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CONTEÚDO E

METODOLOGIA DO
ENSINO DE
HISTÓRIA

Caroline Silveira
Bauer
Diversidade cultural e os
patrimônios históricos
da humanidade
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Discutir a relevância e a riqueza da diversidade cultural brasileira.


 Identificar o conceito de patrimônio histórico e sua importância para
a formação da identidade histórica brasileira.
 Relacionar o trabalho com a diversidade cultural e o patrimônio da
humanidade a partir de temas do ensino de história.

Introdução
Quando se estuda a formação histórica do Brasil e, por consequência, a
diversidade cultural que marca a sociedade brasileira, é muito comum se
ouvir sobre as "três raças" que a compuseram — os indígenas, os brancos
(europeus) e os negros (africanos) —, assim como sobre a miscigenação.
Entretanto, uma série de trabalhos vem questionando o chamado mito
da "democracia racial", ou seja, a ideia de que haveria uma coexistência
harmoniosa e pacífica na composição étnica brasileira. Da mesma forma,
outros trabalhos têm problematizado se os processos de musealização,
patrimonialização e preservação correspondem à diversidade cultural
brasileira, ou se somente uma "cultura maior" está sendo alvo do ímpeto
de conservação do passado.
Neste capítulo, você vai estudar a diversidade cultural brasileira, veri-
ficando a sua relevância e a riqueza de suas manifestações. Vai aprender,
também, o que é patrimônio histórico e qual é a sua contribuição para a
formação da identidade, especificamente no caso brasileiro. Por fim, você
vai ver como trabalhar, a partir do ensino de história, com a diversidade
cultural e os patrimônios históricos da humanidade.
2 Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade

A diversidade cultural brasileira


A diversidade cultural brasileira já foi retratada por meio de inúmeras
expressões artísticas. Além disso, a cultura brasileira têm sido objeto de
estudos de antropólogos, cientistas sociais e historiadores das mais dife-
rentes correntes de pensamento. Todos parecem concordar, no entanto, que
uma das características mais marcantes da cultura nacional é a riqueza de
sua diversidade. Tal riqueza resultaria do processo histórico de formação
da sociedade, de sua composição étnica e das peculiaridades de cada uma
das regiões do País.
Mas você sabe o que é diversidade cultural? Existem muitos entendi-
mentos sobre essa expressão, porém a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) utiliza uma definição que
pode ajudar você a compreender essa noção:

“Diversidade cultural” refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as


culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões
são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade
cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se ex-
pressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade
mediante a variedade das expressões culturais, mas também através dos
diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das
expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empre-
gados (UNESCO, 2005, documento on-line).

Dessa forma, seria mais apropriado se falar em “culturas brasileiras”


para que a expressão abrangesse a diversidade característica da sociedade
nacional, que é multirracial e multiétnica e, por consequência, pluricultural.
Afirmar que o Brasil é um país pluricultural significa reconhecer que
existem diferentes formas, hábitos e práticas de se relacionar com o mundo
e interpretá-lo. A riqueza da diversidade cultural do País reside justamente
nos distintos costumes, comidas, festividades, sotaques e vestimentas,
ainda que as pessoas residentes por aqui estejam reunidas sob a mesma
alcunha de “brasileiros”.
Porém, como o Brasil é um país de inúmeras desigualdades, também no
âmbito cultural há uma hierarquização entre as culturas, com ampla valorização
das contribuições de origem europeia, em detrimento das culturas africanas e
indígenas, por exemplo. Essa desigualdade e essa hierarquização são expres-
sas, por exemplo, nos currículos e nos livros didáticos. Nesses materiais, a
Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade 3

abordagem sobre as minorias é feita de forma folclórica, como exemplificação


de “outras culturas”, geralmente em boxes e informações complementares,
como anexos ao conteúdo principal.
Essa situação pode levar você a se questionar sobre a relação entre o
silenciamento desses sujeitos históricos na educação e os índices de evasão
e repetência escolar. Será que a escola está preparada para conviver com a
diversidade cultural e promovê-la? Veja o que afirma Gadotti (1992, p. 20)
sobre a escola, o currículo, a identidade e a questão da diversidade cultural:

Isso me levou a concluir que nossa escola não resolveu a questão da trans-
missão do conhecimento para as camadas populares. É uma escola de classe
média, tentando impor conceitos e valores da classe média. Não consegue
fazer a síntese entre a cultura elaborada e a “cultura popular” (Paulo Freire), a
“cultura primeira” (Georges Snyders). Apesar de muitas pesquisas e estudos,
os nossos currículos não conseguiram equacionar adequadamente a relação
entre a identidade cultural e o itinerário educativo dos alunos provenientes
das camadas populares. Os nossos currículos ainda apresentam aos alunos um
pacote de conhecimentos que eles devem aprender, tenham ou não significado
para eles. Eles são avaliados — aprovados ou reprovados — em função da
assimilação ou não desse pacote de conhecimentos.

Algumas iniciativas governamentais vêm sendo desenvolvidas nos últimos


anos para promover a valorização da diversidade étnico-cultural da formação
da sociedade brasileira. Uma delas foi a promulgação da Lei nº 11.645, de 10 de
março de 2008, que tornou obrigatórios os conteúdos e o ensino das histórias
e culturas afro-brasileira e indígena.
A promulgação dessa lei insere-se na perspectiva de uma educação mul-
ticultural e está em consonância com o que o Gadotti (1992) propunha para
uma educação mais democrática, plena de sentidos para os alunos. Veja:

A teoria de uma educação multicultural visa a responder adequadamente a


essa questão, levando em conta a diversidade cultural e social dos alunos. A
primeira regra dessa teoria da educação é o pluralismo e o respeito à cultura
do aluno. Ela tem, portanto, como valor básico, a democracia. [...] A educação
multicultural pretende enfrentar o desafio de manter o equilíbrio entre a cultura
local, regional, própria de um grupo social ou minoria étnica, e uma cultura
universal, patrimônio hoje da humanidade. A escola que se inscreve nessa
perspectiva procura abrir os horizontes de seus alunos para a compreensão de
outras culturas, de outras linguagens e modos de pensar, num mundo cada vez
mais próximo, procurando construir uma sociedade pluralista e independente
(GADOTTI, 1992, p. 20-21).
4 Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade

Assim, pode-se afirmar que a diversidade cultural brasileira somente estará


protegida e poderá ser promovida se forem reconhecidas, sem hierarquias e res-
peitando as diferenças, as distintas culturas que formam a sociedade nacional.

Leia a tese de Lourenço Cardoso “O branco ante a rebeldia do desejo: um estudo


sobre a branquitude no Brasil”, disponível no link a seguir. Nela, você vai aprender
mais sobre o conceito de “branquitude” e sua importância para a compreensão das
relações étnico-raciais no Brasil.

https://goo.gl/GPgFff

O patrimônio histórico e a identidade nacional


Você sabe o que significa patrimônio histórico? Antes de conhecer uma
defi nição, você deve verificar como foi desenvolvida a ideia de conservação
e preservação de edificações, expressões e manifestações das gerações
passadas. Por incrível que pareça, a noção de patrimonializar com o sentido
de “conservar” ou “preservar” é uma ideia que remonta aos anos 1970 e à
sociedade europeia, que passou a experimentar, naquele período, mudanças
em sua relação com o tempo (HARTOG, 2014).
Essas mudanças, decorrentes das grandes guerras mundiais e de suas perdas
humanas, fizeram com que se concebesse o esquecimento como algo pernicioso
para o futuro daquelas sociedades, levando-as a uma onda memorialística e
de patrimonialização. Segundo Hartog (2014), esse movimento de expansão
e universalização do patrimônio é o que marca as relações entre os termos
“memória”, “patrimônio”, “história”, “identidade” e “nação”, que parecem
“obrigar” os Estados a conservar, reabilitar e comemorar seus passados.
Como os processos de conservação, preservação, registro e tombamento de
bens relacionados ao patrimônio histórico de um país dependem de leis e
regulamentos, percebe-se a intervenção direta do poder estatal nessas medi-
das. Ou seja, em grande medida, é o Estado que configura a preservação de
determinadas histórias e memórias de um país.
Como você viu anteriormente, para o autor, essa preocupação com a pre-
servação é indício da mudança de uma experiência temporal. Hartog (2014)
defende que se viva, contemporaneamente, mas não hegemonicamente, em
Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade 5

uma experiência de tempo presentista, após uma perspectiva em que o passado


guiava a experiência humana (até meados do século XIX) e, posteriormente, uma
perspectiva em que o futuro era tido como orientação temporal (até os anos 1960).
Na experiência de tempo presentista, as relações que as sociedades estabelecem
com a história e o patrimônio são um avanço do presente em direção ao passado,
em uma busca por origens, genealogias, identidades e raízes, bem como pela
conservação de edifícios, monumentos, objetos e também de certos estilos de
vida e práticas, o que pode ser evidenciado pela moda retrô (HARTOG, 2014).
Nas palavras de Hartog (2014, p. 151):

Em meados dos anos 1970, outra fenda manifesta-se nesse presente. Ele começa
a se mostrar preocupado com a conservação (de monumentos, de objetos, de
modos de vida, de paisagens, de espécies animais) e ansioso em defender o
meio ambiente. Os modos de vida local e a ecologia, de temas exclusivamente
contestatórios passaram a ser temas mobilizadores e promissores. Gradati-
vamente, a conservação e a renovação substituíram, nas políticas urbanas,
o mero imperativo de modernização, cuja brilhante e brutal evidência não
tinha sido questionada até então. Como se se quisesse preservar, na verdade,
reconstruir um passado já extinto ou prestes a desaparecer para sempre. Já
inquieto, o presente descobre-se igualmente em busca de raízes e de identidade,
preocupado com memória e genealogias.

Sendo esse um processo muito recente, não espanta que os primeiros bens
considerados patrimônios da humanidade no Brasil tenham sido reconhecidos
nos anos 1980. Porém, antes de você aprender sobre a política do patrimônio
no Brasil e sobre como esse debate contribui para a formação da identidade
brasileira, é importante que conheça a definição de “patrimônio histórico”.
Mais genericamente, Chagas (2002, p. 36) afirma que patrimônio é “[...]
um conjunto determinado de bens tangíveis, intangíveis e naturais, envolvendo
saberes e práticas sociais, a que se atribui determinados valores e desejos
de partilha (perspectiva sincrônica) entre contemporâneos e de transmissão
(perspectiva diacrônica) de uma geração para outra geração [...]”.
De maneira mais específica, Canclini (1994, p. 99) apresenta uma definição
possível de patrimônio cultural:

O patrimônio cultural — ou seja, o que um conjunto social considera como


cultura própria, que sustenta sua identidade e o diferencia de outros grupos
— não abarca apenas os monumentos históricos, o desenho urbanístico e
outros bens físicos; a experiência vivida também se condensa em lingua-
gens, conhecimentos, tradições imateriais, modos de usar os bens e os
patrimônios físicos.
6 Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade

Assim, utilizando as definições anteriores, pode-se construir uma noção


de patrimônio histórico como um conjunto de bens que são conservados como
evidências de determinado passado considerado parte constitutiva de uma
nação e de sua identidade. Tal patrimônio contribui para contar a história e
consolidar a memória social dessa nação. Além disso, a sua conservação é
considerada um legado das gerações anteriores.
No Brasil, a primeira política pública voltada para a conservação do patri-
mônio histórico foi a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN), em 30 de novembro de 1937. O SPHAN, posteriormente,
transformou-se no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), responsável atualmente pela preservação do patrimônio brasileiro.
O IPHAN aliou-se às demandas internacionais sobre o patrimônio e o Brasil
ratificou, em 2006, as recomendações da Unesco na Convenção Sobre a
Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.
Os objetivos da Convenção eram:

(a) proteger e promover a diversidade das expressões culturais; (b) criar


condições para que as culturas floresçam e interajam livremente em benefício
mútuo; (c) encorajar o diálogo entre culturas a fim de assegurar intercâmbios
culturais mais amplos e equilibrados no mundo em favor do respeito inter-
cultural e de uma cultura da paz; (d) fomentar a interculturalidade de forma
a desenvolver a interação cultural, no espírito de construir pontes entre os
povos; (e) promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e
a conscientização de seu valor nos planos local, nacional e internacional;
(f) reafirmar a importância do vínculo entre cultura e desenvolvimento
para todos os países, especialmente para países em desenvolvimento, e
encorajar as ações empreendidas no plano nacional e internacional para
que se reconheça o autêntico valor desse vínculo; (g) reconhecer a natureza
específica das atividades, bens e serviços culturais enquanto portadores
de identidades, valores e significados; (h) reafirmar o direito soberano
dos Estados de conservar, adotar e implementar as políticas e medidas
que considerem apropriadas para a proteção e promoção da diversidade
das expressões culturais em seu território; (i) fortalecer a cooperação e a
solidariedade internacionais em um espírito de parceria visando, especial-
mente, ao aprimoramento das capacidades dos países em desenvolvimento
de protegerem e de promoverem a diversidade das expressões culturais
(UNESCO, 2005, documento on-line).

E você sabe que relação o patrimônio histórico estabelece com a forma-


ção da identidade brasileira? Primeiro, você deve considerar que o conceito
de identidade possui múltiplas definições. Quando relacionado a sujeitos e
coletividades, o termo faz referência às concepções que o indivíduo ou o
Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade 7

grupo possuem de si, reconhecendo seu pertencimento e sua congregação a


coletivos. Por isso se fala de identidades culturais, étnicas, nacionais, políticas
e religiosas. Porém, aqui interessam particularmente as apropriações que o
campo do patrimônio fez do conceito de identidade, relacionando-o com a
conformação e o fortalecimento das identidades nacionais.
A formação dos Estados nacionais europeus entre os séculos XVI e XIX
demonstra uma série de disputas e preocupações em se estabelecer um sen-
timento de unidade entre os habitantes de determinado território. Muitas
vezes, essa unidade era facilmente reconhecida, pela origem étnica ou pela
língua, por exemplo. Em outros casos, precisou ser construída, inventada, para
viabilizar a construção de uma “nação”. Nesse sentido, a identidade nacional
dependeu do reconhecimento de um “passado comum”, sustentado por “tra-
dições inventadas” (HOBSBAWM; RANGER, 2012), muitas delas relatadas
como a “história oficial”. E, aqui, você pode perceber a vinculação precisa
existente entre a identidade nacional e o patrimônio. Os bens que compõem
os patrimônios materiais e imateriais têm como objetivo “materializar” a “co-
munidade imaginada” (ANDERSON, 2008), que é a nação e a nacionalidade.
Em outras palavras, quando se fala em preservar um bem material ou
imaterial, está em jogo a construção de uma memória. Essa memória é funda-
mental para que as pessoas desenvolvam sentimentos de pertencimento frente
a determinada identidade. É por isso que se faz referência à preservação. O
ato de construir uma narrativa sobre um passado por meio dos bens de um
país revela, da mesma forma, que esse é um projeto que pode ter interesses
políticos, principalmente quando se considera de quem é a responsabilidade
pelos processos de preservação e tombamento.
Os projetos de preservação do patrimônio no Brasil iniciaram-se na década
de 1930, durante o Estado Novo. Esse foi um período marcado pela exacer-
bação dos nacionalismos em nível mundial, o que levou as elites intelectuais
e políticas a refletirem sobre o que seria a identidade brasileira. Ao longo da
ditadura civil-militar brasileira (1964–1985), houve um segundo grande movi-
mento relacionado à concepção da identidade nacional, associado a um projeto
político militar e ufanista, de reforço de símbolos pátrios (a bandeira, o hino,
os “heróis nacionais”) e de aspectos da cultura popular, como o futebol. Além
disso, lembre-se de que durante esse período foi celebrado o sesquicentenário da
Independência e os restos mortais de D. Pedro foram trasladados para o Brasil.
Foi somente a partir dos anos 2000 que as discussões sobre o patrimônio
nacional extrapolaram a noção de uma nação unificada e passaram a se vincular
à cidadania e à afirmação social das minorias, que demandavam, historicamente,
visibilidade social e acesso a direitos básicos, como o reconhecimento. A criação
8 Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade

do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, no ano 2000, deu conta da


preservação de uma série de manifestações culturais de identidades que ao longo
do tempo não foram reconhecidas pelas políticas públicas de patrimonialização.
Assim, hoje, existe uma perspectiva muito mais multicultural e pluriétnica da
noção de preservação do patrimônio e das identidades brasileiras.
A partir dos objetivos da Convenção Sobre a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais, é possível pensar sobre como trabalhar
a diversidade cultural e o patrimônio da humanidade no ensino e na aprendi-
zagem de história. A seguir, você vai ver algumas estratégias e metodologias.

Como trabalhar a diversidade e o patrimônio


no ensino de história
Como você viu anteriormente, as políticas de conservação e preservação estão
inseridas em conflitos e negociações atravessadas por questões políticas. Nesse
contexto, diferentes segmentos da sociedade disputam o que será patrimonia-
lizado ou não. Pela ausência de representatividade e pela desigualdade que
marcam a história do Brasil, sabe-se que boa parte dos bens patrimonializados
correspondem a uma cultura específica. Isso faz com que uma parcela signifi-
cativa da população não legitime, não se reconheça e não se identifique com o
que é considerado patrimônio histórico nacional. Assim, mais do que nunca,
é fundamental que o ensino de história se ocupe de temas da diversidade e do
patrimônio, demonstrando como a memória e o esquecimento são produtos
sociais, construídos com determinadas finalidades.
Dessa forma, a educação patrimonial pode ser uma ferramenta para refor-
çar as identidades e a diversidade étnica e cultural da população brasileira.
Ela pode fazer com que os alunos se reconheçam como sujeitos históricos e
pertencentes a uma comunidade. A educação patrimonial, segundo o IPHAN
(2008, documento on-line),

[...] constitui-se de todos os processos educativos formais e não formais que


têm como foco o Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso
para a compreensão sócio-histórica das referências culturais em todas as suas
manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua valorização
e preservação. Considera ainda que os processos educativos devem primar
pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo
permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das
comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem
diversas noções de Patrimônio Cultural.
Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade 9

Dessa forma, você pode considerar que a educação patrimonial parte do


pressuposto de que os alunos possuem saberes adquiridos previamente e que
esses saberes, ao chegarem na escola, devem ser problematizados. O conhe-
cimento, portanto, é construído a partir das experiências dos alunos. Uma das
primeiras medidas, nesse sentido, é desconstruir a ideia prévia de que educa-
ção patrimonial só se faz em museus, demonstrando a ampla, diversificada
e variada gama de bens patrimoniais que existem no Brasil. Os professores
têm, no desenvolvimento de ações de educação patrimonial, o compromisso
de inter-relacionar os contextos locais com as culturas regionais, nacionais e
mundiais, como um instrumento de desenvolvimento de cidadania.
Como afirma Tolentino (2012, p. 51):

Na escola, o leque se abre em inúmeras possibilidades de o professor conseguir


trabalhar a Educação Patrimonial, envolvendo alunos e comunidade. Partindo
da casa, do seu bairro, do seu modo de viver, de falar, da sua culinária, da
sua cultura, alunos e professores, juntos, têm muitos caminhos a trilhar para
promover uma Educação Patrimonial, de forma democrática e emancipatória.

A educação patrimonial não é uma matéria ou disciplina. Fora das escolas,


ela constitui um campo de estudos, pesquisas e debates, cujas formulações
possuem muitos atravessamentos com os currículos de história da educação
básica. Assim, iniciativas que visem ao trabalho com esse tema na escola devem
estar presentes nos planos político-pedagógicos. Não se trata de “ensinar”
o que é o patrimônio, mas de considerar os bens materiais e imateriais e os
processos nos quais estão envolvidos (usos, preservação, divulgação) como
um recurso para o ensino de história.
Por isso, Londres (2012) afirma que o ensino que se vale dos bens patri-
moniais leva à mobilização de valores cognitivos (marcas de tempo e espaço,
atestando a historicidade); valores afetivos (desenvolvimento e atribuição de
sentidos e valores, compreendendo a alteridade); valores estéticos (incentivo
à fruição por meio de todos os sentidos e historicização do “belo”); e valores
éticos (noção de que os bens patrimonializados pertencem à coletividade, noção
de direitos, deveres e questão do republicanismo). Outra dimensão que se pode
acrescentar às elencadas pela autora é a educação patrimonial como forma
de valorização da diversidade cultural, de fortalecimento de identidades e do
respeito à diversidade, demonstrando aos alunos que existem muitas formas
de ser, de estar no mundo e de pensá-lo.
Por fim, lembre-se de que a educação patrimonial também possui uma
dimensão política, já que as ações que determinam a preservação (o lembrar)
10 Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade

e a destruição (o esquecer) são sociais, resultados de determinadas inter-


venções políticas. Porém, é necessário também extrapolar a compreensão de
que o patrimônio pertence ao Estado. As comunidades devem ser pensadas
como detentoras desses bens. Portanto, deve-se considerar os modos como as
sociedades utilizam e mobilizam tais bens em suas reivindicações, bem como
o motivo por que eles são importantes para as identidades.
Mas como o professor pode operacionalizar a educação patrimonial
no ensino de história? Como você viu anteriormente, existem múltiplas
possibilidades temáticas para o trabalho com a diversidade e o patrimônio.
Não existe um ano da educação básica ou um tema de predileção para a
abordagem da conservação e da preservação do patrimônio e a elaboração
de identidades a partir do que é conservado pelas sociedades. Porém, você
pode pensar em uma série de estratégias para operacionalizar uma educação
patrimonial dotada de sentido para os alunos. Considere, por exemplo, as
estratégias listadas a seguir.

 Incentivar o envolvimento afetivo dos alunos, valorizando sua identi-


dade: essa é uma medida de extrema importância, relacionada à questão
da diversidade cultural e à necessidade de reforço da autoestima das
minorias, que permanecem silenciadas e sem representatividade por
boa parte dos relatos historiográficos e no ensino de história.
 Desenvolver ações que promovam e afirmem a diversidade cultural
local: a partir de iniciativas que recuperem as históricas locais e seus
sujeitos, os alunos podem compreender a multiplicidade de identidades
conformadoras da sociedade brasileira e o modo como essas diferentes
culturas se relacionam, às vezes de maneira solidária; outras vezes,
conflituosa. Os alunos podem explorar edifícios históricos, monumentos
e a estatuária ou a toponímia da cidade.
 Incentivar o interesse pela pesquisa e pela investigação, produzindo
materiais: será que seus alunos sabem que bens estão protegidos,
reconhecidos ou tombados em sua cidade? Como se deram esses
processos de proteção, reconhecimento e tombamento? Eles consi-
deram que essas medidas de conservação e proteção abrangem uma
diversidade cultural ou somente uma cultura específica? Se eles
fossem conservar, reconhecer ou tombar bens, quais seriam? Essas
são excelentes questões para incentivar a pesquisa e a investigação
Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade 11

por parte dos alunos. Elas servem também para aproximá-los do


conhecimento sobre suas histórias locais e identidades.
 Estimular o uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs)
para o desenvolvimento da educação patrimonial: que tal incentivar
seus alunos a elaborarem minidocumentários sobre os patrimônios de
sua cidade? Ou, então, pedir que elaborem jogos digitais, como uma
gincana, usando os QR Codes? As TICs permitem uma série de novas
linguagens para a narrativa histórica e podem ser muito bem aprovei-
tadas na educação patrimonial.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino fundamental


traz a temática do patrimônio como uma competência que atravessa não so-
mente as humanidades, mas também as artes, as linguagens e até a educação
física. Por possibilitar uma abordagem multidisciplinar, a educação patrimonial
permite uma série de atividades combinando uma ou mais áreas, respeitando
os valores de uma educação multicultural e pluriétnica.
A realização de atividades de educação patrimonial nas escolas busca
fortalecer a relação dos alunos com suas heranças culturais, que geralmente
não são problematizadas por eles. Ao reconhecer que os espaços em que
circulam ou que as práticas que realizam podem ser patrimônios ou ser pa-
trimonializadas, os alunos desenvolvem um senso de responsabilidade pela
inclusão e valorizam a diversidade cultural. Como afirma o Guia Básico de
Educação Patrimonial (HORTA; GRUMBERG; MONTEIRO 1999, p. 20),
elaborado pelo IPHAN, “O conhecimento crítico e a apropriação consciente
pelas comunidades do seu patrimônio são fatores indispensáveis no processo
de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos
sentimentos de identidade e cidadania [...]”.

Acesse o link a seguir para conhecer uma iniciativa do IPHAN intitulada “Qual é a nossa
história?”, que relaciona ensino de história, patrimônio e jogos.

https://goo.gl/BCgMNC
12 Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade

ANDERSON, B. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do


nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Dis-
ponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2008/lei-11645-10-marco-2008-
-572787-publicacaooriginal-96087-pl.html>. Acesso em: 6 dez. 2018.
CANCLINI, N. O patrimônio cultural e a construção do imaginário nacional. Revista do
IPHAN, Rio de Janeiro, n. 23, p. 94-115, 1994.
CHAGAS, M. As oficinas educativas do Museu Casa de Rui Barbosa – patrimônio culutral,
memória social e museu: estímulos para processos educativos. Papéis Avulsos, Rio de
Janeiro, n. 43, p. 31-49, 2002.
GADOTTI, M. Diversidade cultural e educação para todos. Rio de Janeiro: Graal, 1992.
HARTOG, F. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Ho-
rizonte: Autêntica, 2014.
HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2012.
HORTA, M. L.; GRUMBERG, E.; MONTEIRO, A. Q. Guia básico de educação patrimonial.
Brasília: IPHAN, 1999.
IPHAN. Educação patrimonial. 2008. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/
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LONDRES, C. O patrimônio cultural na formação das novas gerações: algumas consi-
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Pessoa: Superintendência do IPHAN na Paraíba, 2012.
TOLENTINO, Á. O que é patrimônio cultural para você? In: TOLENTINO, Á. B. (Org.).
Educação patrimonial: reflexões e práticas. João Pessoa: Superintendência do IPHAN
na Paraíba, 2012.
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2005. Disponível em: <http://www.ibermuseus.org/wp-content/uploads/2014/07/
convencao-sobre-a-diversidade-das-expressoes-culturais-unesco-2005.pdf>. Acesso:
6 dez. 2018.
UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. 2002. Disponível em: <http://
unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf>. Acesso em: 6 dez. 2018.
Diversidade cultural e os patrimônios históricos da humanidade 13

Leituras recomendadas
CARDOSO, L. O branco ante a rebeldia do desejo: um estudo sobre a branquitude no
Brasil. 2014. 290 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais, Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, 2014.
GIL, C. Z. V.; POSSAMAI, Z. Educação Patrimonial: percursos, concepções e apropriações.
MOUSEION, Canoas, n. 19, p. 13-26, dez. 2014.
MARTINS, M. C.; ROCHA, H. H. P. Lugares de memória: sedução, armadilhas, esqueci-
mentos e incômodos. Horizontes, v. 23, n. 2, p. 91-99, jul./dez. 2005.
MIGUEZ, P.; BARROS, J. M.; KAUARK, G. (Org.). Dimensões e desafios políticos para a diver-
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MIRANDA, S.; PAGÈS, J. Cidade, memória e educação: conceitos para provocar sentidos
no vivido. In: MIRANDA, S.; SIMAN, L. (Org.). Cidade, memória e educação. Juiz de Fora:
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