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Vida para Consumo – Baumann

Para introduzir seus argumentos em “Vida para Consumo”, Baumann inicia citando três cases
publicados no jornal The Guardian: primeiro o aumento das redes sociais, em 2006, como forma de
interação e participação social, sobretudo entre os jovens. Quem não está on não existe. Em síntese,
uma sociedade confessional, notória por eliminar a fronteira que separava o público do privado. Em
segundo lugar, o anúncio da criação de um sistema organizado para classificar os clientes de maneira
eficaz, onde os são registrados e classificados os dados do cliente. O sistema de classificação coloca os
cliente em níveis de 1 a 3, sendo 1 o mais importante, o que irá falar com o executivo Sênior da
empresa, e 3 o que irá para o final da fila e será atendido por um atendente de baixo escalão. No artigo
do jornal, é mencionado que tal classificação já era feita antes da existência do software, portanto, este
só vem para facilitar o trabalho e realizar a tarefa de forma eficiente, poupando tempo e desgaste
intelectual dos trabalhadores. Baumann menciona que essa pŕatica é exclusivista e divisória, pois visa
separar os potenciais consumidores dos “consumidores falhos”. Por último, é citado a declaração de
Charles Clarke, ministro britânico na época, que anunciava um novo sistema de imigração baseado em
pontuação, visando atrair para o país os melhores e mais inteligentes e manter afastados os demais.
Essa prática existente em muitos países e é conhecida como “imigração seletiva”.
Os três cases parecem distantes entre si, porém todos mostram pessoas “estimuladas ou
forçadas a promoverem uma mercadoria atraente e desejável” (13), para aumentar o valor de mercado
do produto que estão vendendo, e este produto são elas mesmas. Somos o produto e também os
marketeiros.
Gostaria de abrir um parênteses aqui para citar o exemplo da cantor Luísa Sonza que, quando
iniciou sua carreira na música, passava uma imagem doce e delicada de “boa menina” e não era aceita
na indústria musical, era até mesmo motivo de chacota nas redes sociais. Então, Luísa começou um
processo de remarketing da própria imagem, passou a usar looks e maquiagens mais pesadas, adotando
para si o estilo de “bad bitch”, mudou o estilo de suas produções musicais para se adequar ao que o
público brasileiro estava consumindo e também fez colaborações com artistas que estavam no top das
paradas. Ou seja, Sonza criou uma mercadoria atraente e desejável e hoje é uma das cantoras pop de
maior sucesso no país.
Baumann menciona as análises de Siegfried Kracauer sobre a sociedade berlinense da década de
1920 e os estudos posteriores de Jurgen Habermas acerca do fim da sociedade dos produtores. Sobre as
observações de Habermas, Baumann diz "ele apontou que se a reprodução da sociedade capitalista é
obtida mediante a encontros transnacionais interminavelmente repetidos entre o capital no papel de
comprador e o trabalho no de mercadoria, então o Estado Capitalista deve cuidar para que esses
encontros ocorram com regularidade e atinjam seus propósitos, ou seja, culminem em relações de
compra e venda.” (página 14). Para que isso aconteça, o mercado deve estar disposto e ser capaz de
pagar o preço corrente da mercadoria. Já o trabalho deve ser mantido em condições impecáveis para
atrair os potenciais compradores. Para isso, é necessário a colaboração do Estado, visto que os
empregados precisam ser saudáveis para a execução do trabalho, além de ter disciplina e habilidades de
rotina.

“Acontece que no caminho entre a sociedade de produtores e a sociedade de consumidores, as tarefas envolvidas na
comodificação e recomodificação do capital e do trabalho passaram por processos simultâneos de desregulamentação e
privatização contínuos, profundos e aparentemente irreversíveis, embora incompletos.” (15). Além disso, o Estado
continua reforçando com regularidade a capacidade e disposição do capital para comprar trabalho. O
Estado faz o possível para manter baixos os preços de mão-de-obra, mediante ao desmantelamento dos
dispositivos de barganha coletiva e proteção do emprego, e pela imposição de freios jurídicos às
medidas defensivas dos sindicatos.
A preocupação com a vendabilidade dos serviços de mão-de-obra em massa foi deixada na mão
dos trabalhadores como indivíduos, que agora são persuadidos por publicitários e políticos para usarem
seus próprios recursos para permanecerem no mercado de trabalho ou aumentarem (ou não deixar cair)
seu valor mercadológico. Isso acontece devido a recomodificação do trabalho e é excluida da
responsabilidade governamental direta por meio da terceiração do trabalho. Observou-se um fenômeno
chamado de “o novo espírito do capitalismo”, onde se tem preferencia por empregados flutuantes,
descomprometidos, flexíveis e descartáveis.
O autor apresenta o termo “chateação zero”, usado por empregadores para descrever um
empregado que não tem obrigações ou comprometimentos e que, portanto, pode ser facilmente
realocado, responder chamados de urgência ou realizar tarefas extra. Morar longe do trabalho, ter
mulher ou filhos, aumenta o “coeficiente de chateação”, reduzindo as chances do candidato obter o
emprego. O empregado ideal é uma pessoa sem vínculos, que possa assumir qualquer função com
facilidade, deixando de lado suas anteriores habilidades e que “vista a camisa da empresa.” Ainda sobre
isso, Baumann argumenta que “transferir para o mercado a tarefa de recomodificar o trabalho é o
signficado mais profundo da conversão do Estado ao culto da desregulamentação e privatização.”
(18)
O preço de mercado da mão-de-obra é apenas um dos muitos que precisam ser acompanhados,
observados e calculados na vida individual, porém em todos os mercados seguem as mesmas regras:
1- O destino final de toda mercadoria colocada a venda é a de ser consumida por compradores.
2-Os compradores desejarão obter mercadorias para consumo, apenas SE consumi-las prometa
satisfazer seus desejos.
3- O preço que o potencial consumidor em busca de satisfação esta disposto a pagar pela mercadoria
em oferta depende da credibilidade dessa promessa e da intensidade desse desejo.
O encontro entre os potenciais consumidores e os potenciais objetos de consumo tendem a se
tornar as principais unidades na rede de interações humanas, a sociedade de consumidores. Esse
ambiente existencial se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e à
semelhança entre os consumidores e os objetos de consumo.
A relação entre consumidor e mercadoria é, em síntese, descrita com um retrato dos
consumidores em dois extremos: “patetas e idiotas culturais” ou “heróis da modernidade.” Nessa
perspectiva, o mundo dos consumidores fica dividido entre as coisas a serem escolhidas e os que as
escolhem; as mercadorias e seus consumidores. O problema é que “na sociedade dos consumidores,
ninguém pode se tornar sujeito sem antes de tornar mercadoria.” (20) A subjetividade do sujeito e
tudo que essa subjetividade o permite alcançar, concentra-se em uma busca constante para ela própria
se tornar, e permancer, mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade dos
consumidores é a transformação dos consumidores em mercadorias. “Numa sociedade de
consumidores, tornar-se uma mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos
e os contos de fada.” (20)

CAPÍTULO 1: CONSUMO VS CONSUMISMO

O consumo é rotineiro, banal e trivial. Se visto pela ótica da necessidade humana, como o consumo de
alimentos, é uma necessidade básica. Baumann utiliza do termo “revolução consumista”, e explica
que a mesma ocorre com a passagem do consumo para o consumismo, quando este passa a ser o centro,
o verdadeiro propósito da existência humana.
Baumann coloca o “consumo”, “consumismo”, “sociedade dos consumidores” e “cultura do
consumo”, como o que Weber sugere como os “tipos ideais”: abstrações que tentam apreender a
singularidade de uma configuração comporta de ingredientes que não são absolutamente singulares, e
que separam os padrões definidores dessa configuração da multiplicidade de aspectos que a
configuração em questão compartilha com as outras. (página 8). Quando utilizados de maneira
adequada, os tipos ideais podem ser ferramentas úteis e indispensáveis para analisar aspectos da
realidade social.
É necessário ter bastante clareza na diferença existente entre consumo e consumismo. Primeiro
que o consumo é basicamente uma característica e ocupação dos seres humanos como indivíduos;
enquanto o consumismo é um atributo da sociedade. Ele “chega quando consumo assume o papel-
chave que na sociedade dos produtores era exercido pelo trabalho” (41)
Na sociedade dos produtores, o principal desejo é “a apropriação e posse de bens que
garantam (ou pelo menos prometam garantir) conforto e respeito”( 42). Desejava-se construir um
ambiente seguro e sólido, pensando-se a longo prazo. Nessa era, a posse de um grande volume de bens
implicava uma existencia segura. Sendo a segurança a longo prazo o maior propósito, os bens
adquiridos não se destinavam ao consumo imediato. “Na era sólido-moderna da sociedade dos
produtores, a satisfação parecia residir, acima de tudo, na promessa de segurança a longo prazo, não no
disfrute imediato dos prazeres” (43), isto porque apenas o bens realmente duráveis estavam imunes ao
tempo e poderiam oferecer segurança.
Contudo, o desejo humano por um “estado estável” e segurança não poderia estar presente na
sociedade dos consumidores, isto porque o consumismo, associa a felicidade a “um volume e uma
intensidade de desejos sempre crescentes, o que implica o uso imediato e a rápida substituição dos
objetos destinados a satisfazê-la.”(44)
O consumismo liquido-moderno é notável, sobretudo, pela renegociação do signficado do
tempo. Nessa sociedade líquido-moderno, o tempo não é cíclico nem linear, como costumava ser em
outras sociedades, ele é pontilhista ou pontuado. Nesse modelo de tempo, não há espaço para a ideia de
“progresso”. No tempo pontilhista, é tarefa de cada indivíduo, organizar seus pontos de formas dotadas
de significados.
Baumann caracteriza a sociedade dos consumidores como “agorista” e diz que na vida dos
cidadãos da sociedade consumista, “o motivo da pressa é, em parte, o impulso de adquirir e juntar.
Mas o motivo mais premente que torna a pressa de fato imperativa é a necessidade de descartar e
substituir.”(50)
CAPÍTULO 2 – SOCIEDADE DE CONSUMIDORES

A sociedade de consumidores representa uma sociedade que rejeita qualquer alternativa de opção cultural que não abrace
uma estratégia existencial consumista, mais ainda, que a abrace e a encoraje.

Em grande parte da história da sociedade moderna, a sociedade era basicamente dividida entre a maior parte masculina
como produtores e soldados e a feminina como fornecedora de serviços. Diante disso, a obediência às ordens, a
conformidade às regras e a submissão a uma rotina, eram, entre outros fatores, os principais padrões comportamentais
ensinados a serem fielmente seguidos. Na sociedade dos produtores, os corpos eram valorizados, enquanto seu espíriro
deveria ser adormecido. “a sociedade de produtores e soldados se concentrava na administração dos corpos a fim de tornar
maior a parte de seus membros apta a morar e agir em seu pretenso hábitat natural: o chão da fábrica e o campo de batalha
(página 72)”. Já a sociedade dos consumidores concentra o treinamento de seus membros desde a infância e ao longo da
vida adulta, na adminitração do espírito. Essa mudança de foco é crucial para que membros da sociedade de consumidores
se torne apta para o seu novo hábitat, este estruturado aos redores de shoppings centers, onde as mercadorias são expostas e
procuradas.
Baumann argumenta que desde a infância ocorre esse “treinamento” porque mesmo antes de serem adquiridas as
habilidades de leitura e escrita, já se tem a necessidade de compras. O autor também argumenta que, diferente da sociedade
dos produtores, onde há distinções de gêneros nos papeis atribuidos, na sociedade dos consumidores, não existe estratégias
de treinamentos distintas para meninos e meninas, pois "numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser
e tem que ser um consumidor por vocação (ou seja, ver e tratar o consumo como vocação." (página 75)

Na sociedade dos consumidores, as práticas exclusivistas são muito mais estritas que na sociedade dos produtores, isso
ocorre pois a vocação consumista se dá nos desempenhos individuaís, e os que não cedem (ou não têm condições
financeiras) às ofertas do mercado, são vistos como “consumidores falhos”, uma vez que seguir as normas da cultura do
consumo é universalmente possível pois, mesmo sendo rejeitadas em empregos sendo plenamente capacitadas ninguém é
rejeitado como consumidor. Nesse sentido, consumir significa “investir na afiliação social de si próprio” (página 74), ou
seja, o consumo é um investimento para o “valor social” do indivíduo.

Para o autor, o objetivo crucial da sociedade de consumo esta longe de ser a satisfação das necessidades mas sim a de
elevar as condições dos consumidores à de mercadorias vendáveis. Somos, portanto, mercadoria de consumo em busca de
mercadorias de consumo para satisfarzemos nossa necessidade básica: a de ser um membro autêntico de uma sociedade.
Para entrar nessa sociedade, os indivíduos devem atender às condições de elegibilidade definidas pelos padrões do mercado,
gerando uma competitividade com os outros membros para ter um valor de mercado mais favorável. Com essa perspectiva
os indivíduos exploram o mercado a fim de encontrar ferramentas que os tornem mais valiosos para o mercado.

CAPÍTULO 3 – CULTURA CONSUMISTA

Baumann inicia o capítulo citando as principais preocupações e estímulos alimentados pela sociedade dos consumidores.
Em primeiro lugar, a preocupação de “estar sempre à frente”, sendo referência. O autor faz um adendo de que, em uma
sociedade consumidora, os vínculos humanos são condicionados pelos mercados de bens de consumo, de modo que o
sentimento de pertencimento não é obtido seguindo os procedimentos supervisionados pelas tais tendências, mas "por meio
da pŕopria identificação metonímica do aspirante com a tendência.” (108) Estar a frente transmite a promessa de um alto
valor de mercado.
Em segundo lugar, a mensagem passa uma data, ou seja, conversa com o pontilhismo já mencionado no capítulo anterior. As
tendências devem ser exploradas de imediato, pois têm data de vencimento.
Em terceiro lugar, a possibilidade de escolha – ainda que só se possa escolher entre as opções disponíveis no mercado -

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