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A ECONOMIA DO COMPARTILHAMENTO E A DESREGULAMENTAÇÃO

PÚBLICA DO TRABALHO

Vilmar Pina Dias Júnior1

INTRODUÇÃO

Na última década é possível ver grandes alterações no estilo de vida e trabalho da


sociedade, essas intensas modificações são resultados da expansão da globalização e
desenvolvimento de novas tecnologias, que alteram a organização do trabalho e os processos
de restruturação produtiva e do ramo de serviços.

Entre essas novas tecnologias encontramos empresas-plataforma (Startups), hoje entre


as mais valiosas e poderosas do mundo, sem a necessidade de ter estoque, patrimônio,
almoxarifado, frota de caminhões, máquinas ou instalações. A sua expertise é conectar
consumidores com prestadores de serviço para trocas no mundo físico.

Essas Startups, fazem parte da chamada economia do compartilhamento, que tem os


objetivos de mudar o mundo, por meio da tecnologia, propondo soluções para problemas que
assolam a humanidade por séculos, tornando ultrapassado as velhas empresas e regras.

Mas a promessa não é somente para consumidores, mas também para aqueles
indivíduos vulneráveis, ou seja, desempregados ou desqualificados, que podem tomar o
controle de vidas tornando-se “microempresários”.

As promessas parecem promissoras, mas escondem um lado sóbrio, de incentivo ao


livre mercado e desregulamentação de diversas áreas da sociedade, removendo a proteção e
garantias conquistadas após décadas de luta social e criando formas de subemprego e
precarização de direitos.

METODOLOGIA

1
Mestre em Sociologia (UFPEL), Especialista em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais (UFRGS),
Especialista em Docência do Ensino Superior (URCAMP), graduado em Direito (URCAMP) e professor na
Graduação de Direito e Coordenador da Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas, ambas na
URCAMP. Pesquisador no Grupo de Pesquisas sobre Direitos Humanos e Políticas Públicas para Crianças e
Adolescentes – GEDIHCA. vilmardias@urcamp.edu.br
Baseado em Cea D’Ancona (1998), a metodologia a ser utilizada na pesquisa será
qualitativa método dedutivo. A escolha metodológica é uma decisão sobre os métodos de
análise para entender, no nosso caso, das novas modalidades de trabalho frente as ofensivas
neoliberais e as startups de compartilhamento. Em um primeiro momento, realizar o
levantamento bibliográfico para captar o entendimento da doutrina, mais precisamente dos
autores reconhecidos pela academia.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A possibilidade de comprar produtos ou contratar prestações de serviço por meio da


rede mundial de computadores já não algo tão novo assim, porque já estamos acostumando a
usar os aplicativos pelo smartfone, para solicitar um meio de transporte, escolher e pedir
comida, fazer compras de roupas, livros e muitas outras coisas, reservar hotel ou a moradia de
algum desconhecido por intermédio de plataformas digitais.

Muitas dessas plataformas digitais (aplicativos) não deixam claras as suas intenções,
pois eles não vendem somente um produto ou um serviço, mas algo a mais, como
preocupações ambientais, preocupações anticonsumistas, de facilitação de compartilhamento
de objetos e outras ideias altruístas.

Mas já diz o ditado popular, “de boa intensão o inferno está cheio”, isso porque a
maioria das empresas tornaram-se grandes corporações, captando do mercado financeiro
bilhões de dólares em investimentos e faturando outros bilhões. O que a economia do
compartilhamento fez somente o dinheiro trocar de mãos, por exemplo das grandes locadoras
de veículos para o UBER, das grandes livrarias para o AMAZON, das grandes redes de hotéis
para o BOOKING (SLEE, 2017).

Ocorre que a grande armadilha não está em trocar o dinheiro de uma mão para outra,
está na generalização de trabalhadores mal pagos, sem qualquer segurança, em todos os
sentidos, propagando uma economia de mercado e desregulando diversas áreas de nossas
vidas, até então protegidos por regramentos estatais. As empresas da economia do
compartilhamento se defendes dizendo que não são responsáveis, pois o seu objetivo é
somente a interação social, ligar as pessoas, entre os iguais, para realização de negócios entre
si.
A economia do compartilhamento chega no embalo das ideias neoliberais que buscam
a desregulamentação para proporcionar ao capital melhores condições de negócio, portanto o
trabalhador brasileiro, mais especificamente, já vem sofrendo desde a década de 1980, essa
ofensiva, que na década de 1990 conseguiu aprovar na legislação trabalhista, outras formas de
contrato de trabalho além do contrato indeterminado.

Ultimamente o neoliberalismo teve sua grande vitória no campo do trabalho,


aprovando uma reforma trabalhista, alterando mais de cem pontos na Consolidação da Leis do
Trabalho (CLT), implantando a flexibilização e desregulamentação de regras trabalhistas
historicamente instituídas e resultando em precarizar direitos.

O direito do trabalho que historicamente calcado no princípio da proteção, defendendo


o trabalhador dos abusos do patronato, não encontra ferramentas para defender o trabalhador
frente aos novos fatos apresentado, pois trata-se de contratos de curta duração, dirigidos a
trabalhadores independentes.

A atual legislação, pensada para a era industrial, no artigo 2º e 3º da CLT geram


controversas nas questões sobre a alteridade e subordinação. No caso da alteridade do artigo
segundo, que diz que os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador
e no caso da economia do compartilhamento esses riscos são diluídos em uma multidão de
trabalhadores-microempreendedores, autônomos, engajados e disponíveis (FELICIANO,
PAQUALETO, 2019).

Da mesma forma, a subordinação, os requisitos tradicionais para a sua configuração,


como poder de modulação, poder de fiscalização e poder punitivo, também são coletivizados
entre a empresa de compartilhamento e o consumidor, por exemplo quem aplica o valor é o
UBER, mas quem decide é o consumidor e da mesma forma a fiscalização que é feita pelo o
consumidor, ao classificar o motoristas com estrelas, até mesmo a punições é difícil de
mensurar, pois somente o UBER sabe a lógica da distribuições das corridas. Assim a
subordinação clássica não encontra amparo na situação fática (FELICIANO, PAQUALETO,
2019).

Essa crise na configuração dos institutos tradicionais do direito do trabalho são


reflexos de que alguns autores consagrados ao analisar a sociedade atual, como Bauman
(2011), Gorz (2005), Bridges (1995) e Rifkin (2004) referem-se em suas obras, sobre as
alterações do mundo do trabalho impulsionadas por ideias neoliberais, que flexibilização e
desregulamentam normas e implantam de novas formas de trabalho, acabaram fragilizando o
trabalho ao ponto de questionarem a condição de esfera central da condição humano na
sociedade atual.

A onda neoliberal é tão radical nas relações trabalhistas que Oliveira (2009) argumenta
que estaríamos passando por uma virada ontologia, em que o direito do trabalho passaria a
defender os postos de trabalho e perderia o seu principal objetivo da proteção do trabalhador
hipossuficiente. As reflexões de Oliveira (2009) tornam-se realidade evidentes e colocadas na
prática com a aprovação da reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou de desregulamentou
vários direitos e preparou um ambiente propício para os negócios, de ideias afim com a
economia do compartilhamento.

O autor vai além em sua reflexão, ele propõe um novo direito do trabalho, baseada em
fundamentos da dignidade humana, para romper com a ideia de empregado e ir além, criar e
implantar direitos que proteja todos, ampliar a atuação da legislação trabalhista para que possa
defender os parasubordinados, trabalhadores avulsos, intermitentes, autônomos e outras
formas de trabalho, preservando-lhes um direito mínimo e assegurando-lhes uma vida digna.

Estamos passando por uma crise, momento de transições no campo do trabalho,


portanto a sociedade deverá refletir os melhores rumos a serem tomados para que seja
garantido qualidade de vida e trabalho para o maior número de pessoas.

CONCLUSÃO

Com o avançar da singela pesquisa bibliográfica realizada, é possível verificar que a


propaganda existente sobre o funcionamento das Startups de sucesso não traz benefícios a
sociedade de forma igualitária, como querem passar a imagem, pois o crescimento do ramo
bilionário, se dá graças a exploração de pessoas vulneráveis, devido a posição social de
desempregados, não lhe restando muitas vezes a possibilidade de escolha e mesmo assim
encontram-se desamparado perante as leis trabalhistas, que não encontram suporte fático para
fazer justiça.

As Startups atuam nas brechas da lei ou pegam carona nas ideias neoliberais para
desregulamentarem toda a proteção e garantias historicamente conquistadas por meio de lutas
sociais.
Se faz necessário um novo pacto social para construir um novo direito do trabalho,
para que possa abordar as novas realidades de mundo do trabalho, diferente da propagada
“modernização” da última reforma trabalhista, que tinha os objetivos diferentes da ampliação
de direito, de forma que possa dar uma vida digna as diversas formas de trabalho existente.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2011.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 1943. Disponível em:


<http://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 30 julho
2020.

BRIDGES, W. Mudanças nas relações de trabalho: como ser bem-sucedido em um


mundo sem empregos. São Paulo: Makron Books, 1995.

CEA D’ANCONA, Maria Ángeles. La organización de la investigacon In Metodología


cuantitativa: estrategias y técnicas de investigacíon social. Madrid: Editorial Sínteses.
1998.

FELICIANO, Guilherme Guimarães, MISKULIN, Ana Paula Silva Campos, Infoproletários


e a Uberização do Trabalho: Direitos e justiça em um novo horizonte de possibilidades,
São Paulo: LTr, 2019.

GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume, 2005.

OLIVEIRA, Murilo C. Sampaio. (Re)pensando o Princípio da Proteção na


Contemporaneidade. São Paulo, LTr. 2009.
RIFKIN, Jeremy, O fim dos empregos: o continuo crescimento do desemprego em todo o
mundo, São Paulo: M.Books do Brasil Editora Ltda, 2004

SLEE, Tom, Uberização: a nova onda do trabalho precarizado, São Paulo: Editora
Elefante, 2017.

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