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Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia-Pncsa/

Ppgas-Ufam

Projeto Novas Cartografias Antropológicas da


Amazônia-Pncaa/Cestu-UEA

Laboratório Nova Cartografia Social: Processos de


Terriorialização, Identidades Coletivas e Movimentos
Sociais - Uea/Cnpq

Projeto: PROCESSOS DIFERENCIADOS DE TERRITORIALIZAÇÃO


E AÇÃO PEDAGÓGICA JUNTO A POVOS E COMUNIDADES
TRADICIONAIS - PNUD/FUNDAÇÃO FORD

Conselho Editorial
Otávio Velho - PPGAS-MN/UFRJ, Brasil
Dina Picotti - Universidad Nacional de General Sarmiento, Argentina
Henri Acselrad - IPPUR-UFRJ, Brasil
Charles Hale - University of Texas at Austin, Estados Unidos
João Pacheco de Oliveira - PPGAS-MN/UFRJ, Brasil
Rosa Elizabeth Acevedo Marin - naea/ufpa, Brasil
José Sérgio Leite Lopes - PPGAS-MN/UFRJ, Brasil
Aurélio Viana - Fundação Ford, Brasil
Sérgio Costa - LAI FU - Berlim, Alemanha
Alfredo Wagner Berno de Almeida - CESTU/UEA, Brasil
PATRIMônio cultural:
identidades coletivas e
reivindicações
Sheilla Borges Dourado
Alfredo Wagner Berno de Almeida
Rosa Elizabeth Acevedo Marin
(organizadores)

UEA edições
Manaus-2013

Coleção DOCUMENTOS DE BOLSO no6


PNCSA | PPGSCA-PPGAS/UFAM
Copyright © Alfredo Wagner Berno de Almeida e Sheilla Borges Dourado (orgs.), 2013

Coordenação editorial e direção da coleção


Alfredo Wagner Berno de Almeida

Capa e projeto gráfico


Sabrina Araújo de Almeida

Revisão
Sheilla Borges Dourado
Foto da capa
Sheilla Borges Dourado

Ficha Catalográfica
..........................................................................
P314
Patrimônio cultural: identidade coletiva e reivindicação / organizadores,
Alfredo Wagner Berno de Almeida, Sheilla Borges Dourado, Rosa
Elizabeth Acevedo Marin – Manaus : UEA Edições ; PPGSA/PPGAS
-UFAM, 2013.
278 p. ; 16 cm. – (Coleção Documentos de Bolso ; n. 6)
ISBN 978-85-7883-259-9
1. Direito – Povos e comunidades tradicionais. 2. Patrimônio cultu-
ral. 3. Diversidade cultural. I. Almeida, Alfredo Wagner Berno de. II.
Dourado, Sheilla Borges. III. Série.
CDU 342.726
..........................................................................
Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA)
UEA - Edifício Professor Samuel Benchimol. Rua Leonardo Malcher,
1728 - Centro. Cep.: 69.010-170 - Manaus, AM
UFAM - Rua José Paranaguá, 200, Centro.
Cep.: 69.005-130 - Manaus, AM
Fone: (92) 3232-8423 | www.novacartografiasocial.com
E-mails: pncaa.uea@gmail.com pncsa.ufam@yahoo.com.br
Sumário
11 Patrimônio e Diversidade Cultural: direitos de povos e
comunidades tradicionais.
Sheilla Borges Dourado

51 Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937.


Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional

61 Decreto n. 80.978, de 12 de dezembro d`e 1977.


Promulga a Convenção para a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural, de 1972 (Unesco)

83 Declaração do México, de 1985 (Icomos)

93 Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e


Popular, de 15 de novembro de 1989 (Unesco)

103 Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004.


Promulga a Convenção n. 169 da Organização Internacional
do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, de 1989 (OIT)

125 Carta de Nara, de 6 de novembro de 1994 (Unesco,


ICCROM e Icomos)
129 Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, de 21 de
maio de 2001 (ONU)

139 Decreto n. 3.551, de 4 de agosto de 2000.


Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial
que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências

143 Decreto n. 5.753, de 12 de abril de 2006.


Promulga a Convenção sobre a Salvaguarda do Patrimônio
Cultural Imaterial, de 2003 (Unesco)

165 Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.


Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais

173 Decreto n. 6.177, de 01 de agosto de 2007.


Promulga a Convenção para a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais, de 2005 (Unesco)

201 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos


Indígenas, de 2007 (ONU)

219 Quilombolas do Aproaga, Vale do Rio Capim: território como


eixo de identidade coletiva e patrimonialização cultural
Rosa Elizabeth Acevedo Marin, Eliana Ramos Ferreira,Fernando
Marques, Irislane Pereira de Moraes, Ângelo Pessoa Lima, Manoel
Clauderi Coutinho da Luz
241 Os movimentos indígenas e a autoconsciência cultural:
diversidade linguística e identidade coletiva.
Alfredo Wagner Berno de Almeida

267 Lei Municipal n. 145, de 11 de dezembro de 2002.


Dispõe sobre a co-oficialização das Línguas Nheengatu, Tukano
e Baniwa, à Língua Portuguesa, no município de São Gabriel
da Cachoeira/Estado do Amazonas

269 Lei Municipal n. 987, de 27 de julho de 2007.


Dispõe sobre a co-oficialização da língua pomerana no
município de Pancas e a inclusão da disciplina de estudo da
língua no currículo escolar, nas escolas da rede municipal de
ensino localizadas nas regiões em que predominam a população
descendente no município

271 Lei Municipal n. 1136, de 26 de junho de 2009.


Dispõe sobre a co-oficialização da língua pomerana no
município de Santa Maria de Jetibá, Estado do Espírito Santo.

273 Lei Municipal n. 2.356, de 10 de outubro de 2011.


Dispõe sobre a co-oficialização da língua pomerana no
Município de Domingos Martins, Estado do Espírito Santo

275 Decreto n. 7.387, de 9 de dezembro de 2010.


Institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística e dá
outras providências.
lista de siglas e abreviaturas
apl – Anteprojeto de lei
Art – Artigo
cf – Constituição Federal
cdb – Conveção sobre Diversidade Biológica
cgen – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
cnpq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
fao – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
fucapi – Fundação de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica
inpi – Instituto Nacional de Propriedade Industria
mp – Medida Provisória
onu – Organização das Nações Unidas
pncsa – Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia
ppgda – Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental / uea
pgsca – Programa de Pós-graduação Sociedade e Cultura na Amazô-
nia / ufam
Unesco – Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a
Cultura
coleção
Documentos de Bolso
Uma das atividades que tem exigido considerável esforço intelectu-
al nos trabalhos de pesquisa concernentes ao Projeto Nova Cartografia
Social da Amazônia e aos outros projetosi que lhe são coextensivos,
diz respeito às iniciativas pedagógicas que visam discutir dispositivos
jurídicos relativos aos direitos de povos e comunidades tradicionais.
Elas abrangem diferentes cursos, ministrados em até doze horas-aula,
para integrantes de associações, movimentos, sindicatos e demais en-
tidades de representação referidas a uma ação coletiva, mais ou menos
formalizada e institucionalizada, empreendida por agentes sociais que
visam alcançar um objetivo compartilhado em torno do uso comum
de recursos naturais imprescindíveis à sua reprodução física e social e
em torno de uma identidade coletiva construída consoante uma pauta
........
I
Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do
Brasil (ufam/f. ford/mma) e Projeto Processos de Territorialização, Confli-
tos e Movimentos Sociais na Amazônia (fapeam-cnpq).

9
de reivindicações face ao Estado. Destaca-se nesta pauta o reconheci-
mento de seus direitos territoriais.
O pncsa, a partir da discussão destas práticas de pretensão di-
dática, inicia a coleção denominada Documentos de Bolso, que con-
siste numa atividade auxiliar aos mencionados cursos de formação,
visando suprir lacunas bibliográficas e propiciar a um público amplo
e difuso um acesso mais direto a documentos jurídicos que reforçam
os direitos de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, quebradeiras
de coco babaçu, seringueiros, faxinalenses, comunidades de fundos
de pasto, pomeranos, ciganos, geraizeiros, vazanteiros, piaçabeiros,
pescadores artesanais, pantaneiros, afro-religiosos e demais sujeitos
sociais emergentes, cujas identidades coletivas se fundamentam em
direitos territoriais e numa auto-consciência cultural.
O trabalho de direção da coleção ficou a cargo do Coordenador
do pncsa, Alfredo Wagner Berno de Almeida. Em discussão com
advogados e advogadas, procuradora do MPF e antropólogos e an-
tropólogas, organizadores de cada volume, foram fixados os critérios
de seleção e agrupamento dos documentos. A responsabilidade prin-
cipal da seleção, entrementes, ficou sob a responsabilidade daqueles
especialistas mencionados diretamente referidos aos temas em ques-
tão, concernentes respectivamente a direitos étnicos, culturais e ter-
ritoriais. Os gêneros dos documentos em jogo foram criteriosamente
considerados. Nesta coleção foram classificadas: convenções interna-
cionais (oit, unesco, onu) e protocolos adicionais, declarações
aprovadas em assembléia geral (onu, unesco) e respectivas por-
tarias e decretos ratificadores ou que orientam a sua implementação.
No segundo volume, excepcionalmente, foram agrupados sobretudo
pareceres jurídicos de circulação restrita (mpf, agu, incra). No
terceiro volume foram selecionados documentos relativos a direitos
dos trabalhadores migrantes. No quarto volume documentos sobre
conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. No quinto
volume foram dispostos documentos sobre participação e consulta.

10
Patrimônio e diversidade cultural:
direitos de povos e comunidades
tradicionais

Sheilla Borges Dourado1

I. Introdução
Este artigo analisa o significado das transformações semânticas
da categoria jurídica patrimônio cultural nos últimos quarenta anos a
partir da leitura articulada de documentos internacionais. Tais trans-
formações acompanharam as mudanças do tratamento regulatório da
cultura pelas organizações internacionais do Sistema das Nações Uni-
das, que ampliaram o seu conceito normativo, passando a incorporar
novos elementos e a reconhecer novos sujeitos como produtores de
saberes e de cultura.
As principais fontes documentais aqui utilizadas são os instrumen-
tos jurídicos produzidos no âmbito do Sistema das Nações Unidas da
década de 1970 até a primeira década dos anos 2000. Observamos

........
1
Mestre em Direito Ambiental (PPGDA/UEA). Doutoranda em Direitos Hu-
manos e Meio Ambiente (PPGD/UFPA). Bolsista Capes. Pesquisadora do Projeto
Nova Cartografia Social da Amazônia.

11
que após a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial,
Cultural e Natural adotada em 1972 pela Unesco (Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), a categoria patri-
mônio cultural apareceu com frequência nos documentos internacio-
nais subsequentes que dispuseram sobre cultura, cada qual trazendo-
-lhe elementos para definições que contribuíram para a construção
da noção jurídica de patrimônio cultural que manejamos hoje em dia.
Esse estudo faz um esboço da gênese da categoria jurídica patri-
mônio cultural como objeto de proteção do Estado - que remonta à
Revolução Francesa, na forma do monumento histórico - e enfoca
principalmente os diversos conteúdos descritos nos instrumentos in-
ternacionais que, cronologicamente analisados, permitem observar
seus deslocamentos de significado ao longo dos últimos quarenta anos.
Uma dessas alterações foi a inclusão dos bens culturais “imateriais”
na lista do conjunto do patrimônio cultural pela Unesco. Essa inclusão
corresponde, principalmente, a uma concepção de cultura adotada
oficialmente a partir dos anos 2000, que privilegia as expressões da
diversidade cultural em lugar das expressões nacionalistas. Se até a
década de 1990 o patrimônio cultural era composto exclusivamente
por bens corpóreos, marcados pela monumentalidade e pela excep-
cionalidade, selecionados sob critérios elitistas, atualmente o rol de
bens culturais sob a proteção do Estado é repleto de expressões in-
tangíveis variadas, de saberes, de celebrações, de tradições orais que
são cotidianas, populares e muito diversas. Dentro do que se consi-
dera um “conjunto” de “bens imateriais” ou intangíveis, este estudo
enfoca os saberes e as práticas de povos e comunidades tradicionais,
correspondentes às categorias jurídicas “conhecimentos tradicionais” e
“expressões culturais tradicionais” a sua importância como elementos
de afirmação de identidades culturais.
Evidenciar essa passagem, do erudito para o popular, do material
para o imaterial, do nacional para o diverso na concepção jurídica
de patrimônio cultural, é uma das propostas deste artigo. A segunda

12
proposta consiste em observar outra passagem, a do reconhecimento
de povos e comunidades tradicionais como sujeitos de direitos, ti-
tulares de conhecimentos e práticas com valor real ou potencial de
mercado, estes considerados bens passíveis de proteção pelo Estado
pelo direito positivo.
Ao final, o quadro anexo apresenta os principais documen-
tos consultados para a redação deste artigo, organizados em ordem
cronológica.
2. As organizações internacionais e seus documentos
Importa, em primeiro lugar, identificar o papel das organizações
internacionais na definição de diretrizes normativas de alcance glo-
bal para a cultura. São aqui chamadas de organizações internacionais
aquelas integrantes do Sistema das Nações Unidas. A Organização das
Nações Unidas (ONU) foi criada posteriormente à II Grande Guer-
ra, em outubro de 1945, com o propósito de manter a paz entre os
países. O Sistema ONU congrega atualmente dezenas de órgãos com
funções específicas2. Neste estudo, destaca-se a Organização das Na-
ções Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, mais conhecida pela
sigla Unesco, criada em 1946 como uma agência especializada, tipo de
organização independente que atua junto à ONU.
As organizações internacionais produzem documentos multila-
terais com diferentes efeitos no que tange às responsabilidades assu-
midas pelos Estados membros. Aqui trataremos das convenções, das
declarações, das cartas e das recomendações.
Segundo Mazzuoli (2011, p. 51), as convenções indicam uma von-
tade uniforme das partes em assuntos de interesse geral, debatidos
........
2
Para uma visualização esquemática do conjunto dos principais órgãos desse
Sistema, recomendo consultar o organograma “O Sistema das Nações Unidas”,
encontrado na página da ONU Brasil na internet: http://www.onu.org.br/img/
organograma.png.

13
em conferências internacionais dos quais resultam atos internacionais
criadores de normas gerais de Direito Internacional Público. O autor
ressalta que a expressão convenção conota um tipo de tratado “sole-
ne e multilateral em que a vontade das partes não é propriamente
divergente, como ocorre nos chamados tratados-contrato, mas para-
lela e uniforme, ao que se atribui o nome de tratados-lei ou tratados
normativos”. Lembra, contudo, que os termos “tratado”, “convenção”
e “acordo” não são diferenciados conceitualmente nem na legislação
brasileira nem nos documentos internacionais, sendo utilizados in-
distintamente e sem que a terminologia escolhida tenha algum valor
prático (MAZZUOLI, 2011, p. 51-52). As convenções internacionais
equivalem, portanto, aos tratados nos seus efeitos vinculantes: geram
obrigações, vinculam os Estados na ordem internacional e costumam
impor sanções em caso de descumprimento das normas acordadas.
Diferentemente das convenções, as declarações definem princí-
pios e traços gerais de políticas e não tem caráter de obrigatoriedade
(SHIRAISHI NETO, 2010, p. 40). As declarações não são, portanto,
tecnicamente tratados, e sim atos que estabelecem certas regras ou
princípios jurídicos ou que indicam, no contexto das normas de Di-
reito Internacional, uma posição política comum de interesse coletivo
(MAZZUOLI, 2011, p. 57).
As recomendações, assim como as declarações, também se destinam
à disseminação de ideias e valores, sem dispositivos vinculantes (AL-
VES, 2010, p. 544). Já a carta é um termo igualmente usado para
designar tratados solenes que estabeleçam direitos e deveres para os
Estados membros (MAZZUOLI, 2011, p. 56).
As convenções internacionais, uma vez ratificadas e promulgadas
pelo Estado brasileiro, passam a fazer parte do sistema jurídico na-
cional, comumente exigindo a tomada de medidas político adminis-
trativas e legislativas para o seu cumprimento. Evidencia-se o poder
normativo das organizações internacionais quando suas diretrizes
se impõem nos Estados por meio da legislação interna. No caso da

14
cultura, a regulação jurídica desencadeada para o cumprimento das
convenções internacionais nos territórios dos Estados envolve a cria-
ção de órgãos e instrumentos específicos com a finalidade de organi-
zação e sistematização dos bens culturais.
Esse movimento de normatização que nasce nos organismos inter-
nacionais e que tem continuidade na regulação jurídica que os Estados
promovem em seus territórios corresponde ao fenômeno denominado
por Pierre Bourdieu de “homogeneização jurídica”. Segundo do autor,
o objetivo é unificar os dispositivos legais em nível global, o que tem
sido perseguido desde o final da Segunda Guerra Mundial, momento
em que ocorreu a estruturação de novas agências multilaterais: o Ban-
co Mundial (BIRD), da Organização das Nações Unidas (ONU) e do
Fundo Monetário Internacional (FMI) (BOURDIEU, 2001, p. 107).
No que tange ao patrimônio cultural, o poder normativo da Unesco
se realiza com a elaboração de instrumentos de proteção (ou salva-
guarda), especialmente a partir da Convenção de 1972. A Unesco é
assessorada por especialistas reunidos em associações internacionais,
como o ICOMOS3 e o ICCROM4 que em papel fundamental na
redação dos documentos produzidos no âmbito da organização.
........
3
O ICOMOS é uma organização civil internacional (International Council on
Monuments and Sites – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), ligada
à UNESCO. Uma de suas atribuições consiste no aconselhamento no que se refere
aos bens que receberão classificação de Patrimônio Cultural da Humanidade. O
ICOMOS foi criado em 1964, durante o II Congresso Internacional de Arquite-
tos, em Veneza, ocasião em que foi escrita a declaração internacional de princípios
norteadores de todas as ações de restauro - “Carta de Veneza”, da qual o Brasil é
também signatário. www.icomos.org.br acesso em 29 de fevereiro de 2012.
4
ICCROM – International Centre for the Study of the Preservation and Res-
toration of Cultural Property é uma organização intergovernamental dedicada à
conservação do patrimônio cultural e que existe para servir à comunidade inter-
nacional como representante dos Estados membros. Seus membros são, portanto,
Estados que declararam sua adesão.

15
Antes de tentar esboçar a construção da noção jurídica de patri-
mônio cultural nos documentos internacionais, seguem algumas notas
sobre o significado da palavra patrimônio a partir da visão de juristas
e antropólogos.
3. Patrimônio: entre a pessoa e a coisa
No direito romano arcaico o termo patrimonium não distinguia cla-
ramente pessoas e coisas. A família era, ao mesmo tempo, sujeito e obje-
to de direito e o patrimonium configurava a sua tradução sucessoral5. Na
família romana antiga, a transmissão dos bens estava ligada ao dever re-
ligioso de manter a sua afetação ao culto dos ancestrais. Por outro lado,
o direito de herdar ligava-se ao dever de transmitir (OST, 1995, p. 358).
Da palavra latina patrimonium, derivavam termos que se referiam
à “propriedade herdada do pai ou dos antepassados” (SOARES, 2009,
p. 21). Vinculado ao estatuto pessoal em consonância com o pater, o
patrimônio era visto como prolongamento social da personalidade. Na
Grécia, o patrimônio designava a terra que fazia viver o grupo familiar,
a qual não podia ser vendida nem partilhada (OST, 1995, p. 357).
François Ost lembra que do conceito de patrimônio emergem va-
riados institutos jurídicos, como a “dominialidade” do direito públi-
co, as “coisas comuns” do direito civil, o “trust” anglo saxão e, mais
recentemente, relaciona-se com os direitos culturais na qualidade de
direitos fundamentais (OST, 1995, p. 352). Para esse filósofo e jurista,
........
5
Os alemães usam Denkmalpflege, ‘o cuidado dos monumentos, daquilo que
nos faz pensar’, enquanto o inglês adotou o heritage, na origem restrito ‘àquilo que
foi ou pode ser herdado’ mas quem pelo mesmo processo de generalização que afe-
tou as línguas românicas e seu uso dos derivados de patrimonium, também passou
a ser usado como uma referencia aos monumentos herdados das gerações anterio-
res. Em todas estas expressões, há sempre uma referência à lembrança, moneo (em
latim, ‘levar a pensar’, presente tanto em patrimonium como em monumentum),
Denkmal (em alemão, denken significa ‘pensar’, e aos antepassados, implícitos na
‘herança’ (FUNARI, p. 97, apud SOARES, 2009, p. 21).

16
dominar um patrimônio não significa apenas usufruir de um haver
passível de ser inventariado, pois “funções sociais, políticas e religiosas
estão associadas e este domínio que recai também sobre os valores
simbólicos”. O patrimônio seria um “poder jurídico”, um atributo da
personalidade do sujeito de direito. Tratando-se de uma virtualidade
jurídica, toda pessoa, por mais desfavorecida que seja, disporia, por-
tanto, de um patrimônio (OST, 1995, p. 358-359).
Ao vislumbrar um regime jurídico apto a responder aos desafios
da regulação das relações do homem com o meio6, Ost justifica o
privilégio do conceito de patrimônio em sua proposta. Em primeiro
lugar, porque se trata de um conceito complexo, de natureza híbrida,
que transcende a distinção entre sujeito e objeto. Dessa forma, o pa-
trimônio se insere, simultaneamente, numa lógica pecuniária e numa
racionalidade simbólica (OST, 1995, p. 353).
Em segundo lugar, o patrimônio tem “caráter trans-histórico” por
produzir um feixe de interesses e um conjunto de encargos pelos quais
pessoas se vinculam aos seus antepassados e aos seus descendentes.
A terceira razão diz respeito à presença frequente do termo patrimô-
nio nos textos de direito positivo elaborados desde a década de 1970
(OST, 1995, p. 354).
Essa concepção do patrimônio como um híbrido entre “ser” e “ter”
esteve e continua presente em sociedades distintas ao longo do tempo,
tanto naquelas formatadas pela dita “modernidade ocidental” quan-
to nas sociedades ditas “tribais”. Afirmam os antropólogos que esta é
uma categoria milenar, cujos contornos semânticos são dados confor-
me distintos contextos históricos e culturais. Gonçalves (2003, p. 22)
destaca que o patrimônio é propriedade:
........
6
Para Ost, o meio é uma relação emergente da ligação homem-natureza. Ele
propõe a noção de patrimônio no campo do direito, no contexto de uma regulação
jurídica do meio que, segundo ele, é um instrumento jurídico que atende funda-
mentos éticos perante o outro (OST, 1995, p.12).

17
Há inúmeros estudos etnográficos em que os bens materiais não são
classificados como objetos separados de seus proprietários e nem sem-
pre possuem atributos estritamente utilitários (...) Constituem, de
certa maneira, ‘extensões morais de seus proprietários’ (GONÇAL-
VES, 2003, p. 23).
Nas sociedades de língua jê no Brasil Central contemporâneo, por
exemplo, segundo a antropóloga Marcela Souza, a noção de nekrêtch
diz respeito aos objetos, ornamentos, prerrogativas cerimoniais e no-
mes pessoais que constituem propriedade de grupos específicos den-
tro da comunidade. Os kukràdja, em mebêngokrê (Kayapó) designa
os “conhecimentos que, transmitidos ao longo de relações específicas,
constituem a pessoa humana”. Estes referem-se a códigos de compor-
tamento, a cerimônias e à mitologia, materializando-se em cantos de
cura e de proteção, em narrativas, em ornamentos e remédios (SOU-
ZA, 2007, p. 9).
Assim, o “ter” um objeto ou um conhecimento corresponde a um
“ser” alguém dentro do grupo, não considerada apenas a utilidade
prática do que se tem, mas também os valores simbólicos que lhe
são atrelados e que definem a posição das pessoas nos grupos sociais
conforme as suas normas.
Tanto nas sociedades “ocidentais” ou “modernas”, quanto nas
sociedades “tribais”, se observa essa concepção básica preliminar em
torno do patrimônio. A noção preliminar de patrimônio significa pro-
priedade ao mesmo tempo que caracteriza uma vinculação pessoal re-
vestida de significados simbólicos. O patrimônio, entrelaça interesses e
deveres perante outros, em cuja relação as pessoas e os grupos sociais
se constituem como tais. Segundo Gonçalves (2003, p. 27), o patri-
mônio não existe apenas para representar ideias e valores abstratos,
mas ele, de certo modo, constrói as pessoas.
A noção jurídica de patrimônio, portanto, comporta dois aspectos:
um econômico e um simbólico, ambos referidos a certa ideia de pro-
priedade. Veremos que os documentos internacionais, ao tratarem do

18
patrimônio cultural, enfatizam uma proteção jurídica dos bens imate-
riais por meio dos instrumentos da propriedade intelectual, ao mesmo
tempo em que advertem que os bens, serviços e atividades culturais
são portadores de identidade, de valores e de sentido, razão pela qual
não devem ser considerados como mercadorias ou bens de consumo
como os demais7.
As características iniciais da categoria jurídica patrimônio cultural
expressa nos documentos internacionais e nas legislações nacionais
estão fortemente associadas à formação e disseminação dos Estados
nacionais, desde o final do século XVIII. A ideia de patrimônio histó-
rico vinculada à ação governamental é europeia e surge com a noção
de monumento histórico8, como se verá adiante.
4. A invenção do monumento histórico
O monumento histórico teve origem no período denominado de
Renascimento, por volta de 140, em Roma. Contudo, passou a ter
proteção institucional originalmente na França, de onde a noção se
espalhou pela Europa, no contexto da formação dos Estados nacionais
(Scifoni, 2003). A expressão monumento histórico só entrou nos
dicionários franceses na segunda metade do século XIX, mas seu uso
já havia se difundido no país desde o começo do século, em 18309.
Contudo, acredita-se que a expressão foi utilizada pela primeira vez
em 1790 quando, na Revolução Francesa, se elaborou o conceito de
monumento histórico, bem como instrumentos de preservação a ele
........
7
Nesse sentido expressam a Declaração de Sofia (1996), a Declaração Univer-
sal sobre a Diversidade Cultural (2001) no art. 8 e na Convenção para a Proteção
e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005), na sua parte inicial.
8
Conforme página web “Noção de patrimônio”, em www.icomos.org.
br/001_001.html. Acesso em 29.02.2012.
9
Nesse mesmo ano, Guizot, recém nomeado Ministro do Interior da França,
criou o cargo de inspetor dos Monumentos Históricos (CHOAY, 2001, p. 27).

19
associados: museus, inventários, tombamento (classement) e reutiliza-
ção (CHOAY, 2001, p. 27).
Com a Revolução Francesa, os bens do clero haviam sido colo-
cados à “disposição da nação” num dos primeiros atos jurídicos da
Constituinte em 1789. Os responsáveis pelo seu gerenciamento ado-
taram imediatamente um conjunto de medidas que confirmavam a
metáfora da sucessão, tanto no plano jurídico quanto no prático10.
As palavras chave tornaram-se então: herança, sucessão, patrimônio e
conservação. Citando Kersaint, Choay reproduz parcialmente o dis-
curso dos revolucionários:
Nós temos a recolher uma imensa herança (...), uma nação que go-
verna a si mesma deve se conduzir no lidar com esse tipo de questão
com a mesma prudência que herdeiros judiciosos empregam em re-
lação a um espólio (...). Esses herdeiros não deixariam ao deus-dará
os quadros preciosos, as estátuas antigas, as medalhas, os bronzes, os
mármores, as bibliotecas (...) (CHOAY, 2001, p. 99).
O primeiro e fundamental valor do monumento histórico foi o
valor nacional, que inspirou as políticas de conservação (CHOAY,
2001. p. 116). Uma enorme variedade de bens heterogêneos foram
integrados sob o efeito da nacionalização: tanto antiguidades quanto
obras arquitetônicas e lugares públicos entraram na concepção de pa-
trimônio histórico. O desafio era decidir sobre a destinação rápida dos
mesmos: promoveram-se vendas a particulares, criaram-se depósitos
ou foram-lhes atribuídas outras funções (CHOAY, 2001, p. 100).
........
10
“A obra conservadora dos comitês revolucionários resulta de dois processos
distintos. O primeiro, cronologicamente, é a transferência dos bens do clero, da
Coroa e dos emigrados para a nação. O segundo é a destruição ideológica de que
foi objeto uma parte desses bens, a partir de 1792. A reação de defesa imediata visa,
a partir de então, não apenas à conservação das igrejas medievais, mas, em sua ri-
queza e diversidade, à totalidade do patrimônio nacional” (CHOAY, 2001, p. 97).

20
Dois tipos diferentes de tratamento vigoravam, conforme a autora,
seguindo a legislação francesa, distinguindo os bens móveis dos imó-
veis. Os móveis deveriam ser transferidos de seu depósito provisório
ao definitivo, aberto ao público, consagrado com o nome então recen-
te de museum ou museu:
Este tem por função servir à instrução da nação. Reunindo obras de
arte, além de, em consonância com o espírito enciclopedista, objetos
das artes aplicadas e máquinas, os museus ensinarão civismo, histó-
ria, assim como as competências artísticas e técnicas. Essa pedagogia é
concebida, de imediato, em escala nacional (CHOAY, 2001, p. 101).
Já para os imóveis – conventos, igrejas, castelos, residências par-
ticulares – do ponto de vista da manutenção, não havia condições
técnicas e financeiras que pudessem substituir os antigos proprietários
– eclesiásticos, reis e senhores feudais - nessa função, sendo necessário
inventar novos usos para os edifícios que haviam perdido sua destina-
ção original11 (CHOAY, 2001, p. 104).
A primeira lei sobre monumentos históricos na França foi promul-
gada em 1887 e reformada em 1889 e 1913. Ela instituiu um órgão
estatal centralizado, dotado de infraestrutura administrativa e técnica
- o Serviço dos Monumentos Históricos - e uma rede de procedi-
mentos jurídicos, vindo a funcionar como modelo para outros países
(CHOAY, 2001, p. 148).
A consagração do monumento histórico aparece, tanto na Grã Bre-
tanha quanto na França, ligada ao processo de industrialização. A
Revolução Industrial contribuiu para generalizar e acelerar a normati-
zação visando a sua proteção, inclusive prevendo a restauração desses
bens (CHOAY, 2001, p. 127). Isso porque, segundo Scifoni (2003) as
........
11
Aos administradores sugeriu-se a utilização, de forma sistemática, das igre-
jas desativadas como museus. Outras transformaram-se em prisões. Muitas que
haviam perdido telhados foram antes convertidas em depósitos de munição e em
mercados (CHOAY, 2001, p. 104).

21
grandes transformações no espaço geográfico resultantes da era indus-
trial ajudaram a constituir uma visão nostálgica do passado.
O patrimônio histórico, por sua vez, transcende as barreiras do
tempo e do gosto, englobando na França tanto as antiguidades nacio-
nais, as greco-romanas além de uma herança arquitetônica moderna
e, às vezes, até mesmo contemporânea (CHOAY, 2001, p. 98). Essa
categoria foi alterando suas feições, englobando outros bens então
reclassificados. Patrimônio artístico, patrimônio arquitetônico, patri-
mônio urbano, patrimônio arqueológico são subdivisões instituídas e
consolidadas pela administração estatal.
Os processos globais de transformação social e ambiental, como as
guerras e os diferentes estágios do processo de industrialização, induzi-
ram à cooperação internacional fomentada pelas organizações do Sis-
tema ONU para promover a proteção do patrimônio cultural. Tomado
como objeto de proteção estatal, não apenas no nível nacional, mas
também pela “comunidade internacional”, o patrimônio cultural apa-
recerá com frequência como categoria jurídica nos instrumentos pro-
venientes das organizações internacionais a partir da década de 1970.
5. O patrimônio cultural nos documentos internacionais
Para além das guerras, os Estados passaram a enfrentar outros de-
safios quanto à proteção do patrimônio histórico. Os danos causados
ao ambiente em decorrência do processo de industrialização e de ur-
banização do século XX preocuparam os especialistas, que alertaram
os organismos internacionais. A primeira conferência da ONU para
tratar da problemática ambiental como tema global foi realizada na
Suécia em 1972. A Conferência das Nações Unidas para o Meio Am-
biente, conhecida como Conferência de Escolmo, propôs discutir os
problemas relativos à degradação ambiental e ao respeito à diversidade
cultural, vindo a resultar num compromisso mundial de “preservação
e melhoria do meio ambiente humano”. O resultado dessa conferên-
cia, a Declaração de Estocolmo, afirmou que tanto o aspecto natural

22
do meio ambiente quanto o artificial – produzido pelo homem - são
essenciais ao bem estar e ao gozo dos direitos humanos fundamentais.
Meses depois, ainda em 1972, a Unesco adotou a Convenção
para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Foi o
primeiro documento vinculante e específico sobre a proteção do pa-
trimônio, ratificada pelo Brasil em 1977 e promulgada pelo Decreto
n. 80.978/77. Essa Convenção procedeu a uma distinção clara entre
o patrimônio cultural e o patrimônio natural, classificando elementos
exclusivamente materiais, ou seja, com uma existência necessariamen-
te corpórea12.
A monumentalidade e a excepcionalidade foram os critérios privi-
legiados pela Convenção de 1972 para a caracterização do patrimônio
a ser inscrito na Lista do Patrimônio Mundial como se lê na definição
de patrimônio cultural do art.2o:
os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura
monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica,
inscrições, cavernas e grupos de elementos, que tenham um valor
universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da
ciência;
os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em
virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, te-
nham um valor universal excepcional do ponto de vista da história,
da arte ou da ciência;

........
12
Para os fins da presente Convenção são considerados patrimônio natural:
os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por
conjuntos de formações de valor universal excepcional do ponto de vista estético
ou científico; as formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente deli-
mitadas que constituam habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas de valor
universal excepcional do ponto de vista estético ou científico; os sítios naturais ou
as áreas naturais estritamente delimitadas detentoras de valor universal excepcional
do ponto de vista da ciência, da conservação ou da beleza natural (art. 2o).

23
os lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do homem
e da natureza, bem como as zonas, inclusive lugares arqueológicos,
que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico,
estético ou antropológico.
A implementação dessa Convenção, contudo, não foi imediata. Os
critérios para se determinar a “monumentalidade”, o “valor universal
excepcional” e a “autenticidade” do patrimônio cultural e natural só
passaram a ser editados pelo Comitê do Patrimônio Mundial a partir
de 1977, por meio das Diretrizes Operacionais para a Implementação
da Convenção do Patrimônio Mundial (posteriormente chamadas
de Orientações para a Aplicação da Convenção do Patrimônio Mun-
dial). Na primeira versão das diretrizes, consta que o “valor universal
excepcional” deve ser interpretado como referido a um patrimônio
que é altamente representativo da cultura nacional da qual faz parte,
enquadrado a uma das situações previstas em rol enumerativo13. O
valor universal excepcional deve referir-se a eventos e pessoas notáveis,
objetos e sítios raros e antigos, às obras de arte.
........
13
Valor universal excepcional será reconhecido quando um monumento, gru-
po de edifícios ou lugar – tal como definido no artigo 1o da Convenção, apresenta
um ou mais dos seguintes critérios. Com isso, cada patrimônio nominado deve: i)
representar um feito artístico ou estético, uma obra de arte do gênio criativo; ii) ter
exercido considerável influência ao longo de um período de tempo ou numa área
cultural do mundo, em desenvolvimentos subsequentes na arquitetura, escultura
monumental, paisagismo de jardins e paisagens, artes relacionadas e assentamentos
humanos; iii) ser único, extremamente raro ou de grande antiguidade; iv) estar
entre os exemplos mais característicos do tipo de estrutura, tipo representante de
um desenvolvimento cultural, social, artístico, científico, tecnológico ou industrial
importante; v) ser um exemplo característico de um significativo estilo tradicional
de arquitetura, método de construção ou assentamento humano, que seja frágil por
natureza ou tenha se tornado vulnerável sob o impacto de mudança social cultural
ou econômica irreversível; vi) estar principalmente associado a ideias e crenças, a
eventos ou pessoas, de excepcional importância ou significação histórica.

24
No âmbito interno da Unesco, desde os anos 1980, iniciou-se um
movimento que resultaria na mudança da visão da organização sobre
a cultura. Os especialistas passaram a advertir sobre a importância da
diversidade cultural, entendendo a cultura como uma dimensão fun-
damental do processo de desenvolvimento. A Declaração do México,
documento subscrito pelo Conselho Internacional de Monumentos e
Sítios (ICOMOS) na Conferência Mundial sobre as Políticas Cultu-
rais em 1985, ressalta que a afirmação da identidade contribui para a
liberação dos povos, ao contrário da dominação que nega ou deteriora
essa identidade14. Segundo essa Declaração, o patrimônio cultural de
um povo compreende
seus artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as
criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores
que dão sentido à vida. Ou seja, as obras materiais e não materiais
que expressam a criatividade desse povo: a língua, os ritos, as cren-
ças, os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte
e os arquivos e bibliotecas.
A comparação das definições de patrimônio cultural da Convenção
sobre o Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (1972) e da Decla-
ração do México (1985) permite enxergar que os artistas anônimos,
as criações populares, as obras imateriais e as manifestações do povo
começaram a ser levadas em consideração como protegidas pelos dos
Estados. Vale notar que a Declaração do México não teve efeito vin-
culante, ao contrário da Convenção.
No final da década de 1980, a Conferência Geral da Unesco em
Paris elaborou uma Recomendação aos Estados membros, pela qual
medidas administrativas e legislativas, deveriam ser tomadas para a
salvaguarda da cultura tradicional e popular, esta definida como
........
14
A Declaração do México afirma que a cultura é o “conjunto de traços distin-
tivos espirituais, intelectuais, materiais e afetivos que caracterizam uma sociedade
e um grupo social”.

25
o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural
fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos
e que reconhecidamente respondem a expectativas da comunidade
enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as normas
e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outras
maneiras. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, a li-
teratura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os
costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes.
A Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Po-
pular da Unesco (1989) fez uso do termo salvaguarda e também ino-
vou ao reconhecer as criações baseadas na tradição e referenciar a iden-
tidade cultural e social dos grupos ou indivíduos. A Recomendação
propõe que os Estados membros criem uma estrutura para adminis-
trar a produção desses bens, por meio da documentação, compilação
e registro, e criem sistemas de classificação, sistemas de identificação,
de registro e de arquivo, de uma “tipologia normatizada” da cultura
tradicional e popular.
Vale notar que no mesmo ano, a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) adotou a Convenção n. 169 sobre Povos Indígenas
e Tribais. De forma inédita, esse documento vinculante reconheceu
os direitos culturais específicos de “minorias”, admitindo que seus
modos de vida são perenes e não transitórios. Essa convenção é ins-
trumento fundamental de direitos humanos que fornece as diretrizes
para a efetivação da diversidade cultural.
A década de 1990 aprofundou as transformações nas políticas da
Unesco e mudanças acerca das noções de cultura e patrimônio cul-
tural. Ficou estabelecido que não apenas a cultura erudita e elitista
teria lugar como bem protegido pelo Estado, mas também a cultura
popular, as tradições, as criações anônimas e os valores que expressam
identidades culturais. O critério da monumentalidade, por exemplo,
que permaneceu até o final do século XX, perdeu posteriormente a
sua força para a noção de “referência cultural”, ou seja, o significado

26
simbólico, referencial, do bem cultural para os seus detentores. Outro
aspecto diz respeito ao critério da “autenticidade”, noção que igual-
mente foi submetida à revisão naqueles anos.
Scifoni registra que os Estados Unidos exerciam flagrante supre-
macia na escolha dos patrimônios mundiais na década de 70. Mas,
quando em 1984, os Estados Unidos se retiraram da Unesco, dei-
xando de ser seu principal colaborador financeiro15, a condução no
processo de reconhecimento sofreu alterações, permitindo que outros
países também participassem da lista, tais como a Índia e a China
(Scifoni, 2004).
Apenas em 1992 o Japão aderiu à Convenção do Patrimônio Mun-
dial de 1972. Na posição de potência econômica erigida na década
anterior, passou a ser o maior contribuinte para a Unesco, na ausência
dos EUA. Contudo, os monumentos japoneses enfrentaram resistên-
cia para o reconhecimento da sua autenticidade, pela maneira como
são construídos e conservados. Feitos de madeira, esses monumentos
ficam vulneráveis ao ataque de fungos e insetos, à grande variação de
temperatura e ao alto índice de umidade das ilhas, além dos terre-
motos. Esses fatores provocam deterioração e obrigam os japoneses
a trocar constantemente partes das construções, refazendo-as parcial-
mente ou no todo. Para sua conservação, as bases dos pilares, inclusive
as fundações de pedra, devem ser substituídas. Tais particularidades
culturais levaram os técnicos da Unesco a rejeitar os monumentos do
Japão como autênticos, alegando que sofreram mudanças constantes
(Scifoni, 2004).
O governo japonês organizou uma conferência em 1994 especial-
mente para divulgar seu sistema de preservação aos especialistas da
área. Como resultado da Conferência sobre Autenticidade em Relação
........
15
Os EUA decidiram retirar-se da Unesco em 1984, em razão de críticas ao seu
Secretário Geral. Isso representou um corte nos recursos da organização, já que o
país contribuía com 25% do seu orçamento (Scifoni, 2003).

27
à Convenção do Patrimônio Cultural, a Unesco adotou a Carta de
Nara, documento que ratificou o entendimento de que a cultura e o
patrimônio cultural de todos os grupos sociais, com formas de expres-
são próprias, vinculadas a uma identidade cultural, devem ser respei-
tados. Nesse documento, os especialistas advertiram sobre os riscos da
globalização e da homogeneização, na qual a busca de uma identidade
cultural poderia ser perseguida através da afirmação de um nacionalis-
mo agressivo que resultasse na supressão da cultura das “minorias” 16.
A tônica principal da Carta de Nara, portanto, consistiu em pro-
clamar o respeito à diversidade das culturas. Isso exige que as caracte-
rísticas de um determinado patrimônio sejam consideradas e julgadas
nos contextos culturais aos quais pertençam. Nos termos dessa Carta,
os critérios de valor e autenticidade não podem ser fixos, pois variam
de cultura para cultura e mesmo dentro de uma mesma cultura.
Em substituição à concepção de um patrimônio “nacional”, ma-
terialmente evidente, monumental e de beleza indiscutível produzi-
do por seres notáveis, o patrimônio cultural passou então a ser visto
como produto da cultura vivida pelos grupos sociais, como expressão
da sua identidade. A diversidade cultural, nas suas mais variadas ma-
nifestações, ocupou o lugar das expressões elitistas de grupos sociais
dominantes que pretendiam oferecer uma visão única do “nacional”.
Relativizando o critério de monumentalidade e eliminando, poste-
riormente, o de excepcionalidade, o patrimônio cultural na sua feição
popular passou a tomado como objeto de proteção pelos Estados e
........
16
Assinado pela Unesco, ICOMOS e ICCROM, afirma que “a diversidade
de culturas e patrimônios é uma insubstituível fonte de informações a respeito da
riqueza espiritual e intelectual da humanidade.” Para os especialistas, na condição
de aspecto essencial do desenvolvimento humano a proteção e valorização da diver-
sidade cultural e patrimonial no mundo deveria ser ativamente promovida: “Todas
as culturas e sociedades estão arraigadas em formas e significados particulares de
expressões tangíveis e intangíveis, as quais constituem seu patrimônio e que devem
ser respeitadas”.

28
pela “comunidade internacional”, definido por grupos que não são
hegemônicos.
Grupos sociais diversos tiveram lugar nos documentos internacio-
nais produzidos no sistema ONU, sendo-lhes atribuídos direitos não
antes reconhecidos. A Declaração Universal sobre a Diversidade Cul-
tural (2001) instituiu a diversidade cultural como patrimônio comum
da humanidade, como uma das fontes do desenvolvimento17. Afirma
que a diversidade cultural é inseparável da dignidade humana e que
respeitar os direitos e as liberdades fundamentais implica num impe-
rativo ético, particularmente os direitos de pessoas que pertencem a
minorias e dos povos autóctones.
Podemos dizer que foi a partir da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro
em 1992, que os povos e comunidades tradicionais apareceram como
titulares de direitos econômicos sobre os seus saberes e práticas. Como
produto dessa Conferência, a Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) marcou o momento em que os povos e comunidades tradicio-
nais passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos sobre os
seus conhecimentos, inovações e práticas tradicionais relativos à natu-
reza, aos ecossistemas e aos recursos que manejam. Vistos então como
“bens imateriais”, como resultado do trabalho intelectual (MOREI-
RA, 2009, p. 241) desses grupos sociais, a Convenção sobre Diversi-
dade Biológica, documento firmado por 165 Estados na Rio92, insti-
tuiu que os “detentores” desses saberes e práticas deveriam, por meio
da realização de contratos de consentimento prévio e de repartição de
benefícios, receber compensações financeiras pelo acesso e uso de seus
conhecimentos em pesquisas científicas e processos industriais.
........
17
O documento esclarece os dois sentidos de desenvolvimento: tanto como
o crescimento econômico quanto o meio de acesso a uma existência intelectual,
afetiva, moral e espiritual satisfatória.

29
Diz o artigo 8j da CDB que cabe aos Estados (“Parte Contratan-
te”), em conformidade com sua legislação nacional,
respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas
das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida
tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da
diversidade biológica e incentivar a mais ampla aplicação com a
aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, ino-
vações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios
oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas.
Note-se que até a CDB, nunca havia sido atribuído valor econô-
mico aos conhecimentos e práticas tradicionais, tomados pelo direito
como folclore, ou como conhecimentos e práticas de domínio públi-
co. A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial
(2003) sacramentou o entendimento de que não apenas os conheci-
mentos e práticas relacionados à natureza fazem parte do patrimônio
cultural imaterial de grupos diversos, mas também os rituais e atos
festivos, as tradições, as expressões orais, artísticas e artesanais.
6. Os “bens imateriais”
Em 2003, a Unesco adotou a Convenção para a Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial, reunindo nesse instrumento as diretri-
zes até então não vinculantes dos documentos internacionais produ-
zidos desde a década de 1980 com a contribuição dos especialistas18.
Essa Convenção reconheceu o papel importante das comunidades,
especialmente as indígenas, na produção, salvaguarda, manutenção e
recriação do patrimônio cultural imaterial, afirmando ainda que esses
........
18
A Convenção de 2003 reúne orientações adotadas na Declaração do México
(1982), na Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular
(1989), na Agenda 21 (1992), na Carta de Nara (1994) e na Declaração Universal
sobre Diversidade Cultural (2001).

30
grupos contribuem para enriquecer a diversidade cultural e a criativi-
dade humana.
O documento traz a seguinte definição de “patrimônio cultural
imaterial”:
as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas –
junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que
lhe são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns
casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu pa-
trimônio cultural.
Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em
geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em
função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua
história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e
contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural
e à criatividade humana. Para os fins da presente Convenção, será
levado em conta apenas o patrimônio cultural imaterial que seja
compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos
existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre comunida-
des, grupos e indivíduos e do desenvolvimento sustentável.
Acrescenta que as manifestações do “patrimônio cultural imaterial”
se dão especialmente nas tradições e expressões orais, nas expressões
artísticas e técnicas artesanais tradicionais, nas práticas sociais, rituais
e no atos festivos, nos conhecimentos e práticas relacionados à natu-
reza e ao universo.
Essa definição, portanto, em primeiro lugar, difere da Convenção
sobre o Patrimônio Mundial, Cultural e Natural ao incluir no rol de
bens protegidos pelo Estado os elementos intangíveis que não foram
contemplados em 1972, atualizando os contornos da categoria ju-
rídica patrimônio cultural. Contudo, como se lê no dispositivo, não
se trata apenas de elencar elementos incorpóreos, “imateriais”, pois
a própria definição não dispensa os elementos concretos, materiais,

31
levando à compreensão de que tal distinção (material/imaterial) é di-
fícil de ser realizada de maneira estrita na vida prática19.
Conforme a Convenção de 2003, o patrimônio cultural é apontado
pelo próprio grupo ou comunidade e já não mais se caracteriza pela
“monumentalidade e excepcional beleza”, mas pela relevância como re-
ferência dentro de um contexto cultural marcado pela diversidade. Essa
noção de patrimônio cultural admite a concepção de práticas renovadas
de uma tradição que não é estática, mas dinâmica e que se renova.
A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial
preconizou a participação de sujeitos antes periféricos, discriminados
enquanto portadores de culturas, na gestão do patrimônio cultural que
lhe corresponde, em atuação conjunta com o Estado. Esse é outro
aspecto que a difere da Convenção de 1972 em que apenas os Estados
e a “comunidade internacional” estavam envolvidos nessa tarefa.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 se antecipou à Conven-
ção de 2003 da Unesco, ressaltando a participação da comunidade na
promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro. Diz o artigo
216 que esse patrimônio é constituído pelos bens de natureza material
e imaterial portadores de referencia à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Consideram-
-se dele integrantes as formas de expressão, os modos de criar, fazer e
viver e as criações cientificas, artísticas e tecnológicas desses grupos.
Com as diretrizes constitucionais, e a partir da Carta de Fortaleza
(1997)20 o Estado brasileiro passou a organizar instrumentos legais e
institucionais para a identificação sistemática de bens culturais não
........
19
Maria Cecília Londres Fonseca (2003, p. 66) defende o uso do termo “patri-
mônio intangível”, por entender ser a imaterialidade relativa.
20
Documento resultante do Seminário “Patrimônio Imaterial: estratégias e
formas de proteção”, realizado pelo IPHAN em novembro de 1997, em comemo-
ração aos seus 60 anos de criação e contou com a participação de representantes de
instituições públicas e privadas, da UNESCO e da sociedade.

32
reconhecidos e não enquadrados no Decreto-lei n. 25, que discipli-
na o instituto do tombamento desde 1937. As ações governamentais
brasileiras voltadas para a cultura imaterial no Brasil são direcionadas
pelo Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, criado pelo Decre-
to n. 3.551/2000. O Programa conta com diferentes instrumentos
institucionais nos processos de documentação, registro e apoio do
patrimônio cultural. Através do Registro de Bens Culturais faz-se o
reconhecimento do bem; o Inventário Nacional de Referências Cul-
turais serve para a produção de conhecimento sobre o bem e o Plano
de Salvaguarda é utilizado nas ações de apoio e fomento.
Sob o marco do Decreto n. 3.551/2000, até 2013, vinte e sete
“bens culturais” receberam título de Patrimônio Cultural do Brasil,
registrados em quatro Livros: Celebrações21, Formas de Expressão22,
Lugares23 e Modos de Fazer24. Ainda que titulados como “Patrimônio
........
21
Círio de Nossa Senhora de Nazaré; Complexo Cultural do Bumba-meu-
-boi do Maranhão; Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis (GO); Festa
de Sant’Ana de Caicó/RN; Festa do Divino de Paraty; Ritual Yaokwa do povo
indígena Enawene Nawe;
22
Arte Kusiwa – pintura corporal e arte gráfica Wajãpi; Frevo e Jongo no Su-
deste; Fandango Caiçara; Ritsòkò: Expressão Artística e Cosmológica do Povo Ka-
rajá; Roda de Capoeira; Samba de Roda do Recôncavo Baiano; Tambor de Crioula
do Maranhão; Toque dos Sinos em Minas Gerais, tendo como referencia São João
del Rey e as cidades de Ouro Preto, Mariana, Catas Altas, Congonhas do Campo,
Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes; Matrizes do Samba do Rio de Janeiro:
Partido Alto, Samba de Terreiro e Samba-Enredo;
23
Cachoeira de Iauaretê – lugar sagrado dos povos indígenas dos Rios Uapés
e Papuri; Feira de Caruaru;
24
Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro; Modo de Fazer Viola de Cocho;
Ofício dos Mestres de Capoeira; Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas nas
regiões do Serro e das serras da Canastra e do Salitre/Alto Paranaíba; Modo de Fazer
Renda Irlandesa, tendo como referência este ofício em Divina Pastora/SE; Ofício
das Baianas de Acarajé; Ofício das Paneleiras de Goiabeiras; Ofício de Sineiro;
Saberes e Práticas Associados ao modo de fazer Bonecas Karajá;

33
Brasileiro”, isso não significa que tais “bens culturais” tenham saído da
esfera de “propriedade” de grupos sociais bem determinados.
Outro instrumento instituído mais recentemente foi o Inventário
Nacional da Diversidade Linguística sobre o qual dispõe o Decreto
n. 7.387, de 09 de dezembro de 2010. Segundo a norma, trata-se
de instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e
valorização das línguas que fazem referência à identidade, à ação e
à memória dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira.
7. Povos e comunidades tradicionais
A importância dos diversos povos e comunidades tradicionais na
manutenção da diversidade, tanto biológica quanto cultural, é desta-
cada desde o final da década de 1980, nos tratados internacionais que
dispõem sobre direitos humanos, especialmente os relativos a meio
ambiente e cultura. Cabe esclarecer, então, quem são os sujeitos de di-
reitos que figuram nas normas jurídicas, aqui denominados de povos
e comunidades tradicionais.
Muitos são os termos que correspondem à concepção de povos e
comunidades tradicionais nas normas nacionais e internacionais. As-
sim, temos as expressões: “povos indígenas e tribais” da Convenção n.
169 da OIT (1989); “comunidades locais e populações indígenas com
estilo de vida tradicionais”, no art. 8j da CDB (1992); “minorias” e
“populações autóctones” na Declaração Universal sobre a Diversidade
Cultural (2001); “comunidades indígenas” na Convenção sobre a Sal-
vaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003); “minorias e povos
indígenas” na Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais (2005)25.
........
25
Somam-se as expressões utilizadas na legislação brasileira: “índios” na Cons-
tituição Federal de 1988, “comunidades indígenas” e “comunidades locais” na Me-
dida Provisória n. 2.186-16/2001, “povos e comunidades tradicionais” no Decreto
n. 6.040 de 2007. Em um quadro, Shiraishi Neto organiza os termos identificados

34
O que parece claro nessas denominações é o fato de que os grupos
sociais referidos apresentam peculiares modos de vida, culturalmente
distintos da sociedade dominante nos Estados onde vivem, razão pela
qual são muitas vezes chamados de “minorias”. Os direitos culturais,
entendidos como direitos humanos, derivam do reconhecimento da
dignidade da pessoa humana, em seu contexto individual e social. O
exercício desses direitos pressupõe o respeito, o reconhecimento e a
valorização da diversidade cultural. Afirmando a dignidade inerente a
todas as culturas, admitida no plano normativo, abre-se espaço para
que grupos sociais historicamente alijados dos debates feitos nessas
esferas, incluídos nos processos de decisão e nas políticas governamen-
tais que afetem seus direitos humanos, sua autodeterminação enquan-
to povos e a afirmação da sua identidade cultural.
Esses são justamente os preceitos da Convenção n. 169 sobre Povos
Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho26 (OIT,
1989). Essa Convenção promoveu o respeito às culturas, às formas de
vida, às tradições e ao direito dos povos indígenas e tribais, admitindo
que a sua forma de vida é permanente e perdurável. Considera que
esses povos continuarão existindo como parte de suas sociedades na-
cionais, mantendo sua própria identidade, suas próprias estruturas e
tradições27. Um dos seus fundamentos consiste no princípio de que as
........
(Cont. nota 25) nas normas jurídicas, publicado às p. 47 e 48 do artigo “A Parti-
cularização do Universal: povos e comunidades tradicionais faces às Declarações
e Convenções Internacionais” in SHIRAISHI NETO (org.). Direitos dos Povos
e das Comunidades Tradicionais no Brasil, 2a ed. Manaus: UEA edições, 2010.
26
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é também uma agência
especializada da ONU, tendo sido criada em 1919, como parte do Tratado de
Versalhes.
27
A Convenção n. 169 substituiu a Convenção n. 107 concernente à proteção
e integração das populações indígenas e outras populações tribais e semitribais de
países independentes, que havia sido adotada pela OIT em 1957. Esta visava dar

35
estruturas e formas de vida dos povos indígenas e tribais têm um va-
lor intrínseco que deve ser salvaguardado (Tomei & Sewpston,
1999, p. 21).
Nos termos da Convenção n. 169, é o próprio sujeito indígena ou
tribal quem define sua identidade, a partir de sua consciência. Não se
trata mais de uma determinação pelo Estado ou pela herança genética,
pois cada pessoa tem o direito de se considerar, ou não, membro de
um povo ou comunidade indígena ou tribal, conforme sua identidade
cultural. Assegurando o direito à autodeterminação e à autoidenti-
ficação, a Convenção n. 169 supõe que os povos indígenas e tribais
podem falar por si mesmos e tem o direito de participar no processo
de tomada de decisões que lhes dizem respeito (SHIRAISHI NETO,
2010, p. 52).
Comentando a Convenção n. 169, Tomei e Sewpston esclarecem
que, para a OIT, o termo “indígena”, válido para as Américas do
Norte, Central e do Sul e algumas regiões do Pacífico, refere-se às
“populações que conservam total ou parcialmente suas próprias tra-
dições, instituições ou estilos de vida que as distinguem da sociedade
dominante e que habitavam uma área específica antes da chegada de
outros grupos”. Com o uso do termo “tribal”, a intenção da OIT era
abranger uma situação social e não estabelecer prioridades baseadas
nos antepassados que houvessem ocupado primeiramente uma “área
territorial” (Tomei & Sewpston, 1999, p. 25).
Mais importante é verificar que a Convenção n. 169 da OIT não
define quem são os “povos indígenas” e “tribais”, mas indica os ele-
mentos para o reconhecimento da identidade cultural, por meio do
autorreconhecimento e da autoatribuição.
........
(Cont. nota 27) proteção aos grupos, porém, assumia uma postura assimilacionista
e paternalista. Partia do pressuposto de que o problema dos povos indígenas e tri-
bais desapareceria à medida que estes fossem se integrando nas sociedades nacionais
(Tomei & Sewpston, 1999, p. 19).

36
A Convenção admite ainda que os modos de vida de “povos in-
dígenas e tribais” baseiam-se num vínculo peculiar com o território
tradicional ocupado. Diz o artigo 13:
1. Ao aplicarem-se as disposições desta parte da convenção, os go-
vernos deverão respeitar a importância especial que para as culturas
e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com
as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles
ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os as-
pectos coletivos dessa relação.
A respeito desse dispositivo, Tomei e Sewpston confirmam os fun-
damentos da Convenção internacional:
À diferença de outras minorias, os povos indígenas e tribais
possuem frequentemente um vínculo com a terra que ocu-
pam tradicionalmente. Podem ter culturas muito diferentes
da cultura predominante no país onde vivem. Em geral, tem
suas próprias leis, religiões e uma visão peculiar do mundo
que os rodeia (Tomei & Sewpston, 1999, p. 22).
A Convenção n.169 da OIT foi promulgada no Brasil pelo De-
creto n. 5.051/2004 e orientou a elaboração da Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais,
instituída pelo Decreto n. 6.040 em 2007. Essa política enfoca o re-
conhecimento, o fortalecimento e a garantia dos direitos territoriais,
sociais, ambientais, econômicos e culturais dos povos e comunida-
des tradicionais. Contempla a diversidade cultural do Brasil e leva
em consideração a identidade que os sujeitos se autoatribuem, as suas
formas de organização social e as suas instituições, enquanto grupos
sociais culturalmente diferentes.
A definição da expressão povos e comunidades tradicionais neste De-
creto enfatiza a relação com o território e a importância dos conhe-
cimentos tradicionais como parte dos modos de vida desses grupos.

37
O significado de “tradicional” que se apresenta desde a Convenção n.
169 da OIT mostra-se, por conseguinte, dinâmico e como um fato
do presente, não se reduzindo simplesmente ao que é histórico ou
passado (ALMEIDA, 2008, p. 118).
Nos termos do artigo 5º do Decreto 6.040/2007, os povos e comu-
nidades tradicionais são definidos como:
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais,
que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e
usam territórios e recursos naturais como condição para sua repro-
dução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizan-
do conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela
tradição.
Os elementos da Convenção n. 169 encontram-se aí presentes: o
respeito ao modo de vida culturalmente distinto, ao autorreconheci-
mento e a identidade vinculada ao território. Segundo Shiraishi Neto,
a partir da Convenção 169 houve uma mudança radical no sentido de
eliminar qualquer forma de tutela que, sob variadas formas, sempre
apareceram nos dispositivos jurídicos, uma vez que os documentos
normativos comumente apresentaram esses povos como sujeitos infe-
riorizados, incapazes de discernir os significados de seus próprios atos
(SHIRAISHI NETO, 2010, p. 52).
No Brasil, os povos “tribais” da Convenção n. 169 da OIT corres-
pondem, portanto, à categoria “povos e comunidades tradicionais”
do Decreto n. 6.040, identificando-se como tais os seringueiros, as
quebradeiras de coco babaçu, os peconheiros, os quilombolas, os fa-
xinalenses, os moradores de fundo de pasto, entre tantos outros, além
dos povos indígenas que, da mesma forma, constituem grupos étnicos
bastante diferentes entre si (ALMEIDA, 2010; SHIRAISHI, 2007).
Temos ciência de que o termo legal “povos e comunidades tradicio-
nais” é, contudo, unificador e não exprime a heterogeneidade desses
grupos que privilegiam as denominações locais.

38
O direito de participação dos povos e comunidades tradicionais,
reconhecido também na Convenção n. 169 e reiteradamente pre-
visto nos documentos jurídicos das duas últimas décadas, tem a sua
abrangência ampliada na medida em que preconiza o atendimento a
demandas de grupos antes marginalizados pelas políticas estatais e a
construção de um novo pensamento na concepção e gestão das polí-
ticas culturais.
Nesse sentido, importa observar que a Convenção sobre a Salva-
guarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003), de certa forma, re-
lativizou o papel do especialista, ao admitir a aceitação dos serviços
de “outras pessoas com experiência prática em patrimônio cultural
imaterial” nas formas de assistência internacional (art. 21).
8. Sujeitos de direitos sobre conhecimentos e expressões culturais
tradicionais
Sob a ótica da CDB, saberes e práticas tradicionais são conside-
rados o resultado de um “trabalho intelectual coletivo”, bens “imate-
riais” que podem ser trocados por compensações financeiras na forma
suposta de “repartições justas e equitativas de benefícios”. Nesse pris-
ma, há uma aproximação com os fundamentos e instrumentos do sis-
tema da propriedade intelectual os quais, no entanto, não se aplicam
perfeitamente aos conhecimentos e expressões culturais tradicionais
em razão tanto da peculiaridade dos titulares coletivos de direitos,
quanto das noções de propriedade que regem as trocas de saberes.
A Convenção sobre Diversidade Biológica instituiu relações de tro-
ca por contrato entre as comunidades tradicionais e as indústrias que
utilizam o património genético e os conhecimentos tradicionais como
matéria prima. Os contratos são basicamente de duas modalidades:
o consentimento prévio e o contrato de utilização de conhecimentos
tradicionais e patrimônio genético e repartição de benefícios.
Caldas entende que foram os “novos bens” institucionalizados
com a CDB, ou seja, o patrimônio genético e os conhecimentos

39
tradicionais associados à biodiversidade, que condicionaram a aber-
tura do sistema jurídico para “novos sujeitos”. A autora ressalta que
o fato de as comunidades tradicionais assumirem a posição de sujei-
tos de direito, no contexto da CDB, implica na possibilidade de que
elas passem a manter relações jurídicas como titulares de direitos, ou
seja, como proprietárias, podendo dispor de bens como lhes aprouver
(CALDAS, 2001, p. 5).
A CDB corresponde a uma visão da natureza apropriável como
bem principal e de um conhecimento tradicional que figura como
bem acessório do patrimônio genético. A natureza apropriada é um
paradigma construído a partir do século XVII, quando a concepção
do contrato social de Thomas Hobbes, filósofo político inglês inspi-
rado no pensamento cartesiano, passou a regrar uma nova relação do
homem com o mundo ao seu redor, relação essa caracterizada por um
individualismo possessivo. Sob essa ideia, o homem, medida de todas
as coisas, instalou-se então no centro do universo e preparou-se para
transformar. A verdadeira riqueza vem da transformação: a explora-
ção agrícola, a fabricação industrial e a transformação do próprio ser
vivo. E a rede de apropriação se lança sobre o conjunto da natureza28
(OST, 1995, p. 53-54). No contexto cultural de povos e comunida-
des tradicionais, no entanto, a natureza - ou a “terra”, nos termos da
Convenção n. 169 - não representa um simples objeto apropriável ou
uma mercadoria.
Vale notar que a cultura vem sendo colocada em papel de des-
taque nos documentos da ONU como fator fundamental para o
........
28
“Às coisas corporais e concretas aplicar-se-á a propriedade privada; aos ele-
mentos abstratos, como uma nova variedade vegetal, adaptar-se-ão os mecanismos
da propriedade intelectual; quanto às coisas não domáveis e não apropriáveis em
bloco, como o ar e a água, por exemplo, serão objeto da soberania pública (que é
para o direito público o que a propriedade é para o direito privado) permitindo,
simultaneamente, a apropriação privada dos seus elementos constitutivos” (OST,
1995, p.54).

40
desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza desde a Decla-
ração do Milênio (2000). Nesse sentido, a sua função econômica foi
reforçada, como revelam os dispositivos da Convenção sobre a Pro-
teção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, adotada
pela Unesco em 2005.
Essa Convenção tem entre os seus fundamentos o princípio do
desenvolvimento sustentável, que condiciona o desenvolvimento à
proteção, promoção e manutenção da diversidade cultural. A comple-
mentaridade dos aspectos econômicos e culturais do desenvolvimento
é um dos princípios que regem a Convenção, indicando que os indi-
víduos e povos tem o direito fundamental de participar e se beneficiar
desse desenvolvimento.
Um estreitamento da relação entre cultura e mercado ficou estabe-
lecida nessa Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais. Nos seus considerandos, o documento afirma
que bens culturais, uma vez que são “portadores de identidades, va-
lores e significados”, não devem, por esse motivo, “ser tratados como
se tivessem valor meramente comercial”. Feita essa pequena ressalva,
a convenção se dedica a traçar as diretrizes para a “proteção e pro-
moção” das expressões culturais, que consistem principalmente, em
medidas estatais que intermediem a relação dos grupos produtores de
cultura com o mercado.
Segundo o texto, o Estado é o estimulador do “espírito empreende-
dor” de organizações e profissionais de cultura e se compromete a criar
oportunidades às atividades, bens e serviços culturais29, a conceder
........
29
Em 2005, a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais definiu a noção de bens, atividades e serviços culturais como
atividades, bens e serviços que, considerados sob o ponto de vista da sua qualidade,
uso ou finalidade específica, incorporam ou transmitem expressões culturais, inde-
pendentemente do valor comercial que possam ter. As atividades culturais podem
ter um fim em si mesmas, ou contribuir para a produção de bens e serviços culturais.

41
apoio financeiro, a fomentar e fortalecer as indústrias culturais, espe-
cialmente nos países em desenvolvimento e a reduzir a pobreza (art. 6).
As expressões culturais são definidas como aquelas que resultam da
criatividade de indivíduos, grupos e sociedades e que possuem conte-
údo cultural”. São tradicionais as expressões culturais de “minorias e
povos indígenas”. Assim como em todas as demais convenções inter-
nacionais analisadas, a Convenção de 2005 preconiza a proteção das
expressões culturais pela via da propriedade intelectual, cujos instru-
mentos devem ser fortalecidos pelos Estados.
Esse mesmo entendimento é corroborado pela Declaração das
Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada pela
ONU em 2007, segundo a qual:
Os povos indígenas tem o direito de manter, controlar, proteger e
desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicio-
nais, suas expressões culturais tradicionais e as manifestações de suas
ciências, tecnologias e culturas, compreendidos os recursos huma-
nos e genéticos, as sementes, os medicamentos, o conhecimento das
propriedades da fauna e flora, as tradições orais, as literaturas, os
desenhos, os esportes e jogos tradicionais e as artes visuais e interpre-
tativas. Também tem direito de manter, controlar, proteger e desen-
volver sua propriedade intelectual sobre os mencionado patrimônio
cultural, seus conhecimentos tradicionais e suas expressões culturais
tradicionais (DNUDPI, art. 31).
Gallois atenta para a significativa construção e refinamento de tex-
tos legais e instrumentos normativos nacionais e internacionais que
visam a proteger os conhecimentos e as formas de expressão tradicio-
nal, principalmente a indígena. Atenta ainda para a multiplicação de
experiências e projetos do tipo “resgate cultural” para a produção cul-
tural indígena para o mercado. Segundo a antropóloga, qualquer pro-
dução cultural voltada exclusivamente para o mercado, ou demasia-
damente controlada por programas do tipo “resgate” invariavelmente

42
tendem a se enrijecer. Isso favorece o seu esquecimento. Nas suas
palavras, perenizados pela escrita ou outras práticas de conservação,
mitos, grafismos e conhecimentos tendem à autorreferência e se su-
focam. Isolados, tornam-se coisas, perdendo seu nexo de significados
amputados de seus contextos e redes de comunicação. Os conheci-
mentos tradicionais não são simplesmente coisas, descontextualizadas
de sujeitos e de relações. Os saberes tem nexos de significados, redes
de comunicação e constituem os próprios sujeitos que os produzem
(GALLOIS, 2006, p. 263).
9. Considerações finais
Este artigo propôs demonstrar a trajetória da construção da ca-
tegoria jurídica patrimônio cultural nos documentos internacionais,
principalmente os produzidos no âmbito da Unesco, bem como as
alterações de seu significado ao longo dos últimos quarenta anos. As
mudanças registradas nas definições de cultura e de patrimônio cul-
tural disseram respeito à natureza dos novos bens culturais - os bens
intangíveis ou “imateriais” - bem como ao reconhecimento de “novos”
sujeitos de direitos, como os povos e comunidades tradicionais, tanto
na seleção quanto na gestão do patrimônio cultural.
Vimos que no contexto histórico que foi formulada, a concepção
jurídica do patrimônio cultural esteve predominantemente ligada à
construção dos Estados nacionais e da representação de uma “iden-
tidade nacional” feita por grupos sociais com o poder de produzir tal
representação hegemônica. A ideia de monumentalidade e de excep-
cionalidade que marcava a escolha dos bens a serem inscritos nas listas
do patrimônio cultural, foi substituída pela noção de referência cultu-
ral, admitindo como critério o valor simbólico que o “bem” assume
para os grupos sociais que são seus titulares.
Os povos e comunidades tradicionais, referidos por variadas no-
menclaturas nos documentos analisados, foram reconhecidos como
sujeitos de direitos coletivos sobre os seus saberes e práticas tradicionais

43
a partir da década de 1990, aproximados do mercado por meio do Es-
tado e do direito positivo.
Observamos que a cultura, uma vez encarada como fator de desen-
volvimento e de redução da pobreza pela ONU, passou a ser objeto
de regulação jurídica no sentido da aproximação com o mercado. Os
Estados que ratificaram a Convenção para a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais (2005) comprometeram-se a fo-
mentar as indústrias culturais e intermediar a exploração econômica
da cultura.
A leitura dos documentos leva, portanto, a concluir que o sentido
de proteção nesses dispositivos - a proteção-controle ou a proteção-
-promoção - corresponde a interesses prioritariamente econômicos.
Inscrever bens culturais em lista do patrimônio mundial tem uma
razão utilitária para os Estados. Ressalta Scifoni que “estar na lista
significa contar com status internacional, prestígio e reconhecimento
que é fundamental para o marketing do turismo” (SCIFONI, 2003).
O mesmo efeito pode ser esperado das listas nacionais, que no caso do
Brasil, consistem nos quatro livros de registro do patrimônio cultural
brasileiro.
Nos seus efeitos regulatórios, podemos dizer que a Convenção
sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais
(2005), representou para as expressões culturais tradicionais, o mesmo
que significou a Convenção sobre Diversidade Biológica (1992) para
os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: uma porta de
passagem para o mercado sob a bandeira do desenvolvimento susten-
tável (DOURADO, 2009).
Resta saber como as práticas cotidianas serão construídas, no sen-
tido de não ameaçar as culturas tradicionais, transformando-as em
meras mercadorias. De fato, o grande desafio que se coloca na dita
“proteção” ou salvaguarda dos conhecimentos e expressões culturais
tradicionais é encontrar formas de propiciar a continuidade da produ-
ção e reprodução desses saberes, não apenas para que não se extingam,

44
mas principalmente que não percam os seus significados para os su-
jeitos que os detêm.
Lembramos que no Brasil, os sujeitos de direitos da Convenção
n. 169 são reconhecidos como povos e comunidades tradicionais,
categoria definida no Decreto n. 6.040/2007. Em razão do especial
vínculo que esses grupos sociais apresentam com os territórios tra-
dicionais, a proteção desses territórios deveria ser a primeira medida
para proteger de fato os conhecimentos tradicionais. Os territórios
são espaços simbólicos onde se produz, se aprende e se transforma a
cultura. Dessa forma, a sua proteção, manutenção e recuperação, aí
também compreendidos os recursos naturais, não fazem parte de uma
questão incidental ou marginal. Os territórios tradicionais são lugares
de recursos mas também de pertencimentos, de vivências e de trocas.
A reivindicação de territórios, portanto, continua nas pautas dos
movimentos sociais que representam povos e comunidades tradicio-
nais no campo político brasileiro, diante das forças políticas atuais que
pretendem disponibilizar territórios de uso tradicional para o mercado
de terras. As demandas feitas por quebradeiras de coco, quilombolas,
indígenas, pescadores, faxinalenses e seringueiros são atuais, e decor-
rem da relações sociais, econômicas e simbólicas que desenvolvem em
torno dos territórios e pela preservação de seus modos de vida.
10. Referências
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do Povo”, Faxinais e fundos de pasto. 2ª edição, Manaus: PGSA-
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propostas. 2a ed. Manaus: UEA Edições, 2010.

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em 05 de outubro de 1988.
_______. Decreto n. 3.551, de 04 de agosto de 2000. Institui o Registro
de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio

47
cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial.
Publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 07.08.2007.
_______. Decreto nº. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui
a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais. Publicado no Diário Oficial da União
(DOU) em 08.02.2007.
_______. Decreto n. 7.387, de 9 de dezembro de 2010. Institui o In-
ventário Nacional da Diversidade Linguística. Publicado no Diário
Oficial da União (DOU) em 10.12.2010.
OIT. Convenção n. 169 sobre Povos Indígenas e Tribais. Genebra:
OIT (1989).
________. Convenção n. 107 concernente à Proteção e Integração das
Populações Indígenas e Outras Populações Tribais e Semitribais
de Países Independentes. Genebra: OIT, 1957.
ONU. Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indí-
genas. 2007
UNESCO. Conferência de Nara sobre Autenticidade. Paris, 1995.
________. Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial,
Cultural e Natural. 1972.
________. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial. 2003.
________. Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais. Paris, 2005.
________. Declaração Universal Sobre A Diversidade Cultural. 2002.
________. Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicio-
nal e Popular. Paris, 1989.

48
11. Anexo: Quadro de documentos internacionais consultados
Promulgado
Documento Data Origem
no Brasil
1 Declaração de Estocolmo 1972 ONU
Convenção sobre o Patrimônio Decreto
2 1972 Unesco
Mundial, Cultural e Natural 80.978/1977
3 Declaração do México 1985 ICOMOS ---------
Recomendação sobre a Salva-
4 guarda da Cultura Tradicional e 1989 ---------
Popular
Convenção n. 169 sobre Povos Decreto
5 1989 OIT
Indígenas e Tribais 5.051/2004
6 Agenda 21 1992 ONU ---------
Convenção sobre Diversidade Decreto
7 1992 ONU
Biológica 2.519/1998
8 Carta de Nara 1994 Unesco ---------
Declaração Universal sobre a
9 2001 ONU ---------
Diversidade Cultural
Convenção sobre a Salvaguarda Decreto
10 2003 Unesco
do Patrimônio Cultural Imaterial 5.753/2006
Convenção para a Proteção e
Decreto
11 Promoção da Diversidade das 2005 Unesco
6.177/2007
Expressões Culturais
Declaração das Nações Unidas so-
12 2007 ONU ----------
bre Direitos dos Povos Indígenas

49
Decreto-lei no 25,
de 30 de novembro de 1937
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usan-


do da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,

DECRETA:

Capítulo I
Do patrimônio histórico e artístico nacional
Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o con-
junto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação
seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis
da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados
parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois
de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do
Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são
também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como
os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição

51
notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados
pelo indústria humana.
Art. 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessôas
naturais, bem como às pessôas jurídicas de direito privado e de direito
público interno.
Art. 3º Exclúem-se do patrimônio histórico e artístico nacional as
obras de orígem estrangeira:
1) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares
acreditadas no país;
2) que adornem quaisquer veiculos pertecentes a emprêsas estran-
geiras, que façam carreira no país;
3) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução
do Código Civíl, e que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário;
4) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou
artísticos;
5) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas
ou comerciais:
6) que sejam importadas por emprêsas estrangeiras expressamente
para adôrno dos respectivos estabelecimentos.
Parágrafo único. As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia
de licença para livre trânsito, fornecida pelo Serviço ao Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional.

Capítulo ii
Do tombamento
Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a
que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as
coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ame-
ríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º.

52
2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interêsse histórico e
as obras de arte histórica;
3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita,
nacional ou estrangeira;
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluí-
rem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
§ 1º Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
§ 2º Os bens, que se inclúem nas categorias enumeradas nas alíneas
1, 2, 3 e 4 do presente artigo, serão definidos e especificados no regu-
lamento que for expedido para execução da presente lei.
Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados
e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado
à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tom-
bada, afim de produzir os necessários efeitos.
Art. 6º O tombamento de coisa pertencente à pessôa natural ou à pes-
sôa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsóriamente.
Art. 7º Proceder-se-à ao tombamento voluntário sempre que o
proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para
constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacio-
nal, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histó-
rico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir,
por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em
qualquer dos Livros do Tombo.
Art. 8º Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o pro-
prietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.
Art. 9º O tombamento compulsório se fará de acôrdo com o se-
guinte processo:
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu
órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamen-
to, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notifi-
cação, ou para, si o quisér impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo
as razões de sua impugnação.
53
2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado.
que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional mandará por símples despacho que se proceda à inscrição da
coisa no competente Livro do Tombo.
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á
vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que
houver emanado a iniciativa do tombamento, afim de sustentá-la. Em
seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao
Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta
dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso.
Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei,
será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respecti-
vo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos
referidos bens no competente Livro do Tombo.
Parágrafo único. Para todas os efeitos, salvo a disposição do art. 13
desta lei, o tombamento provisório se equiparará ao definitivo.

Capítulo iii
Dos efeitos do tombamento
Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados
ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferi-
das de uma à outra das referidas entidades.
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imedia-
to conhecimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 12. A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tomba-
das, de propriedade de pessôas naturais ou jurídicas de direito privado
sofrerá as restrições constantes da presente lei.
Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade part-
cular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimô-
nio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos

54
em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado
da transcrição do domínio.
§ 1º No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata
êste artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob
pena de multa de dez por cento sôbre o respectivo valor, fazê-la constar
do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis.
§ 2º Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário,
dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no
registro do lugar para que tiverem sido deslocados.
§ 3º A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a des-
locação pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artis-
tico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.
Art. 14. A. coisa tombada não poderá saír do país, senão por cur-
to prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio
cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artistico Nacional.
Art. 15. Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a
exportação, para fora do país, da coisa tombada, será esta sequestrada
pela União ou pelo Estado em que se encontrar.
§ 1º Apurada a responsábilidade do proprietário, ser-lhe-á imposta
a multa de cincoenta por cento do valor da coisa, que permanecerá
sequestrada em garantia do pagamento, e até que êste se faça.
§ 2º No caso de reincidência, a multa será elevada ao dôbro.
§ 3º A pessôa que tentar a exportação de coisa tombada, alem de
incidir na multa a que se referem os parágrafos anteriores, incorrerá,
nas penas cominadas no Código Penal para o crime de contrabando.
Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objéto tombado,
o respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fáto ao Servi-
ço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do prazo de
cinco dias, sob pena de multa de dez por cento sôbre o valor da coisa.
Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser
destruidas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização

55
especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, ser
reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta
por cento do dano causado.
Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos
Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do
presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histó-
rico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tom-
bada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibílidade, nem
nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a
obra ou retirar o objéto, impondo-se nêste caso a multa de cincoenta
por cento do valor do mesmo objéto.
Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de re-
cursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma
requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena
de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avalia-
do o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras,
o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional
mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser
iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja
feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo
anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tomba-
mento da coisa. (Vide Lei nº 6.292, de 1975)
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e
conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Ser-
viço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa
de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente
da comunicação a que alude êste artigo, por parte do proprietário.

56
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que pode-
rá inspecioná-los sempre que fôr julgado conveniente, não podendo
os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspe-
ção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dôbro em caso de
reincidência.
Art. 21. Os atentados cometidos contra os bens de que trata o
art. 1º desta lei são equiparados aos cometidos contra o patrimônio
nacional.

Capítulo iv
Do direito de preferência
Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, perten-
centes a pessôas naturais ou a pessôas jurídicas de direito privado, a
União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de
preferência.
§ 1º Tal alienação não será permitida, sem que prèviamente sejam
os bens oferecidos, pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado
e ao município em que se encontrarem. O proprietário deverá notifi-
car os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias,
sob pena de perdê-lo.
§ 2º É nula alienação realizada com violação do disposto no pará-
grafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência
habilitado a sequestrar a coisa e a impôr a multa de vinte por cento
do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solida-
riamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei,
pelo juiz que conceder o sequestro, o qual só será levantado depois de
paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de preferência não
tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias.
§ 3º O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar
livremente a coisa tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca.

57
§ 4º Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá reali-
zar sem que, prèviamente, os titulares do direito de preferência sejam
disso notificados judicialmente, não podendo os editais de praça ser
expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação.
§ 5º Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de
remissão, se dela não lançarem mão, até a assinatura do auto de arre-
matação ou até a sentença de adjudicação, as pessôas que, na forma da
lei, tiverem a faculdade de remir.
§ 6º O direito de remissão por parte da União, bem como do
Estado e do município em que os bens se encontrarem, poderá ser
exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura do auto do ar-
rematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extraír a
carta, enquanto não se esgotar êste prazo, salvo se o arrematante ou o
adjudicante for qualquer dos titulares do direito de preferência.

Capítulo V
Disposições gerais
Art. 23. O Poder Executivo providenciará a realização de acôrdos
entre a União e os Estados, para melhor coordenação e desenvolvi-
mento das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e
artistico nacional e para a uniformização da legislação estadual com-
plementar sôbre o mesmo assunto.
Art. 24. A União manterá, para a conservação e a exposição de
obras históricas e artísticas de sua propriedade, além do Museu Histó-
rico Nacional e do Museu Nacional de Belas Artes, tantos outros mu-
seus nacionais quantos se tornarem necessários, devendo outrossim
providênciar no sentido de favorecer a instituição de museus estaduais
e municipais, com finalidades similares.
Art. 25. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
procurará entendimentos com as autoridades eclesiásticas, instituições

58
científicas, históricas ou artísticas e pessôas naturais o jurídicas, com o
objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do patrimô-
nio histórico e artístico nacional.
Art. 26. Os negociantes de antiguidades, de obras de arte de qual-
quer natureza, de manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados
a um registro especial no Serviço do Patrimônio Histórico e Artís-
tico Nacional, cumprindo-lhes outrossim apresentar semestralmen-
te ao mesmo relações completas das coisas históricas e artísticas que
possuírem.
Art. 27. Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos
de natureza idêntica à dos mencionados no artigo anterior, deverão
apresentar a respectiva relação ao órgão competente do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de incidirem na
multa de cincoenta por cento sôbre o valor dos objetos vendidos.
Art. 28. Nenhum objéto de natureza idêntica à dos referidos no
art. 26 desta lei poderá ser posto à venda pelos comerciantes ou agen-
tes de leilões, sem que tenha sido préviamente autenticado pelo Ser-
viço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por perito em
que o mesmo se louvar, sob pena de multa de cincoenta por cento
sôbre o valor atribuido ao objéto.
Parágrafo único. A. autenticação do mencionado objeto será feita
mediante o pagamento de uma taxa de peritagem de cinco por cento
sôbre o valor da coisa, se êste fôr inferior ou equivalente a um conto de
réis, e de mais cinco mil réis por conto de réis ou fração, que exceder.
Art. 29. O titular do direito de preferência gosa de privilégio es-
pecial sôbre o valor produzido em praça por bens tombados, quanto
ao pagamento de multas impostas em virtude de infrações da pre-
sente lei.
Parágrafo único. Só terão prioridade sôbre o privilégio a que se
refere êste artigo os créditos inscritos no registro competente, antes
do tombamento da coisa pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Ar-
tístico Nacional.

59
Art. 30. Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1937, 116º da Independência


e 49º da República.

GETULIO VARGAS
Gustavo Capanema

Este texto não substitui o publicado no DOU de 6.12.1937

60
Decreto no 80.978,
de 12.12.77
Promulga a Convenção Relativa a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural, de 1972.

O Presidente da República,
Havendo a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mun-
dial, Cultural e Natural sido adotada em Paris a 23 de novembro de
1972, durante a XVII Sessão da Conferência Geral da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura;
Havendo o Congresso Nacional aprovado a referida Convenção,
com reserva ao parágrafo 1 do Artigo 16, pelo Decreto Legislativo nº
74, de 30 de junho de 1977;
Havendo o instrumento brasileiro de aceitação, com reserva indicada,
sido depositado junto à Diretoria-Geral da Organização das Nações Uni-
das para a Educação, a Ciência e a Cultura em 2 de setembro de 1977;
E Havendo a referida Convenção entrado em vigor, para o Brasil,
em 2 de dezembro de 1977, decreta:
Que a referida Convenção, apensa por cópia ao presente Decreto,
seja, com a mesma reserva, executada e cumprida tão inteiramente
como nela se contém.

ERNESTO GEISEL
Antônio Francisco Azeredo da Silveira

61
.........

CONVENÇÃO RELATIVA À PROTEÇÃO DO


PATRIMÔNIO MUNDIAL, CULTURAL E NATURAL
..........

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a


Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris de 17 de outubro a
21 de novembro de 1972, em sua décima sétima sessão,
Verificando que o patrimônio cultural e o patrimônio natural são
cada vez mais ameaçados de destruição, não somente pelas causas tra-
dicionais de degradação, mas também pela evolução da vida social e
econômica, que se agrava com fenômenos de alteração ou de destrui-
ção ainda mais temíveis;
Considerando que a degradação ou o desaparecimento de um bem
do patrimônio cultural e natural constitui um empobrecimento nefas-
to do patrimônio de todos os povos do mundo;
Considerando que a proteção desse patrimônio em escala nacional
é freqüentemente incompleta, devido à magnitude dos meios de que
necessita e à insuficiência dos recursos econômicos, científicos e técni-
cos do país em cujo território se acha o bem a ser protegido;
Tendo em mente que a Constituição da Organização dispõe que
esta última ajudará a conservação, o progresso e a difusão do saber, ve-
lando pela preservação e proteção do patrimônio universal e recomen-
dando aos povos interessados convenções internacionais para esse fim;
Considerando que as convenções, recomendações e resoluções in-
ternacionais existentes relativas aos bens culturais e naturais demons-
tram a importância que representa, para todos os povos do mundo, a
salvaguarda desses bens incomparáveis e insubstituíveis, qualquer que
seja o povo a que pertençam;

62
Considerando que bens do patrimônio cultural e natural apre-
sentam um interesse excepcional e, portanto, devem ser preservados
como elementos do patrimônio mundial da humanidade inteira;
Considerando que, ante a amplitude e a gravidade dos perigos no-
vos que os ameaçam, cabe a toda a coletividade internacional tomar
parte na proteção do patrimônio cultural e natural de valor universal
excepcional, mediante a prestação de uma assistência coletiva que,
sem substituir a ação do Estado interessado, a complete eficazmente;
Considerando que é indispensável, para esse fim, adotar novas dis-
posições convencionais que estabeleçam um sistema eficaz de proteção
coletiva do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcio-
nal, organizado de modo permanente e segundo métodos científicos
e modernos, e
Após haver decidido, quando de sua décima sexta sessão, que esta
questão seria objeto de uma convenção internacional,
Adota neste dia dezesseis de novembro de mil novecentos e setenta
e dois a presente Convenção.

I
Definições do Patrimônio Cultural e Natural

Artigo 1
Para fins da presente Convenção serão considerados como:
- os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintu-
ra monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica,
inscrições, cavernas e grupos de elementos, que tenham um valor uni-
versal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
- os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que,
em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem,
tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história,
da arte ou da ciência;

63
- os lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do
homem e da natureza, bem como as zonas, inclusive lugares arque-
ológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista
histórico, estético, etnológico ou antropológico.

Artigo 2
Para os fins da presente Convenção serão considerados como:
- os monumentos naturais constituídos por formações físicas e bio-
lógicas ou por grupos de tais formações, que tenham valor universal
excepcional do ponto de vista estético ou científico;
- as formações geológicas e fisiográficas e as áreas nitidamente de-
limitadas que constituam o de espécies animais e vegetais ameaçadas
e que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da ciência
ou da conservação;
- os lugares notáveis naturais ou as zonas naturais nitidamente de-
limitadas, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista
da ciência, da conservação ou da beleza natural.
Artigo 3
Caberá a cada Estado Parte na presente Convenção identificar e
delimitar os diferentes bens mencionados nos Artigos 1 e 2 situados
em seu território.

II
Proteção Nacional e Proteção Internacional do
Patrimônio Cultural e Natural

Artigo 4
Cada um dos Estados Partes na presente Convenção reconhece a
obrigação de identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às

64
futuras gerações o patrimônio cultural e natural mencionado nos Ar-
tigos 1 e 2, situado em seu território, lhe incumbe primordialmente.
Procurará tudo fazer para esse fim, utilizando ao máximo seus recursos
disponíveis, e, quando for o caso, mediante assistência e cooperação
internacional de que possa beneficiar-se, notadamente nos planos fi-
nanceiro, artístico, científico e técnico.
Artigo 5
A fim de garantir a adoção de medidas eficazes para a proteção,
conservação e valorização do patrimônio cultural e natural situado em
seu território, os Estados Partes na presente Convenção procurarão na
medida do possível, e nas condições apropriadas a cada país:
a) adotar uma política geral que vise a dar ao patrimônio cultural
e natural uma função na vida da coletividade e a integrar a proteção
desse patrimônio nos programas de planificação geral;
b) instituir em seu território, na medida em que não existam, um
ou mais serviços de proteção, conservação e valorização do patrimô-
nio cultural e natural, dotados de pessoal e meios apropriados que lhes
permitam realizar as tarefas a eles confiadas;
c) desenvolver os estudos e as pesquisas científicas e técnicas e aper-
feiçoar os métodos de intervenção que permitam a um Estado fazer
face aos perigos que ameacem seu patrimônio cultural e natural;
d) tomar as medidas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas
e financeiras adequadas para a identificação, proteção, conservação,
revalorização e reabilitação desse patrimônio; e
e) facilitar a criação ou o desenvolvimento de centros nacionais ou re-
gionais de formação no campo da proteção, conservação e revalorização do
patrimônio cultural e natural e estimular a pesquisa científica nesse campo.
Artigo 6
1. Respeitando plenamente a soberania dos Estados em cujo terri-
tório esteja situado o patrimônio cultural e natural mencionado nos

65
Artigos 1 e 2, e sem prejuízo dos direitos reais previstos pela legislação
nacional sobre tal patrimônio, os Estados Partes na presente Conven-
ção reconhecem que esse constitui um patrimônio universal em cuja
proteção a comunidade internacional inteira tem o dever de cooperar.
2. Os Estados Partes comprometem-se, conseqüentemente, e de con-
formidade com as disposições da presente Convenção, a prestar o seu
concurso para a identificação, proteção, conservação e revalorização do
patrimônio cultural e natural mencionados nos parágrafos 2 e 4 do Arti-
go 11, caso solicite o Estado em cujo território o mesmo esteja situado.
3. Cada um dos Estados Partes na presente Convenção obriga-se
a não tomar deliberadamente qualquer medida suscetível de pôr em
perigo, direta ou indiretamente, o patrimônio cultural e natural men-
cionado nos Artigos 1 e 2 que esteja situado no território de outros
Estados Partes nesta Convenção.

Artigo 7
Para os fins da presente Convenção, entender-se-á por proteção
internacional do patrimônio mundial, cultural e natural o estabeleci-
mento de um sistema de cooperação e assistência internacional des-
tinado a secundar os Estados Partes na Convenção nos esforços que
desenvolvam no sentido de preservar e identificar esse patrimônio.

III
Comitê Intergovernamental da Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural
Artigo 8
1. Fica criado junto à Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação, a Ciência e a Cultura um Comitê Intergovernamental da Prote-
ção do Patrimônio Cultural e Natural de Valor Universal Excepcional,

66
denominado Mundial. Compor-se-á de 15 (quinze) Estados Partes
nesta Convenção, eleitos pelos Estados na Convenção reunidos em
Assembléia-Geral durante as sessões ordinárias da Conferência Geral
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura. O número dos Estados-Membros do Comitê será aumenta-
do para 21 (vinte e um) a partir da sessão ordinária da Conferência
Geral que se seguir à entrada em vigor, para 40 (quarenta) ou mais
Estados, da presente Convenção.
2. A eleição dos membros do Comitê deverá garantir uma repre-
sentação eqüitativa das diferentes regiões e culturas do mundo.
3. Assistirão às reuniões do Comitê, com voto consultivo, um re-
presentante do Centro Internacional de Estudos para a Conservação e
Restauração dos Bens Culturais (Centro de Roma), um representante
do Conselho Internacional de Monumentos e Lugares de Interesse
Artístico e Histórico (ICOMOS) e um representante da União Inter-
nacional para a Conservação da Natureza e de seus Recursos (UICN),
aos quais poderão juntar-se, a pedido dos Estados Partes reunidos em
Assembléia-Geral durante as sessões ordinárias da Conferência Geral
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura, representantes de outras organizações intergovernamentais
ou não governamentais que tenham objetivos semelhantes.

Artigo 9
1. Os Estados-Membros do Comitê do Patrimônio Mundial exer-
cerão seu mandato a partir do término da sessão ordinária da Confe-
rência Geral em que hajam sido eleitos até o término da terceira sessão
ordinária seguinte.
2. No entanto, o mandato de um terço dos membros designados
por ocasião da primeira eleição expirará ao término da primeira sessão
ordinária da Conferência Geral que se seguir àquela em que tenham
sido eleitos, e o mandato de outro terço dos membros designados ao
mesmo tempo expirará ao término da segunda sessão ordinária da

67
Conferência Geral que se seguir àquela em que hajam sido eleitos. Os
nomes desses membros serão sorteados pelo Presidente da Conferên-
cia Geral após a primeira eleição.
3. Os Estados-Membros do Comitê escolherão para representá-los
pessoas qualificadas no campo do patrimônio cultural ou do patrimô-
nio natural.

Artigo 10
1. O Comitê do Patrimônio Mundial aprovará seu regimento
interno.
2. O Comitê poderá a qualquer tempo convidar para suas reuni-
ões organizações públicas ou privadas, bem como pessoas físicas, para
consultá-las sobre determinadas questões.
3. O Comitê poderá criar órgãos consultivos que julgar necessários
para a realização de suas tarefas.

Artigo 11
1. Cada um dos Estados Partes na presente Convenção apresen-
tará, na medida do possível, ao Comitê do Patrimônio Mundial um
inventário dos bens do patrimônio cultural e natural situados em seu
território que possam ser incluídos na lista mencionada no parágrafo
2 do presente artigo. Esse inventário, que não será considerado como
exaustivo, deverá conter documentação sobre o local onde estão situ-
ados esses bens e sobre o interesse que apresentem.
2. Com base no inventário apresentado pelos Estados, em confor-
midade com o parágrafo 1, o Comitê organizará, manterá em dia e
publicará, sob o título de , uma lista dos bens do patrimônio cultural e
natural, tais como definidos nos Artigos 1 e 2 da presente Convenção,
que considere como tendo valor universal excepcional segundo os cri-
térios que haja estabelecido. Uma lista atualizada será distribuída pelo
menos uma vez a cada dois anos.

68
3. A inclusão de um bem na Lista do Patrimônio Mundial não po-
derá ser feita sem o consentimento do Estado interessado. A inclusão
de um bem situado num território que seja objeto de reivindicação de
soberania ou jurisdição por parte de vários Estados não prejudicará
em absoluto os direitos das partes em litígio.
4. O Comitê organizará, manterá em dia e publicará, quando o
exigirem as circunstâncias, sob o título , uma lista dos bens constantes
da Lista do Patrimônio Mundial para cuja salvaguarda sejam necessá-
rios grandes trabalhos e para os quais haja sido pedida assistência, nos
termos da presente Convenção. Nessa lista será indicado o custo apro-
ximado das operações. Em tal lista somente poderão ser incluídos os
bens do patrimônio cultural e natural que estejam ameaçados de peri-
gos sérios e concretos, tais como ameaça de desaparecimento devido a
degradação acelerada, projetos de grandes obras públicas ou privadas,
rápido desenvolvimento urbano e turístico, destruição devida a mu-
dança de utilização ou de propriedade de terra, alterações profundas
devidas a uma causa desconhecida, abandono por quaisquer razões,
conflito armado que haja irrompido ou ameaçe irromper, catástrofes e
cataclismas, grandes incêndios, terremotos, deslizamentos
de terreno, erupções vulcânicas, alteração do nível das águas, inun-
dações e maremotos. Em caso de urgência, poderá o Comitê, a qual-
quer tempo, incluir novos bens na Lista do Patrimônio Mundial e dar
a tal inclusão uma difusão imediata.
5. O Comitê definirá os critérios com base nos quais um bem do
patrimônio cultural ou natural poderá ser incluído em uma ou outra
das listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do presente Artigo.
6. Antes de recusar um pedido de inclusão de um bem numa das
duas listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do presente artigo, o
Comitê consultará o Estado Parte em cujo território se encontrar o
bem do patrimônio cultural ou natural em causa.
7. O Comitê, com a concordâncias dos Estados interessados,
coordenará e estimulará os estudos e pesquisas necessários para a

69
composição das listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do presente
Artigo.
Artigo 12
O fato de que um bem do patrimônio cultural ou natural não haja
sido incluído numa ou outra das duas listas mencionadas nos pará-
grafos 2 e 4 do Artigo 11 não significará, em absoluto, que ele não
tenha valor universal excepcional para fins distintos dos que resultam
da inclusão nessas listas.

Artigo 13
1. O Comitê do Patrimônio Mundial receberá e estudará os pe-
didos de assistência internacional formulados pelos Estados Partes
na presente Convenção no que diz respeito aos bens do patrimônio
cultural e natural situados em seus territórios, que figurem ou sejam
suscetíveis de figurar nas listas mencionadas nos parágrafos 2 e 4 do
Artigo 11. Esses pedidos poderão ter por objeto a proteção, a conser-
vação, a revalorização ou a reabilitação desses bens.
2. Os pedidos de assistência internacional em conformidade com
o parágrafo 1 do presente artigo poderão também ter por objeto a
identificação dos bens do patrimônio cultural e natural definidos nos
Artigos 1 e 2 quando as pesquisas preliminares demonstrarem que
merecem ser prosseguidas.
3. O Comitê decidirá sobre tais pedidos, determinará, quando
for o caso, a natureza e a amplitude de sua assistência e autorizará
a conclusão, em seu nome, dos acordos necessários com o Governo
interessado.
4. O Comitê estabelecerá uma ordem de prioridade para suas in-
tervenções. Fá-lo-á tomando em consideração a importância respec-
tiva dos bens a serem salvaguardados para o patrimônio cultural e
natural, a necessidade de assegurar a assistência internacional aos bens
mais representativos da natureza ou do gênio e a história dos povos

70
do mundo, a urgência dos trabalhos que devem ser empreendidos, a
importância dos recursos dos Estados em cujo território se achem os
bens ameaçados e, em particular, a medida em que esses poderiam
assegurar a salvaguarda desses bens por seus próprios meios.
5. O Comitê organizará, manterá em dia e difundirá uma lista
dos bens para os quais uma assistência internacional houver sido
fornecida.
6. O Comitê decidirá sobre a utilização dos recursos do Fundo
criado em virtude do disposto no Artigo 15 da presente Convenção.
Procurará os meios de aumentar-lhe os recursos e tomará todas as
medidas que para tanto se fizerem necessárias.
7. O Comitê cooperará com as organizações internacionais e na-
cionais, governamentais e não governamentais, que tenham objetivos
semelhantes aos da presente Convenção. Para elaborar seus programas
e executar seus projetos, o Comitê poderá recorrer a essas organizações
e, em particular, ao Centro Internacional de Estudos para a Conserva-
ção e Restauração dos Bens Culturais (Centro de Roma), ao Conselho
Internacional dos Monumentos e Lugares Históricos (ICOMOS), e
à União Internacional para a Conservação da Natureza e de seus Re-
cursos (UICN), bem como a outras organizações públicas ou privadas
e a pessoas físicas.
8. As decisões do Comitê serão tomadas por maioria de dois terços
dos membros presentes e votantes. Constituirá a maioria dos mem-
bros do Comitê.

Artigo 14
1. O Comitê do Patrimônio Mundial será assistido por um secre-
tário nomeado pelo Diretor-geral da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura.
2. O Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação, a Ciência e a Cultura, utilizando, o mais possível, os serviços do
Centro Internacional de Estudos para a Conservação e a Restauração

71
dos Bens Culturais (Centro de Roma), do Conselho Internacional
dos Monumentos e Lugares Históricos (ICOMOS) e da União In-
ternacional para a Conservação da Natureza e seus Recursos (UICN),
dentro de suas competências e possibilidades respectivas, preparará a
documentação do Comitê, a agenda de suas reuniões e assegurará a
execução de suas decisões.

IV - Fundo para a Proteção do Patrimônio Mundial,


Cultural e Natural
Artigo 15
1. Fica criado um Fundo para a Proteção do Patrimônio Mundial,
Cultural e Natural de Valor Universal Excepcional, denominado .
2. O Fundo será constituído como fundo fiduciário, em confor-
midade com o Regulamento Financeiro da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
3. Os recursos do Fundo serão constituídos:
a) pelas contribuições obrigatórias e pelas contribuições voluntá-
rias dos Estados Partes na presente Convenção;
b) pelas contribuições, doações ou legados que possam fazer;
i) outros Estados;
ii) a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura, as outras organizações do sistema das Nações Unidas,
notadamente o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas
e outras Organizações intergovernamentais, e
iii) órgãos públicos ou privados ou pessoas físicas.
c) por quaisquer juros produzidos pelos recursos do Fundo;
d) pelo produto das coletas e pelas receitas oriundas de manifesta-
ções realizadas em proveito do Fundo, e
e) por quaisquer outros recursos autorizados pelo Regulamento do
Fundo, a ser elaborado pelo Comitê do Patrimônio Mundial.

72
4. As contribuições ao Fundo e as demais formas de assistência
fornecidas ao Comitê somente poderão ser destinadas aos fins por ele
definidos. O Comitê poderá aceitar contribuições destinadas a um
determinado programa ou a um projeto concreto, contanto que o
Comitê haja decidido pôr em prática esse programa ou executar esse
projeto. As contribuições ao Fundo não poderão ser acompanhadas de
quaisquer condições políticas.

Artigo 16
1. Sem prejuízo de qualquer contribuição voluntária complemen-
tar, os Estados Partes na presente Convenção comprometem-se a
pagar regularmente, de dois em dois anos, ao Fundo do Patrimônio
Mundial, contribuições cujo montante calculado segundo uma per-
centagem uniforme aplicável a todos os Estados, será decidido pela
Assembléia-Geral dos Estados Partes na Convenção, reunidos durante
as sessões da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura. Essa decisão da Assembléia-
-Geral exigirá a maioria dos Estados Partes presentes votantes que não
houverem feito a declaração mencionada no parágrafo 2 do presente
Artigo. Em nenhum caso poderá a contribuição dos Estados Partes
na Convenção ultrapassar 1% (um por cento) de sua contribuição
ao Orçamento Ordinário da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura.
2. Todavia, qualquer dos Estados a que se refere o Artigo 31 ou o
Artigo 32 da presente Convenção poderá, no momento do depósito
de seu instrumento de ratificação, aceitação ou adesão, declarar que
não se obriga pelas disposições do parágrafo 1 do presente Artigo.
3. Um Estado Parte na Convenção que houver feito a declaração
a que se refere o parágrafo 2 do presente Artigo poderá a qualquer
tempo, retirar dita declaração mediante notificação ao Diretor-Geral
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

73
Cultura. No entanto, a retirada da declaração somente terá efeito so-
bre a contribuição obrigatória devida por esse Estado a partir da data
da Assembléia-Geral dos Estados Partes que se seguir a tal retirada.
4. Para que o Comitê esteja em condições de prever suas opera-
ções de maneira eficaz, as contribuições dos Estados Partes na presente
Convenção que houverem feito a declaração mencionada no parágra-
fo 2 do presente Artigo terão de ser entregues de modo regular, pelo
menos de dois em dois anos, e não deverão ser inferiores às contribui-
ções que teriam de pagar se tivessem se obrigado pelas disposições do
parágrafo 1 do presente Artigo.
5. Um Estado Parte na Convenção que estiver em atraso no pa-
gamento de sua contribuição obrigatória ou voluntária, no que diz
respeito ao ano em curso e ao ano civil imediatamente anterior, não
é elegível para o Comitê do Patrimônio Mundial, não se aplicando
esta disposição por ocasião da primeira eleição. Se tal Estado já for
membro do Comitê, seu mandato se extinguirá no momento em que
se realizem as eleições previstas no Artigo 8, parágrafo 1, da presente
Convenção.

Artigo 17
Os Estados Partes na presente Convenção considerarão ou favore-
cerão a criação de fundações ou de associações nacionais públicas ou
privadas que tenham por fim estimular as liberalidades em favor da
proteção do patrimônio cultural e natural definido nos Artigos 1 e 2
da presente Convenção.

Artigo 18
Os Estados Partes na presente Convenção prestarão seu concur-
so às campanhas internacionais de coleta que forem organizadas em
benefício do Fundo do Patrimônio Mundial sob os auspícios da Or-
ganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

74
Facilitarão as coletas feitas para esses fins pelos órgãos mencionados
no parágrafo 3, Artigo 15.

V - Condições e Modalidades da Assistência


Internacional
Artigo 19
Qualquer Estado Parte na presente Convenção poderá pedir as-
sistência internacional em favor de bens do patrimônio cultural ou
natural de valor universal excepcional situados em seu território. De-
verá juntar a seu pedido os elementos de informação e os documentos
previstos no Artigo 21 de que dispuser e de que o Comitê tenha ne-
cessidade para tomar sua decisão.

Artigo 20
Ressalvada as disposições do parágrafo 2 do Artigo 13, da alínea
"c" do Artigo 22 e do Artigo 23, a assistência internacional prevista
pela presente Convenção somente poderá ser concedida a bens do
patrimônio cultural e natural que o Comitê do Patrimônio Mundial
haja decidido ou decida fazer constar numa das listas mencionadas
nos parágrafos 2 e 4 do Artigo 11.

Artigo 21
1. O Comitê do Patrimônio Mundial determinará a forma de exa-
me dos pedidos de assistência internacional que é chamado a fornecer
e indicará notadamente os elementos que deverão constar ao pedido,
o qual deverá descrever a operação projetada, os trabalhos necessários,
uma estimativa de seu custo, sua urgência e as razões pelas quais os
recursos do Estado solicitante não lhe permitam fazer face à totalidade
da despesa. Os pedidos deverão, sempre que possível, apoiar-se em
parecer de especialistas.
75
2. Em razão dos trabalhos que se tenha de empreender sem demora,
os pedidos com base em calamidades naturais ou em catástrofes natu-
rais deverão ser examinados com urgência e prioridade pelo Comitê,
que deverá dispor de um fundo de reserva para tais eventualidades.
3. Antes de tomar uma decisão, o Comitê procederá aos estudos e
consultas que julgar necessários.

Artigo 22
A assistência prestada pelo Comitê do Patrimônio Mundial poderá
tomar as seguintes formas:
a) estudos sobre os problemas artísticos, científicos e técnicos le-
vantados pela proteção, conservação, revalorização e reabilitação do
patrimônio cultural e natural, tal como definido nos parágrafos 2 e 4
do Artigo 11 da presente Convenção;
b) serviços de peritos, de técnicos e de mão-de-obra qualificada
para velar pela boa execução do projeto aprovado;
c) formação de especialistas de todos os níveis em matéria de iden-
tificação, proteção, observação, revalorização e reabilitação do patri-
mônio cultural e natural;
d) fornecimento do equipamento que o Estado interessado não
possua ou não esteja em condições de adquirir;
e) empréstimos a juros reduzidos, sem juros, ou reembolsáveis a
longo prazo;
f ) concessão, em casos excepcionais e especialmente motivados de
subvenções não reembolsáveis.

Artigo 23
O Comitê do Patrimônio Mundial poderá igualmente fornecer uma
assistência internacional a centros nacionais ou regionais de formação
de especialistas de todos os níveis em matéria de identificação, proteção,
conservação, revalorização e reabilitação do patrimônio cultural e natural.

76
Artigo 24
Uma assistência internacional de grande vulto somente poderá ser
concedida após um estudo científico, econômico e técnico porme-
norizado. Esse estudo deverá recorrer às mais avançadas técnicas de
proteção, conservação, revalorização e reabilitação do patrimônio cul-
tural e natural e corresponder aos objetivos da presente Convenção.
O estudo deverá também procurar os meios de utilizar racionalmente
os recursos disponíveis no Estado interessado.

Artigo 25
O financiamento dos trabalhos necessários não deverá, em prin-
cípio, incumbir à comunidade internacional senão parcialmente. A
participação do Estado que se beneficiar da assistência internacional
deverá constituir uma parte substancial dos recursos destinados a cada
programa ou projeto, salvo se seus recursos não o permitirem.

Artigo 26
O Comitê do Patrimônio Mundial e o Estado beneficiário deter-
minarão no acordo que concluírem as condições em que será execu-
tado um programa ou projeto para o qual for fornecida assistência
internacional nos termos da presente Convenção. Incumbirá ao Es-
tado que receber essa assistência internacional continuar a proteger,
conservar e revalorizar os bens assim salvaguardados, em conformida-
de com as condições estabelecidas no acordo.

VI - Programas Educativos
Artigo 27
1. Os Estados Partes na presente Convenção procurarão por todos
os meios apropriados, especialmente por programas de educação e de

77
informação, fortalecer a apreciação e o respeito de seus povos pelo pa-
trimônio cultural e natural definido nos Artigos 1 e 2 da Convenção.
2. Obrigar-se-ão a informar amplamente o público sobre as amea-
ças que pesem sobre esse patrimônio e sobre as atividades empreendi-
das em aplicação da presente Convenção.
Artigo 28
Os Estados Partes na presente Convenção que receberem assistên-
cia internacional em aplicação da Convenção tomarão as medidas ne-
cessárias para tornar conhecidos a importância dos bens que tenham
sido objeto dessa assistência e o papel que esta houver desempenhado.

VII - Relatórios
Artigo 29
1. Os Estados Partes na presente Convenção indicarão nos relató-
rios que apresentarem à Conferência Geral da Organização das Na-
ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, nas datas e na
forma que esta determinar, as disposições legislativas e regulamentares
e as outras medidas que tiverem adotado para a aplicação da Con-
venção, bem como a experiência que tiverem adquirido neste campo.
2. Esses relatórios serão levados ao conhecimento do Comitê do
Patrimônio Mundial.
3. O Comitê apresentará um relatório de suas atividades em cada
uma das sessões ordinárias da Conferência Geral da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

VIII - Cláusulas Finais


Artigo 30
A presente Convenção foi redigida em inglês, árabe, espanhol,
francês e russo, sendo os cinco textos igualmente autênticos.

78
Artigo 31
1. A presente Convenção será submetida à ratificação ou à aceitação
dos Estados-Membros da Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação, a Ciência e a Cultura, na forma prevista por suas constituições.
2. Os instrumentos de ratificação ou aceitação serão depositados
junto ao Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura.

Artigo 32
1. A presente Convenção ficará aberta à assinatura de todos os Es-
tados não membros da Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação, a Ciência e a Cultura que forem convidados a aderir a ela pela
Conferência Geral da Organização.
2. A adesão será feita pelo depósito de um instrumento de ade-
são junto ao Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura.

Artigo 33
A presente Convenção entrará em vigor 3 (três) meses após a data
do depósito do vigésimo instrumento de ratificação, aceitação ou ade-
são, mas somente com relação aos Estados que houverem depositados
seus respectivos instrumentos de ratificação, aceitação ou adesão nessa
data ou anteriormente. Para os demais estados, entrará em vigor 3
(três) meses após o depósito do respectivo instrumento de ratificação,
aceitação ou adesão.

Artigo 34
Aos Estados Partes na presente Convenção que tenham um siste-
ma constitucional federativo ou não unitário aplicar-se-ão as seguintes
disposições:

79
a) no que diz respeito às disposições da presente Convenção cuja
execução seja objeto da ação legislativa do Poder Legislativo federal ou
central, as obrigações do Governo federal ou central serão as mesmas
que as dos Estados Partes que não sejam Estados federativos;
b) no que diz respeito às disposições desta Convenção cuja exe-
cução seja objeto da ação legislativa de cada um dos Estados, países,
províncias ou cantões constituintes, que não sejam, em virtude do
sistema constitucional da federação, obrigados a tomar medidas legis-
lativas, o Governo federal levará, com seu parecer favorável ditas dis-
posições ao conhecimento das autoridades competentes dos Estados,
países, províncias ou cantões.

Artigo 35
1. Cada Estado Parte na presente Convenção terá a faculdade de
denunciá-la.
2. A denúncia será notificada por instrumento escrito deposita-
do junto ao Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura.
3. A denúncia terá efeito 12 (doze) meses após o recebimento do
instrumento de denúncia. Não modificará em nada as obrigações fi-
nanceiras a serem assumidas pelo Estado denunciante, até a data em
que a retirada se tornar efetiva.

Artigo 36
O Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação, a Ciência e a Cultura informará os Estados-Membros da Or-
ganização, os Estados não-Membros mencionados no Artigo 32, bem
como a Organização das Nações Unidas, do depósito de todos os
instrumentos de ratificação, aceitação ou adesão a que se referem os
Artigos 31 e 32, e das denúncias previstas no Artigo 35.

80
Artigo 37
1. A presente Convenção poderá ser revista pela Conferência Geral
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura. No entanto, a revisão somente obrigará os Estados que se
tornarem partes na Convenção revista.
2. Caso a Conferência Geral venha a adotar uma nova Convenção
que constitua uma revisão, total ou parcial da presente Convenção, e
a menos que a nova Convenção disponha de outra forma a presente
Convenção deixará de estar aberta à ratificação, a aceitação ou a ade-
são, a partir da data de entrada em vigor da nova Convenção revista.

Artigo 38
Em conformidade com o Artigo 102 da Carta das Nações Uni-
das, a presente Convenção será registrada no Secretariado das Nações
Unidas a pedido do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Feito em Paris, neste dia Vinte e três de novembro de mil nove-
centos e setenta e dois, em dois exemplares autênticos assinados pelo
Presidente da Conferência Geral, reunida em sua décima sexta sessão,
e pelo Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação, a Ciência e a Cultura, os quais serão depositados nos arquivos
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura e cujas cópias autenticadas serão entregues a todos os Esta-
dos mencionados nos Artigos 31 e 32, bem como à Organização das
Nações Unidas.

81
Declaração do México 1985
Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais
ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios

O mundo tem sofrido profundas transformações nos últimos anos.


Os avanços da ciência e da técnica tem modificado o lugar do homem
no mundo e a natureza de suas relações sociais. A educação e a cul-
tura, cujo significado e alcance têm se ampliado consideravelmente,
são essenciais para um verdadeiro desenvolvimento do indivfduo e da
sociedade.
Em nossos dias, não obstante o acréscimo das possibilidades de
diálogo, a comunidade das nações enfrenta também sérias dificulda-
des econômicas, a desigualdade entre as nações é crescente, múltiplos
conflitos e graves tensões ameaçam a paz e a segurança.
Por tal razão, hoje é mais urgente que nunca estreitar a colaboração
entre as nações, garantir o respeito ao direito dos demais e assegurar
o exercício das liberdades fundamentais do homem e dos povos, e do
seu direito a autodeterminação. Mais do que nunca e urgente erigir
na mente de cada indivíduo estes baluartes da paz que, como afirma a
constituição da UNESCO, podem constituir-se principalmente atra-
vés da educação, da ciência e da cultura.
Ao reunir-se no México, a Conferência Mundial sobre as Políticas
Culturais, a comunidade internacional decidiu contribuir efetivamen-
te para a aproximação entre os povos e a melhor compreensão entre
os homens.

83
Assim, ao expressar a sua esperança na convergência final dos ob-
jetivos culturais e espirituais da humanidade, a conferência concorda
em que, no seu sentido mais amplo, a cultura pode ser considerada
atualmente como o conjunto dos traços distintivos espirituais, ma-
teriais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade e um
grupo social. Ela engloba, além das artes e das letras, os modos de
vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valo-
res, as tradições e as crenças. Concorda também que a cultura dá ao
homem a capacidade de refletir sobre si mesmo. É ela que faz de nós
seres especificamente humanos, racionais, críticos, e eticamente com-
prometidos. Através dela discernimos os valores e efetuamos opções.
Através dela o homem se expressa, toma consciência de si mesmo,
se reconhece como um projeto inacabado, põe em questão as suas pró-
prias realizações, procura incansavelmente novas significações e cria
obras que o transcendem.
Por conseguinte, a conferência afirma solenemente os seguintes
princípios que devem reger as políticas culturais:
Identidade Cultural
Cada cultura representa um conjunto de valores único e insubsti-
tuível já que as tradições e as formas de expressão de cada povo consti-
tuem sua maneira mais acabada de estar presente no mundo.
A afirmação da identidade cultural contribui, portanto, para a li-
beração dos povos; ao contrário, qualquer forma de dominação nega
ou deteriora essa identidade.
A identidade cultural é uma riqueza que dinamiza as possibilidades
de realização da espécie humana ao mobilizar cada povo e cada grupo
a nutrir-se de seu passado e a colher as contribuições externas compa-
tíveis com a sua especificidade e continuar, assim, o processo de sua
própria criação.
Todas as culturas fazem parte do patrimônio comum da huma-
nidade. A identidade cultural de um povo se renova e enriquece em

84
contato com as tradições e valores dos demais. A cultura éum dialogo,
intercâmbio de idéias e experiências, apreciação de outros valores e
tradições; no isolamento, esgota-se e morre.
O universal não pode ser postulado em abstrato por nenhuma cul-
tura em particular, surge da experiência de todos os povos do mundo,
cada um dos quais afirma a sua identidade. Identidade cultural e di-
versidade cultural são indissociáveis.
As peculiaridades culturais não dificultam, mas favorecem a comu-
nhao dos valores universais que unem os povos. Por isso, constitui a
essência mesma do pluralismo cultural o reconhecimento de múlti-
plas identidades culturais onde coexistirem diversas tradições.
A comunidade internacional considera que é um dever velar pela
preservação e defesa da identidade cultural de cada povo.
Tudo isso reclama políticas culturais que protejam, estimulem e
enriqueçam a identidade e o patrimônio cultural de cada povo, além
de estabelecerem o mais absoluto respeito e apreço pelas minorias cul-
turais e pelas outras culturas do mundo. A humanidade empobrece
quando se ignora ou se destrói a cultura de um grupo determinado.
Há que reconhecer a igualdade e dignidade de todas as culturas,
assim como o direito de cada povo e de cada comunidade cultural a
afirmar e preservar sua identidade cultural, e a exigir respeito a ela.
Dimensao Cultural do Desenvolvimento
A cultura constitui uma dimensão fundamental do processo de
desenvolvimento e contribui para fortalecer a independência, a so-
berania e a identidade das nações. O crescimento tem sido concebido
frequentemente em termos quantitativos, sem levar em conta a sua
necessária dimensão qualitativa, ou seja, a satisfação das aspirações
espirituais e culturais do homem. O desenvolvimento autêntico per-
segue o bem-estar e a satisfação constantes de cada um e de todos.
É indispensavel humanizar o desenvolvimento; o seu fim último
é a pessoa 11,1 sua dignidade individual e na sua responsabilidade

85
social. O desenvolvimento supõe a capacidade de cada indivíduo e de
cada povo de informar-se e aprender a comunicar suas experiências.
Proporcionar a todos os homens a oportunidade de realizar
um melhor destino supõe ajustar permanentemente o ritmo do
desenvolvimento.
Um número cada vez maior de mulheres e homens desejam um
mundo melhor. Não só perseguem a satisfação de suas necessidades
fundamentais, mas o desenvolvimento do ser humano, seu bem-estar
e sua possibilidade de convivência solidária com todos os povos. Seu
objetivo não é a produção, o lucro ou o consumo per se, mas a sua
plena realização individual e coletiva e a preservação da natureza.
O homem é o princípio e o fim do desenvolvimento.
Qualquer política cultural deve resgatar o sentido profundo e hu-
mano do desenvolvimento. Requerem-se novos modelos e é no ambi-
to da cultura e da educação que serão encontrados.
Só se pode atingir um desenvolvimento equilibrado mediante a in-
tegração dos fatores culturais nas estratégias para alcançá-lo; em con-
sequência, tais estratégias deverão levar sempre em conta a dimensão
histórica, social e cultural de cada sociedade.
Cultura e Democracia
A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece, no seu
artigo 27, que toda pessoa tem direito a tomar parte livremente na
vida cultural comunidade, a gozar das artes e a participar do progresso
científico e dos benefícios que dele resultem. Os Estados devem tomar
as medidas necessária para alcançar este objetivo.
A cultura procede da comunidade inteira e a ela deve retornar. Não
pode ser privilégio da elite nem quanto a sua produção, nem quanto a
seus benefícios. democracia cultural supõe a mais ampla participação
do indivíduo e da sociedade no processo de criação de bens culturais,
na tomada de decisões que concernem a vida cultural e na sua difusão
e fruição.

86
Trata-se, sobretudo, de abrir novos pontos de entrosamento com
a democracia pela via da igualdade de oportunidades nos campos da
educação e da cultura.
É preciso descentralizar a vida cultural, no plano geográfico e no
administrativo para assegurar que as instituições responsáveis conhe-
çam melhor as preferências opções e necessidades da sociedade em
matéria de cultura. É essencial, por consequência, multiplicar as opor-
tunidades de diálogo entre a população e o organismos culturais.
Um programa de democratização da cultura obriga, em primeiro
lugar, descentralização dos lugares de recreio e fruição das belas-artes.
Uma política cultural democrática tornara possível o desfrute da ex-
celência artística em toda as comunidades e entre toda a população.
A fim de garantir a participação de todos os indivíduos na vida
cultural, é preciso eliminar as desigualdades provenientes, entre ou-
tras, da origem e da posição social, da educação, da nacionalidade, da
idade, da língua, do sexo, das convicções religiosas, da saúde ou da
pertinência a grupos étnicos minoritários ou marginais.
Patrimônio Cultural
O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de seus
artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as cria-
ções anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que
dão sentido à vida. Ou seja, as obras materiais e não materiais que
expressam a criatividade desse povo: a língua, os ritos, as crenças, os
lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte e os ar-
quivos e bibliotecas.
Qualquer povo tem o direito e o dever de defender e preservar o
patrimônio cultural, já que as sociedades se reconhecem a si mesmas
através dos valores em que encontram fontes de inspiração criadora.
O patrimônio cultural tem sido frequentemente danificado ou
destruído por negligência e pelos processos de urbanização, industria-
lização e penetração tecnológica. Mais inaceitáveis ainda são, porém,

87
os atentados ao patrimônio cultural perpetrados pelo colonialismo,
pelos conflitos armados, pelas ocupações estrangeiras e pela imposição
de valores exógenos. Todas essas ações contribuem para romper o vín-
culo e a memória dos povos em relação a seu passado. A preservação
e o apreço do patrimônio cultural permitem, portanto, aos povos de-
fender a sua soberania e independência e, por conseguinte, afirmar e
promover sua identidade cultural.
Princípio fundamental das relações culturais entre os povos e a res-
tituição a seus países de origem das obras que lhes foram subtraídas ili-
citamente. Os instrumentos, acordos e relações internacionais existen-
tes poderiam ser reforçados para aumentar sua eficácia a esse respeito.
Criação Artística e Intelectual e Educação Artística
O desenvolvimento da cultura é inseparável tanto da independên-
cia dos povos quanto da liberdade da pessoa. A liberdade de pensa-
mento e de expressão é indispensável à atividade criadora do artista e
do intelectual.
É imprescindível estabelecer as condições sociais e culturais que
facilitem, estimulem e garantam a criação artística e intelectual, sem
discriminação de caráter político, ideológico e social.
O desenvolvimento e promoção da educação artística compreen-
dem não só a elaboração de programas específicos que despertem a
sensibilidade artística e apoiem grupos e instituições de criação e difu-
são, mas também o fomento de atividades que estimulem a consciên-
cia pública sobre a importância da arte e da criação intelectual.
Relações entre Cultura, Educação, Ciência e Comunicação
O desenvolvimento global da sociedade exige políticas comple-
mentares nos campos da cultura, da educação, da ciência e da co-
municação, a fim de estabelecer um equilíbrio harmonioso entre o
progresso técnico e a elevação intelectual e moral da humanidade

88
A educação e o meio por excelência para transmitir os valores cul-
turais nacionais e universais, e deve procurar a assimilação dos co-
nhecimentos científicos e técnicos sem detrimento das capacidades e
valores dos povos.
Requer-se atualmente uma educação integral e inovadora que não
só informe e transmita, mas que forme e renove, que permita aos edu-
candos tomar consciência da realidade do seu tempo e do seu meio,
que favoreça o florescimento da personalidade, que forme na autodis-
ciplina, no respeito aos demais e na solidariedade social e internacio-
nal; uma educação que capacite para a organização e para a produti-
vidade, para a produção de bens e serviços realmente necessários, que
inspire a renovação e estimule a criatividade.
É necessário revalorizar as línguas nacionais como veículos do
saber.
A alfabetização é condição indispensável para o desenvolvimento
cultural dos povos.
O ensino da ciência e da tecnologia deve ser concebido principal-
mente como um processo cultural de desenvolvimento do espírito crí-
tico e integrado aos sistemas educativos, em função das necessidades
de desenvolvimento dos povos.
Uma circulação livre e uma difusão mais ampla e melhor equili-
brada da informação, das ideias e dos conhecimentos, que constituem
alguns dos princípios de uma nova ordem mundial da informação e
da comunicação, supõe o direito de todas as nações não só de receber
mas também de transmitir conteúdos culturais, educativos, científicos
e tecnológicos.
Os meios modernos de comunicação devem facilitar a informação
objetiva sobre as tendências culturais nos diversos países, sem lesar a
liberdade criadora e a identidade cultural das nações.
Os avanços tecnológicos dos últimos anos tem dado lugar à expan-
são das indústrias culturais. Tais indústrias, qualquer que seja a sua

89
organização, desempenham um papel importante na difusão de bens
culturais. Nas suas atividades internacionais, no entanto, ignoram
muitas vezes os valores tradicionais da sociedade e suscitam expecta-
tivas e aspirações que não respondem às necessidades efetivas do seu
desenvolvimento. Por outra parte, a ausência de indústrias culturais
nacionais, sobretudo nos países em via de desenvolvimento, pode ser
fonte de dependência cultural e origem de alienação.
É indispensável, em consequência, apoiar o estabelecimento de
indústrias culturais, mediante programas de ajuda bilateral ou mul-
tilateral, nos países que delas carecem, cuidando sempre para que a
produção e difusão de bens culturais responda às necessidades de de-
senvolvimento integral de cada sociedade.
Os meios modernos de comunicação tem uma importância fun-
damental na educação e na difusão da cultura. Em consequência, a
sociedade há de se esforçar em utilizar as novas técnicas da produção
e da comunicação para colocá-las a serviço de um autêntico desenvol-
vimento individual e coletivo e favorecer a independência das nações,
preservando sua soberania e fortalecendo a paz no mundo.
Planejamento, administração e financiamento das atividades
culturais
A cultura é o fundamento necessário para o desenvolvimento au-
têntico. A sociedade deve realizar um esforço importante dirigido a
planejar, administrar e financiar as atividades culturais.
Cooperação Cultural Internacional
É essencial para a atividade criadora do homem e para o completo
desenvolvimento da pessoa e da sociedade a mais ampla difusão das
ideias e dos conhecimentos, baseada em intercâmbio e em reuniões
culturais.
Uma cooperação mais ampla e uma compreensão cultural sub-
-regional, regional, inter-regional e internacional são pressupostos

90
importantes para obter um clima de respeito, confiança, diálogo e paz
entre as nações. Tal clima não poderá ser alcançado plenamente sem
que sejam reduzidos e eliminados os conflitos e tensões atuais, detida
a corrida armamentista e conseguido o desarmamento.
A conferência reitera solenemente o valor e a vigência da Declara-
ção dos Princípios da Cooperação Cultural, aprovada na sua décima
quarta reunião, pela Conferência Geral da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
A cooperação cultural internacional deve fundamentar-se no res-
peito à identidade cultural, à dignidade e ao valor de cada cultura, à
independência, às soberanias nacionais e à não- intervenção. Conse-
quentemente, nas relações de cooperação entre as nações deve evitar-
-se qualquer forma de subordinação ou substituição de uma cultura
por outra. É indispensável, além disso, reequilibrar o intercâmbio e a
cooperação cultural a fim de que as culturas menos conhecidas, em
particular as de alguns países em vias de desenvolvimento, sejam mais
amplamente difundidas em todos os países.
Os intercâmbios culturais, científicos e educativos devem fortale-
cer a paz, respeitar os direitos do homem e contribuir para a elimina-
ção do colonialismo, do neocolonialismo, do racismo, do apartheid
e de todo gênero de agressão, dominação e intervenção. Da mesma
forma, a cooperação cultural deve estimular um clima internacional
favorável ao desarmamento, de maneira que os recursos humanos e
as enormes somas destinadas ao armamento possam se consagrar a
fins produtivos, tais como programas de desenvolvimento cultural,
científico e técnico.
É necessário diversificar e fomentar a cooperação cultural inter-
nacional em um contexto interdisciplinar e com atenção especial à
formação de pessoal qualificado em matéria de serviços culturais.
Há que se estimular, em particular, a cooperação entre países em
vias de desenvolvimento, de sorte que o conhecimento de outras cul-
turas e de experiências de desenvolvimento enriqueçam-lhes a vida.

91
A conferência reafirma que o valor educativo e cultural é essencial
nos esforços para instaurar uma nova ordem econômica internacional.
UNESCO
Num mundo convulsionado por diferenças que põem em perigo
os valores culturais das civilizações, os Estados Membros e a Secreta-
ria da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura devem multiplicar os esforços destinados a preservar tais
valores e a aprofundar sua ação em benefício do desenvolvimento da
humanidade. Uma paz duradoura deve ser estabelecida para assegurar
a própria existência da cultura humana.
Frente a essa situação, os objetivos da UNESCO, tal como são
definidos na sua constituição, adquirem uma importância capital.
A Conferência Mundial sobre Políticas Culturais faz um apelo à
UNESCO para que prossiga e reforce sua ação de aproximação cultu-
ral entre os povos e as nações e continue desempenhando a nobre tare-
fa de contribuir para que os homens, ultrapassando as suas diferenças,
realizem o antigo sonho da fraternidade universal.
A comunidade internacional reunida nesta conferência considera
seu o lema de Benito Juarez: “Entre os indivíduos, como entre as na-
ções, o respeito ao direito alheio e a paz”.

92
Recomendação sobre a Salvaguarda
da Cultura Tradicional e Popular,
de 15 de novembro de 1989
A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris entre os dias 17 de
outubro e 16 de novembro de 1989, por ocasião de sua 25ª reunião,
Considerando que a cultura tradicional e popular forma parte do
patrimônio universal da humanidade e que é um poderoso meio de
aproximação entre os povos e grupos sociais existentes e de afirmação
de sua identidade cultural,
Observando a importância social, econômica, cultural e política ,
de seu papel na história dos povos, assim como do lugar que ocupa na
cultura contemporânea,
Destacando a natureza específica e a importância da cultura tradi-
cional e popular como parte integrante do patrimônio cultural e da
cultura viva,
Reconhecendo a extrema fragilidade de certas formas da cultura
tradicional e popular e, particularmente, a de seus aspectos corres-
pondentes à tradição oral, bem como o perigo de que estes aspectos
se percam,
Destacando a necessidade de reconhecer a função da cultura tradi-
cional e popular em todos os países, e o perigo que corre em face de
outros múltiplos fatores,

93
Considerando que os governos deveriam desempenhar papel deci-
sivo na salvaguarda da cultura tradicional e popular e atuar o quanto
antes,
Tendo decidido, na 24ª reunião, que a "salvaguarda do folclore"
deveria ser objeto de recomendação aos Estados-membros, atendendo
ao disposto no parágrafo 4 do artigo IV de sua Constituição,
Aprova a seguinte Recomendação, no dia 15 de novembro de 1989:
A Conferência Geral recomenda aos Estados-membros que apli-
quem as disposições que se seguem, relativas à salvaguarda da cultura
tradicional e popular, adotando as medidas legislativas ou de outra ín-
dole que sejam necessárias, de acordo com as práticas constitucionais
de cada Estado, para que entrem em vigor em seus respectivos terri-
tórios os princípios e medidas que se definem nesta recomendação.
A Conferência Geral recomenda aos Estados-membros que co-
muniquem a presente recomendação às autoridades, serviços ou ór-
gãos que tenham competência para tratar dos problemas referentes à
salvaguarda da cultura tradicional e popular, que também a tornem
conhecida nas organizações ou instituições que se ocupam da cultura
tradicional e popular e que fomentem o contato com as organizações
internacionais apropriadas que se ocupam da salvaguarda desta.
A Conferência Geral recomenda que, nas datas e nas formas que
a própria Conferência Geral determine, os Estados-membros subme-
tam à Organização (UNESCO) informes sobre o curso que tenham
dado a esta Recomendação.

A. Definição da cultura tradicional e popular


Atendendo à presente Recomendação:
A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que ema-
nam de uma comunidade cultural fundadas na tradição, expressas por
um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem à
expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade

94
cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por
imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre ou-
tras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os
rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes.

B. Identificação da cultura tradicional e popular


A cultura tradicional e popular, enquanto Expressão cultural, deve
ser salvaguardada pelo e para o grupo (familiar, profissional, nacional,
regional, religioso, étnico etc.), cuja identidade exprime.
Para isso, os Estados-membros deveriam incrementar pesquisas
adequadas em nível nacional, regional e internacional com a finali-
dade de:
- elaborar um inventário nacional de instituições interessadas na
cultura tradicional e popular, com vistas a incluí-las nos registros re-
gionais e mundiais de instituições desta índole;
- criar sistemas de identificação e registro (cópia, indexação, trans-
crição) ou melhorar os já existentes por meio de manuais, guias para
recompilação, catálogos-modelo etc., em vista da necessidade de coor-
denar os sistemas de classificação utilizados pelas diversas instituições;
- estimular a criação de uma tipologia normatizada da cultura tra-
dicional e popular mediante a elaboração de: i) um esquema geral
de classificação da cultura tradicional e popular, para orientação em
âmbito mundial; ii) um registro geral da cultura tradicional e popular;
iii) classificações
- regionais da cultura tradicional e popular, especialmente median-
te projetos piloto de caráter regional.

C. Conservação da cultura tradicional e popular


A conservação se refere à documentação relati’va às tradições vin-
culadas à cultura tradicional e popular, e seu objetivo, no caso da
não utilização ou de evolução destas tradições, consiste em que os

95
pesquisadores e os detentores da tradição possam dispor de dados que
lhes permitam compreender o processo de modificação da tradição.
Ainda que a cultura tradicional e popular viva, dado seu caráter evo-
lutivo, nem sempre permita uma proteção direta, a cultura que foi
objeto de fixação deveria ser protegida com eficácia. Para isso conviria
que os Estados-membros: estabelecessem serviços nacionais de arqui-
vos onde a cultura tradicional e popular, recompilada, pudesse ser
armazenada adequadamente e ficar disponível;
- estabelecessem um arquivo nacional central que pudesse prestar
determinados serviços (indexação central, difusão de informação so-
bre materiais da cultura tradicional e popular e normas para o traba-
lho relativa a esta, incluída sua salvaguarda);
- criassem museus ou seções de cultura tradicional e popular nos
museus existentes onde esta possa ser exposta;
- privilegiassem as formas de apresentar as culturas tradicionais e
populares que realçam os testemunhos vivos ou passados destas cul-
turas (localizações históricas, modos de vida, saberes materiais ou
imateriais);
- harmonizassem os métodos de cópia e arquivo;
- proporcionassem a recompiladores, arquivistas, documentalistas
e outros especialistas na conservação da cultura tradicional e popular,
uma formação que abranja desde a conservação física até o trabalho
analítico;
- fornecessem meios para preparar cópias de segurança e de traba-
lho de todos os materiais da cultura
- tradicional e popular, e cópias para as instituições regionais, garan-
tindo assim à comunidade cultural o acesso aos materiais recompilados.
D. Salvaguarda da cultura tradicional e popular
A conservação se refere à proteção das tradições vinculadas à cultu-
ra tradicional e popular e de seus portadores, segundo o entendimento
de que cada povo tem direitos sobre sua cultura e de que sua adesão

96
a essa cultura pode perder o vigor sob a influência da cultura indus-
trializada difundida pelos meios de comunicação de massa. Por isso é
necessário adotar medidas para garantir o estado e o estado e o apoio
econômico das tradições vinculadas à cultura tradicional e popular,
tanto no interior das comunidades que as produzem quanto fora de-
las. Neste sentido, conviria que os Estados-membros:
a) elaborassem e introduzissem nos programas de ensino, tanto
curriculares como extra- curriculares, o estudo da cultura tradicional e
popular de maneira apropriada, destacando especialmente o respeito
a esta do modo mais amplo possível, e considerando não apenas as
culturas rurais ou das aldeias, mas também aquelas criadas nas
zonas urbanas pelos diversos grupos sociais, profissionais, institucio-
nais etc., para fomentar assim melhor entendimento da diversidade
cultural e das diferentes visões de mundo, especialmente as que não
participem da cultura dominante;
b) garantissem o direito de acesso das diversas comunidades cultu-
rais à sua própria cultura tradicional e popular, apoiando também seu
trabalho nas esferas da documentação, arquivos, pesquisa etc., assim
como na prática das tradições;
c) estabelecessem um conselho nacional da cultura tradicional e
popular, formado sobre uma base interdisciplinar ou outro organismo
coordenador semelhante, no qual os diversos grupos interessados es-
tivessem representados;
d) prestassem apoio moral e financeiro aos indivíduos e institui-
ções que estudem, tornem público, fomentem ou possuam elementos
da cultura tradicional e popular;
e) fomentassem a investigação científica relativa à salvaguarda da
cultura tradicional e popular.
E. Difusão da cultura tradicional e popular
Deve-se sensibilizar a população para a importância da cultura tra-
dicional e popular como elemento da identidade cultural. Para que

97
se tome consciência do valor da cultura tradicional e popular e da
necessidade de conserva-la, é essencial proceder a uma ampla difusão
dos elementos que constituem esse patrimônio cultural. Numa di-
fusão deste tipo, contudo, deve-se, evitar toda deformação, a fim de
salvaguardar a integridade das tradições.
Para favorecer uma difusão adequada, conviria que os
Estados-membros:
a) fomentassem a organização de eventos nacionais, regionais e
internacionais, como feiras, festivais, filmes, exposições, seminários,
colóquios, oficinas, cursos de formação, congressos etc., e apoias-
sem a difusão e publicação de seus materiais, documentos e outros
resultados;
b) estimulassem maior difusão de matérias sobre a cultura tradi-
cional e popular na imprensa, no mercado editorial, na televisão, no
rádio e em outros meios de comunicação de massa nacionais e regio-
nais, por exemplo, através de subvenções, da criação de empregos para
especialistas da cultura tradicional e popular nestes setores, do arqui-
vamento correto das informações sobre a cultura tradicional e po-
pular reproduzidas nos meios de comunicação de massa e da criação
de departamentos de cultura tradicional e popular nestes organismos;
c) estimulassem as regiões, municípios, associações e demais gru-
pos que se ocupam da cultura tradicional e popular e criarem em-
pregos de horário integral para especialistas em cultura tradicional e
popular que se encarreguem de fomentar e coordenar as atividades
voltadas para este tema na região;
d) apoiassem os serviços existentes e criassem outros para a pro-
dução de materiais educativos (como filmes de vídeo baseados em
trabalhos práticos recentes), e estimulassem seu uso nas escolas, nos
museus de cultura tradicional e popular e nos festivais e exposições de
cultura tradicional e popular, nacionais e internacionais;
e) facilitassem o acesso a informações adequadas sobre a cul-
tura tradicional e popular por meio dos centros de documentação,

98
bibliotecas, museus e arquivos, assim como de boletins e publicações
periódicas especializadas na matéria;
f ) facilitassem a realização de reuniões e intercâmbios entre par-
ticulares, grupos e instituições interessados na cultura tradicional e
popular, tanto em nível nacional quanto internacional, levando em
consideração os acordos culturais bilaterais;
g) estimulassem a comunidade científica internacional a adotar um
código de ética apropriado à relação com as culturas tradicionais e o
respeito que lhes é devido.

F. Proteção da cultura tradicional e popular


A cultura tradicional e popular, na medida em que se traduz em
manifestações da criatividade intelectual ou coletiva, merece proteção
análoga à que se outorga às outras produções intelectuais. Uma pro-
teção deste tipo é indispensável para desenvolver, manter e difundir
em larga escala este patrimônio, tanto no país como no exterior, sem
atentar contra interesses legítimos.
Além dos aspectos de "propriedade intelectual" e da "proteção das
expressões do folclore", existem várias categorias de direitos que já
estão protegidas, e que deveriam continuar protegidas no futuro nos
centros de documentação e nos serviços de arquivo dedicados à cultu-
ra tradicional e popular. Para isso conviria que os Estados-membros:
a) no que diz respeito aos aspectos de propriedade intelectual, cha-
massem a atenção das autoridades competentes para os importantes
trabalhos da UNESCO e da OMPI sobre a propriedade intelectual,
reconhecendo, ao mesmo tempo, que estes trabalhos se referem unica-
mente a um dos aspectos da proteção da cultura tradicional e popular
e que é urgente adotar medidas específicas para sua salvaguarda;
b) no que se refere aos demais direitos envolvidos:
i) protegessem os informantes na sua qualidade de portadores da
tradição (proteção da vida privada e do caráter confidencial da
informação);

99
ii) protegessem os interesses dos compiladores, cuidando para que
as informações levantadas sejam conservadas em arquivos, em bom
estado e de modo racional;
iii) adotassem as medidas necessárias para proteger as informações
coletadas contra seu uso abusivo, intencional ou qualquer outro;
iv) atribuíssem aos serviços de arquivo a responsabilidade de cuidar
da utilização das informações recolhidas.

G. Cooperação internacional
Levando em conta a necessidade de intensificar a cooperação e os
intercâmbios culturais, entre outras modalidades, mediante a utiliza-
ção conjunta dos recursos humanos e materiais, para realizar progra-
mas de desenvolvimento da cultura tradicional e popular dirigidos à
sua revitalização, e para os trabalhos de pesquisa realizados por espe-
cialistas, conviria que os Estados-membros:
a) cooperassem com as associações, instituições e organizações
internacionais e regionais que se ocupam da cultura tradicional e
popular;
b)cooperassem nas esferas do conhecimento, da difusão e da prote-
ção da cultura tradicional e popular especialmente mediante:
i) intercâmbio de informações de todo tipo e de publicações cien-
tíficas e técnicas,
ii) formação de especialistas, concessão de bolsas de viagem e envio
de pessoal científico e técnico e de informações,
iii) promoção de projetos bilaterais ou multilaterais na esfera da
documentação relativa à cultura tradicional e popular contempo-
rânea, e
iv) organização de reuniões de especialistas, pequenos cursos e gru-
pos de trabalho sobre determinados temas e, em especial, a classi-
ficação e catalogação de dados e expressões da cultura tradicional

100
e popular e a atualização dos métodos e técnicas de pesquisa
moderna;
c) cooperassem estreitamente com vistas a assegurar, no plano in-
ternacional, a todos os que têm esse direito (comunidades ou pessoas
físicas ou morais), o gozo dos direitos pecuniários morais e os denomi-
nados conexos derivados da investigação, da criação, da composição,
da interpretação, da gravação e/ou da difusão da cultura tradicional
e popular;
d) garantissem o direito de cada Estado-membro de obter que os
outros Estados-membros lhe facilitem cópias dos trabalhos de pes-
quisa, documentos, vídeos, filmes ou outros, realizados dentro do seu
território;
e) se abstivessem de todo ato destinado a deteriorar os materiais
da cultura tradicional e popular, diminuir seu valor ou impedir sua
difusão e utilização, estejam estes materiais em seu país de origem ou
no território de outros Estados;
f ) adotassem as medidas necessárias para salvaguardar a cultura
tradicional e popular contra todos os riscos humanos ou naturais aos
quais está exposta, compreendidos os decorrentes de conflitos arma-
dos, ocupação de territórios ou qualquer desordem pública de outra
natureza.

101
102
Decreto no 5.051,
de 19 de abril de 2004
Promulga a Convenção no 169 da Organização Internacional
do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que


lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição,
Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do
Decreto Legislativo no 143, de 20 de junho de 2002, o texto da Con-
venção no 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre
Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de
1989;
Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento
de ratificação junto ao Diretor Executivo da OIT em 25 de julho de
2002;
Considerando que a Convenção entrou em vigor internacional,
em 5 de setembro de 1991, e, para o Brasil, em 25 de julho de 2003,
nos termos de seu art. 38;
DECRETA:
Art. 1o A Convenção no 169 da Organização Internacional do Tra-
balho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra,
em 27 de junho de 1989, apensa por cópia ao presente Decreto, será
executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

103
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer
atos que possam resultar em revisão da referida Convenção ou que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacio-
nal, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal.
Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação

Brasília, 19 de abril de 2004; 183o da Independência e 116o da


República.

Luiz Inácio Lula da Silva


Celso Luiz Nunes Amorim

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 20.4.2004

.........

CONVENÇÃO No 169 DA OIT SOBRE POVOS


INDÍGENAS E TRIBAIS
..........

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho,


Convocada em Genebra pelo Conselho Administrativo da
Repartição Internacional do Trabalho e tendo ali se reunido a 7 de
junho de 1989, em sua septuagésima sexta sessão;
Observando as normas internacionais enunciadas na Convenção e
na Recomendação sobre populações indígenas e tribais, 1957;
Lembrando os termos da Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e

104
Culturais, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e
dos numerosos instrumentos internacionais sobre a prevenção da
discriminação;
Considerando que a evolução do direito internacional desde 1957
e as mudanças sobrevindas na situação dos povos indígenas e tribais
em todas as regiões do mundo fazem com que seja aconselhável ado-
tar novas normas internacionais nesse assunto, a fim de se eliminar a
orientação para a assimilação das normas anteriores;
Reconhecendo as aspirações desses povos a assumir o controle de
suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento eco-
nômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões,
dentro do âmbito dos Estados onde moram;
Observando que em diversas partes do mundo esses povos não po-
dem gozar dos direitos humanos fundamentais no mesmo grau que o
restante da população dos Estados onde moram e que suas leis, valo-
res, costumes e perspectivas têm sofrido erosão freqüentemente;
Lembrando a particular contribuição dos povos indígenas e tribais
à diversidade cultural, à harmonia social e ecológica da humanidade e
à cooperação e compreensão internacionais;
Observando que as disposições a seguir foram estabelecidas com a
colaboração das Nações Unidas, da Organização das Nações Unidas
para a Agricultura e a Alimentação, da Organização das Nações Uni-
das para a Educação, a Ciência e a Cultura e da Organização Mundial
da Saúde, bem como do Instituto Indigenista Interamericano, nos
níveis apropriados e nas suas respectivas esferas, e que existe o pro-
pósito de continuar essa colaboração a fim de promover e assegurar a
aplicação destas disposições;
Após ter decidido adotar diversas propostas sobre a revisão parcial
da Convenção sobre populações Indígenas e Tribais, 1957 (n.o 107) ,
o assunto que constitui o quarto item da agenda da sessão, e
Após ter decidido que essas propostas deveriam tomar a forma
de uma Convenção Internacional que revise a Convenção Sobre

105
Populações Indígenas e Tribais, 1957, adota, neste vigésimo sétimo
dia de junho de mil novecentos e oitenta e nove, a seguinte Convenção,
que será denominada Convenção Sobre os Povos Indígenas e Tribais,
1989:

Parte I
Política geral

Artigo 1o
1. A presente convenção aplica-se:
a) aos povos tribais em países independentes, cujas condições so-
ciais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coleti-
vidade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus
próprios costumes ou tradições ou por legislação especial;
b) aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo
fato de descenderem de populações que habitavam o país ou uma
região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da
colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que,
seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias
instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas.
2. A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser
considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos
que se aplicam as disposições da presente Convenção.
3. A utilização do termo «povos» na presente Convenção não de-
verá ser interpretada no sentido de ter implicação alguma no que se
refere aos direitos que possam ser conferidos a esse termo no direito
internacional.
Artigo 2o
1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver,
com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e

106
sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir
o respeito pela sua integridade.
2. Essa ação deverá incluir medidas:
a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições
de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional
outorga aos demais membros da população;
b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econô-
micos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e
cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições;
c) que ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as
diferenças sócio - econômicas que possam existir entre os membros
indígenas e os demais membros da comunidade nacional, de maneira
compatível com suas aspirações e formas de vida.
Artigo 3o
1. Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos
direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem
discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem
discriminação aos homens e mulheres desses povos.
2. Não deverá ser empregada nenhuma forma de força ou de coerção
que viole os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos
interessados, inclusive os direitos contidos na presente Convenção.
Artigo 4o
1. Deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias
para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o
meio ambiente dos povos interessados.
2. Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos ex-
pressos livremente pelos povos interessados.
3. O gozo sem discriminação dos direitos gerais da cidadania não
deverá sofrer nenhuma deterioração como conseqüência dessas medi-
das especiais.

107
Artigo 5o
Ao se aplicar as disposições da presente Convenção:
a) deverão ser reconhecidos e protegidos os valores e práticas so-
ciais, culturais religiosos e espirituais próprios dos povos mencionados
e dever-se-á levar na devida consideração a natureza dos problemas
que lhes sejam apresentados, tanto coletiva como individualmente;
b) deverá ser respeitada a integridade dos valores, práticas e insti-
tuições desses povos;
c) deverão ser adotadas, com a participação e cooperação dos povos
interessados, medidas voltadas a aliviar as dificuldades que esses povos
experimentam ao enfrentarem novas condições de vida e de trabalho.
Artigo 6o
1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos
deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apro-
priados e, particularmente, através de suas instituições representativas,
cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas
suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados pos-
sam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros
setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em
instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza
responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das insti-
tuições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os
recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão
ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias,
com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento
acerca das medidas propostas.

108
Artigo 7o
1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher
suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de
desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças,
instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou
utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu
próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, es-
ses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos
planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis
de afetá-los diretamente.
2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de
saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e
cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento
econômico global das regiões onde eles moram. Os projetos especiais
de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados
de forma a promoverem essa melhoria.
3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for possível,
sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo
de se avaliar a incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio
ambiente que as atividades de desenvolvimento, previstas, possam
ter sobre esses povos. Os resultados desses estudos deverão ser
considerados como critérios fundamentais para a execução das ativi-
dades mencionadas.
4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os
povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos ter-
ritórios que eles habitam.
Artigo 8o
1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão
ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito
consuetudinário.

109
2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e
instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os
direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem
com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre
que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se
solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste principio.
3. A aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste Artigo não deverá impedir
que os membros desses povos exerçam os direitos reconhecidos para
todos os cidadãos do país e assumam as obrigações correspondentes.
Artigo 9o
1. Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico
nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconheci-
dos, deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos interessa-
dos recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos
pelos seus membros.
2. As autoridades e os tribunais solicitados para se pronunciarem
sobre questões penais deverão levar em conta os costumes dos povos
mencionados a respeito do assunto.
Artigo 10
1. Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a
membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as
suas características econômicas, sociais e culturais.
2. Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o
encarceramento.
Artigo 11
A lei deverá proibir a imposição, a membros dos povo interessados,
de serviços pessoais obrigatórios de qualquer natureza, remunerados
ou não, exceto nos casos previstos pela lei para todos os cidadãos.

110
Artigo 12
Os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de
seus direitos, e poder iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente,
seja mediante os seus organismos representativos, para assegurar o
respeito efetivo desses direitos.  Deverão ser adotadas medidas para
garantir que os membros desses povos possam compreender e se fazer
compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for
necessário, intérpretes ou outros meios eficazes.

Parte II
Terras

Artigo 13
1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os go-
vernos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e
valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as
terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocu-
pam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos
coletivos dessa relação.
2. A utilização do termo «terras» nos Artigos 15 e 16 deverá in-
cluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat
das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma
outra forma.
Artigo 14
1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de
propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas
para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras
que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais,

111
tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais
e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à
situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.
2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para
determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmen-
te e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse.
3. Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do
sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras
formuladas pelos povos interessados.
Artigo 15
1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais
existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses
direitos abrangem o direito desses povos a participarem da utilização,
administração e conservação dos recursos mencionados.
2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios
ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos,
existentes na terras, os governos deverão estabelecer ou manter
procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de
se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em
que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa
de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras.
Os povos interessados deverão participar sempre que for possível
dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização
equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas
atividades.
Artigo 16
1. Com reserva do disposto nos parágrafos a seguir do presente
Artigo, os povos interessados não deverão ser transladados das terras
que ocupam.

112
2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento
desses povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetua-
dos com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com
pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu
consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realiza-
dos após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela
legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropria-
do, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar
efetivamente representados.
3. Sempre que for possível, esses povos deverão ter o direito de
voltar a suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas
que motivaram seu translado e reassentamento.
4. Quando o retorno não for possível, conforme for determinado
por acordo ou, na ausência de tais acordos, mediante procedimento
adequado, esses povos deverão receber, em todos os casos em que
for possível, terras cuja qualidade e cujo estatuto jurídico sejam pelo
menos iguais aqueles das terras que ocupavam anteriormente, e que
lhes permitam cobrir suas necessidades e garantir seu desenvolvimento
futuro.  Quando os povos interessados prefiram receber indenização
em dinheiro ou em bens, essa indenização deverá ser concedida com
as garantias apropriadas.
5. Deverão ser indenizadas plenamente as pessoas transladadas e
reassentadas por qualquer perda ou dano que tenham sofrido como
conseqüência do seu deslocamento.
Artigo 17
1. Deverão ser respeitadas as modalidades de transmissão dos di-
reitos sobre a terra entre os membros dos povos interessados estabele-
cidas por esses povos.
2. Os povos interessados deverão ser consultados sempre que for con-
siderada sua capacidade para alienarem suas terras ou transmitirem de ou-
tra forma os seus direitos sobre essas terras para fora de sua comunidade.

113
3. Dever-se-á impedir que pessoas alheias a esses povos possam se
aproveitar dos costumes dos mesmos ou do desconhecimento das leis
por parte dos seus membros para se arrogarem a propriedade, a posse
ou o uso das terras a eles pertencentes.
Artigo 18
A lei deverá prever sanções apropriadas contra toda intrusão não
autorizada nas terras dos povos interessados ou contra todo uso não
autorizado das mesmas por pessoas alheias a eles, e os governos deve-
rão adotar medidas para impedirem tais infrações.

Artigo 19
Os programas agrários nacionais deverão garantir aos povos inte-
ressados condições equivalentes às desfrutadas por outros setores da
população, para fins de:
a) a alocação de terras para esses povos quando as terras das que
dispunham sejam insuficientes para lhes garantir os elementos de uma
existência normal ou para enfrentarem o seu possível crescimento
numérico;
b) a concessão dos meios necessários para o desenvolvimento das
terras que esses povos já possuam.

Parte III
Contratação e condições de emprego

Artigo 20
1. Os governos deverão adotar, no âmbito da legislação nacional
e em cooperação com os povos interessados, medidas especiais para
garantir aos trabalhadores pertencentes a esses povos uma proteção

114
eficaz em matéria de contratação e condições de emprego, na medida
em que não estejam protegidas eficazmente pela legislação aplicável
aos trabalhadores em geral.
2. Os governos deverão fazer o que estiver ao seu alcance para
evitar qualquer discriminação entre os trabalhadores pertencentes ao
povos interessados e os demais trabalhadores, especialmente quanto a:
a) acesso ao emprego, inclusive aos empregos qualificados e às me-
didas de promoção e ascensão;
b) remuneração igual por trabalho de igual valor;
c) assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho,
todos os benefícios da seguridade social e demais benefícios derivados
do emprego, bem como a habitação;
d) direito de associação, direito a se dedicar livremente a todas as
atividades sindicais para fins lícitos, e direito a celebrar convênios co-
letivos com empregadores ou com organizações patronais.
3. As medidas adotadas deverão garantir, particularmente, que:
a) os trabalhadores pertencentes aos povos interessados, inclusi-
ve os trabalhadores sazonais, eventuais e migrantes empregados na
agricultura ou em outras atividades, bem como os empregados por
empreiteiros de mão-de-obra, gozem da proteção conferida pela le-
gislação e a prática nacionais a outros trabalhadores dessas categorias
nos mesmos setores, e sejam plenamente informados dos seus direitos
de acordo com a legislação trabalhista e dos recursos de que dispõem;
b) os trabalhadores pertencentes a esses povos não estejam subme-
tidos a condições de trabalho perigosas para sua saúde, em particular
como conseqüência de sua exposição a pesticidas ou a outras substân-
cias tóxicas;
c) os trabalhadores pertencentes a esses povos não sejam submeti-
dos a sistemas de contratação coercitivos, incluindo-se todas as formas
de servidão por dívidas;

115
d) os trabalhadores pertencentes a esses povos gozem da igualdade
de oportunidade e de tratamento para homens e mulheres no empre-
go e de proteção contra o acossamento sexual.
4. Dever-se-á dar especial atenção à criação de serviços adequados
de inspeção do trabalho nas regiões donde trabalhadores pertencentes
aos povos interessados exerçam atividades assalariadas, a fim de garan-
tir o cumprimento das disposições desta parte da presente Convenção.

Parte IV
Indústrias rurais

Artigo 21
Os membros dos povos interessados deverão poder dispor de meios
de formação profissional pelo menos iguais àqueles dos demais cidadãos.
Artigo 22
1. Deverão ser adotadas medidas para promover a participação vo-
luntária de membros dos povos interessados em programas de forma-
ção profissional de aplicação geral.
2. Quando os programas de formação profissional de aplicação
geral existentes não atendam as necessidades especiais dos povos in-
teressados, os governos deverão assegurar, com a participação desses
povos, que sejam colocados à disposição dos mesmos programas e
meios especiais de formação.
3. Esses programas especiais de formação deverão estar baseado
no entorno econômico, nas condições sociais e culturais e nas
necessidades concretas dos povos interessados.  Todo levantamento
neste particular deverá ser realizado em cooperação com esses povos, os
quais deverão ser consultados sobre a organização e o funcionamento
de tais programas. Quando for possível, esses povos deverão assumir

116
progressivamente a responsabilidade pela organização e o funciona-
mento de tais programas especiais de formação, se assim decidirem.
Artigo 23
1. O artesanato, as indústrias rurais e comunitárias e as atividades
tradicionais e relacionadas com a economia de subsistência dos povos
interessados, tais como a caça, a pesca com armadilhas e a colheita,
deverão ser reconhecidas como fatores importantes da manutenção de
sua cultura e da sua autosuficiência e desenvolvimento econômico. Com
a participação desses povos, e sempre que for adequado, os governos
deverão zelar para que sejam fortalecidas e fomentadas essas atividades.
2. A pedido dos povos interessados, deverá facilitar-se aos mesmos,
quando for possível, assistência técnica e financeira apropriada que
leve em conta as técnicas tradicionais e as características culturais des-
ses povos e a importância do desenvolvimento sustentado e equitativo.

Parte V
Seguridade social e saúde

Artigo 24
Os regimes de seguridade social deverão ser estendidos progressivamente
aos povos interessados e aplicados aos mesmos sem discriminação alguma.
Artigo 25
1. Os governos deverão zelar para que sejam colocados à disposição
dos povos interessados serviços de saúde adequados ou proporcionar a
esses povos os meios que lhes permitam organizar e prestar tais servi-
ços sob a sua própria responsabilidade e controle, a fim de que possam
gozar do nível máximo possível de saúde física e mental.
2. Os serviços de saúde deverão ser organizados, na medida do
possível, em nível comunitário. Esses serviços deverão ser planejados

117
e administrados em cooperação com os povos interessados e levar em
conta as suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais,
bem como os seus métodos de prevenção, práticas curativas e medi-
camentos tradicionais.
3. O sistema de assistência sanitária deverá dar preferência à
formação e ao emprego de pessoal sanitário da comunidade local e
se centrar no atendimento primário à saúde, mantendo ao mesmo
tempo estreitos vínculos com os demais níveis de assistência sanitária.
4. A prestação desses serviços de saúde deverá ser coordenada com
as demais medidas econômicas e culturais que sejam adotadas no país.

Parte VI
Educação e meios de comunicação

Artigo 26
Deverão ser adotadas medidas para garantir aos membros dos
povos interessados a possibilidade de adquirirem educação em todos
o níveis, pelo menos em condições de igualdade com o restante da
comunidade nacional.
Artigo 27
1. Os programas e os serviços de educação destinados aos povos
interessados deverão ser desenvolvidos e aplicados em cooperação com
eles a fim de responder às suas necessidades particulares, e deverão
abranger a sua história, seus conhecimentos e técnicas, seus sistemas de
valores e todas suas demais aspirações sociais, econômicas e culturais.
2. A autoridade competente deverá assegurar a formação de
membros destes povos e a sua participação na formulação e execução
de programas de educação, com vistas a transferir progressivamente
para esses povos a responsabilidade de realização desses programas,
quando for adequado.

118
3. Além disso, os governos deverão reconhecer o direito desses
povos de criarem suas próprias instituições e meios de educação, desde
que tais instituições satisfaçam as normas mínimas estabelecidas pela
autoridade competente em consulta com esses povos. Deverão ser fa-
cilitados para eles recursos apropriados para essa finalidade.
Artigo 28
1. Sempre que for viável, dever-se-á ensinar às crianças dos povos
interessados a ler e escrever na sua própria língua indígena ou na lín-
gua mais comumente falada no grupo a que pertençam. Quando isso
não for viável, as autoridades competentes deverão efetuar consultas
com esses povos com vistas a se adotar medidas que permitam atingir
esse objetivo.
2. Deverão ser adotadas medidas adequadas para assegurar que
esses povos tenham a oportunidade de chegarem a dominar a língua
nacional ou uma das línguas oficiais do país.
3. Deverão ser adotadas disposições para se preservar as línguas
indígenas dos povos interessados e promover o desenvolvimento e
prática das mesmas.
Artigo 29
Um objetivo da educação das crianças dos povos interessados
deverá ser o de lhes ministrar conhecimentos gerais e aptidões que
lhes permitam participar plenamente e em condições de igualdade na
vida de sua própria comunidade e na da comunidade nacional.
Artigo 30
1. Os governos deverão adotar medidas de acordo com as tradições
e culturas dos povos interessados, a fim de lhes dar a conhecer seus
direitos e obrigações especialmente no referente ao trabalho e às pos-
sibilidades econômicas, às questões de educação e saúde, aos serviços
sociais e aos direitos derivados da presente Convenção.

119
2. Para esse fim, dever-se-á recorrer, se for necessário, a traduções
escritas e à utilização dos meios de comunicação de massa nas línguas
desses povos.
Artigo 31
Deverão ser adotadas medidas de caráter educativo em todos os se-
tores da comunidade nacional, e especialmente naqueles que estejam
em contato mais direto com os povos interessados, com o objetivo
de se eliminar os preconceitos que poderiam ter com relação a esses
povos. Para esse fim, deverão ser realizados esforços para assegurar
que os livros de História e demais materiais didáticos ofereçam uma
descrição equitativa, exata e instrutiva das sociedades e culturas dos
povos interessados.

Parte VII
Contatos e cooperação através das fronteiras

Artigo 32
Os governos deverão adotar medidas apropriadas, inclusive median-
te acordos internacionais, para facilitar os contatos e a cooperação entre
povos indígenas e tribais através das fronteiras, inclusive as atividades
nas áreas econômica, social, cultural, espiritual e do meio ambiente.

Parte VIII
Administração

Artigo 33
1. A autoridade governamental responsável pelas questões que
a presente Convenção abrange deverá se assegurar de que existem
instituições ou outros mecanismos apropriados para administrar os

120
programas que afetam os povos interessados, e de que tais instituições
ou mecanismos dispõem dos meios necessários para o pleno desem-
penho de suas funções.
2. Tais programas deverão incluir:
a) o planejamento, coordenação, execução e avaliação, em coope-
ração com os povos interessados, das medidas previstas na presente
Convenção;
b) a proposta de medidas legislativas e de outra natureza às autori-
dades competentes e o controle da aplicação das medidas adotadas em
cooperação com os povos interessados.
Parte IX
Disposições gerais
Artigo 34
A natureza e o alcance das medidas que sejam adotadas para por
em efeito a presente Convenção deverão ser determinadas com flexibi-
lidade, levando em conta as condições próprias de cada país.
Artigo 35
A aplicação das disposições da presente Convenção não deverá pre-
judicar os direitos e as vantagens garantidos aos povos interessados em
virtude de outras convenções e recomendações, instrumentos inter-
nacionais, tratados, ou leis, laudos, costumes ou acordos nacionais.

Parte X
Disposições finais
Artigo 36
Esta Convenção revisa a Convenção Sobre Populações Indígenas
e Tribais, 1957.

121
Artigo 37
As ratificações formais da presente Convenção serão transmitidas
ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele
registradas.
Artigo 38
1. A presente Convenção somente vinculará os Membros da Or-
ganização Internacional do Trabalho cujas ratificações tenham sido
registradas pelo Diretor-Geral.
2. Esta Convenção entrará em vigor doze meses após o registro das
ratificações de dois Membros por parte do Diretor-Geral.
3. Posteriormente, esta Convenção entrará em vigor, para cada
Membro, doze meses após o registro da sua ratificação.
Artigo 39
1. Todo Membro que tenha ratificado a presente Convenção
poderá denunciá-la após a expiração de um período de dez anos
contados da entrada em vigor mediante ato comunicado ao Diretor-
Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registrado. A
denúncia só surtirá efeito um ano após o registro.
2. Todo Membro que tenha ratificado a presente Convenção e não
fizer uso da faculdade de denúncia prevista pelo parágrafo precedente
dentro do prazo de um ano após a expiração do período de dez anos
previsto pelo presente Artigo, ficará obrigado por um novo período
de dez anos e, posteriormente, poderá denunciar a presente Conven-
ção ao expirar cada período de dez anos, nas condições previstas no
presente Artigo.
Artigo 40
1. O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho noti-
ficará a todos os Membros da Organização Internacional do Trabalho

122
o registro de todas as ratificações, declarações e denúncias que lhe
sejam comunicadas pelos Membros da Organização.
2. Ao notificar aos Membros da Organização o registro da se-
gundo ratificação que lhe tenha sido comunicada, o Diretor-Geral
chamará atenção dos Membros da Organização para a data de entrada
em vigor da presente Convenção.

Artigo 41
O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho comu-
nicará ao Secretário - Geral das Nações Unidas, para fins de registro,
conforme o Artigo 102 da Carta das Nações Unidas, as informações
completas referentes a quaisquer ratificações, declarações e atos de
denúncia que tenha registrado de acordo com os Artigos anteriores.
Artigo 42
Sempre que julgar necessário, o Conselho de Administração da Re-
partição Internacional do Trabalho deverá apresentar à Conferência
Geral um relatório sobre a aplicação da presente Convenção e decidirá
sobre a oportunidade de inscrever na agenda da Conferência a questão
de sua revisão total ou parcial.
Artigo 43
1. Se a Conferência adotar uma nova Convenção que revise total
ou parcialmente a presente Convenção, e a menos que a nova Con-
venção disponha contrariamente:
a) a ratificação, por um Membro, da nova Convenção revista im-
plicará de pleno direito, não obstante o disposto pelo Artigo 39, su-
pra, a denúncia imediata da presente Convenção, desde que a nova
Convenção revista tenha entrado em vigor;
b) a partir da entrada em vigor da Convenção revista, a presente
Convenção deixará de estar aberta à ratificação dos Membros.

123
2. A presente Convenção continuará em vigor, em qualquer caso
em sua forma e teor atuais, para os Membros que a tiverem ratificado
e que não ratificarem a Convenção revista.
Artigo 44
As versões inglesa e francesa do texto da presente Convenção são
igualmente autênticas.

124
Conferência de Nara,
de 6 de novembro de 1994
Conferência sobre autenticidade em relação a convenção do
Patrimônio Mundial UNESCO, ICCROM E ICOMOS

Preâmbulo
1. Nós, especialistas reunidos em Nara (Japão), desejamos reco-
nhecer o espírito generoso e a coragem intelectual das autoridades
japonesas em promover oportunamente este fórum, no qual podemos
desafiar o pensamento tradicional a respeito da conservação, bem
como debater caminhos e meios para ampliarmos nossos horizontes,
no sentido de promover um maior respeito a diversidades do patrimô-
nio cultural na pratica da conservação.
2. Queremos também reconhecer o valor da estratégia de organi-
zar discussões, promovidas pelos Comitês do Patrimonio Mundial,
no sentido de colocar em prática o teste de autenticidade, através de
caminhos que demonstrem a concordância com o pleno respeito aos
valores sociais e culturais de todas as sociedades, examinando o valor
extrínseco universal atribuído aos bens culturais listados pelo Patri-
monio Mundial.
3. O documento de Nara sobre autenticidade foi concebido no
espírito da Carta de Veneza, 1964, desenvolvendo e ampliando esse
documento em resposta ao alargamento dos conceitos referentes ao

125
escopo do que e patrimônio cultural e seus interesses em nosso mun-
do contemporâneo.
4. Num mundo que se encontra cada dia mais submetido as forças
da globalização e da homogeneização, e onde a busca de uma iden-
tidade cultural e, algumas vezes, perseguida através da afirmação de
um nacionalismo agressivo e da supressão da cultura das minorias, a
principal contribuição fornecida pela consideração do valor de auten-
ticidade na prática da conservação e clarificar e iluminar a memória
coletiva da humanidade.
5. Diversidade cultural e de patrimônios
6. A diversidade de culturas e patrimônios no nosso mundo e uma
insubstituível fonte de informações a respeito da riqueza espiritual e
intelectual da humanidade. A proteção e valorização da diversidade
cultural e patrimonial no nosso mundo deveria ser ativamente promo-
vida como um aspecto essencial do desenvolvimento humano.
7. A diversidade das tradições culturais e uma realidade no tempo
e no espaço, e exige o respeito, por parte de outras culturas e de todos
os aspectos inerentes a seus sistemas de pensamento. Nos casos em
que os valores culturais pareçam estar em conflito, o respeito a diversi-
dade cultural impõem o reconhecimento da legitimidade dos valores
culturais de cada uma das partes.
8. Todas as culturas e sociedades estão arraigadas em formas e sig-
nificados particulares de expressões tangíveis e intangíveis, as quais
constituem seu patrimônio e que devem ser respeitadas.
9. É importante sublinhar um princípio fundamental da UNES-
CO, que considera que o patrimônio cultural de cada um e o patri-
mônio cultural de todos. A responsabilidade por este patrimônio e seu
gerenciamento pertence, em primeiro lugar, a comunidade cultural
que o gerou, e secundariamente aquela que cuida dele. Entretanto,
além destas responsabilidades, a adesão as cartas internacionais e con-
venções desenvolvidas para a conservação do patrimônio cultural,

126
obriga a considerar os princípios e responsabilidades por estas preco-
nizados. Equilibrar suas proprias necessidades com aquelas de outras
culturas e, para cada sociedade, algo extremamente desejável, desde
que, ao alcançar este equilíbrio, não abra mão de seus próprios valores
culturais.
10. Valores e autenticidade
11. A conservação do patrimônio cultural em suas diversas formas
e períodos históricos e fundamentada nos valores atribuídos a esse
patrimônio. Nossa capacidade de aceitar estes valores depende, em
parte, do grau de confiabilidade conferido ao trabalho de levantamen-
to de fontes e informações a respeito destes bens. O conhecimento e a
compreensão dos levantamentos de dados a respeito da originalidade
dos bens, assim como de suas transformações ao longo do tempo,
tanto em termos de patrimonio cultural quanto de seu significado,
constituem requisitos básicos para que se tenha acesso a todos os as-
pectos da autenticidade.
12. Autenticidade, considerada desta forma e afirmada na Carta
de Veneza, aparece como o principal fator de atribuição de valores.
O entendimento da autenticidade e papel fundamental dos estudos
científicos do patrimônio cultural, nos planos de conservação e restau-
ração, tanto quanto nos procedimentos de inscrição utilizados pela
Convenção do Patrimonio Mundial e outros inventarios de patrimô-
nio cultural.
13. Todos os julgamentos sobre atribuição de valores conferidos as
características culturais de um bem, assim como a credibilidade das
pesquisas realizadas, podem diferir de cultura para a cultura, e mesmo
dentro de uma mesma cultura, nao sendo, portanto, possível basear os
julgamentos de valor e autenticidade em critérios fixos. Ao contrário,
o respeito devido a todas as culturas exige que as características de um
determinado patrimônio sejam consideradas e julgadas nos contextos
culturais aos quais pertençam.

127
14. É da mais alta importância e urgência, portanto, que no inte-
rior de cada cultura, o reconhecimento esteja em acordo com a natu-
reza específica de seus valores patrimoniais e a credibilidade e veraci-
dade das pesquisas relacionadas.
15. Dependendo da natureza do patrimônio cultural, seu contexto
cultural e sua evolução através do tempo, os julgamentos quanto à
autenticidade devem estar relacionados à valorização de uma gran-
de variedade de pesquisas e fontes de informação. Estas pesquisas e
levantamentos devem estar relacionados à valorização de uma gran-
de variedade de pesquisas e fontes de informação. Estas pesquisas e
levantamentos devem incluir aspectos de forma e desenho, materiais
e substância, uso e função, tradições e técnicas, localização e espaço,
espírito e sentimento, e outros fatores internos e externos. O emprego
destas fontes de pesquisa permite delinear as dimensões específicas do
bem cultural que esta sendo examinado, como as artísticas, históricas,
sociais e científicas.

128
Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural
A Conferência Geral,
Reafirmando seu compromisso com a plena realização dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais proclamadas na Declaração
Universal dos Direitos Humanos e em outros instrumentos univer-
salmente reconhecidos, como os dois Pactos Internacionais de 1966
relativos respectivamente, aos direitos civis e políticos e aos direitos
econômicos, sociais e culturais,
Recordando que o Preâmbulo da Constituição da UNESCO afir-
ma “(...) que a ampla difusão da cultura e da educação da humanidade
para a justiça, a liberdade e a paz são indispensáveis para a dignidade
do homem e constituem um dever sagrado que todas as nações devem
cumprir com um espírito de responsabilidade e de ajuda mútua”,
Recordando também seu Artigo primeiro, que designa à UNES-
CO, entre outros objetivos, o de recomendar “os acordos internacio-
nais que se façam necessários para facilitar a livre circulação das idéias
por meio da palavra e da imagem”,
Referindo-se às disposições relativas à diversidade cultural e ao
exercício dos direitos culturais que figuram nos instrumentos interna-
cionais promulgados pela UNESCO1,
........
1
Entre os quais figuram, em particular, o acordo de Florença de 1950 e seu
Protocolo de Nairobi de 1976, a Convenção Universal sobre Direitos de Autor, de
1952, a Declaração dos Princípios de Cooperação Cultural Internacional de 1966,

129
Reafirmando que a cultura deve ser considerada como o conjunto
dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que
caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além
das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os
sistemas de valores, as tradições e as crenças2,
Constatando que a cultura se encontra no centro dos debates con-
temporâneos sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvimento
de uma economia fundada no saber,
Afirmando que o respeito à diversidade das culturas, à tolerância,
ao diálogo e à cooperação, em um clima de confiança e de entendi-
mento mútuos, estão entre as melhores garantias da paz e da seguran-
ça internacionais,
Aspirando a uma maior solidariedade fundada no reconhecimento
da diversidade cultural, na consciência da unidade do gênero humano
e no desenvolvimento dos intercâmbios culturais,
Considerando que o processo de globalização, facilitado pela rápi-
da evolução das novas tecnologias da informação e da comunicação,
apesar de constituir um desafio para a diversidade cultural, cria condi-
ções de um diálogo renovado entre as culturas e as civilizações,
Consciente do mandato específico confiado à UNESCO, no seio
do sistema das Nações Unidas, de assegurar a preservação e a promo-
ção da fecunda diversidade das culturas,
........
(cont. nota 1) a Convenção sobre as Medidas que Devem Adotar-se para Proibir
e Impedir a Importação, a Exportação e a Transferência de Propriedade Ilícita de
Bens Culturais, de 1970, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial
Cultural e Natural de 1972, a Declaração da UNESCO sobre a Raça e os Precon-
ceitos Raciais, de 1978, a Recomendação relativa à condição do Artista, de 1980 e
a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, de 1989.
2
Definição conforme as conclusões da Conferência Mundial sobre as Políticas
Culturais (MONDIACULT, México, 1982), da Comissão Mundial de Cultura e
Desenvolvimento (Nossa Diversidade Criadora, 1995) e da Conferência Intergo-
vernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento (Estocolmo, 1998).

130
Proclama os seguintes princípios e adota a presente Declaração:

Identidade, diversidade e pluralismo


Artigo 1 – A diversidade cultural, patrimônio comum da
humanidade
A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço.
Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de
identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem
a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade,
a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como
a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o
patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e
consolidada em beneficio das gerações presentes e futuras.

Artigo 2 – Da diversidade cultural ao pluralismo cultural


Em nossas sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indis-
pensável garantir uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos
com identidades culturais a um só tempo plurais, variadas e dinâmi-
cas, assim como sua vontade de conviver. As políticas que favoreçam
a inclusão e a participação de todos os cidadãos garantem a coesão so-
cial, a vitalidade da sociedade civil e a paz. Definido desta maneira, o
pluralismo cultural constitui a resposta política à realidade da diversi-
dade cultural. Inseparável de um contexto democrático, o pluralismo
cultural é propício aos intercâmbios culturais e ao desenvolvimento
das capacidades criadoras que alimentam a vida pública.

Artigo 3 – A diversidade cultural, fator de desenvolvimento


A diversidade cultural amplia as possibilidades de escolha que se
oferecem a todos; é uma das fontes do desenvolvimento, entendido

131
não somente em termos de crescimento econômico, mas também
como meio de acesso a uma existência intelectual, afetiva, moral e
espiritual satisfatória.

Diversidade cultural e direitos humanos


Artigo 4 – Os direitos humanos, garantias da diversidade
cultural
A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, insepa-
rável do respeito à dignidade humana. Ela implica o compromisso
de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em
particular os direitos das pessoas que pertencem a minorias e os dos
povos autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para
violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem
para limitar seu alcance.

Artigo 5 – Os direitos culturais, marco propício da diversidade


cultural
Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos,
que são universais, indissociáveis e interdependentes. O desenvolvi-
mento de uma diversidade criativa exige a plena realização dos direitos
culturais, tal como os define o Artigo 27 da Declaração Universal de
Direitos Humanos e os artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Toda pessoa deve, assim,
poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje
e, em partícular, na sua língua materna; toda pessoa tem direito a
uma educação e uma formação de qualidade que respeite plenamen-
te sua identidade cultural; toda pessoa deve poder participar na vida
cultural que escolha e exercer suas próprias práticas culturais, dentro
dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais.

132
Artigo 6 – Rumo a uma diversidade cultural accessível a todos
Enquanto se garanta a livre circulação das idéias mediante a pala-
vra e a imagem, deve-se cuidar para que todas as culturas possam se
expressar e se fazer conhecidas. A liberdade de expressão, o pluralismo
dos meios de comunicação, o multilingüismo, a igualdade de acesso
às expressões artísticas, ao conhecimento científico e tecnológico – in-
clusive em formato digital - e a possibilidade, para todas as culturas,
de estar presentes nos meios de expressão e de difusão, são garantias
da diversidade cultural.

Diversidade cultural e criatividade


Artigo 7 – O patrimônio cultural, fonte da criatividade
Toda criação tem suas origens nas tradições culturais, porém se de-
senvolve plenamente em contato com outras. Essa é a razão pela qual
o patrimônio, em todas suas formas, deve ser preservado, valorizado e
transmitido às gerações futuras como testemunho da experiência e das
aspirações humanas, a fim de nutrir a criatividade em toda sua diversi-
dade e estabelecer um verdadeiro diálogo entre as culturas.

Artigo 8 – Os bens e serviços culturais, mercadorias distintas


das demais
Frente às mudanças econômicas e tecnológicas atuais, que abrem
vastas perspectivas para a criação e a inovação, deve-se prestar uma
particular atenção à diversidade da oferta criativa, ao justo reconheci-
mento dos direitos dos autores e artistas, assim como ao caráter espe-
cífico dos bens e serviços culturais que, na medida em que são porta-
dores de identidade, de valores e sentido, não devem ser considerados
como mercadorias ou bens de consumo como os demais.

133
Artigo 9 – As políticas culturais, catalisadoras da criatividade
As políticas culturais, enquanto assegurem a livre circulação das
idéias e das obras, devem criar condições propícias para a produção e a
difusão de bens e serviços culturais diversificados, por meio de indús-
trias culturais que disponham de meios para desenvolver-se nos pla-
nos local e mundial. Cada Estado deve, respeitando suas obrigações
internacionais, definir sua política cultural e aplicá-la, utilizando-se
dos meios de ação que julgue mais adequados, seja na forma de apoios
concretos ou de marcos reguladores apropriados.

Diversidade cultural e solidariedade internacional


Artigo 10 – Reforçar as capacidades de criação e de difusão em
escala mundial
Ante os desequilíbrios atualmente produzidos no fluxo e no in-
tercâmbio de bens culturais em escala mundial, é necessário reforçar
a cooperação e a solidariedade internacionais destinadas a permitir
que todos os países, em particular os países em desenvolvimento e os
países em transição, estabeleçam indústrias culturais viáveis e compe-
titivas nos planos nacional e internacional.

Artigo 11 – Estabelecer parcerias entre o setor público, o setor


privado e a sociedade civil
As forças do mercado, por si sós, não podem garantir a preservação
e promoção da diversidade cultural, condição de um desenvolvimento
humano sustentável. Desse ponto de vista, convém fortalecer a função
primordial das políticas públicas, em parceria com o setor privado e
a sociedade civil.

134
Artigo 12 – A função da UNESCO
A UNESCO, por virtude de seu mandato e de suas funções, tem
a responsabilidade de:
a) promover a incorporação dos princípios enunciados na presente
Declaração nas estratégias de desenvolvimento elaboradas no seio das
diversas entidades intergovernamentais;
b) servir de instância de referência e de articulação entre os Esta-
dos, os organismos internacionais governamentais e não-governamen-
tais, a sociedade civil e o setor privado para a elaboração conjunta de
conceitos, objetivos e políticas em favor da diversidade cultural;
c) dar seguimento a suas atividades normativas, de sensibilização e
de desenvolvimento de capacidades nos âmbitos relacionados com a
presente Declaração dentro de suas esferas de competência;
d) facilitar a aplicação do Plano de Ação, cujas linhas gerais se en-
contram apensas à presente Declaração.

.........

LINHAS GERAIS DE UM PLANO DE AÇÃO PARA


A APLICAÇÃO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DA
UNESCO SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL
..........
Os Estados Membros se comprometem a tomar as medidas apro-
priadas para difundir amplamente a Declaração Universal da UNES-
CO sobre a Diversidade Cultural e fomentar sua aplicação efetiva,
cooperando, em particular, com vistas à realização dos seguintes
objetivos:

135
1. Aprofundar o debate internacional sobre os problemas relativos
à diversidade cultural, especialmente os que se referem a seus vínculos
com o desenvolvimento e a sua influência na formulação de políticas,
em escala tanto nacional como internacional; Aprofundar, em par-
ticular, a reflexão sobre a conveniência de elaborar um instrumento
jurídico internacional sobre a diversidade cultural.
2. Avançar na definição dos princípios, normas e práticas nos pla-
nos nacional e internacional, assim como dos meios de sensibilização
e das formas de cooperação mais propícios à salvaguarda e à promoção
da diversidade cultural.
3. Favorecer o intercâmbio de conhecimentos e de práticas reco-
mendáveis em matéria de pluralismo cultural, com vistas a facilitar,
em sociedades diversificadas, a inclusão e a participação de pessoas e
grupos advindos de horizontes culturais variados.
4. Avançar na compreensão e no esclarecimento do conteúdo dos
direitos culturais, considerados como parte integrante dos direitos
humanos.
5. Salvaguardar o patrimônio lingüístico da humanidade e apoiar a
expressão, a criação e a difusão no maior número possível de línguas.
6. Fomentar a diversidade lingüística - respeitando a língua mater-
na - em todos os níveis da educação, onde quer que seja possível, e es-
timular a aprendizagem do plurilingüismo desde a mais jovem idade.
7. Promover, por meio da educação, uma tomada de consciência
do valor positivo da diversidade cultural e aperfeiçoar, com esse fim,
tanto a formulação dos programas escolares como a formação dos
docentes.
8. Incorporar ao processo educativo, tanto o quanto necessário,
métodos pedagógicos tradicionais, com o fim de preservar e otimizar
os métodos culturalmente adequados para a comunicação e a trans-
missão do saber.
9. Fomentar a “alfabetização digital” e aumentar o domínio das
novas tecnologias da informação e da comunicação, que devem ser

136
consideradas, ao mesmo tempo, disciplinas de ensino e instrumentos
pedagógicos capazes de fortalecer a eficácia dos serviços educativos.
10. Promover a diversidade lingüística no ciberespaço e fomentar
o acesso gratuito e universal, por meio das redes mundiais, a todas as
informações pertencentes ao domínio público.
11. Lutar contra o hiato digital - em estreita cooperação com os or-
ganismos competentes do sistema das Nações Unidas - favorecendo o
acesso dos países em desenvolvimento às novas tecnologias, ajudando-
-os a dominar as tecnologias da informação e facilitando a circulação
eletrônica dos produtos culturais endógenos e o acesso de tais países
aos recursos digitais de ordem educativa, cultural e científica, disponí-
veis em escala mundial.
12. Estimular a produção, a salvaguarda e a difusão de conteúdos
diversificados nos meios de comunicação e nas redes mundiais de in-
formação e, para tanto, promover o papel dos serviços públicos de
radiodifusão e de televisão na elaboração de produções audiovisuais de
qualidade, favorecendo, particularmente, o estabelecimento de meca-
nismos de cooperação que facilitem a difusão das mesmas.
13. Elaborar políticas e estratégias de preservação e valorização do
patrimônio cultural e natural, em particular do patrimônio oral e ima-
terial e combater o tráfico ilícito de bens e serviços culturais.
14. Respeitar e proteger os sistemas de conhecimento tradicionais,
especialmente os das populações autóctones; reconhecer a contribui-
ção dos conhecimentos tradicionais para a proteção ambiental e a
gestão dos recursos naturais e favorecer as sinergias entre a ciência
moderna e os conhecimentos locais.
15. Apoiar a mobilidade de criadores, artistas, pesquisadores, cien-
tistas e intelectuais e o desenvolvimento de programas e associações
internacionais de pesquisa, procurando, ao mesmo tempo, preservar
e aumentar a capacidade criativa dos países em desenvolvimento e
em transição.

137
16. Garantir a proteção dos direitos de autor e dos direitos cone-
xos, de modo a fomentar o desenvolvimento da criatividade contem-
porânea e uma remuneração justa do trabalho criativo, defendendo,
ao mesmo tempo, o direito público de acesso à cultura, conforme o
Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos.
17. Ajudar a criação ou a consolidação de indústrias culturais nos
países em desenvolvimento e nos países em transição e, com este pro-
pósito, cooperar para desenvolvimento das infra-estruturas e das ca-
pacidades necessárias, apoiar a criação de mercados locais viáveis e
facilitar o acesso dos bens culturais desses países ao mercado mundial
e às redes de distribuição internacionais.
18. Elaborar políticas culturais que promovam os princípios inscri-
tos na presente Declaração, inclusive mediante mecanismos de apoio
à execução e/ou de marcos reguladores apropriados, respeitando as
obrigações internacionais de cada Estado.
19. Envolver os diferentes setores da sociedade civil na defini-
ção das políticas públicas de salvaguarda e promoção da diversidade
cultural.
20. Reconhecer e fomentar a contribuição que o setor privado
pode aportar à valorização da diversidade cultural e facilitar, com esse
propósito, a criação de espaços de diálogo entre o setor público e o
privado.
Os Estados Membros recomendam ao Diretor Geral que, ao exe-
cutar os programas da UNESCO, leve em consideração os objetivos
enunciados no presente Plano de Ação e que o comunique aos orga-
nismos do sistema das Nações Unidas e demais organizações intergo-
vernamentais e não- governamentais interessadas, de modo a reforçar
a sinergia das medidas que sejam adotadas em favor da diversidade
cultural.

138
Decreto no 3.551,
de 4 de agosto de 2000
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial
que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe


confere o art. 84, inciso IV, e tendo em vista o disposto no art. 14 da
Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998,
DECRETA:
Art. 1o Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.
§ 1o Esse registro se fará em um dos seguintes livros:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimen-
tos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais
e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade,
do entretenimento e de outras práticas da vida social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscri-
tas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados,
feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e re-
produzem práticas culturais coletivas.

139
§ 2o A inscrição num dos livros de registro terá sempre como refe-
rência a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para
a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.
§ 3o Outros livros de registro poderão ser abertos para a inscrição
de bens culturais de natureza imaterial que constituam patrimônio
cultural brasileiro e não se enquadrem nos livros definidos no pará-
grafo primeiro deste artigo.
Art. 2o São partes legítimas para provocar a instauração do pro-
cesso de registro:
I - o Ministro de Estado da Cultura;
II - instituições vinculadas ao Ministério da Cultura;
III - Secretarias de Estado, de Município e do Distrito Federal;
IV - sociedades ou associações civis.
Art. 3o As propostas para registro, acompanhadas de sua docu-
mentação técnica, serão dirigidas ao Presidente do Instituto do Patri-
mônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, que as submeterá ao
Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 1o A instrução dos processos de registro será supervisionada pelo
IPHAN.
§ 2o A instrução constará de descrição pormenorizada do bem
a ser registrado, acompanhada da documentação correspondente, e
deverá mencionar todos os elementos que lhe sejam culturalmente
relevantes.
§ 3o A instrução dos processos poderá ser feita por outros órgãos
do Ministério da Cultura, pelas unidades do IPHAN ou por entidade,
pública ou privada, que detenha conhecimentos específicos sobre a
matéria, nos termos do regulamento a ser expedido pelo Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 4o Ultimada a instrução, o IPHAN emitirá parecer acerca da
proposta de registro e enviará o processo ao Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural, para deliberação.

140
§ 5o O parecer de que trata o parágrafo anterior será publicado
no Diário Oficial da União, para eventuais manifestações sobre o re-
gistro, que deverão ser apresentadas ao Conselho Consultivo do Pa-
trimônio Cultural no prazo de até trinta dias, contados da data de
publicação do parecer.
Art. 4o O processo de registro, já instruído com as eventuais mani-
festações apresentadas, será levado à decisão do Conselho Consultivo
do Patrimônio Cultural.
Art. 5o Em caso de decisão favorável do Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural, o bem será inscrito no livro correspondente e
receberá o título de “Patrimônio Cultural do Brasil”.
Parágrafo único. Caberá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cul-
tural determinar a abertura, quando for o caso, de novo Livro de Registro,
em atendimento ao disposto nos termos do § 3o do art. 1o deste Decreto.
Art. 6o Ao Ministério da Cultura cabe assegurar ao bem registrado:
I - documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo
ao IPHAN manter banco de dados com o material produzido durante
a instrução do processo.
II - ampla divulgação e promoção.
Art. 7o O IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados,
pelo menos a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo
do Patrimônio Cultural para decidir sobre a revalidação do título de
“Patrimônio Cultural do Brasil”.
Parágrafo único. Negada a revalidação, será mantido apenas o re-
gistro, como referência cultural de seu tempo.
Art. 8o Fica instituído, no âmbito do Ministério da Cultura, o
“Programa Nacional do Patrimônio Imaterial”, visando à implemen-
tação de política específica de inventário, referenciamento e valoriza-
ção desse patrimônio.
Parágrafo único. O Ministério da Cultura estabelecerá, no prazo
de noventa dias, as bases para o desenvolvimento do Programa de que
trata este artigo.

141
Art. 9o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 4 de agosto de 2000; 179o da Independência e 112o da
República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Francisco Weffort

142
Decreto no 5.753,
de 12 de abril de 2006
Promulga a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio
Cultural Imaterial, adotada em Paris, em 17 de outubro de
2003, e assinada em 3 de novembro de 2003.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe


confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e
Considerando que o Congresso Nacional aprovou o texto da Con-
venção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, por
meio do Decreto Legislativo no 22, de 1o de fevereiro de 2006;
Considerando que o Governo brasileiro ratificou a citada Conven-
ção em 15 de fevereiro de 2006;
Considerando que a Convenção entrará em vigor internacional em
20 de abril de 2006 e, para o Brasil, em 1o de junho de 2006;
DECRETA:
Art. 1o A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial, adotada em Paris, em 17 de outubro de 2003, e assinada em
3 de novembro de 2003, apensa por cópia ao presente Decreto, será
executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer
atos que possam resultar em revisão da referida Convenção ou que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacio-
nal, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição.

143
Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 12 de abril de 2006; 185o da Independência e 118o da


República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Celso Luiz Nunes Amorim

Este texto não substitui o publicado no DOU de 13.4.2006

.........

CONVENÇÃO PARA A SALVAGUARDA DO


PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL
..........

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a


Educação, a Ciência e a Cultura, doravante denominada “UNES-
CO”, em sua 32a sessão, realizada em Paris do dia 29 de setembro ao
dia 17 de outubro de 2003,
Referindo-se aos instrumentos internacionais existentes em maté-
ria de direitos humanos, em particular à Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, ao Pacto Internacional dos Direitos Eco-
nômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e ao Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, de 1966,
Considerando a importância do patrimônio cultural imaterial
como fonte de diversidade cultural e garantia de desenvolvimento sus-
tentável, conforme destacado na Recomendação da UNESCO sobre
a salvaguarda da cultura tradicional e popular, de 1989, bem como na

144
Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, de
2001, e na Declaração de Istambul, de 2002, aprovada pela Terceira
Mesa Redonda de Ministros da Cultura,
Considerando a profunda interdependência que existe entre o pa-
trimônio cultural imaterial e o patrimônio material cultural e natural,
Reconhecendo que os processos de globalização e de transforma-
ção social, ao mesmo tempo em que criam condições propícias para
um diálogo renovado entre as comunidades, geram também, da mes-
ma forma que o fenômeno da intolerância, graves riscos de deteriora-
ção, desaparecimento e destruição do patrimônio cultural imaterial,
devido em particular à falta de meios para sua salvaguarda,
Consciente da vontade universal e da preocupação comum de sal-
vaguardar o patrimônio cultural imaterial da humanidade,
Reconhecendo que as comunidades, em especial as indígenas, os
grupos e, em alguns casos, os indivíduos desempenham um impor-
tante papel na produção, salvaguarda, manutenção e recriação do
patrimônio cultural imaterial, assim contribuindo para enriquecer a
diversidade cultural e a criatividade humana,
Observando o grande alcance das atividades da UNESCO na ela-
boração de instrumentos normativos para a proteção do patrimônio
cultural, em particular a Convenção para a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural de 1972,
Observando também que não existe ainda um instrumento mul-
tilateral de caráter vinculante destinado a salvaguardar o patrimônio
cultural imaterial,
Considerando que os acordos, recomendações e resoluções inter-
nacionais existentes em matéria de patrimônio cultural e natural deve-
riam ser enriquecidos e complementados mediante novas disposições
relativas ao patrimônio cultural imaterial,
Considerando a necessidade de conscientização, especialmente en-
tre as novas gerações, da importância do patrimônio cultural imaterial
e de sua salvaguarda,

145
Considerando que a comunidade internacional deveria contribuir,
junto com os Estados Partes na presente Convenção, para a salvaguar-
da desse patrimônio, com um espírito de cooperação e ajuda mútua,
Recordando os programas da UNESCO relativos ao patrimônio
cultural imaterial, em particular a Proclamação de Obras Primas do
Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade,
Considerando a inestimável função que cumpre o patrimônio cul-
tural imaterial como fator de aproximação, intercâmbio e entendi-
mento entre os seres humanos,
Aprova neste dia dezessete de outubro de 2003 a presente
Convenção.

I. Disposições gerais
Artigo 1: Finalidades da Convenção
A presente Convenção tem as seguintes finalidades:
a) a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial;
b) o respeito ao patrimônio cultural imaterial das comunidades,
grupos e indivíduos envolvidos;
c) a conscientização no plano local, nacional e internacional da im-
portância do patrimônio cultural imaterial e de seu reconhecimento
recíproco;
d) a cooperação e a assistência internacionais.

Artigo 2: Definições
Para os fins da presente Convenção,
1. Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, re-
presentações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os ins-
trumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associa-
dos - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos

146
reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este
patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em gera-
ção, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em fun-
ção de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história,
gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo
assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade
humana. Para os fins da presente Convenção, será levado em conta
apenas o patrimônio cultural imaterial que seja compatível com os
instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os
imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivídu-
os, e do desenvolvimento sustentável.
2. O “patrimônio cultural imaterial”, conforme definido no pará-
grafo 1 acima, se manifesta em particular nos seguintes campos:
a) tradições e expressões orais, incluindo o idioma como veículo do
patrimônio cultural imaterial;
b) expressões artísticas;
c) práticas sociais, rituais e atos festivos;
d) conhecimentos e práticas relacionados à natureza e ao universo;
e) técnicas artesanais tradicionais.
3. Entende-se por “salvaguarda” as medidas que visam garantir a
viabilidade do patrimônio cultural imaterial, tais como a identi-
ficação, a documentação, a investigação, a preservação, a proteção, a
promoção, a valorização, a transmissão – essencialmente por meio da
educação formal e não-formal - e revitalização deste patrimônio em
seus diversos aspectos.
4. A expressão “Estados Partes” designa os Estados vinculados pela
presente Convenção e entre os quais a presente Convenção esteja em
vigor.
5. Esta Convenção se aplicará mutatis mutandis aos territórios
mencionados no Artigo 33 que se tornarem Partes na presente Con-
venção, conforme as condições especificadas no referido Artigo. A ex-
pressão “Estados Partes” se refere igualmente a esses territórios.

147
Artigo 3: Relação com outros instrumentos internacionais
Nenhuma disposição da presente Convenção poderá ser interpre-
tada de tal maneira que:
a) modifique o estatuto ou reduza o nível de proteção dos bens
declarados patrimônio mundial pela Convenção para a Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972, as quais esteja dire-
tamente associado um elemento do patrimônio cultural imaterial; ou
b) afete os direitos e obrigações dos Estados Partes em virtude de
outros instrumentos internacionais relativos aos direitos de proprieda-
de intelectual ou à utilização de recursos biológicos e ecológicos dos
quais sejam partes.

II. Órgãos da Convenção


Artigo 4: Assembléia Geral dos Estados Partes
1. Fica estabelecida uma Assembléia Geral dos Estados Partes, do-
ravante denominada “Assembléia Geral”, que será o órgão soberano
da presente Convenção.
2. A Assembléia Geral realizará uma sessão ordinária a cada dois
anos. Poderá reunir-se em caráter extraordinário quando assim o deci-
dir, ou quando receber uma petição em tal sentido do Comitê Inter-
governamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial
ou de, no mínimo, um terço dos Estados Partes.
3. A Assembléia Geral aprovará seu próprio Regulamento Interno.
Artigo 5: Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial
1. Fica estabelecido junto à UNESCO um Comitê Intergoverna-
mental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, dora-
vante denominado “o Comitê”. O Comitê será integrado por repre-
sentantes de 18 Estados Partes, a serem eleitos pelos Estados Partes

148
constituídos em Assembléia Geral, tão logo a presente Convenção
entrar em vigor, conforme o disposto no Artigo 34.
2. O número de Estados membros do Comitê aumentará para 24,
tão logo o número de Estados Partes na Convenção chegar a 50.
Artigo 6: Eleição e mandato dos Estados membros do Comitê
1. A eleição dos Estados membros do Comitê deverá obedecer aos
princípios de distribuição geográfica e rotação eqüitativas.
2. Os Estados Partes na Convenção, reunidos em Assembléia Ge-
ral, elegerão os Estados membros do Comitê para um mandato de
quatro anos.
3. Contudo, o mandato da metade dos Estados membros do Co-
mitê eleitos na primeira eleição será somente de dois anos. Os referi-
dos Estados serão designados por sorteio no curso da primeira eleição.
4. A cada dois anos, a Assembléia Geral renovará a metade dos
Estados membros do Comitê.
5. A Assembléia Geral elegerá também quantos Estados membros
do Comitê sejam necessários para preencher vagas existentes.
6. Um Estado membro do Comitê não poderá ser eleito por dois
mandatos consecutivos.
7. Os Estados membros do Comitê designarão, para seus represen-
tantes no Comitê, pessoas qualificadas nos diversos campos do patri-
mônio cultural imaterial.
Artigo 7: Funções do Comitê
Sem prejuízo das demais atribuições conferidas pela presente Con-
venção, as funções do Comitê serão as seguintes:
a) promover os objetivos da Convenção, fomentar e acompanhar
sua aplicação;
b) oferecer assessoria sobre as melhores práticas e formular reco-
mendações sobre medidas que visem a salvaguarda do patrimônio
cultural imaterial;

149
c) preparar e submeter à aprovação da Assembléia Geral um projeto
de utilização dos recursos do Fundo, em conformidade com o Artigo 25;
d) buscar meios de incrementar seus recursos e adotar as medidas
necessárias para tanto, em conformidade com o Artigo 25;
e) preparar e submeter à aprovação da Assembléia Geral diretrizes
operacionais para a aplicação da Convenção;
f ) em conformidade com o Artigo 29, examinar os relatórios dos
Estados Partes e elaborar um resumo destes relatórios, destinado à
Assembléia Geral;
g) examinar as solicitações apresentadas pelos Estados Partes e de-
cidir, de acordo com critérios objetivos de seleção estabelecidos pelo
próprio Comitê e aprovados pela Assembléia Geral, sobre:
i) inscrições nas listas e propostas mencionadas nos Artigos 16,
17 e 18;
ii) prestação de assistência internacional, em conformidade com
o Artigo 22.

Artigo 8: Métodos de trabalho do Comitê


1. O Comitê será responsável perante a Assembléia Geral, diante
da qual prestará contas de todas as suas atividades e decisões.
2. O Comitê aprovará seu Regulamento Interno por uma maioria
de dois terços de seus membros.
3. O Comitê poderá criar, em caráter temporário, os órgãos consul-
tivos ad hoc que julgue necessários para o desempenho de suas funções.
4. O Comitê poderá convidar para suas reuniões qualquer orga-
nismo público ou privado, ou qualquer pessoa física de comprovada
competência nos diversos campos do patrimônio cultural imaterial,
para consultá-los sobre questões específicas.
Artigo 9: Certificação das organizações de caráter consultivo
1. O Comitê proporá à Assembléia Geral a certificação de organi-
zações não-governamentais de comprovada competência no campo

150
do patrimônio cultural imaterial. As referidas organizações exercerão
funções consultivas perante o Comitê.
2. O Comitê também proporá à Assembléia Geral os critérios e
modalidades pelos quais essa certificação será regida.
Artigo 10: Secretariado
1. O Comitê será assessorado pelo Secretariado da UNESCO.
2. O Secretariado preparará a documentação da Assembléia Geral e
do Comitê, bem como o projeto da ordem do dia de suas respectivas
reuniões, e assegurará o cumprimento das decisões de ambos os órgãos.

III. Salvaguarda do patrimônio cultural imaterial


no plano nacional
Artigo 11: Funções dos Estados Partes
Caberá a cada Estado Parte:
a) adotar as medidas necessárias para garantir a salvaguarda do pa-
trimônio cultural imaterial presente em seu território;
b) entre as medidas de salvaguarda mencionadas no parágrafo 3
do Artigo 2, identificar e definir os diversos elementos do patrimônio
cultural imaterial presentes em seu território, com a participação das
comunidades, grupos e organizações não-governamentais pertinentes.
Artigo 12: Inventários
1. Para assegurar a identificação, com fins de salvaguarda, cada
Estado Parte estabelecerá um ou mais inventários do patrimônio cul-
tural imaterial presente em seu território, em conformidade com seu
próprio sistema de salvaguarda do patrimônio. Os referidos inventá-
rios serão atualizados regularmente.
2. Ao apresentar seu relatório periódico ao Comitê, em conformi-
dade com o Artigo 29, cada Estado Parte prestará informações perti-
nentes em relação a esses inventários.

151
Artigo 13: Outras medidas de salvaguarda
Para assegurar a salvaguarda, o desenvolvimento e a valorização do
patrimônio cultural imaterial presente em seu território, cada Estado
Parte empreenderá esforços para:
a) adotar uma política geral visando promover a função do patri-
mônio cultural imaterial na sociedade e integrar sua salvaguarda em
programas de planejamento;
b) designar ou criar um ou vários organismos competentes para
a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial presente em seu
território;
c) fomentar estudos científicos, técnicos e artísticos, bem como
metodologias de pesquisa, para a salvaguarda eficaz do patrimônio
cultural imaterial, e em particular do patrimônio cultural imaterial
que se encontre em perigo;
d) adotar as medidas de ordem jurídica, técnica, administrativa e
financeira adequadas para:
i) favorecer a criação ou o fortalecimento de instituições de for-
mação em gestão do patrimônio cultural imaterial, bem como a
transmissão desse patrimônio nos foros e lugares destinados à sua
manifestação e expressão;
ii) garantir o acesso ao patrimônio cultural imaterial, respeitando
ao mesmo tempo os costumes que regem o acesso a determinados
aspectos do referido patrimônio;
iii) criar instituições de documentação sobre o patrimônio cultural
imaterial e facilitar o acesso a elas.

Artigo 14: Educação, conscientização e fortalecimento de


capacidades
Cada Estado Parte se empenhará, por todos os meios oportunos,
no sentido de:

152
a) assegurar o reconhecimento, o respeito e a valorização do patri-
mônio cultural imaterial na sociedade, em particular mediante:
i) programas educativos, de conscientização e de disseminação de
informações voltadas para o público, em especial para os jovens;
ii) programas educativos e de capacitação específicos no interior
das comunidades e dos grupos envolvidos;
iii) atividades de fortalecimento de capacidades em matéria de
salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, e especialmente de
gestão e de pesquisa científica; e
iv) meios não-formais de transmissão de conhecimento;
b) manter o público informado das ameaças que pesam sobre esse patri-
mônio e das atividades realizadas em cumprimento da presente Convenção;
c) promover a educação para a proteção dos espaços naturais e lu-
gares de memória, cuja existência é indispensável para que o patrimô-
nio cultural imaterial possa se expressar.
Artigo 15: Participação das comunidades, grupos e indivíduos
No quadro de suas atividades de salvaguarda do patrimônio cultu-
ral imaterial, cada Estado Parte deverá assegurar a participação mais
ampla possível das comunidades, dos grupos e, quando cabível, dos
indivíduos que criam, mantém e transmitem esse patrimônio e asso-
ciá-los ativamente à gestão do mesmo.

IV. Salvaguarda do patrimônio cultural imaterial no


plano internacional
Artigo 16: Lista representativa do patrimônio cultural
imaterial da humanidade
1. Para assegurar maior visibilidade do patrimônio cultural ima-
terial, aumentar o grau de conscientização de sua importância, e
propiciar formas de diálogo que respeitem a diversidade cultural, o

153
Comitê, por proposta dos Estados Partes interessados, criará, manterá
atualizada e publicará uma Lista representativa do patrimônio cultural
imaterial da humanidade.
2. O Comitê elaborará e submeterá à aprovação da Assembléia Ge-
ral os critérios que regerão o estabelecimento, a atualização e a publi-
cação da referida Lista representativa.
Artigo 17: Lista do patrimônio cultural imaterial que requer
medidas urgentes de salvaguarda
1. Com vistas a adotar as medidas adequadas de salvaguarda, o Comi-
tê criará, manterá atualizada e publicará uma Lista do patrimônio cultu-
ral imaterial que necessite medidas urgentes de salvaguarda, e inscreverá
esse patrimônio na Lista por solicitação do Estado Parte interessado.
2. O Comitê elaborará e submeterá à aprovação da Assembléia Ge-
ral os critérios que regerão o estabelecimento, a atualização e a publi-
cação dessa Lista.
3. Em casos de extrema urgência, assim considerados de acordo
com critérios objetivos aprovados pela Assembléia Geral, por proposta
do Comitê, este último, em consulta com o Estado Parte interessa-
do, poderá inscrever um elemento do patrimônio em questão na lista
mencionada no parágrafo 1.
Artigo 18: Programas, projetos e atividades de salvaguarda do
patrimônio cultural imaterial
1. Com base nas propostas apresentadas pelos Estados Partes, e
em conformidade com os critérios definidos pelo Comitê e aprova-
dos pela Assembléia Geral, o Comitê selecionará periodicamente e
promoverá os programas, projetos e atividades de âmbito nacional,
sub-regional ou regional para a salvaguarda do patrimônio que, no seu
entender, reflitam de modo mais adequado os princípios e objetivos
da presente Convenção, levando em conta as necessidades especiais
dos países em desenvolvimento.

154
2. Para tanto, o Comitê receberá, examinará e aprovará as solicita-
ções de assistência internacional formuladas pelos Estados Partes para
a elaboração das referidas propostas.
3. O Comitê acompanhará a execução dos referidos programas,
projetos e atividades por meio da disseminação das melhores práticas,
segundo modalidades por ele definidas.

V. Cooperação e assistência internacionais


Artigo 19: Cooperação
1. Para os fins da presente Convenção, a cooperação internacional
compreende em particular o intercâmbio de informações e de experi-
ências, iniciativas comuns, e a criação de um mecanismo para apoiar
os Estados Partes em seus esforços para a salvaguarda do patrimônio
cultural imaterial.
2. Sem prejuízo para o disposto em sua legislação nacional nem
para seus direitos e práticas consuetudinárias, os Estados Partes re-
conhecem que a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial é uma
questão de interesse geral para a humanidade e neste sentido se com-
prometem a cooperar no plano bilateral, sub-regional, regional e
internacional.
Artigo 20: Objetivos da assistência internacional
A assistência internacional poderá ser concedida com os seguintes
objetivos:
a) salvaguardar o patrimônio que figure na lista de elementos
do patrimônio cultural imaterial que necessite medidas urgentes de
salvaguarda;
b) realizar inventários, em conformidade com os Artigos 11 e 12;
c) apoiar programas, projetos e atividades de âmbito nacional, sub-
-regional e regional destinados à salvaguarda do patrimônio cultural
imaterial;

155
d) qualquer outro objetivo que o Comitê julgue necessário.
Artigo 21: Formas de assistência internacional
A assistência concedia pelo Comitê a um Estado Parte será regula-
mentada pelas diretrizes operacionais previstas no Artigo 7 e pelo acor-
do mencionado no Artigo 24, e poderá assumir as seguintes formas:
a) estudos relativos aos diferentes aspectos da salvaguarda;
b) serviços de especialistas e outras pessoas com experiência prática
em patrimônio cultural imaterial;
c) capacitação de todo o pessoal necessário;
d) elaboração de medidas normativas ou de outra natureza;
e) criação e utilização de infraestruturas;
f ) aporte de material e de conhecimentos especializados;
g) outras formas de ajuda financeira e técnica, podendo incluir,
quando cabível, a concessão de empréstimos com baixas taxas de juros
e doações.
Artigo 22: Requisitos para a prestação de assistência
internacional
1. O Comitê definirá o procedimento para examinar as solicitações
de assistência internacional e determinará os elementos que deverão
constar das solicitações, tais como medidas previstas, intervenções ne-
cessárias e avaliação de custos.
2. Em situações de urgência, a solicitação de assistência será exami-
nada em cárater de prioridade pelo Comitê.
3. Para tomar uma decisão, o Comitê realizará os estudos e as con-
sultas que julgar necessários.
Artigo 23: Solicitações de assistência internacional
1. Cada Estado Parte poderá apresentar ao Comitê uma solicitação
de assistência internacional para a salvaguarda do patrimônio cultural
imaterial presente em seu território.

156
2. Uma solicitação no mesmo sentido poderá também ser apresen-
tada conjuntamente por dois ou mais Estados Partes.
3. Na solicitação, deverão constar as informações mencionados no
parágrafo 1 do Artigo 22, bem como a documentação necessária.
Artigo 24: Papel dos Estados Partes beneficiários
1. Em conformidade com as disposições da presente Convenção, a
assistência internacional concedida será regida por um acordo entre o
Estado Parte beneficiário e o Comitê.
2. Como regra geral, o Estado Parte beneficiário deverá, na medida
de suas possibilidades, compartilhar os custos das medidas de salva-
guarda para as quais a assistência internacional foi concedida.
3. O Estado Parte beneficiário apresentará ao Comitê um relatório
sobre a utilização da assistência concedida com a finalidade de salva-
guarda do patrimônio cultural imaterial.

VI. Fundo do patrimônio cultural imaterial


Artigo 25: Natureza e recursos do Fundo
1. Fica estabelecido um “Fundo para a Salvaguarda do Patrimônio
Cultural Imaterial”, doravante denominado “o Fundo”.
2. O Fundo será constituído como fundo fiduciário, em conformi-
dade com as disposições do Regulamento Financeiro da UNESCO.
3. Os recursos do Fundo serão constituídos por:
a) contribuições dos Estados Partes;
b) recursos que a Conferência Geral da UNESCO alocar para esta
finalidade;
c) aportes, doações ou legados realizados por:
i) outros Estados;
ii) organismos e programas do sistema das Nações Unidas, em es-
pecial o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, ou
outras organizações internacionais;

157
iii) organismos públicos ou privados ou pessoas físicas;
d) quaisquer juros devidos aos recursos do Fundo;
e) produto de coletas e receitas aferidas em eventos organizados em
benefício do Fundo;
f ) todos os demais recursos autorizados pelo Regulamento do Fun-
do, que o Comitê elaborará.
4. A utilização dos recursos por parte do Comitê será decidida com
base nas orientações formuladas pela Assembléia Geral.
5. O Comitê poderá aceitar contribuições ou assistência de outra
natureza oferecidos com fins gerais ou específicos, vinculados a pro-
jetos concretos, desde que os referidos projetos tenham sido por ele
aprovados.
6. As contribuições ao Fundo não poderão ser condicionadas a ne-
nhuma exigência política, econômica ou de qualquer outro tipo que
seja incompatível com os objetivos da presente Convenção.
Artigo 26: Contribuições dos Estados Partes ao Fundo
1. Sem prejuízo de outra contribuição complementar de caráter
voluntário, os Estados Partes na presente Convenção se obrigam a de-
positar no Fundo, no mínimo a cada dois anos, uma contribuição cuja
quantia, calculada a partir de uma porcentagem uniforme aplicável a
todos os Estados, será determinada pela Assembléia Geral. Esta deci-
são da Assembléia Geral será tomada por maioria dos Estados Partes
presentes e votantes, que não tenham feito a declaração mencionada
no parágrafo 2 do presente Artigo. A contribuição de um Estado Parte
não poderá, em nenhum caso, exceder 1% da contribuição desse Esta-
do ao Orçamento Ordinário da UNESCO.
2. Contudo, qualquer dos Estados a que se referem o Artigo 32 ou
o Artigo 33 da presente Convenção poderá declarar, no momento em
que depositar seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou
adesão, que não se considera obrigado pelas disposições do parágrafo
1 do presente Artigo.

158
3. Qualquer Estado Parte na presente Convenção que tenha for-
mulado a declaração mencionada no parágrafo 2 do presente Artigo
se esforçará para retirar tal declaração mediante uma notificação ao
Diretor Geral da UNESCO. Contudo, a retirada da declaração só
terá efeito sobre a contribuição devida pelo Estado a partir da data da
abertura da sessão subseqüente da Assembléia Geral.
4. Para que o Comitê possa planejar com eficiência suas atividades,
as contribuições dos Estados Partes nesta Convenção que tenham fei-
to a declaração mencionada no parágrafo 2 do presente Artigo deve-
rão ser efetuadas regularmente, no mínimo a cada dois anos, e deverão
ser de um valor o mais próximo possível do valor das contribuições
que esses Estados deveriam se estivessem obrigados pelas disposições
do parágrafo 1 do presente Artigo.
5. Nenhum Estado Parte na presente Convenção, que esteja com
pagamento de sua contribuição obrigatória ou voluntária para o ano
em curso e o ano civil imediatamente anterior em atraso, poderá ser
eleito membro do Comitê. Essa disposição não se aplica à primeira
eleição do Comitê. O mandato de um Estado Parte que se encontre
em tal situação e que já seja membro do Comitê será encerrado quan-
do forem realizadas quaisquer das eleições previstas no Artigo 6 da
presente Convenção.
Artigo 27: Contribuições voluntárias suplementares ao Fundo
Os Estados Partes que desejarem efetuar contribuições voluntárias,
além das contribuições previstas no Artigo 26, deverão informar o
Comitê tão logo seja possível, para que este possa planejar suas ativi-
dades de acordo.

Artigo 28: Campanhas internacionais para arrecadação de recursos


Na medida do possível, os Estados Partes apoiarão as campanhas
internacionais para arrecadação de recursos organizadas em benefício
do Fundo sob os auspícios da UNESCO.

159
VII. Relatórios
Artigo 29: Relatórios dos Estados Partes
Os Estados Partes apresentarão ao Comitê, na forma e com perio-
dicidade a serem definidas pelo Comitê, relatórios sobre as disposições
legislativas, regulamentares ou de outra natureza que tenham adotado
para implementar a presente Convenção.
Artigo 30: Relatórios do Comitê
1. Com base em suas atividades e nos relatórios dos Estados Partes
mencionados no Artigo 29, o Comitê apresentará um relatório em
cada sessão da Assembléia Geral.
2. O referido relatório será levado ao conhecimento da Conferên-
cia Geral da UNESCO.

VIII. Cláusula transitória


Artigo 31: Relação com a Proclamação das Obras Primas do
Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade
1. O Comitê incorporará à Lista representativa do patrimônio
cultural imaterial da humanidade os elementos que, anteriormente à
entrada em vigor desta Convenção, tenham sido proclamados “Obras
Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade”.
2. A inclusão dos referidos elementos na Lista representativa do pa-
trimônio cultural imaterial da humanidade será efetuada sem prejuízo
dos critérios estabelecidos para as inscrições subseqüentes, segundo o
disposto no parágrafo 2 do Artigo 16.
3. Após a entrada em vigor da presente Convenção, não será feita
mais nenhuma outra Proclamação.

160
IX. Disposições finais
Artigo 32: Ratificação, aceitação ou aprovação
1. A presente Convenção estará sujeita à ratificação, aceitação ou
aprovação dos Estados Membros da UNESCO, em conformidade
com seus respectivos dispositivos constitucionais.
2. Os instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação serão
depositados junto ao Diretor Geral da UNESCO.
Artigo 33: Adesão
1. A presente Convenção estará aberta à adesão de todos os Estados
que não sejam membros da UNESCO e que tenham sido convidados
a aderir pela Conferência Geral da Organização.
2. A presente Convenção também estará aberta à adesão dos terri-
tórios que gozem de plena autonomia interna, reconhecida como tal
pelas Nações Unidas, mas que não tenham alcançado a plena inde-
pendência, em conformidade com a Resolução 1514 (XV) da Assem-
bléia Geral, e que tenham competência sobre as matérias regidas por
esta Convenção, inclusive a competência reconhecida para subscrever
tratados relacionados a essas matérias.
3. O instrumento de adesão será depositado junto ao Diretor Geral
da UNESCO.
Artigo 34: Entrada em vigor
A presente Convenção entrará em vigor três meses após a data do
depósito do trigésimo instrumento de ratificação, aceitação, aprova-
ção ou adesão, mas unicamente para os Estados que tenham deposita-
do seus respectivos instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação
ou adesão naquela data ou anteriormente. Para os demais Estados Par-
tes, entrará em vigor três meses depois de efetuado o depósito de seu
instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.

161
Artigo 35: Regimes constitucionais federais ou não-unitários
Aos Estados Partes que tenham um regime constitucional federal
ou não-unitário aplicar-se-ão as seguintes disposições:
a) com relação às disposições desta Convenção cuja aplicação esteja
sob a competência do poder legislativo federal ou central, as obri-
gações do governo federal ou central serão idênticas às dos Estados
Partes que não constituem Estados federais;
b) com relação às disposições da presente Convenção cuja aplica-
ção esteja sob a competência de cada um dos Estados, países, provín-
cias ou cantões constituintes, que em virtude do regime constitucio-
nal da federação não estejam obrigados a tomar medidas legislativas, o
governo federal as comunicará, com parecer favorável, às autoridades
competentes dos Estados, países, províncias ou cantões, com sua reco-
mendação para que estes as aprovem.
Artigo 36: Denúncia
1. Todos os Estados Partes poderão denunciar a presente Convenção.
2. A denúncia será notificada por meio de um instrumento escrito,
que será depositado junto ao Diretor Geral da UNESCO.
3. A denúncia surtirá efeito doze meses após a recepção do instru-
mento de denuncia. A denúncia não modificará em nada as obriga-
ções financeiras assumidas pelo Estado denunciante até a data em que
a retirada se efetive.

Artigo 37: Funções do depositário


O Diretor Geral da UNESCO, como depositário da presente
Convenção, informará aos Estados Membros da Organização e aos
Estados não-membros aos quais se refere o Artigo 33, bem como às
Nações Unidas, acerca do depósito de todos os instrumentos de rati-
ficação, aceitação, aprovação ou adesão mencionados nos Artigos 32 e
33 e das denúncias previstas no Artigo 36.

162
Artigo 38: Emendas
1. Qualquer Estado Parte poderá propor emendas a esta Conven-
ção, mediante comunicação dirigida por escrito ao Diretor Geral.
Este transmitirá a comunicação a todos os Estados Partes. Se, nos seis
meses subseqüentes à data de envio da comunicação, pelo menos a
metade dos Estados Partes responder favoravelmente a essa petição,
o Diretor Geral submeterá a referida proposta ao exame e eventual
aprovação da sessão subseqüente da Assembléia Geral.
2. As emendas serão aprovadas por uma maioria de dois terços dos
Estados Partes presentes e votantes.
3. Uma vez aprovadas, as emendas a esta Convenção deverão ser
objeto de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão dos Estados
Partes.
4. As emendas à presente Convenção, para os Estados Partes que
as tenham ratificado, aceito, aprovado ou aderido a elas, entrarão em
vigor três meses depois que dois terços dos Estados Partes tenham
depositado os instrumentos mencionados no parágrafo 3 do presente
Artigo. A partir desse momento a emenda correspondente entrará em
vigor para cada Estado Parte ou território que a ratifique, aceite, apro-
ve ou adira a ela três meses após a data do depósito do instrumento de
ratificação, aceitação, aprovação ou adesão do Estado Parte.
5. O procedimento previsto nos parágrafos 3 e 4 não se aplicará às
emendas que modifiquem o Artigo 5, relativo ao número de Estados
membros do Comitê. As referidas emendas entrarão em vigor no mo-
mento de sua aprovação.
6. Um Estado que passe a ser Parte nesta Convenção após a entrada
em vigor de emendas conforme o parágrafo 4 do presente Artigo e que
não manifeste uma intenção em sentido contrario será considerado:
a) parte na presente Convenção assim emendada; e
b) parte na presente Convenção não emendada com relação a todo
Estado Parte que não esteja obrigado pelas emendas em questão.

163
Artigo 39: Textos autênticos
A presente Convenção está redigida em árabe, chinês, espanhol,
francês, inglês e russo, sendo os seis textos igualmente autênticos.
Artigo 40: Registro
Em conformidade com o disposto no Artigo 102 da Carta das
Nações Unidas, a presente Convenção será registrada na Secretaria das
Nações Unidas por solicitação do Diretor Geral da UNESCO.

Feito em Paris neste dia três de novembro de 2003, em duas có-


pias autênticas que levam a assinatura do Presidente da 32a sessão da
Conferência Geral e do Diretor Geral da UNESCO. Estas duas cópias
serão depositadas nos arquivos da UNESCO. Cópias autenticadas se-
rão remetidas a todos os Estados a que se referem os Artigos 32 e 33,
bem como às Nações Unidas.

164
Decreto no 6.040,
de 7 de fevereiro de 2007

Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável


dos Povos e Comunidades Tradicionais.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe


confere o art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição,

DECRETA:
Art. 1o Fica instituída a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT, na for-
ma do Anexo a este Decreto.
Art. 2o Compete à Comissão Nacional de Desenvolvimento Sus-
tentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - CNPCT, criada
pelo Decreto de 13 de julho de 2006, coordenar a implementação
da Política Nacional para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais.
Art. 3o Para os fins deste Decreto e do seu Anexo compreende-se por:
I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente dife-
renciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas pró-
prias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas
gerados e transmitidos pela tradição;

165
II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução
cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais,
sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado,
no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectiva-
mente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações; e
III - Desenvolvimento Sustentável: o uso equilibrado dos recursos
naturais, voltado para a melhoria da qualidade de vida da presente
geração, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras.
Art. 4o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 7 de fevereiro de 2007; 186o da Independência e 119o da


República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Patrus Ananias
Marina Silva

Este texto não substitui o publicado no DOU de 8.2.2007.

Anexo
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais

Princípios
Art. 1º As ações e atividades voltadas para o alcance dos objeti-
vos da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
e Comunidades Tradicionais deverão ocorrer de forma intersetorial,
integrada, coordenada, sistemática e observar os seguintes princípios:

166
I - o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade socio-
ambiental e cultural dos povos e comunidades tradicionais, levando-
-se em conta, dentre outros aspectos, os recortes etnia, raça, gênero,
idade, religiosidade, ancestralidade, orientação sexual e atividades la-
borais, entre outros, bem como a relação desses em cada comunidade
ou povo, de modo a não desrespeitar, subsumir ou negligenciar as
diferenças dos mesmos grupos, comunidades ou povos ou, ainda, ins-
taurar ou reforçar qualquer relação de desigualdade;
II - a visibilidade dos povos e comunidades tradicionais deve se
expressar por meio do pleno e efetivo exercício da cidadania;
III - a segurança alimentar e nutricional como direito dos povos e
comunidades tradicionais ao acesso regular e permanente a alimentos
de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a
outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares
promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam
ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis;
IV - o acesso em linguagem acessível à informação e ao conheci-
mento dos documentos produzidos e utilizados no âmbito da Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais;
V - o desenvolvimento sustentável como promoção da melhoria da
qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais nas gerações
atuais, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras e
respeitando os seus modos de vida e as suas tradições;
VI - a pluralidade socioambiental, econômica e cultural das comu-
nidades e dos povos tradicionais que interagem nos diferentes biomas
e ecossistemas, sejam em áreas rurais ou urbanas;
VII - a promoção da descentralização e transversalidade das ações e da
ampla participação da sociedade civil na elaboração, monitoramento e exe-
cução desta Política a ser implementada pelas instâncias governamentais;
VIII - o reconhecimento e a consolidação dos direitos dos povos e
comunidades tradicionais;

167
IX - a articulação com as demais políticas públicas relacionadas aos
direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais nas diferentes esferas
de governo;
X - a promoção dos meios necessários para a efetiva participação
dos Povos e Comunidades Tradicionais nas instâncias de contro-
le social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e
interesses;
XI - a articulação e integração com o Sistema Nacional de Seguran-
ça Alimentar e Nutricional;
XII - a contribuição para a formação de uma sensibilização coletiva
por parte dos órgãos públicos sobre a importância dos direitos huma-
nos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e do controle social
para a garantia dos direitos dos povos e comunidades tradicionais;
XIII - a erradicação de todas as formas de discriminação, incluindo
o combate à intolerância religiosa; e
XIV - a preservação dos direitos culturais, o exercício de práticas
comunitárias, a memória cultural e a identidade racial e étnica.

Objetivo geral
Art. 2o A PNPCT tem como principal objetivo promover o de-
senvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais,
com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus
direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com
respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e
suas instituições.

Objetivos específicos
Art. 3o São objetivos específicos da PNPCT:
I - garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios, e
o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua
reprodução física, cultural e econômica;

168
II - solucionar e/ou minimizar os conflitos gerados pela implantação
de Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicio-
nais e estimular a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável;
III - implantar infra-estrutura adequada às realidades sócio-cultu-
rais e demandas dos povos e comunidades tradicionais;
IV - garantir os direitos dos povos e das comunidades tradi-
cionais afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e
empreendimentos;
V - garantir e valorizar as formas tradicionais de educação e fortale-
cer processos dialógicos como contribuição ao desenvolvimento pró-
prio de cada povo e comunidade, garantindo a participação e controle
social tanto nos processos de formação educativos formais quanto nos
não-formais;
VI - reconhecer, com celeridade, a auto-identificação dos povos e
comunidades tradicionais, de modo que possam ter acesso pleno aos
seus direitos civis individuais e coletivos;
VII - garantir aos povos e comunidades tradicionais o acesso aos
serviços de saúde de qualidade e adequados às suas características só-
cio-culturais, suas necessidades e demandas, com ênfase nas concep-
ções e práticas da medicina tradicional;
VIII - garantir no sistema público previdenciário a adequação às
especificidades dos povos e comunidades tradicionais, no que diz res-
peito às suas atividades ocupacionais e religiosas e às doenças decor-
rentes destas atividades;
IX - criar e implementar, urgentemente, uma política pública de
saúde voltada aos povos e comunidades tradicionais;
X - garantir o acesso às políticas públicas sociais e a participação
de representantes dos povos e comunidades tradicionais nas instâncias
de controle social;
XI - garantir nos programas e ações de inclusão social recortes di-
ferenciados voltados especificamente para os povos e comunidades
tradicionais;

169
XII - implementar e fortalecer programas e ações voltados às rela-
ções de gênero nos povos e comunidades tradicionais, assegurando a
visão e a participação feminina nas ações governamentais, valorizando
a importância histórica das mulheres e sua liderança ética e social;
XIII - garantir aos povos e comunidades tradicionais o acesso e a
gestão facilitados aos recursos financeiros provenientes dos diferentes
órgãos de governo;
XIV - assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e cole-
tivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais, sobretudo
nas situações de conflito ou ameaça à sua integridade;
XV - reconhecer, proteger e promover os direitos dos povos e co-
munidades tradicionais sobre os seus conhecimentos, práticas e usos
tradicionais;
XVI - apoiar e garantir o processo de formalização institucional,
quando necessário, considerando as formas tradicionais de organiza-
ção e representação locais; e
XVII - apoiar e garantir a inclusão produtiva com a promoção de
tecnologias sustentáveis, respeitando o sistema de organização social
dos povos e comunidades tradicionais, valorizando os recursos natu-
rais locais e práticas, saberes e tecnologias tradicionais.

Dos instrumentos de implementação


Art. 4o São instrumentos de implementação da Política Nacio-
nal de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais:
I - os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comu-
nidades Tradicionais;
II - a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Po-
vos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto de 13 de
julho de 2006;
III - os fóruns regionais e locais; e
IV - o Plano Plurianual.

170
Dos planos de desenvolvimento sustentável dos povos e comuni-
dades tradicionais
Art. 5o Os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais têm por objetivo fundamentar e orientar
a implementação da PNPCT e consistem no conjunto das ações de
curto, médio e longo prazo, elaboradas com o fim de implementar,
nas diferentes esferas de governo, os princípios e os objetivos estabe-
lecidos por esta Política:
I - os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comuni-
dades Tradicionais poderão ser estabelecidos com base em parâmetros
ambientais, regionais, temáticos, étnico-socio-culturais e deverão ser
elaborados com a participação eqüitativa dos representantes de órgãos
governamentais e dos povos e comunidades tradicionais envolvidos;
II - a elaboração e implementação dos Planos de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais poderá se dar por
meio de fóruns especialmente criados para esta finalidade ou de outros
cuja composição, área de abrangência e finalidade sejam compatíveis
com o alcance dos objetivos desta Política; e
III - o estabelecimento de Planos de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais não é limitado, desde que res-
peitada a atenção equiparada aos diversos segmentos dos povos e co-
munidades tradicionais, de modo a não convergirem exclusivamente
para um tema, região, povo ou comunidade.
Das disposições finais
Art. 6o A Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais deverá, no âmbito de suas
competências e no prazo máximo de noventa dias:
I - dar publicidade aos resultados das Oficinas Regionais que sub-
sidiaram a construção da PNPCT, realizadas no período de 13 a 23
de setembro de 2006;

171
II - estabelecer um Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentá-
vel para os Povos e Comunidades Tradicionais, o qual deverá ter como
base os resultados das Oficinas Regionais mencionados no inciso I; e
III - propor um Programa Multi-setorial destinado à implementa-
ção do Plano Nacional mencionado no inciso II no âmbito do Plano
Plurianual.

172
Decreto no 6.177,
de 1o de agosto de 2007

Promulga a Convenção sobre a Proteção e Promoção da


Diversidade das Expressões Culturais, assinada em Paris, em
20 de outubro de 2005.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe


confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e
Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do
Decreto Legislativo no 485, de 20 de dezembro de 2006, o texto da
Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expres-
sões Culturais, assinada em Paris, em 20 de outubro de 2005;
Considerando que o Brasil fez o depósito do Instrumento de Rati-
ficação em 16 de janeiro de 2007;
Considerando que a Convenção entrou em vigor internacional em
18 de março de 2007, nos termos do art. 29;

DECRETA:
Art. 1o A Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais, assinada em Paris, em 20 de outubro de
2005, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumpri-
da tão inteiramente como nela se contém.
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer
atos que possam resultar em revisão da referida Convenção ou que

173
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacio-
nal, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição.
Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 1º de agosto de 2007; 186o da Independência e 119o da


República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Celso Luiz Nunes Amorim

Este texto não substitui o publicado no DOU de 2.8.2007

.........

CONVENÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DA


DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS
..........

Paris, 20 de outubro de 2005

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Edu-


cação, a Ciência e a Cultura, em sua 33a reunião, celebrada em Paris,
de 3 a 21 de outubro de 2005,
Afirmando que a diversidade cultural é uma característica essencial
da humanidade,
Ciente de que a diversidade cultural constitui patrimônio comum
da humanidade, a ser valorizado e cultivado em benefício de todos,
Sabendo que a diversidade cultural cria um mundo rico e variado
que aumenta a gama de possibilidades e nutre as capacidades e valores

174
humanos, constituindo, assim, um dos principais motores do desen-
volvimento sustentável das comunidades, povos e nações,
Recordando que a diversidade cultural, ao florescer em um am-
biente de democracia, tolerância, justiça social e mútuo respeito entre
povos e culturas, é indispensável para a paz e a segurança no plano
local, nacional e internacional,
Celebrando a importância da diversidade cultural para a plena
realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais pro-
clamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e outros
instrumentos universalmente reconhecidos,
Destacando a necessidade de incorporar a cultura como elemento
estratégico das políticas de desenvolvimento nacionais e internacio-
nais, bem como da cooperação internacional para o desenvolvimento,
e tendo igualmente em conta a Declaração do Milênio das Nações
Unidas (2000), com sua ênfase na erradicação da pobreza,
Considerando que a cultura assume formas diversas através do
tempo e do espaço, e que esta diversidade se manifesta na origina-
lidade e na pluralidade das identidades, assim como nas expressões
culturais dos povos e das sociedades que formam a humanidade,
Reconhecendo a importância dos conhecimentos tradicionais
como fonte de riqueza material e imaterial, e, em particular, dos sis-
temas de conhecimento das populações indígenas, e sua contribuição
positiva para o desenvolvimento sustentável, assim como a necessida-
de de assegurar sua adequada proteção e promoção,
Reconhecendo a necessidade de adotar medidas para proteger a
diversidade das expressões culturais incluindo seus conteúdos, espe-
cialmente nas situações em que expressões culturais possam estar ame-
açadas de extinção ou de grave deterioração,
Enfatizando a importância da cultura para a coesão social em geral,
e, em particular, o seu potencial para a melhoria da condição da mu-
lher e de seu papel na sociedade,

175
Ciente de que a diversidade cultural se fortalece mediante a livre
circulação de idéias e se nutre das trocas constantes e da interação
entre culturas,
Reafirmando que a liberdade de pensamento, expressão e informa-
ção, bem como a diversidade da mídia, possibilitam o florescimento
das expressões culturais nas sociedades,
Reconhecendo que a diversidade das expressões culturais, incluin-
do as expressões culturais tradicionais, é um fator importante, que
possibilita aos indivíduos e aos povos expressarem e compartilharem
com outros as suas idéias e valores,
Recordando que a diversidade lingüística constitui elemento fun-
damental da diversidade cultural, e reafirmando o papel fundamental
que a educação desempenha na proteção e promoção das expressões
culturais,
Tendo em conta a importância da vitalidade das culturas para to-
dos, incluindo as pessoas que pertencem a minorias e povos indígenas,
tal como se manifesta em sua liberdade de criar, difundir e distribuir
as suas expressões culturais tradicionais, bem como de ter acesso a elas,
de modo a favorecer o seu próprio desenvolvimento,
Sublinhando o papel essencial da interação e da criatividade cul-
turais, que nutrem e renovam as expressões culturais, e fortalecem o
papel desempenhado por aqueles que participam no desenvolvimento
da cultura para o progresso da sociedade como um todo,
Reconhecendo a importância dos direitos da propriedade intelec-
tual para a manutenção das pessoas que participam da criatividade
cultural,
Convencida de que as atividades, bens e serviços culturais possuem
dupla natureza, tanto econômica quanto cultural, uma vez que são
portadores de identidades, valores e significados, não devendo, por-
tanto, ser tratados como se tivessem valor meramente comercial,
Constatando que os processos de globalização, facilitado pela rápi-
da evolução das tecnologias de comunicação e informação, apesar de

176
proporcionarem condições inéditas para que se intensifique a intera-
ção entre culturas, constituem também um desafio para a diversidade
cultural, especialmente no que diz respeito aos riscos de desequilíbrios
entre países ricos e pobres,
Ciente do mandato específico confiado à UNESCO para assegurar
o respeito à diversidade das culturas e recomendar os acordos inter-
nacionais que julgue necessários para promover a livre circulação de
idéias por meio da palavra e da imagem,
Referindo-se às disposições dos instrumentos internacionais ado-
tados pela UNESCO relativos à diversidade cultural e ao exercício
dos direitos culturais, em particular a Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural, de 2001,
Adota, em 20 de outubro de 2005, a presente Convenção.

I. Objetivos e princípios diretores


Artigo 1 – Objetivos
Os objetivos da presente Convenção são:
a) proteger e promover a diversidade das expressões culturais;
b) criar condições para que as culturas floresçam e interajam livre-
mente em benefício mútuo;
c) encorajar o diálogo entre culturas a fim de assegurar intercâm-
bios culturais mais amplos e equilibrados no mundo em favor do res-
peito intercultural e de uma cultura da paz;
d) fomentar a interculturalidade de forma a desenvolver a intera-
ção cultural, no espírito de construir pontes entre os povos;
e) promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e a
conscientização de seu valor nos planos local, nacional e internacional;
f ) reafirmar a importância do vínculo entre cultura e desenvol-
vimento para todos os países, especialmente para países em desen-
volvimento, e encorajar as ações empreendidas no plano nacional e
internacional para que se reconheça o autêntico valor desse vínculo;

177
g) reconhecer natureza específica das atividades, bens e serviços
culturais enquanto portadores de identidades, valores e significados;
h) reafirmar o direito soberano dos Estados de conservar, adotar e
implementar as políticas e medidas que considerem apropriadas para
a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seu
território;
i) fortalecer a cooperação e a solidariedade internacionais em um
espírito de parceria visando, especialmente, o aprimoramento das ca-
pacidades dos países em desenvolvimento de protegerem e de promo-
verem a diversidade das expressões culturais.
Artigo 2 - Princípios Diretores
1. Princípio do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais
A diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida
se estiverem garantidos os direitos humanos e as liberdades funda-
mentais, tais como a liberdade de expressão, informação e comuni-
cação, bem como a possibilidade dos indivíduos de escolherem ex-
pressões culturais. Ninguém poderá invocar as disposições da presente
Convenção para atentar contra os direitos do homem e as liberdades
fundamentais consagrados na Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos e garantidos pelo direito internacional, ou para limitar o âm-
bito de sua aplicação.
2. Princípio da soberania
De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios
do direito internacional, os Estados têm o direito soberano de adotar
medidas e políticas para a proteção e promoção da diversidade das
expressões culturais em seus respectivos territórios.
3. Princípio da igual dignidade e do respeito por todas as culturas
A proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais
pressupõem o reconhecimento da igual dignidade e o respeito por

178
todas as culturas, incluindo as das pessoas pertencentes a minorias e
as dos povos indígenas.
4. Princípio da solidariedade e cooperação internacionais
A cooperação e a solidariedade internacionais devem permitir a
todos os países, em particular os países em desenvolvimento, criarem
e fortalecerem os meios necessários a sua expressão cultural – incluin-
do as indústrias culturais, sejam elas nascentes ou estabelecidas – nos
planos local, nacional e internacional.
5. Princípio da complementaridade dos aspectos econômicos e culturais
do desenvolvimento
Sendo a cultura um dos motores fundamentais do desenvolvimen-
to, os aspectos culturais deste são tão importantes quanto os seus as-
pectos econômicos, e os indivíduos e povos têm o direito fundamental
de dele participarem e se beneficiarem.
6. Princípio do desenvolvimento sustentável
A diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos
e as sociedades. A proteção, promoção e manutenção da diversidade
cultural é condição essencial para o desenvolvimento sustentável em
benefício das gerações atuais e futuras.
7. Princípio do acesso eqüitativo
O acesso eqüitativo a uma rica e diversificada gama de expressões
culturais provenientes de todo o mundo e o acesso das culturas aos
meios de expressão e de difusão constituem importantes elementos
para a valorização da diversidade cultural e o incentivo ao entendi-
mento mútuo.
8. Princípio da abertura e do equilíbrio
Ao adotarem medidas para favorecer a diversidade das expressões
culturais, os Estados buscarão promover, de modo apropriado, a aber-
tura a outras culturas do mundo e garantir que tais medidas estejam em
conformidade com os objetivos perseguidos pela presente Convenção.

179
II. Campo de aplicação
Artigo 3 - Campo de aplicação
A presente Convenção aplica-se a políticas e medidas adotadas pe-
las Partes relativas à proteção e promoção da diversidade das expres-
sões culturais.

III. Definições
Artigo 4 – Definições
Para os fins da presente Convenção, fica entendido que:
1. Diversidade Cultural
“Diversidade cultural” refere-se à multiplicidade de formas pelas
quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão.
Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades.
A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas
pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultu-
ral da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas
também através dos diversos modos de criação, produção, difusão,
distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os
meios e tecnologias empregados.
2. Conteúdo Cultural
“Conteúdo cultural” refere-se ao caráter simbólico, dimensão artís-
tica e valores culturais que têm por origem ou expressam identidades
culturais.
3. Expressões culturais
“Expressões culturais” são aquelas expressões que resultam da cria-
tividade de indivíduos, grupos e sociedades e que possuem conteúdo
cultural.

180
4. Atividades, bens e serviços culturais
“Atividades, bens e serviços culturais” refere-se às atividades, bens
e serviços que, considerados sob o ponto de vista da sua qualidade,
uso ou finalidade específica, incorporam ou transmitem expressões
culturais, independentemente do valor comercial que possam ter. As
atividades culturais podem ser um fim em si mesmas, ou contribuir
para a produção de bens e serviços culturais.
5. Indústrias culturais
“Indústrias culturais” refere-se às indústrias que produzem e distri-
buem bens e serviços culturais, tais como definidos no parágrafo 4 acima.
6. Políticas e medidas culturais
“Políticas e medidas culturais” refere-se às políticas e medidas rela-
cionadas à cultura, seja no plano local, regional, nacional ou interna-
cional, que tenham como foco a cultura como tal, ou cuja finalidade
seja exercer efeito direto sobre as expressões culturais de indivíduos,
grupos ou sociedades, incluindo a criação, produção, difusão e distri-
buição de atividades, bens e serviços culturais, e o acesso aos mesmos.
7. Proteção
“Proteção” significa a adoção de medidas que visem à preservação,
salvaguarda e valorização da diversidade das expressões culturais.
“Proteger” significa adotar tais medidas.
8. Interculturalidade
“Interculturalidade” refere-se à existência e interação eqüitativa de
diversas culturas, assim como à possibilidade de geração de expressões
culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo.

IV. Direitos e obrigações das partes


Artigo 5 - Regra geral em matéria de direitos e obrigações
1. As Partes, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, os
princípios do direito internacional e os instrumentos universalmente

181
reconhecidos em matéria de direitos humanos, reafirmam seu direi-
to soberano de formular e implementar as suas políticas culturais e
de adotar medidas para a proteção e a promoção da diversidade das
expressões culturais, bem como para o fortalecimento da cooperação
internacional, a fim de alcançar os objetivos da presente Convenção.
2. Quando uma Parte implementar políticas e adotar medidas
para proteger e promover a diversidade das expressões culturais em
seu território, tais políticas e medidas deverão ser compatíveis com as
disposições da presente Convenção.
Artigo 6 - Direitos das Partes no âmbito nacional
1. No marco de suas políticas e medidas culturais, tais como de-
finidas no artigo 4.6, e levando em consideração as circunstâncias e
necessidades que lhe são particulares, cada Parte poderá adotar me-
didas destinadas a proteger e promover a diversidade das expressões
culturais em seu território.
2. Tais medidas poderão incluir:
a) medidas regulatórias que visem à proteção e promoção da diver-
sidade das expressões cultuais;
b) medidas que, de maneira apropriada, criem oportunidades às
atividades, bens e serviços culturais nacionais – entre o conjunto das
atividades, bens e serviços culturais disponíveis no seu território –,
para a sua criação, produção, difusão, distribuição e fruição, incluindo
disposições relacionadas à língua utilizada nessas atividades, bens e
serviços;
c) medidas destinadas a fornecer às indústrias culturais nacionais
independentes e às atividades no setor informal acesso efetivo aos
meios de produção, difusão e distribuição das atividades, bens e ser-
viços culturais;
d) medidas voltadas para a concessão de apoio financeiro público;
e) medidas com o propósito de encorajar organizações de fins não-
-lucrativos, e também instituições públicas e privadas, artistas e outros

182
profissionais de cultura, a desenvolver e promover o livre intercâmbio
e circulação de idéias e expressões culturais, bem como de atividades,
bens e serviços culturais, e a estimular tanto a criatividade quanto o
espírito empreendedor em suas atividades;
f ) medidas com vistas a estabelecer e apoiar, de forma adequada, as
instituições pertinentes de serviço público;
g) medidas para encorajar e apoiar os artistas e todos aqueles envol-
vidos na criação de expressões culturais;
h) medidas objetivando promover a diversidade da mídia, inclusive
mediante serviços públicos de radiodifusão.
Artigo 7 - Medidas para a promoção das expressões culturais
1. As partes procurarão criar em seu território um ambiente que
encoraje indivíduos e grupos sociais a:
a) criar, produzir, difundir, distribuir suas próprias expressões
culturais, e a elas ter acesso, conferindo a devida atenção às circuns-
tâncias e necessidades especiais da mulher, assim como dos diversos
grupos sociais, incluindo as pessoas pertencentes às minorias e povos
indígenas;
b) ter acesso às diversas expressões culturais provenientes do seu
território e dos demais países do mundo;
2. As Partes buscarão também reconhecer a importante contri-
buição dos artistas, de todos aqueles envolvidos no processo criativo,
das comunidades culturais e das organizações que os apóiam em seu
trabalho, bem como o papel central que desempenham ao nutrir a
diversidade das expressões culturais.
Artigo 8 - Medidas para a proteção das expressões culturais
1. Sem prejuízo das disposições dos artigos 5 e 6, uma Parte poderá
diagnosticar a existência de situações especiais em que expressões cul-
turais em seu território estejam em risco de extinção, sob séria ameaça
ou necessitando de urgente salvaguarda.

183
2. As Partes poderão adotar todas as medidas apropriadas para pro-
teger e preservar as expressões culturais nas situações referidas no pará-
grafo 1, em conformidade com as disposições da presente Convenção.
3. As partes informarão ao Comitê Intergovernamental menciona-
do no Artigo 23 todas as medidas tomadas para fazer face às exigências
da situação, podendo o Comitê formular recomendações apropriadas.
Artigo 9 – Intercâmbio de informações e transparência
As Partes:
a) fornecerão, a cada quatro anos, em seus relatórios à UNESCO,
informação apropriada sobre as medidas adotadas para proteger e pro-
mover a diversidade das expressões culturais em seu território e no
plano internacional;
b) designarão um ponto focal, responsável pelo compartilhamento
de informações relativas à presente Convenção;
c) compartilharão e trocarão informações relativas à proteção e
promoção da diversidade das expressões culturais.
Artigo 10 - Educação e conscientização pública
As Partes deverão:
a) propiciar e desenvolver a compreensão da importância da pro-
teção e promoção da diversidade das expressões culturais, por inter-
médio, entre outros, de programas de educação e maior sensibilização
do público;
b) cooperar com outras Partes e organizações regionais e interna-
cionais para alcançar o objetivo do presente artigo;
c) esforçar-se por incentivar a criatividade e fortalecer as capacida-
des de produção, mediante o estabelecimento de programas de edu-
cação, treinamento e intercâmbio na área das indústrias culturais. Tais
medidas deverão ser aplicadas de modo a não terem impacto negativo
sobre as formas tradicionais de produção.

184
Artigo 11 - Participação da sociedade civil
As Partes reconhecem o papel fundamental da sociedade civil na
proteção e promoção da diversidade das expressões culturais. As Partes
deverão encorajar a participação ativa da sociedade civil em seus esfor-
ços para alcançar os objetivos da presente Convenção.
Artigo 12 - Promoção da cooperação internacional
As Partes procurarão fortalecer sua cooperação bilateral, regional
e internacional, a fim de criar condições propícias à promoção da di-
versidade das expressões culturais, levando especialmente em conta as
situações mencionadas nos Artigos 8 e 17, em particular com vistas a:
a) facilitar o diálogo entre as Partes sobre política cultural;
b) reforçar as capacidades estratégicas e de gestão do setor público
nas instituições públicas culturais, mediante intercâmbios culturais
profissionais e internacionais, bem como compartilhamento das me-
lhores práticas;
c) reforçar as parcerias com a sociedade civil, organizações não-go-
vernamentais e setor privado, e entre essas entidades, para favorecer e
promover a diversidade das expressões culturais;
d) promover a utilização das novas tecnologias e encorajar parce-
rias para incrementar o compartilhamento de informações, aumen-
tar a compreensão cultural e fomentar a diversidade das expressões
culturais;
e) encorajar a celebração de acordos de co-produção e de
co-distribuição.
Artigo 13 - Integração da cultura no desenvolvimento sustentável
As Partes envidarão esforços para integrar a cultura nas suas políti-
cas de desenvolvimento, em todos os níveis, a fim de criar condições
propícias ao desenvolvimento sustentável e, nesse marco, fomentar os
aspectos ligados à proteção e promoção da diversidade das expressões
culturais.

185
Artigo 14 - Cooperação para o desenvolvimento
As Partes procurarão apoiar a cooperação para o desenvolvimen-
to sustentável e a redução da pobreza, especialmente em relação às
necessidades específicas dos países em desenvolvimento, com vistas a
favorecer a emergência de um setor cultural dinâmico pelos seguintes
meios, entre outros:
a) o fortalecimento das indústrias culturais em países em
desenvolvimento:
i) criando e fortalecendo as capacidades de produção e distribuição
culturais nos países em desenvolvimento;
ii) facilitando um maior acesso de suas atividades, bens e servi-
ços culturais ao mercado global e aos circuitos internacionais de
distribuição;
iii) permitindo a emergência de mercados regionais e locais viáveis;
iv) adotando, sempre que possível, medidas apropriadas nos países
desenvolvidos com vistas a facilitar o acesso ao seu território das
atividades, bens e serviços culturais dos países em desenvolvimento;
v) apoiando o trabalho criativo e facilitando, na medida do possí-
vel, a mobilidade dos artistas dos países em desenvolvimento;
vi) encorajando uma apropriada colaboração entre países desen-
volvidos e em desenvolvimento, em particular nas áreas da música
e do cinema.
b) o fortalecimento das capacidades por meio do intercâmbio
de informações, experiências e conhecimentos especializados, assim
como pela formação de recursos humanos nos países em desenvolvi-
mento, nos setores púbico e privado, no que concerne notadamente as
capacidades estratégicas e gerenciais, a formulação e implementação
de políticas, a promoção e distribuição das expressões culturais, o de-
senvolvimento das médias, pequenas e micro empresas, e a utilização
das tecnologias e desenvolvimento e transferência de competências;

186
c) a transferência de tecnologias e conhecimentos mediante a
introdução de medidas apropriadas de incentivo, especialmente no
campo das indústrias e empresas culturais;
d) o apoio financeiro mediante:
i) o estabelecimento de um Fundo Internacional para a Diversida-
de Cultural conforme disposto no artigo 18;
ii) a concessão de assistência oficial ao desenvolvimento, segundo
proceda, incluindo a assistência técnica, a fim de estimular e incen-
tivar a criatividade;
iii) outras formas de assistência financeira, tais como empréstimos
com baixas taxas de juros, subvenções e outros mecanismos de
financiamento.

Artigo 15 – Modalidades de colaboração


As Partes incentivarão o desenvolvimento de parcerias entre o se-
tor público, o setor privado e organizações de fins não-lucrativos, e
também no interior dos mesmos, a fim de cooperar com os países em
desenvolvimento no fortalecimento de suas capacidades de proteger e
promover a diversidade das expressões culturais. Essas parcerias ino-
vadoras enfatizarão, de acordo com as necessidades concretas dos pa-
íses em desenvolvimento, a melhoria da infra-estrutura, dos recursos
humanos e políticos, assim como o intercâmbio de atividades, bens e
serviços culturais.

Artigo 16 - Tratamento preferencial para países em


desenvolvimento
Os países desenvolvidos facilitarão intercâmbios culturais com os
países em desenvolvimento garantindo, por meio dos instrumentos
institucionais e jurídicos apropriados, um tratamento preferencial aos
seus artistas e outros profissionais e praticantes da cultura, assim como
aos seus bens e serviços culturais.

187
Artigo 17 - Cooperação internacional em situações de grave
ameaça às expressões culturais
As Partes cooperarão para mutuamente se prestarem assistência,
conferindo especial atenção aos países em desenvolvimento, nas situ-
ações referidas no Artigo 8.
Artigo 18 - Fundo Internacional para a Diversidade Cultural
1. Fica instituído um Fundo Internacional para a Diversidade Cul-
tural, doravante denominado o “Fundo”.
2. O Fundo estará constituído por fundos fiduciários, em confor-
midade com o Regulamento Financeiro da UNESCO.
3. Os recursos do Fundo serão constituídos por:
a) contribuições voluntárias das Partes;
b) recursos financeiros que a Conferência-Geral da UNESCO as-
signe para tal fim;
c) contribuições, doações ou legados feitos por outros Estados, or-
ganismos e programas do sistema das Nações Unidas, organizações
regionais ou internacionais; entidades públicas ou privadas e pessoas
físicas;
d) juros sobre os recursos do Fundo;
e) o produto das coletas e receitas de eventos organizados em be-
nefício do Fundo;
f ) quaisquer outros recursos autorizados pelo regulamento do
Fundo.
4. A utilização dos recursos do Fundo será decidida pelo Comi-
tê Intergovernamental, com base nas orientações da Conferência das
Partes mencionada no Artigo 22.
5. O Comitê Intergovernamental poderá aceitar contribuições, ou
outras formas de assistência com finalidade geral ou específica que
estejam vinculadas a projetos concretos, desde que os mesmos contem
com a sua aprovação.

188
6. As contribuições ao Fundo não poderão estar vinculadas a qual-
quer condição política, econômica ou de outro tipo que seja incom-
patível com os objetivos da presente Convenção.
7. As Partes farão esforços para prestar contribuições voluntárias,
em bases regulares, para a implementação da presente Convenção.
Artigo 19 - Intercâmbio, análise e difusão de informações
1. As Partes comprometem-se a trocar informações e compartilhar
conhecimentos especializados relativos à coleta de dados e estatísticas
sobre a diversidade das expressões culturais, bem como sobre as me-
lhores práticas para a sua proteção e promoção.
2. A UNESCO facilitará, graças aos mecanismos existentes no seu
Secretariado, a coleta, análise e difusão de todas as informações, esta-
tísticas e melhores práticas sobre a matéria.
3. Adicionalmente, a UNESCO estabelecerá e atualizará um banco
de dados sobre os diversos setores e organismos governamentais, pri-
vadas e de fins não-lucrativos, que estejam envolvidos no domínio das
expressões culturais.
4. A fim de facilitar a coleta de dados, a UNESCO dará atenção
especial à capacitação e ao fortalecimento das competências das Partes
que requisitarem assistência na matéria.
5. A coleta de informações definida no presente artigo complemen-
tará as informações a que fazem referência as disposições do artigo 9.

V. Relações com outros instrumentos


Artigo 20 - Relações com outros instrumentos: apoio mútuo,
complementaridade e não-subordinação
1. As Partes reconhecem que deverão cumprir de boa-fé suas obri-
gações perante a presente Convenção e todos os demais tratados dos
quais sejam parte. Da mesma forma, sem subordinar esta Convenção
a qualquer outro tratado:

189
a) fomentarão o apoio mútuo entre esta Convenção e os outros
tratados dos quais são parte; e
b) ao interpretarem e aplicarem os outros tratados dos quais são
parte ou ao assumirem novas obrigações internacionais, as Partes leva-
rão em conta as disposições relevantes da presente Convenção.
2. Nada na presente Convenção será interpretado como modifi-
cando os direitos e obrigações das Partes decorrentes de outros trata-
dos dos quais sejam parte.
Artigo 21 – Consulta e coordenação internacional
As Partes comprometem-se a promover os objetivos e princípios da
presente Convenção em outros foros internacionais. Para esse fim, as
Partes deverão consultar-se, quando conveniente, tendo em mente os
mencionados objetivos e princípios.

VI. Órgãos da Convenção


Artigo 22 – Conferência das Partes
1. Fica estabelecida uma Conferência das Partes. A Conferência
das Partes é o órgão plenário e supremo da presente Convenção.
2. A Conferência das Partes se reúne em sessão ordinária a cada
dois anos, sempre que possível no âmbito da Conferência-Geral da
UNESCO. A Conferência das Partes poderá reunir-se em sessão ex-
traordinária, se assim o decidir, ou se solicitação for dirigida ao Comi-
tê Intergovernamental por ao menos um terço das Partes.
3. A Conferência das Partes adotará o seu próprio Regimento interno.
4. As funções da Conferência das Partes são, entre outras:
a) eleger os Membros do Comitê Intergovernamental;
b) receber e examinar relatórios das Partes da presente Convenção
transmitidos pelo Comitê Intergovernamental;
c) aprovar as diretrizes operacionais preparadas, a seu pedido, pelo
Comitê Intergovernamental;

190
d) adotar quaisquer outras medidas que considere necessárias para
promover os objetivos da presente Convenção.
Artigo 23 – Comitê Intergovernamental
1. Fica instituído junto à UNESCO um Comitê Intergoverna-
mental para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais, doravante referido como “Comitê Intergovernamental”.
Ele é composto por representantes de 18 Estados-Partes da Conven-
ção, eleitos pela Conferência das Partes para um mandato de quatro
anos, a partir da entrada em vigor da presente Convenção, conforme
o artigo 29.
2. O Comitê Intergovernamental se reúne em sessões anuais.
3. O Comitê Intergovernamental funciona sob a autoridade e em
conformidade com as diretrizes da Conferência das Partes, à qual pres-
ta contas.
4. Os número de membros do Comitê Intergovernamental será
elevado para 24 quando o número de membros da presente Conven-
ção chegar a 50.
5. A eleição dos membros do Comitê Intergovernamental é ba-
seada nos princípios da representação geográfica eqüitativa e da
rotatividade.
6. Sem prejuízo de outras responsabilidades a ele conferidas pela
presente Convenção, o Comitê Intergovernamental tem as seguintes
funções:
a) promover os objetivos da presente Convenção, incentivar e mo-
nitorar a sua implementação;
b) preparar e submeter à aprovação da Conferência das Partes, me-
diante solicitação, as diretrizes operacionais relativas à implementação
e aplicação das disposições da presente Convenção;
c) transmitir à Conferência das Partes os relatórios das Partes
da Convenção acompanhados de observações e um resumo de seus
conteúdos;

191
d) fazer recomendações apropriadas para situações trazidas à sua
atenção pelas Partes da Convenção, de acordo com as disposições per-
tinentes da Convenção, em particular o Artigo 8;
e) estabelecer os procedimentos e outros mecanismos de consulta
que visem à promoção dos objetivos e princípios da presente Conven-
ção em outros foros internacionais;
f ) realizar qualquer outra tarefa que lhe possa solicitar a Conferên-
cia das Partes.
7. O Comitê Intergovernamental, em conformidade com o seu
Regimento interno, poderá, a qualquer momento, convidar organis-
mos públicos ou privados ou pessoas físicas a participarem das suas
reuniões para consultá-los sobre questões específicas.
8. O Comitê Intergovernamental elaborará o seu próprio Regi-
mento interno e o submeterá à aprovação da Conferências das Partes.
Artigo 24 – Secretariado da UNESCO
1. Os órgãos da presente Convenção serão assistidos pelo Secreta-
riado da UNESCO.
2. O Secretariado preparará a documentação da Conferência das
Partes e do Comitê Intergovernamental, assim como o projeto de
agenda de suas reuniões, prestando auxílio na implementação de suas
decisões e informando sobre a aplicação das mesmas.

VII. Disposições finais


Artigo 25 - Solução de controvérsias
1. Em caso de controvérsia acerca da interpretação ou aplica-
ção da presente Convenção, as Partes buscarão resolvê-la mediante
negociação.
2. Se as Partes envolvidas não chegarem a acordo por negociação,
poderão recorrer conjuntamente aos bons ofícios ou à mediação de
uma terceira parte.

192
3. Se os bons ofícios ou a mediação não forem adotados, ou se não
for possível superar a controvérsia pela negociação, bons ofícios ou
mediação, uma Parte poderá recorrer à conciliação, em conformidade
com o procedimento constante do Anexo à presente Convenção. As
Partes considerarão de boa-fé a proposta de solução da controvérsia
apresentada pela Comissão de Conciliação.
4. Cada Parte poderá, no momento da ratificação, aceitação,
aprovação ou adesão, declarar que não reconhece o procedimento de
conciliação acima disposto. Toda Parte que tenha feito tal declara-
ção poderá, a qualquer momento, retirá-la mediante notificação ao
Diretor-Geral da UNESCO.
Artigo 26 - Ratificação, aceitação, aprovação ou adesão por
Estados-Membros
1. A presente Convenção estará sujeita à ratificação, aceitação,
aprovação ou adesão dos Estados membros da UNESCO, em confor-
midade com os seus respectivos procedimentos constitucionais.
2. Os instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão
serão depositados junto ao Diretor-Geral da UNESCO.
Artigo 27 - Adesão
1. A presente Convenção estará aberta à adesão de qualquer Estado
não-membro da UNESCO, desde que pertença à Organização das
Nações Unidas ou a algum dos seus organismos especializados e que
tenha sido convidado pela Conferência-Geral da Organização a aderir
à Convenção.
2. A presente Convenção estará também aberta à adesão de terri-
tórios que gozem de plena autonomia interna reconhecida como tal
pelas Nações Unidas, mas que não tenham alcançado a total indepen-
dência em conformidade com a Resolução 1514 (XV) da Assembléia
Geral, e que tenham competência nas matérias de que trata a presente

193
Convenção, incluindo a competência para concluir tratados relativos
a essas matérias.
3. As seguintes disposições aplicam-se a organizações regionais de
integração econômica:
a) a presente Convenção ficará também aberta à adesão de toda
organização regional de integração econômica, que estará, exceto
conforme estipulado abaixo, plenamente vinculada às disposições da
Convenção, da mesma maneira que os Estados Parte.
b) se um ou mais Estados membros dessas organizações forem
igualmente Partes da presente Convenção, a organização e o Estado
ou Estados membros decidirão sobre suas respectivas responsabilida-
des no que tange ao cumprimento das obrigações decorrentes da pre-
sente Convenção. Tal divisão de responsabilidades terá efeito após o
término do procedimento de notificação descrito no inciso (c) abaixo.
A organização e seus Estados membros não poderão exercer, conco-
mitantemente, os direitos que emanam da presente Convenção. Além
disso, nas matérias de sua competência, as organizações regionais de
integração econômica poderão exercer o direito de voto com um nú-
mero de votos igual ao número de seus Estados membros que sejam
Partes da Convenção. Tais organizações não poderão exercer o direito
a voto se qualquer dos seus membros o fizer, e vice-versa.
c) a organização regional de integração econômica e seu Estado ou
Estados membros que tenham acordado a divisão de responsabilidades
prevista no inciso (b) acima, o informarão às Partes do seguinte modo:
i) em seu instrumento de adesão, tal organização declarará, de
forma precisa, a divisão de suas responsabilidades com respeito às
matérias regidas pela Convenção;
ii) em caso de posterior modificação das respectivas responsabili-
dades, a organização regional de integração econômica informará
ao depositário de toda proposta de modificação dessas responsabi-
lidades; o depositário deverá, por sua vez, informar as Partes de tal
modificação.

194
d) os Estados membros de uma organização regional de integra-
ção econômica que se tenham tornado Partes da presente Convenção
são supostos manter a competência sobre todas as matérias que não
tenham sido, mediante expressa declaração ou informação ao deposi-
tário, objeto de transferência competência à organização.
e) entende-se por “organização regional de integração econômi-
ca” toda organização constituída por Estados soberanos, membros
das Nações Unidas ou de um de seus organismos especializados, à
qual tais Estados tenham transferido suas competências em matérias
regidas pela presente Convenção, e que haja sido devidamente auto-
rizada, de acordo com seus procedimentos internos, a tornar-se Parte
da Convenção.
4. O instrumento de adesão será depositado junto ao Diretor-
-Geral da UNESCO.
Artigo 28 - Ponto focal
Ao aderir à presente Convenção, cada Parte designará o “ponto
focal” referido no artigo 9.
Artigo 29 - Entrada em vigor
1. A presente Convenção entrará em vigor três meses após a data
de depósito do trigésimo instrumento de ratificação, aceitação, apro-
vação ou adesão, mas unicamente em relação aos Estados ou orga-
nizações regionais de integração econômica que tenham depositado
os seus respectivos instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação
ou adesão naquela data ou anteriormente. Para as demais Partes, a
Convenção entrará em vigor três meses após a data do depósito de seu
instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.
2. Para os fins do presente artigo, nenhum instrumento deposita-
do por organização regional de integração econômica será contado
como adicional àqueles depositados pelos Estados membros da refe-
rida organização.

195
Artigo 30 - Sistemas constitucionais não-unitários ou
federativos
Reconhecendo que os acordos internacionais vinculam de mesmo
modo as Partes, independentemente de seus sistemas constitucionais,
as disposições a seguir aplicam-se às Partes com regime constitucional
federativo ou não-unitário:
a) no que se refere às disposições da presente Convenção cuja apli-
cação seja da competência do poder legislativo federal ou central, as
obrigações do governo federal ou central serão as mesmas das Partes
que não são Estados federativos;
b) no que se refere às disposições desta Convenção cuja aplicação
seja da competência de cada uma das unidades constituintes, sejam
elas Estados, condados, províncias ou cantões que, em virtude do sis-
tema constitucional da federação, não tenham a obrigação de adotar
medidas legislativas, o governo federal comunicará, quando necessá-
rio, essas disposições às autoridades competentes das unidades cons-
tituintes, sejam elas Estados, condados, províncias ou cantões, com a
recomendação de que sejam aplicadas.
Artigo 31 - Denúncia
1. Cada uma das Partes poderá denunciar a presente Convenção.
2. A denúncia será notificada em instrumento escrito depositado
junto ao Diretor-Geral da UNESCO.
3. A denúncia terá efeito doze meses após a recepção do respecti-
vo instrumento. A denúncia não modificará em nada as obrigações
financeiras que a Parte denunciante assumiu até a data de efetivação
da retirada.
Artigo 32 - Funções de Depositário
O Diretor-Geral da UNESCO, na condição de depositário da pre-
sente Convenção, informará aos Estados membros da Organização,

196
aos Estados não-membros e às organizações regionais de integração
econômica a que se refere o Artigo 27, assim como às Nações Unidas,
sobre o depósito de todos os instrumentos de ratificação, aceitação,
aprovação ou adesão mencionados nos artigos 26 e 27, bem como
sobre as denúncias previstas no Artigo 31.
Artigo 33 – Emendas
1. Toda Parte poderá, por comunicação escrita dirigida ao Dire-
tor-Geral, propor emendas à presente Convenção. O Diretor-Geral
transmitirá essa comunicação às demais Partes. Se, no prazo de seis
meses a partir da data da transmissão da comunicação, pelo menos
metade dos Estados responder favoravelmente a essa demanda, o Di-
retor-Geral apresentará a proposta à próxima sessão da Conferência
das Partes para discussão e eventual adoção.
2. As emendas serão adotadas por uma maioria de dois terços das
Partes presentes e votantes.
3. Uma vez adotadas, as emendas à presente Convenção serão sub-
metidas às Partes para ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.
4. Para as Partes que as tenham ratificado, aceitado, aprovado ou a
elas aderido, as emendas à presente Convenção entrarão em vigor três
meses após o depósito dos instrumentos referidos no parágrafo 3 deste
Artigo por dois terços das Partes. Subseqüentemente, para cada Parte
que a ratifique, aceite, aprove ou a ela adira, a emenda entrará em
vigor três meses após a data do depósito por essa Parte do respectivo
instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.
5. O procedimento estabelecido nos parágrafos 3 e 4 não se apli-
carão às emendas ao artigo 23 relativas ao número de membros do
Comitê Intergovernamental. Tais emendas entrarão em vigor no mo-
mento em que forem adotadas.
6. Um Estado, ou uma organização regional de integração eco-
nômica definida no artigo 27, que se torne Parte da presente Con-
venção após a entrada em vigor de emendas conforme o parágrafo 4

197
do presente Artigo, e que não manifeste uma intenção diferente, será
considerado:
a) parte da presente Convenção assim emendada; e
b) parte da presente Convenção não-emendada relativamente a
toda Parte que não esteja vinculada a essa emenda.
Artigo 34 - Textos autênticos
A presente Convenção está redigida em árabe, chinês, espanhol,
francês, inglês e russo, sendo os seis textos igualmente autênticos.
Artigo 35 – Registro
Em conformidade com o disposto no artigo 102 da Carta das Na-
ções Unidas, a presente Convenção será registrada no Secretariado das
Nações Unidas por petição do Diretor-Geral da UNESCO.

Anexo
Procedimento de conciliação

Artigo 1 – Comissão de Conciliação


Por solicitação de uma das Partes da controvérsia, uma Comissão
de Conciliação será criada. Salvo se as Partes decidirem de outra ma-
neira, a Comissão será composta de 5 membros, sendo que cada uma
das Partes envolvidas indicará dois membros e o Presidente será esco-
lhido de comum acordo pelos 4 membros assim designados.
Artigo 2 – Membros da Comissão
Em caso de controvérsia entre mais de duas Partes, as Partes que
tenham o mesmo interesse designarão seus membros da Comissão
em comum acordo. Se ao menos duas Partes tiverem interesses in-
dependentes ou houver desacordo sobre a questão de saber se têm os
mesmos interesses, elas indicarão seus membros separadamente.

198
Artigo 3 – Nomeações
Se nenhuma indicação tiver sido feita pelas Partes dentro do prazo
de dois meses a partir da data de pedido de criação da Comissão de
Conciliação, o Diretor-Geral da UNESCO fará as indicações dentro
de um novo prazo de dois meses, caso solicitado pela Parte que apre-
sentou o pedido.
Artigo 4 – Presidente da Comissão
Se o Presidente da Comissão não tiver sido escolhido no prazo
de dois meses após a designação do último membro da Comissão,
o Diretor-Geral da UNESCO designará o Presidente dentro de um
novo prazo de dois meses, caso solicitado por uma das Partes.
Artigo 5 – Decisões
A Comissão de Conciliação tomará as suas decisões pela maioria
de seus membros. A menos que as Partes na controvérsia decidam de
outra maneira, a Comissão estabelecerá o seu próprio procedimento.
Ela proporá uma solução para a controvérsia, que as Partes examina-
rão de boa-fé.
Artigo 6 –Discordância
Em caso de desacordo sobre a competência da Comissão de Con-
ciliação, a mesma decidirá se é ou não competente.

199
200
Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas
A Assembleia Geral,
Tomando nota da recomendação que figura na resolução 1/2 do
Conselho dos Direitos Humanos, de 29 de junho de 2006, na qual o
Conselho aprovou o texto da Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas,
Recordando sua resolução 61/178, de 20 de dezembro de 2006,
em que decidiu adiar o exame e a adoção de medidas sobre a Declara-
ção a fim de dispor de mais tempo para seguir realizando consultas a
respeito, e decidiu também concluir o exame da Declaração antes de
que terminasse o sexagésimo-primeiro período de sessões,
Aprova a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Po-
vos Indígenas que figura no anexo da presente resolução.
107a Sessão Plenária 13 de setembro de 2007

Anexo
Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas
A Assembleia Geral,
Guiada pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e
pela boa-fé no cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados
de acordo com a Carta,

201
Afirmando que os povos indígenas são iguais a todos os demais povos
e reconhecendo ao mesmo tempo o direito de todos os povos a serem
diferentes, a se considerarem diferentes e a serem respeitados como tais,
Afirmando também que todos os povos contribuem para a diversi-
dade e a riqueza das civilizações e culturas, que constituem patrimô-
nio comum da humanidade,
Afirmando ainda que todas as doutrinas, políticas e práticas base-
adas na superioridade de determinados povos ou indivíduos, ou que
a defendem alegando razões de origem nacional ou diferenças raciais,
religiosas, étnicas ou culturais, são racistas, cientificamente falsas, juri-
dicamente inválidas, moralmente condenáveis e socialmente injustas,
Reafirmando que, no exercício de seus direitos, os povos indígenas
devem ser livres de toda forma de discriminação,
Preocupada com o fato de os povos indígenas terem sofrido in-
justiças históricas como resultado, entre outras coisas, da colonização
e da subtração de suas terras, territórios e recursos, o que lhes tem
impedido de exercer, em especial, seu direito ao desenvolvimento, em
conformidade com suas próprias necessidades e interesses,
Reconhecendo a necessidade urgente de respeitar e promover os
direitos intrínsecos dos povos indígenas, que derivam de suas estrutu-
ras políticas, econômicas e sociais e de suas culturas, de suas tradições
espirituais, de sua história e de sua concepção da vida, especialmente
os direitos às suas terras, territórios e recursos,
Reconhecendo também a necessidade urgente de respeitar e pro-
mover os direitos dos povos indígenas afirmados em tratados, acordos
e outros arranjos construtivos com os Estados,
Celebrando o fato de os povos indígenas estarem organizando-se
para promover seu desenvolvimento político, econômico, social e cul-
tural, e para pôr fim a todas as formas de discriminação e de opressão,
onde quer que ocorram,
Convencida de que o controle, pelos povos indígenas, dos aconteci-
mentos que os afetam e as suas terras, territórios e recursos lhes permitirá

202
manter e reforçar suas instituições, culturas e tradições e promover seu
desenvolvimento de acordo com suas aspirações e necessidades,
Reconhecendo que o respeito aos conhecimentos, às culturas e às
práticas tradicionais indígenas contribui para o desenvolvimento sus-
tentável e eqüitativo e para a gestão adequada do meio ambiente,
Enfatizando a contribuição da desmilitarização das terras e territó-
rios dos povos indígenas para a paz, o progresso e o desenvolvimento
econômico e social, a compreensão e as relações de amizade entre as
nações e os povos do mundo,
Reconhecendo, em particular, o direito das famílias e comunida-
des indígenas a continuarem compartilhando a responsabilidade pela
formação, a educação e o bem-estar dos seus filhos, em conformidade
com os direitos da criança,
Considerando que os direitos afirmados nos tratados, acordos e
outros arranjos construtivos entre os Estados e os povos indígenas são,
em algumas situações, assuntos de preocupação, interesse e responsa-
bilidade internacional, e têm caráter internacional,
Considerando também que os tratados, acordos e demais arranjos
construtivos, e as relações que estes representam, servem de base para
o fortalecimento da associação entre os povos indígenas e os Estados,
Reconhecendo que a Carta das Nações Unidas, o Pacto Interna-
cional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais1 e o Pacto Inter-
nacional de Direitos Civis e Políticos1, assim como a Declaração e o
Programa de Ação de Viena2 afirmam a importância fundamental do
direito de todos os povos à autodeterminação, em virtude do qual es-
tes determinam livremente sua condição política e buscam livremente
seu desenvolvimento econômico, social e cultural,
Tendo em mente que nada do disposto na presente Declaração
poderá ser utilizado para negar a povo algum seu direito à autode-
terminação, exercido em conformidade com o direito internacional,
Convencida de que o reconhecimento dos direitos dos povos in-
dígenas na presente Declaração fomentará relações harmoniosas e de

203
cooperação entre os Estados e os povos indígenas, baseadas nos prin-
cípios da justiça, da democracia, do respeito aos direitos humanos, da
não-discriminação e da boa-fé,
Incentivando os Estados a cumprirem e aplicarem eficazmente to-
das as suas obrigações para com os povos indígenas resultantes dos
instrumentos internacionais, em particular as relativas aos direitos hu-
manos, em consulta e cooperação com os povos interessados,
Enfatizando que corresponde às Nações Unidas desempenhar um
papel importante e contínuo de promoção e proteção dos direitos dos
povos indígenas,
Considerando que a presente Declaração constitui um novo passo
importante para o reconhecimento, a promoção e a proteção dos di-
reitos e das liberdades dos povos indígenas e para o desenvolvimento
de atividades pertinentes ao sistema das Nações Unidas nessa área,
Reconhecendo e reafirmando que os indivíduos indígenas têm di-
reito, sem discriminação, a todos os direitos humanos reconhecidos
no direito internacional, e que os povos indígenas possuem direitos
coletivos que são indispensáveis para sua existência, bem-estar e de-
senvolvimento integral como povos,
Reconhecendo também que a situação dos povos indígenas varia
conforme as regiões e os países e que se deve levar em conta o signifi-
cado das particularidades nacionais e regionais e das diversas tradições
históricas e culturais,
Proclama solenemente a Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas, cujo texto figura à continuação, como
ideal comum que deve ser perseguido em um espírito de solidariedade
e de respeito mútuo:
Artigo 1
Os indígenas têm direito, a título coletivo ou individual, ao ple-
no desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais

204
reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos3 e o direito internacional dos direitos
humanos.
Artigo 2
Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais
povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhu-
ma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que esteja
fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena.
Artigo 3
Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude
desse direito determinam livremente sua condição política e buscam
livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
Artigo 4
Os povos indígenas, no exercício do seu direito à autodetermina-
ção, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacio-
nadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem dos
meios para financiar suas funções autônomas.
Artigo 5
Os povos indígenas têm o direito de conservar e reforçar suas pró-
prias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais,
mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, caso
o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado.
Artigo 6

Todo indígena tem direito a uma nacionalidade.
Artigo 7
1. Os indígenas têm direito à vida, à integridade física e mental, à
liberdade e à segurança pessoal.

205
2. Os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade,
paz e segurança, como povos distintos, e não serão submetidos a qual-
quer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência, incluída a
transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
Artigo 8
1. Os povos e pessoas indígenas têm direito a não sofrer assimilação
forçada ou a destruição de sua cultura.
2. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a prevenção
e a reparação de:
a) Todo ato que tenha por objetivo ou conseqüência privar os po-
vos e as pessoas indígenas de sua integridade como povos distintos, ou
de seus valores culturais ou de sua identidade étnica;
b) Todo ato que tenha por objetivo ou conseqüência subtrair-lhes
suas terras, territórios ou recursos.
c) Toda forma de transferência forçada de população que tenha por
objetivo ou conseqüência a violação ou a diminuição de qualquer dos
seus direitos.
d) Toda forma de assimilação ou integração forçadas.
e) Toda forma de propaganda que tenha por finalidade promover
ou incitar a discriminação racial ou étnica dirigida contra eles.
Artigo 9
Os povos e pessoas indígenas têm o direito de pertencerem a uma
comunidade ou nação indígena, em conformidade com as tradições
e costumes da comunidade ou nação em questão. Nenhum tipo de
discriminação poderá resultar do exercício desse direito.
Artigo 10
Os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou
territórios. Nenhum traslado se realizará sem o consentimento livre,
prévio e informado dos povos indígenas interessados e sem um acordo

206
prévio sobre uma indenização justa e eqüitativa e, sempre que possí-
vel, com a opção do regresso.
Artigo 11
1. Os povos indígenas têm o direito de praticar e revitalizar suas
tradições e costumes culturais. Isso inclui o direito de manter, pro-
teger e desenvolver as manifestações passadas, presentes e futuras de
suas culturas, tais como sítios arqueológicos e históricos, utensílios,
desenhos, cerimônias, tecnologias, artes visuais e interpretativas e
literaturas.
2. Os Estados proporcionarão reparação por meio de mecanismos
eficazes, que poderão incluir a restituição, estabelecidos conjuntamen-
te com os povos indígenas, em relação aos bens culturais, intelectu-
ais, religiosos e espirituais de que tenham sido privados sem o seu
consentimento livre, prévio e informado, ou em violação às suas leis,
tradições e costumes.
Artigo 12
1. Os povos indígenas têm o direito de manifestar, praticar, de-
senvolver e ensinar suas tradições, costumes e cerimônias espirituais e
religiosas; de manter e proteger seus lugares religiosos e culturais e de
ter acesso a estes de forma privada; de utilizar e dispor de seus objetos
de culto e de obter a repatriação de seus restos humanos.
2. Os Estados procurarão facilitar o acesso e/ou a repatriação de
objetos de culto e restos humanos que possuam, mediante mecanis-
mos justos, transparentes e eficazes, estabelecidos conjuntamente com
os povos indígenas interessados.
Artigo 13
1. Os povos indígenas têm o direito de revitalizar, utilizar, desen-
volver e transmitir às gerações futuras suas histórias, idiomas, tradi-
ções orais, filosofias, sistemas de escrita e literaturas, e de atribuir no-
mes às suas comunidades, lugares e pessoas e de mantê-los.
207
2. Os Estados adotarão medidas eficazes para garantir a proteção
desse direito e também para assegurar que os povos indígenas possam
entender e ser entendidos em atos políticos, jurídicos e administrati-
vos, proporcionando para isso, quando necessário, serviços de inter-
pretação ou outros meios adequados.
Artigo 14
1. Os povos indígenas têm o direito de estabelecer e controlar seus
sistemas e instituições educativos, que ofereçam educação em seus
próprios idiomas, em consonância com seus métodos culturais de en-
sino e de aprendizagem.
2. Os indígenas, em particular as crianças, têm direito a todos os
níveis e formas de educação do Estado, sem discriminação.
3. Os Estados adotarão medidas eficazes, junto com os povos in-
dígenas, para que os indígenas, em particular as crianças, inclusive as
que vivem fora de suas comunidades, tenham acesso, quando possível,
à educação em sua própria cultura e em seu próprio idioma.
Artigo 15
1. Os povos indígenas têm direito a que a dignidade e a diversidade
de suas culturas, tradições, histórias e aspirações sejam devidamente
refletidas na educação pública e nos meios de informação públicos.
2. Os Estados adotarão medidas eficazes, em consulta e cooperação
com os povos indígenas interessados, para combater o preconceito e
eliminar a discriminação, e para promover a tolerância, a compre-
ensão e as boas relações entre os povos indígenas e todos os demais
setores da sociedade.
Artigo 16
1. Os povos indígenas têm o direito de estabelecer seus próprios meios
de informação, em seus próprios idiomas, e de ter acesso a todos os de-
mais meios de informação não- indígenas, sem qualquer discriminação.

208
2. Os Estados adotarão medidas eficazes para assegurar que os
meios de informação públicos reflitam adequadamente a diversidade
cultural indígena. Os Estados, sem prejuízo da obrigação de assegurar
plenamente a liberdade de expressão, deverão incentivar os meios de
comunicação privados a refletirem adequadamente a diversidade cul-
tural indígena.
Artigo 17
1. Os indivíduos e povos indígenas têm o direito de desfrutar ple-
namente de todos os direitos estabelecidos no direito trabalhista inter-
nacional e nacional aplicável.
2. Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indíge-
nas, adotarão medidas específicas para proteger as crianças indígenas
contra a exploração econômica e contra todo trabalho que possa ser
perigoso ou interferir na educação da criança, ou que possa ser preju-
dicial à saúde ou ao desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral
ou social da criança, tendo em conta sua especial vulnerabilidade e
a importância da educação para o pleno exercício dos seus direitos.
3. As pessoas indígenas têm o direito de não serem submetidas a
condições discriminatórias de trabalho, especialmente em matéria de
emprego ou de remuneração.
Artigo 18
Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de deci-
sões sobre questões que afetem seus direitos, por meio de representan-
tes por eles eleitos de acordo com seus próprios procedimentos, assim
como de manter e desenvolver suas próprias instituições de tomada
de decisões.
Artigo 19
Os Estados consultarão e cooperarão de boa-fé com os povos indí-
genas interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim

209
de obter seu consentimento livre, prévio e informado antes de adotar
e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem.
Artigo 20
1. Os povos indígenas têm o direito de manter e desenvolver seus
sistemas ou instituições políticas, econômicas e sociais, de que lhes
seja assegurado o desfrute de seus próprios meios de subsistência e
desenvolvimento e de dedicar-se livremente a todas as suas atividades
econômicas, tradicionais e de outro tipo.
2. Os povos indígenas privados de seus meios de subsistência e
desenvolvimento têm direito a uma reparação justa e eqüitativa.
Artigo 21
1. Os povos indígenas têm direito, sem qualquer discriminação,
à melhora de suas condições econômicas e sociais, especialmente nas
áreas da educação, emprego, capacitação e reconversão profissionais,
habitação, saneamento, saúde e seguridade social.
2. Os Estados adotarão medidas eficazes e, quando couber, medi-
das especiais para assegurar a melhora contínua
das condições econômicas e sociais dos povos indígenas. Particular
atenção será prestada aos direitos e às necessidades especiais de idosos,
mulheres, jovens, crianças e portadores de deficiência indígenas.
Artigo 22
1. Particular atenção será prestada aos direitos e às necessidades
especiais de idosos, mulheres, jovens, crianças e portadores de defici-
ência indígenas na aplicação da presente Declaração.
2. Os Estados adotarão medidas, junto com os povos indígenas,
para assegurar que as mulheres e as crianças indígenas desfrutem de
proteção e de garantias plenas contra todas as formas de violência e
de discriminação.

210
Artigo 23
Os povos indígenas têm o direito de determinar e elaborar priori-
dades e estratégias para o exercício do seu direito ao desenvolvimento.
Em especial, os povos indígenas têm o direito de participar ativamente
da elaboração e da determinação dos programas de saúde, habitação e
demais programas econômicos e sociais que lhes afetem e, na medida
do possível, de administrar esses programas por meio de suas próprias
instituições.
Artigo 24
1. Os povos indígenas têm direito a seus medicamentos tradicio-
nais e a manter suas práticas de saúde, incluindo a conservação de suas
plantas, animais e minerais de interesse vital do ponto de vista médi-
co. As pessoas indígenas têm também direito ao acesso, sem qualquer
discriminação, a todos os serviços sociais e de saúde.
2. Os indígenas têm o direito de usufruir, por igual, do mais alto
nível possível de saúde física e mental. Os Estados tomarão as medidas
que forem necessárias para alcançar progressivamente a plena realiza-
ção deste direito.
Artigo 25
Os povos indígenas têm o direito de manter e de fortalecer sua pró-
pria relação espiritual com as terras, territórios, águas, mares costeiros
e outros recursos que tradicionalmente possuam ou ocupem e utili-
zem, e de assumir as responsabilidades que a esse respeito incorrem
em relação às gerações futuras.
Artigo 26
1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos
que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra
forma utilizado ou adquirido.

211
2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvol-
ver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão
da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupa-
ção ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham
adquirido.
3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a
essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará ade-
quadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra
dos povos indígenas a que se refiram.
Artigo 27
Os Estados estabelecerão e aplicarão, em conjunto com os povos
indígenas interessados, um processo eqüitativo, independente, impar-
cial, aberto e transparente, no qual sejam devidamente reconhecidas
as leis, tradições, costumes e regimes de posse da terra dos povos in-
dígenas, para reconhecer e adjudicar os direitos dos povos indígenas
sobre suas terras, territórios e recursos, compreendidos aqueles que
tradicionalmente possuem, ocupam ou de outra forma utilizem. Os
povos indígenas terão direito de participar desse processo.
Artigo 28
1. Os povos indígenas têm direito à reparação, por meios que po-
dem incluir a restituição ou, quando isso não for possível, uma inde-
nização justa, imparcial e eqüitativa, pelas terras, territórios e recursos
que possuíam tradicionalmente ou de outra forma ocupavam ou utili-
zavam, e que tenham sido confiscados, tomados, ocupados, utilizados
ou danificados sem seu consentimento livre, prévio e informado.
2. Salvo se de outro modo livremente decidido pelos povos interes-
sados, a indenização se fará sob a forma de terras, territórios e recursos
de igual qualidade, extensão e condição jurídica, ou de uma indeniza-
ção pecuniária ou de qualquer outra reparação adequada.

212
Artigo 29
1. Os povos indígenas têm direito à conservação e à proteção do
meio ambiente e da capacidade produtiva de suas terras ou territórios
e recursos. Os Estados deverão estabelecer e executar programas de
assistência aos povos indígenas para assegurar essa conservação e pro-
teção, sem qualquer discriminação.
2. Os Estados adotarão medidas eficazes para garantir que não se ar-
mazenem, nem se eliminem materiais perigosos nas terras ou territórios
dos povos indígenas, sem seu consentimento livre, prévio e informado.
3. Os Estados também adotarão medidas eficazes para garantir, con-
forme seja necessário, que programas de vigilância, manutenção e resta-
belecimento da saúde dos povos indígenas afetados por esses materiais,
elaborados e executados por esses povos, sejam devidamente aplicados.
Artigo 30
1. Não se desenvolverão atividades militares nas terras ou territó-
rios dos povos indígenas, a menos que essas atividades sejam justifica-
das por um interesse público pertinente ou livremente decididas com
os povos indígenas interessados, ou por estes solicitadas.
2. Os Estados realizarão consultas eficazes com os povos indígenas
interessados, por meio de procedimentos apropriados e, em particular,
por intermédio de suas instituições representativas, antes de utilizar
suas terras ou territórios para atividades militares.
Artigo 31
1. Os povos indígenas têm o direito de manter, controlar, proteger
e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicio-
nais, suas expressões culturais tradicionais e as manifestações de suas
ciências, tecnologias e culturas, compreendidos os recursos humanos
e genéticos, as sementes, os medicamentos, o conhecimento das pro-
priedades da fauna e da flora, as tradições orais, as literaturas, os dese-
nhos, os esportes e jogos tradicionais e as artes visuais e interpretativas.

213
Também têm o direito de manter, controlar, proteger e desenvolver sua
propriedade intelectual sobre o mencionado patrimônio cultural, seus
conhecimentos tradicionais e suas expressões culturais tradicionais.
2. Em conjunto com os povos indígenas, os Estados adotarão me-
didas eficazes para reconhecer e proteger o exercício desses direitos.
Artigo 32
1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar
as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de
suas terras ou territórios e outros recursos.
2. Os Estados celebrarão consultas e cooperarão de boa- fé com os
povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições re-
presentativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes
de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros
recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização
ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo.
3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação
justa e eqüitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apro-
priadas para mitigar suas conseqüências nocivas nos planos ambiental,
econômico, social, cultural ou espiritual.
Artigo 33
1. Os povos indígenas têm o direito de determinar sua própria
identidade ou composição conforme seus costumes e tradições. Isso
não prejudica o direito dos indígenas de obterem a cidadania dos Es-
tados onde vivem.
2. Os povos indígenas têm o direito de determinar as estruturas
e de eleger a composição de suas instituições em conformidade com
seus próprios procedimentos.
Artigo 34
Os povos indígenas têm o direito de promover, desenvolver
e manter suas estruturas institucionais e seus próprios costumes,

214
espiritualidade, tradições, procedimentos, práticas e, quando existam,
costumes ou sistema jurídicos, em conformidade com as normas in-
ternacionais de direitos humanos.
Artigo 35
Os povos indígenas têm o direito de determinar as responsabilida-
des dos indivíduos para com suas comunidades.
Artigo 36
1. Os povos indígenas, em particular os que estão divididos por
fronteiras internacionais, têm o direito de manter e desenvolver con-
tatos, relações e cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual,
cultural, político, econômico e social, com seus próprios membros,
assim como com outros povos através das fronteiras.
2. Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas,
adotarão medidas eficazes para facilitar o exercício e garantir a aplica-
ção desse direito.
Artigo 37
1. Os povos indígenas têm o direito de que os tratados, acordos e ou-
tros arranjos construtivos concluídos com os Estados ou seus sucessores
sejam reconhecidos, observados e aplicados e de que os Estados honrem
e respeitem esses tratados, acordos e outros arranjos construtivos.
2. Nada do disposto na presente Declaração será interpretado de
forma a diminuir ou suprimir os direitos dos povos indígenas que
figurem em tratados, acordos e outros arranjos construtivos.
Artigo 38
Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas,
adotarão as medidas apropriadas, incluídas medidas legislativas, para
alcançar os fins da presente Declaração.

215
Artigo 39
Os povos indígenas têm direito a assistência financeira e técnica
dos Estados e por meio da cooperação internacional para o desfrute
dos direitos enunciados na presente Declaração.
Artigo 40
Os povos indígenas têm direito a procedimentos justos e eqüitati-
vos para a solução de controvérsias com os Estados ou outras partes e
a uma decisão rápida sobre essas controvérsias, assim como a recursos
eficazes contra toda violação de seus direitos individuais e coletivos.
Essas decisões tomarão devidamente em consideração os costumes, as
tradições, as normas e os sistemas jurídicos dos povos indígenas inte-
ressados e as normas internacionais de direitos humanos.
Artigo 41
Os órgãos e organismos especializados do sistema das Nações Uni-
das e outras organizações intergovernamentais contribuirão para a
plena realização das disposições da presente Declaração mediante a
mobilização, especialmente, da cooperação financeira e da assistência
técnica. Serão estabelecidos os meios para assegurar a participação dos
povos indígenas em relação aos assuntos que lhes afetem.
Artigo 42
As Nações Unidas, seus órgãos, incluindo o Fórum Permanente so-
bre Questões Indígenas, e organismos especializados, particularmente
em nível local, bem como os Estados, promoverão o respeito e a plena
aplicação das disposições da presente Declaração e zelarão pela eficácia
da presente Declaração.
Artigo 43
Os direitos reconhecidos na presente Declaração constituem as
normas mínimas para a sobrevivência, a dignidade e o bem-estar dos
povos indígenas do mundo.

216
Artigo 44
Todos os direitos e as liberdades reconhecidos na presente Decla-
ração são garantidos igualmente para o homem e a mulher indígenas.
Artigo 45
Nada do disposto na presente Declaração será interpretado no sen-
tido de reduzir ou suprimir os direitos que os povos indígenas têm na
atualidade ou possam adquirir no futuro.
Artigo 46
1. Nada do disposto na presente Declaração será interpretado no
sentido de conferir a um Estado, povo, grupo ou pessoa qualquer di-
reito de participar de uma atividade ou de realizar um ato contrário
à Carta das Nações Unidas ou será entendido no sentido de autorizar
ou de fomentar qualquer ação direcionada a desmembrar ou a reduzir,
total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política
de Estados soberanos e independentes.
2. No exercício dos direitos enunciados na presente Declaração,
serão respeitados os diretos humanos e as liberdades fundamentais de
todos. O exercício dos direitos estabelecidos na presente Declaração
estará sujeito exclusivamente às limitações previstas em lei e em con-
formidade com as obrigações internacionais em matéria de direitos
humanos. Essas limitações não serão discriminatórias e serão somente
aquelas estritamente necessárias para garantir o reconhecimento e o
respeito devidos aos direitos e às liberdades dos demais e para satisfazer
as justas e mais urgentes necessidades de uma sociedade democrática.
3. As disposições enunciadas na presente Declaração serão interpre-
tadas em conformidade com os princípios da justiça, da democracia,
do respeito aos direitos humanos, da igualdade, da não-discriminação,
da boa governança e da boa-fé.

217
Quilombolas do Aproaga,
Vale do Rio Capim: território como
eixo de identidade coletiva e
patrimonialização cultural
Rosa Elizabeth Acevedo Marin,
Eliana Ramos Ferreira,
Fernando Marques,
Irislane Pereira de Moraes,
Ângelo Pessoa Lima, Manoel Clauderi Coutinho da Luz

Introdução
A menina Luciene Silva Santos, conhecida carinhosamente por Tia
Preta1, (4 anos), visitou pela primeira vez o sitio do Engenho Apro-
aga, no dia 16 de junho deste ano. Estava acompanhada do seu pai,
João da Conceição da Silva que vive em Nova Ipixuna (povoado antes
conhecido por Canavial) e pelos pesquisadores do Projeto Patrimônio
........
1
Luciene recebeu este apelido quando sua irmã mais velha teve criança e ela se
tornou “tia” no universo social do parentesco, e desde esse momento é conhecida
por esse nome.

219
imaterial, território e memória dos quilombolas do Aproaga2. A rigor
esta ida da criança ao Engenho Aproaga pode ser interpretada como
um “rito de passagem”. Nessa ação ressaltou seu pai o significado de
ser “a primeira vez”, dando um sentido especial ao ato; ele o teria
feito em uma idade mais avançada. Narra-se, igualmente, que alguns
professores, acompanhados dos alunos da escola de Taperinha têm re-
alizado excursões no sitio que se encontra em estado de arruinamento.
Nestas visitas o Engenho Aproaga é incorporado como elemento da
política identitaria. Mas, ainda pode ser interpretado este ato como
um ritual de passagem, no qual se ritualiza a sociabilidade e são trans-
mitidos legados. Na interpretação de Van Gennep (1986) os ritos de
passagem são transmissores da cultura e representam uma modalidade
de integração, pois revivem-se sentimentos comuns, identificam-se
........
2
Com base no trabalho técnico do IPHAN, e a partir de uma longa experiência
de trabalho de campo e de leituras sobre a história do rio Capim, foi elaborado o
projeto e encaminhado ao IPHAN, em 14 de dezembro de 2011, com interme-
diação da FADESP, o qual foi objeto de formalização mediante o convênio N0
06/2012, assinado em 28 de maio de 2012 entre a FADESP e IPHAN (Projeto
de Pesquisa “Diagnóstico do Engenho Aproaga e seu Entorno a ser Realizado em
Parceria com as Comunidades Locais") e registrado no IPHAN como Processo n0
01492.000372/2011-75, que inicia sua execução tendo à frente uma equipe for-
mada por historiadores, arqueólogos. O Projeto encontra justificativa jurídica na
Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais
(Texto Oficial ratificado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 485/2006),
que: Reconhecendo a necessidade de adotar medidas para proteger a diversidade das ex-
pressões culturais incluindo seus conteúdos, especialmente nas situações em que expressões
culturais possam estar ameaçadas de extinção ou de grave deterioração. Enfatizando a
importância da cultura para a coesão social em geral, e, em particular, o seu potencial
para a melhoria da condição da mulher e de seu papel na sociedade, Ciente de que a di-
versidade cultural se fortalece mediante a livre circulação de ideias e se nutre das trocas
constantes e da interação entre culturas. Reafirmando que a liberdade de pensamento,
expressão e informação, bem como a diversidade da mídia, possibilitam o florescimento
das expressões culturais nas sociedades.

220
uns com os outros e reforçam-se os elementos que mantém unidos os
indivíduos com seu sistema social.
Os quilombolas de Taperinha, Saua-Mirim, Nova Ipixuna, Alegre
Vamos, Benevides e São Mateus (localizados no Médio Rio Capim)
e de Quiandeua (alto rio Capim) condensam a identidade e a etni-
cidade nesta edificação. Os pesquisadores coincidem no processo de
patrimonialização do Engenho ou Casarão do Aproaga entre os qui-
lombolas do Vale do rio Capim e, de forma mais enfática, entre os que
se auto-denominam Povos do Aproaga.
Data de quatro anos a “descoberta” da foto do Casarão do Aproa-
ga, antes da destruição das paredes, da retirada das telhas e da obra do
apuizeiro, que abraça mortalmente as paredes que restam. Em 2010,
os quilombolas do Aproaga fizeram reivindicações ao Instituto do Pa-
trimônio Histórico Nacional – Superintendência do Pará. Com ante-
rioridade houve a compra do sitio pela professora da Escola que resi-
de no povoado Benevides. O processo é de recuperação, ativação da
memória, certamente realimentado pela pesquisa, pela insistência em
“ouvir falar” do engenho Aproaga. Nos trechos dessas falas expressa-se
o sentido público, comunitário e de identificação coletiva alargada de
um bem material e simbólico. (PÉREZ, 2009: 141)
Entende-se que ocorre um processo de patrimonialização desde
que são atribuídos valores, novos usos e significados a objetos, às for-
mas de vidas, aos modos de vida do grupo...(PÉREZ, 2009: 147) .
Para isto, o presente conduz à interpretação do passado. Não se trata
de um historicismo. Pérez assinala que se estabelece uma relação me-
tafórica e metonímica com a cultura através da transferência do valor
dos elementos culturais. Nesta direção o Casarão do Aproaga, hoje,
possui ou está investido de um alto valor simbólico. Não se trata mais
de um monumento arqueológico de famílias aristocráticas. Consiste
num patrimônio cultural, à luz da reflexão de Cruces, que correspon-
de a uma representação simbólica da identidade do grupo, “isto é um
emblema que reforça identidades, promove solidariedades, cria limites

221
sociais, encobre diferenças internas e conflitos e constrói imagens da
comunidade” (CRUCES apud PÉREZ, 2009: 140)
As relações sociais de pesquisa construídas com os quilombolas do
Aproaga se desenvolvem ao longo de nove anos e sua descrição, en-
quanto diversas trajetórias e objetos são recuperados neste artigo para
refletir a patrimonialização cultural, na interpretação de “processo de
institucionalização da cultura”, de definição de uma “estratégia ins-
trumental e pragmática”. Metodologicamente, situam-se trajetórias e
eventos de pesquisas que acompanham o processo de patrimonializa-
ção do engenho Aproaga.
Primeiro encontro. Exatamente, na Semana Santa, no Dia do Per-
dão do ano 2004, os historiadores William Gaia e Rosa Acevedo Ma-
rin se dirigiram de lancha da cidade de São Domingos do Capim
até a comunidade de Taperinha para realizar o registro de entrevistas
e de vídeo da senhora América Maria dos Santos e seu irmão João
Henrique dos Santos. O objetivo destes registros era a memória sobre
a denominada “Revolta do Capim” ocorrida no final do século XIX.
Deste contato resultou uma exposição fotográfica, submetida ao Pre-
mio Pierre Verger e que foi classificada para a 25ª Reunião Nacional
da Associação Brasileira de Antropologia realizada na Universidade
Federal de Goiás. Igualmente, foi realizado um vídeo com o título
“Revoltosos do Rio Capim”. Esta visita se completou com a visita ao
sitio arqueológico dos engenhos Aproaga e Taperuçu; e entrevistas na
cidade de São Domingos do Capim. Neste contato parece iniciar-se
um processo de reativação da memória pelo grupo social.
Segundo encontro. Os relatos sobre o sitio do Engenho do Aproaga,
suscitaram a aproximação com o Dr. Fernando Marques, Arqueólo-
go, professor da Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Gra-
duação em Antropologia - PPGA. A nova visita, guiada por Manoel
Clauderi Coutinho da Luz foi feita a partir da vila de Santana do
Capim, fazendo-se o percurso por estrada até o lugar onde se fazia o
trasbordo de balsa, conhecido por DER - Departamento de Estradas

222
de Rodagem. Desde este ponto descendo o rio Capim, navega-se du-
rante 35 minutos até se chegar às ruínas do Aproaga, que ficam na
margem direita desse rio. A fotografia da antiga edificação e os relatos
orientaram para questões formuladas pelos pesquisadores: tratava-se
ou não do famoso engenho do Sr. Calixto, citado pelos viajantes Spix
e Martius, em 1819? A imponência do Aproaga e do sistema hidráuli-
co que o alimentava apenas faz supor que se trata de um dos maiores
construídos no período colonial no Estado do Grão Pará. A memória
social local afirmava que pertenceu ao Sr. Vicente Miranda e poste-
riormente foi transmitido por herança a Pedro Vicente Chermont de
Miranda. Na economia de plantation na região em torno de Belém,
este sistema de engenhos com força de trabalho escrava foi implanta-
do nos rios Acará, Moju, Capim, Bujaru e Guamá. Descendo ainda
pelo rio Capim, numa distancia aproximada de 23 Km, encontra-se
as ruínas do engenho de Taperucu, menos visível e na batalha contra
a invasão do apuizeiro, o qual está enquadrado dentro de uma pro-
priedade privada.
Terceiro evento de pesquisa. Em 2006 iniciam as atividades de pes-
quisa de campo de Maria Betanha Barbosa Cardoso que, sob uma
perspectiva geográfica e antropológica, examina o sistema de uso co-
mum dos recursos das comunidades quilombolas que produzem uma
afirmação identitária a partir da memória do “casarão” do engenho
urgem a denominação associada de “povos do Aproaga”. Este estudo
é referencia para o RTDI e igualmente para esse objeto de estudo,
que examina as comunidades quilombolas na Amazônia. A produção
acadêmica da dissertação de Barbosa, em 2008, ocorre praticamente
paralelo a duas iniciativas de levantamento de dados e de cartografia
social.
Quarto evento de pesquisa, realizado em arquivos. São Domingos
do Capim além de fazer fronteira com o município de São Miguel
do Guamá esteve vinculado às suas instituições. Rosa Acevedo Marin
e Eliana Ramos Ferreira contataram o Cartório de Licinio Rodrigues

223
daquela cidade - área de colonização antiga- e coligiram documentos
importantes para conhecer a ’cadeia dominial’ da Fazenda Aproaga.
O acervo de fotografias sobre esses documentos soma 74 diapositivos.
Quinto evento de pesquisa: praticas de auto-cartografia. Em 2008 fo-
ram realizadas várias oficinas de mapas com o propósito de elaboração
do Fascículo intitulado Povos do Aproaga. Este fascículo foi lançado
no salão da Prefeitura Municipal de São Domingos do Capim no dia
20 de novembro de 2008. Dessas oficinas obteve-se uma diversidade
de materiais: fotos, relatos, registros de vídeo. Esse trabalho de pesqui-
sa marca momentos da política de identidade do grupo que conduz
à sua auto-categorização como “Povos do Aproaga”, no qual está po-
sitivada a identidade quilombola, distintiva pela definição de ‘povos’.
Sexto evento de pesquisa. Arqueologia e arqueólogos nativos. Face
ao interesse histórico e patrimonial os quilombolas se mobilizam pela
proteção das ruínas do Aproaga. Como evidencia desta visão agem
junto ao IPHAN. A visita de lideranças quilombolas a este órgão, a
qual se somou o Prefeito do Município permitiu debater ideias e con-
cretizar o pedido de um laudo técnico sobre o sitio arqueológico do
Aproaga. A aquisição do prédio do engenho Aproaga por Ana Cristina
Ferreira da Silva, então secretaria da Associação Quilombola Unidos
do Rio Capim reveste-se de um gesto político e simbólico de reapro-
priação do território e, paradoxalmente, de apropriação privada.
A Arqueologia se torna um conhecimento para ampliar seus argu-
mentos e reivindicações territoriais. O pedido dos quilombolas orien-
tado ao IPHAN canalizou para uma nova reunião ampla no dia 15
de dezembro de 2010, a qual teve como ponto de pauta o debate da
política de proteção do patrimônio material. No auditório do IPHAN
estiveram reunidos 18 quilombolas, mais pesquisadores, técnicos do
IPHAN para estudar alternativas de preservação.
Sétimo evento de pesquisa arqueológica. Sob uma perspectiva da Ar-
queologia Pública e Antropologia Social, Irislane Pereira de Moraes,
desenvolveu trabalhos em 2010, 2011 e (fevereiro, março de 2012)

224
sob o patrimônio imaterial dos povos do Aproaga. Este se desdobra
na retomada do estudo de Fernando Marques sobre o engenho do
Aproaga com observações e medições técnicas para o laudo técnico,
acatando solicitação do IPHAN.
Oitavo evento. Elaboração do Projeto “Patrimônio Imaterial, terri-
tório e Memória dos Quilombolas do Aproaga” que foi submetido ao
Instituto Nacional de Patrimônio Histórico – IPHAN, iniciado no
mês de maio de 2012.
Nono Evento organizativo-administrativo. Os pesquisadores assesso-
raram a Associação Quilombola Unidos do Rio Capim para a realiza-
ção da assembleia de auto-definição da comunidade ocorrida em 27
de março de 2011 e para isto foi lavrada a Ata que foi encaminhada à
Fundação Cultural Palmares, no inicio de maio de 2011. A Associação
de Universidades Amazônicas - UNAMAZ fez a intermediação e en-
caminhou oficio ao Sr. Eloy Ferreira de Araújo junto com a cópia da
dissertação de autoria de Maria Betanha Barbosa Cardoso, já citada,
anexando ainda, o Fascículo 24 Povos do Aproaga, São Domingos do
Capim do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. Foi feito o
acompanhamento deste processo ao longo de 2011 por meio de liga-
ções e correio eletrônico à Fundação Cultural Palmares.
Décimo. Articulação de atividades de pesquisa. Em 2011 face as
reivindicações territoriais continuaram os debates sobre o território,
os recursos, as ameaças do dendê, o desmatamento, a contaminação
por caulim das águas do rio Capim. As oficinas de mapas para debater
o dendê e desmatamento permitiram acumular gravações, fotos, cro-
quis incorporados em capítulos do citado Relatório Antropológico.
As principais questões formuladas em várias pesquisas sobre os Po-
vos do Aproaga são: Como emerge a auto-categoria Povos do Aproaga
associado ao significado apreendido de quilombola? Como é repre-
sentado o território dos Povos do Aproaga? Como se expressa essa ter-
ritorialidade especifica? Que situações de tensão e ameaçam gravitam
sobre este grupo? Quais têm sido as ações ou como se constituem em

225
unidade de mobilização e quais os símbolos identitários escolhidos ?
Neste caso, elegem o Engenho do Aproaga.
A identidade do grupo é o foco da interpretação das ações dos
quilombolas do Aproaga. Trata-se de uma combinação de elementos
na qual segundo Almeida:
se pode dizer que mais do que uma estratégia de discurso tem-se
o advento de categorias que se afirmam através de uma existência
coletiva, politizando não apenas as nomeações da vida cotidiana,
mas também um certo modo de viver e suas práticas rotineiras no uso
dos recursos naturais. A complexidade de elementos identitarios, pró-
prios de autodenominações afirmativas de culturas e símbolos, que
fazem da etnia um tipo organizacional. (ALMEIDA, 2008: 39)
O território, etnicamente configurado e apropriado materialmente
por grupos domésticos que se auto-identificam como “quilombolas”,
“Povos do Aproaga não é objeto neste trabalho de uma descrição se-
qüencial, observando certa linha de tempo, referidos a espaços con-
tínuos ou não. As indagações sobre a territorialidade dos Povos do
Aproaga estão respondidas em um tempo histórico interpretado pelo
grupo. Nas narrativas do Sr. Verginio dos Santos transcritas por Bar-
bosa informam de uma estratégia de formação de povoados e, ainda, a
produção de uma identidade ao nível micro, citando os “ipixunenses”
(pertencentes a Nova-Ipixuna), o “pessoal da mantegagem (perten-
centes à Taperinha) e a “gente-da-ponta” ou “sauáenses” (pertencentes
ao Sauá-Mirim). (BARBOSA, 2008: 107).
Todos referidos ao Engenho Aproaga que corresponde a um sím-
bolo identitário que alicerça a representação ideológica da identida-
de dos Povos do Aproaga organizados politicamente na Associação
Quilombolas Unidos do Rio Capim – AQURC ao qual se vinculam
Benevides, Nova Ipixuna (Canavial), Sauá-Mirim, Taperinha, Alegre
Vamos. Igualmente é instrumento de coesão destacado pelos povo-
ados de Quiandeua, São Mateus, localizados no vale do rio Capim.

226
A auto-designação “Povos do Aproaga”, enquanto categoria de
existência coletiva, os tem conduzido a uma politização do antigo ca-
sarão, engenho do Aproaga e uma autodenominação afirmativa do
que este representa enquanto cultura e símbolo e, mesmo, de esboçar
uma política de preservação, de sua gestão como patrimônio. Sobre
as ruínas se constrói um eixo de mobilização política que é percebido
pelos pesquisadores das instituições cientificas (Museu Emilio Goeldi,
Universidade Federal do Pará), pela burocracia do Estado, (IPHAN,
INCRA) pelas autoridades municipais e pela sociedade do entorno
com o qual dialogam freqüentemente e marcam suas diferenças e di-
versidade étnica e cultural.
As categorias, segundo as quais um grupo se pensa, e segundo as
quais ele representa sua própria realidade, contribuem para a reali-
dade do próprio grupo, escreve Bourdieu (1989) Povo do Aproaga é
uma categoria no qual os significados estão sendo dados pelo próprio
grupo e pelos indivíduos. Assim, eles passam a se denominar e reme-
moram no segundo elemento – Aproaga – significados coesos referi-
dos e múltiplos. Não se trata apenas das ruínas (monumentalidade,
materialidade), mas a memória que serve ao presente.
A noção de processos de territorialização é elaborada por Almeida
(2008) como referida à “conjunção de fatores, que envolvem a capa-
cidade mobilizatória em torno de uma política de identidade, e um
certo jogo de forças em que os agentes sociais, através de suas expres-
sões organizadas, travam lutas e reivindicam direitos face ao Estado”
(ALMEIDA, 2008, 118). Ainda esta noção associa-se a realidades lo-
calizadas e à especificidade de diferentes processos de territorialização
que empiricamente conduzem a refletir, descrever territorialidades
especificas que podem ser consideradas como resultantes de diferentes
processos sociais de territorialização e como delimitando dinamicamente
terras de pertencimento coletivo que convergem para um território. (AL-
MEIDA, 2008, 39).

227
2. Patrimônio Cultural e representações do Engenho Aproaga
no vale do rio Capim
A equipe de pesquisadores do projeto Patrimônio imaterial, terri-
tório e memória dos quilombolas do Aproaga propõe-se, inicialmente, o
reconhecimento do curso do rio Capim, de Quiandeua a Graciosa e
definem como percurso, não da foz até as cabeceiras, mas traçam a vi-
sita desde Quiandeua até Santana do Capim, portanto, outro recorte
o qual coincide com o segmento do rio Capim no qual se observam
maiores transformações sociais e ambientais, ampliadas, ainda para
o povoado de Sebastião do Capim e até propriamente as cabeceiras.
Sobre o rio Capim escreveu Barbosa Rodrigues: “A importância
deste rio está nas suas excelentes terras, na abundancia do óleo, do
cravo, do breu, da andiroba e das mais excelentes madeiras de constru-
ção; infelizmente hoje longe para serem conduzidas para o mercado.
Suas águas são piscosas. (BARBOSA RODRIGUES, 1875: 52). É
possível identificar neste século XXI o vale do rio Capim com uma
geografia e geomorfologia semelhante àquela apontada por João Bar-
bosa Rodrigues em 1874?
O engenheiro, naturalista e botânico brasileiro procedeu a uma
descrição e cartografia cuidadosa desde a cidade de São Domingos da
Boa Vista, procedente de Belém, até as cabeceiras nos rios Surubiju
e Ararandeua. Rodrigues3 reconhece seu próprio mérito de “descre-
ver” o rio Capim4, como parte das atividades da Comissão Científica,
........
3
Barbosa Rodrigues elabora argumentos para estabelecer que o rio Capim é o
principal e não é apenas um afluente do rio Guamá. Um desses argumentos é sobre
a sua extensão que calculou em 560 milhas ou 166 léguas.
4
J. Barbosa Rodrigues identifica que neste lugar existiu a fazenda Guajara, na
ocasião de sua visita reduzida a uma “tapera” e que pertenceu ao Pe. Manoel Gaspar
da Fonseca, que foi um dos principais fazendeiros deste vale. Com o seu falecimen-
to, ocorrido em 1791, deixou a propriedade para a Santa Casa de Misericórdia,
pelo que seria conhecida também como Fazenda Caridade.

228
designada pelo Ministério e Secretaria de Estado dos Negócios da
Agricultura, Comércio e Obras Publicas5. O propósito foi estudar e
explorar as cabeceiras, no que foi impedido pelo período de grandes
chuvas e a falta de acompanhantes. O estudo foi orientado para des-
crever um rio de “paisagens variadas e natureza diferente”6.

Fotografia do Engenho Aproaga recebida da AQURC.

........
5
O Ministério de Comércio, Agricultura do Império, o Conselheiro José Fer-
nandes da Costa Pereira Júnior recebeu de Pedro Vicente de Azevedo, Presidente
da Província do Pará, em 1874, o Relatório elaborado por J. Barbosa Rodrigues.
O objetivo do Ministério era realizar estudos sobre exploração e navegabilidade de
vários rios do Império, entre eles foi incluído o rio Capim.
6
Indagamos sobre o tempo de viagem para chegar até as cabeceiras do rio
Capim, nas condições contemporâneas. O Sr. José Luis dos Santos Cunha, prático
e marítimo, que estava na tripulação do Barco Josuo calcula que essa viagem possa
ter uma duração de “quatro dias e quatro noites”.

229
Planta do Rio Capim elaborada por Barbosa Rodrigues, em 1875

Mas, é necessário relativizar qualquer ideia de semelhanças, perma-


nência absoluta desta geomorfologia, pois J. Barbosa Rodrigues men-
ciona em vários trechos o desaparecimento de ilhas sob o impacto da
pororoca, diversas mudanças físicas no trajeto do rio. Assim, o rio Capim
até então “pouco explorado e conhecido” experimentava e continuou
acumulando transformações na paisagem que são difíceis de aferir.

230
Nos antecedentes da excursão7 de março de 2013 estão as memó-
rias dos quilombolas do Aproaga que falaram de Quiandeua, Bada-
jós, São Bento, São Mateus. Na etapa de trabalho anterior (setembro
2012) tivemos a contribuição dos senhores Antonio José Brito Fialho
e o Sr. Mauricio Lopes dos Santos que com dedicação e esmero dese-
nharam o croqui do rio Capim. Para efeitos da excursão realizada em
março de 2013 realizou-se: primeiro, releitura do estudo e exploração
do rio Capim feito por J. Barbosa Rodrigues; segundo, sistematiza-
ção do croqui acima mencionado de autoria dos dois quilombolas:
terceiro, escrita de observações do pesquisador que se aproximam de
uma descrição etnográfica dos povoados capiemses. Paralelo ao regis-
tro das paisagens das margens do rio Capim busca-se refletir as terri-
torialidades específicas, situar as problemáticas de perda de recursos
- pesqueiros, florestais produzidas pelo incremento do desmatamento,
a pecuária e exploração mineral. Outro eixo explorado é a memória
alargada sobre o Engenho ou Casarão do Aproaga, um lugar sacraliza-
do que serve aos quilombolas para elaborar a visão do passado desde o
presente, portanto é uma intervenção na cultura, no seu processo de
........
7
Informa-se que o Projeto define como objetivos: Iniciar o “inventário do
patrimônio imaterial” conhecido como ruínas de Aproaga, envolvendo as leitura
e percepções das comunidades de Taperinha, Sauá-Mirim, Canavial (ou Nova Ipi-
xuna), Benevides e Alegre Vamos. 1. Desenvolver o mapeamento das ruínas e da
cultura material dos quilombolas do Aproaga. 2. 3. Realizar o registro de narrativas
orais, desenhos, cartografia social que se desenvolve e inventa em relação às ruínas
do engenho Aproaga. 4. Levantar as memórias e visagens do território, incluindo as
do engenho Aproaga. 5. Estudar os conhecimentos tradicionais dos povos do Aproaga
por entender que estes se constituem a partir das situações sociais e experiências histó-
ricas (neste se inclui o conhecimento com os cultivos, formação de roças, pesca artesa-
nal, construção de canoas, utensílios de trabalho, até as interpretações que realizam da
arquitetura do lugar). 6. Debater com as comunidades e sua representação política a
elaboração de um plano de gestão, com a possibilidade de musealização das ruínas. 7.
Produzir e sistematizar as reflexões coletivas do Povo do Aproaga sobre “patrimônio”,
“preservação” e as concepções de objeto, artefato, museu.

231
representação e de identidade coletiva. A etnografia8 orientou os pro-
cedimentos de pesquisa e nos diversos momentos de desenvolvimento
do projeto focalizaram-se as narrativas e as festas; a pesca e as roças, as
transformações sócioespaciais e as ameaças da pecuária, dos madeirei-
ros, do dendê e da expansão da exploração do caulim.
Narrativas sobre o Engenho do Aproaga
As narrativas sobre o Casarão do Aproaga guardam um sentido
profundo na história dos quilombolas. A Senhora América dos San-
tos acompanhou o lançamento do Fascículo Nº 24 – “Povos do Apro-
aga” realizado na Camará Municipal de São Domingos do Capim.
Igualmente esteve no prédio do IPHAN testemunhando um ato de
instituicionalização das ruínas do engenho, como patrimônio destes
povos. Quando entrevistada, em Belém, foi enfática no retorno “da-
quele lado”.
Pedro Miranda nós era escravo dele, do doutor Pedro Miranda cor-
tava cana, plantava cacol, faziam muitas coisas naquele engenho
moinha cana, farinha, ele moinha cana lá. Depois do Aproaga ele
foram vindo embora pra ilha, largaram o Aproaga, bandalharam
tudo né? Agora eu acho que, agora não tem nada mais, só mesmo
lá [Incompreensão do trecho] ainda tem um tempo que Deus man-
de que nós ainda pode até murar [Morar] daquele lado né? Por
que pra ver lugar gostoso, ai o meu marido morreu também, ai o

........
8
A etnografia integra diversas técnicas de investigação social. Nawrath define
a etnografía como “la descripción/interpretación realizada a través de un proceso-
-producto que emana de un trabajo sistemático y transparente referido a un con-
texto de estudio. Su reducción al aspecto meramente descriptivo se enmarca en una
conceptualización elaborada en un periodo del desarrollo histórico de la disciplina
(S. XIX y mediados del XX), y se asocia a una epistemología realista que establecía
una clara diferenciación entre la recolección de datos objetivos y la formulación de
teorías.. (NAWRATH, 2010. P. 2)

232
Chiquinho já tinha adoecido falecido, [Incompreensão do trecho]
ia morreu Tibucio, ai até hoje to pererecado. (Entrevista com Dona
América dos Santos, Belém, 2012).
Dona América passou sua infância no Casarão do Aproaga e retém
aspectos significativos do edifício e descreve o movimento e os fatos
que ajudaram a desabitar o lugar e produzir o seu arruinamento.
Pesquisadora: Dona América a sua infância foi no Aproaga?
Dona América: Foi no Aproaga [ Pesquisadora: Nós conte como
era o Aproaga?] Ah::: [ Pesquisadora: Como era Aproaga?] Ah::: O
Aproaga era bonito, o Aproaga era assim tinha sete sala, e eu mura-
va numa [ Morava em Uma ] como as empregada, os meus irmao
[Irmão] era empregado lá no Aproaga, ai depuis [Depois] já que eu
crescir mais meu pai troce aqui pro outro lado ficaram só Jacó, com
doutor Pinheiro, dona, dona, aquela esquecir [Esquecer] nome dela
dona Amaria que era a chefe mesmo né? Ficaram lá depois doutor
Pinheiro veio embora troce a mulher.Ai ficar mesmo só os emprega-
do, ai empregado olhe vá [ Val] o professor lá ai, depois dês [ Desses]
desempregado [ Dos Empregado] ai já foram saindo tudo né? Não
ficou mais ninguém, ai o Aproaga foi ficando destruiu tudo, tinha
aquelas arve [Árvore]de, de plantação lá pra traz [Incompreensão
] tinha o muro grande lá atrás hoje só tem pouquinho ... Daquele
como é? Aquele nergocio [Negocio] aquilo bem alto que tem? O
muro né? Pois éh::: ? Aquilo bem alto que tinha. Eu conhecer um
bucado [Bocado] das coisa lá tinha comercio, lá embaixo, lá em
cima era outra sete sala assim do lado da boca agente lá ajudava
já trabalhei muito no Aproaga... Trabalhei também de empregada
fazia as coisas lá pra eles... Mais depois agente crescendo meu pai
virou [Incompreensão da palavra] veio saindo ai nós atravessamos
já presse [Para Esse] lado , lá da, daí da Santa Maria da Taperinha
vendeiro pra outros, pra outros pessoal né? Ai meu pai atravessou
já presse [Para esse] lado nos fiquemos pra ai... Nós não genheimos
[Ganhamos] nada de lá só mesmo era de ser escravo, eles e nós todos,

233
só de ser escravo, ai o que ele ainda puderam dá pra ele foi esse terre-
no ,que ainda passaram hoje pra ai mais ainda deram o terreno né?
Disse esse terreno e pra vocês trabalharem, ai foi que nós fiquemos
nesse terreno que nós estamos até hoje ... E isso que éh::: Ai sempre
quando pessoal vai lá pergunta, eu digo não o caso era isso, meu
pai contava, eu ainda melembro [ Me Lembro] eu melembro [Me
Lembro] doutor Pinheiro, da dona, dona Lalá que era mulher dele
tudo só não melembro [ Me Lembro] bem do doutor Pedro Miran-
da e mulher dele por que nesse tempo, eu tava mais pra criança a
minha. Mais a minha mãe mesmo contava que eles, era empregado
deles, eles só davam coisas, pra eles, roupa pro meu pai, minha mãe
cortava cana, junta cana pra moerem nos farinha, moerem no en-
genho, no engenho bonito lá de moer cana ... Bandalhou tudo né?

Barbosa elabora o sentido de integração e completude deste ter-


ritório na amalgama de um fato religioso. Nova Ipixuna tinha um
distanciamento entre “o local de moradia e trabalho e os locais de
celebração”. A mudança ocorreu de forma bruta, mas, fundamentou
a territorialidade dos ipixunenses” o que se depreende da transcrição
da fala do Sr. Vergino.
[...] foi depois que Pedro Miranda vendeu para o Dr. Pinheiro e
pra um inglês que era sócio do Dr. Pinheiro, eles chegaram num dia
de festa, a Aproaga tava toda enfeitada, era festa do Divino, o In-
glês perguntou pro doutor Pinheiro, o que é isso? E ele explicou que
era festa dos pretos. Então ele, o inglês, disse: eu não quero isso aqui,
acaba com o dia de trabalho, festeja o sábado e entra pela noite e
chega no domingo e quando é na segunda-feira, tá tudo baqueado e
fica malandro no serviço. Manda jogar na água tudo isso. O doutor
Pinheiro chamou o Gil e disse, chama os teus parceiros, pega a tua
imagem e atravessa com o teu festejo pro lado de tuas terras, assim
veio o festejo da Conceição e do Divino prá cá. Essas imagens foram
presente dos brancos para a escravatura, os pretos enfeitavam o saco

234
de milho com fitas e um arco, era pra eles os dois santos, Conceição
e Espírito Santo (Senhor Vergino). (BARBOSA, 2008: 102)
Na frase final do senhor Vergino sentenciou: “Agora ‘tava comple-
to. Nós tinha a terra e os santos, tudo era nosso. Antes, a gente, os
pretos de antigamente, como meu avô não tinham nada, trabalhavam
para os ricos. Eles, os pretos, agora podiam plantar o que quisessem”.
A conquista dos festejos religiosos no mesmo impulsionou o “sen-
timento de pertença” e a possibilidade de transmissão junto com o
território.
Essa terra era conhecida como Canavial, lugar de “preto fujão”, na
época da escravatura muitos (se refere aos escravos) se esconderam
aqui. Chamavam a gente lá em Santana (ele se refere a Santana do
Capim) de “os pretos do Canavial”. Depois de meu avô que mudou
o nome, passou a Ipixuna, agora dizem Nova Ipixuna, não sei por
que “nova”, continua sendo a mesma. (Sr. Verginio dos Santos apud
BARBOSA, 2008: 102 )
O território é revisitado por outros povoadores do rio Capim no
calendário de festas. A procissão em honor à Virgem da Conceição
sai de Nova Ipixuna, desce o rio passando pela frente do Engenho
do Aproaga e na igreja de Sauá Mirim os festeiros vindos dos outros
povoados comemoram o reencontro.
Moraes (2012) interroga sobre o patrimônio : “estamos diante de
uma patrimonialização étnica” ou “aquilombamento do patrimônio”?
As narrativas - do Engenho do Aproaga, da escravidão, das Irman-
dades, da Encomendação das Almas, da Revolta do Capim - estão
referidas ao território e aos símbolos. A narrativa do tempo da revolta
sinaliza o rio banhado e tingido de sangue e os tantos corpos que
boiaram. Em parte pode ser vista a geração com 30 a 50 anos fazendo
a apropriação desse patrimônio para resistência.

235
O Aproaga se constitui um dos elementos das Narrativas do terri-
tório, assim como o Canavial, vinculado ainda a Narrativa das Irman-
dades. Estas são centrais para compreender o território - narrativas
de cobras (como as moles) e ainda as visagens são tipos determinados
de aparições, das coisas, dos animais e objetos discernidos ao mundo
ou domínio humano. Nas visagens novamente entra o símbolo do
sangue, como na visagem da mulher assassinada pelo marido que era
o então “dono do Aproaga”.
Nas narrativas coligidas pela autora há frases preciosas como “O
assinto do mundo passado” e enunciados metafóricos – “Aproaga en-
tesourado” que uma gramática da etnografia os tornaria um discurso
fundamental. A autora dialoga com o Sr. Gomercindo Moreira dos
Santos que se expressa sobre o Aproaga como “lugar do retorno dos
que morrem”. No território do Aproaga está também o patrimônio
étnico representado pelo cemitério.
A divisão do patrimônio em material e imaterial das classificações
técnicas, legislações e outros dispositivos impede a apreensão do patri-
mônio cultural, os processos de patrimonialização e processos de ter-
ritorialização dos grupos sociais. No capítulo conclusivo do Relatório
Histórico Antropológico9 apresentado ao INCRA em dezembro de
2012 insere-se o território do Aproaga como reivindição territorial. O
território atravessa o rio Capim, como as memórias e reconhecimen-
tos dos bens materiais e simbólicos dos quilomboas.
Considerações finais
O Projeto Patrimônio Imaterial, Território e Memória dos Quilom-
bolas do Aproaga, antes de tudo, responde às expectativas de mais de
........
9
ACEVEDO MARIN, R. E., et all. ‘Povos do Aproaga: Territorialidade espe-
cifica no município São Domingos do Capim (Pará) e reconhecimento de direitos
territoriais” à Superintendência Regional SR-(01)PA do INCRA. Belém, UNA-
MAZ/PNCSA, 2012.

236
quatro anos dos Quilombolas do Aproaga, que, por iniciativa própria,
solicitaram e mobilizaram pesquisadores e técnicos do IPHAN em
relação a um fragmento valioso do seu patrimônio cultural – símbolo
de pertencimento e de identidade, o que o define como elemento
central de sua “autoconsciência cultural”, noção exposta por Shallins
(2005), para quem “A autoconsciência cultural que se vem desenvol-
vendo entre as antigas vítimas do imperialismo é um dos fenômenos
mais notáveis da história mundial no fim do século XX” (SAHLLINS,
2005, p. 17).
Trata-se do fortalecimento da autoconsciência cultural do grupo
sobre sua história e seus projetos de presentes e futuro. Os povos do
Aproaga desenvolvem iniciativas, de gestão de patrimônio material e
imaterial, que podem ser multiplicadoras para outros grupos.
Em oficinas do Patrimônio Cultural realizadas pelo já citado
projeto têm sido enfatizado o Engenho Aproaga enquanto sítio ar-
queológico e por esta razão está sujeito a uma legislação que impõe
sua preservação. Acrescenta-se a observação sobre os diferentes sítios
ecológicos identificados às margens do rio Capim e que constam dos
Relatório do Projeto de Pesquisa em andamento. Na mesma dimensão
se realizou uma escuta atenciosa sobre as visões de uso e usufruto. De
um lado, aquela que defende a gestão e preservação sob a responsabi-
lidade do grupo e de outro, a proposta de privatização e finalidades de
turismo cultural e ecológico.
O Engenho Aproaga é um monumento vivo que está sendo apro-
priado e reapropriado pelos quilombolas do Aproaga, que manifestam
sentimentos de perda, de desencanto com a sua destruição e no estado
do seu arruinamento é revivido para construir a identidade coletiva.
Referências
ACEVEDO MARIN, R. E., et all. ‘Povos do Aproaga: Territorialidade
especifica no município São Domingos do Capim (Pará) e reconhe-
cimento de direitos territoriais” à Superintendência Regional SR-(01)
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237
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239
Os movimentos indígenas e a
autoconsciência cultural - diversidade
lingüística e identidade coletiva

Alfredo Wagner Berno de Almeida1

O propósito deste trabalho consiste no estudo da relação entre


tradição e ordenamento jurídico, focalizando principalmente as de-
liberações oficiais (convenções, leis, decretos e portarias) sobre di-
versidade lingüística e política cultural, que resultaram de diferentes
formas de mobilização étnica. O trabalho se refere em especial àqueles
re­sultados de mobilizações perpetradas por movimentos sociais, cujas
reivindicações se tornaram leis, notadamente leis municipais. Tais leis,
enquanto pro­dutos de uma ação coletiva, têm como finalidade precí-
pua não ape­nas o reconhecimento jurídico-formal de atos e saberes
práticos ou de modos de fazer, mas também a proteção de formas
de expressões, que jazem ameaçadas e cuja persistência constitui ob-
jeto de reivindicações do presente. Em verdade está-se diante de um
processo político de transformação das pautas de reivindicações de
........
1
Antropólogo. Professor-visitante da Universidade do Estado do Amazonas
e pesquisador do CNPq. Este texto conheceu uma primeira versão no prefácio
do livro que organizei em 2007, intitulado Terras das Línguas-Lei Municipal
de oficialização de Línguas Indigenas. São Gabriel da Cachoeira. Amazonas.
Manaus. UFAM/PNCSA. 2007
241
movimentos sociais em norma jurídica. A análise sociológica desta
passagem, enfati­za o quantum de força política os movimentos sociais
passaram a ter desde a Constituição Federal de outubro de 1988 e a
ratificação pelo governo brasileiro, em 2002, da Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), tanto na vida social,
colocando na mesa ideal de negociações uma diversidade de identida-
des étnicas, quanto na gestão e nas diversas modalidades de uso dos
recursos naturais.
As reivindicações dos movimentos sociais na Amazônia, mais dire-
tamente referidos aos povos e comunidades tradicionais, tem se dado
em torno do livre acesso aos recursos naturais, principalmente dos
castanhais, babaçuais, seringais, arumanzais, açaizais e piaçabais nati-
vos dentre outros. Tais mobilizações tem desdobramentos conhecidos,
fortalecendo as lutas pelos direitos territoriais, que são indissociáveis das
lutas identitárias. Como ilustração tem-se a mobilização das quebradei-
ras de coco babaçu e a aprovação de mais de 13 (treze) leis municipais,
nos Estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará. São chamadas de
“Leis do Babaçu Livre”2, que preconizam uma representação da nature-
za em que o domínio privado do solo se separa do uso comum de sua
cobertura vegetal. Estas leis municipais, reivindicadas por associações
locais articuladas com o Movimento Interestadual das Quebra­deiras de
Coco Babaçu, contribuíram decisivamente para a elaboração do Projeto
de Lei n. 231/2007, de autoria do Deputado Federal Domin­gos Du-
tra, que atualmente tramita na Câmara dos Deputados3. Uma segunda
........
2
Cf. Shiraishi Neto, Joaquim- Leis do Babaçu Livre - Práticas jurídicas das
Quebradeiras de Coco Babaçu. Manaus. PNCSA-UFAM. 2006
3
Para maiores informações consulte-se os documentos apresentados em 10 de
julho de 2007 na Audiência Pública realizada pela Comissão de Meio Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável e pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias
da Câmara dos Deputados, no Auditório Nereu Ramos, em Brasília-DF. O obje-
tivo da referida Audiência consistiu em debater o projeto de lei sobre o “Babaçu

242
ilustração diz respeito à lei municipal dos extrativistas de ouricuri , que
instituiu o “Ouricuri livre” a partir da Câmara Municipal de Antonio
Gonçalves, Estado da Bahia.
Outro ponto das pautas reivindicatórias dos movimentos sociais,
em todo o País, concerne ao significado de “terras tradicio­nalmente
ocupadas” e ao seu reconhecimento em diferentes situações sociais,
envolvendo indí­genas, quilombolas, ribeirinhos, ciganos, quebradei-
ras de coco baba­çu, pescadores artesanais, seringueiros, castanheiros,
peconheiros, piaçabeiros e extrativistas do arumã e do ouricuri4, atin-
gidos por barragens e comunidades de fundos de pasto e faxinais. Os
direitos territoriais, sobretudo dos povos indígenas, tem sido politi-
camente construídos, nestas situações de conflito social, em contra-
posição às noções de terras imemoriais. A percepção de direitos que
envolvem o patrimônio imaterial de povos e comunidades tradicio-
nais tem convergido igualmente para leis municipais, mesmo que
tais questões estejam sendo reguladas no plano nacional por Medida
Provisória5. Em termos analíticos, amparam também este argumento
........
(cont. nota 3) Livre”, do Deputado Domingos Dutra (PT/MA), que está apenso
ao Projeto de Lei nº.891/2007, de autoria de Deputado Moisés Avelino (PMDB/
TO). Trata-se, em verdade, da reatualização de um projeto de lei elaborado pelo
mesmo Deputado Dutra, dez anos atrás, e que foi arquivado.
4
Vide Projeto de Lei do Legislativo Municipal n.04/2005 que institui a Lei do
Licuri Livre ou Lei do Ouricuri, sua preservação, extrativismo e comercialização.
Câmara Municipal de Antonio Gonçalves, Estado da Bahia, 05 de agosto de 2005.
5
Refiro-me especificamente à Medida Provisória n.2.186-16, de 23 de agosto
de 2001, que regulamenta dispositivos da Constituição de 1988 e da Convenção
sobre Diversidade Biológica, dispondo sobre o acesso ao patrimônio genético, a
proteção e o acesso. O processo de lutas e reivindicações de benzedeiras e outras
autoridades em conhecimentos tradicionais, articuladas no Movimento Aprendizes
da Sabedoria (MASA), culminou com uma vitória expressiva em fevereiro de 2012,
que originou leis municipais nos Municípios de São João do Triunfo e Rebouças no
Estado do Paraná. Em 2011, através do mapeamento social das benzedeiras, que

243
as formula­ções teóricas que separam “tradição” de “origem”, demons-
trando que não há relação necessária entre tais categorias. Antes de
ser uma categoria do passado ou denotar uma ligação estreita com
o “postulado de continuidade”, como critica Foucault6, a noção de
tradição refere-se notadamente ao presente e não se confunde com re-
petição ou com noções que a atrelam a um tempo linear e à evolução.
Para tanto pode-se mencionar o conceito de “invenção da tradição”,
de E. Hobsbawm, e a formulação de M. Sahlins de que todas as tra-
dições são “inventadas” consoante os objetivos do presente7 (Sahlins,
2004:507).
........
(cont. nota 5) registrou 133 benzedeiras em Rebouças e 161 em São João do
Triunfo, o MASA conquistara o Premio Rodrigo de Mello Franco de Andrade,
do Ministério da Cultura, que reconhece iniciativas de proteção, preservação e
divulgação do patrimônio cultural brasileiro. Esta conquista consistiu num passo
destacado para o reconhecimento das práticas das benzedeiras como patrimônio
imaterial. O Presidente da Câmara Municipal de São João do Triunfo, Estado
do Paraná, promulgou em 2012 a lei municipal n.1.370/11, a qual reconhece a
identidade coletiva das benzedeiras e regulariza o livre acesso às plantas medicinais
por parte dos detentores de ofícios tradicionais de cura e propõe a construção de
política municipal específica de acolhimento das práticas tradicionais de cura no
sistema formal de saúde. Coube à vereadora Marta Drabeski (PSB), que também
é benzedeira, a apresentação inicial do projeto de lei. Impedida do ato por ser ela
mesma benzedeira, assumiu a apresentação o Vereador Mario Cesar da Silva (PT).
A Câmara Municipal promulgou, enfim, a Lei n.1370/11, em 22 de fevereiro de
2012, com a seguinte súmula: “Dispõe sobre o processo de reconhecimento dos
Ofícios Tradicionais de Cura, em suas distintas modalidades: benzedores (as), cura-
dores (as), remedieiros(as), costureiros(as) de rendidura ou machucadura, massa-
gistas tradicionais e parteiras e regulamenta o livre acesso a coleta de ervas e plantas
medicinais nativas, no Município de São João do Triunfo, Paraná.”
6
Cf. Foucault, M. - “Sobre a Arqueologia das Ciências - Resposta ao Círculo
Epistemológico” in Foucault et alli Estruturalismo e Teoria da Linguagem. Rio
de Janeiro. Ed.Vozes.1971 (tradução de Luiz Felipe Baeta Neves).
7
Cf. Hobsbawm, E. e Ranger, T. (organizadores) – A invenção das tradições
- Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra. 1997 e Cf. Sahlins, M. – “Adeus aos tristes tropos

244
O processo de discussão ao qual este trabalho está referido envol-
ve inúmeros movimentos sociais representativos daquela diversi­dade
de identidades coletivas, recolocando a cada negociação de con­flitos
os diferentes critérios político-organizativos em jogo e, sobre­tudo, o
novo significado de “tradicional”. As mobilizações encetadas por
estes movimentos e as leis municipais que lograram conquistar resul-
taram, inclusive num forte dispositivo de intervenção afirmado pelo
governo federal e assinado pelo Presidente da Re­pública, qual seja:
Decreto nº. 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais8.
Neste trabalho de pesquisa ora apresentado, retomo o argumento
de que os esforços analíticos se voltam para interpretações sociológicas
relativas à aprovação da lei de co-oficialização de línguas indígenas
(tukano, baniwa e nheen­gatu) no Município de São Gabriel da Ca-
choeira9, Alto Rio Negro, Estado do Amazonas, e para os efeitos de
sua regulamentação desde novembro de 2006. A aprovação desta lei
no Alto Rio Negro, Estado do Amazonas, região mais plurilíngüe das
Américas, onde são faladas 23 (vinte e três) línguas indígenas, tem
........
(cont. nota 7) – a etnografia no contexto da moderna história mundial”. In
Cultura na Prática. Rio de Janeiro. Ed. UFRJ. 2004 pp. 503-534
8
Cf. Decreto nº.6.040, de 07 de fevereiro de 2007. Diário Oficial da União.
Seção I, no 28. Brasília, 8 de fevereiro de 2007 p.316
9
O Município de São Gabriel da Cachoeira, localizado na região do Alto Rio
Negro, possui a maior proporção de pessoas que se autodeclararam indígenas em
todo o país, ou seja, 76,31% da população, de acordo com o Censo Demográfico
de 2000. Do total municipal de 29.947 habitantes tem-se que 22.853 assim se
autodeclararam. O segundo maior percentual de população indígena no Estado
do Amazonas, concerne ao Município de Santa Isabel do Rio Negro que, aliás,
ocupa o correspondente à quinta posição no país. Segundo os dados censitários
34,8% de sua população, isto é, 3.670 pessoas de um total de 10.561 habitantes,
se autodeclararam indígenas.

245
reforçado as reivindicações de reconhecimento da diversidade lingüís-
tica. Este tipo de reconhecimento sempre foi menosprezado pelas po-
líticas educacionais. Foi inclusive criminalizado pela política de “Na-
cionalização do Ensino”, iniciada pela ditadura do Estado Novo, entre
1937 e 1945, que reprimiu duramente as línguas alóctones, praticadas
pelos imigrantes europeus e pelos ciganos, reproduzindo as práticas
repressivas coloniais com respeito às línguas autóctones ou dos povos
indígenas. A aprovação desta lei de co-oficialização de línguas indíge-
nas em São Gabriel da Cachoeira, demonstra que a noção de tradição,
enquanto reivindicação dos movimentos indígenas, surge marcada
pelo signo da ruptura com os fundamentos da sociedade colonial. Co-
-oficializar uma língua significa aqui que o município passa a ser ofi-
cialmente trilíngue e que seus cidadãos assim podem se manifestar em
todos os domínios da vida social, ou seja, na escola, no hospital, nos
bancos, nos correios, nos cartórios e nos tribunais. Trata-se de uma
ruptura profunda com o monolinguismo da sociedade colonial e dos
pressupostos positivistas do Estado-nação. A partir desta aprovação de
lei em São Gabriel abriram-se as portas para que outros movimentos
também reivindicassem o mesmo reconhecimento, abrangendo inclu-
sive línguas alóctones como o reconhecimento da língua pomerana
no Município de Santa Maria de Jetibá, em novembro de 2008, no
Estado do Espírito Santo10.
........
10
“O pomerano é uma língua germânica, antigamente falada nas margens do
Báltico, e hoje usada em comunidades do Espírito Santo, Rondônia, Minas Gerais,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Língua presente no Brasil desde 1858 – há
150 anos, portanto – tem hoje, no Brasil, um universo de aproximadamente 120
mil falantes. Co- oficializar uma língua significa que o município passa a ser oficial-
mente bilingue, e que seus cidadãos podem construir suas vidas em duas línguas – a
língua oficial da União, o português, mas também a língua co-oficial da comuni-
dade, neste caso o pomerano – usando-as na educação, nos eventos culturais e na
sua relação com o Estado.” ( cf. Defourny, V. e Muller de Oliveira, G. – “Qual é
a lingua?”. O Globo. Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 2008). Os pomeranos

246
Os critérios de mobilização étnica e o senso prático das estraté­gias
dos movimentos sociais são repassados neste texto ora apresentado,
com ênfase nos movimentos indígenas. As leis municipais reforçam a
figura da auto-definição ou a consciência da sua identidade coletiva
pelos próprios agentes sociais, reforçando o grau de autonomia frente
ao Estado e às demais agencias do campo de poder, nos termos da
Convenção 169 da OIT. Neste sentido é que se pode asseverar que as
línguas indíge­nas tem um significado novo nas pautas de reivindica-
ção dos movi­mentos indígenas, uma vez que, territorializam para além
dos limites geográficos colocados oficialmente pela figura jurídica das
terras in­dígenas. Em São Gabriel da Cachoeira como em muitos ou-
tros luga­res do Brasil são as línguas indígenas que constituem a língua
franca que contagia todas as palavras em qualquer lugar e circunstân-
cia e a qualquer hora do dia. Elas encontram-se em todo lugar, mesmo
........
(cont. nota 10) possuem representação na Comissão Nacional de Desenvolvimen-
to Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais através da Associação dos
Moradores, Amigos e Proprietários dos Pontões de Pancas e Àguas Brancas e da
Associação Cultural Alemã do Espírito Santo. Consoante informações fornecidas
pelos pomeranos que participaram do I Encontro dos Povos e Comunidades Tradi-
cionais do Espírito Santo realizado entre os dias 23 e 25 de março de 2002 em Praia
Formosa, Aracruz(ES), tem-se: “Atualmente a língua pomerana já tem uma escrita,
dada pelo linguista prof. Dr. Ismael Tressmann, e nos município mais pomeranos
do estado do Espírito Santo já tem aulas de língua Pomerana através do programa
Educação Escolar Pomerana-PROEPO.” (cf. doc. distribuído no evento intitulado
“Pomerânia”). As estimativas produzidas por Jorge Kuster Jacob, apresentadas no
I Encontro, acerca daqueles que se autointitulam “pomeranos” no Espírito Santo,
correspondem a 156.071 pessoas, distribuídas pelos seguintes municípios: Santa
Maria de Jetibá, Laranja da Terra, Vila Pavão, Domingos Martins, Pancas (Laji-
nha), Afonso Claudio, Baixo Guandu, Itaguaçu, Itarana, Vila Valerio, São Gabriel
da Palha, Colatina, Marechal Floriano, São Roque do Canaã, Governador Lin-
denberg e região metropolitana de Vitória. Nesta “Estimativa de Mapeamento dos
Pomeranos”, Jacob assinala também municípios de Minas Gerais, Rondônia, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul com o respectivo percentual dos que se autodesig-
nam pomeranos face aos totais obtidos pelo recenseamento do IBGE de 2010.

247
nos mais recônditos em que aparecem de maneira privada e bastan­te
intimista. Durante mais de dois séculos, após as duras proibições do
Diretório pombalino de 1758, as línguas indígenas e o nheengatu ou
língua geral, gramaticalizada pelos jesuítas, foram mantidas à margem
da sociedade nacional, sem um respaldo legal definitivo. Persistiram,
entrementes, praticadas às escondidas, quase sussuradas de tão baixo
o tom das vozes, denotando submissão e temor. Persistiram como lín-
guas domésticas, faladas principalmen­te nos estritos limites das casas
e das aldeias, nos meandros da vida familiar ou nos fundos dos asso-
bradados senhoriais e nas suas cozi­nhas. Falar língua indígena ou dela
fazer uso não assegurava a nin­guém a condição cidadã de participar
da vida política ou de ter acesso aos direitos civis, seja no regime mo-
nárquico ou no republicano11.
A iniciativa de co-oficialização das línguas traz o território indí­
gena para dentro das repartições públicas, dos logradouros públicos,
das agencias bancárias, das escolas, dos hospitais e dos locais de en­
tretenimento. A identidade coletiva objetivada em movimento social
passa a ter no fator lingüístico um de seus mais destacados funda­
mentos sociais e de mobilização. Entretanto, não é a língua em si,
senão a sua combinação com a ação organizada de defesa de direitos
básicos que evidencia tal transformação. Neste sentido é que se pode
falar de uma politização da língua e de uma objetivação das identida­
des étnicas em movimento social.
........
11
Há uma continuidade jurídica entre a Monarquia e a República, no que diz
respeito à classifi­cação dos chamados “cidadãos”, excluindo analfabetos e ágrafos.
Bem ilustra isto o Decreto nº.6 de 19 de novembro de 1889. A condição de ler
e escrever em português aparece de modo implícito no Art. 1º. : “Considera-se
eleitores para as Câmaras Gerais, provinciais e municipais, todos os cidadãos brasi-
leiros no gozo de seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever.”
Na Constituição de 1967, elaborada durante a ditadura militar, no Capitulo II
concernente aos Direitos Políticos, tem-se o Art.147 cujo § 3 assevera o seguinte: “Não
poderão alistar-se eleitores: a) os que não saibam exprimir-se na língua nacional...”

248
Foi com a emergência de novas identidades coletivas e com a afir­
mação de condições de possibilidade de seu reconhecimento jurídi­
co-formal, aberto implicitamente pela Constituição de outubro de
1988, que casos de publicização se tornaram freqüentes. No decorrer
de 2001 o agrônomo Franklin Plessman registrava em Barcelos (AM)
assembléias políticas em que os participantes se manifestavam prin­
cipalmente em nheengatu. Se comunicavam no que denominam de
“língua geral” independentemente dos mediadores (militantes, mem­
bros de ong´s, sindicalistas e clérigos) estarem ou não entendendo o
que estava sendo dito.
Nos últimos lustros, através da implementação destas leis munici­
pais mencionadas e do esforço constante dos movimentos sociais, em
especial os indígenas, em dar seqüência às suas reivindicações, perce-
be-se a emergência de um novo padrão de relação política. Um dos
atributos deste padrão seria uma publicização das línguas indígenas12,
bem como daquelas dos demais povos e comunidades tradicionais.
Práticas diferenciadas em relação aos recursos naturais e aos fatores lin-
güísticos apontam para um novo tempo de afirmações étnicas, mesmo
que se chame a atenção para as dificuldades antepostas à trajetória do
movimento in­dígena e que se registre criticamente que a inspiração
monolíngue do­mina ainda o universo dos legisladores. Aliás, legislado-
res, militares e demais integrantes de um projeto nacional, com nítida
inspiração positivista, continuariam esposando o monolinguismo e
vivendo a falsa oposição entre diversidade lingüística e nação, opondo-
-se portanto, à mencionada emergência de novas identidades coletivas.
........
12
Para maiores detalhes sobre esta relação consulte-se Bourdieu, Pierre – “Con-
tra a política de despolitização” in Contrafogos 2: por um movimento social europeu.
Rio de Janeiro..J.Zahar.2001 pp.60-77. Consulte-se também dois números espe-
ciais de Actes de la recherche em Sciences Sociales: nº.155 de decembre de 2004
intitulado “Le capital militant (1)-engagements improbables, apprentissages et
techniques de lutte” e nº.158 “Le capital militant (2) crises politiques et reconver­
sions: mai 68”.

249
Consoante o novo padrão de relação política se expressar jurídica
e formalmente em língua indígena passa a ter um significado mais
determinante em contraste com situações anteriores em que as lide­
ranças apenas iniciavam sua alocução em língua nativa, mais como
figura de retórica, demonstrativa da fidedignidade de sua condição, e
logo depois voltavam à tradução e a retomar o português como língua
de interlocução. Falar a língua indígena e exigir ser entendido através
dela denota uma postura coadunada com uma certa teoria de plu-
ralismo jurídico, que aponta concomitantemente para equivalên­cia
ou para uma interlocução bilíngüe ou trilíngüe13. Falar na própria
língua significa, portanto, mais do que delimitar um lado do conflito.
Percebe-se a publicização de uma autoconsciência cultural através do
uso da língua nativa notadamente em eventos públicos e em situa-
ções de ação coletiva. Nestas situações são registradas manifestações
de indígenas na própria língua sem se importarem necessariamente
se os interlocutores potenciais estariam entendendo ou não. Falar pu­
blicamente, sobretudo para os que também falam a mesma língua,
demonstrando-lhes que é legítimo o fato de se entenderem entre si
às vistas de terceiros – que não necessariamente dominam o idio­ma
e circunstancialmente são mais poderosos – significa estabelecer uma
nova forma de solidariedade política que confere coesão social e certa
dinamicidade ao movimento indígena. Mediante esta postura estarí-
amos assistindo a um desafio cultural caracterizado por uma tríplice
transformação:
........
13
Importa mencionar aqui a análise do antropólogo Raimundo Nonato Pereira
da Silva, mani­festa em Seminário do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia
(PNCSA), realizado NA Universidade Federal do Amazonas, em Manaus, em abril
de 2007, que destaca os professores bilíngües como contribuindo significativamen-
te para organizar a representação política dos povos indígenas. A ação pedagógica,
segundo este ponto de vista, mais do que nunca torna-se indissocia­da das formas
de organização política.

250
a) do uso doméstico e informal das línguas indígenas para um uso
público e oficial,
b) da inibição e vergonha de falar publicamente na língua nativa
para o orgulho de nela se expressar.
c) Esta passagem do uso restrito para um uso amplo e difuso impli­
ca numa ruptura com os estigmas historicamente impostos. Me­lhor
explicando: os dispositivos jurídicos coloniais classificavam as quali-
dades e os saberes intrínsecos aos povos indígenas e aos escravos africa-
nos como defeitos incompatíveis com a idéia de “civilização”. Faziam
de seus saberes e vicissitudes culturais – língua, padrões morais, regras
de matrimônio, preceitos religiosos e sistemas de parentesco – uma
violação dos princípios religiosos e políticos impostos pelo poder di-
nástico. Consideravam ademais tais saberes como uma perigosa nega-
ção da disciplina de trabalho imposta pelo sistema de plantation e seus
mecanismos repressores da força de trabalho.
Assim, mediante as transformações atuais, a língua, que regia a vida
doméstica passa a disciplinar relações po­líticas. Estas próprias relações
assinalam uma política de identidade colocada ao Estado através de
uma multiplicidade de situações de conflito e de afirmação étnica.
Em virtude disto é que estamos apresentando para debate este tex-
to, ad­vertindo para os obstáculos colocados à possibilidade de se pen-
sar a pluralidade de uma maneira livre das “diversidades controladas”.
Certamente que agrava isto um certo “culto antropológico do plura­
lismo jurídico” como sinônimo de um determinado tipo de “multi-
culturalismo”, estimulado pelas agencias multilaterais, que continu­
am operando com um conceito de etnia inteiramente manualizado,
segundo uma abordagem primordialista ou eivada de essencialismos,
enfatizando sujeitos biologizados, e frontalmente contrário àquele
praticado pelos movimentos indígenas, apoiado na autorepresenta­
ção e referido ao advento de sujeitos sociais. Está em jogo, portanto,
um desa­fio cultural, empiricamente verificável e com um significado

251
deveras complexo, ainda por ser explicado, cujos efeitos históricos ain-
da não são também inteiramente conhecidos.
Deste modo, longe dos grandes debates sobre as teorias do direi-
to que tratam dos pluralismos jurídicos 14 e sobre as relações entre
“conceitos normativos” da ciência jurídica e “conceitos empíricos”
das ciências sociais, estamos diante de realidades localizadas e pro-
cessos sociais com diferentes modalidades de afirmação étnica e com
a consolida­ção de suas respectivas territorialidades específicas. A in-
terpretação do sentido profundo desta força mobilizadora desafiante
e desta di­nâmica de autoconsciência cultural parece voltar-se princi-
palmente para as expressões identitárias. Pode-se dizer, portanto, que
através da afirmação lingüística estariam também as tentativas dos po-
vos indígenas em controlar de maneira mais autônoma suas relações
com o Estado e com as instituições privadas (entidades confessionais,
organizações não-governamentais/ ong’s, empresas), cujas ações me-
diadoras configuram formas reno­vadas de tutela.
Consoante Bourdieu o que diz respeito à identidade15 possuiria
uma “força mobilizadora excepcional” capaz de provocar rupturas
profundas com os mecanismos de dominação já cristalizados. Tal­vez
esta formulação nos ajude a compreender como os movimentos indí-
genas estão se colocando na construção de um novo padrão de relação
política, senão vejamos:
........
14
As teorias do pluralismo jurídico em torno dos modos de apropriação da
terra, do uso das línguas nativas, das regras dos direitos matrimoniais e da adoção
das práticas que administram a justiça tem sido objeto de reflexões sistemáticas
de muitas associações científicas. Uma síntese das discussões travadas no âmbito
da Association Française d’Anthropologie du Droit pode ser con­sultada em: “ Les
pluralismes juridiques”. Cahiers d’Anthropologie du Droit .Paris .Laboratoire
d’anthropologie juridique de Paris. Ed. Karthala. 2003.
15
Cf. Bourdieu, P.-“A identidade e a representação. Elementos para uma re-
flexão crítica sobre a idéia de região.” In O poder simbólico. Lisboa. Difel. Rio de
Janeiro.Bertrand 1989 pp.107-161

252
“Sabe-se que os indivíduos e os grupos investem nas lutas de classi-
ficação todo o seu ser social, tudo o que define a idéia que eles tem
deles próprios, todo o impensado pelo qual eles se cons­tituem como
“nós” por oposição a “eles”, aos “outros” e ao qual estão ligados por
uma adesão quase corporal. É isto que explica a força mobilizadora
excepcional de tudo o que toca à identidade.” (Bourdieu, 1989:124).
Tentando descrever a extensão desta ruptura nas lutas de classifica­
ção, importa recuperar detidamente uma ordem de fatos recentes,
cuja interpretação acurada ainda requer uma investigação científica
sistemática. Retomamos para tanto a situação social referida a São
Gabriel da Cachoeira. No dia primeiro de novembro de 2006 o Pre-
feito de São Gabriel da Cachoeira, Juscelino Otero, assinou decreto
regulamen­tando o reconhecimento do tucano, do baniwa e do nhe-
engatu como línguas oficiais do Município ao lado do português. O
decreto foi votado na Câmara Municipal dias antes. A Lei 145, que
estabelece as três línguas indígenas como idiomas co-oficiais, foi apro-
vada em 11 de novembro de 2002 a partir de proposta de autoria do
vereador Esaú Ambrósio de Andrade, da etnia baré. Esta proposta foi
apre­sentada pelo vereador indígena Domingos Sávio Camico Agude-
los, conhecido como Camico Baniwa. A este tempo dos nove verea-
dores da Câmara Municipal de São Gabriel cinco eram representantes
indí­genas, sendo dois Tukano, Alva Rosa Lana Vieira e José Protásio
de Castro, dois Baré, Robernilson Barbosa Otero e Esaú A. de Andra-
de, e um Baniwa, o já mencionado Camico Baniwa. No momento do
ato de regulamentação, quatro anos depois, a capacidade de pressão
do movimento indígena parece ter se mostrado maior no município,
não obstante a representação político-formal dos indígenas na Câ-
mara Municipal haver sofrido um decréscimo nas eleições de 2005,
restrin­gindo-se a apenas dois vereadores Hernane Vaz de Abreu, tuka-
no, e José Maria de Lima, piratapuya16.
........
16
Cf. informações levantadas pelo antropólogo Raimundo Nonato Pereira da Silva.

253
Com a regulamentação todas as repartições publicas em São Ga­
briel serão obrigadas a prestar atendimento também em nheengatu,
tukano e baniwa. Os documentos públicos, as campanhas publicitá­
rias institucionais, a sinalização das ruas e demais orientações em ban-
cos, igrejas, estabelecimentos comerciais e sistema judiciário de­verão
ter versões nos três idiomas. Além disto os poderes municipais deverão
promover o aprendizado dessas línguas nas escolas e seu uso nos meios
de comunicação e nas instituições privadas. O poder público teve 180
dias a partir da data de regulamentação para iniciar a prestação de
serviços nas línguas co-oficiais. A prestação de ser­viços em documen-
tos escritos, entretanto, teve um ano de prazo para cumprir o que
preconiza o dispositivo.
O presidente da Federação das Organizações Indígenas do Alto
Rio Negro (FOIRN), Domingos Barreto, do povo tukano, em decla­
ração ao periódico A Crítica, três dias após decretada a regulamen­
tação, em 4 de novembro de 2006, reafirmando a força mobilizadora
declarou o seguinte sobre o significado da vitória na reivindicação17
tornada lei municipal:
“É o reconhecimento da diversidade cultural dos povos indíge­nas
e a tentativa de não fazer morrer as línguas-mães das aldeias. É a
primeira iniciativa no país.”
Para os povos tukano e baniwa impor formalmente a escrita de sua
própria língua à chamada “sociedade nacional” consiste numa estra­
tégia básica de reprodução cultural, ao contrário de alguns povos tra­
dicionais, como os ciganos, para os quais a ausência de uma escrita é
que pode ser lida como uma estratégia de sobrevivência. Através da
oralidade os ciganos idealmente poderiam controlar suas relações com
os aparatos de poder, ilegitimando quaisquer pretensões media­doras
........
17
Cf. “Cidade terá quatro línguas”. A Crítica. Manaus, 4 de novembro de
2006 p.C7

254
de quem desconhece suas línguas nativas. Neste sentido é que as as-
sociações representativas dos ciganos, “roms” e “kalons”, não reivindi-
cam o reconhecimento, o aprendizado ou a adoção de suas línguas em
estabelecimentos de ensino ou qualquer outra instituição pública. De
modo contras­tante para os movimentos indígenas a co-oficialização
das línguas indígenas representaria também uma possibilidade de am-
pliação de suas lutas de afirmação étnica.
A municipalização das reivindicações não pode ser entendida,
portanto, de maneira rígida ou confinada na geografia das divisões
político-administrativas. A ação da Federação das Organizações In-
dígenas do Rio Negro (FOIRN) transcende os limites municipais e
não se conforma exatamente a delimitações espaciais político-admi-
nistrativas. Neste sentido o reconhecimento que emana da Câmara
Municipal parece ser um primeiro passo para ações que concernem a
uma microrregião ou à mesoregião como um todo. As mobilizações
no mesmo sentido em outros municípios, de diferentes unidades da
federação, evidenciam que os fatores lingüísticos redes­crevem a rela-
ção com as instâncias de poder, descrevendo a região segundo uma
nova forma de ação político-organizativa.
Mediante esta dinâmica de construção de uma comunidade políti-
ca com base étnica tem-se uma dupla ruptura com os fundamentos da
sociedade colonial, permitindo uma “nova descrição” da vida social.
Ruptura com os fundamentos ideológicos do diretório
A primeira ruptura é com o Estado dinástico que, sob a governação
pombalina (1750-1777) instituiu o “Diretório que se deve observar
nas povoa­ções dos índios do Pará e Maranhão”. O documento vem
assinado por Sebastião José de Carvalho e Mello, que veio a ser Mar-
quês de Pombal, e foi registrado na Secretaria de Estado dos Negócios
do reino, no livro da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão à
fo­lha 120, em 18 de agosto de 1758, por Felipe José Gama. No seu
Art. 6 proíbe o uso do nheengatu e das línguas indígenas apoiado no

255
princípio de que a Língua do Príncipe, ou seja, o português, como
obrigatória resultará na veneração e na obediência ao poder real. Con-
comitantemente, o nheengatu é satanizado e as penalidades para os
que insistirem no seu uso são sancionadas.
Proibir práticas culturais (sistemas de aliança e uso de línguas
indíge­nas) tornou-se um instrumento decisivo para o funcionamento
econô­mico do sistema agrário-exportador apoiado em grandes plan-
tações monocultoras e na imobilização da força de trabalho. A uni-
formidade lingüística, em torno da língua portuguesa, nas grandes
.........

“6 Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em to­das as Na-


ções, que conquistaram novos Domínios, intro­duzir logo nos Povos
conquistados o seu próprio idioma, por fé indisputável, que este
é um dos meios mais efica­zes para desterrar dos Povos rústicos a

256
barbárie dos seus antigos costumes; e ter mostrado a experiência,
que ao mesmo passo, que se introduz neles o uso da Língua do Prín-
cipe, que os conquistou, se lhes radica também o feto, a veneração e
a obediência ao mesmo Príncipe. Observan­do, pois todas as Nações
polidas do Mundo este prudente e sólido sistema, nesta Conquis-
ta se praticou tanto pelo contrário, que só cuidaram os primeiros
Conquistadores estabelecer nela o uso da Língua, que chamaram
geral; invenção verdadeiramente abominável e diabólica, para que
privados os índios de todos aqueles meios, que os po­deriam civilizar,
permanecessem na rústica, e bárbara su­jeição em que até agora se
conservam. Para desterrar este perniciosíssimo abuso, será um dos
principais cuidados dos Directores, estabelecer nas suas respectivas
Povoa­ções o uso da Língua Portuguesa, não consentindo por modo
algum, que os Meninos e Meninas, que pertence­rem às escolas, e
todos aqueles Índios, que forem capazes de instrução nesta matéria,
usem da Língua própria das suas Nações, ou da chamada geral;
mas unicamente da Portuguesa, na forma , que Sua Majestade tem
recomen­dado em repetidas Ordens, que até agora se não observa­ram
com total ruína Espiritual e Temporal do Estado.” (cf. Directorio
que se observar nas povoacoens dos ín­dios do Pará, e Ma-
ranhão em quanto Sua Majestade não mandar o contrario.
Lisboa, na oficina de Miguel Rodrigues.Impressor do Eminentíssi-
mo Senhor Cardeal Patriarca.M.DCCCC.LVIII“; c/ autorização
de impressão e rubrica de Sua Majestade, a 17 de agosto de 1758).
.........
plantações de cana de açúcar e algodão, parece ter sido um severo
mecanismo de controle sobre os trabalhadores escravos. Sua aplica-
ção ocorreu pela dispersão de escravos de diferentes etnias por dife-
rentes fazen­das, evitando agrupamentos de membros de uma mesma
etnia numa mesma unidade de produção. Tal dispersão facilitava a
imposição do português como língua de comunicação obrigatória
uma vez que consideravam que haveria dificuldades dos escravos se

257
entenderem entre si. A consulta a testamentos e inventários de gran-
des proprietá­rios do século XIX permite constatar a diversidade da
origem étnica dos escravos18.
Na estratégia pombalina o fator lingüístico era usado como defini-
dor de uma determinada forma de organização social fabricada pelo
poder político. Havia uma identificação entre língua, cultura e nação.
A “Língua do Príncipe” seria a língua da nação, porquanto a autori­
dade dinástica o impunha. O estado dinástico, como bem descreve o
Marques de Pombal, exigia uma homogeneidade lingüística derrama­
da na vida política e administrativa, disciplinando as relações sociais
entre os agentes sociais e entre eles e os próprios aparatos de poder.
A aristocracia se foi com o Príncipe, mas a exclusividade da “Língua
do Príncipe”, entrementes, ficou. As constituições republicanas jamais
desdisseram Pombal. A noção operacional de “povo”, de inspiração
positivista, pressupunha uma unidade geográfica e lingüística, sob
uma administração a mesma, cujo artefato de comunicação era a lín­
gua dominante, a mesma da sociedade colonial.
Neste processo político as línguas indígenas outrora proibidas
mantiveram-se resistentes e vívidas, na vida cotidiana das aldeias, nos
afazeres e nos segredos da vida doméstica. Faladas sem buscar neces-
sariamente o confronto elas jamais foram controladas absoluta­mente
pela repressão colonial e dinástica ou pela violência simbóli­ca dos mi-
litares positivistas de ideário republicano. Sua persistência evidencia a
força com que foi sendo vivida dentro de cada unidade de residência,
de cada aldeia ou de cada forma organizativa intrínseca aos movimen-
tos indígenas.

........
18
Para outras informações a propósito desta documentação histórica consulte-
-se: Centro de Cultura Negra do Maranhão – SM DH – Terras de Preto no Ma-
ranhão: quebrando o mito do isolamento. São Luís. CCN-PVN-SMDH. 2002 .

258
A denominada “língua geral”, introduzida pelos gramáticos do
clero, foi interpretada por Pombal como um mecanismo para que os
jesuítas pudessem dominar os chamados “gentios”. Seria uma língua
que competiria com a Língua do Príncipe. Tanto mais porque os pró­
prios escravos trazidos da África também estariam se comunicando
em nheengatu ou ‘língua geral” sem nada saberem da língua portu­
guesa como sublinha o Governador Geral do Grão-Pará e Maranhão,
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em carta enviada à Corte,
datada do Pará, 27 de fevereiro de 1759, como se verá a seguir:
“Contra esta Diabólica máxima trabalhei quanto coube no possível
para extingui-la principalmente nesta Capital, vim há pouco tem-
po a desenganar-me que pouco ou nada tinha feito, fazendo-se-me
assim demonstrativo pelos dois fatos que vou expor a V. Exa.
O primeiro foi virem à minha casa umas crianças filhos de umas
pessoas Principais desta terra, e faltando eu com elas, que entenden-
do pouco Português, compreendiam e se explicavam bastantemente
na Língua Tapuia , ou chamada geral.
O segundo foi ouvir debaixo da minha janela dois Negros dos que
proximamente se estão introduzindo da Costa da África, falando
desembaraçadamente a sobredita Língua e não compre­endendo
nada da Portuguesa.”
As medidas repressoras clamadas pelo Governador Geral não logra-
ram, entretanto, completo êxito. O nheengatu, nesta primeira déca-
da do século XXI, foi convertido em língua indígena pelos próprios
movimentos indígenas em suas pautas reivindicató­rias. Falam-no
uns com outros em assembléias e reuniões, em manifestações políti-
cas e em atos públicos, como já foi mencionado no caso de Barcelos.
A chamada “língua geral” até então se relacionava indiretamente
com as estruturas de poder, com as instâncias do campo político, e
agora através da co-oficialização esta relação tornou-se direta, con-
solidando um bastião de resistência aos dispositivos discriminatórios
de inspiração colonial.

259
Ruptura com a ação colonial da igreja
A segunda ruptura é, pois com a Igreja e por extensão com as Or-
dens Religiosas, ao tornar o nheengatu uma entre as línguas indígenas
e não mais a língua de comunicação entre diferentes povos indígenas.
O que a violência simbólica dos missionários tentou aproximar, sob a
orquestração gramatical das ordens religiosas que produziram a cha­
mada “língua geral”, foi redefinido pelos próprios movimentos indí­
genas, que articularam diferentes povos numa mesma reivindicação.
Esta ação articuladora dos movimentos jogou por terra a metáfora
bíblica da Torre de Babel, cunhada pelo Padre Antonio Vieira, em
1662, no seu Sermão da Epifania ao referir-se ao Rio das Amazonas.
Consoante tal metáfora as gentes não se entendiam entre si, falando
línguas incompreensíveis, que resultavam em confusão e desarmonia
entre os falantes. A mobilização conjunta de diferentes povos indí­
genas em torno da co-oficialização da diversidade lingüística indica
justamente o contrário: ao reivindicarem a co-oficialização de dife­
rentes línguas numa só reivindicação explicitam um entendimento
mútuo e uma solidariedade política. Não há mudez nem surdez nesta
mobilização política que tem na diversidade um fator de união e nada
mais tem a ver com o desentendimento aludido na passagem bíblica.
Em suma, pode-se asseverar que os movimentos indígenas come-
çam a desdizer o regimento pombalino, unindo o que ele procurou
separar e levando em conta a diversidade cultural como um elemen-
to estru­turante da sociedade brasileira. Logram uma conquista que
já havia sido acenada tragicomicamente por texto literário no início
da segun­da década do século XX através de Lima Barreto com seu
conhecido livro O Triste Fim de Policarpo Quaresma. O personagem
principal o Major Policarpo Quaresma envia um requerimento aos
congressis­tas, solicitando que decretassem o tupi-guarani como língua
oficial do povo brasileiro:

260
“Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, cer-
to de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; cer­to também
de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no
campo das letras, se vêem na humilhante contin­gência de sofrer
continuamente censuras ásperas dos proprie­tários da língua; saben-
do, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com
especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção
gramatical, vendo-se dia­riamente, surgir azedas polêmicas entre os
mais profundos es­tudiosos do nosso idioma – usando do direito que
lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional
decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo bra-
sileiro.” (Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma. 1911).
O Major Quaresma, num pleito individual e isolado, que não
repre­sentava uma força social, é tratado sardonicamente e acaba en-
cerrado numa masmorra. O ato isolado de um funcionário público
singular não logrou êxito. A afirmação de existência coletiva realizada
por um movimento social encaminhando reivindicação similar a uma
Câmara Municipal resulta, entretanto, quase um século depois, numa
conquista.
Esta ligeira correlação histórica, que mescla ficção e realidade, evi-
dencia antes de tudo as dificuldades de um entendimento mais acaba-
do deste fenômeno da diversidade cultural hoje na sociedade brasileira
e chama a atenção para os antagonismos em jogo. Afinal, reconhece-se
hoje que “no Brasil são falados por volta de 220 idiomas: 180 indíge-
nas, 30 de imigração e ainda, duas comunidades surdas, a Língua bra-
sileira de sinais – Libras- e a Urubu-Káapor. Somos, portanto, um país
de muitas línguas – plurilíngüe-como a maioria dos paises.” (Defour-
ny e Muller de Oliveira, 2008). O decreto presidencial n.7.387, de 9
de dezembro de 2010, reconhece isto ao instituir o Inventário Nacio-
nal da Diversidade Lingüística como “instrumento de identificação,
documentação, reconhecimento e valorização das línguas portadoras

261
de referencia à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira”19.
Tal decreto responde, de certa maneira, a uma indagação que
sempre tem sido recolocada, que é a seguinte: como articular esta di-
versidade linguística com a idéia de nação? Sob este aspecto importa
reiterar que, no caso brasileiro, não há nacionalismos em disputa, que
marquem a vida política. Não há as denominadas “na­cionalidades
históricas”, tal como na França em relação aos corsos e bascos ou na
Espanha em relação a catalães, bascos e galegos, reco­nhecidas inclusive
como tal pelo texto constitucional.
No caso brasileiro os movimentos sociais, indígenas e quilombo­las,
não fazem uso do termo “nação” como correspondente ao sentido de
Estado-Nação. Assim, não se tem um debate ou conflito em torno de
problemas equivalentes ao que se chama de “uma nação dentro de ou-
tra nação”. Embora não haja historicamente a acomodação de várias
nações ou nacionalidades num mesmo Estado tem-se uma argumen­
tação conservadora que alega que potencialmente haveria perigo de,
a partir do reconhecimento de terras indígenas e quilombolas, surgir
uma tendência à desagregação e à autonomização. Os movimentos
sociais, no caso brasileiro não mantém nem reivindicam situações
de auto-governo ou de governo paralelo. Neste sentido as diferen-
ças culturais não teriam porque serem consideradas necessariamente
de­sagregadoras. Insistir em não reconhecer diferenças culturais pode
significar apostar no conflito a todo custo. Confrontando-se com es­
tes obstáculos é que se pode avançar na análise sociológica de como
os movimentos indígenas tem delineado uma mobilização conjunta
impondo sua pauta de reivindicações à cena política municipal.
........
19
Consoante o Art. 4 o Inventário Nacional da Diversidade Linguística “deverá
mapear, caracterizar e diagnosticar as diferentes situações relacionadas à pluralidade
lingüística brasileira, sistematizando estes dados em formulário específico.”

262
Na situação ora examinada as formas de luta que os movimentos
indígenas preconizam e que constituem o substrato do capital mili­
tante podem ser assim sintetizadas: – orientar, consoante os preceitos
de sua etnia, os integrantes das organizações indígenas a afirmarem
pública e formalmente seu nome de benzimento, isto é, aquele que
receberam de seus pais e dos quais foram usurpados e não o nome
de batismo imposto pelos missionários; – rever as denominações dos
toponimos, ou seja, instituir novas designações, em língua indígena,
de comunidades, serras, igarapés, olhos d’água ou nascentes e aci-
dentes geográficos que foram denominadas pelos colonizadores com
nomes bíblicos, de santos ou inspirados em episódios da história da
colonização portuguesa; – es­tabelecer novas formas de apropriação do
conhecimento do tempo, dialogando com temas oficiais da ordem
do dia como “mudanças cli­máticas” e reorganizando o calendário das
atividades econômicas; isto além das já citadas leis municipais de co-
-oficialização de línguas indígenas.
Insistindo nestas especificidades e nas distinções face a outras ex­
periências históricas pode-se sublinhar o particularismo da situação
analisada sem qualquer pretensão de universalizá-lo. Tal ação políti­
co-organizativa parece encontrar assim, condições de possibilidade
para se expandir, evidenciando um amplo processo de transforma­ções
sociais. Para E. Hobsbawm, por exemplo, o final do século XX e este
início do século XXI podem ser caracterizados por uma “política de
identidade”. Tanto os aparatos de estado, quanto os movimentos so-
ciais mobilizam-se em torno desta modalidade de expressão políti­ca.
De maneira aproximada M. Sahlins sublinha que:
“A autoconsciência cultural que se vem desenvolvendo entre as anti-
gas vítimas do imperialismo é um dos fenômenos mais notáveis da
história mundial no fim do século XX. A “cultura” – a palavra em
si, ou algum equivalente local – está na boca de todos. Tibetanos e
havaianos, ojibway, kwakiutl e esquimós, ca­saquistaneses e mongóis,

263
aborígenes australianos, balineses, ca­xemirianos e maori da Nova
Zelândia, todos descobrem ter uma “cultura”.” (Sahlins, ibid.:506)
No que diz respeito aos fatores lingüísticos é possível registrar
duas tendências no plano político municipal: enquanto na Bolívia,
Equador, Venezuela, Peru e em certa medida no Brasil se avança no
sentido do pluralismo jurídico, reconhecendo a diversidade cultural
e lingüística, criticando o estatuto monolíngüe da sociedade colo­nial
e rechaçando os fundamentos primordialistas do multiculturalismo,
nos Estados Unidos (EUA) percebe-se uma tendência contrária. Esta
tendência apresenta ambigüidades como se verá a seguir: de um lado
os políticos cortejam o voto dos chamados “hispânicos” e de outro in-
sistem num certo fechamento institucional com a reedição de velhos
ritos nacionais ligados às línguas que buscam limitar a liberdade de
deslocamento de trabalhadores imigrantes. Os EUA não possuem um
idioma oficial, mas o Senado norte-americano em maio de 2006 apro-
vou um projeto do senador republicano Jim Inhofe para que o inglês
seja declarado o idioma nacional. Foram 63 votos a fa­vor e 34 contra.
A votação ocorreu dentro dos debates da nova lei de imigração. A
minoria democrata votou contra sob o argumento de que a emenda é
discriminatória e irá interromper as iniciativas da administração pu-
blica de oferecer serviços bilíngües. Para o senador democrata Harry
Reid: “é um projeto racista”. Qualquer um que falar com sotaque sabe
que vai precisar falar inglês o mais rápido possível e isto poderia gerar
um tipo de discriminação baseada no domínio do idioma. Atualmen-
te o país não possui idioma oficial, mas o projeto exige que todos
os cidadãos e também aqueles que possuam o “gre­en card” (visto de
trabalho e residência permanente) façam teste de proficiência em lín-
gua inglesa. A proposta republicana não declara, entretanto, o inglês
idioma oficial dos EUA, posto que tal decisão poderia afetar contratos
e demais transações comerciais adstritas às medidas econômicas de
abertura de mercados. Serviços, como a ma­nutenção de intérpretes

264
nos tribunais, e publicações do governo nor­te-americano atualmente
produzidos em espanhol seriam afetados.
Não obstante esta controvérsia o conselho legislativo do distri­to
de Farmers Branch, de Dallas, aprovou por unanimidade também
em novembro de 2006 uma série de medidas anti-imigração, incluin­
do uma que oficializa o inglês como língua oficial. Farmers Branch
tem 37% de hispânicos entre seus 28 mil habitantes. Esta medida
foi considerada como “racista” e discriminatória pelas entidades que
defendem as liberdades civis20. As novas leis de imigração estariam
levando a um fechamento e inibindo o pluralismo jurídico, visto que
as estimavas oficiais assinalam que 45 milhões de pessoas falam es­
panhol nos EUA. Na Califórnia e no Texas 35% dos habitantes falam
espanhol. Estima-se que mais de 7 milhões de imigrantes, classifica­dos
como “latinos”, não dominariam o inglês21.
Mediante este breve cotejo e nos limites deste texto pre­tende-se
incentivar argumentos capazes de relativizarem as teorias que insis-
tem em interpretar as mobilizações étnicas no Brasil como inspira-
das numa estratégia externa, correspondente a um suposto modelo
norte-americano que preconizaria uma “universalização de particu-
larismos”22. Tais teorias perdem de vista os fatores intrín­secos às mo-
bilizações, distanciando-se de realidades localizadas e menosprezan-
do a condição de sujeitos sociais em processo de cons­trução pelos
........
20
Cf. “Migração – Em Dallas, lei dura para ilegais.Medida pune com multas
quem empregar ou alugar imóveis para imigrantes irregulares.” O Estado de São
Paulo. São Paulo, 15 de novembro de 2006 página .A-31
21
Cf. “EUA – Reforma imigratória prevê testes na língua para os candidatos à
cidadania. Projeto torna inglês idioma nacional” Folha de São Paulo. São Paulo,
20 de maio de 2006, pag. A-29.
22
Para um aprofundamento desta interpretação crítica consulte-se: Almeida
(org.) - Terra das Línguas -Lei Municipal de Oficialização de Línguas Indígenas.São
Gabriel da Cachoeira,Amazonas. Manaus. PNCSA.UFAM.2007

265
movimentos indígenas, seja no domínio da escola, seja no domínio
da política.

Quadro exemplificativo de leis municipais de co-oficialização de


línguas no Brasil
Lei Municipal Dispositivos Município-UF Data
Co-oficialização das lín- São Gabriel
1 Lei n.145 guas indígenas Nheengatu, da Cachoeira 11/12/02
Tukano e Baniwa - AM
Co-oficialização da língua
pomerana e inclusão de seu
2 Lei n. 987 Pancas - ES 27/07/07
estudo no currículo escolar
na rede municipal
Co-oficialização da língua Santa Maria de
3 Lei n. 1.136 26/06/09
pomerana Jetibá - ES
Co-oficialização da língua Domingos
4 Lei n. 2.356 10/10/11
pomerana Martins - ES

266
Lei no 145
de 11 de dezembro de 2002
Dispõe sobre a co-oficialização das Línguas Nheengatu,
Tukano e Baniwa, à Língua Portuguesa, no município de São
Gabriel da Cachoeira/Estado do Amazonas

O Presidente da Câmara Municipal de São Gabriel da Cachoeira/AM


FAÇO saber a todos que a Câmara Municipal de São Gabriel da
Cachoeira/Estado do Amazonas decretou a seguinte LEI: 


Artigo 1°
A língua portuguesa e o idioma oficial da República Federal do
Brasil 


Parágrafo Único - Fica estabelecido que o município de São Ga-
briel da Cachoeira/Estado do Amazonas, passa a ter como línguas co-
-oficiais, as Nheengatu, Tukano e Baniwa. 



Artigo 2°
O status de língua co-oficial concedido por esse objeto, obriga o
município:
§1°. A prestar os serviços públicos básicos de atendimento ao
público nas repartições públicas na língua oficial e nas três línguas
co-oficiais, oralmente e por escrito.

§2°. A produzir a documentação

267
pública, bem como as campanhas publicitárias institucionais na lín-
gua oficial e nas três línguas co-oficiais.
§3°. A incentivar a apoiar o aprendizado e o uso das línguas co-
-oficiais nas escolas e nos meios de comunicações.
Artigo 3°
São válidas e eficazes todas as atuações administrativas feitas na
língua oficial ou em qualquer das co-oficiais.
Artigo 4°
Em nenhum caso alguém pode ser discriminado por razão da lín-
gua oficial ou co-oficial que use.

Artigo 5°
As pessoas jurídicas devem e também um corpo de tradutores no
município, o estabelecido no caput do artigo anterior, sob pena da lei.


Artigo 6°
O uso das demais línguas indígenas faladas no município será asse-
gurado nas escolas indígenas, conforme a legislação federal e estadual


Artigo 7°
Revogadas as disposições em contrário.

Artigo 8°
Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala de Sessões da Câmara Municipal de São Gabriel da Cachoei-


ra/Estado do Amazonas, em 11 de dezembro de 2002.


DIEGO MOTA SALES DE SOUZA



Presidente da Câmara Municipal

268
Lei no 987/2007
de 27 de julho de 2007
Dispõe sobre a co-oficialização da língua pomerana no
município de pancas e a inclusão da disciplina de estudo da
língua no currículo escolar, nas escolas da rede municipal
de ensino localizadas nas regiões em que predominam a
população descendente no município.

O PREFEITO DO MUNICÍPIO DE PANCAS, Estado do Espí-


rito Santo, Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu Sancio-
no a seguinte Lei:
Art. 1º. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Fe-
derativa do Brasil.
Parágrafo Único – Fica instituído o Pomerano como língua co-
-oficial no Município de Pancas-ES.
Art. 2º. O status de língua co-oficial estabelecido por esta lei, obri-
ga o Poder Público Municipal, incentivar e apoiar o aprendizado e o
uso da língua nas escolas localizadas nas Comunidades constituídas
predominantemente por descendentes de Pomeranos.
§ 1º. Fica introduzida a disciplina de Língua Pomerana no currí-
culo escolar da Rede Municipal de Ensino, nas escolas localizadas nas
Regiões do Município em que predominam a população descendente
de Pomeranos, na forma admitida pelos Art.26 e 28 da Lei Federal
9394/96 – Lei das Diretrizes e Bases da Educação.

269
§ 2º. O ensino da Língua Pomerana nas escolas de Ensino Fun-
damental e Médio que integram a Rede Estadual de Ensino, que se
localizam nas Regiões do Município de Pancas-ES habitadas por des-
cendentes de Pomeranos, é facultativo e poderá ser realizado através
de convênio com o Município de Pancas.
Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, pro-
duzindo seus efeitos a partir do início das atividades letivas do ano
de 2008.

Art. 4º. Ficam revogadas as disposições em contrário.

REGISTRE-SE, PUBLIQUE-SE E CUMPRA-SE.

Gabinete do Prefeito Municipal, aos 27 dias do mês de julho de


2007.

ANDRÉ CARDOSO DE CAMPOS


Prefeito Municipal

REGISTRADA E PUBLICADA NA DATA SUPRA:


ADÃO MADEIRA
Chefe de Gabinete

270
LEI no 1136/2009
Dispõe sobre a co-oficialização da língua pomerana no
município de Santa Maria de Jetibá, estado do Espírito Santo.

O Prefeito Municipal de Santa Maria de Jetibá, Estado do Espírito


Santo.
Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a se-
guinte lei:
Art. 1°. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Fe-
derativa do Brasil e no município de Santa Maria de Jetibá, fica co-
-oficializada a língua pomerana.
Art. 2°. A co-oficialização da língua pomerana obriga o município
a:
I – manter os atendimentos ao público, nos órgãos da administra-
ção municipal, na língua oficial e na língua co-oficializada;
II – produzir a documentação pública, as campanhas publicitárias,
institucionais, os avisos, as placas indicativas de ruas, praças e prédios
públicos e as comunicações de interesse público, na língua oficial e na
língua co-oficializada;
III – incentivar o aprendizado e o uso da língua pomerana, nas
escolas e nos meios de comunicação.
Art. 3°. São válidos e eficazes, todos os atos da administração pú-
blica, editados na língua pomerana.
Art. 4°. O uso da língua pomerana não será motivo de discrimina-
ção, no exercício dos direitos de cidadania, assegurados pela Consti-
tuição Federal.

271
Art. 5°. As pessoas jurídicas estabelecidos no município de Santa
Maria de Jetibá deverão adotar atendimento e mensagens ao público,
no idioma oficial e naquele co-oficializado por esta Lei.
Art. 6°. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 7°. Revogam-se as disposições em contrário.

Registre-se. Publique-se. Cumpra-se

Santa Maria de Jetibá-ES, 26 de Junho de 2009.

HILÁRIO ROEPKE
Prefeito Municipal

272
Lei municipal no 2.356
de 10 de outubro de 2011
Dispõe sobre a co-oficialização da língua pomerana no
município de Domingos Martins, estado do Espírito Santo.

O PREFEITO MUNICIPAL DE DOMINGOS MARTINS, Es-


tado do Espírito Santo, faço saber que a Câmara Municipal de Do-
mingos Martins, usando das atribuições que lhe confere a Lei Orgâni-
ca do Município, aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º A língua Portuguesa é o idioma oficial da República Fede-


rativa do Brasil.
Parágrafo Único. Fica co-oficializada a Língua Pomerana no Muni-
cípio de Domingos Martins.
Art. 2º A co-oficialização da língua Pomerana obriga o município a:
I - Manter os atendimentos ao público, nos órgãos da administra-
ção municipal, na língua oficial e na língua co-oficializada;
II- produzir a documentação pública, bem como campanhas pu-
blicitárias institucionais na língua oficial e na língua co-oficial;
III- incentivar e apoiar o aprendizado e o uso da língua co-oficial
nas escolas que atendam aos descendentes dos povos tradicionais e nos
meios de comunicação.
Art. 3º São válidos e eficazes, todos os atos da administração públi-
ca, editados na língua Pomerana.

273
Art. 4º O uso da língua Pomerana não será motivo de discriminação,
no exercício dos direitos de cidadania, assegurados pela Constituição
Federal.
Art. 5º As pessoas jurídicas estabelecidas no Município de Domin-
gos Martins deverão adotar atendimento e mensagens ao público, no
idioma oficial e naquele co-oficializado por esta Lei.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário.

Registre-se, publique-se e Cumpra-se.

Domingos Martins-ES, 10 de outubro de 2011.

WANZETE KRUGER
Prefeito

274
Decreto no 7.387,
de 9 de dezembro de 2010
Institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística e
dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que


lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1o Fica instituído o Inventário Nacional da Diversidade Lin-
guística, sob gestão do Ministério da Cultura, como instrumento de
identificação, documentação, reconhecimento e valorização das lín-
guas portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
Parágrafo único. O Inventário Nacional da Diversidade Linguísti-
ca será dotado de sistema informatizado de documentação e informa-
ção gerenciado, mantido e atualizado pelo Ministério da Cultura, de
acordo com as regras por ele disciplinadas.
Art.  2o As línguas inventariadas deverão ter relevância para a
memória, a história e a identidade dos grupos que compõem a socie-
dade brasileira.
Art. 3o A língua incluída no Inventário Nacional da Diversidade
Linguística receberá o título de “Referência Cultural Brasileira”, expe-
dido pelo Ministério da Cultura.

275
Art. 4o O Inventário Nacional da Diversidade Linguística deverá
mapear, caracterizar e diagnosticar as diferentes situações relacionadas
à pluralidade linguística brasileira, sistematizando esses dados em for-
mulário específico.
Art. 5o As línguas inventariadas farão jus a ações de valorização e
promoção por parte do poder público.
Art. 6o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios serão infor-
mados pelo Ministério da Cultura, em caso de inventário de alguma
língua em seu território, para que possam promover políticas públicas
de reconhecimento e valorização.
Art. 7o O Ministério da Cultura instituirá comissão técnica com a
finalidade de examinar as propostas de inclusão de línguas no Inven-
tário Nacional da Diversidade Linguística, integrada por represent-
antes dos Ministérios da Cultura, da Educação, da Justiça, da Ciência
e Tecnologia e do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§1o Os membros da comissão técnica serão indicados pelos titula-
res dos órgãos que o integram e designados pelo Ministro de Estado
da Cultura.
§2o A comissão técnica poderá convidar representantes dos Esta-
dos, do Distrito Federal e dos Municípios que possuam línguas cuja
inclusão no Inventário Nacional da Diversidade Lingüística tenha
sido indicada, bem como especialistas para participarem de suas dis-
cussões e atividades. 
§3o A comissão técnica poderá contratar consultores, de acordo
com a legislação aplicável, para a discussão e exame de questões
específicas.
§4o A coordenação da comissão técnica será exercida pelo Ministé-
rio da Cultura, que prestará o apoio administrativo e os meios neces-
sários à execução das atividades do colegiado.
§5o A participação na comissão técnica será considerada prestação
de serviço público relevante, não remunerada.

276
Art.  8o Poderão propor a inclusão de línguas no Inventário Na-
cional da Diversidade Linguística à comissão técnica, órgãos e insti-
tuições públicas federais, estaduais, distritais e municipais, entidades
da sociedade civil e de representações de falantes, conforme normas a
serem expedidas pelo Ministério da Cultura.
Art. 9o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de dezembro de 2010; 189o da Independência e 122o


da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Fernando Haddad
Paulo Bernardo Silva
João Luiz Silva Ferreira
Sergio Machado Rezende

Este texto não substitui o publicado no DOU de 10.12.2010  

277

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