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à escola
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representantes da pedagogia liberal, ou- dos a instituições criadas para "proteger" e
tros partem de pressupostos socialistas e "orientar", mas que na verdade cerceiam as
anarquistas e, mais que reformar a esco- ações humanas. Saúde, nutrição, educação,
la, assumem a tarefa revolucionária de transporte, bem-estar, equilíbrio psicológi-
liberação das classes oprimidas. co, comunicação, ao serem colocados nas
. Vejamos como essas diversas tendên- mãos dos especialistas e tecnocratas, reti-
. · cios podem ter influenciado, direta ou ram dos indivíduos a capacidade de decidir
indiretamente, as teorias pedagógicas por si mesmos. Desse modo, a separação
não-autoritárias. entre os "competentes" e os "incompeten-
tes" infantiliza a pessoa, sempre dependen-
1. Uma proposta radical: te de especialistas e incapaz, ela mesma, de
a desescolarização gerir sua própria vida, de educar seus filhos
e até de consertar qualquer engenhoca de
Temos analisado as diversas faces que a que se utiliza no seu mundo repleto de má-
escola adquiriu no correr da história, até o qumas.
presente momento. Vivemos uma crise mui- Mais ainda, o progresso estaria provo-
to séria e nos preocupamos em saber qual cando o consumo desordenado, resultado
. será o destino da instituição escolar. A dé- da criação ilimitada de novas necessidades .
. cada de 1970 foi fértil em críticas à escola e Todas as exigências naturais são transfor-
.propostas para alterar esse quadro sombrio. madas em procura de produtos manufatu-
.· · Fazendo coro com essa tendência, Ivan Illi- rados e, portanto, artificiais: hoje em dia
. eh apresenta uma proposta aparentemente ter sede não é precisar beber água, mas
mais radical: por que ,pão; "desescolarizar" comprar um refrigerante qualquer. O au-
a . sociedade·? '.Para ·ele a solução da crise tomóvel, esperança de economia de tem-
I?-ão .estaria em promover reformas de mé- po, gerou os engarrafamentos das grandes
. todos ou ç1;1r:ríé{ilos, nem simplesmente em cidades e a poluição do ar. Sufocado pelas
'de.nunci~:t o elitismo, mas em questionar o máquinas que ele próprio ajudou a criar, o
. -.;. fato aceito universalmente de que a escola indivíduo é um "aprendiz de feiticeiro" que
·é o único e melhor meio de educação. Me- não consegue mais controlar os efeitos da
lhor seria se ela fosse destruída. "mágica" desencadeada.
Ivan Illich (1926-2002), nascido na Áus- Em um mundo marcado pelo controle
tria, foi padre por um tempo, mas abando- das instituições, a escola escraviza mais que
nou a vida eclesiástica para evitar sanções a família, devido à estrutura sistemática e
. do Santo Oficio. Viveu em Nova York, foi organizada, à hierarquia, aos rituais das
vice-reitor em Porto Rico e, finalmente, fi- provas e ao mito do diploma. Uma socieda-
xou-se em Cuernavaca, no México, onde de assim estruturada desconsidera o autodi-
fundou uma universidade livre. Escreveu data e encara com desconfiança aquele que
inúmeros artigos e livros, entre os quais So- quer aprender por si próprio.
ciédade f §n;t e~colas, publicado em 1970. A escola agrupa pessoas segundo a idade,
a partir de três premissas consideradas in-
A sociedade institucionalizada questionáveis: o lugar das crianças é na es-
cola; as crianças aprendem na escola; só se
Para Illich, um dos grandes mitos de podem ensinar as crianças na escola. Ora,
nossa época está na crescente instituciona- aqueles que pensam assim esquecem que o
lização: todos os nossos passos são submeti- sistema escolar é um fenômeno moderno,
1
Ivan Illich, Sociedade sem escolas. 2. ed. Petrópolis, Vozes, l 973, p. 58.
2
lvan Illich, Sociedade sem escolas, p. 153.
3
Consultar Georges Snyders, Escola, classe e luta de classes. São Paulo, Centauro, 2005.
soas estariam entregues às forças espontâne- Coerente com as críticas feitas ao ensi-
as de seu auto-interesse. Ora, o ideal de con- no tradicional, de que existe uma grande
vivialidade, segundo o qual a desigualdade distância entre o que o professor ensina e
existente no nosso sistema de escolarização o que o aluno aprende de fato, a metodolo-
4
La cuestión escola1; críticas y alternativas. Barcelona, Laia, 1978, p. 629.
5 Segundo Carlos Díaz, apud Silvio Gallo, Educação anarquista: um paradigma para hoje. Piracicaba, Ed. Uni-
mep, 1995, p. 173, rodapé.
6
Consultar, no capítulo 16, o item sobre as teorias progressistas.
; Educação anarquista: um paradigma para hoje. Piracicaba, Ed. Unimep, 1995, p. I 49 e 159.
" Sílvio Gallo, Educação anarquista: um paradigma para hoje, p. 2 J 8.
9
Segundojesús Palacios, La cuestión escolar, p. 252 e seguintes.
10
A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. São Paulo, Francisco Alves, 197 5, p. 259.
11
Os conceitos de ideologia, alienação, infra-estrutura e superestrutura estão explicados nos capítulos 5 e 12,
(ver também Vocabulário, no final deste livro).
12
Aparelhos ideológi,cos de Estado: nota sobre aparelhos ideológicos de Estado (AIE) . 2. ed. Rio de Janeiro, Graal,
1981, p. 68.
13
'½. atuação de Dermeval Saviani na educação brasileira: um depoimento", in Celestino Alves da Silvajúnior
(org.), Dermeval Saviani e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo, Cortez, 1994, p. 52-53.