(RA00298651) Disciplina Internacionalização do ensino Professora Yone de Carvalho
Resenha do texto “Internacionalização da educação superior no
Brasil: avanços, obstáculos e desafios” de Clarissa Eckert Baeta Neves e Maria Lígia de Oliveira Barbosa.
O artigo que será abordado nesta resenha trata sobre a
internacionalização da educação superior no Brasil, e o papel das agências de fomento e das entidades representativas de instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas nesse processo; o artigo busca fazer uma análise da experiência das IES e das agências de fomento com esse complexo processo de internacionalização, desde a tradicional cooperação acadêmica internacional, até medidas mais amplas e complexas. É também feito no texto um esboço do que é a internacionalização, em paralelo a um resumo dos principais traços da educação e da pós-graduação brasileira. A partir disso, o texto constata que a internacionalização do ensino superior ainda está em seus momentos iniciais, enfatizando a falta de proatividade das IES no desenvolvimento de políticas internas que favoreçam o processo de internacionalização.
O texto inicia pontuando que a internacionalização sempre esteve
presente na vida universitária, tanto na mobilidade de alunos e funcionários, como também na colaboração acadêmica citada anteriormente; contudo, em pleno processo de globalização, as IES acabam sendo incitadas a aprimorar e renovar os processos de internacionalização. E é justamente esse processo que reflete condições peculiares à globalização que já se estabelecia no início do século 21: a formação de um mercado mundial, as singularidades do multiculturalismo e a competição no mercado científico. Em relação à formação de um mercado mundial, como diz o texto, esse processo pode ser visto na crescente busca por um ensino superior, incluindo em países pobres onde esse ainda é um setor em desenvolvimento; esse cenário acaba por favorecer a mobilidade estudantil, que busca oportunidades. Já no Brasil, as autoras afirmam que os processos de internacionalização são recentes, e enfrentam diversos obstáculos complicados, como por exemplo a barreira linguística e a exacerbada burocracia, o que impossibilita atrair professores estrangeiros ou até mesmo brasileiros provenientes de outras universidades. Já em termos de metodologia, como explica o texto, foram analisados documentos e registros institucionais das principais agências de fomento (especialmente a CAPES) que referem-se à internacionalização; esses documentos foram analisados meticulosamente, desde os níveis superiores da administração pública até o plano das universidades. Tal mapeamento de informações já permite um avanço considerável na pesquisa, mas a perspectiva sobre as universidades continua de forma primária. A seguir no texto, as autores dão início ao subcapítulo “ Internacionalização do ensino superior: um processo complexo e em transformação”, o qual inicia-se afirmando que a internacionalização é um processo social muito complexo, que varia em cada local em decorrência do contexto sócio-histórico de cada um dos mesmos. Sendo assim, o texto volta a destacar a importância da caracterização e análise de diferentes caminhos para o processo de internacionalização, que sejam capazes de absorver as singularidades de cada país. O próprio conceito de internacionalização apresenta variáveis, já que não há uma definição muito clara dos conceitos relacionados a esse processo; contudo, as autoras propõem no texto um conceito elaborado por Knight (2003, p. 2): Internacionalização, nos níveis nacional, setorial e institucional, é definida como o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural, ou global, nos propósitos, funções e oferta [delivery, em inglês] da educação pós-secundária. Relacionado ao conceito de Knight mencionado acima, as autoras ampliam essa concepção com essa menção à De Wit e colaboradores (2015, p 29): O processo intencional de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global na finalidade, nas funções e no provimento da educação pós-secundária, de forma a melhorar a qualidade da educação e da pesquisa para todos os estudantes e professores, e contribuir de forma significativa para a sociedade (grifos no original). A partir daí, Neves e Barbosa destacam a ênfase na intencionalidade da internacionalização, o que permite salientar as políticas e ações institucionais que são voltadas para essa finalidade. Tal processo de internacionalização vêm sofrendo mudanças com o passar do tempo: outrora, de acordo com o texto, a internacionalização se restringia a cooperação internacional, intercâmbio de estudantes, parcerias em pesquisa, educação pluricultural, etc. Já contemporaneamente, a internacionalização está interligada a processos variados e, por vezes, divergentes como a globalização, regionalização, rankings globais, competências internacionais, co-diplomação, cooperação internacional, redes de pesquisa, universidades virtuais, conglomerados educacionais, campi internacionais e MOOCs/Massive Open Online Courses, algumas das características descritas no texto aqui abordado. Essa complexidade relativa ao processo de internacionalização é descrita pelas autoras: Altbach e Knight (2007) destacam que, no século XXI, a internacionalização do ensino superior está se tornando cada vez mais complexa. Aumento de privatização e comercialização do ensino superior, crescimento das IES com fins lucrativos, crescimento das agências reguladoras, novas garantias de qualidade, sistema de rankings globais, redes internacionais de pesquisa e a ênfase crescente nos resultados da aprendizagem e no desenvolvimento de competências influenciaram a forma como o setor terciário vem interpretando e promovendo a dimensão internacional do ensino superior. (NEVES e BARBOSA, 2020, p. 149) A partir disso, o texto destaca a importância das estratégias de internacionalização “at home”, ou seja, na atualidade, a internacionalização não se restringe à um cenário de mobilidade acadêmica, mas sim um processo que requer formulação e monitorização de táticas que proliferam-se em diferentes quadros institucionais. Em relação aos aspectos “at home”, as autoras citam dimensões interculturais e internacionais que podem ser incorporadas aos métodos de ensino, como atividades extracurriculares, integração com diferentes comunidades étnicas, além dos diversos mecanismos de integração de docentes e discentes estrangeiros na rotina universitária local. É cada vez mais comum, como explica o texto, que seja esperado das universidades, além de prover experiências de mobilidade acadêmica em um âmbito internacional, o encargo de integrar perspectivas internacionais e interculturais na vivência de seus alunos; todas essas medidas podem, portanto, ser analisadas sob a ótica de um processo de posicionamento institucional em um sistema de educação superior sempre mais competitivo e internacionalizado, como afirmam as autoras. No subcapítulo “A constituição do sistema de ensino superior brasileiro e as influências internacionais”, o texto aborda como a presença da comunidade acadêmica internacional foi fundamental para o nascimento das primeiras universidades no Brasil; nessa época, era essencial a presença de professores estrangeiros que vinham para o Brasil com o intuito de educar e auxiliar na estruturação das jovens universidades brasileiras, o que pode ser visto na própria Universidade de São Paulo, em 1934. O objetivo principal seria, de acordo com o texto, revitalizar o ensino superior, o que pode ser exemplificado na fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (que tinha professores estrangeiros, majoritariamente europeus) e teve um papel primordial nessa revitalização, o que pode ser justificado pelo próprio texto:
A década de 1950, quando se proclamou a importância dos recursos
humanos para o desenvolvimento econômico e social a partir da experiência de reconstrução da Europa no pós-guerra, provocou, no Brasil, iniciativas governamentais destinadas a qualificar o sistema educacional em geral e a estimular a pesquisa. Nesse contexto, cientistas ligados à Academia Brasileira de Ciência (criada em 1916) engajaram-se para fomentar o desenvolvimento científico no país. Em 1948, foi fundada a Sociedade para o Progresso da Ciência, associação sem fins lucrativos voltada para a defesa do avanço científico e tecnológico e do desenvolvimento educacional e cultural do Brasil. Em 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), com a finalidade de promover o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica através da concessão de recursos para universidades, laboratórios e centros de pesquisas. (NEVES e BARBOSA, 2020, p. 154)
Foi também nesse contexto que foi criada, em 1951, a Campanha
Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (atual Capes) para atender as exigências de melhora na captação de recursos humanos no Brasil; um dos objetivos dessa agência seria garantir recursos para a formação de cientistas e pesquisadores. Também foi nessa época que, de acordo com o texto, o Brasil foi privilegiado com missões acadêmicas que tinham como objetivo fomentar a formação de grupos de pesquisa científica, a partir da iniciativa de fundações norte-americanas. A partir da discussão desenvolvida, as autores concluem que, a partir das definições de Knight e De Wit abordadas no texto, o Brasil possui os traços que caracterizam os processos de internacionalização, que seriam: uma estimulação intencional das atividades e relações do sistema de ensino superior com instituições para além de nossas fronteiras. Tal fato é exemplificado pelas autoras a partir dos programas bem estruturados de cooperação internacional e intercâmbio de docentes e discentes e programas de diplomação conjunta. Contudo, o texto aponta que há limitações, como por exemplo a ineficiência de muitas políticas de internacionalização at home, por mais que muitas universidades tenham secretarias especialmente para esse fim. Nesse âmbito, as autoras destacam a atuação do Capes em criar incentivos e linhas de fomento que visam o crescimento das atividades internacionais dos programas de pós-graduação, além do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A internacionalização do sistema de ensino superior brasileiro ainda possui um caráter primário, e as ações das agências de fomento indicam um leque de possibilidades que ainda não foi de todo explorada, e pode trazer para o Brasil o lado benéfico desse processo, que seria o fortalecimento da qualidade de ensino e a construção de uma noção de equidade; contudo, como aborda o texto, os desafios da internacionalização das universidades brasileiras são ainda marcantes, e podem ser resumidos em pontos mais específicos como por exemplo: reestruturar as gestões universitárias de modo a priorizar a internacionalização, especificar os perfis institucionais de modo a selecionar os parceiros estratégicos adequados e desenvolver políticas originais de posicionamento nos novos âmbitos da competição global. A partir disso, as autoras concluem: Há um longo caminho, portanto, a ser trilhado pelas universidades brasileiras no sentido de internacionalização em nível nacional e de inserção proativa no cenário global. O maior ou menor sucesso dependerá da adequada coordenação de políticas públicas e disposição institucional na definição de prioridades e dos instrumentos de fomento pertinentes. (NEVES e BARBOSA, 2020, p. 171)