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Para tratarmos do tema em questão, é importante falarmos do trabalho no contexto histórico.

Momento em que o homem e a mulher foram, e ainda são agentes capazes de transformação das
matérias naturais em produtos necessários para atender suas necessidades básicas e assim garantir
sua sobrevivência. Essas atividades de manipulação, manuseio ou tratamento dos materiais passou
a ser característica de trabalho. Mais à frente essas atividades ou trabalhos sofreram uma ruptura
com o padrão natural. Ou seja, a medida em que a sociedade ia se organizando e se estruturando,
essas atividades deixaram de ser apenas voltadas ao saciamento das necessidades até então
momentâneas. Com isso, surgiu a dependência de se obter ferramentas que fossem utilizadas para
tratar das matérias de transformação o que fez com que essas ações foram se tornando repetitivas
proporcionando habilidade até então limitadas apenas à captação de alimentos para subsistência,
mas que se expandiam às diversas atividades que foram surgindo lentamente com o decorrer dos
tempos.

Na obra Economia Política de José Paulo Netto e Marcelo Braz, citando sucintamente, os autores
trazem reflexões de Karl Marx, onde acentuam muito bem a relação do trabalho com a natureza via
existência do homem. Trazem a noção de que o trabalho deixa de ser uma ação individual, ou seja,
passa a ser atividade relacionada ao desenvolvimento social na percepção de que a coletividade
passa a resguardar e proporcionar maiores benefícios ao homem (ser humano), pois este diferencia-
se dos demais serem vivos por terem a capacidade de realizar atividades orientadas; terem
objetivos; serem dotados de ideias; poderem se expressar e se comunicar através de uma
linguagem articulada, além de tratar e organizar ideias, bem como escolherem alternativas e
socializar-se.

Percebemos que o trabalho deveria ser executado de forma livre, por vontade do homem e da
mulher que, ainda por necessidade, pudessem exercer. Mas a história nos traz fatos totalmente
adversos ao que é o ideário perfeito da sociedade.

A isto, o trabalho escravo, originário do Oriente Médio, que fez parte das civilizações antigas, com
registro também nas Américas por entre os povos maias, foi uma mancha na história da
humanidade.

Deveria este fato ser um registro apenas da antiguidade, porém não está muito distante do que
acontece atualmente.

Bem... hoje, após a revolução industrial que marcou a década de 1970, vimos surgir um novo mundo
“o mundo globalizado” que trouxe desde então diferentes formas de trabalho, ocasionando
constantes transformações da sociedade, consolidando ainda mais o trabalho como o fator
necessário para aquecer a economia, com a percepção de normatização dos padrões sociais,
culturais e por consequência os avanços tecnológicos que contribuem para o desenvolvimento de
uma nação.
Assim, impossível não imaginarmos o trabalho como forma necessária de construção de uma
sociedade e do desenvolvimento de uma nação. No entanto, não podemos deixar de lado conceitos
norteadores, balizadores capazes de alcançar a sociedade de forma digna.

Nessa esteira, Karl Marx – Livro O Capital, em argumentação faz a relação de capital, trabalho e
alienação, ao meio de produção onde o empregador exige do trabalhador o produto em busca da
comercialização visando acumulo de capital, distanciando o mesmo agente de produção do que se
foi produzido e por fim, tornando o trabalhador sujeito incapaz de atender suas vontades em prol de
uma imposição de produtividade.

Quanto a Bauman, sociólogo polonês, ao tratar da modernidade líquida em 1960, que se


referenciava principalmente da predominância das relações econômicas sobrepostas às relações
sociais e humanas e por observar que a lógica do consumo, ou seja, a ideia de que comprar,
consumir, estariam também comprando afeto e atenção, trazendo o conceito de relações fracas e
líquidas.

Portanto, como mencionado anteriormente a sociedade está em constante transformação e não se


pode deixar de considerar os avanços tecnológicos e seus efeitos pelo mundo.

Vejamos! Em pouco mais de duas décadas, assistimos e fizemos parte dessa evolução em ritmo
acelerado. Nesse período, fomos da máquina de escrever; telefone; tv em preto e branco à
computadores modernos, celulares de última geração com infinitas utilidades e televisores de alta
resolução de imagem.

A internet se popularizou, tornando acessível a boa parte da população. A inteligência artificial e


outras tecnologias saíram do imaginário futurístico e passaram a fazer parte do dia-a-dia das
pessoas. Os programas de informática deixaram de ser de usados exclusivamente em computadores
e passaram a ser ferramentas utilitárias por meio de aplicativos em smartfones, onde além de
armazenar dados e informações pessoais, possibilitam a realização de diversas atividades que antes
eram exercidas mediante ao comparecimento da pessoa à sede da instituição detentora de
determinado serviço contratado pelo indivíduo. Cito aqui a forma de pagamento eletrônico;
transferência bancária; marcação de consultas sem a limitação de horário de funcionamento. E de
maior importância é o avanço tecnológico na medicina, tanto no desenvolvimento dos equipamentos
capazes de dar um diagnóstico preciso, quando na eficiência do atendimento dos serviços por meio
digital.

Percebamos quão é inevitável a utilização dessas ferramentas tecnológicas para o cotidiano das
pessoas nas mais diversas áreas. Seu uso vem de aplicativos de utilidade doméstica, perpassando
ao acesso aos serviços públicos até a realização das atividades profissionais.
Nota-se que o desenvolvimento desses instrumentos nos trouxe, com automação, a possibilidade de
ampliar campo de abrangência de atividades remuneradas, agilizar os processos de vendas,
melhorar o atendimento ao cliente, entre inúmeras outras possibilidades.

Depreende-se, com isso, apontar vantagens existentes relacionadas as práticas constituintes de um


novo modelo de pensamento liberal econômico: a teoria do Keynesianismo que norteou o
fortalecimento econômico de países como o Estados Unidos após a grande depressão de 1926.
Aduz o Estado a intervenção na economia sempre que necessário no intuito de evitar retração e
garantir emprego através de medidas como “defesa da intervenção estatal em áreas que as
empresas privadas não podem ou não desejam atuar; Oposição ao sistema liberal; Redução de
taxas de juros; Equilíbrio entre demanda e oferta; Garantia do Pleno Emprego; Introdução de
benefícios sociais para a população de baixa renda, afim de garantir um sustento mínimo”, fontes:
revista eletrônica politize.

Observemos que a invocação do Estado não se limita apenas na intervenção direta da economia de
uma nação, pois tem, também, a função de garantir os direitos do seu povo. É o que preconiza
nossa Constituição Federal de 1988, que entre suas linhas, inclui-se o amparo ao trabalhador diante
do seu empregador. No que tange as normas específicas defensoras dos direitos dos trabalhadores,
temos em nossa legislação o Decreto-Lei nº 5.452, de 1ª de maio de 1943 – CLT – Consolidação das
Leis do Trabalho, que traz em seu art. 1º, normas que regulam as relações individuais e coletivas de
trabalho, nela previstas, sendo alterada posteriormente pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017,
que tem por finalidade adequar a legislação às novas relações de trabalho.

Falando em adequar as relações de trabalho, não podemos esquecer um dos fatores que foram se
suma importância para o crescimento de desenvolvimento de ferramentas na atualidade. Refiro-me a
Pandemia da doença COVID-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que assolou o mundo e
que ainda nos deixa em estado de alerta. Bem, segundo fontes da Biblioteca Eletrônica Científica on-
line, com o artigo: COVID-19 e Tecnologia Digital: Aplicativos Móveis Disponíveis Para Download Em
Smartphones, temos o seguinte “Acerca das licenças para divulgação na loja virtual, 16 aplicativos
(30,8%) pertenciam a empresa privada; nove (17,3%), a órgão de saúde estadual; oito (15,4%), a
órgão de saúde federal; sete (13,5%), a órgão federal internacional; seis (11,5%), a órgão de saúde
municipais; quatro (7,7%), a instituições sem fins lucrativos; um (1,9%), a instituição financeira
federal; e um (1,9%), a hospital público universitário.”

Não resta dúvidas que a pandemia foi um divisor de águas. As pessoas tiveram que se reinventar.
Buscar mecanismos diversos para vender seus produtos e serviços. Nos revelou o inevitável: a
dependência dos meios tecnológicos, principalmente de aplicativos de smartfones que possibilitaram
o acesso a diversos tipos de serviços nesse momento crítico.

A partir daí passamos a tratar do novo conceito de trabalho, um mecanismo flexível que utilizando-se
de aplicativo o profissional pode cadastrar-se e passar a ofertar seus serviços sem vínculo
empregatícios com a plataforma detentora dos mecanismos necessários para maior abrangência de
oferta.

Com essa definição, surge o termo uberização, que na CLT não há definição de condições
reguladoras “amarrem” o vínculo do prestador de serviços com a empresa que permite o uso de sua
plataforma.

Segundo a revista eletrônica conecta.me, o artigo “uberização do trabalho o que e quais suas
consequências”, o termo teve início no brasil em 2014 com a chegada da empresa UBER, mas
somente em 2017 e 2018 o termo se fortaleceu diante da crise econômica enfrentada pelo país. O
mesmo artigo traz também que segundo fontes do IBGE, ainda que, no primeiro semestre do
corrente ano, estima-se o número de 12 milhões de pessoas desempregadas o que aumenta o
número de trabalhos informais.

Nesse breve argumento, não podemos deixar de observar que não é recente que o brasileiro em
busca de sustento, quando desligado das suas funções de trabalhador formal, se proponha a
trabalhar no mercado informal ou mesmo já inicie sua vida profissional em volto desse tipo de
lacuna.

É certo que o cidadão deve escolher bem, quando possível, que atividade quer exercer e se preparar
para tal. Assim como em diversas atividades tem seus pontos e contra pontos, a uberização, quando
bem trabalhada, pode conceder ao usuário da plataforma a possibilidade de flexibilizar seus horários
estabelecendo cronograma de horas de trabalho sendo, além de uma maneira de fugir do
desemprego, pode estabelecer relações de parceiras com seus clientes fiéis e desvincular-se da
plataforma quando assim achar conveniente.

O termo uberização, discutido aqui hoje, proveniente do termo em pauta “Novas Relações
Trabalhistas e a Uberização do Trabalho”, embora novo em “legenda”, faz, há muito, parte do
cotidiano de milhares de pessoas, que longe do mercado formal de trabalho, buscam meios de
captar recursos para sustentar suas necessidades básicas, e assim o faz aquele que tem no Uber
um meio de garantir seu sustento através do trabalhando.

Nesse momento, lhes pergunto: Será que esse tema deveria ser discutido somente na atualidade?

Quem não tem conhecimento da existência frequente, principalmente nos interiores das cidades, de
pessoas que dependam de carro de “lotação”: Aquelas caminhonetas D-20, que ainda realizam o
transporte de pessoas aos centros comerciais das grandes cidades?

Devemos esquecer do vendedor ambulante que andava de porta em porta ofertando seus produtos
ou do vendedor de pipocas, que com sorte se estabelecia fixamente em um determinado pronto das
praças, bem como todos os trabalhadores que não estão com seus nomes registrados como
funcionários de um CNPJ?
Há muito, temos na sociedade o trabalho informal e não é devido o Estado intervir na liberdade, no
poder de decisão do cidadão, no entanto, é preciso reconhecer que este é de suma importância não
para coibir, mas para regulamentar evitando possíveis abusos e promover ajustes necessários.

Citei anteriormente a nossa Constituição Federal. A garantidora dos nossos direitos e deveres como
cidadãos, na qual deve igualmente ser respeitada por todos. Bem... em seu art. 1º temos: “a
dignidade da pessoa humana”, princípio constitucional atualmente utilizado como escudo de defesa
aos direitos dos cidadãos diante dos serviços titulado como uberização.

Constam em nossa constituição também o art. 3º que no inciso 1º traz como um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária; no art. 5 em seu caput, dentre outros direitos, temos o da liberdade; em seu inciso XIII: “é
livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais
que a lei estabelecer”; e mais ainda, no art. 6º temos que são direitos sociais a educação, a saúde,
a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte e outros...

Então, diante do relatado é correto afirmar que o Estado reverte dos impostos, os benefícios aos
cidadãos na forma expressa? Se faz justo uma análise profunda sobre o que é de direito do cidadão
e o que realmente lhe dado como garantia desses direitos. Em outras palavras, se o Estado não
garante saúde digna, educação de qualidade, moradia adequada qual a moral que esse mesmo
Estado tem para coibir o cidadão de optar pelo trabalho que lhe for adequado no momento?

É incoerência, não trazermos para nosso interior as dificuldades diárias que um pai e/ou mãe de
família. É impossível imaginar, que um indivíduo não se disponha a trabalhar por impedimento alheio
a sua vontade, sufocando-o ao não atender suas necessidades.

Trago novamente à mesa o princípio da dignidade da pessoa humana, para indagar onde buscar a
dignidade do homem e da mulher quando estes não têm de onde tirar o sustento seus e de seus
filhos? Onde estará a dignidade do ser humano quando na precisão não ter a liberdade de trabalhar
para poder saciar suas necessidades básicas?

Com todo respeito aos demais Ministros que posicionam contrários ao meu voto... não devemos
tratar do tema sem termos o devido cuidado às vontades do trabalhador que deve ser livre de
escolha. Reconhecer que o mesmo carece de amparo onde nossa legislação não alcança e que
possamos avançar buscando soluções justas a todos. Por isso, para o momento, deixo claro meu
voto como favorável que o cidadão possa escolher se quer ou não aderir a uma plataforma de
trabalho quando bem lhe convir ao mesmo tempo em que se encaminhe o tema para o legislativo,
que respeitando a constituição, delibere diretrizes justas e eficazes.

Por fim, se me permitem, venho citar trechos de uma letra musical do compositor e cantor Raul
Seixas – Ouro de Tolo, que muito bem retrata a real situação do cidadão brasileiro:

Eu é que não me sento


No trono de um apartamento

Com a boca escancarada, cheia de dentes

Esperando a morte chegar

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