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INDÚSTRIA CULTURAL E EDUCAÇÃO: A ESCOLA COMO

(IM)POSSIBILIDADE DO ESCLARECIMENTO

OGLIARI, Cassiano Roberto Nascimento – PUCSP


cassianoogliari@yahoo.com.br

Eixo Temático: Cultura, Currículo e Saberes

Resumo

O lema “educação para todos” tem sido evocado pelos quatro cantos do país, colocando a
educação escolar em posição estratégica para a conquista dos objetivos traçados em busca do
desenvolvimento econômico. Porém, a formação na escola básica é suficiente para permitir a
possibilidade do esclarecimento do professor e de seus alunos nas escolas, mediante as atuais
políticas educacionais? A cultura dominante, mercantilizada, confunde, sutilmente, seus
consumidores ao divulgar uma propaganda falsa que atenta contra a autêntica formação dos
indivíduos. Estes, não conseguem perceber que estão sendo “enganados” por algo que é
imediatamente incompreensível a um olhar completamente desatento, ou melhor, por um
pensamento que já não consegue perceber o que os produtos culturais conseguem ocultar com
notável êxito. Tudo indica, porém que na contemporaneidade o espaço escolar, local em que
poderia se desenvolver consciências antagônicas aos ideais dominantes, ao ser
paulatinamente, mercantilizado por forças políticas que se orientam pela doutrina neoliberal
de regulação econômica, esteja impedido de realizar um processo formativo que caminhe em
direção à emancipação. A educação atual, mesmo estando danificada, mesmo colaborando
para a permanência do estado de menoridade social pode contribuir para a constituição de um
espírito emancipado? Propostas de semiformação dos indivíduos não permitem que as massas
sejam “desinfeitiçadas”. Encantar e enfeitiçar têm sido a incumbência da indústria cultural.

Palavras-chave: Teoria crítica. Indústria cultural. Emancipação.

Introdução

Na contemporaneidade a escola tem sido constantemente convocada para realizar a


proeza de transformar a realidade social do país. Programas governamentais, amplamente
apoiados pela mídia, estimulam crianças a freqüentarem os bancos escolares na perspectiva de
mudarem os rumos de suas vidas, bem como, em busca da transformação do contexto social,
político e econômico do Brasil e, se possível do mundo.
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O lema “educação para todos” é evocado pelos quatro cantos do país, colocando a
educação escolar em posição estratégica para a conquista dos objetivos traçados em busca do
desenvolvimento econômico. Contraditoriamente a essa imagem amplamente socializada, as
políticas educacionais são direcionadas para a isenção da responsabilidade do estado perante
as instituições sociais, entre elas a escola. Assim, o estado brasileiro se coaduna com as
diretrizes dos organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial e o FMI,
interessados em números que indiquem, mesmo que de maneira fraudulenta, a melhoria da
educação, em troca de empréstimos financeiros.
Seguindo as determinações destes organismos, as políticas educacionais adotadas se
concentram em aumentar o número de crianças nas escolas e, principalmente em diminuir os
índices de reprovação e evasão escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDB 9394/96, objetivando atingir os ditames destas agências, permite ampla flexibilidade
quanto à organização dos sistemas de ensino para se adequarem a diversidade do país e dos
alunos, entre elas: promoção automática, correção de fluxo, ciclos de aprendizagem,
recuperação paralela, promoção parcial.
A formação de professores para atuar na educação básica, também foi alvo de
mudanças no contexto neoliberal. Neste âmbito, a contradição também se faz presente, pois a
legislação exige que os professores possuam curso de Licenciatura. Estes cursos, a partir
dessa legislação, não são ofertados apenas pelas instituições universitárias, mas em múltiplos
espaços. Pereira (2000, p. 73) diz que

as possibilidades de formação dos profissionais da educação são várias: em nível


superior ou médio, nas universidades, em instituições de ensino superior ou nos
institutos superiores de educação que podem estar ou não ligados à universidade, em
curso de licenciatura, de graduação plena, curso normal superior ou normal médio. E
para os portadores de diplomas de educação superior, a licenciatura especial, que
consiste em uma formação pedagógica de 540 horas.

A determinação contida no documento legal de formar o professor em nível superior,


sem dúvida constitui avanço, mas a que formação o professor tem acesso? A formação na
Licenciatura ou na escola básica é suficiente para permitir a possibilidade do esclarecimento
do professor e de seus alunos nas escolas, mediante as atuais políticas educacionais?
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Visando refletir sobre este questionamento, o presente texto será embasado pelas
contribuições teóricas que advém da Escola de Frankfurt, ou seja, da Teoria Crítica,
principalmente as considerações de Theodor Adorno e Max Hockheimer. Conceitos como
indústria cultural, semiformação, alienação, emancipação e esclarecimento serão
fundamentais para dar suporte as reflexões aqui realizadas.
Este exercício dedica-se a difícil tarefa de não deixar que o pensamento adormeça e
enrijeça completamente, pois “... uma verdadeira práxis revolucionária depende da
intransigência da teoria em face da inconsciência com que a sociedade deixa que o
pensamento se enrijeça...” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 51).

Indústria Cultural E O Conceito De Esclarecimento

O termo indústria cultural foi empregado pela primeira vez por Adorno e Horkheimer
na obra Dialética do esclarecimento (1985). A intenção destes autores ao criar este conceito
era estabelecer uma oposição ao termo cultura de massas, que no capitalismo tardio, havia
tido seu aspecto descaracterizado, ou seja, esta cultura de massas já não mantinha
correspondência com o seu conceito; uma cultura surgida espontaneamente das massas.
Sendo assim, a indústria cultural substituiu a cultura advinda especificamente das
massas pelos significados elaborados pela classe dominante, a burguesia. Em outras palavras,
a consciência de classe se perde, mas mantêm-se as diferenças entre as classes no seu sentido
objetivo, entre aqueles que detêm os meios de produção e aqueles que vendem sua força de
trabalho. Adorno (1994, p. 65) diz que nos países capitalistas dominantes, não se possa falar
de uma consciência de classe não refuta per se, ao contrário da opinião comum, a existência
de classes: a classe é definida pela posição quanto aos meios de produção, e não pela
consciência de seus membros. Os trabalhadores, por meio da indústria cultural, passaram a ser
cada vez mais integrados na sociedade burguesa e em sua visão de mundo.

Se a organização da sociedade impede, de um modo automático ou planejado, pela


indústria cultural e da consciência e pelos monopólios de opinião, o conhecimento e
a experiência dos mais ameaçadores eventos e das idéias e teoremas críticos
essenciais; se, muito além disso ela paralisa a simples capacidade de imaginar
concretamente o mundo de um modo diverso como ele dominadoramente se
apresenta àqueles pelos quais ele é construído, então o estado de espírito fixado e
manipulado torna-se tanto um poder real – um poder de repressão – quanto outrora o
oposto da repressão, o espírito livre, quis eliminá-la (ADORNO, 1994, p. 70) .
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Dito isto, a manipulação dos indivíduos pela manipulação dos sentidos, significados e
da cultura constitui um poder de opressão da classe dominante sobre a classe dominada. A tão
deplorada falta de maturidade das massas é apenas o reflexo do fato de que os homens
continuam não sendo senhores autônomos de sua vida, tal como no mito, sua vida lhes corre
como destino (ADORNO, 1994, p. 67).
A cultura dominante, mercantilizada, confunde, sutilmente, seus consumidores ao
divulgar uma propaganda falsa que atenta contra a autêntica formação dos indivíduos. Estes,
não conseguem perceber que estão sendo “enganados” por algo que é imediatamente
incompreensível a um olhar completamente desatento, ou melhor, por um pensamento que já
não consegue perceber o que os produtos culturais conseguem ocultar com notável êxito.
Este adormecimento das consciências é favorável à dominação social imposta à classe
trabalhadora, que na atualidade, é cada vez mais excluída da possibilidade de sólida formação,
o que contribui para que as elites dirigentes consigam dominar e controlar, com mais
facilidade, os grupos sociais com potencial subversivo. Em nosso tempo é perfeitamente fácil
perceber que a burguesia industrial tem expandido profundamente sua dominação. Esta, por
sua vez, é facilitada pela intensa integração econômica, política e cultural favorecida pelo
processo de reestruturação produtiva, a globalização.
Neste período, em que as fronteiras geopolíticas estão se desfazendo, em detrimento
de maior acúmulo de capital, vivemos a fase da sociedade global, portanto mais do que nunca,
neste contexto, é necessário que os significados que os indivíduos elaboram sejam
equivalentes. Adorno e Horkheimer (1978) definem sociedade no seu mais importante
sentido, como uma espécie de contextura formada entre todos os homens e na qual uns
dependem dos outros, sem exceção, na qual o todo só pode subsistir em virtude da unidade
das funções assumidas pelos co-participantes, a cada um dos quais se atribui, em princípio,
uma tarefa funcional; e onde todos os indivíduos, por seu turno, estão condicionados, em
grande parte, pela sua participação no contexto geral.
O projeto neoliberal de desenvolvimento baseado na globalização e assumido pela
burguesia nos dias atuais, leva em seu entendimento que a sociedade passa a ser uma grande
máquina e que os indivíduos são as suas engrenagens. Estes precisam ser padronizados e estar
intrinsecamente articulados, prontos para satisfazer as necessidades da máquina. Portanto,
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neste contexto, o progresso, esquece o humano, o desenvolvimento da técnica está


desarticulado do desenvolvimento humano. Não é a técnica o elemento funesto, mas o seu
enredamento nas relações sociais, nas quais ela se encontra envolvida. Basta lembrar que os
interesses do lucro e da dominação têm canalizado e norteado o desenvolvimento técnico,
portanto, que não se jogue a culpa nas costas da técnica, portanto, das forças produtivas,
praticando na teoria uma espécie de destruição das máquinas em escala ampliada (ADORNO,
1994, p.69).
Este entendimento, passa pelo conceito de esclarecimento, que segundo a teoria crítica
precisa ser desenvolvido teoricamente, não só através da apresentação de fatos, que por sua
vez, é claro, contribui de muitos modos para a crítica, mas que também servem para encobrir
a estrutura (Adorno, 1994, p. 63). Portanto, o entendimento da sociedade atual precisa
ultrapassar o fenômeno apresentado pelo fato, este precisa ser analisado pela dialética crítica
que procura pelas contradições entre os fatos e a teoria, ultrapassando a visão simplista e
imediata, comandada por significados elaborados pela indústria da cultura.
Indivíduos que não esbocem qualquer resistência frente ao autoritarismo da sociedade
presente, pessoas passivas, subservientes, cumpridoras de ordens, ditames, incapazes de
qualquer ação que as caracterizaria como um ser autônomo não podem ser identificadas como
esclarecidas. Na verdade, a indústria cultural procura submeter os indivíduos a estas
características, que na verdade se enquadram no ideal de homem pretendido pela burguesia.

A Educação Escolar E O Esclarecimento


Na perspectiva teórica da escola de Frankfurt, e especialmente em Adorno a educação
deve servir para que o homem possa alcançar o processo de emancipação humana. Aqui a
emancipação é entendida como autonomia, conscientização, resultado do processo de
esclarecimento e só assim seria possível impedir a volta da barbárie, do totalitarismo,
traduzido na experiência alemã pelo nazismo e, em outros contextos pelo fascismo ou outros
processos ditatoriais.

Qualquer debate acerca das metas educacionais carece de significado e importância


frente a essa meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi a barbárie contra a qual se
dirige toda a educação. Fala-se da ameaça de uma regressão à barbárie. Mas não se
trata de uma ameaça, pois Auschwitz foi a regressão; a barbárie continuará existindo
enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta
regressão. ... Os culpados são unicamente os que, desprovidos de consciência,
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voltaram contra aqueles seu ódio e sua fúria agressiva. É necessário contrapor-se a
uma tal ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem para os
lados sem refletir a respeito de si próprias. A educação tem sentido unicamente
como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica (ADORNO, 1995, pp. 119 –
122)

Para contrapor-se a ausência de consciência manifesta em indivíduos expostos às


pressões exercidas pelas relações sociais, portanto indivíduos como objetos, Adorno (1995,
p.141) expõe a sua concepção de educação, diz ele

A seguir, e assumindo o risco, gostaria de apresentar minha concepção inicial de


educação, evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, por que não
temos o direito de modelar as pessoas a partir de seu exterior; mas também não a
mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais
que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira.

Neste sentido, a escola passa a ser o local em que a verdadeira consciência deve ser
elaborada, é na escola que deveria ser realizado o processo de esclarecimento dos indivíduos,
de superação da alienação. O processo dialético que possibilita o esclarecimento só se
confirma por meio do pensamento que investiga minuciosamente a realidade. A configuração
alienada que a vida assume exige do pensamento uma análise rigorosa acerca do objeto que se
quer saber mais.

Quem quiser saber a verdade acerca da vida imediata tem que investigar sua
configuração alienada, investigar os poderes objetivos que determinam a existência
individual até o mais recôndito nela. Se falarmos de modo imediato sobre o que é
imediato, vamos nos comportar quase como aqueles romancistas que cobrem suas
marionetes de ornamentos baratos, revestindo-as de imitações dos sentimentos de
antigamente e fazem agir as pessoas, que nada mais são do que engrenagens da
maquinaria, como se estas ainda conseguissem agir como sujeitos e como se algo
dependesse de sua ação. O olhar lançado à vida transformou-se em ideologia, que
tenta nos iludir escondendo o fato de que não há mais vida (ADORNO, 1993, p. 7)

Tudo indica, porém que na contemporaneidade o espaço escolar, local em que poderia
se desenvolver consciências antagônicas aos ideais dominantes, ao ser paulatinamente,
mercantilizado por forças políticas que se orientam pela doutrina neoliberal de regulação
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econômica, esteja impedido de realizar um processo formativo que caminhe em direção à


emancipação.
Falta à escola e aos profissionais que nela atuam conhecimentos suficientes para
compreender a realidade para além das aparências imediatas. A indústria cultural solapou as
possibilidades de enfrentamento que a escola poderia empreender, articulado ao processo de
desmantelamento da escola destinada à classe dominada. Escolas mal estruturadas e em
precárias condições; professores submetidos à formações aligeiradas descomprometidas com
a qualidade e mal remunerados; alunos provenientes de meio social carente de todos os
benéficos sociais e oriundos de famílias desmanteladas; voluntariado na escola, sem a
exigência de nenhum tipo de formação específica. Diante desse quadro, que caracteriza a
semiformação, que possibilidades há para os indivíduos desembaraçarem-se das teias que
sufocam e aprisionam sua individualidade, sua autonomia? A educação atual, mesmo estando
danificada, mesmo colaborando para a permanência do estado de menoridade social pode
contribuir para a constituição de um espírito emancipado?

Considerações Finais

Diante das considerações apresentadas, que pretenderam analisar se processos


educacionais permitem alcançar o esclarecimento necessário à emancipação humana no
contexto atual, evidenciou-se a substituição da cultura das massas pela indústria cultural. Esta
cria um novo sistema de significados extremamente articulado ao processo de reestruturação
econômica. Nesse sentido a globalização evidencia características de uma sociedade global,
que visa o desenvolvimento econômico e a homogeneidade da população.
A indústria cultural cria uma falsa consciência da realidade articulada aos interesses
dominantes e esta invade o inconsciente das pessoas, que passam a acreditar nelas. Assim,
cria-se a falsa idéia que a transformação do indivíduo e da sociedade depende exclusivamente
da escola.
A instituição escolar passa então a ser bombardeada, por políticas e programas de
governo, que na realidade estão compromissados com os organismos financeiros
internacionais e na elevação dos índices da educação básica, mas em última instância, na
manutenção do sistema de exploração vigente.
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Propostas de semiformação dos indivíduos não permitem que as massas sejam


“desinfeitiçadas”. Encantar e enfeitiçar têm sido a incumbência da indústria cultural. O
processo de esclarecimento, a que Adorno e Horkheimer elaboraram, tinha por propósito
retirar os indivíduos da alienação imposta.
Porém, a educação mesmo danificada pelas políticas neoliberais, ainda é um
importante meio para que a possibilidade utópica da emancipação não morra completamente.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T.W. Mínima Moralia: reflexões a partir da vida danificada. São Paulo:
Editora Ática. 1993.

ADORNO, T.W. Capitalismo tardio ou sociedade industrial? In: COHN, G. (org) Theodor
W. Adorno. São Paulo: Ática. 1994 (Grandes cientistas sociais. 54)

ADORNO, T.W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

ADORNO, T.W. e HORKHEIMER, M (org). Temas Básicos de Sociologia. Editora Cultrix,


1978.
ADORNO, T.W. e HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1985.

BRASIL, MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 – Lei 9.394/96.

PEREIRA, J.E.D. Formação de professores: Pesquisa, representações e poder. Belo


Horizonte: Autêntica. 2000.

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