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DOSSIÊ
TRANSNACIONAL DE ENSINO SUPERIOR
O presente artigo, tendo como referência analítica a relação reciproca entre processo de globalização e en-
sino superior, tem por objetivo abordar determinas transformações que estão ocorrendo no ensino superior
nas sociedades contemporâneas. Apoiado numa bibliografia pertinente ao tema, o artigo salienta que, no
contexto da globalização, o ensino superior não se confina mais nos limites das sociedades nacionais, mas
transborda para além de suas fronteiras. Indica a emergência de determinados acontecimentos ocorridos
nas últimas décadas que conduziram o ensino superior a atuar num espaço transnacional. As informações
fornecidas pelo artigo tendem a indicar que, nas sociedades contemporâneas, o ensino superior vem adqui-
rindo, cada vez mais, uma dimensão relacional, de tal modo que as universidades e seus respectivos países
estão constantemente se comparando e competindo uns com os outros em busca de prestígio acadêmico no
contexto internacional do ensino superior.
Palavras-chave: Desterritorialização do ensino superior. Mobilidade acadêmica internacional. Rankings in-
ternacionais. World class University
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792015000200004
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ras nacionais, instalando-se em outros países. çou as bases que possibilitam às universidades
Uma constelação de fatores tem contribuído estrangeiras estabelecerem campi em outros
para a produção desse fenômeno, entre os países, removendo obstáculos legais à reali-
quais se observa a existência de uma demanda zação dessas atividades. A educação constitui
reprimida de acesso ao ensino superior em de- um dos doze serviços abrangidos pelo acordo,
terminados países, uma revolução nas tecnolo- e o seu objetivo é promover a liberalização do
gias de informação e a desregulamentação das comércio de serviços educacionais por meio
trocas comerciais em geral. Muitas dessas ins- da eliminação progressiva de barreiras comer-
tituições satélites estão localizadas em países ciais. EUA, Nova Zelândia e Austrália são os
nos quais os governos nacionais promoveram países mais entusiastas dos benefícios do Gats,
cortes orçamentários em seus sistemas de en- uma vez que são os maiores exportadores de
sino superior e encorajaram o estabelecimento serviços universitários (Altbach; Knight, 2006;
de joint ventures com universidades estrangei- Knight, 2003).
ras (Altbach; Knight, 2006). A instalação do campus da New York
Apesar da forte expansão do ensino que University (NYU) na cidade de Abu Dhabi, ca-
ocorreu a partir de meados do século passado pital dos Emirados Árabes Unidos, representa
no plano internacional, a demanda por ensino um caso arquetípico no processo de sateliti-
superior continua crescendo, mesmo em so- zação de instituições estrangeiras em outros
ciedades que estão abaixo de 20% na absorção países. A NYU oferece, nessa cidade, cursos
de estudantes entre 18 e 24 anos de idade, tal de graduação em artes e ciências. Além de ab-
como ocorre com Índia, China e muitos paí- sorver estudantes locais e de outras regiões do
ses da África. As regiões que mais importam Oriente Médio e da Índia (Mumbai fica distante
serviços educacionais estão concentradas na apenas duas horas e meia de voo), a NYU Abu
Ásia, no Oriente Médio e na América Latina. Dhabi objetiva incorporar, no corpo discente,
Os maiores provedores são países de língua in- alunos provenientes dos Estados Unidos que
glesa (Estados Unidos, Austrália, Nova Zelân- desejem manter contato com outras culturas.
dia, Inglaterra). A partir de 2000, vários campi Os dirigentes americanos da instituição procu-
foram criados, especialmente no Oriente Mé- ram inserir seus estudantes num circuito aca-
dio e no Sudeste Asiático, de tal forma que, dêmico que eles denominam de global network
em 2009, existiam 162 campi internacionais university, no qual os alunos podem realizar
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classe executiva para o país de origem. Os custos da usufruir mundialmente, após a Segunda Guer-
instalação do campus foram inteiramente financia- ra, alimentou esse processo. Foi no período
dos pelos governantes dos Emirados Árabes Unidos, pós-guerra que determinadas universidades de
que também assumiram o pagamento do salário dos pesquisa norte-americanas captaram vultosos
professores. fundos públicos e privados, estruturaram só-
lidos departamentos e laboratórios de investi-
gação e obtiveram um número expressivo de
Mobilidade acadêmica trans- Prêmios Nobel. Dessa forma, passaram a atrair
nacional estudantes estrangeiros de várias partes do
mundo para realizar seus estudos de gradua-
A mobilidade acadêmica possui uma ção e (ou) pós-graduação em suas universida-
longa tradição na história do ensino superior, des (Geiger, 2004). Ao mesmo tempo, os avan-
uma vez que, novecentos anos atrás, estudan- ços tecnológicos nos meios de comunicação e
tes de diversas origens europeias dirigiam-se de transporte, bem como determinadas orien-
às universidades de Bolonha, Paris e Oxford, tações culturais que se encontram presentes
construídas no período feudal. No entanto, em numerosas sociedades – que tendem a im-
nas últimas décadas, a mobilidade estudantil pelir os indivíduos a se moverem de suas loca-
tornou-se um componente central na estru- lidades para outros países, que valorizaram a
turação do ensino superior internacional. Em aprendizagem de novas competências linguís-
1950, existiam 110 mil estudantes que cruza- ticas – possuem um significativo impacto na
ram as fronteiras de seus países e estudavam motivação dos indivíduos de realizarem seus
em universidades estrangeiras. Nos primeiros estudos em universidades estrangeiras.
anos da década de 1970, atingiu-se a cifra de Os estudantes estrangeiros estão con-
500 mil estudantes estrangeiros. A partir dos centrados em países como EUA, Inglaterra,
1990, houve uma rápida expansão dessa cir- Alemanha, França, Austrália, Japão e Canadá,
culação e, no final daquela década, registra- que absorvem 62% deles. Alguns países, como
vam-se 1,75 milhão de estudantes. Em 2008, Austrália, Canadá, Inglaterra e Estados Unidos,
atingiu-se o patamar de 3,3 milhões de estu- recrutam estudantes como forma de captar
dantes em cursos de graduação e pós-gradu- recursos para suas universidades e para suas
ação em instituições estrangeiras. Estima-se respectivas economias nacionais, uma vez que
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que, nos próximos dez anos, 7,5 milhões de estabelecem a cobrança de elevadas taxas. A
estudantes estarão realizando seus estudos em Nova Zelândia gera mais dividendos finan-
universidades estrangeiras (Brooks e Waters, ceiros com o ensino superior do que com sua
2013; Banks, 2007). O rápido crescimento da indústria de vinhos. O Canadá obtém maiores
mobilidade estudantil nas últimas décadas ganhos econômicos com o ensino superior do
tem impulsionado a formação de um espaço que com a exploração de madeira e carvão; o
mundial de ensino superior, no qual se ins- mesmo ocorre com a Inglaterra, onde o ensino
taurou uma acirrada competição entre deter- superior suplantou, em volume financeiro, sua
minados países e instituições para absorvê-los, indústria automotiva (Wit, 2010). Estima-se
visando a aumentar a internacionalização de que, nos Estados Unidos, os estudantes estran-
seus sistemas nacionais de ensino superior e geiros, no início dos anos 2000, aportaram 12
incrementar a competitividade econômica de bilhões de dólares em sua economia e que essa
suas sociedades no contexto da globalização cifra atinja o patamar de 18 bilhões de dólares
(Woodfield, 2010). na década de 2010 (OCDE, 2004).
De certa forma, a reputação de que as Os Estados Unidos absorvem atualmente
universidades norte-americanas passaram a aproximadamente 22% dos estudantes que rea-
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lizam estudos no exterior. Dos 584 mil estudan- tudantes internacionais. Em 2001, havia, em
tes estrangeiros que frequentam as universida- suas universidades, 105 mil estudantes estran-
des americanas, metade procede de países asi- geiros. Esse número aumentou para 207 mil
áticos, com destaque para Índia (13%), China em 2006. A Austrália construiu uma sólida
(11%), Coreia do Sul (9%), Japão (7%), Taiwan rede de recrutamento de estudantes interna-
(5%), Tailândia (1,5%), Indonésia (1,3%) e Ma- cionais em vários países através de uma or-
lásia (1,2%) (Altbach, 2004). ganização privada denominada IDP. Os dados
Quando se examinam os dados relativos indicam que ela tem recrutado principalmen-
à Inglaterra, observa-se que a China ocupa a te estudantes na Ásia. A China representa o
primeira posição, uma vez que 15% dos estu- maior contingente de estudantes estrangeiros
dantes estrangeiros nas universidades inglesas na Austrália (30%). A seguir, aparecem Índia
são procedentes daquele país. A seguir, apa- (17%), Malásia (9%), Hong Kong (8%), Indoné-
recem Índia (7%), Grécia (6%), Irlanda (76%), sia (6%) e Coreia do Sul (5,7%) (Banks, 2007).
EUA (4,5%) e Malásia (3%). A Alemanha, que Alguns trabalhos têm destacado o re-
absorvia 259 mil estudantes em 2006, tem atra- crutamento de estudantes estrangeiros que
ído um número significativo de estudantes da vem sendo realizado por países que tradicio-
China (10%), aparecendo, em seguida, Turquia nalmente se comportavam como exportadores
(8%), Polônia (6%), Bulgária (7%), Itália (3%), de corpo discente. Nesse sentido, assinalam
França (2,5%) e Grécia (2%). A Alemanha tem a emergência de novos competidores no mer-
utilizado a estrutura do DAAD – uma organi- cado mundial de ensino superior. A Jordânia
zação intermediária entre o ensino superior planeja recrutar 100 mil estudantes até o ano
alemão e agências governamentais – como um de 2020; Singapura aspira absorver 150 mil
mecanismo para promover a internacionaliza- até 2015; o Japão almeja arregimentar 300 mil
ção de suas universidades (Green; Koch, 2010; estudantes estrangeiros até 2020. A China pla-
Verbick; Lasanowski, 2007). neja incorporar 500 mil estudantes de várias
A França tende a atrair e a recrutar es- nacionalidades em suas universidades até o
tudantes a partir de laços históricos e cultu- ano de 2020. Para atingir suas metas, esses
rais que estabeleceu com determinados países. países têm realizado reformas institucionais,
Nesse sentido, o Marrocos ocupa a primeira introduzindo a língua inglesa em seus cursos,
posição, representando 10% dos estudantes construindo uma infraestrutura física capaz
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instituições que almejam ocupar posição de Jiao Tong University em seu Instituto de Ensi-
destaque no mercado global de ensino supe- no Superior. A primeira edição desse ranking
rior e (ou) branch campuses vêm contratando surgiu em 2003, mas sua formulação vinha
também ex-reitores e (ou) administradores de sendo elaborada desde 1999. O impulso para
universidades que gozam de prestígio interna- sua elaboração foi dado pelos administradores
cional. Nesse sentido, esta ocorrendo a forma- da universidade, preocupados com o declínio
ção de um novo mercado de trabalho para qua- acadêmico das universidades chinesas. Em
dros universitários, situado além das frontei- função dessa inquietação, foi realizada uma
ras dos sistemas nacionais de ensino superior. série de discussões internas, a fim de criar
uma metodologia para medir a distância en-
tre as universidades chinesas e as de maior
EMERGÊNCIA DOS RANKINGS IN- reputação mundial. Um professor de química
TERNACIONAIS dessa universidade, Nian Cai Liu, que exercia
o cargo de diretor do Instituto de Ensino Supe-
Num período mais recente, ocorreu a rior, teve papel destacado na elaboração desse
emergência de rankings globais, que visam a ranking. Quando Nian Cai Liu expandiu seu
classificar as instituições de ensino superior universo de comparação, incluindo, em sua
num plano internacional. Seu surgimento pos- análise, 2 mil instituições de ensino superior
sui conexões com um conjunto de mudanças estrangeiras, para classificar as 500 mais des-
que estão em curso no ensino superior, tais tacadas, sua iniciativa adquiriu uma expressi-
como: expansão e diversificação dos sistemas va visibilidade diante dos governos nacionais,
nacionais, incremento da mobilidade estudan- entre reitores, administradores universitários,
til, competição entre instituições para recruta- professores, alunos, fundações de pesquisa,
mento internacional de estudantes talentosos etc. Um dos seus efeitos mais visíveis foi o de
e docentes de prestígio, intensificação da cor- incentivar a corrida pela competição de pres-
rida, em várias partes do mundo, pelo estabe- tigio acadêmico no mercado global de ensino
lecimento de world-class universities etc. Na superior (Liu, 2009).
medida em que o ensino superior se tornou O critério adotado pelo Academic
um ator estratégico na produção de novos co- Ranking of World Universities (ARW) privilegia
nhecimentos e um componente relevante no a produtividade em pesquisa, incluindo núme-
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ções em língua inglesa e determinadas revistas acadêmico que orienta as ações e percepções
científicas internacionalmente referenciadas, de uma multiplicidade de atores e tem incita-
algumas das quais se encontram abrigadas no do uma constante vigilância institucional na
interior das universidades que ocupam posi- performance das universidades que pleiteiam
ções destacadas nos rankings globais. participar da disputa pelas posições mais
Atualmente, existem mais de uma deze- prestigiosas no cenário internacional do ensi-
na de rankings globais. Ao lado do criado pela no superior (Sauder; Espeland, 2009).
Universidade de Shanghai destaca-se o World
University Ranking (WUR), uma iniciativa da
The Times Higher Education que apresenta A corrida para construção
uma lista hierarquizada de 200 universidades, de world class universities
classificadas em duas grandes categorias, por
continentes e por cinco áreas de saber. WUR O processo de formação de um sistema
vem desenvolvendo um ambicioso esforço transnacional de ensino superior não se res-
para apreender com os resultados dos pri- tringe à instalação de campi de universidades
meiros rankings globais e proporcionar uma estrangeiras em outros países, à crescente cir-
perspectiva multifacetada do ensino superior culação internacional de estudantes e profes-
num plano internacional. Nesse sentido, tem sores e à emergência dos sistemas de rankings
procurado incluir várias funções da atividade internacionais. Outra dimensão desse proces-
universitária, tais como a pesquisa, o ensino, so manifesta-se por meio do empenho de vá-
as relações com a empresa e o nível de inter- rios países em criar e (ou) transformar deter-
nacionalização das instituições, vale dizer, sua minadas instituições de ensino superior em
capacidade de atrair estudantes e professores world class university. Em numerosas socieda-
estrangeiros. Inclui também análise de cita- des nacionais, governantes, policy makers, rei-
ções de trabalhos produzidos no interior das tores, entres outros atores, consideram que a
instituições e leva em consideração as opini- construção de universidades que desenvolvem
ões de acadêmicos e de profissionais sobre a pesquisas de ponta poderá reter universitá-
reputação das instituições a serem avaliadas rios em seus respectivos territórios, bem como
(Altbach, 2001). atrair um número considerável de estudantes e
Atualmente, os rankings globais orien- professores estrangeiros, ampliando o proces-
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ganização do ensino superior, que passou a ser acadêmica; os professores universitários chi-
discutido em vários países. neses encontram-se sob forte pressão para au-
A seguir, o artigo, destacará, de maneira mentar o volume de suas publicações em peri-
breve, o impacto do modelo de organização da ódicos indexados e de impacto em suas respec-
vida universitária preconizado pela concepção tivas áreas, sob pena de perder seus postos de
de world class university, em determinados pa- trabalho. Determinadas instituições chinesas,
íses da Ásia, Oriente Médio e Europa. ao vincularem a permanência do docente à sua
O sistema de ensino superior na Chi- produção científica, eliminaram a estabilidade
na, tal como tem ocorrido com outros países no emprego e suprimiram a figura do full pro-
asiáticos, mostrou-se receptivo a esse novo fessor. Essas medidas, que visavam ao aumen-
paradigma de organização do ensino superior. to do rendimento acadêmico, transformaram a
A China tem experimentado um rápido desen- China num dos maiores produtores de artigos
volvimento do ensino superior desde 1980, científicos no mundo acadêmico, atingindo o
contando, atualmente, com aproximadamente patamar de 6% do volume mundial. Nessa es-
1.700 instituições bastante diversificadas. Em teira, ocorreu, recentemente, uma significati-
2009, o sistema de educação terciária absorvia va expansão do seu sistema de pós-graduação.
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Ao mesmo tempo, a China tornou-se uma das Uma das características salientes do sis-
maiores destinações de estudantes asiáticos e tema de ensino superior indiano repousa na
também de outras regiões do mundo, ao lado separação entre instituições de pesquisa – que
dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alema- estão concentradas nos Institutos de Pesquisa
nha e Austrália. Entre 1997 e 2007, o número – e estabelecimentos voltados para atividades
de estudantes internacionais em seu sistema de ensino que, como tendência, têm sido rea-
saltou de 39 mil para 195 mil. Parte desse re- lizadas pelas universidades. Apesar de possuir
crutamento de estudantes internacionais deve- uma imensa população ávida por oportunida-
se também ao fato de determinadas áreas de des educacionais e de manter historicamente
conhecimento, tais como medicina e adminis- uma tradição de liberdade de expressão acadê-
tração, passarem a adotar a língua inglesa em mica, seu sistema de ensino superior situa-se
seus programas de ensino (Hvistendahl, 2008). num patamar aquém do existente na China e
No entanto, um dos maiores desafios em outros países emergentes. Com exceção de
para a China transformar-se num polo compe- alguns institutos de pesquisa, destacadamen-
titivo no sistema mundial de ensino superior te o Instituto Indiano de Tecnologia (IITs), o
repousa na ausência de liberdade de expressão Instituto Indiano de Administração (IIMs), o
no interior das instituições acadêmicas. Se, Instituto Indiano de Ciências Médicas (IIMs)
por um lado, o governo central permite críti- e o Tata Instituto de Pesquisa Fundamental
cas com relação à política econômica, as auto- (TIFR), o sistema de ensino superior apresenta
ridades nacionais exercem um rígido controle uma estrutura inadequada para absorver a de-
nas atividades acadêmicas de professores visi- manda de acesso e possui também um padrão
tantes e monitoram, de perto, as intervenções acadêmico considerado de qualidade insatisfa-
de docentes e estudantes locais. Nesse sentido, tória (Altbach; Jayaram, 2009; Jayaram, 2007).
por mais que se crie uma adequada infraestru- No período subsequente à sua inde-
tura acadêmica e uma política de atração de pendência política, o então primeiro-ministro
estudantes e professores estrangeiros, falta às Jawaharlal Nehru criou os Institutos de Pes-
instituições chinesas a atmosfera propiciada quisa, estabelecendo parcerias com institui-
pela liberdade de expressão, que constitui um ções prestigiosas do ocidente. Embora os IITs
elemento fundamental nas universidades que possuíssem a intenção de fornecer pesquisado-
ocupam o topo das posições nos rankings in- res bem treinados academicamente, esse obje-
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exerce a carreira acadêmica na Índia produziu no superior indiano. Nesse sentido, apontam a
uma conjuntura na qual, numa oferta de qua- existência de uma esclerosada burocracia que
tro vagas para a profissão de docente no ensino governa a vida acadêmica, de plágios e fraudes
superior, pelo menos uma não é preenchida. nos exames escolares e de favoritismo no re-
A ausência de uma infraestrutura aca- crutamento de docentes, além da ausência de
dêmica capaz de produzir um corpo docente uma institucionalização da pesquisa na estru-
treinado em cursos de pós-graduação faz com tura universitária e de incentivos para os do-
que mais da metade dos professores que atu- centes desenvolveram práticas inovadoras no
am no ensino superior na Índia não possua o ensino. Esse conjunto de fenômenos contribui
título de mestre, tampouco o de doutor. Além para a existência de uma cultura de mediocri-
de apresentar uma deficiente qualificação aca- dade acadêmica, pouco propícia para o estabe-
dêmica, os docentes possuem pesada carga lecimento de world class university (Altbach;
horária e ministram seus cursos para classes Jayaram, 2009).
superlotadas de estudantes. Por outro lado, os Enquanto China e Índia têm concentra-
laboratórios se encontram em estado de dilapi- do a atenção nos seus esforços para se posi-
dação física e material. Uma rígida política de cionar de maneira competitiva nos rankings
ação afirmativa, voltada para o recrutamento internacionais, não se pode deixar de assinalar
de professores e estudantes provenientes de as tentativas que a Arábia Saudita vem imple-
castas que ocupam uma posição dominada mentando. Desde o pós-guerra, a economia
no sistema de estratificação social hindu – às local, baseada na exploração do petróleo, vem
quais são reservadas mais de 20% das vagas experimentando um desenvolvimento econô-
–, tem levado a universidade a absorver tanto mico contínuo. O governo central tem a ex-
alunos como docentes com deficiente preparo pectativa de que suas universidades possam
intelectual (Altbach; Jayaram, 2009). gerar novos conhecimentos como um fator
Diante dessa situação insatisfatória, o inesgotável de geração de riquezas, além dos
governo central, apoiado nos estudos realiza- rendimentos advindos da atividade petrolífe-
dos pela Comissão Nacional de Conhecimen- ra. A Arábia Saudita também entrou na cor-
to, lançou, em 2008, um ambicioso plano de rida para construir sua própria universidade
reformas para enfrentar os aspectos disfuncio- de padrão mundial. Em 2009, foi inaugurada
nais do ensino superior na Índia. Tal como está a King Abdullah University of Science and Te-
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ocorrendo em vários países, o governo central chonology (Kaust), que assumiu a missão de
prevê a criação de 30 world class universities integrar ensino e pesquisa e de contribuir para
e a construção de oito novos IITS, sete IIMS a diversificação econômica e tecnológica da
e 12 novas universidades centrais. Para cobrir Arábia Saudita. Com o propósito de se tornar
os custos, o governo destinou a aplicação de uma instituição de excelência acadêmica, tem
2,2 bilhões de dólares, que também serão in- procurado incorporar, em seu quadro docente,
vestidos para elevar os salários dos docentes professores e pesquisadores de várias naciona-
universitários em 70% (Neelakantan, 2009). lidades. Objetivando desenvolver suas ativi-
Segundo alguns estudiosos do ensino dades num patamar de excelência acadêmica,
superior internacional, a disposição do gover- estabeleceu parcerias com várias numerosas
no da Índia de investir na melhoria do seu sis- instituições de outros países, tais como o de-
tema de ensino constituiu um fato edificante. partamento de engenharia mecânica da Uni-
No entanto, demonstram ceticismo em relação versidade da Berkeley, o Instituto de Engenha-
à eficácia das medidas anunciadas, uma vez ria da Universidade do Texas, o departamento
que as novas iniciativas não atacam proble- de ciência da computação da Universidade de
mas crônicos incrustados na cultura do ensi- Stanford, o departamento de ciências biológi-
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ção geográfica. Em função desse cenário, por sity, e ocupar posições de destaque nos rankin-
volta de 1980, as universidades alemãs deixa- gs internacionais, especialmente o criado pela
ram de ocupar uma posição de referência no Universidade de Shangai (Kehm, 2009).
plano internacional e ocorreu um declínio no Diante dessa situação, em 2004, o go-
número de estudantes estrangeiros no seu in- verno federal alterou a rota de funcionamento
terior (Fallon, 2008). do ensino superior: o igualitarismo financeiro,
Nas últimas décadas, o ensino superior que prevalecia até então na relação do governo
na Alemanha vem passando por significativas com as instituições, foi substituído por uma
mudanças, entre as quais vale mencionar: (i) política que passou a privilegiar e a incre-
crescente autonomia de gestão das universida- mentar as melhores instituições que realizam
des diante da regulação estatal; (ii) publiciza- pesquisa e que possuem formação doutoral de
ção do cumprimento de metas institucionais elevado padrão. Em 2006, foi lançado um pro-
propostas; (iii) ênfase na pesquisa científica e grama com o propósito de apoiar iniciativas de
sua articulação com inovação tecnológica; (iv) excelência no ensino superior, contando com
tratamento diferenciado por parte do Estado 19 bilhões de euros, sendo que o governo fe-
para as universidades em função dos níveis deral responde por 75% dos recursos e os esta-
de qualidade acadêmica; (v) avaliação de de- dos com a parte restante. Esse programa prevê
sempenho acadêmico como critério na distri- a disputa pelos fundos financeiros por parte
buição de fundos governamentais; (v) gradati- das instituições que oferecem programas de
va diferenciação salarial do corpo docente em doutoramento, por grupos de pesquisa inter-
função de resultados das atividades de ensino disciplinar e por projetos que se proponham a
e pesquisa; (vi) expressivo aumento da absor- realizar transformações relevantes no interior
ção de estudantes estrangeiros como estratégia da universidade, com o intuito de impulsionar
de internacionalização;(vi) utilização recor- a competição alemã no mercado global de en-
rente da língua inglesa nas atividades acadê- sino superior. O processo de competição pelos
micas (Kehm, 2013). recursos disponibilizados por esse programa
Em 2005, foi lançado o Programa Ex- é extremamente disputado e possui explicita-
zellenzianitiative (Excelência Iniciativa), com mente o objetivo de impelir as universidades
o propósito de apoiar medidas inovadoras no alemãs a atingirem um padrão global. Essas
ensino superior, contando com 1,9 bilhões de iniciativas começaram a produzir resultados
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This article having as analytical reference the Cet article, ayant comme référence analytique
reciprocal relationship between globalization la relation réciproque entre la mondialisation
and higher education, aims to approach some et l’enseignement supérieur, vise à analyser les
changes that are taking place in higher education changements qui opèrent au enseignement supérieur
in contemporary societies. Supported by a pertinent dans les sociétés contemporaines. Soutenu par
literature to the subject, the article pointed une bibliographie pertinente au sujet, l’article fait
out that in the context of globalization, higher remarquer que dans le contexte de la mondialisation,
education is not confined more within the national l’enseignement supérieur ne se limite pas plus aux
societies, but overflows beyond its borders. The sociétés nationales, mais déborde au-delà de ses
article indicates the emergence of certain events frontières. L’article indique l’émergence de certains
that occurred in recent decades leading higher événements qui se sont produits au cours des
education to work in a transnational space. The dernières décennies qui ont conduit l’enseignement
information provided by article tend to indicate supérieur à opérer dans l’espace transnational.
that in contemporary societies higher education is Les informations fournies par l’article tendent à
acquiring an increasingly relational dimension, so indiquer que, dans les sociétés contemporaines,
that universities and their respective countries are l’enseignement supérieur acquiert une dimension
constantly comparing yourself and competing with plus relationnelle, de sorte que les universités et leurs
each other in search of the academic prestige in the pays respectifs sont constamment en comparaison
international context of higher education. et en concurrence les uns avec les autres, tous à la
recherche du prestige académique dans le contexte
international de l’enseignement supérieur.
Carlos Benedito Martins – Doutor em Sociologia. Professor Titular da Universidade de Brasília (UnB),
Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Sociologia. Realizou pós-doutoramento na Universidade
de Columbia. Coordenador da linha de pesquisa Educação Ciência e Tecnologia do Programa de Mestrado
e Doutorado em Sociologia. Atualmente é um dos Coordenadores do GT Configurações do Ensino
Superior Contemporâneo da ANPOCS e do GT Educação Superior na Sociedade Contemporânea da
Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS). É vice-presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (2013-
2015). Membro do Comitê de Assessoramento Institucional da Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Ciências Sociais ANPOCS (2014-2016). Áreas de atuação: Teoria Social, sociologia da
educação e do ensino superior. Publicações recentes: Passado e presente da Sociologia Norte-americana.
Revista Brasileira de Ciências Sociais (Impresso), v. 30, p. 163-169, 2015; Em defesa do conceito de
sociedade. Revista Brasileira de Ciências Sociais (Impresso), v. 28, p. 229-246, 2013; Reconfiguring
higher education in Brazil: the participation of private institutions. Análise Social, v. XLVIII, p. 622-658,
2013.
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