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TITULAÇÃO ESCOLAR, MERCADO E CAPITAL SOCIAL NA

dossiê
HIERARQUIZAÇÃO ESCOLAR: as relações entre a
obtenção do título de doutor em sociologia e o
ingresso na carreira

Odaci Luiz Coradini

Resumo Abstract
O texto se insere na problemática da diver- This article relates to the issues of resource
sidade de recursos e princípios de legitima- diversity and principles of legitimacy with-
ção no espaço escolar e, conseqüentemente, in school environment and consequently,
no recrutamento de sua “elite”. Porém, se the recruitment of its “elite”. However, it is
circunscreve à apresentação de resultados limited to present analysis results of the re-
da análise das relações entre o processo de lationship between the process of obtaining
obtenção do título de doutor em sociologia a doctoral degree in sociology and the ad-
e o ingresso na condição de professor de mission as a university professor. More
ensino superior. Mais especificamente, o specifically, the empirical material focuses
recorte empírico está centrado nas relações on the relationship between the position of
entre a posição do respectivo curso de atu- the respective professional path of the new
ação profissional do novo doutor e daquele doctor and that of his supervisor and mem-
do orientador e dos componentes da banca bers of his thesis examination board. The
examinadora da tese. A hipótese geral é a general hypothesis is that these relations
de que nessas relações entre a obtenção do between obtaining a doctoral degree and
título de doutor e o ingresso na carreira en- starting the career consider both competi-
tra em pauta tanto a concorrência entre tí- tion between titles and school capital as so-
tulos e capital escolar como o capital de re- cial relations capital.
lações sociais.

Palavras-chave
Capital de relações sociais. “Elites” escola- Keywords
res. Universidade e hierarquia profissio- Social relations capital. School “elite”.
nal. Estrutura universitária. Clientelismo University and professional hierarchies.
universitário. University structures. Academic patronage.

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1 O problema investigado significados da escolarização e da titulação
na hierarquização social remontam, par-
O espaço universitário constitui um ca- ticularmente, às formulações de M. Weber
so extremo e exemplar no confronto simul- (1984, p. 738) relativas aos processos de ni-
taneamente contraditório e complementar velamento social e, por outro lado, aos efei-
de recursos e de princípios de legitimação tos das diferenças culturais e educacionais
e de hierarquização concorrentes (BOUR- na formação de grupos de status. Porém, ao
DIEU, 1984, p. 23). Mas representa também mesmo tempo em que as referências às for-
um caso extremo do confronto entre esque- mulações de Weber são recorrentes, também
mas de análise e interpretações. O presente são objeto de interpretações e de apropria-
artigo se inscreve nessa problemática mais ções com base em posições epistemológicas,
geral da diversidade de recursos e princí- teóricas e conceituais divergentes. Por ou-
pios de legitimação no espaço escolar, mas tro lado, algumas dessas apropriações reco-
se circunscreve à apresentação de resulta- nhecem e destacam as ambivalências e con-
dos da análise das relações entre o processo tradições dessas formulações, como é o ca-
de obtenção do título de doutor em socio- so de Bourdieu (1989, p. 537), que enfatiza
logia e o ingresso na condição de professor a importância atribuída por Weber aos efei-
de ensino superior. Mais especificamente, o tos da titulação escolar e dos concursos e,
recorte empírico está centrado nas relações simultaneamente e de modo analiticamente
entre a posição do respectivo curso de atu- não completamente resolvido, nos proces-
ação profissional e daquele do orientador e sos de “democratização” através da especia-
dos examinadores e componentes da banca lização profissional. É como resultado das
examinadora da tese. apropriações dessas formulações de Weber
A hipótese geral é a de que nessas rela- com ênfase nos aspectos de diferenciação e
ções entre a obtenção do título de doutor e fechamento social que são fundamentadas
o ingresso na carreira entra em pauta tan- posições teóricas específicas, como é o caso
to a concorrência entre capital escolar e tí- do credencialismo (COLLINS, 1979).
tulos e, portanto, mercado, como capital de Essas questões quanto às relações en-
relações sociais. Mais especificamente, essa tre recursos de ordem mais simbólica (co-
passagem da condição de aluno para a de mo aqueles que constituem os grupos de
profissional constitui um dos pontos ou si- status) ou econômica (como a estrutura de
tes nas respectivas trajetórias onde se con- classes) e os efeitos da escolarização e da
frontam e se complementam de modo mais profissionalização, que geralmente remon-
direto os recursos e princípios com base no tam às formulações de M. Weber (1984), nas
capital escolar e no capital de relações so- últimas décadas têm sido apropriadas e re-
ciais, dentre outros. formuladas com base em diferentes funda-
Ao mesmo tempo em que essa hipóte- mentos teóricos e conceituais. Embora não
se geral tem em vista a análise de condi- caberia detalhar aqui essas reapropriações,
ções empíricas concretas e, portanto, rela- para o que está em pauta é necessário des-
tivamente particulares, está ancorada nu- tacar algumas delas e suas conseqüências
ma longa série de trabalhos sobre o proble- analíticas. Uma dessas reformulações que
ma. Em geral, os confrontos teóricos que cabe destacar tem como origem o trabalho
têm como objeto o problema da análise dos de Bourdieu (1984; 1989) e, mais especifi-

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camente, no problema das relações entre o do capital humano1 , o capital de relações
capital econômico e o capital cultural e es- sociais para Bourdieu consiste numa espé-
colar na estruturação social do capitalismo cie de recurso cuja legitimação nas moder-
atual. Correlativamente a essas relações en- nas estruturas de dominação, baseadas no
tre o montante e essas espécies de recursos espaço escolar, nas burocracias e na pró-
como constitutivas da posição social, deve pria economia de mercado, somente ocor-
ser destacado também o caráter de princí- re por denegação. Ou seja, diferentemen-
pio de legitimação do capital escolar, no ca- te do capital econômico, escolar, etc., em
pitalismo central, especialmente através das síntese, daquelas espécies de capital ins-
ideologias associadas ao meritocratrismo critas num determinado campo, que se ob-
escolar e ao dom. jetivam socialmente num determinado es-
Em termos concretos, essas relações en- paço social estruturado conforme seu res-
tre a titulação escolar e as estruturas de po- pectivo princípio de legitimação, em geral
der e de dominação, pelo menos para o caso tendo num determinado título de equiva-
dos países centrais, se manifestam nos dife- lência geral ou de universal e alguma san-
rentes usos da titulação escolar conforme a ção oficial, o capital de relações sociais
respectiva posição social e na esfera de ati- mantém um caráter necessariamente par-
vidade (empresa privada familiar, empre- ticularístico e, portanto, clandestino. Dis-
sa burocrática pública ou privada, “grandes so resulta uma série de dificuldades ana-
corpos” do Estado, espaço universitário) e líticas, na medida em que, apesar da de-
nas regras de recrutamento para as posições finição precisa desse capital social, como
dominantes. Dentre essas regras e critérios o “conjunto de recursos atuais ou poten-
de ingresso no recrutamento para posições ciais ligados à posse de uma rede de re-
dominantes destacam-se as afinidades cul- lações mais ou menos institucionalizadas
turais e de estilos de vida na avaliação da de interconhecimento e de reconhecimen-
“pessoa total” em escolas de “elite” e sua as- to” (BOURDIEU, 1980, p. 2), cujo montan-
sociação com o capital de relações sociais. te depende, portanto, da quantidade e da
Esse capital de relações sociais, apesar de qualidade das relações, sua apreensão en-
altamente multiforme por definição, mani- contra obstáculos nas próprias condições
festa-se, especialmente, nas relações consti- de sua objetivação e legitimação social, o
tuídas nos trajetos escolares e profissionais que inclui os dados estatísticos.
e de parentesco (BOURDIEU, 1989, p. 450; Em todo caso, para o que está em pauta,
GARRIGOU, 2001). o mais importante a destacar é esse caráter
O capital de relações sociais, na defi- ambivalente por definição do capital de re-
nição de Bourdieu (1980; 1989), consti- lações sociais, simultaneamente tendo efei-
tui uma espécie de recurso que apresen- tos diretos no recrutamento e nas posições
ta condições muito próprias relativamen- de dominação, mas nunca integrando os
te às demais espécies de capital. Diferente- universais que legitimam as demais formas
mente das definições de capital social ins- de recursos com as quais interagem, como o
critas nas abordagens derivadas da teoria capital escolar.

1. Para uma discussão dos significados das noções de capital social de Bourdieu e de Coleman e suas apro-
priações e usos, ver Coradini (2010).

Titulação escolar, mercado e capital social na hierarquização escolar 41


Outra vertente teórica que está na ba- Seja como for, além daquela de Bour-
se da formulação do problema de pesqui- dieu, essa corrente constitui a principal ba-
sa em pauta está associada à chamada nova se para formulações relativas ao capital so-
sociologia econômica. Essa corrente apre- cial na hierarquização do espaço escolar. As
senta uma série de problemas conceituais apropriações correntes das proposições da
e, simultaneamente, de avanços técnicos na nova sociologia econômica e a incorpora-
análise dos efeitos do capital social. O prin- ção de outras proposições, no entanto, são
cipal problema conceitual decorre da defi- completamente distintas ou contrárias. Pa-
nição do capital social por oposição ao mer- ra o presente trabalho, dessas apropria-
cado, no limite, como se consistisse em algo ções da nova sociologia econômica, aque-
residual às relações de mercado2. la que interessa mais diretamente é o tra-
Sendo assim, além da noção de capi- balho de Burris (2004). Para Burris (2004,
tal social, que para os principais formula- p. 244) existem muitas redes sociais atra-
dores dessa corrente consiste nos recursos vés das quais o “prestígio” do departamento
“embebidos” nas redes de relações, a pró- circula como forma de capital social, mas a
pria definição de mercado entra em pauta mais importante consiste na troca de douto-
como um problema conceitual. A noção de res e de empregos entre departamentos. Na
mercado na análise de recursos vinculados hierarquia acadêmica,
à escolarização vem sendo utilizada tanto a troca entre departamentos pode ser vis-
em seu sentido metafórico como conceitu- ta como ato simbólico de afirmação mútua,
al. Em termos conceituais, o principal uso mas também um processo pelo qual o capi-
da noção de mercado tem como vertente a tal social é usado para obter acesso privile-
teoria do capital humano que, como des- giado para o capital econômico (emprego
dobramento de determinada posição teóri- para alguém titulado), o qual, por seu tur-
ca, toma a própria escolarização como aná- no, promove o fundamento para promover
loga ao mercado econômico, o que resulta a acumulação de capital social (na forma de
em sua unidimensionalidade (BOURDIEU, uma rede estendida de ligações instituciona-
1989, p. 391). No que tange especificamen- lizadas de pessoas empregadas na disciplina)
te à chamada nova sociologia econômica, o (BURRIS, 2004, p. 244).
principal denominador comum consiste em
tomar as relações de mercado como único Evidentemente, essa definição de ca-
contraponto àquelas do capital social “em- pital social contido nas estruturas escola-
bebido” nas redes de relações externas a es- res pode ser demasiadamente restrita, visto
se mercado. Desse modo, além desse mer- que as “trocas” entre departamentos consti-
cado econômico ser tomado como unívo- tuem em apenas uma parte das possibilida-
co, são excluídas as dimensões e as relações des de usos do capital social. Em todo caso,
de poder. nada indica que essas “trocas” não constitu-

2. Uma boa síntese das formulações e de algumas aplicações dessa abordagem pode ser consultada em Lin,
Cook e Burt (2008). Para um confronto com outras definições de capital social ver Coradini (2010). Sobre a
noção de “mercados múltiplos”, ver Zelizer (1992) e sobre o “mercado regulado”, ver Bourdieu e Christin
(1990).

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am parte fundamental do capital social usa- da própria categoria. No caso em pauta no
do nesse meio, cuja apreensão do conjunto presente trabalho é necessário ter em consi-
não é possível apenas com o material empí- deração que não se trata apenas de uma si-
rico disponível. tuação periférica, com menor grau de pro-
Nesse trabalho de Burris, no entanto, fissionalização do espaço escolar, mas tam-
apesar da abordagem estar baseada no es- bém com muito maior peso de organismos
quema de análise de redes originário da no- oficiais no estabelecimento do rank dos cur-
va sociologia econômica, inclusive de al- sos e respectivos professores. Por outro lado,
guns trabalhos específicos sobre o merca- diversamente do meritocratismo francês e a
do de trabalho para determinados títulos es- conseqüente importância histórica dos con-
colares e de toda a modelização matemáti- cursos públicos ou do profissionalismo nor-
ca característica, os fundamentos teóricos te-americano, na situação estudada a exis-
e conceituais são apropriados nas formu- tência generalizada do concurso como regra
lações de Bourdieu e de M. Weber. A idéia de ingresso no magistério do ensino superior
central é a de que embora seja comum “fa- é recente, posterior à Constituição de 1988.
lar em ‘mercado acadêmico’, muitos obser- Ou seja, no período anterior o recrutamento
vadores reconhecem que as forças de mer- com base em redes de capital de relações so-
cado exercem um papel restrito na acade- ciais consistia na regra geral. Na nova situa-
mia comparativamente a outras profissões” ção, ao que tudo indica, o capital de relações
(BURRIS, 2004, p. 244). sociais passa a constituir um pólo ou com-
Porém, além dos problemas conceituais ponente que se opõe, complementarmente,
na análise das relações de mercado e de ca- embora sempre de modo contraditório, aos
pital social no recrutamento e na hierarqui- universais da oficialização das regras buro-
zação do espaço escolar, é necessário ter em crática. Por outro lado, esse maior peso ofi-
consideração as diferenças entre configura- cial, do qual decorre inclusive a geração dos
ções nacionais distintas. Isso pode ter efei- dados utilizados, também contempla uma
tos, inclusive, na existência e nas formas de forte interdependência relativamente a inte-
coleta e difusão de dados e informações per- resses organizados no próprio espaço escolar
tinentes. Se para Bourdieu (1989) o capital e nas associações profissionais, além das re-
de relações sociais na hierarquização escolar des das quais dependem as relações dos dou-
e nas burocracias privadas e públicas con- torandos, com os orientadores, com os com-
siste especialmente num problema das rela- ponentes da banca examinadora e com os
ções entre estruturas de dominação com ide- empregadores em potencial.
ologias tecnocráticas, para Burris (2004) a Seja como for, a exemplo do trabalho de
questão analítica central gira em torno do Burris (2004), no presente trabalho o proble-
“prestígio” (uma categoria, ao que tudo in- ma analítico central consiste no capital so-
dica, central tanto na sociologia como no cial embutido nas trocas entre os cursos for-
senso comum norte-americano). Nesse caso, necedores e os recrutadores dos novos dou-
no rank do “prestígio” analisado por Burris tores. Porém, seguindo a indicação de Gode-
(2004) os critérios são externos ao controle chot e Mariot (2003), além do curso de atu-
oficial, ou seja, diferentemente do caso ana- ação profissional do doutorando e do orien-
lisado no presente trabalho, são formulados tador, foi incluído o curso de atuação dos
e operados por uma organização em nome componentes da banca de defesa da tese.

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2 Os dados disponíveis e da Capes. Complementarmente podem ser
indicadores utilizados usadas informações relativas ao tipo de ins-
tituição (pública ou privada), tamanho do
Em termos gerais, as fontes de dados dis- curso de pós-graduação (através da explo-
poníveis para o estudo dos efeitos do capital ração de outros arquivos da própria Capes) e
social na hierarquização escolar, ou temas co- o ano de defesa da tese, dentre alguns pou-
nexos, são muito restritos e de qualidade pre- cos mais. As informações relativas ao em-
cária. Uma das principais razões disso é que prego do doutorando, seus vínculos institu-
o esquema de coleta de informações estatísti- cionais e demais indicadores desse tipo fo-
cas exclui esse tipo de interesse e preocupação, ram obtidos, especialmente, nos arquivos
inclusive porque essas informações não estão disponíveis na Internet. Isso resulta numa
centradas em categorias normalmente utiliza- diferença muito grande comparativamente
das. Para o trabalho em pauta, a exemplo de à quantidade de indicadores utilizados por
outros que tomam as relações entre os proces- Burris (2004), que incluem as trocas entre
sos de titulação universitária e o ingresso no os departamentos através da contratação de
mercado de trabalho (BURRIS, 2004, GODE- novos doutores, as publicações de artigos,
CHOT; MARIOT, 2003), a principal fonte des- citações, financiamento para pesquisa, arti-
se tipo de informação são as avaliações ten- gos publicados qualificados, publicação de
do em vista a hierarquização dos cursos. Con- livros e o tamanho da faculdade.
tudo, como já mencionado, uma das princi- Porém, além da precariedade das fon-
pais diferenças, particularmente em compara- tes, a menor quantidade de indicadores no
ção com as fontes utilizadas por Burris (2004), caso estudado decorre também do esquema
cuja coleta dos dados e estabelecimento de de coleta e armazenamento desse tipo de
hierarquias entre os cursos estão a cargo de as- informação. Ocorre que, como o rank dos
sociações profissionais, para o caso em pauta cursos tem um caráter oficial, alguns indi-
as fontes têm um caráter mais oficial. Trata-se cadores que nos Estados Unidos aparecem
do Banco de Teses da Capes, em conjunto com separadamente, como a produtividade me-
o rank dos cursos conforme as avaliações da dida através de publicações ou das citações,
própria Capes. Essas fontes foram complemen- no caso em pauta são incorporados como
tadas com a coleta de dados para cada indiví- critérios para o estabelecimento do próprio
duo nos arquivos disponíveis, particularmen- rank oficial.
te, na Internet. Contudo, o mais importante é que, ape-
Em todo caso, comparativamente ao tra- sar de todas essas restrições quanto ao ma-
balho de Burris (2004), os dados disponí- terial empírico, os indicadores disponíveis
veis são muito mais precários e cobrem uma contemplam o núcleo central do problema
quantidade bem menor de indicadores. No em análise, ou seja, as relações entre os cur-
Banco de Teses, disponível na versão ele- sos e respectivas posições na rank na for-
trônica para o período posterior a 2000, as mação e no recrutamento de doutores.
principais variáveis com dados disponíveis A fonte original constituída pelo Banco
com algum interesse são as que seguem: de Teses da Capes possibilita tomar o con-
o orientador da tese e os componentes da junto das teses defendidas no período pos-
banca com os respectivos vínculos institu- terior a 2000, em qualquer área de conhe-
cionais e o enquadramento nas avaliações cimento. Como um primeiro ensaio, no en-

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tanto, foram tomados apenas os classifica- gunda tendência que se sobressai é a for-
dos como sendo de sociologia (que inclui te associação entre os conceitos do curso
outras denominações, como ciências so- do orientador, com componentes da ban-
ciais, dentre outras), a exemplo do trabalho ca examinadora e do doutorando, em geral,
de Burris (2004). Contudo, diferente de Bur- sendo do mesmo nível ou ainda mais fre-
ris (2004), não foram incluídos os cursos de qüentemente, o curso de atuação do douto-
história e de ciência política como contra- rando sendo de nível imediatamente abai-
prova. O plano de continuidade do trabalho xo daquele do orientador e dos componen-
inclui, além desses cursos complementares, tes da banca examinadora. Entretanto, so-
outros em condições distintas no que tange mente em casos excepcionais o conceito do
ao mercado e ao grau de consolidação e re- curso de atuação do doutorando é superior
gulamentação profissional. A hipótese per- àquele do curso do orientador ou dos com-
seguida nesse caso, ainda não contemplada ponentes da banca examinadora. Confor-
na presente fase, é a de que, mais que o con- me Burris (2004, p. 244), no caso por ele
teúdo da área, pesam as relações com as es- estudado, “embora os departamentos mais
truturas de poder e o grau de consolidação e prestigiosos raramente contratem doutores
a capacidade de organização e defesa de in- dos com posição inferior o contrário não é
teresses profissionais. verdadeiro”. Isso ocorre porque os departa-
Como a quantidade de teses defendidas mentos com posição intermediária preten-
na área recortada, a sociologia, por ano, dem enfraquecer o princípio da exclusivi-
não chega a ser muito elevada, foram in- dade social que garante o status de honra
cluídos diversos anos no recorte (2000; dos departamentos mais prestigiosos. Além
2001; 2004; e 2005). Desse modo, foi in- disso, os departamentos de “elite” têm in-
cluído um total de 3.543 teses defendi- teresse em “colonizar” os menos bem po-
das, distribuídas do seguinte modo: 653 sicionados e esses últimos estão ansiosos
de 2000; 691 de 2001; 1122 de 2004; e para trocar seu capital econômico (posi-
1077 de 2005. Mas, se tomado em separa- ções na faculdade e salários) pelo aumen-
do qualquer um desses anos os resultados to de prestígio que esperam obter empre-
não se alteram significativamente. gando os novos doutores dos departamen-
No que tange às informações sobre o tos melhor posicionados. Com isso os de-
emprego dos novos doutores, de um total de partamentos pior posicionados podem ob-
3.543 incluídos no universo, foram conse- ter vantagens decorrentes da melhor inser-
guidas para 2.652. Apesar de não ser o ide- ção em redes institucionais e o capital so-
al, pode ser tomada uma quantidade estatis- cial correspondente, do que resultam outras
ticamente representativa. possibilidades de trocas desiguais (confe-
Exatamente na mesma direção dos re- rências, publicações, participação em asso-
sultados obtidos por Burris (2004), a pri- ciações) com os melhor posicionados.
meira tendência que se sobressai é a for- Quanto às principais técnicas estatísti-
te associação do destino ocupacional do cas utilizadas, num primeiro momento fo-
doutorando, particularmente no que tan- ram exploradadas conjuntamente todas as
ge ao conceito do curso de pós-graduação variáveis com algum interesse, através de
em que atua e aquele do orientador e dos análise de correspondência múltipla. Nesse
componentes da banca examinadora. A se- tipo de teste fica evidente a forte associa-

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ção entre o rank ou conceito do curso de dos dados disponíveis, o mais adequado pa-
doutoramento com aquele do destino pro- receu serem os testes de regressão ordinal e
fissional do doutorando. Fica evidente tam- multinomial. Além disso, também diferente-
bém a forte associação entre o conceito do mente do trabalho de Burris, não foram utili-
curso do orientador, dos examinadores ou zados os esquemas da network analysis. Nu-
componentes da banca e demais indicado- ma primeira exploração através de teste de
res disponíveis. análise de correspondência múltipla com to-
Num segundo momento, a exemplo do das as variáveis com algum interesse, ficam
trabalho de Burris (2004), foi elaborada uma evidentes algumas polarizações que abran-
tabela de mobilidade, tendo em vista o exa- gem outros aspectos além da vinculação ins-
me mais detalhado das relações entre os cur- titucional e posição do respectivo curso na
sos de doutoramento ou então de atuação hierarquização através de conceitos3.
dos componentes da banca e o respectivo Num primeiro eixo um pólo é constitu-
conceito e aquele de atuação do doutoran- ído de modo mais direto pelos orientado-
do. Como parece evidente, a exemplo dos re- res e examinadores vinculados aos cursos
sultados da análise de correspondência múl- com conceitos mais altos (com o concei-
tipla, essa tabela apresenta de modo muito to sete na posição extrema superior e, em
contundente as principais tendências. menor grau, com o conceito seis). Algo ho-
Por fim, foram aplicados testes de regres- mólogo ocorre com a instituição ou curso
são, mas diversamente daqueles utilizados onde o doutorando atua, com os concei-
por Burris (2004) regressão OLS - (Ordinary tos mais baixos também posicionados nes-
Least Squares) tendo em vista as condições se pólo. Em termos mais específicos, nes-

3. Além dos testes com objetivos exploratórios, naquele usado mais diretamente, como variáveis ativas fo-
ram incluídos os conceitos dos respectivos cursos de atuação, do orientador, dos componentes da banca exa-
minadora e do doutorando, ou seja, apenas três variáveis, com cinco categorias cada. O grau de associação
é muito elevado. O primeiro eixo atinge 23,37% da variância (0,6761 de valor próprio), o segundo eixo ou-
tros 18,82% (0,5445 de valor próprio) e o terceiro eixo 15,32% da variância (0,4432 de valor próprio).
Além do forte grau de associação em geral, os resultados desse teste evidenciam a intensa correspondência
entre os conceitos em diferentes níveis, dos cursos de atuação do orientador, dos componentes da banca exa-
minadora e do curso de atuação do doutorando. No primeiro eixo se configura um primeiro pólo no qual se
destacam aqueles orientadores, componentes de banca e doutorandos que atuam em cursos com conceito
máximo, ou seja, sete. No pólo oposto se situam os orientadores e componentes de banca examinadora que
atuam em cursos com conceito cinco e quatro. Embora possa parecer que se trata de conceitos intermediá-
rios e próximos, podem ser considerados como do extremo inferior, visto que aqueles abaixo de quatro pra-
ticamente não são estatisticamente representativos, até porque, pelas normas burocráticas, os abaixo de três
são excluídos. Quanto ao conceito do curso de atuação dos doutorandos, nesse pólo inferior do primeiro ei-
xo se destacam os sem informações, que equivalem àqueles que não atuam em curso de pós-graduação e,
portanto, não há conceito.
No segundo eixo se repete essa oposição entre conceitos, num nível inferior. Nesse caso, no pólo positivo se
situam os com conceito cinco, tanto para o curso do orientador como para os dos componentes da banca e
do doutorando. No pólo oposto, novamente, se destacam os orientadores e os componentes de banca que
atuam em curso com conceito inferior àquele, ou seja, quatro e, no que tange ao curso de atuação do dou-
torando, se destacam os sem conceito, visto não haver vínculo profissional com curso de pós-graduação. Em
todo caso, também nesse segundo eixo o que mais se destaca é o forte grau de correspondência entre con-

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se pólo se situam os cursos institucional- No segundo eixo, em seu primeiro pólo se
mente mais centrais, particularmente os destacam os orientadores e cursos com con-
programas de pós-graduação da UFRJ, da ceito seis e em menor grau, conceito quatro
USP e do IUPERJ. No que tange ao vín- e conceito três. Em termos específicos, nesse
culo institucional do doutorando o leque pólo, como instituição do orientador se des-
de programas e respectivas instituições é tacam o curso da UNICAMP, da UFRGS, da
mais amplo, abrangendo especialmente a UFPE e em menor grau, da UNB e da UFBA,
UERJ, FIOCUZ, UFPLA, SENAS, UFV, FE- dentre outros. Como instituições de atuação
SO, UFF, UNDESC, UFPR, ESES, UCB/RJ, do doutorando nesse pólo se destacam cursos
UFRJ, IBASE, ISER, dentre outros, em ge- como o da UFRGS, PUCRS, UNISINOS, FAIT,
ral, com conceito inferior a sete ou, então, UNIFOR, UFBA, UFSC. UFES, UNB, UNISC,
sem conceito (não se aplica). Outro aspecto UNESP, várias ONGs, UNIJUÍ, dentre outras.
que se destaca nesse primeiro pólo é a de- Ou seja, a exemplo dos demais pólos, os dou-
nominação dos cursos, sendo que no ex- torandos estão vinculados a instituições do
tremo positivo se situam os de sociologia e mesmo nível e principalmente de nível in-
antropologia, seguidos pelos de sociologia. ferior àquela do curso de doutorado e a or-
No extremo oposto desse eixo se situam os ganizações externas ao espaço universitário.
cursos no pólo com conceitos mais baixos, Esse primeiro pólo do segundo eixo também
particularmente os com conceito cinco. está mais diretamente associado com o cará-
Em termos mais específicos, nesse pólo se ter público da instituição. No extremo opos-
destacam cursos de vínculo do orientador to, como segundo pólo desse eixo destacam-
ou dos examinadores como o da PUC/SP, -se os cursos com conceito máximo, ou seja,
UERJ, UFSC, UNESP, UFRRJ, dentre outros. sete, mas também alguns com conceito cinco.
Quanto ao curso de atuação profissional do Especificamente, nesse pólo se destacam cur-
doutorando, ocorre muita dispersão numa sos como o da PUC/SP, UFRJ, IUPERJ, UERJ,
enorme quantidade, mas são quase todos dentre outros, a maior parte situada também
são cursos em posição periférica, em cujo no primeiro pólo do eixo anterior. Quanto às
extremo se destaca a PUC/SP, UNISANTOS, instituições do curso de atuação do doutoran-
UNICSUL, UAM, PUC/CAMPINAS, UNIP, do, nesse pólo se destacam ao FAAP, FECAP,
ISCA, UESPI, UNITAU, dentre outros. No UFRJ, PUC/RJ, FEMATH, em síntese, um con-
que tange ao nome do curso, nesse pólo se junto bem heterogêneo, mas com predomi-
destacam os cursos de ciências sociais. Por nância das que ocupam posições periféricas.
fim, quanto ao controle institucional, nes- Quanto ao caráter institucional, apesar da
se segundo pólo predominam as institui- forte presença de organizações públicas, nes-
ções privadas, em oposição às públicas, si- se pólo há maior grau de associação com ins-
tuadas no extremo oposto. tituições privadas.

ceitos do curso de atuação do orientador, dos componentes da banca examinadora e do doutorando. A úni-
ca exceção é a posição de destaque dos doutorandos que não atuam em curso de pós-graduação, numa po-
sição inferior. Mas a não existência de correspondência nesse caso decorre da falta da mesma categoria pa-
ra os orientadores e componentes da banca, visto que, por definição, todos atuam em curso com conceito.

Titulação escolar, mercado e capital social na hierarquização escolar 47


Em todo caso, o que mais se destaca nes- tidade de professores permanentes, e o con-
ses resultados da análise de correspondên- ceito é altamente redundante. Ocorre que há
cia múltipla tomando apenas os concei- forte correlação entre o tamanho do curso e
tos (do curso de atuação do doutorando, do outros indicadores, como sua antiguidade, e
orientador e dos examinadores) é sua linea- assim por diante. Ao que tudo indica, trata-
ridade. Sendo assim, há uma forte tendência -se de um caso de “causalidade circular” que
de as associações ocorrerem na mesma dire- não pode ser tomado como decorrência ape-
ção. Sinteticamente, no extremo de um dos nas da dependência ou da relação causal de
pólos do primeiro eixo se situam os orienta- apenas uma variável relativamente a algu-
dores cujo curso tem conceito sete (conceito ma outra.
máximo), seguidos pelos cujo curso de atu- Em todo caso, no teste de regressão ordi-
ação do doutorando também tem conceito nal tomando o conceito do curso do orien-
sete e os examinadores cujo curso tem con- tador como variável dependente e o tama-
ceito seis e, em menor grau, conceito cinco. nho do programa de pós-graduação medido
Ou seja, há uma relação assimétrica na qual pelo número de professores permanentes, o
boa parte dos examinadores pertence a cur- grau de associação é dos mais altos (Pseudo
sos com conceito relativamente mais bai- R Quadrado de Cox e Snell de 0,541%). To-
xo. No extremo do pólo oposto nesse pri- mando o conceito do curso de atuação dos
meiro eixo se destacam os orientadores cujo novos doutores como variável dependente
curso tem conceito cinco, seguidos pelos e o tamanho do programa de pós-gradua-
com conceito quatro e pelos doutorandos e ção como variável independente o grau de
orientadores que também atuam em cursos associação continua muito alto, embora um
com conceito quatro. tanto menor que aquele obtido para o curso
Além de análise de correspondência múl- do orientador (Pseudo R Quadrado de Cox e
tipla e de tabelas cruzadas, algumas variá- Snell de 0,192).
veis foram submetidas a testes de regressão. Quanto ao conceito do curso do orienta-
Porem, diferentemente de Burris (2004), que dor como variável dependente, relativamente
utiliza teste de OLS (Ordinary Least Squa- apenas ao conceito do curso de atuação dos
re) incluindo o tamanho do curso represen- novos doutores, o grau de associação no tes-
tado pelo da “faculty” servindo como vari- te de regressão ordinal, apesar de considerá-
ável instrumental, no caso em pauta pare- vel, não chega a ser muito alto (Cox e Snell
ce mais adequada a utilização de testes de 0,102). Porém, ao incluir o conceito do curso
regressão ordinal, cujos resultados são mui- dos examinadores conjuntamente com aque-
to semelhantes aos de regressão multino- le dos novos doutores o grau de associação
mial. Diversamente do constatado por Bur- é muito alto (Pseudo R Quadrado de Cox e
ris (2004), o tamanho do curso mantém um Snell de 0,325). Além de menor quantidade
forte grau de correlação com o conceito e daqueles com dados disponíveis para os no-
com o destino ocupacional dos novos dou- vos doutores, esse forte aumento do grau de
tores (embora as unidades de análise possam associação decorre da alta correlação entre o
ser um tanto distintas, faculty e programa de conceito do curso do orientador e dos exami-
pós-graduação). Porém, ao que tudo indica nadores. Ou seja, via de regra, os examinado-
esse alto grau de associação entre o tama- res atuam em curso com o mesmo conceito
nho do curso, no caso, tomado pela quan- do orientador ou em nível próximo.

48 R. Pós Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011


Conseqüentemente, ao tomar o conceito está vinculado a curso com conceito seis
do curso do orientador relativamente àque- ocorre algo semelhante. A maior concen-
le dos examinadores o grau de associação é tração é dos que atuam em curso também
dos mais altos (Pseudo R Quadrado de Cox com conceito seis (12,90% contra 2,70%
e Snell de 0,325). Com a inclusão dessas previstos). Mas nesse caso ocorre também o
variáveis principais, tomando conceito do destino a cursos com conceito sete (6,45%
curso do orientador como variável depen- contra 2,43% do esperado), mas com uma
dente e o conceito do curso de atuação dos forte concentração na faixa imediatamen-
novos doutores e do curso dos examinado- te inferior à do curso de titulação, ou seja,
res, além do tamanho do curso, é possível aqueles com conceito cinco (27,42% contra
montar um modelo cujo grau de associação 20,22% esperados). As mesmas tendências
e quantidade da variância “explicada” são ocorrem com os novos doutores vinculados
muito altos (Pseudo R Quadrado de Cox e a curso com conceito cinco, porém de mo-
Snell de 0,695). do muito mais acentuado. Nesse caso ne-
Como pode ser constatado no respecti- nhum novo doutor que obteve o título em
vo quadro, nas relações entre o conceito do curso com conceito cinco trabalha em cur-
curso do orientador e do orientado a pri- so com conceito sete (embora a probabili-
meira tendência mais forte é a coincidência dade seja de 9,59 indivíduos) e uma quanti-
de nível ou conceito. A segunda tendência, dade ínfima obteve emprego em curso com
complementar àquela, é de o doutorando conceito seis (1,63% ou quatro indivíduos
atuar num curso de nível ou conceito mais quando a probabilidade é de mais do dobro,
baixo (exatamente como o constatado por ou seja, 10,65 indivíduos). Nesse mesmo ní-
Burris, 2004). No caso da inclusão dos que vel do conceito cinco ocorre o inverso, ou
não atuam em curso de mestrado ou douto- seja, a quantidade dos que mantêm empre-
rado, ocorre a tendência de atuação somente go é um tanto maior que o previsto (88 in-
em curso de graduação ou em outras ativi- divíduos ou 35,92% contra 79,89 indivídu-
dades. Essas atividades consistem principal- os previstos). Mas o grande fluxo e maior
mente na atuação apenas em cursos de gra- concentração do destino ocupacional dos
duação ou, então, em organizações do setor que obtiveram o título de doutor em cur-
público ou, ainda, não governamentais. so com conceito cinco são os cursos com
Do total de novos doutores com orien- conceito quatro, (com 153 indivíduos ou
tador vinculado a curso com conceito se- 62,45% contra 144,87 indivíduos espera-
te (máximo), quase três vezes mais que o dos). No que tange aos novos doutores titu-
previsto pela probabilidade (12,17% contra lados em curso com conceito quatro, o mais
4,50%) atua em curso também com concei- baixo considerado, também, não há qual-
to sete. O conceito imediatamente abaixo quer ocorrência de atuação profissional em
(seis) recebe um pouco mais que o previs- curso com conceito sete ou seis. Uma quan-
to pela probabilidade de novos doutores ti- tidade menor que a prevista atua em cur-
tulados em curso com conceito sete (6,96% so com conceito cinco (quatro indivídu-
contra 5,0%). Todos os cursos com conceito os contra 12,39 previstos) e também nesse
inferior recebem menos novos doutores ti- caso ocorre maior concentração no mesmo
tulados em curso com conceito máximo (se- nível, ou seja, cursos com conceito quatro
te). Com os novos doutores cujo orientador (134 indivíduos contra 22,47 esperados).

Titulação escolar, mercado e capital social na hierarquização escolar 49


Essas relações entre a posição do cur- nadores vinculados a curso com conceito
so do orientador e do doutorando abran- sete os resultados são muito próximos, mas
gem também aqueles que não atuam em al- ainda com quantidade maior que a prevista
gum programa de pós-graduação e, portan- (seis indivíduos para 4,16 esperados). Para
to, os conceitos não se aplicam. Do total de o conceito cinco também ocorre uma rela-
3543 doutorados concluídos em sociolo- tiva aproximação entre os que obtiveram o
gia nos anos em consideração, foram obti- título com examinadores vinculados a cur-
das informações sobre o destino ocupacio- so com conceito sete e o destino ocupacio-
nal para 1097 indivíduos. Desses, como já nal no mesmo nível cinco (30 indivíduos
mencionado, apenas 18 (0,94%) atuam em contra 26,83 previstos). Por fim, no nível
algum curso com conceito sete, uma pro- mais baixo considerado, aquele do conceito
porção semelhante (20 ou 1,0%0 em curso quatro, ocorre uma proporção bem menor
com conceito seis, uma quantidade muito de destino ocupacional dos titulados com
maior (150 ou 7,87%) com conceito cinco, banca cujos examinadores são vinculados a
outra parte maior ainda (272 ou 14,26%) curso com conceito sete (42 indivíduos pa-
com conceito quatro e, por fim, uma pro- ra 55,18 previstos).
porção semelhante (222 ou 11,64%) atua Ao tomar os cujo examinador é prove-
em curso com conceito três. Porém, qua- niente de curso com conceito seis ocorre al-
se metade (48,14%) desses novos doutores go praticamente idêntico. A maior concen-
atua somente em curso de graduação e uma tração de destino ocupacional dos novos
pequena parte restante (4,30%) em cur- doutores ocorre nesse mesmo nível seis (três
so sem nota, além de mais da décima parte indivíduos contra a previsão de 2,7) e mais
(11,80%) que não tem ligação ocupacional ainda, no mesmo nível do conceito seis (seis
com o magistério. O mais importante a des- indivíduos, contra a previsão de 3,04). Em-
tacar é que a quase metade que atuam so- bora com muito maior quantidade em ter-
mente em curso de graduação tende a ob- mos absolutos, as proporções para os cujos
ter o título de doutor em curso com concei- examinadores são de curso com conceito
to inferior à média. cinco são semelhantes (25 indivíduos para
Tomando as relações entre o conceito uma previsão de 19,60), mas mesmo assim,
do curso dos examinadores e do curso de é menor que a prevista. Para o conceito qua-
atuação profissional do novo doutor ocorre tro do curso dos examinadores essa diferen-
algo fortemente homólogo aos resultados ça para menos aumenta (31 indivíduos para
relativos ao curso do orientador. Os novos uma previsão de 40,30).
doutores que não atuam em curso de mes- Quanto aos cujo examinador é de cur-
trado ou de doutorado que tiveram, na ban- so com conceito cinco ocorre somente um
ca, examinadores vinculados a curso com caso de destino ocupacional do novo dou-
conceito sete mantêm uma proporção dos tor em curso com conceito sete (contra 7,42
que também atuam em curso com conceito de previsão). No nível do conceito seis a di-
sete muito alta e concentrada (11 indivídu- ferença entre a previsão e a ocorrência qua-
os para uma previsão pela probabilidade de se se anula (oito casos contra a previsão de
2,83). Para a faixa do conceito seis do cur- 10,88), ocorrendo algo semelhante relativa-
so dos examinadores a quantidade dos que mente ao conceito quatro (68 casos contra a
obtiveram o título com o curso dos exami- previsão de 70,25). Relativamente aos cujos

50 R. Pós Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011


examinadores são vinculados a curso com 3 Considerações finais
conceito cinco a maior concentração é dos
novos doutores que atuam em curso com Apesar de empiricamente centrado nas
conceito quatro (156 casos para a previsão relações entre a condição de aluno de douto-
de 144,45). rado em sociologia e o destino ocupacional,
Por fim, aqueles cujos examinado- esse trabalho se inscreve numa problemáti-
res são de curso com conceito quatro, ne- ca ampla e analiticamente controvertida. Em
nhum dos quais tem destino ocupacional termos gerais, trata-se do problema dos efei-
em curso com conceito sete. Uma quanti- tos da titulação escolar nas estruturas e nos
dade bem menor que a prevista pela proba- princípios de hierarquização profissional
bilidade atuam em curso com conceito seis e social. Na multiplicidade de esquemas de
(dois casos para a previsão de 3,92) e no ní- abordagem desse problema postos em práti-
vel do conceito cinco essa diferença diminui ca pelas ciências sociais, num pólo pode-se
muito (19 casos para a previsão de 25,32). sublinhar o uso da noção de mercado e cate-
Por fim, no nível do conceito quatro ocorre gorias conexas. No pólo oposto se destacam
maior concentração daqueles cujo exami- aquelas abordagens que têm na titulação es-
nador também é de curso do mesmo nível colar um recurso para o fechamento social,
do conceito quatro (63 casos para a previ- seja como credencial, como status ou como
são de 52,08). formação de redes de interdependência com
Quanto aos novos doutores que atuam base no capital de relações sociais. A hipó-
somente em cursos de graduação, portanto, tese perseguida no presente trabalho é a de
não havendo conceito da Capes, represen- que esses recursos e princípios de legitima-
tam mais da metade do universo. Ao tomar ção, com base no mercado ou no capital de
conjuntamente com os que atuam em cur- relações sociais não são excludentes. Ape-
sos de pós-graduação representam a maior sar de contraditórios, podem se complemen-
parte daqueles com informações disponí- tar e interagir.
veis quanto ao destino ocupacional (918 A exemplo da bibliografia corrente so-
casos ou 57,20% do total). Mas, a exem- bre o tema em outras condições históricas
plo dos que atuam em curso com conceito, e sociais, no caso em pauta também, o des-
sua distribuição relativamente ao conceito tino ocupacional dos novos doutores, bem
do curso do examinador também é muito como suas respectivas posições nas hierar-
significativa. Daqueles cujo examinador é quias profissionais estão fortemente asso-
de curso com conceito sete, menos da me- ciados com a posição do orientador da tese
tade (46,25%) atua somente em curso de e dos componentes da banca examinadora.
graduação e ao tomar os cujo examinador Como parece evidente, isso indica no senti-
é de curso com conceito seis essa propor- do de que tanto o ingresso no mercado es-
ção se eleva consideravelmente (54,78%) e colar como de trabalho são condicionados
continua se elevando para o conceito cin- pela inserção prévia em redes estruturadas
co (59,12%). Para os cujo examinador é de com base no capital de relações sociais.
curso com conceito quatro essa proporção Por outro lado, apesar desse forte grau de
dos que atuam apenas em curso de gradu- associação entre o destino ocupacional e a
ação se eleva ainda mais e passa dos dois posição na hierarquia profissional dos alu-
terços (70,63%). nos de doutorado e os respectivos orienta-

Titulação escolar, mercado e capital social na hierarquização escolar 51


dores e componentes da banca examinado- sivos e anônimos, tornando-se mais depen-
ra, uma série de questões e desafios ou limi- dentes de redes de capital de relações sociais
tes desse tipo de trabalho ficam em aberto. na medida em que há mais proximidade do
Um dos mais imediatos desses limites con- topo, ou da “elite” escolar.
siste na própria origem e no caráter dos da-
dos disponíveis, de natureza administrativa
e apenas indiretamente pertinentes ao trata-
mento do problema. Essas limitações quanto
aos dados, no entanto, estão vinculadas ao
problema mais geral das próprias condições
de constituição dos usos do capital de rela-
ções sociais no espaço escolar e, particular-
mente, para sua “elite”, em problema de pes-
quisa. Dito de outro modo, a transformação
dos usos do capital de relações sociais pe-
la “elite” escolar requer muita autonomia da
própria sociologia.
Por fim, ainda quanto a limites, os dados
disponíveis não permitem examinar a inter-
dependência desse tipo de uso do capital de
relações sociais relativamente a outros, tí-
picos de situações periféricas como aque-
las em pauta. Por exemplo, é sabido que a
hierarquização “profissional” da sociologia,
a exemplo de outras áreas, depende direta-
mente do capital de relações sociais acu-
mulado na representação de interesses, se-
ja nas burocracias universitárias e governa-
mentais em geral, ou nas associações de ca-
da área. Porém, frente aos limites de dados,
não é possível examinar as relações desse
tipo de capital de relações sociais em suas
interações com aquele presente nas relações
de orientação, formação de banca examina-
dora e obtenção de emprego. Do modo se-
melhante, por falta de dados mais sistemá-
ticos e longitudinais, não é possível exami-
nar se esse forte efeito do capital de relações
sociais no universo escolar depende do ní-
vel da escolarização. Por exemplo, tudo in-
dica que para os níveis inferiores do merca-
do escolar, até o ingresso no curso universi-
tário, os critérios de seleção são mais mas-

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Nota sobre o autor litique. Paris: GRIOT-CNAM (Document de
travail 17), 2003.
Odaci Luiz Coradini é Doutor em antropologia
social e professor de ciências sociais na Uni- LIN, N.; COOK, K.; BURT, R. S.(Eds.) Social
versidade Federal do Rio Grande do Sul. Atu- capital: Theory and research. New Brunswi-
almente suas pesquisas estão centradas parti- ck: Aldine; London: Transaction, 2008.
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