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Out 2014 / N°9

ISSN 2238-0167
A Extensão vista de perto
Entrevista com Véra Neusa Lopes Publicação da Pró-Reitoria de Extensão da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Crescimento, Desenvolvimento e Sexualidade:
Uma Interpretação do Adolescente
Saúde Bucal em Pré-Escolares da Creche Santa
Terezinha
Apresentando o Núcleo de Cinema e
Psicanálise
Partos no Mundo: Experiências Interculturais
em Defesa da Dignidade das Mulheres no Parto
Vivendo Histórias: Inclusão Social na Casa Lar
do Cego Idoso
Um Novo Tempo da Extensão Universitária
Brasileira
DESTAQUES XIV SALÃO DE EXTENSÃO
MOSTRA INTERATIVA
Ação de Extensão Patas Dadas - Adoção
Responsável de Animais e como Participar
dessa Mudança
TERTÚLIAS
Atendimento Odontológico a Pacientes com
Deficiência
Atuação Fonoaudiológica no Pré-Natal: Uma
Experiência em Promoção da Saúde
Espaço para Criar: Teatro e Dança com
Alunos Surdos
O Trabalho e os Direitos do Infantojuvenil na
Grande Cruzeiro
Interdisciplinaridade e Intersetorialidade:
Desafios nos Processos de Formação e
Trabalho Profissional
Saúde Mental e Integralidade na Atenção
Básica: Vivências Micropolíticas na
Graduação
Atelier Pedagógico: Experimentações
Curriculares na Educação de Surdos
Vozes negras no romance hispano-
americano: uma experiência no Festival
Maré de Arte/2013
do tempo e o que dele fazemos que ressaltam áreas rurais, identificadas como lugares atrasados
culturas, conhecimentos e objetivos diversos, e fundamentais para o desenvolvimento do país.
mas que apontam necessidades comuns. Ambos O conceito de “indissociabilidade entre ensino-
buscam maneiras de curar doenças levando em -extensão-pesquisa”, conforme veremos a seguir,
conta tempos, realidades e escalas de intervenção não aparecia naquele documento nem como
que são próprias de cada realidade. Os saberes são aspiração futura da universidade que se desejava.
distintos, mas os objetivos podem ser comuns.
Nas décadas de 1960 e 1970, contudo as dita-
É importante compreender o momento atual duras civis-militares na América Latina e o
pelo qual passa a extensão universitária no Brasil entendimento que a extensão universitária, pelo
levando em conta a sua história. Nesse sentido, seu caráter emancipador, poderia ser um risco
o que aconteceu em Córdoba, na Argentina, em aos regimes impostos, também foi o período em
21 de junho de 1918, é considerado o primórdio que se difundiu a ideia de que as universidades
da extensão universitária na América Latina. Foi públicas deveriam intervir nas comunidades que se
o dia em que os estudantes daquela Universidade encontravam em maior vulnerabilidade social. A
trouxeram a público o manifesto que reivindicava “prática sócio-comunitária”, conforme era definida
a abertura e a atenção da academia para as naquele período, passou a ser desenvolvida nas
Acervo NuDi

questões sociais. universidades de forma eventual, não fazia parte


do currículo universitário e se encontrava distante
A Universidade de Córdoba deveria aprimorar das questões cotidianas. Os saberes vindos dos
seu cunho extensionista e se voltar para fora dos meios populares – urbano ou rural – eram pouco
muros; incluir a gratuidade do ensino superior; considerados na sua relação com as universidades.
criar mecanismos que assegurassem a autonomia Havia uma hierarquia que colocava os conhe-
universitária; o ingresso público para a carreira cimentos acadêmico e científico no topo, vindo
docente e eleições diretas para a reitoria. Foram abaixo os conhecimentos técnicos e, por último,

Um Novo Tempo da Extensão reivindicações cruciais para chegarmos à univer-


sidade que temos, e encaminharam questões
aqueles oriundos da população em geral.2

Universitária Brasileira fundamentais para o ensino universitário que


queremos. Apontam para uma universidade
democrática e comprometida socialmente.
Conforme Rocha (2001), esse também foi o
momento em que as ideias e as práticas advindas
do trabalho de Paulo Freire fundamentaram
uma série de ações extensionistas não apenas no
No Brasil tivemos alguma preocupação com a Brasil.3 Iniciaram o processo de discussão sobre
José Antônio dos Santos: Departamento de Educação e Desenvolvimento Social – PROREXT/UFRGS extensão universitária, em 1931, quando da elabo- a extensão universitária brasileira como prática
Sandra de Deus: Pró-Reitora de Extensão – UFRGS
ração do Estatuto das Universidades Brasileiras.1 política que estimula, reconhece e valoriza a troca
Ao definir o conceito de extensão o documento de conhecimentos. As ações advindas das refle-

O
parecia desconhecer a contribuição do manifesto xões freireanas estimularam o caráter militante,
artigo reflete sobre as demandas O entendimento do “novo tempo” da extensão de Córdoba, e se aproximava da concepção norte- buscando estabelecer laços de continuidade e
sociais e as iniciativas governa- busca uma mediação entre os diferentes modos -americana de extensão que acabou se tornando reconhecimento dos saberes dos diversos atores
mentais para o reconhecimento da de calcular a passagem do tempo e a simplicidade uma das nossas maiores influências. A extensão sociais.
extensão universitária no Brasil. de apreciar a sua transitoriedade. Assim, não há era vinculada à necessidade estrita de cresci-
Desde os anos de 1980 as ações extensionistas medida equivalente entre as horas vividas no mento econômico e tinha o objetivo de difundir
2. Parte desta metodologia de extensão foi instituída, a partir de
passaram a ser regulamentadas e vem recebendo, interior de uma comunidade rural conversando conhecimentos técnicos e científicos. O que se 1968, pelo Projeto Rondon.
cada vez mais, apoio institucional do Governo com os mais velhos sobre o uso das plantas medi- dava por meio de cursos e assistência técnica às 3. Segundo Paulo Freire, a extensão extrapolava o ensino superior
Federal e das universidades, definindo, o que cinais e o trabalho em laboratório para a análise e era dirigida para todo o processo educativo. Muitas das suas
entendemos como um “novo tempo” da extensão dos princípios ativos destas mesmas plantas. São contribuições à educação fizeram parte do Plano de Governo
1. BRASIL. Decreto n. 19.851 de 11 de abril de 1931. Estatuto de Veloso Alvorado no Peru, e foram aplicadas no Chile e países
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universitária no país. compreensões diferenciadas sobre a passagem das Universidades Brasileiras. africanos.
A década de 1980 foi o período de maior forta- ações transformadoras. Do mesmo modo, grupos extensão, fica difícil dizer para que(m) serve, e, e 52 instituições de ensino superior apresentaram
lecimento da sociedade civil em oposição ao organizados da sociedade também buscaram mais complexo ainda, é garantir um percentual de 182 propostas de extensão.4 No ano de 2012,
regime autoritário brasileiro instalado em 1964. parcerias com as universidades na busca da recursos para o seu desenvolvimento. foram disponibilizados 70 milhões de reais para
A organização política dos movimentos sociais se resolução de seus problemas. Nesse sentido, é uma disputa que envolveu cerca de 2.000 mil
deu principalmente em direção ao protagonismo razoável pensar que as demandas dos grupos São questões batidas se apreendermos o tempo propostas de extensão em todo o país. Em 2014,
na defesa dos seus interesses. De certa forma, sociais – oriundos das escolas públicas, autodecla- no seu sentido cronológico. É uma reflexão os recursos disponibilizados giraram em torno
muitos dos protagonistas do período (estudantes, rados negros e indígenas – por acesso ao ensino recente se tomarmos o tempo em seu sentido de de 84 milhões. Somado a estes recursos, algumas
negros, indígenas, gays, “sem-terras”, “mulheres superior, plasmadas a partir da virada do século construção, de criação, de conquista, de conven- universidades têm criado programas de fomento
crecheiras”, dentre outros), que se colocaram em XXI, são resultados também daquele processo cimento sobre a importância da extensão. Há um e editais internos capazes de atender demandas
defesa da democracia, estruturaram a concepção que iniciou com a defesa da democracia. caminho percorrido com muita persistência que localizadas.
da extensão universitária que se pretendia. foi se concretizando e desembocou em avenidas
A partir daquele I Encontro, em 1987, foi criado por onde transitamos na atualidade. Os avanços nos editais têm sido na direção de
Os princípios que regeriam a extensão universi- o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão incidir na superação dos principais problemas
tária pós-ditadura civil-militar foram cristalizados (FORPROEX) que se tornou órgão de represen- Desde a sua criação o FORPROEX tem buscado sociais, contribuir para a inclusão de grupos
no I Encontro de Pró-Reitores de Extensão das tação dos extensionistas no país. Desde então, o redefinir as políticas e as práticas institucionais minoritários, inovar e transferir conhecimentos.
Universidades Públicas Brasileiras, realizado Fórum passou a pautar o debate sobre as formas dirigidas para a extensão, tanto no âmbito das A relação do saber acadêmico passou a ser
em Brasília, nos dias 4 e 5 de novembro de 1987. de institucionalização, financiamento e valori- Instituições Públicas de Educação Superior, multilateral no diálogo com os outros setores da
As representações das 33 universidades presentes zação da extensão universitária. Embora ainda Ministério da Educação e demais ministérios, sociedade, com objetivos diversos no sentido do
criaram o Fórum Nacional de Pró-Reitores de pouco reconhecida pela sociedade brasileira assim como nas agências governamentais. Todas desenvolvimento de parcerias.
Extensão das Universidades Públicas e definiram, como processo fundamental para a articulação as instâncias devem reconhecer o valor da prática
que: “A extensão universitária é o processo educa- entre o ensino e a pesquisa, e para o incentivo na extensionista e aportar investimentos públicos É importante contar com programas e linhas de
tivo, cultural e científico que articula o ensino geração e distribuição de renda e conhecimentos, para a sua execução. financiamento de forma contínua, seja através da
e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a a extensão universitária vem demonstrando o seu inserção na matriz orçamentária das instituições
relação transformadora entre a universidade e a valor no processo recente de desenvolvimento As universidades devem inserir as atividades de ensino superior, do aumento dos aportes do
sociedade”. do país. Atualmente, nas instituições de ensino extensionistas na grade curricular dos cursos Ministério da Educação, seja via inclusão na
superior, é desenvolvido algum projeto, programa de graduação e regulamentá-las como prática agenda das agências governamentais. A criação
Desde então, as ações extensionistas obtiveram ou ação extensionista, e a extensão passou ocupar acadêmica. O potencial educativo e formativo da do Plano Nacional de Extensão, conforme anun-
suporte para serem valorizadas em condições outro espaço na gestão universitária. extensão deve ser inserido de modo qualificado ciada pelo MEC, pode vir a ser um instrumento
de igualdade com a pesquisa e o ensino como no projeto pedagógico universitário. O Plano de suporte institucional às ações de extensão
base do processo educativo. A partir de 1988, o É necessário dizer que a atividade extensionista, Nacional de Educação (PNE) em sua Estratégia desenvolvidas na educação superior brasileira.5
“princípio da indissociabilidade” entre ensino- como de resto boa parte das iniciativas acadê- 12.7, visa: “Assegurar, no mínimo, dez por
-extensão-pesquisa foi inserido na Constituição micas, não está livre de conflitos internos e cento do total de créditos curriculares exigidos A política do Governo Federal com o Programa
(Artigo 207 da Constituição Brasileira), funda- incompreensões externas sobre objetivos, teorias, para a graduação em programas e projetos de de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão
mentando ainda mais a importância da extensão metodologias e públicos alvos das suas práticas. extensão universitária”. A partir da aprovação do das Universidades Federais (REUNI), a partir de
universitária. A relação dialético-transformadora, Os obstáculos são muitos e poucos são aqueles PNE passa a ser necessária uma nova e decisiva 2008, tem se voltado para a expansão do acesso
proposta a ser cumprida no trânsito entre a que reconhecem o período privilegiado em que intervenção no interior das universidades para e permanência dos estudantes. O REUNI visa
universidade e a sociedade, cedeu espaço para as vivemos em termos de desenvolvimento do fazer cumprir com a proposta que efetivamente vai dobrar o número de estudantes nos cursos de
forças sociais que buscavam as arenas de repre- extensionista e da sua importância. São recor- modificar a formação universitária. graduação em dez anos, as universidades que
sentação dos seus interesses no ensino superior. rentes as afirmações de que o ensino que nossas aderirem ao Programa devem ampliar o número
universidades ministram tem qualidade e compe- A criação do Programa Nacional de Apoio
A comunidade universitária (professores, tência. Há sempre uma citação sobre as pesquisas a Extensão Universitária (PROEXT), pelo 4. Cf. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&v
iew=article&id=1876&catid=180:pos-graduacao, página acessada
técnicos e estudantes) que já mantinha contatos de nível internacional realizadas nos laboratórios Ministério da Educação, em 2003, tem contado em 15.04.2013.
estabelecidos, ou nutria interesses na produção e programas de pós-graduação, mas quando se atualmente com o apoio de vários outros
5. O anúncio foi feito na noite de 9 de novembro de 2012, pelo
de conhecimentos que fossem resultados daquele trata da extensão surgem as interrogações: o que Ministérios e com o aporte de recursos signi- secretário de educação superior do Ministério da Educação, Luiz
diálogo, encontrou no conceito de extensão o é mesmo? Para que serve? O quanto se investe? ficativos. Em 2004, foram disponibilizados R$ Cláudio Costa, durante a realização do 5º Congresso Brasileiro de
Extensão Universitária, na Universidade Federal do Rio Grande do
6.000.000 (seis milhões de reais) para o PROEXT,
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dispositivo institucional que deu suporte para Verdade é que não tendo clareza da natureza da Sul.
de cursos noturnos, combater a evasão e buscar universidades, além de espaços para comu-
mecanismos para a flexibilização dos currículos, nicações livres e trocas de experiências entre
o que abriu novos horizontes para a inserção das extensionistas de todo o país.
atividades de extensão.
Também o 6º Congresso (CBEU), cujo tema
Outros pontos de discussão e interesses dos “Diálogos da extensão: saberes tradicionais e
extensionistas que têm demonstrado o “novo inovação científica”, realizado em Belém – Pará,
tempo” em que vive a extensão universitária, em maio de 2014, apresentou variados recortes
passam pelo reconhecimento das atividades
de extensão nos concursos e nas carreiras
acadêmicas. O esforço dos docentes, técnicos
da extensão no sentido de assegurar oferta de
tecnologias e conhecimentos para sociedade. Os
Congressos têm demonstrando a capacidade de
DESTAQUES
XIV SALÃO DE EXTENSÃO
e estudantes em realizar projetos e programas superação da extensão universitária para manter
voltados para o diálogo com os conhecimentos suas ações de modo regular e continuado.
extra-muros, deve ser valorizado em termos Os números dos trabalhos apresentados têm
equânimes com o ensino e a pesquisa. demonstrado, assim como a qualidade das
discussões, a pujança da extensão universitária.
Tudo isso demanda dos extensionistas a definição
de novas metodologias de ação e inserção social A prática extensionista que antes se resumia a
que visem criar mecanismos de interatividade uma atividade militante de professores, técnicos
entre o que se produz na universidade e as neces- e alunos, realizada nos finais de semana e sem
sidades dos diversos segmentos da sociedade. A recurso financeiro ou operacional, hoje trilha
elaboração de teorias que informem os objetivos caminhos que extrapolam as suas fronteiras.
a perseguir, a definição de indicadores de aferição Devemos superar alguns impasses como a
das ações realizadas e a criação de instrumentos criação de instrumentos de aferição da extensão
para a implantação de sistemas de informação e por meio do Sistema Nacional de Avaliação
gestão que garantam condições de perenidade das da Educação Superior (SINAES), e um setor
iniciativas. específico no MEC para tratar da extensão,
mas acreditamos no “novo tempo” que viemos
O 5º Congresso Brasileiro de Extensão construindo.
Universitária, realizado em Porto Alegre – RS,
em novembro de 2011, também ratificou o que A extensão será ainda mais fortalecida e insti-
viemos afirmando. O Congresso apresentou o tucionalizada e o tempo cronológico deverá se
tema “As fronteiras da extensão” e contabilizou encontrar com o tempo da construção social,
4.528 pessoas credenciadas. Foram mais de 100 que deve ser exigente, reflexivo e comprometido
convidados para mesas-redondas e mini-cursos, socialmente. É preciso, cada vez mais, concre-
75 oficinas com cerca de 1.200 participantes, tizar o “novo tempo” que os atores sociais da
1.066 comunicações orais e 26 estandes de extensão universitária brasileira reivindicam. ◀

Referências
NOGUEIRA, Maria das Dores P. (Orga.). Extensão Universitária: diretrizes conceituais e políticas. Documentos
básicos do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras 1987–2000. Belo
Horizonte: PROEX/UFMG; Fórum, 2000. Acervo NuDi

ROCHA, R. M. Gurgel. A construção do conceito de extensão universitária na América Latina. In FARIA, Doris Santos
de. (Orga.). Construção conceitual da extensão na América Latina. Brasília: Editora UNB, 2001.
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