Você está na página 1de 26

O GRANDE DEBATE:

ESCOLAS TEÓRICAS DA
GLOBALIZAÇÃO
GLOBALIZAÇÃO E SISTEMAS DE GOVERNAÇÃO

MCP, 2023-24
PROF.ª AUX. CONV. GABRIELI GAIO (GGAIO@EDU.ULISBOA.PT)
PRÉ-AQUECENDO O DEBATE SOBRE A
GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA (PÓS-1989)
1. As bases para a conjuntura contemporânea da globalização (pós-1989) podem ser encontradas na década de
1970:

1970’s

Arrefecimento da Crescente dos fluxos A ‘interdependência


Guerra Fria (Détente) globais de IDE* complexa’

*Investimento Direto Externo


PRÉ-AQUECENDO O DEBATE SOBRE A
GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA (PÓS-1989)

■ O que foi a escola da ‘interdependência complexa’ nos anos


1970?

Os principais exponentes da escola da ‘interdependência


complexa’ foram Robert Keohane e Joseph Nye por meio da
obra ‘Power and Interdependence’, publicada pela primeira vez
em 1977. A obra dos autores foi um marco nas Relações
Internacionais e no estudo da globalização, visto que analisava
em conjunto as mutações da economia política internacional que
vinham se articulando ao longo dessa década.
PRÉ-AQUECENDO O DEBATE SOBRE A
GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA (PÓS-1989)
1. Quais eram as premissas conceituais dessa ‘interdependência complexa’?
Interdependência complexa

Partindo dessas premissas-chave, Keohane e Nye construíram a


Os estados não apresentavam mais o tese de que as relações entre os estados seriam agora demarcadas
monopólio do poder no sistema por um elevado grau de interdependência devido, sobretudo, à
internacional (atores não-estatais) expansão das low politics (principalmente comércio e
desenvolvimento). Essa interdependência seria complexa no
sentido em que tornaria as relações internacionais menos
Os novos temas (low politics/baixa ‘simplistas’. Os estados não mais poderiam apenas guiar-se pela
política) passariam a ser realpolitik, pois estariam todos interligados por uma complexa
fundamentais nas relações rede de atores não-estatais que implicaria a necessidade de criar
internacionais. regimes de crenças e regras partilhadas no nível internacional.
PRÉ-AQUECENDO O DEBATE SOBRE A
GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA (PÓS-1989)

Ainda que Keohane e Nye tenham apontado


para a relevância dos atores não-estatais nas
RI da década de 1970, os autores não
deslocam o eixo estadocêntrico da disciplina.
Ou seja, o estado ainda seria a principal arena
política da globalização por meio da qual tais
atores buscam exercer sua autoridade política.
PRÉ-AQUECENDO O DEBATE SOBRE A
GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA (PÓS-1989)

Ainda assim, a escola da interdependência despertou na academia o olhar mais atento para a a globalização
contemporânea e os novos contornos que ela apresenta para os estados e para as RI como um todo:

Erosão/
relativização de
fronteiras

Desterritorialização/
Certamente, o ponto fulcral e transversal neste
Interdependência
econômica reterritoralização cenário seria o lugar do estado na globalização.
GLOBALIZAÇÃO Sendo o estado moderno (weberiano, legal-
burocrático, soberano e territorial) a epítome da
organização política na modernidade, e agora?
Quo vadis estado?

Alerta de spoiler
Glocal (local-global) Integração regional
DESAFIOS DO DEBATE SOBRE A GLOBALIZAÇÃO
CONTEMPORÂNEA (PÓS-1989)

1. A produção de conhecimento sobre essa nova e nascente conjuntura da globalização, entretanto, enfrentaria
inúmeros desafios do ponto de vista teórico-conceitual e epistemológico que perduram até os dias atuais;

2. O primeiro desses desafios concerne a relação entre estado, modernidade e ciência (no nosso caso, ciências
sociais): se a globalização contemporânea realmente representa uma fragilização do estado moderno ou ao menos
sua relativização, como ficam as ciências sociais modernas?

3. O segundo desafio deriva do primeiro: a dificuldade que as habituais correntes teóricas de pensamento demonstram
ao tentar dar conta e sistematizar a produção do conhecimento sobre a globalização.
CORRENTES TEÓRICAS E O ‘CARNAVAL’ DE
CLASSIFICAÇÕES NA GLOBALIZAÇÃO

Joseph Nye: Robert Gilpin: Liberal,


neoliberalismo, Realista
realismo progressista...

Robert Keohane: Susan Strange:


Realismo liberal, Marxista,
Realismo Institucional, Realista,
Liberalismo Construtivista,
Institucional... Estruturalista...
CORRENTES TEÓRICAS E O ‘CARNAVAL’ DE
CLASSIFICAÇÕES NA GLOBALIZAÇÃO

Mas... Por que o ‘carnaval’ acontece? Será que é porque esses autores são inconsistentes, não entendem de teoria política ou de
RI, ou, ainda, sofrem de alguma instabilidade mental?

NÃO.

Todos esses nomes são ícones no estudo da globalização e apresentam sólidos trabalhos e teorizações. Entretanto, algo comum e
inescapável a todos é a complexidade e o desconforto de se estudar globalização com base em teorias ‘tradicionais’.

Como a globalização é fenômeno multidimensional e multinível, requer dos autores uma grande capacidade de articulação entre
diferentes abordagens teóricas e conceituais.
CORRENTES TEÓRICAS E O ‘CARNAVAL’ DE
CLASSIFICAÇÕES NA GLOBALIZAÇÃO

A difícil - porém
fundamental -
distinção entre
estudar ciência
política e filiar-se
“Nós aprendemos mais ao ultrapassar politicamente.
as cercas.”
CONSTRUINDO ESCOLAS TEÓRICAS PARA
A GLOBALIZAÇÃO
Mas e então? Como nós sistematizamos de forma minimamente didática as produções dos teóricos da
globalização?

Globalização

Escolas

Céticos Hiperglobalistas Transformacionistas

Balão, S. (2014). A matriz do poder: uma visão analítica da globalização e da anti-globalização no mundo contemporâneo. Lisboa: MGI.
Held, D.; McGrew, A. (2003). The great globalization debate: an introduction. In: Held. D.; McGrew, A. (Eds). The Global Transformations Reader: na introduction to the
globalization debate (pp.1-49). Cambridge: Polity Press.
CONSTRUINDO ESCOLAS TEÓRICAS PARA A
GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA: OS(AS)
CÉTICOS(AS)
Mas e então? Como nós sistematizamos de forma minimamente didática as produções dos teóricos da
globalização?

A globalização contemporânea é hiperdimensionada ou

Os(as) céticos(as)
mesmo um mito

Não há nada de novo no sistema internacional na


conjuntura mais recente (lembrar da longa duração)

Não é na realidade um processo ‘global’

Os processos de integração regional demonstram, na


realidade, um ‘protecionismo alargado’ e não um passo
em direção à globalização político-econômica
CONSTRUINDO ESCOLAS TEÓRICAS PARA A
GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA: OS(AS)
CÉTICOS(AS)
Mas e então? Como nós sistematizamos de forma minimamente didática as produções dos teóricos da
globalização?

A globalização contemporânea é realmente algo avassalador


e sem precedentes
Os(as) hiperglobalistas

O tradicional sistema internacional de estados soberanos


tende a desaparecer frente à força da globalização

Caminhamos para um mundo cosmopolita sem fronteiras


(romântico)

?!
Caminhamos para a vitória do capitalismo global como
sistema opressor que captura estados e sociedades
(catastrófico)
CONSTRUINDO ESCOLAS TEÓRICAS PARA
A GLOBALIZAÇÃO
Mas e então? Como nós sistematizamos de forma minimamente didática as produções dos teóricos da
globalização?

Globalização
Essa forma de sistematizar o estudo da
globalização certamente não é perfeita,
mas é a mais comum até o momento e
possui grande valor didático. Em cada
Escolas uma dessas escolas, vamos encontrar
teóricos que, segundo uma teorização
mais ‘tradicional’, jamais poderiam
dialogar entre si numa mesma vertente.

Céticos Hiperglobalistas Transformacionistas

Balão, S. (2014). A matriz do poder: uma visão analítica da globalização e da anti-globalização no mundo contemporâneo. Lisboa: MGI.
Held, D.; McGrew, A. (2003). The great globalization debate: an introduction. In: Held. D.; McGrew, A. (Eds). The Global Transformations Reader: na introduction to the
globalization debate (pp.1-49). Cambridge: Polity Press.
CRÍTICAS A PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO DAS
ESCOLAS TEÓRICAS

1. Originalmente, a proposta de uma nova organização em escolas teóricas no âmbito da globalização

é articulada por David Held & Andrew McGrew (2001);

2. A motivação foi oferecer uma forma didática de “arrumar” as produções teóricas – algumas pré-

existentes inclusive – consoante as peculiaridades do fenômeno da globalização;

3. Contudo, a proposta de Held & McGrew é alvo de diferentes críticas por parte da literatura.
CRÍTICAS A PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO DAS
ESCOLAS TEÓRICAS
“O presente artigo pretende problematizar o suposto
antagonismo entre, de um lado, capacidade estatal e
Globalização
soberania e, de outro, a “globalização”, aqui entendida
como integração dos mercados em âmbito mundial e a
consequente intensificação dos fluxos de mercadorias,
capital, informação e pessoas. Há, aliás, um Escolas
maniqueísmo corrente que costuma reduzir as
abordagens em “globalistas” e “céticos”, como é o
caso de Held e McGrew (2001), que pouco contribui Céticos Hiperglobalistas
para entender o sistema internacional contemporâneo.”

Pautasso, Diego; Fernandes, Marcelo. (2017). Soberania ou “globalização”: reflexões sobre um aparente antagonismo. Austral,
6(11), 221-240.
CRÍTICAS A PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO
DAS ESCOLAS TEÓRICAS: o Maniqueísmo

Pautasso e Fernandes (2017) observam na teorização de Held &


McGrew subjaz a dicotomia não problematizada (neoliberal) entre
estado e mercado e que tal proposta, por isso, pouco ajudaria a
compreender a complexidade do fenômeno da globalização. A
categoria prioritária dos hiperglobalistas enxerga a a globalização
como um jogo de soma zero (soberania (estado) ou globalização
(mercado)). Por essa via, a globalização sempre será vista em
contraposição à soberania estatal. Ao alocarem os teóricos do sistema
mundo e abordagens neomarxistas que debruçam sobre a complexa
relação entre estado, capital e globalização na categoria de “céticos”,
buscam excluir esses últimos dos debates.
CRÍTICAS A PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO
DAS ESCOLAS TEÓRICAS: a marginalização dos
céticos
Sob o enviesamento de um posicionamento normativo-
científico liberal, alocam os teóricos do sistema mundo e
abordagens neomarxistas que historicamente se debruçam
sobre a complexa relação entre formação do estado, capital
e globalização na categoria pejorativa de “céticos”. Isso
acarreta a marginalização ou exclusão esses últimos dos
debates. Por isso, o debate em si empobrece e perde
capacidade analítica em termos do nexo inexorável entre
estado e capital na formação da ordem global
contemporânea.
CRÍTICAS A PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO
DAS ESCOLAS TEÓRICAS: o etnocentrismo (1)

“É interessante observar como abordagens focadas nos discursos “globalistas” e “pós-
vestfaliano” desconsideram demandas básicas da grande maioria dos países, periféricos e
emergentes, representantes de cerca de 85% dos países e da população mundiais à margem do
restrito círculo dos membros ricos da OCDE. A necessidade de compreender as estruturas
hegemônicas de poder e sua ligação com a produção de riqueza em escala global (capital),
situando as contradições e disputas políticas intraestatais, bem como as assimetrias e hierarquias
interestatais, requerem uma compreensão da dialética da “globalização” e uma perspectiva que
escape ao etnocentrismo reinante nas RI.”

https://seer.ufrgs.br/austral/article/viewFile/72394/43951
CRÍTICAS A PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO
DAS ESCOLAS TEÓRICAS: o etnocentrismo (2)

“Por vezes um certo etnocentrismo esquece que os desafios postos nessas regiões
são ainda por conquistas anteriores a qualquer argumento pós-vestfaliano: ao
contrário, a construção de uma infraestrutura básica de energia, transporte e
comunicação; o estabelecimento mínimo de padrões de consumo; a prestação de
serviços públicos de saúde, educação e segurança; e a organização do apa- relho
de administração pública.”

https://seer.ufrgs.br/austral/article/viewFile/72394/43951
CRÍTICAS A PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO DAS
ESCOLAS TEÓRICAS: a terceira via transformacionista ou
pós-cética

Globalização

Dado o desgaste da proposta inicial


com contraposição entre céticos e
hiperglobalistas, o debate teórico sobre
Escolas globalização busca uma sobrevida ao
articular uma terceira via: a
transformacionista ou pós-cética.

Céticos Transformacionistas Hiperglobalistas

https://academic.oup.com/isr/article-abstract/9/2/173/1817776
CONSTRUINDO ESCOLAS TEÓRICAS PARA A
GLOBALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA:
TRANSFORMACIONISTAS

A globalização contemporânea é real e sua conjuntura é diferente ou

Os(as) transformacionistas
mais profunda na longa duração.

A globalização contemporânea implica uma reconfiguração relevante


da soberania e do estado, bem como do sistema internacional, sem
necessariamente leva-lo à ruína.

Os atores não-estatais emanam autoridade política assim como o


estado, implicando um processo constante de acordos e mutações.

Da conjuntura acima, deriva uma visão da globalização enquanto


processo contingencial – ou seja, a gestão permanente das incertezas e
transformações que dela decorrem.
CRÍTICAS A PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO DAS
ESCOLAS TEÓRICAS: a terceira via transformacionista
ou pós-cética

“O argumento feito aqui é que os autores da terceira onda chegam a


conclusões que tentam defender a globalização, mas incluem
ressalvas que, na prática, reafirmam afirmações céticas. (...). Tal
apresentação tem implicações políticas. Os terceiros oscilantes
propõem a democracia cosmopolita globalista quando a substância
de seus argumentos faz mais na prática para reforçar a visão cética
da política baseada na desigualdade e conflito, estados-nação e
blocos regionais e alianças de interesse comum ou ideologia, em vez
de estruturas globais cosmopolitas.”
Luke Martell, 2007
Aprox. 300 citações no Scholar

https://academic.oup.com/isr/article-abstract/9/2/173/1817776
Luke Martell, 2007

https://academic.oup.com/isr/article-abstract/9/2/173/1817776
MAS... E O PODER? ONDE FICA A TEORIZAÇÃO DO PODER?

Estrutura da segurança Estrutura da produção

A pergunta que devemos explorar


doravante não é necessariamente se
o estado vive ou morre. Mas de que
Globalização
forma ele se faz presente (ou não)
na matriz estrutural do poder na
globalização pós-1989.

Estrutura da Estrutura
informação/conhecimento financeira/creditícia

Nota: Poder estrutural vs. Poder relacional. Explorem essa distinção. Dica: estruturas são as regras do campeonato e
relações são o saldo de vitórias/derrotas dos times em campo.
Susan Strange
Strange, S. (1988). States and markets: an introduction to international political economy. Nova Iorque: Basil Blackwell.
MAS... E O PODER? ONDE FICA A TEORIZAÇÃO DO PODER?

1. A autoridade política corresponde à capacidade e habilidade


de manipular as estruturas de poder da globalização:
1. Ela é difusa no sentido em que não está contida nas
instituições tradicionais e burocráticas do estado;
2. Ela não é equilibrada, mas sim partilhada de forma
desigual entre os diversos atores que integram a
globalização;
3. Ela é disputada.

Você também pode gostar