhos ( 28/10/ 68 ); no auditó rio da
Pontif ícia Universidade Cat ólica do Rio Grande do Sul, por iniciativa da
Sociedade Gaú cha de Sociólogos ( 7/11/ 68 ).

157
forma ção científica, a qual serviu de suporte à paulatina cris- O meio brasileiro demonstrou menor maturidade intelectual
talizaçã o de uma mentalidade universitária no Brasil. As coi- e pequena vitalidade cr ítica. Mesmo depois da reforma uni-
sas caminharam tão depressa , durante as décadas de 40 e 50 , versitária ser defendida até pelos círculos militares e empre-
que a reforma universitária passou a ser uma reivindicação sariais, caindo no domínio da “ política conservadora ”, ainda
geral nos quadros universitá rios jovens e logo caiu, graças à revelamos profundas debilidades no delineamento das mudan-
colabora ção destes com os estudantes, no âmbito das “ refor- , ças internas substanciais por que deve passar a “ universidade
mas de base ” ou das “ reformas de estrutura” das grandes brasileira”. Segundo, em compensação, o movimento eclode
organiza ções estudantis, como a UNE e suas congéneres com maior violência — como “desafio às estruturas arcaicas ”
estaduais.
A presença maciça dos estudantes marcou uma alteraçã o
— e tende, em suas tendências mais atuantes, a- exigir “a
negação da ordem social existente ”. Portanto, nasce com uma
substancial nos objetivos e formas de atuação das correntes impregnação política que os primitivos movimentos latino-a
anteriores. Elas punham a questão em termos de uma crí- mericanos de reforma universitária n ão possuíam . Eles eram,
tica abstrata da situaçã o existente e de reivindica ções ideais, basicamente, manifestações utópicas do “ pensamento cr ítico
defendidas apenas no plano das idéias. Os poucos jovens uni- ,
liberal”. Suas polarizações com a “negação da ordem ” eram
versitá rios atuantes não contavam com meios de ação para superficiais ou, então, faziam parte das orientações ideológi-
irem - além dessa postura, dependendo totalmente dos estu - cas de facções direitistas, socialistas ou comunistas do mo-
dantes e de suas organiza ções para passarem ao plano da vimento.
“ pressão de massa” e da ação. Os estudantes começaram
'

propondo-se a reforma universitária como uma tarefa pura- Não dispomos de dados e de conhecimentos indiretos para
mente interna e imanente à reconstrução espontânea da uni- í
examinar todos os aspectos de uma eclosão reformista tão
versidade brasileira. 1 Todavia, a resistência crónica da maio - ampla e complexa. Pensamos que a rapidez do processo foi
ria do corpo docente, a inércia cultural da pr ópria instituição negativa, principalmente para a universidade. Grupos dissi-
e a apatia política da sociedade brasileira diante da quest ão, dentes reduzidos viram-se, de uma hora para outra, travando
mesmo através de Governos tidos como “ populistas” e “ pró- duas batalhas desiguais, sob constante perda de iniciativa,
esquerdistas”, conduziram os estudantes a radicalizarem suas pelo menos provisória, em favor dos círculos conservadores.
exigências e a reformulá-las politicamente. Descobrindo que Nem sequer tiveram tempo de concatenar, amadurecer e
seria impossível “mudar a universidade” sem “transformar a depurar seus alvos ideais na luta pela reconstru ção da uni-
sociedade”, eles deram novo ímpeto às correntes reformistas versidade. Operaram, assim, mais como uma força de conde-
e empalmaram seu controle ideológico. 2 nação, que impunha a destruição das “estruturas arcaicas”
Esse breve resumo sugere duas coisas importantes. Pri-
meiro, em comparação com outras sociedades nacionais latino - como um fator histórico inexorável. Como os círculos conser-
vadores detinham o controle político da situação global, eles
americanas, a reforma universitária surgiu, como movimento
social, com relativo atraso no Brasil ( na Argentina, por exem- absorveram o impacto e acabaram liderando a modernização,
plo, na década de 20 ela já levava às reivindica ções quantita- -
fazendo a desaguar no tradicional impasse histórico-social em
que se encontra a sociedade brasileira. No entanto, existem
tivas ou qualitativas conhecidas e produzia frutos legais) . ,

aspectos positivos. A destruição envolve uma reposição: os


1 O Primpim Seminário Nacional de Reforma Universitária, realizado
em Salvador ( maio de 1961 ), do qual o autor deste trabalho participou homens não destroem socialmente senão aquilo que eles que-
com uma exposição sobre “As Punções da Universidade no Meio Social rem reconstruir. Os alvos e os objetivos visados contêm, pois,
Brasileiro ”, por exemplo, preocupava-se substancialmente com a reno- o que é substantivamente “ dinâmico” e “construtivo” do mo-
vação institucional da universidade . vimento de reforma universitária. A anomia e a apatia da
2 Não nos interessa discutir aqui pormenores da história da reforma
universitária como movimento social. O leitor que se interesse pelo sociedade brasileira, somadas à capacidade de obstruçã o e de
assunto encontrará as principais indicações em Marialice Mencarini resist ência soeiopática à mudança dos círculos conservadores
Foracchi. O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira no poder, converteram a reforma universitária em um parto
( São Paulo, Companhia Editora Nacional , 1965, cap. 5 ) e “ Estudante e
Pol í tica no Brasil” ( Aportes, Paris, janeiro de 1968, N.° 7 , pp. 89-101 ) . dif ícil. Isso n ão impediu que os alvos e os obj etivos ganhassem

158 159
a cena histórica e neles se impusessem como os verdadeiros ra desinteressada” ou às atividades práticas, de natureza bu-
polarizadores a largo prazo da “ reconstrução da universidade” rocr á tica ou política , e para preencher os papéis intelectuais
e da “ transformação da sociedade ”. correspondentes, envolvia consequ ências intelectualmente pro-
Vamos limitar-nos a esse aspecto. Aliás, ele é que nos se-
para do passado e oferece uma linha divisória em relaçã o ao
futuro distante. Os que defendem a ciência, o pensamento
dutivas — sem dinamizá-los, diferenciá-los e convertê-los,
contudo, no arcabouço de uma instituição educacional e cul-
tural em crescimento e no suporte de um desenvolvimento
crítico e a pesquisa criadora vivem de esperanças. Uma espe- educacional e cultural auto-sustentado. Os modelos institu-
rança t ênue e irracional, mas que se alimenta de lutas inces- cionais, segundo os quais elas se configuravam, chegaram ao
santes e sem tréguas. Os ganhos podem parecer irrisórios e a extremo de ser suplantados pelas exigências educacionais e
pr ópria causa excessiva para as forças que conseguimos mo- culturais emergentes. Ocorreu um lag ou demora cultural:
bilizar socialmente. Nã o obstante, nã o estamos em confusão a sociedade alterou-se com maior intensidade, apresentando
moral e em retirada. São os outros, os corifeus do pensamento
necessidades educacionais e culturais que a escola superior”
conservador e seus seguidores, que perdem terreno. Por isso, e a “ universidade” não podiam (e também“ “não queriam”,
vale a pena reexaminar alvos e objetivos latentes ou explíci- através da vontade predominantemente tradicionalista dos
tos, tentando estabelecer o que eles significam nos três níveis professores ) satisfazer. Ao longo da evolu ção republicana ,
distintos: l.°) da universidade, considerada como o núcleo em menos de meio século, as principais instituições de “ensino
institucional das mudanças previstas e desejadas; 2.°) da so- superior ” e de “ alta cultura ” deixaram de exprimir as pulsa-
ciedade, encarada como o Locus das ações reformistas e, por- ções e as inquietações da sociedade envolvente. Esta abria-se
tanto, como o princípio e o fim daquelas mudanças; 3.°) das para a crise do mundo capitalista moderno e precisava de
í
rela çõ es estruturais e dinâmicas da universidade com a socie-
dade, porque uma não pode se alterar sem precipitar altera-
novas técnicas sociais de saber e de ensino; aquelas imobili
zavam-se numa viscosa intemporalidade, perdendo sua eficá --
ções concomitantes na outra. i cia até para a preparação de profissionais liberais.
A reforma universitária emergiu como tentativa de mera
A Reforma Universitária no Âmbito Institucional regeneração e recuperação institucionais. . Não se atentou ,
durante as décadas de 30 e de 40, que os modelos institucionais
No plano institucional, o movimento de reforma univer- vigentes haviam passado por um secular processo de abrasi-
sitá ria possui duas vincuiaçõ es exclusivas. Uma, voltada para leiramento. Em consequência , a correção de seus defeitos
a destruição de modelos institucionais que são autênticas estruturais ou funcionais não dependia, apenas, de altera ções
sobrevivências socioculturais do “antigo regime” ; outra, orien- puramente institucionais. Para eliminar tais defeitos ( manti-
tada para a construção da universidade nova. dos os antigos modelos ) seria - preciso modificar, concomitan-
'

Não nos interessa retomar e aprofundar, aqui, a análise temente, as relações da escola superior tradicional e da uni-
e a crítica do que foram, institucionalmente, as escolas supe- versidade conglomerada com a sociedade ( especialmente com
riores tradicionais e as universidades conglomeradas, a que os “interesses criados” das profissões liberais e dos círculos
elas deram origem. 3 O fato é que a “ escola superior tradi- sociais conservadores) . Perdeu-se muito tempo nessa direção.
cional” e a “ universidade conglomerada” constituiam versões No fundo, os quadros intelectuais jovens das universidades
pobres de uma precária assimilação de “ modelos arcaicos” de brasileiras eram vitimados pela ideologia educacional, pseu-
ensino superior. Elas organizavam a vida intelectual como damente “avançada ” e “liberal”, das elites culturais. A ruptu-
parte de uma “situação colonial” cr ónica de dependência cul- I
ra s,e deu graças ao desmascaramento espontâneo: as diver
sas pressões, procedentes dos diferentes setores da pesquisa -
tural. Produziram efeitos construtivos — pois a funçã o de
formar um tipo de bacharel, apto para desenvolver várias científica, da atividade intelectual crítica e da fermentação
-
atividades intelectuais, ligadas às profissões liberais, à “ cultu propriamente política, cairam no vazio. Tanto na universida-
de de Sã o Paulo, quanto no plano federal, evidenciou-se que a
3Assunto suficientemente debatido nos capítulos que compõem a pri- escola superior tradicional permitia t ão-somente uma reno-
meira parte deste livro . vação de fachada. Esta ocultava, de modo permanente, nã o
160
161

Si
só a perpetuação e o agravamento das velhas distorções, mas deixam de ser apaná gio do pensamento crítico individual
o aparecimento e a propagação de novas inconsistências. 4 para se converterem em expressão de um “querer social” em -
Aos poucos formou-se e generalizou-se a convicção de que penhado na criação da universidade brasileira. *

as velhas escolas superiores e a universidade são inconciliá- Sob essa perspectiva, a reforma universitária atingiu sèu
veis. As realizações que tentaram essa transição perdiam, clímax histórico como um movimento social que procura
assim, o seu fascínio; e o problema real passara a ser o de ajustar atitudes e comportamentos inconformistas de estudan-
cgmo construir a “ universidade brasileira”, partindo-se do tes ou professores universitá rios à necessidade de adaptar a
patamar limitativo e obstrutivo da escola superior tradicional. universidade às exigências educacionais e culturais da socie-
O af ã de “ regenerar ” e de “ recuperar ” os antigos modelos dade brasileira em transformação. Dois elementos são impor-
institucionais cede lugar, então, a um novo tipo de aspirações tantes em tal definição.
ideais. Tendia-se a refletir numa dupla direção crítica. De Primeiro, a universidade ideal não foi projetada como uma
um lado, procurava-se pôr em evidência a qualidade e a va- unidade perfeita e acabada, mas representada à luz das fun-
riedade das exigências educacionais e culturais, formuladas ções reais ou potenciais que ela deveria preencher na socieda-
de fato ao nível da sociedade urbano-industrial no Brasil,
de inclusiva. Assim, separava-se a construção da nova uni-
mas que não eram atendidas (ou eram atendidas deficiente- versidade das relações de imitação, assimilação e dependência
mente) pela escola superior tradicional e pela universidade culturais em face das nações capitalistas “avançadas”, “cen-
conglomerada. De outro, atentava-se para os requisitos edu-
trais ” ou “hegemónicas ”. Tendo-se em vista o padrão de civi-
cacionais e culturais da civilização urbano-industrial emer
gente e para a impossibilidade de atendê-los através dos mo-
- lização vigente, a comunicação com o exterior, nessa matéria,
delos institucionais existentes. Daí resultavam : l.°) um novo
estilo de consciência e de explicação das deficiências quantita-
tivas e qualitativas do “ensino superior ”; 2.°) uma nova for-
esboçou

é inevitável e em si mesmo produtiva. No entanto, não se
.

como sucedeu no início do século XIX — a ten-


d ência a importar modelos institucionais resultantes da expe-
riência histórica de um povo determinado ( Portugal, na oca-
i

mulação da “id éia de universidade”. Deseobriu-se que não sião) . Ao contrário, prevaleceu a disposição de expurgar a
adiantava, pura e simplesmente, multiplicar os estabeleci- universidade conglomerada de suas inconsistências estruturais
mentos de ensino superior. As massas crescentes de matrícu- e de suas deficiências funcionais, promovendo-se a valorização
-
las e de graduados escondiam uma mentira estatística. Em
vez de sanar as deficiências, agravávamos a situação, difun-
do todo estrutural-funcional que se apresentava dado na expe-
riência histórica brasileira. Esse fato é deveras importante,
dindo a “má escola” ê o “mau ensino”. E , o que era em si porque evidencia a existência, no bô jo do movimento de refor-
mesmo mais importante, que se deviam procurar novas vias ma universitária, de uma tendência ao aproveitamento racio-
de superação do impasse, mediante a criação de modelos nal dos recursos materiais e% humanos investidos nó “ensino
institucionais de universidade que respondessem, simultanea
mente, aos requisitos ideais de civilização urbano-industrial,
- superior brasileiro”. As funções potenciais a serem explora-
das ou reelaboradas foram extraídas dos requisitos da civili-
às necessidades educacionais ou culturais emergentes e às zação urbano-industrial ao nível de complexidade que ela
possibilidades materiais ou humanas da sociedade brasileira. alcançou no Brasil e da continuidade do seu desenvolvimento
Foi nesse momento, portanto, ao encerrar-se a década de 50, no futuro.
que a reforma universitária ganhou proporçõ es internas e ‘ Segundo,
dimensã o histórica de “ movimento social”. As intenções re- as conexões profundas da universidade com a
formistas dentro do “ ensino superior ” e da “universidade” sociedade brasileira foram focalizadas com referência a uma
sociedade nacional dependente e subdesenvolvida em transfor-
* Para o autor e vários dos seus companheiros de geração a situa ção mação, Por conseguinte, as funções realizadas, latentes ou
crítica irreversível surgiu com as duas crises pelas quais atravessou a manif éstas da “ universidade ”, podiam ser eompreendidas co-
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em 1958 e 1959 ( cf . Florestan mo parte de processos civilizatórios dos quais o Brasil partici-

Femandes, Educaçã o e Sociedade no Brasil, São Paulo, Dominus Edito-
ra Editora da Universidade de São Paulo, 1966, Parte II, caps. 4 e 5 ).
Então se iniciou, para nós, a análise sistemática da “universidade con-
glomerada ” e a luta por sua superação.
pa naturalmente. O “ padrão de desenvolvimento dependente”
pressupõe e acarreta formas de crescimento educacional e
cultural que envolvem “progresso educacional” e “ progresso

162 163
cultural”, embora não sejam as formas de crescimento típicas t tipos de saber. E a “função de gerar um
pensamento crítico”,
da evolu çã o primordial, independente e auto-sustentada.
tanto sob a modalidad e de autoconsciência dos problemas
sociedade nacional e seus dilemas na civilização da
O movimento de reforma universitária não ficou preso a
essas funções, como faz o pensamento utópico-pedagógico ií to sob o modo de reflexão cr ítica sobre o vigente quan
destino
-
brasileiro, dominado por um liberalismo tradicionalista e con
servador. Ao contr á rio , ele deu maior importância às fun ções
- nessa civilização e a natureza das “grandes opções hist
( que ela nos oferece ou que podemos
do homem
óricas”
criar através de seus re-
potenciais, reconhecidas ou não, que surgem como requisitos ,! cursos materiais e humanos) . Ainda aqui
prevaleceu a antiga obceca ção de importar , portanto, não
dinâmicos da emergência e da expansã o graduais da civili - (
tas e acabadas”. A experiência de outros povos“instituições pron-
zação urbano-industrial no Brasil. A partir daí, ganhou rele- por ventura
vo a concepçã o de que a universidade constitui um complexo
sistema institucional, dotado de organiza ção estrutural-fun -
“avançados”, “centrais” e “hegemónicos”
para esclarecer o caráter dos arranjos — serviu
institucio nais
somente
envolvi-
cional pluridifereneiada e de dinamismos de auto-crescimento dos por uma “ universidade integrada e
multifunc
sentido de sua contribuição para formas autó ional ” ou o
duplamente polarizados ( para dentro do sistema : as suas uni- nomas de desen-
dades, menores ou intermediárias, e a universidade como um volvimento educacional e cultural.
todo ; e para fora: outras instituiçõ es, as comunidades locais, $ Em resumo, a reforma universitá ria, depois
conjuntos regionalmente interdependentes de comunidades consistência e as influências de um de adquirir a
locais e a sociedade global ) . Não só a “fun ção de ensinar ” movimen to
cionou ideais novos de organiza ção da universida social, equa-
passava a ser concebida como uma função a ser desdobrada e
t
} às “estruturas arcaicas do ensino superior de. O repúdio
diversificada, de modo a inserir-se o ensino pós-graduado entre I por uma busca inquieta e ardente de ” fez-se acompanhar
as tarefas centrais da universidade em uma sociedade que 2-v soluções alternativas,
adaptadas à melhor utilizaçã o dos recursos
precisa racionalizar socialmente a seleção e o aproveitamento .T manos existentes ou exploráveis e à autonomizmateriais e hu-
intensivo do talento. O ensino graduado entrou em uma nova nal e cultural da sociedade brasileira. ação educacio-
categoria , sendo representado como um ensino para “ grandes 9' Por isso, o movimento
defende um novo padrão de organização institucio
n úmeros” ( ou de massa ) , mas sem caráter magistral e técni - a
J
versidade, que desemboca , em termos da tradi
nal da uni-
-
co-propedêutico ( ou seja, como um ensino pr é especializado
J
moderna, no que se poderia designar como um ocidentalçã o
informativo e formativo, de maneira a equipar o estudante

——
universidade integrado e multifuncional. Esse padr modelo de
para a rápida aprendizagem e a realização eficiente dos papéis nização põe os universitários ão de orga-
intelectuais inerentes às diversas especialidades profissionais ) . estudantes, professores, pes-
quisadores ou administradores de tarefas totalmen-
Literalmente falando, essas s ã o as implicações de qualquer te novas. As mais específicas e diante
marcante s
b “ modernização do ensino superior ” que procure ajustá-lo às reconstruir internamente a universidade ( em dessas tarefas:
exigências educacionais e culturais do mundo urbano-indus- seu todo e em seu rendimento) ; as mais complexas suas partes, no
trial DU simplesmente urbano brasileiro. A mesma concepçã o entre elas: adaptar a estrutura, o e gerais,
também dava relevo a três outras funções da universidade, funciona mento
mento da universidade brasileira ao papel hist órico oque e cresci- !
tolhidas ou deprimidas at é ao passado recente. A “ fun ção de deve ter como fonte de negação e de supera ela 1

pesquisar ”, concebida como uma função de importância equi- cia cultural e do subdesenvolvimento
ção da dependên-
valente à do ensino e ainda mais decisiva para a aceleração e educacional. Nas fron-
teiras do presente e do futuro, a universidade ]

i
autonomização do desenvolvimento educacional e cultural do deverá contentar-se em contribuir para brasileira não
Pa ís, por causa das consequências diretas ou indiretas da “
vimento”. Ou ela será capaz de produzir um o desenvol-
acelerar
i
expansão interna da ciência e da tecnologia avançada. A “fun- intelectual de desenvolvimento educacional e cultural novo padrão
ção de cria çã o intelectual”, antigamente tolhida e irrelevante, nomo ”, ou ela submergirá, outra vez, tragada por “autó-
por desenrolar-se sistematicamente através dos papéis intelec-
tuais dos profissionais liberais, e que hoje precisa ser coorde-
cesso de senilização precoce que fará dela um “ um pro-
derno de estruturas arcaicas” ou uma objetivarebento mo-
i nada , intensificada e dirigida pela universidade, da qual a dos tempos modernos”. A reforma, com“que ção arcaica
sociedade espera a produção original ou a impulsão de certos a universidade
i
164 165
brasileira depara, é total e completa. Abrange a sua consti - e intocável, dos estratos sociais “ilustrados” e “responsáveis”,
tuição e modo de ser, o seu rendimento intelectual e a sua
relação com o destino histórico da sociedade brasileira .
-
os únicos que seriam “capazes de decidir ” e de fazê lo “ em
nome de todos ”.
Sob esse aspecto, o movimento de reforma universitária
teria, mais cedo ou mais tarde, de desmascarar esse estilo de
A Reforma Universitária no Âmbito Societário resistência à mudança e de combater, diretamente, suas fon
tes reais, A cátedra não se apresentava, apenas, como um
-
núcleo estrutural de preservação e de fortalecimento de mo-
O movimento da reforma universitária esbarrou com uma delos escolares ou de há bitos educacionais arcaicos. Ela era,
resistência intensa e multiforme dentro das escolas superio- por sua essência, o bastião do pensamento e do comportamento
res. Entretanto, essa resistência não era especificamente inte- conservadores dentro da escola superior isolada ou da “univer-
lectual. Quase se pode dizer que ela fazia parte e exprimia sidade”. Combatê-la equivalia a declarar guerra aberta aos
.
dramaticamente uma “ tradição cultural” O “ poder de diri- | próprios círculos sociais que compunham a sociedade civil e
gir e de fazer escolhas ” sempre foi, indiscutivelmente, uma monopolizavam socialmente, por meio dela, o poder económico,
prerrogativa do “setor ilustrado e responsável” da coletivida- cultural e político. É importante que se comprenda isso clara-
de. Em poucas palavras, sempre foi exercido pelas elites mente. Caso contrário, n ão se entenderá: l.°) a aparente-
dos estratos sociais que pertenciam à sociedade civil, os quais S mente estranha importância conferida pelos estudantes e
detinham o monopólio do poder político institucionalizado e o pelos professores mais oú menos propensos à mudança à
exerciam como se agissem em nome da coletividade como um “ guerra de vida e morte” declarada à cátedra ; 2.°) a reação
todo. No fundo, a célebre interpretação do mandato abolicio- monolítica das classes conservadoras, que se opuseram à re-
nista, feita por Nabuco, segundo a qual o abolicionista obe
deceria a uma delegação inconsciente, da parte dos que a
- forma universitária como se ela constituísse um cataclismo
social e só cederam tardiamente, de má vontade e com intento
faziam, e seria assim o “delegado gratuito” de seres que, “de dissimulado de absorver o controle direto ou indireto das
outra forma não teriam meios de reivindicar os seus direitos fases políticas dos processos de reconstrução da universidade;
nem consciência deles”, 5 é válida até hoje. Os círculos con- 3.° ) a extensão inevitável do Confronto das “forças conserva-
servadores, de extraçã o tradicional ou rie origem recente, re-
presentam-se como sendo os ú nicos com condições intelec- dade para o cen ário mais amplo da sociedade global. Em
-
doras” e das “for ças radicais” , do plano restrito da universi

tuais, morais e políticas para “tomar decisões de interesse síntese, ao pôr em questão as estruturas arcaicas do ensino
coletivo” e para “gerir responsavelmente a Nação”. A intensa superior, o movimento de reforma universitária amea çava as
mobilidade social horizontal ou vertical e as fortes mudanças
culturais ocorridas na sociedade brasileira não abalaram essa
estruturas arcaicas de todo o sistema. E, para vencer a resis
tência às inovações dentro da instituição, ele tinha de provo-
-
representação. A razão é simples. Ela legitima o monopólio car, combater è sobrepujar a resistência sociopática à mudan-
do poder pelas classes inseridas na sociedade civil , servindo ça das próprias classes sociais - dominantes. O paradoxo da
de baliza política ao pensamento e ao comportamento conser- situação aparece no fato de que estas cederam, antes de se
vadores. Os professores que resistiam à reforma universitária verem propriamente derrotadas. Em consequência, o signifi- i
agiam menos .como “catedrá ticos” que como os representantes cado do combate à cátedra perdeu sua substância política e
,

desse estado de espírito conservantista dentro das escolas su- cultural, sem que as várias correntes do movimento da refor-
periores e das universidades. O poder que eles não queriam ma universitá ria se dessem conta do que estava ocorrendo.
dividir e “degradar ” não era o poder inerente à cátedra e à
intituição— mas o poder que lhes advinha do fato de repre-
i
-
Continuaram a concentrar seus ataques a uma estrutura de
poder que se esvaziara e não reorganizaram a estratégia
sentarem , na cátedra e na instituição, aquele poder mais geral global, que deveria ter-se deslocado, rapidamente, para o
. plano especificamente político-administrativo e legal, no qual
t SCf . Joaquim Nabuco, O Abolicionismo, Londres, Tipografia de se operou a revitalização, agora amplamente dissimulada, da
Abraham Kingdon & Cia., 1883, pp. 17-23. resist ência conservadora à reforma universitária.

166 167
r O fato crucial é que a irracionalidade da reação conser-
v

durante muito tempo possível politicamente . 7 O que


vadora for çou o deslocamento das pressões pela reforma uni- pretendia era tornar “ politicamente poss vel ” se
versitária. 6 Ao atingir o caráter especificamente histórico de í ” o que se sabia
ser “tecnicamente possível” e historicamente necessá
movimento social, ele sobrepõe, ao objetivo primordial, de re - Bem ponderadas as coisas,“seria dif ícil que o pêndulo rio”.
constru çã o da universidade, a missão de negar, através da girasse da forma indicada. O cerceamento nã o
“ nega ção das estruturas arcaicas da universidade”, a ordem pá ra no plano técnico. Ele tende a aprofundar conservador não
social existente e o monopólio conservador do poder A ine- . mica mesma de seus interesses sociais e de seus -se, pela dinâ-
xistência de meios normais e institucionais de participação cos. Só sob a hipótese de um regime social estávelalvos políti-
cultural e política dos jovens, a ilegalidade das organiza ções controle conservador este se mostra capaz de e sob total
-
estudantis e a repressão policial militar ( que se tornou cruel nalmente interesses particularistas e interessescombinar
me-se, como exemplo, a atuação inovadora decoletivos. To-
racio-
e sistemática depois de 1964 ) , contribuíram poderosamente
para que essa missão adicional se convertesse no elemento Ara ú jo, através dos vá rios papéis políticos e burocrNabuco
á
de
ticos que
político do movimento de reforma universitária e, no final desempenhou . A criação de uma ordem legal, que
s
das contas, na principal fonte de sua propaga çã o e explosão. mandonismo, a violência e a opressão dos poderososcoibisse aparecia
o
O af ã de destruir a velha escola superior e a universidade que como requisito sine qua non da formação e da consolidaçã
de uma sociedade nacional integrada. Em o
ela gerou não passou a segundo plano. Da mesma maneira, o semelhante eon-
af ã de construir a universidade “ nova”, “crítica” e “demo- texto, certas facções conservadoras, puramente .1
reacion á rias
crá tica ” não perdeu sua importância anterior, nem o signifi- e obscurantistas, podem-se opor à mudança. Mas
cado utópico que possuia , como tentativa de modificar a rea- mento conservador é capaz de aprendê-la , ao nível da solu- o pensa
ções técnicas; e o comportamento conservador -
lidade histórica. O que se transformou, em sentido profundo, é capaz de con-
foi o clima intelectual, moral e político do movimento e o sumá-la, ao nível das soluções políticas. Estabilidade
poder de controle, eis os- ingredientes que social e
modo de encarar a própria viabilidade da reforma universit á- impedem o pensa-
ria. Enquanto se confiou na “ racionalidade burguesa ”, supu- mento e o comportamento conservadore de se sentirem amea
çados, infundindo-lhes eficácia prá tica scomo -
nha-se que a reconstrução da universidade dependia de solu- va e inteligente da mudança sociocultural. No dimensão voliti-
ções técnicas. Depois que se constatou que a racionalidade radas essas condições, ambos perdem seu ponto entanto , alte-
'

em questã o se definia em um plano muito estreito e que ela, e sua faculdade de orienta ção racional. Sob de equilíbrio,
sob a obsessão do monopólio do poder, avaliava e selecionava forte
de social e sob riscos de incapacidade potencial instabilida-
politicamente as soluções técnicas, a reconstrução da uni- controle da situação, o pensamento e o comportamento
ou real de
versidade redefiniu-se como problema político. Uniram-se os servadores tornam-se fundamentalmente reacionários. Ent con- r

dois pólos: a reforma universitária equacionava-se como uma tendem a projetar a mudança na esfera política, ão,
í reforma da sociedade. A razão? É que não se via como descobrir os seus eventuais efeitos, a curto e a largo tentando
aplicar as soluçõ es t écnicas, descobertas ou viáveis, mantidas nas estruturas de poder existentes. . Toda mudan prazo,
as condições atuais; isto é, sem o controle do poder pelos que ça, principal-
mente toda mudança que pareça concorrer para deprimir o
desejavam e exigiam , socialmente, a reforma universitá ria. controle conservador e ameaçar direta ou indiretament
Como escreve Gorz, “o que é possível tecnicamente não é monopólio conservador do poder é exposta à condenação ideo e o
lógica, à repressã o policial-militar e à exclus -
ão política. No
6 Sobre a irracionalidade do comportamento conservador, cf . Florestan Brasil, entre o último quartel do século XIX e
Fernandes, Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento, Rio de Janeiro,
'

meiras décadas da era republicana, o pensamento as três pri-


Zahar Editores , 1968, pp . 115-126; & sobre o caráter sociopático de sua
reação à mudança, cf . idem, A Sociologia numa Era de Revoluçã o So- portamento conservadores foram profundamente
" e o com
-
afetados por
cial, são Paulo, 1963, Companhia Editora Nacional, esp . cap. 7 ( ver 7 André Gorz
, O Socialismo Dif ícil, trad ,
também cap. 8 ); sobre a inadequação do horizonte cultural aos pro- Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968, p. 82. de Maria Helena Kuhner ,
blemas sociais emergentes, cf . idem, Mudanças Sociais no Brasil, São * Cf . Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império.
Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1960, cap. I ( esp. pp. 62-79 ) e cap. X Sua Vida, suas Opiniões, sua Época, São Paulo de Araújo:
( esp. pp . 274-280 ) . Nacional, 2.a edi ção, 1936 ( 2 volumes ) , passim. , Companhia Editora

168
169
certas contradições históricas e estruturais. Ao mesmo tempo pretendia evitar. O poder político conservador acabava tendo
em que as classes possuidoras tentavam erigir uma ordem de avan çar na direção da reforma universitária. Se não o
social competitiva normal, 9 timbravam em preservar ou em fizesse, ficava sujeito ao descr édito e à desmoraliza ção. Ao
fortalecer privilégios sociais ( com as iniquidades económicas, tomar uma bandeira que nã o era nem poderia ser sua, cor-
culturais e políticas correspondentes ) , herdados da ordem so- rompeu a imagem da reforma universitária e moldou-a à sua
feiçã o. O que, finalmente, os círculos conservadores sanciona-
cial escravista. As condições histórico-sociais nem sempre fa - vam, através da atuação do Estado ou dos seus pr óprios re
presentantes nos corpos docentes e discentes, equivalia a nma-
voreciam esse desígnio. Ou a instabilidade social solapava e
destruía o equilíbrio da situaçã o, como ele era definido de
uma perspectiva conservadora ; ou o poder de controle con - contrafaçao. Como não podiam avançar até as solu ções técni-
cas adequadas e imperiosas, adulteravam os meios e os fins de
servador, malgrado as facilidades persistentes, revelava-se in -
suficiente e inconsistente. A adaptação das classes possuido
,

ras, nã o obstante, não se fez numa linha de aceitação gradual


- todo o processo, reduzindo a reforma universitária a um jogo
de regras fixas, em que estão empenhadas as aparências das
e de toler ância às inova ções institucionais e às mudanças coisas, não a sua realidade histórica.
estruturais da ordem social. Primeiro, surgiu uma propensão A irracionalidade do pensamento e do comportamento
bem definida a submeter as inova ções e às mudan ças sociais
a uma espécie de filtragem sistemá tica. Alberto Torres equa -
conservadores não procedia de fatores puramente pessoais
Embora tivesse raízes psicossociais f áceis de identificar, ela
.
ciona teoricamente essa propensã o, ao ligar a “ restaura ção nascia de uma situaçã o histórico-social que expunha o poder
conservadora e reorganizadora” a uma seleção prévia rigo
rosa das inova ções e das mudanças sociais. 10 O paroxismo
- político conservador a uma terrível impotência. No fundo, ele
se via prisioneiro de um círculo vicioso. As solu ções técnicas
dessa propensão, porém , só se concretizaria posteriormente.
O golpe de Estado de 1964, por exemplo, evidencia de forma
conhecidas não podiam sé r postas em prática , por serem in -
típica que o pensamento e o comportamento conservadores
compatíveis com as suas próprias razões políticas. Essa circu
laridade, ao mesmo tempo estrutural e hist órica , afetou a -
n ão cedem terreno no plano político. As “solu ções t écnicas” substâ ncia e a orientação das vá rias correntes em que se
são toleradas e aceitas : ou quando elas parecem ser politica
mente “ neutras ”; ou quando existem meios para coibir ou
- desdobrou o movimento da reforma universitária. A irraciona-
lidade da posição conservadora deriva de sua debilidade polí-
neutralizar seus efeitos políticos que produzam impacto ne- tica. Ao exagerar o peso do elemento político, os círculos con-
gativo sobre o monopólio conservador do poder. servadores procuram resguardar-se das consequências previs-
O que vem a ser deveras, importante, no contexto histó - tas ou imprevistas das soluções técnicas. Por motivos opostos,
rico, é que assim o poder político conservador sabotava e im
pedia a reforma universitá ria . De um lado, porque projetava
- os defensores da reforma universitária se viram tentados a cair
em uma circularidade simétrica. Uns, exacerbando o fator
as solu ções t écnicas formuladas numa área de impugna ção procrastinado na rea ção conservadora , elevando as solu ções
ideológica e moral. Nã o podendo inquinar intrinsecamente técnicas à condição de pura magia. Incidiam, assim, em um
aquelas soluções, com frequência apoiadas pelas experiências erro crasso. Ignorando o elemento político e o fato de que as
3 pedagógicas das na ções capitalistas “avan çadas”, os círculos solu ções técnicas só são possíveis sob composição aberta ou dis-
conservadores viam-se na contingência de forjar vulnerabili
dades. Atacavam a posiçã o dos pr óprios agentes ou defenso-
- simulada com os círculos conservadores, acabaram fazendo o
seu jogo político. Outros, querendo anular as vantagens da po-
res da reforma universitária, tentando desacreditá-los como sição conservadora , exacerbaram a importâ ncia relativa do !‘
“subversivos”, “ agitadores” ou “comunistas” , e incriminá-los elemento político. Adotaram uma estrat égia que conduz à
como “ perturbadores da ordem pú blica”. De outro lado, por
que, ao proceder desse modo, se comprometia com o que
- negligência ou à condenação simplista das soluções técnicas.
!

Como não dispunham de meios para derrotar a curto prazo o


9 Em confronto com os padr ões
, as normas e os valores sociais das poder político conservador em seu próprio terreno, não con-
sociedades capitalistas hegem ónicas da época. seguiram nem quebrar nem abalar a ordem social existente.
111 Cf . Alberto Torres, O Problema Nacional Brasileiro. Introdução a
O pior é que repetiram, por motivos opostos, erros de ótica
um Programa de Organização Nacional, São Paulo, Companhia Edito-
.
ra Nacional , 3.a edição , 1938, passim análogos aos cometidos pelos círculos conservadores. Convic-

170 171
v
-
y

tos de que as soluções técnicas não lograriam viabilidade limites e às esperanças do pensamento conservador. Embora
polí^tica, investiram sua atividade crítica na destruição das as forças que sustentam internamente o movimento de refor
“estruturas universitárias arcaicas”, convertendo a própria ma universitária defendam uma política educacional e cultu--
destruição em um processo predominantemente político. No ral que se opõe, frontalmente, aos desígnios das influências
momento em que os círculos conservadores modificaram sua externas, desencadeadas pela reorganização do espaço econó-
estrat égia , dando uma guinada- na direção de uma reforma mico, social e cultural do mundo capitalista dependente,
universitária de inspiração conservadora, os “ultra-radicais” através das grandes organizações internacionais que encar
não dispunham de um estoque de solu ções técnicas alternati
- nam o capitalismo monopolista , esse fato possui implica ções -
vas, suscetíveis de dinamização política ao nível institucional.
Em síntese, a rigidez estrat égica e o dogmatismo político dos estruturais e dinâmicas que não devem ser ignoradas. O poder
círculos radicais alimentaram, por várias razões, ajustamen- conservador enfrenta dois tipos de pressões: um interno,
tos prejudiciais ao andamento e ao alcance da reforma univer outro externo. A sua margem de concilia ção e de contempo-
sitária. Primeiro, porque a privou da contribuição intelectual- riza ção é limitada. A previsão mais simples consiste em que,
criadora de seus agentes mais ardorosos e intransigentes. Se- mesmo que tenha êxito na preservação de certas posições
gundo, porque os comprometeu com arranjos variavelmente estratégicas, está condenado a uma crescente toler ância dian-
imediatistas, que levavam em conta as exigências do elemento te das solu ções t écnicas. Em um certo limite, acabará impo-
político ao nível da sociedade global, mas subestimavam os tente para controlar tais soluções em termos próprios, tendo
avanços de ordem técnica, em sua maioria institucionalizáveis. de aceitar formas de equacionamento político da reforma
Terceiro, porque ao negligenciar as soluções técnicas e as po universitária extra e anticonservadoras.
tencialidades especificamente institucionais de mudan ça , dei-- t

xaram que o poder conservador mantivesse a í a sua iniciativa De outro lado, é patente que o exclusivismo conservador
“ t écnica” e “ política ”. concorre para reforçar as orienta ções preponderantemente
ou unilateralmente políticas do movimento de reforma uni-
Tudo isso evidencia que a irracionalidade da situaçã o versit ária. A mistificaçã o conservadora engendra a anulação
histórico-social fez com que o cerceamento conservador enve- dos que confiavam na absorção institucional de soluções
nenasse as forças sccialmente construtivas da reforma uni- técnicas, independentemente de altera ções drásticas da ordem
versitária. O movimento de reforma universitária não saiu, social, e dos que ficavam a meio-termo, lutando simultanea-
em consequência, aviltado ou enfraquecido. Ele apenas sofreu mente, mas de forma equilibrada, ao “ n ível técnico” e ao
uma perda de influência relativa direta e imediata. Assiste-se, “nível político”. Desse ângulo, os proventos da “ reforma uni-
de novo, a um processo social recorrente. No momento crítico versitá ria ” conservadora constituem uma vitória de Pirro.
de alguma alteração institucional profunda, os círculos con-
Eles poderão forçar o esvaziamento daquele movimento. Mas
servadores assumem o controle político das inova ções, sola-
incentivando-o a evoluir numa direção bem mais perigosa
-
pando as, deprimindo-as ou adulterando-as. Todavia, estamos
numa era de mudança social acelerada. Mesmo que os círcu para o poder conservador: o impasse e a frustra ção , sob o
los sociais conservadores consigam impedir que o movimento - atual clima de opressão organizada e de violência sistemática,
de reforma universit ária contribua para alargar e aprofun
dar a desagregação de ordem social vigente, eles não possuem
- tenderão a concentrar a nega ção sobre a ordem social exis
tente. Então, o movimento de reforma universitária se diluirá-
meios econ ómicos, sócio-culturais e políticos para estabelecer e desaparecerá. Ao diluir-se e ao desaparecer, porém, engen-
o monopólio conservador do poder em bases monolíticas. Mes- drará um movimento muito mais amplo, complexo e profun-
mo na linha da continuidade do capitalismo dependente, o do, que se propor á a destruição da ordem social existente
padrão de desenvolvimento emergente colide com essa possi
bilidade hist ó rica. Nas sociedades capitalistas subdesenvol-
- \ como condição e ponto de partida históricos de toda e qual -
quer reforma , inclusive da reforma universitá ria. Nos marcos
vidas, tal padrão de desenvolvimento dependente requer a dessa transforma ção, o protesto juvenil e a inquietação inte-
criação de uma infra-estrutura educacional e cultural que
impõe um modelo de.reforma universitária que transcende aos -
lectual deixarã o de manifestar se isoladamente. A reforma
universitá ria converter-se-á em objetivo secundário de movi-
172
173

.-
V ' Svii ,T —-
p*'" r

mentos sociais interdependentes. Em compensação, poderá rea- transformar com maior rapidez. De outro lado, porém, à
lizar-se e desenvolver-se livremente, como um processo demo- força de procurar descobrir como adaptar-se à economia e à
crático de reconstrução da universidade de “dentro para fora”. organiza ção social de uma sociedade de classes em consti
tuição ( e, por isso, em permanente ebulição e em mudan ça ) ,
-
a universidade desembocou naquilo que se poderia chamar
O Condicionamento Recíproco de uma nova tradição intelectual. Em primeiro lugar, os
valores e as orienta ções espirituais, que tendem a prevalecer,
A análise feita demonstra que o movimento de reforma
universitária começou como uma tentativa de reorganizar ins-
V
-
representam na como uma “força ativa”. A nova universi
dade não só quebrou o imobilismo preexistente: pôs em seu
-
titucionalmente a universidade. Esse continua a ser o seu lugar disposições contrárias, que visam conferir à universi -
motivo central. Tal transforma ção, no entanto, n ão se tomou dade funções construtivas dentro do complexo padrão emer -
socialmente desejada apenas a partir de uma “ crítica interna” -
gente da civilização urbano industrial. Em segundo lugar,
da escola superior tradicional e da universidade conglomera
da. A consciência de que estas instituições preenchiam mal a
- o movimento de reforma universit ária foi mais longe e ali
menta esperanças de que a universidade nascente seja um
-
função de ensinar e não correspondiam a outras funçõ es essen- foco de pensamento crítico e de renovação cultural. Em
ciais, jogou enorme papel na formação e na difusão das todas as suas correntes e nas várias facções dessas correntes
avalia ções cr
íticas e negativas. Portanto, a sociedade, em predomina a mesma expectativa básica : que a universidade
suas necessidades fundamentais e em suas alterações em se liberte das tutelas externas e se afirme como um centro
processo, sempre esteve presente na rejeição dos velhos mo- de cria çã o de conhecimentos originais, desdobrados em todas
delos institucionais e na defesa , por vezes violenta e apaixo- as direções do saber, principalmente das formas de saber
nada, dos modelos institucionais que alcançaram preferência -
associadas à ciência, à tecnologia científica e à reflexão críti
maciça e se acham em vias de implantação. ca sistemática. Em terceiro lugar, o maior êxito daquele mo
vimento não aparece na vitória relativa, que conquistou tã o
-
Todavia, o movimento de reforma universitária logo se
tornou um movimento de transformação da sociedade. De rapidamente contra estruturas e concepções arcaicas. Surge,
na direção que propõe e defende com tenacidade, de impreg -
i
fato, ele provocou, em menos de uma década, o aparecimento
de novas avalia ções e de aspira ções intelectuais, que punham
a escola superior tradicional e a universidade conglomerada
nar a vida universitária renascente com os valores intelec
tuais e morais de um estilo de vida plenamente democrático.
-
em questão. O repúdio, que era de poucos, generalizou-se e A “ reconstrução da universidade”, deste ângulo, significa
tomou conta dos espíritos. Impôs, mesmo, uma reviravolta substituição de concepções, valores e estruturas autoritários
na estratégia conservadora, que acabou • avançando até a e oligá rquicos por concepções, valores e estruturas democrá
ticos e igualitários. Foi por isso que o movimento de reforma
-
absorção das críticas radicais e a concretizaçã o parcial de
suas reivindicações reformistas. Tudo isso apesar da resis- universitá ria entrou em choque frontal com o pensamento
tência sistem ática da maioria do corpo docente, de parte do e com o comportamento conservadores. Ele tinha de impor-se
estudantado e da indiferença do setor administrativo. O edi- a negação, a destruição e a superação da ordem social exis
tente, na medida em que não pode orientar-se de outro modo,
-
f ício que simbolizava as “ estruturas universitá rias arcaicas”
começou a ruir, sem encontrar soldados que travassem ba- sem sacrificar suas aspirações e seus objetivos mais caros e
talhas decisivas. Estava condenado à morte, porque não profundos. Acomodar se às pressões e às composições conser
- -
possuia vincula ções din âmicas com a civilização urbano-in- vadoras seria o mesmo que trair-se, relegando ou perver
tendo os ideais democr áticos que dão sentido à sua existência
-
dustrial em expansão e consolidação. O que tenta renascer,
através das ambiguidades de professores que defendem as e legitimidade ao seu impacto revolucionário.
antigas concepções pedagógicas e do próprio equacionamen- Por si mesmas, as conexões apontadas não significam
to conservador da “ reforma universitária”, não são aquelas que a universidade integrada e multifuncional conseguir á
estruturas. São certos hábitos e avaliações que fazem parte criar uma sociedade à sua imagem. Isso seria impossível.
de um horizonte intelectual entorpecido, que nã o se pode Contudo, elas permitem retomar a problemática que resulta

174 175
V '

da ideologia e da utopia da reforma universitária de um


ponto de vista mais amplo. Ao que parece, desaparecidas,
agência de autonomização educacional e cultural, converten
do-se em fator de equilíbrio e de crescimento do padr ão de
-
amortecidas ou anuladas as compulsa çõ es críticas e de rejei- civilização absorvido.
ção da ordem social existente, que animam o movimento de Essas alternativas sã o clarificadoras. Elas definem as
reforma universitária, 11 não desaparecer ão, não se amorte - linhas de rejeição do presente e de construção do futuro, em
cerão nem se anularão as técnicas, os ideais e os valores que termos do que a universidade deverá ou poderá representar
ele propõe. Tanto ao nível da educação escolarizada, quanto segundo as opções históricas possíveis. Ambas as alternati-
ao nível da produção, divulga ção e aplicação dos conheci
mentos, essas técnicas, ideais e valores se incorporar ão à
- vas exigem uma universidade plurifuncional, de estrutura
democrá tica, dotada de dinamismo educacionais e culturais
cultura universitá ria em elaboração. Em síntese, eles far ão de profundo teor expansivo e transformador. No entanto,
parte da mentalidade universitá ria , que está sendo constituí
da, e da universidade, que está sendo reconstruída.
- existe uma linha divisória entre elas e que não vem sendo
cabalmente discernida pela massa dos participantes do mo-
Deste â ngulo, percebe-se a relação da universidade nas- vimento de reforma universitária. O “ desenvolvimentismo”,
cente com os dinamismos da sociedade global e de sua civili- por mais puro e exacerbado que seja , só é revolucioná rio
zação. O movimento de reforma universitária eclodiu em nos limites em que o novo padrão de desenvolvimento colide
uma fase de transforma ções críticas de nosso país. A coin- com as “ estruturas arcaicas ” da sociedade brasileira. Ele per-
cid ência nã o é fortuita. Ela resulta de vincula ções profun- mitirá melhor integração nacional da economia capitalista ,
das: ao propor um novo tipo de universidade, estava-se do regime de classes e do Estado democrático inerente à
respondendo à necessidade de mudar a própria relação do ordem social competitiva. Projetará , portanto, a universida-
homem com a educação e com a cultura. A universidade de brasileira em um contexto hist órico mais exigente e absor
vente. Entretanto, não trará em seu bô jo as potencialidades
-
integrada e multifuncional nã o é uma constru çã o arti-
ficiosa de intelectuais desarraigados e dissidentes, Ela do desenvolvimento educacional e cultural auto-sustentado.
é uma resposta, a um tempo “estrutural” e- “histórica”, às Estas se definem, em suas várias gradações, através de um
exigências de um padr ão de civilização, cuja assimila ção está desenvolvimento nacionalista ou das opções socialistas e co
munistas. Nesse limite, o elemento político não operar á como
-
desencadeando uma revolução económica, social e cultural
na sociedade brasileira. Em que sentido e dentro de que barreira ao elemento técnico. Ao contrário, à política caberá
limites a universidade nascente poderá servir como força intensificar as soluções técnicas “ possíveis” e promover o
dinâmica institucionalizada dessa revolução, é algo que vai fomento das solu ções t écnicas “impossíveis”. Em tal con-
depender da evolu ção dos conflitos que agitam a cena histó- texto histórico, a universidade brasileira não seria , apenas,
rica brasileira. Se prevalecer o equilíbrio defendido pelo projetada na esfera de que, é necessário por que é ú til ou
poder conservador , o avanço será consider ável. Mas ficar á .
indispensável Ela se converteria em instrumento de prepa-
ração do homem comum para a era da civilização urbano-
contido pelo padrã o de desenvolvimento acelerado depen - industrial e em suporte dinâmico de um padrão autónomo de
dente, imposto a partir de fora, através da irradiação do ca - desenvolvimento educacional e cultural, lastreado por con -
pitalismo monopolista sobre o “ terceiro mundo”. Se prevale-
senso democrático em interesses, aspirações e decisões do
cerem as soluções alternativas mais arrojadas e especifica - povo brasileiro.
mente revolucionárias, que levariam ao capitalismo de Esta -
do, ao socialismo ou ao comunismo, o avanço será completo Ê dif ícil prever, nas circunst âncias atuais, qual será o
.
( dentro das “ probabilidades históricas brasileiras” ) A uni - grau de vitalidade e de tenacidade das diversas correntes que
compõem o movimento de reforma universitária. Tanto pode

versidade deixará de ser um elo institucional nas rela ções
de depend ência educacional e cultural atuará como uma ocorrer que as facções mais radicais sejam afogadas na apa-
tia dominante, vitimadas pela inércia cultural do meio e pelo
11 Essa é uma hipótese que não deve ser perdida de vista. Na medida cerceamento conservador. Quanto pode suceder que as for-
em que o movimento de reforma universitária conseguir alcançar seus
fins ele será absorvido pela sociedade e desaparecerá, historicamente, ças de renovação, desencadeadas pela ciência , pela tecnolo-
como processo social. gia moderna e pela inquietação dos jovens ou dos oprimidos ,

176 177
*

• I

! exerçam uma influência construtiva sobre o radicalismo uni-


versitá rio, amadurecendo-o, tornando-o mais exigente e res-
ponsável, e impulsionando-o na direção de escolhas políticas
. consequentes. Aconteça o que acontecer, uma coisa é certa e
i

irreversível. Ele não só modificou as representações correntes


sobre o “ensino superior ” e o que “deve ser a universidade”.
Lançou as raízes de um novo relacionamento da universidade
com a sociedade, fazendo da reforma universitária o ponto CAPÍTULO 7
de partida de uma revoluçã o intelectual de consequências
i
previsíveis, mas inestimáveis. A REESTRUTURAÇÀO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO*
:

Introdução
i

A Comissão de Reestruturação da Universidade de São


Paulo deu por finda a sua missão, divulgando os resultados
de seu trabalho e dissolvendo-se. O seu relatório, publicado
sob o título de “Memorial sobre a Reestruturação da Univer -
* sidade de São Paulo”, redigido por Roque Spencer Maciel de
Barros , já ficou conhecido como “Relatório Ferri” e conta
com a responsabilidade de professores dos mais expressivos,
como Má rio Guimarães Ferri ( presidente da Comissão) ,
Adalberto Mendes dos Santos, Carlos da Silva Lacaz, Erasmo
;
Garcia Mendes, Eurípedes Malavolta , Guilherme Arbenz, Luiz
de Freitas Bueno, Paulo Carvalho Ferreira, Roque Spencer
;
Maciel de Barros ( relator da Comissão ) e Tarcisio Damy de
Souza Santos. Por isso, no seu conjunto serve como um do -
cumento capaz de atestar o que os professores da U. S. P.
i entendem por “ reforma universitá ria ” e “ reestruturaçã o” da
nossa própria universidade.
f
Sem pôr em d úvida os méritos pessoais dos membros
dessa comissão, como especialistas e como educadores, somos
compelidos a admitir que, aparentemente, entre eles não
I reinou grande harmonia de vistas e de aspira ções. A co -
missão não conseguiu superar o peso das “ tradições” das
* Versão ampliada de uma exposição crí tica, feita na Congregação da
;

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,


em 2/7 /1968. O depoimento foi redigido para essa congregação. Publi-
cado na íntegra pela Folha de São Paulo ( Caderno Especial sobre
“Reforma Universitária” , 22/ 9 / 1968, pp . 12-13 ); e como Boletim N.° 6 ,
na série “Documentos”, do Centro Acadêmico Visconde de Cairu da
i Faculdade de Ciências Económicas e Administrativas da Universidade
de São Paulo ( S. Paulo , 1968 ) . O esquema expositivo foi aproveitado
parcialmente, em mesa-redonda com professores e estudantes das se-
ções de Pedagogia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul , no auditorio do Departamento de Sociologia ( 8 / 11 / 1968 ) .
í
178 179
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Sb
-
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escolas superiores que compõem a U. S. P., vendo-se forçada educacionais ao que a sociedade brasileira , a época e o novo
a restringir o â mbito de aplicação das recomendações mais padrão de civilização estão exigindo do ensino superior e da
ousadas e construtivas aos órgãos que se reunirem na cidade universidade.
universitá ria. Doutro lado, manteve-se no terreno das gene-
ralidades, deixando de operar como uma comissão que pre-
tendesse, de fato, indicar os caminhos e os objetivos de uma Os Principais Aspectos Positivos
verdadeira e completa reestruturação.
Em consequência, devemos lamentar que a comiss ão n ão É prov ável que algumas id éias e sugestões práticas das
se tenha imposto atribuições especificamente técnicas. Di
vulgado o seu “Memorial”, tudo precisa ser refeito de ponta
- mais construtivas, no atual cenário educacional brasileiro,
sejam subestimadas ou atribuídas à experiência pioneira da
a ponta, porque o que foi aprovado poderá, quando muito, Universidade de Brasília. No entanto, deve-se reconhecer que
servir de linha diretriz para a elaboraçã o dos programas de a Comissão de Reestruturação foi além dos marcos dessa ex-
reestruturação. Além disso, o maior passo, dado pela comis- periência , pelo menos no que se refere à estrutura recomen-
são, exprime-se em termos de solu ções que não puderam ser dada para o agrupamento da “campus” da cidade universitá-
convenientemente universalizadas e reduzidas a f órmulas de ria do Butantã, e que houve um intento teórico de levantar
cará ter prá tico. O que sugere que ainda não atingimos, ao certas tendências, predominantes nos melhores centros de
nível da consciê^ ncia pedagógica predominante na U. S.. P., o ensino e de investigação científica da U. S. P., favor áveis à
limiar no qual a “ reforma universitária ” se converte em implantação de uma universidade-modelo totalmente moder-
processo histórico. Estamos, ainda , numa fase prévia, em na e efetivamente vinculada às necessidades educacionais e
que os espíritos se debatem com as exigências da situação e culturais do meio. Os debates p úblicos, organizados com
muitos teimam em repelir as evidências mais agressivas dos esse objetivo, permitiram estender a sondagem em vá rias
fatos, como se tivessem o condão de plasmar a realidade por
sua simples vontade. No conjunto, portanto, os professores
direções, fornecendo ao mesmo tempo um mecanismo sim -
ples e direto de teste de idéias e sugestões fundamentais, de
precisam forjar novas categorias de pensamento, pois neces- cará ter estratégico na descoberta, formalização e avalia ção
sitam fazer , primeiro, uma “ reforma do entendimento peda- das mudanças desejadas ou desejáveis.
gógico”, para se compreenderem, em seguida, em torno de Um projeto de reestruturação, mesmo que permaneça
matérias fundamentais. Por mais duro que seja admitir que em um plano de definição de diretrizes globais, só pode ser

— —
seja esse o estado das coisas, essa é a verdade. Ao nível do produtivamente apreciado na fase experimental. Não obstan-
corpo docente e através das figuras mais ilustres do corpo te, podem-se fazer certas avalia ções, tanto positivas quanto
docente ainda estamos no ponto zero de qualquer reforma negativas, baseadas em presunções de natureza abstrata ou
universitá ria, que é a da mudança de mentalidade dos pró
prios professores, com uma agravante: poucos se dispõem
- em certas expectativas nascidas da própria experiência con
creta. Na presente discussão, o debate de ambos, os aspectos
-
a aceitar sem restrições ou com entusiasmo a alteraçã o de obedecerá ao propósito de dar ao “ Memorial” a import â ncia
atitudes, de valores e de objetivos educacionais. que ele possui, quer por sua origem oficial, quer por seu
Sob esse aspecto, é enorme a importância do “Memo- pr óprio conteúdo. Não nos move nenhuma intenção polê-
rial”. Ao deixar meridianamente claro o que podia e o que mica nem pretendemos engrandecer ou amesquinhar a con
tribuição desse documento. Para ser útil, ele precisa ser
-
não podia fazer ou sugerir, a Comissão de Reestruturação
da U. S. P. prestou-nos um grande serviço. Agora , ninguém debatido e, provavelmente, modificado e completado. Aqui,
mais poderá duvidar da legitimidade e da necessidade de uma reunimos as reflexões que foram sugeridas pelo estudo de
pressã o externa, que atue como poder precipitador, nã o ape- seus pontos essenciais. Se todos fizerem o mesmo, com a
nas de modo fermentativo, mas coativo. Se os professores mesma franqueza e igual intento de objetividade, é provável
não se dispõem ( por que não querem ou porque não podem) que a crítica do “ Memorial” nos leve mais depressa à con-
a avançar até aonde devemos ir, cumpre que outros fatores do quista de um estado de espírito pedagógico apropriado à
ambiente adaptem a sua capacidade de consciência e de ação complexidade dos problemas que precisam sér resolvidos.

180 181

I
i;
l
!

Limitando-nos ao essencial, julgamos que o “ Memorial” regionalmente ou a conveniências propriamente educacionais


traz uma contribuição positiva marcante na proposição de e culturais de intensificação de certos centros de interesses,
seis recomendações. Primeiro, a formulação das bases” peda- que não podem ser universalizados, mas que hoje se propõem
gógicas da idéia da universidade, concebida como universi- a cada instituição de ensino superior como uma espécie de
dade multifuncional e integrada. A import ância dessa con- bloco monolítico. Quarto, a proposição de um vestibular
tribuição - é mais conceptual e formal, mas possui consequ ên- ú nico , para toda a U. S. P. Se se fixarem soluções flexíveis
cias práticas de alcance previsível. A nossa “ tradição uni- e capazes de comportar a absorção constante do incremento
versitá ria” valoriza uma orientaçã o tacanha e perigosa, pois
reduziu a universidade a uma conglomera ção de escolas su-
'
da procura
das de modo
— conveniente— essa medida permitiria sanar
-
infelizmente, essas quest ões não foram ventila
. periores estanques. Incapaz de determinar-se a partir de uma das dificuldades mais estranhas e graves com que nos
princípios pedagógicos, a “ universidade ” brasileira só tem defrontamos, herança rígida do sistema de escolas superio-
existência pr ópria como express ã o de interesses, aspirações res estanques. Quinto, a recomendação da flexibilidade dos
e valores que a negam e a destroem , porque afirmam a pree- currículos, com fixa ção de disciplinas básicas e especializa-
xistência e a predomin â ncia da escola superior como e en- das , e com a garantia de completa liberdade de escolha e de
quanto tal, convertendo a universidade, como um todo e um mobilidade por parte dos estudantes. Essa é uma exigência

— —
ideal unificador , em mera ficçã o legal. Segundo, a fixa ção que não pode ser postergada, pois não podemos confinar
de um princípio estrutural-funcional unívoco ( embora àdmi- .
'
os estudantes como também não podemos confinar os gra-
tindo sua aplica ção circunscrita ou parcial ) . A comissão duados aos muros de uma “ escola”. A atual rigidez, her-
preferiu, sobre o que se fez na Universidade de Brasília, uma dada da conglomeração das escolas superiores, sufoca o estu-
orientação exclusiva, não admitindo, no plano formal, dois
'
dante e liquida qualquer critério exterior de organização
princípios organizat órios conflitantes. Por isso, em vez de racional da aprendizagem, impedindo inclusive o atendimento
recomendar a coexist ência de institutos e faculdades, . optou maleá vel de imperativos vocacionais psicodinâmicos. Para
com razão pelo instituto de múltiplas funções ( de formação
básica ou. especializada e de formação profissional) . Assim,
que se possa superar esta situação e estabelecer uma interde -
pendência criadora entre departamentos e institutos, ao nível
os institutos surgem como as unidades integrativas funda- do ensino, impõe-se libertar o estudante do jugo a que está
mentais, com condições para impedir certas modalidades de sujeito, como “appartenance” de escolas bloqueadas e isola-
duplicaçã o de serviços ou de subutilização dos recursos edu- das. Sexto, a estipulação do gradualismo como o caminho
cacionais mobilizáveis inerentes à coexistência de institutos mais indicado para implantar as inovações desejáveis. Deve-
com faculdades. Terceiro, a sugestão ( não elaborada de ma- mos ter uma visão prévia, de conjunto, do que se pretende,
“campi” —
neira sistemática ) de que a U. S. P. deve abranger vá rios
o da cidade universitá ria do município da Ca-
pital e outros localizados no interior. De fato,, dado o cará ter
como condição para “reestruturar” a U. S. P. No entanto, as
mudanças necessárias ou d ésejá veis são tã o complexas, esbar-
rando com tantas dificuldades materiais e com tão variáveis
estadual da nossa universidade , ela deve crescer nessa direção. resistências, que não se pode avançar senão por etapas. A esse
Impõe-se adotar uma política educacional que nos leve a '
respeito, só se deve lamentar o fato da comissão não ter dado
integrar os “campi” numa escala estadual, de modo que os um balanço nas mudan ças, separando as que devem condi-
n úcleos do interior respondam, estrategicamente, ao melhor cionar todo o processo e servir de foco às demais alterações,
uso coletivo possível dos recursos investidos pelo Governo e de não ter tentado qualquer programação a curto ou a
estadual no ensino superior. Essa linha de crescimento e de largo prazo. Não se pode passar da universidade conglomera-
aperfeiçoamento permitiria eliminar a criação tumultuosa da para a universidade integrada e multifuncional por um
e irracional de estabelecimentos de ensino superior, que se passe de mágica ou por um golpe de lei. Convém que nos ha-
está transformando numa via assombrosa de devastação de bituemos com essa idéia e que comecemos a trabalhar no sen-
meios e de adulteração de fins, ao mesmo tempo que nos tido de graduar o amplo processo de mudança , que se ir á de-
conferiria a possibilidade de incentivar processos necessários sencadear através da reestruturação da U. S. P. Aí, é preciso
de adaptação dos vá rios “ campi” a necessidades que variam criar uma política , para se enfrentar com êxito os problemas
,

182 183
W --
li

da fase de transição e para se defender com espírito constru-


pedagógico que testemunha a impot ência da principal uni-
tivo os objetivos ji largo prazo, e forjar os programas e os pla- versidade do País no domínio do seu destino e das funções que
nos que tornarão a transição instrumentalmente possível. deve preencher no cenário histórico de nossos dias. Nenhum
O “ Memorial” lavra, pois, um tento, ao enfatizar a necessida -
de de operar-se estrategicamente por avan ços gradativos, úni-
educador, nenhum estudante, nenhum cidadão , verdadeira-
co critério que possui eficácia quando se trata da reorganiza- mente empenhados na modernização e na racionalização do
çã o de instituiçõ es chaves e o significado dos objetivos da nosso ensino superior, recusariam apoio às sugestõ es e às
recomenda ções mais avançadas da comissão. Contudo, o mo-
mudança sofre avalia ções discrepantes ou conflitantes.
do pelo qual ela pr ópria aproveitou os frutos de suas elucubra-
4 ções alienou-a de qualquer admiração ou gratidão especiais.
i; i i Âs concessões feitas, dissimulada ou abertamente, comprome-
Os Principais Aspectos Negativos teram-na com a prepotência do espírito retr ógrado, com inte-
i

resses das profissões liberais que não são conciliáveis com a


; !i Esse esboço sugere que o “ Memorial sobre a Reestrutu
ração da Universidade de São Paulo” representa um conside-
- emergência e a expansão de uma universidade integrada , com
a intangibílidade de estruturas de poder caducas e improdu-
rável avan ço “ oficial” na análise e equacionamento prático dos tivas, com a pseudo-reforma. O que poderia ser o primeiro
problemas e deficiências estruturais da U. S. P., abrindo novas passo de uma revolução do ensino superior paulista diluiu-se,
perspectivas ao encaminhamento da reforma universitária no ingratamente, pelos meandros da mistificaçã o pedagógica.
Brasil. O que o prejudica, grave e irremediavelmente, não
é a falta de consciência do que se deve fazer. Mas o fato de
O “ campus” da cidade universitária — —
e só ele receberia o
sopro da renovação, mantendo-se a U. S. P., em tal quadro,
não ter rompido frontalmente com a situação existente. como um Frankenstein de tr ês faces : escola superior, vista
A comiss ão entendeu que reestruturar não equivale a organi- através das “faculdades remanescentes” ; universidade con-
zar uma instituição em bases totalmente novas
— em suma,
que havia um legado a aproveitar e uma tradição a continuar,
esquecendo que n ão é possível harmonizar, estrutural e din â-
glomerada, a partir da influência todo-poderosa. dessas facul-
dades e da persistência das estruturas de poder vigentes;
universidade integrada , graças à sua representação filosófica
micamente, a escola superior com a universidade integrada. e ao pólo dinâ mico privilegiado da cidade universitária. Ser á
Por conseguinte, eomprometeu-se presumivelmente por mo- que não podemos avançar de outra maneira ? Teremos de
tivos elevados ( como o de conquistar a anuência das escolas carregar etemamente um fardo pesado e negativo, como se
tradicionais, como a Faculdade de Direito, a Faculdade de Me- estivéssemos condenados a soterrar a ebulição intelectual
dicina e a Escola Politécnica , para os atuais planos de rees- criadora da vida moderna na história vivida ? N ão seremos,
truturação ) , transigindo e compactuando com um estado de finalmente, capazes de converter os avanços realizados em um
coisas, que devia ser criticado e condenado sem rebu ços ( o que trampolim para a conquista do futuro, fazendo da escola
não significa sem respeito para com aquelas e para o que elas superior e da universidade conglomerada os patamares de uma
representaram, quer no passado mais ou menos remoto, em experiência educacional construtiva e revolucionária ?
que funcionaram como escolas superiores isoladas, quer no
passado recente, de emergência da universidade conglomera-
Algumas das críticas legítimas, que se podem fazer ao
da e de consolidação de orienta ções renovadoras de pesquisa
"Memorial”, possuem caráter abstrato e podem ser negligen-
ciadas. Cabem nessa categoria duas críticas de ordem geral.
cient ífica ) . Avançando onde podia, recuando onde lhe parecia De um lado, a concep ção da universidade integrada é focali-
recomendá vel, a comissã o desembocou num impasse: não zada sob o ângulo de um idealismo pedagógico superado e pro-
ficou nem com o passado, nem como futuro, perdendo-se no vinciano. Numa época em que nem mesmo os Estados Unidos,
diagnóstico do presente e dos meios ou dos fins que devem , a França , a Alemanha ou a Inglaterra travam batalhas, no
idealmente, iluminar a ação dos professores na reconstrução terreno da reforma universitária, pelo liberalismo ao velho
do ensino superior brasileiro. O resultado final é inequivoca-
mente melancólico. Depois de tantos debates e de um traba- estilo, o “Memorial” ressuscita um anódino espiritualismo li -
beral, que vê a universidade como um fim em si e um valor
lho tão prof ícuo, o “ Memorial ” converte-se num documento
absoluto. Trata-se de uma alienaçã o ridícula , pois no con-
184 185
J
{
I"
texto da sociedade brasileira e da luta contra o subdesenvol- uma universidade digna desse nome É verdadeiro que uma
vimento económico, cultural e social o valor intr ínseco da instituição qualquer, grande ou pequena, básica ou não , sem-
universidade nã o pode ser dissociado do seu car á ter instru- pre possui enorme plasticidade. Tudo depende de reguladores
mental e pragmático. A universidade integrada não nos inte - externos, das condições que o ambiente social e cultural ofe-
ressa apenas idealmente, como um requisito educacional da rece à dinamiza ção de soluções alternativas. Mas todos os
unifica ção do saber em todas as suas formas. Ela nos inte- aspectos e fatores que são assim envolvidos precisam ser arro-
ressa porque responde às exigências da educação na era da lados, tomados em conta e calibrados tendo-se em vista um
-
ciência e da tecnologia científica, permitindo nos usar o ensino rendimento real, meramente possível ou ideal, que se pretenda
superior como um fator sociodinâmico de acelera ção do de - obter. Nesse nível, as conciliaçõ es deixam de ser praticáveis:
senvolvimento e de autonomização cultural. De outro lado, ao é preciso õptar-se por isto ou por aquilo, porque a instituição
i;
delineamento formal dos “ grandes princípios” ou das “ gran
des linhas” da reestruturação da U .S.P. não corresponde
- não pode funcionar e crescer normalmente sob a pressão de
avaliações, atitudes e comportamentos contraditórios. Não
nenhum esforço de previsão e de programação das altera ções cabia à comissão predeterminar se as recomendações encon-
operativamente necessárias para que a instituição adquira trariam ou não consenso. A sua função consistia em indicar
;•

nova organizaçã o, produza outro rendimento e cresça com a objetivos e solu ções.
intensidade reclamada. Tudo se passa como se, para a rees-
truturação da U.S.P., fosse suficiente enumerar certas idéias Desse ângulo, avultam certos aspectos negativos, que pre-
e como se a mudança, ao nível de uma instituição chave, n ão cisam ser tomados em conta e corrigidos, se pretendermos
fosse sobretudo um problema de ação e de relacionamento converter a “estruturação ” em realidade. O espírito concilia-
entre necessidades, meios e fins. Nesse sentido, o “ Memorial” dor levou a comiss ão a uma posição falsa e comprometedora,
n ã o possui teor técnico definido e, na hora de pôr em pr ática que ameaça a natureza, os rumos e os resultados do próprio
as diretrizes recomendadas, será preciso recomeçar tudo, para processo de reestruturação, visto como um processo sociocul-
tural. Primeiro, porque o âmbito propriamente criador e re-


se descobrirem as solu ções operativas, que poderão ou deverão
ser exploradas. volucion ário das inovações estruturais previstas fica circuns-
crito a um foco o da cidade universitária. Não só se silencia
Ao lado dessas críticas, existem outras de significado ou sobre o que se deveria fazer no âmbito mais amplo, do Estado
de implica ções pr èdominantemente pr á ticos. A comissão não de Sã o Paulo, com os “campi” existentes ou a serem proje-
se colocou numa perspectiva técnica, que obrigasse seus mem- tados, mas também se negligencia o que se deveria fazer, atra-
bros a partir de um diagnóstico objetiVò da situação, do ren- vés da reestruturação, para assimilar as “faculdades remanes-
dimento que a U. S. P. dá e de uma projeção do rendimento
que deveria dar na atualidade e no futuro próximo. Por isso, ——
centes” fiquem onde estão ou se transfiram para o “campus”
do Butantã às condições de funcionamento e de crescimento
a sua contribuição está sujeita a uma xelstrição fundamental: de uma universidade integrada. Na verdade, a questão que
ela não nos diz como deveríamos “íeèstruturar ” a U. S.P . -
se coloca é clara e simples. O que se precisa é decidir se o que
para que esta se tornasse uma universidade integrada. A va- deve prevalecer na organização - da U .S . P . : o antigo padrão
lorização deste objetivo surge abstratamente, como uma espé- brasileiro da escola superior ou a estrutura universitária pro-
cie de utopia, e não concretamente, como uma possibilidade priamente dita. Se as “faculdades remanescentes” podem de-
instrumental no campo do planejamento educacional e do ex- terminar a resposta, nada alterar á o presente status quo.
perimento pedagógico. Acreditamos que aí se encontra a razão Caso contr á rio, a U .S . P . poder á evoluir de modo a organi-
do impasse que marca tão profundamente a contribuição posi- zar-se em vá rios “ campi” e de possuir uma ou outra insti-
tiva , contida no “Memorial”. Se a comissão se propusesse os tuiçã o localizada fora dos “campi”, no interior ou no muni-
problemas da reestruturação da U.S.P. a partir de um diagnós- cípio da capital. O que não pode sofrer exceçã o diz respeito à
tico objetivo e de um levantamento exaustivo das inovações ne- nova estrutura global, à existência do currículo flexível, à
cessárias que já são possíveis, ela descobriria que não poderia interdependência de institutos e departamentos no plano di-
contentar gregos e troianos, os que defendem a persistência dá tico, à predomin ância da universidade sobre suas unidades
fundamentais etc. Segundo, como se as concessões aponta-
;
da escola superior sob a conglomeração e os que pretendem

186 187
das não bastassem, a elas foi adicionado um intento funesto: nuar o que são, profissionais liberais que se dedicam, parcial
o de impedir que a “reestruturação” afetasse os atuais crité- e superficialmente, ao “ ensino superior ”. Ora , se a comissão
rios de organização do poder existentes na U. S. P. Mesmo na se omitiu nessa questão essencial, isso quer dizer que eia tran-
cidade universitária, que seria o foco das experiências de alcan- sigiu onde não devia e não podia transigir. É impossível cons-
ce revolucion ário, o desaparecimento da cátedra e das facul- tituir-se uma universidade integrada e multifuncional sob o
dades nada alteraria substancialmente. Ao que parece, existe regime de tempo parcial, de predomínio absorvente das pro-
uma conspiração tácita contra a extinção do antigo regime no fissões liberais sobre as atividades intelectuais dos professores
.
meio “ universitá rio” As novas formas de organizaçã o do po-
der mantêm, de fato, todos os inconvenientes e fatores de
e de subestimação da carreira universitária como n úcleo de
papéis intelectuais específicos. De nada nos adiantará sonhar
-
,

conflito das chamadas “ velhas estruturas”, como se o cate com a “reestruturação da U.S.P.” sem modificar essa situação
drático perdesse a coroa sem perder as fontes da autoridade anómala ; se modificarmos a estrutura vigente da U. S. P. man-
despótica e ineontrolável. Excetuando-se um leve desnivela- tendo o “ professor de tempo parcial ”, dentro de pouco tempo
mento, corr éspondente à equiparação dos livres-docentes em ele se converterá no elo fr ágil da nova constelação, arruinan-
exercício ao poder de mando e de decisão dos catedráticos, do-a e destruindo-a. A universidade integrada nã o é apenas
ficariam intactas a alta concentraçã o de poder nas mãos de uma idéia e uma aspiraçã o. Ela constitui um sistema de tra-
alguns professores, a imiscuiçã o sistemá tica desses professo
res na administração, a relação pedagógica deformada, com
- balho intelectual, que exige o professor identificado com suas
tarefas e obrigações de modo intenso e permanente. Se isso
a consequente transformação da aprendizagem numa fonte nã o for possível, ela é impraticá vel, porque não existir á o ele-
de dominaçã o dos jovens pelos adultos. Nesse ponto, não mento humano apto para operá-la e dinamizá-la. Quarto, o
importa apenas mostrar o que não foi feito, ou ficou mal feito. “Memorial” evidencia que existe uma forte propens ã o em pre-
Se ficarmos nos limites das sugestões do “Memorial”, não servar a atual organização da carreira docente dentro da
passaremos da “ universidade conglomerada” para a “ univer
sidade integrada ”, mas da “ cátedra” para a “supercátedra”,
- U. S. P. O mínimo que se pode dizer dos critérios vigentes é
que eles nã o são seletivos nem correspondem a intuitos ver-
com uma evidente exacerbação da influência despótica dos dadeiramente elevados de premiar o . talento inventivo ou a
que detiveram os poderes tão altamente concentrados. Além capacidade criadora invulgar. Eles se constituíram e vinga-
I disso, na ausência de um autêntico processo de democratiza- ram porque, atrás de uma aparência severa, são compatíveis
ção interna dos órgãos docentes, nesse caminho estar íamos com a burocratização dos papéis intelectuais “ universitá rios”,
abrindo a via real para a institucionalização da mediocridade, com a predominâ ncia dos centros de interesses vinculados às
uma tendência já muito forte nos atuais departamentos, nas- profissões liberais e com o tempo .que o “ professor de tempo
cidos antes do aparecimento de mecanismos competitivos for- parcial” pode devotar ao estudo e à pesquisa. Na verdade ,
temente consagrados. Terceiro, o “ Memorial” silencia sobre a estamos diante de um paradoxo. Absorvemos, aos poucos,
pedra de toque de qualquer universidade digna desse nome: todos os títulos das demais universidades do mundo moderno
a questão de saber-se se o professor, de qualquer grau na .
carreira docente, dever á ou nã o ser obrigado a se profissiona-
— primeiro, o de doutor e de professor por concurso de cá te-
dra ; depois, o de livre-docente ; mais tarde, o de mestre. Assim ,
lizar como e enquanto professor, isto é, em funçã o de seus misturamos todos os t ítulos da tradiçã o universitá ria européia
papéis intelectuais dentro da universidade. Até hoje, o tempo e norte-americana. Não obstante, trata-se mais de uma corri-
parcial tem sido o meio pelo qual os interesses das profissões
' da de obstáculos, que de uma tentativa de organizar frutifera-
liberais alienam o professor de sua condição e de suas respon- iliénte o pensamento criador e inventivo. Por isso, ela institui
sabilidades de universitá rio, a fonte dos encargos docentes que a devastação improf ícua da inteligência, sem fomentar uma
são meros “ bicos”, desejáveis pelo prestígio que acarretam e emulação dos - espíritos para as obras ou realizações de real
não pelas oportunidades de realização intelectual que facul- envergadura . No fundo, o talento vinga à revelia desse siste-
tam. A terrível resistência das escolas superiores tradicionais ma de torturas sem paralelo, que compele o “ universit ário” a
à reestruturaçã o da U.S. P. lançam aí suas raízes, porque os inverter os melhores anos de sua vida em trabalhos frequen-
professores dessas escolas preferem, em sua maioria, conti- temente destituídos de significação efetiva para o progresso
188 189
1

do conhecimento humano. O pior é que o padrã o de carreira Tudo isso demonstra, em conjunto, que a transigência
'

assim alicerçado lan ça raízes numa compreensão estamental diante de condições negativas da presente estrutura da U. S. P.
do ‘‘professor universitário” e gera, por sua vez, privilégios envolve riscos que nã o podemos nem devemos aceitar. Sã o
cará ter estamental. Em consequência, a carreira só é “abertade” riscos que anular ão a reforma universitá ria em seu nascedou-
e “competitiva” na aparência. No fundo, todo o docente se ro; correndo-os, faremos da universidade integrada e multi-
converte num ente privilegiado, que não pode ser destituído funcional uma bandeira sem causa. Se é que algo se altera-
is
de seus privilégios, mas que pode aumentá-los, ampliando as ria, na substância , em breve estaríamos numa situação aná-
margens de sua nobilitação pela acumulação de títulos. Por- loga à presente. Ou o experimento pedagógico nasceria con-
mais que se preze, na U.S.P., esse padrão de carreira ao qual denado ou ele se atrofiaria e se adulteraria com enorme ra-
ela infundiu o máximo de seriedade possível e instituciona- pidez. Certos meios não servem para determinados fins. Se
lizou legalmente, é óbvio que não podemos defendê-lo seria- os professores teimarem em defender, por vias diretas ou
mente e, muito menos, supor que através dele chegaremos à indiretas, as condições de trabalho e de ensino a que se habi-
universidade integrada multifuncional. Desviando a melhor tuaram , em vez de resolver iremos agravar os problemas com
parte de suas energias criadoras para enfrentar e vencer tan- que nos defrontamos. O pr óprio Governo estadual terminará
tas provas sucessivas, é pouco provável que, salvos os casos ex-
cepcionais, existam intelectuais com ardor suficiente para
-
por ver se obrigado a intervir drasticamente nos assuntos da
U.S.P., para acautelar interesses da coletividade que não po-
preencherem diversas funções educacionais ou culturais si
- dem ser descurados com tamanha insensibilidade.
multâneas segundo exigências muito elevadas. A rotina, por
excesso de ambição, engendra o oposto da emula ção criadora O delineamento das “ grandes áreas do saber ”, segundo as
e fecunda: a simulaçã o como meio de valorização intelectual quais a Comissão de Reestrutura ção tentou reorganizar a
e como uma alternativa para a ausência de critérios verdadei U.S.P. em institutos, .constitui um t ópico aberto a críticas
ramente universitá rios de recrutamento ou promoção do pes-
- inevitáveis. O critério adotado é construtivo e merece ser pos-
to em prática. Todavia, em tal matéria não bastaria chegar-se
a “ uma lista completa de institutos ”. Em primeiro lugar, por-
soal docente e de pesquisa. Impõe-se varrer da estrutura da
U. S. P. esse conglomerado de deformações, como condição fun-
que o nosso ensino superior foi hipertrofiado graças a objetivos
damental para libertar a inteligência e o talento criador para
as grandes tarefas do pensamento inventivo. Alega-se que se e interesses ligados às profissões liberais. Cumpre-nos fazer
correriam riscos perigosos ao se proceder desse modo, pois os
uma análise severa das interferências de tais objetivos e inte-
professores ficariam “sem garantias” que protegessem a sua
resses na complicação dos curr ículos, na ampliação exagerada
da duração dos cursos , no reduzido volume das matrículas,
pessoa ou as suas realizações contra interfer ências à sua li-
berdade e à sua carreira. No entanto, tais garantias não de-
nos requisitos de aprovação, promoção ou graduação, no sen -
tido e no conte údo da aprendizagem etc. Na verdade, o
vem nascer da burocratização de papéis intelectuais nem de nosso ensino médio foi quase estrangulado, enquanto o ensino
critérios estamentais de atribuição de status e de prestígio superior sofria um processo inverso, de complicação e ingur-
sociais. Para que elas não redundem em privilégios, elas tem gitamento. É impossível eliminar todas as distorções de se-
de provir da consolidaçã o de uma ordem social democrática, melhante evolução numa sociedade competitiva de tipo de -
que assegure a todos, inclusive os intelectuais, certos direitos pendente. A hipervalorização das profissões liberais nã o en-
fundamentais inaliená veis. O que se deve salientar , e esse vem contra corretivos eficientes através de mecanismos espontâ-
a ser um risco que a coletividade correrá fatalmente, é que o neos propriamente competitivos. Contudo, ao tentarmos qual-
sistema atual de carreira institui a mediocriza ção for çada. Se quer “reestruturação da U.S.P.” temos de levar em conta efei-
não nos livrarmos dele, acabaremos girando em círculos, cor- tos dessa natureza e os meios disponíveis para corrigi-los ou,
rompendo a universidade integrada e multifuncional por falta pelo menos- para reduzir as suas proporções. Existem muitas
de coragem para fazer da “carreira universitária ” o que ela possibilidades de simplificação do ensino superior, que permiti-
deve ser : um meio para recrutar os melhores talentos para rão diminuir custos sem prejuízo (ou com aumento) da eficá-
as lides criadoras mais complexas da transmissão e da inven- cia, e que poderão ser muito úteis para a diferenciação e a ex-
ção de cultura. pansão do ensino médio. Em- segundo lugar, a Comissão de
190 191
Reestuturação tinha de propor os requisitos organizat nos dias que correm, é pouco provável que consigamos ou me-
uma universidade integrada. É questionável, portanto, aórios
ê
de
nfase reçamos qualquer espécie de “reestruturação”. A praxe exclui
posta na enumeraçã o de “ todas as grandes á reas do a Veteriná ria do conjunto das Ciências Médicas. A comissão
saber ”,
como se devesse resolver como organizar uma enciclopédia. agrupou-a, por conveniência, com a Agronomia em um insti-
A este respeito, parece-nos que a comissão praticou dois tuto! Não seria lógico incluí-la no instituto de Ciências Mé-
tipos de erros. De um lado, em virtude da pressã o dos inte- dicas ou conceber outra solu ção, mesmo que levasse à criação
resses constituídos, viu-se compelida a vender gato por lebre. de um instituto de Veteriná ria e de Zootécnica ? Algo análogo
í
Alguns dos novos institutos não passam, na realidade, de uma sucede com o instituto de Artes e Comunicações. Tudo justifi-
V

transmutação verbal, pela qual certas faculdades adquirem o ca a criação de um instituto de Artes. Mas porque agregar
direito à sobrevivê ncia. De outro lado, certos interesses das “comunicações”? Para justificar a escola existente? Ora, é
profissões foram, assim, privilegiados sem que se levasse em sabido que esse é um campo que pode recrutar estudantes de
conta o que eles representam no contexto histórico da socie- vários institutos (de Ciências Humanas, de Letras, de Filoso-
dade brasileira contemporânea. Neste caso, por exemplo, em fia, de Arquitetura , de Tecnologia, etc.) , conforme a natureza
li vez de se criar um instituto de economia e administração, ou OS aspectos da comunicação que estejam em jogo. Vários
I conviria atentar-se para o fato de que a segunda revolu ção institutos ter ão de fazer face, por vezes combinadamente, à
industrial repousa, fundamentalmente , em processos adminis- função de formar profissionais nessa área. Se nã o seguirmos
trativos e que o Brasil teria muito a ganhar se expandíssemos semelhante caminho, acabaremos restabelecendo, antes de des-
essa á rea com a intensidade possível. Por essa via seria truí-la, a idéia de que certo tipo de “técnico” ou “especialista”
cil adotar a pulverização das matérias por institutos indepen--
dif í só pode ser preparado em determinado “instituto” (como fa-
dentes sem dar à administração um instituto próprio. As mes- zemos hoje, com refer ência às escolas superiores ) .
mas razões aconselhariam a funda ção de um instituto Reflexões dessa natureza mostram que tínhamos razão
nejamento, no qual se concentrariam cursos graduados e pós-
de pla
- ao apontar a falta de soluções operacionais na contribuição do
graduados de planejamento rural, de planejamento urbano de
, “Memorial”. A comissão. nSão.se impôum s a tarefa de conceber a
recurso para se resol-
planejamento educacional, de planejamento setorial, de plane futura organizaçã dao . P como
jamento regional , etc. Além disso, a preocupa ção enciclop é-
U
ver ou superar os problemas estruturais, de rendimento e de
dica de esgotar a “lista completa dos institutos conforme às- crescimento existentes. Avançou até a representação de certas

grandes á reas do saber conduziu a uma indisfarçá vel atomi diretrizes gerais, necessárias para a opção de um novo modelo
zação das unidades integrativas da universidade. Por mais- institucional, mas não procurou estabelecer como se caracte-
que se confie nos processos espontâneos de colaboraçã o inter
- rizaria estrutural e dinamicamente esse modelo, nem como
disciplinar e nos efeitos unificadores dos currículos interde
- chegaremos a ele através dos recursos de que dispomos ( ou
pendentes, nã o seria possível partir diretamente de crit é
rios de que poderemos dispor nos próximos anos ) . É lament á vel
pedagógicos em si mesmos integrativos? O instituto de Ciên que isso tenha ocorrido, porque a reestruturação da U.S.P.
cias Humanas representa um bom exemplo: se se pode 'com- não poderá ser atingida sem .que a encaremos, minuciosamen-
binar várias matérias fundamentais de um campo geral, em - te, sob a dimensão operacional. A U.S.P. precisa desempenhar
se tratando de ciências que ainda estã o em processo de ma- quatro funções básicas (ou quatro missões, como diria o edu-
turaçã o , não seria possível fazer a mesma coisa em ciências • cador Frondizi) : de transmitir o saber acumulado, de inves-
mais avançadas e que exploram sistemas explicativos já il ni- tigar e produzir originalmente saber novo, de formar profis-
ficados? O avanço que se daria , nessa direção, seria muito sionais e de participar ativamente do progresso sócio-cultural
mais ousado e criador que se procedendo à pulverização das da sociedade brasileira. No entanto, ela mal preenche a pri-
várias formas de saber, como se estivéssemos procurando na meira e a terceira funções. Gostemos ou não disso, aí está
particularização dos institutos um sucedâneo para as antigas uma limitação a ser corrigida e que não podia ser simples-
escolas superiores, com suas á reas estreitas e fixas. Por fim, mente ignorada. Cabia à comissão sugerir soluções que per-
mitam sanar as deficiências, mais graves com relação à se-
h restaria frisar a persistência de certos preconceitos ( ou “f ór-
1 mulas feitas ” ) . Se a U . S. P. nã o pode banir tais preconceitos gunda e à quarta funções, atendidas de modo insatisfatório,
i

192 193
-
* •• • •

e recomendar programas graduais que pudessem proporcio- ou meramente possíveis de negação do presente e sua supera-
nar maior equilíbrio interno no desenvolvimento das quatro
funções.
ção. Ao recomendar diretrizes gerais de um novo esquema or
ganizatório, sem fazer recomendações paralelas sobre os requi-
-
5
Críticas dessa natureza levam-nos, queiramos ou não, à sitos materiais e humanos mínimos que aquelas diretrizes


questão de saber se o professor universitário ( ou o educador pressupõem e que o novo modelo organizatório exige, a comis-
brasileiro, entendendo essa palavra em um sentido lato) está são voltou as costas ao que é mais urgente a descoberta de
ou não pedagogicamente preparado para compreender o sen- meios para vencer, ao mesmo tempo, a barreira da inércia , as
tido das exigências educacionais da presente situação histó- resist ências conscientes e o considerável atraso relativo em
rica e para responder às diferentes implicações prá ticas de que nos achamos. É provável que, se as recomenda ções tives-
tais exigências educacionais. A reconstrução educacional, para sem um sentido operacional e um caráter prático, caindo em
ser irreversível, fermentadora e revolucioná ria, precisa brotar terreno altamente concreto, as forças de oposição fossem menos
de dentro das instituições escolares, em qualquer nível do violentas e decididas. Mudar os princípios diretamente, como
ensino. Se o professor revelar-se incapaz de modificar , parcial- ponto de partida, acaba sendo sempre mais doloroso para os
mente que seja, sua atitudes, comportamentos e mentalidade, homens que modificar condições e objetivos da conduta. Pro-
os melhores planos de reforma, impostos de fora para dentro, pondo-se as grandes diretrizes, sem descer a certas particula-
ridades instrumentais, equacionou-se um desafio provocativo
desembocarão num vazio irremediável. Não farão hist ória e sem se estabelecer o sentido compensador ou desejável das
muito menos história educacional, pois esta alimenta-se de
convicções íntimas e de aspira ções profundas. Os planos, im- inovações pretendidas. No contexto de uma sociedade em mu-
1:
postos por via legal e sem forte compulsão coletiva, mudam dan ça nunca é dif ícil descobrir justificações suficientemente
as aparências sem modificar a realidade das coisas. Como a gratificadoras, em termos pessoais ou coletivos, para a aceita-
palavra desafio está em moda, não custa lembrar os vá rios ção das inova ções. Nenhum professor ou educador é indivi-
desafios que a U. S. P. vem recebendo do meio ambiente ou de dualmente responsável pelas condições de trabalho herdadas,
seus estudantes. Há a questão das tendências de aumento mas todo professor tem grande interesse de ver-se individual-
crescente da procura de vagas e seu reflexo sobre a elevação mente associado à melhoria de tais condições. Por isso, havia
constante do n úmero de excedentes. Há a questão dos cursos uma necessidade preliminar de esclarecimento e de motiva-
básicos e, conjugada a ela, a da qualidade do ensino graduado
ção, que nã o foi equacionada, a qual sugere que a comissão se
e pós-graduado. Há a questão do ensino elementar da pesqui- encerrou em perspectivas por demais estreitas de consideração
sa científica e a do treinamento avançado na pesquisa pura, da realidade. A universidade foi isolada do meio e, por con-
seguinte, o professor não foi relacionado com as for ças do
aplicada e técnica, nos diversos ramos de saber. Há a questão
ambiente que poderiam contribuir para a transformação da
da orientação e intensidade da aprendizagem, que torna a
própria universidade.
“universidade brasileira” (inclusive a de São Paulo ) , uma uni-
versidade de baixo padr ão de rendimento, mas cara e disper- Aí está, sem d úvida, o busílis da presente discussão.
siva. Há a questão da produ ção sistemá tica de saber original, A U .S .P. ( e sua “reestruturação”) precisa ser pensada no flu-
que se prende à da organização e da expansão da pesquisa xo dos processos históricos, culturais, económicos, sociais e
como fonte do progresso cultural da sociedade e do seu grau políticos, que dão sentido à sua transformaçã o no contexto
de independ ência relativa. E por a í a fora. Como “ reestrutu- . atual da sociedade brasileira. As quatro funções , enumeradas
rar ” a Ú.S.P. sem responder a cada uma dessas questões, for- acima, são universais; toda universidade integrada e multi-
funcional, na civilização moderna, deve prenchê-las normal-

jando no Brasil padr ões de ensino, de pesquisa e de produção
intelectual universitários? Nas condições existentes tanto mente. O que varia é o modo nacional (ou o projeto nacional,
de organiza çã o do espa ço f ísico quanto de organiza ção das como querem alguns ) , em conformidade com o qual univer-

— sidades de diferentes nações do mesmo círculo civilizatório


atividades humanas: ambas variavelmente extra e antipeda-
gógicas não se pode fazer muito mais do que está sendo atendem às referidas funções. Na situação brasileira, o que
feito. Seria preciso começar, pois-, pelas condições que deter- entra em questão é esse modo nacional Como ainda não lo-
minam o que a U. S. P. é hoje, para chegar às condições ideais gramos criar a universidade integrada e multifuncional, te-
194 195

I .
w

gicas. O simples aparecimento desse tipo de universidade


mos de forjar, de alguma maneira , certas solu ções típicas,
-
peculiares às possibilidades que temos de dinamizar as insti-
significa que uma dada sociedade nacional est á tentando im -
primir a sua marca sobre a instituição, nacionalizando-a , por
tuições e as técnicas sociais do padrão de civilização vigente.
assim dizer. De outro lado, essa nacionalização não é um mero
A comissão procedeu como se considerações dessa espécie fos - processo interno, circunscrito ao “mundo dos universitários”.
sem irrelevantes, talvez por considerar que a universidade se
determina sozinha , como “ idéia ” e como “instituição”, confi- Ela se volta para fora, por que nasce de incentivos e pressões -
gurando por si própria o impacto de suas fun ções sobre o da sociedade condicionadora , que estimulam a diferenciaçã o
meio ambiente. Ora , na verdade a universidade nã o é um funcional e a reintegração institucional. E se volta para fora
-mundo à parte no cenário brasileiro: ela é, claramente fa- em um sentido dinâ mico, porque passa a organizar -se como
lando, uma universidade subdesenvolvida e extrai o cará ter do uma instituição inserida nos processos pelos quais as for ças
seu subdesenvolvimento da própria estrutura e dinâmica da psicossociais e socioculturais do ambiente são controladas e
sociedade de classes sob o capitalismo dependente. De outro usadas para fiiis explícitos da aceleração do desenvolvimento
I lado, apesar disso, carecemos que ela opere segundo um pa- e da intensificação da integração nacional. Esses aspectos
drão e um ritmo que permitam superar e negar o subdesen- não podiam ser perdidos de vista, pois eles explicam por que
volvimento, tanto o que é inerente a si mesma quanto o que estamos todos tão empenhados na “reforma universitária” em
nasce da organização da economia , da sociedade e da cultura. São Paulo e as proporções que ela tenderá a assumir, a curto
Daí a suma importância do “ modo nacional ” de organizar e a longo prazo, graças às expectativas formais e informais
!í certos recursos ou possibilidades, oferecidos pela civilização que cercam a definição social das contribuições que os círculos
vigente. Se as escolhas forem feitas em conformidade com leigos passam a esperar da universidade.
critérios racionais e segundo combina ções ótimas entre meios No que se refere à administração, a Comissão de Reestru-
“possíveis” e fins “essenciais”, os dois objetivos podem ser turação também endossou soluções pouco felizes, que dão con-
alcan çados simultaneamente, através da mudança ocorrida ao
tinuidade a formas de organiza ção do poder que só se justifi-
nível institucional. A universidade integrada e multifuncional cavam no âmbito da escola superior autárquica ou da univer-
aparece com uma conexão de sentido t ípica : ela traz consigo sidade conglomerada e que estão recèbendo forte oposição dos
a impuls ão de combater o subdesenvolvimento nas duas di - estudantes, instrutores e assistentes. Ao que parece, houve
mensões. Primeiro, negando e superando o destino de depen - uma confusão básica : o pensamento de que bastaria a supres-
dência em relaçã o ao exterior, que caracterizava estrutural-
,

mente a antiga escola superior e a universidade conglomerada. são das cátedras para corresponder aos anseios dos círculos
Segundo, internalizando formas de saber e as técnicas de pro- mais jovens. Contudo, suprimir as cá tedras mantendo todo
duçã o de tais formas de saber que concorrem, direta e indire- o poder concentrado nas mãos de alguns professores e de cer-
tamente, para modificar a aceleração do desenvolvimento tos órgãos de cópula, que substituir ão os que existem atual-
educacional e cultural do meio ambiente. EiP consequ ência, mente, não altera fundamentalmente os inconvenientes da
onde surge a “idéia ” da universidade integrada e multifun- presente situação. Estamos imersos na crise profunda e mes-
cional, no terceiro mundo, ela se afirma como parte de um quinha que essa estrutura institucional do poder gerou, por
processo político, freqiientemente vinculado a ideais de inte- sua inelasticidade e por sua inadequação às aspirações demo-
graçã o nacional, de autonomia cultural como requisito do cráticas das gera ções ascendentes, e mesmo assim vemos que
“ crescimento económico independente” e de soberania polí- a maioria dos professores reluta em abandonar hábitos arrai-
tica no plano internacional. Ela reinvidica e tenta concre - gados .
tizar a objetiva ção de formas de consciência social e de expli- Nessa esfera, são claras e irreversíveis as transformações
cação do mundo que situam o “destino” da sociedade nacional que se impõem e sem as quais o desaparecimento puro e sim-
como parte da contribuição criadora da universidade. Não ples da “cátedra vitalícia ” não conduzirá a nenhuma conse-
deixa de ser estranho que se recomende no “ Memorial” a tran- quência profunda. Primeiro, no plano pedagógico, cumpre
sição para a universidade integrada sem pôr em evidência o dissociar a condição de professor de qualquer privilégio de í;
sentido maior dessa transforma ção e suas implica ções pedagó-
197
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mando, de autoridade e de dominaçã o. Os estudantes pre- U. S. P. Terceiro, no plano da administração cumpre confe-
tendem uma reorganização das relações com os mestres, nas rir autonomia e efetiva capacidade de realização técnica aos
situa ções de classe e fora delas, que pressupõem a abolição das funcioná rios, em todos os níveis hierá rquicos. A atual ordem
formas anacrónicas de privilegiamento do saber, da idade e da institucional é anómala, porque estende a onipotência do pro-
posição na estrutura dos papéis educacionais institucionaliza- fessor às funções para as quais ele não está ( nem poderia
dos socialmente. Querem, pois, eliminar a distância psicoló- estar ) preparado, gerando uma tutela tão extravagante quão
gica, cultural e social que existe entre eles e os professores, a perniciosa, que priva os funcionários do grau de responsabili-
qual impede que as rela ções pedagógicas e as atividades didá- dade e do poder de decisão de que necessitam para realizar
ticas sofram qualquer processo de democratização interna. com eficácia os seus papéis específicos. Nesse nível, a rebelião
Como têm acesso f ácil a muitas fontes de informação, que ainda não surgiu nem mesmo em forma larval. O funcionário,
antes eram relativamente “fechadas”, chegam ao ensino su- até quando se acha em “posição de chefia”, vê-se e é represen-
perior com maior maturidade intelectual e sentem necessidade tado como um “subordinado”, alguém que deve obediência ao
de participar dos mecanismos existentes de decisão, repudiam professor inclusive em assuntos que escapam à rotina da admi-
com razão a relutância dos professores em modificar o estilo
docente “tradicional” e em abolir as formas correspondentes
nistração escolar. No entanto, muitos aspectos da intermiten -
te “crise da U. S. P.” lançam raízes e se explicam por esse lapso
de exacerbação do “ poder pessoal”. Segundo, no plano da pro- institucional, que anula ou restringe a contribuição constru-
dução intelectual e das relações de trabalho docente ou de tiva que os funcioná rios poderiam dar para a modernização e
pesquisa , cumpre eliminar o hipertrofiamento das faculdades a racionalizaçã o dos vá rios serviços da instituição. É urgente
de decisão, que convertem um limitado número de professores que se evolua, por conseguinte, em nova direção. Não enten-
em déspotas reais ou potenciais, com poder de decisão e de demos que se devam anular a vontade e o poder do professor.
.
influência verdadeiramente perigoso e destrutivo Nesse plano, Tal solução seria tão extravagante e perniciosa quanto a outra,
a rebelião dos jovens ainda aparece de modo tímido. Há razões
para isso. De um lado, porque a dinâmica da “carreira univer-
que anula a vontade e o poder do funcioná rio. O que se preci -
sitária” vincula os talentos e as vocações em ascensão às con-
sa é de uma reorganização das esferas de decisão, de reali
zação e de influência, de maneira que os funcionários partici-
-
veniências da ordem institucional vigente. De outro, porque pem responsável e criadoramente do progresso de seus setores
a U. S. P. sempre orientou, movida por uma falsa pedagogia, de trabalho e da própria instituição como um todo.
a educação do educador nos moldes ditados pela “formação
do catedrá tico”. Consciente ou inconscientemente, instrutores Não é de admirar-se que, partindo de uma perspectiva

e assistentes bem como os pretendentes dessa investidura
sempre foram recrutados, treinados e condicionados para se
— que leva inevitavelmente à perpetuação do status quo, o “ Me-
morial” negligenciasse quase tudo o que precisa ser feito para
identificarem com esse destino pessoal, figurando-se como her- se criar uma nova realidade no campo da administração da
deiros presuntivos e sucessores mais ou menos certos do cabe- U. S. P. Através de semelhante ponto de partida, só poderia,
ça pensante. Esse sistema engendrou uma forte deformação mesmo, chegar onde chegou: ~ um sistema altamente compli-
da mentalidade intelectual média, afastando gera ções su- cado, pulverizado e provavelmente ineficiente de administra -
cessivas dos requisitos materiais, morais e políticos da concep- ção. Em vez de se reduzir, se aumenta o número de órgãos de
ção universitá ria do homem e da cultura e dos valores do pen- poder administrativo e político; em vez de se diminuir, se
samento livre em uma civilização baseada na ciência e na de- eleva ( e presumivelmente se exacerbará ) a concentração do
mocracia. Não podemos nem devemos permitir que as condi- poder nas m ãos de alguns poucos e em instâncias de cú pula.
ções ou as aspirações que forjaram soeialmente essa mentali- Direção e conselho de departamento; direção e conselhos de
dade consigam sobreviver ao tipo de escola superior e de uni- institutos; câ mara de institutos e câmara curricular no
versidade em que elas surgiram e se difundiram, pois isso equi
valeria a condenar os alvos e os efeitos mais ambiciosos de
- “campus” da cidade universitária do Butantã; reitoria e con
selho pleno, como órgãos gerais de administração e direçã o da
-
modernização dos estilos de trabalho intelectual vigentes na U. S. P. ; direção e conselho do “ campus” nas faculdades re-
198 199
manescentes da capital ou do interior. Safa! Porque n ã o se blioteca. Uma confusão insuper ável. Os professores querem
consultou um especialista em teoria e em pyática de admi- ficar perto dos livros. Ficam atemorizados com a perspectiva
nistração, para se evitar tão pitoresca demonstração de irrea- de que uma racionalização desse serviço acarrete uma atroz
lismo ? Quanto mais complicada for a estrutura de uma admi- separação . Nas melhores universidades que visitei, fre-
..
nistra ção, pior para ela : ela se congestiona por qualquer coisa quentei bibliotecas enormes e também tirei livros para consul-
e nunca rende o que deveria. Todavia, enquanto os professo- tas. Tudo muito f ácil e simples. O professor, com frequência,
res cuidarem dos problemas da administração e da política nem precisa ir lá. Vai por ele uma secretária ou um estudante.
universitária como matéria de poder pessoal, eles não possui- Eu saía para almoçar e, ao voltar, encontrava vinte ou trinta
i !; rão meios para ir mais longe. A complicação faz parte de um livros sobre minha mesa de trabalho. Porque esse provlncia-
expediente necessário para que o poder pessoal encontre vias nismo grotesco e esse personalismo estreito, que obrigam a
J de manifestações e de atendimento. Mas não é possível “ rees- sugerir medidas contraproducentes sob argumentos falsos,
| truturar ” pensando-se em preservaçã o ou em ampliação das como por exemplo que seria conveniente para o estudante
posições-chaves de controle do poder. Pode-se emaranhar e encontrar os livros no próprio departamento? O estudante
congestionar, sem se chegar às soluções que se recomendem, quer outra coisa: acesso f ácil aos livros; abundância de cópias
por sua racionalidade, simplicidade, economia e eficá cia. para leitura rápida ; ausência de dificuldades para obter um
Dois pontos menores também exigem alguma atenção lugar nas salas de leitura ou para tirar o livro; conforto e
crítica. A questão de prédios, equipamentos, construção de segurança quanto aos hor ários, às condições de acomodação,
“campi” para, as várias unidades regionais etc. Como “rees- ao acesso aos fichá rios ou às coleções etc. Manter a presente
truturar ” a U.S.P. sem atentar para os diferentes aspectos situação, sob pretexto tão frágil, é pueril; mas sentir a ne-
dessa quest ão e, principalmente , para a captação de recursos cessidade de mudar as coisas só até certo ponto não deixa de
que ela exige, a inovação de planos ou de programas de curto ser uma demonstração típica de resistência intencional à ra-
e largo prazo, os problemas de convencer o Governo estadual cionalizaçã o dos serviços da U. S. P. aos níveis em que ela é
a cooperar de modo decidido na “ reestrutura çao” e os pr óprios mais necessária. O que significa, em duplicação de gastos com
professores a se sentirem responsáveis nesse processo etc.? instalações, pessoal, conservação de livros etc., e em ineficácia
Na verdade, se se esboçam novas diretrizes globais para a ( em termos de biblioteconomia) a manutenção da situa ção
U. S. P., todos os “campi” precisam ser pensados à luz de .
atual das bibliotecas nem precisa ser discutido Em regra, as
novos requisitos educacionais e de novos objetivos, que nascem coleções dos departamentos possuem caráter muito especial.
da própria diferencia ção funcional da universidade integrada Nascem das pr óprias bibliotecas dos professores , que se trans-
e do seu ímpeto de expansão em várias direções simultâneas.
O único aspecto que foi ventilado — —
e o foi judiciosamente
diz respeito às consequências previsíveis do currículo flexível
formam em doações e d ão origem a coleções selecionadas e
clássicas, ou fazem parte da rotina de trabalho docente e de
pesquisa, variando de ano para ano ( como livros de consulta ,
( mas apenas com referência aos prédios e ao espaço da cidade retirados provisoriamente das bibliotecas centrais ) . Portanto,
universitária do Butantã ) . Ora , não podemos ficar paralisa- conviria que a questão da biblioteca fosse examinada também
dos ou fazer reivindica ções inexpressivas e, mais tarde, culpar com vista a várias modalidades de “reestuturação” que têm
o Governo estadual pelo descalabro! Urge enfrentar a ques- sido pleiteadas por muitos e várias vezes, mas que nunca fo -
tão, provideneiando-se planos e programas que atraiam o ram atendidas.
apoio dos círculos leigos e do Governo às aspirações dos estu-
dantes e professores. O outro ponto refere-se à solu ção dada
às bibliotecas. A U. S. P. nunca existiu como universidade in-
J tegrada. Por isso, não temos uma biblioteca central da U.S.P., Conclusões
com prédio, instala ções e pessoal adequados ao funcionamento
normal e ao crescimento futuro. Cada escola tem a sua biblio- Procuramos, na discussão precedente, expor nossas idéias
teca central, algumas aliás bem organizadas e instaladas; de modo franco e direto. Não pretendíamos, com isso, subes-
cada cadeira ou departamento conta também com a sua bi- timar a Comissão de Reestrutura çao da U. 3. P. nem o valor
201
200
jv
t

do sen trabalho. Ao contr ário, quer íamos demonstrar que ela ficado da emergência e da expansão de uma universidade inte -
atingiu o seu objetivo mais alto, provocando um debate que r grada e multifuncional para a autonomização cultural pro-
reflete o alcance de suas sugestões e recomenda ções. gressiva da sociedade brasileira. i
;r;

A importância do “Memorial sobre a Reestruturação da Portanto, a inércia anterior, nascida da omissão predo-
Universidade de São Paulo” transcende às atribuições da pró- i minante dos professores, deu lugar a um clima bem diverso, de
pria comissão e às limitações inevitá veis que talvez contenha. participa ção responsá vel, de discussão e de conflito. A rees-
É que ele põe em terreno concreto e irrefut ável o reconheci- truturação universitária, que parecia um mero procedimento
rada com base em diretrizes gerais que rompem o equilíbrio
-
mento oficial de que a U. S. P. precisa, de fato, ser reestrutu burocr ático de início, culmina dentro de uma explosão emo
cional, moral e política. Esse clima é fecundo, porque satura
-
existente. Apesar de todas as transigências e acomoda ções, ao os problemas e os dilemas da reforma universitária de aspira-
ventilar e difundir as referidas diretrizes, a comiss ão assumiu çõ es e contradições da juventude brasileira, ao mesmo tempo
a responsabilidade de admitir que a U. S. P. não pode ficar que os imerge nas condições de existência do País, quebrando o
como está, que a amplitude da modernização necessária se ímpeto ao isolamento da nossa vetusta escola superior. Ele
choca com as conveniências das antigas escolas superiores e também é útil, por que origina pressões morais que compelem
com a estrutura de uma universidade conglomerada , e que os os professores a sair do silêncio comprometido ou a vencer a
professores estão diante de um dilema, pois t êm de fazer esco- oposição neutralizada. Mas ele não pode gerar senão atitudes,
lhas e opções que convertem a reestruturaçã o da U. S. P. numa expectativas e ideais de mudança. As solu ções que respondem
forma de ruptura, de tensão e de luta. Assim, o “ Memorial” a esse clima novo, porém, devem ser procuradas segundo cons-
possui o mérito de colocar a nu o que significa a transição tatações objetivas e procedimentos técnicos.- Se não se estabe-
para uma universidade integrada e multifuncional, como pro- lecer essa correlação entre a inquietação e a fermentaçã o
cesso problemático e agonístico, que exige dos homens uma sociais, ao nível político, e a indaga çã o positiva de novos tipos
definição em face de alternativas, projetando a modernização de controle e de solu ção dos problemas educacionais , ao nível
e a racionalização das “estruturas universitárias” na esfera
de atuação social consciente da massa de professores.
técnico, cairemos no drama da agitação pela agitação —
oposição imatura e inconsequente, que se satisfaz com a rebe-
da

lião em si e para si.


-
*

Esse avanço é muito positivo, em si mesmo e por suas con


sequências pr á ticas. Ele indica que a Comiss ão de Reestrutu- Talvez seja o caso de se tentar, a partir deste momento, o
ração da U . S . P . provavelmente chegou até aonde podia, na ! que não foi possível fazer antes. Depois que o “ Memorial”
traçou diretrizes gerais que não se coadunam com a reestru-
'•

elaboração das diretrizes gerais da reforma universitá ria.


'

Agora, urge aproveitar construtivamente esse avan ço, esten- turação da U. S. P. como um todo e depois que o protesto
dendo os debates sobre as referidas diretrizes, encaminhando as estudantil alertou a Nação para as exigências educacionais,
soluções para o plano técnico e político, e relacionando as culturais e políticas do presente, até o Governo estadual rom-
múltiplas funções de uma universidade integrada com os pro - pe o círculo de ferro das conveniências, pressionando os pro-
cessos de crescimento económico e de desenvolvimento socio- i' fessores e a direção da U. S. P. em favor de mudanças estrutu-
cultural de uma sociedade nacional dependente. Nas presentes : rais profundas. Ao que parece, a situação se alterou em seus
circunstâncias, corremos riscos muito graves. Está havendo dados essenciais, surgindo novas probabilidades de equaciona-
uma verdadeira pulverização dos processos de consciência cr í- mento da reorganização da U. S. P. Por essa razão, pensamos
tica e de canalização socialmente produtiva dos anseios de que já podemos superar a fase inicial, de sondagens do terreno
reforma universitária. Para que essa pulverização não se con - e de incapacidade de decisão ou de ação, que marcou a insta-
verta em fator de desorientação ou, mesmo, de retrocesso, é la ção e os trabalho da comissão de reestrutura çã o. Os que
preciso que os adeptos da “ reestruturaçã o” caminhem, rapida- eram e continuam a ser contra qualquer espécie de mudança
mente, no sentido de fazer com que os debates convirjam para e que se insurgem mesmo contra alterações mínimas nã o
aspira ções e ideais comuns, ressaltando especialmente o signi- deixaram e não deixar ão de mover a sua “ guerra santa” con-

202 203

i
rr ':

tra a reforma universitária. Mas eles perderam a posição-


chave, que lhes permitia usar a inércia estrategicamente, vol-
tando-a contra a irrupção de inova ções no seio da U. S. P.
Estão acuados e terão, para se defender e lutar por seus .

-
desígnios conservadores, de aceitar a reforma universitária
como um processo histórico social. Nessas circunstâncias, for-
maram-se neste ano crítico condições para que se avance até CAPÍTULO 8
a constituição de uma comissão propriamente técnica, que se
;

?
encarregue da reestruturaçã o da U.S.P. segundo propósitos OS DILEMAS DA REFORMA UNIVERSITÁRIA
mais amplos, pr áticos e realistas, voltados não para a conser-
vação do passado, mas para a construção do futuro
seja : da nova universidade de Sã o Paulo.
— ou
CONSENTIDA *

Introdução

A reforma universitária, que surgiu tardiamente no Brasil,


-
constituiu se como um movimento de estudantes e de profes -
re-
sores. Malgrado as incompreensões iniciais, o movimento
percutiu na esfera política e acabou despertando o Governo
federal, que encarregou ( por decreto de 2 de julho do corrente -
ano) um Grupo de Trabalho de “ estudar a reforma da Uni çã o ,
versidade brasileira , visando à sua efici ência , moderniza
flexibilidade administrativa e formaçã de o recursos humanos
de alto nível para o desenvolvimento do País”.
1

Os dois estudantes, designados para fazer parte do GT


,
eximiram-se dessa responsabilidade . Assinam o “ Relat ó rio ” ,
além do Ministro Tarso Dutra , os Senhor è s Jo ão Paulo dos


* Publicação prévia: Debate e Crítica, N.° 2, janeiro- junho
1-42; Revista Mexicana de Sociologia ,
-
Ano XXXII —
N.° 4, julioagosto de 1970, pp. 967 1004; "Los Dilemas ,deColecci
.
Vol . XXXII
la Reforma—
de 1974, pp.

ón de
Consentida ”, Centro Paraguayo de Estudos Sociológicos
Reimpressiones, N.° 16, 1970.
Versão escrita do plano da exposição, feita no I Fó rum de Professores
sobre a "Política Educacional do Governo” ( de 11 a 13 de outubro de
ções de pro-
1968 ) . O Fórum foi promovido sob os auspícios de associa de Janeiro -
fessores universitários, secundaristas e primários do Riode Paula e a
Gb; realizou - se no audit ório do Col égio S ão Vicente
esque-
presente conferência serviu para abri-lo ( em 11/10/ 68 , Parte do profes-
)
ma expositivo foi explorado em mesa -redonda , realizada com
sores e estudantes das seções de Pedagogia e de Ciências Sociais da
Faculdade de Filosofia, Ciências e LetrasDepartamento da Universidade Federal do
de Sociologia
Rio Grande do Sul, no auditório do
( 8/ 11/ 68 ) .
1 Cf. Reforma Universitária. Relat ório do Grupo de Trabalho
criado
pelo Decreto n.° 62.937/68, Ministério da Educação e Cultura , Rio de
, Ministério
do Planejamento e Coordenação Geral, Minist ério da Fazenda
Q- do . decreto mencionado ).
Janeiro GB, , IBGE , 1968. p. 117 ( artigo l.
Relatório”.
Esta fonte será mencionada, a seguir, simplesmente como “
205
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-
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.1'
Reis Velloso, Valnir Chagas, Newton L. Buarque Sucupira, parciais e instrumentais da realidade educacional. A reforma
Fernando R. do Vai, João Lira Filho, Antônio Moreira Cou- universitária, que só poderia ser concebida, em nossa situaçã o
ceiro, Roques Spencer Maciel de Barros, Padre Fernando histórico-social, como uma imensa obra de reconstrução edu -
Bastos de Ávila e Leon Peres. 2 Como se vê, o GT contou com a cacional, foi reduzida a um simples “ repertório de soluções
colaboração de alguns técnicos, educadores e cientistas de re- realistas e de medidas operacionais que permitam racionalizar
1) Reforma tardia,
conhecida competência e de grande prestígio. Podia realizar a organização das atividades universitárias, conferindo-lhes
demanda de estudantes uma obra marcante, capaz de abrir novos rumos ao nosso maior eficiência e produtividade”. 4
e professores. ensino superior. A questão que se impunha , em termos “ realistas ” e “ope-
GT 3 obstáculos: No entanto, o GT lutava contra três obstáculos muito racionais ”, consistia em determinar qual deva ser a organiza-
1- prazo exíguo sérios. Primeiro, o decreto que o compunha estabelecia um ção institucional da universidade brasileira e em estabelecer,
í i governo ilegítimo prazo fatal, demasiado exíguo, em vista dos objetivos previs a partir da í, os requisitos materiais, estrutural-funcionais e de
2 - mandato de

3- diversidade de tos: “Os estudos e projetos deverão estar


- crescimento dessa instituição. O GT deu-se por satisfeito com
concluídos dentro
membros: de 30 ( trinta ) dias após a instalação do grupo de trabalho,
»1 intelectuais, técnicos....
as inovações improvisadas do Governo Castelo Branco, como
1 .! falta de sincronia cujos encargos constituirão matéria de alta prioridade e se infere do § 2.° do artigo 8.° do principal anteprojeto de lei
:
relevante interesse nacional”. 3 que elaborou: “ A organização das universidades mantidas
’I Segundo, o GT recebia seu mandato de um Governo des pela União deve obedecer aos princípios e normas fixados nos
tituído de legitimidade política e que não encarna a vontade-

Decretos-leis n.°s 53 de 18 de novembro de 1966 e 252 de 28 de


da Nação, mas dos círculos conservadores que empalmaram o fevereiro de 1967”. 6 E ateve-se à fixação de “soluções concre-
poder, através de um golpe de Estado militar. Por mais res tas, a curto e a longo prazo”, que padecem dessa visão míope,
peitáveis ou bem intencionados que sejam os seus componen- imediatista e complacente da “ reforma universitária”. Bem
tes, eles se converteram, individual e coletivamente, em dele-- entendido o par ágrafo transcrito, o GT não encaminhou ne-
* gados dos detentores do poder e em arautos de uma reforma nhuma reforma universitária. Endossou e consolidou a re -
universitá ria consentida. forma no papel do Governo Castelo Branco, implementando-a
com instrumentos legais e dotando-a de recursos materiais
; rentes
Terceiro, o GT abrangia intelectuais recrutados em dife
setores oçupacionais. Isso não foi um mal em si mesmo. - que pretendem incutir-lhe alguma eficácia prática .
Na presente discussão, ser ã o apreciados apenas os aspec-
Bi .
Ao contrário, favoreceu a instilação de novas aragens na dis-
cussão dos problemas materiais da universidade brasileira. tos da contribuição do GT que merecem atenção especial. O
Porém, acarretou uma evidente e insaná vel falta de sincronia, fato de tantos intelectuais de escol terem aceito, avidamente,
f í entre os seus membros, na compreensão do que deve ser a os papéis decorrentes de uma transação conservadora é, em si
universidade no cenário brasileiro. Apesar da ênfase posta na mesmo, algo relevante e que exige um exame crítico. A esse
: : “idéia espiritualista de universidade”, o GT não teve nem tem- fato e às suas implicações foi devotada a primeira parte deste
i
po nem motivações para chegar a uma imagem comum e debate. Em seguida , sã o apreciados sumariamente, na segun-
da e terceira partes, os aspectos positivos e negativos, que
i
institucionalmente válida da universidade. Em consequência,
parecem singularizar a contribuição do GT. Na última parte,
'i
sancionou análises e recomendações contraditórias, que pa- • i
são mencionadas as indagações que estão em todas as cons-
i
i
tenteiam os males da improvisação. Quadripartido nos se-
guintes subgrupos : “1) institucionalização do ensino superior, ciências, que lutem efetivamente pela reforma universitária
forma jurídica , administração da universidade; 2) organização como um processo de reconstrução interna da universidade
didático-científica, magistério, estratégia de implantação da brasileira.
pós-graduação, pesquisas; 3) recursos para a educaçã o e ex É preciso que fique bem claro, de antemão, que enten-
- demos a reforma universitária consentida como uma mani-

pansão do ensino superior; 4) corpo discente, representação
estudantil” o GT acabou privilegiando diferentes visões festa ção de tutelagem política e como mera panacéia. Não
2 A enumeraçã
o segue a ordem em que aparecem as assinaturas ( cf . 4 Idem, trecho extraído da p. 15. ti
op. cit., p. 61; cf . também p. 119 ). 5 Anteprojeto de Lei que Fixa Normas de Organização e Funcionamen-
3 Idem, p . 118 ( artigo
3.° do decreto citado ). to do Ensino Superior. “Relatório”, p. 66.
i
206 207
li
p*~“
2) Não foi encaminhada uma Reforma Universitária, mas sim a "reforma no papel" do governo Castelo Branco. Elogio Relatório:
Reforma para adequar a situação de privilégio das classes altas, reforma controlada.

ge, o melhor diagnóstico que o Governo já tentou, tanto dos,


podemos aceit á-la porque ela nã o flui de nossa vontade, não problemas estruturais, com que se defronta o ensino superior
responde aos anseios que animam as nossas lutas pela recons- quanto das soluções que eles exigem. Se a quest ão fosse de
trução da universidade e n ão possui fundamentos democr á- avanço “abstrato”, “teórico” ou verbal, os que participamcon dos
ticos legítimos. Complemento de dois decretos-leis de um Go- movimentos pela reforma universit á ria poderiam estar -
verno militar autoritário e expressão perfeita do poder que tentes e ensarilhar suas armas .
engendrou a constituição outorgada à Nação em janeiro de
1967, ela representa uma contrafa ção de nossos ideais e de - Entretanto, o avanço “abstrato” e “teórico” esgota-se como o
nossas esperanças. A ela devemos opor a aut êntica reforma mero expediente literário, como se ele fosse uma verbalizaçã çã o
de circuito fechado . Ao se passar do diagn óstico da situa
universitária, que nasce dos escombros de nossas escolas e da í pios , que
ruína de nossas vidas, mas carrega consigo a vocação de liber- para o plano da formulação das normas e princ
dade, de igualdade e de independência do povo brasileiro. regerão o ensino superior, o encanto se desvanece. Aí surge ae :
natureza da vontade política a que estava submetido o GT
todo o seu labor intelectual . As normas e os princ í pios só tra-
duzem o alcance, a profundidade e a adequa çã o hist órica do
Elogio e Crítica da Consciência Farisaica diagn óstico quando não se chocam , direta ou indiretament e,
eom as imposições ou as expectativas daquela vontade pol í ti-
O “Relat ório” foi escrito com uma intenção evidente. De ca. A melhor fonte de ilustra çã o da referida defasagem ( entre
um lado, o GT sabia que a “ Reforma Universit á ria” afirmou-se, diagnóstico da situa ção e formalizaçã o jurídico-política das
nacionalmente, como um movimento dotado de grande vitali- soluções recomendadas ) vem a ser as várias digressões , de
que
dade política . De outro, por sua pr ópria origem e pela natu- servem de encaixes explicativos dos anteprojetos de lei
reza do seu mandato, identificou-se com as funções que o decretos-leis e das recomendações.
6

Governo deveria desempenhar na condução e no aproveita-


mento desse movimento. Foi, portanto, naturalmente levado Essa defasagem nã o é novidade. Ela é parte normal de
a explorar uma estratégia expositiva que visava à comunica- uma situação histórico-social em que a atuação conservadora
ção —à quebra de barreiras, à conquista de aliados e à trans-
ferência de iniciativa para a atuação do Governo.
se acha amea çada e é compelida a assumir o controle pol
dos processos de modernização cultural e
cional. Em conjunturas dessa esp é cie , t ã o
de inova
frequentes
çã o
em
ítico
institu
nossa
-
Nesse sentido, o “Relatório” tinha de ser concebido e ela- hist ória remota ou recente, os diversos estratos das
camadas
borado com muita audácia intelectual e com uma plástica conservadora s alcan çam graus diferentes de consci ê ncia da
acuidade diante das aspirações dominantes no momento. Pela situa ção histórico-social. Os estratos constitu ídos por intelec-
primeira vez, no setor da educa ção, partia de uma comiss ão tuais são aqueles que ã maisv o - longe , porque os intelectuais
oficial um documento forte, ao mesmo tempo “ corajoso” e não sofrem, na mesma escala e com a mesma intensidade, os
“agressivo”, que parece abrir caminhos novos e propor de efeitos negativos do isolamento cultural em que se encontram
frente as dificuldades essenciais . os demais estratos das camadas conservadoras.
É claro que o GT podia fazer isso, pois possuia em seus Nem por isso, porém, os intelectuais conservadores che-
quadros os dois tipos de intelectuais que contam com meios gam ou podem atuar com maior discernimento políticovontade . A ra-
para concretizar semelhante objetivo. Graças aos educadores zão é simples. O que prevalece na orienta çõ brasilei çã o da
e aos cientistas, que dele participavam, estava capacitado para —
especialmente nas condi es -
fazer um diagnóstico lú cido e penetrante da situa ção atual do
ensino superior. Gra ças aos t écnicos com que contava , também
estava capacitado para realizar uma rotação estratégica , que
ras —
política conservadora
é a preserva ção do monopólio do poder nas m ã os das
0 Ver “Relatório” , pp. 23-61; e a outra publicação: Reforma
para a
Universitá-
ria. Expansão do Ensino Superior e Aumento dos Recursos -
mobilizasse uma dimensã o pr á tica aparentemente efetiva. Educação, Ministério do Planejamento e Coordenação de Geral, Ministé
Janeiro, GB,
Construído como uma peça literária de vigor e como um rio da Fazenda , Ministério da Educação e Cultura, Rio “Expansão do
IBGE, 1968, pp . -
5 27 . Esta fonte será mencionada como
documento educacional “ participante”, o “Relat ório” possui Ensino Superior”.
méritos que não devem ser subestimados. Ele contém, de lon- i

209
208

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1 1

camadas conservadoras. Estas não se interessam, substancial- racionalizada, mascarada e mistificada , como se o monopólio
mente, pelo grau de avanço ou de eficácia das soluções dos conservador do poder fosse essencial para o “desenvolvimento
problemas. Se tomam a iniciativa de arrostar os riscos da dentro da ordem” e a “ felicidade” das demais camadas sociais.
modernizaçã o cultural e da inova ção institucional, fazem-no Por conseguinte, o que arruina as potencialidades criado-
com relut ância e com ânimo armado, seguindo a lógica de ras dos intelectuais identificados socialmente ( por interesses,
que “ é preferível perder os anéis que os dedos”, ou que “é valores ou interesses e valores) com o pensamento conservador
melhor fazer a revolução antes que o povo a fa ça”. Weber é a natureza de sua vinculação com a ordem social existente.
estudou diferentes processos desse tipo e, por experiência po- Esta inibe ou anula as vantagens reais ou potenciais da par-
lítica pessoal, descobriu que “é perigoso e a longo termo incom- ticipação cultural pluralista do intelectual, impedindo que ela
patível com o interesse da na ção que uma classe econômica- se dinamize como um elemento de tensão, especialmente ao
mente declinante preserve o poder, mas é ainda mais perigoso nível histórico. Assim , as implica ções sociodinâmicas de um
que as classes, para as quais se encaminhem o poder econó- avanço puramente abstrato são destruídas ou solapadas pela
mico, e, portanto, as aspirações ao poder político, ainda não própria posição social do intelectual, que não precisa do refe-
sejam politicamente maduras ”. Em semelhante condições, o rido avanço para responder às exigências da situação de uma
poder conservador se exerce com extrema irracionalidade e perspectiva conservadora. Manníiein aponta com argúcia as
tende a ser cego até diante de mudanças que são inevitá veis consequências desse processo sociodínâmico: “a emergência
e que não ameaçam a ordem social existente, por estarem de uma sociedade especificamente moderna parece depender,
sob controle político das próprias forças sociais conservadoras. no conjunto, de classes que se devotem à desintegração da
Por mais coerentes, íntegros e lúcidos que sejam os inte-
lectuais pertencentes ou identificados com os interesses polí-
ticos conservadores, eles não podem romper essa barreira.
abstrato —
estrutura social existente. Seu pensamento é necessariamente
ele vive sobre o potencial e o possível; por sua
vez, o pensamento e a experiência daqueles que procuram pre-
Palmilham , então, um triste destino humano. No campo do
servar o presente e retardar o progresso é necessariamente
concreto, e falha em romper com a estrutura existente da so-
conhecimento puro e da consciência abstrata, podem ir tão ciedade”. Para evitar o destino social apontado, o intelectual
longe quanto a sua época e a sua geração. No plano do políti-
co, estão condenados à lógica e à dinâ mica do pensamento e -
teria de isolar se do condicionamento conservador, o que en-
volveria um mínimo de identificação, no plano prático, com
da ação conservadores, não podendo ultrapassar as suas aca- as implicações sociodinâmicas do avanço conseguido através
nhadas fronteiras. Tudo se desenrola como se eles comparti- do pensamento “abstrato” e “teórico” (em sentido revolucio-
lhassem, no íntimo, do af ã de resolver os problemas do “modo ná rio) .
melhor possível” ; e aceitassem, na pr ática, as “solu ções con-
cretas” compatíveis com o equilíbrio existente entre a ordem O fato é que isso não sucede comumente com os intelec-
social estabelecida e o monopólio conservador do poder. Esta- tuais dos estratos médios e altos das classes dominantes no
'

mos, portanto, diante de um fenômeno de dualidade ética, em Brasil e não ocorreu quanto aos intelectuais que compunham i;
que ao desdobramento de perspectivas sociais correspondem o GT da “Reforma Universitá ria”. Ao que parece, é visível
formas extremas de indulgência de ego em relação à “ razão que estes aceitaram e arcaram corajosamente com os ônus de
prática ”. O que nos interessa, nesse fenômeno, é o sentido sua posição conservadora, correspondendo sem vacilações aos
divergente das duas polarizaçõ es da ação social de ego ( como papéis sociais decorrentes, fazendo o jogo conservador com
um fazer, um consentir ou um omitir ) : 1) na medida em que désenvoltura ( como precisaria acontecer no contexto histórico
se afirma especificamente como letrado, o intelectual conser- atual, em que um Governo conservador, de origem espúria e
vador participa do momento histórico e pode romper, abstra- ultra-autoritário, tinha de se haver com “soluções concretas”
tamente, com a estrutura do pensamento conservador ; 2 ) na de problemas decorrentes das revoluções que as sociedades
medida em que atua como letrado pertencente ao mundo social modernas costumam atravessar na fase de integração nacio-
conservador, porém, ele se isola das pressões de ruptura vol- nal) . Por essa razão, a defasagem existente entre a consciên-
tadas contra o presente e se converte em simples produtor de cia abstrata da situação do ensino superior e a formalização
jurídico-política das solu ções recomendadas, nasce de uma
í

f órmulas, por meio das quais a atuação social conservadora é

210 211

í
í.

r V
decisão voluntá ria ( nã o importa que, em alguns, tenha preva- i crática. Ao aderir a uma crítica sistemática da situação do
lecido a vinculação conservadora ao velho estilo e, em outros, ensino superior que aparenta servir a estes dois propósitos, o
ela se estabelecesse através de uma conexão especificamente GT falseou sua posição e tomou-se arauto de uma causa que
burocrática e “moderna”, como produto de tendências tecno-
cráticas de servir a ordem social estabelecida da “melhor ma- não podia nem queria defender. Ele não chega a empulhar
ningu ém, já que nesta altura dos acontecimentos tanto os
neira possível”) . Ela merece, por isso mesmo, uma cr ítica bem o
“conservadores ”, quanto os “ radicais” sabem muito se
atenta e objetiva, que n ão deve parar nos limites do desmas-
caramento ideológico: impõe-se o repúdio franco e decidido.
que pretendem (e o que não consentem ) . Mas iludiu a si -
próprio, supondo que o avanço simulado seria aceito como um
Foi o “ jogo conservador ” que lançou o Brasil no caos em que progresso e teria o cond ão de iludir a coletividade, engendrando
f-
nos encontramos; dele nada podemos esperar de bom ou de uma evolução que jamais poderia emergir diretamente do
construtivo. Se ele tiver continuidade, principalmente se ele
conseguir renovar-se pela cooperação dos intelectuais, a socie-
consentimento conservador .
dade brasileira estará condenada ao subcapitalismo e aos dile- Quanto ao segundo ponto, embora seja f ácil explicar-se o
mas do subdesenvolvimento de modo permanente, como se verbalismo crítico e “ esclarecido” como mecanismo compen -
esse fosse o seu estado natural. Não podemos nem devemos satório e como recurso dissimulador, não há dúvida que se
lectuais, que introduzem a transação conservadora no âmago
-
silenciar diante de semelhante quadro. A capitula ção dos inte sai do terreno da imprudência para se cair no da impud ência!
O equacionamento da reforma universitá ria a partir de uma
simulação ( ou seja: de requisitos, valores e objetivos que só
i

dos processos políticos que permeiam a revolução nacional da


sociedade brasileira, e em particular quando isso se dá na seriam possíveis desde que se quebrasse a estrutura social exis-
esfera do ensino e da cultura, precisa ser repelida com extrema tente e se implantasse uma ordem social democrática na so -
firmeza e inflexibilidade. ciedade brasileira) , representa algo a que o GT não deveria
São dois os pontos que merecem ser postos em relevo nessa -
aventurar se. A reflexão mais ingénua, que se poderia suscitar,
consiste em que o controle conservador do poder está em crise
acusação frontal. Primeiro, como simples desmascaramento,
os dados falsos de uma consciência que se trai a si mesma, profunda e irreversível. Se ele precisa, para se manter, apelar
para servir à dinâ mica conservadora de preservação da ordem para a mentira sistemática, usando tortuosamente as f órmu-
social existente. Segundo, como den ú ncia, o caráter inconse- las e as “soluções” dos que o questionam, ele só existe como
produto da inércia histórico-social. Sabemos que isso n ão é
quente do verbalismo crítico “esclarecido”, mas historica-
mente vazio e inoperante, da equação conservadora da refor- verdade. O controle conservador do poder cresceu de vitalida -
ma universitá ria. de e aumentou de eficácia , gra ças principalmente à orientação
política predominante nas forças armadas, nos chamados
Quanto ao primeiro ponto, é inegável que o GT se prestou meios empresariais ( de origem nacional ou estrangeira ) e
a uma utilização chocante. J á que não podia superar as limi- nas inspirações tecnocráticas das novas classes médias em
tações do “ jogo conservador ”, teria sido mais prudente que ascensão social. O equilíbrio do poder conservador apenas se
se contivesse, no plano do diagnóstico global e dos problemas, redifiniu. Passou de um centro político quase exclusivo para
nos limites daquele jogo. Se existe poder que não carece de
autojustifica ção esse é o poder conservador, especialmente
um eixo político policêntrico: as formas oligárquicas de do -
minação foram absorvidas e reaglutinadas através de formas
quando ele está seguro de si gra ças a uma dada situa ção de plutocrá ticas de dominação, adaptadas ao exercício do poder
força. Sob o regime político atual, a equa çã o conservadora da sob o capitalismo, a sociedade de classes e o Estado nacional
reforma universit á ria prescindia de atavios embasbacantes, correspondente. Mediante os processos ocorridos, que os so-
sendo supérfluo o “esforço crítico” gasto na análise dos dile- ciólogos descrevem por meio de conceitos como racionali -
mas do ensino superior brasileiro. O propósito do Governo ( e,
através dele, das elites conservadoras no poder ) consiste em
zação, burocratização e tecnocracia, o poder conservador atua -
lizou-se e projetou-se no âmago das estruturas económicas,
se antecipar às pressões radicais de mudança educacional, que sociais e políticas em transformação. Em síntese, em vez de
-
visam associar a inovaçã o institucional à destruição da estru ser destruído com as “ estruturas arcaicas ” da sociedade brasi-
tura social existente e à criação de uma ordem social demo- leira, ameaça a forma ção e o crescimento das “ novas estrutu -
212 213
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ras”, imprimindo lhes a xnarca de suas limitações e das ini -


qúidades sociais sobre que se assenta. Está claro que, em se--
melhoria da organizaçã o, funcionamento, rendimento e cres-
I
:
?
cimento das universidades, encaradas como “ universidades 5
melhante contexto hist órico-social, o poder conservador só se integradas e multifuncionais” (ou seja, em termos dos alvos ;
renova e se revitaliza mediante o desencadeamento de influên- s-
que se impõem ao processo de reconstrução educacional ao
cias do tipo das que pretende atingir e exercer graças ao GT
da “reforma universitária”. Mas, para isso, não precisa apelar f nível do ensino superior ) . Foram selecionados, para exposição,
para a fraseologia, os diagnósticos e as solu ções das correntes
í.
'
apenas os tópicos mais relevantes.
i. i
com que se defronta na cena histórica. Se o fizesse, estaria Por mais severas que sejam as críticas a serem feitas à
-
í
traindo-se e, ao mesmo tempo, arriscando se. Propaganda, !• :
natureza e às implicações tecnicistas ( ou tecnocráticas ) das
comunicação e inculcamento não são fenômenos automáticos, orientações dominantes no GT, uma coisa é patente. Pela pri- 1
de circuito fechado. Os fins do pensamento socialmente con- ?i meira vez se tenta equacionar os problemas do ensino superior
! servador não servem aos fins do pensamento socialmente revo- tendo-se em vista rela ções entre meios e fins, questões de
lucioná rio ( e vice-versa) . Para que o Governo atual pudesse
i
:
! custeio e de captação de recursos, problemas de crescimento
1 atrair para si os “ n úcleos radicais ” e o imenso “centro vaci- i e de programaçã o ou planejamento educacionais. Infelizmen-
lante”, ele teria de agir revolucionariamente: pelo menos, te, não se foi tão longe quanto se deveria e o essencial fica
teria de avançar até a “ revolução dentro da ordem”, que ele por fazer. Todavia, as recomendações do GT representam, por
repudiou ao confundir manifestações normais de “desenvol- si mesmas e por suas consequências acumulativas (se forem
vimentismo”, de “nacionalismo” e de “humanitarismo” com i
conduzidas à prá tica e se rotinizarem ) , um primeiro passo na
u
“subversão dirigida de fora ”. Portanto, o Governo não dis- direção do caminho certo. Os anteprojetos de lei, que criam o
põe de condições para realizar a façanha pressuposta pelo i Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, regulam os
i

1
ij verbalismo crítico e pelo radicalismo simulado do GT e o que incentivos fiscais para o desenvolvimento da educação, insti- i
5
fica, no conjunto, é uma tentativa de empulhação que confun- tuem um adicional sobre o imposto de renda de pessoas resi - !
k
de a juventude e a Nação, mas à custa da desmoralização do dentes no estrangeiro, utilizável na expansão da pesquisa fun-
tfi
i•

. Governo e do poder político que ele encarna. I


1 damental e aplicada, reservam 20 % do Fundo Especial da Lo- í
:i
teria Federal para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da , í;

Educação, bem como o anteprojeto de decreto que dispõe sobre


r

i
Os Avanços da Reforma Universitá ria Consentida a assistência financeira da União aos estados, Distrito Federal
e municípios em base de responsabilidades recíprocas contêm i
O que h á de melhor, no “Relat ório”, como já foi indicado, as principais inovações sugeridas pelo GT. Embora seja um
tratando-se de um país com
é a análise geral da situação do ensino superior e da significa
ção do “ repert ório de solu ções concretas” nele apresentadas . 1
- começo relativamente pobre
longa experiência de oficialização do ensino e ampla rede
1


;j

I Entre estas, algumas supõem, no entanto, um avanço real na oficial de ensino público esses instrumentos legais suscitam
í|
maneira de ver, explicar e tentar controlar os problemas com condições que permitirão romper alguns “estrangulamentos”
que nos defrontamos com refer ência ao ensino superior. É a na á rea das dotações orçamentárias destinadas à expansão i

partir de tais avanços, naturalmente, que se obtém a melhor do ensino, da pesquisa científica e da modernização tecnoló-
perspectiva para se avaliar, realisticamente, a parte positiva gica. O mesmo se poderia dizer do anteprojeto de decreto que
da contribuição do GT. exclui as dotações orçamentá rias do Ministério de Educação
i

É evidente que qualquer avaliação, negativista ou apolo-


e Cultura dos planos de contenção, se ele não se aplicasse
>
gética, é sempre relativa. Depende muito da própria posição apenas aos exercícios de 1969 e 1970 e se o atual Governo não '!
i:
1: estivesse obrigado a responder por danos irreparáveis, que J
L do sujeito em face da realidade que se considere. Para fins da ocasionou ao cortar e ao imobilizar recursos destinados à edu-
presente discussão, o critério que orienta a avaliação diz res- cação. 8
peito às potencialidades das soluções recomendadas quanto à
8 Sobre os anteprojetos de leis e de decretos, cf . “Relaifirio”, pp. 83-90,
7 Conforme indicação da nota anterior . 103-104 e 102; e “Expansão do Ensino Superior” , passim.
!

3) O que há de melhor é a análise geral da situação do ensino superior no Br. e da significa-


S
214 ção do “repertório de soluções concretas” nele apresentada. 215
i

Avanços:
w W - -" ~
1
r.B
2 4

I: Outro ponto altamente positivo do mesmo anteprojeto


As sugest ões relacionadas com o regime de trabalho do
cente e, em particular, com a implantação do Regime de De-
- 6
de lei refere-se à constituição de um primeiro ciclo geral, pre-
dicação Exclusiva para o magistério superior federal possuem cedendo aos estudos profissionais de graduação e à instituição
import â ncia equivalente à das recomendações mencionadas. o de cursos profissionais de nível superior, mas de curta dura-
Na verdade, mais que a cátedra, o apinhamento de ocupações ção. As funções do ciclo geral foram definidas com notável
:
e atribuições foi o verdadeiro fator sociopático que perverteu í precisão ( recuperação de insuficiências existentes na forma-
ção dos alunos; orientação para a escolha de carreiras; e aqui-
as antigas escolas superiores e impediu que elas se.tornassem
instituições escolares dotadas de dinamismos educacionais cons-
b
sição de conhecimentos e aptidões básicos para os ciclos ulte-
trutivos. O professor catedrá tico e os seus colaboradores rara - r. ' t .
riores) A introdução de cursos profissionais de curta dura-
ção, em nível superior, constitui uma visível e urgente neces-
mente eram universitá rios e, nessa qualidade, docentes ou pes-
quisadores. Eles eram sobretudo profissionais liberais que se : ferir para o ensino médio uma porção de funções que ele
-
sidade. O ideal seria descongestionar o ensino superior e trans
ditinguem de seus colegas e que se voltavam ao “mister de li;!
ensinar” de modo precá rio. Enquanto nã o se extinguir essa
í
i; absorveu indevidamente, que o sobrecarregam e conduzem a
formas de avaliação que obrigam a comunidade a pagar mais
y

anomalia, do professor que se ocupa do ensino superior “por por certos serviços. Enquanto n ão se faz isso, as duas medidas
bico” ou “ por distração”, não se poderá esperar melhoria, dife-
rencia ção e expansão do ensino, intensificaçã o da pesquisa ou
poder ão concorrer para aliviar a carga negativa de nossa he -
rança educacional. O ciclo geral permitirá corrigir muitos dos
criaçã o de uma aut êntica mentalidade universitá ria de padr ão
cient ífico. O GT andou bem ao imprimir a esse requisito de i
defeitos mais nocivos das antigas escolas superiores “especia-
lizadas” e “isoladas”, dando maior ênfase à participação da
-
ordem estrutural funcional uma import ância equivalente aos
requisitos materiais e financeiros da organização do ensino e
*i:
t universidade como um todo. Os cursos de curta duraçã o pro-
ç
duzirã o um impacto sério sobre o car áter monolítico do nosso
da pesquisa. 3 í ensino superior, estimulando a ruína da “aristccratização” das íii
O anteprojeto de lei que fixa normas de organização do i; profissões liberais e favorecendo uma nova tend ência de incen - I
ensino superior 10 concatena, por sua vez, um conjunto de ino- tivo à formaçã o de profissionais de nível intermediário.
va ções produtivas. A mais importante, sem d úvida, é a que se /Os artigos 12 e 24, por sua vez, merecem apoio especial.
-

O primeiro, embora não prescreva as inova ções profundas que 5


*
relaciona com o estabelecido no artigo 33, que permite redefi R
nir e reorientar o ensino de segundo grau. De acordo com as são necessárias, estabelece que na composição dos colegiados,'
normas recomendadas, o “ gin ásio comum” e o “ colégio inte - da administração superior das universidades ou estabelecimen
tos isolados de ensino superior, deve-se excluir “a preponde
-- tf
ii
!>

grado” passariam a desenvolver, ao lado da educa ção geral,
uma educação especial, capaz de absorver formas de trabalho rância de professores classificados em determinado nível” .
Precisava-se de algo mais fortè e preciso, que extinguisse de
dirigidas para o amadurecimento dos alunos. Parece óbvio
que a insistência em manter a atual estrutura, obsoleta e im- vez o controle unilateral dos colegiados pelos professores ca -
tedr áticos. Ainda assim, trata-se de uma formulação modera-
:
; !i
produtiva, do ensino médio, tem sido a causa de incalculáveis tf
prejuízos. O ideal seria que o GT evoluísse até mexer nesse da que poderá ser muito útil, se posta em prática de maneira
ponto nevrálgico, alterando de vez as funções desse ensino e decidida. O segundo propõe três disposições essenciais: em ií
suas conexões com o ensino superior. Como não podia ir tão cada nível da carreira deve existir mais de um professor; os
longe, devemos encarar as inova ções recomendadas à luz de encargos docentes e de pesquisas devem ser distribuídos pelos ?

suas consequências, que serão certamente muito boas, se


i
departamentos; e a extinção das cátedras. Todas essas medi-
.
forem implantadas de fato Pelo menos, algo de concreto po- da eram reclamadas com muita insistência. O ideal seria que, H
ao nível final da carreira, se determinassem que existissem
-
derá suceder, ligando se o ginásio e o colégio aos marcos da
civilizaçã o urbano-industrial e à valorização do homem por tantos professores quantos forem necessários, a critério dos !j
sua capacitação para o trabalho. departamentos; essa é a norma seguida nas melhores uni-
versidades do mundo e parece ser o único caminho para a
9 Cf . “Relatório”, pp. 96-98. 1

li Artigo 15 do referido anteprojeto de lei. : '


i
° Cf : “Relatório”, pp . 65-75. I

216 217
!.
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eliminação definitiva do monopólio do poder por um reduzido ção dos exames de ingresso. Enquanto esta forma de seleção
n úmero de professores. A seu modo, porém, a solu ção adotada n ão puder ser abolida, o que vem a ser o ideal, mas é inexe-
!i
constitui um primeiro passo nessa direção. As demais medi-
(•
quível atualmente, ambas as medidas se tornam necessá rias 5

das possuem uma import ância intrínseca que dispensa co- e úteis. O segundo fixa em 180 dias, excluído o tempo gasto ;;

na realização de provas ou exames, a duração do ano letivo


í.
mentá rios.
O artigo 29, que regula a participação e a representa ção
6
regular e remove sua coincidência com o ano civil. Trata se -
estudantil nos órgãos colegiados das universidades e dos esta - de uma solução construtiva, que libera as escolas de praxes
belecimentos isolados de ensino superior, apresenta real avan- que dificultavam a distribuição e a utilização racionais do
ço sobre as disposições oficiais anteriores. O despotismo da tempo na organização do trabalho didático. Além disso, a pro-
i

cátedra, expressã o pouco feliz mas difundida, era um despo- posta de execução de programas especiais, nos períodos inters-
J tismo das elites culturais e um despotismo das gera ções mais ticiais, permite reduzir ou eliminar a atual capacidade ociosa ,
velhas ( quase como um despotismo gerontocrático ) . Os jovens existente no uso efetivo dos recursos educacionais mobilizados
;í — nã o só os jovens estudantes — n ão possuíam qualquer par-
ticipação responsável e ativa nos papéis intelectuais que en -
culturalmente. O mais indicado, em nossos dias, seria que
adotássemos práticas mais racionais, que levem à intensifica
- se que pas
-
-
volvessem probabilidades de decisão e de liderança. Em con - V
ção do uso desses fatores. Sob esse aspecto
ano
, imp õ e
, at é pelo
sequência, o estudante fora banido de tais papéis e a repre- semos a considerar uma extens ã o do letivo
érias, a
sentação simb ólica que conquistou tinha o cará ter de uma. menos 3 /4 do ano civil (o que deixaria três meses de fcia
ironia, pois consagrava cruamente o seu caráter acessório e f serem distribuídas de acordo com prefer
'

:
ê ncias
como
sociais
as “ f érias
cole-
de
in ócuo. Por essas razões, o corpo desse artigo traduz uma tividade, que nã o podem ser alteradas
mudan ça fundamental de atitudes nos círculos oficiais. Na julho ” e as “f érias de fim e come ç o de ano ” ) . Enquanto uma
evolução dessas proporções não se concretizar, as
disposições 9
situação atual, a solução proposta , de representação propor-
.

cionar a 1/5 dos colegiados e comissões, parecer á irrisória.


!

recomendadas pelo GT representam o avan ço poss ível de efei - /.i 1


!
Hl
I

Os estudantes e os professores que defendem inovações mais tos previsíveis mais produtivos .
l
profundas se empenham pela total democratizaçã o da estru- Por fim, os artigos 28 e 32 sugerem normas sujeitas
a
tura e funcionamento de colegiados e comissões; para eles, o controvérsias, mas desejá veis. O primeiro , por instituir normas 8

VI
certo, o justo e o desejável seria a universaliza ção da paridade. que ajustam a legisla ção trabalhista às condições de carreira
Não obstante, não se deve subestimar o alcance da sugestã o 1 aspectos
inerentes ao magistério superior. Além dos demaisà^ luz dos
-
do GT nem entend ê la , pura e simplesmente, como uma con- positivos da inovaçã o, que preeisam ser encarados ..T

cessã o tardia. Ao que parece, está-se operando uma evolução seleçã^ o, nomea-
i

- vícios que corroem os modelos existentes deque


•' V

lenta e surda, que leva os espíritos a disposições mais avan ção e efetiva ção, é de se salientar o artigo exclui a esta-
çadas e aparentemente audaciosas. O pensamento conserva- estabili-
bilidade nos casos de interinidade e substitui o. Ada admis çã
dor não poderia ser imune a essa evolução. É típico do seu
dade é, portanto, condicionada “ à natureza efetiva - !
estilo de açao aceitar as inovações inevitáveis, reduzindo as apu-

suas proporções ou neutralizando sua impetuosidade. No caso, são” e à “satisfação de requisitos especiais de.capacidade , por
rados segundo as normas pr ó prias do ensino ” O segundo ,!

houve uma aceitação aberta do princípio da representação !


ento de
estudantil maciça , mas redefinido em termos da concepção propor o regime de monitoria, visando ao aproveitam seria que
i

vocações excepcionais. Nesse particular , o desej á vel


conservadora do poder e do mundo. Em vista do obscurantis- nos alunos dos cursos p ós-
o aproveitamento apenas incidisse
?

mo de nossas elites culturais e das origens do atual Governo, que o estabeleceu .



a medida proposta cont ém, em si mesma e por suas impli - graduados, ao contrá rio do GT
ém pos-
ca ções, um significado positivo evidente. Algumas recomendações, de menor alcance, tamb
"
i.

por
Os artigos 14 e 19 sugerem disposi ções de patente racio- 7 suem evidente teor positivo. Entram nessa categoria ^
çã o de

!'
nalidade. O primeiro determina que o concurso vestibular se exemplo, o anteprojeto de lei que estipula a constituipúblico
1

comissões de especialistas, para assessorarem o poder i


adapte ao nível de complexidade do ensino de segundo grau

çoamento
e estabelece crit érios satisfat órios para a progressiva unifica- sobre as melhores formas para incentivar o aperfei
219
218

k.
h
í i

duas
No conjunto, as ponderações arroladas demonstraminjun
i ••
de pessoal de nível superior, de expansão de profissões de
maior interesse para o Pa ís ou determinadas regiões etc. coisas. Primeiro, ao n ível “ especificamente té cnico ”, as
do atual
-
ções do controle conservador e das diretrizes políticas
9
( embora fosse desejável que se prevesse a colabora ção do
CAPES nesses objetivos) ; o anteprojeto de decreto que torna Governo não prejudicaram substancialmente o GT . Nesse
é patente e , ao mesmo
praticamente compulsória a prestação de informações sobre o nível, o seu esforço modernizador
ensino superior ao IBGE ( medida de grande alcance, por tempo, construtivo. Segundo , pondo se - de lado restri
sugere
çõ
que
es ou
boa
causa da importância da atualização das estat ísticas educa- avalia ções de caráter político, o saldo positivo do GT procede
cionais para a programação e o planejamento educacionais, parte das deficiências da contribui çã o efetiva
ção insuperável
a curto e a largo prazo) ; a recomendação número 1, que trata da drástica limitação de tempo e da improvisa que instituiu
da racionalização administrativa das universidades e estabele- a que se viu condenado pelo pr ó prio decreto
, ele ficou
cimentos isolados de ensino superior, com implantação de me- sua existência, atribuições e composição. Terceiro porque não foi
canismos de planejamento e de financiamento de programas aquém das expectativas e das necessidades
universit á ria propriamente dita,
( embora as sugestões sejam por demais gerais e os resultados criado para tratar da reforma
dependam de práticas que não foram instituídas) ; a recomen- ao nível em que ela constitui um processo institucional mas ,
daçã o número 2, que incentiva a restauração de comissões de de certas normas gerais que a organiza çã o do ensino superior
í gerais à possibilidade e ao
especialistas, adaptadas às condições novas, para prestar assis- parece associar, em planos muito ,
que as
tência técnica em vários níveis (ao Conselho Federal de Edu- andamento da reforma universit á ria . Da í resultou
universidades nunca foram consideradas nas condi çõ es locais
! cação, à Diretória do Ensino Superior, às universidades e esta-
belecimentos isolados de ensino superior) ; a recomendação e institucionais de sua organizaçã o, funcionamento
e desen- ;
sua integra çã o a unidades sócio-
n úmero 3, que resvala numa impertinência, mas que era ne - volvimento, e nos quadros de nível
culturais regionais ou à comunidade nacional.como realidade É nesse
cessária, propondo continuidade à realização das tarefas do aparece
que “a universidade de carne e osso” I
Conselho Federal de Educação (apenas seria desejável que a
recomendação fosse generalizada a outros órgãos, inclusive do
Minist ério de Educaçã o e Cultura) . 12 Com referência a esses
educacional, cultural e histórica
percebida como objeto de nossas
—e na qual ela deve ser
insatisfa ções, modificada K
i í!

tópicos, de grande complexidade, as sugestões ficam a meio para atingir novos objetivos e novas fun çõ es ou entendida !

como parte dos recursos essenciais da sociedade brasileira na


caminho: o 'avanço preconizado ou amparado é antes inspi-
rativo, que de base institucional. Todavia, aí o GT dificil- luta contra o subdesenvolvimento , ou
e
seja
í
.
tica
na
.
luta
N ã o
por sua
podendo
a
mente poderia ir mais longe. A passagem da era da escola autonomização cultural econ ó mica pol
ção con-
, li

superior isolada para a da universidade integrada exige uma -


ajustar se às tarefas que se impõem a partir da situa
creta e da transformação interna da universidade , a contri- kí
profunda mudança de estilo e de hábitos de trabalho. Seria de v á rias maneiras ;
buiçã o do GT não é inútil como sugerimos
preciso mexer com concepções arraigadas na esfera do ensino,
,

mas falha no que nos é mais importante no momento ; e de-


: corri-
da pesquisa e da administração, o que não é tarefa a ser ela
borada em poucos dias e que não pode apoiar-se apenas em
- gir as inconsistências institucionais das poderiam universidades
conduzir à
li
»
, os processos que
L
. dentro delas
requisitos legais. Nesse nível estão as transformações verda - senvolver
sua reconstrução e à revolu çã o do seu rendimento no ensino,
deiramente essenciais, de reconstrução da universidade bra - • na pesquisa científica ou
tecnológica e na produçã o de conhe-
sileira, e que terão de emergir da atividade cotidiana de pro
fessores, alunos e administradores. Salvo num ou noutro ponto,
- cimentos originais em todos os ramos do saber. í\
\

que se impunha a proposição de normas suscetíveis de institu


cionalizar e intensificar o desenvolvimento da programa çã o,
- ? :
i

!sr
r

-
As Limitações da Reforma Universitária Consentida
.

i ;•
do planejamento e do crescimento coordenado, o GT não tinha IIi
;
nem condições nem elementos para fazer muito mais do •
I
ão levadas em
que fez. Nesta parte do presente balanço apenas ser através ií ti
12 A respeito dos anteprojetos de decretos e das recomendações men- conta as limitações que podem ser particularizadas
pelo GT . N ão serão
cionadas, cf . "Relatório”, pp. 105-106 e 109-112. das sugestões e recomenda ções feitas
221
220

L
!i

5) Concepção de universidade e como deveria ser uma reforma univ.

postas em evidência as soluções que seriam necessárias ou eem à realidade cambiante e se determinarão em função de
ideais, mas que não entraram nas cogitações dessa comiss ão. contextos históricos, que não temos condições de pré-fabricar.
Antes de iniciar tal discussão, porém, impõe-se situar, de r
O início do processo, o que se deve fazer no “aqui” e “agora” ,
modo pr évio, o que poderia ser considerado como o calcanhar
“ principalmente o que se deve fazer para que a universidade
de Aquiles” do labor intelectual realizado. se constitua como tal e se incorpore aos dinamismos educacio-
Apesar das belas frases, que evocam a universidade como í nais e culturais da sociedade brasileira, isso está ao nosso
“uma vontade e um espírito originários de seu próprio ser ”, alcance e deve ser o ponto de partida da evolução mais ampla.
que falam dela como uma “universidade atuante” ou “crítica A reforma universitária não é um exercício de intelectuais.
e que reputam ser essencial sua “ organicidade de ” Ela é um movimento hist órico-social: traz em seu bojo as
estrutura ”, configurações de um querer coletivo, que se equaciona atual-
o que prevalece, nas sugestões práticas, é uma visão atomizada,
-
instrumentalista e oportunista, de um imediatismo contrapro
ducente. Na verdade, o GT não se preocupou, de fato, com a
mente através de fortes frustrações e de grandes esperanças
da juventude e de alguns círculos de cientistas, educadores
homens de açã o. Mas em breve ela se depurará dos elemen-
j;
4) GT não pensou universidade nem com o problema de como orientar a reforma e
em uma nova universitária para chegarmos às suas variantes brasileiras t tos de tensã o, que nascem de rea ções psicológicas e sociais
universidade,
efetivas; a sua focalização reduziu-se, de maneira clara, a cer- negativas, dirigidas contra a deficiente herança educacional
urgentes, realista, tas preocupa ções centrais , que fazem da “ universidade brasi que recebemos, e ganhará novos elemento de tensão, social-
mas reformas

leira ” mera agência do ensino superior. Por isso, cingiu-se à


medidas operacionais
- i mente construtivos, que estarão voltados para a fase criadora
tarefa de sistematizar preceitos que definem, propriamente e de elabora ção institucional do tipo de universidade de que
falando, os requisitos formais de organização e funcionamento carecemos e que desejamos historicamente. Desse ângulo, a !

prefiguração do modelo de universidade que pretendemos


;
do ensino superior. Sob a pressuposição de que não lhe cabia s
“traçar os delineamentos de uma reforma”, mas “ propor um atingir e as variações que ele deve sofrer na prática, por
motivos estratégicos, por escassez de recursos materiais e 1!
repertório de soluções realistas e de medidas operacionais”, 13
3
deixou de lado a construção de um prot ótipo da universidade, humanos ou por imposição passageira de nossas tradições :1

culturais, constitui a primeira etapa verdadeiramente crucial


;
que respondesse simultaneamente a requisitos estruturais e
dinâmicos do padrão vigente de civilização urbano-industrial e revolucioná ria da passagem da em dà escola superior para a
era da universidade no Brasil.
í
'
.\ e atendesse às potencialidades brasileiras de concretizá-lo
historicamente, a curto ou a longo prazo e segundo uma linha Universidade ausente A ausência dessa preocupação substancial fez com que a
-
!
de variações regionais. O GT tem plena razão quando se universidade não esteja presente no “Relatório” como reali
precavê contra expectativas exageradas, frisando que não lhe
cabia “outorgar uma reforma plenamente elaborada”, pois a -
dade histórico social: ou seja, como expressão e objetivaçâo
de uma forma de querer social; capaz de ligar diferentes cate-
universidade brasileira será, como instituição, aquilo que a gorias de homens a determinados objetivos comuns. Fala-se,
sociedade brasileira souber fazer dela. No entanto, nunca
chegaremos a esse fim, se não fizermos, como outros povos,
nele, na “tríplice relação dialética ”, que articula a Universi -
dade às for ças que atuam dentro dela própria, ao Estado e à
certas opções fundamentais e que exigem a construção do sociedade inclusiva Esse “tríplice diálogo”, contudo, pode
modelo de universidade que pretendemos alcançar e as vias
possíveis (ou ao nosso alcance ) para colocá-lo em prática. -
ocorrer ou não, desencadear se com maior ou menor intensi -
dade, produzir efeitos construtivos ou desintegradores etc.,
Depois do malogro da escola superior tradicional e do suce-
dâ neo conglomerado que lhe sucedeu, que batizamos de “ uni-
em função da capacidade da universidade de afirmar-se, histo
-
-
ricamente, como instituição educacional, cultural e socialmen
versidade” por falta de imaginação e de experiência históricas, te válida. Sob esse ponto de vista, o modelo ideal, para o qual
i

os debates voltam-se, forçosamente, para o modo de organizar deve tender o esforço de construção, de aperfeiçoamento e
a universidade e de convertê-la em um todo integrado e multi- desenvolvimento das universidades brasileiras, n ã o constitui
funcional. Não se podem predeterminar os rumos e as conse- um dado secundá rio ou irrelevante. Acresce que, em um país
quências últimas da reforma universitária; eles é que perten- como o Brasil, t ão afetado pela distribuição desigual dos
13 “Relatório”, p. 15 ( trecho já citado
acima ) . recursos educacionais em escala regional, o referido modelo
â
222 223
M

A
;i f
lj

vem a ser básico para a determinação de certos mínimos (de interna da universidade , ou seja, como processo de mudança
organização, de rendimento e de crescimento) de cará ter uni- institucional. A razão dessa omissão é clara. O GT entendeu
versal. Isso não significaria ceder a alvos ilusórios. Mas pre- i
que essa reforma já estava feita e implantada, graças aos
parar o homem para se sobrepor aos limites das variações decretos-leis mencionados ( n.°s 53 e 252 ) do Governo Castelo
regionais e para controlar as inconsistências institucionais
de nossas universidades, mobilizando os recursos educacionais
Branco. Ora, mesmo que se admitisse isso — com o que
nenhum educador, cientista ou técnico poderia concordar! —
disponíveis de modo eficiente e corrigindo as falhas que proce- os dois decretos exigiam tanto a reformulação sistem ática
l dem da estrutura da distribuição da renda ou da cultura quanto ò aperfeiçoamento dos requisitos estruturais, funcio-
e do mau uso ( ou da subutilização) das universidades como nais e de crescimento da universidade brasileira para que
i

í
instituições sociais. pudessem ter validade hist órica e eficácia prática. Eles fica-
Projeto realista de f
reforma univ. Dessa perspectiva, a primeira exigência de um projeto rea- ram e pairam no domínio da “reforma no papel”, porque não *

! 1ª
lista de reforma universitária consistiria em caracterizar o se encadearam à transformação das universidades existentes I
prot ótipo da universidade que devemos construir no Brasil ; a partir de dentro; suas inovações caíram no vazio, porque S1 1í
l.°) para aproveitar melhor os recursos materiais e humanos não tinham como alterar a realidade: impuseram apenas
-
i

novas normas gerais, que n ã o foram nem podiam ser dina-


t ill\
3
' que devotamos à educação escolarizada; 2.° ) para realizar com \
3 maior eficácia as funções que a universidade deve preencher
í
mizadas pelos agentes humanos que operam concretamente,
em nossas comunidades, sob o padrão vigente de civilizaçã o. como estudantes, professores ou administradores, essas insti- i!-
A segunda exig ência seria de projetar esse prot ótipo no espaço tuições. O que é preciso, no momento, é pôr em evidência o que 1

i
ú

geográfico, económico e sócio-cultural dentro do qual existi- resultou dessa atitude omissa do GT. Em vez de sugerir um I

mos, o qual converte o Brasil numa sociedade nacional que novo sistema de referência autónomo para a reforma universi-
!
vive em várias idades históricas e necessita do ensino, da pes-
quisa científica e tecnológica, bem como do pensamento críti-
tária, ele se enquadrou à concepção conservadora de que se
pode transformar a universidade por meios burocráticos, con- vi
i
- i

I
co, para homogeneizar o seu tempo histórico e para criar vertendo-a numa reforma jurídica difusa, e mantendo-a presa ,:J
!

novos ritmos de tempo, impostos pelas recentes tendências da à tutelagem sufocante de outros poderes, que lhe são externos i -í
:ij
civilizaçã o urbano-industrial e pela atual conjuntura interna- e, com frequência, mais ou menos adversos. É curioso como v !i

isso sucede. Em todos os pontos vitais para a existência, o


d.
cional. Tal projeção levaria, naturalmente, a diversas apro- Pí
ximações, mais ou menos distantes do modelo ideal ( pelo aperfeiçoamento e o desenvolvimento de universidades verda- : [

menos dadas certas condições possíveis de sua aplicação e


i
deiramente dinâmicas e autónomas, mantêm-se a situação \
'

durante fases demarcáveis de transição) . Entretanto, ela preexistente de dependência crónica e total diante do “ poder
]

teria a vantagem de nos garantir que, em cada situação dis- estabelecido” ou forjam-se noyos laços de dependência extre- :íí
4
tinta, não se estaria perpetuando o passado no presente e se ,
ma em face desse mesmo poder, como se o GT tivesse por
devastando recursos educacionais escassos, mas lutando-se :. objetivo político neutralizar a universidade brasileira, canali-
pelo futuro e por outra realidade educacional. Não há sentido zando as alterações em processo de modo a torná-la o equiva- $
lente funcional e hist órico da antiga escola superior: uma
!) 'i
!
•lií
em se falar de “ universidade atuante” ou em “dialética”, como ! "
•!

universidade apenas no nome, sem consciência de si mesma e li


l se faz no “Relatório”, se essa não for a hipótese escolhida.
Na concretização do modelo ideal ou do protótipo de univer- ! de suas quatro missões fundamentais, dirigida e controlada I
li í
sidade que podemos perfilhar atualmente, como povo, as uni- I a partir de fora. Em suma, uma força educacional e cultural
versidades brotariam de exigências profundas da sociedade pulverizada, inoperante e espontaneamente submissa aos inte - •
I
Íí

í brasileira, segundo vasta gama de variações previsíveis, mas resses conservadores das elites no poder.
com um mesmo poder fundamental de conduzir o Brasil a A ausência de uma concepção definida do que deve ser i!!í
t

formas de autoconsciência e de autonomizaçã o cultural que i


uma universidade, ao mesmo tempo autónoma, integrada, I
são essenciais para a conclusão de sua revolução nacional. í:
multifuncional e crítica, fica evidente nas solu ções dadas aos '
l
De fato, o GT fugiu à parte central de sua tarefa, de de- problemas concernentes à implantação e ao fomento dos cur- ; ;;
1

linear a reforma universitá ria concebida como transformação !


h-
iV
- sos pós-graduados. A criação e a expansão desses cursos, em
!
224 225 H;
K ;!
;• !i
1 a

',‘ i
w ri
.

institui os Centros Regionais de Pós-Gradua çã o encerra o


15
muitas regiões do País, esbarram com dificuldades ( desde a
1 escassez de recursos materiais e humanos em proporções ade- assunto. “ Considerando a necessidade de se promover a im-
quadas at é a exist ência de um patamar educacional para o plantação sistemá tica dos cursos de pós-graduação e que as
florescimento da experiência, a falta de um horizonte intelec - universidades nacionais, na conjuntura atual, não dispõe de
recursos humanos e materiais suficientes que lhes permitam
i

tual médio apropriado, o desenvolvimento insuficiente do sis-


tema de papéis e relações sociais criado pela ciência e pela criar tais cursos, nos diferentes campos de conhecimentos, ao
tecnologia científica etc.) . Todavia, quando se fala de estran- nível correspondente à natureza e aos objetivos da pós-gradua-
gulamentos educacionais e de tipos de desenvolvimentos que ção”, propõe a criação, mediante convénios, de Centros Regio-
são cruciais para a autonomização progressiva da sociedade nais de Fós-Graduação! O artigo 2.° desse anteprojeto dispõe,
brasileira, esse é um caso exemplar. N ão teremos universi - por sua vez, que “ ao Conselho Nacional de Pesquisas, além
dades dignas dessa qualificação enquanto elas nã o se diferen- de suas atuais funções, compete adotar as providências para
ciarem e não tiverem condições para produzir um ensino pós- que sejam criados os Centros Regionais de Pós-Graduação na i

graduado pelo menos de bom nível. Trata -se, pois, de uma di - forma definida neste decreto”, O artigo 3.° acrescenta que a

Bí -
ferenciação estrutural funcional; de um desenvolvimento ins
titucional que tem de ser feito no interior da universidade, de
- escolha da instituição que poder á receber tais centros ser á
feita pelo mesmo Conselho. Para completar esse apanhado,
um crescer de dentro para fora. Jamais liquidaremos os in- eis o que reza o artigo 5.°: “no processo de instala ção dos
i convenientes do antigo padr ão brasileiro de escola superior e Centros Regionais de Pós-Graduação, o Conselho Nacional de ')
da universidade conglomerada se nã o conseguirmos introduzir Pesquisa se articulará principalmente com o Conselho Federal
Íí e fomentar esses processo no seio das universidades brasilei- de Educacã o, a Coordenação do Aperfeiçoamento do Pessoal
.
ras Através desses cursos irão operar-se, gradativamente, a para o Ensino Superior (CAPES) e o Fundo do Desenvolvi-
*r intensificação de pessoal especializado do mais alto n ível, a - -
mento Técnico Cient ífico (FUNTEC) ”. Trata se de uma
autêntica enormidade. No momento em que se deveria pre -
consolidaçã o de uma nova mentalidade universitá ria adaptada
parar e estimular uma diferenciação fundamental da uni-
I •

à era da ciência e da tecnologia científica, o despojamento


paulatino de velhos hábitos intelectuais improdutivos e o de- versidade, engendra-se um processo burocr ático e tecnocrá tico,
sencadeamento da revolução intelectual que serve de suporte que tolhe o salto para a frente. A função é absorvida por
ao pensamento, inventivo na ciência e na tecnologia científica . outros organismos. Como se isso não bastasse, conferem-se
IÍ A maneira pela qual tais problemas foram encarados e aos centros de pós-graduação, assim instituídos, a incumbência
' il
resolvidos demonstra o que o GT pretendia e serve, portanto, de realizar cursos de mestrado e de doutorado e de atribuir as
como um teste crítico decisivo. O artigo 27 do anteprojeto referidas qualifica ções! A propalada “ universidade orgânica”,
de lei sobre o ensino superior preceitua: “ As universidades e “ atuante”, “ crítica”, em “ relação dialética” consigo mesma ,o
como
os estabelecimentos isolados dever ão facilitar e incentivar o Estado e a sociedade, aparé ce em toda a sua plenitude
uma universidade castrada e sem autodeterminação , tolhida
aperfeiçoamento de seu pessoal docente, por meio de frequ ên-
mesmo na realização de suas funções normais em qualquer :


cia a cursos e estágios por eles promovidos ou realizados em
i
?!
outras instituições, em função de critérios ,estabelecidos, soli- “país civilizado”, capitalista ou socialista.
a solução dada à implantação e

!l
dariamente, pelo Conselho Federal de Educação e pelo Conse- O exemplo escolhido !i
lho Nacional de Pesquisas ”. 14 Em resumo, as universidades fomento dos cursos de pós-graduaçã o evidencia que o GT,
ou estabelecimentos isolados que já lograram um mínimo de em vez de perfilhar a concep çã o correta , que nos levaria a i.íi
X
ii í ima universidade de tipo moderno e apta para preencher as
:
expansão não encontrar ão fortes obstáculos à implantação l
.
de cursos pós-graduados Contudo, o anteprojeto de lei não funções que lhe cabem no atual cenário brasileiro, preferiu
delimita nem ampara o processo e, indo mais longe, transfere fazer da “ reforma universitária” um meio de deprimir e distor-
|P cer o funcionamento e o crescimento daquela instituição.
para “outras instituições ” uma fun ção que deveria crescer e
-
expandir se dentro da universidade. Embora seja de pasmar, Não se pretende fortalecer a universidade, para que possa
ser um nicho do pensamento criador independente. Mas pul-
.V
1 S '
o GT completou o circuito. O anteprojeto de decreto que i
14 Idem, p. 71. Idem, pp. 93-95 . i
tf !

226
227 H!
: 1 '

K
ms-
r
6) sem revolução democrática é impossí-
vel qualquer reforma universitária

verizá-la e destruí-la. Atrás de uma aparente audá cia revolu- ma educacional de significação nacional poderia ser resolvido
cionária , se esconde um ímpeto destrutivo e uma conspiração toleravelmente dentro de semelhante clima político. Muito
ardilosa contra o verdadeiro espírito universitário e, por isso, menos os dilemas educacionais tão complexos, que não podem
contra o tipo dé universidade a que ele conduz. ser corrigidos sem a eliminação das iniquidades económicas, i
sociais e culturais ferrenhamente mantidas pela atuaçã o con-
.
Esse teste crítico é revelador Se f ôssemos bastante ingé- servadora, poderiam ser debatidos corajosa e objetivamente
nuos para cair no engodo das belas palavras, do verbalismo nesse clima político. Sem consenso democrático obtêm-se pa-
i

delirante, ele abriria os olhos mais cegos: o GT não se impôs nacéias ou soluções ao nível dos interesses dos donos do poder,
conduzir a reforma universitária que professores, estudantes e jamais a reforma que abra caminho para a reconstru çã o social.
homens de boa vontade desejam. Fiel às disposições do Go- Os exemplos que serão apontados a seguir demonstram essa
í .í
verno militarista no poder, assumiu o acanhado papel de
concluir a obra iniciada através dos dois decretos do Marechal
verdade, sugerindo que sem revolução democrá tica é impossí
vel qualquer reforma universitária, pois a nova universidade
- I
'1
:

Castelo Branco, aparecendo diante da Nação como . adepto e só poder á ser alimentada e crescer através de uma ordem social
fiador de uma constituiçã o outorgada da vida universitá ria democr á tica bastante forte para se impor como denominador
Ji
brasileira. Onde avançou, de maneira simuladamente corajosa
:
-}à
geral da vontade do povo brasileiro.
e construtiva, podia fazê-lo: ou por nã o esbarrar na descon- I
fiança e na prepot ência do consentimento conservador; ou i Vários exemplos mostram, convergentemente, qual era a :
porque se sabia ser a simulação, salvo certos progressos técni- orientação fundamental do GT: atr ás da id éia de “reforma
i
,: U
;;
|
cos, irrevelante para a consolidação da efetiva autonomia de universitá ria ” o que se procurou foi instaurar, na universidade
organiza ção, de funcionamento e de desenvolvimento da uni-
ii! '

brasileira de nossos dias, o novo privatismo que impera na Í


versidade, servindo unicamente aos interesses do consenti- sociedade. À escola superior tradicional era inerente uma filo- h
-
.I

mento conservador. sofia privatista nascida da dominação patrimonialista e do im


Vá rias evidências corroboram essa conclus ão, segundo a pério dos interesses particularistas das “famílias gradas ” ( ou
qual o GT conspirou contra a existência e o florescimento do das nossas “grandes famílias” ) . Essa filosofia privatista do
tipo de universidade que se poderia esperar e desejar de um ensino superior entrou em crise com a derrocada das oligar -
Estado republicano, que mant ém um sistema p úblico de ensino quias, graças às consequ ências do predomínio do mundo urba -
tão vasto e podferoso. Seria útil e educativo discutir pelo no-industrial e da “revolução liberal” de 1930. No entanto, o
menos as evidências mais expressivas e inexoráveis, para aler- privatismo não desapareceu da cena histórica. Ele somente 1

tar aqueles que trombeteavam em favor das “boas inten ções mudou de forma. A grande falha da universidade conglome- .:í

do Governo”, defendendo uma conciliação impossível. Nesse, rada, à luz dos interesses conservadores, nã o está em sua I

como em outros assuntos, estamos diante de uma encruzi - inconsequ ência ; mas na incapacidade que revelou de fomentar
uma nova filosofia privatista, compatível com a composição
,Í :
.i

lhada: ou lutamos pela democracia, com todas as forças e em


todos os níveis, e alcançamos a institucionalizaçã o dos proces- que se estabeleceu entre os interesses particularistas remanes -
sos normais de solução democrática dos grandes problemas centes das velhas oligarquias e os interesses particularistas
brasileiros, ou esses problemas nunca ser ão resolvidos e seu estuantes da plutocracia emergente nos grandes centros urba -
agravamento fatal nos projetará no pior caos imaginável. nos. Foi essa incapacidade que gerou a “ crise do ensino supe - I. j
rior”,. do ponto de vista dos estratos altos e médios das classes

O Brasil precisa realizar uma revoluçã o em sua órbita histó-


rica , ainda que seja para adaptar-se historicamente apenas sociais dominantes e de suas elites no poder. Dada a vincula - if
ill :

às novas realidades do capitalismo avançado e da presente ção conservadora da “ reforma universitária consentida”, ela
situação internacional. O consentimento conservador e a retira sua missão histórica da superação dessa crise. Por isso,
- .i
'

variante esdr úxula de despotismo “esclarecido ” que ele per- o GT não se volta especificamente contra o tipo de universida
mite não se d ão conta dessa necessidade, manipulando uma de que surgiu, anomalamente, da conglomeração de escolas
óptica cega, que favorece a modernização, mas, ao mesmo tem
po, impede que ela seja decidida e controlada, democratica
mente, pelas for ças sociais ativas da Nação. Nenhum proble-
-
- ensino superior “ público” ou “ privado”
para atender aos interesses econ ómicos , à—
superiores estanques. Ele se volta contra a incoerência de um
— s
que se organiza
aspira ções sociais ! :•

228 229 i

; i|
C

í
kl ;; j í •! •

8
.

a1
-

e aos valores políticos daqueles estratos, mas não consagra,


em seu sistema de mores e em seu código legal, a filosofia edu- um Centro de Integração Universidade-Ind ústria; a incrível
18
í
i cacional privatista subjacente. É nesse plano que o GT realiza determinação de põr término aos hospitais de clínicas das 1
universidades, no item IV do anteprojeto de decreto que esta-

2 .•]
e esgota o “sentido revolucioná rio” de sua missão. Ele rompe
belece critérios para a expansão do ensino superior (sic!) , des-
Reforma para adequar
com as inconsistências de um ensino superior que foi organi
zado para o “antigo regime” e que, em sua renovação, jamais
- tinando-se os estudantes de Medicina a “ unidades clínicas não j
a universidade necessariamente pertencentes às Universidades, mas por elas
ao capitalismo com- conseguiu responder às exigências do espírito privatista inspi-
petitivo rado nas regras de uma sociedade competitiva. Todavia, como
essas regras, por falta de institucionalização do poder em bases
utilizadas — mediante convénios —
para fins didáticos” e,
portanto, engendrar.do-se uma nova fonte de fortalecimento
realmente democráticas, só são válidas para o que Weber “oficial” da livre iniciativa no setor médica Tais medidas
podem ser justificáveis, necessá rias ou até, mesmo, desejáveis
^

designara como “ classes possuidoras”, o que resulta é uma


filosofia educacional privatista, que coloca o ensino superior se se fundamentem em nítidos interesses nacionais de socieda -
na órbita da composição conservadora entre velhos e novos des subdesenvolvidas, que encontram sérios obstáculos à for-
' privilégios, ou seja, na órbita de uma visão oligárquico-pluto- mação de um empresariado independente e em condições de
crá tica e tecnocrática das funções educacionais de um Estado conduzir de modo autónomo sua “revolução burguesa ”. No
“republicano ”. Vá rios exemplos testemunham essa orientação, conjunto, por ém, elas são tomadas sem nenhuma inspiração
evidenciando que, atrás do aparente “caráter técnico ” da con- construtiva desse tipo, derivando de interesses de classes ultra-
i
'

tribuição do GT, se oculta uma deliberada e forte diretriz egoísticos e, com frequência, anti-sociais ou antinacionais. De
.
i
política, que desemboca num privatismo típico das nações um lado, porque elas se alimentam de uma desconfiança mór-

I
capitalistas dependentes: um “privatismo exaltado” ( ou exas
perado) , que não pode ser contido e policiado pela ordem
- bida em face do estudante, do professor e do administrador
universitários. Não podendo acompanhar o compasso da mu - Í!
dança ao nível intelectual mais alto da cultura, os “meios
:
social estabelecida, porque é ele que a configura e a determina
( e nã o o contrário) . privatistas ” procuram redefinir o estilo conservador da tutela - 51
gem a que estava submetida a antiga escola superior, tentan - 1
i
As implicaçõ es da orientação apontada podem ser clara
mente percebidas nas consequências diretas ou indiretas das
- do criar novos controles externos, suscetíveis de reduzir, sola- s!
?M
par ou destruir o ímpeto de renovação a partir de dentro das . .1

medidas recomendadas pelo GT. Primeiro, na anuência à f ór- universidades existentes. De outro lado, porque medidas do
,- jj

mula por excelência privatista de organização das universida


.
des em fundações 16 O GT não teve audácia para romper
- teor apontado objetivam fazer da universidade uma fronteira . 1*
da livre empresa, sem encargos nem riscos equivalentes dá
: •;

I
com as pressões dos estudantes e de vastos círculos de defen-
sores do caráter republicano do ensino p úblico oficial. Mas
iniciativa privada. No fundo, ocorreria uma dupla privatiza -
ção do público, na esfera dõ controle pessoal e na da pesquisa
manteve a dubiedade da Lei de Diretrizes e Bases deixando científica ou tecnológica, sem qualquer compensação para o
ii aberta uma porta que possibilita a adulteração do controle
financeiro e político-administrativo das universidades federais
setor público e sem qualquer espécie de reciprocidade. Segun - i

por interesses particulares extra-educacionais. Outras medidas do, na adesão ao modo pelo qual o Governo atual entende a
complementam essa “abertura ”, patenteando melhor as inten-
relação de um Estado republicano com o ensino público, .
Aceitando a legitimidade das pressões particularistas, desen- -
I

ções que estão em jogo : a inclusão obrigatória de “represen-


tantes da comunidade” ( eufemismo pelo qual o GT designa càdeadas pela “iniciativa privada” (expressão que, no caso, l ;
J
- encobre tanto os interesses económicos ou confessionais de
1

os círculos empresariais) entre os membros dos colegiados da


administraçã o superior das universidades; 17 a recomendação estabelecimentos de ensino privado quanto uma ambição pu- •! :

para estabelecer maior integração de docentes e pesquisadores ramente política de controle da situação pelas “classes possui-
como consultores das empresas privadas, seja pela criação de doras” ) , o Governo no poder fez da “gratuidade do ensino
público” um cavalo de batalha. O GT ateve-se naturalmente
!

° às preferências do Governo, incorporando uma revoga ção indi-


16 Artigo 5. do anteprojeto de lei sobre organização do ensino superior
( “Relatório", p. 66 ) .
17 Cf parágrafo único do artigo 12 do referido anteprojeto de lei.
,
18 Cf . Recomendação n.° 4, “Relatório", pp. 113-114. '

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230 231 t .
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direitos ou regalias, como a da expressa indicação, pelos inte-


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reta da gratuidade do ensino público. 19 Ao mesmo tempo, Pi
% ressados, do destino a ser dado à parte do seu imposto de
:íi . . procura adaptar o sistema de ensino superior a novas normas, r renda ( 2 % ) , que as pessoas f ísicas ou jurídicas poderão desti- i: •

que permitam cobrança de anuidades de estudantes de “alta nar a “ programas de desenvolvimento da educação”. 22 Outras
» i"
••
;
renda familiar ”, a instituição de um regime de bolsas ( de medidas aventadas seguem o mesmo diapasão. No entanto, é
-
.IV
».
estudos e manutenção ) e certos critérios para recrutar e am
I.

H
i.
3 parar os estudantes parcial ou totalmente carentes de recur-
sos. 20 Os alunos a serem admitidos a partir de 1969, “seriam
considerados em três categorias , conforme o nível de renda
te


patente que nunca poderemos acelerar a expansão do ensino
e especialmente do ensino universitá rio avançado —da pes-
quisa científica e da pesquisa tecnológica sem uma política que
promova a captaçã o maciça de recursos que onerem pesada-
fii
i
i

familiar, computado em m últiplos de salário mínimo”. Assim,


“os alunos considerados de renda muito alta ( digamos: com
mente as “classes posuidoras”, independentemente de qual
.
- jI

í quer modalidade de pagamento do ensino público O Brasil
1 renda familiar mensal de 35 vezes o maior salá rio m ínimo está diante de uma terrível alternativa. Ou se procede desse
nacional) pagariam sua anuidade, calculada para cobrir as y í:
despesas de administração e manutenção; os de renda alta ( di-
gamos : entre 15 e 35 vezes o maior salá rio mínimo) teriam a
-
t.
modo, abrindo vias reais e promissoras de autonomização
cultural do País, ou se ficará em um estado de depend ência
cultural permanente em rela çã o ao exterior. Â essa alternati- A.

] sua anuidade, e, em certos casos, até mesmo a sua manuten- li


va não escaparam, mesmo, os países capitalistas avançados
i! ção, financiados a longo prazo ( até 15 anos ) , com início de da Europa. O Governo atual fica alheio a essa necessidade.
li pagamento após a conclusão do curso; os alunos de média £
Ao segui-lo, o GT ignorou que poderia inspirar a iniciativa
e baixa renda ( abaixo de 15 salários mínimos mensais ) , te- privada a tomar rumos mais audaciosos e construtivos, já
í !;

riam nã o apenas gratuidade de ensino como, em certo nú mero


£
- que ela não tem outro caminho. Ou intervém no sentido de
de casos, bolsas de manutençã o ”. 21 É sabido que os levanta-
.V

intensificar a “ revolução burguesa ” , assumindo diretamente !


mentos sociográíicos revelam que a maioria dos estudantes V
encargos transitoriamente pesados ( inclusive sob a forma de r. •

das universidades públicas pertence a famílias de “ classe mé-


\d
!

um imposto especial ou de um adicional ao imposto de renda ) , !:


dia ” ou de “classe alta ” e que, portanto, em sua maioria, se


í

ou concorrer á para a sua pr ópria destruiçã o, ajudando a




í!
recrutam entre estratos sociais que possuem condições para complicar, por falta de descortino, o impasse do capitalismo V>;:
financiar os estudos superiores realizados. Contudo, o impor- dependente. 5J
:‘
tante, no caso, não é a gratuidade do ensino, mas a que respon- Além disso, o GT não procurou ajustar a estrutura da
I
de a própria filosofia de um Estado republicano que assuma universidade às condições existentes de funcionamento e de
'

deveres fundamentais na nacionalizaçã o e na expansão do crescimento da instituiçã o, nem se empenhou no sentindo de


; ensino público. A investida não é feita senão com intenções proteger e reforçar a autonomia universitária. Como esta
;
iH
destrutivas: aí, a privatização do público o que pretende é vem a ser a pedra de toque de uma “boa” universidade, deve-se
1 -.. í: i

anular ou destruir certas tendências, que lançam o Estado, começar por eia. A maneira de resolver as quest ões relaciona- .

através do ensino público, contra o monopólio da educação


• :! *

\h
das com a criação, fomento e qualifica ções dos cursos pós-
escolarizada e da cultura pelas “ classes possuidoras”. Tercei- graduados é característica. A prá tica seguida consistiu em i.
ro, no cuidado escrupuloso com que o GT evitou que a carga transferir para outros órgão atribuições e responsabilidades
I :.

-
!.

pela expansão do ensino superior e da pesquisa científica ou que jamais poderiam ser alienadas da universidade. Mesmo
Í:
>.

tecnológica onerasse diretamente, de fato, o or çamento dessas



j

que, para tanto, fosse preciso recorrer a duas soluções alterna- \


classes. Nenhuma das medidas que fomentam incentivos nes- tivas , que podem ser exploradas isoladamente ou em conjunto:
sa área chega a criar uma obrigação adicional para tais a) elaboração de programas especiais de colaboração estran- \Lií
classes. Ao contrário, os incentivos se traduzem em novos geira , como se fez em São Paulo no período de implantação 'ii; :

« Cf . artigo 43 do mencionado anteprojeto de lei sobre organização da Faculdade de Filosofia , Ciências e Letras; b) forma ção de
do ensino superior , que revoga o artigo 83 da Lei de Diretrizes e Bases equipes itinerantes constituídas com os melhores especialistas i-
da Educação Nacional ( cf . “Relat ório”, p. 75 ). nacionais, aproveitados segundo planos racionais e intensivos
20 Cf . anteprojeto de lei que cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação, artigo 11 e item c do artigo 3.° ( “Relatório”, pp. 83-85 ) . 22 “Relatório”, p. 86.
21 “Expansão do Ensino Superior ”, p. 26. h-
i'
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233 :l
232 Sil
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í ;

de cooperaçã o didático-científica. Qualquer que fosse a solu- da cultura , da fazenda, do planejamento etc. A exceção, que
ção preferida, o Conselho Nacional de Pesquisa poderia de- confirma a regra, aparece na recomendação número 1, na
sempenhar um papel destacado, seja no levantamento de áreas qual se frisa que “ é importante que as universidades se empe -
de prioridades, na preparaçã o e escalonamento dos programas nhem em programas sistem áticos de racionalização adminis-
'

(em estreita colaboração com as universidades interessadas, trativa ” 23 e se transforma a função de secretário-geral na de
é claro ) , na suplementação e fornecimento de recursos indis- superintendente, com qualifica ções prescritas. Mas mesmo
pensáveis etc. O que não se devia era transferir funções essen- essa recomendação é sintomática. As medidas mais impor-
ciais das universidades federais para novos organismos educa- tantes, que ela endossa, apenas incentivam a constituição de
cionais e culturais. Procedendo-se assim, esvaziou-se a insti- novos controles externos . . . Portanto, nem aí, nem nos ante-
tuição escolar e de pesquisa central. E, o que é pior, conver- projetos de lei ou de decretos se diligenciou forjar um novo
teu-se a autonomia universitária no equivalente de uma ficção tipo de organização universitária , que estruturasse os dina-
legal. Uma universidade que nã o pode reconstruir-se normal- mismos internos da universidade ao nível institucional de seu
mente e crescer de acordo com certos ritmos universais, que funcionamento e crescimento.
somos forçados a adotar, está condenada à estagnação e ao PorTessa razão, certas praxes inveteradas, que deveriam
definhamento. ser extintas, foram renovadas e fortalecidas, sustentando a
Outros aspectos confirmam não só a existência, mas tam- sujeição da universidade a tutelas externas que não se justi
ficam. Dois exemplos podem ser suscitados. Primeiro, as
-
bém a virulência dessa predisposição, de converter a autonomia
universitária em mera ficção legal. Os programas e mecanis- atribuições do Conselho Federal de Educação. Elas deveriam,
mos concebidos para captar recursos para o ensino superior, a nos novos anteprojetos de leis e de decretos, ser reduzidas e
pesquisa científica e a expansão da tecnologia não prevêem o h ão aumentadas. As universidades devem ser preparadas para
nível operativo propriamente institucional. Eles poder ão resolver interna e autonomamente os seus problemas, aten-
desembocar, por via do Ministério da Educação ou de órgãos do-se a certas normas e princípios gerais, prescritos legal-
de âmbito federal que são especialmente criados, nesse nível. mente e fiscalizados ou supervisionados pelos organismos com -
Contudo, não se tentou, de nenhuma forma, fortalecer a po- petentes. Se algumas delas ainda , não contam com meios
sição das universidades como tais, seja singularmente, seja em para realizar esse mister de modo def énsável e eficiente, o
conjunto, mediante a instituição de um organismo delibera- -
que se espera é que elas tenderão a fazê lo, recomendando se -
tivo e executivo que conferisse aos reitores novos meios de uma descentralização ao nível institucional que permita atin-
captação de recursos, de programação nacional do ensino su- gir o mais rapidamente possível esse objetivo. A tutelagem 4

perior e de utilização efetiva do planejamento para promover, externa não fomenta, ao contrá rio do que se pensa e do que
em escala nacional, a expansão da pesquisa científica e tecno- se diz, o amadurecimento das universidades. Ela gera a cor -
lógica. No fundo, a universidade continua a ser tratada mais rupçã o da instituição e a irresponsabilidade dos que formam
de pessoal, induzidos a julgarem seus atos e decisões
"
como um paciente, que como um agente, preservando-se a fu- seu corpo
nesta orientação herdada com o padrão brasileiro de escola a partir de critérios exteriores e meramente formais. Se o
superior. N ã o se constatou que a passagem desse padrão de Conselho Federal de Educação deve ter alguma ingerência na
ensino para uma universidade “moderna” e multifuncional vida das universidades, ela precisaria limitar-se à fixação de
exige o desencadeamento de novas linhas de organização do certos requisitos gerais e de determinados objetivos globais,
trabalho docente e de pesquisa, baseadas no funcionamento aue corresponderiam à necessidade de uma incentivação indi -
independente e no crescimento autónomo. O que se consagrou reta p. da supervisão dos mínimos compatíveis com a forma -
foi o inverso disso. Pois os princípios aceitos e recomendados ção de pessoal de nível superior. No entanto, o artigo 16 do
pelo GT favorecem a persist ência ou, por vezes ( o que é mais Ànteprojeto de Lei sobre o Ensino Superior estabelece: “O Con -
frequente ) , o fortalecimento de tendências tecnocrá ticas, in- selho Federal de Educação conceituar á os cursos de pós-gra
- - . i

centivando um tipo de burocratização que gravita em torno dua çáo e baixará normas legais para sua organizaçã o, de-
do poder central, da União e de seus órgãos ministeriais ou pendendo a validade nacional dos estudos neles realizados de
especiais, que operam ou irão operar na esfera da educação e ** “Relatório”, p. 109 .

234 235

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de Educação, dos estudantes e do empresariado nacional ”.


; 26
serem os cursos respectívos credenciados por aquele órgão”;
e o artigo 18, repetindo a praxe existente, consagra: “O Con- Trata-se de uma obra-prima, em matéria de propens ã o a
I1
selho Federal de Educação fixará o currículo mínimo e a favorecer a burocratiza çã o de tipo tecnocr á tieo. Esse crit é rio i
duração dos cursos correspondentes a profissões reguladas consagra o que, na gíria dos tecnocratas e burocratas, se cha- I
-
ma de “ comissão do mais alto nível ministerial”. A questão
.i

em lei e de outras necessárias ao desenvolvimento nacio-


nal ”. 24 Não é absurdo pretender-se que seja possível conci- é se se devia, de fato, constituir-se um Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação segundo esse critério, com
b; ij
liar a exist ência e o florescimento da autonomia das univer-
sidades com essa sufocante e estéril tutelagem externa , que uma contemplação política favorável à participação estudan-
I til e à representação empresarial, ou de modo a assegurar-se
fomenta controles exteriores artificiais, com frequência in-
compatíveis com o funcionamento “ótimo ” e com o cresci- a sua máxima eficiência nos planos financeiros, técnicos e !!

J
de política educacional. De outro lado, não deixa de ser sin-
j

mento “máximo” das mesmas, desligando-as do fluxo espon-


tomático o desvalimento dos setores de ensino e de pesquisa ,
' 1r-

tâ neo de suas potencialidades internas e dos fatores dinâ mi- :

que não contam com nenhuma contemplaçã o, nem mesmo


i

cos de seu ambiente local ou regional? O que parece evi-


! .
dente é que temos de romper com o passado e com praxes ao nível do colegiado dos reitores. Tudo se passa como se a ;
desse tipo, que não nasciam do império da necessidade, mas “reforma universitária ” consentida não precisasse voltar-se
para a universidade como agente de uma vontade e de um

I ij

r í-
: i

da propens ão a concentrar a liderança e as decisões efetivas, a erosão


através de mecanismos estatais, nas m ãos das elites políticas destino próprios. As consequências são evidentes !:

!
e a perversão da autonomia universit á ria , mantida como re-
que monopolizavam ( e continuam a monopolizar ) o poder.
curso de ret órica e como ficção legal inútil. Se a universida-
; ;
I I
O efeito de tais praxes são sempre da mesma natureza. Elas
de não pode converter-se em agente de sua ordenação inter-
!
:! :
•P
inibem ou impedem , quando nã o solapam apenas, a demo- na e das escolhas que devem prevalecer tanto em seu desen-
I. ! '

5 cratizaçã o das estruturas de lideran ça e de tomada de de- volvimento quanto na contribuição positiva que ela dá à
cisões, ordenadas institucionalmente. Nã o é de se admi-
i •

rar que até a escolha final e a nomea ção dos reitores e vice-
reitores continuassem presas ao antigo ritual, como atribui-
Reitores poderiam ção do Presidente da Rep ública.
25 Nã o ocorreu
ao GT que
—sociedade nacional, os elementos que compõem o seu pessoal
os professores, os estudantes e o corpo administrativo po-
dem ser comparados aos cavalos de- corrida. Eles podem cor-
rer mais ou menos, melhor ou pior, ganhar ou perder prémios,
p
i •

ambos
ser eleitos e empos-
sados pelos cole-
deveriam ser pura e simplesmente indicados pelos mas nunca de motu próprio: o seu élan é uma coisa, outra , a
i. gidados da colegiados da administra ção superior das universidades e vontade que dirige e determina o aproveitamento de suas
que o mencionado ritual tem tido uma consequência nociva,
;
instituição
forças.
já que alimenta, subrepticiamente, a inger ência de interes-
1 '1
.
Quanto às condições de funcionamento e de crescimento :!

ses extra-universitá rios na elaboração das listas de nomes. da universidade, o GT desempenhou-se de seu “mandato re - i.

O segundo exemplo pode ser tomado de outra área: até onde formista” identificando-se; incorrigivelmente, com pr á ticas .
inovou institucionalmente, o GT acobertou e fortaleceu as obsoletas e com crit érios tradicionalistas. Ao nível do traba-
I

!
!
referidas praxes obsoletas. Veja-se o anteprojeto de lei que lho docente, por exemplo, recomenda a implantação do tem- I.

:i
cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. po integral. Cert íssimo e ótimo! Ao mesmo tempo, por ém,
O seu artigo 7.° regula da seguinte maneira a constituição fixa tr ês modalidades de trabalho docente, 27 elabora uma

programação que colocaria no máximo 1/6 do pessoal do-


6 7
do seu Conselho Deliberativo: - “O FNDE será administrado
i

.
: s por um Conselho Deliberativo que, sob a presidência do Mi- cente das universidades federais em regime de dedicação
i
if‘ !L «

! nistro da Educação e Cultura, ou de seu representante, será exclusiva 28 e admite que o regime de tempo parcial pode !

constituído de até 9 ( nove ) membros incluindo em sua com- se Cf. “Relatório ”, p. 84.
-
,

posição representantes do Ministério do Planejamento e Coor 27 Anteprojeto de lei que modifica o Estatuto do Magistério Superior

denação Geral, do Ministério da Fazenda, Conselho Federal Federal, artigo 16 (“Relató rio”, p. 81 ).
,

! iii
28 Anteprojeto de decreto relativo à implanta ção do regime de tempo ! í :;
integral, item c, artigo 2. ( “Relat ó rio”, p. 96 ) . O cálculo de 1/ 6 é apro-
!i

24 Idem, p. 69. ° |
!í :
25 Cf . artigo 11, item I e § l.° do anteprojeto de lei sobre ensino supe- ximado e toma como ponto de referência porcentagens de 1962 e dados
rior ( “Relatório”, p. 67 ). de 1964 ( ú nicos disponíveis para as conjecturas feitas ).
i;
.
236 237 i .

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i
ii T
!! ; :

ajustar-se “melhor ao trabalho específico em área determi- mente, ou em conjunto, as formula ções citadas são inacre- li í
nada ”. 29 Por conseguinte, a recomendação é proposta em um ditáveis. Um país que organize o seu ensino universitá rio e ft
contexto em que não se afirma uma vontade decidida de recrute o seu corpo docente respectivo seguindo os padrões 11
sanar e modificar a situação existente. Todavia, muito pior expostos, está condenado à estagnação educacional e cultu - n
- ral, como um estado permanente, pouco importando os sa- £
.

é o que se faz no que se refere aos critérios de seleção, pro \ii% -


moção e efetivação dos professores. No fundo, elimina-se a .
crif ícios que faça nessa direção jU
il!
;v

Nesse plano, a conspiração contra a universidade atinge-a


cátedra, mas não os vícios de uma toler ância perniciosa ao


rebaixamento do nível intelectual médio, como se ela fosse em seu próprio âmago. Se se permitir semelhante degrada-
uma pspécie de “tradição intelectual” brasileira. Começa por ção dos padrões recomendados, nunca teremos universidades
permitir a escolha de auxiliares de ensino entre graduados, federais dignas desse nome! Todos saBemos quão grandes e
concedendo um prazo máximo de quatro anos para obterem complexas são as dificuldades contra as quais lutamos. Não
aprovação em cursos de especialização ou aperfeiçoamento. podemos dar um salto milagroso. Nem por isso devemos insti- &
8 Em seguida, preconiza o recrutamento dos professores assis- tucionalizar a mediocrizaçã o como condição normal da vida IK í

tentes, por concurso de títulos e provas (sic!) , entre pós-gra- universitária. Seria necessário estabelecer os padrões e níveis
duados, determinando que o estatuto ou regimento das uni- em planos razoavelmente altos ( conforme o que se faz em
versidades fixará o prazo para a obtenção do título de mes- todo o mundo e, ainda aqui, em “nações capitalistas” e em ijj
tre. O professor-adjunto, por sua vez, será provido mediante “nações socialistas”) ; e, para corrigir realisticamente as di- i

concurso de títulos, com preferência para os que possuirem o ficuldades atuais, admitir mecanismos de transição, que per-
título de mestre, sendo que a aquisição do título de doutor mitissem, em um prazo máximo de 8 ou 10 anos, superar
i
confere o direito da promoção automá tica. Por fim, estabe- as falhas gradualmente, mas pela raiz. Em vez disso, pre-

i
lece-se o provimento do cargo de professor através do concur- feriu-se o contrário. Montar uma carreira docente ainda pior
so de títulos e provas (sic!) , aberto a professores-adjuntos, e potencialmente mais perniciosa que a associada à vigência
livres-docentes e a “ pessoas de alta qualificação científica, a da cá tedra vitalícia!.. . Graus, títulos e carreira vinculam-se
juízo do colegiado competente”. 30 Se isso tudo não bastasse, de tal forma que se incentiva o carreirismo como norma e a
admite-se, no artigo 16 do Anteprojeto da Lei sobre o Ensino mediocridade como fim , procedendo-se, ão mesmo tempo, pela
Superior: “Excepcjonalmente, os diplomas de pós graduação
poderão ser obtidos pelo exâme de títulos e trabalhos didá-
- burocratização da carreira docente, a uma sorte de simples
desnivelamento e socialização do “absolutismo” dos antigos
ticos, científicos e profissionais dos candidatos interessados, catedráticos.
realizados por comissões de epecialistas pertencentes a insti- Algo análogo sucede com a pesquisa. Seria estúpido
tuições credenciadas para as referidas áreas de estudos”. 31 pensar-se, atualmente, em separar o ensino da pesquisa.
E estipula-se, no artigo 14 do Anteprojeto de Lei sobre o Ma- O professor universitário ideal será aquele que tiver treino
'

gistério Superior Federal : “ O servidor público poderá ser razoável nas duas direções e que souber combinar, harmo-
posto à disposição de universidade ou estabelecimento isolado niosamente, papéis intelectuais de professor e de pesquisa-
federal, para exercer funções de magistério em regime de dor. Não obstante, esse requisito ideal não deve ser transfe -
dedicação exclusiva . . . ” 32 Até a equiparação dos atuais ca
tedrá ticos aos novos cargos de final de carreira se faz de
- rido, sem mais nem menos, para o plano da organização e do
crescimento da . universidade. Ela deve estruturar-se e de-
modo ambíguo, deixando-se margens para abusos. 33 Isolada - senvolver-se de tal modo que as funções do ensino e as fun-
ções da pesquisa não interfiram entre si, debilitando-se e
f.

29 Cf . artigo 25 do anteprojeto de lei sobre Ensino Superior ( “ Relató-


rio”, p. 71 ). .
esclerosando-se Por causa mesmo da interdependência des-
°
30 Cf . artigos 6 . a 10 do anteprojeto de lei que modifica o Estatuto do sas duas ordens de funções, e das diferenças de seus signifi-
Magistério Superior Federal ( “Relatório”, p. 80 ) .
si Cf . “Relatório”, p. 69.
32 idem, p. 81.
33 Como não se esclarece se se trata de catedrático efetivo ou contra-
tir—
especialistas de níveis intermediários exclusivamente volta- —
cados e importância pr áticos para o coletividade, deverá exis-
tanto no corpo do ensino, quanto no da pesquisa

tado , existe essa possibilidade ( cf . § 4.°, artigo 24, “Relatório”, p. 71 ). dos para um mister básico, de ensino ou de pesquisa. Isso
I .

238 239
t!

a . 11
\ Hr iV.
3

n ão exclui que, em sua fase de formação e treinamento espe- “ universidade hermética ”, O GT perfilha o ponto de vista corre-
!

cializado, eles tenham aprendido a combinar ensino e pesqui


sa ; apenas corrige uma limitação trágica, que fez de nossa
- to de que a universidade “ deve atrair aos seus órgãos de cúpu-
la ” “ a presença mais robusta dos representantes dos alunos”. 36
“universidade ” uma instituição invisivelmente especializada Deixando-se de lado os méritos ou os deméritos da solução
no ensino e acidentalmente capaz de fomentar a pesquisa dada à representação estudantil, já discutida acima, eviden - n\
empírica, pura ou aplicada e a pesquisa tecnológica. O ensino
continuará a ser a esfera dotada de vitalidade e de prest ígio
-
cia se, também, nesta esfera, a persistência da obsessão con-
servadora por controles externos. O artigo 30 do Anteprojeto
I
mI
real; a pesquisa , a esfera destinada ao malogro e à estiola
ção. Essa é uma inconsistência estrutural-funcional notória
- de Lei sobre o Ensino Superior trata da organização do dire- : -5
tório estudantil e fixa procedimentos relativos à sua estrutu-
da “ universidade brasileira”, que persiste como parte do le- ra e fiscalização. 37 Não só os regimentos dos diretórios devem
gado da escola superior e de uma tradição intelectual pau- estar sujeitos ao placet da administraçã o universitária com- li U
pérrima, que ainda não chegou a compreender a natureza dos petente. O diret ório que não atuar em “consonâ ncia com os
'

dinamismos culturais da civilização baseada na ciência e na objetivos para os quais foi instituído” sofrerá sanções estatu - •
i
tá rias ou regimentais. Além disso, os diretórios ficam obri-
. M:
tecnologia científica. Dada a import ância que a pesquisa tiSj
possui, como substrato da autonomiza ção cultural e do de- gados à prestação de contas de sua gestão financeira perante '
senvolvimento sócio-econômico, nenhuma “reforma universi- f a administração da respectiva universidade. Eis aí no que
tária” pode ignorar que o essencial, atualmente, emerge na vão dar as coisas. A ingerência é ampla e profunda, como
esfera de como implantar a pesquisa científica e tecnológica
no seio das universidades brasileiras ( além do que se deve
se a liberdade de organização dos diretórios fosse uma con
cessão que envolvesse uma relação de tutelagem incorrigível.
- •
!

.
fazer em outras direções simultâ neas) Manter-se pura e Após tantas experiências recentes, tão destrutivas quão amar - I

simplesmente a propensão de “associar ” o ensino e a pesquisa gas, voltaríamos aos velhos hábitos e às praxes do mandonis-
é o mesmo que manter uma relativa indiferença perante os mo conservador. Em lugar de uma clara e líquida definição
interesses fundamentais do País na superação de uma “uni- de direitos e deveres que facilitasse e conduzisse à necessária
versidade” que só podia “ensinar”, transmitindo conhecimen - democratização estrutural das relações dos estudantes com a
tos importados, e no fomento acelerado da investigação cien - universidade e com a sociedade, em todos os níveis em que
tífica e tecnológica. O GT limitou-se a especificar que “ha
verá apenas uma carreira docente, obedecendo ao princípio
- -
elas se desenrolam , formalizam se normas obsoletas , que não
serão obedecidas e servirão, previsivelmente, como focos de
de integração de ensino e pesquisa”, e que existirá urn “siste- tensão inevitáveis, condenando a vida universitária a um
ma indissociável de ensino e pesquisa”. 34 Deu continuidade estado de perpétua inquietação.
e força a uma orientação que afasta a universidade de uma Haveria , ainda, outros pontos negativos a debater. 38
das suas missões, numa época em que até as grandes potên-
cias do mundo (capitalistas ou socialistas ) encaram com a O que se viu, contudo, é o bastante. O GT falhou porque n ão
maior seriedade e apreensão a necessidade de expandir e se propôs a “reforma universitá ria” como um processo ima-
intensificar seus esfor ços de pesquisa. nente à transformação das universidades brasileiras, de sen-
tido e de efeitos democráticos. Usou uma óptica externa e
Por último, no que concerne aos estudantes, o GT avan- que coíbe ou limita o grau de democratização de que a uni-
versidade necessita para renovar-se e preencher as funções
i

çou na direção certa. Defende a representação estudantil


como um valor , reconhece que “o movimento estudantil [ . . . ] que a sociedade brasileira , sob a civilização vigente precisa ,

teve o mérito de propiciar uma tomada de consciência na- que ela satisfaça. Por isso, foi levado a erros inconcebíveis e
cional do problema [da reforma universitária] e o despertar se idem, p . ‘24.
i •

enérgico do senso de responsabilidade coletiva ” 35. Contra uma 3 Idem, p. 73 ( trata-se do anteprojeto de lei sobre o ensino superior ) .
l
^
38 Inclusive, o que se relaciona com o intuito de manter o mecanismo
34 Cf . artigo 23 e seu § 2. , Anteprojeto de lei sobre o Ensino Superior,
° de gestão de novas escolas dentro da universidade ( recomenda-se a
-
“Relatório”, p.p. 70 71. Cf . também o anteprojeto de lei que modifica o
criação de estabelecimentos especiais para o primeiro ciclo geral e
35 “Relat ório”, p. 17.
°
Estatuto do Magistério Superior Federal, artigo 5. ( idem, p. 79 ) . para os cursos de curta duração : ef . artigo 15, § 2 .° da lei mencionada ; \
! i.
"Relatório" p. 18 ) .
:I :

I 240 241
í: i, :

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• I:

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varia ções de grau, da miopia do pensamento conservador
;

! =: clamorosos. Se se considerar sua posição e sua contribuição r


\i r
• 51
'

em termos da natureza e das perspectivas de uma reforma diante dos problemas da educação e da cultura, tratando-os
-
£
imposta de fora para dentro, é evidente que houve um esforço V
segundo uma estrat égia em que os procedimentos autorit á 1'
! de seriedade e de equacionamento construtivo dos problemas. í;
rios confinaram a autonomia universitária a uma ficção ver-
i\
bal, com .aplicações legais e políticas.
Assim, é no "próprio mandato de que foi investido, que o con
verteu em instrumento da atuação política conservadora e
- Devémo-nos preocupar com o futuro e com as exigências
&

da vontade de um Governo autoritário e militarista , que se que ele impõe ao presente, situando a reforma universitária no
acha a razão de ser e a explicação das limita ções arroladas. âmago do nosso trabalho cotidiano. Ela não se corporifica em i:
! íí
s] ;
Parece provável que a sua contribuição, com os erros sanáveis leis ou decretos, nem possui ressonâ ncias que sejam pereep-
ou insanáveis, irá “iluminar ” a inteligência desse Governo no : t íveis e inteligíveis no plano dos interesses conservadores ou Ji!
.

If !: ' - encaminhamento e na execução do que ele entende ser a l do poder político que o exprime de forma autoritária e tota- : >
“reforma universitária ”. Não obstante, malgrado os resulta- litária. Constitui, ao contrário, a condição a partir da qual o M
Íí -
! '
dos positivos que poder ão advir de várias medidas, a tarefa de
reformar a universidade brasileira fica adiada. Ela está, quei-
pensamento livre e criador se desencadeia como força inova
.
dora e fator de renovação cultural Se sucedesse o inverso,
-
! ram ou não a reação conservadora e seu regime político para- se professores e estudantes, identificados com a reconstrução : lí
totalitário, entregue às atividades inconformistas e inovado- da universidade, pretendessem influenciar a ordem legal, em
ras de seus professores, estudantes e funcioná rios. .São eles que estão operando os círculos conservadores, eles nã o teriam
que encaminham a “reforma” para o seu verdadeiro destino,
::
uma causa própria e de sentido revolucionário . 'r
ll como um movimento profundo e insufocá vel de reconstrução O que nos deve unir e nos obriga a não ceder terreno
il da universidade a partir de dentro. Se eles nada podem, por - procede dessa causa. Ela nos põe diante de uma realidade
que não são “agentes válidos”, para o pensamento conserva - dolorosa. Somos obrigados a reconhecer que a sociedade bra - i

dor e o seu Governo atual, isso não quer dizer que tudo esteja
perdido e que eles sejam negados pela história . Como não são
sileira revela enorme incapacidade em evoluir para o uso ra -
arautos da “ reforma universitária consentida”, apenas foram
cional e socialmente disciplinado de seus recursos educacio
nais. E representa para nós um dever imperativo realizar o
-
í. banidos do processo oficial. Assim que a nação brasileira re
conquistar suag liberdades perdidas e atingir a plenitude de
- que for possível para superar esse lapso. Os Governos con-
servadores, mesmo os de feição totalitária, não conseguem
sua maioridade política, eles voltarão ao centro do palco, para

dominar o impasse, porque ele resulta de uma estrutura eco-
serem ouvidos e para criar a nova universidade uma uni- nómica, social e política que é imposta e defendida, com unhas
versidade do povo e para o povo. e dentes, pelos próprios círculos conservadores. Portanto,
. cabe-nos a tarefa construtiva de lan çar os alicerces que per
mitir ão quebrar esse impasse, no qual o ensino superior se
- !<

ii . :
O que Fazer? acha desde a proclamação da República.
!
> A revolução republicana brasileira foi uma revolução
i

À guisa de conclusão, conviria encerrar este debate com frustrada. Ela ficou a meio caminho, ao nível em que o des- Íí
-
h 1
i
algumas pondera ções de caráter normativo. Primeiro e aci nivelamento de privilégios se tornou historicamente inevitá- I 4 '

* 1
ma de tudo, devemos convir que o Governo corresponde às vel, mas a equidade não se estabeleceu, sequer formalmente, :• E

!: suas funções, ao tentar o encaminhamento e a execução da como fundamento das rela ções humanas na esfera da vida 1; 1
“ Reforma Universitá ria”. Se ele atua de acordo com proce- política. Temos de ter plena consciência desse fato, porque t
'

dimentos conservadores e autoritários, isso decorre do fato dessa consciência irá depender o sentido de nossa atua ção
dele ser um Governo conservador e autoritá rio. Como os Go- dentro da universidade e os avanços ou recuos da reforma
vernos passam e as universidades ficam, devemos estar pre- -
universitária como processo histórico social. A universidade
está sufocada e a reforma universitária é contida e conturba-
i' í
j
parados para não desertarmos de nossas responsabilidades
fundamentais. O atual Governo não deixará um legado pior da porque não conseguimos concluir a revolu ção republicana i '

e organizar uma sociedade nacional democrática , Uma socie-


i
t
que o dos outros. No fundo, todos participaram, com meras
i
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242 243
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dade que tenha domínio de seus recursos materiais e huma- cias dinâmicas que destroem os seus próprios nichos originá
nos, possa aplicá-los de acordo com seus interesses funda-
:i i

rios e, em seguida ou coneomitantemente, precipitam a for t:


li
e não dos estratos altos e médios mação de novos nichos no seio da sociedade inclusiva. Se a

61
mentais e faça do povo !
das classes dominantes o protagonista de sua soberania e sociedade é dominada por interesses e valores conservantis- JlT
o motor de sua história. Sob esse aspecto, a propalada crise tas, esse processo assume um caráter tumultuoso e doloroso, :
• .
:
í
da universidade não é outra coisa senão um efeito do caos porque uma parte da universidade e uma parte da sociedade 1' •

reinante na sociedade, da sua falta de integração nacional em global entram em luta, para decidir o alcance, a duração e o í
Ii;
bases democráticas e de sua impotência diante de minorias significado político das mudanças em processo. O decisivo,

privilegiadas, prepotentes e egoístas, que monopolizam o po - para nós, é que, para ser um foco original de alteração da
der e impõem arbitrariamente a sua vontade, como se ela estrutura da sociedade, a universidade terá de definir-se, ela
fosse o querer coletivo da Nação. O universit ário só pode mesma e antecipadamente, diante dos padrões e valores so-
perceber a natureza e o sentido da reforma universitária ciais em emergência. Graças a isso, a reforma universitária
quando ele atenta para esses marcos da realidade e organiza propõe os modelos democráticos de estruturação interna da t :r
o seu comportamento nessa direção política. A reconstrução universidade, os quais ela exige da sociedade nacional e pre- í -: :
da universidade é possível e necessá ria. Mas ela não poderá tende impor-lhe como fulcro da reconstru ção hist órica da r
ser alcançada sem que a própria sociedade se reconstrua, ordem social contestada. A sua democratização não constitui 1
! modificando-se completamente suas relações com a educação uma fatalidade. Mas o meio e o fim dos processos sociais
escolarizada, com a cultura e com a imaginaçã o intelectual conscientes pelos quais ela recusa o destino que lhe é confe-
criadora. rido pela sociedade e, ao mesmo tempo, exige dela que ela
própria se democratize.
De outro lado, porém, a universidade não pode perma-
-
necer inativa ou passiva . Ela pode transformar se de vá rias Enquanto a sociedade global não conseguir resolver pro-
formas, mesmo sob a hipótese de persistência de algumas das blemas mínimos, relacionados com a captação e a aplicação
í; ,• piores condições existentes. A sua transformação é um dado eficazes dos recursos materiais e humanos disponíveis, temos
político da mudança da situação histórica. Se esta não se de resolver esses problemas através de critérios diferenciais e
!
transformar em uma direçã o democrá tica, o monopólio do específicos. Em suma, a modernização e a racionalização da
poder pelos círculos conservadores n ã o será amea çado e des- universidade constituem processos vitais de sobrevivência.
truído; a universidade, então, como outras instituições-cha- Dessa perspectiva , nã o se deve subestimar as pequenas con-
ves, acumulará tensões que não se resolverão, através do con- cessões e os avanços relativos do pensamento conservador .
flito, em novas forças construtivas de mudança institucional. Eles não dão origem a uma relaçã o equilibrada entre pressões
No entanto, as instituições se alteram antes que a ordem so- políticas inovadoras e processos técnicos. Mas favorecem alte-

cial como um todo e, com frequência, são as alterações que raçõ es parciais de certo peso na evolução global. Não deve-
nelas ocorrem que criam a fermentação necessária à mudan- mos, só por isso, atrelar-nos às impulsões do pensamento con-
ça de orientação dos espíritos, à calibração do querer coletivo servador. Se este faz certas concessões ou permite determi-
segundo inspira çõ es fortemente divergentes e à dinamização nado avanços, o que busca, atrás das aparências, é a conti -
das tensões e conflitos da sociedade global. Sob esse aspecto, nuidade dos interesses conservadores nas estruturas de poder
a universidade se antecipa, como um microcosmo social que e a preservação do monopólio conservador do poder. Ele sem-
vive com maior liberdade e com intensidade relativa mais pre contará com quadros intelectuais, dos quais sair ão os
ampla, ao destino histórico da sociedade global: ela absorve agentes e os apologistas de suas “reformas”, inclusive a “re-
primeiro a atuação das forças hist órico-sociais emergentes, forma universitá ria ”. Nosso dever consiste em não confundir
experimenta primeiro o seu significado político e testa pri - os nossos objetivos, a curto e a longo prazo, com as suas ma-
meiro o seu poder de negaçã o da ordem social existente. Por - nipulações, a sua propaganda e as suas irrita ções. O nosso
tanto, ao aumentar de volume e ao diferenciar-sé, a universi- alvo é a criação de uma universidade capaz de operar através
dade também cresce de importância como fator político din â- de si mesma , de preencher todas as funções que deve satisfa-
mico. Eia gera, por seu desenvolvimento interno, as influ ên- zer sob a civilização urbano-industrial, de ser uma fonte de

244 245

A. Jn
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í

consciência hist órica crítica e de pensamento inventivo ( na ij;

!i
ciência ou demais formas de saber ) , de converter-se em um •! í.
dos eixos da revolu çã o democr ática. Aí está a nossa causa.
'

Por ela nos deveremos bater incondicionalmente, para forjar i


i

a nova universidade, mas também para fazer do Brasil uma ' ll


sociedade nacional democrática e independente.

CAP ÍTULO 9 e
\
A UNIVERSIDADE E A PESQUISA CIENTÍFICA *

A reforma universitá ria continua a ser vista e discutida r:í


como uma pura “reforma .
do ensino superior ” Presos a uma f
}'
1

tradição cultural estreita, teimamos em ver a universidade 4

gunda mão

como uma instituição apegada a um ensino livresco, de se-
uma instituição cuja maior contribuição à
coletividade estaria na transferência e absorção de conheci-
mentos produzidos originalmente no exterior.
fc !! .

Esse conceito unifuncional de universidade somente cor-


responde ao universo político de sociedades coloniais e de
sociedades nacionais dependentes. Nele, de fato, a universi-
dade deve servir de elo entre os fluxos de cultura das na ções
desenvolvidas ou hegemónicas e os processos culturais pelos
quais as chamadas na ções emergentes tentam assimilar o
padrão de civilização ocidental moderno.
No entanto, à medida que essas sociedades caminham no
sentido de sua emancipação económica, cultural e política,
são compelidas a aderir a novas concep ções da natureza e
das funções da universidade. De um lado, a universidade
deixa de ser encarada como simples agência de nobilitação do
í “letrado” , do homem notável é sábio que se qualifica como
uma sorte de senhor dos livros. De outro, ela passa a ser
estimada positivamente pelo que pode e deve fazer, como uma i1
agência de produção original de saber e, portanto, como uma

das instituições-chaves da autonomização cultural progressi-


va das nações emergentes.
Nesse quadro histórico, a universidade adquire por base
uma filosofia democrática da educação, de cunho pragmático
e de orientação nacionalista. Ela passa a definir-se e a orga
nizar-se, institucionalmente, segundo uma visão multifuncio-
- i
i

nal de seus fins essenciais. Primeiro, para atender à missão


'

* Artigo escrito para publicação, em maio de 1968, por jornal que seria
editado pelo ENECE ( Encontro Nacional dos Estudantes de Ciências
Económicas ) , empenhado no desate da “reforma universitária”. Perma-
neceu inédito, porque o jornal não veio a lume.

246 247
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pois muitos progressos decisivos da ciência e da tecnologia
cultural, que consiste na transmissão e na conservação do científica lançaram suas raízes no labor intelectual feito den- .
saber. Segundo, na realização de sua missão investigadora,
i

tro e através da universidade. O mundo moderno seria bem ;

da qual depende o incremento e o progresso do saber. Ter - diverso do que é, se as universidades não tivessem concorrido
i


••
!!•
I!
í -
ceiro, para satisfazer sua missão técnico profissional, vincu - tão profundamente para a revolução científico-tecnológica de :

lada à formação, em número e em qualidade, do pessoal de


• ;'

nossa era. Os paladinos da concepção multifuncional da uni-


- versidade travaram e venceram suas primeiras batalhas con-


1

: j; nível superior que a sociedade necessita. Quarto, para preen


cher sua missã o saciai que a leva a manter-se a serviço da tra noções obsoletas de seus colegas e contra tradições sufo- 1
:
'

sociedade, como um dos fatores dinâmicos do estilo de vida cantes que imperavam em seu meio cultural. Sob esse aspecto,
: - I- intelectual e da evolução da cultura. 1 Como sucedeu em
!

a universidade concebida sob modelos multifuncionais já


.! •
SI:
'
. toda a América Latina, a ênfase no profissionalismo divor - constitui, em si mesma, uma vitória do pensamento científico.
!

ciou a universidade de suas missões mais produtivas, restrin - Ela se organiza para promover o progresso da ciência e da
Li • gindo-a a um ensino alienado da realidade, altamente verba - tecnologia científica, redefinindo o modelo ideal de homem e
lizado e ret órico, pouco ou nada criador —
pois valorizava os os valores, herdados do passado, que bloqueavam o conheci-
! quisa inventiva

exames e os títulos, negligenciando a aprendizagem e a pes
e pr ático apenas no sentido técnico pro
fissional, j á que predispunha o letrado para uma permanente
disponibilidade intelectual.
-
- -
mento positivo e a intervenção racional sobre as forças da
natureza, da personalidade e da sociedade.
Portanto, podemos abordar a questão evitando a men - i

cionada controvérsia, que carece de significado em nossa


Dessa perspectiva, a concepçã o multifuncional da Uni - j!í

th versidade surge, a um tempo, como símbolo de maturidade


época. De fato, a revolução científico-tecnológica modificou
as bases materiais e morais da civilização moderna. Alterou
intelectual nos marcos da civilização vigente, como resposta o seu padrão de integração e de evolução, transformando o 1
à democratização das oportunidades educacionais e das for-
I •

próprio estilo da “ preparação do homem para a vida ”.


1' * i

mas de saber, e como condição-e-efeito de complexos proces-


X
A educação geral, exigida em nossos dias, requer que se
sos nacionais de autonomização cultural. Ela representa, tam-
\
t:..
adapte as energias, a mente e o comportamento humanos aos

í. bém , a conquista de um novo patamar, pelo qual as na ções critérios de pensamento, às formas de saber e ao mundo da
emergentes se projetam ( ou tentam projetar-se) na luta pe - ciência e da tecnologia científica. 2 Em outras palavras, na
las condições institucionais de produção do saber científico e
tecnológico. O êxito nessa esfera possui o mesmo significa - _

atualidade podemos partir da concepção multifuncional de
universidade, sem ter de enfrentar as batalhas intelectuais
i 3
*i
do que a “ emancipaçã o política ” e o “ desenvolvimento eco- !'i
'

que cercaram o seu advento na história moderna.


nómico”. Ao atingir o referido patamar , a nação emergente ;]
ganha condições intelectuais para negar e superar os laços
t Colocando-nos nessa posição, que parece ser a única jus- :i
.
i
i •

visíveis ou invisíveis da depend ência cultural em relação ao tificável e inteligente, somos impelidos a refletir sobre a re-
!i
! •

exterior. forma universitária segundo as exigências do conhecimento


3 científico. A universidade que deve servir de esteio educacio- i , • ••
I I
nal à civilização baseada na ciência e na tecnologia científica
'

i \
i
.
íI ; precisa estar apta para preencher as quatro missões enume-
íi

t: • As Funções da Universidade no Fomento da radas, ao nível dos requisitos atuais dessas duas formas de
h ; • : Pesquisa Científica saber. A missã o cultural da universidade de nossa era está
.i
indissoluvelmente ligada à parte que a ciência e a tecnologia
i Uma longa e insaná vel controvérsia afeta essa questão cient ífica tomam no condicionamento de nosso estilo de vida
da “missão investigadora” e “ diretora” da universidade. ou na configuração de nossa civilização. A maior parte e a ( .i •

Ninguém ignora que a universidade tem sido, em todos os parte dinamicamente mais importante do saber a ser conser-
tempos e em todos GS lugares, um baluarte dos preconceitos
2 Ver, a respeito, as reflexões de Lawrence K. Frank , Society as the I
e da inércia cultural. Ninguém ignora o reverso da medalha,

ir
t Patient. Essays on Culture and. Personality, New Brunswick, Rutgers
1 Enumeração extraída e adaptada de Risieri Frondizi, “La Universidad : University Press , 1950, cap. 18.
i X y sus Missiones” ( Comentário, Buenos Aires, oct.-nov.-dic., 1956, pp. 3-9 ). :

249


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248

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á
vado e transmitido procedem da ciência e da tecnologia cien
tífica. A missão investigadora da universidade gira igual-
- sob as determinações e condicionamentos da revolução cien
tífico-tecnológica, organiza-se. estrutural e dinamicamente,
- I
£r :;
mente em tomo de ambas. Embora o conhecimento do senso pelas formas, alvos e valores do conhecimento científico.
comum, a religião, a filosofia, a literatura poética ou de ficção Não obstante, o que se tem de discutir nã o é a natureza i;
e a arte tenham - o seu reino próprio e mereçam cultivo cui- da vinculação dessa nova universidade com a pesquisa cien-
"

u
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dadoso, a principal contribuição criadora terá de emergir tífica, mas as proporções em que pode animá-la e realizá-la 4 ’

dos diversos ramos da investigaçã o científica e tecnológica. através de um esfor ço pr óprio. É claro que se se pretendesse
Por fim , a missão social da universidade hoje se concretiza atribuir às universidades o monopólio da produçã o original a;li
como parte do desafio que a ciência e a tecnologia científica
'
nas esferas da ciência e da tecnologia científica, seria fatal
lançam às velhas estruturas da economia, da sociedade e da destruir-se a eficácia da universidade (em suas m últiplas
cultura. A integração final da civilização baseada na ciência fun ções ) e o progresso permanente da pesquisa científica (em
e na tecnologia científica exige a dissoluçã o das formações suas vá rias direções ) . Na verdade, existe o máximo interesse
sociais, econó micas e políticas herdadas do passado remoto em restringir-se a diferenciação e a expansão da pesquisa
,
ou recente. As novas t écnicas sociais de controle das forças
da personalidade, da sociedade e da cultura impõem o plane- nais. De um lado, a universidade deve absorver a pesquisa
-
científica, no interior da universidade, a certos limites racio
*
jamento experimental como recurso básico de avaliação da cient ífica nas proporções em que ela for essencial para treinar
eficácia das instituições e das mudanças psicossociais ou so- e educar as vocações jovens, tanto para a rotina do trabalho
cioculturais. 3 Assim, o hiato existente entre o “ progresso de investigação nos vários setores da ciência e da tecnologia
técnico” e o “ progresso moral” do homem acabará anulan- científica quanto para o esfor ço de criação original e de
<1

do-se e desaparecendo, como efeito dos dinamismos da pró- invenção, que varia de um campo para outro e de acordo com
f
pria civilização fundada na ciência e na tecnologia científica. o giau de avanço relativo de cada campo. De outro, ela deve
Esse vasto panorama, esboçado apenas em seus aspectos estar em condições de acolher e estimular, diretamente, as
centrais, sugere que a revolução cient ífico-tecnológica tende investigações que forem necessárias para a integração de teo-
a engendrar os seus próprios modelos de universidade. O que rias de médio ou de longo alcance. A universidade não está
i
nos interessa, a respeito de tais modelos, é a importância con- condenada à pesquisa fundamental que busque o conheci
mento puro e a construção da teoria geral. Mas somente ela
-
ferida à pesquisa científica na organização da universidade.
A universidade não pode procurar fora de si o conhecimento pode fornecer suporte material, intelectual e moral para a
í- científico pronto e acabado. A ciência, como sistema institu- produção criadora que transcenda à especialização, ao ime
diatismo ou ao particularismo.
-
cionalizado de conhecimento, reconstr ói-se e aperfeiçoa-se de
modo incessante, em função do progresso do homem no do- Desse ângulo, ela não parasita as demais instituições,
mínio e na utiliza ção de suas formas de conhecimento Para que concorrem com ela para . o progresso da ciência e da tec-
poder transmitir essas formas de conhecimento, a universi - nologia científica. Ao contr ário, insere-se entre elas como
1
í
dade tem de absorver o ensino das técnicas de pesquisa cien
tífica; para poder acompanhar os progressos incessantes dos
- um elo fundamental — a cadeia que unifica na direção do
futuro e conduz a pesquisa científica aos seus alvos empíricos,
diversos ramos do conhecimento cient ífico, a universidade teóricos ou práticos mais complexos, gerais e importantes.
precisa produzir, por meios próprios, pelo menos algumas par- As f órmulas para atingir semelhantes objetivos são natu-
f, celas daqueles progressos; para poder comunicar ao meio cir-
cundante as t écnicas do conhecimento científico, a universi-
ralmente variá veis, de acordo com os recursos que cada socie
dade pode colocar à disposição da universidade. Duas solu-
-
dade necessita de vias internas de descoberta, aplicação e ções, entretanto, merecem especial consideração. Nos Estados

— —
avaliação de tais técnicas. Em suma, a universidade, que se Unidos, por exemplo, tenta-se aumentar a conjunção entre
modela pela civilização que está nascendo ou se expandindo as duas funções básicas a do ensino avançado e a da pes-
quisa cient ífica recorrendo-se à incorporação sistemá tica
•'Sobre o planejamento experimental como técnica social, ver Karl
'

Mannheim ( libertad y Planificación Social, trad. Rubén Lancia, México, de numerosos institutos à universidade. Na Rússia, ao con-
Fondo de Cultura Económica, 1946, p. 239 ). tr ário, procura-se intensificar o desenvolvimento institucio-
250 251
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i i ;• :

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tivamente satisfatórias ( pelo menos durante alguns lapsos de it*


nal aut ónomo, embora interdependente, das duas funções,
-
concentrando se a coordenação e o fomento das pesquisas em tempo ) , a barreira humana apresenta obst áculos intranspo -
um órgã o especial. Ambas as soluções exigem uma alta prio- níveis. Existem poucos investigadores e, entre eles, é dif ícil
ridade nacional para a investigação, abund ância de recursos recrutar pessoal para projetos de pesquisa com alvos deter-
! materiais e humanos devotados à expansão da ciência e da minados. Assim, o acanhamento do meio social no que con -
tecnologia científica, e um intenso ritmo de crescimento in - cerne áo incentivo da pesquisa científica e à rigidez da uni-
terno da civilização industrial. Por isso, mesmo na ções ricas, versidade diante de sua missão investigadora desembocam
:

dotadas de reconhecidas tradições científicas, preferem ficar numa dura realidade, que não pode ser superada facilmente.
:!
em um meio-termo, como sucede com a República Federal
Alemã. Esse exemplo possui interesse peculiar para nós. Ao
Não obstante, algumas alterações fundamentais dessa
situação não dependem da organização da sociedade nem da
-
I

mesmo tempo em que se fomenta a intensificação do cresci


mento coordenado da pesquisa científica, buscam-se novas
- mudança do padr ão de relações entre a universidade e a so-
ciedade. Mas do modo pelo qual a universidade mobiliza,
modalidades de organização das universidades, com o fito de coordena e aproveita os fatores envolvidos em sua organiza ção
combinar melhor a atividade docente e o trabalho de pesqui- e funcionamento. Por essa razão, a reforma universitá ria
sa. Solu ções desse tipo são interessantes para o Brasil, porque pode tornar-se extremamente útil, abrindo novas perspectives
i
sofremos uma limitação insuper ável de dois fatores essen
ciais: os recursos materiais e os recursos humanos que podem
- :
ao incremento da pesquisa cient ífica, sob condições de econo- ;i .

mia de fatores adicionais.


I? ser devotados à pesquisa científica nas universidades. Os pri - )

Para que isso ocorra, a reforma universitá ria deve levar


meiros são ultra-escassos; e os segundos muitas vezes pre-

;!j
em conta e resolver racionalmente três tipos de problemas.
.
: •

cisam ser formados parcial ou totalmente. Em tais condi


ções, é preciso ou aconselhável moderar a diferencia ção insti-
- O problema mais grave e geral diz respeito à pesquisa de trei-
• i.
.1

tucional, restringindo os elementos polarizadores do cresci- namento, básica para a formação em n úmeros crescentes de •
ij

mento da pesquisa científica e elevando-se ao máximo o uso investigadores. Algumas escolas superiores conseguem recur-
:l :t !
intensivo dos fatores que podem ser mobilizados por seu sos para organizar produtivamente a introdução do estudan-
intermédio.
te à rotina elementar da pesquisa científica. Isso sucede espe- Hi
cialmente nas escolas de Ciências Médicas, de Engenharia e :! •

'! -j
em alguns setores das melhores faculdades de Filosofia.
O aparato do laboratório ou da pesquisa experimental esta -
: i Os Objetivos Imediatos belece certos mínimos, que não podem ser descurados. Con
tudo, são numerosas as escolas, mesmo nesses campos, que
- • !
;

! .
não atingem esses mínimos •. e negligenciam a preparação I

Na situação brasileira ainda estamos na fase de criação do investigador. De outro lado, as ciências que não podem
-
f

das condições institucionais para a realização e o fomento da explorar o aparato de laborat ório ou dos modelos experimen
pesquisa cient ífica. As universidades mostram-se demasiado tais de pesquisa, como acontece principalmente com as Ciên- i

r ígidas diante de sua missão investigadora. Fora das uni- cias Sociais, defrontam-se com uma situação calamitosa.
versidades, de outro lado, é acanhado e deficiente o ritmo de Mesmo nas melhores escolas prevalece, então, o ensino verbal
desenvolvimento da pesquisa científica de alto n ível. Por isso, de rudimentos das técnicas de investigação, com graves pre-
embora nã o estejamos na estaca zero, sã o raros os campos nos juízos para a formaçã o científica dos estudantes e para a so-
quais os investigadores podem pensar em termos mais ou ciedade, que não contará com a matéria-prima de que carece
menos ideais. A maior parte dos investigadores precisa dedi-

- : e terá de suportar os custos indiretos do treinamento desses
i car suas energias a fins e a condições instrumentais como jovens, nas carreiras em que puderam ser aproveitados. Ao
obtenção de verbas, contrato de pessoal, meios técnicos de que parece, a reforma universit á ria deveria dar prioridade
pesquisa etc., como se a pesquisa científica não estivesse indiscut ível aos requisitos propriamente científicos da for-
institucionalizada e como se certos esforços devessem ser mação intelectual dos estudantes, preparando a universali-
!?
í eternamente repetidos. Mesmos onde essas condições são rela- zação de condições mínimas eficientes de iniciação à pesquisa
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científica, de treinamento no uso de técnicas fundamentais O estudante, a partir desse marco, pode ser qualificado
de investigação e na construçã o de uma mentalidade cien- como aprendiz de cientista. O treinamento em pesquisa não
tífica acurada. -
deve, apenas, introduzi lo nos rudimentos da investigação e
.
' •

Esse não é, porém , o maior obstáculo à formação do


da lógica do raciocíncio científico Ele deve receber um ensi
no que é quase de pré-especialização e que lhe confira con-
- T

E investigador. A sociedade brasileira só pedia às escolas supe- dições para alcançar o maior domínio possível sobre determi-
riores, no passado, que fabricassem “ bons” profissionais libe- nadas teorias e as técnicas de investigação que elas pressu-
rais. Daí resultou uma deformação estrutural da universida-
de nascente, que precisa ser corrigida com urgência. As esco-
-
põem. Portanto, configura se aqui a pessoa do estudante de
tempo integral e que necessita de recursos especiais de apren-
las superiores não intervinham na seleção e na preparação dizagem, para formar seu tirocínio fazendo e decidindo, sob a
dos talentos. Essa função era desempenhada pela pr ópria supervisão e o aconselhamento de pesquisadores experimen-
sociedade, através de critérios económicos, sociais e políticos. tados. Ora, a nossa universidade até hoje n ã o soube o que
Depois de graduado, os mesmos critérios continuavam a ope- fazer com o estudante típico da era do ensino livresco e verbal,
rar e o treinamento propriamente profissional e técnico se que se acotovelava com os colegas nas salas de aulas e depois
- fazia por meio das oportunidades de carreira e pelo “tirocínio sumia da escola. Para atender ao novo tipo de estudante, que
•I •

prático”. Tratava-se, naturalmente, de um adestramento


,

i
|i passa a “viver”, a “trabalhar ” e a “produzir” na escola, ela
custoso, mas que não prejudicava a aprendizagem ou treina-

precisa transformar-se em sua estrutura material, em sua !*
r .
mento pós-escolar porque os escritórios de advocacia ou de organizaçã o social pois esse estudante possui direitos equi-
engenharia e as clmicas estavam aparelhados para exercer valentes aos seus mestres, no uso dos recursos escolares e na

!
semelhante mister. Tanto a seleção indicada quanto o mode-
lo correlato de “aperfeiçoamento prá tico” são incompatíveis
disposição dos meios para as pesquisas — e em sua filosofia
( já que também tem de admitir que, afinal das contas, de
j.i

certo nível da aprendizagem em diante, o aluno acaba tor-


com a dinâmica ocupacional, cultural e social da civilização i\


baseada na ciência e na tecnologia científica. Não só se pre
cisam talentos em grandes n úmeros; precisam-se os melhores
- nando-se o eixo e a principal figura do processo educativo
de fins criadores) . A questão não se reduz, como se pensa,
talentos. Além disso, o treinamento prá tico se faz em tão alto em aumentar o número de salas, multiplicar laboratórios, .J .
:
»
3
nível de complexidade que o jovem precisa trazer uma baga- ampliar os quadros de docentes e de mestres-pesquisadores
gem intelectual muito rica e ampla experiência como investi- etc. É muito mais complicada, envolvendo desde os critérios
gador para ter alguma probabilidade de aproveitar oportuni- de seleção propriamente educacionais, as técnicas de organi-
dades compensadoras em carreiras ligadas à ciência e a tec- zação e orientação da aprendizagem, até o convívio de pessoas
nologia científica. Por fim, o candidato à pesquisa funda- independentes, com experiência desigual, mas com poderes
mental avançada deve passar previamente por um tipo de de realização e de decisão equiparáveis, a programação de um
aprendizagem que o habilite a associar teoria e pesquisa de processo completo de planejamento e execução de uma pes
quisa , o debate intelectual de natureza positiva, a produçã o
-
forma criadora. Se ele nã o souber pôr em prática as regras
científicas do pensamento inventivo, dificilmente poder á ter e a avaliação objetiva de uma obra original etc. Adaptar a
êxito e varar as exigências preliminares. Tudo isso indica universidade brasileira a esse desdobramento da missão inves-
que os principais problemas de organização da pesquisa no tigadora do ensino superior não é f ácil. É preciso que a revo-
ensino superior se colocam ao nível dos estudos pós-gradua- lução se estenda dos prédios às pessoas, da estruturaçã o do
dos, de mestrado e de doutorado. É aí que se precisa efetiva- espaço f ísico à estruturação do espaço moral. Todavia, se não
mente realizar uma verdadeira revolução, rompendo-se de vez dermos esse salto, que se encontra por assim dizer na pro-
I
com o padr ão brasileiro de escola superior e instituindo-se a jeção mental de alguns professores e no ideal dos seus estu-
universidade multifuncional, capaz de preencher construtiva- dantes, jamais o Brasil poderá atingir qualquer domínio efe-
mente a função de preparar os estudantes avançados para a tivo sobre as condições propriamente humanas do avanço da
I
-
pesquisa científica e tecnológica de alto nível e de interesse ciência e da tecnologia científica. A revolução científico-
definido para a coletividade. industrial possui certos tipos de personalidade básica. Ou
r -
í;ii 254 255
;


Si! ; jà
seja, o seu padrão de homem culto e de investigador. Â uni
versidade precisa formar esse padr ão de homem, para adaptar
- investigação científica dignos desse nome e à altura do avan-
a inteligência criadora à natureza de suas funções na civili - ço relativo atual da ciência. A nossa universidade propõe se-
zação baseada na ciência e na tecnologia científica . Se isso incorporar a pesquisa cient ífica como se esta fosse um orna-
não suceder, a revolução científico-tecnológica não se concre- mento ou uma dimensão burocrática de sua existência. A men-
tizará. Porque ela é produzida e dirigida pelo homem — não
é um efeito automático da “ expansão da civilizaçã o ocidental
talidade tradicional, avessa e contrária à ciência e à tecno-
logia cient ífica , solapa qualquer tentativa para irmos ao fun-
moderna ”. do das coisas e nos obriga a patinar num terreno falso, dete-
O segundo problema crucial com que nos debatemos diz riorando e restrigindo a missão investigadora na universidade
respeito à posição da pesquisa científica - na universidade. -
ou mantendo a eternamente abaixo dos padr ões e das
realiza ções que ela deve alcançar , sob o modelo do co-
Ainda agora, apesar dos progressos obtidos, as escolas supe
riores teimam em manter o padrão tradicional, que exclui a
- nhecimento científico. As ciências mais prejudicadas são,
pesquisa de sua esfera de atividades essenciais e normais. naturalmente, as Ciê ncias Sociais. Todavia , também as ciên -
Faz-se pesquisa aqui e ali e em algumas escolas com reuita
dos apreciáveis, mesmo numa escala internacional. Mas tudo
- cias de laboratório sofrem limita ções insanáveis, tendo de
-
adaptar se a condiçõ es institucionais permanentes que mais
se passa como se o professor-pesquisador devesse “ roubar ” o parecem forjadas para conspirar contra a pesquisa que para
tempo e as energias que investe na pesquisa do estudante, do promover o seu avanço. A irracionalidade da situação predo-
ensino ou do seu próprio lazer e de sua família. Por isso, a minante é de tal ordem que os próprios professores-pesquisa -
questão é grave. O fomento da pesquisa científica exige con
dições especiais, com aíiuxo crescente de recursos materiais e
- dores acabaram apegando-se a decisões, avalia ções e compor-
tamentos de patente cunho irracional. Não se pode explicar
-
financeiros, uma política definida de atra çã o, seleção e reten
ção de talentos jovens, formação e ampliação de quadros de
de outro modo certas tend ências tão fortes, que identificam
os nossos melhores homens de ciência com uma visão segmen-
investigadores de alta competência, condições institucionais tada, afunilada e pulverizada da estrutura global da univer-
de organização e de motivação de formas de trabalho intelec - sidade. Agem como se, par á terem segurança quanto ao do -
tual muito complexas e delicadas, padrões específicos de com - mínio de meios e de fins essenciais para a pesquisa científica,
petição, de coopera çã o e solidariedade intelectuais etc. Nada o ideal estivesse numa organização que começasse e termi-
disso pode nascer de uma hora para outra. 3 com frequência nasse na instituição isolada do próprio investigador. Sacrifi-
nunfea pode nascer, se a universidade não educa o investiga - cam, assim , a universalidade inerente a qualquer padrão
dor para atingir esses fins e se ela própria não se organiza organizatório da universidade e da “á rvore da ciência ” às de-
como um meio humano especial, capaz de coordenar, dirigir ficiências estruturais e funcionais da escola superior brasi-
e intensificar semelhante florescimento histórico-cultural. leira. Para superar uma situação soeiopá tica, avançam na
Um longo debate vem sendo travado pelos que acham direçã o de soluções que nos colocar ão, em breve, diante de
que a situação é precária apenas por falta de dinheiro. De alternativas pouco estimulantes e construtivas.
fato, para adotarmos planos ambiciosos de expansão da pes
quisa científica precisamos de dinheiro e de muito dinheiro.
- Essas ligeiras indica ções são suficientes para mostrar
Todo o or çamento da Universidade de São Paulo, por exemplo, quão dif ícil vem a ser, diante de tal quadro geral, descobrir
os caminhos que permitam dar à pesquisa científica a posição
mal daria para financiar um programa de investiga ção ató
mica no campo da Física. O que é discutível, à luz de tais
- e a importância que ela deve possuir na organização da uni -
argumentos, é se podemos passar tã o depressa do estado em versidade. De um lado, os modelos herdados do passado sufo-
que nos achamos a programas de pesquisa científica dessa cam ou limitam o esfor ço investigador. De outro, a diferen-
cia ção das instituições devotadas à ciência e à pesquisa tecno-
envergadura. Ká algo a criar , nesse intervalo . . . O que ocor
re, na verdade, é que o horizonte intelectual m édio das
- lógica no meio externo à universidade é acanhada, encon -
“elites culturais” brasileiras impede que tomemos consciência trando-se numa fase incipiente de elaboração sociocultural.
do esfor ço que devemos realizar para erigirmos n úcleos de Por conseguinte, avulta o papel criador que a universidade
deveria preencher, saturando um espaço parcial ou totalmente
256 257
rI
;

vazio como se a norma fosse, inevitavelmente, “ ruim com ela, gência e ao desenvolvimento de um sistema institucional de V

..
pior sem ela ” . Erigi-se como regra um círculo vicioso de su- conhecimentos científicos e tecnológicos, integrado em con-
formidade com o padrão dessa mesma civilização.
!
'
!
ma gravidade cultural. A universidade, que não atende sua
missã o educativa sob padrões efetivamente científicos, acaba O terceiro problema fundamental diz respeito às relações
impondo-se como o único fator de algumas proporções de ex- entre a universidade e outras instituições devotadas à ciência
pansão da pesquisa cient ífica. O ensino nã o pressiona a pes- e à tecnologia científica. Não supomos que a universidade
quisa e esta se neutraliza como fator de mudança do ensino, de seja uma instituição predominante ou que lhe caiba deter-
controle do ambiente pelo homem ou de progresso cultural. minar, sozinha, a contribuição da ciência e da tecnologia
Por aí se vê que é necessário estudar-se melhor e mais acura- cientifica para o progresso intelectual da sociedade. Nã o
damente a questão de como organizar a pesquisa na univer- existe mais monopólio do saber, e os limites dentro dos quais I. ,,
sidade brasileira. Pouco se fará de produtivo, a largo prazo, a universidade condiciona, estimula ou orienta as demais ins-
-
mantendo se alternativas estreitas, vindas do passado ou
nascidas da frustra çã o dos cientistas. Temo de criar f órmu-
tituições, abrangidas pelo sistema das ciências, variam se-
gundo a import â ncia dessas instituições e o grau de contri-
las novas, que dever ão transcender à mera superação do las- buição que elas d ã o, por sua vez, para o funcionamento e o
timável estado atual das coisas e servir como fulcro à con- crescimento da universidade.
quista de novos avanços. Por isso, acreditamos que seria de- A pesquisa científica desenvolvida na universidade exerce
sejável que entidades como o Conselho Nacional de Pesquisas, três espécies de influência distintas sobre os dinamismos do
a Fundação de Amparo à Pesquisá do Estado de São Paulo e a sistema de conhecimentos científicos e tecnológicos extra-uni-
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência promoves -
sem um seminá rio especial para a discussão de tais f órmulas,
versitá rio. Uma influência indireta, relacionada com a quali-
dade do pessoal de nível superior que a universidade lança no
encaminhando em seguida as conclusões para órgãos capazes mercado de maneira ininterrupta. Se esse pessoal receber
de aproveitá-las na reorganiza çã o das universidades brasi- boa preparação cient ífica e se a formação pós-graduada en-
leiras. volver treino sistemático em áreas avançadas da pesquisa
científica, as diversas instituições devotadas à ciência e à
Parece patente que, mantida a presente situação, conti- tecnologia científica podem atingir elevados padr ões de tra-
nuaremos a incrementar a pesquisa científica em direções balho e contribuir de forma criadora para o progresso da
erradas, aproveitando mal ou usando improdutivamente os investiga çã o científica ou tecnológica. Existe outro tipo de
i - recursos escassos que podemos destinar , na forma de dinhei- influ ência que é, caracteristicamente, imediato e direto. Por
ro, tempo e energias humanas, à missão investigadora da várias razões, aquelas instituições somente podem interessar-
universidade. É claro que nem tudo deve ser lançado às cos -
tas da universidade. A sociedade pode dar ( ou deixar de dar )
se por certas fases da assimilação, produção ou utilização
de conhecimentos fundamentais. Cabe às universidades sa-
à universidade condições, meios e objetivos que regulem, di
reta ou indiretamente, o seu poder de absorver a pesquisa
- turar o vazio daí resultante, fornecendo conhecimentos fun-
damentais sobre as demais fases, contribuindo assim para
científica e de valorizá-la ou de expandi-la convenientemente. introduzir maior equilíbrio na diferenciação e no funciona-
Todavia, já é possível avançar mais longe que a própria so- mento do sistema institucional de conhecimentos científicos
ciedade e antes que esta o faça. Seria mau se os professores - e tecnológicos. Em países adiantados, essas lacunas se fazem
pesquisadores se pautassem pelas avalia ções e aspira ções ou sentir principalmente na esfera da teoria geral e da pesquisa
concessões da mentalidade média de nossas “elites culturais”, pura. Nos países subdesenvolvidos, porém, elas aparecem em
tã o indecisas, confusas e reacionárias diante do que devemos todos os níveis do saber científico e afetam seriamente o de-
fazer para adotar uma reforma universitá ria adequada à senvolvimento da tecnologia , que corre o risco de ficar total-
nossa época e às funções que a universidade precisa preen- mente entregue aos incentivos externos. Em consequência,
cher, através da pesquisa científica, na civiliza ção moderna. nesses países a missão investigadora da universidade adquire
Aí é inegá vel que a universidade pode e deve preencher cer- maior amplitude, indo dos alvos empíricos, teóricos e prá ticos
I .
tas funções diretoras, sumamente necessá rias e ú teis à emer- do conhecimento científico à adaptação e à calibração do co-

258 259
^
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I.
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a sua estrutura e o modo pela qual ela determina a importân-
nhecimentc tecnológico. A terceira influ ência decorre do cará- cia da pesquisa cient ífica nas atividades universitá rias. Por
ter, cooperativo do processo de acumulação do conhecimento isso, é de esperar-se que pelo menos os problemas relaciona-
científico, tecnológico e cient ífico-tecnológico. Mesmo que a dos com os níveis e amplitude da pesquisa de treinamento,
universidade possua recursos financeiros e humanos abun- bem como os problemas vinculados com a diferenciaçã o es-
dantes, ela jamais poder á fazer tudo sozinha, especialmente trutural e funcional da pesquisa científica no seio da univer-
na programação e realização de projetos de real envergadura. sidade, encontrem pronta equação e solução. Àí está o míni-
Aí, impõe-se a cooperação em bases amplas. A universidade mo que se poderia esperar da reforma universitária em prol 1.1
deve contar com centros de investiga ções que estejam aptos da renova ção das “estruturas universitá rias”. Se ela for inca-
para realizar os seus papéis, onde e quando semelhantes pro- paz de enfrentar esse mínimo, não haver á porque batizá-la com
jetos se tornem possíveis, e para provocá-los e conduzi-los, se nome tão pomposo. Ela será mais uma confusão semântica
as demais instituições não tiverem vitalidade para tanto. das nossas “elites culturais”, pródigas de adjetivações e de i .

Cada um desses tipos de influência possui implicações idealiza ções, mas som íticas no plano da a ção. A universidade
específicas e todos eles, em conjunto, repercutem sobre a qua- brasileira continuar á a ser uma bela vitrina, por ém , pouco
lidade e a intensidade da pesquisa científica dos centros uni- ú til para acelerar o desenvolvimento da ciência e da tecnolo-
i
'/ versitá rios. O primeiro tipo de influência concorre, definida- gia científica no Brasil. Manterá a sua soberana indiferen ça
mente, para despertar e acentuar, fora da universidade, um e a sua quase total alienaçã o em face das causas da cultura
ambiente humano capaz de avaliar adequadamente o valor como dilemas de uma sociedade nacional subdesenvolvida,
das realizações da “pesquisa acadêmica ”, e para oferecer à qu ç precisa lutar arduamente por sua emancipação económi-
própria universidade suporte emocional, intelectual e moral ca, política e cultural.
nos seus embates mais ou menos dramáticos com o meio.
O segundo tipo de influência ajuda a universidade a desco-
i brir e a avaliar realistamente, entre desenvolvimentos alter-
nativos possíveis da pesquisa científica, os que apresentem
maiores dividendos para a sociedade e possam ajud á-la me-
lhor a forjar seu destino nacional. O terceiro tipo de influ ên-
cia engendra liamés mais fundos entre o “ meio acad êmico”
e o “mundo extra-universitá rio”, fomentando compreensão e
solidariedade cimentadas através de motivos e valores homo-
géneos. Estimula a quebra do isolamento, que vitima princi-
palmente o “meio acadêmico”, condenando-o a um estreito e
estéril paroquialismo, ao mesmo tempo que leva ao “mundo
extra universitário” preocupações que podem ser extrema-
-
mente ú teis ao alargamento do horizonte intelectual médio
dos círculos humanos empenhados na pesquisa cient ífica e
tecnológica.
Parece evidente que a reforma universitária nã o poderia
tocar , de modo imediato, em todos os aspectos mencionados
da organiza çã o e das funções da pesquisa científica. Entre-
tanto, é preciso que eles sejam levados em conta globalmente,
para que se possam selecionar melhor os que comportam um
ataque piais rápido. A universidade não pode fazer muito
nas conexões que dependem da existência de certas correntes
de opinião e de mudança soeioculturais da própria sociedade.
Mas pode fazê-lo naqueles setores nos quais entram em jogo
261
260
I

4
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i 1

Apêndice
A UNIVERSIDADE AMBÍGUA *

Darcy Ribeiro chegou aos temas da educação depois de


uma longa experiência como etnólogo. Portanto, ele põe a
serviço da “inteligência da educação” a compreensão antro -
pológica da cultura. Há um risco em ver alguma coisa isola -
damente'; mas, também, existe o risco inverso: perdér de vista
alguma coisa por causa do conjunto. A visão da realidade do
antropólogo, que se formava em São Paulo pelos idos de 40
e õO, permitia fazer uma rotação de perspectivas. Tratava se -
de procurar uma rela ção recíproca, em que a coisa e o con -
junto se esclarecessem mutuamente. O etnólogo não pro-
cura a árvore nem a floresta. Estuda povos em sua totali -
dade, o que quer dizer que vê o homem como agente coletivo
da produ ção, conservação e transformação da cultura .
A esse componente é preciso agregar dois outros, não
menos essenciais. Primeiro, a maneira de conceber as coisas,
de Darcy Ribeiro, é eentralmente política. A questão se põe,
para uns, em “termos pr áticos”, para outros, em “termos
críticos” ; para ele, ela sempre aparece em “termos pr áticos”
e em “ termos cr íticos”, passando pelo fulcro daquilo que se
poderia chamar , no sentido positivo, de “interesse coletivo”.
Portanto, não estamos só diante de uma praxis, mas de uma
práxis que transcende ao momento intelectual da consciência
e se volta para fora, para realizar sua intenção transforma -
dora no plano mais amplo da existência coletiva dos homens.
Segundo, Darcy Ribeiro não foi socializado para ser um nem
o universitá rio. Foi treinado coísp cientista social e daí pas-
-
sbu, diretamente, para os papéis intelectuais que marcariam
sua presença na sociedade brasileira: a pesquisa científica
aplicada à solução de problemas educacionais, a adminis -
tração racional da educação e a elaboração de políticas de
educação. Portanto, o educador fica no ponto de partida,

* Publicação prévia: Centexte, N.° 1, pp. 115-118.

263
T
porém não se trata do educador na sala de aula

é o refor
mador, que entra em linha de conta. Ele amadurece ao longo
de vá rios anos, realizando-se através de m últiplos projetos
- trabalha como corrcia de transmissão das Nações centrais e,
em outros, se estilhaça e se recompõe, assumindo a identi-
de ciência aplicada e de administração educacionais, para dade de “necessária” na medida em que passa a operar numa

ainda muito contingente —


chegar à universidade pelo tope, na posição de um reitor que
tentava criar “a sua versão” na verdade a primeira versão,
-—da universidade necessária
Para se entender um livro como este 1 é necessário fazer
.
faixa própria de autonomização intelectual, técnica e política
das Nações perif éricas. Nesses momentos, a universidade
concebida, mesmo, como “a única” —
encarna a vontade revolucionária, como instituição-chave —
na superação do subde-
uma biografia. Situar os vários homens e os vários tipos de senvolvimento, do estado colonial reconhecido ou ocultado e
intelectual que coexistem na mesma pessoa e que usam o da dependência cultural, moral e política. Em resumo, ela é
autor para se concretizarem. Sobretudo, é indispensável n ão resposta nos quadros da revolução nacional do século XX, que
esquecer que nenhum desses homens e de tipos de intelectual não se abrem, apenas, para o capitalismo e o Sstado-nação,
foi domesticado pela variedade brasileira de “ vida universi- já que inúmeros caminhos levam também para o socialismo,
o Estado-de-transição que se deveria autodestruir e as várias
tária”; Darcy Kibeiro nem como etnólogo nem como educa
dor nem como homem de ação nunca gravitou dentro ou em
- soluções intermediárias ou de compromisso entre capitalismo
e socialismo. O fundamental é que a universidade adquire,
torno de qualquer provincianismo universitário e, em parti
cular, nunca se “profissionalizou ” como universitário. Daí
- de novo, o status de instituição criadora, de foco institucional
resultam algumas deficiências de suas idéias e “ utopias”. de produção intelectual original, de agência do processo de
Mas aí reside, também, a sua força. Pois ele reflete sobre a transformação incessante das civiliza ções. As ambiguidades
universidade como um ultra que é, ao mesmo tempo, um anti. do presente nascem, mesmo, da confusa situação histórica
que vivemos, na qual a universidade é chamada para manter
Se corre o risco curioso e frequente de extrapolar o universi
tá rio de sua universidade e viee-versa, ignorando e esque- - e revigorar uma civilização que deveria ajudar a destruir e,
cendo as mazelas que a instituição infiltra no seu agente, ele simultaneamente, a colaborar na criação de uma. civilização
pode apanhar a universidade por assim dizer no seu “estado nova, oposta à civilização em crise e, por vezes, a sua nega ção
frontal.
puro”, no que ela é, no que ela poderia ou no que ela deve
ria ser.
- A parte mais importante do livro, na maioria dos ensaios,
-
Vendo se A Universidade Necessária desse prisma, o livro, flui nessa área de confusão e ambiguidades, vivida na peri -
que constitui uma coletânea de ensaios, ganha uma substân- feria do mundo capitalista e, principabnente, em termos da
cia maior . Ele consubstancia aquilo que poderia ser um ponto América Latina. Não fosse a força do “elemento utópico”,
— -

de partida histórico, se as nações subdesenvolvidas o Bra - o vigor da identificação romântica com o futuro e a explên
sil, em especial pudessem ser expurgadas do passado colo- dida repulsa sistemática do “estado atual das coisas” (como
nial e do estauto do colonizado. A reflexão gira feericamente, diria K. Mannheim ) , a própria idéia central de “ universidade
pois a medula do ato consciente crítico e interpretative se necessária” teria de ruir. As condições adversas são tantas
centra no processo de crescimento e crise das civilizações
a civilização transmitida pelo colonizadores do passado e do — e tão poderosas, que na verdade o que existe é aquilo com que
se pode contar, fora e acima do ato de repulsa criadora, e o
que se configura é a universidade vacilante, a imagem inver-
presente, a civilização que deveria ser construída pêlos colo
nizados e a civilização que se elabora em surdina, a despeito
- tida da universidade revolucionária, de que carecem as Na -
de ambos, colonizadores antigos ou modernos e colonizados ções da periferia para enfrentarem e subverterem o subdesen-
instrumentais ou insubmissos. A universidade entra e parti- volvimento, com todas as suas sequelas e impossibilidades .
cipa do circuito como o elo dinâmico, que em um momento No entanto, o embate de todos esses elementos adversos e das
-
impotências que eles geram apenas fortalecem a idéia chave,
de que a “ universidade necessária” está em gesta çã o, em mui-
1. Darcy Ribeiro, A Universidade Necessária, Rio de Janeiro, Editora ,

Paz e Terra , segunda edição revista e ampliada, 1975, 307 pp. tiplieação e que ela encadeia o presente ao futuro como uma
.
libera ção Assim, a “ universidade necessária” aparece não
I: 1 264 -
265
r

apenas como uma transição: ela é o caminho entre um esta - nais do que se tem em mente e se procura atingir na esfera
-
do e outro, entre uma condição e outra, em suma, uma insti - educacional. A esperança de que, através de reformas gra
duais, pode-se estabelecer um circuito mais amplo de trans-
tuição revolucionária e liberadora.
formação revolucionária, não passava de uma esperança,
O livro traz consigo, pois, uma mensagem positiva e esti- muito bem aproveitada, primeiro pelo radicalismo burguês
mulante. É o recado típico da intelligentsia esclarecida, res- ( dentro e fora do “populismo” ) , depois pelo “ desenvolvimen-
ponsá vel e revoltada da periferia : da universidade faremos a tismo” e, agora, pela ditadura burguesa sem máscara. Ou se
própria base de nossa ação pedagógica revolucionária e libe - tem em vista a defesa do capitalismo ou a instauração do
radora. Por meio dela, mudaremos o ritmo da história e socialismo. Não bá uma pedagogia revolucioná ria que se
modificaremos o processo de transformação da civiliza ção. aplique a ambos e, muito menos, que possa servir de ponte
S Ela será o nosso instrumento na luta contra a colonização
cultural e por novos padrões de autonomia, em todos os níveis
na possível transição de um a outro. O combate ao subde -
senvolvimento pode ser conduzido nos dois terrenos. Con-
de organização da economia, da sociedade e da cultura. O tudo, não há mais, em nossos dias, como compatibilizar demo-
que parece, à primeira vista, um diagnóstico pessimista e cracia burguesa com pedagogia revolucionária. A pedagogia
amargo, é, no fundo, uma mensagem de f é nos homens, nas
instituições e na sua história : a universidade do terceiro
-
que se chama “liberal” e “democrática” tornou se ultra-rea-
cionária na América Latina. Ela converte a universidade em
mundo fará a revolução cultural do terceiro mundo.. O sub- um bastão da contra-revolução e num santuário do obscuran-
desenvolvimento gera o seu contrário; no caso, a universidade
subdesenvolvida gera a universidade autónoma, liberadora e
tismo. Por isso, a ambiguidade da teoria geral da “universi -
dade necessária” suscita reparos críticos inevitáveis.
revolucionária que a história exige.
De outro lado, um bom “ modelo”, por “utópico” que ele
.!

Gostaria muito de acreditar nisso. Como preferiria seja, pode ser instrumental em várias direções. O próprio
encontrar uma descrição menos compacta de instituições, livro de Darcy Ribeiro contém reflexões instrutivas. A estru-
estruturas e funções das instituições ou da relação da univer- tura da Universidade de Brasília está se generalizando. Toda-
sidade com a sociedade. Na verdade, tenho a impressão que via, os princípios diretores de sua “ reforma ” se ossificaram
o meu querido Darcy foi vitimado por uma irradiação de sua ou desapareceram. O que vemos, pois? A f órmula se aplica
própria construção intelectual. É claro que o valor pedagó - em outro contexto, e, em meu entender, na consagração da-
gico de sua contribuição seria afetado se adotasse outro estilo
- quilo que a “ universidade brasileira” nunca deveria ser . . .
mente as funções criadoras da universidade — —
de exposição. Contudo, não vejo como situar conveniente

plano da liberação, da autonomização ou da revolução


mesmo no
sem
Tudo isso nos ensina que devemos tomar cuidado com as
instituições e, quanto às instituições-chaves, devemos colocá-
-.
-las de quarentena. O movimento reformista e o processo
antes ter estabelecido sem vacilações o quadro de referência às instituições e, inclusive , atin
-
revolucionário podem chegar
global. Be se toma a América Latina : há várias situações
históricas distintas. Fala-se de Cuba socialista ? Ou do_ Chile gir as instituições chaves antes de se tomarem visíveis -
e irre
pinoehetista ? Ou do Haiti? Entre os extremos, colocam-se versíveis na sociedade como um todo. Quando isso ocorre, as
instituições experimentam antecipadamente certas mudan-
-
várias oscilações. No Brasil, vi me na contingência de defen-
- -
ças, chegando a irradiá las de dentro para fora, isto é, de seu
der a idéia da “ universidade multifuncional” como um avan
ço relativo, porque esse era um artif ício para unir várias campo de forças sociais para o campo de forças sociais da
for ças que combatiam o legado da escola superior isolada, sociedade global. Pensou-se que isso estaria prestes a acon-
com sua impulsão pulverizadora e imobilizadora. No entanto,
tecer na América Latina. Mas, excetuando-se Cuba, o diag-
mesmo essa id éia pareceu arrojada e subversiva para os cír - nóstico foi prematuro. O campo de forças que predomina na
universidade é o mesmo que predomina na sociedade global
culos conservadores, dominantes do aparelho do Estado, nas
classes burguesas e na própria universidade . . . Essa expe
riência ensinou-me que é preciso pensar claro, começando-se
- — -
ultra reacionário e contra-revolucionário, mesmo em con
fronto com os requisitos legais da democracia representativa.
-
-
por enunciar-se explicitamente os princípios extra educacio- Numa situação histórica dessa natureza , e pedagogia é um
267
266

•vc.,
luxo; e a pedagogia revolucionária é contraproducente A
sociedade não se abre nem para as reformas “radicais” nem
. advento de uma mentalidade pedagógica e de uma adminis -
tração de espírito igualitário, antíelitista e que deixe um
para a “revolução dentro da ordem ”, mais ou menos típicas
e igualmente necessárias à democracia representativa. Ao
lugar crescente para a cogestão na vida cotidiana da univer
sidade. O educador que “educa os outros” e o reformador
-
contrá rio, ela “fecha a hist ória” a tudo que não se* coadune que “reforma para os outros” são entidades condenadas ao
com o desenvolvimento com segurança (ou seja, a continui - desaparecimento. Daí as ponderações, que visam transcen-
dade do status quo sob fortes mudan ças controladas pelo
poder conservador ) . O que quer dizer que a universidade se
der ao imediatismo estreito do presente e às limitações intrín
secas à “universidade ambígua” que conhecemos, para situar
-
exclui da arena histórica seja como “força reformista”, seja o debate no plano mesmo em que a universidade deixa de ser
como “for ça revolucionária”, pois ela não pode ser nem uma
nem outra coisa. Seria injusto insinuar que Darcy Ribeiro
uma “privação necessária”, para ser comum e de todos .
ignore essa massacradora realidade, que não é de um país e
tampouco chega a ser exclusiva da América Latina : jar que

se trata de uma realidade imposta em escala mundial pela


crise da civilização industrial, na era de. fastígio e declínio
do capitalismo monopolista. O que me preocupa é que ela
não transparece como devia na teoria geral da “ universidade
necessá ria ”. E acima de tudo, que não foi posta em relevo a
conclusão principal : por enquanto e, talvez, ainda por muito
tempo, os impulsos para a “reforma radical”, a “ revolução
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dentro da ordem ” e a “revolução contra a ordem” terão de
ser procurados e brotar fora das universidades e, muito pro-
vavelmente, na massa dos excluídos e dos marginalizados, que
sequer chegam a ter um lugar em suas mentes ou em suas
aspirações para a universidade. Esta se encontra tão enre-
dada com os privilégios económicos, sociais, culturais e polí
ticos, que o “necessário” vem a ser acabar com ela, para em
-
seguida começar tudo de novo.
Essas pondera ções não pretendem submeter um livro tão
lúcido e construtivo como A Universidade Necessária a um
, questionamento negativo ou restritivo. Mas, apenas, escla
recer a posiçã o pessoal de alguém que acha que . esse grande
-
livro inicia uma evolução de outro tipo, que nos lança na
conquista do futuro. Em um momento de crise de civilização
não há como atalhar a crise das instituições, principalmente
-
das instituições chaves. Os dilemas históricos que se impõem
têm de obedecer a uma lógica própria. Os saltos mais ou
menos abruptos tendem a prevalecer, forçosamente, sobre as
continuidades culturais. Em consequência, as “melhores so-
luções” são sempre provisórias e contingentes, não podendo
aspirar à validade geral e absoluta ou à longa duração, como
implica o pressuposto de uma “utopia”. E se, de fato, avan-
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çamos para uma evolução de outro tipo, é de esperar se o -
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