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HIERARQUIZAÇÃO ESCOLAR: as relações entre a
obtenção do título de doutor em sociologia e o
ingresso na carreira
Resumo Abstract
O texto se insere na problemática da diver- This article relates to the issues of resource
sidade de recursos e princípios de legitima- diversity and principles of legitimacy with-
ção no espaço escolar e, conseqüentemente, in school environment and consequently,
no recrutamento de sua “elite”. Porém, se the recruitment of its “elite”. However, it is
circunscreve à apresentação de resultados limited to present analysis results of the re-
da análise das relações entre o processo de lationship between the process of obtaining
obtenção do título de doutor em sociologia a doctoral degree in sociology and the ad-
e o ingresso na condição de professor de mission as a university professor. More
ensino superior. Mais especificamente, o specifically, the empirical material focuses
recorte empírico está centrado nas relações on the relationship between the position of
entre a posição do respectivo curso de atu- the respective professional path of the new
ação profissional do novo doutor e daquele doctor and that of his supervisor and mem-
do orientador e dos componentes da banca bers of his thesis examination board. The
examinadora da tese. A hipótese geral é a general hypothesis is that these relations
de que nessas relações entre a obtenção do between obtaining a doctoral degree and
título de doutor e o ingresso na carreira en- starting the career consider both competi-
tra em pauta tanto a concorrência entre tí- tion between titles and school capital as so-
tulos e capital escolar como o capital de re- cial relations capital.
lações sociais.
Palavras-chave
Capital de relações sociais. “Elites” escola- Keywords
res. Universidade e hierarquia profissio- Social relations capital. School “elite”.
nal. Estrutura universitária. Clientelismo University and professional hierarchies.
universitário. University structures. Academic patronage.
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1 O problema investigado significados da escolarização e da titulação
na hierarquização social remontam, par-
O espaço universitário constitui um ca- ticularmente, às formulações de M. Weber
so extremo e exemplar no confronto simul- (1984, p. 738) relativas aos processos de ni-
taneamente contraditório e complementar velamento social e, por outro lado, aos efei-
de recursos e de princípios de legitimação tos das diferenças culturais e educacionais
e de hierarquização concorrentes (BOUR- na formação de grupos de status. Porém, ao
DIEU, 1984, p. 23). Mas representa também mesmo tempo em que as referências às for-
um caso extremo do confronto entre esque- mulações de Weber são recorrentes, também
mas de análise e interpretações. O presente são objeto de interpretações e de apropria-
artigo se inscreve nessa problemática mais ções com base em posições epistemológicas,
geral da diversidade de recursos e princí- teóricas e conceituais divergentes. Por ou-
pios de legitimação no espaço escolar, mas tro lado, algumas dessas apropriações reco-
se circunscreve à apresentação de resulta- nhecem e destacam as ambivalências e con-
dos da análise das relações entre o processo tradições dessas formulações, como é o ca-
de obtenção do título de doutor em socio- so de Bourdieu (1989, p. 537), que enfatiza
logia e o ingresso na condição de professor a importância atribuída por Weber aos efei-
de ensino superior. Mais especificamente, o tos da titulação escolar e dos concursos e,
recorte empírico está centrado nas relações simultaneamente e de modo analiticamente
entre a posição do respectivo curso de atu- não completamente resolvido, nos proces-
ação profissional e daquele do orientador e sos de “democratização” através da especia-
dos examinadores e componentes da banca lização profissional. É como resultado das
examinadora da tese. apropriações dessas formulações de Weber
A hipótese geral é a de que nessas rela- com ênfase nos aspectos de diferenciação e
ções entre a obtenção do título de doutor e fechamento social que são fundamentadas
o ingresso na carreira entra em pauta tan- posições teóricas específicas, como é o caso
to a concorrência entre capital escolar e tí- do credencialismo (COLLINS, 1979).
tulos e, portanto, mercado, como capital de Essas questões quanto às relações en-
relações sociais. Mais especificamente, essa tre recursos de ordem mais simbólica (co-
passagem da condição de aluno para a de mo aqueles que constituem os grupos de
profissional constitui um dos pontos ou si- status) ou econômica (como a estrutura de
tes nas respectivas trajetórias onde se con- classes) e os efeitos da escolarização e da
frontam e se complementam de modo mais profissionalização, que geralmente remon-
direto os recursos e princípios com base no tam às formulações de M. Weber (1984), nas
capital escolar e no capital de relações so- últimas décadas têm sido apropriadas e re-
ciais, dentre outros. formuladas com base em diferentes funda-
Ao mesmo tempo em que essa hipóte- mentos teóricos e conceituais. Embora não
se geral tem em vista a análise de condi- caberia detalhar aqui essas reapropriações,
ções empíricas concretas e, portanto, rela- para o que está em pauta é necessário des-
tivamente particulares, está ancorada nu- tacar algumas delas e suas conseqüências
ma longa série de trabalhos sobre o proble- analíticas. Uma dessas reformulações que
ma. Em geral, os confrontos teóricos que cabe destacar tem como origem o trabalho
têm como objeto o problema da análise dos de Bourdieu (1984; 1989) e, mais especifi-
1. Para uma discussão dos significados das noções de capital social de Bourdieu e de Coleman e suas apro-
priações e usos, ver Coradini (2010).
2. Uma boa síntese das formulações e de algumas aplicações dessa abordagem pode ser consultada em Lin,
Cook e Burt (2008). Para um confronto com outras definições de capital social ver Coradini (2010). Sobre a
noção de “mercados múltiplos”, ver Zelizer (1992) e sobre o “mercado regulado”, ver Bourdieu e Christin
(1990).
3. Além dos testes com objetivos exploratórios, naquele usado mais diretamente, como variáveis ativas fo-
ram incluídos os conceitos dos respectivos cursos de atuação, do orientador, dos componentes da banca exa-
minadora e do doutorando, ou seja, apenas três variáveis, com cinco categorias cada. O grau de associação
é muito elevado. O primeiro eixo atinge 23,37% da variância (0,6761 de valor próprio), o segundo eixo ou-
tros 18,82% (0,5445 de valor próprio) e o terceiro eixo 15,32% da variância (0,4432 de valor próprio).
Além do forte grau de associação em geral, os resultados desse teste evidenciam a intensa correspondência
entre os conceitos em diferentes níveis, dos cursos de atuação do orientador, dos componentes da banca exa-
minadora e do curso de atuação do doutorando. No primeiro eixo se configura um primeiro pólo no qual se
destacam aqueles orientadores, componentes de banca e doutorandos que atuam em cursos com conceito
máximo, ou seja, sete. No pólo oposto se situam os orientadores e componentes de banca examinadora que
atuam em cursos com conceito cinco e quatro. Embora possa parecer que se trata de conceitos intermediá-
rios e próximos, podem ser considerados como do extremo inferior, visto que aqueles abaixo de quatro pra-
ticamente não são estatisticamente representativos, até porque, pelas normas burocráticas, os abaixo de três
são excluídos. Quanto ao conceito do curso de atuação dos doutorandos, nesse pólo inferior do primeiro ei-
xo se destacam os sem informações, que equivalem àqueles que não atuam em curso de pós-graduação e,
portanto, não há conceito.
No segundo eixo se repete essa oposição entre conceitos, num nível inferior. Nesse caso, no pólo positivo se
situam os com conceito cinco, tanto para o curso do orientador como para os dos componentes da banca e
do doutorando. No pólo oposto, novamente, se destacam os orientadores e os componentes de banca que
atuam em curso com conceito inferior àquele, ou seja, quatro e, no que tange ao curso de atuação do dou-
torando, se destacam os sem conceito, visto não haver vínculo profissional com curso de pós-graduação. Em
todo caso, também nesse segundo eixo o que mais se destaca é o forte grau de correspondência entre con-
ceitos do curso de atuação do orientador, dos componentes da banca examinadora e do doutorando. A úni-
ca exceção é a posição de destaque dos doutorandos que não atuam em curso de pós-graduação, numa po-
sição inferior. Mas a não existência de correspondência nesse caso decorre da falta da mesma categoria pa-
ra os orientadores e componentes da banca, visto que, por definição, todos atuam em curso com conceito.